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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ CURSO DE DIREITO EDIVALDO DAS GRAÇAS LEITE O CARÁTER PREVENTIVO INSTITUÍDO PELA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) NA PROTEÇÃO E GARANTIA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. MACAPÁ 2008

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ CURSO DE … · 7.5 - Princípio do incentivo ao autocontrole ... 7.8 – Princípio do estudo consciente das modificações do mercado de consumo

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ

CURSO DE DIREITO

EDIVALDO DAS GRAÇAS LEITE

O CARÁTER PREVENTIVO INSTITUÍDO PELA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR) NA PROTEÇÃO E GARANTIA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.

MACAPÁ

2008

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EDIVALDO DAS GRAÇAS LEITE

O CARÁTER PREVENTIVO INSTITUÍDO PELA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR) NA PROTEÇÃO E GARANTIA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.

Monografia apresentada ao Curso de Direito do Centro de Ensino Superior do Amapá, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação da Profª. Helisia Costa Góes.

MACAPÁ

2008

3

À Deus, fonte maior de inspiração e força, à Rosimary, esposa, mãe dedicada, o grande amor da minha vida, pelo incentivo e apoio incondicional e aos meus filhos Amanda, Thainá e Diego, por tê-los privado da minha presença nos últimos cinco anos, com o intuito de propiciar-lhes uma vida melhor.

4

Agradeço a todos os meus professores que no decorrer do curso, procuraram transmitir os seus conhecimentos de forma a possibilitar o meu crescimento intelectual, aos meus colegas Edilson, Feitosa, Lineu, Shyrlene e Valdecir; grandes amigos, jamais esquecerei e em especial minha professora orientadora e amiga Helisia Góes, por acreditar no meu potencial, fator crucial na elaboração deste trabalho.

5

“A defesa do consumidor não pode ser encarada como instrumento de confronto entre produção e consumo, senão como meio de compatibilizar e harmonizar os interesses envolvidos”.

João Batista de Almeida

6

RESUMO

O reconhecimento da inadiável necessidade da tutela dos direitos do consumidor brasileiro,

no art. 48 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), bem como a

disposição no texto constitucional (inc. XXXII, art. 5º) como direitos e garantias fundamentais

assegurados a todos os que vivem nesse país, seguindo o que determinava a Resolução nº

39/248 da Organização das Nações Unidas (ONU), constituíram pontos imprescindíveis,

para a edição do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8078/90, que apesar da demora

para sua instituição, trouxe grandes e inúmeros avanços no âmbito da sua atuação, por que

não dizer, para a economia e o crescimento do nosso país. Tal fato se deve a sua

elaboração ter sido inspirada nos princípios e preceitos fundamentais básicos para a

garantia de uma vida digna para o ser humano. A elaboração deste trabalho visa, num

primeiro momento, identificar através da análise interpretativa da letra fria da legislação

consumerista brasileira, os aspectos que caracterizam normas de cunho puramente

preventivas no sentido resguardar a proteção e as garantias asseguradas ao consumidor,

através de uma relação de consumo transparente e saudável. E, em seguida, demonstrar os

efeitos e as mudanças apresentadas a partir da aplicação dessas normas no

comportamento dos entes que compõe essas relações, na própria relação de consumo, no

mercado consumidor e na economia brasileira, apontando essas mudanças e os benefícios

que elas trouxeram ao consumidor em razão desse caráter de prevenção e proteção da Lei.

Palavras-chave: Consumidor; Prevenção; Dignidade Humana; Vulnerável e Tutela.

7

ABSTRACT

The recognition of the unavoidable necessity of tutelage of right the consumer Brazilian, in

the article 48 of Act the Disposed Constitutional Transitory (ADCT), as well the dispose in the

constitutional text (inc.XXXII, art.5º) as fundamentals rights and guaranties assured to the all

what live in that country, following what determine the United Nations, established

indispensable items for the edition of the consumer code defense, Law nº8078/90, than in

spite of the delay for your institution, brought a big and innumerable advance in the ambit of

your acting, why don’t say, for the economy and growth of our country. This fact is because

your elaboration was inspired in the fundamental basic principles and precepts for the

guaranties of worthy life for the human being. The elaboration of this project views, in first

moment, to identify through interpretative analysis the cold letter of the Brazilian consumer

legislation, the aspect that characterize rules that are genuine preventives in the meaning of

guard the protection and the guaranties assured to the consumer, through the relation of

transparent and salutary consumer. Then, to demonstrate the effect and the change

deportments since the application of that beings’ behavior rule that compose these consume

relations, in the consumer market and in the Brazilian economy, sharpening these changes

and the benefits that they brought to the consumer in reason that prevention and protection

character of the Law.

Words – key: Consumer; Prevention; Human Dignity; Vulnerable and Tutelage.

8

SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................

07

ABSTRACT......................................................................................................... 08

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10

Capítulo I. PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS............................................... 12

1 Aspectos históricos...................................................................................... 12

1.1 Primeiros indícios de proteção ao consumidor....................................... 12

1.2 A importância da relação de consumo para o crescimento da economia

Americana.........................................................................................

14

1.3- Primeiros movimentos consumerista na Europa.................................... 17

1.4- Histórico da relação de consumo no Brasil............................................. 19

1.5- Pressupostos constitucionais de proteção ao consumidor.................. 22

2- Proteção com base no direito comparado.................................................. 23

3 - Proteção antes da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) 24

Capítulo 2 – A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO...................................... 27

4 - Conceito e definição.................................................................................... 27

4.1 – Consumidor............................................................................................... 27

4.1.1 – Consumidor por equiparação............................................................... 31

4.1.2 – O interveniente nas relações de consumo.......................................... 32

4.1.3 - Vítimas de evento danoso ocorrido na relação de consumo............. 32

9

4.1.4 - As pessoas expostas às práticas comerciais e contratuais.............. 33

4.2 – Fornecedor................................................................................................ 34

4.3 – Bem objeto da relação de consumo (produto ou serviço)................... 35

4.3.1 – Produto................................................................................................... 36

4.3.2 – Serviço.................................................................................................... 37

4.4 - Características da relação de consumo.................................................. 39

Capítulo 3 – O CARÁTER PREVENTIVO DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR....................................................................................................

42

5 – Pressupostos norteadores......................................................................... 42

6 - Princípios constitucionais aplicados ao direito do consumidor............. 43

6.1 – Princípio da dignidade da pessoa humana............................................ 44

6.2 – Princípio da liberdade.............................................................................. 45

6.3 – Princípio da igualdade............................................................................. 46

7 - A prevenção como norma positivada no CDC............................................. 47

7.1 – Princípio da vulnerabilidade do consumidor......................................... 48

7.2 - Princípio da presença do estado nas relações de consumo................ 48

7.3 – Princípio da harmonização de interesses ou Princípio da boa-fé....... 49

7.4 - Princípio da conscientização do consumidor e do fornecedor............ 50

7.5 - Princípio do incentivo ao autocontrole................................................... 51

7.6 – Princípio da coibição de abusos............................................................. 52

7.7 – Princípio da melhoria dos serviços públicos........................................ 52

7.8 – Princípio do estudo consciente das modificações do mercado de

consumo.............................................................................................................

53

10

CONCLUSÃO...................................................................................................... 54

REFERÊNCIAS................................................................................................... 56

11

INTRODUÇÃO

Prática realizada desde os mais remotos tempos, a relação de consumo, ato

indispensável na vida do ser humano, teve profundas mudanças nos últimos 50

anos, nos países desenvolvidos. No Brasil, estas mudanças ocorreram,

principalmente nas últimas três décadas, em virtude não só do crescimento

populacional, mas também do desenvolvimento industrial, tecnológico e econômico,

bem como da própria evolução natural do homem, pela necessidade de consumir

para sobreviver.

A busca de conhecimento e a conscientização do consumidor por seus

direitos, bem como o exercício do dever legal do estado em reconhecer e fazer

cumprir esses direitos tornaram o consumidor mais exigente e criterioso na escolha

dos bens (produtos ou serviços) de consumo, obrigando assim o fornecedor a tomar

outra postura em relação ao fornecimento desses produtos ou serviços, visando

melhorar a qualidade e aprimoramento, bem como a segurança e as normas

impostas pelo estado na proteção do consumidor.

Devido à necessidade urgente da tutela da proteção do consumidor, a

Constituição Federal Brasileira de 1988, por ocasião de sua promulgação, já

estabelecia em seu texto (art. 48 do ADCT) prazo de cento e vinte dias para

elaboração do Código de Defesa do Consumidor.

A referida lei é considerada por alguns estudiosos da área como uma das

leis mais modernas do mundo, face ter sido inspirada nos princípios básicos para a

vida do ser humano, garantindo efetiva proteção ao consumidor, que se encontra em

visível desvantagem no estabelecimento de uma relação contratual de consumo.

O CDC trouxe também em alguns de seus artigos, um caráter claramente

preventivo, ao definir deveres, estabelecer regras, criar órgãos de fiscalização e

impor sanções para as práticas ilícitas, objetivando unicamente o equilíbrio na

relação entre consumidor e fornecedor de modo a proteger o consumidor e

possibilitar a harmonização no convívio social.

O presente estudo tem por objetivo identificar e demonstrar, através de

pesquisa bibliográfica na legislação, na doutrina e na jurisprudência, quais foram os

12

avanços trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, quando da sua efetiva

vigência, quais as mudanças ocorridas no mercado, na vida do consumidor, na

conscientização do fornecedor em relação aos cuidados que deve ter na produção

de bens e prestação de serviços, bem como, na economia brasileira. Busca também

demonstrar os reflexos dessas mudanças na relação consumerista e qual a

importância da intervenção estatal ao tutelar o direito do consumidor.

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Capítulo1 – PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS

1- Aspectos históricos

1.1 – Primeiros indícios de proteção ao consumidor

Ao contrário do que imaginávamos a prática de consumo já se estabelecia

há muito tempo, pois, segundo alguns historiadores, já havia fortes indícios de

práticas comerciais que se identificam com o que hoje denominamos relação de

consumo. Daí, como forma de proteger a parte mais vulnerável daquela relação,

previa-se algumas obrigações e até mesmo sanções extremas, como a morte,

aplicada a quem fornecia produtos ou prestava determinados tipos de serviços que

em decorrência de defeito ou da má qualidade destes, viesse causar danos.

Fazendo um breve histórico do movimento consumerista (FILOMENO1,

2004), citando Leizer Lerner apud Jorge T. M. Rollemberg, 1987, destaca alguns

desses indícios de proteção em relação ao consumidor da época:

(...) já no antigo “Código de Hammurabi” certas regras que, ainda que indiretamente, visavam a proteger o consumidor. Assim, a Lei nº 233 rezava que o arquiteto que viesse a construir uma casa cujas paredes se revelassem deficientes teria a obrigação de reconstruí-las ou consolidá-las às suas próprias expensas. Extremas, outrossim, eram as conseqüências de desabamentos com vítimas fatais: o empreiteiro da obra, além de ser obrigado a reparar cabalmente os danos causados ao empreitador, sofria punição (morte), causo houvesse o mencionado desabamento vitimado o chefe da família; caso morresse o filho do dono da obra, pena de morte para o respectivo parente do empreiteiro, e assim por diante. Da mesma forma o cirurgião que “operasse alguém com bisturi de bronze” e lhe causasse a morte por imperícia: indenização cabal e pena capital. Consoante Lei nº235, o construtor de barcos estava obrigado a repará-lo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um ano (noção já bem delimitada do “vício redibitório”?). na Índia do século XIII a. C. o sagrado código de Manu previa multa e punição, além do ressarcimento dos danos, àqueles que adulterassem gêneros – Lei nº 697 – ou entregasse coisa de espécie inferior àquela acertada, ou vendessem bens de igual natureza por preços diferentes – Lei nº 698.

Destaca ainda o autor, na lição extraída da Constituição de Atenas, de

Aristóteles (1995:103-247), que na Grécia, já havia essa preocupação com a defesa

do consumidor, pois, embora não houvesse a definição jurídica de seu conceito e de 1 José Geraldo Brito Filomeno. Manual de Direito do Consumidor. SP. ed. Atlas, 2004. p. 24 e 25)

14

fornecedor de produtos e serviços, como a que existe hoje, estabelecia o texto

constitucional:

São também designados por sorteio os fiscais de mercado, cinco para o Pireu e cinco para a cidade; as leis atribuem-lhes os encargos atinentes às mercadorias em geral a fim de que os produtos vendidos não contenham misturas nem sejam adulterados; são também designados por sorteio os fiscais de medidas, cinco para a cidade e cinco para o Pireu, ficam a seu encargo as medidas e os pesos em geral, afim de que os vendedores utilizem os corretos; havia também os guardiães de trigo; eles se encarregam, em primeiro lugar, de que o trigo em grão colocado no mercado seja vendido honestamente; depois, de que os moleiros vendam a farinha por um preço correspondente ao da cevada, e de que os padeiros vendam os pães por um preço correspondente ao de trigo e com o seu peço na medida por eles prescrita (com efeito a lei ordena que eles o fixem); são também designados por sorteio dez inspetores do comércio, aos quais se atribuem os encargos mercantis, devendo eles obrigar os comerciantes a trazerem para a cidade dois terços do trigo transportados para a comercialização (...) o juro de uma dracma incidente sobre o capital de uma mina implicava uma taxa de 1% ao mês ou 12% ao ano.

Como visto, a preocupação naquela época não era apenas em se

estabelecer algum tipo de proteção ao então consumidor, mas também, em se fazer

aplicar o que a constituição previa, através da criação de cargos públicos de

fiscalização e a escolha por sorteio das pessoas para que os ocupassem.

Destaca ainda Filomeno2 (2004) que na Europa medieval, precisamente na

França e na Espanha, os adulteradores de substâncias alimentícias, sobretudo a

manteiga e vinho, eram submetidos a penas vexatórias, tal como a que foi baixada

por Luís XI, que punia com banho escaldante quem vendesse manteiga com pedra

no seu interior para aumentar o peso, ou leite com água para inchar o volume,

segundo Leizer Lerner apud Jorge T. M. Rollemberg, 1987.

Nesse contexto, é de se notar que embora já houvesse uma proteção legal

as relações de consumo, parece-nos evidente que essa proteção era direcionada

mais para os produtos em si ou mesmo para a própria economia daquele momento,

pois, a contraprestação em relação à ocorrência do dano, se revestia em sanção

imposta pelo Estado, como as penas vexatórias, na pessoa do causador do dano e

não para reparar os prejuízos causados ao então consumidor que era a pessoa

lesada. Nota-se ainda, que os bens-objeto dessa proteção eram bens de consumo

não-duráveis e perecíveis, como a farinha, a cevada, o pão a manteiga e etc., cuja

2 José Geraldo Brito Filomeno. Manual de Direito do Consumidor. SP. ed. Atlas, 2004. p. 25)

15

maior parte da produção destes, era destinada ao consumo dos monarcas, que

provavelmente proporcionavam melhor remuneração a quem os fornecia ou lucrava

com a venda, nesse caso os burgueses.

Com o passar dos anos, essa intenção foi mudando, na medida em que se

percebeu que a proteção na relação de consumo era também fator indispensável

para o crescimento econômico de uma sociedade, posto que o consumidor não

poderia mais ficar em exagerada desvantagem em relação ao fornecedor, sob pena

de causar um caos no mercado de consumo, onde haveria de um lado um

fornecedor concentrando todas as riquezas e de outro, um consumidor

extremamente pobre, sem poder aquisitivo de consumo de bens e serviços.

Essa proteção indireta ao consumidor que se desenvolveu na Europa, teve

grande influência no Brasil colonial do século XVII, agora, com sanções não mais

vexatórias e sim de caráter pecuniário, com multas em benefício do Estado, mas

visando proteger ainda a produção e a venda dos produtos de natureza alimentícia,

como peixe, pastel, vinho, doces, frutas e outros mais, conforme destaca Filomeno

(2004) apud Biaggio Talento3.

1.2 - A importância da relação de consumo para o crescimento da economia

Americana

Ainda em nível global, no século XIX, o movimento consumerista com plena

consciência teve destaque nos Estados Unidos da América, país que já despontava

para a supremacia capitalista mundial.

As duas grandes guerras contribuíram para o surgimento da sociedade de consumo, uma vez que o desenvolvimento industrial fluía a todo vapor, necessitando de consumidores para despejar seus mais diversos produtos. É o capitalismo que chegava para ficar, liderado pela mais nova grande potencia, que se firmava, agora mais do que nunca, os Estados Unidos (GOMES4, 2005).

Em 1872 foi editada a Sherman Anti Trust Act, conhecida como Lei

Sherman, cuja finalidade era reprimir as fraudes praticadas no comércio, além de

3 Jornalista Biaggio Talento (O Estado de São Paulo, 24-09-2000, p. A-20) 4 Ana Paula Pazin Gomes, em artigo publicado em 21/09/2005 no site www.direitonet.com.br.

16

proibir práticas comerciais desleais como, por exemplo, a combinação de preço e o

monopólio.

Mas foi através dos chamados movimentos dos frigoríficos de Chicago que,

num primeiro momento, os operários lutavam por melhores condições de trabalho e

que depois teve seu foco voltado para a melhoria das condições de conservação dos

alimentos nos frigoríficos, que o movimento consumerista ganhou força. No entanto,

com o passar do tempo, os movimentos trabalhistas e consumeristas acabaram por

separarem-se, surgindo em 1891 a denominada Liga dos Consumidores -

"Consumer's League", que evoluiu para o que hoje é a "poderosa e temida

"Consumer's Union " daquele país.

(...) A referida entidade dentre outras atividades de conscientização dos consumidores, promoção de ações judiciais, etc... chega a adquirir quase todos os produtos que são lançados no mercado norte-americano para análise e, em seguida, por intermédio de sua revista Consumer's Report, aponta as vantagens e desvantagens do produto dissecado." (FILOMENO, 2004).

Com uma economia capitalista extremamente forte e uma sociedade mais

consciente dos seus direitos na relação de consumo, surge nos Estados Unidos, no

século XX, outras entidades de defesa e proteção do consumidor, tais como: o Meat

Inspect Act, que visava inspecionar e controlar a comercialização de carne, diante

das revelações de Upton Sinclair na obra The Jungle (A selva), que narra sua visita

a uma fábrica de alimentos à base de carne; a criação do Federal Trade Comission,

em 1914; o PFDA (Pure Food Drug Insecticide Administration) em 1927 que daria

origem três anos mais tarde à FDA (Food and Drug Administration), considerada a

mais respeitada autarquia no que diz respeito ao controle de gêneros alimentícios e

medicamentos. (GUGLINSKI, 2008)

Em 1936 foi criada a Consumers Union, tornando-se o maior órgão de

proteção do consumidor do mundo. Dentre suas atribuições estava a de publicar

revistas e material didático para a orientação dos consumidores. (GUGLINSKI, 2008)

Foi no período pós Segunda Guerra Mundial que o avanço industrial e

tecnológico nos Estados Unidos despontou, conforme nos relata Gomes (2005):

O avanço tecnológico e industrial, liderado pelos Estados Unidos, pós Segunda Guerra, impulsionou a expansão do capitalismo que tem entre

17

seus pilares o incentivo ao consumo. Durante a guerra, as prioridades eram os produtos considerados essenciais. Agora, os produtos considerados supérfluos ganham o mercado, surgindo a cada dia de mais um produto diferente, haja vista o conhecimento tecnológico e científico que naturalmente as guerras produzem. Paralelo a isso, há uma crescente preocupação com a condição humana. Os horrores do holocausto que reduziram o homem ao estado de coisa fizeram o mundo refletir e procurar meios para que episódios como esses não mais se repetissem. Assim, as Nações buscaram por meio de tratados e convenções garantir o mínimo de dignidade ao ser humano – Os Direitos Humanos - A partir daí, o pensamento jurídico também mudou. O patrimônio, antes considerado absoluto, torna-se relativo ante o interesse social. “A sociedade contemporânea é aberta, plural, porosa, multifacetária e globalizada, trazendo consigo incontroverso caráter humanista, almejando a proteção dos interesses socialmente mais relevantes, exigindo, naturalmente nova postura jurídica”.(GOMES, 2005)

Mas, o que se tornou o marco do que hoje chamamos de consumerismo, foi

a mensagem do presidente Kennedy ao Congresso Americano em 15 de março de

1962, reconhecendo que “consumidores somos todos nós”, na medida em que a

todo momento praticamos inúmeras relações de consumo, pois, afirmava que os

consumidores seriam o maior grupo da economia, afetando e sendo afetado por

quase todas as decisões econômicas, fossem públicas ou privadas. No entanto,

ressalta que seus clamores quase nunca seriam ouvidos, visto não serem

eficazmente organizados. (GUGLINSKI5, 2008)

Nesse sentido, conclamava ao Estado a voltar suas atenções a esse grupo,

listando, dentre vários, alguns direitos fundamentais dos consumidores, tais como o

direito à saúde e à segurança; à informação; à escolha e o direito a ser ouvido.

(GUGLINSKI, 2008)

Ainda a título de informação cumpre-nos destacar a origem do termo CONSUMERISMO, surgido nos Estados Unidos:

A palavra ou vocábulo CONSUMERISMO vem do inglês CONSUMERISM, e significa o movimento social surgido nos EUA na década de 60, contra a produção, e comercialização e a comunicação em massa, contra os abusos nas técnicas de marketing, propaganda, contra a periculosidade de produtos e serviços, visando a qualidade e confiabilidade dos mesmos. O movimento se fortaleceu com já citada mensagem do presidente Kennedy, e daí ganhou o mundo. Estabelecia-se, assim, um marco; um novo modelo de direito do consumidor, que reconhece neste um sujeito de direitos específicos e lhe atribui direitos fundamentais (GUGLINSKI, 2008).

5 Vitor Vilela Guglinski em artigo publicado em 10.04.2008, no Portal NETLEGIS - www.netlegis.com.br .

18

1.3- Primeiros movimentos consumerista na Europa

Já na Europa, os primeiros movimentos consumeristas surgiram no pós-

guerra, através da criação de diversos organismos visando a proteção e defesa do

consumidor, com a natural expansão do mercado capitalista, com o intuito de

reconstruir os países do continente europeu devastados pela 2º Guerra Mundial, tais

como:

a) A Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE) – criada em

1948 para administrar o auxilio financeiro americano criado com o Plano Marshall,

no período da intervenção dos Estados Unidos que em 1960 aderiu como país

membro da organização, juntamente com o Canadá expandindo-se o campo de

atuação para ajudar os países em desenvolvimento, sendo extinta no ano seguinte

com a instituição da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento

Econômico Europeu), quando se criou também a IOCU (International Organization of

Consumers Union);

b) A Ombudsman e o Juizado de Consumo, criados na Suécia, que mais

tarde foram implantados nos mesmos moldes destes pela Noruega, Dinamarca e

Finlândia;

c) A Carta dos Consumidores criada pela Comissão de Consumidores da

OCDE, tornando-se o primeiro documento oficial na Europa a versar sobre Direito do

Consumidor. Referido documento, serviu de inspiração para a Resolução

87/C092/01 de 1975 (Conselho da Europa), embora se mostrasse um documento

bastante sintético, estabelecendo um programa preliminar da CEE para uma política

de proteção e informação do consumidor. (GUGLINSKI, 2008)

Em 1985 foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU),

através da Resolução nº 39/248, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, por

ser a parte mais fraca na relação de consumo e encontrar-se em considerável

desvantagem em relação ao fornecedor, passando desde então a ser merecedor da

tutela jurídica específica, princípio este ratificado pela Constituição Federal brasileira

de 1988. (GUGLINSKI, 2008)

19

Para alguns autores o movimento consumerista caminhou ao lado de outros

movimentos, como o sindicalista, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida

das pessoas, a partir do século XIX. E é neste sentido, que a referida resolução,

aprovada em 09/04/1985 dá destaque a matéria, segundo (FILOMENO, 2004):

(...) traçou uma política geral de proteção ao consumidor aos Estados filiados, tendo em conta seus interesses e necessidades em todos os países e, particularmente, nos em desenvolvimento, reconhecendo que o consumidor enfrenta, amiúde, desequilíbrio em face da capacidade econômica, nível de educação e poder de negociação. Reconhece, ainda, que todos o consumidores devem ter direito de acesso a produtos que não sejam perigosos, assim como o de promover um desenvolvimento econômico e social justo, eqüitativo e seguro.

Para Almeida6 (2008) a Resolução supracitada, além de um marco histórico,

foi o avanço mais importante para a justificativa da tutela dos direitos dos

consumidores, pois, reconheceu expressamente “que os consumidores se deparam

com desequilíbrios em termos econômicos, níveis educacionais e poder aquisitivo”.

Nesse sentido, as normas previstas na Resolução, segundo a Organização,

teriam os seguintes objetivos:

“a) auxiliar países a atingir ou manter uma proteção adequada para sua população consumidora; b) oferecer padrões de consumo e distribuição que preencham as necessidades e desejos dos consumidores; c) incentivar altos níveis de conduta ética, para aqueles envolvidos na produção e distribuição de bens e serviços para os consumidores; d) auxiliar países a diminuir práticas comerciais abusivas usando de todos os meios, tanto em nível nacional como internacional, que estejam prejudicando os consumidores; e) ajudar no desenvolvimento de grupos independentes e consumidores; f) promover a cooperação internacional na área de proteção ao consumidor; e g) incentivar o desenvolvimento das condições de mercado que ofereçam aos consumidores maior escolha, com preços mais baixos” (Res. n. 39/248, item 1).

Complementa ainda Almeida (2008) que a Resolução trata também dos

princípios gerais, a fim de que haja uma política firme de proteção ao consumidor,

por parte dos governos, de modo a proporcionar o atendimento das seguintes

necessidades:

“a) proteger o consumidor quanto a prejuízos à sua segurança; b) fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores;

6 João Batista de Almeida, “A Proteção Jurídica do Consumidor”, 6º Ed., 2008.

20

c) fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais; d) educar o consumidor; e) criar possibilidade de real ressarcimento ao consumidor; f) garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos ou organizações de relevância e oportunidades para que essas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes”

Após o reconhecimento desses direitos pela ONU, surge uma série de

normas internacionais baseadas nas diretrizes das regras da referida organização,

universalizando esse direito e a proteção do consumidor. (GUGLINSKI, 2008)

1.4- Histórico da relação de consumo no Brasil

No Brasil, a proteção do consumidor quase não teve nenhuma relevância do

ponto de vista jurídico, na primeira metade do século passado, dando seus primeiros

sinais, ainda que timidamente, entre as décadas de 1940 a 1960, no período pós

Segunda Guerra, com a sanção de diversas leis e decretos federais legislando sobre

saúde, proteção econômica e comunicações.

Para Nunes (2005), há dois pontos a serem analisados em relação à

questão tratada no Brasil:

O primeiro refere-se ao atraso na tutela legal na proteção e defesa do

consumidor, pois, o nosso Código de Defesa do Consumidor só foi editado em 1990,

ou seja, passou-se a maior parte do século XX aplicando às relações de consumo o

Código Civil de 1916, o qual foi inspirado na tradição do direito civil europeu do

século anterior.

Ocorre que ao aplicar a legislação civil vigente à época nas relações

contratuais, carecia a observância de inúmeras condições para a sua validade, o

que numa relação contratual de consumo, acabava sendo um empecilho à sua

realização, razão pela qual esta aplicação tornava-se equivocada. Daí a explicação

de Nunes (2005) a respeito das dificuldades que enfrentamos na interpretação e

compreensão do CDC:

(...) em relação ao direito civil, pressupõe-se uma série de condições para contratar, que não vigem para relações de consumo. No entanto, durante praticamente o século inteiro, no Brasil, acabamos aplicando às relações de

21

consumo a lei civil para resolver os problemas que surgiram e, por isso, o fizemos de forma equivocada. Esses equívocos remanesceram na nossa formação jurídica, ficaram na nossa memória influindo na maneira como enxergamos as relações de consumo, -e, atualmente, temos toda sorte de dificuldades para interpretar e compreender um texto que é bastante enxuto, curto, que diz respeito a um novo corte feito no sistema jurídico, e que regula especificamente as relações que envolvem os consumidores e fornecedores. (NUNES, 2005)

Ainda em relação ao atraso da nossa lei consumerista, o referido autor faz a

seguinte observação:

(...) nos Estados Unidos, que hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de vista do capitalismo contemporâneo, que capitaneio o controle econômico mundial (cujo modelo de controle tem agora o nome de globalização), a proteção ao consumidor havia começado em 1890 com a Lei Shermann, que é a lei antitruste americana. Isto é, exatamente um século antes do nosso CDC, numa sociedade que se construía como sociedade capitalista de massa, já existia uma lei de proteção ao consumidor (NUNES, 2005)

Nesse sentido, comenta Nunes (2005) que para editarmos uma lei de

proteção ao consumidor, é preciso compreender a sociedade da qual fazemos parte,

“especialmente naquilo que nos interessa, para entendermos a chamada sociedade

de massa, com sua produção em série, na sociedade capitalista contemporânea.”

Necessário sabermos que o crescimento populacional nas grandes

metrópoles no período pós Revolução Industrial, gerou aumento considerável de

demanda, conseqüentemente, a possibilidade de aumento da oferta, o que para a

indústria, significou aumento na produção para vender para um maior número de

pessoas.

Diante dessa situação é que surge um novo modelo de produção, a

chamada produção em série, que consistia na “standartização” ou homogeneização

da produção, que era a entrega para um maior número de pessoas de mais produtos

e mais serviços, possibilitando “uma diminuição profunda dos custos e um aumento

enorme da oferta, indo atingir, então, uma larga camada de pessoas” (Nunes, 2005)

Embora implantado no final do século XIX, esse modelo, que deu certo, só

se solidificou e cresceu “a partir de Segunda Guerra Mundial com o surgimento da

22

tecnologia de ponta, do fortalecimento da informática, do incremento das

telecomunicações etc.”, passando a avançar, na segunda metade do século

passado, sobre todo o globo terrestre, implementando nos últimos anos a idéia de

globalização. (NUNES, 2005)

Para atender essa nova forma industrial de produção, que se destacava pelo

seu planejamento unilateralmente pelo fabricante, ou seja, “o produtor pensa e

decide fazer uma larga oferta de produtos e serviços para serem adquiridos pelo

maior número possível de pessoas”, surgiu a necessidade de se criar uma nova

modalidade de contrato que se adequasse à comercialização desses produtos

produzidos em série. (NUNES, 2005)

Criou-se então o “contrato em série”, que mais tarde foi denominado pelo

próprio CDC, art. 54, de Contrato de Adesão. A respeito deste, o autor nos informa

que:

Não tinha sentido fazer um automóvel, reproduzi-lo vinte mil vezes, e depois fazer vinte mil contratos deferentes para vinte mil compradores. Na verdade quem faz um produto e o reproduz vinte mil vezes também faz um único contrato e o reproduz vinte mil vezes. Ou, no exemplo das instituições financeiras, milhões de vezes. Quem planeja a oferta de um serviço ou um produto qualquer, por exemplo, financeiro, bancário, para ser reproduzido milhões de vezes, também planeja um único contrato e o imprime e distribui milhões de vezes. Esse padrão é, então, o de um modelo contratual que supõe que aquele que produz um produto ou um serviço de massa planeja um contrato de massa que veio a ser chamado pela Lei n. 8.078 de contrato de adesão.(NUNES, 2005)

O segundo ponto destacado por Nunes (2005) é exatamente o fato da

proteção e defesa do consumidor encontrar-se impregnada no corpo do texto

Constitucional, como fundamentos do princípio da dignidade da pessoa humana,

consagrado como bem humanitário inatingível.

Para ele, as constituições federais do ocidente são documentos históricos

político-ideológicos que refletem o andamento do pensamento jurídico da

humanidade e, por conta desse pensamento humanitário que a primeira constituição

Alemã do pós Segunda Guerra, disciplinou a matéria no seu art. 1º, dentre os bens

jurídicos de caráter inatingível, exemplo que foi seguido pelo Brasil na Constituição

de 1988.

23

1.5 – Pressupostos constitucionais de proteção ao consumidor

As determinações da Resolução n.º 39/248 da ONU tiveram reflexo em

todos os países filiados para a elaboração das suas legislações consumeristas. No

Brasil, as determinações dessa Resolução influenciaram a Constituição de 1988,

havendo várias disposições no sentido de proteção dos consumidores, como as

citadas a seguir:

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: § 5.º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor;

Cumprindo o que estabelecia os dispositivos constitucionais, bem como o

que pré-determinava o art. 48 do ADCT (Atos das Disposições Constitucionais

Transitórias) em 11 de março de 1991 entra em vigor o tão esperado Código de

Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 1990), impulsionada não apenas

pelo o que instituía a Resolução da ONU que ficou consagrada como um marco na

proteção do consumidor, mas também pela consciência social e cultural histórica

empreendida nos Estados Unidos já do século XIX, chegando à segunda metade do

século seguinte como o país mais poderoso do mundo.

Certo é que o desenvolvimento industrial, tecnológico e econômico do Brasil

aliado ao inevitável crescimento populacional e, conseqüentemente, o aumento da

demanda consumenrista, foram imprescindíveis para a intervenção estatal no âmbito

privado da relação de consumo, de modo a proteger o consumidor, mas ao mesmo

tempo equilibrar o mercado brasileiro.

24

2- Proteção com base no direito comparado

Em nível internacional não encontramos relatos na doutrina da efetiva

aplicação do direito de proteção voltado para o consumidor em situações com

características de relação de consumo, baseada em normas ou preceitos

internacionais. No entanto, sabemos que o Brasil foi signatário das determinações

instituídas no âmbito do direito do consumidor, na Resolução n.º 39/248 da

Organização das Nações Unidas (ONU), quando considerou como, dentre outros,

direito fundamental à dignidade da pessoa humana. Por isso, como já mencionamos,

o referido documento, no nosso entender, pode ser considerado um marco na

proteção e defesa do consumidor.

Ainda sob esse prisma, assim como o nosso Código já serviu de base para a

elaboração de Lei Específica em outros países, os autores do anteprojeto da nossa

Legislação Consumerista, também se utilizaram desses métodos para a sua

elaboração.

Nesse sentido cabe destacar o estudo feito por (CHRISTINI7, 2004) ao

comparar o conceito de consumidor na legislação de outros países, especialmente

no que diz respeito ao termo “destinatário final”, que trataremos em tópico específico

mais adiante.

"A Lei Sueca de proteção do consumidor, datada de 1973, conceitua ‘consumidor’ como a ‘pessoa privada que compra de um comerciante uma mercadoria, principalmente destinada a seu uso privado e que é vendida no âmbito da atividade profissional do comerciante’ (art.1)." "A legislação Mexicana , de 1976 , traz em seu art. 3 a definição de consumidor que é "quem contrata , para sua utilização , aquisição , uso , ou desfrute , de bens ou a prestação de um serviço." (...) (...) os Franceses, pelo Projeto do Código de Consumo, propõe que os consumidores são pessoas físicas ou jurídicas que obtêm ou se utilizam de bens ou de serviços para uso não profissional. Sabe-se, que o projeto francês a semelhança do nosso código prevê a hipótese da pessoa jurídica como consumidor. Entretanto, na França a partir da lei 78-23 de 10 de janeiro de 1978, dizia-se aplicável somente á proteção contra cláusulas abusivas inseridas em contratos concluídos entre profissionais e não profissionais. (...)

7 Rodrigo Marinho Christini em “O Conceito de Consumidor e a Limitação do seu Alcance para as Pesoas Jurídicas”.

25

Na doutrina Belga, encontra-se criticas a esta tendência Francesa e considera que só uma definição subjetiva e restrita da pessoa do consumidor permite identificar o grupo mais fraco na relação de consumo que é quem de fato mereceria a proteção especial do direito consumerista. (...) É de se registrar, que a legislação Sueca e Norueguesa, não exige que o empresário o seja em caráter habitual, abrindo caminho para a eventualidade do "fornecedor" o que não condiz com a melhor interpretação do nosso direito nacional, pois é de nosso sentir que o fornecedor é o profissional que executa ou já executou a atividade e não uma pessoa que, por exemplo, eventualmente, vende um automóvel usado para outra. No direito estadunidense não há a estipulação de um conceito geral de consumidor, ficando a cargo de cada legislação específica tal conceituação, assim como o alcance da lei , entretanto a posição majoritária é no sentido de considerar o consumidor o não profissional que adquire bens retirando-os do mercado de consumo para efetiva e privada utilização. O Preservation of Consumers Claims and Defenses Act, por exemplo, conceitua consumidor como uma pessoa natural que busca ou adquires bens ou serviços para uso pessoal , familiar ou doméstico. (Art. 433,1, "b"). Nesta lei busca-se excluir a pessoa jurídica do conceito de consumidor. Já o Truth-in-Lending Act afirma que "o adjetivo consumidor, usado em operações de crédito, caracteriza a relação como um negócio em que a parte a quem o crédito é oferecido ou estendido, é a pessoa natural, e o dinheiro, propriedade ou serviços, objeto do negócio sendo, primordialmente, para fins pessoais, familiares ou domésticos” (Art. 103, "h") Para o Magnuson-Moss Warrant Act consumidor é comprador (que não seja para revenda) de qualquer produto de consumo, qualquer pessoa para quem tal produto seja transferido no período de validade de uma garantia implícita ou expressa (ou contrato de prestação de serviço) aplicável ao produto, e qualquer outra pessoa coberta pelos termos desta garantia.

3 - Proteção antes da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)

Embora o CDC tenha sido criado somente no final do século passado, no

decorrer desse tempo, foram editadas várias normas no sentido de suprir, mesmo

que indiretamente, algumas necessidades nas relações de caráter consumerista,

visto que a Lei Civil vigente não as contemplava, embora, segundo (Almeida, 2008)

essa não fosse a intenção do legislador. Dentre elas podemos citar:

a) Decreto nº 22.626 de 07 de abril de 1933, editada com o intuito de

reprimir a usura;

b) Decreto-Lei nº 869 de 18 de novembro de 1938 e nº 9.840 de 11 de

setembro de 1946 – cuidaram dos crimes contra a economia popular, que deram

origem, em 1951, à chamada Lei de Economia Popular vigente;

26

c) Lei nº 4.137/1962 – Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico.

Criou também o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica;

d) Lei nº 7.244/1984 – Autorizou aos Estados instituírem Juizados de

Pequenas Causas, revogado mais tarde pela Lei nº 9.099/95;

e) Lei nº 7.492 de 16 de junho de 1986 – Crimes contra o Sistema

Financeiro Nacional (crimes do colarinho branco);

A partir de 1985, podemos dizer que a questão consumerista começou

ganhar enfoque por parte do legislador. Como exemplo, cabe-nos citar as seguintes

normas:

f) Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985 – disciplina a ação civil pública de

responsabilidade por danos causados ao consumidor. Foi o marco inicial da tutela

jurisdicional dos direito difusos no Brasil;

g) Decreto Federal nº 91.469/85, alterado pelo de nº 94.508 de 23 de junho

de 1987 – cria o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, substituído mais

tarde, no Governo Collor de Melo por outro órgão similar, o Departamento Nacional

de Proteção e Defesa do Consumidor.

Não podemos deixar, de maneira alguma, de mencionar a criação do

primeiro órgão de defesa do consumidor no Brasil, embora em nível estadual. Trata-

se do PROCON de São Paulo, criado em 1978, pela Lei nº 1.903, que recebeu a

denominação inicial de Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor.

Com igual importância do órgão mencionado temos também no mesmo

período o surgimento de dois outros órgãos, o Instituto Nacional de Metrologia,

Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) e o Instituto Brasileiro de Defesa do

Consumidor (IDEC), os quais dedicam parte de suas atividades no sentido de

pesquisar e analisar a qualidade dos produtos colocados no mercado para o

consumo. No caso desse último é possível se ter uma idéia da sua estrutura através

do seu site na Internet (www.idec.org.br) que disponibiliza uma série de informações

que vão desde pesquisas, análises, testes de qualidade e segurança de

27

determinados produtos até denúncias sobre práticas abusivas no mercado de

consumo.

A respeito destes órgãos (FILOMENO, 2004) faz as seguintes referências:

Anote-se, nesse sentido, que tanto o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), sediado em São Paulo, como o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) têm direcionado parte de suas atividades exatamente naquele sentido, destacando-se pesquisas de garrafas térmicas, chuveiros elétricos, botijões de gás, fusíveis, chupetas, leites, águas minerais, temperos, contraceptivos de látex etc, com especial ênfase para questão da qualidade dos produtos e segurança, em face da incolumidade do consumidor.

No mais, segundo Nunes (2005), o Brasil ficou boa parte do século

aplicando às relações de consumo, as regras, inadequadas do Código Civil de 1916,

o qual não previa a proteção e as garantias que o consumidor necessitava o que

causou grandes prejuízos, para o mesmo e inevitavelmente, para o país, que

acabou ficando estagnado nesse período em relação a essas questões.

28

Capítulo 2 – A RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

4 - Conceito e definição

A relação de consumo, como já dissemos, é prática realizada desde os mais

remotos tempos, justamente por ser essencial para o convívio social do ser humano,

no entanto, para podermos entender como ela se estabelece é necessário

identificarmos e conceituarmos as partes que compõe tal relação, bem como o

objeto que pode ser um produto ou um serviço.

Descrevendo genericamente as partes que compõe a relação de consumo,

Almeida8 (2008) entende como consumidor aquele que está subordinado às

condições e aos interesses impostos pelo titular de bens e serviços, no atendimento

de suas necessidades de consumo e na outra ponta dessa relação, o fornecedor,

que pode tomar a forma de fabricante, produtor, importador, comerciante e prestador

de serviço, aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços a terceiros.

4.1 - Consumidor

Embora a definição de consumidor no art. 2º do CDC pareça-nos

literalmente a mais apropriada, segundo a qual estabelece que “consumidor é toda

pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário

final” 9, a matéria ainda divide a doutrina.

Para melhor entendermos e interpretarmos essa definição é preciso

examinarmos a conceituação legal por parte.

A primeira parte parece não haver divergência ao passo que a expressão

“toda pessoa física” inclui todas as pessoas no conceito de consumidor, mesmo não

tendo o discernimento necessário para tal ato ou ainda sendo absolutamente

incapaz, daí a justificativa do direito do consumidor está elencado na Constituição

Federal Brasileira, de acordo com a resolução 39/248 da ONU, como essencial à

dignidade da pessoa humana. 8 João Batista de Almeida, A Proteção Jurídica do Consumidor, 6ª Ed., São Paulo, Saraiva, p.1. 9 Art. 2º da Lei nº 8.078/90 – Código de defesa do Consumidor.

29

Não há dúvidas também de que a pessoa jurídica pode apresentar-se em

algumas situações como consumidora a exemplo da empresa que, independente do

seu porte, adquire um produto como destinatária final. Nesse sentido, caberá à

pessoa adquirente demonstrar a que se destina tal produto, se para o consumo ou a

produção. É o caso da concessionária de automóveis que adquire um veículo junto à

fábrica fornecedora da marca da qual revende, para transporte dos seus clientes, ou

seja, o bem não foi adquirido como bem de produção e sim para uso próprio, sendo

assim, bem de consumo.

Já na expressão seguinte, “que adquire ou utiliza produto ou serviço”, o

legislador também foi muito sábio, conquanto determinou que pouco importa a forma

como determinado produto ou serviço chegou até o consumidor, bastando apenas

que tenha sido adquirido ou esteja sendo utilizado.

Quanto ao uso do termo “destinatário final” para identificar consumidor como

sujeito da relação de consumo é que vem causando bastante divergência

doutrinária, visto que de acordo com a doutrina estrangeira, existem duas correntes

sobre a definição: a dos Finalistas e a dos Maximalistas. Considerando essas

correntes, boa parte da doutrina brasileira sustenta que o legislador do CDC, ao

conceituar consumidor no seu art. 2º, o fez com base na corrente Finalista.

Nesse sentido, para podermos entender essa posição do legislador, é

preciso esclarecer cada uma delas:

a) A corrente dos Finalistas considera a interpretação literal e restrita do

termo destinatário final do Código, defendendo que só seria consumidor quem de

fato consumisse o bem com “destinatário final”, ou seja, quem não utilize esse bem

em uma atividade, seja ela qual for sob o argumento de não restar caracterizada

como relação de consumo.

b) Em contrapartida, para a corrente dos Maximalistas, a análise do termo

deve ser mais abrangente, ou seja, não importa se o bem vai ser consumido ou

utilizado pelo consumidor, conquanto que seja o destinatário final, mesmo que tal

bem seja adquirido para a produção de um outro produto ou serviço. Como exemplo,

temos o caso do Advogado que compra um microcomputador para utilizá-lo em seu

30

escritório. O produto adquirido pelo profissional será utilizado na produção da sua

atividade, ou seja, na confecção das peças processuais de modo a prestar serviços

para os seus clientes. Nesse caso, ao adquirir o microcomputador junto à loja de

produtos de informática, o referido profissional o fez na condição de consumidor,

pois, de acordo com essa corrente estará tão vulnerável quanto o consumidor não

profissional por não dispor de conhecimentos técnicos sobre o produto adquirido.

Essa teoria nos parece a mais adequada para conceituar o vocábulo

consumidor, porque tem como fundamento da relação de consumo, um dos

princípios básicos que norteiam o direito consumerista, qual seja, o princípio da

vulnerabilidade do consumidor, o qual estabelece que o consumidor é vulnerável em

comparação ao fornecedor porque não dispõe de conhecimentos tecnológicos ou

dos meios de produção referente ao produto ou serviço que possa vir a adquirir.

Nesse sentido, (ROLLO10, 2007) esclarece com mais detalhes a respeito das

duas correntes. Vejamos:

Para os finalistas, em princípio, deveria ser dada a interpretação mais restrita à expressão “destinatário final”. Só seriam destinatários finais aqueles que não utilizassem, DE FORMA ALGUMA, o bem na sua atividade. O simples emprego do bem na atividade, qualquer que fosse a sua utilidade, descartava a relação de consumo. Só seria consumidor, então, aquele que adquirisse produtos e serviços para seu uso pessoal ou para uso da família e dos amigos. O pensamento dos finalistas evoluiu na direção do pensamento francês e belga, passando a admitir como consumidores aqueles que não exploram economicamente o bem adquirido. No atual estágio da corrente finalista, o que importa é saber se o produto ou serviço adquirido é absolutamente indispensável à atividade desenvolvida. Se a resposta a essa pergunta for positiva, estará descartada a relação de consumo. Segundo os maximalistas, deve ser dada uma interpretação mais ampla à expressão “destinatário final”, uma vez que a Lei nº 8078/90 tem por objetivo regular o mercado de consumo e não apenas proteger o consumidor não profissional. Para eles, o enquadramento do adquirente do produto ou do serviço como consumidor deve ser o mais amplo possível, para abranger todos aqueles que “consomem”, ou seja, transformam o produto ou serviço adquirido, ainda que essa transformação ocorra visando a sua recolocação no mercado.

10 Arthur Luis Mendonça Rollo, Mestre e Doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, Professor Titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Advogado.

31

Na opinião de Nunes (2005), o ponto determinante para se identificar o

“destinatário final”, consiste unicamente em saber como o produto e/ou serviço serão

utilizados, se para os fins de consumo ou de produção. A partir desta análise, então,

conseqüentemente se definirá “consumidor”. Percebe-se então que o referido autor

é adepto da teoria maximalista.

Em relação ao assunto, Filomeno (2004) analisa o conceito de consumidor

sob os pontos de vista econômico, psicológico, sociológico, filosófico e literário,

expondo que:

a) Do ponto de vista econômico “consumidor é considerado todo indivíduo

que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou

não, a seu turno, também produtor de outros bens”;

b) Do ponto de vista psicológico “considera-se consumidor o sujeito sobre o

qual se estudam as reações a fim de se individualizar os critérios para a produção e

as motivações internas que os levam ao consumo”.

c) Do ponto de vista sociológico “é considerado consumidor qualquer

indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços, mas pertinente a uma

determinada categoria ou classe social”. É desse ponto de vista que destaca a

relação do movimento consumerista com os movimentos trabalhistas ou obreiros

evidenciando que a busca de melhoria na qualidade de vida pressupõe ter poder

aquisitivo para consumir mais produtos ou contratar mais serviços de melhor

qualidade.

E tudo isso porque o consumidor está na mesma situação de hipossuficiência que o detentor da força de trabalho experimenta em face do mesmo protagonista da atividade econômica, ou seja, os detentores dos meios de produção. Não é por acaso, por isso mesmo, que o chamado “movimento consumerista” surgiu com o movimento trabalhista, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, em que se clamava por melhores condições de trabalho e melhoria de qualidade de vida, dentro do binômio evidente poder aquisitivo/aquisição de mais e melhores bens e serviços, qualidade de vida – bem comum.(FILOMELO, 2004)

d) Do ponto de vista literário e filosófico o vocábulo consumidor é saturado

de valores ideológicos mais evidentes. E, com efeito, o termo é quase sempre

associado à denominada “sociedade de consumo” ou “consumismo” ou ao próprio

“consumerismo”.

32

Ainda destaca outros conceitos criados ao longo da história, na “legislação

alienígena”, porém, os considera incompletos. No seu entendimento e levando em

consideração os conceitos explicitados conceitua “consumidor” na acepção jurídica

“vem a ser, qualquer pessoa física que, isolada ou coletivamente, contrate para

consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens,

bem como a prestação de serviços”. Ressalta ainda ao fazer menção ao consumidor

equiparado do CDC, que:

Além disso, há que se equiparar a consumidor a coletividade que, potencialmente, esteja sujeito ou propenso à referida contratação. Caso contrário se deixaria à própria sorte, por exemplo, o público-alvo de campanhas publicitárias enganosas os abusivas, ou então sujeito ao consumo de produtos ou serviços perigosos ou nocivos à sua saúde ou segurança.(FILOMELO, 2004)

Nesse sentido, apesar de trazer um conceito muito claro e abrangente no

art. 2º, o CDC ainda apontou outras figuras como sujeitos da relação de consumo,

caso do consumidor equiparado do parágrafo único do referido artigo e dos artigos

17 e 29, a seguir transcritos:

Art. 2° (...) Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

4.1.1 – Consumidor por equiparação

Como vimos, a legislação consumerista brasileira não se limita a proteger o

consumidor direto ou genérico do art. 2º, mas também a todas as pessoas que de

alguma forma venham a intervir, mesmo que indiretamente na relação de consumo,

bem como as vítimas de evento surgido desta relação ou ainda as que estejam

expostas às práticas dela decorrente.

Nesse sentido, vejamos o entendimento sobre o assunto de alguns

doutrinadores a respeito de cada situação que prevê o Código:

33

4.1.2 – O interveniente nas relações de consumo

Ao tratar desse tema, previsto no Parágrafo Único do art. 2º, (Nunes, 2005)

afirma que "a hipótese dessa norma diz respeito apenas ao atingimento da

coletividade, indeterminável ou não, mas sem sofrer danos, já que neste caso o art.

17 enquadra a questão", ou seja, essa equiparação só poderá ser aplicada se ocorre

de fato acidente de consumo e este venha a causar danos às pessoas que não

estejam diretamente envolvidas na relação de consumo.

Na análise da norma (CHAMONE, 2007 apud FÁBIO ULHOA) define as

pessoas abrangidas por esta, não como integrantes do grupo de consumidores em

potencial, mas "as pessoas do relacionamento social do consumidor que podem

sofrer eventuais efeitos indiretos da relação de consumo". Porém, para ele, essas

pessoas estão melhor identificadas nas demais definições trazidas pelo Código:

quando forem consumidoras efetivas, ou quando forem vítimas de acidente de

consumo, ou ainda estiverem expostas às práticas comerciais ou contratuais.

De acordo com o entendimento de Nunes (2005), não conseguiremos

vislumbrar um campo de incidência do parágrafo único do referido artigo se

analisarmos os demais artigos que fazem referência ao assunto, pois, a idéia que

nos passa é a que: “enquanto o caput do art. 2º garante a proteção individual do

consumidor, o parágrafo único do mesmo artigo garante a sua proteção coletiva”.

(CHAMONE, 2007)

Aderindo ao raciocínio acima, (CALDEIRA11, 2007) conclui que a função

deste dispositivo é "reforçar a idéia da tutela dos interesses difusos e coletivos", que

já têm previsão nos art. 6º, VI e 81.

4.1.3 - Vítimas de evento danoso ocorrido na relação de consumo

O art. 17 do CDC discorre sobre a proteção das pessoas, que não

participando diretamente da relação de consumo, possam vir a sofrer danos na

ocorrência de acidente de consumo. Por isso está incluído no Código, na seção que

11 Mirella Caldeira, “O conceito de consumidor no parágrafo único do art. 2º do CDC”.

34

trata da responsabilidade civil objetiva. Essa tutela refere-se a terceiros que, de

forma individual ou coletivamente, determinadas ou indeterminadas, eventualmente

“são atingidas pelo evento danoso (acidente de consumo) originado pelo fato do

serviço” ou do produto. (NUNES, 2005)

A afirmação acima é complementada ainda por um entendimento mais

amplo de acordo com a citação a seguir:

Assim, qualquer vítima de um produto ou serviço receberá a proteção do CDC como se consumidor fosse, mesmo que não possa ser assim considerado com base na definição do art. 2º, aplicando-se integralmente as normas sobre responsabilidade objetiva pelo fato do produto, independente de haver qualquer relação prévia entre fornecedor e vítima, não se exigindo que a vítima seja consumidor final. (CHAMONE, 2007 apud MARQUES, 2004 E BEJAMIN, 1988).

Mesmo o adquirente intermediário poderá se valer das regras do CDC para buscar a recomposição de seus danos, pouco importando que seja pessoa física ou jurídica, privada ou pública, pequena ou grande empresa, com ou sem intuito de lucro. Nesse ponto o silêncio da doutrina confirma que distinção alguma há entre as vítimas do acidente de consumo. (CHAMONE, 2007 apud JAMES MARINS)

Diante dessa análise a conclusão que podemos chegar é que até mesmo a

pessoa jurídica de forma geral, inclusive aquele que adquiriu o produto para

revenda, pode ser enquadrada nesta disposição legal. (CHAMONE, 2007)

4.1.4 - As pessoas expostas às práticas comerciais e contratuais

A equiparação feita no art. 29 do CDC mostra-se diretamente relacionada à

coletividade e ao direito difuso, ficando nesse caso constatado a indispensável

atuação do Ministério Público na fiscalização e até mesmo na representação dessa

coletividade junto ao judiciário, nas ações coletivas.

O ponto que difere essa disposição legal da esculpida no art. 17 é o fato

desta equiparação não ser eventual, ou seja, “uma vez existindo qualquer prática

comercial, toda a coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em

nenhum momento se possa identificar um único consumidor real que pretenda

insurgir-se contra tal prática”. (NUNES, 2005)

As práticas comerciais e contratuais a que se refere este artigo

compreendem àquelas que não estão direcionadas a consumidores determinados

35

ou identificados e sim a qualquer pessoa que potencialmente poderá se tornar um

consumidor.

Nesse sentido, reforça (NUNES, 2005) que “trata-se, portanto, praticamente

de uma espécie de conceito difuso de consumidor, tendo em vista que desde já e

desde sempre, todas as pessoas são consumidoras por estarem potencialmente

expostas a toda e qualquer prática comercial”.

É de se concluir então, que a proteção do Código de Defesa do Consumidor

recairá exclusivamente ao consumidor standard (art. 2º, caput) e aos "intervenientes"

nas relações de consumo (art. 2º, parágrafo único) somente nas situações de

responsabilidade civil contratual (vícios do produto ou serviço). Todavia, todas as

demais disposições do CDC se aplicariam quase que irrestritamente à coletividade

em geral, face a redação genérica dos artigos que ampliam o conceito de

consumidor. (CHAMONE, 2007).

4.2 – Fornecedor

A outra parte que compõe a relação de consumo encontra-se bem definida

no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, o qual engloba todas as pessoas

potencialmente capacitadas para desenvolver uma atividade econômica. Portanto,

“não se exige que o fornecedor tenha personalidade jurídica, e nem mesmo

capacidade civil. Em suma, fornecedor é todo e qualquer participante do ciclo

produtivo-distributivo” (CHAMONE12, 2007).

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços13.

Discorrendo sobre o tema, (NUNES14, 2005) entende que a definição do

Código de Defesa do Consumidor “(...) não exclui nenhum tipo de pessoa jurídica,

seja sociedade empresarial, com ou sem fins lucrativos, fundações públicas ou

12 CHAMONE, Marcelo Azevedo. A relação jurídica de consumo: conceito e interpretação 13 Art. 3º da Lei nº 8.078/90 – Código de defesa do Consumidor. 14 Rizzatto Nunes, Comentários ao código de defesa do consumidor, p. 101.

36

privadas, sociedades de economia mista, empresas públicas, órgãos da

Administração direta, etc.”

A característica que não pode ser ignorada na identificação do fornecedor

refere-se ao desenvolvimento da atividade econômica que deve ser voltado para a

satisfação de necessidade alheia, pouco importando se para poucos ou para muitos,

não sendo possível a caracterização de profissionalismo na pessoa que produz

exclusivamente para a satisfação de necessidade pessoal. (CHAMONE, 2007)

No entender de (MARQUES, 2004) “o que caracteriza o fornecedor de

produtos é o desenvolvimento de atividades tipicamente profissionais”. Já quanto ao

prestador de serviços, “basta que a atividade seja habitual ou reiterada, não se

exigindo que o prestador seja "profissional" da área.

4.3 – Bem objeto da relação de consumo (produto ou serviço)

Não diferente do que fez com os outros elementos que compõe a relação de

consumo, o legislador brasileiro também conceituou muito apropriadamente o objeto

dessa relação, de forma a não deixar espaços para uma interpretação equívoca

deste objeto, que pode ser um produto ou um serviço. De acordo com a disposição

legal o objeto é:

Art. 3º (...) § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

A doutrina faz extensos comentários acerca da interpretação e identificação

do que vem a ser produto ou serviço, como bem objeto da relação de consumo, o

que entendemos ser válido no sentido de visualizarmos a amplitude do conceito

entabula pela Lei. No entanto, não podemos expor do mesmo modo, pois, se assim

o fizermos, teremos que desenvolver para este elemento outro trabalho e, do mesmo

modo, para os outros elementos (Consumidor e Fornecedor) que são tão

importantes na relação de consumo.

37

4.3.1 – Produto

Nesse sentido, Filomeno (2004) resume o conceito de produto como

qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a satisfazer

uma necessidade de quem o adquire ou utiliza como destinatário final.

Na visão sucinta, porém não menos abrangente de (GAMA15, 2006),

interpreta na definição do código que “(...) tudo que seja suscetível de uma

valoração econômica é um produto”.

Outra interpretação bastante interessante é a destacada por (ANDRADE,

2006) que diz que a definição do CDC “é ampla e abrange todo bem corpóreo ou

incorpóreo, de modo que podem ser considerados produtos, tanto uma casa como

um software”. Além disso, entende que a pretensão do consumidor não é o produto

físico, mas a utilidade e a sua satisfação pessoal.

Para esclarecer, vejamos o exemplo colocado por ele citando Fernando

Gherardini Santos:

(...) quem compra uma motocicleta, não está comprando duas rodas, um guidão e diversas conexões: está comprando um meio de locomoção que lhe dê sensação de liberdade, de espaço e de conquista de novas amizades. O mesmo ocorre com quem adquire um certo detergente: o consumidor não está interessado na composição química do produto, mas na sua utilidade, se presta ou não para limpar algo de maneira eficaz”. Por isso, produto é, sempre, uma combinação de dois aspectos: um tangível e um intangível, pois vem a ser algo (“físico”) somado a sua capacidade de satisfazer uma necessidade humana. (ANDRADE,2006 apud , Fernando Gherardini Santos)

Brilhantes são as considerações feitas por (NUNES, 2005) acerca do

assunto, principalmente no refere ao uso do vocábulo produto, pelo legislador do

CDC. Entende que o conceito é contemporâneo e deste modo, “Esse conceito de

produto é universal nos dias atuais e está estreitamente ligado a idéia de bem,

resultado da produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas

contemporâneas”.

Nesse sentido, o entendimento apresentado por este autor vem apenas

corroborar a nossa afirmação a respeito da conceituação apropriada feita pelo

15 Hélio Zaghetto Gama – Curso de Direito do Consumidor, p.38.

38

legislador da Lei consumerista. Pois, fazendo referência ao grau de amplitude da

norma, destaca:

Diga-se em primeiro lugar que a preocupação da lei é garantir que a relação jurídica de consumo esteja assegurada para toda e qualquer compra e venda realizada. Por isso fixou conceitos os mais genéricos possíveis (“produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial”). Isso é que é importante. A pretensão e que nada se lhe escape. (NUNES, 2005)

E ainda, a título de informação o referido Autor identifica:

a) Produto móvel ou imóvel: conceito tradicional advindo do Código

Civil de 2002 (arts. 79 a 84);

b) Produto material ou imaterial: o que pode ou não ser palpável. Ex.:

material: televisor, celular, carro e etc.; imaterial: atividades bancárias como mútuo,

aplicações, caução de títulos e etc.;

c) Produto durável: é aquele que não se extingue pelo uso, pode ser

utilizado muitas vezes e leva tempo para se desgastar. Ex.: casa, carro etc.;

d) Produto não durável: é aquele que se acaba com o uso, não tem

durabilidade. Ex.: alimentos, remédios cosméticos etc.

e) Produto gratuito ou “amostra grátis”: são aqueles adquiridos sem

remuneração, o que não implica dizer que não estão submetidos a todas as

exigências legais de qualidade, garantia, durabilidade, proteção contra vícios etc.

Ex.: canetas, remédios, alimentos etc. (parágrafo único do art. 39 do CDC).

4.3.2 – Serviço

No que se refere a serviço, como já afirmamos, a conceituação legal também

foi bastante abrangente e precisa, conquanto excetuou os serviços de caráter

trabalhista. Assim, haverá relação de consumo sempre que preenchidos os

requisitos legais, pouco importando “que o serviço, como atividade remunerada, seja

de natureza civil, comercial ou administrativa”. (LISBOA16, 1999)

Na interpretação de (GAMA, 2006), entende que é importante “que seja

atividade exercida com certa repetição e sempre em caráter remunerado”,

considerando que “algumas atividades gratuitas, fornecidas graciosamente no bojo

16 Roberto Senise Lisboa, Responsabilidade Civil, p. 198 e ss..

39

das demais ofertas de bens e serviços, não perdem o caráter de serviço

remunerado, eis que há sempre embutido um interesse negocial”.

No posicionamento de (Almeida, 2008), o conceito legal é tão claro que

chega a enumerar algumas atividades que teriam características de prestação de

serviços, como as de natureza bancária, financeira, creditícia e securitária, mas não

no sentido de limitar o alcance da norma, visto ter utilizado o termo inclusive.

Nesse sentido, incluem-se os referidos serviços no rol das atividades

conceituadas genericamente, que no nosso entendimento a descrição específica

destes pelo legislador foi proposital, principalmente aos serviços bancários, pelas

reiteradas práticas abusivas e ainda, pelo fato dessas instituições financeiras já

terem se manifestado em não enquadrar-se no microssistema do Código de Defesa

do Consumidor. Sobre o assunto (NUNES, 2005) esclarece:

Foi um esforço acautelatório do legislador, que, aliás, demonstrou-se depois, era mesmo necessário. Apesar da clareza do texto legal, que coloca, com todas as letras, que os bancos prestam serviços aos consumidores, houve tentativa judicial de se obter declaração em sentido oposto. Chegou-se, então, ao inusitado: o Poder Judiciário teve de declarar exatamente aquilo que a lei já dizia: que os bancos prestam serviços.

E ainda, a respeito da caracterização dos serviços bancários como objeto da

relação jurídica de consumo, enfatiza o supracitado autor que a matéria já estava

pacificada na jurisprudência, porém, foi definitivamente resolvida na Súmula, 297 do

STJ (Superior Tribunal de Justiça), como o seguinte teor: O Código de Defesa do

Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Outro ponto que devemos observar é quanto aos serviços públicos, ou seja,

aqueles considerados essenciais (transporte, saúde, energia, água, telefonia,

correios), sob a incumbência do Estado, os quais este os presta através de

empresas ou entes governamentais ou ainda, os atribui a empresas privadas ou

privatizadas, por meio de concessão.

Oportuno frisar, aliás, que um dos direitos básicos do consumidor é poder

contar com “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral” (CDC,

art. 6º,X),(...)”. (Almeida, 2008)

40

Explanando sobre a matéria, (CHAMONE, 2007) destaca o entendimento do

Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Então

vejamos:

O entendimento do STJ, seguindo essa orientação, é de que a prestação de serviço público não configura relação de consumo. Segundo esse entendimento, somente quando os serviços e produtos são oferecidos no "mercado de consumo" poderia haver relação de consumo, de modo que a prestação de serviço público típico, aquele remunerado por tributo (em oposição ao atípico, remunerado por tarifa), ficaria excluída da incidência do CDC.17 Semelhante é o entendimento do STF sobre o tema, negando de forma peremptória que não há relação de consumo entre o poder público e contribuinte.18

O Código incluiu ainda os entes despersonalizados, que são pessoas ou

agrupamentos que exercem atividades típicas de fornecimento de produtos e

serviços, mesmo não tendo personalidade jurídica. (Almeida, 2008)

4.4 - Características da relação de consumo

Não tendo o Código conceituado a relação de consumo, como o fez com os

seus elementos, ficou para a doutrina tal incumbência. Nesse sentido, vejamos

alguns conceitos:

Para (CHAMONE, 2007), “relação de consumo é de se entender toda

relação jurídico-obrigacional que liga um consumidor a um fornecedor, tendo como

objeto o fornecimento de um produto ou da prestação de um serviço”.

Mesmo entendimento nos parece ter (Andrade, 2006) ao definir a relação de

consumo como a relação jurídica havida entre fornecedor e consumidor envolvendo

a aquisição, por esse último, de qualquer produto ou serviço como destinatário final.

No entendimento de ALMEIDA (2008), a relação de consumo compreende

dois lados opostos, onde o consumidor se submete ao fornecedor na aquisição de

um produto ou serviço. Nesse sentido destaca:

“As relações de consumo são bilaterais, pressupondo numa ponta o fornecedor – que pode tomar a forma de fabricante, produtor, importador,

17 STJ, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, REsp 625.144-SP. Divergiram da fundamentação da maioria, entendendo que na prestação de serviço público típico há relação de consumo: Nancy Andrighi, e Castro Filho. 18 STF, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, AgRegAI 282.298-2/RS. V., ainda, os demais julgados lá referenciados.

41

comerciante e prestador de serviços -, aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços a terceiros, e, na outra ponta, o consumidor, aquele subordinado às condições e aos interesses impostos pelo titular dos bens ou serviço, no atendimento de suas necessidades de consumo”.

Já na opinião de (NUNES, 2005) “haverá relação jurídica de consumo

sempre que se puder identificar num dos pólos da relação o consumidor, no outro, o

fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços”.

Noutra linha de entendimento (ROLLO, 2007) destaca que “A relação de

consumo, portanto, parte de uma desigualdade: o fornecedor impõe as regras e o

consumidor tem que aceitar, sob pena de não se satisfazer”.

Nota-se que a conceituação de relação jurídica de consumo é bastante

diversificada por quem se arrisca conceituá-la, e que na maioria dos casos não

englobam todas as relações estabelecidas no mercado de consumo. Entendemos

que tenha sido esse o motivo que levou o legislador do CDC a se abster de

conceituar a relação de consumo.

No âmbito do Mercosul a conceituação de relação de consumo pela

Comissão de Comércio no Protocolo de Defesa do Consumidor (art. 5º), aprovado

em 29 de novembro de 1997, mostrou-se falha na medida em que limitou o conceito

à relação obrigacional clássica, individual e bilateral, in verbis:

Relação de consumo é o vínculo que se estabelece entre o fornecedor que, a título oneroso, oferece um produto ou presta um serviço a quem o adquire ou o utiliza como destinatário final. Equipara-se a esta o fornecimento de produtos e a prestação de serviços, a título gratuito, quando se realizem em função de uma eventual relação de consumo.

A constatação dessa falha reside justamente no fato de o conceito dado

pela norma não abarcar atos de consumo unilateral, como também as chamadas

relações de consumo indiretas ou por acessoriedade, ou seja, que envolvem a

responsabilidade dos bancos de dados de crédito sobre as informações prestadas a

respeito do consumidor, atos e relações de consumos relativos e difusos ou ainda as

relações triangulares, que são aquelas firmadas entre o débito do cartão de créditos

e a compra de consumo principal.

42

Para dar maior clareza a questão (ANDRADE, 2006, apud NEWTON DE

LUCCA) assevera que:

“a definição de relação de consumo imposta pelo art. 5º do Protocolo é falha, pois se limita àquela relação obrigacional clássica, individual e bilateral. O CDC brasileiro já superou esta visão e conhece atos de consumo unilaterais que são vinculativos, como por exemplo as publicidades que não são ofertas, mas simples marketing institucional (como o famoso caso da proibição da publicidade da Beneton e Nestlé), atos de consumo e relações de consumo coletivos e difusos com a introdução no mercado de um formulário contratual redigido unilateralmente, contendo cláusulas abusivas (art. 51, §4º do CDC), sem que ainda nenhum consumidor tenha assinado este contrato de adesão (como o famoso caso do controle em abstrato, de todos os formulários bancários, inclusive de bancos estrangeiros pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul). A falha definição do art. 5º também exclui as chamadas relações de consumo indiretas ou por acessoriedade , por exemplo, a responsabilidade dos bancos de créditos sobre as informações prestadas sobre o consumidor, ou as relações triangulares, a relação entre o débito em cartão de crédito e a compra de consumo principal, pairando dúvida se estas relações estão incluídas ou não na expressão ‘adquirir’ ou ‘utilizar’ como destinatário final”.

Sendo assim, (CHAMONE, 2007) acentua que a relação de consumo nem

sempre será um negócio jurídico, pois “a lei coloca sob a mesma denominação

relações contratuais (negócios jurídicos) e não-contratuais, decorrentes de atos e

fatos jurídicos”, comentando em seguida:

Deste modo, temos que o Código irá atuar de forma preventiva e repressiva nas relações de consumo tanto no âmbito contratual como no extracontratual, tanto no pré-contratual como no pós-contratual.

Em conclusão, o legislador agiu com sabedoria, como já dissemos, ao se

abster de conceituar a relação jurídica e consumo, uma vez que o fazendo estaria se

submetendo ao risco de limitar o alcance da Norma, deixando de fora várias

situações tipicamente de consumo e ato contínuo, prejudicando nessas relações o

consumidor, o que não seria justo. Deste modo, melhor interpretação só poderá ser

feito pela doutrina ou jurisprudência, na análise de cada caso em concreto.

43

Capítulo 3 – O CARÁTER PREVENTIVO DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR.

5 – Pressupostos norteadores

Para entender com maior clareza o que vem a ser o caráter preventivo que

trataremos neste capítulo e que é o foco principal deste trabalho, é necessário

conceituar o vocábulo prevenção e suas derivações, de acordo com o dicionário da

língua portuguesa.

De acordo com o Miniaurélio19, define:

- Prevenção: ato ou efeito de prevenir.

- Prevenir: dispor com antecipação ou de sorte que evite (dano ou mal);

chegar, dizer e fazer antes de outrem; avisar, informar com antecedência.

Nesse sentido, iremos analisar algumas situações no CDC que refletem

essa idéia de dispor com antecedência, com o propósito de evitar o dano, como bem

empregou o Aurélio, ao expor o significado do termo.

Necessário destacar que Código de Defesa do Consumidor é, na opinião de

alguns autores, uma lei principiológica, o que significa dizer que guarda em seu

conteúdo normativo “princípios gerais cujo objetivo precípuo é o de abranger todas

as situações envolvendo o consumo, sem, no entanto, especificar cada caso, como

o fazem as leis casuísticas”. (GUGLINSKI, 2008)

Complementa ainda o autor dizendo que:

É, portanto, um sistema de cláusulas abertas onde alguns dispositivos possuem rol meramente exemplificativo, dando margem interpretativa ao Judiciário quando do julgamento de ações cujo objeto é afeto às suas disposições. (GUGLINSKI, 2008)

Ponto de vista diferente, no entanto, não divergente a respeita desse caráter,

Nunes (2005) destaca que ingressa no sistema jurídico de modo a atingir toda e

19 Minidicionário da língua portuguesa – Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 6ª ed., 2004, p. 653.

44

qualquer relação que possa ser entendida como de consumo, independente de estar

sob as regras de outra Norma infraconstitucional. Desta forma conclui:

(...) o caráter principiológico específico do CDC é apenas e tão somente um momento de concretização dos princípios e garantias constitucionais vigentes desde 05 de outubro de 1988 como cláusulas pétrias, não podendo, pois, ser alterados. (NUNES, 2005)

Em função desse conceito, o CDC é também considerado como um

microssistema ou subsistema no contexto legislativo, em virtude de seus dispositivos

só serem aplicados às relações típicas de consumo, o que exclui quaisquer outras

relações que contrariarem esses dispositivos. Desta forma:

“(...) constitui o Código de Defesa do Consumidor verdadeiramente uma lei de função social, lei de ordem pública econômica, de ordem claramente constitucional”. (Andrade, 2006 apud Cláudia L. Marques20)

É também subsistema multidisciplinar, no momento que apresenta em seu

bojo, normas de tutela de direito material de ordem civil e penal, processual civil e

penal e, ainda, normas de direito administrativo. Portanto, o CDC regula por

completo todos os aspectos jurídicos das relações de consumo. (ANDRADE, 2006)

6 - Princípios constitucionais aplicados ao direito do consumidor

Como já mencionamos, a legislação consumerista é uma lei principiológica

porque introduziu no ordenamento jurídico nacional os princípios, tanto gerais, como

específicos, como normas positivas, ou seja, tais princípios aparecem claramente

estabelecidos nos primeiros artigos do Código, como forma de instruir a todos que a

Lei afeta, a dar cumprimento ao que é determinado, evidentemente, no que compete

individualmente a cada um desses sujeitos.

Nesse contexto, cabe a nós identificar e conceituar primeiramente os

princípios constitucionais atinentes às relações de consumo, diga-se de passagem,

apenas os principais, pois, do contrário, teremos que discorrer sobre todos os

princípios norteadores da Constituição Federal vigente, e como sabemos são

inúmeros.

20 Cláudia Lima Marques - Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p.220

45

6.1 – Princípio da dignidade da pessoa humana

Sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil para

constituir-se como Estado Democrático de Direito, este princípio tem como

fundamento a garantia de que todo ser humano, ao nascer ou até mesmo ao ser

concebido21, goza de todos os direitos básicos inerentes à sua sobrevivência.

Sobre esses direitos, os quais estão consolidados nos artigos 6º e 225 da

CF/88, (NUNES, 2005 apud CELSO A. P. FIORILLO22) usou a expressão mínimo

vital, destacando que “para começar a respeitar a dignidade da pessoa humana,

tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais (...)”, in verbis:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Ainda sobre a dignidade humana, o referido autor utiliza outra expressão que

entendemos ser apropriada para o tema, qual seja: valor preenchido. Nesse

contexto, é de se entender que a dignidade é inerente ao ser humano só pelo fato de

ser pessoa, por isso, “(...) ela é a primeira garantia das pessoas e a última instância

de guarita dos direitos fundamentais” instituídos no art. 5º da Constituição Federal

brasileira.

Para Andrade (2006) é preciso identificar o termo dignidade humana, que

segundo ele decorre da solidariedade e da ética humanas. Nesse contexto,

complementa que é através da solidariedade que “o homem reconhece o outro como

seu semelhante e pode delinear seu comportamento ético no sentido de que tudo

aquilo que o afeta, seja bom ou mau, afetará o seu semelhante”.

Resta-nos apenas corroborar o entendimento de autores como Rizzatto

Nunes e Ronaldo Alves de Andrade que sustentam que o princípio da dignidade da

pessoa humana se encontra numa posição hierarquicamente superior a todos os

demais princípios no plano constitucional, pois, é ele que dá a diretriz para a 21 “Teoria Concepcionista” – defende que a personalidade jurídica é adquirida na concepção e não a partir do nascimento com vida, de acordo o que dispõe a primeira parte do art. 2º do CC/2002. 22 Celso Antonio Pacheco Fiorillo - “O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil”. São Paulo: Saraiva, 2000.

46

harmonização dos demais princípios, como o princípio da igualdade e o princípio da

proporcionalidade.

6.2 – Princípio da liberdade

Este é outro princípio que encontramos fincado não só no rol de princípios

fundamentais, como também em outros dispositivos constitucionais. Referido

princípio estabelece que a constituição de um Estado Democrático de Direito funda-

se, entre outros preceitos, na livre iniciativa, que por sua vez implica na construção,

por parte do Estado, de uma sociedade livre. Em outras palavras, no conceito literal,

a liberdade é faculdade de cada um decidir ou agir segundo a própria determinação

e, no meio social, essa faculdade deve ser exercida democraticamente, de modo a

não limitar a liberdade de outrem.

Mas, como bem colocado por (NUNES, 2005), a liberdade que cabe a nós

debater encontra-se sobre a ótica “que aponta para uma condição material – real –

de ação”, ou seja, as que estão nas regras dos arts. 1º e 3º da Constituição Federal,

in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

A livre iniciativa do art. 1º, refere-se à liberdade que todos tem para,

querendo, e utilizando-se das suas condições e/ou de seus bens e capitais, poderá

empreender alguma atividade, desde que regulada constitucional ou

infraconstitucionalmente, ou seja, é “o direito de escolher correr os riscos do

empreendimento” (NUNES, 2005).

A liberdade consolidada no art. 3º da Constituição, refere-se à função da

República de assegurar que a sociedade brasileira seja livre. Do mesmo jeito

acontece com a sociedade consumidora, que deve ter ação livre.

47

De acordo com (NUNES, 2005), “Essa ação é livre sempre que a pessoa

consiga acionar duas virtudes: querer + poder. Quando a pessoa quer é pode, diz-

se, ela é livre; sua ação é livre”.

6.3 – Princípio da igualdade

Este princípio encontrar-se disposto no caput do art. 5º da Contituição

Federal de 1988, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifo nosso)

O princípio constitucional da igualdade ou isonomia declara que não há

distinção de qualquer natureza, como a origem, raça, sexo, cor, idade que justifique

o tratamento diferenciado entre as pessoas, assegurando que todos são iguais de

acordo com a lei.

Nas relações de consumo não pode ser diferente, visto que o consumidor

encontra-se claramente em desvantagem em face da sua vulnerabilidade e

hipossuficiência.

Parece no mínimo contraditório a expressão sobre este princípio usada por

Almeida (2008) para justificar a tutela do consumidor. No entanto, se amolda

perfeitamente na relação de consumo.

Dessa forma destaca que “Os consumidores devem ser tratados de forma

desigual pelo CDC e pela legislação em geral afim de que consigam chegar à

igualdade real”. (ALMEIDA, 2008)

Conclui-se desse modo que o princípio da igualdade consiste em

estabelecer o equilíbrio entre consumidor e fornecedor de forma que este não se

sobreponha sobre aquele que encontra-se em desvantagem na relação de consumo.

Como exemplo da observância preventiva do princípio da igualdade no CDC

temos o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I - item 7.1), a

48

inversão do ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, VIII), a responsabilidade

objetiva do fornecedor de produtos e serviços (caput dos arts. 12 e 14), dentre

outros.

7 - A prevenção como norma positivada no CDC

Como já dissemos, temos o propósito nesta obra, de identificar e demonstrar

alguns dispositivos do CDC que trazem em seu regramento, essa idéia de prevenir,

ou seja, dispor com antecedência, com o objetivo de evitar um dano futuro.

E, é nesse sentido que destacamos de antemão o art. 1º do CDC, que ao

instituir as normas de proteção ao consumidor, faz referência ao que já havia sido

estabelecido no texto constitucional:

Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Ou seja, a Constituição Federal de 1988, ao ser promulgada, já trazia em

seu ordenamento a preocupação com a proteção dos direitos do consumidor, que

nada mais é, senão, o caráter preventivo estampado no desejo do legislador.

Mais adiante, no art. 4º do Código Consumerista, encontra-se estabelecido a

Política Nacional das Relações de Consumo, definindo ponto a ponto os seus

objetivos. A nosso ver, é essa política, que traz resguardada em seu bojo, uma

gama de disposições com caráter puramente preventivo, os quais, alguns são

princípios norteadores das relações de consumo. Desta forma, o caput do referido

artigo dispõe que:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

O artigo em destaque prevê um conjunto de práticas que devem ser

implementadas, como forma de atender a todos os anseios do consumidor, como

parte essencial e indispensável na relação de consumo, sendo que para isso, deverá

ser tratado com dignidade e aí engloba a sua saúde e segurança, a liberdade, a

solidariedade, e todos os outros preceitos para garantir uma vida de qualidade.

49

Vejamos então cada um dos seus incisos:

7.1 – Princípio da vulnerabilidade do consumidor

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

O inciso I trata da vulnerabilidade do consumidor, que significa dizer que na

relação de consumo, o consumidor é a parte potencialmente mais fraca, em

comparação ao fornecedor. Essa fraqueza se deve tão somente, por não conhecer

os meios de produção e nem ter o domínio tecnológico dos produtos e serviços que

consome, além de, na maioria dos casos serem economicamente inferior em relação

ao fornecedor, daí não poder ditar as regras do mercado.

Alguns autores defendem que o fator econômico é o principal requisito da

vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo, o que não concordamos,

pois, há situações que o consumidor é visivelmente superior economicamente,

porém ainda assim é vulnerável em face dos outros aspectos, como o tecnológico ou

dos meios de produção.

Desse modo, a relação de consumo mostra-se desequilibrada e o

consumidor tem grande desvantagem em comparação ao fornecedor. Em vista disso

é que se constata de plano a vulnerabilidade do consumidor que carece da tutela do

Estado, no sentido de reconhecer a sua vulnerabilidade e assim, intermediar essa

relação tornando-a equilibrada.

Em verdade, a vulnerabilidade é um dos princípios que se funda a defesa do

consumidor, que na opinião de (ALMEIDA, 2008) “é a espinha dorsal da proteção ao

consumidor, sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento. É

induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo; (...)”.

7.2 - Princípio da presença do estado nas relações de consumo

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

50

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

Este inciso também é tido como um princípio: O Princípio da Presença do

Estado nas Relações de Consumo. Este tem por objetivo a intervenção do Estado

na relação de modo a proteger o consumidor, que como já foi dito é a parte mais

fraca nessa relação. Essa proteção se faz na medida em que se impõem regras, se

incentiva à criação e desenvolvimento de associações representativas ou interfere

no mercado de consumo para garantir a produção de produtos e a prestação de

serviços com qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

Se fizermos uma análise mais ampla desse princípio, veremos que ele já se

consagrava como princípio constitucional, na medida que estabelece previamente no

texto da nossa Lei Maior, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da

Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias, a defesa do

consumidor, ou seja, tais disposições instituem claramente o caráter preventivo. E, é

do CDC, em virtude do art. 1º, sobre o qual já falamos.

7.3 – Princípio da harmonização de interesses ou Princípio da boa-fé

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

A harmonia dos interesses tratada neste inciso ensina que consumidor e

fornecedor devem primar pela paz coletiva e não o confronto de ânimos. Desta

forma, para implementar as relações de consumo, é necessário harmonizar as

vontades: consumidor, de adquirir bens ou serviços que atendam as suas

necessidades; e fornecedor, de fornecer os bens e serviços adequadamente de

forma que satisfaça o consumidor.

No entendimento de Andrade (2006), a harmonização e compatibilização

nas relações de consumo, são pressupostos do princípio da boa-fé que é uma

conduta de ordem moral aplicada em qualquer relação humana. Sendo assim,

fornecedores e consumidores devem adotar a boa-fé quando estabelecem uma

relação jurídica civil ou de consumo, portando-se com sinceridade, lealdade e

51

honestidade de forma que não sejam prejudicadas. Nesse sentido o referido autor

complementa:

Considerando que a boa-fé é uma regra moral de comportamento, seus efeitos jungem o contrato tanto na sua formação quanto em sua execução, pois a boa-fé deve existir em todas as fases do contrato. Por ser uma regra essencialmente moral, a boa-fé só pode ser consolidada no caso concreto e segundo os valores morais vigentes na sociedade (...). (ANDRADE, 2006).

Destaca ainda o autor que a doutrina européia, principalmente francesa e

alemã, fazem distinção entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva, definindo que “a

primeira é um estado psicológico, uma crença de estar o sujeito agindo de boa-fé. A

segunda exprime um valor exterior revelado por normas de comportamento

traduzidas na lealdade e nos bons costumes (...)”. (ANDRADE, 2006)

Desta forma, a distinção se dá tão somente na exteriorização, pois,

enquanto a boa-fé subjetiva consiste na presunção de que as partes estão agindo

com sinceridade, lealdade e honestidade, a boa-fé objetiva é a prova de que

efetivamente esses princípios de conduta moral foram adotados.

A compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de

desenvolvimento econômico e tecnológico deve ser observada com dinâmica natural

das relações de consumo com intuito de não tornar a produção obsoleta e entravada

em face da defesa do consumidor. Deste modo, “novos produtos e novas

tecnologias são bem-vindas, desde que seguras e eficientes”, preservando-se a boa-

fé e o equilíbrio nas relações de consumo. (ALMEIDA, 2008)

7.4 - Princípio da conscientização do consumidor e do fornecedor

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

O inciso IV, refere-se ao Princípio da Conscientização do Consumidor e do

Fornecedor que consiste em educar e informar as partes envolvidas nas relações de

consumo, sobre os seus direitos e deveres, na busca de equilíbrio dessa relação.

Nesse sentido, para que se atendam as necessidades do consumidor e o interesse

do fornecedor, sem que ocorra um conflito, tem-se que trabalhar a conscientização

destes sobre o que é e o que não é permitido na relação de consumo.

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Dessa forma, afirma (ALMEIDA, 2008) que, “Por conscientização

entende-se a educação, formal e informal, para o consumo, bem como a informação

do consumidor e do fornecedor”.

7.5 - Princípio do incentivo ao autocontrole

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

Incentivo e autocontrole é o que prevê o supracitado inciso, pois, embora o

Estado se interponha na relação consumerista como mediador, para evitar ou

solucionar os conflitos, cumpre a ele também o papel de incentivar o próprio

fornecedor a adotar mecanismos alternativos no sentido de solucionar problemas

surgidos em decorrência dos seus produtos ou serviços defeituosos. Com exemplo,

(Almeida, 2008) destaca três mecanismos alternativos de autocontrole: o controle de

qualidade e segurança, o recall e os centros ou serviços de atendimento ao

consumidor (SAC).

O primeiro consiste na criação pelo fornecedor, de setores com finalidade de

testar a qualidade e a segurança dos produtos e serviços antes que sejam

colocados no mercado, de modo a identificar produtos possivelmente defeituosos, o

que possibilitará a correção ou a substituição destes antes que cheguem nas mãos

do consumidor.

O segundo, o recall, que é o termo norte-americano atribuído ao ato de

convocação, pelo fornecedor, aos consumidores, para a reparação ou troca

gratuitamente, de componentes integrantes dos seus produtos que mais tarde,

verificou-se que apresentavam defeitos.

O último, conhecido como Serviço de Atendimento ao Cliente - Consumidor

(SAC) e o Serviço de Assistência que visam a solução de defeitos de fabricação em

produtos já adquiridos pelo consumidor, seja através da criação de setores pelo

próprio fornecedor para receber reclamações e resolver, se possível tais problemas

ou pela contratação de outras empresas especializadas, que atuaram em nome das

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contratantes, para dar a assistência técnica necessária aos produtos que possam

apresentar defeito de fabricação.

Vale ressaltar que a Garantia que o fabricante atribui ao seu produto e a

Assistência Técnica oferecida em face dessa garantia são, sem sombra de dúvidas,

conquistas que marcaram e consolidaram a proteção do consumidor, como outros

mecanismos de prevenção nas relações de consumo.

7.6 – Princípio da coibição de abusos

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

O princípio instituído por esse dispositivo é também, em sua essência,

puramente preventivo, posto que estabelece a proibição de práticas consideradas

abusivas no mercado de consumo. Nesse sentido, a Política de Relações de

Consumo tem por finalidade também a garantia da repressão desses abusos, com a

punição de seus autores, bem como, a atuação preventiva como forma de evitá-los.

Sobre essas medidas preventivas, (ALMEIDA, 2008) complementa dizendo

que “a coibição preventiva e eficiente dessas práticas representará o desestímulo

dos potenciais fraudadores. A contrario sensu, a ausência de repressão ou mesmo o

afrouxamento, representará impunidade e, pois, estímulo”.

7.7 – Princípio da melhoria dos serviços públicos

VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

Os entes públicos fornecedores de serviços encontram-se enquadrados

legalmente no CDC, razão pela qual tem obrigação, assim como o fornecedor de

serviços privados, de prestar serviços eficientes e seguros que não importem em

danos à vida e saúde dos consumidores. Isto posto, entendemos que o dispositivo

em comento apresenta características preventivas na medida em que recomenda ao

Estado a tornar mais eficiente e adequada a prestação dos serviços públicos,

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objetivando conseqüentemente a melhoria também da qualidade de vida do

consumidor. (ALMEIDA, 2008)

7.8 – Princípio do estudo consciente das modificações do mercado de

consumo

VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

Este princípio estabelece estreita relação com o princípio da harmonização

de interesse, posto que, como já comentamos, a produção não pode ficar obsoleta

em razão da proteção do consumidor. Portanto, é necessário que se criem novos

produtos e novas tecnologias com base nos estudos das modificações do mercado

consumidor, para que tais produtos sejam seguros e eficientes, no atendimento das

necessidades de consumo.

É de se concluir que ao estabelecer no art. 4º a Política Nacional de

Relações de Consumo o legislador consumerista criou regras nas quais

identificamos de caráter claramente preventivo, em virtude de está essencialmente

baseada em princípios que visam estabelecer uma relação de consumo equilibrada

e segura e, dessa forma, traga os benefícios que se espera e a satisfação que se

busca.

Há outros dispositivos no CDC com características preventivas, como os dos

arts. 5º (Instrumentos para a execução da Política Nacional das Relações de

Consumo, 6º (Direitos do Consumidor), 12 e 14 (Responsabilidade Objetiva dos

Fornecedores de Produtos e de Serviços), etc. No entanto, entendemos que todos

decorrem do atendimento aos princípios consolidados na Política em questão.

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CONCLUSÃO

O Código de Defesa do Consumidor não veio apenas para impor regras

entre as partes na relação de consumo ou ainda estabelecer sanções de caráter

punitivo a quem incorre nas situações nele tipificadas como ilícitas, mais, como

demonstramos, é uma lei extremamente moderna e eficaz, na regulação das

relações consumerista, além trazer em alguns dos seus artigos um caráter

puramente preventivo, contribuindo, em grande parte, para as mudanças que vêm

ocorrendo no mercado consumidor, bem como na economia e, conseqüentemente,

no desenvolvimento do país.

Como exemplo dessas mudanças temos um consumidor mais exigente, que

expressa o conhecimento dos seus direitos e por isso, conquistou o respeito do

fornecedor, que por sua vez buscou aprimorar seus produtos, investindo na

qualidade e seguranças estes, bem como adequando-os as necessidades dos

consumidores, no reconhecimento da sua importância para o mercado de consumo.

Estas circunstâncias levaram ao crescimento da economia brasileira, que

abriu as portas para o investidor estrangeiro, que diversificou e inovou a produção,

tornando o mercado mais competitivo, abrindo novos postos de trabalho,

melhorando o poder aquisitivo do consumidor que passou a consumir mais,

possibilitando a melhoria dos serviços públicos em função do aumento na

arrecadação dos tributos.

Não podemos deixar de destacar que a criação dos Juizados Especiais de

Pequenas Causas, do acordo com a determinação expressa no inc. IV, do art. 5º do

CDC, foi imprescindível para garantia da aplicação das normas estabelecidas neste

Código no âmbito judicial, visto que possibilitou ao consumidor ingressar com ação

sem necessidade do patrocínio de advogado, pois, antes, como na maioria dos

casos o valor da causa era baixo e, considerando que o consumidor tinha que arcar

com as despesas processuais e os honorários de advogado, ficava desestimulado

para demandar judicialmente na busca dos seus direitos, ou seja, não compensava,

pois, o próprio Estado desestimulava o consumidor. Nesse sentido, a criação dos

Juizados Especiais veio para suprir essa necessidade e garantir a defesa do

consumidor.

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Diante disso, é de se concluir que, embora saibamos que ainda falta muito

para que se possa ter a relação de consumo idealizada pelo CDC, a constituição da

proteção do consumidor, através deste, com normas de caráter preventivo, foi

extremamente importante para a sociedade de consumo brasileira em virtude das

profundas modificações imprimidas nos últimos 18 anos de vigência dessa lei no

Brasil.

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