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EDIÇÃO 8 AGOSTO, 2018 CEBC BRIEFING A Nova Era do Direito na China: Rule of Law e Reformas Jurídicas no Socialismo Chinês Foto: KCRG.com

CEBC BRIEFING · Evandro Menezes de Carvalho é doutor em direito Internacional pela Universidade de São Paulo (2005), com doutorado sanduíche na École Doctorale Concept et Langage

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EDIÇÃO 8 AGOSTO, 2018CEBC BRIEFING

A Nova Era do Direito na China: Rule of Law e Reformas Jurídicas no Socialismo Chinês Fo

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EDIÇÃO 8 AGOSTO, 2018CEBC BRIEFING

CEBC Briefing é uma publicação periódica do Conselho Empresarial Brasil-China com relatos de eventos realizados pelo CEBC, incluindo transcrições, depoimentos, apresentações e materiais similares.

Elaboração: Tulio Cariello, Gabriel Fragoso, Izabela Knust

A Nova Era do Direito na China: Rule of Law e Reformas Jurídicas no Socialismo Chinês

Relatos do Café China com Evandro CarvalhoSÃO PAULO, 29 dE AGOSTO dE 2018

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A oitava edição do Café China de 2018 teve como convidado Evandro Menezes de Carvalho, Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP) / Université Paris-Sorbon-ne (Paris IV). Atualmente é professor de Direito Global e Coorde-nador do Núcleo de Estudos Brasil-China da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). O tema de sua palestra foi a nova era do direito na China, com destaque para a evolução do Estado de Direito e as reformas jurídicas no socialismo chinês.

EvaNdRo CaRvalho

Evandro Menezes de Carvalho é doutor em direito Internacional pela Universidade de São Paulo (2005), com doutorado sanduíche na École Doctorale Concept et Langage da Université Paris-Sorbonne (Paris IV). Professor de direito Global e Coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV direito Rio. Professor da Faculdade de direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi Senior Scholar na Shanghai University of Finance and Economics (SUFE - Xangai, China) no Programa da China Scho-larship Council em conjunto com a Organização dos Estados Americanos para o período 2012-2014. Se-nior Foreign Expert do Center for BRICS Studies da Universidade Fudan (Xangai, China - 2014-2015) no âmbito do High-end Foreign Experts Recruitment Program implementado pelo State Administration of Foreign Experts Affairs, da China. Participou do Visiting Program for Young Sinologists 2018 organizado pelo Ministério da Cultura da China e pela Chinese Academy of Social Science (CASS). Foi um dos 60 especialistas estrangeiros convidados pelo governo chinês para participar do Meeting of Consultation of Foreign Experts com o Primeiro Ministro Li Keqiang (2015). É Vice-diretor da Academe of BRICS Laws da Southwest University (Chongqing, China). É também Editor-Chefe da revista China Hoje em parceria com a China International Publishing Group e Editora Segmento. Especialista em instituições jurídico--políticas chinesas e política externa chinesa.

A ChINA EStá ENtRANDO EM UMA NOVA FASE PARA O DIREItO,

qUE COMEçOU A CUMPRIR UM PAPEl IMPORtANtE PARA O EStADO E PARA O PARtIDO”

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Carvalho compartilhou com os presentes que esteve na China de-senvolvendo atividades de pesquisa, onde procurou se dedicar ao tema do direito no país asiático. De acordo com o acadêmico, sua principal motivação e objetivo para esse foco foi a reflexão de

como o direito irá se desenvolver em um país como a China, cujo perfil está mais próximo de um regime autoritário do que de uma democracia de fato.

Sua primeira hipótese preliminar para essa questão é de que a China - ape-sar de todo o poder concedido ao presidente Xi Jinping - está entrando em uma nova fase para o direito, que começou a cumprir um papel importante para o Estado e para o Partido.

Em 1949, quando a República Popular da China foi fundada, a presença dos militares era muito forte, assim como a imagem de Mao Zedong. Já no início das reformas e abertura, durante o período de Deng Xiaoping no poder, os engenheiros e economistas também ganharam proeminência no projeto de desenvolvimento do país. Nesse sentido, Carvalho afirmou que sua hipótese repousa na crença de que é a vez de os juristas assumirem papel de destaque no país. Isto é, chegou o momento no qual o direito passará a cumprir um papel importante para o processo de construção e desenvolvimento da China rumo às duas metas centenárias1.

1 A primeira meta – 2020 – se refere aos cem anos do partido comunista, fundado em 1921. A segunda meta centenária – 2050 – se refere aos cem anos de fundação da República Popular da China.

Um dos aspectos importantes nesse contexto de mudanças se relaciona diretamente com a própria inserção da China na economia mundial: o rá-pido desenvolvimento do país asiático, paralelo à chegada de novas gera-ções ansiosas para ter maior participação no mercado internacional, aliado a complexidade da sociedade, que ainda possui um grande contingente de pobres e, portanto, desigualdades marcantes, também ajudam a explicar o porquê de o direito ter assumido um papel tão importante atualmente. An-teriormente, a sociedade chinesa era mais uniforme, até mesmo do ponto de vista econômico, e não tão urbanizada quanto a contemporânea. Cerca de 50% da população chinesa atualmente reside nos centros urbanos, e a tendência é que esse número continue a subir até alcançar a meta de 70%.

Nas décadas entre 1950 e 1970, o governo contava com determinadas nor-mas sociais e com a cultura chinesa para exercer seu papel. Em outras pa-lavras, o governo chinês atuava amparado pelo confucionismo – algo que Mao Zedong tentou afastar do horizonte da China durante seu governo. Mao combateu fortemente o confucionismo e seu conjunto de regras mo-rais que fortaleciam o caráter passivo da população chinesa. Ao então líder interessava que os chineses se engajassem no combate contra os contrar-revolucionários e, para isso, instigou a juventude do país a denunciar pro-

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fessores e familiares, por exemplo. Essa atitude contrariava a doutrina con-fucionista, centrada no respeito à autoridade, ao professor e aos familiares.

Essas regras tradicionais de conduta permitiam, de certo modo, a manuten-ção da estabilidade social. Porém, no momento em que a China atual passa a se tornar um país altamente complexo, é sintomático que o presidente Xi Jinping promovesse novamente o confucionismo. Em suma, de um lado Xi promove o confucionismo e, de outro, proporciona o “Rule of Law”, que pode ser traduzido como “Estado de Direito”.

Segundo Carvalho, Xi Jinping utiliza o confucionismo com o objetivo de afastar a ascensão – não ameaçadora, porém já reconhecida – do islamismo e do cristianismo na China, além de manter a população relativamente sob controle. Paralelo a isso, o confucionismo auxilia no processo de constru-ção de uma cultura jurídica do Estado de Direito no país. Esse amparo se faz muito importante visto que a sociedade chinesa vem adotando novas relações sociais pautadas no consumo e na busca por riqueza, resultando no declínio da força dos ideais comunistas, socialistas e marxistas na so-ciedade contemporânea. Nesse sentido, o direito passa a assumir um papel importante no país.

Entretanto o que está por trás disso e qual será o impacto dessa ascensão do direito para o futuro? As normas jurídicas estão sendo usadas para for-talecer o Estado ou o Partido? Carvalho mencionou ter recebido ano pas-sado, na FGV, o professor he Jiahong da Renmin University. he faz parte da comissão do governo que estuda as políticas para o Estado de Direito no país asiático. Em conversa com Carvalho, o jurista chinês declarou ser a favor de que a China se torne uma democracia de fato, porém assume a po-sição de que o país não está preparado para isso no momento. he afirmou que é preciso, primeiramente, desenvolver na sociedade chinesa o Estado de Direito, a cultura jurídica e o respeito ao direito.

Carvalho destacou que esse raciocínio se parece muito com a crítica que os chineses faziam à abertura política da URSS. Nesse sentido, há uma per-cepção muito clara de que a evolução do Estado de Direito se coloca como uma política para o fortalecimento da institucionalização da relação entre Partido e Estado. Isso se consolidou fortemente após os eventos de tianan-men, em 1989. Anteriormente, havia a ideia de realizar uma separação razo-ável entre Partido e Estado, mas após o incidente prevaleceu a percepção de que seria melhor manter o Partido no controle.

“A PROMOçãO DO EStADO DE DIREItO SE INSERE NA INStItUCIONAlIZAçãO DO PODER DO PARtIDO POR MEIO DA CONStItUIçãO DE UMA POlítICA DE OBSERVâNCIA DO DIREItO PElA EStRUtURA DO EStADO”

Carvalho afirmou que o direito deve possuir um papel mais relevante, pri-meiramente por conta da preocupação em fazer a sociedade chinesa - por meio da cultura do Estado de Direito - se adequar a essa realidade posta e governada pelo Partido; e em segundo lugar para possuir maior controle sobre o Partido. Xi Jinping iniciou seu primeiro mandato com uma campa-nha contra a corrupção. Essa foi a primeira bandeira de seu governo, de modo que as políticas de desenvolvimento do Estado de Direito na China estão, em certa medida, relacionadas à política de combate a corrupção dentro do Partido – e que agora passa a ser um combate à corrupção em toda a estrutura do Estado.

A evolução do estAdo de direito nA ChinA e As reCentes reformAs instituCionAis

A hipótese central apontada por Carvalho sugere que a promoção do Estado de Direito se insere na insti-tucionalização do poder do Partido por meio da constituição de uma po-lítica de observância do direito pela estrutura do Estado.

Nesse sentido, o jurista se propôs a fazer uma breve explicação acerca da estrutura do Partido e do Estado para então entrar no debate sobre a evolução do Estado de Direito e as reformas institucionais que ocorre-ram na China recentemente.

CliQue AQui E SAibA mAiS SobRE AS REfoRmAS iNStituCioNAiS

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Na base da estrutura há cerca de 90 milhões de membros do Partido Co-munista que se reúnem a cada cinco anos em seu Congresso Nacional. No contexto da última reunião, realizada em 2017, foram definidas as linhas e diretrizes principais para os próximos cinco anos, que deverão ser obser-vadas pelos governantes e atores estatais, tanto do executivo quanto do legislativo e judiciário.

O Congresso Nacional conta com um Comitê Central - com aproximada-mente 350 membros - que por sua vez possui um Birô Político e, por fim, inserido nesse, há o Comitê Permanente do Birô Político do Comitê Central – o colegiado mais importante, com um total de sete membros. O Secretá-rio Geral Xi Jinping se encontra no topo da estrutura.

estrutura do PCCh

Xi Jinping

Li Keqiang Li Zhanshu Wang Yang

Secretário-Geral (1)

Comitê Permanentedo Birô Político do

Comitê Central (7 membros)

Birô Político do Comitê Central(25 membros)

Comitê Central(aprox. 350 membros)

Congresso Nacional do PCCh(2.300 delegados)

Partido Comunista da China - PCCh(aprox. 90 milhões)

Comitê PermAnente do Birô PolítiCo do 18º Comitê CentrAl do PCC

Wang Huning Zhao Leji Han Zheng

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O alto escalão do Partido Comunista sabe que o principal fator de legitimidade está na comunica-ção do que se pretende fazer e em sua realização de fato. Essa dinâmica se distingue dos regimes mais fechados em que governantes não prestam contas. O governo chinês tem essa preocupação de se comunicar com a população e explicitar suas metas, não apenas para o público interno, mas também para o externo. Ano passado, o Con-gresso Nacional do Partido teve a presença de mais de mil correspondentes internacionais. Após as reuniões, os relatórios de trabalho referentes a prestação de contas dos cinco anos anteriores fo-ram amplamente divulgados na imprensa chinesa. Portanto, há um compromisso perante a popula-ção, que possui expectativas sobre o cumprimen-to das promessas por parte do governo.

Para se manter no poder, o Partido se preocu-pa em atingir as metas. Nesse sentido, Carvalho afirmou que é importante prestar atenção nas declarações do governo chinês. Por exemplo, não foi dada muita credibilidade ao governo

chinês quando Xi Jinping anunciou o plano de desenvolvimento do futebol na China, o que fez com que bons negócios fossem desperdiçados.

Dentro do Comitê Central há, de um lado, a Co-missão Central de Inspeção Disciplinar, destina-da ao combate à corrupção, e de outro a Comis-são Militar Central, da qual Xi Jinping é o chefe supremo. Dessa forma, podemos afirmar que Xi ocupa a trindade do poder na China: é Secretá-rio Geral do Partido, chefe da Comissão Militar Central e Presidente de Estado. Além disso, o Comitê Central possui ascendência sobre o go-verno do Estado da República Popular da China. Abaixo dele há o poder executivo subdividido entre Presidência e Conselho de Estado; o poder legislativo composto pela Assembleia Popular Nacional; e o poder judiciário.

O Congresso Nacional do Partido e seu Comitê Central seriam as mais altas instâncias do gover-no chinês. Como dito anteriormente, o Congres-so Nacional é realizado uma vez a cada cinco

anos, convocado pelo Comitê Central, e esse Comitê Central é eleito pelo Congresso Nacio-nal para um mandato também de cinco anos, e reúne-se pelo menos uma vez por ano. quando o Congresso Nacional do Partido não está em sessão, o Comitê Central orienta todo o trabalho e representa o Partido Comunista. Já quando o Comitê Central não está em sessão, o Birô Polí-tico e seu Comitê Permanente exercem as fun-ções e competências do Comitê Central.

A Assembleia Popular do Estado, ou Popular Nacional, – portanto, o legislativo do Estado – se reúne uma vez por ano, geralmente no mês de março, por duas ou três semanas. As leis são aprovadas por um sistema de unanimidade. terminada a sessão da Assembleia Popular Na-cional, os deputados ingressam em diversos co-mitês. Isso pode ser comparado a Comissão de Assuntos legislativos do Brasil, ou a Comissão de Relações Exteriores. Portanto, na China exis-tem vários comitês que possuem função tanto de divulgar as políticas do governo quanto de se reunir o máximo possível com a população den-tro daquele setor ao qual deve obter feedback. Assim, tanto o Partido quanto a estrutura do Es-tado possuem uma preocupação de manter uma espécie de ouvidoria com a população para, jus-tamente, não se fechar demais.

A Comissão Militar do Estado funciona como um braço do Partido Comunista, visto que as forças armadas da China têm como primeira obrigação defender e proteger o Partido, e não o Estado. Além disso, o primeiro ministro e chefe de gover-no da República Popular da China, li Keqiang, é também vice-primeiro-ministro do Conselho de Estado. li, portanto, faz parte do braço executi-vo do Estado ao lado de Xi Jinping.

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No primeiro mandato de Xi houve uma aparente divisão de poder entre ambos, o que causou certo desentendimento entre grupos. A imprensa pu-blicou muitos artigos nos jornais chineses criticando a política econômica do país. Carvalho afirmou que aqueles que não costumam acompanhar as notícias dentro da China poderiam até mesmo pensar que a imprensa es-tava demonstrando independência por estar criticando o próprio governo. Entretanto esses artigos tinham o objetivo de enfraquecer li Keqiang, que era cobrado pelo sucesso da política econômica interna. Portanto, os arti-gos que criticavam a política econômica não estavam criticando, necessa-riamente, o presidente Xi Jinping.

A partir da reforma constitucional atual houve a inclusão de um novo órgão de supervisão ao lado do Congresso Nacional, do legislativo, da Corte Su-prema e da Procuradoria. Isso é importante para os chineses, uma vez que a Assembleia Popular Nacional é vista como um órgão acima do judiciário e até mesmo do executivo, isto é, acima dos demais poderes do Estado. quando questionam um chinês sobre a tripartição dos poderes, costumam responder que o poder pertence ao povo. Portanto, para os chineses a si-tuação do Brasil, por exemplo, em que três ministros do tribunal Superior Eleitoral poderiam cassar a chapa da ex-presidente Dilma Rousseff é vista como uma incoerência. Em suma, o sistema de assembleias populares é vis-to pelos chineses como parte essencial da estrutura do Estado. trata-se do cerne do que eles chamam de Democracia Socialista ou Regime Socialista com características chinesas.

Sobre esse sistema de assembleias populares, Carvalho mencionou a Con-ferência Consultiva Política do Povo Chinês, que se reúne quase pari passu a Assembleia Popular Nacional. Diferentemente do Congresso Nacional do

Partido, que se reúne apenas uma vez a cada cinco anos, a Assembleia Popular Nacional se reúne todos os anos. Além disso, paralelamente a essa sessão da Assembleia Popular Nacional, há a sessão da Conferência Con-sultiva Política do Povo Chinês. Por isso, esse evento é conhecido na China como “As Duas Sessões”.

A Conferência Consultiva Política do Povo Chinês não é um órgão de Es-tado, na verdade é subordinada ao Partido Comunista e é integrada por pessoas escolhidas pelas Conferências Consultivas das Províncias. Dessa forma, essa conferência se assemelha a um grande órgão consultivo e a uma grande ouvidoria para o Partido Comunista. Enquanto a Assembleia Popular Nacional tem três mil deputados, a Conferência Consultiva Política possui por volta de dois mil.

“O SIStEMA DE ASSEMBlEIAS POPUlARES é VIStO PElOS ChINESES COMO PARtE ESSENCIAl DA EStRUtURA DO EStADO. tRAtA-SE DO CERNE DO qUE ElES ChAMAM DE DEMOCRACIA SOCIAlIStA OU REGIME SOCIAlIStA COM CARACtERíStICAS ChINESAS.” Fonte: CaixaBank Research

the structure of Political Power in China

Politburo Standing Committeeof the Communist Party

Communist Party

National People’s Congress

Direct control

State Counsil(Prime Minister

+ Ministers)

President of the People’sRepublic of

China

CentralMilitary

Commission

Courts andProsecutors

Exerts influence over

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o desenvolvimento dA ChinA e A estrAtégiA ABrAngente de Xi JinPing

Em seu primeiro mandato, Xi Jinping falou sobre a estratégia abrangente de quatro vertentes.

A primeira diz respeito a construção de uma so-ciedade moderadamente próspera em todos os aspectos. Carvalho salientou que essa noção de “moderadamente próspera” não é apenas uma retórica. toda a questão do PIB per capita e de outros números quantitativos que o governo es-tabelece para alcançar esse objetivo são uma luta que a China enfrenta para que em 2020 não haja mais pobreza no país. Essa é uma das prin-cipais prioridades do governo de Xi Jinping.

Nesse sentido, a meta de 2050, por sua vez, tem como objetivo apresentar a China como um país desenvolvido, ainda que isso tenha seus custos

políticos na esfera internacional. O fato de a Chi-na ainda insistir em ser um país em desenvol-vimento - considerando seu PIB per capita - é uma forma também de se beneficiar de algumas isenções e situações no âmbito da Organiza-ção Mundial do Comércio (OMC), por exemplo. Portanto, o governo chinês não quer assumir o custo de se colocar como um país desenvolvido ainda, pois seu objetivo não é de avançar apenas na economia, mas também no âmbito político, cultural, da saúde e educação. todas essas áreas também entram em uma linha de metas e planos do governo.

A segunda vertente refere-se ao aprofundamen-to abrangente da reforma. A 3ª Sessão Plenária do 18º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) aprovou uma “Decisão do Comi-tê Central do PCCh sobre Certas questões Im-portantes relativas à Expansão do Aprofunda-

mento da Reforma”. Este documento delineou o cronograma e o roteiro até 2020. Carvalho ob-servou que nos primeiros 40 anos de reforma e abertura havia o componente de reforma das instituições internas, enquanto a abertura para o exterior tinha o componente de trazer o mundo até a China, sobretudo de incentivar investidores estrangeiros a investir no país. quando Pequim ingressou na OMC, houve o movimento inverso, pois desde então a China tem forte presença no exterior. Portanto, o processo de abertura tem a preocupação de que os interesses, investimen-tos e empresas chinesas no exterior precisam se proteger juridicamente. Ou seja, o Estado de Direito funciona não apenas como pressão para atender aos investidores estrangeiros na econo-mia interna da China, mas também para prote-ger os interesses chineses no exterior.

A terceira vertente se refere ao fortalecimento da autodisciplina do Partido. Atualmente, o pro-cesso seletivo para ingressar no Partido se tor-nou mais rigoroso. há uma preocupação cada

“O GOVERNO ChINêS NãO qUER ASSUMIR O CUStO DE SE COlOCAR COMO UM PAíS DESENVOlVIDO AINDA, POIS SEU OBJEtIVO NãO é DE AVANçAR APENAS NA ECONOMIA, MAS tAMBéM NO âMBItO POlítICO, CUltURAl, DA SAúDE E EDUCAçãO.”

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vez maior na China de que haja quadros com formação superior no exterior. Portanto, os chi-neses almejam uma nova elite para governar o país no futuro. Carvalho salientou que existem programas no CGtN (China Global Television Network) sobre medidas do Partido para melho-rar seu perfil.

A quarta vertente diz respeito ao avanço abran-gente da governança baseada em leis. Ou seja, o direito definitivamente assume um papel impor-tante no processo de desenvolvimento chinês rumo a se tornar um país desenvolvido. Assim, se antes o direito era deixado de lado, hoje passa a ser um instrumento importante de governança e de promoção da estratégia chinesa. Além dis-so, na quarta vertente é importante mencionar que o Governo Xi elaborou o novo plano para promover a segurança baseada na lei. é a pri-meira vez, inclusive, que a sessão plenária do Co-mitê Central do Partido elegeu o Estado de Di-reito como tema principal. Portanto, ao lado das questões econômicas, a promoção do Estado de Direito foi também muito discutida pelo Partido em anos recentes.

Carvalho salientou que parte do discurso chinês defende que as leis, conceitos e métodos do Es-tado de Direito sejam legisladas cientificamente, empregadas no trabalho e usadas para resolver problemas. quando Deng Xiaoping quis afastar as “influências negativas” do Maoísmo, uma de suas estratégias discursivas foi promover o de-senvolvimento científico, isto é, que as decisões fossem tomadas com base em dados e estudos empíricos, e não com base em ideologias.

O governo chinês possui uma política de fazer projetos pilotos antes de nacionalizar uma políti-ca científica. Por exemplo, antes de permitir que a etnia han2 pudesse ter dois filhos, o governo chinês autorizou que determinadas províncias adotassem a política que quisessem em relação ao tema. O governou observou e analisou o com-portamento desses lugares em relação às dife-rentes políticas públicas e depois adotou aquela

que considerou mais apropriada nacionalmente. Portanto, essa abordagem é um pouco diferente da brasileira, em que um projeto de lei é discuti-do sem possuir um planejamento prévio. Assim, antes da flexibilização da política do filho único, o governo chinês fez uma pesquisa do impacto do número de nascimentos previstos e, a partir dos resultados, aumentaram o número de enfermeiras nos hospitais e o número de equipamentos para se preparar para o “boom” de recém-nascidos.

Carvalho mencionou que o conceito chave do segundo mandato de Xi Jinping foi o “Socialis-mo com Características Chinesas para uma Nova Era”. é um desdobramento do conceito inaugura-do em seu primeiro mandato, que foi a busca pelo sonho chinês – um conceito bastante etéreo para uma sociedade pragmática. Carvalho destacou alguns trechos de seu discurso, visto que tem um impacto em sua própria política legislativa.

“há UMA PREOCUPAçãO CADA VEZ MAIOR NA ChINA DE qUE hAJA qUADROS COM FORMAçãO SUPERIOR NO EXtERIOR. PORtANtO, OS ChINESES AlMEJAM UMA NOVA ElItE PARA GOVERNAR O PAíS NO FUtURO.” 2 han é o maior grupo étnico da China e representa quase 92% da população do país. Os 8% restantes são compostos por uma minoria

de 55 grupos étnicos reconhecidos pelo governo chinês.

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Xi Jinping afirmou que a nação chinesa é, atualmente, bastante firme no oriente. Ela se levantou, cresceu e agora abraça as perspectivas de rejuve-nescimento – o que está bastante ligado a ideia do sonho chinês. Além dis-so, Xi Jinping declarou que vê a China se aproximando do “centro do palco” e fazendo maiores contribuições para a humanidade. Por fim, Xi ofereceu a “sabedoria” e “abordagem” chinesas para ajudar a resolver os problemas da humanidade.

Essas duas últimas afirmações são interessantes uma vez que Xi Jinping assume abertamente certa pretensão chinesa e, de certo modo, segue um conceito diferente de Deng Xiaoping, de que os governantes deveriam ser mais discretos. Além disso, essas afirmações também tem um impacto na própria diplomacia e em como a China desenvolve sua ação internacional, porque passa a incorporar elementos chineses na elaboração do direito e na constituição das Organizações Internacionais planejadas por ela.

Esse ano houve a primeira sessão da 13ª Assembleia Popular Nacional, na qual se aprovaram as reformas institucionais e algumas diretrizes jurídicas que foram anteriormente apresentadas no Congresso Nacional do Partido no ano anterior. Nesse sentido, a 13ª Assembleia Popular Nacional de 2018 ficou conhecida, sobretudo, pela notícia da reforma do artigo 79 da consti-tuição, que elimina a restrição de uma única reeleição.

Entretanto muitas outras reformas jurídicas estão em cursos na China. A mí-dia brasileira colocou em foco o debate a respeito do artigo 79, mas não des-tacou também a promoção de uma série de reformas institucionais e planos de reestruturação dos ministérios na China. houve um considerável redese-nho dos ministérios e agências na China, e o Brasil precisa fazer um estudo mais detalhado de suas funções e como elas irão operar a partir de agora.

“hOUVE UM CONSIDERáVEl REDESENhO DOS MINIStéRIOS E AGêNCIAS NA ChINA, E O BRASIl PRECISA FAZER UM EStUDO MAIS DEtAlhADO DE SUAS FUNçõES E COMO ElAS IRãO OPERAR A PARtIR DE AGORA.“

“NOS últIMOS 30 ANOS, O NúMERO DE JUíZES NA ChINA tRIPlICOU E MAIS DE 90% DOS DIStRItOS POSSUEM SOCIEDADE DE ADVOGADOS – SãO 2.547 SOCIEDADES DE ADVOGADOS lOCAIS A NíVEl DIStRItAl.”

Atualmente na China há uma média de 600 departamentos ou faculdades de direito. Carvalho citou dados da Intelligence Unit, que realizou uma ava-liação do número de aberturas de universidades na China de 2001 a 2014, e é possível observar que foi aberta praticamente uma universidade por se-mana. hoje há mais de 600 mil profissionais de direito – a maioria concen-trada nas grandes cidades. há também uma tendência clara de que esses profissionais se espalhem por todo o país. Nos últimos 30 anos, o número de juízes na China triplicou e mais de 90% dos distritos possuem sociedade de advogados – são 2.547 sociedades de advogados locais a nível distrital. No mês de março deste ano ocorreu a reunião dos presidentes dos supre-mos tribunais da China e dos países de língua portuguesa para aperfeiçoar também a interação entre os profissionais da área do direito na China com os profissionais da área de direito no mundo.

Além disso, na reforma das instituições foi criado um novo órgão para su-pervisionar o aparelho estatal, denominado “Comissão de Supervisão”. Esse é outro argumento de fortalecimento do poder jurídico na China, uma vez que o cidadão chinês que é funcionário público - mas não membro do Parti-do - está sob supervisão dessa comissão. Portanto, esses indivíduos exigem do Estado regras mais claras para que possam se proteger de uma acusa-ção política de corrupção.

Em suma, Carvalho destacou que há uma série de outros fatores que irão trazer novos significados ao papel do direito, como a maior presença chi-nesa na OMC, a internacionalização do país e as novas tensões sociais que passam a exigir do governo instrumentos mais sofisticados de controle. Esses são elementos que exigem a criação de um contingente de pessoas que operam na área do direito.

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há também uma reforma do sistema judicial em curso, o que implica na profissionalização e na independência dos órgãos governamentais, so-bretudo no que tange uma maior abertura para a admissão de erros de julgamento. Em 1980 e 1990, a preocupação da China era de arrumar um culpado para “acalmar a sociedade”. Nesse sentido, os direitos do réu acabavam sendo pre-judicados uma vez que a proteção da sociedade e da harmonia era a prioridade. Atualmente, esse discurso começou a mudar. A área de direito na China já afirma que o réu precisa de proteção e garantia de seus direitos.

Por fim, Carvalho mencionou que o comunica-do oficial emitido no final da sessão plenária do 18º Comitê Central do PCCh declarou que para atingir o Estado de Direito, o país deve ser go-vernado de acordo com a constituição. Antiga-mente, os chineses costumavam afirmar que o

debate constitucional era “coisa de país ociden-tal”, como se fosse algo que precisava ser afas-tado. Entretanto, os chineses passaram a enten-der a constituição como algo importante para a condução da governabilidade do país. Por isso, atualmente, a partir das reformas constitucio-nais, os funcionários públicos na China devem prestar juramento à constituição do Estado – algo inédito na história.

“OS ChINESES PASSARAM A ENtENDER A CONStItUIçãO COMO AlGO IMPORtANtE PARA A CONDUçãO DA GOVERNABIlIDADE DO PAíS. POR ISSO, AtUAlMENtE, A PARtIR DAS REFORMAS CONStItUCIONAIS, OS FUNCIONáRIOS PúBlICOS NA ChINA DEVEM PREStAR JURAMENtO à CONStItUIçãO DO EStADO – AlGO INéDItO NA hIStóRIA.”

A imagem mais simbólica desse acontecimento se deu quando Xi Jinping foi reeleito e prestou juramento para seu segundo mandato. Nunca um presidente chinês assumiu sua função pres-tando juramento perante a constituição do Es-tado. Essa foi uma mensagem clara de Xi Jin-ping para mostrar que o direto agora assume um papel importantíssimo: o exercício do poder em função das normas do Estado.

CliQue AQui E ACESSE A APRESENtAÇÃo oRiGiNAL Do PRof. DR. EvANDRo mENEzES DE CARvALho

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Page 13: CEBC BRIEFING · Evandro Menezes de Carvalho é doutor em direito Internacional pela Universidade de São Paulo (2005), com doutorado sanduíche na École Doctorale Concept et Langage

[email protected] +55 21 3212-4350www.cebc.org.br

PRESIdENTEEmbaixador Luiz Augusto de Castro Neves

PRESIdENTE EMÉRITOEmbaixador Sergio Amaral

VICE-PRESIdENTES

José Leandro BorgesSuperintendente Executivo do Bradesco

Marcio Senne de MoraesDiretor de Relações Externas da Vale

Sulivan AlvesGerente de Relações Corporativas da BRF

dIRETORES

Luiz Felipe TrevisanDiretor Corporate & Investment Banking do Itaú BBA

Nelson SalgadoVice-Presidente de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Embraer

Pedro Aguiar de FreitasSócio do Veirano Advogados

Roberto Amadeu MilaniVice-Presidente da Comexport

dIRETORA dE ECONOMIAFabiana D’AtriEconomista Coordenadora do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco

MEMBROS HONORÁRIOSLuiz Fernando FurlanIvan Ramalho

SECRETARIA EXECUTIVA

Secretário Executivo

Roberto [email protected]

Coordenador de Análise e Pesquisa

Tulio [email protected]

Assistente de Pesquisa

Gabriel [email protected]

Analista de Eventos

Denise [email protected]

Administração

Jordana Gonç[email protected]

Estagiária

Izabela [email protected]

Projeto Gráfico

Presto Design

Apoio nesse evento:

SOBRE O CEBCFundado em 2004, o Conselho Empresarial Brasil--China é uma instituição bilateral sem fins lucrati-vos formada por duas seções independentes, uma no Brasil e outra na China, e dedicada à promoção do diálogo entre empresas dos dois países.

O CEBC concentra sua atuação nos temas estru-turais do relacionamento bilateral sino-brasileiro, com o objetivo de aperfeiçoar o ambiente de co-mércio e investimento entre os países.

As seções do CEBC têm autonomia completa e pau-tam sua atuação de acordo com os interesses de seus associados, mantendo intensa cooperação para o fomento do comércio e de investimentos mútuos. A seção chinesa, sediada em Pequim, tem suas atividades coordenadas e supervisionadas pelo Ministério do Comércio da China (MOFCOM) e integra a estrutura do Conselho para Promoção de Investimento Internacional da China (CCIIP).

O CEBC foi, em 2015, reconhecido oficialmente, no Plano de Ação Conjunta assinado entre o Brasil e a China, como o principal interlocutor dos governos na promoção das relações empresariais entre os dois países.