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Celebrando a Palavra “Ano C” Pe. Fernando Armellini, S. C. J.

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Celebrando a Palavra

“Ano C”

Pe. Fernando Armellini, S. C. J.

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Apresentação

Amados pregadores da Palavra,

1. Alegro-me convosco, irmãos, porque, pela graça de Deus e pelos vossos esforços, a palavra de Deus se expande e se difunde sempre mais.

Sei que alguns dentre vós, servindo-se do livro que explica as leituras, preparam sozinhos a mensagem a ser transmitida aos cristãos das próprias comunidades. Outros se preparam em grupos: durante a semana reúnem-se com os animadores das comunidades vizinhas e estudam em conjunto a Palavra de Deus do domingo seguinte. Outros ainda contam com a colaboração dos membros da equipe missionária, que consideram este compromisso como o mais importante da própria atividade apostólica.

Como podeis observar, os caminhos são diferentes, mas pode-se constatar que a Palavra de Deus é apresentada nas nossas comuni-dades com uma eficiência sempre maior. É anunciada, participada e se torna oração e esperança para quem sofre, força e defesa para quem é vítima de injustiças e também intercessão para aqueles que causam tantas dores e tantas lágrimas aos irmãos.

2. Durante este ano seremos acompanhados pelo Evangelho de Lucas, que nos fala do amor e da ternura de Deus para com os pobres, para com os últimos, para com todos os que enfrentam si-tuações desesperadoras:

• todos os que passam fome e sede; • todos os que não têm com que se agasalhar; • os doentes e as vítimas de violências; • os que são condenados injustamente;

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• os que sofrem as consequências dos erros cometidos; • todos os que têm certeza de terem arruinado a própria vida

de forma irremediável;• todos os que foram privados injustamente dos próprios bens

e da própria honra;• todos os que se sentem rejeitados, até mesmo por alguns que

se consideram amigos de Deus; • todos os que têm medo de Deus.

Para todos estes, o Evangelho de Lucas tem uma palavra de esperança. Mostra que nenhuma situação pode ser considerada como definitivamente comprometida: sempre é possível reconstruir uma vida, porque Jesus está sempre ao lado de quem errou, ao lado de quem enfrenta problemas. Para isto é que ele veio.

3. O livro do Deuteronômio nos relata uma norma muito enter-necedora, estabelecida por Deus para o seu povo: “Quando segares a messe no teu campo e deixares por esquecimento algum feixe, não voltarás para levá-lo. Deixá-lo-ás para o estrangeiro, o órfão e a viúva” (Dt 24,19).

Os rabinos do tempo de Jesus teciam um comentário muito interessante sobre essa lei. Diziam: todos os preceitos do Senhor devem ser observados de forma consciente; só este, para poder ser cumprido, exige que não estejamos conscientes. Com efeito, quem está atento ao que faz, não esquece um feixe no campo e, por con-seguinte, não pode cumprir este preceito.

Mas por que Deus estabeleceu este preceito? Porque quer mostrar que é Ele mesmo que se preocupa com os pobres e com os mais fracos da sociedade. É Ele quem lhes providencia o alimento... fazendo que o agricultor esqueça alguma coisa.

No Evangelho deste ano frequentemente ouviremos falar dos pobres, dos fracos, dos deserdados, dos pecadores, daqueles que cometeram erros na vida... Lembremo-nos: estas pessoas, rejeitadas por todos, são as preferidas de Deus.

4. Irmãos, em nossos dias, na nossa terra, há muitos pobres que passam fome, que são vítimas de doenças, que choram, que sentem necessidade de amor. Queira Deus que a vossa mensagem lhes transmita acima de tudo esperança, paz, alegria.

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Prouvera que os batizados, os catecúmenos e todos os que, aos domingos, participam do banquete da Palavra, nas vossas comuni-dades, saíssem sorridentes das vossas capelas e igrejas.

Sejam as vossas palavras simples, claras, densas de compara-ções e de exemplos, como eram as do Mestre. Através dos vossos lábios, o Pai quer comunicar a sua Palavra de conforto e de esperança para todos os que dela precisam.

Sei quanto amor sentis pela Palavra de Deus que anunciais. Sei a quantos sacrifícios vos submeteis para servir a vossa comunidade. Sei o quanto sofrestes para manterdes a vossa fidelidade ao Mestre!

Jesus, o Senhor, está convosco todos os dias. Convosco também estão o meu apreço, a minha oração e a minha bênção.

O AutOr

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Tempo do Advento

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Respondia o Batista:“Quem tem duas túnicas, dê uma ao que não tem;e quem tem o que comer, faça o mesmo” (Lc 3,11).

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1. O Ano Litúrgico

O ano é como uma roda de 365 raios: continua a rodar sempre: terminada uma volta, começa outra e assim continua sem parar. A nossa vida é composta de 20, de 50, de 70 dessas voltas, de quantas o bom Deus nos conceda passar neste mundo.

Os raios de uma roda estão todos unidos, no centro, a um eixo.Pensai, então, que este eixo seja formado por uma grande luz

que irradia o seu esplendor para todos os pontos da roda. Portanto: o eixo, a luz é Cristo que ilumina todos os dias do ano

com a sua mensagem, com a sua palavra, com a sua vida. Será, porém, suficiente receber essa luz somente uma vez?Sabemos que não é possível conhecer uma pessoa num único

encontro de poucos minutos. Para que um rapaz e uma jovem se sintam enamorados não é suficiente que se tenham encontrado uma única vez por ocasião de uma festa; é necessário repetir os encontros para que cada um possa conhecer o coração do outro, para poder avaliar se conseguirão viver juntos; somente após um determinado tempo terão condições de tomar a decisão de constituir uma família. Da mesma forma, a pessoa de Cristo não pode ser apresentada num único dia, com poucas palavras.

Se, no decurso de um ano, chovesse uma única vez, por acaso as nossas lavouras produziriam alguma coisa? Não, com certeza. Para poder colher muito trigo, muito milho, muito feijão, muito amendoim, é preciso que haja sol e que chova muitas vezes, com regularidade.

A Igreja, que é nossa Mãe, quer que todos os instantes da nossa vida sejam iluminados pela luz do Mestre. Quer que entendamos

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sempre mais profundamente os seus ensinamentos: deste modo, a nossa vida inteira será transformada e se identificará com o Evangelho.

Para alcançar esse objetivo, o ano foi dividido em partes, denominadas tempos litúrgicos, cada um dos quais existe em função de uma grande festividade.

Poderíamos dizer, portanto, que o ano é como uma roda de festas que nos apresentam todos os aspectos fundamentais da pessoa e da vida de Jesus.

Aqueles que participam de uma forma dinâmica da vida da comunidade e nunca faltam à catequese dominical, ao final do ano conseguirão ter um conhecimento muito mais profundo da pessoa de Jesus; e deste modo, também a vida da família, da comunidade e da própria sociedade civil será influenciada de uma forma marcante e aos poucos será transformada.

2. Origem do Ano Litúrgico

O ano civil começa no dia 1o de janeiro; a liturgia, porém, segue outro calendário e estabelece o início do ano no primeiro domingo do Advento. Parece, de fato, lógico que os acontecimentos da vida de uma pessoa sejam apresentados a partir do dia do seu nascimento, ou, antes até, a partir do momento em que sua vinda é aguardada.

Mas foi assim desde o começo da Igreja? Não. No século I, os cristãos não tinham outra festa a não ser a celebração semanal da ressurreição do Senhor.

No primeiro dia da semana (que os romanos chamavam “dia do sol”), os cristãos costumavam se reunir para ouvir a Palavra de Deus, para celebrar a Eucaristia e, nos primeiros anos, também para tomar a refeição em comum. Em seguida, todos voltavam para suas casas, despedindo-se uns dos outros, até o domingo seguinte.

Não havia outras celebrações, além dessa. Não passou muito tempo, porém, e a Igreja percebeu a neces-

sidade de dedicar um dia do ano para a comemoração dos aconteci-mentos culminantes da vida de Jesus, e por isso instituiu a Páscoa.

No começo do século II, essa festa já estava difundida em todas as comunidades cristãs. Porém, um único dia destinado para cele-brar a ressurreição de Cristo parecia muito pouco. Então, pensou-se

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em prolongar a alegria dessa festa para sete semanas, os 50 dias de Pentecostes, que deviam ser celebrados com alegria, porque – como dizia um famoso bispo daqueles tempos antigos, chamado Irineu – “estes dias são como um único dia de festa, que tem a mesma importância do domingo”.

Passaram-se ainda muitos anos e, por volta de 350 d.C., decidiu--se celebrar também o nascimento de Jesus. Mas em que dia nasceu Jesus? Ninguém sabia! Naquele tempo não existia o registro civil, como em nossos dias, e o povo se esquecia facilmente do dia e até mesmo do ano em que a pessoa tinha nascido.

De que maneira, então, seria possível estabelecer a data de Natal? Naqueles tempos havia uma festa, conhecida como a “Festa do

nascimento do Sol”; no Egito, era celebrada no dia 6 de janeiro e em Roma no dia 25 de dezembro. Os pagãos estavam convencidos de que o Sol era um deus e, por esta razão, faziam uma festa para comemorar o seu nascimento. Era uma oportunidade na qual se di-vertiam, comiam e bebiam até se embriagarem, permitindo-se outras coisas que é melhor não contar.

Quando, por volta de 350 d.C., os cristãos se tornaram nume-rosos, até mesmo mais do que os pagãos, o que decidiram eles? Mudaram o nome e o sentido da festa do “nascimento do Sol”. Estabeleceram esse dia para a celebração do nascimento de Jesus, pois, – assim pensavam – Ele é o verdadeiro Sol, a luz que ilumina todos os homens.

E foi assim que, por muitos anos, o ano litúrgico teve seu início no dia 25 de dezembro.

Por volta do ano 600 d.C. os cristãos julgaram que uma festa tão importante deveria ser preparada com muito esmero e, por esta razão, decidiram que fosse precedida pelos quatro domingos do Advento e que o Ano Litúrgico deveria começar com o primeiro desses domingos: portanto, no final do mês de novembro ou no começo de dezembro.

3. O que quer dizer Advento?

Com essa palavra os pagãos queriam indicar a vinda do seu deus. Num determinado dia do ano eles expunham ao culto a sua estátua,

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certos de que ao mesmo tempo se tornaria presente no meio dos seus fiéis, disposto a distribuir suas bênçãos e a conceder os seus favores. A palavra “advento” significava também a visita de um rei a uma cidade ou podia indicar o dia da coroação do soberano.

Os cristãos aplicaram todos esses significados à “vinda”, ao mundo, do próprio Deus que se manifestara em Jesus; reservaram porém o termo “advento” para o período dedicado à preparação desta “visita”.

A essa altura alguém poderia com razão perguntar: mas este Jesus já não veio? Por que motivo, então, preparar-se como se ele fosse vir outra vez? O Natal não é somente uma festa de aniversário e o Advento é o tempo de prepará-la, comprando alimentos, bebidas, convidando amigos para cantar e organizar danças?

Não! O Advento não é isso. Os pagãos foram quem se prepa-ravam dessa maneira para a festa do “nascimento do Sol”.

Os cristãos festejam, se alegram, dançam no dia de Natal, mas não é este o aspecto principal.

4. O que fazer no Advento?

A palavra de Deus que nos acompanhará nos próximos domingos nos ensina que Jesus não veio somente uma vez. Ele continua vindo.

Vem e está presente nos acontecimentos alegres e tristes da nossa vida; vem e está presente em tudo o que acontece no mundo e na Igreja; vem e está presente naqueles que difundem ideias novas, que anunciam palavras de amor, de paz, de reconciliação, naqueles que se esforçam para construir um mundo novo.

Jesus vem, continua vindo; mas estamos nós prontos para reconhecê-lo? Sabemos descobrir a sua presença em qualquer acontecimento da vida? Não sentimos frequentemente medo de que a sua mensagem nos perturbe, que exija uma transformação demasiadamente radical de nossos hábitos? Não preferimos muitas vezes fechar nossos olhos e ouvidos?

Há tanta necessidade de que Jesus venha! Aonde? Eis alguns exemplos: Um homem deixa-se dominar pela bebida e começa a falar

besteiras, ofende, torna-se violento com os amigos; volta em se-

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guida para casa, bate na mulher e nos filhos... Pois bem, poderá alguém dizer que Jesus chegou no coração dessa pessoa? Ou então, tomemos o caso de um jovem que não estuda, que repete dois ou três anos seguidos, não trabalha e nas festas abusa das moças. Nes-te jovem está presente Jesus ou é preciso fazer alguma coisa para preparar a sua vinda? E numa comunidade cristã, cujos membros são invejosos e estão desunidos, falando mal uns dos outros, não se ajudando reciprocamente... Já chegou Jesus? E em uma nação onde os cidadãos se matam, onde há guerras, violências, ódios, rancores, vinganças... Já chegou Jesus?

Não! Ainda não chegou e, enquanto não forem removidos os obstáculos que impedem sua chegada, Ele não poderá vir. Deverão antes ser derrubadas as barreiras e aterrados os vales que dividem os homens, porque tudo aquilo que separa os homens afasta também de Cristo.

As leituras do Advento nos convidam para a vigilância, para manter nossos olhos bem abertos, a fim de poder descobrir e preparar os caminhos que Jesus escolheu para nos libertar de todos os males nos quais buscamos a felicidade, mas que, em verdade, causam somente muitos sofrimentos.

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Primeiro Domingo do Advento

Primeira leitura (Jr 33,14-16)

Um jovem de vinte anos, que decidiu casar, com certeza não se assusta diante do problema de ter que arrumar uma casa. Mas um senhor de sessenta e cinco anos, que, num fim de tarde, ao voltar de uma visita a um hospital, encontra a sua casa envolta em chamas, sente-se desanimado, pensando que a sua vida de fato chegou ao fim. Reconstruir uma casa, quando ainda estão diante dos próprios olhos as ruínas tomadas pelo fogo da casa que lhe pertencia, exige uma força de vontade extraordinária. O desânimo e o desespero acabam com qualquer entusiasmo que se exige para vencer todas estas dificuldades.

Os israelitas, aos quais o profeta dirige suas palavras con-tidas nesta leitura, encontram-se mais ou menos numa situação semelhante àquela do nosso velho desesperado que perdeu todos os seus bens.

Voltaram há pouco tempo do exílio da Babilônia e encontra-ram a cidade de Jerusalém em ruínas. Sua terra se transformou num antro de chacais (Jr 10,22); ao seu redor só aparecem sinais de morte e de destruição, deixados pelos ferozes soldados da Babilônia.

Começa a reconstrução da Nação, mas os trabalhos prosseguem a passos lentos. Todos estão tristes e desanimados e se perguntam: Por que fomos golpeados com calamidades tão grandes? Terá Deus nos abandonado para sempre? Terá esquecido as promessas feitas ao nosso pai Abraão, a Isaac, a Jacó, a Davi?

Para esse povo desanimado, o profeta dirige a sua mensagem de esperança: estão chegando os dias nos quais o Senhor cumprirá

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todas as promessas de bem que fez ao seu povo (v. 14). Na família de Davi surgirá um rebento santo, que estabelecerá a paz e a justiça na terra (vv. 15-16).

Com essas palavras consegue infundir coragem no seu povo. A vida recomeça: as casas destruídas pela guerra são reconstruídas, os trabalhos nos campos são retomados, os rebanhos de cabras e de ovelhas se multiplicam, os semblantes das pessoas ficam mais tranquilos, e nos lábios das mulheres e das crianças o sorriso está de volta.

Também em nossos dias passamos por situações semelhantes às dos israelitas que voltaram há pouco tempo da Babilônia.

No mundo inteiro, na nossa nação, na nossa cidade, no nosso vilarejo, constatamos injustiças, situações intoleráveis. Diante de nossos olhos encontram-se famílias destruídas, jovens desiludidos, por causa de experiências mal-sucedidas, ou até mesmo dramáticas. Na nossa própria vida pessoal, somos forçados a aceitar fracassos, desencantos, fraquezas; sentimo-nos, às vezes, à mercê das nossas deficiências, das nossas paixões desregradas, que nos conduzem quase irresistivelmente aos vícios da bebida, da luxúria, da devas-sidão. Desencantados, repetimos então para nós mesmos e para os outros: “não compensa lutar, afinal, nada vai mudar”; “as coisas estão indo de mal a pior”; “não há mais nada a fazer”.

Essas palavras não podem ser repetidas por aqueles que acre-ditam nas promessas de Deus.

Com certeza, os israelitas, que interpretavam simploriamente as promessas do profeta e esperavam uma intervenção espetacular de Deus para reconstruir a cidade arrasada, ficaram desiludidos. A reconstrução da Nação foi lenta e exigiu muitos sacrifícios e muita dedicação.

O “rebento de Davi”, esperado pelos israelitas, – nós bem o sabemos – já chegou: é Jesus de Nazaré. Com ele teve início o Reino de paz e de justiça. Entretanto, não podemos nos iludir: a constru-ção deste mundo novo não ficou concluída com o nascimento de Cristo. Exige muito tempo e precisa do nosso empenho e da nossa colaboração.

O profeta, aliás, não comparou o início desse Reino com uma árvore já crescida: falou de um pequeno rebento. Nós sabemos que são necessários muitos anos para que uma semente se desenvolva. Uma

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árvore cresce devagar e os nossos olhos não conseguem acompanhar as pequenas mudanças que vão ocorrendo dia após dia.

Quem se deixa levar pelo desencanto e pelo desânimo, quem foge ao ter de enfrentar problemas, quem é intolerante consigo mesmo e com os outros, porque gostaria de transformações radicais e imediatas, não entendeu nada da lógica do Reino de Deus.

Procuremos nos perguntar: quais são os assuntos que mais despertam atenção nas nossas comunidades? Damos ouvidos aos que anunciam calamidades, aos que exclusivamente dão destaque só e sempre aos aspectos negativos da vida, aos que descobrem o mal por todos os lados e julgam que o único caminho que resta é a resignação diante da derrota?

Lembremo-nos: os verdadeiros profetas são outros. São os que transmitem entusiasmo, como fez o profeta com os israelitas que voltavam do exílio da Babilônia. São os arautos da esperança, que repetem a todos que para o reino do mal não há mais futuro, que ajudam os irmãos a descobrir em qualquer situação o caminho para a renovação, para a reconstrução da vida, que aos olhos dos homens pode aparecer fadada à ruína.

Segunda leitura (1Ts 3,12 – 4,2)

O motivo da escolha deste trecho como segunda leitura des-te primeiro domingo do Advento consiste no fato de que nele se fala da “vinda do Senhor Jesus com todos os seus santos” (3,13) e porque também este nos orienta sobre o modo de nos prepararmos para esta vinda.

Dirigindo-se aos cristãos de Tessalônica, Paulo reconhece que eles são excelentes, mas pede ao Senhor para que os faça crescer ainda mais no amor recíproco (v. 12). É este – ensina – o caminho que conduz à santidade e é a única maneira de se manter vigilante para a vinda do Senhor (v. 13).

Também nas nossas comunidades o relacionamento entre as pessoas talvez esteja num bom nível: mas é sempre possível aper-feiçoá-lo. Por que não poderão ser superadas algumas incompre-ensões e evitados alguns atritos que ainda persistem? A busca da harmonia com todos os membros da comunidade, a prática do amor

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recíproco, que Paulo recomenda aos cristãos de Tessalônica, não podem ser substituídas por nenhuma prática de devoção (ainda que recomendável) pela qual procuramos nos preparar para o Natal.

Evangelho (Lc 21,25-28.34-36)

“Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia apoderar-se-ão das nações, pelo bramido do mar e das ondas. Os homens definharão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir para toda a terra. As próprias forças dos céus serão abaladas” (vv. 25-26). Com estas palavras que, se tomadas ao pé da letra, nos provocam arrepios, abre-se o Evangelho de hoje. Diante de expressões tão dramáticas e tão claras, somos levados a pensar que se trata de informações sobre aquilo que acontecerá no fim do mundo.

Se fôssemos solicitados a continuar a narrativa, eu imagino que continuaríamos assim: depois destes cataclismos cósmicos, aparecerão os anjos com as suas trombetas, despertarão os mortos e convocarão todos os homens diante do tribunal de Deus. Nessa hora, sobre as nuvens dos céus, surgirá o Cristo juiz, que pronunciará a inapelável sentença de aprovação ou condenação de cada um.

Esta reconstrução é o resultado de dois graves equívocos: surge, antes de tudo, de uma confusão entre o Evangelho de Lucas e o de Mateus: é este que fala de anjos, de trombetas, de Cristo juiz (Mt 24 – 25). Lucas não toca neste assunto nem de leve. No primeiro volume dos comentários às leituras dos domingos (cf. Celebrando a Palavra “Ano A”), expliquei o sentido do julgamento de Deus e da separação das ovelhas e dos cabritos. Hoje devemos concentrar a nossa atenção na narrativa de Lucas: deixemos, portanto, que ele fale e evitemos embaralhar os dois evangelhos!

O segundo equívoco, que podemos cometer diante do enigmá-tico texto do evangelho de hoje, é não entendermos a linguagem simbólica que ele usa. Para descrever uma grande mudança, uma transformação radical do mundo, uma intervenção decisiva de Deus, a Bíblia emprega normalmente imagens impressionantes. Consi-deremos, por exemplo, o discurso de Pedro no dia de Pentecostes. Numa certa altura está escrito: hoje cumpriu-se o que foi dito pelos

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profetas: “Farei aparecer prodígios em cima no céu... sangue, fogo e vapor de fumaça. O sol se converterá em trevas e a lua em san-gue” (At 2,19-20). Trata-se, evidentemente, de figuras, pois – bem o sabemos – naquele dia nada disso aconteceu. São as chamadas “imagens apocalípticas”, que eram muito usadas pelos pregadores e escritores no tempo de Cristo. Os que não as entendem de maneira correta, e as interpretam como uma antevisão jornalística daquilo que acontecerá no fim do mundo, divagam em interpretações fan-tásticas e por vezes ridículas.

Tentemos, então, entender o que realmente Jesus nos quer ensi-nar: tem ele o objetivo de provocar o temor ou despertar a alegria? Anuncia um futuro tenebroso e angustiante ou um acontecimento venturoso? Convida-nos a um isolamento dentro de nós mesmos, aterrorizados e desesperados ou nos pede para abrirmos o coração aos horizontes da esperança?

1. Comecemos pela primeira parte (vv. 25-27). Observamos logo no início que os elementos citados (o sol, a

lua, as estrelas, as forças do céu, o bramido do mar e das ondas), são os mesmos que aparecem na narrativa da criação (Gn 1,1-2; Jó 38,8-11). A primeira página do livro do Gênesis nos revela que no começo tudo era desordem e que as trevas cobriam a face do abismo. Nesse mundo caótico, no qual a vida era impossível, Deus interviera com a sua Palavra para estabelecer a ordem. O sol e a lua começaram a marcar com regularidade os ritmos dos dias e das estações, e a terra se tornou um lugar no qual homens, animais e plantas podem crescer e multiplicar-se.

No trecho evangélico de hoje, anuncia-se um movimento con-trário: descreve-se a volta ao caos primordial; afirma que as energias cósmicas, que regem a ordem no universo, serão abaladas: volta-se à situação informe e tenebrosa que existia antes da Criação. Por que acontece tudo isso?

As imagens apocalípticas usadas por Jesus não se referem a explosões de astros, a choques catastróficos entre astros e planetas, mas falam daquilo que acontece hoje. É neste nosso mundo que, por causa do pecado, do mal e da perversidade do homem, vai-se criando uma situação insuportável. É neste nosso mundo que a vida se torna impossível. Em toda parte cometem-se opressões e injus-

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tiças; espalham-se os ódios, as violências, as guerras e instalam-se condições desumanas; a própria natureza é destruída pela explo-ração desordenada dos recursos; até mesmo os ciclos dos tempos e das estações já não são mais regulares. Tomados de angústia os homens se perguntam: O que acontecerá? Qual será o nosso fim? “Os homens definharão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra”, diz o Evangelho de hoje (v. 26). É o terror que os homens experimentam diante dos desastres que eles mesmos provocaram com a rejeição de qualquer norma ética, com o desprezo dos valores mais sagrados, com a perda de todos os pontos de referência moral.

Então a história da humanidade está encaminhada para uma inevitável catástrofe?

Não! – garante Jesus. – Quando tudo parecer arruinar-se no pecado, virá o Filho do Homem, com grande poder e majestade, e do caos fará surgir um mundo novo (v. 27).

As suas palavras, portanto, não são uma ameaça de infortúnios, não querem incutir pavor: são uma mensagem de alegria. São um apelo para abrir o coração para a esperança: o mundo dominado pela injustiça, pela maldade, pelo egoísmo, pela arrogância está chegando ao fim e um novo mundo está despontando.

Nós também, em nossos dias, diante dos dramas que teste-munhamos permanentemente, muitas vezes temos a impressão de estarmos submersos num caos idêntico ao dos primórdios. Um mundo novo, porém, já surgiu com Jesus de Nazaré.

2. O que devemos fazer enquanto esperamos que a construção deste mundo novo seja completada? A segunda parte do trecho do Evangelho deste domingo no-lo diz (vv. 28-36).

• Antes de tudo, embora seja ainda muito grande a confusão, ninguém deve se deixar abater. “Reanimai-vos e levantai as vossas cabeças – ensina Jesus – porque se aproxima a vossa libertação” (v. 28).

Quantas pessoas perambulam, em nossos dias, curvadas e oprimidas pela dor e pelas angústias e não encontram energia para erguer a cabeça porque perderam toda a esperança! A mulher aban-donada pelo marido, os pais desiludidos pelas escolhas dos filhos,

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a jovem enganada e desprezada por todos porque ficou grávida, o pai de família que perdeu o emprego por causa da inveja dos cole-gas, as pessoas vítimas da violência e do ódio, os indivíduos que se sentem um joguete dos próprios maus sentimentos e dos próprios instintos... Todos estes sentem-se inclinados a abaixar a cabeça e pensar que a própria vida já está destruída e não tem mais sentido. O Advento é o tempo que prepara o dia da libertação. É a esses todos que o Senhor dirige o convite para levantar a cabeça: o fim da vossa opressão – diz ele – está próximo (v. 28).

• Diante das forças do mal que parecem dominar o mundo, além do desânimo, existe o perigo da fuga, da busca de paliativos, de soluções enganosas.

Há os que fogem dos problemas, deixando-se escravizar pela bebida, abandonando-se aos prazeres, procurando compensações na própria profissão, isolando-se no próprio ego, enclausurando-se no próprio pequeno mundo. Eis o motivo do segundo apelo que o Evangelho de hoje nos dirige: “Velai sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso de comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida” (v. 34). Estas evasões são um “laço” (v. 35), uma armadilha da qual são vítimas muitas pessoas, que se deixam enlear, não conseguindo mais correr ao encontro do Senhor que está vindo.

• A última exortação desperta a vigilância e estimula a oração (v. 36). Alguém pode pensar que estes apelos “devotos” e “espiritu-ais” podem induzir as pessoas a esquecer a própria responsabilidade com o fim de melhorar este nosso mundo.

É verdade, existe uma forma de rezar que é ingênua e infan-til, que se afasta da realidade, pois, mais do que para o céu, está voltada para as nuvens! A oração autêntica, porém, aproxima de Deus e conduz a um compromisso corajoso em benefício do pró-prio homem. É um estímulo para zelar pelos irmãos que vivem nesta terra; não cria ansiedades por aquilo que acontecerá no fim do mundo, mas transmite sensibilidade às angústias e aos dramas dos que estão ao nosso lado.

Alertando para a “vigilância”, Jesus nos convida a estarmos atentos para poder perceber, a toda hora, as necessidades e os pe-didos de ajuda dos irmãos.

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Só quem reza é que tem condições de cultivar esta “vigilância” e pode interpretar os acontecimentos alegres e tristes deste mundo, com os olhos de Deus.

Tema do DomingoLEVANTAI A CABEÇA! A LIBERTAÇÃO ESTÁ PRÓXIMA!

“Advento” significa “vinda” e as três leituras deste primeiro domingo nos falam de “vindas”.

Na primeira leitura, Deus promete enviar um “rebento” da família de Davi: ele estabelecerá no mundo a paz e a justiça.

No Evangelho é Jesus, o filho de Davi anunciado pelos profetas, que fala do mundo novo, que surge das ruínas do mundo do mal. Ele também sinaliza a maneira de viver enquanto se espera que o mundo novo se manifeste plenamente.

A segunda leitura, que também convida a viver na espera da “vinda” de Cristo, nos diz que o Senhor só poderá ser recebido por aqueles que cultivarem sentimentos de amor em relação aos irmãos da própria comunidade.

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Segundo Domingo do Advento

Primeira leitura (Br 5,1-9)

Em Israel, a mulher que perdia o marido ou um filho vestia hábitos de luto, cobria a cabeça com um véu e, em seguida, abatida pela dor, sentava-se no chão, não preparava comida, não tomava banho e não se ungia com perfumes. Deste modo manifestava todo o seu desespero.

A leitura compara a cidade de Jerusalém a uma viúva, abatida pela tristeza, da qual brutalmente foram arrancados dos seus braços os filhos: lá está ela, prostrada na sua aflição, coberta com o manto de luto, recusando qualquer palavra de consolo.

A qual período histórico se refere? À época em que os ba-bilônios, depois de terem invadido Israel e de terem saqueado a nação inteira, levaram para o exílio os seus habitantes. Jeru-salém, tal como uma mãe, viu seus filhos acorrentados irem se afastando, cercados por soldados cruéis. Tinha certeza de que jamais tornaria a vê-los.

Passaram-se muitos anos. O período de luto foi longo, mas um dia surge um profeta que se dirige para a cidade abatida e lhe anuncia a grande nova: Jerusalém, – diz-lhe ele – o tempo do teu luto chegou ao fim! Despe tuas roupas esfarrapadas e cobre-te com um manto resplandecente, pois o Senhor está prestes a colocar na tua cabeça um diadema de glória: todas as criaturas que existem debaixo do céu ficarão deslumbradas com a tua beleza.

Eis que, de repente, a velha e abatida viúva se transforma, como por encanto, numa jovem maravilhosa, encantadora (vv. 1-3).

E o profeta continua: Jerusalém, não fiques mais aí, prostrada no pó da terra; levanta-te e corre depressa para o alto da montanha

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e observa ao longe, para os lados do Oriente, os teus filhos que estão voltando. Tu os viste quando se afastavam, a pé, humilhados e vergastados pelos inimigos: agora estão de volta, triunfantes, acompanhados por seus antigos algozes que agora lhes prestam homenagens (vv. 5-6).

O que está acontecendo? É o milagre operado pelo Senhor. Deus decidiu aplainar todas as montanhas e encher todos os vales para que os israelitas possam voltar com segurança para junto da própria mãe, Jerusalém. Também as árvores que produzem fragrân-cias dobram os seus ramos para sombrear e proteger dos raios do sol a multidão dos exilados que está voltando. O próprio Deus os guia, como acompanhara seus pais, na saída do Egito.

Jerusalém recebe novos nomes: será chamada “Paz da Justiça” e “Esplendor do temor de Deus” (v. 4). Estes nomes significam a sua nova realidade. Tornar-se-á o lugar onde reinará a paz verdadeira, não a aparente, que de fato só é a opressão legalizada, mas a paz que deriva da justiça. Será o “Esplendor do Temor de Deus”, por-que a sua fama não lhe advirá do prestígio político ou dos triunfos militares, mas da sua piedade, isto é, da fidelidade ao seu Deus.

Se nos pedissem para escolher um nome para a nossa nação, para a nossa comunidade cristã, para a nossa família, como a deno-minaríamos: lugar de paz, de harmonia, de justiça, de fraternidade, ou lugar de discórdia, de inveja, de violência?

Se a imaginássemos como uma mulher, poderíamos dizer que se assemelha a uma jovem esposa, bonita, feliz, sorridente, vestida de roupas suntuosas e multicores, ou a compararíamos a uma velha doente, abatida, incapaz de andar, com a cabeça envolta em véus de luto, por causa dos graves infortúnios que se abateram sobre ela?

Talvez a nossa nação, a nossa comunidade, a nossa família ainda se assemelhem muito à Jerusalém “viúva e sem filhos”, da qual nos fala a leitura deste dia. Que fazer, então: desanimar, achando que a situação é irremediável?

É evidente que foram os nossos pecados, o nosso egoísmo, a nossa insensibilidade diante da palavra de Deus que as reduziram a este estado.

Se a salvação dependesse de nós, com certeza não haveria qualquer esperança de renovação, mas o profeta nos garante que o poder de Deus as reerguerá dessa situação sombria. Também elas,

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como Jerusalém, se transformarão em “cidades” esplendorosas, também serão chamadas “lugares da paz fundada na justiça, reinos da glória que procede da fidelidade ao Senhor”. Não só darão algum retoque superficial à própria aparência sombria, mas irão se vestir com roupas novas, como símbolo de uma vida plenamente feliz.

Para que este milagre possa se realizar é preciso permitir a Deus que aplaine as montanhas e as escarpas deste mundo, que preencha os vales que nos mantêm afastados dele e separados dos irmãos.

O Advento nos lembra que o Senhor está vindo para realizar esta obra de salvação. O que devemos fazer para dar-lhe acolhida?

Segunda leitura (Fl 1,4-6.8-11)

Quando nos defrontamos com algum problema, ao ficarmos doentes, por exemplo, e desejamos conseguir a cura, nos dirigimos a Deus e lhe pedimos a graça da qual necessitamos. Os israelitas não rezam assim. Eles sempre começam com uma “bênção”, na qual elencam os motivos pelos quais precisam louvar e agradecer a Deus; só depois expõem os seus pedidos. Dizem, por exemplo: “Bendito és Tu, Senhor, que te compadeces diante do sofrimento do homem... Agora eu estou sofrendo...”

O trecho da Carta aos Filipenses, que constitui a leitura de hoje, é um exemplo de uma destas típicas orações hebraicas, e é composta de duas partes.

1. Na primeira (vv. 4-6) Paulo dá graças a Deus. Ele lhe rende gra-ças por tudo aquilo que realizou na comunidade de Filipos, a primeira comunidade cristã da Europa. Esta – afirma ele – é muito generosa; ajudou até com recursos materiais os pregadores do Evangelho, tem uma vida exemplar e enche de felicidade e de alegria o coração do apóstolo.

Antes de dirigir o seu pedido a Deus, não pode deixar de mani-festar a própria emoção interior diante de tantas graças distribuídas por Deus. Ele confirma sua afeição por aqueles que tanto ama no amor de Jesus Cristo (v. 8).

2. Na segunda parte (vv. 9-11) Paulo pede a Deus que faça crescer sempre mais entre os filipenses o amor e a compreensão daquilo que é realmente bom e que está de acordo com o Evangelho.

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Poderia essa bela oração ser aplicada à nossa comunidade? Os apóstolos que a fundaram têm motivos para se sentirem entusias-mados e louvar a Deus por isso, como fez Paulo?

Talvez ainda não seja perfeita; entretanto, devemos cultivar a confiança e o otimismo. Antes que o Senhor venha, Deus levará a bom termo a boa obra por ele iniciada (v. 6).

Evangelho (Lc 3,1-6)

1. Lucas começa a narração da vida pública de Jesus com uma longa introdução, na qual apresenta os chefes políticos e religiosos da época. Relata: “No ano décimo quinto do reinado do imperador Tibério”. Trata-se de uma referência cronológica importante, pois permite situar o início da vida pública de Jesus nos anos 28/29 d.C.

A esta primeira indicação o evangelista acrescenta outras: o nome dos governadores da Palestina e dos territórios vizinhos e o dos sumos sacerdotes Anás e Caifás (vv. 1-2).

O enquadramento histórico é específico: Lucas quer deixar bem claro para todos que não está iniciando a narração de uma fábula, de um mito criado pela fantasia e pela imaginação fértil de algum sonhador. Ele relata fatos concretos. A intervenção de Deus na história da humanidade aconteceu num momento e num lugar bem definidos.

Ponhamos a nós mesmos estas questões: a mensagem que anunciamos, a religião que praticamos estão “encarnadas” no contexto cultural e político no qual nós vivemos? Dirigem-se ao homem concreto, levam em conta a realidade social do nosso povo e da nossa nação ou flutuam no ar, longe da concretitude dos problemas reais?

Que influência exerce a fé em nossas atitudes no campo profis-sional, na escola, nas áreas de lazer, nas nossas práticas comerciais, na nossa vida conjugal e familiar?

É a pessoa inteira, é cada instante da vida que devem ser alcançados pela salvação operada por Cristo. É esta sociedade, esta comunidade, esta família, este homem concreto, que devem ser transformados. Conforme o plano de Deus é só essa religião, portanto, que transforma

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este mundo, que gera relações novas entre as pessoas, que faz brotar paz, amor, partilha nos lugares onde impera o egoísmo e a injustiça, que faz surgir novas condições de vida aqui e agora.

2. Depois da introdução histórica, Lucas, numa linguagem mui-to solene, faz entrar em cena o Batista: “meio a palavra do Senhor no deserto desceu a João, filho de Zacarias” (v. 2). São as palavras com as quais, no Antigo Testamento, é apresentada a vocação dos grandes profetas (Jr 1,1.4).

No tempo dos reis de Israel, Deus costumava revelar a sua von-tade por meio dos profetas. Quando, porém, constatou que ninguém prestava atenção à mensagem que eles anunciavam, permaneceu em silêncio por longo tempo e, durante trezentos anos, não enviou nenhum profeta. Parecia ter-se cansado da infidelidade do seu povo.

Mas a vocação do Batista mostra que Deus nunca se esquece dos homens; só espera o momento oportuno para estender-lhes novamente a mão.

Tudo começa no deserto (v. 2), lugar denso de recordações e de profundas ressonâncias sentimentais para os israelitas. No deserto assimilaram muitas lições: aprenderam a desfazer-se de tudo o que é supérfluo, pois constitui um peso inútil a ser carregado ao longo do caminho; aprenderam a ser solidários e a partilhar tudo com os irmãos; aprenderam, sobretudo, a confiar em Deus.

No tempo de Jesus, é para o deserto que se dirigem os que que-rem repetir a experiência espiritual dos seus antepassados, aqueles que querem fugir da hipocrisia de uma religião feita de formalidades e de práticas unicamente exteriores. É no deserto que passam a vi-ver os que rejeitam a sociedade corrupta, injusta e opressora que se apossou da pátria. Entre estas pessoas “contestadoras” encontra-se também João, filho de Zacarias (Lc 1,80).

Lucas nada nos relata sobre o seu modo de vestir, não nos fala do seu alimento, mas, pela narrativa de Mateus (Mt 3,4), sabemos que ele não usa a longa túnica branca dos sacerdotes do templo, mas cobre-se com uma vestimenta rústica, como o fazia o profeta Elias (2Rs 2,13-14); não se alimenta com os produtos da cidade, serve-se sim dos alimentos que o deserto lhe proporciona. O Batista parece mesmo um estrangeiro na sua própria terra; é um israelita, mas o seu comportamento o distingue nitidamente das pessoas do seu povo.

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Da mesma forma que João, também os cristãos, embora resi-dindo neste mundo, vivem num “deserto”, como se fossem estran-geiros: não pensam, não falam, não se comportam como os outros. No meio daqueles que falam de guerra, de violência, de vinganças, eles pronunciam palavras de paz e de perdão; num mundo, no qual são declarados felizes os que acumulam fortunas, que enriquecem talvez oprimindo e explorando os mais fracos, eles anunciam as bem-aventuranças do amor, do serviço aos pobres, da partilha dos bens; num mundo no qual se procura o prazer a qualquer custo, eles pregam a renúncia e o dom de si.

3. A missão do Batista se resume em poucas palavras: “Ele percorria toda a região do Jordão” (v. 3). Na antiguidade, este rio, que atravessa uma região erma, não teve nenhuma importância, nem como via de comunicação (não é navegável), nem para irriga-ção. Nunca surgiu qualquer grande cidade às suas margens. A sua importância sempre foi a de constituir uma fronteira entre diversos povos. Para tomar posse da terra prometida, Israel, que vinha do Egito, precisou atravessá-lo (Js 3).

É este território de fronteira que foi escolhido pelo Batista para a sua missão. No rito do batismo que ele administra ele quer que cada um repita o gesto de entrar, através do Jordão, na terra da liberda-de. Quer preparar um povo disposto a acolher a salvação de Deus, a entrar na verdadeira Terra Prometida. Por isso pede a todos que mudem o modo de pensar e de viver. O Messias – anuncia ele – já está próximo, destruirá os perversos e salvará só aqueles que, tendo abandonado o caminho do pecado, percorrerem um novo caminho.

4. Para esclarecer melhor a missão que João é chamado a cumprir, Lucas introduz uma frase do profeta Isaías: “Uma voz clama no deser-to: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” (v. 4).

Não se pode deixar de observar uma certa contradição com aquilo que vimos na primeira leitura, na qual Baruc afirmava: “Deus dispôs que sejam abaixados os montes e as colinas, e enchi-dos os vales para que se una o solo, para que Israel caminhe com segurança” (Br 5,7). O hino de Baruc é um cântico de confiança no poder salvífico de Deus, que com certeza levaria sua obra a bom termo.

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No livro dos oráculos do profeta Isaías, ao invés, pede-se aos israelitas que eles próprios preparem o caminho do Senhor. O pro-feta faz um apelo para que eles mesmos se esforcem para aplainar todas as montanhas e nivelar os lugares escarpados. A salvação de Deus só pode chegar se for preparada com a colaboração do homem.

Os dois profetas não se contradizem, mas se completam. O primeiro destaca a obra irresistível do amor de Deus. Ele – afirma – conseguirá certamente, “com seu amor fiel”, reconduzir o seu povo da terra da escravidão para a liberdade (Br 5,7-9). É como um homem loucamente apaixonado: não há obstáculo algum insuperável para ele no caminho que o conduz ao encontro da mulher amada. Não há montanha tão elevada e nem vale tão profundo e tenebroso que possa impedi-lo de realizar o seu sonho de amor.

O segundo profeta, ao contrário, destaca a obra do homem. É verdade que o triunfo do amor de Deus está absolutamente garantido, mas o homem pode desperdiçar muitas horas, muitos dias, muitos anos de felicidade e de alegria longe do Senhor. Por isso é necessário que ele abra o próprio coração, que remova todos os obstáculos que impedem este encontro.

5. Diferentemente dos outros evangelistas que se limitam a citar um versículo do livro do profeta Isaías, Lucas continua a citação: “Todo vale será aterrado e todo monte e outeiro serão arrasados... Todo homem verá a Salvação de Deus” (vv. 5-6).

Esta última afirmação tem um significado especial. Lucas a co-loca no início do seu Evangelho, escolhe-a quase como título da sua obra, pois contém uma declaração solene de Deus: ele não reserva a sua salvação para algumas pessoas privilegiadas, mas quer que seja oferecida para todos os homens. Ninguém será excluído! Este é o seu projeto e é difícil imaginar que ele não consiga realizá-lo!

6. O Batista poderia ser chamado de “pregador do Advento”. Todos os anos, a Liturgia nos propõe a sua mensagem, porque, tendo ele preparado o povo de Israel para a vinda do Messias, da mesma forma ele pode nos ensinar como nos devemos preparar para o Natal.

João não devia ser um homem muito simpático! É difícil ima-giná-lo sentado à mesa, conversando com tranquilidade, contando alguma piada, sorrindo, pelo menos algumas vezes! Quando aparece no Evangelho, está sempre dando bronca em alguém: ameaça com

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castigos terríveis: fogo, faxina geral, poda até as raízes! Fala para as pessoas, chamando-as de “raça de víboras”! Tenho pensado muitas vezes: ainda bem que Jesus não era como ele! Embora tivesse uma grande estima por João, Jesus se comportava de uma forma muito diferente: comia, bebia e jantava com os pecadores.

Penso, no entanto, que no mundo haja necessidade também de pessoas severas e austeras como o Batista. Elas têm por missão lembrar, a todos, os compromissos importantes da vida, denunciam abertamente as situações inaceitáveis e têm a coragem de enfrentar também os poderosos quando estes praticam alguma injustiça.

Tenhamos a coragem de questionar a nós mesmos: não pode acontecer às vezes que também nas nossas comunidades são tolera-dos alguns “caminhos tortuosos”, algumas atitudes ambíguas? Não há, por acaso, “montanhas” que impedem, especialmente aos mais débeis, aos que têm uma fé mais fraca, de caminhar ao encontro de Jesus? Não há, por acaso, “vales” que separam irmãos de uma mesma família? Quais são as “montanhas” que devem ser aplainadas e os “vales” que devem ser aterrados na nossa vida?

Tema do DomingoVEM TRAZER SALVAÇÃO PARA TODO HOMEM

As leituras de hoje nos falam das intervenções misericordiosas de Deus em favor do homem.

Na primeira leitura, a sua salvação se manifesta no regresso dos exilados para a própria pátria, Jerusalém. Esta libertação é obra exclusiva e gratuita de Deus; o homem é dela apenas o beneficiário, pois não pode conquistá-la com suas boas ações.

No Evangelho, Lucas nos relata a realização das promessas de salvação, feitas pelos profetas. Diz-nos ele: tudo começou quando a “palavra de Deus desceu sobre João, filho de Zacarias, no deserto”. Relata com precisão a época em que os fatos aconteceram. Também esclarece que a salvação de Deus não pode atingir o homem se este não se prepara para acolhê-la. O homem pode opor resistência, pode continuar, durante certo tempo, colocando sua confiança nos seus projetos de felicidade, mas no fim, com certeza, acabará por deixar-se conquistar pelo amor do Senhor.

Também na segunda leitura há a referência à intervenção mi-sericordiosa de Deus; fala-se, com efeito do “dia do Senhor”, isto é, de sua vinda à existência de cada ser humano.