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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL PUBLICIDADE E PROPAGANDA MICHELL MACEDO DE BARROS O HOMOEROTISMO NA DIVULGAÇÃO DE EVENTOS LGBT: UMA ANÁLISE DAS IMAGENS USADAS PARA A DIVULGAÇÃO DE FESTAS DESTINADAS AO PÚBLICO LGBT EM FORTALEZA FORTALEZA 2012

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – PUBLICIDADE E PROPAGANDA

MICHELL MACEDO DE BARROS

O HOMOEROTISMO NA DIVULGAÇÃO DE EVENTOS LGBT: UMA ANÁLISE DAS IMAGENS USADAS PARA A DIVULGAÇÃO DE FESTAS DESTINADAS AO

PÚBLICO LGBT EM FORTALEZA

FORTALEZA 2012

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MICHELL MACEDO DE BARROS

O HOMOEROTISMO NA DIVULGAÇÃO DE EVENTOS LGBT: UMA ANÁLISE DAS IMAGENS USADAS PARA A DIVULGAÇÃO DE FESTAS DESTINADAS AO

PÚBLICO LGBT EM FORTALEZA

Monografia submetida à aprovação Coordenação do Curso de Comunicação Social da Faculdade Cearense, como requisito para obtenção do grau de Graduação em Publicidade e Propaganda. Orientador: Edmundo Mendes Benigno

FORTALEZA 2012

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MICHELL MACEDO DE BARROS O HOMOEROTISMO NA DIVULGAÇÃO DE EVENTOS LGBT: UMA ANÁLISE DAS

IMAGENS USADAS PARA A DIVULGAÇÃO DE FESTAS DESTINADAS AO PÚBLICO LGBT EM FORTALEZA

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Publicidade e Propaganda, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Prof. Edmundo Mendes Benigno

Orientador

_____________________________________________________ Prof(a). Klycia Fontenele Oliveira

Membro

_____________________________________________________ Prof. Lenildo Monteiro Gomes

Membro

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À vida, que me ensinou tudo o que não sei e que deixa claro que ainda tenho muito a aprender.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço à essa força superior e cheia de mistérios que rege a

humanidade e que me faz levantar a cada dia para viver uma vida também cheia de

mistérios e aprendizados.

Aos meus pais, que me proporcionaram uma educação de qualidade e que me

fizeram crescer como pessoa, ao longo de toda essa jornada. Nem preciso dizer (já

dizendo) que sem eles eu não estaria aqui escrevendo estas palavras e não seria a

pessoa que sou hoje

Aos meus amigos e amigas de curso que, entre um gole e outro, sempre tinham

uma boa conversa, como um petisco de conhecimento, me proporcionando

momentos de alegria e verdade. Aprendizados e amizades que levarei comigo,

sempre.

Ao meu grande orientador que, com todo o seu conhecimento e experiência, foi

meu guia para que este trabalho fosse gerado. Mesmo com as exigências e algumas

pitadas de ―quem disse isso?‖, ele me ensinou que não posso sair escrevendo sem

ter me baseado em algum autor e que as prioridades devem ser, realmente,

prioridades.

Aos meus professores, em especial aos que toparam compor a minha banca, pela

disponibilidade e ajuda. Todos eles têm um papel fundamental na construção dos

pilares que sustentam a minha vida acadêmica, pessoal e profissional.

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―I'm beautiful in my way, cause God makes no mistakes.

I'm on the right track, baby, I was born this way.‖

(Lady Gaga)

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RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de analisar o uso de imagens homoeróticas masculinas

nos materiais de divulgação de eventos destinados ao público LGBT da cidade de

Fortaleza. Abordaremos inicialmente os conceitos relacionados à sexualidade e ao

que diz respeito ao termo homoerotismo. Um breve apanhado histórico sobre a

homossexualidade é feito, para que o leitor se contextualize nos assuntos

posteriores do trabalho. Estaremos conceituando e relacionando o conceito de

movimento LGBT à mídia e às relações de consumo da atualidade. Neste momento,

serão destacados alguns anúncios antigos, onde já se pode perceber a presença do

homoerotismo na publicidade, para que daí então possamos entrar na temática do

mercado destinado à comunidade LGBT. Em um segundo momento, estaremos

discorrendo acerca dos assuntos relacionados à imagem, os conceitos e as

mensagens que podem estar contidas nestas manifestações visuais, sempre

fazendo uma relação com o nosso objeto de estudo, os panfletos (impressos e

virtuais) de divulgação de boates de Fortaleza. Finalizando este segundo momento,

optamos por abordar a força que os símbolos tem para a comunidade LGBT e qual o

significado de cada um deles. Já no terceiro momento, traremos algumas

informações acerca do mercado local LGBT e a presença do homoerotismo nas

propagandas de algumas boates. Chegaremos então ao ponto principal do nosso

trabalho, que se trata da metodologia de análise destas imagens e da análise em si

dos elementos que compõem os panfletos. Concluindo o terceiro momento, traremos

os dados coletatos através de uma pesquisa realizada com os organizadores das

festas para o público LGBT, sobre a utilização das imagens homoeróticas para atrair

este público.

Palavras-chave: Homossexualidade. Homoerotismo. LGBT. Eventos. Publicidade.

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ABSTRACT

This work aims to analyze the use of male homoerotic images in promotional

materials for LGBT events in Fortaleza. Initially we'll discuss the concepts related to

sexuality and to respect the term homoeroticism. A brief historical overview of

homosexuality has been made, for the reader to contextualize the issues of the

research later. We will be conceptualizing and relating the concept of the LGBT

movement to media and consumer relations today. At this time, will highlight some

old ads, where one can already perceive the presence of homoeroticism in

advertising, so that there can then enter the market theme for the LGBT community.

In a second step, we will be discussing on matters relating to the image, concepts

and messages that may be contained in these visual manifestations, always making

a relationship with the object of our study, the leaflets (printed and virtual) of

Fortaleza nightclubs. Finishing this second time, we chose to address the force that

has the symbols for the LGBT community and what is the meaning of each. In the

third step, we will bring some information about the local market and the LGBT

presence of homoeroticism in the advertisements of some clubs. We arrive then to

the main point of our work, it is the methodology for analyzing these images and the

analysis itself of the elements that make up the flyers. Completing the third point, we

will bring collected data through a research with the organizers of the celebrations for

LGBT public about the use of homoerotic images to attract this audience.

Keywords: homoeroticism. Advertising. Events. LGBT. Homosexuality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 Homossexualidade e consumo ....................................................................... 11

1.1 A sexualidade na pós-modernidade ......................................................... 12

1.2 Homossexualismo, homossexualidade e homoerotismo ....................... 14

1.3 Um breve apanhado histórico sobre a homossexualidade .................... 15

1.4 O movimento LGBT .................................................................................... 20

1.5 Mídia, consumo e homossexualidade ...................................................... 21

1.6 O mercado consumidor LGBT .................................................................. 27

2 A força da imagem ............................................................................................ 30

2.1 Sobre o conceito de imagem .................................................................... 30

2.2 As mensagens nas imagens ..................................................................... 34

2.2.1 Mensagem plástica .............................................................................. 36

2.2.2 Mensagem icônica ............................................................................... 37

2.2.3 Mensagem linguística ......................................................................... 39

2.3 Os níveis da imagem .................................................................................. 40

2.3.1 O nível representacional ..................................................................... 40

2.3.2 O nível abstrato .................................................................................... 41

2.3.3 O nível simbólico ................................................................................. 42

2.4 A força dos símbolos para a comunidade LGBT..................................... 43

2.4.1 A bandeira LGBT ................................................................................. 43

2.4.2 O triângulo rosa ................................................................................... 44

2.4.3 O triângulo negro ................................................................................. 44

2.4.4 O labris ................................................................................................. 44

2.4.5 Outros símbolos .................................................................................. 45

3 O homoerotismo na propaganda de festas locais ......................................... 47

3.1 O mercado local LGBT ............................................................................... 48

3.2 O objeto de estudo ..................................................................................... 50

3.3 Metodologia para análise das peças ........................................................ 52

3.4 Resultados .................................................................................................. 56

3.5 Análise dos resultados .............................................................................. 59

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3.6 A pesquisa e seus resultados ................................................................... 64

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 71

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 73

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INTRODUÇÃO

A cidade de Fortaleza, capital cearense, conhecida no Brasil e no mundo

como a cidade do sol, abriga uma diversidade de opções de diversão e

entretenimento para seu povo e para quem visita esta terra. São uma infinidade de

ambientes, desde os barzinhos aos grandes complexos destinados à realização de

eventos de grande porte e, para poder receber qualquer tipo de público,

independente de classe social, orientação sexual, etc., os empresários começaram a

investir no mercado direcionado, como é o caso do mercado de eventos destinados

ao público LGBT.

Sabe-se que a publicidade é essencial para que um produto ou serviço

possa despertar atenção nos possíveis consumidores, com o mercado de eventos

não é diferente. As seis boates LGBT da cidade de Fortaleza usam a publicidade de

diversas formas para atingir seu público-alvo, como através de panfletos, mídias

sociais, anúncios em jornais, mensagens via celular, entre outros. Uma das

características desse tipo de publicidade usado pelas boates é a presença de

imagens que despertam uma atração erótica por indivíduos do mesmo sexo, por

parte do receptor. São as chamadas imagens homoeróticas. Na maioria das vezes

são fotografias de homens estereotipados (padrão de beleza imposto pela

sociedade), vestidos com pouca roupa ou sem roupa, assumindo papéis de

personagens que esbanjam sexualidade, sensualidade, estilo, etc.

A partir dessas informações, surgiu então a necessidade de estudar o uso

das imagens homoeróticas nos materiais de divulgação de eventos destinados ao

público LGBT, com o objetivo de chegar a uma conclusão do real sentido dessa

estratégia adotada pelas boates. Optamos por fazer uma análise da imagem,

tomando como base os estudos de Martine Joly (2007) acerca do tema. Nosso

principal questionamento a ser respondido é: Qual o real objetivo do uso das

imagens homoeróticas?

Para chegar aos resultados deste trabalho, estaremos estudando

conceitos relacionados à sexualidade, como homossexualismo, homossexualidade e

homoerotismo, entre outros assuntos relacionados ao tema, para posteriormente

entrarmos em uma discussão à respeito da imagem. Ao longo das próximas

páginas, estaremos contextualizando o leitor para que ao fim possamos fazer uma

análise detalhada dos materiais veiculados pelas boates de Fortaleza.

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1 Homossexualidade e consumo

Atualmente, os Estudos Gays e Lésbicos no Brasil, os quais pretendem

estudar as correlações entre a homossexualidade e as produções artísticas, estão

ganhando cada vez mais força no mundo acadêmico e ―trazendo à superfície‖

diversos temas, vistos ainda como polêmicos – tais como aprovação da lei que

criminaliza os atos violentos contra gays, a aceitação do casamento civil entre

pessoas do mesmo sexo, entre outros – para que sejam debatidos em sociedade.

Sabe-se que os antropólogos e historiadores foram os pioneiros em mostrar a

presença da homossexualidade ―sob um outro ângulo, libertando-a definitivamente

de preconceitos médicos, jurídicos e religiosos‖ (LOPES, 2001, p.122), e hoje o tema

está sendo discutido e estudado no Brasil e no exterior.

Podemos afirmar que a epidemia da AIDS1 e o desenvolvimento de

métodos contraceptívos fizeram com que os estudos sobre homossexualidade no

Brasil fossem acelerados, entre os anos 1960 e 1980. De acordo com HEILBORN

(1999, p.7-8), esses acontecimentos ―deram novo impulso às investigações sobre os

sistemas de práticas e representações sociais ligados à sexualidade, constituindo-a

como um campo de investigação em si, dotado de certa legitimidade‖. Porém, não é

correto dizer que esses estudos surgiram somente nessa época, pois o tema da

homossexualidade já vinha sendo discutido há tempos, em teses de médicos

higienistas, desde o século XIX, como forma de reflexão acadêmica.

James N. Green traz em ―Além do Carnaval – A homossexualidade

masculina no Brasil do século XX‖ (2000) um apanhado sobre a questão da

homossexualidade e de como os homossexuais vêm se movimentando para buscar

um lugar e uma aceitação na sociedade ao longo dos anos.

Em seu livro, Green (2000) reproduz os dados de uma pesquisa realizada

em maio de 1993, na qual dois mil homens e mulheres brasileiros revelaram o quão

são intolerantes em relação à homossexualidade. A pesquisa traz os seguintes

resultados: dos entrevistados, 50% confirmaram ter contato direto com

homossexuais, seja no trabalho, na vizinhança ou em bares e clubes. Porém, 56%

admitiram que mudariam seu comportamento com um colega, caso descobrissem

1 Síndrome da imunodeficiência adquirida. Doença do sistema imunológico humano causado pelo

vírus HIV. O vírus reduz progressivamente a eficácia do sistema imunológico e deixa suscetíveis a infecções oportunistas e tumores.

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que ele ou ela era homossexual. Um em cada cinco dos entrevistados informou que

romperia de vez o contato com aquela pessoa. E para completar ainda mais esse

cenário de intolerância, 36% afirmaram que não empregariam um homossexual –

mesmo que fosse a pessoa mais qualificada para o cargo – e 79% não aceitariam

que seu filho saísse com um amigo gay.

Tais teses, em termos gerais, buscavam identificar traços comuns ao então chamados pederastas e viragos e salientar a degeneração contida nos corpos de homens e mulheres que mantinham relações sexuais com pessoas do mesmo sexo. Outrossim, esses estudos buscavam propor medidas sanitárias e repressivas que pudessem reduzir ou eliminar os efeitos deletérios da presença daquelas pessoas na vida social. Talvez acompanhando a decadência dos higienistas e das teorias da degenerescência, esse tipo de estudo foi desaparecendo ao longo do século XX (GÓIS, 2003)

2.

Para Adelman (2000, p. 166), a partir de 1850 já ―iniciou-se um processo

de intensa politização da sexualidade, que de fato levou à criação das identidades

sexuais modernas‖. Segundo Trevisan (2000, p. 294), ―a partir de meados da

década de 1970, o amor homossexual começou a furar a barreira da censura

ditatorial e dos setores mais reacionários, para chegar até as capas de revistas de

circulação nacional [...]‖.

1.1 A sexualidade na pós-modernidade

Gênero: categoria que indica por meio de desinências uma divisão dos nomes baseada em critérios tais como sexo e associações psicológicas. Há gêneros masculino, feminino e neutro. (Dicionário Aurélio Buarque de Holanda).

O conceito de gênero apresenta algo mais consistente e menos

generalizado sobre a sexualidade. Os estudos trazem a ideia de que a sexualidade é

consequência de todo um processo de construção social, no qual aspectos

conscientes e inconscientes, relacionados a experiências sexuais, culturais,

religiosas, econômicas e a determinações históricas têm uma grande importância.

Em outras palavras, William Cesar Castilho Pereira (2007)3 explica que a

sexualidade não é tão simples assim de ser definida:

Entre esses pólos, portanto, a sexualidade como tal não é marcada por um cego impulso à união dos sexos para que a insuficiência de cada um seja mutuamente completada, como exigiria o metabolismo orgânico, ou para atender à mera reprodução da espécie. A questão sexual localiza-se, para

2 Universidade Federal Fluminense. Estudos Feministas, Florianópolis, 11(1): 336, jan-jun/2003.

3 Janus, lorena, v. 4, n. 5, p. 101-116, jan./jun., 2007.

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mais além, no âmbito do desejo, abrindo espaço para a construção de múltiplas subjetividades que marcam a maneira de ser masculina e feminina.

Ao logo do tempo, foram sendo construídos os papéis do homem e da

mulher nas sociedades. De acordo com Arrazola (1997), a sexualidade de homens e

mulheres mantém relação com sua afetividade e às suas diferentes expressões, seja

entre homens, entre mulheres ou entre ambos.

As relações de gênero são vivenciadas de forma diferente por homens e

mulheres. Mesmo antes do nascimento, as distinções de gênero já são observadas,

quando, por exemplo, os pais escolhem a cor azul para o menino ou rosa para a

menina, ao descobrirem o sexo da criança. Inicialmente, as crianças são levadas a

adquirir características atribuídas aos papéis masculinos ou femininos, ou seja, são

levadas a assumir um padrão do que é masculino e feminino, para depois poderem

desempenhar melhor tais papéis (AMARAL, 2005). Nesse processo, o modelo

feminino não é só diferente do masculino, mas também é construído como o gênero

inferior, sendo desvalorizado. Isso explica o fato das mulheres viverem em situação

de inferioridade e subordinadas aos homens (FARIA; NOBRE; 1997).

Os adolescentes expressam as representações do ser masculino e do ser feminino tanto na perspectiva da dualidade do sexo biológico como as relações de diferenças e igualdades entre homem-mulher nos seus universos de convivência ou nas relações de trabalho, de poder no cotidiano familiar, de referências e identificações nos grupos de amizade ou na projeção de atitudes. [...] Todas as nossas ações estão demarcadas pela distinção de gênero, demarcação esta atribuída por significados estruturados em relação a nossa realidadecultural. Portanto, pode-se atribuir gênero a coisas, objetos, formas e atitudes, por exemplo (AMARAL, 2001, p. 22).

No livro História da Sexualidade (1988), Michel Foucault nos fala da ideia

de que o sexo serviu para que fossem articulados novos mecanismos do poder e do

controle social, ou seja, da utilização do sexo como um apoio da hierarquia do

poder, relacionado ao conceito de família. A família foi a única ―escola‖ para o

aprendizado e disciplina para as mulheres e crianças e seus papéis em relação ao

homem, ―cabeça da família‖4. É importante ressaltar também que a religião ocupa

um lugar de grande importância dentro desse modelo familiar, pois é dela que, na

maioria das vezes, traz esses ensinamentos e ideologias, em relação ao padrão da

família.

4 BAUMAN, 1998, p. 182.

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Deve ser de nosso conhecimento que gênero não é sinônimo de

sexualidade, mas sabe-se que as características e práticas sexuais são construídas

com base nas relações de gênero. Essas relações ilustram os modelos de feminino

e masculino em diversas culturas e definem lugares, atitudes e práticas

padronizadas desses modelos (APARECIDA, 2004). A adolescência é uma etapa

importante do desenvolvimento por ser uma fase de transição entre a infância e a

juventude, em que ocorrem mudanças físicas, psicológicas, sociais e culturais. As

mudanças físicas acontecem em todos os indivíduos, mas as psicológicas, sociais e

culturais dependem da cultural em que estão inseridos (ZAGURY, 1999).

1.2 Homossexualismo, homossexualidade e homoerotismo

Usado como uma alternativa ao termo ―homossexualismo‖ – que desde o

seu surgimento foi associado, durante muitos anos, a uma ideia depreciativa de

desvio e visto como uma patologia pela medicina – o termo ―homoerotismo‖ foi

escolhido e defendido por alguns autores (COSTA, 1992; TREVISAN, 2000; LEERS,

2002) para designar a atração erótica ou escolha objetal por indivíduos do mesmo

sexo, tanto entre homens como entre mulheres.

Hoje, o termo ―homossexualismo‖ está ligado a uma imagem de patologia,

enfermidade e perversão, e seu uso é evitado, pois já existem estudos que

comprovam que a homossexualidade não se trata de uma doença5. O termo

―homossexualidade‖ é o mais utilizado para designar um indivíduo que tem atração

(de natureza sexual) por outro do mesmo sexo. Essa atração pode ser também de

natureza erótica, o que caracteriza o homoerotismo.

O homoerotismo, tal qual o estamos entendendo a partir do trabalho pioneiro de Jurandir Freire Costa (Cf. COSTA, 1992: 21ss), é um conceito abrangente que procura dar conta das diferentes formas de relacionamento erótico entre homens (ou mulheres, claro), independentemente das configurações histórico-culturais que assumem e das percepções pessoais e sociais que geram, bem como da presença ou ausência de elementos genitais, emocionais ou identitários específicos (BARCELLOS, José Carlos, 2006, p.20).

Existe ainda outro conceito, chamado homossociabilidade, divulgado na

obra de Eve Kasofsky Sedgwick (1985), que pretende nomear uma grande 5 Um marco importante para a comunidade LGBT foi a retirada do termo homossexualismo do Código

de Doenças da Organização Mundial de Saúde, em 17 de maio de 1990, e o reconhecimento da homossexualidade como uma orientação sexual tão saudável quanto a heterossexualidade e a bissexualidade.

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variedade de práticas sociais, como as relações de solidariedade e colaboração ou

de rivalidade e competição entre indivíduos de mesmo gênero. As relações

existentes entre homossociabilidade e homoerotismo são complexas e podem ser

diferenciadas, de um contexto cultural para outro. Usando as palavras de

BARCELLOS (2006), ―o conceito de homossociabilidade é mais abrangente e

complexo que o de amizade, assim como o de homoerotismo o é em relação ao de

homossexualidade‖.

Até o final do século XIX, já existiam muitas teorias que tentavam explicar

a homossexualidade e desvendar os fatores determinantes dessa orientação por um

objeto que não o ―convencional‖. Um exemplo dessas teorias, é uma relacionada

com a biologia, segundo a qual o comportamento homossexual é encontrado com

freqüência entre animais, ainda que, nesse campo, a homossexualidade exclusiva

seja rara (YOUNG, 2004). Portanto, a biologia não seria suficiente para explicar as

questões que envolvem o masculino e o feminino, em relação à sexualidade do

indivíduo e dos seus desejos sexuais.

1.3 Um breve apanhado histórico sobre a homossexualidade

Houve períodos em que as ―outras formas de amar‖6 eram perseguidas e

outros em que elas foram mais aceitas. Na Grécia antiga, uma relação entre dois

homens podia ser vista como uma forma superior de amar.

(...) são inúmeros os estudos sobre a homossexualidade na Antiga Grécia e no Império Romano. Na Grécia Antiga, onde as mulheres eram vistas totalmente inferiores aos homens, tanto que somente os homens é que recebia educação, cabendo as mulheres aprenderem somente os tratos domésticos e serem mães, era de costume que os homens se reunissem para discursos intelectual e culto ao belo. É neste culto ao belo é que se pode verificar a homossexualidade na Grécia Antiga, pois muitos dos gregos principalmente os mais velhos se reuniam nos ginásios para apreciar a beleza física dos jovens, que nestes ginásios se mantinham nus (MOREIRA FILHO, MADRID, 2009, p. 4).

Mas a história mostra que ao longo do tempo, o tema passou a ser visto

de uma forma bem diferente. Levando em consideração que a sodomia7 é um ato

fortemente discriminado pela igreja católica, pode-se destacar algumas passagens

6 No poema "Rapto", Carlos Drummond de Andrade denomina a homossexualidade como "outra

forma de amar no acerbo amor". 7 Sodomia é uma palavra de origem bíblica usada para designar as perversões sexuais, com ênfase

para o sexo anal, que pode ser entre homossexuais ou heterosexuais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Sodomia>. Acesso em: 17/05/2012.

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da bíblia, nas quais fica clara essa afirmação. Em Levítico 18:22 tem-se: ―Não te

deitarás com varão, como se fosse mulher, é abominação‖. Em 20:13, ―Se um

homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos terão praticado

abominação; certamente serão mortos; o seu sangue será derramado sobre eles‖.

Já em I Coríntios 6:9 podemos encontrar: ―Não sabeis que os injustos não herdarão

o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os

adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas‖. Essas são apenas algumas

passagens. Outras ainda podem ser encontradas na bíblia, o que pode justificar o

relato de Padre Manoel da Nóbrega8 à coroa portuguesa, sobre a prática sexual de

alguns índios, quando da chegada dos portugueses no Brasil, em 1549. O padre

relata que ―os índios do Brasil cometem pecados que clamam aos céus e andam os

filhos dos cristãos pelo sertão perdidos entre os gentios, e sendo cristão vivem em

seus bestiais costumes‖.

Em 1184 foi instalada a primeira das inquisições – a inquisição medieval –

que foi um período em que as pessoas que não seguiam as leis do cristianismo

eram consideradas hereges e deveriam ser queimadas em fogueiras. Qualquer

pessoa que não se adequasse à ―normalidade‖ da época estaria destinado a sofrer

diversas punições, podendo até perder o direito à vida, simplesmente por serem

diferentes. Os homossexuais foram também vítimas do tribunal do Santo Ofício9,

além das mulheres, judeus, deficientes físicos e mentais, portadores de doenças etc.

Até hoje o termo em inglês “fagot” ou “faggie” ainda é usado para se referir aos

homossexuais, de forma pejorativa, e significa ―gravetos para fogueira‖.

A era moderna também foi palco de intolerância às diferenças presentes

na sociedade, quando o assunto era homossexualismo (hoje, homossexualidade10).

Um exemplo foi a prisão do dramaturgo, escritor e poeta irlandês Oscar Wilde11

8 Sacerdote jesuíta português, chefe da primeira missão jesuítica à América.

9 Tribunal eclesiástico que punia os hereges na época da inquisição.

10 Mais adiante o uso do termo será explicado.

11 Oscar Wilde disse, em seu julgamento, que vivia um ―amor que não ousa dizer o nome‖ e quando

perguntado que amor seria esse, ele respondeu: ― O amor que não ousa dizer seu nome é o grande afeto de um homem mais velho por um jovem como aconteceu entre Davi e Jônatã, e aquele de que Platão fez a base de toda a sua filosofia, é aquele amor que se encontra nos sonetos de Michelângelo e de Shakespeare. É aquela profunda afeição que é tão pura quanto perfeita. Ele inspira e perpassa grandes obras de arte, como as de Shakespeare e Michelangelo (...). Neste nosso século é mal-compreendido, tão mal-compreendido que é descrito como o amor que não ousa dizer seu nome, e, por causa disso, estou aqui onde estou. Ele é belo, é refinado, é a mais nobre forma de afeto. Nele, nada há de anti-natural. É intelectual e sempre existiu entre um homem mais velho e um rapaz, quando o mais velho tem o intelecto e o mais jovem tem toda a alegria, esperança e charme

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(1854 – 1900), condenado a dois anos de prisão por sua ―conduta homossexual‖ e

por "cometer atos imorais com diversos rapazes", entre eles o Lord Alfred Douglas.

Já na Alemanha nazista, os homossexuais foram perseguidos, totalizando

mais de 200 mil prisões em campos de concentração. A homossexualidade era algo

incompatível com o partido nazista, pois não permite a reprodução, necessária para

perpetuar a raça ariana, vista como uma raça superior. Estima-se que foram mortos

de 5 a 15 mil homossexuais nos campos de concentração.

O sofrimento dos sobreviventes não terminou após o final da segunda

guerra mundial, pois as leis contra os homossexuais não foram suprimidas. Alguns

homossexuais foram obrigados a terminar de cumprir a pena a que estavam

condenados pelo governo militar e outros, ao regressarem às suas casas, em seus

países de origem, tiveram que manter silêncio em relação ao sofrimento nos campos

de concentração nazistas, pois ainda tinham medo de discriminação, já que as leis

sobre sodomia só vieram a ser suprimidas nos anos 1960 e 197012.

No período do pós-segunda guerra, surgiu um movimento de

contracultura, que tinha o movimento hippie13 como uma de suas principais

manifestações. Essa contracultura acreditava no amor livre, no aborto, na

diversidade sexual, na nudez em público etc. Mas o movimento hippie propunha,

principalmente, a paz e o retorno à natureza (GREGERSEN, 1983). Esse período

dos anos 60 foi um momento de grande questionamento da sexualidade: a pílula

anticoncepcional passou a ser comercializada, a virgindade como um valor das

mulheres para o casamento foi também bastante questionada e o sexo começou a

ser pensado mais coletivamente, no Ocidente, como uma forma de prazer e não

apenas como reprodução da espécie.

da vida diante de si. Assim deveria ser, mas o mundo não compreende. O mundo zomba dele e algumas vezes põe por ele alguém no pelourinho‖.

12 Apenas em 1980, começaram a surgir governos na Alemanha que reconheceram os homossexuais

como vítimas do holocausto, e em 2002 o governo alemão pediu formalmente desculpas à comunidade gay. Vale ressaltar que os gays alemães não eram tratados como os judeus, pois eram considerados pertencentes à raça ariana, podendo estes se adequarem à orientação heterossexual, ou seja, os homossexuais que não conseguissem ou não quisessem fingir uma mudança de orientação, seriam enviados aos campos de concentração. Nos campos, os homossexuais eram marcados com um tringulo rosa, para serem identificas com mais facilidade. Informações podem ser encontradas no site de pesquisas Wikipédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexuais_na_Alemanha_Nazista>. Acesso em: 18/05/2012.

13 Os "hippies" (no singular, hippie) eram parte do movimento de contracultura dos anos 1960 tendo

relativa queda de popularidade nos anos 1970 nos EUA, embora tenha tido muita força em países como o Brasil somente na década de 1970.

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Dois movimentos ganharam destaque dentro do movimento de

contracultura: o movimento feminista e o movimento gay. O movimento de

Libertação Gay assumiu características políticas e foi importante para os estudos de

sexualidade da época, pois foi a primeira vez que os homossexuais assumiram essa

postura política, enfrentando o preconceito.

(...) ambos vão questionar as relações afetivo-sexuais no âmbito das relações íntimas do espaço privado. As lutas destes movimentos vão refletir-se no campo acadêmico por vários fatores: primeiro porque a Universidade é um lugar de produção de conhecimento fortemente influenciada pelas lutas sociais; e segundo porque muitas das estudantes (e algumas professoras) que participaram destas lutas percebem que não existem respostas a inúmeros questionamentos destes movimentos sociais, de maneira que se inicia um movimento, no interior de diferentes disciplinas, em busca de se encontrar o lugar das mulheres, até então invisível (GROSSI, 1998).

Em 1979, um grupo de afirmação homossexual chamado SOMOS,

compareceu em um debate político, juntamente com outras minorias, e

apresentaram a importância do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,

travestis, transexuais e trangêneros) como participante ativo na discussão de

assuntos nacionais. O grupo acabou encorajando outros a buscarem espaço

também e aparecerem para a sociedade.

Atualmente, muitos hábitos adquiridos ao longo do tempo, principalmente

influenciados pelo movimento cristão, contribuem para que a heterossexualidade

(relação afetiva entre homem e mulher) seja tomada como a única forma possível de

amar, a forma ―normal‖ de expressão da sexualidade e uma regra a ser seguida por

toda uma população. Uma exemplo disso na atualidade, é a realização anual do

evento evangélico, chamado ―Marcha para Jesus‖, no qual milhares de evangélicos

se reúnem para fazer pressão ao Estado, em relação à causas que iriam de

encontro às leis da igreja, como a união estável entre pessoas do mesmo sexo e a

aprovação da PL 122, um projeto de lei (tramitando na câmara dos deputados) que

criminaliza a homofobia14.

O deputado Jair Messias Bolsonaro é um nome que sempre aparece

relacionado ao preconceito contra homossexuais. Ele defende, em seu discurso, a

14

Em 2011, na 19º edição do evento, um dos líderes da marcha, Silas Malafaia14

fez um discurso usando

palavras de cunho vulgar para expressar sua desaprovação aos homossexuais e afronta aos políticos. Na ocasião

ele pediu aos fiéis que não votassem em parlamentares que apoiassem a PL 122. Para argumentar o que

realmente é a Marcha para Jesus, o ex-pastor Caio Fábio conta em uma entrevista que a marcha é uma farsa e

conta como tudo funciona nos bastidores do evento, onde os políticos travam uma briga para poderem discursar

na marcham serem pagos para isso. Vídeo da entrevista disponível no site YouTube (www.youtube.com) com o

título: Marcha para Jesus é uma farsa.

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valorização da violência contra gays quando diz que os pais devem dar palmadas

para ―corrigir‖ os filhos homossexuais15. Bolsonaro opõe-se à defesa da união

estável entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de filhos por homossexuais, além

de votar contra à alteração no registro civil para transexuais. Outras de suas

bandeiras são: política violenta para usuários de drogas; fim do programa de cotas

raciais nas universidades públicas e a pena de morte no Brasil.

Panfleto ―antigay‖ assinado por Jair Bolsonaro

Em contra partida, pode-se destacar a presença do deputado federal do

PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) do Rio de Janeiro, Jean Wyllys16,

coordenador da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT. Jean Wyllys tem

uma história de envolvimento com trabalhos em favor da justiça social, de uma

15

―O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem‖. Declaração de Bolsonaro durante discussão sobre a Lei da Palmada na TV Câmara.

16 O deputado já se recusou a debater homofobia com Bolsonaro, devido aos seus ataques e

discursos de ódio contra os homossexuais. Jean Wyllys disse que "não há como debater algo sério como direitos humanos de LGBTs num clima sensacionalista". Ainda segundo Jean Wyllys, o "deputado homofóbico (Jair Bolsonaro) não oferece argumentos contrários à criminalização da homofobia; oferece tão somente ofensas e hipocrisia! Não dá!". E completou: "Não me farei de escada para elevar discursos de ódio que já têm espaço demais nas mídias, contando inclusive com aval de apresentadores".

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educação para a cidadania e para a valorização da vida, e em favor das liberdades

civis, que remonta à sua adolescência, quando pertencia às pastorais da Juventude

Estudantil e da Juventude do Meio Popular, e atuava nas comunidades eclesiais de

base da Igreja Católica. Parceiro dos movimentos LGBT, negro e de mulheres, Jean

Wyllys participa de ações que combatem a homofobia, a intolerância e o

fundamentalismo religioso, a discriminação contra o povo de santo, o trabalho

escravo, a exploração sexual de crianças e adolescentes e as violências contra a

mulher.

1.4 O movimento LGBT

As discussões sobre o tema da diversidade sexual estão se tornando

cada vez mais frequentes no Brasil e no mundo, como consequência do ganho de

força dos movimentos políticos do grupo LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis,

transexuais e transgêneros) em busca de seus direitos e de uma maior aceitação.

Esse crescente movimento é resultado de uma maior liberdade de

pensamento e de expressão de um indivíduo que, historicamente, vinha sendo

reprimido e regulado por discursos conservadores. Esse indivíduo, na

contemporaneidade, tem poder de definição de suas práticas sexuais e sociais, e

passa a integrar o movimento de luta pela sua inclusão na sociedade.

A luta pela livre orientação sexual está ganhando maior visibilidade na

mídia, o que ainda é um desafio, pois as manifestações apresentadas são ainda

muito polêmicas para uma sociedade baseada em hábitos culturais convencionais.

Essa visibilidade pode ser notada em vários discursos, como o jornalístico, o de

ficção (telenovelas e seriados) e o da publicidade17.

No contexto da cidade de Fortaleza, capital do Ceará, sabe-se que

grande parte da população ainda ignora ou desconhece os caminhos que devem ser

seguidos para solucionar conflitos cotidianos e problemas que afetam a vivência em

17

Um problema que pode ser notado, quando são analisadas algumas dessas manifestações das homossexualidades, é uma imagem estereotipada que é transmitida pela mídia, de um homossexual engraçado, marginal e cheio de modos tomados como femininos. Vale ressaltar que devem ser respeitadas as diversidades existentes entre os integrantes do grupo LGBT e que ninguém pode ser tratado como pior ou inferior, simplesmente porque possuem características femininas em seu comportamento, pois isso também poderia ser classificado como uma forma de preconceito e intolerância ao ser humano.

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grupo na sociedade. A cidade foi apontada, em uma pesquisa realizada pela

UNESCO e divulgada no livro ―Juventude e Sexualidade‖ em 2004, como uma das

capitais com maior índice de preconceito do Brasil. O número de crimes de

homofobia em Fortaleza é alarmante e, segundo dados do Grupo de Resistência

Asa Branca (GRAB), entre os anos 1996 e 2006, teve-se 64 assassinatos de gays,

lésbicas e travestis no estado do Ceará, sendo 55 destes na capital.

De acordo com o texto-base publicado pela Prefeitura Municipal de

Fortaleza (Secretaria de Direitos Humanos e Coordenadoria de Diversidade Sexual)

para a II Conferência Municipal LGBT (5 a 7 de agosto de 2011):

Vários são os elementos que constroem e solidificam os valores sócio-culturais da população brasileira, elementos esses repletos de concepções e desvalores machistas, misóginas, racistas e heterossexuais. É válido ressaltar que estes desvalores são agravados quando se trata da região Nordeste, marcada ainda pelo clientelismo, coronelismo, onde o índice de desenvolvimento é baixo, o acesso à informação e à educação ainda são problemas estruturantes, bem como é forte a presença no entorno social acerca do fundamentalismo religioso.

Vale ressaltar que as políticas públicas para a comunidade LGBT em

Fortaleza só vieram a ganhar espaço no governo municipal em 2005, com a

chegada da gestão da atual prefeita Luizianne Lins, intitulada de ―Fortaleza Bela‖.

Em 2009 foi criada a Coordenadoria da Diversidade Sexual e esta foi vinculada por

lei à Secretaria de Direitos Humanos, aumentando suas ações e passando a atuar

em toda a cidade.

1.5 Mídia, consumo e homossexualidade

Os meios de comunicação incentivam o consumo e também podem ser

aliados na construção de um pensamento não-preconceituoso em relação à

homossexualidade, por parte da maioria da população (NUNAN, 2003). Para isso, é

necessário que sejam apresentados por veículos de comunicação modelos não

estereotipados de homossexuais, o que é importante para a legitimação do grupo18,

pois o uso de estereótipos traz consigo a imagem de algo que foge à tão cultuada

―normalidade‖ de um modelo de sociedade padrão.

A inserção das minorias na mídia se mostra atravessada por dois aspectos. O primeiro segue na linha do que Makro Monteiro (2002) salienta sobre a

18

É importante lembrar que, uma das “ações de incentivo à cultura” do movimento Brasil sem homofobia do

Ministério da Saúde é o apoio à produção de bens culturais e a eventos massivos de afirmação da orientação

sexual (CONSELHO, 2004).

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mídia comercial, não segmentada para o público GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), que explora a temática das minorias delimitada em dois estereótipos que são o de ―bobo da corte‖ e o de ―marginal‖, no sentido de ser o vilão, que rompe com o padrão de normalidade de condutas sociais. Para Barroso (2007), o tratamento despendido aos homossexuais pela imprensa massiva é sensacionalista, em sua maioria, embora se abra espaço na perspectiva da inclusão social (IRIBURI, André, 2008, p. 39).

As minorias, ao longo dos anos, foram retratadas tanto pelo Jornalismo

como pela Publicidade.

A publicidade é um elemento importante na construção de sentidos na

sociedade contemporânea, mesmo que exista um comprometimento ideológico

acima de tudo, que é a venda de um produto ou serviço.

O discurso publicitário deve estar atento às relações de poder, quando no

processo de produção, para que não haja a reprodução dessas relações, no sentido

de desqualificar e agredir a parcela menos favorável de uma população. A

publicidade também deve promover a ideia de aceitação às diversidades sexuais,

para que essas diversidades sejam tratadas como relações harmoniosas e

equivalentes e não como motivos para existência de preconceito.

A discussão sobre as homossexualidades torna-se necessária para que

seja promovido um conhecimento acima do que temos no senso comum, ainda

carregado de ideologias conservadoras e preconceituosas.

Quando um anúncio apresenta signos caracterizados como homofóbicos, acaba disseminando uma ideologia e, de certa forma, contribuindo para a não-aceitação deste grupo na sociedade, ou seja, contribuindo para o preconceito. Em geral, este tipo de atitude muitas vezes se apresenta com um tom de comicidade, usando de expressões ofensivas, ou estereótipos deste grupo social, sendo boa parte focada no homossexual masculino (ABDALA, 2009).

Em 1917, a Procter & Gamble lançou um anúncio em preto e branco que,

na época, foi considerado gay (na época ainda não existia essa expressão) pelo fato

de dois homens estarem se olhando de uma forma diferente.

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Anúncio Procter & Gamble, veiculado em 1917, para a venda de sabonetes.

Em 1954 foi publicado, pela revista norte-americana ONE, o primeiro

anúncio publicitário destinado ao público homossexual, que apresentava roupas

íntimas bordadas com aplicações de pedrinhas coloridas (NUNAN, 2003, p. 174).

O jornalismo também trouxe o tema das minorias para discussão por meio

de vários tipos de publicações, inclusive pelas alternativas, através da chamada

―imprensa alternativa‖, termo citado em KUCINSKI (1991) que significa:

(...) algo que não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única saída, para uma situação difícil e, finalmente, o do desejo das gerações dos anos 60 e 70 de protagonizar as transformações sociais que pregavam (KUCINSKI, 1991, p. 22).

Existiam, basicamente, dois tipos de publicações alternativas: as mais

voltadas ao discurso político e à valorização do nacional, do popular dos anos 50, e

as do marxismo dos anos 60. Essas publicações eram dogmáticas e pedagógicas; e

as publicações que iam contra o discurso ideológico militar. Estas eram criadas por

jornalistas empenhados na crítica dos costumes e à ruptura cultural, em outras

palavras, essas publicações ―tinham suas raízes nos movimentos de contracultura

norte-americanos e, através deles, no orientalismo, no anarquismo e no

existencialismo de Jean-Paul Sartre‖ (KUCINSKI,1991:XIV-XV).

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Em 1961 - como foi analisado no artigo Breve histórico da imprensa

homossexual no Brasil de Marcus Antônio Assis Lima19 - surgiu o que é considerado

o primeiro jornal homossexual do Brasil20, o Snob, criado por Agildo Guimarães e

distribuído somente entre seus amigos. Foram mais de quinze títulos (todos votados

à temática homossexual) distribuídos no Rio de Janeiro, entre os anos 60 e início

dos 70, entre eles: Snob, de Gilka Dantas, Le Femme, Subúrbio à noite, Gente Gay,

Aliança de Ativistas Homossexuais, Eros, La Saison, O Centauro, O Vic, O Grupo,

Darling, Gay Press Magazine, 20 de Abril, O Centro e O Galo. Em Niterói, surgem

Os Felinos, Opinião, O Mito e Le Sophistique.

Em relação à publicidade do período, existem registros de cartazes

usados para divulgação de O Baile dos Enxutos (baile gay), patrocinado pela

Antarctica, em 1962 (GREEN, 1999).

Em 1970, quando o regime militar comandava o país, um grupo de

jornalistas, diante do preconceito existente na época, viu uma oportunidade para

difundir seus ideais de igualdade de direitos e diversidade sexual. Surge, então, a

primeira publicação massiva voltada exclusivamente ao tema dos direitos das

minorias (negros, índios, mulheres, homossexuais etc.), o Jornal Lampião da

Esquina, adotando um discurso franco e aberto, principalmente sobre a

homossexualidade no Brasil, com edição mensal e tiragem de 20 mil exemplares.

Jornal Lampião da Esquina, Rio de Janeiro, maio de 1980.

19

LIMA, M. A. A. . Breve Histórico da Imprensa Homossexual no Brasil. Cronos (Pedro Leopoldo), Pedro Leopoldo/MG, v. II, n. 3, p. 21-30, 2001.

20 Chegou a existir até uma Associação Brasileira de Imprensa Gay, entre 1962 e 1964, dirigida por

Agildo Guimarães e Anuar Farah e fechada pelo regime.

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Já em 1980, o crescimento do número de pessoas infectadas pelo

vírus da AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) fez com que o tema viesse

à mídia. Os ―grupos de risco‖, como eram chamados os grupos dos portadores da

doença, foram inicialmente relacionados aos homossexuais masculinos, o que deu

origem às expressões ―peste gay‖, ―câncer gay‖, ―peste rosa‖ e ―praga gay‖. A mídia

brasileira passou a tratar das minorias e da AIDS em seu discurso, influenciando no

processo de produção publicitária, quando em relação ao mesmo tema.

Hoje, nas peças publicitárias, o público LGBT começa a ser representado

por personagens inseridos em cenários e situações que remetem a uma orientação

e prática sexual. Mesmo que visto, ainda hoje, como um tabu o uso de personagens

homossexuais em campanhas publicitárias, algumas empresas arriscam atingir esse

outro público, superando o receio de serem rejeitadas pelo público heterossexual e

mais conservador. Um exemplo de rejeição, foi o que aconteceu com a empresa

Nike (EUA), que sofreu ameaça de boicote a seus produtos, em julho de 2005, do

grupo conservador AFA (Associação da Família Americana), por manifestar que era

favorável à lei do estado de Oregon, que permitia a união civil entre pessoas de

mesmo sexo.

Como se pode perceber, a publicidade mantém uma relação direta com o

consumo. O conceito deste último termo vem sendo estudado por diversas áreas

como a Administração e a Economia, que o abordam em seu caráter mais prático

(produção, circulação e compra). Já nas Ciências Sociais, o consumo é analisado

sob uma visão mais crítica e ideológica, no que diz respeito ao processo de

produção.

É possível estabelecer uma relação do consumo com as questões de

gênero. Sabe-se que, historicamente, a mulher ganhou os hábitos que seriam

menos importantes - o de compra e lazer - enquanto o homem ficou com o processo

de produção, o trabalho, hábito tomado como mais importante. Essa lógica de que o

homem, heterossexual, é quem produz e a mulher é a protagonista da sociedade de

consumo, pode ser notada ainda hoje, assim como era notada na época da

Revolução Industrial (IRIBURI, 2008).

A mulher é vista como um consumidor excessivo, irracional, que deseja

fugir da realidade através do uso dos produtos adquiridos, e o homem é entendido

como um consumidor mais racional e não excessivo (GOMES, 2006). São

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estereótipos reproduzidos pela mídia e mantidos pela sociedade, o que reforça,

assim, seu caráter normativo, porém não são os únicos estereótipos apresentados

pelo discurso midiático. Através desse processo, poderão também surgir os

julgamentos morais prévios, ou seja, os preconceitos, tão debatidos atualmente pela

mídia.

Aproveitando essa abordagem do homem e da mulher (heterossexuais)

como consumidores, observa-se que os homossexuais - a partir do momento em

que foi observada a sua presença na mídia, durante o século XX e especialmente no

início do século XXI – são, além das muitas características divulgadas pela mídia,

também consumidores. Apoiado nessa ideia, o mercado gay, atrelado ao

comportamento de consumo gay, passa a ser mais um campo explorado pelo

mercado, através de uma publicidade direcionada e diferenciada.

É possível que o indivíduo gay, a partir desse reconhecimento, ganhe

mais formas de sociabilidade, sinta-se mais inserido no contexto de sociedade e

seguro para lutar por seus direitos como cidadão e contra formas de violência e

repressão contra homossexuais.

É importante que a parcela homossexual da sociedade seja abordada

como um público segmentado pela mídia, mas deve-se atentar também para a

disputa que pode ser travada entre essa representação social e a representação

política, caracterizada pela luta do movimento pela inclusão.

O público LGBT pode ser tomado como possível consumidor (social) ou

como uma temática (política) a ser discutida. Para que haja a persuasão do possível

consumidor, a publicidade insere as homossexualidades como estratégia de

divulgação de marcas e produtos, despertando a atenção do público-alvo. Essa

estratégia corre riscos de não atingir o público, de acordo com a lógica

heteronormativa (heterossexualidade), ou seja, o que não é visto como normal pela

sociedade poderá ser desprezado e a estratégia de divulgação poderá fracassar

(IRIBURI, 2008).

Reitera-se um discurso publicitário paradoxal sob a seguinte crítica: as homossexualidades são utilizadas para remeter ao ideal que é delimitado no discurso, no ―script‖ de uma sociedade heteronormativa, e, por isso, elas não são incluídas na lógica heterossexista. As homossexualidades não são idealizáveis sob a lógica heteronormativa, e sua presença demarca tensão e negociação ao dialogarem com o público, com a cultura e com o ideal dos objetos publicitários (IRIBURI, 2008).

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1.6 O mercado consumidor LGBT

No Brasil, podemos dizer que os anunciantes ainda têm certo receio de se

mostrarem a favor da inclusão dos segmento LGBT‘s na sociedade. Pela lógica de

mercado, a inclusão das minorias pode significar a perda de outro público: o

heterossexual (IRIBURI, 2008). Porém, no site ―You Tube‖ (www.youtube.com)

existem diversos vídeos de empresas que se arriscam em atingir esse público

segmentado, mesmo que possa surgir uma rejeição por parte do público mais

conservador.

Marcas conhecidas globalmente como Hyundai, Subaru, Johnnie Walker,

Cinzano, Dolce & Gabana, Guiness, além de campanhas institucionais de prevenção

ao HIV, contra homofobia e de paradas gays podem ser vistas em comerciais para o

público LGBT. A estratégia de mídia segmentada21 é usada por algumas empresas,

enquanto a mídia massiva traz a temática LGBT mais sutilmente.

A orientação sexual torna-se, portanto, um fator relevante para a

delimitação do perfil do consumidor (embora pesquisas de mercado, em geral, não

incluam o critério ―orientação sexual‖). Esse novo critério de segmentação contribui

para que a linguagem e as estratégias de marketing sejam usadas de forma

adequada para o público LGBT (IRIBURI, 2008).

Sobre esse mercado LGBT, Sérgio Gordilho22 afirma que fazer uma

segmentação de mercado no Brasil se torna uma tarefa mais difícil. No país, 90% da

população é atingida pela televisão aberta, o que faz com que grande parte da verba

publicitária fique concentrada nessa mídia e em revistas de circulação nacional. Para

ele ―é mais fácil para uma empresa de bebida, por exemplo, cerveja, anunciar na

Veja, onde irá atingir os heterossexuais, homossexuais, bissexuais, pais de família,

enfim, todos, através do gosto pela bebida e não pela segmentação‖ (CUSHMAN,

2007).

Com a ascensão de um novo segmento consumidor, os riscos enfrentados por alguns anunciantes valem o desafio de atingir, segundo o Censo GLS21, um público mais qualificado22 que o público heterossexual, já que 57% dos pesquisados possuem nível superior, 36% são da classe A e 47%, da B, gastando em média 30% a mais que os heterossexuais. Um perfil de

21

Mídia que atinge grupos específicos, classificados de acordo com características próprias e preferências similares. A Comunicação Segmentada tem a particularidade de atingir um número menor, porém mais específico, de receptores ao mesmo tempo, partindo de um único emissor. 22

CUSHMAN, Roberto. Sérgio Gordilho, diretor de criação da agência de publicidade Africa.

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mercado mais propenso ao consumo, por não possuir sua renda comprometida com filhos em sua maioria (IRIBURI, 2008).

Esse público segmentado tem suas características próprias e

representam uma nova oportunidade de mercado, ou seja, para atingir esse ―novo‖

público, novas estratégias devem ser formuladas pelos profissionais de publicidade.

Deve ser levada em consideração a orientação sexual dos possíveis consumidores e

o despertar do prazer sexual é um dos elementos usados nesse tipo de estratégia.

As pessoas idealizam, por exemplo, um modelo de parceiro(a) sexual e isso varia de

acordo com os gostos de cada uma delas. A publicidade tenta destacar a juventude,

a saúde e a estética, por serem características que possuem um poderoso poder de

atração das pessoas, o que acaba por formular ―padrões estéticos sexuais‖, que

atraem o desejo de um grande número de pessoas.

A civilização ocidental (incluindo os países asiáticos desenvolvidos) realça suas contradições e paradoxos de várias maneiras. Uma delas, no campo estético, é inserir fotos publicitárias em lojas sofisticadas. Nos templos de consumo há uma exposição cuidadosa de perfumes, roupas, relógios, cristais, entremeados por fotos dos mais belos espécimens humanos, de ambos os sexos, em geral na explosão sexual de sua juventude.

23

Os objetivos desse destaque dos padrões estéticos sexuais pela

publicidade são: atrair a atenção do público para os produtos ofertados e despertar

uma melancolia nas pessoas, quando deparadas com a perfeição da beleza desses

modelos. A publicidade vende um produto que nenhum dinheiro pode comprar, a

beleza da juventude. As pessoas podem tocar, admirar e gravar em imagens essas

perfeições humanas, e até podem ter a ilusão de possuir essas perfeições, o que

dura apenas alguns momentos, mas não podem possuí-las verdadeiramente.

No artigo ―Com que corpo eu vou?‖ de Maria Rita Kehl (2004, p. 174), a

autora nos mostra a afirmação de que que o corpo é a primeira condição para que o

indivíduo seja feliz. O corpo é a imagem que o indivíduo apresenta para a sociedade

e o que vai determinar a sua felicidade diante dela. De acordo com a autora, ―o

corpo-imagem que você apresenta ao espelho da sociedade vai determinar sua

felicidade não por despertar o desejo ou o amor de alguém, mas por constituir o

objeto privilegiado do seu amor próprio: a tão propalada auto-estima‖. Essa busca

pela perfeição do corpo nos mostra a que se reduziram os valores da nossa

sociedade e que esses valores estão inseridos na comunicade LGBT e podem ser

23

Luiz Gonzaga Godoi Trigo. Trabalho apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação – NP Comunicação, Turismo e Hospitalidade.

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percebidos facilmente. Nos próximos capítulos, estaremos trazendo argumentos que

comprovam a afirmação de que o público LGBT é um público consumidor dessas

imagens, e focaremos nossos estudos no consumidor de eventos LGBT da cidade

de Fortaleza.

Mesmo que exista ainda um grande preconceito em relação à

comunidade LGBT, por parte de uma parcela significativa da população cearense, a

cidade de Fortaleza abriga diversos ambientes que realizam atividades destinadas a

esse público. O mercado LGBT da cidade está crescendo e ganhando mais força,

como também crescem as manifestações desse grupo em busca de respeito e

aceitação dentro sociedade.

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2 A força da imagem

Quando se fala em homoerotismo na publicidade, principalmente na mídia

impressa, fala-se da tentativa de despertar atração erótica (no público-alvo) por meio

das imagens usadas nesse tipo de material. Alcançado esse objetivo, o receptor

sente-se mais atraído a consumir determinado produto ou serviço que está sendo

oferecido. Se o consumo acontecer, a estratégia escolhida foi satisfatória, ou seja,

continuará sendo usada pelos anunciantes.

Neste capítulo, portanto, discutir-se-á acerca do assunto ―imagem‖, seus

conceitos, seu papel dentro do processo de comunicação, além de outros aspectos

relacionados ao tema.

2.1 Sobre o conceito de imagem

O termo ―imagem‖ é originário do latim (imago)24 e tem como principal

significado a representação visual de um objeto. Logo no início do livro ―Introdução à

análise da imagem‖ de Martine Joly (2007), já nos é apresentada a expressão

―consumidores de imagens‖, para definir o que somos, pois vivemos em uma

―civilização da imagem‖. A imagem tem o poder de mudar completamente a visão

que temos de algo, podendo ela ser um fator de peso sobre o destino das pessoas.

Quanto mais vemos imagens, mais corremos o risco de ser enganados e, contudo, só estamos na alvorada de uma geração de imagens virtuais, essas ―novas‖ imagens que nos propõem mundos ilusórios e no entanto perceptíveis, dentro dos quais poderemos nos deslocar sem por isso ter de sair de nosso quarto (JOLY, 2007, p. 9-10).

Todos os dias somos bombardeados por um número incontável de

informações, principalmente através das mensagens que nos são enviadas pelos

veículos de comunicação de massa. As imagens estão presentes na maioria dessas

mensagens e nos deparamos, portanto, com a obrigação de decifrá-las ou

interpretá-las, para que possamos entender o que está sendo transmitido.

As imagens podem ser vistas como ameaçadoras, pois ao mesmo tempo

em que nos parecem ser apenas imagens, sem nenhum sentido ou conteúdo a ser

24

O termo imago é original do latim e compõe a etimologia da palavra ―imagem‖. Esse termo era usado para designar a máscara mortuária usada nos funerais na Antiguidade romana. (JOLY, 2007)

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31

aprendido, elas podem também transmitir mensagens ―manipuladoras‖ que nos

fazem incorporar conteúdos de forma mais inconsciente e ingênua.

É importante observar que as imagens que nos são apresentadas, na

maioria das vezes, já fazem parte do nosso repertório, ou seja, já estão inseridas em

nossa cultura e história, facilitando a interpretação. Em outras palavras, de acordo

com Martine Joly (2007, p.10), essa afirmação é feita ―precisamente porque somos

moldados da mesma massa que ela, a imagem nos é tão familiar e não somos

cobaias, como às vezes acreditamos ser‖.

Além do seu principal significado, o termo ―imagem‖ pode ter muitas

outras significações, não necessariamente estando ligado ao visual. Contudo, é

interessante observar que, mesmo possuindo vários significados, nós conseguimos

compreender o sentido da palavra de acordo com o contexto que nos é apresentado.

Platão definiu a imagem (uma das mais antigas definições da palavra), na

obra La République (1949), da seguinte forma: ―Chamo de imagens em primeiro

lugar as sombras, depois os reflexos que vemos nas águas ou na superfície de

corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as representações do gênero‖.

De acordo com essa definição, podemos analisar a imagem como sendo

um objeto segundo que representa um primeiro, de acordo com suas características

ou particularidades. Essa imagem do primeiro objeto já está inserida em nosso

contexto histórico-cultural, caso contrário não teríamos como interpretar a imagem

de forma eficaz, o que influenciaria no processo de interpretação da mensagem.

No contexto contemporâneo, o emprego da palavra imagem está quase

sempre relacionado à imagem veiculada pela mídia, principalmente pelos meios de

comunicação de massa. Trata-se de uma ―imagem invasora, a imagem onipresente,

aquela que se critica e que, ao mesmo tempo, faz parte da vida cotidiana de todos‖

(JOLY, 2007, p. 14). As peças publicitárias, comerciais de TV, imagens veiculadas

na internet, publicidade impressa, entre outras manifestações de imagens midiáticas.

É importante ressaltar que os termos imagem e publicidade não são considerados

sinônimos, pois a publicidade é praticada de diversas formas e não somente através

do visual. Ela pode ser encontrada na televisão, em jornais, na internet, nas revistas,

no rádio, entre outros veículos.

O uso do termo imagem pode se tornar ainda mais confuso quando

falamos em imagem estática e imagem animada, e ainda quando falamos de outros

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32

tipos de imagens também presentes na própria mídia, que seriam a pintura, a

fotografia, o desenho. Todos esses exemplos podem ser considerados imagens,

pois todos eles são meios de expressão visual.

A frase clássica da bíblia sagrada25, que diz ―Deus fez o homem à sua

imagem e semelhança‖ (Gênesis 5:2), já nos traz outra forma de definir o termo

imagem. Neste caso a imagem refere-se à semelhança com o ―ser belo e perfeito‖ e

não a uma representação visual.

...aprendemos a associar ao termo ―imagem‖ noções complexas e contraditórias, que vão da sabedoria à diversão, da imobilidade ao movimento, da religião à distração, da ilustração à semelhança, da linguagem à sombra. Foi possível perceber isso por meio de simples expressões correntes que empregam o termo ―imagem‖ (JOLY, 2007, p. 17).

Se formos observar ao nosso redor, podemos perceber que a imagem

está em todos os lugares e que isso não é um fato contemporâneo, pois desde o

período paleolítico26, o homem tem o costume de deixar seus vestígios em forma de

desenhos nas pedras, com o objetivo de representar fatos cotidianos da época e

para se comunicar com os demais habitantes de determinada região. Esses

desenhos são considerados os primeiros meios de comunicação humana e são

tomados como imagens, pois imitam, de forma visual, situações e personagens do

mundo real. De acordo com Martine Joly (2007), ―acredita-se que essas primeiras

imagens também se relacionavam com a magia e a religião‖.

Além dos usos da palavra ―imagem‖ que já comentamos, há também o

emprego deste termo em um contexto psíquico, que é feito para significar algumas

atividades psíquicas, como os sonhos, as representações mentais, entre outras. É

importante deixar claro que não estamos falando aqui em uso correto ou incorreto do

termo ―imagem‖, pelo contrário, estamos apenas delimitando conceitos que já

conhecemos e que dizem respeito à nossa compreensão da palavra.

A imagem mental27 acontece quase que involuntariamente e é aquela que

é formada em nossa mente quando alguém nos descreve algum lugar que não

conhecemos, ou quando estamos lendo um livro no qual um ambiente está sendo

25

Livro que contém os textos religiosos de valor sagrado para o Cristianismo. 26

O Paleolítico (παλαιός, palaiós= ―antigo", λίθος, lithos= ―pedra", "pedra antiga") ou Idade da Pedra Lascada, refere-se ao período da pré-história que vai de cerca de 2,5 milhões a.C., quando os antepassados do homem começaram a produzir os primeiros artefatos em pedra lascada, até cerca de 10000 a.C. 27

Imagem mental. In Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2012. Disponível em: <http://www.infopedia.pt/imagem-mental>. Acesso em: 10/05/2012.

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33

detalhado em forma de palavras, entre outros casos. Nesse momento, nossa mente

faz com que imaginemos esse ambiente descrito, como se já o conhecêssemos, de

acordo com nosso repertório de imagens (as imagens que já fazem parte do nosso

cotidiano, ou seja, as imagens que já temos conhecimento).

Ainda no contexto das atividades mentais, há também o que chamamos

de ―imagem de si‖ ou ―imagem de marca‖, que podem ser analisadas individual ou

coletivamente e que estão mais relacionadas ao aspecto de construção de uma

identidade que ao aspecto visual de semelhança. No campo da mídia, essas

expressões são bastante usadas, como nos casos em que se deseja ―trabalhar a

imagem‖ de determinada empresa, homem político, profissão etc., fazendo com que

sejam expressões fáceis de serem compreendidas e adotadas pelo público. ―Estudar

a ‗imagem de... ‘ modificá-la, construí-la, substituí-la etc., é o termo-chave da eficácia

comercial ou política‖ (JOLY, 2007, p. 21).

Trazendo o debate da análise dos mais variados conceitos da palavra

―imagem‖ para a nossa realidade atual, podemos destacar o que é chamado por

Martine Joly (2007) de ―novas imagens‖. As novas imagens são as imagens que

estão cada vez mais fáceis de serem manipuladas através de programas de edição

altamente sofisticados, permitindo que sejam criadas realidades virtuais. Estas, por

sua vez, podem fazer com que haja um problema ou confusão no processo de

distinção entre real e virtual, por parte do receptor. O avanço da tecnologia nos

permite, por exemplo, a implantação de imagens reais em cenários virtuais (podendo

ser uma representação visual de um cenário real ou um cenário totalmente fictício),

o que garante que gastos maiores com protótipos experimentais sejam evitados.

Embora certamente não exaustivo, o vertiginoso apanhado das diferentes utilizações do termo "imagem" lembra-nos o deus Proteu

28: parece que a

imagem pode ser tudo e seu contrário visual e imaterial, fabricada e "natural", real e virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga e contemporânea, vinculada à vida e à morte, analógica, comparativa, convencional, expressiva, comunicativa, construtora e destrutiva, benéfica e ameaçadora (JOLY, 2007, p. 27).

28 Na Odisséia, Proteu era um dos deuses do mar. Tinha o poder de assumir todas as formas que

desejasse: animal, vegetal, água, fogo... Usava particularmente esse poder para fugir dos que faziam perguntas, porque também tinha o dom da profecia.

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34

2.2 As mensagens nas imagens

O objetivo das imagens é passar alguma mensagem a quem as percebe e

essas mensagens podem ser transmitidas de diversas formas e definidas em três

tipos (icônica, plástica e linguística), de acordo com Roland Barthes (apud JOLY,

2007)29. Para chegar a essas definições do tipos de mensagens, Barthes optou pelo

estudo da imagem publicitária, pois ―se a imagem contém signos, é certo que em

publicidade esses signos são plenos, formados com vistas à melhor leitura: a

imagem publicitária é franca ou pelo menos enfática‖30.

Todo signo transmite alguma ideia ou mensagem, caso contrário ele não

poderia ser chamado como tal. ―O trabalho do semiótico vai consistir mais em tentar

ver se existem categorias de signos diferentes, se esses diferentes tipos de signos

têm uma especificidade e leis próprias de organização, processos de significação

particulares‖ (JOLY, 2007, p. 29).

Um signo pode ser percebido por um ou vários dos nossos sentidos e o

que se percebe estará sempre representando outra coisa, o que deixa claro que

essa é a particularidade dos signos: estar presente para significar outra coisa,

ausente, podendo ser concreta ou abstrata. Podemos concluir então que tudo pode

ser signo, a partir do momento que ele signifique alguma coisa, inserida em uma

cultura, e que seja interpretada e compreendida por alguém. Essa interpretação

também depende do contexto do surgimento de determinado signo. ―Um objeto real

não é um signo do que é, mas pode ser o signo de outra coisa‖.31 Nas palavras de

Peirce (apud JOLY, 2007), um signo é ―algo que está no lugar de alguma coisa para

alguém, em alguma relação ou alguma qualidade‖.

Nesse sentido, podemos dizer que a ―imagem‖ é, antes de qualquer

conceito, algo que se assemelha a outra coisa, independente de ela ser material ou

imaterial, visual ou não, natural ou fabricada. Logo, se a imagem é percebida como

uma representação do que realmente é (o objeto), a imagem é um signo. Em relação

à semelhança, que seria o princípio de funcionamento da imagem, Martine Joly

(2007) diz que ―a imagem pode ser tornar perigosa tanto por excesso quanto por

falta de semelhança‖. Em explicação à essa afirmação, a autora complementa:

29

Roland Barthes foi um escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês. 30

Roland Barthes, ―Rhétorique de l´image‖, art.cit. 31

Eliseo Veron. ―L´analogique ET Le contigu‖, Communications nº 15, Paris: Seuil, 1970.

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35

―Semelhança demais provocaria confusão entre imagem e objeto representado.

Semelhança de menos, uma ilegibilidade perturbadora e inútil‖.

Em seu modelo sobre a teoria dos signos, Peirce decidiu dividir os signos

de acordo com a relação que existe entre o significante (perceptível) e o referente

(objeto representado). Os signos foram então diferenciados em três tipos principais:

o ícone, o índice e o símbolo.

O ícone corresponde ao conjunto de signos cujo significante mantém

relação de analogia (semelhança) com o objeto em si. Uma fotografia ou um

desenho de uma árvore, por exemplo, são ícones, pois parecem com uma árvore

real. Os ícones também pode ser não visuais, como uma gravação ou imitação do

som de um pássaro.

Já o índice é a classe de signos que mantém uma relação de causa com

o que representam. ―É o caso dos signos ditos ‗naturais‘, como a palidez para o

cansaço, a fumaça para o fogo, a nuvem para a chuva...‖ (JOLY, 2007, p. 35).

Por fim, o símbolo corresponde à classe de signos que mantém relação

de convenção com o objeto. Existem os símbolos clássicos como as bandeiras dos

países, a pomba que representa a paz, entre outros. São os chamados signos

convencionais.

As mensagens publicitárias, através do uso de diferentes tipos de signos,

têm o objetivo de atingir as pessoas de forma que sejam percebidas, interpretadas e

compreendidas. A imagem publicitária é, portanto, destinada à leitura pública e por

ser essencialmente comunicativa, tem a capacidade de ser entendida por um grande

número de pessoas.

Desde já, portanto, constatamos que a imagem não se confunde com a analogia, que ela não é constituída apenas do signo icônico ou figurativo, mas trança diferentes materiais entre si para constituir uma mensagem visual. Para Barthes, os diferentes materiais são, em primeiro lugar, o linguístico, em segundo, o icônico codificado e, finalmente, o icônico não codificado (JOLY, 2007, p.74).

Em relação ao nosso objeto de estudo, o material de divulgação de festas

destinadas ao público LGBT, podemos encontrar os três tipos de mensagens. A

seguir estaremos exemplificando cada um deles, tomando como referência alguns

panfletos de boates de Fortaleza. Como se tratam de materiais compostos por

mensagens publicitárias, eles seguem um modelo para que possam atingir o

público-alvo de forma eficaz, podendo atrair novos consumidores e fidelizar os

antigos.

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36

2.2.1 Mensagem plástica

A mensagem plástica compõe elementos da mensagem visual, chamados

signos plásticos (cores, formas, composição, textura). Estes signos, de acordo com

Martine Joly (2007), são ―signos plenos e inteiros e não simples material de

expressão dos signos icônicos (figurativos)‖. Contudo, o funcionamento dos

elementos icônicos e plásticos é complementar.

Dentro da mensagem plástica podemos destacar algumas ferramentas

que compõem esse tipo de mensagem: O suporte, ou seja, o veículo que levará a

mensagem ao receptor (jornal, revista, etc.); as dimensões, caracteres usados e

diagramação dos anúncios, que seguem algumas regras da tradição publicitária; o

quadro, que determina os limites da representação visual, ou seja, das imagens; o

enquadramento ou tamanho da imagem; a composição/diagramação, é o que irá

determinar ―os caminhos que lhe foram preparados na obra‖32, em relação ao olhar

do receptor, ou seja, o sentido da leitura de determinada obra; além das formas,

cores, iluminação, textura, etc.

Na seguinte imagem podemos observar a presença das ferramentas

citadas acima. O suporte seria o papel, no caso de mídia impressa, ou a internet, no

caso de mídia digital. As dimensões, como o nome já diz, é o tamanho do material

de divulgação, que varia de acordo com o objetivo da campanha. Notamos o quadro,

ou seja, o tamanho escolhido para a imagem do objeto (modelo fotográfico). A

diagramação, ou seja, como os elementos são dispostos no material, guiando o

olhar do receptor para as informações mais importantes. Podemos notar também as

formas e cores usadas no material, a iluminação usada para que fosse feita a

fotografia e a textura da imagem.

Panfleto da boate Meet Music & Lounge

32

Paul Klee, Théorie de l´art moderne, citado por Georges Péninou, artigo citado.

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37

2.2.2 Mensagem icônica

A mensagem icônica é aquela que nos traz elementos já conhecidos em

determinada cultura e que representa um conceito ou uma imagem real (JOLY,

2007). Em alguns casos, são usadas somente partes de uma imagem para

representar o todo, através de um processo de contiguidade, ou seja, a mensagem é

compreendida automaticamente através de uma relação feita com as imagens já

conhecidas pelo receptor.

A interpretação da mensagem icônica depende da carga de

conhecimentos que tem o receptor, por isso ela pode variar de acordo com quem a

percebe. Os elementos que compõem a mensagem despertam no receptor um

desejo de também possuir determinadas características de algum personagem ou

possuir algum produto. No caso dos panfletos das boates, a publicidade usa

imagens de homens estereotipados (musculosos, bonitos, sensuais, entre outras

características), na tentativa de despertar no público-alvo o desejo de posse

daquelas imagens, ou seja, do objeto real. Caso esse objetivo seja atingido, a boate

poderá ganhar mais consumidores que buscam esse modelo estereotipado de

beleza nos outros ou em si mesmos.

A análise da mensagem icônica sublinha que a interpretação dos motivos ocorre por meio do processo da conotação, ele próprio carregado por conotadores de diversas ordens: usos socioculturais dos objetos, dos lugares ou das posturas; citação e auto-referência (o caubói Marlboro); figuras de retórica (o oxímoro, a elipse) (JOLY, 2007, p.108).

As fotografias usadas nesse tipo de material não são fotografias artísticas,

pois não é possível que seja feita uma leitura correta da mensagem, sem que exista

uma segunda mensagem de apoio, que seria a mensagem linguística, o texto que

complementa a imagem. Portanto, a mensagem possui duas estruturas: uma

constituída por signos linguísticos (texto) e outra pela fotografia.

Ao estudar a fotografia de imprensa, podemos verificar que ela deve

conter duas mensagens para que seja compreendida de fato. A primeira é a

mensagem denotativa, ou seja, a analogia da imagem fotográfica com a realidade. A

denotação é a relação que a imagem tem com o objeto real e que é reconhecida

pelo receptor. A segunda mensagem é a conotativa, que seria o processo de

imposição de um segundo sentido (decifração) à imagem fotográfica, ou seja, a

leitura feita pelo receptor em relação ao que está sendo mostrado. Essa leitura é

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38

feita de acordo com a cultura em que o indivíduo está inserido e com a carga de

signos já conhecidos por ele.

De acordo com Barthes (2002), existem seis processos de conotação da

fotografia: trucagem, pose, objetos, fotogenia, esteticismo e sintaxe. A trucagem

consiste na possibilidade de manipular as imagens de fotos originais, podendo criar

uma montagem dessas imagens, dando à imagem fotográfica um novo significado.

Esse novo significado só fará sentido ao receptor se este possuir uma reserva de

signos que possibilitem que ele decifre a mensagem contina na montagem.

O segundo processo é a pose, que consiste no modo como o objeto

fotografado estará se portando no momento da foto, ou seja, a sua posição e os

gestos captados no momento da fotografia. O sentido da mensagem dependerá,

portanto, da pose do objeto em relação aos outros elementos da foto. O terceiro

processo é representado pelos objetos que compõem as imagens da fotografia.

―Esses objetos constituem excelentes elementos de significação; por um lado são

descontínuos e completos em si mesmos [...] e por outro remetem por significados

claros, conhecidos‖ (BARTHES, 2002, p. 331). A fotogenia é o quarto processo e se

trata de uma estrutura informativa da imagem, a qual passou por um processo de

embelezamento, através de técnicas de iluminação, de impressão e de tiragem. O

quinto processo é o esteticismo, que ocorre ―sempre que a imagem se faz pintura‖

(BARTHES, 2002, p. 332) e é usado para significar a própria fotografia como arte ou

para lhe impor um significado mais complexo. O último processo é a sintaxe, que é

caracterizado pela sequência de imagens fotográficas que constituem um novo

significado, não percebido quando temos uma fotografia solitária.

Panfleto da boate Meet Music & Lounge

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39

2.2.3 Mensagem linguística

A mensagem linguística tem um papel fundamental e determinante no

processo de interpretação de uma imagem, pois esta pode produzir diversas

significações quando observada pelo receptor. A escolha da tipografia (tipo de

fonte), das cores e da disposição da mensagem na página tem grande importância,

pois estes elementos irão compor o apelo visual da mensagem linguística, dando

ênfase e orientando a leitura desta.

Quanto à interpretação da imagem, é verdade que ela pode se orientar diretamente segundo esteja ou não em relação com uma mensagem linguística e segundo a maneira como essa mensagem, se é que há mensagem linguística, corresponde ou não à expectativa do espectador (JOLY, 2007, p. 109).

De acordo com Barthes (apud JOLY, 2007), a mensagem linguística possui

uma relação de ―ancoragem‖ com a mensagem visual, ou seja, o texto mantém uma

relação de sentido com a imagem. A ancoragem é caracterizada pela explicação da

imagem através de um texto, também chamado de legenda, o que restringe a sua

polissemia33.

A função de ancoragem consiste em deter essa ―cadeia flutuante do sentido‖ que a polissemia necessária da imagem geraria, designando ―o nível correto de leitura‖, qual dentre as diferentes interpretações solicitada por uma imagem privilegiar. [...] Já a função de revezamento se manifesta quando a mensagem linguística viesse suprir carências expressivas da imagem, substituí-la. De fato, apesar da riqueza expressiva e comunicativa de uma mensagem puramente visual, há coisas impossíveis de dizer sem recorrer ao verbal (JOLY, 2007, p. 110).

33

A polissemia, ou polissemia lexical é o fato de uma determinada palavra ou expressão adquirir um novo sentido além de seu sentido original, guardando uma relação de sentido entre elas.

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2.3 Os níveis da imagem

As mensagens visuais são expressas e recebidas em três níveis: o

representacional, o abstrato e o simbólico (DONDIS, 2003) Os três níveis estão

interligados e se sobrepõem, mas iremos estabelecer distinções entre eles, para que

possamos analisar cada nível separadamente. Primeiramente vamos dar um

destaque ao único elemento necessário para que haja a compreensão visual do

mundo: a visão.

A visão define o ato de ver em todas as suas ramificações. Vemos com precisão de detalhes, e aprendemos e identificamos todo material visual elementar de nossas vidas para mantermos uma relação mais competente com o mundo. [...] Tanto instntiva quanto intelectualmente, grande parte do processo de aprendizagem é visual (DONDIS, 2003, p. 85).

De acordo com Dondis (2003), parte do presente e a maior parte do futuro

estará nas mãos de uma geração bastante influenciada pela fotografia, pelo cinema

e pela televisão, ―e que terá na câmera e no computador visual um importante

complemento intelectual‖. A informação visual natural deve ser acessível a todos,

deve ser ensinada e deve ser aprendida, pois vemos e compreendemos o que

vemos, de acordo com as percepções que temos do ambiente que nos cerca.

2.3.1 O nível representacional

O nível representacional engloba aquilo que vemos e identificamos de

acordo com as experiências e com o meio ambiente. Uma fotografia de um pássaro,

por exemplo, nos mostra características individuais daquela espécie, o que o

diferencia dos outros tipos de pássaros, portanto é uma imagem representacional do

real.

A fotografia se aproxima da habilidade do olho humano e do cérebro, pois

reproduz a imagem do pássaro real, em seu ambiente real. O nível representacional

é o mais eficaz para uma comunicação forte e direta, pelos detalhes visuais do meio.

Se houver uma redução dessa representação dos detalhes de determinada imagem,

podemos dizer que estamos reduzindo essa imagem para outro nível: o abstrato.

Abaixo podemos ver um exemplo de imagem representacional. Nota-se a riqueza de

detalhes, por ser uma fotografia digital, o que faz com que a imagem se aproxime do

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real, além da representação do homoerotismo (na imagem dos dois homens), já

debatido anteriormente.

Panfleto da Boate Meet Music & Lounge

2.3.2 O nível abstrato

O nível abstrato compreende ―a qualidade cinestésica de um fato visual

reduzido a seu componentes visuais básicos e elementares, enfatizando os meios

mais diretos, emocionais e mesmo primitivos da criação de mensagens‖ (DONIS,

2003, p. 85). Quanto mais a imagem ocupe o nível representacional, mais específica

será sua referência e maior será a riqueza de detalhes; quanto mais abstrata, mais a

imagem será geral e abrangente, ou seja, uma menor quantidade de detalhes. A

abstração busca, em termos visuais, uma significação mais intensa e condensada e

é o instrumento fundamental para o desenvolvimento de um projeto visual.

A natureza da abstração libera o visualizador das exigências de representar a solução final e consumada, permitindo assim que aflorem à superfície as forças estruturais e subjacentes dos problemas compositivos, que apareçam os elementos visuais puros e que as técnicas sejam aplicadas através da orientação direta. É um processo dinâmico, cheio de começos e falsos começos, mas livre e fácil por natureza (DONDIS, 2003, p. 104).

O nível abstrato é percebido na imagem abaixo devido ao uso de imagens

abstratas, que podem ter diversos significados, de acordo com cada receptor. São

imagens abrangentes e que não possuem tantos detalhes, a ponto de remeter a

uma mensagem representacional, como uma fotografia.

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42

Panfleto da boate Music Box Club

2.3.3 O nível simbólico

O nível simbólico se trata do ―vasto universo de sistemas de símbolos

codificados que o homem criou arbitrariamente e ao qual atribuiu significados‖

(DONIS, 2003, p.85). É o nível da abstração voltada ao simbolismo e que requer

uma simplificação radical, em outras palavras, a redução dos detalhes ao mínimo.

Para que esse nível possa ser eficaz no processo de comunicação, é

necessário que ele seja visto, reconhecido, lembrado e até reproduzido. O símbolo

não pode conter grande quantidade de informações e pode ser qualquer coisa,

desde uma imagem simplificada a um sistema complexo de significados atribuídos,

como o sistema da linguagem e dos números.

Panfleto da Boate Meet Music & Lounge

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Na imagem acima, podemos notar o nível simbólico pois foi usada a

imagem de uma cantora pop, vista como um símbolo para a comunidade LGBT.

Somente a fotografia do rosto da cantora Lady Gaga, jutamente com o texto ―Bad

Romance‖ (uma de suas músicas), já passa a mensagem ao receptor de forma

objetiva e clara, pois os elementos contidos no material e os que estão relacionados

às imagens já são conhecidos por ele.

2.4 A força dos símbolos para a comunidade LGBT

Existem alguns símbolos que foram adotados pelo movimento LGBT e

que são usados em todo o mundo. Estes símbolos significam formas de expressão

dos militantes do movimento pela livre orientação sexual e são convencionais, pois

são interpretados da mesma forma em qualquer lugar do mundo.

2.4.1 A bandeira LGBT

O primeiro e mais conhecido símbolo LGBT é a bandeira ―arco-íris‖.

Bandeira do Movimento LGBT

A bandeira foi criada para a Parada Gay da Liberdade de São Francisco,

em 1978. O arco-íris se tornou o símbolo principal do orgulho LGBT e representa a

diversidade humana. O símbolo é usado principalmente em bandeiras, mas pode ser

encontrado em diversos outros objetos. Cada uma das seis cores traz uma

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significação para o movimento: vermelho (luz), laranja (cura), amarelo (sol), verde

(calma), azul (arte), lilás (espírito). Além da versão em seis cores, hoje já são

encotradas outras versões da bandeira arco-íris em manifestações LGBT, com a

inclusão da cor preta, significando os homossexuais mortos pela AIDS, e as

bandeiras que misturam as cores do arco-íris com os símbolos nacionais ou

regionais, com o objetivo de representar a população LGBT de determinado país ou

região.

2.4.2 O triângulo rosa

O Triângulo Rosa foi o símbolo criado para identificar os homossexuais

masculinos nos campos de concentração nazistas. Após o término da 2ª Guerra

Mundial, se tornou um símbolo do orgulho gay.

2.4.3 O triângulo negro

O Triângulo Negro segue o modelo do rosa e é também um símbolo

nazista usado para identificar lésbicas, prostitutas, mulheres sem crianças e aquelas

com características ―anti-sociais‖, ou seja, as que não seguiam o padrão esposa-

mãe-dona-de-casa. O triângulo negro tornou-se também um símbolo do orgulho

lésbico e do feminismo.

2.4.4 O labris

O Labris é outro símbolo que foi adotado pelos grupos de orgulho lésbico, e

trata-se de um machado de lâmina dupla que, de acordo com a mitologia grega, era

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usado pelas Amazonas34. O Lambda é uma letra grega que foi adotada por um dos

primeiros grupos de defesa dos direitos LGBT nos Estados Unidos, o Gay Activists

Alliance of New York, em 1970. Em 1974, foi consagrado como um símbolo mundial

da defesa dos direitos LGBT, durante o Congresso Internacional pelos Direitos

Homossexuais, em Edimburgo, Escócia. Apesar de bastante utilizado no exterior, é

pouco conhecido no Brasil.

2.4.5 Outros símbolos

Diferentes formas de representação e simbologia do orgulho LGBT

também podem ser encontradas em outras áreas, como na música, nas artes

visuais, no cinema, entre outras. Para exemplificar essa afirmação, trazemos uma

citação do artigo ―Cinema gay e estudos culturais: como esse babado é possível‖, de

Nathalia Duprat35. O trabalho foi apresentado no III ENECULT36 em 2007.

Quando morreu, por overdose de comprimidos para dormir, a atriz e cantora americana Judy Garland deixou atrás de si um importante marco na história mundial. Durante a madrugada de seu funeral, no dia 28 de junho de 1969, diversos fãs da artista que se reuniam regularmente no Stonewall Inn — bar gay da Cristopher Street, em Nova York — resistiram pela primeira vez aos ataques dos policiais que os constrangiam apenas por serem homossexuais, obrigando-os a viverem acuados nos becos da região de Manhattan. O violento conflito, que durou cinco dias, acabou por elevar definitivamente Judy Garland à condição de primeiro ícone gay da mídia internacional, selando o início histórico da militância homossexual que dura até então.

Seguindo essa mesma linha de pensamento, levando em consideração a

importância dos símbolos/imagens para a população LGBT, Siqueira (2004, p.14)

afirma que: ―as imagens do cinema se confundem muitas vezes com as próprias

imagens que o sujeito tem de si mesmo‖. E complementa com o seguinte

34

As Amazonas, de acordo com a mitologia grega, eram integrantes de uma antiga nação de guerreiras. 35

Universidade Federal de Pernambuco. 36

Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, realizado entre os dias 23 a 25 de maio de 2007, na Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.

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46

argumento: ―as imagens não são vistas como objetos externos que trazemos para

reflexão, mas como âncoras facilitadoras do conhecimento de nós mesmos‖.

Fora do cinema, podemos também destacar o que podemos chamar de

um dos maiores ícones37 atuais do orgulho LGBT, a cantora Lady Gaga que, além

de ter participado de vários eventos relacionados à temática, como a Parada pela

Diversidade Sexual na Itália e nos Estados Unidos, já demonstrou todo o seu apoio

à questão da aceitação das diferenças e do orgulho gay. Em depoimento em sua

página no Twitter, Lady Gaga parabenizou Barack Obama, atual presidente dos

Estados Unidos, por seu discurso a favor da união civil homossexual. A frase da

cantora, traduzida para o português, é a seguinte: ―Obama, parabéns por ser o

primeiro presidente a apoiar o casamento igualitário. Se sinta como o futuro, não

como o passado. #SemMedo‖.38

De acordo com um site brasileiro dedicado à cantora Lady Gaga

(www.ladygagabrasil.com.br), pesquisas foram realizadas pelo site GaydarRadio

para eleger o atual ícone gay nos países do Reino Unido. O resultado trouxe a

cantora britânica Adele em primeiro lugar, seguida de Lady Gaga, Madonna, George

Michael e Will Young. No ano de 2011, Lady Gaga foi contestada pela possibilidade

de sua proximidade do público gay ter o objetivo apenas de vender mais discos. A

artista declarou que a informação seria absurda e que a luta da comunidade LGBT

seria algo de muita importância para ela e para sua arte.

Lady Gaga na ―National Equality March‖ em Washington, DC

37

Um ícone gay ou ícone LGBT é uma figura histórica, uma celebridade ou uma personalidade pública que, em determinados enquadramentos, serve como referência às comunidades lésbica, gay, transexual e transgênero. As qualidades distintivas dos ícones gay incluem geralmente beleza, elegância e "glamour", força frente à adversidade, androginia, um exagero de poses e atitudes e, no caso dos artistas, a participação em obras de referência para a cultura gay. 38

Disponível em: < http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=65061>. Acesso em: 15/05/2012.

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47

3 O homoerotismo na propaganda de festas locais

O homem produz imagens desde a pré-história. Durante esse período,

nos tornamos capazes de reconhecer imagens independente do seu contexto

histórico ou cultural. Podemos dizer então que a imagem é uma ―linguagem

universal‖. Essa expressão remete à percepção, reconhecimento e interpretação das

imagens em qualquer parte do mundo.

Para Martine Joly (2007), a expressão ―universalidade da imagem‖ pode

causar confusão e desconhecimento no receptor, pois o perceber pode não ser uma

interpretação, ou seja, quem está vendo a imagem pode tê-la percebido mas pode

não ter interpretado e compreendido a mensagem de forma eficiente.

A confusão é frequentemente feita entre percepção e interpretação. De fato, reconhecer este ou aquele motivo nem por isso significa que se esteja compreendendo a mensagem da imagem na qual o motivo pode ter uma significação bem particular, vinculada tanto a seu contexto interno quanto ao de seu surgimento, às expectativas e conhecimentos do receptor (JOLY, 2007, p. 42).

Ao optarmos por fazer uma análise das imagens homoeróticas usadas

nos materiais de divulgação de festas destinadas ao público LGBT da cidade de

Fortaleza, pensamos no objetivo de compreender melhor a mensagem que está

querendo ser passada por esse tipo de material.

O processo de análise funciona como uma desconstrução da mensagem,

para que seja possível observar os diversos mecanismos usados, com a esperança

de poder interpretar a mensagem de forma mais fundamentada. ―No entanto, é

errado acreditar que o hábito da análise mata o prazer estético, bloqueia a

‗espontaneidade‘ da recepção da obra‖ (JOLY, 2007, p. 47).

A análise da imagem é algo que requer tempo e que não pode ser feita de

forma espontânea, mas sua prática pode ―aumentar o prazer estético e comunicativo

das obras‖, pois o sentido do olhar é aguçado, adquire-se mais conhecimento e mais

informações são captadas na recepção espontânea das obras.

Demonstrar que a imagem é de fato uma linguagem, uma linguagem específica e heterogênea; que, nessa qualidade, distingue-se do mundo real e que, por meio de signos particulares dele, propõe uma representação escolhida e necessariamente orientada; distinguir as principais ferramentas dessa linguagem e o que sua ausência ou sua presença significam; relativisar sua própria interpretação, ao mesmo tempo que se compreendem seus fundamentos: todas garantias de liberdade intelectual que a análise pedagógica da imagem pode proporcionar (JOLY, 2007, p. 48)

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3.1 O mercado local LGBT

O público LGBT está presente em todas as classes sociais, no entanto

estudos divulgados pela revista TURyDES39 apontam que a disponibilidade

financeira dos que compõem esse mercado é maior, não porque ganham mais que

os heterossexuais, mas porque somente tem filhos quando desejam. Eles são

conhecidos como DINK’s (Double Income No Kids). Esse termo, ainda de acordo

com a revista TURyDES (Volume 5, Nº 12, junho de 2012), significa ―Renda Dupla

Sem Filhos‖.

Podemos exemplificar as afirmações acima fazendo uma relação com o

mercado de turismo, que também já se volta ao público LGBT de forma diferenciada.

De acordo com Kat Grunauer (apud ANGELI, 2002, p.193), quando se fala em

consumidor LGBT, no âmbito do mercado turístico, podemos dividir o público em

dois grupos: ―os que se conformam em comprar pacotes turísticos convencionais e

se hospedam em hotéis para todo o tipo de clientela‖, o quais não se encaixam ao

grupo de consumidores de produtos e serviços voltados ao público LGBT, e ―os que

preferem agências especializadas, com propostas dirigidas a cobrir as necessidades

e preferências gays‖, ou seja, os consumidores que realmente procuram serviços

diferenciados e direcionados.

O mercado tenta direcionar seus produtos e serviços para determinado

público-alvo, por isso é comum que as empresas e a mídia associem o consumo de

produtos de luxo ao público LGBT, ―partindo da premissa de que os homossexuais

gastam mais em relação aos heterossexuais e não se preocupam com o preço

quando são bem atendidos e/ou encontram produtos de boa qualidade‖ (Revista

TURyDes, volume 5, Nº 12, junho de 2012).

Uma pesquisa veiculada pela revista ISTOÉ40 divulgou o perfil do público

gay: 18 milhões de brasileiros são gays, ou seja, 10% da população; 30% é o que

eles gastam a mais do que os héteros; 40% estão em SP, 14% no RJ, 8% em MG e

39

Revista de Investigación em Turismo y Desarrollo Local. É uma revista acadêmica de formato eletrônico e de edição trimestral, promovida pela Rede Acadêmica Ibero-Americana Local-Global. Disponível em: <http://www.eumed.net/rev/turydes/index.htm>. 40

Nº edição: 457 | 21.JUN.06 - 10:00 | Atualizado em 16.06 - 10:53. Disponível em: <http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/5534_O+PODEROSO+MERCADO+GAY>. Acesso em 16/06/2012.

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8% no RS; 36% são da classe A, 47% são da B e 16%, da C; 57% tem nível

superior, 40% médio e 3% ensino fundamental.

Quando tratamos de mercado local LGBT, podemos dar destaque ao

mercado de eventos. Os eventos destinados ao público LGBT em Fortaleza, de fato,

movimentam a economia da cidade, além de proporcionar momentos de diversão e

lazer a uma grande quantidade de freqüentadores. Temos seis casas noturnas que

trabalham com o público gay, além de outros estabelecimentos que desenvolvem

suas atividades focadas principalmente nesse público. Porém, focaremos nosso

estudo nas casas noturnas, mais conhecidas como ―boates‖.

As boates LGBT da cidade de Fortaleza são: Meet Music & Lounge,

Donna Santa, Level, Music Box Club, Divine e Unique. Há ainda outros ambientes

que trabalham com festas direcionadas ao mesmo público, como algumas festas

realizadas no Cine Betão41. Administradas por promoters conhecidas em Fortaleza,

as boates têm estruturas e valores bem semelhantes, porém, cada uma delas tem

um público diferenciado (faixa etária, situação econômica, local de residência, grau

de instrução, entre outros aspectos). Em uma pesquisa superficial – pois não é o

objetivo principal deste trabalho traçar o perfil das casas noturnas de Fortaleza –

feita de forma online (Facebook) com os promoters das boates, fizemos os seguintes

questionamentos sobre mercado consumidor LGBT e perfil dos consumidores: Qual

a média de público da boate por final de semana ou por mês? Qual a média de valor

do ingresso? Como você define o perfil consumidor da boate? Qual seu público-

alvo?

Entramos em contato com as seguintes boates: Meet Music & Lounge,

Donna Santa, Unique Club, Music Box Club, Level e Divine. Somente os promoters

das boates Meet Music & Lounge, Donna Santa e Level nos responderam. Foram

feitas várias tentativas de obter as respostas sobre as demais boates, mas não

tivemos sucesso.

A promoter da boate Meet Music & Lounge, Monah Monteiro, nos

informou que a média de público por final de semana é de 1.000 a 1.200 pessoas e

que uma mídia muito utilizada pela organização das festas é a internet, através da

rede social Facebook. ―A gente tá usando nossa fan page mais do que antigamente,

mas ainda não estamos explorando como deveria‖. Monah afirma ainda que, de

41

No local funciona um cinema de filmes pornô e, em algumas ocasiões, o espaço é utilizado para a realização de festas direcionadas ao público LGBT.

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acordo com as estatísticas fornecidas pela própria rede social, existem picos em

relação ao alcance de público pelas postagens feitas, dependendo da promoção ou

do projeto lançado pela casa.

A promoter Paula Oliveira, da boate Donna Santa, informou que cerca de

10 mil pessoas frequentaram a casa durante o mês de março de 2012 e que foram,

em média, 9 mil pagantes e mil cortesias.

O promoter da novata Level, Tiago Fasano, nos passou a informação de

que a casa recebe cerca de mil pessoas por festa e que, além do público LGBT, a

Level também recebe muitos heterossexuais. Ressalta que o ingresso custa R$

20,00 em média e que 60% do público entra pagando somente consumação, ou

seja, o valor do ingresso é convertido em consumo. ―O grande problema na noite

hoje chama-se Lista Vip‖.

3.2 O objeto de estudo

Diante da grande variedade de assuntos já abordados pela área da

comunicação, no que diz respeito a trabalhos de conclusão de curso, optamos por

escolher um assunto não debatido com frequência no âmbito acadêmico e que

poderá servir de apoio à futuras pesquisas. O tema escolhido tem como objeto de

estudo o material de divulgação (tanto impresso como digital) de festas destinadas

ao público LGBT da cidade de Fortaleza, Ceará.

Nosso estudo tem o objetivo de levantar um debate acerca do uso de

imagens homoeróticas pela publicidade de eventos LGBT, a fim de desenvolver

considerações acerca das razões para que essas imagens sejam usadas. Ao falar

de imagens homoeróticas, estamos remetendo nosso pensamento à imagens de

seres estereotipados, que seguem um padrão de beleza estabelecido pela

sociedade contemporânea.

Os Estereótipos são as imagens e contatos que estabelecemos com os elementos que existem à nossa volta no decorrer da vida diária. São os modelos sociais que tentamos imitar por representarem aquilo a que a sociedade almeja como um todo. Podemos citar como exemplos: o homem de sucesso, rico, o atleta másculo e atraente, a mulher magra e bela, o cientista devotado, e muitas outras figuras. Essas figuras tendem a se relacionar através de nossas ambições e desejos profissionais e pessoais, impulsionando-nos em direção a novas áreas de estudo, trabalho e lazer. Os Estereótipos condicionam comportamentos, formas de falar, pensar e vestir, definem modas e tendências, criam e demolem projetos e negócios,

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51

definem relações e intimidades, pois são os mais evidentes e passíveis de comparações (CARDOZO, Missila Loures, 2005, p. 8).

Para desevolver este estudo, decidimos abordar assuntos relacionados às

imagens homoeróticas usadas na publicidade, como alguns conceitos abordados

pelo estudo das sexualidades e os relacionados à análise da imagem. Tais assuntos

ocupam um lugar de grande importância neste trabalho e são essenciais para

contextualizar o leitor ao tema em questão.

Sabe-se que a publicidade é feita para que atinja o público-alvo de

determinada empresa e este possa se tornar um consumidor (ou continuar sendo)

de determinado produto ou serviço. Porém, o que queremos descobrir aqui é o o que

essas imagens comunicam, quais os recursos utilizados e qual o sentido do seu uso.

Exemplo de panfleto, da boate Donna Santa.

Portanto, o nosso principal objetivo é fazer a análise das imagens usadas

nos materiais de divulgação de determinadas ―casas‖ (boates) para atrair o público

alvo. Esta análise levantará a seguinte questão: Qual o real objetivo do uso das

imagens?

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3.3 Metodologia para análise das peças

Optamos por analisar as imagens a partir dos estudos de Martine Joly, no

livro ―Introdução à análise da imagem‖ (11ª edição, 2007). Os maiores objetivos

dessa análise são aumentar nossos conhecimentos sobre o tema, debater sobre os

componentes das mensagens visuais e permitir que uma leitura mais apurada seja

feita dessas mensagens, o que consequentemente nos trará significados mais

complexos acerca das imagens.

O processo de análise da imagem funciona como quando uma criança

desmonta um brinquedo para poder descobrir como ele funciona. Podemos dizer

que esse processo corresponde à um desejo particular de ter domínio sobre o objeto

e sobre os seus significados (JOLY, 2007).

No entanto, é errado acreditar que o hábito da análise mata o prazer estético, bloqueia a ―espontaneidade‖ da recepção na obra. Devemos nos lembrar que a análise continua sendo um trabalho que exige tempo e que não pode ser feito espontaneamente. Em compensação, sua prática pode, a posteriori, aumentar o prazer estético e comunicativo das obras, pois aguça o sentido da observação e o olhar, aumenta os conhecimentos e, desse modo, permite captar mais informações (no sentido amplo do termo) na recepção espontânea das obras (JOLY, 2007, p. 47).

Uma das funções da análise da imagem é a ―função pedagógica‖, que

busca demonstrar que a imagem é uma linguagem e que se diferencia do mundo

real, mas que usa signos desse mundo para que o receptor compreenda a

mensagem, ou seja, ele é orientado de como a mensagem deve ser lida e

entendida.

A função pedagógica, de acordo com Joly (2007), também traz a distinção

das principais ferramentas da imagem e o que a presença ou ausência destas irão

significar na mensagem. Outra função da análise seria a ―verificação das causas do

bom ou do mal funcionamento de uma mensagem visual‖.

Estaremos analisando as imagens de panfletos usados para a divulgação

de festas, ou seja, analisaremos a linguagem visual do material. Para que isso seja

possível, será necessário que sejam diferenciados os diversos componentes da

imagem. Essa análise, ainda de acordo com a autora, ―exige um pouco de

imaginação, mas pode se revelar bem eficaz‖. Teremos uma maior facilidade no

desenvolvimento dessa atividade, pois os panfletos usam elementos que compõem

nossa carga de conhecimentos, ou seja, elementos reconhecidos por nós.

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Os panfletos possuem signos plásticos (cores e formas), signos icônicos

(motivos reconhecíveis) e signos linguísticos (texto). Estes serão os elementos

analisados para chegarmos a uma conclusão para esta pesquisa.

As peças podem ser encontradas em forma de panfletos impressos e/ou

digitais (veiculados nas redes sociais). O material impresso é sempre distribuído em

ambientes frequentados pelo público LGBT (Centro Dragão do Mar de Arte e

Cultura, Barraca Cabumba, bares diversos, etc.) e nas próprias boates.

Focaremos nossa análise em panfletos específicos veículados pelas

seguintes boates: Meet Music & Lounge, Donna Santa, Level, Music Box & Club e

Unique. Escolhemos, de forma aleatória, 5 panfletos de festas (um de cada boate

citada), optando por aqueles que possuem, de forma explícita, imagens

homoeróticas em seu conteúdo. Verificamos que as boates Meet Music & Lounge e

Donna Santa são as que mais utilizam imagens homoeróticas em seus materiais,

além de serem as mais antigas boates (ainda em funcionamento) da cidade de

Fortaleza.

Elaboramos um roteiro como todos os elementos que irão ser analisados

nos cinco panfletos (os quais estão numerados de 1 a 5). Para cada panfleto

estaremos fazendo uma análise a partir dos elementos que compõem cada

mensagem (plástica, icônica e linguística).

Panfleto 1

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54

Panfleto 2

Panfleto 3

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Panfleto 4

Panfleto 5

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56

Na mensagem plástica, serão analisados: quadro, enquadramento,

ângulo da tomada, escolha da objetiva, composição, formas, cores, iluminação e

textura. Na mensagem icônica iremos analisar os seguintes elementos: trucagem,

pose, objetos e fotogenia. Já na mensagem linguística, analisaremos: categoria de

tipo (estilo da fonte), contrastes de tamanho, de peso, de forma, de direção e de cor.

3.4 Resultados

Mensagem plástica Mensagem icônica Mensagem

linguística

Panfleto 1

Meet Music

& Lounge

Quadro fora de campo,

ausente (imaginário,

leva o receptor a

cosntruir

imaginariamente o que

está faltando na

fotografia);

enquadramento amplo

(distância);

enquadramento

fechado (proximidade);

ângulo da tomada

contre-plongée

(engrandecimento do

objeto); distância focal

longa (nitidez,

naturalidade);

composição/construção

axial (produto no eixo

do olhar, centro do

anúncio); formas

(firmeza, virilidade,

masculinidade,

Modelo estereotipado

de objeto (homem

músculoso, sarado);

cueca (apelo sexual);

parede no fundo

(relação com

―pegação‖); fundo

escuro relacionado ao

nome da festa ―party

in the dark‖

(característica de um

dark-room (quarto

escuro, comum em

algumas boates como

um local para

pegação; expressão

facial e pose do

modelo (prazer,

sensualidade).

Usa elementos

diferentes entre si,

dando maior

contraste ao que é

mais importante;

categoria do tipo

(fontes sem serifa);

contraste de

tamanho (entre os

textos), de peso

(grosso/fino), de

forma (letras em

caixa alta e caixa

baixa); de cor.

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sensualidade, força);

cores frias; luz difusa

(falta de referências em

relação ao ambiente,

generalização); textura

―tátil‖ (objeto, fundo) e

visual (lisa).

Panfleto 2

Donna

Santa

Quadro fora de campo

(fotografias dos

modelos);

enquadramento

fechado; ângulo contre-

plongée; distância focal

longa; construção axial;

forma estereotipadas

do objeto; cores

quentes e frias em

proporção; luz difusa;

textura tátil e visual.

Corrente, chave,

cadeado e grade ao

fundo (prisão, ter

posse do objeto,

aprisionar, desejo

sexual, fantasia);

modelo/objeto

estereotipado

(homem) e modelos

―comportados‖ (2

mulheres e 2

homens); pose do

modelo

(sensualidade,

desejo, sedução);

Categoria de tipo

(fontes sem serifa e

serifa grossa, além

de fonte manuscrita);

há contrastes de

tamanho, de peso,

de forma, de direção

(logomarca Brasas

do Sertão) e de cor.

Panfleto 3

Level

Quadro presente

(moldura que envolve a

fotografia) e imagem

completa do objeto

(modelo);

enquadramento

fechado; ângulo contre-

plongée; distância focal

longa;

composição/construção

Homem sem roupa

(objeto de desejo,

apelo sexual); pose

(sensualidade,

desejo); ambiente

(sofá, casa, convite

ao receptor); Não há

relação alguma entre

a fotografia e os

demais elementos do

Duas fontes sem

serifa (atrações da

festa e localização);

contrastes de

tamanho, de peso,

de forma e de cor.

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sequencial (olhar

percorre o anúncio até

chegar ao produto);

forma estereotipadas

do objeto, equilíbio,

conforto; cores quentes

e frias em proporção;

luz difusa; textura tátil e

visual.

panfleto;

Panfleto 4

Unique

Quadro ausente, fora

de campo, imaginário

(fotografia dos

modelos);

enquadramento

fechado; ângulo contre-

plongée; distância focal

longa; construção axial

e de profundidade

(produto à frente da

cena); formas (domínio

do objeto, ter posse,

sensualidade, força,

firmeza); cores quentes

e frias em proporção;

luz difusa; textura tátil e

visual.

Homens sem roupa

(objetos), fazendo

relação ao título da

festa ―PORN‖; pose

dos modelos (apelo

sexual, pegação,

desejo); maçãs nas

mãos de um dos

modelos (desejo de

consumo do ―fruto

proibido‖); direção do

olhar dos modelos

(sensualidade, tesão).

Fonte sem serifa

(data da festa e

atrações e título

principal da festa);

fonte manuscrita

(título da festa), além

da fonte decorativa

da logomarca da

boate. Contrastes de

tamanho, peso,

forma, direção e cor.

Panfleto 5

Music Box

Club

Quadro fora de campo

(alto-falantes);

enquadramento

fechado; ângulo contre-

plongée; distância focal

longa; construção axial;

formas (alegria,

Homem sem camisa

(plano americano,

menor apelo sexual);

pose (estilo,

sensualidade); alto-

falantes e drinks,

Uso de duas fontes

decorativas (título);

fonte sem serifa

(demais textos); Há

contrastes de peso,

de direção e de cor.

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entretenimento, estilo,

dinâmismo);

predomínio de cores

quentes; luz difusa;

textura tátil e visual.

fazendo relação ao

nome da festa

―Everybody dance‖;

trucagem

(manipulação dos

elementos, criando

um ambiente irreal);

embelezamento das

imagens, através da

iluminação.

3.5 Análise dos resultados

Todos as imagens aqui analisadas (categorizadas como imagens

homoeróticas) ocupam o nível de imagem representacional, se baseando nos

estudos de Donis (2003), pois estamos falando de fotografias do objeto real,

possuidoras de grande riqueza de detalhes. Esse nível é caracterizado por englobar

as imagens que mais se aproximam do mundo real.

Para que as informações sobre as peças não sejam tão repetitivas, em

relação às mensagens contidas nas imagens (plástica, icônica e linguística),

estaremos destacando apenas o que é diferencial entre os panfletos das boates.

Tomemos, portanto, as informações dos panfletos da boate Meet Music & Lounge

como um padrão para contextualizar o que está sendo analisado.

A boate Meet Music & Lounge usa com frequência as imagens

homoeróticas para chamar a atenção de seu público. O apelo sexual nas peças

publicitárias é um elemento conhecido pelos frequentadores do local. Seguem

alguns exemplos:

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No panfleto acima podemos perceber a presença do homoerótico em

destaque na fotografia do modelo usando cueca. O modelo segue um padrão de

beleza imposto em nossa sociedade e leva o receptor ao desejo de possuir tal

objeto. Portanto, podemos fazer uma relação entre a imagem homoerótica e o corpo

tomado como objeto de consumo. Essa relação é usada no material para vender um

serviço, no caso uma festa. Veja mais exemplos:

É perceptível que a confecção do material da Meet Music & Lounge segue

um padrão, quando analisamos as fontes usadas, a distribuição dos elementos na

peça, as cores e as imagens dos modelos. O suporte é o papel ou a internet; as

dimensões são sempre as mesmas ou com pequenas alterações de tamanho; o

enquadramento e a composição são similares nas peças, orientando o olhar do

receptor. Estes elementos fazem parte da mensagem plástica.

Em relação á mensagem icônica, a partir dos processos de conotação da

fotografia, descritos por Barthes (2002), podemos analisar as imagens a partir de

alguns deles. A trucagem, percebida nas montagens, levando o objeto a outro

ambiente e dando um outro significado à fotografia; a pose tomada pelos modelos

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no momento em que foi feita a fotografia; os objetos em si (modelos); o tratamento

das imagens ou o embelezamento dos objetos da fotografia.

A boate Donna Santa também usa com grande frequência as imagens

homoeróticas em suas peças. Contendo basicamente os mesmos elementos do

material da Meet, os panfletos da Donna Santa usam da mesma estratégia do apelo

sexual para atingir os consumidores. Abaixo seguem alguns exemplos:

Os dois exemplos acima trazem o apelo sexual de forma mais explícita,

através do uso de fotografias nas quais os modelos não usam qualquer vestimenta.

No primeiro, a mensagem linguística (título da festa) faz referência direta à imagem

do modelo, o que pode ser percebido quando vemos uma corrente envolvendo o

corpo do modelo e uma chave compondo o título. Na segunda peça, o próprio título

―Sex appeal‖ (apelo sexual, sensualidade, em portuguê) já deixa claro para que veio

e complementa a imagem do modelo.

A boate Level, a mais nova das boates de Fortaleza, segue o mesmo

exemplo das mais antigas, porém usa as imagens homoeróticas com menos

frequência. Isso irá variar de acordo com a festa e com o promoter que está

responsável pela organização desta. Seguem alguns panfletos veiculados pela

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boate, que usa somente a internet para divulgá-los (não optando pelo uso de

material impresso):

No panfleto da esquerda, percebemos que não existe relação alguma da

fotografia do modelo sem roupa com o contexto da festa. As informações da

mensagem linguística remetem ao consumo de bebidas alcoólicas, enquanto a

imagem remete ao apelo sexual. Não existe nenhum elemento que ligue os textos

com o objeto. Já no panfleto da esquerda, percebemos a relação do texto com a

fotografia, pois o termo ―edden‖ complementa a imagem dos modelos. Estamos

falando aqui da mensagem linguística que também é icônica, pois a palavra edden

se remete ao ―Jardim do Éden‖, um lugar citado no livro de Génesis (bíblia sagrada)

onde foram concebidos por Deus os personagens bíblicos Adão e Eva que, de

acordo com o livro, viviam sem roupas, pois estas não existiam. Vale ressaltar o uso

frequente de palavras de língua inglesa (party, open bar, etc.), o que impossibilita

uma leitura eficaz, em um primeiro contato, caso o receptor não tenha conhecimento

de língua inglesa.

A boate Unique também apostou no apelo homoerótico para a elaboração

de alguns de seus materiais. As imagens homoeróticas também são usadas na

divulgação das festas da boate, porém com menos frequência que as duas primeiras

citadas. É importante ressaltar que a promoter da boate Unique já foi promoter da

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boate Donna Santa, o que pode ser uma das razões para que o uso de tais imagens

seja feito por quem produz o material.

No primeiro panfleto observamos o apelo sexual, apresenta de forma

explícita no material, através da fotografia e do título ―porn paradise‖, em portugês

―paraíso pornô ou da pornografia‖. O texto, além de caracterizar o sentido

homoerótico da peça, foca também no conhecido ―open bar‖ (bar aberto, bebidas

liberadas). Já no segundo panfleto se observa também a imagem do homoerótico,

mas agora fazendo referência ao período que antecede o ―dia dos namorados‖ no

Brasil (12 de junho) e propondo a temática ―despedida de solteiro‖.

Por fim temos a boate Music Box Club, que usa de diversos tipos de

imagens, a grande maioria de cantoras pop, como uma forma alternativa de chamar

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a atenção de seu público, mas que eventualmente também usa imagens

homoeróticas, dependendo de quem promove a festa. Pelo que analisamos, a Music

Box é a que menos opta pelo apelo sexual para atingir seu público alvo. Seguem

abaixo dois modelos de panfleto, um com imagem homoerótica e o outro com outros

tipos de imagens.

Podemos perceber, no primeiro panfleto, que até o nível de apelo é menor

que o contido nas imagens usadas pelas demais boates, porém cabe levar em

consideração que a imagem do objeto também não tem qualquer relação com o

título da festa (também em inglês) ―everybody dance‖, em português ―todos

dançam‖. O segundo panfleto traz um exemplo do uso de imagens alternativas, sem

fazer alusão ao sexual, e que também atinge seu público alvo de forma eficaz.

3.6 A pesquisa e seus resultados

Durante nosso estudo sobre o uso de imagens homoeróticas para a

divulgação de eventos destinados ao público LGBT de Fortaleza, optamos por

realizar uma breve pesquisa com os organizadores (promoters) desses eventos, com

o objetivo de obter algumas conclusões acerca da escolha dessa estratégia de

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atingir o público alvo. Essa pesquisa foi feita através de um questionário online42,

que contêm 13 perguntas (algumas de múltipla escolha e outras de forma aberta ou

dissertativa) voltadas ao tema do homoerotismo presente no material de divulgação

das festas promovidas nas boates de Fortaleza. As perguntas que compõem o

questionário são as seguintes: 1. Qual o seu nome? 2. Para qual casa de eventos

você trabalha? 2. Para qual casa de eventos você trabalha? 4. Em relação ao

conteúdo do material de divulgação, quem é o responsável pela formulação de

ideias para a sua confecção? 5. Qual o critério utilizado para a escolha das imagens

usadas no material de divulgação? 6. Dentre as opções abaixo, qual ou quais os

tipos de imagens masculinas são mais usadas? 7. Nas imagens escolhidas (na

maioria), os homens aparecem; 8. Os homens (nas imagens) são; 9. Com que

intenção são usadas essas imagens? 10. O conteúdo do material de divulgação

segue um padrão? No que é baseado esse padrão (em relação às fontes usadas,

imagens, textos, entre outros elementos)? 11. Você realiza algum tipo de pesquisa

para elaboração do material de divulgação? Qual? 12. Deseja receber uma cópia do

trabalho de conclusão de curso por e-mail? 13. Se a resposta da questão anterior for

sim, digite seu e-mail abaixo.

Após diversas tentativas de entrar em contato com os organizadores da

festas, de todos os promoters contactados (por volta de sete), somente cinco deles

nos responderam o questionário. Os formulários foram enviados através da rede

social Facebook, por ser uma forma mais rápida e eficaz de conseguirmos as

respostas. Os promoters que optaram por não responder o questionário foram:

Monah Monteiro, da boate Meet Music & Lounge e Paula Oliveira, da boate Donna

Santa; além do responsável pelas festas promovidas na boate Divine.

Sobre a divulgação das festas da boate Music Box Club (casa que abriga

festas de organizadores diversos), o promoter Alan Góes nos respondeu que são

usados cartazes e postagens em mídias sociais e que ele é o responsável pela

formulação do conteúdo do material. O mesmo informou que não usa de imagens

homoeróticas em seu material e que prefere usar ―imagens que tenham a ver com o

tema da festa, de boa qualidade, livres de copyright e que não façam alusão ao

sexo, violência, drogas, erotismo, etc. Em relação ao layout do material, Alan Góes

42

O questionário online está disponível para visualização através do endereço em: <https://spreadsheets.google.com/spreadsheet/viewform?formkey=dEN6SU53ZFg3Rk5sUFQ0TFJQbUNrSEE6MQ&fb_source=message>.

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responde: ―O layout segue um determinado padrão de hierarquia de informação, no

mais, as referências dos elementos são dadas de acordo com o tema da festa‖. O

promoter nos informou ainda que há um estudo antes da elaboração do material.

―Procuro referências que se relacionem ao tema da festa, busco filmes, músicas,

livros, personagens, enfim, elementos que remetam à temática, mas que não sejam

necessariamente do universo musical‖.

O promoter Tiago Fasano, da boate Level, informou que usa mídias

sociais, anúncios em jornal, mensagens via celular (sms) e cartazes, para divulgar

as festas que promove e que ele mesmo é o responsável pela elaboração de

conteúdo que deve haver no material. Ele nos respondeu também que as imagens

usadas são escolhidas de acordo com o tema da festa e que raramente opta por

usar imagens homoeróticas. Porém, observamos que a boate Level usa de panfletos

contendo imagens homoeróticas para divulgar alguns de seus eventos, mas vale

ressaltar que o promoter Tiago Fasano não é o único que promove festas no local.

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Em algumas respostas, Tiago Fasano deixa claro que a ideia escolhida por ele, para

as divulgações, é oposta à do uso de imagens masculinas. Quando perguntado

sobre o layout e conteúdo do material, ele nos responde: ―Cada casa tenta mostrar

um estilo até pra se diferenciar. Ao ver um Flyer feito pelo Tiago voce sabe que é

dele. Cria-se uma identidade‖. Por fim, Tiago nos informa que não são realizadas

pesquisas para a elaboração do material e que este é feito com imagens

pesquisadas no site de busca Google e baseado em ideias e inspirações.

Leco Lima, promoter da boate Donna Santa (e de outras casas), nos

respondeu que a divulgação de suas festas é feita através de mídias sociais, jornal,

panfletos, sms e cartazes, e que ele mesmo é responsável pela elaboração do

conteúdo desse material. Em relação às imagens utilizadas, Leco Lima nos informou

que prefere usar imagen de homens com peso ideal definido (sarados), sem camisa,

independente de cor. Quando perguntado sobre a intenção do uso dessas imagens,

ele respondeu que algumas festas ―pedem‖ tais imagens e que o conteúdo do layout

do material varia de acordo com o evento. Leco nos passou ainda a infomação de

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que não é feito qualquer tipo de pesquisa de comportamento do consumidor para

que seja elaborado o material de divulgação de suas festas.

Tiago Santiago, que promove algumas festas itinerantes, sem locais fixos,

também nos respondeu. Em relação à pergunta sobre a boate para qual trabalha,

ele respondeu: ―Não trabalho em casa alguma, e sim fazendo festas itinerantes. Ja

passei por casas como Music Box, Chop do Bixiga, P&B Bar e Cine Betão‖. A

divulgação de suas festas é feita através de mídias sociais, panfletos e sms e ele

mesmo elabora o conteúdo do material. Em relação ao critério utilizado para a

escolha das imagens, Thiago nos responde: ―Procuro definir os efeitos de acordo

com o tema. Fiz uma festa para mocinhos, nao seria legal colocar uma mocinha na

frente do panfleto. Como meu público é quase que totalmente masculino sempre uso

imagens masculinas‖. O promoter informou que usa diversos tipos de imagens

masculinas: homens abaixo do peso (magros), homens acima do peso (gordos),

homens com peso ideal (nem gordo nem magro), homens com peso ideal definido

(sarados); ―estando no tema está valendo‖. Esse modelos das imagens, de acordo

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com o promoter, podem estar sem camisa, de roupa íntima ou sunga, vestidos com

camisa e calça ou camisa e bermuda, ―depende do tema‖. Thiago faz o seguinte

comentário, em relação à sua intenção com o uso das imagens homoeróticas: ―Fiz

um estudo de festas de outros países, que fazem esse mesmo estilo de festa que eu

faço, e reparei que eles sempre utilizam o mesmo estilo de imagens‖. Perguntamos

se o conteúdo do material segue algum padrão (em relação aos elementos que

compõem todo o layout da peça) e se é feita alguma pesquisa para a sua

elaboração. O promoter respondeu:

Sim, para que o cliente, ao ver um material de uma determinada festa, identificar que pertence à mesma festa. Como sempre utilizo imagens de homens no meu material de divulgação, quando faço algo sem a presença mais masculina os clientes me perguntam se realmente é minha a festa. As vezes, primeiro penso no tema. E faço uma pesquisa observando se já teve uma festa com esse tema. Se já tiver tido eu observo o ano e o mês. Se já fizer algum tempo da para fazer novamente. Lógico que não vou fazer uma festa com o tema 7 pecados, pois sei que é um selo da poderosa Monah Monteiro. Nem com o tema Schock que é da Carol Feitosa e do Leco Lima.

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Por fim, a promoter da boate Unique, Carol Feitosa, respondeu o

questionário sobre o uso das imagens homoeróticas em seu material. Carol informou

que as festas são divulgadas através de mídias sociais, panfletos, sms e cartazes, e

que a boate tem um designer para fazer a elaboração das peças. Sobre o critério

para escolha das imagens, a promoter responde que aprendeu, ao longo dos anos

de profissão, que alguns estilos de artes funcionam mais que outros e que

―atualmente temos que utilizar artes mais profissionais‖. Carol Feitosa informou que

o novo designer da casa está usando imagens masculinas com mais frequência

atualmente e que, das imagens escolhidas, na maioria delas, os homens estão sem

camisa. Quando perguntada sobre a intenção do uso dessas imagens, a promoter

responde: ―Para atrair a atenção do público. Sempre é legal ver um flyer bonito, que

chame atenção‖. Na questão sobre a pesquisa sobre o comportamento do seu

público, Carol Feitosa nos respondeu que:

O mercado GLS é uma mercado, além de muito abrangente, muito exigente. Fortaleza tem 6 boates gays funcionando todo fim de semana, com isso temos uma concorrência muito acirrada. Por isso buscamos sempre inovar, mas nem sempre isso é possivel. Então buscamos temas divertidos e sempre ficamos ligados em novas tendências. E com isso que montamos nosso material.

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CONCLUSÃO

A sociedade, desde os períodos mais arcaicos da humanidade, busca

estabelecer padrões para que a vida em comunidade seja (no mínimo) agradável e

equilibrada. Porém, essa tentativa de padronizar um povo, ou uma ideologia, hoje

perde espaço para a diversidade. Existem bilhões de pessoas no mundo,

inseridades em milhares de culturas, ambientes, e tempos diferentes, e essas

pessoas também são todas diferentes, todas elas possuem suas próprias

características e compartilham do mesmo espaço.

O homem musculoso, o dito sarado, com características másculas e que

passa uma imagem de homem bem resolvido, realizado pessoal e

profissionalmente, além de possuir uma beleza intocável, é o padrão de beleza que

a grande mídia resolveu impor nessa sociedade contemporânea, já tão cheia

padrões estipulados e de preconceitos que não levam ninguém a lugar algum. Esse

estereótipo foi uma das alternativas adotadas por empresários do ramo de eventos

da cidade de Fortaleza, para atingir um consumidor diferenciado, o público LGBT.

Podemos notar que as peças apresentadas seguem também determinados padrões,

como se todas elas se inspirassem nos modelos umas das outras, com algumas

exceções.

Ao longo deste trabalho, observamos o quanto as imagens são poderosas

e que estas podem dominar o homem e orientar os seus pensamentos e suas

atitudes. Cada imagem aqui apresentada, como podemos perceber através das

análises feitas, possuem inúmeros elementos que as constituem e que dão sentido a

elas. Muito desses elementos passam ao receptor mensagens escondidas,

implícitas, sobre o que está se querendo vender. Estas mensagens, que podem ser

plásticas, icônicas ou linguísticas, podem ser interpretadas de forma automática por

nossa mente ou nos levam em busca de um pensamento mais aprofundado e

complexo, um olhar mais apurado do que está à nossa frente.

As boates LGBT criaram identidades através da imagem que é

transmitida ao público e da relação que construíram com os consumidores ao longo

dos anos. Os materiais de divulgação que usam imagens homoeróticas, nas quais o

apelo sexual aparece de forma explícita (na maioria das vezes), parecem agradar ao

público-alvo. Por outro lado podemos até pensar que as imagens homoeróticas não

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desempenham um papel essencial para que o público-alvo possa ser atingido de

forma eficaz e que outras técnicas podem ser adotadas, podendo atingir o mesmo

objetivo ou até objetivos mais abrangentes e inovadores. O fato é que é mais

conveniente (em termos econômicos) e menos complexo continuar usando essa

estratégia. E se realmente esse tipo de material agrada ao público, exclusivamente

devido ao uso de fotografias de homens estereotipados, não cabe a nós, neste

momento, entrar em uma discussão mais aprofundada, o que abriria espaço para

diversas outras questões, bem mais complexas e desafiadoras.

Nos bastou fazer a análise dessas imagens, para proporcionar ao leitor

um novo olhar sobre o que lhes é apresentado pela publicidade, possibilitando novas

leituras e novos significados aos que vemos, no que diz respeito à comunicação

visual feita para divulgação dos eventos direcionados ao público LGBT.

Após terem sido feitas as análises do material, concluímos que o uso das

imagens homoeróticas leva à divulgação e manutenção de uma imagem

estereotipada da figura masculina gay, o que acaba fazendo com que os eventos

para população LGBT sejam entendidos pela sociedade de forma não ideal e

respeitosa. Esse fato constrói pensamentos e conclusões retrógradas, por parte da

população (heterossexual e homossexual), o que não é benéfico para a comunidade

LGBT, que tanto luta por respeito, voz e espaço nessa sociedade nada democrática

e manipulada pela mídia de massa.

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