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136 CENAS MUSICAIS 5 NOVOS CENÁRIOS O RETORNO DA MÚSICA ÀS ESCOLAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES Alguns educadores afirmam que a música nunca esteve ausente do espaço escolar. De certo modo, pode-se considerar esta afirmação verdadeira, pois, na prática pedagógica de muitos professores, a música é utilizada como suporte e apoio para o desenvolvimento de diversas situações didáticas de ensino inclusive, nas atividades rotineiras e festividades escolares. No entanto, de um modo geral, a música como componente curricular vem sendo negligenciada, decorrente de diversos fatores, entre os quais, as concepções que os docentes de outras áreas possuem sobre educação musical, já desvelado em diversas pesquisas (FUKS, 1991; BELLOCHIO, 2000; FERREIRA, 2001; FIGUEIREDO, 2002; 2004; LOUREIRO, 2003; MATEIRO, 2003; entre outros). Essas concepções são permeadas por uma visão utilitarista da música, que a compreende como uma atividade, uma prática, um recurso didático para o desenvolvimento de conteúdos de outras disciplinas inseridas no contexto escolar, salvo exceções. Para Oliveira e Cajazeira (2007) isso ocorre porque a maioria das escolas de educação básica do nosso país não reconhece a música como área de conhecimento e, por isso, as escolas não possuem uma aula específica de educação musical contemplada na matriz curricular. As autoras afirmam que, muitas vezes, a música nem é mencionada no projeto político-pedagógico da escola. Por sua vez, a disciplina Música, quando existe, não possui um programa específico para cada ano escolar, gradativo e sequencial, resultando em um processo de ensino não sistematizado. A esses fatores, podem-se, ainda, incluir: a) a insuficiência de professores especialistas em Música que possam atender a demanda escolar e o despreparo da maioria existente para atuar nas escolas; b) a predominância das Artes Visuais nas escolas e de professores da área de Arte com esta especialização; c) a carência de instrumentos musicais e infraestrutura adequada para uma aula de música; d) os baixos e pouco atraentes salários da profissão; e) a falta de material didático específico para o ensino da Música nas escolas; f) o descompasso entre os antigos currículos das Licenciaturas em Educação Artística, com habilitação em Música e a realidade sóciocultural das escolas;

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    CENAS MUSICAIS 5

    NOVOS CENRIOS

    O RETORNO DA MSICA S ESCOLAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

    Alguns educadores afirmam que a msica nunca esteve ausente do espao escolar. De

    certo modo, pode-se considerar esta afirmao verdadeira, pois, na prtica pedaggica de

    muitos professores, a msica utilizada como suporte e apoio para o desenvolvimento de

    diversas situaes didticas de ensino inclusive, nas atividades rotineiras e festividades

    escolares. No entanto, de um modo geral, a msica como componente curricular vem sendo

    negligenciada, decorrente de diversos fatores, entre os quais, as concepes que os docentes

    de outras reas possuem sobre educao musical, j desvelado em diversas pesquisas (FUKS,

    1991; BELLOCHIO, 2000; FERREIRA, 2001; FIGUEIREDO, 2002; 2004; LOUREIRO,

    2003; MATEIRO, 2003; entre outros). Essas concepes so permeadas por uma viso

    utilitarista da msica, que a compreende como uma atividade, uma prtica, um recurso

    didtico para o desenvolvimento de contedos de outras disciplinas inseridas no contexto

    escolar, salvo excees.

    Para Oliveira e Cajazeira (2007) isso ocorre porque a maioria das escolas de educao

    bsica do nosso pas no reconhece a msica como rea de conhecimento e, por isso, as

    escolas no possuem uma aula especfica de educao musical contemplada na matriz

    curricular. As autoras afirmam que, muitas vezes, a msica nem mencionada no projeto

    poltico-pedaggico da escola. Por sua vez, a disciplina Msica, quando existe, no possui um

    programa especfico para cada ano escolar, gradativo e sequencial, resultando em um

    processo de ensino no sistematizado.

    A esses fatores, podem-se, ainda, incluir:

    a) a insuficincia de professores especialistas em Msica que possam atender a demanda

    escolar e o despreparo da maioria existente para atuar nas escolas;

    b) a predominncia das Artes Visuais nas escolas e de professores da rea de Arte com esta

    especializao;

    c) a carncia de instrumentos musicais e infraestrutura adequada para uma aula de msica;

    d) os baixos e pouco atraentes salrios da profisso;

    e) a falta de material didtico especfico para o ensino da Msica nas escolas;

    f) o descompasso entre os antigos currculos das Licenciaturas em Educao Artstica, com

    habilitao em Msica e a realidade sciocultural das escolas;

  • 137

    g) professores, diretores de escola e Secretarias da educao mantm a concepo polivalente

    do ensino de Arte;

    h) a expresso ensino da arte possui diferentes interpretaes por parte das escolas e

    Secretarias da educao

    i) os editais da maioria dos ltimos concursos pblicos para o magistrio referiam-se aos

    professores de educao artstica, no abrindo espao para a inscrio dos licenciados em

    msica.

    Entre esses fatores, destaco a questo da permanncia generalizada da concepo de

    ensino polivalente em Arte, devido a razes prticas ou econmico-financeiras de uma

    poltica educacional desinteressada em modificar esse quadro, como foi constatado em

    diversas pesquisas realizadas na rea (FIGUEIREDO, 2002; ESPERIDIO, 2003; DEL BEN

    et al., 2006, entre outras). Enfatizo, principalmente, a questo dos editais de concursos

    pblicos para professor de Arte nas diversas regies brasileiras, contrariando, inclusive, as

    diretrizes curriculares dos cursos superiores da rea e os documentos elaborados pelo

    Ministrio da Educao, aps a LDB 9394/96. Como exemplo, aponto o documento

    Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (2006):

    O ensino do teatro, da msica, da dana, das artes visuais e suas repercusses nas

    artes audiovisuais e miditicas tarefa a ser desenvolvida por professores

    especialistas, com domnio de saber nas linguagens mencionadas. (BRASIL, 2006,

    p. 202, grifo nosso)

    Como vimos, todas essas dificuldades se devem aos vrios fatores histricos, sociais,

    econmicos e polticos que caracterizaram a Educao Musical do Brasil no transcorrer dos

    sculos anteriores ao XX. Neste captulo, iremos nos ater aos aspectos das polticas pblicas e

    suas implicaes na formao inicial de professores de Educao Musical para as escolas.

    Iremos tambm investigar algumas das iniciativas que esto sendo realizadas para a

    implantao da educao musical escolar, aps a promulgao da Lei Federal 11.769 de 2008.

    5.1. Polticas Pblicas para a Educao Musical Brasileira

    5.1.1. As Leis Federais

    A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB 4.024 foi

    publicada em 20 de dezembro de 1961 pelo, presidente Joo Goulart, fixando as Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional. O anteprojeto de lei foi encaminhado pelo poder executivo ao

  • 138

    legislativo em 1948, porm foram necessrios treze anos de debates at a elaborao do texto

    final.

    Segundo Saviani (2000), as correntes que radicalizaram a maior parte das discusses

    na Cmara Federal foram polarizadas, especialmente, por dois aspectos: o primeiro, referindo-

    se questo da centralizao ou descentralizao do ensino, no texto original; o segundo

    consistiu sobre a questo da liberdade de ensino (monoplio da escola pblica ou privada), no

    texto substitutivo do original, elaborado pelo deputado Carlos Lacerda. Na realidade, os

    debates em torno do anteprojeto da LDB n 4.024/61 refletiram a retomada de uma luta

    ideolgica iniciada nas dcadas anteriores, em torno de velhas questes, como a da laicidade

    do ensino, ou seja, educadores catlicos, detentores do contingente maior da rede de ensino no

    pas durante a Primeira Repblica, em oposio aos educadores defensores da escola pblica.

    Outra questo era a do princpio de autonomia dos Estados.

    De fato, o texto final da LDB 4.024/61, que foi convertido em lei, configurou uma

    soluo intermediria entre as faces representadas pelo texto original e pelo substitutivo

    Lacerda. De acordo com Saviani (2000, p. 19), o ttulo que trata Do direito educao

    estabelece que o ensino obrigao do poder pblico e livre iniciativa privada, garantindo

    famlia o direito de escolha sobre o tipo de educao que deve dar a seus filhos. Em relao

    questo do poder central, o ttulo Da administrao da educao limitou-se a afirmar que o

    Ministrio da Educao e Cultura exercer as atribuies do Poder Pblico Federal em

    matria de educao, cabendo-lhe velar pela observncia das leis do ensino e pelo

    cumprimento das decises do Conselho Federal de Educao. Ainda sob esse ttulo,

    encontra-se prevista a criao dos Conselhos Estaduais de Educao.

    Em relao formao de professores, a LDB 4.024/61, nos artigos 52 e 53,

    determinou que, para um professor lecionar no ensino primrio, a formao se daria nas

    Escolas Normais de Educao; j para o nvel mdio, o artigo 59 esclarecia que a formao

    somente poderia ocorrer no ensino superior. A idia de formao de professores em nvel

    superior j havia sido defendida pelos educadores da Escola Nova no Brasil, principalmente

    por Ansio Teixeira e Fernando de Azevedo: o primeiro participou da criao da Escola de

    Professores do Instituto de Educao da Universidade do Distrito Federal (RJ) e o segundo,

    do Instituto de Educao da Universidade de So Paulo.

    Conforme vimos no captulo anterior, a formao inicial do professor de msica

    especialista ocorreu, primeiramente, no mbito dos Conservatrios. De um modo geral, esses

    docentes ministravam o ensino musical para as normalistas, que, por sua vez, eram

    responsveis pela aula de msica dos alunos das sries iniciais da escolarizao. Em algumas

  • 139

    escolas, os prprios especialistas lecionavam diretamente para o pblico infanto-juvenil,

    especialmente, na rede particular de ensino. Destacamos o importante papel do Conservatrio

    Nacional de Canto Orfenico e os demais que se espalharam pelos Estados da Federao,

    destinados a capacitar professores para o ensino do Canto Orfenico no pas. Todavia, por

    diversas razes, essa formao no foi suficiente para suprir a demanda existente naquela

    poca, nem para garantir a qualidade de formao daqueles professores. Rosa Fuks (1991),

    em O discurso do silncio, chama a ateno para a m qualidade musical que havia, de modo

    geral, nas Escolas Normais, desde meados do sculo XIX.

    Com a Lei de Diretrizes e Bases n 4.024/61, o Canto Orfenico substitudo pela

    Educao Musical, baseada em modelos ativos39

    de ensino musical da primeira metade do

    sculo XX, os quais apresentavam uma oposio nfase no ensino da teoria musical e nos

    aspectos matemticos e notacionais da msica. Entretanto, a adoo desses modelos ficou

    restrita a pontos isolados do territrio nacional, pois, a grande maioria dos docentes dessa

    nova disciplina havia recebido formao pedaggico-musical fundada nas propostas do canto

    orfenico de Villa-Lobos.

    Entretanto, em algumas localidades, houve uma preocupao com a formao

    pedaggico-musical adequada aos novos modelos, conforme Fonterrada40

    assinala:

    Na dcada de 1960 [1960 a 63] foi criado pela Comisso Estadual de Msica, quela

    poca subordinada Secretaria de Estado dos Negcios do Governo, o Curso de

    Formao de Professores de Msica. Os alunos submeteram-se a uma prova de

    seleo para preencher as dez vagas da capital e vinte do interior do estado. Aos

    alunos do interior, eram oferecidas bolsas de estudo, para poderem manter-se na

    capital. Investia-se na formao musical do professor de msica e os alunos tinham a

    oportunidade de estudar com significativos nomes da msica, quela poca, em So

    Paulo [...] A nfase do curso era na formao do msico, pois acreditava-se que, sem

    ser msico, seria impossvel ser educador musical No entanto, no se conseguiu a

    legalizao desse curso, o que o impediu de prosseguir... (FONTERRADA, 2005, p.

    200 - 205).

    Esta situao perdurou at a promulgao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    Nacional - LDB 5.692/71, publicada em 11 de agosto, durante a ditadura militar, instituindo a

    Reforma do Ensino de 1 e 2 graus, que foi praticamente instituda sem um perodo de

    discusses e debates (houve um prazo de 40 dias entre a entrada do projeto e a aprovao pelo

    Congresso).

    39

    Dentre eles, destacam-se as propostas de mile-Jacques Dalcroze, Edgar Willems, Zoltn Kodly, Carl Orff e

    Schinichi Suzuki, que mais influenciaram a educao musical brasileira (FONTERRADA, 2005). 40

    Na ocasio, Marisa Trench de Oliveira Fonterrada foi uma das alunas integrantes do corpo discente desse

    curso.

  • 140

    A reforma de 1971 caracterizou-se pelas profundas transformaes introduzidas no

    ensino profissionalizante, em consonncia com uma poltica de incentivo ao processo de

    industrializao nacional, modificando toda a estrutura do sistema educacional, instituindo o

    1 grau fuso dos antigos cursos primrio e ginasial, e o 2 grau antigo colegial. Os ramos

    profissionais existentes no antigo ginsio industrial, agrcola, comercial e normal

    desapareceram e o ensino de 1 grau passou a fornecer uma formao geral, ampliando-se a

    obrigatoriedade escolar para oito anos, ou seja, para a faixa etria que vai dos 7 aos 14 anos.

    Com essa medida, o governo esperava eliminar um instrumento de seletividade e

    marginalizao de boa parte da populao que conclua o ensino primrio os exames de

    admisso. Porm, outros fatores sociais, econmicos e culturais acabaram determinando uma

    grande evaso nesse nvel de escolaridade.

    Pela reforma 5.692/71, o ensino de 2 grau tornou-se todo ele profissionalizante,

    cursado em trs anos (auxiliar tcnico) ou em quatro anos (tcnico). Surgiram mais de 200

    habilitaes profissionais regulamentadas pelo Conselho Federal de Educao, gerando uma

    estrutura catica no ensino de 2 grau, pela obrigatoriedade de as escolas oferecerem

    habilitaes profissionais, mesmo sem as mnimas condies. A partir de 1983 a Lei 7.044/82

    isentou os estabelecimentos dessa obrigatoriedade, deixando-os livres para oferecerem ou no

    a habilitao profissional no 2 grau, incluindo-se os Conservatrios (ESPERIDIO, 2003).

    A configurao dos currculos dos cursos foi estabelecida pela legislao, instituindo-

    se um ncleo comum de conhecimentos bsicos, por meio de disciplinas obrigatrias em todo

    o territrio nacional, e uma parte diversificada, especfica a cada habilitao do 2 grau. A

    estrutura curricular representou o resultado dos princpios de continuidade e terminalidade nos

    quais a LDB 5.692/71 se fundamentou. A continuidade foi estabelecida mediante a

    organizao dos contedos de formao ampla, ministrados no 1 grau, e de formao

    especializada, ministrados no 2 grau. A terminalidade ficou garantida por meio das

    habilitaes profissionais adquiridas no 2 grau, capacitando o educando para a fora de

    trabalho, ou ainda, uma vez concludo o 1 grau, preparando-o para inici-lo em uma

    atividade produtiva. A lei determinou, tambm, uma mudana substancial no ensino

    supletivo, destinado a proporcionar a jovens e adultos a educao em tempo curto, a suprir a

    escolarizao incompleta ou, ainda, a aperfeioar e atualizar conhecimentos (SAVIANI,

    2000).

    Em relao formao dos professores, o artigo 30 do Captulo V dessa legislao,

    determinou que:

  • 141

    Art. 30. Exigir-se- como formao mnima para o exerccio do magistrio:

    a) no ensino de 1 grau, da 1 4 sries, habilitao especfica de 2 grau;

    b) no ensino de 1 grau, da 1 8 sries, habilitao especfica de grau superior, ao

    nvel de graduao, representada por licenciatura de 1 grau, obtida em curso de

    curta durao;

    c) em todo o ensino de 1 e 2 graus, habilitao especfica obtida em curso superior

    de graduao correspondente a licenciatura plena.

    1 Os professores a que se refere a letra "a" podero lecionar na 5 e 6 sries do

    ensino de 1 grau se a sua habilitao houver sido obtida em quatro sries ou,

    quando em trs, mediante estudos adicionais correspondentes a um ano letivo que

    incluiro, quando for o caso, formao pedaggica.

    2 Os professores a que se refere a letra "b" podero alcanar, no exerccio do

    magistrio, a 2 srie do ensino de 2 grau mediante estudos adicionais

    correspondentes no mnimo a um ano letivo.

    3 Os estudos adicionais referidos aos pargrafos anteriores podero ser objeto de

    aproveitamento em cursos ulteriores.

    No mbito da Educao Musical, aps a LDB 5.692/71, a disciplina de Educao

    Musical foi extinta, sendo substituda pela atividade de Educao Artstica, ou seja, o ensino

    de msica passou a ser visto no mais com o status de disciplina curricular, mas, sim, como

    atividade de expresso, ao lado das demais linguagens artsticas. Sob essa nova concepo, o

    Conselho Federal de Educao instituiu o Curso de Licenciatura em Educao Artstica, pelo

    Parecer n1.284/73, alterando o currculo do antigo Curso de Educao Musical ao integrar as

    quatro reas artsticas e distintas: msica, artes plsticas, artes cnicas e desenho e, ainda, ao

    estabelecer a polivalncia do professor dessa disciplina, de tal forma que, para ministr-la o

    educador deveria ter formao especfica na sua Habilitao e tambm, adquirir

    conhecimentos bsicos nas demais linguagens artsticas.

    Os cursos superiores fizeram alteraes em seus currculos para atender s exigncias

    legais e se adaptarem nova realidade educacional. Essa exigncia produziu duas

    modalidades de cursos:

    Licenciatura em Educao Artstica Habilitao em Msica, Artes Plsticas, Artes

    Cnicas ou Desenho;

    Bacharelado em Msica Habilitao em Instrumento, Canto e Composio e/ou

    Regncia.

    importante lembrar os inmeros cursos de licenciaturas curtas e plenas em

    Educao Artstica que foram criados, trazendo srias consequncias e prejuzos na qualidade

    da formao desses professores polivalentes que, em pouqussimo tempo, deveriam se

    preparar para o magistrio dessa disciplina, adquirindo conhecimentos sobre as quatro

    linguagens artsticas. Na prtica, o professor de arte, mesmo sendo considerado polivalente,

    passou a trabalhar mais especificamente, com a linguagem para a qual estava habilitado.

  • 142

    Como uma grande parte desses professores possua habilitao em Artes Plsticas, o ensino

    dessa linguagem prevaleceu nas escolas pblicas brasileiras. Mesmo aqueles que tinham outra

    habilitao na rea artstica, eram solicitados a trabalharem em sala de aula com as artes

    plsticas.

    Nas dcadas de 70 e 80, como aponta Fonterrada (ibid. p. 202), o improviso substitui

    o rigor do mtodo. A falta de planejamento foi confundida com improviso e nfase na

    expresso livre e espontnea de seus alunos. Neste aspecto, a expresso livre, sob a forma de

    desenhos e pinturas pertinentes linguagem visual, tornou-se mais acessvel para ser

    trabalhada pelos professores, do que propriamente a linguagem musical que requeria

    infraestrutura diferenciada, alm de conhecimentos especficos. Devido a todos esses fatores,

    a aula de msica e os educadores musicais foram perdendo espao nos contextos escolares; a

    msica permaneceu na escola apenas como atividade de apoio para outras disciplinas, para

    finalidades recreativas ou para apresentaes nas festividades escolares. Devemos somar a

    esses aspectos, a dificuldade de recursos materiais, falta de instrumentos musicais e

    equipamentos de som, salas inapropriadas para aula de msica e, principalmente, a falta de

    preparo e de conhecimentos pedaggico-musicais dos professores.

    Sob essa perspectiva, posso afirmar que a msica esteve ausente do espao escolar e

    do processo de ensino e aprendizagem de vrias geraes de alunos por quase quatro dcadas.

    Desse modo, um indivduo que hoje se encontra na idade de quarenta anos, provavelmente,

    nunca teve oportunidade de estudar msica durante sua escolaridade, salvo pouqussimas

    excees. De um modo geral, o ensino musical passou a ser ministrado pelas instituies

    especializadas. A maioria das pessoas que desejou estudar msica passou a buscar esse ensino

    nos conservatrios, nas escolas de msica ou em aulas particulares perpetuando-se a

    tradio de ensinar msica, por meio do aprendizado de um instrumento musical.

    Com a promulgao da Constituio de 1988, aps uma srie de debates entre grupos

    envolvidos na elaborao do projeto de lei, em 20 de dezembro de 1996 sancionada a Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional n 9 394, cujos princpios esto fundados no

    direito universal da educao para todos. Esta ltima LDB trouxe diversas mudanas em

    relao s anteriores, entre as quais, a incluso da educao infantil como primeira etapa da

    educao bsica, a criao do Plano Nacional de Educao e a obrigatoriedade do ensino de

    Arte.

    O 2 pargrafo do artigo 26 dessa legislao determinou a obrigatoriedade do ensino

    de Arte em todos os nveis de escolaridade, compreendendo as quatro linguagens: msica,

    teatro, dana e artes visuais, conforme disposto:

  • 143

    2 - O ensino da arte, especialmente em suas expresses regionais, constituir

    componente curricular obrigatrio nos diversos nveis da educao bsica, de forma

    a promover o desenvolvimento cultural dos alunos (BRASIL, MEC. Lei n 12.287,

    2010).

    Contudo, essa LDB no esclareceu como deveria ocorrer a implantao da msica nas

    escolas e muito menos fez qualquer referncia formao dos professores para essa

    disciplina. Por sua vez, a expresso o ensino da arte recebeu diferentes interpretaes por

    parte das escolas, j que a elas foi concedida autonomia em relao s concepes das suas

    referidas prticas educativas.

    Sendo assim, apesar de o ensino da msica ter se tornado obrigatrio, de um modo

    geral, no ocorreram modificaes nos contextos escolares, especialmente nas escolas da rede

    pblica, mantendo-se as mesmas caractersticas anteriores, das quais ressalto:

    a) continuidade de professores polivalentes;

    b) permanncia da prioridade do ensino das Artes Visuais;

    c) quantidade reduzida de professores de msica que atuam na rede de escolas pblicas em

    nvel nacional;

    c) preferncia dos professores de msica em lecionar nas escolas especializadas;

    d) ausncia de um plano de ao poltico-governamental para reintroduzir a linguagem

    musical nas escolas;

    e) falta de incentivo das agncias financiadoras para a realizao de projetos e iniciativas de

    implantao da msica nas escolas;

    g) realizao de poucos programas de ensino da msica nas escolas, restritos s respectivas

    localidades;

    h) falta de clareza nos editais de concursos pblicos para a rea, dificultando a inscrio dos

    licenciados em msica, entre outros.

    Conforme mencionei no incio deste captulo, um dos problemas resultantes e ainda

    existente refere-se s diversas nomenclaturas dos Cursos de Licenciatura na rea musical.

    Como exemplo, no Estado de So Paulo, no h uniformidade de nomenclatura entre as

    universidades pblicas: a antiga nomenclatura do curso de Licenciatura em Educao

    Artstica - Habilitao em Msica, mantida pela Universidade de So Paulo (USP);

    encontramos ainda Licenciatura em Msica com Habilitao em Educao Musical da

    Universidade Federal de So Carlos (UFSCar); Licenciatura em Educao Musical da

  • 144

    Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP); Licenciatura em Msica da

    Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) 41

    .

    Em universidades de outros Estados, o mesmo acontece: Licenciatura em Msica com

    Habilitao em Educao Musical, da Universidade Estadual de Minas Gerais; Licenciatura

    em Msica da Universidade Federal da Paraba, que ainda faz a distino entre as

    Habilitaes em Educao Musical, em Instrumento ou em Canto.

    Tenho observado que, entre os prprios docentes das universidades, h divergncia de

    opinies: para alguns, a terminologia Licenciatura em Msica mais abrangente, pois

    envolve a formao de docentes com habilitaes distintas, ou seja, habilitao em Educao

    Musical, em Instrumento ou em Canto. Os professores seriam preparados para as escolas e,

    tambm, para lecionarem um determinado instrumento/canto. Os que defendem essa

    concepo compreendem a nomenclatura Licenciatura em Educao Musical como um curso

    que restringe a formao docente para o mbito da msica nas escolas, j que, no currculo

    desses cursos, no existe um instrumento/canto especfico de formao. Para eles, a

    licenciatura envolve tambm lecionar um instrumento ou canto em escolas especializadas e,

    por isso, a formao desses professores deve ser diferenciada.

    No ano de 2003, participei de uma reunio de coordenadores de cursos de Msica de

    diversos Estados e, ao ser abordado este assunto, no se chegou a nenhum consenso, pelas

    diferenas de concepes e abordagens. Essa diversidade de nomenclaturas acaba

    prejudicando a elaborao de editais para concursos pblicos, pois a maioria s abre

    inscries para os licenciados em Educao Artstica, gerando dvidas, confuses e

    dificuldades para os licenciados da rea musical, como apontei anteriormente. Considero esta

    discusso um aspecto relevante para que haja uma padronizao da nomenclatura desses

    cursos a nvel nacional.

    Como sabemos, entre a legislao e o efetivo cumprimento h uma grande distncia a

    ser percorrida, pois a Lei por si s no garantiu a implantao da Msica nos currculos

    escolares. So necessrios: mobilizaes, reformas, projetos e realizaes que demandam

    certo tempo, especialmente se considerarmos as dimenses geogrficas do Brasil e a nossa

    diversidade social e populacional.

    Em um mapeamento sobre a situao do ensino de msica, realizado por Del Ben,

    Hentschke, Diniz e Hirsh, no ano de 2006, foi constatado que: resultados de trabalhos

    realizados em diferentes estados do pas sugerem que a legislao [referindo-se LDB 9.394]

    41

    As nomenclaturas dos cursos foram obtidas por meio de consulta aos sites de cada universidade em 2011.

  • 145

    no tem sido capaz de garantir a presena de professores de msica nas escolas de educao

    bsica (2006, p.114).

    No mesmo ano, um grupo de msicos42

    do Ncleo Independente de Msicos NIM

    iniciou um movimento43

    em prol do projeto de lei que estava em tramitao no Congresso

    Nacional para tornar o ensino da msica obrigatrio nas escolas do pas. Junto a esse grupo,

    outras entidades e parlamentares44

    passaram a compor o Grupo de Articulao Parlamentar

    Pr-Msica (GAP), constitudo para atuar politicamente nos encontros das cmaras setoriais

    do Ministrio da Cultura (MinC), visando ampliar esse movimento. O Ncleo Independente

    de Msicos (NIM), em parceria com a Associao Brasileira de Educao Musical (ABEM),

    foi responsvel pela conduo tcnica e poltica desses trabalhos, culminando com a

    promulgao da Lei Federal 11.769 de 18 de agosto de 2008 (Anexo A), que altera a Lei n

    9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), acrescentando ao artigo 26, o seguinte pargrafo:

    6 A msica dever ser contedo obrigatrio, mas no exclusivo, do componente

    curricular de que trata o 2o deste artigo.

    Em seguida, determina: os sistemas de ensino tero trs anos letivos para se

    adaptarem s exigncias estabelecidas nos art. 1 e 2 desta Lei o que resulta em um

    perodo que terminar em agosto de 2011.

    Acredito que o fato de se considerar a msica como um contedo obrigatrio de Arte,

    em vez de um componente curricular independente gerou certa confuso na interpretao da

    Lei e resultou num grande obstculo para a afirmao da Msica como disciplina, no espao

    escolar.

    Constatei que vrias Secretarias de Educao, nas esferas estaduais e municipais,

    atribuem aos professores de Educao Artstica em servio a tarefa de inserir contedos

    musicais em suas aulas de Arte. Como j mencionado, a maioria desses professores possui

    habilitao em Artes Plsticas, o que os leva adoo de contedos que enfatizem apenas os

    aspectos estticos e histrico-sociais da msica, em detrimento de contedos musicais mais

    42

    Francis Hime, Ivan Lins, Fernanda Abreu, Alexandre Negreiros, Cristina Saraiva, Felipe Radicetti e Dalmo Mota. 43

    O movimento www.queroeducacaomusicalnaescola.com contou com a adeso de mais de 11.000 signatrios

    do manifesto e o apoio institucional de 95 entidades nacionais e internacionais do setor musical e de educao

    (dados obtidos ao consultar o site em 06 de julho de 2011). 44

    Deputados Federais em 2006: Jos Eduardo Cardozo (PT-SP), Gustavo Fruet, Chico Alencar (PSOL-RJ) e

    Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). As entidades componentes do GAP: Ncleo Independente de Msicos (NIM),

    Frum Paulista Permanente de Msicos (FPPM), Sindicato dos Msicos Profissionais do Estado do Rio de

    Janeiro (SindMusi-RJ), Associao Brasileira de Msica Independente (ABMI), Associao Brasileira de

    Educao Musical (ABEM), Cooperativa de Msica de So Paulo e a Rede Social da Msica.

  • 146

    especficos. Existe, ainda, o perigo de esse ensino ser desenvolvido de forma superficial, pela

    falta de um conhecimento musical mais aprofundado desses mesmos professores. Os alunos,

    por sua vez, continuam sem aprender os elementos e as estruturas da linguagem musical

    formal e, tampouco tm acesso s experincias de se fazer, criar ou produzir msica, seja

    individual ou coletivamente, em conjuntos musicais, bandas escolares ou grupos corais.

    Nesse aspecto, os tericos do currculo afirmam que a batalha para se definir um

    programa escolar e os seus respectivos componentes, tais como as disciplinas e os contedos,

    envolve prioridades e interesses sociopolticos e dependem da tradio e da historicidade do

    processo de construo social dos conhecimentos escolares.

    Outra questo preocupante refere-se ao veto (Anexo B) dado ao pargrafo nico, do

    artigo 62 da LDB 9.394, proposto no anteprojeto dessa lei, que determinava o professor

    especialista em msica para ministrar essa disciplina nas escolas. Tal veto acabou gerando

    muitas incertezas e diferentes interpretaes sobre quem, de fato, deve lecionar msica nas

    escolas. No entanto, baseando-me em observaes pessoais e vivncias na rea, posso

    afirmar que, aps esse veto, tem havido mobilizaes na busca de possibilidades de

    implantao da lei, maior engajamento poltico dos pares em defesa da profisso, propostas e

    realizaes de projetos em sistemas de parcerias, pesquisas relacionadas temtica, maiores

    produes cientficas referentes temtica, produo e elaborao de materiais e livros

    didticos. Alm disso, as discusses que se seguiram ao veto vm provocando um repensar

    sobre a profisso e a profissionalidade do educador musical.

    Figueiredo enfatizou, na ocasio da promulgao da Lei, que certamente a Lei

    contribuir para a presena da mesma [msica] na escola; porm, caber aos sistemas

    educacionais organizar aes frente nova perspectiva de poltica educacional, pois a

    legislao sozinha no poder mudar a realidade (FIGUEIREDO, 2008, p.6-9). Em relao a

    esse pensamento, j h alguns avanos favorveis para a rea, nos planos poltico, educacional

    e cultural: um deles refere-se proposta de uma ao conjunta interministerial entre o

    Ministrio da Cultura ( MinC), representado pela FUNARTE, e o Ministrio da Educao

    (MEC), para estudar possibilidades de viabilizar a implementao da Lei 11.769.

    Outra mobilizao significativa ocorreu em maro de 2010: a ABEM solicitou uma

    audincia pblica na Assemblia Legislativa do Rio Grande do Sul, tendo comparecido

    deputados, secretrios da educao, representantes de entidades, professores universitrios e

    estudantes da rea para discutir polticas de implantao da Lei.

  • 147

    Entre os pronunciamentos, destaco as propostas de Cludia Ribeiro Bellochio45

    ,

    reproduzidas em sua ntegra, devido importncia e relevncia para a temtica deste trabalho:

    Para concluir, gostaramos de lanar algumas proposies que necessitam que

    somemos esforos para implement-las:

    a) criar o cargo de professor de msica e amparar abertura imediata de concurso pblico para professores de msica;

    b) instalar uma agenda entre Secretaria Estadual de Educao, coordenadorias

    regionais e secretarias municipais para levantamento da situao/necessidade dos

    municpios;

    c) promover discusses nas secretarias de educao dos municpios e coordenadorias

    regionais, chamando audincias pblicas atravs das cmaras municipais de

    vereadores;

    d) estabelecer parcerias entre secretarias de educao dos municpios e

    coordenadorias regionais com as associaes da rea para que sejam pensadas

    formas de implementar a lei nas escolas, considerando princpios de uma educao

    nacional mas tambm propondo aes viveis/possveis a cada contexto;

    e) fazer um amplo levantamento do que a escola j tem de msica para propor aes

    que venham se somar ao que j existe;

    f) organizar a msica na escola a partir de experincias curriculares e no

    curriculares, como no caso de bandas, coros, grupos musicais, oficinas, etc.;

    g) inserir a msica na escola de tal forma que se mantenha a centralidade na

    experincia com msica;

    h) ampliar a produo e circulao, no mbito da escola, de materiais didticos para

    a educao musical, quer sejam de apoio ao professor ou a sua prtica;

    i) criar mecanismos de acessibilidade s produes de msica para e na educao

    bsica, a exemplo da revista Msica da Educao Bsica e da Coleo Msicas

    (Editora Sulina);

    j) investir em programas de formao de professores, tais como o que atualmente

    est sendo construdo o plano nacional de formao de professores;

    Tudo isso precisa e precisar de professor de msica e por isso a criao do cargo de

    professor de msica, a realizao e contratao desses professores condio

    fundamental para um futuro mais sonoro na escola.

    Tenho otimismo, estou confiante e penso que comeamos a escrever e fazer soar

    uma outra histria para a educao musical na escola de educao bsica do Brasil

    (SOUZA, Jusamara et al., 2010, p. 89, grifo nosso)

    Entre as importantes propostas, assinalei trs aspectos que considero fundamentais: a

    criao do cargo de professor de msica, at o momento, inexistente no Sistema Nacional

    de Educao, como tambm no Cdigo de Profisses, conforme j mencionei em citao

    anterior; a observncia em centralizar o ensino da msica nos contedos e prticas

    especificamente musicais, sem desconsiderar os aspectos da interdisciplinaridade e do projeto

    poltico e pedaggico da escola; e, por ltimo, o investimento em programas de formao de

    professores. Acredito que a relevncia dessas propostas pode elucidar de forma clara e precisa

    a temtica dessa pesquisa, alm de servir como referncia e modelo para outras mobilizaes

    no campo das polticas pblicas em educao musical.

    45

    Prof Dr Claudia Ribeiro Bellochio docente do Departamento de Metodologia do Ensino Centro de Educao da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, e Coordenadora Regional da ABEM Regio Sul.

  • 148

    Outros resultados dizem respeito s diversas experincias e iniciativas de implantao

    da msica nas escolas e aos programas de formao docente em sistemas de parcerias, embora

    ainda locais e pontuais, porm, produzindo reflexos positivos, conforme irei discorrer mais

    adiante.

    A preocupao de Fonterrada (2005) com a formao de professores de Educao

    Musical para a Educao Infantil e sries iniciais do Ensino Fundamental revela a

    possibilidade de se abrir espao para a formao musical do professor generalista.

    Respondendo s questes que se sobrepem: quem dever ministrar este ensino? O

    professor de classe? O msico especialista? O professor de artes?, a autora acredita que no

    possvel contar apenas com os especialistas em Msica, pois a quantidade de licenciados na

    rea nfima diante da demanda atual, aps tantos anos de ausncia da msica nas escolas.

    Por isso:

    [...] preciso resgatar o professor que, mesmo no sendo msico, goste de msica e

    a traga para dentro da escola. Esse um bom comeo e pode servir de preparao a

    um tempo posterior, em que haver professores habilitados em msica em todas as

    escolas (FONTERRADA, 2005, p. 255).

    Nesta vertente, a recente legislao sobre o ensino fundamental de nove anos,

    referente formao dos professores generalistas, esclarece na Resoluo CNE / CEB n 7, de

    14 de dezembro de 2010, em seu artigo 31 (Anexo D), que:

    Art. 31 Do 1 ao 5 ano do Ensino Fundamental, os componentes curriculares

    Educao Fsica e Arte podero estar a cargo do professor de referncia da

    turma, aquele com o qual os alunos permanecem a maior parte do perodo escolar,

    ou de professores licenciados nos respectivos componentes.

    1 Nas escolas que optarem por incluir Lngua Estrangeira nos anos iniciais do

    Ensino Fundamental, o professor dever ter licenciatura especfica no componente

    curricular.

    2 Nos casos em que esses componentes curriculares sejam desenvolvidos por

    professores com licenciatura especfica (conforme Parecer CNE/CEB n

    2/2008), deve ser assegurada a integrao com os demais componentes

    trabalhados pelo professor de referncia da turma (BRASIL, MEC. Res. n. 7,

    2010, grifo nosso).

    Conforme consta nessa Resoluo, h duas possibilidades de profissionais para

    lecionar msica nos anos iniciais do ensino fundamental de nove anos: o professor de

    referncia da turma licenciado em Pedagogia (generalista) que poder lecionar,

    preferencialmente, do 1 ao 5 ano e o especialista licenciado em Educao Musical

    que dever lecionar do 6 ao 9 ano e, facultativamente, s sries iniciais.

  • 149

    Muitos podero compreender que essa Resoluo prejudica os professores

    especialistas em educao musical, podendo limitar a atuao desses profissionais no espao

    escolar, ou, at mesmo, provocar sua substituio. A meu ver, abre-se um leque de

    possibilidades para a presena do professor especialista nas escolas, alm da docncia em

    salas de aula. Dentre as diversas possibilidades, mencionam-se: realizar cursos de capacitao

    em educao musical para os professores generalistas; organizar arquivos e acervos de

    partituras, gravaes, CDs, vdeos, livros da rea apropriados para as escolas para uso dos

    professores no-especialistas e alunos; criar e elaborar arranjos de msicas adequados faixa

    etria e ao desenvolvimento musical dos alunos; oferecer apoio aos professores generalistas

    nos ensaios de apresentaes musicais (verificando, por exemplo, afinao, acompanhamento

    instrumental, sonorizao etc.); chefiar departamentos de msica nas escolas; organizar,

    ensaiar e reger conjuntos musicais escolares diversificados e conjuntos comunitrios da

    escola; entre outras.

    Chamo a ateno para o fato de que essa Resoluo determina com clareza que, no

    caso de a escola optar pelo especialista, como consta no pargrafo 2, necessrio estabelecer

    uma articulao do trabalho desse profissional com o projeto poltico-pedaggico da escola e

    com os demais componentes desenvolvidos pelo professor de referncia da turma

    (generalista). Essa recomendao implica em uma atitude de trabalho conjunta, aberta,

    flexvel e relacional entre ambos os docentes, na forma de dilogo, de compartilhamento de

    contedos, de aes pedaggicas interdisciplinares e de projetos educativos.

    Com isso, o professor especialista em Msica dever exercer a docncia de forma mais

    comprometida: engajado com o projeto poltico-pedaggico da escola e, ainda, desenvolvendo

    uma prxis mais envolvida com a instituio, com a equipe docente, com o ensino

    interdisciplinar e contextualizado. So competncias exigidas as quais ultrapassam aquela

    concepo de formao exclusivamente musical, implicando em reformulaes a serem feitas

    diretamente no design curricular dos cursos de Licenciatura da rea musical.

    Concluindo essas discusses, reafirmo que as ltimas legislaes sobre Educao

    Musical no garantem sua reinsero como componente curricular nas escolas de educao

    bsica, mesmo sendo uma exigncia da Lei Federal 11.769/08. A meu ver, ainda h um longo

    caminho a percorrer, que depender da vontade poltica de governantes e da mobilizao de

    entidades culturais, educadores, alunos, coordenadores, diretores de escola, pais, dirigentes,

    artistas, membros de associaes, sindicatos, instituies, universidades, agncias

    financiadoras enfim, de todo segmento interessado e envolvido com a educao musical

    brasileira. Ser necessrio desenvolver projetos e implantar aes que venham a gerar

  • 150

    possibilidades para que a msica resgate seu valor educativo em nossa sociedade e na vida

    dos indivduos, vindo a ocupar o seu devido lugar no mbito escolar e abrindo espao para a

    presena do educador musical nos diversos contextos escolares.

    5.1.2. Principais Documentos do Ministrio da Educao aps a LDB 9.394/96

    Aps a promulgao da ltima LDB, vrios documentos foram elaborados com a

    finalidade de esclarecer, orientar e direcionar a efetivao das novas diretrizes. Entre eles, o

    Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil (RCNEI), cujas orientaes

    baseiam-se na educao construtivista, tomando-se a interdisciplinaridade como eixo

    metodolgico da Educao Infantil. Esse documento contempla a Msica como uma das

    linguagens expressivas da infncia e destaca sua importncia na comunicao e no

    desenvolvimento cognitivo das crianas. De acordo com o primeiro volume do documento, as

    prticas pedaggicas realizadas pelos professores da Educao Infantil devero possibilitar s

    crianas:

    [Utilizar] as diferentes linguagens (corporal, musical, plstica, oral e escrita)

    ajustadas s diferentes intenes e situaes de comunicao, de forma a

    compreender e ser compreendido, expressar suas idias, sentimentos, necessidades e

    desejos, e avanar no seu processo de construo de significados, enriquecendo cada

    vez mais sua capacidade expressiva; conhecer algumas manifestaes culturais,

    demonstrando atitudes de interesse, respeito e participao frente a elas e

    valorizando a diversidade (BRASIL, 1998, p.63).

    Um dos aspectos da aula de msica que o RCNEI enfatiza o trabalho com canes

    infantis, as quais esto presentes no cotidiano da escola e na prtica pedaggica de professoras

    que atuam nessa faixa etria. Johanella Tafuri (2000) destaca a importncia de se utilizar o

    canto de forma ativa e participativa, evitando-se modelos reprodutores e mecanicistas, os

    quais no desenvolvem uma aprendizagem musical eficiente. Alm das possibilidades

    recreativas e de socializao, a autora apresenta uma possvel classificao dos cantos com

    finalidades didticas: cantos que promovem a aquisio de nmeros, dias e meses do ano;

    cantos cumulativos; cantos com eco; cantos com gestos e movimentos; cantos com

    concatenao; cantos com estribilhos; entre outros. Para a autora, durante a execuo das

    canes preciso que as crianas faam propostas [...] e tenham a satisfao de realiz-las

    (Ibid., p. 65) e, ainda, que o canto seja alternado entre a professora da turma e as crianas,

    para que possam aprender a escutar e a esperar o momento da prpria entrada.

  • 151

    Em minha experincia como docente dos cursos de Pedagogia, observei que a

    maioria dos licenciandos no possui o hbito de cantar e, quando cantam, o fazem de modo

    muito desafinado, sem qualquer entonao. A ausncia da aula de msica nos cursos de

    formao de professores tem gerado docentes que no costumam cantar em sala de aula.

    Sendo assim, como poderemos exigir desses profissionais da educao infantil que ensinem

    msica para as crianas?

    Diniz e Del Ben (2006) tambm constataram que as professoras da Educao Infantil

    se ressentem de uma formao especfica em msica ou de orientao sistemtica de

    professores de msica. Nesse sentido, as autoras destacam a necessidade de se buscarem

    parcerias entre professores generalistas e o professor especialista em msica. Para elas, o

    professor de msica poderia desenvolver atividades especficas de execuo vocal e

    instrumental, habilidades que os educadores infantis no adquiriram durante sua formao

    pedaggica.

    Recentes pesquisas brasileiras sobre a presena da msica em creches e escolas de

    educao infantil (DINIZ e DEL BEN, 2006; FURQUIM, 2009; MARQUES e AZEVEDO,

    2010; entre outros) apontam que a grande maioria possui aula de msica compondo suas

    respectivas matrizes curriculares, porm os professores continuam com um ensino articulado

    a outros propsitos no musicais, tais como: ensinar hbitos de higiene, moralizar o ambiente,

    normatizar as condutas infantis, memorizar contedos de outras disciplinas e comemorar

    datas e festividades do calendrio escolar.

    Fonterrada46

    (2005), desenvolvendo uma anlise sobre o RCNEI, apresentou

    importantes consideraes, entre as quais, destaco o seguinte pensamento:

    [...] preciso promover cursos de capacitao, treinamento, orientao para

    professores e funcionrios, e que se enfatizem questes referentes educao

    infantil nos cursos de licenciatura em Msica, alm de ampliar a oferta de cursos de

    ps-graduao lato e stricto sensu, com linhas de pesquisa voltadas para a educao

    infantil, arte-educao e educao musical, para que os profissionais que lidam com

    a faixa etria abrangida possam ter uma boa formao, desenvolvendo condies de

    compreender a proposta e atuar de maneira adequada e transformadora.

    (FONTERRADA, 2005, p.228).

    O RCNEI, ao compreender a msica como linguagem e forma de conhecimento,

    apresenta algumas orientaes para se desenvolverem caractersticas e estruturas pertinentes

    linguagem musical de forma significativa, a serem vivenciadas pelas crianas, por meio de

    46

    Fonterrada, em sua obra De tramas e Fios, apresenta uma anlise dos trs volumes que compem o RCN e

    tambm, dos PCN de Arte do Ensino Fundamental, evidenciando os aspectos referentes educao musical. Por

    isso, no irei aprofundar essa discusso neste captulo.

  • 152

    trs eixos de ensino e aprendizagem: produo, apreciao e reflexo musicais (BRASIL,

    1998). Para que essas propostas se efetivem na prtica escolar, chamo a ateno aos aspectos

    levantados pela autora sobre as licenciaturas em msica. Defendo, ainda, a necessidade de

    implantar o ensino de msica nos cursos de Pedagogia, pois imprescindvel subsidiar os

    futuros professores com uma formao musical slida e profunda, a fim de adquirirem

    conhecimentos pedaggico-musicais necessrios para explorar, de modo mais eficiente, o

    trabalho com msica, inserindo-o em suas prticas pedaggicas.

    Outro documento que foi elaborado, aps a LDB 9.394/96, intitula-se Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCN), o qual abrange 10 volumes para as sries iniciais do ensino

    fundamental. A introduo desse documento sinaliza para a flexibilidade curricular,

    promovendo abertura para cada escola construir seus currculos, adequando-os s

    necessidades locais. Quanto ao ensino da msica, apoio-me na anlise de Fonterrada, que

    aponta a nfase que dada teorizao e formao de conceitos esttico-musicais, em

    detrimento da prtica e do fazer musical:

    Esse engano bsico de postura est presente nas artes, de maneira geral, e, em

    especial, na rea de msica, caracterizando-se pela falta de nfase no fazer musical

    em suas mltiplas formas, ou seja, canto, aprendizado de instrumentos, criao a

    partir de materiais sonoros diversos e trabalho corporal. como se os especialistas

    tivessem esquecido as preciosas lies dos educadores musicais do sculo XX,

    cujas propostas se caracterizam, antes de tudo, por serem ativas [...] No se

    descarta, claro, a discusso, a anlise ou a comparao, mas essas atividades

    devem permear a prtica, reforando-a e, de modo algum, substituindo-a ou

    impedindo que ocorra (FONTERRADA, 2005, p.253).

    H, nesse documento, pouqussimas referncias sobre o trabalho com a escuta e a

    apreciao musicais, imprescindveis aprendizagem da msica, como tambm, uma ausncia

    de orientaes para a introduo da leitura musical formal ou mesmo no-formal da notao

    musical, o que organizaria e facilitaria a apropriao dessa linguagem pela criana. A meu

    ver, o modelo de ensino musical proposto pelos PCN de Arte acabou descaracterizando a

    msica enquanto linguagem expressiva, criativa e comunicativa, justamente pela ausncia de

    propostas mais direcionadas ao fazer, criar, interpretar, executar, inventar e praticar msica na

    escola.

    Nesse aspecto, segundo Figueiredo, as crticas feitas s legislaes e os documentos

    que se seguiram referentes msica na escola, revelam que:

    O que se destaca destas crticas a inadequao das orientaes frente

    realidade escolar. A literatura da rea de educao musical sugere que tal

    inadequao tem provocado poucas mudanas no cenrio educacional. Mesmo

  • 153

    depois de tantos anos de existncia de novas legislaes e orientaes para a rea de

    artes [...]. Fica evidente em diversos contextos que a mudana da legislao no

    garantiu a mudana de concepo e operacionalizao do ensino de msica na escola

    nos ltimos 10 anos. Apesar da LDBEN e outros documentos terem apresentado

    elementos importantes para o ensino da arte na escola, tais documentos tm

    produzido poucos efeitos na realidade escolar, por falta de polticas claras sobre

    currculo, contratao de professores, investimentos em educao, e assim por

    diante. (FIGUEIREDO, 2007, p. 6-7, grifo nosso).

    Ainda, importante destacar, no mbito do ensino superior, as Diretrizes Curriculares

    para o Ensino Superior de Msica. Em 1998, a Secretaria de Ensino Superior (SESU) do

    Ministrio da Educao designou uma comisso de especialistas CEE/Msica47

    para

    assessorar os trabalhos que se seguiram implementao da LDB 9.394/96. Esta comisso

    desenvolveu propostas contidas nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Superior de

    Msica, fundamentadas em dados extrados de 41 cursos de graduao em msica, que havia

    naquela poca, em consultores, associaes de classe, congressos e simpsios.

    De acordo com Alda de Oliveira (1999) ento presidente da comisso , nas

    diretrizes para os cursos de msica, entre os diversos aspectos gerais, foram considerados

    fundamentais para a rea: uma ampla formao acadmica que favorea o desenvolvimento

    do ser humano em situaes de aprendizagem formal e no-formal; o desenvolvimento de

    uma viso holstica do ser humano, incorporando aspectos de ordem afetiva, cognitiva,

    motora e social, destacando-se a sensibilidade e a criatividade; incluso de conhecimentos de

    metodologia de pesquisa, tecnologia aplicada rea, gesto e comunicao; aproximao das

    realidades culturais da Amrica Latina e mundial, garantindo uma mobilizao intercultural;

    postura tica de respeito ao direito de todo ser humano aprender, fazer e apreciar a msica; e,

    por fim, o desenvolvimento da capacidade crtica, analtica e investigadora.

    Na viso de Oliveira (1999), a Licenciatura em Msica (Educao Musical) dever

    estar em consonncia com as Diretrizes Curriculares Gerais para todas as Licenciaturas,

    incluindo-se conhecimentos dos seguintes campos:

    a) Educao subdividida em Teorias (teorias de ensino, histria da educao, currculo e

    didtica) e Prticas (apreciao, execuo, composio e novas tecnologias);

    b) Fundamentos Psicossociais e Estticos da Msica (psicologia, sociologia e esttica da

    msica);

    c) Pedagogia do Instrumento ou do Canto.

    47

    Integrantes da CEE/Msica (1998 - 2000): Alda de Oliveira (UFBA, Presidente), Liane Hentschke (UFRGS,

    Secretria), Maria Lcia Pascoal (UNICAMP).

  • 154

    A autora assinala a importncia da articulao entre teoria, prtica profissional e

    realidade da escola e comunidade, discutindo sobre o trabalho como princpio educativo, as

    correntes metodolgicas, aspectos organizacionais, polticas pblicas, manuteno das

    tradies e construo de identidades. Para isso, aponta locais para o estgio supervisionado

    de ensino tais como: o ensino regular, conjuntos musicais diversos e empresas do setor,

    produtoras e gravadoras, servios de superviso e planejamento em msica, empresas de

    tecnologia musical, hospitais e servios de reabilitaes, ONGs com projetos sociais em

    msica, entre outros.

    5.2. Experincias e iniciativas da atualidade

    5.2.1. A insero da msica como disciplina em cursos de Pedagogia: alguns impasses e

    outros possveis

    Diversos pesquisadores atestam que a msica pouco aparece nos currculos dos cursos

    de Pedagogia e que, quando isso ocorre, geralmente est inserida na disciplina de Arte,

    dividindo espao com as demais linguagens artsticas (FIGUEIREDO, 2001; FURQUIM,

    2009; CISZEVSKI, 2010). Em algumas cidades do pas, medidas esto sendo tomadas por

    meio de incentivos governamentais, parcerias com universidades, cursos de especializao,

    cursos de capacitao em formao continuada, cursos distncia, entre outros. Porm, estas

    iniciativas tm sido pontuais e limitadas a uma determinada localidade e, s vezes, a

    determinadas comunidades e bairros e no garantem uma formao musical eficiente dos

    pedagogos, assegurando-lhes este ensino.

    Compondo uma das excees no Brasil, o Curso de Pedagogia da Universidade

    Federal de Santa Maria, no Estado do Rio Grande do Sul, pioneiro nesse sentido, contemplou

    em sua matriz curricular a formao musical dos licenciandos na disciplina Metodologia do

    Ensino da Msica, com carga horria inicial de 90 horas, distribudas em 60h/a de atividade

    terica e 30h/a de atividades prticas. Aps a matriz curricular deste curso sofrer algumas

    reformulaes, a disciplina atualmente est configurada em Educao Musical 6 semestre

    com 60h/a e Educao Musical para a Infncia 7 semestre com 30h/a.

    A meu ver, a insero da msica como disciplina nos cursos de Pedagogia, ao ser

    ministrada por um especialista da rea, oferece aos futuros pedagogos a possibilidade de

    conhecerem e vivenciarem outra dimenso do ensino da msica, com a aprendizagem de

    contedos musicais prprios disciplina, metodologias de ensino e prticas musicais

    adequadas educao infantil e s sries iniciais do ensino fundamental. A parceria entre os

  • 155

    dois cursos dessa universidade Licenciaturas em Msica e Pedagogia tem trazido

    resultados positivos e favorveis para a formao musical de ambos os licenciandos,

    analisados por vrios pesquisadores (BELLOCHIO, 2000; FURQUIM, 2009;

    OESTERREICH, 2009; WERLE, 2010).

    Para complementar a formao musical dos licenciandos em Pedagogia, desde o ano

    de 2000, foram organizadas oficinas de msica oferecidas pelo Laboratrio de Educao

    Musical (LEM), do Centro de Educao da mesma universidade, denominado, a partir de

    2003, Programa LEM: tocar e cantar, com espao fsico apropriado s aulas de msica e

    equipado com materiais disponveis s prticas e vivncias musicais. As oficinas so

    realizadas em atividades semanais de: flauta-doce, percusso, canto coral, violo, grupo

    instrumental, linguagem musical, apreciao musical e construo de instrumentos musicais

    constituindo o saber-fazer, permeado pela reflexo individual e conjunta das aes

    pedaggico-musicais.

    O LEM um laboratrio articulado s atividades de pesquisa e extenso desenvolvidas

    na graduao e na ps-graduao, cujos objetivos so:

    a) proporcionar um espao para atividades de educao musical a alunos dos cursos de

    Licenciatura em Pedagogia, Licenciatura em Educao Especial e Licenciatura em Msica;

    b) desenvolver atividades articuladas entre a graduao e o programa de ps-graduao em

    Educao Linha de pesquisa Educao e Artes (Educao Musical);

    c) articular atividades de ensino com atividades de pesquisa e extenso em educao musical;

    d) manter e realizar emprstimos de materiais didticos na rea de Educao Musical;

    e) viabilizar programas e projetos de educao musical, no ensino, na pesquisa e na extenso,

    que potencializem o desenvolvimento da educao musical na formao de professores.

    O LEM est organizado em quatro grandes linhas: 1) Atividades de ensino

    envolvendo os cursos de Licenciatura em Pedagogia, em Educao Especial e em Msica; 2)

    Grupo de Pesquisa (FAPEM), com linhas de pesquisa vinculadas formao profissional de

    especialistas e no-especialistas em Msica, s prticas educativas e produo e anlise de

    materiais didticos para o ensino da Msica; 3) Programa de formao musical na

    universidade Programa LEM: tocar e cantar, integrando aes de oficineiros (alunos da

    Licenciatura em Msica) e demais Licenciaturas da UFSM (oficinandos); 4) Programa de

    formao, assessoria e orientao em msica para escolas e outros espaos educacionais

    Programa SOM (UFSM /LEM, 2010).

    Correa (2010, p.118), em sua pesquisa sobre a formao musical de pedagogas,

    constatou que o compromisso com as prticas musicais escolares e o desejo de mudanas da

  • 156

    Educao Musical no mbito escolar, foi intrnseco a todas as entrevistadas. A pesquisadora

    destacou ainda, o crescimento formativo acerca dos conhecimentos musicais e pedaggico-

    musicais, a transformao nas concepes sobre educao musical e maior segurana na

    prtica pedaggica dos licenciandos em Pedagogia, aps cursarem as disciplinas e oficinas de

    msica do programa.

    Neste modelo, pretendo salientar a existncia de um dilogo e de um trabalho

    colaborativo entre os docentes, departamentos e dirigentes de ambos os cursos, favorecendo a

    formao inicial dos futuros professores. A parceria entre os cursos, a proximidade entre os

    docentes das respectivas disciplinas e do LEM deveriam servir de exemplo para as demais

    universidades do pas que possuam esses cursos, como uma das possibilidades efetivas de

    formao de professores para a Educao Musical. No estamos, com isso, negligenciando os

    professores especialistas em msica, mais somando esforos, no sentido de se realizar um

    trabalho integrado entre pedagogos e professores especialistas em msica, uma vez que

    caberia a estes ltimos, a organizao, a formao e a prxis dessas disciplinas inseridas nos

    cursos de Pedagogia. Alm disso, a formao musical constitui-se em uma rica experincia

    individual para o pedagogo, que desenvolve uma relao mais ativa com a escuta musical, um

    maior senso crtico e esttico da msica e amplia o conhecimento de um repertrio musical

    para utiliz-lo com seus alunos.

    Por outro lado, conforme observao que realizei durante minha prtica profissional, o

    oposto tambm acontece: professores com formao musical realizada em curso de

    Bacharelado em Msica e com formao pedaggica, adquirida posteriormente, na

    Licenciatura em Pedagogia, tambm modificaram totalmente suas concepes e prticas

    pedaggico-musicais. Assim, o olhar sobre a escola, sobre os alunos, a aula de msica, a

    comunidade escolar, a msica inserida no projeto poltico-pedaggico da escola, o seu papel

    educativo no desenvolvimento integral da criana, a importncia do aprendizado musical nos

    aspectos afetivo, emocional, cognitivo e fisiolgico e as contribuies que a msica oferece,

    como componente curricular interdisciplinar ao aprendizado de outras disciplinas e contedos,

    somados, ainda, ao hbito de refletir sobre a prpria prtica so algumas das concepes

    apreendidas por colegas de profisso que transformaram suas aes e prxis, aps terem

    cursado a Licenciatura em Pedagogia.

    Aquino (2010, p.1.625), da Escola de Msica e Artes Cnicas da Universidade Federal

    de Gois, atribui ao pedagogo a responsabilidade pelo ensino musical na educao infantil e

    sries iniciais, tal como se encontra previsto na legislao, caracterizando a identificao

    desse profissional pela abrangncia e multiplicidade de conhecimentos adquiridos durante seu

  • 157

    processo de formao. Na viso dessa autora, os licenciados em Msica e Pedagogia devem

    realizar um trabalho educativo integrado e de forma colaborativa, pois a noo de

    colaborao traz consigo uma viso horizontal de relao entre profissionais, ou seja, no h

    diferena de valor entre eles.

    Aquino continua seu pensamento afirmando que, sob a perspectiva de parceria, cabe

    ao especialista em msica atuar com os professores, fomentando atividades musicais na

    escola, orientando os programas de ensino de msica, prestando servios de consultoria e

    desenvolvendo propostas e cursos de formao continuada para os docentes da educao

    infantil e das sries iniciais. Se a escola oferecer nveis de escolaridade posteriores 5 ao 9

    ano do ensino fundamental e ensino mdio , ento, o especialista poderia atuar como

    regente de classe da aula de msica.

    Por outro lado, percebemos que ainda persiste a ausncia da formao musical na

    grande maioria dos cursos de Licenciatura em Pedagogia do pas. Como exemplo, no Estado

    de So Paulo, a pesquisa em andamento de Ciszewski (2010) desvela dados estatsticos

    alarmantes: dos 354 cursos de Pedagogia existentes, somente 199 (77%) possuem disciplinas

    relacionadas s Artes e, em apenas 27 desses cursos, a msica aparece como disciplina

    especfica (13,5%). A maior parte, compe a matriz curricular de faculdades privadas isoladas

    e, em trs desses cursos, particularmente, eu atuo como docente. Segundo o relato da

    pesquisadora, somente 4% desse contingente so universidades pblicas que oferecem o

    ensino da msica na formao inicial dos futuros pedagogos. Ainda no se sabe o que e como

    este ensino est sendo desenvolvido, pois a pesquisa no foi concluda at o momento.

    Na Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, referncia internacional de

    Ensino Superior em Educao, h apenas uma disciplina optativa relacionada msica que

    oferecida a todas as licenciaturas da Universidade, ministrada pela minha orientadora Prof

    Dr Leny Magalhes Mrech, intitulada Msica na formao de professores. A proposta desta

    disciplina no formar educadores musicais, mas reside na vivncia de uma escuta musical

    crtica, enfocando aspectos sociais, polticos e estticos de um repertrio dos perodos

    histricos da msica ocidental. Apesar de ser oferecida regularmente em todos os semestres, a

    procura to grande que h listas de espera para matricular-se nesta disciplina.

    Particularmente, tive a oportunidade e a experincia de lecionar algumas aulas em

    duas turmas consecutivas dessa disciplina, nos anos de 2008 e 2009, desenvolvendo um

    trabalho de sensibilizao musical, escuta, percepo rtmica, fraseologia alm de algumas

    vivncias musicais. Minha maior surpresa foi verificar que a grande maioria dos licenciandos

    da USP no possua (in)formao musical anterior, apresentando um desconhecimento dos

  • 158

    repertrios da msica erudita e popular brasileira, com exceo do que veiculado pela mdia.

    Os prprios alunos, futuros professores, tambm se surpreenderam com os contedos que

    foram trabalhados, pois nunca haviam vivenciado uma aula de msica durante as respectivas

    escolaridades. Sabe-se que a riqueza de experincias musicais que o curso da professora Leny

    Mrech oferece aos licenciandos, oriundos de diversas licenciaturas da USP, permite a eles

    estabelecer uma relao com os saberes musicais de forma diferenciada, ampliando

    conhecimentos e desenvolvendo uma escuta musical mais apurada e crtica.

    Em relao ao Estado do Rio de Janeiro, encontrei uma pesquisa recente de Nogueira

    (2010) que fez uma anlise sobre a situao atual da msica inserida nos cursos de Pedagogia.

    Segundo a autora, a situao no difere do que ocorre em quase todos os estados brasileiros,

    ou seja, h poucos cursos que oferecem uma formao pedaggico-musical aos licenciandos.

    A autora relata que, no Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    (UFRJ), outra referncia importante no ensino superior do pas, a Msica, apesar de ser

    legalmente considerada como um componente curricular obrigatrio da educao bsica, o

    que deveria situ-la no campo das metodologias de ensino, encontra-se em situao

    semelhante s disciplinas do campo perifrico. Segundo a autora, nos cursos de Pedagogia

    este campo constitudo por disciplinas que surgiram a partir de demandas especficas, como

    Novas Tecnologias da Educao, Educao Especial e Arte-Educao ao lado das disciplinas

    de fundamentos (Filosofia, Sociologia, Histria da Educao, Psicologia) e o das

    metodologias (Didtica, Metodologia de Ensino, Estgio Supervisionado e Prticas de

    Ensino). Em sua anlise, percebe disputas, tenses e concepes que perpassam a

    configurao do currculo em questo, como apontam as teorias sobre currculo48

    .

    Nogueira (ibid.) verificou que, nesse curso, o ensino da msica era oferecido na

    disciplina Arte-Educao, com uma carga horria bem menor e sem oferta de disciplinas

    optativas complementares ou de oficinas, como ocorria com as demais metodologias.

    Tambm no constavam na ementa referncias a tpicos especficos da linguagem musical,

    centrando-se os estudos em contedos de esttica, comuns a todas as linguagens artsticas.

    Mesmo ocorrendo uma preocupao em se garantirem experincias desses licenciandos com

    todas as linguagens artsticas, o que positivo de um lado, por outro, incorria-se no perigo de

    cair na superficialidade do ensino, devido escassez do tempo de aula.

    48

    Para aprofundar estas questes curriculares sobre Cursos Superiores de Msica, ver KLEBER, Magali. Teorias

    curriculares e suas implicaes no ensino superior de msica: um estudo de caso. (Dissertao). So Paulo:

    IA/UNESP, 2000.

  • 159

    Todavia, recentemente, foi criada a disciplina Linguagem Musical na Educao

    Bsica, com 60 h/a, de carter optativo. A demanda tem sido enorme, ocasionando o

    oferecimento constante dessa disciplina em todos os semestres, desde a sua criao.

    De modo semelhante, a pesquisadora menciona que nos currculos dos cursos de

    Pedagogia da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

    h tambm uma disciplina referente ao estudo das linguagens artsticas, cuja nfase recai

    sobre aspectos histricos, socioculturais, estudos sobre criatividade e processos de criao.

    So desenvolvidos ainda, estudos sobre anlises de modelos e prticas culturais constituintes

    das identidades individuais e sociais, por meio de imagens, sons, corpo-movimento, literatura

    e memria.

    Continuando seu relato, observou que na Universidade Federal do Estado do Rio de

    Janeiro, os contedos da disciplina Arte-Educao apresentam-se um pouco diferenciados,

    talvez por essa universidade possuir cursos de graduao e programas de ps-graduao em

    Msica e Artes Cnicas. Na ementa, h claramente referncias aos contedos musicais, tais

    como: aspectos psicossociolgicos da msica, funes da msica na sociedade e na escola,

    construo de discursos musicais na educao bsica, entre outros.

    Nos exemplos anteriores, podemos observar a falta de interlocutores especialistas em

    Educao Musical nos cursos de Pedagogia, os quais poderiam nortear os contedos e prticas

    de Educao Musical na formao dos futuros pedagogos. Se houvesse maior dilogo e

    integrao entre essas licenciaturas, os cursos e respectivos docentes, especificamente em

    universidades e faculdades que possuam esses dois cursos, com certeza existiriam

    possibilidades maiores de formao dos licenciandos em Pedagogia para ministrarem o ensino

    musical, assim como o fazem com as demais reas do conhecimento.

    A criao de disciplinas e realizaes de projetos, laboratrios e oficinas de educao

    musical, em uma ao conjunta ou na forma de parceria entre esses cursos, traria uma enorme

    contribuio para a reinsero da msica nas escolas. Alm disso, os prprios licenciandos

    poderiam se beneficiar com a fruio esttica, a sensibilizao, o conhecimento de si mesmos

    e do outro e a transformao que a msica proporciona aos seres humanos.

    Outra proposta colaborativa ou de parceria seria aproveitar alunos de cursos

    profissionalizantes dos conservatrios e escolas de msica, ligados s universidades, como

    auxiliares dos professores generalistas em aulas especficas de educao musical. Pela falta de

    docentes suficientes frente enorme procura, tenho observado que muitos alunos dessas

    instituies acabam exercendo as funes de professores de educao musical, especialmente

    no mbito da educao infantil.

  • 160

    Como exemplo, posso mencionar minha experincia pessoal no municpio de Barueri,

    So Paulo, que h vrios anos implantou oficialmente a msica nos currculos das escolas e

    institutos municipais de educao. A Secretaria Municipal de Educao dessa cidade admite

    alunos formados nos cursos tcnicos de msica como instrutores de msica nas escolas da

    rede municipal, realizando, inclusive, concursos pblicos para estes cargos. Diversos alunos,

    egressos do curso Tcnico em Msica do Conservatrio Villa-Lobos da FITO, onde exero a

    funo de coordenadora pedaggica, tm sido contratados.

    No ltimo edital de concurso pblico desse municpio para PEB III (professores da

    educao bsica ensino fundamental e mdio , realizado em dezembro de 2010,

    encontrei a seguinte exigncia para professor de Msica: Ensino Superior Curso de

    Graduao com Licenciatura Plena em Msica, ou Licenciatura Plena em Pedagogia com

    formao musical completa em Conservatrio, ou Licenciatura Plena em Pedagogia com

    Curso Tcnico em Msica (completo) (FIEB, 2010)49. Observa-se, neste edital, a concepo

    de que o educador musical deve possuir conhecimentos tanto musicais como pedaggicos, ao

    exigir dos licenciados em Pedagogia, uma formao musical realizada em conservatrios.

    A partir dessas reflexes, considero fundamental o papel do pedagogo, ao trabalhar

    com a educao musical na escola medida que pode oferecer s crianas um primeiro

    contato com a msica, proporcionando experincias e vivncias musicais ldicas integradas s

    demais disciplinas e ao projeto pedaggico da escola. Esse profissional pode propiciar s

    crianas uma escuta diferenciada, crtica e ecolgica; um conhecimento de mundo e de

    culturas diversas daquela na qual esto inseridas, possibilitando situaes de criao; a

    produo e a expressividade musicais por meio da linguagem musical, promovendo o hbito

    de cantar e ouvir msica e o estabelecimento de parmetros e referncias para formao futura

    de pblico.

    Nos prximos captulos irei abordar e discutir esses aspectos com maior profundidade,

    referenciando-me na anlise de dados coletados entre docentes e licenciandos dos cursos de

    Licenciaturas em Pedagogia e em Educao Musical objetos de investigao deste

    trabalho.

    49

    Consultar site: . Acessado em: 22 de jan. de 2011.

  • 161

    5.2.2. Aes colaborativas e sistemas de parcerias

    Na inteno de evidenciar as aes colaborativas e sistemas de parcerias, farei um

    breve mapeamento do estado atual de algumas dessas iniciativas, baseando-me nas

    informaes selecionadas por Oliveira e Cajazeira (2007) em colaborao com diversos

    autores, revisitando o cenrio da Educao Musical no Brasil.

    No estado do Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual de Educao ainda no possui

    propriamente um projeto ou diretrizes especficas para o ensino de msica, por entender que o

    componente curricular obrigatrio a educao artstica e no somente a msica, deixando

    a critrio de cada escola decidir como ir configurar esta disciplina. Alm disso, os editais dos

    ltimos concursos pblicos para o magistrio realizados no Estado referiam-se a professores

    de Educao Artstica e no a professores de Artes Visuais, Dana, Msica ou Teatro,

    conforme orientam os PCN. Em vista dessa situao, no momento presente, representantes de

    ambos os setores esto elaborando propostas com vistas parceria entre Universidades e

    Secretaria Estadual de Educao, como tambm entre prefeituras de alguns municpios,

    buscando aes conjuntas e investimentos na formao musical de professores em servio

    (DEL BEN; HENTSCHKE, 2007).

    Na Ata da 19 Assemblia Ordinria da ABEM, realizada em 01 de outubro de 2010, a

    professora Jusamara Souza informou que o Grupo Tcnico Msica na Escola tem realizado

    aes polticas efetivas para a implementao da msica nas escolas do Rio grande do Sul.

    Aps a luta e o empenho de diversos educadores musicais e demais representantes

    constituintes do grupo, no final do ano de 2010, a Secretaria de Estado da Educao assumiu

    o compromisso de assegurar, nos editais de concursos pblicos, a legitimidade da participao

    dos Licenciados em Msica. Comprometeu-se, igualmente, a estudar propostas de

    implantao da msica nos currculos das escolas de educao bsica daquele Estado.

    Em Santa Catarina, na capital Florianpolis, a Secretaria Municipal de Educao

    promoveu um processo de reviso educacional, no qual a rea de Arte passou a ocupar lugar

    de maior destaque no cenrio escolar. Foi ampliada a carga horria das aulas, eliminando-se

    definitivamente a idia de professor polivalente. No ano de 2000, elaborou-se um documento

    em conjunto com todos os professores da rede intitulado Subsdios para a reorganizao

    didtica no ensino fundamental, contendo orientaes terico-metodolgicas para todas as

    reas, incluindo-se a Msica.

    Aps essa medida, os professores especialistas das diferentes linguagens artsticas

    passaram a lecionar do 5 ao 9 ano do Ensino Fundamental, alternando-se as linguagens. Na

  • 162

    educao infantil e nas sries iniciais, so os professores generalistas que trabalham com as

    linguagens artsticas, com subsdios dos especialistas. Apesar desse avano, ainda persiste um

    desestmulo nos candidatos da rea de msica para lecionarem nas escolas pblicas, devido

    especialmente aos baixos salrios, inadequao de espaos e falta de instrumental

    apropriado para as aulas.

    Em relao formao continuada, a Universidade Estadual de Santa Catarina em

    parceria com a Secretaria Estadual de Educao mantm o Projeto Formao Continuada em

    Educao Musical para os professores e administradores da rede estadual. No municpio de

    Florianpolis, a universidade tambm realiza um trabalho de consultoria e formao

    continuada em educao musical (FIGUEIREDO, 2007).

    No Estado de So Paulo, talvez por razes de ordem legal e financeira, a denominao

    Educao Artstica ainda mantida para a disciplina de Arte e perpetua a questo da

    polivalncia, inclusive nos editais dos concursos pblicos, dificultando a contratao de

    egressos dos cursos superiores, cujos currculos j se adaptaram Resoluo CNE/CES n 2

    de 8 de maro de 2004. Alm disso, pesquisadores comprovam que ainda h uma

    desarticulao entre os programas dos cursos superiores de formao de professores da rea e

    o currculo das escolas pblicas estaduais.

    Apesar de todas essas dificuldades, a cidade possui um trabalho pioneiro de parceria

    entre a Coordenadoria de Programas Educacionais da Fundao Orquestra Sinfnica do

    Estado de So Paulo e a Secretaria Estadual de Educao. Entre as atividades e aes

    educativas esto: concertos didticos de orquestras parceiras, ensaios abertos ao pblico,

    cursos e atividades prticas e diretas com o pblico infanto-juvenil, programa de formao de

    professores e visitas monitoradas.

    Os participantes do curso de formao de professores oferecido pela OSESP so

    docentes das escolas estaduais que lecionam disciplinas das diversas reas do conhecimento,

    configurando-se, assim, um trabalho interdisciplinar com a educao musical. O foco dos

    contedos desse programa est centrado no trabalho com a orquestra: conhecimento dos

    instrumentos musicais, gneros e estilos, histria da msica, compositores, entre outros,

    visando, em especial, formao de platia.

    Nos ltimos anos, foi possvel acrescentar ao programa atividades centradas na

    linguagem musical, utilizando-se o modelo de ensino e aprendizagem denominado

  • 163

    (T)EC(L)A50

    proposto pelo educador musical Keith Swanwick: execuo (E), apreciao (A)

    e composio (C), apoiadas pela literatura (L) e tcnica (T).

    Nesses moldes, foi possvel oferecer aos docentes vivncias e experincias musicais,

    produzindo uma mudana no foco inicial de interdisciplinaridade entre a msica e as outras

    reas, para o foco nas atividades musicais mais especficas. Alm dos mdulos presenciais em

    que se discutem as prticas musicais dos participantes e a fundamentao terica a partir

    dessas discusses, o programa oferece subsdios de formao distncia, com incluso de

    material de apoio no TelEduc, fruns de discusso, chats, ambientes de bate-papos, entre

    outros (KRGER; NARITA, 2007).

    Outro exemplo significativo de um projeto de formao continuada de professores da

    rede municipal, intitulado Tocando, cantando,...fazendo msica com crianas, pertence

    Secretaria Municipal de Educao, do municpio de Mogi das Cruzes, Estado de So Paulo.

    Nessa cidade, a partir do ano de 2002, iniciou-se o embrio do projeto, por meio de palestras,

    workshops avulsos e cursos de curta durao sobre msica na escola, ministrado a convite da

    secretaria, pela Prof. Dr. Iveta Maria Borges de vila Fernandes51

    , que, na ocasio,

    lecionava no curso de Pedagogia da Universidade Brs Cubas dessa cidade.

    Esse projeto foi elaborado processualmente, construdo ao longo de sua realizao,

    direcionado formao contnua de professores da Educao Infantil e do ensino

    Fundamental I para o ensino de msica. O interesse da coordenadora do Centro Municipal de

    Formao Pedaggica, somado ao envolvimento de dirigentes, supervisores de ensino,

    coordenadores pedaggicos e equipe tcnica foi um importante fator que contribuiu para a

    implantao desse projeto nas escolas municipais.

    Alm disso, a msica passou a integrar o projeto poltico-pedaggico de cada escola e

    a Secretaria Municipal de Educao efetuou a compra de instrumentos musicais necessrios a

    todas as escolas. Os contedos norteadores desse projeto so: a aprendizagem em msica, de

    acordo com a proposta triangular de Ana Me Barbosa para o ensino das artes - fazer,

    apreciar e contextualizar; aulas prticas e tericas utilizando-se a metodologia ao /reflexo /

    ao; oficinas de produes musicais e de confeco de instrumentos musicais; frequncia a

    programas culturais de msica na Sala So Paulo; ampliao de repertrio de msica para a

    50

    (T)EC(L)A Termo, traduzido do ingls CLASP, referindo-se ao modelo de ensino musical proposto por Keith Swanwick, que consiste em uma educao musical realizada de forma integrada e significativa, por meio

    de atividades prticas de execuo, composio e apreciao, apoiadas pela tcnica e literatura musicais. 51

    Ver: FERNANDES, Iveta Maria Borges vila. Msica na escola: desafios e perspectivas na formao

    contnua de educadores da rede pblica. Tese de doutorado. Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo,

    2009.

  • 164

    escola, dos gneros popular e erudito e realizao de algumas apresentaes musicais com os

    participantes. O projeto foi sendo estruturado medida de sua realizao, configurando-se em

    quatro mdulos com cerca de 30h cada um, sequenciados conforme o interesse dos

    professores participantes. Com o decorrer do tempo, mais escolas passaram a aderir ao

    projeto, havendo a necessidade de mais pessoas na equipe para coordenar os trabalhos de

    formao continuada, cujas atividades passaram a ser desenvolvidas no lcus das prprias

    escolas.

    Assim, professores de msica daquela cidade foram convidados a integrarem a equipe

    como monitores e, posteriormente, alunos do Curso de Licenciatura em Educao Musical da

    Universidade Estadual Paulista (UNESP). Havia, ainda, reunies quinzenais, mensais e

    encontros com a mentora do projeto, Prof Iveta, que passou a prestar servios de assessoria.

    O crescimento espontneo das atividades trouxe novos rumos para o projeto, sendo lanado,

    no ano de 2007, o primeiro caderno Tocando e Cantando pela Secretaria Municipal de

    Educao. Neste mesmo ano, celebrou-se, em sistema de parceria com o Instituto de Artes da

    UNESP, campus So Paulo e com a Fundunesp, um projeto de pesquisa com o mesmo nome,

    possibilitando aos monitores, alunos do Curso de Licenciatura em Educao Musical dessa

    universidade, atuarem como pesquisadores estagirios da Fundunesp.

    Neste breve relato, destaco como motivos do sucesso desse projeto: a adeso

    voluntria e espontnea dos participantes; a construo e elaborao processual e conjunta dos

    mdulos, de acordo com as necessidades, vivncias e experincias dos participantes e com a

    ampliao dos conhecimentos; o apoio irrestrito da Secretaria Municipal de Educao; a

    realizao das atividades no lcus das escolas, envolvendo toda a equipe pedaggica; a

    infraestrutura adquirida para a efetivao das atividades; o registro e a publicao dos

    resultados elaborados pelas prprias professoras, no caderno Tocando e Cantando, incluindo-

    se realizaes de performances das crianas; as visitaes aos espaos culturais de So Paulo

    para assistirem a programas musicais; a parceria firmada entre Universidade e rgo pblico

    e, por fim, a competente assessoria, o empenho e a dedicao integral ao projeto da Profa.

    Iveta (FERNANDES, 2009).

    Em Minas Gerais, entre os anos de 1997 a 1999, foi realizado nas escolas pblicas

    estaduais o projeto Msica na Escola, a pedido da Secretaria de Estado da Educao a um

    grupo de professores-msicos52

    que j desenvolvia metodologias para o ensino da msica

    naquela rede escolar (pblica e privada). Em virtude da enorme quantidade de escolas do

    52

    Jos Adolfo Moura (coordenador do projeto), Carlos Kater, Maria Bethnia Parizzi Fonseca, Matheus Braga e

    Rosa Lcia dos Mares Guia Braga.

  • 165

    estado, optou-se por realizar, inicialmente, um projeto piloto, abrangendo 20 escolas, com

    professoras alfabetizadoras, por se acreditar que a expresso musical deve ser apreendida no

    momento da alfabetizao.

    A partir das experincias e vivncias musicais dessas professoras, como primeira etapa

    do trabalho, realizou-se um curso de musicalizao das 494 professoras selecionadas,

    distribudas em 16 turmas. As aulas ocorriam uma vez por semana, com durao de quatro

    horas, tendo um professor de msica e um monitor. Entre os vrios contedos desenvolvidos,

    foram enfatizados: memria cultural tradies populares dos participantes/comunidade;

    expresso musical criao, interpretao, improvisao; fundamentos da msica e atividades

    de prticas musicais jogos, brincadeiras, folclore, cantigas infantis, msica popular

    brasileira de diferentes pocas e etnias.

    Alm do curso, foram produzidos para todos os participantes materiais de apoio, tais

    como: livro de jogos e brincadeiras musicais; livro de construo de instrumentos; livro das

    canes; livro de textos (trovas, parlendas, trava-lnguas e histrias); livro do professor e o

    CD Msica na Escola. O resultado foi altamente positivo, constatado pelas pesquisas

    especialmente encomendadas, pois houve mudana de atitude tanto dos professores como de

    seus respectivos alunos, os quais apresentaram melhor desenvolvimento no processo de

    alfabetizao e na aprendizagem.

    Em virtude desses dados, foi considerada a necessidade de incluir o ensino de msica

    nos cursos de formao de professores, por meio da proposta de criao dos Centros Especiais

    de Educao Musical, em parceria com os Conservatrios Estaduais mineiros. O curso

    proposto nesses centros teria a durao de um ano e meio, porm, com a mudana

    governamental, o projeto de criao desses centros acabou se perdendo.

    Na cidade do Rio de Janeiro, no perodo compreendido entre 1999 a 2002, em uma

    parceria entre o Conservatrio Brasileiro de Msica e a Secretaria Municipal de Educao, foi

    realizado o projeto Msica na Escola, sob a coordenao de Ceclia Conde, atendendo cerca

    de 125 escolas e 150 professores, envolvendo pesquisa cultural, formao de professores e

    produo de material didtico, semelhante ao projeto de idealizado em Minas Gerais.

    O programa estava direcionado preparao de docentes das sries iniciais do

    Ensino Fundamental (1 ao 4 ano) para o trabalho com prticas musicais nas escolas da rede

    municipal, fundamentado na vivncia, na problematizao e na reflexo sobre as prticas dos

    prprios participantes. O projeto consistiu na formao de equipes de especialistas em msica

    para elaborao das oficinas, material didtico e assessoria aos docentes das escolas. Todavia,

    tambm foi encerrado em perodo de mudanas de governo, como ocorreu em Minas Gerais.

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    Outra experincia que surtiu efeitos positivos para nossa rea ocorreu no estado da

    Paraba. Nos anos de 2005 e 2006, o Grupo de Pesquisa em Prticas de Ensino e

    Aprendizagem da Msica em Mltiplos Contextos, vinculado ao Departamento de Educao

    Musical do Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal da Paraba, desenvolveu o

    projeto Msica nas escolas de educao bsica com a finalidade de formar professores para o

    ensino da msica, no municpio de Cabedelo, contando com recursos financeiros do

    Ministrio da Educao. Os participantes foram professores generalistas de 1 a 4 sries e

    professores de Educao Artstica da 5 8 sries do ensino fundamental das escolas pblicas

    da regio, que no possuam conhecimentos musicais.

    O projeto consistiu basicamente de oficinas de educao musical, estruturadas com

    base nas especificidades das escolas da regio. Alm das oficinas, elaborou-se tambm uma

    proposta de educao musical para as escolas do municpio. Em Joo Pessoa, no ano de 2006,

    a Secretaria de Educao e Cultura do municpio definiu para o ensino de Arte, nas nove

    sries do ensino fundamental, a seguinte estrutura: 1, 4 e 7 sries Teatro/Dana; 2, 5 e 8

    sries Msica; 3, 6 e 9 sries Artes Visuais, terminando com a questo do ensino

    polivalente e possibilitando expanso do mercado de trabalho para os egressos do Curso de

    Licenciatura em Educao Musical da Universidade Federal da Paraba.

    No mbito do Ensino a Distncia (EaD), tambm temos assistido realizao de

    diversas propostas e experincias que esto contribuindo para a formao de professores para

    o ensino da msica nas escolas. Como exemplo menciona-se o convnio entre a Secretaria de

    Estado da Educao do Amap com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para

    elaborao e execuo de aes com o objetivo de implantar a msica nas escolas. Em 2007,

    realizou-se o Curso de Capacitao para Tutores e Professores da Rede Pblica do Municpio

    de Macap e Santana, denominado Musicalizao de Professores, com uma carga horria de

    60 horas. A Universidade Aberta do Brasil (UAB) em parceria com a Universidade Federal de

    So Carlos (UFSCar) vem oferecendo o Curso de Licenciatura em Educao Musical, nesta

    modalidade de ensino, inaugurando uma nova era na histria da formao de professores de

    Educao Musical:

    As atividades desenvolvidas pela UAB-UFSCar visam democratizao e

    socializao do conhecimento que produzido e restrito, usualmente, aos

    frequentadores dos centros de formao e pesquisa. Por intermdio da modalidade

    de educao distncia pode-se, dessa forma, proporcionar oportunidades diversas a

    cidados residentes em cidades distantes de seus campi ou que tenham dificuldades

    em parti