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CEMITÉRIO DA SOLEDADE: patrimônio vivo da cidade de Belém Paola Haber Maués 1 Uma cidade que cresce não se pode dar ao luxo criminoso de despersonalizar-se, destruindo os valores que a caracterizam. Mário Barata, 1963 O Cemitério Nossa Senhora da Soledade fica localizado em Belém do Pará, bem no centro da cidade, na Avenida Serzêdelo Correa. Foi tombado como patrimônio paisagístico nacional pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 23 de janeiro de 1964, permanecendo, até hoje, como o único cemitério tombado no Brasil pelo IPHAN. O tombamento do Soledade foi uma medida emergencial que aconteceu quando a Prefeitura de Belém toma a iniciativa de erguer, apoiada pelo Arcebispo Metropolitano, uma vila de casas no local do cemitério, utilizando como pretexto o progresso que a cidade estava passando por causa do “bum” borracha. De acordo com LIMA Naqueles anos, o Soledade nada mais era que uma tradição antiga, um grande “elefante branco” encravado no meio do tecido belemita que urgia em desenvolver-se. (LIMA, 2006, p. 103) Então, alguns membros de famílias tradicionais de Belém se colocaram contra o projeto e, por razoes econômicas e políticas, o plano não foi levado para frente, para tristeza dos urbanistas modernos da época. O Cemitério da Soledade foi inaugurado em 1854, num processo de higienização urbana, para atender as vítimas das epidemias de febre amarela, cólera e varíola que 1 Graduanda do curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da Universidade da Amazônia – UNAMA. Bolsista de iniciação cientifica do projeto Ver-o-Peso: tessituras de arte, imagens e patrimônio – UNAMA/CNPQ.

Cemitério da Soledade

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Page 1: Cemitério da Soledade

CEMITÉRIO DA SOLEDADE: patrimônio vivo da cidade de Belém

Paola Haber Maués1

Uma cidade que cresce não se pode dar ao luxo criminoso de despersonalizar-se, destruindo os valores que a caracterizam.

Mário Barata, 1963

O Cemitério Nossa Senhora da Soledade fica localizado em Belém do Pará, bem no centro da cidade, na Avenida Serzêdelo Correa. Foi tombado como patrimônio paisagístico nacional pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 23 de janeiro de 1964, permanecendo, até hoje, como o único cemitério tombado no Brasil pelo IPHAN.

O tombamento do Soledade foi uma medida emergencial que aconteceu quando a Prefeitura de Belém toma a iniciativa de erguer, apoiada pelo Arcebispo Metropolitano, uma vila de casas no local do cemitério, utilizando como pretexto o progresso que a cidade estava passando por causa do “bum” borracha. De acordo com LIMA

Naqueles anos, o Soledade nada mais era que uma tradição antiga, um grande “elefante branco” encravado no meio do tecido belemita que urgia em desenvolver-se. (LIMA, 2006, p. 103)

Então, alguns membros de famílias tradicionais de Belém se colocaram contra o projeto e, por razoes econômicas e políticas, o plano não foi levado para frente, para tristeza dos urbanistas modernos da época.

O Cemitério da Soledade foi inaugurado em 1854, num processo de higienização urbana, para atender as vítimas das epidemias de febre amarela, cólera e varíola que castigaram a população belenense. O Soledade serviu de morada eterna tanto para pessoas de posse e estrangeiros quanto para negros, escravos e forros. Foi desativado ainda em 1880, pelo então presidente da Província do Pará, José Coelho da Gama e Abreu.

Tem uma grande importância tanto histórica quanto arquitetônica, em função das características presentes em sua capela, sepulturas, mausoléus, pórtico e gradil de ferro no muro. Além disso, é um local no imaginário paraense de mistério e simbolismo, além de abrigar manifestações religiosas.

Belo pela sua implantação de verde, pelos gradis externos de ferro, pelo traçado neo-clássico das muradas de sua área

1 Graduanda do curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da Universidade da Amazônia – UNAMA. Bolsista de iniciação cientifica do projeto Ver-o-Peso: tessituras de arte, imagens e patrimônio – UNAMA/CNPQ.

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central com estátuas de cerâmica e alguns túmulos-capela do mesmo estilo, com os nomes e os despojos das famílias tradicionais do Grão-Pará: fazendeiros de Marajó, comerciantes, militares, políticos, estudiosos. (BARATA, 1963, s/p)

Para homenagear seus familiares, a alta classe paraense importava seus mausoléus principalmente da Europa, já que se acreditava que a reprodução de modelos europeus denotava modernismo e urbanidade.

A inauguração do Soledade [...] coincide com o Período em que o látex amazônico começa a atingir altos valores no mercado internacional, e que os produtos europeus começaram a ser importados com mais freqüência pelo Porto de Belém. (LIMA, 2006, p. 97)

Os mausoléus do Cemitério da Soledade possuem a mais fina arquitetura, simulando templos gregos, romanos e igrejas Góticas. Mesmo nas mais simples sepulturas verificam-se estatuas, vasos e pinhas talhados em mármore.

Através de suas sepulturas, o cemitério revela também a segregação social que ocorria em Belém no século XIX. Verificamos esse dado pelo tamanho dos mausoléus dos nobres em relação ao dos escravos, que são bem menores e localizados nos fundos do terreno.

Apesar do abandono pelo Poder Público, o cemitério ainda é cenário de tradicionais manifestações religiosas, como novenas, orações as almas e agradecimento por graças alcançadas. As catacumbas mais visitadas, que a cultura popular acredita ser de almas que realizam milagres, é a do menino Zezinho († 1881), da escrava Anastácia e a da Preta Domingas († 1871).

Apesar de ser reconhecido como patrimônio cultural brasileiro em 1964, essa não foi a garantia definitiva de sua salvaguarda nem de sua integridade. O Cemitério Nossa Senhora da Soledade está em condições precárias, e merece total atenção da nossa sociedade pelo abandono e descaso a que está submetido.

Cumpre ao povo de Belém - do Pará, do país inteiro - lutar pela preservação do antigo cemitério. Entre tantos erros urbanísticos dos últimos anos - na sêde cega de dinheiro, que caracteriza os homens de hoje - não se cometa mais êste. Que a Serzedêlo Corrêa e suas travessas, ao alcance do largo da Pólvora, tenham o seu velho cemitério, a mostrar um pouco da antiga Belém, da grande Belém de outras épocas, com o respeito devido aos ancestrais e ao passado. (BARATA, 1963, s/p)

CONCLUSÃO

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Há uma gota em cada museu e em cada bem ou manifestação patrimoniável

Mario Chagas

Iniciamos a conclusão com essa instigante frase de Mário Chagas para refletirmos sobre a questão do patrimônio.

Podemos supor que onde há sangue, há luta.

Luta por recursos; luta por falta de políticas publicas; lutas de poder; luta de interesses; lutas políticas; luta pela preservação; luta pelo reconhecimento; luta entre o “antigo” e o “moderno”; luta entre passado, presente e futuro.

Mas também onde há sangue, há vida.

Errou quem pensou que os museus e bens culturais são coisas mortas, perdidas no tempo e espaço. Pelo contrário, os bens culturais de uma determinada região dizem muito sobre como as pessoas são e o que aconteceu para elas chegarem até ali, esse tal processo cumulativo de moldagem da identidade. Entender o passado também é uma forma de refletir sobre o presente, e projetar o futuro.

Alem disso, não são só as coisas “antigas” que podem ser consideradas bens culturais de uma região. Qualquer produto ou manifestação da cultura e identidade local pode sim ser considerado patrimônio, basta a população reconhecer seu valor e lutar pela sua salvaguarda.

E por isso a necessidade de luta pela preservação desses patrimônios, pois sem preservação não há acesso, e sem acesso não há razão para preservação.

“Que significa um ‘patrimônio da humanidade’, quando ele mesmo não funciona como patrimônio local, municipal, regional?” (MENEZES apud CORREA, 2006, p. 136)

Juntamente com programas de preservação e inventario destes patrimônios, deve existir projetos educativos para resgatar ou criar um sentimento identitário da sociedade com o bem. Pois conhecendo e reconhecendo o valor do seu patrimônio, a população passa a ser a maior aliada na sua salvaguarda.

REFERENCIAS

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BARATA, Mário. Valor urbanístico do Cemitério da Soledade, Belém: 1963. Disponível em: < http://www.hcgallery.com.br/cemiterio_1.htm>. Acesso em: 07 abr 2010.

CORREA, Alexandre. Patrimônios, museus e subjetividades. Revista Pasos, 2006. v. 4. n. 2.

LIMA, Alexandre. Pax mortem: jaz o Soledade. Belém: revista Traços, dez 2006. v. 8, n. 8.