8

Click here to load reader

Centro de atenção psicossocial alcool, drogas e redução de danos

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Centro de atenção psicossocial   alcool, drogas e redução de danos

p.210 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):210-7.

CAPS ad e redução de danos: novos desafios

CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIALÁLCOOL E DROGAS E REDUÇÃO DE DANOS:NOVAS PROPOSTAS, NOVOS DESAFIOS

CENTER OF PSYCHOSOCIAL ATTENTION ALCOHOL AND DRUGSAND HARM REDUCTION: NEW PROPOSALS, NEW CHALLENGES

Jacqueline de Souza*

Luciane Prado Kantorski**

Sérgio Eduardo Gonçalves***

Fernanda Barreto Mielke****

Danieli Bispo Guadalupe*****

RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: O estudo objetivou analisar o funcionamento de um Centro de Atenção Psicossocial Álcoole Drogas como novo modelo de assistência e sua interação com o Serviço de Redução de Danos. Foirealizado no período de dezembro de 2004 a agosto de 2005, a partir de 300 horas de observação-participante do cotidiano de um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas num município daregião sul do Rio Grande do Sul, sendo que, para a interpretação dos resultados, foram utilizados tam-bém dados de 96 horas de observação-participante no Serviço de Redução de Danos do mesmo municí-pio. Os resultados apontaram uma rede de serviços relativamente desconexa, porém com vastas possi-bilidades para complementaridade da atenção; observou-se também a influência da formação médica-hospitalocêntrica e a falta de engajamento de alguns profissionais como fatores importantes no conjuntode desafios para a consolidação de uma nova proposta de assistência.Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave: Atenção psicossocial; álcool; droga; redução de dano.

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT: : : : : The aims was to analyse the functioning of the Center of Psychosocial Attention Alcoholand Drugs (CAPS ad) as a new model of assistance and on its interaction with the Harm ReductionService. The study was based on 300 hours of participant observation of the routines at the Center ofPsychosocial Attention Alcohol and Drugs, located south of the southern state of Rio Grande do Sul,Brazil from December, 2004 to August, 2005. For interpretation of results, data from 96 hours of participantobservation in the Harm Reduction Service of the same city was also used. The results pointed, on theone hand, to a relatively disconnected net of services, and on the other, to vast possibilities for carecomplementarities. The doctor-hospital relation and the lack of commitment by some professionals stoodout as important challenges for the consolidation of a new proposal of assistance.Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Psychosocial attention; alcohol; drug; harm reduction.

INTRODUÇÃO

O uso abusivo de álcool e drogas consiste numaproblemática presente nas diversas partes do mundoe, por conseguinte tem sido objeto de estudo dasdiversas áreas do conhecimento.

Tendo em vista a complexidade da temática, esteestudo tem como objetivo analisar o funcionamentode um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas(CAPS ad), focalizando as práticas como novo modelode assistência aos indivíduos com problemas pelo usoabusivo de drogas e evidenciar a possibilidade deatuação conjunta entre o Centro de AtençãoPsicossocial álcool e drogas e o Serviço de Redução deDanos, em prol da efetiva consolidação de uma rede

de saúde mental de base comunitária. Pretende-secom isso, contribuir na discussão acerca daspossibilidades de construir diferentes formas da nossasociedade lidar com a questão do abuso de drogas.

MARCO REFERENCIAL

A atual Política de Saúde Mental, adotada peloMinistério da Saúde assumiu como desafio a consoli-dação e ampliação de uma rede de atenção de basecomunitária e territorial que seja capaz de atender àspessoas em sofrimento psíquico, bem como às que so-frem com a crise social, a violência e o desemprego, de

Page 2: Centro de atenção psicossocial   alcool, drogas e redução de danos

R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):210-7. • p.211

Souza J, Kantorski LP, Gonçalves SE, Mielke FB, Guadalupe DB

modo a promover reintegração social e cidadania. Essadeliberação de um novo modelo de assistência tem suabase nas propostas da Reforma Psiquiátrica1.

A Reforma Psiquiátrica busca a consolidaçãode uma rede de assistência focada em princípios epráticas psicossociais e apresenta uma estratégiareorganizadora das práticas assistenciais,privilegiando novos espaços que possibilitam aintegração do sujeito em sofrimento psíquico,promovendo a organização das atividades emterritório definido, reafirmando e buscandoincorporar, nas ações de saúde mental, os princípiose garantias dos direitos humanos2.

A Política do Ministério da Saúde para aAtenção Integral aos Usuários de Álcool e outrasDrogas3 preconiza que a assistência a esses usuáriosdeve ser oferecida em todos os níveis de atenção,privilegiando os cuidados em dispositivos como osCentros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas(CAPS ad), além disso, a atenção a esses usuáriosdeve ser contemplada pela atuação integrada dosProgramas de Saúde da Família, AgentesComunitários de Saúde e Serviço de Redução deDanos e da Rede Básica de Saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo qualitativo do tipo descri-tivo, desenvolvido através de 300 horas de observaçãoparticipante do cotidiano de um Centro de AtençãoPsicossocial Álcool e Drogas da região sul do Brasil.Além disso, foram utilizados dados de 96 horas de ob-servação livre no Serviço de Redução de Danos domunicípio em questão. O estudo foi desenvolvido noperíodo de dezembro de 2004 a maio de 2005******.

O projeto foi submetido à avaliação e aprova-do pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdadede Medicina da Universidade Federal de Pelotas; fo-ram respeitados todos os aspectos éticos previstos pelaLegislação e pelo Código de Ética dos Profissionaisda Enfermagem.

Os dados foram analisados após a leitura siste-mática dos diários de campo e confronto com as re-comendações do Ministério da Saúde, com as Nor-mas de Regulamentação dos Serviços de Saúde Men-tal e com as propostas da Reforma Psiquiátrica. Apósleituras sucessivas dos dados, discussão entre os pes-quisadores envolvidos e nova revisão de literaturapara embasamento dos achados, estes foram organi-zados em corpus de comunicação, conforme sugeri-do por Minayo4, possibilitando que os resultados des-critivos fossem apresentados ao longo dos itens: o

funcionamento do CAPS ad, o Serviço de Reduçãode Danos e a interação do CAPS ad com o Serviçode Redução de Danos – novas possibilidades.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Funcionamento do CAPS adO CAPS ad é um serviço de atenção psicossocial

para atendimento de pacientes com transtornosdecorrentes do uso e dependência de substânciaspsicoativas. Conforme preconizado pelo Ministério daSaúde, esse serviço oferece atendimento diário aospacientes que fazem uso prejudicial de álcool e outrasdrogas, permitindo o planejamento terapêutico dentrode uma perspectiva individualizada de evoluçãocontínua; o CAPS ad deve ser apoiado por leitospsiquiátricos em hospital geral e outras práticas deatenção comunitária como internação domiciliar einserção comunitária de serviços.

O CAPS ad funciona das 8:00 às 18:00 horas,de segunda a sexta-feira, tendo, diariamente, umprofissional técnico de plantão para acolhimento dosusuários. Nesses serviços são desenvolvidas atividadescomo atendimento individual (medicamentoso,psicoterápico, de orientação), atendimento emgrupo, oficina terapêutica e visita domiciliar. Alémdisso, devem oferecer condições para o repouso, bemcomo para a desintoxicação ambulatorial depacientes que necessitem desse tipo de cuidados eque não demandem por atenção clínica hospitalar.

A estrutura física do CAPS ad estudado seconfigura numa casa ampla, de dois pisos; no andarinferior há uma garagem grande onde são realizadasas oficinas de geração de renda; há uma sala deespera; cozinha, despensa, lavanderia e umconsultório no qual são feitos os acolhimentos. Aindano piso inferior há uma sala grande onde são feitas asoficinas de artes; esta mesma sala é utilizada para asrefeições. No quintal dessa casa há uma horta que émantida pelos usuários e ao fundo há uma áreacoberta onde ocorre a oficina de marcenaria.

No piso superior há três consultórios paraatendimento individual, uma sala de enfermagem comum leito de repouso, uma sala administrativa onde seencontram as fichas de atendimento e os prontuáriosdos usuários e mais uma sala destinada às reuniões.

Ao longo das paredes do CAPS ad estãoexpostos vários trabalhos artísticos feitos pelos usuáriosnas oficinas. É muito evidente a relação positiva queeles têm com as atividades artísticas e esportivas bemcomo a forte vinculação com os profissionais respon-sáveis por estas atividades, pois são profissionais que

Page 3: Centro de atenção psicossocial   alcool, drogas e redução de danos

p.212 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):210-7.

CAPS ad e redução de danos: novos desafios

estão em contato direto e cotidiano com os usuáriose participam juntos das atividades.

A equipe era formada por dois assistentes soci-ais, três psicólogas, sendo que uma delas era a coor-denadora do CAPS, dois médicos psiquiatras, umamédica clínica e duas enfermeiras (uma no turno datarde e outra no turno da manhã), dois auxiliares deenfermagem (um para cada turno) um profissionalde educação física, um profissional de artes, um pro-fessor de música e um artesão.

As atividades de oficinas são especificadas acada usuário de acordo com o Plano Terapêutico In-dividual (PTI) que começa a ser definido durante oacolhimento, de acordo com as aptidões, preferên-cias do usuário e opiniões da equipe técnica.

Cada oficina observa dias e horários definidose é coordenada especificamente por um profissionalfacilitador, conforme mostra a Figura 1.

No CAPS ad são realizadas terapias em grupoque também são especificadas a cada usuário no seuPlano Terapêutico Individual (PTI), que pode so-

frer alterações de acordo com a evolução e necessi-dade do cliente. Os grupos são coordenados por umou dois profissionais de nível superior, de acordo comos dias e horários da Figura 2.

Cabe acrescentar que algumas atividades sãotambém realizadas fora da estrutura física do CAPSad; através da Oficina de Geração de Renda, porexemplo, alguns usuários são direcionados para ad-quirirem a licença de artesão e, conforme executamsuas atividades artesanais, reúnem-se com aTerapeuta Ocupacional, periodicamente, para se or-ganizarem para a venda dos produtos em feiras ouencontros. Há dois usuários do CAPS ad que tam-bém, através dessa oficina, estão realizando um cur-so no SESI, um sobre plantas medicinais e outro so-bre materiais recicláveis.

Com relação à Educação Física, há também umprojeto do qual participam um ou dois usuários decada CAPS do Município em atividades de Nata-ção no SESC; do CAPS ad, um usuário participa,semanalmente, desta atividade. Além disso, há fes-

FIGURA 1:FIGURA 1:FIGURA 1:FIGURA 1:FIGURA 1: Dias e horários das oficinas no CAPS ad e respectivos facilitadores das atividades.

(*) grupos realizados quinzenalmente.FIGURA 2:FIGURA 2:FIGURA 2:FIGURA 2:FIGURA 2: Dias e horários dos grupos no CAPS ad e respectivos coordenadores das atividades.

Page 4: Centro de atenção psicossocial   alcool, drogas e redução de danos

R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):210-7. • p.213

Souza J, Kantorski LP, Gonçalves SE, Mielke FB, Guadalupe DB

tas e torneios organizados por outros CAPS para osquais os usuários do CAPS ad são convidados; comoexemplo, no período de observação deste estudo,houve uma festa de páscoa, um torneio de futebol etambém o Mental Tchê – um encontro de saúdemental em São Lourenço do Sul/RS.

Além disso, algumas vezes, a Professora de Edu-cação Física realiza passeios na cidade, visitandomuseus, prédios históricos e eventos locais.

Com relação à tomada de decisões no CAPSad estudado, foi observada a continuidade daverticalização típica de uma hierarquia baseada nomodelo biomédico, cujos profissionais, que não eramespecificamente da área médica ou psi, não estavamincluídos na escala de plantão de acolhimento e ti-nham um poder distinto nas decisões da equipe.Conforme as observações registradas, eram os pro-fissionais que tinham uma vinculação mais forte comos usuários, uma vez que passavam a maior parte dotempo com eles e participavam juntos das ativida-des desenvolvidas durante as oficinas.

As assembléias gerais dos usuários eram reali-zadas apenas uma vez ao mês e as relações dos profis-sionais de saúde x usuários eram bastante delimita-das, configurando-se em relações de poder. Um fatoque reforça essa hierarquia verticalizada no CAPS

ad deste estudo é a divisão do espaço físico, em queos técnicos (exceto os profissionais de artes, educa-ção física e música que ministram as atividades nosespaços das oficinas) assumem todo o 2º andar doedifício e os usuários ficam no andar inferior, só po-dendo subir se forem chamados para consultas ougrupos. Essa questão é bastante influenciada pelaidéia de periculosidade com relação aos usuários, quemuitas vezes já tiveram envolvimento com o crime,tráfico de drogas e outros desvios de conduta.

Tais questões devem ser ressaltadas quando sefala de um serviço pertencente ao modelo de assistênciaque pretende superar o modo asilar pois tal fato já foiprevisto num estudo5 que recomenda a precaução,visto que o exercício do paradigma psicossocial é fus-tigado por pulsações que lhe são antagônicas, comoas formas de organização institucional na sociedadeem geral; a dominância do processo de fragmentaçãodo trabalho; o predomínio da alienação do sujeitocomo fato social; e a divergência entre o grau dedesenvolvimento da tecnologia e o grau dedesenvolvimento da força de trabalho. Acrescenta quedois modelos só serão contraditórios se a essência desuas práticas se encaminhar em sentidos opostos quan-to a seus parâmetros de base. Esses parâmetros sãoexplicitados na Figura 3.

Fonte: Adaptado de Costa-Rosa5.

FIGURA 3:FIGURA 3:FIGURA 3:FIGURA 3:FIGURA 3: Parâmetros basilares das práticas do modo asilar e do modo psicossocial.

Page 5: Centro de atenção psicossocial   alcool, drogas e redução de danos

p.214 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):210-7.

CAPS ad e redução de danos: novos desafios

O Serviço de Redução de DanosA Política de Redução de Danos baseia-se nos

modelos teóricos sócio-cultural e geopolítico estru-tural que consideram a problemática das drogascomo uma questão social, cujas intervenções têm porobjetivo principal minimizar os efeitos danosos dasdrogas, buscando a melhoria do bem-estar físico esocial dos usuários e ajudá-los a atuar socialmente6,7.Nessa abordagem são realizados trabalhos de camponas ruas, em hospitais e em prisões, buscando tornarmais acessíveis os serviços de saúde e propiciar opor-tunidades de reabilitação social8.

Os profissionais que atuam nesse programa de-vem assumir uma postura compreensiva e inclusiva,considerando o usuário como um ser racional e, por-tanto, os serviços de tratamento/saúde devem esta-belecer com ele relações de cooperação, sem o usode técnicas hostis ou confrontativas, mas utilizan-do, essencialmente, o serviço na comunidade atra-vés de educadores de saúde e do recrutamento de ex-usuários para atuarem como redutores de danos9.

Respeito às diferenças, retomada do acesso àdignidade e à cidadania, abordagem humanitáriapara os que estão em maior risco e atuação preventi-va junto às populações ainda não atingidas são algu-mas das atribuições desse novo modelo que tem umafilosofia pragmática e humanitária, isenta de julga-mentos crítico-morais, optando pela saúde e respon-sabilidade pessoal, mais do que pela punição decor-rente de comportamento inadequado10.

Destarte, as atividades do redutor de danosobjetivam buscar o vínculo e conquistar a confiançados usuários de drogas, sendo que a estratégia de con-tato com a população é a troca de seringas e a inter-venção educativa – orientações individuais,aconselhamento, distribuição de panfletos, cartazes,preservativos entre outros11.

O Serviço Municipal de Redução de Danos(SMRD) estudado realizava atividades de campovisando prevenir a disseminação da (AIDS)Síndrome da Imunodeficiência Adquirida e outrasDoenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s), en-tre usuários de drogas, e diminuir as conseqüênciasdo uso abusivo de substâncias entorpecentes, pro-movendo ações de inclusão desse usuário na rede pú-blica. Nos campos eram realizados acompanha-mentos e encaminhamentos de usuários e não-usu-ários, além de oficinas, distribuição de preser-vativoscom as devidas orientações, abordagem de adoles-centes com orientações educativas sobre as DST’s eas drogas.

A equipe, composta por usuários, ex-usuários enão-usuários, contava com um coordenador, um as-sistente de coordenação, um supervisor de campo esete agentes redutores de danos. Considerando aespecificidade do perfil dos redutores, convém res-saltar a complexidade de se formar uma equipe coe-sa, integrada como grupo e comprometida com osobjetivos do Programa de Redução de Danos, alémdo grande desafio em que consiste a sua coordena-ção e supervisão.

Os trabalhos de campo eram realizados emquatro grandes bairros, que se subdividem em 16bairros menores nas áreas marginais da cidade; emsua maioria bairros pobres, com precárias condiçõesde moradia, sem saneamento básico; alguns clien-tes eram moradores de barracos de madeira às mar-gens de canais.

As abordagens eram feitas pelos agentes que sedividiam em duplas para percorrer os bairros e aten-der aos usuários e seus familiares. A ação era realiza-da de pessoa a pessoa, quando se orientava sobre otrabalho de Redução de Danos e as formas de pre-venção das DST’s, AIDS e Hepatites e ocorria a en-trega de preservativos e a troca do kit (seringadescartável, água destilada, algodão) para os usuári-os de drogas injetáveis (UDI’s). Para esses usuários,além das trocas, eram feitos encaminhamentos paraconsultas nos postos de saúde, para o serviço especi-alizado em testagem anti-HIV e para o CAPS ad,quando havia interesse pelo tratamento.

Na maioria dos campos acessados, o Serviço ébem conhecido pela comunidade, principalmentepela distribuição de preservativos; no entanto, du-rante o período estudado, poucos usuários de drogasforam encontrados.

Tendo em vista que o álcool tem sido respon-sável por uma grande parcela de co-morbidades re-lacionadas às drogas, acredita-se ser importante ex-pandir as abordagens, incluindo os indivíduosalcoolistas, através da distribuição de foldersilustrativos e da abordagem direta com a divulgaçãode orientações preventivas e de possíveis encami-nhamentos e tratamentos.

As atividades em forma de oficinas tambémdeveriam ser mais exploradas, tanto nos camposquanto em eventos, escolas e universidades, pois aequipe tem um potencial importante para esse tipode atuação; além disso, todo o esforço despendidona quebra de preconceitos, é efetivamente uma atu-ação centrada na proposta de redução de danos umavez que combate também a exclusão social.

Page 6: Centro de atenção psicossocial   alcool, drogas e redução de danos

R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):210-7. • p.215

Souza J, Kantorski LP, Gonçalves SE, Mielke FB, Guadalupe DB

A relação entre o CAPS ad e o Serviço deRedução de Danos

É imprescindível ressaltar que tanto o CAPSad quanto o Serviço de Redução de Danos perten-cem ao modelo de assistência psicossocial que pre-tende superar o modo asilar. No entanto, o CAPSad, no período estudado, não desenvolveu de modoefetivo as visitas domiciliares ou outras intervençõescomunitárias e o contato com o Serviço de Reduçãode Danos se restringia a receber os indivíduos poreles encaminhados.

Cabe ressaltar que cinco das 10 recomenda-ções básicas para ações na área de saúde mental/álcool e drogas, estabelecidas pelo Relatório Mun-dial da Saúde de 200112, fazem referência às inter-venções na comunidade, a saber: promover cuida-dos comunitários; educar a população; envolvercomunidades, famílias e usuários, atuar de formaintegrada com outros setores, monitorizar a saúdemental da comunidade.

Acredita-se que essa lacuna poderia ser bempreenchida se houvesse conforme preconizado pelaPolítica do Ministério da Saúde para a Atenção In-tegral aos Usuários de Álcool e outras Drogas3, aintegração efetiva com os demais serviços disponí-veis pelo SUS, como as Unidades Básicas de Saúde,as equipes do Programa de Saúde da Família e, so-bretudo o Serviço de Redução de Danos que, até omomento do estudo, atuavam de forma independen-te e relativamente desconexa.

No entanto, para a consolidação dessas parceri-as, se faz necessário um programa de capacitação dasequipes para uma atuação transdisciplinar, com a de-finição do melhor plano de ação a ser compartilhadoe reuniões periódicas para a complementaridade daatenção, através das diversas abordagens de caráterpreventivo, promocional e de reabilitação/recupera-ção de saúde às pessoas em seus grupos de convivên-cia específicos.

A transdisciplinaridade é o diálogo e coopera-ção entre as diferentes áreas do conhecimento; diá-logo nascido em decorrência da discussão de um pro-blema não resolvido numa área específica e que re-quer a cooperação de diversas outras especialidadesno intuito de gerar novos dispositivos e formas deabordar o problema13.

A formação de uma rede de saúde mental é umatemática já definida como essencial para a consoli-dação da desinstitucionalização proposta pela Re-forma Psiquiátrica, no entanto, verificar essa neces-sidade na prática e descrever uma possível

operacionalização para a atuação das diversas partesenvolvidas requer observação sistemática do cotidi-ano desses serviços, planejamento participativo, or-ganização e coordenação das atividades, interven-ções competentes e avaliação contínua..

Os novos serviços, advindos da reorientação domodelo assistencial, têm que estabelecer um diálo-go permanente e eficaz com a realidade concreta davida quotidiana, suas limitações e possibilidades14.Assim, propõe-se a atuação conjunta do CAPS ad,do Serviço de Redução de Danos e da Unidade Bási-ca de Saúde.

O CAPS ad deveria estabelecer uma escala,semelhante à escala de acolhimento, para a buscaativa de usuários faltosos, bem como visitas e inter-venções de caráter comunitário, sobretudo buscan-do parcerias com outros setores na comunidade,como escolas, igrejas, grupo de moradores entre ou-tros. Considerando que algumas pessoas realmentenão têm o perfil para intervenções comunitárias, talescala deveria ser determinada após discussão emgrupo e em parceria com a Equipes do Programa Saú-de da Família, (quando existir) no bairro dos usuári-os em questão.

Essas intervenções poderiam ser feitas em par-ceria com algum dos membros da Equipe do Redu-ção de Danos pois eles têm considerável familiari-dade com as atividades de campo. Além disso, ten-do em vista que esse serviço se utiliza de mão-de-obra proveniente de usuários, ex-usuários e não-usu-ários de drogas, é evidente a sua facilidade de comu-nicação, abordagem e inserção na comunidade.

A integração de uma enfermeira na Equipe doRedução de Danos ampliaria suas ações uma vezque ela poderia realizar o diagnóstico da comuni-dade, identificando fatores de risco e proteção jun-to com os redutores e acessando os familiares dosusuários do CAPS através de visitas domiciliaressistematizadas.

Ainda, a Equipe do Redução de Danos deveriaempenhar-se também em oficinas para a formaçãode multiplicadores de informações e prevenção es-pecificamente entre adolescentes. Além disso, atra-vés da interação com o CAPS ad, poderia acrescen-tar às suas abordagens os indivíduos cujas famíliasprocuram esse serviço devido aos problemas deadicção em seus familiares que não querem ser sub-metidos ao tratamento.

Uma iniciativa no sentido de integração dosserviços foi observada durante o período de coletade dados: o referido Serviço de Redução de Danosestava executando um projeto de capacitação de téc-

Page 7: Centro de atenção psicossocial   alcool, drogas e redução de danos

p.216 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):210-7.

CAPS ad e redução de danos: novos desafios

nicos e agentes comunitários das Unidades Básicasde Saúde de bairros estratégicos. Os principais te-mas estudados estavam relacionados ao estigma/pre-conceito no atendimento aos indivíduos usuários dedrogas, bem como questões básicas sobre a aborda-gem da clientela e informações sobre os serviços dis-poníveis para possíveis encaminhamentos.

Assim, a conexão dessas redes se faz cada vezmais urgente e requer, portanto, reuniões de equipeperiódicas principalmente entre o CAPS ad e o Ser-viço de Redução de Danos para a elaboração do pla-no de trabalho e a interação com os clientes atendi-dos. Sobretudo, a participação da Unidade Básica deSaúde, através da atuação comunitária para a iden-tificação de casos e encaminhamentos, teria um pa-pel fundamental quando esse usuário obtivesse altado CAPS ad e na detecção precoce de fatores de ris-co para recaída nas famílias desses indivíduos.

CONCLUSÃO

A nova proposta de assistência tem basesconsolidadas, no entanto o engajamento das pessoas– sobretudo de alguns profissionais – tem sidoinsuficiente. Contribui para isso a formação dessesindivíduos, geralmente voltada para o modelomédico hospitalocêntrico e com base numa filosofiacartesiana de especialidades. Tais características serefletem na dificuldade em manter relaçõeshorizontais com os usuários, no desinteresse emintervenções na comunidade e com a formadesconexa de atuação dos profissionais e, porconseguinte, dos serviços.

Desse modo, a luta por uma assistênciapsiquiátrica mais humanizada vai muito além daconquista de novos modelos de atenção, abarcatambém a necessária ruptura de paradigmasideológicos e resistências silenciosas demonstradaspelas ações e atitudes de profissionais ainda nãosensibilizados com a nova proposta e que, mesmoatuando em estruturas físicas regulamentadas pelosmoldes da Reforma Psiquiátrica, são capazes dereproduzir o modelo manicomial que tem influên-cia direta do sistema capitalista, no qual estáestruturada a sociedade brasileira.

A consolidação de uma rede de saúde mentalnão consiste numa realidade utópica; o primeiropasso para sua efetivação consiste na disposição detodos os profissionais envolvidos de atuar de formatransdisciplinar, valorizando a interação dialógica,para a criação de novos modos de enfrentamento dos

desafios da complementaridade da atenção aos in-divíduos usuários de drogas, numa proposta de assis-tência mais humana e coerente.

REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde (Br). Política de saúde mental.[citado em: 27 jun. 2005]. Disponível em http:/www.saúde.gov.br.2. Prandoni RFS, Padilha MICS, Spricigo JS. A reformapsiquiátrica possível e situada. R Enferm UERJ. 2006;14(3):357-65.3. Ministério da Saúde (Br). Política do Ministério daSaúde para a atenção integral a usuários de álcool eoutras drogas. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2003.4. Minayo MCS. O desafio do conhecimeno: pesquisaqualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC; 1992.5. Costa-Rosa A. O modo psicossocial: um paradigmadas práticas substitutivas ao modo asilar. In: AmaranteP, organizador. Ensaios – subjetividade, saúde mental,sociedade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2000.6. Spricigo JS, Alencastre MB. O enfermeiro de unida-de básica de saúde e o usuário de drogas: um estudoem Biguaçú-SC. Rev Latino-am Enfermagem. 2004;12:427-32.7. Spricigo JS, Carraro TE, Cartana MHF, Reibnitz KS.Atenção ao usuário de drogas: um espaço para o enfer-meiro. Texto e Contexto Enferm. 2004; 3:296-302.8. Universidade Federal de São Paulo. Programa de ori-entação e atendimento a dependentes: o que é a re-dução de danos e a redução de riscos. [citado em 1dez. 2004]. Disponível em http://www.unifesp.br/dpsiq/proad/redução.htm.9. Malbergier A. Modelo de redução de danos no trata-mento das dependências. In: Focchi GRA, Leite MC,Laranjeira R, Andrade A. Dependência química: novosmodelos de tratamento. São Paulo: Roca; 2001. p.87-101.10. Siqueira D, Siqueira BG. Educação e saúde no usoe abuso de álcool e drogas: a prevenção e a redução dedanos. In: Luis MAV, Santos MA. Uso e abuso de álco-ol e drogas. Ribeirão Preto (SP): Editora Legis Summa;2000. p.219-22.11. Moraes SHP. Enfermagem na redução de danos comtrocas de seringas: estratégia epidemiológica nocombate a AIDS e a outras doenças de transmissãosanguínea – ouvindo o silêncio. In: Luis MAV, SantosMA. Uso e abuso de álcool e drogas. Ribeirão Preto(SP): Editora Legis Summa; 2000. p.237-44.12. Organização Mundial da Saúde. Relatório mundialda saúde: saúde mental; nova concepção, nova espe-rança. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001.13. Irribary IN. Aproximação sobre a transdiciplinaridade:algumas linhas históricas, fundamentos e princípiosaplicados ao trabalho de equipe. Psicologia, Reflexão eCrítica. 2003; 16:483-490.14. Delgado PG. O campo da reforma psiquiátrica. In:Ministério da Saúde (Br). III Conferência Nacional deSaúde Mental. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001.

Page 8: Centro de atenção psicossocial   alcool, drogas e redução de danos

R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 abr/jun; 15(2):210-7. • p.217

Souza J, Kantorski LP, Gonçalves SE, Mielke FB, Guadalupe DB

CENTRO DE ATENCIÓN PSICOSOCIAL ALCOHOL Y DROGAS Y REDUCCIÓN DE DAÑOS: NUEVAS

PROPUESTAS, NUEVOS DESAFÍOS

RESUMENRESUMENRESUMENRESUMENRESUMEN: El estudio tuvo como objetivo analizar el funcionamiento de un Centro de AtenciónPsicosocial Alcohol y Drogas como un nuevo modelo de asistencia y su interacción con el Servicio deReducción de Daños. Fue cumplido en el período de diciembre de 2004 al agosto de 2005, a partir de300 horas de observación participante de la rutina de un Centro de Atención Psicosocial Alcohol yDrogas en una ciudad de la Región Sur de Rio Grande do Sul-Brazil. Para la interpretación de los resul-tados fueron también utilizados datos de 96 horas de observación participante en el Servicio de Reducciónde Daños de la misma ciudad. Los resultados evidenciaron una red de servicios de salud mental relati-vamente desconectada, sin embargo con vastas posibilidades de complementariedades de la atención;se observó también que la influencia de la formación medico-hospitalaria y la falta de compromiso dealgunos profesionales son factores muy importantes en el conjunto de desafíos para la consolidación deuna nueva propuesta de asistencia.Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave:Palabras Clave: Atención psicosocial; alcohol; droga; reducción de daño.

NotasNotasNotasNotasNotas*Enfermeira. Mestranda do Programa de Enfermagem Psiquiátrica pela EERP/USP.**Professora da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas. Doutora em Enfermagem pela EERP/USP. Rua VictorValpírio, 289; bairro Três Vendas – Pelotas/RS CEP96020-250. E-mail: [email protected] Apoio CNPq.***Enfermeiro. Residente em Saúde Mental Coletiva pela Escola de Saúde Pública/RS.****Acadêmica da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas. Bolsista de Iniciação Científica CNPq.*****Jornalista formada pela Universidade Católica de Pelotas. Supervisora de Campo do SMRD (Serviço Municipal de Redução de Danos) noperíodo estudado.******Apoio: CNPq.

Recebido em: 09.01.2007Aprovado em: 11.06.2007