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9 CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO AMANDA SAID QUEIROZ A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Fortaleza-CE Dezembro de 2014

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … · À minha vovó Júlia, por ser o exemplo vivo de uma mulher virtuosa, ... pelo exemplo de mulher guerreira e trabalhadora, pelas

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE DIREITO

AMANDA SAID QUEIROZ

A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS E O PRINCÍPIO

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Fortaleza-CE

Dezembro de 2014

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AMANDA SAID QUEIROZ

A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS E O PRINCÍPIO

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior do Ceará, como registro parcial para a obtenção do grau de Graduação, sob a orientação da Professora Marina Lima Maia Rodrigues.

Fortaleza-CE Dezembro de 2014

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AMANDA SAID QUEIROZ

A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS E O PRINCÍPIO

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Monografia como pré-requisito para a obtenção do título de Bacharelado em Direito, outorgado pela Faculdade Cearense-FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data da aprovação:___/___/____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________

Professora Esp. Marina Lima Maia Rodrigues

_______________________________________________________

Professor Dr. José Júlio da Ponte Neto

_______________________________________________________

Professora Esp. Teresa Cristina Pinto Moreira

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Ao Pai, Deus todo poderoso, Senhor da minha vida, digno de toda honra, glória, majestade e poder. A Ele que me formou desde o ventre da minha mãe e que já me conhecia antes de eu existir. Ao que morreu por mim e que me ama incondicionalmente, mesmo não sendo eu merecedora de tão grande amor.

“Porque dele e por ele, e para ele, são

todas as coisas; glória, pois, a ele

eternamente. Amém.” (Romanos 11:36).

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AGRADECIMENTOS

Ao Pai, que também é Filho e Espírito Santo, por todas as coisas.

Aos meus amados pais, Arlindo e Ana, que, com simplicidade e amor, me

ensinaram e me ensinam a ser quem eu sou.

À minha querida irmã Thaís, que, para a minha felicidade, aos meus quase

10 anos de idade me fez deixar de ser filha única (sozinha) e desde então tem me

dado a alegria de sua companhia e amizade, tão preciosas para mim.

À minha vovó Júlia, por ser o exemplo vivo de uma mulher virtuosa, cheia

da graça de Deus, por acreditar em mim e por sempre me ajudar.

À querida tia Leó, por todo o amor, carinho e apoio a mim dedicados desde

a minha infância.

À vovó Luzia, pelo exemplo de mulher guerreira e trabalhadora, pelas

orações e incentivo.

Ao Lucas, meu amor e meu amigo, pelo companheirismo e compreensão,

e por ser o cumprimento de uma promessa de Deus na minha vida.

À minha querida amiga-irmã, Marina, pelo seu amor e sua amizade sincera,

pela constante atenção e apoio dedicados a mim.

A toda a minha família e amigos, a minha gratidão.

À minha professora e orientadora, Marina Lima, por ter prontamente se

disponibilizado a me ajudar, pela atenção e paciência, por ter me dado o incentivo que

eu precisava, e pela dedicação de tempo e de cuidado para com o desenvolvimento

deste trabalho.

Aos professores que aceitaram participar da banca examinadora desta

monografia, o meu apreço e sincero agradecimento.

Aos meus colegas de faculdade, em especial Joana Paloma e Cleiciane,

pelo apoio constante na jornada universitária e na realização deste trabalho, pela

consideração e pela amizade sincera.

E por fim, a todos que, de alguma forma, fizeram e fazem parte da minha

vida, deixo os meus agradecimentos.

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RESUMO

O presente trabalho procura demonstrar que o efeito jurídico-social da internação compulsória, apesar de possuir um histórico caracterizado pela exclusão física, moral e social dos indivíduos submetidos a ela, não resulta no desrespeito à dignidade da pessoa humana, nem tampouco aos direitos e garantias que dela decorrem. Tal demonstração será feita por meio da abordagem acerca da evolução histórica da internação compulsória, sua atual situação no ordenamento jurídico brasileiro com base na lei em vigor nº 10.216/2001, e, também, por meio de uma breve abordagem sobre o poder coercitivo do Estado, e sobre os direitos e garantias individuais decorrentes do principio da dignidade da pessoa humana.

Palavras–chave:DireitoConstitucional. Direito à vida. Dignidade da pessoa humana.

Internação compulsória. Dependênciaquímica.

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ABSTRACT

This study seeks to demonstrate that the legal and social effect of compulsory hospitalization, despite having a history characterized by physical, moral and social exclusion development of individuals submitted to it, does not result in disrespect for human dignity, nor the rights and guarantees under it. This demonstration will be done through the approach on the historical evolution of compulsory admission, their current situation in the Brazilian legal system based on the existing law No. 10,216 / 2001, and also through a brief overview on the coercive power of the state and on individual rights and interests under the principle of human dignity.

Keywords: Constitutional Law. Right to life.Dignity of the human person.Compulsory

hospitalization.Chemical dependency.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09 CAPÍTULO 1 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA ........................................................................................................ 12 1.1 A evolução histórica da internação compulsória no mundo................................. 13 1.2 A evolução histórica da internação compulsória no Brasil...... Erro! Indicador não definido.17 CAPÍTULO 2 - A PROTEÇÃO ESTATAL À VIDA ..................................................... 22 2.1 Direitos e garantias fundamentais do ser humano no ordenamento jurídico brasileiro .................................................................................................................... 22 2.2 O papel coercitivo do Estado na vida do ser humano. ........................................ 29 2.3 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana .................................................... 35 CAPÍTULO 3 – DO INSTITUTO DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA ...................... 40 3.1 Procedimento ...................................................................................................... 40 3.2 A instituição família e o seu Pátrio Poder ............................................................ 44 3.3 A responsabilidade do Estado e o Direito à vida ................................................. 51 3.4 A dependência química como forma de suicídio em longo prazo ....................... 52 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 59 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 61

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INTRODUÇÃO

Com o avanço tecnológico e científico vivido nos últimos tempos, a

sociedade vem sendo favorecida pelas descobertas diárias das ciências que se

utilizam do que há de mais moderno para o desenvolvimento de benefícios à vida

humana. São tratamentos, curas de doenças, e tecnologias que facilitam o exercício

das atividades cotidianas proporcionando conforto, segurança, etc.

Entretanto, simultaneamente a tais benefícios, muitos problemas também

se desenvolveram com os avanços experimentados pela sociedade. As constantes

disparidades econômicas, educacionais e culturais dão margem ao aumento da

violência, da criminalidade, do tráfico de drogas, dentre outros males.

Este último, por sua vez, é motivo e, ao mesmo tempo, consequência dos

dois primeiros, pois atinge perversamente a coletividade sem distinção. Não importa

se estamos ou não entre os que fabricam, vendem, transportam ou usam drogas,

somos todos, de alguma forma, alcançados pelos lamentáveis resultados daí

extraídos.

Preocupados com o destino desta sociedade “viciada” e doente, vários

países procuram desenvolver políticas públicas sobre drogas na intenção de amenizar

os transtornos sofridos pela população, em especial pelos usuários e suas famílias.

Com este mesmo escopo, tem-se um Projeto de Lei, nº 7663/2010, de

autoria do Deputado Osmar Terra (PMDB-RS), o qual prevê a articulação entre União,

estados e municípios para promover uma rede nacional de prevenção, atenção e

repressão às drogas, sendo possívela internação compulsória ouinvoluntária dos

dependentes químicos.

Torna-se importante salientar que o Projeto de Lei supramencionado foi

aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 22 de maio de 2013 e que, no momento,

aguarda a apreciação da matéria pelo Senado paraposterior sancionamento pela

presidente Dilma Rousseff.

Posto isto, faz-se necessário esclarecer, ainda, que a internação

compulsória de dependentes químicos prevista na nova lei antidrogas, não é objeto

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de inovação na legislação pátria, sendo matéria já conhecida através da Lei Federal

de Psiquiatria, qual seja, Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, a qual permite a

internação compulsória por determinação da Justiça, após a análise e a averiguação

se o indivíduo apresenta riscos para a sociedade caso continue em liberdade.

A diferença consiste em que na proposta, existe a possibilidade de as

famílias ou responsáveis legais de usuários de drogas requererem, mesmo sem o

consentimento do dependente químico, a internação em instituição de saúde para

tratamento e desintoxicação, sendo necessário o aval de um médico, mas a decisão

será tomada sem a participação de um juiz.

Com isto, gerou-se uma grande discussão entre defensores e opositores

da nova lei antidrogas. Enquanto aqueles afirmam ser uma medida eficaz para a

tentativa de ressocialização dos dependentes, evitando um mal maior; estes

classificam a internação involuntáriacomo um tipo de tratamento repressor que

contraria o livre arbítrio dos dependentes, desembocando em contrariar, assim, o

princípio da dignidade humana.

Tal princípio, por sua vez, consiste em um direito fundamental garantido

pela Constituição Federal brasileira, sendo o “pai” dos demais princípios

constitucionais, devido a sua amplitude e profundidade.

Diante disso, no primeiro capítulo trataremos da evolução histórica da

internação compulsória no Brasil e no mundo, com fundamento na legislação pátria e

na obra “História da Loucura” de Michael Foucault, que, como o próprio título revela,

trata de uma abordagem histórica a respeito das doenças mentais e da origem da

psiquiatria.

No segundo capítulo abordaremos a proteção estatal à vida e os princípios

que a regem, incluídos aqui alguns dos direitos e garantias fundamentais individuais

elencados na Constituição Federal brasileira, com destaque para o direito à vida e o

princípio da dignidade da pessoa humana.

Por fim, no terceiro capítulo falaremos diretamente do instituto da

internação compulsória, por meio do esclarecimento de seu procedimento, do papel

desempenhado pela família na vida de um individuo e da responsabilidade que lhe é

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inerente como detentora do poder familiar (ou pátrio poder); da função do Estado como

agente efetivador da internação compulsória em detrimento de ser também o

garantidor do direito à vida, e do dependente químico considerado como dissipador

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de sua de sua própria vida, um suicida em longo prazo.

Portanto, no presente estudo, serão expostas as controvérsias que

envolvem a internação compulsória dos dependentes químicos ante o princípio da

dignidade da pessoa humana.

1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA.

Partindo do significado literal do termo “internação compulsória”, diz-se da

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internação a ação ou efeito de internar, privar da liberdade sem motivo penal;

introduzir-se; meter-se pelo interior; e de ser compulsório o que possui a capacidade

de compelir, forçar; em que há obrigação ou possui caráter obrigatório (DICIONARIO,

2014).

Dessa forma, instantaneamente se entende que a internação compulsória

é a ação que objetiva privar a liberdade de um determinado sujeito, compelindo sua

introdução e o mantendo em determinado local de forma obrigatória.

Ao longo de toda a história da sociedade sempre se viu com olhos

discriminatórios o que era diferente, e, a despeito da modernização social até aqui

experimentada, muitos olhos ainda enxergam dessa forma. Não é culpa do ser

humano estranhar aquilo lhe é incomum, assim como não é culpado aquele que não

se enquadra no padrão imposto pela maioria. Entretanto, apesar da inocência, o

tratamento dispensado aos “diferentes” pela maioria nunca foi dos mais amistosos.

Até hoje a reação da maior parcela da sociedade ao se deparar com

acontecimentos e pessoas considerados díspares, é a imposição a estes daquilo que

por ela é considerado normal. Tal imposição foi e tem sido motivo de muitos conflitos

entre grupos sociais, mas, como é de costume, a “maioria sempre vence” e a minoria

diferente é sufocada pela vontade dos mais fortes até que o tempo passe e a história,

por si só, cuide em ser alterada.

Os deficientes físicos e mentais, os órfãos, as viúvas, os idosos, os

portadores de doenças consideradas imundas ou de fácil transmissão, os pobres, os

mendigos, os bêbados, as prostitutas, os homossexuais, e tantos outros diferentes

tidos como estorvos para a sociedade já viveram ou ainda vivem à margem dela.

O isolamento do indivíduo considerado anormal (anormal é entendido como

aquele que foge à normalidade; o que é, de alguma forma, atípico) foi o meio mais

eficaz que a sociedade encontrou para impor a sua vontade e excluir de seu convívio

o que não lhe interessa ou o que lhe interessa esconder.

De tal modo, durante muito tempo a solução para que tais indivíduos não

se misturassem com os “normais” foi a internação compulsória, já que eram obrigados

a permanecer confinados em asilos financiados pelo Estado ou em instituições

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repressivas financiadas por seus familiares para que não “contaminassem” os demais.

1.1 A evolução histórica da internação compulsória no mundo.

Conforme se percebe da leitura de Foucault (2004) em sua obra intitulada

de “História da Loucura”, a internação compulsória tem sua origem ligada a Europa,

na Idade Média, quando a lepra (hanseníase, morfeia, mal de Hansen ou mal de

Lázaro) assombrava tal sociedade. Por ser uma doença infectocontagiosa, causada

pela bactéria Mycobacterium lepraeou bacilo de Hansen (assim chamada em

homenagem ao seu descobridor Gerhard Hansen, daí o termo hanseníase), que é

transmitida pela saliva do infectado através de suas vias respiratórias por meio da fala,

espirro, tosse, beijo, etc. (LEPRA, 2014); logo que era identificada em alguém,

imediatamente se procedia à primeira medida paliativa contra a doença: isolar o

indivíduo portadorda sociedade.

Os leprosários (locais onde ficavam os doentes da hanseníase) logo foram

criados, multiplicaram-se por toda a Europa, construídos nos subúrbios e sem

vizinhança, para que se garantisse o isolamento dos doentes, que assim

permaneceram por centenas de anos até que a doença foi erradicada, em meados do

século XV (FOUCAULT, 2004, p. 7-8).

Todavia, para Foucault, não obstante o desaparecimento da hanseníase

como doença, ainda perdurariam os valores e as impressões que a sociedade

medieval atribuiu à figura do hanseniano como alguém imerecido do convívio social:

A lepra se retira, deixando sem utilidade esses lugares obscuros e esses ritos que não estavam destinados a suprimi-la, mas sim a mantê-la a uma distância sacramentada, a fixá-la numa exaltação inversa. Aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo que a lepra, e que se manterá ainda numa época em que, há anos, os leprosários estavam vazios, são os valores e as imagens que tinham aderido à personagem do leproso; é o sentido dessa exclusão, a importância no grupo social dessa figura insistente e temida que não se põe de lado sem se traçar à sua volta um círculo sagrado. [...] Desaparecida a lepra, apagado (ou quase) o leproso da memória, essas estruturas permanecerão. Freqüentemente nos mesmos locais, os jogos da exclusão serão retomados, estranhamente semelhantes aos primeiros, dois ou três séculos mais tarde. Pobres, vagabundos, presidiários e "cabeças alienadas" assumirão o papel abandonado pelo lazarento, e veremos que salvação se espera dessa exclusão, para eles e para aqueles que os excluem. Com um sentido inteiramente novo, e numa cultura bem diferente, as formas subsistirão — essencialmente, essa forma maior de uma partilha rigorosa que é a exclusão social, mas reintegração espiritual. (Ibid., p. 9-10,

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grifo nosso).

Em razão disso, no fim do século XV, ao final da Idade Média, o papel de

excluído que outrora fora desempenhado pelos doentes do mal de Hansen passou a

ser exercido pelos que foram atingidos por doenças venéreas (sexualmente

transmissíveis). Estes, da mesma forma que àqueles, foram segregados da sociedade

inicialmente pelo simples estabelecimento da exclusão e isolamento de seus corpos

impuros, depois, com a perspectiva médica da doença, para tratamento (Ibid., p.11-

12).

Entre o aparecimento de outras doenças e os acontecimentos que

inevitavelmente levavam o homem a ser separado de seu convívio social, surge a

loucura, que, na opinião de Foucault, foi a que mais se assemelhou a hanseníase no

sentido da visão de exclusão física e moral a ela atribuída:

Fato curioso a constatar: é sob a influência do modo de internamento, tal como ele se constituiu no século XVII, que a doença venérea se isolou, numa certa medida, de seu contexto médico e se integrou, ao lado da loucura, num espaço moral de exclusão. De fato, a verdadeira herança da lepra não é aí que deve ser buscada, mas sim num fenômeno bastante complexo, do qual a medicina demorará para se apropriar. Esse fenômeno é a loucura. Mas será necessário um longo momento de latência, quase dois séculos, para que esse novo espantalho, que sucede à lepra nos medos seculares, suscite como ela reações de divisão, de exclusão, de purificação que no entanto lhe são aparentadas de uma maneira bem evidente. Antes de a loucura ser dominada, por volta da metade do século XVII, antes que se ressuscitem, em seu favor, velhos ritos, ela tinha estado ligada, obstinadamente, a todas as experiências maiores da Renascença. (Ibid., p. 12, grifo nosso).

Com a Era Clássica, período que perdurou até a chegada das Revoluções

Industrial e Francesa, compreendido entre a queda do feudalismo, a expansão

marítima e o desenvolvimento do capitalismo (fatores socioeconômicos que marcaram

os séculos XVI, XVII e XVIII), a loucura passou a ser vista de uma forma diferente,

mas não da forma correta.

Em Paris, no ano de 1656, por meio do Decreto de Luís XIV, foi criado o

Hospital Geral, que em nada tinha a ver com práticas médicas, já que se tratava de

uma entidade administrativa que, nas devidas proporções e sob o comando do Rei,

julgava e condenava. O referido decreto também determinou a “grande internação”,

onde os loucos passaram a ser administrados pelo Estado (através do hospital geral)

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e internados compulsoriamente em asilos e cidadelas, juntamente com os indivíduos

(desempregados, vagabundos, doentes, prostitutas, etc.) que representavam algum

tipo de ameaça aos avanços econômicos da Europa no século XVIII.

Conforme Resende (2000, p. 24):

Até então, os loucos estavam nas mãos da justiça, destinados a cumprirem medidas legislativas de repressão em hospitais gerais, que apesar da nomenclatura, não tinham função curativa. Sua única função, como vimos alhures, era manter a cidade limpa “desses perturbadores da ordem pública.

Acrescenta Foucault (2004, p. 70):

O internamento se justifica assim duas vezes, num indissociável equívoco, a título de benefício e a título de punição. É ao mesmo tempo recompensa e castigo, conforme o valor moral daqueles sobre quem é imposto. Até o final da era clássica, a prática do internamento será considerada nesse equívoco: ela terá essa estranha convertibilidade que a faz mudar de sentido conforme o mérito daqueles a quem se aplica. Os bons pobres fazem dela um gesto de assistência, e obra de reconforto; os maus — pela única razão de serem maus — transformam-na num empreendimento da repressão. A oposição entre os bons e maus pobres é essencial à estrutura e à significação do internamento. O Hospital Geral designa-os como tais e a própria loucura é dividida segundo esta dicotomia que pode entrar assim, conforme a atitude moral que parece manifestar, ora na categoria da beneficência, ora na da repressão. Todo interno é colocado no campo dessa valoração ética — e muito antes de ser objeto de conhecimento ou piedade, ele é tratado como sujeito moral (grifo nosso).

Posto isto, a internação compulsória continuou a ser usada pelo Estado

como uma espécie de encarceramento dos que a ela eram submetidos; até que no

começo do século XIX, com o movimento higienista, as casas de internamento

passaram a desaparecer, uma vez que nesta época a medicina já entendia a loucura

como doença mental e a sociedade se atentou para o fato de que os loucos

necessitavam de tratamento médico especializado, e que por isso deveriam ser

retirados dos abrigos a que haviam sido submetidos junto com a escória social da

época, para serem protegidos em locais salubres, próprios ao tratamento que lhes

deveria ser dispensado. Daí ocorreu o surgimento da psiquiatria científica e dos

hospícios e manicômios (Ibid.).

Vale ressaltar, também, o papel determinante na história da internação

compulsória desempenhado pela primeira lei que reconheceu a necessidade de

assistência e atenção específica para a categoria dos doentes mentais como um

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direito. Conhecida como a lei francesa de 30 de junho de 1938, se tornou modelo para

vários países, inclusive para o Brasil (MENDES, 2003).

Segundo Castel (1978. p. 55-56):

A medicalização não significa, de fato, a simples confiscação da loucura por um olhar médico. Ela implica na definição, através da instituição médica, de um novo status jurídico, social e civil do louco: o alienado, que a lei de 1838 fixará, por mais de um século, num completo estado de minoridade social. A internação em um ‘estabelecimento especial’ é o elemento determinante que condiciona esse status.

De acordo com Renata Corrêa Britto (2004, p. 28), a mencionada lei era

composta por 41 artigos que abordavam as questões concernentes à construção e ao

funcionamento de estabelecimentos destinados exclusivamente aos alienados, às

internações e às altas, bem como os procedimentos necessários e à administração

dos bens dos alienados.

Além disso, a norma supramencionada também merece realce por ter

inovado o direito civil ao estabelecer as figuras da interdição, da incapacidade civil do

louco e de uma espécie de curatela, que deveria ser exercida por um dos membros

das comissões administrativas ou de supervisão, para desempenhar a função de

administrador provisório dos bens da pessoa internada que não fosse interditada

(Ibid., p. 31).

Em razão disso, podemos destacar:

A lei francesa de 1838 sobre os alienados exerceu um papel de grande importância na história e no desenvolvimento da psiquiatria. As determinações presentes em seu texto fundamentaram em grande parte a prática psiquiátrica e influenciaram a constituição das leis de diversos países ocidentais. Sua formulação ocorreu no contexto pós-revolucionário e seu texto foi diretamente influenciado pelas concepções alienistas da época. (Ibid., p. 27).

Todo esse processo evolutivo da internação compulsória e,

concomitantemente, da psiquiatria, que foi experimentado pelos países europeus,

aconteceu de modo semelhante no Brasil: as primeiras internações se deram com os

leprosos, depois com os portadores de doenças venéreas, até chegar à vez dos

loucos. Sendo importante frisar que no Brasil, assim como ocorreu na Europa, a

internação tem sua essência marcada pela segregação social das minorias

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consideradas como a escória humana da sociedade e como entraves para o seu

crescimento socioeconômico.

1.2 A evolução histórica da internação compulsória no Brasil.

Sabe-se que a chegada da psiquiatria no Brasil está relacionada com a

vinda da família real e de mais 15 mil pessoas da corte portuguesa para o Rio de

Janeiro em 1808. Este fato promoveu a ampliação econômica e o crescimento da

população na cidade, que colaboraram, consequentemente, para o aumento dos

problemas sociais, dentre eles, o aparecimento da loucura e a presença dos loucos

pelas ruas.

Os loucos eram recolhidos das ruas para as prisões ou para a Santa Casa

de Misericórdia, não para tratamento, mas para que a ordem pública fosse mantida.

Diante disso não recebiam cuidados médicos e eram submetidos a condições

insalubres de sobrevivência, repetindo a exclusão ocorrida na Europa.

Por influência de um grupo de médicos da Sociedade de Medicina do Rio

de Janeiro, inspirados pelo movimento higienista europeu, em 1852 foi criado o

primeiro hospício brasileiro, o Hospício de Pedro II. Apesar de ter sido uma instituição

criada especificamente para o tratamento dos loucos, não os tratou de forma muito

diferente da que eram tratados na prisão e na Santa Casa, sendo conferida a esta

ultima sua administração.

Em 1890, após o estabelecimento da República brasileira, o Hospício de

Pedro II passou a ser administrado pelo Estado, vindo a se tornar o Hospício Nacional

de Alienados. Além disso, no mesmo ano, foram criadas (longe das cidades) as

colônias de internamento e a Assistência Médico-Legal aos Alienados.

Em 22 de dezembro de 1903 foi aprovada a primeira lei nacional que

regulou a necessidade de assistência e atenção específica para a categoria dos

doentes mentais como um direito, o Decreto nº 1.132, ao longo de deus 23 artigos,

reorganizou a assistência aos alienados no Brasil(sob evidente influência da lei

francesa de 1838).

Com a vigência do Decreto nº 24.559 de 03 de julho de 1.934, percebeu-

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se a preocupação do Estado em prevenir e tratar a loucura, e não apenas em

considerá-la como um setor especial da saúde, o que já vinha ocorrendo no vigor do

Decreto nº 1.132, de 22 de outubro de 1903. Vejamos:

De acordo com Tykanori (1987), o decreto de 1934 foi formulado por meio de justificativas tecnocientíficas segundo uma ideologia eugenista. Tinha como objetivo promover a purificação da raça brasileira e considerava a doença mental como uma degenerescência moral de algumas raças, principalmente negros e amarelos. O tratamento era fundamentado na correção moral e o controle social resultava do isolamento e da exclusão dos supostos inferiores. Desta forma, o tratamento supostamente considerado uma ação técnica pôde apresentar um outro lado que atuava na retirada da liberdade e da igualdade do cidadão, promovendo a justificativa e a sanção de uma política de controle social.(Ibid., p. 80-81).

Em meados da década de 60, com a ditadura militar e sua política

centralizada e autocrática, o sistema de saúde se tornou altamente corrompido. A

construção e manutenção de hospitais psiquiátricos, bem com as internações,

passaram a ser um negócio lucrativo para os empresários do ramo, pois as clínicas e

internações, mesmo que particulares, eram custeadas pelo governo e não havia

nenhuma fiscalização, facilitando ainda mais a indignidade no tratamento dos loucos,

vítimas das piores barbaridades que se podia imaginar.

Com o fim da ditadura militar e a promulgação da “Constituição Cidadã”,

em 1989 o Deputado Paulo Delgado apresentou o Projeto de Lei3.657 que dispunha

sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituiçãopor outros recursos

assistenciais e regulamentava a internação psiquiátricacompulsória. Eis alguns

trechos da justificativa do Projeto de Lei feita pelo Deputado suprarreferido:

O hospital psiquiátrico especializado já demonstrou serrecurso inadequado para o atendimento de pacientes comdistúrbios mentais, seu componente gerador de doençamostrou ser superior aos benefícios que possa trazer. Em todoo mundo, a desospitalização é um processo irreversível, quevem demonstrando ser o manicômio plenamente substituível por serviços alternativos mais humanos, menos estigmatizantes, menos violentos, mais terapêuticos. [...]No Brasil, os efeitos danosos da política de privatizaçãoparoxística da saúde nos anos 60 e 70, incidiramviolentamente sobre a saúde mental, criando um parquemanicomial de quase 100.000 leitos remunerados pelo setorpúblico, além de cerca de 20.000 leitos estatais. A interrupção do crescimento desses leitos é imperativa para o início efetivo de uma nova política, mais competente, eficaz, de atendimentoaos pacientes com distúrbios mentais. Apesar de todas as dificuldades estruturais e políticas, a redepsiquiátrica pública demonstrou, a partir do início dos anos80, ser capaz de propor e

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sustentar novos modelos de atendimento em saúde mental, que levem em conta os direitos e a liberdade dos pacientes. [...]No Brasil da cidadania menos que regulada, a maioria absoluta das mais de 600.000 internações anuais são anônimas, silenciosas, noturnas, violentas, na calada obediência dos pacientes. A Defensoria Pública, que vem sendo instalada em todas as comarcas, deverá assumir a responsabilidade de investigar sistematicamente a legitimidade da internação-seqüestro e o respeito aos direitos do cidadão internado. A questão psiquiátrica é complexa, porsuas interfaces com a Justiça e o Direito, com a cultura, com afilosofia, com a liberdade. Se considerarmos toda acomplexidade do problema, esta é uma lei cautelosa, quaseconservadora. O que ela pretende é melhorar - da única formapossível - o atendimento psiquiátrico à população que dependedo Estado para cuidar de sua saúde, e proteger em parte os direitos civis daqueles que, por serem loucos ou doentes mentais, não deixaram de ser cidadãos.(Sala das Sessões,setembro de 1989 - Deputado Paulo Delgado). (Ibid., p. 83-84, grifo nosso).

Apesar de o momento histórico no Brasil ter sido propício para a

promulgação do Projeto de Lei em destaque, este só veio a ser normatizado 12 anos

após a apresentação da proposta inicial, no dia 06 de abril de 2001, por meio da Lei

Federal nº 10.216, o que deu origem à chamada “Reforma Psiquiátrica Brasileira”.

Importante se faz ressaltar que alguns estados brasileiros, movidos pela

ânsia da Reforma, promulgaram suas leis estaduais de regulamentação da saúde

mental antes da vigência da Lei Federal n º 10.216/01. Dentre eles, o estado do Ceará

foi pioneiro ao instituir, em 29 de julho de 1993, a Lei Estadual nº 12.151, que dispõe

sobre a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos e sua substituiçãopor outros

recursos assistenciais, regulamenta a internação psiquiátricacompulsória e dá outras

providências.

Finalmente, em 06 de abril de 2001, o Projeto de Lei3.657/89adquiriu status

normativo pela vigência da Lei Federal n º 10.216 (ainda em vigor), a qual dispunha

sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais,

incluídos aqui os dependentes químicos, e redireciona o modelo assistencial em

saúde mental.

Neste sentido, a internação compulsória está prevista no ordenamento

jurídico brasileiro desde o ano 2001, quando o então Presidente da República,

Fernando Henrique Cardoso, sancionou a Lei Federal supramencionada. Juntamente

com a compulsória, estão regulados nesta Lei outros dois tipos de internação: a

voluntária e a involuntária. Eis o que dispõe o artigo 6º, parágrafo único, incisos I a III,

29

da referida Lei:

Art. 6º. A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Diante disso, vê-se que voluntária é a internação espontânea do sujeito,

onde ele mesmo percebe, aceita e reconhece a necessidade de se recolher do

convívio social em que está inserido para tratar de sua saúde, e assim o faz por meio

de uma declaração escrita (Art. 7º da Lei em destaque).

Já a internação involuntária, é a que ocorre à margem da aceitação do

paciente, que, por achar-se incapacitado para discernir devido a crises ou transtornos

psicológicos, tem sua vontade guiada por familiar ou responsável legal, ou ainda por

um médico (na falta ou recusa destes), que poderão requerer sua internação

diretamente a Instituição médica adequada (Art. 8º da Lei 10.216/2001).

Daí torna-se claro o fato de que a internação compulsória, apesar de

também ser involuntária, desta se difere, pois é ato decorrente de determinação

judicial, fundamentada em laudo médico, que visa privar a liberdade de um indivíduo

em virtude de sua grave condição psíquica e do risco que tal condição possa causar

a ele mesmo e à sociedade.

Assim, observamos que a internação, de modo geral, passou por um

demoradoperíodo de transformação até chegar ao que hoje representa. Antes era

medida coercitiva que promovia pura e simplesmente a exclusão social dos

“diferentes” e dos que eram tidos como estorvos para a sociedade. Hoje representa

uma medida estatal de saúde pública que visa proteger e tratar a vida do indivíduo

sujeito a ela, bem como resguardar a vida dos demais.

30

2. A PROTEÇÃO ESTATAL À VIDA.

2.1 Direitos e garantias fundamentais do ser humano no ordenamento jurídico

brasileiro.

O longo e constante processo de civilização pelo qual a humanidade tem

passado desde que o homem é sapiens até os dias atuais, foi marcado por inúmeras

31

transformações positivas e negativas, sejam elas de cunho social, religioso, político

ou econômico. Com a ciência jurídica não foi diferente, pois sua existência é

condicionada à existência da vida humana em sociedade, e, da mesma forma que

esta, apesar de nem sempre ser concomitante, vem sofrendo inúmeras modificações.

Neste mesmo sentido diz o ditado de autoria do jurista romano Ulpiano: “ubi

homo ibi societas; ubi societas, ibi jus”, que significa: “onde está o homem, aí está a

sociedade; onde está a sociedade, aí está o direito”. Assim, conforme este

entendimento, não há como separar a origem dos direitos fundamentais da história do

homem social.

Trilhando na mesma linha, Norberto Bobbio nos diz que:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.(1992, p. 5).

Dessa forma, vê-se que os direitos e garantias fundamentais estão

efetivamente presentes na sociedade desde as primeiras normas codificadas, como,

por exemplo, o Código de Hamurabi, que já citava o direito à vida, à honra e à

propriedade. Todavia, foi após a segunda guerra mundial que tais normas ganharam

destaque internacional através da Declaração Universal dos Direitos do Homem,

aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de

1948. Tal Declaração fixou os direitos fundamentais em um contexto de ordem

internacional, o que deu ensejo a uma maior prevalência deles no ordenamento

jurídico interno de vários países.

A doutrina atribui múltiplas denominações aos direitos essenciais à pessoa

humana, tais como direitos humanos, direitos dos povos, direitos naturais, direitos

morais, direitos públicos subjetivos,direitos fundamentais, liberdades públicas, etc. O

importante é saber que, seja qual for a nomenclatura, tais normas são frutos de uma

longa evolução histórica e representam uma das mais relevantes conquistas da

sociedade.

Estes direitos são denominados fundamentais por tratarem de matérias que

32

regulam pontos imprescindíveis à condição humana e ao convívio coletivo harmônico,

seja da sociedade entre si,seja entre a sociedade e o Estado. Sendo assim, torna-se

possível dizer que os direitos e garantias fundamentais representam o alicerce de

todos os outros direitos, garantias e também deveres dos diversos ramos constantes

nos vários ordenamentos jurídicos de países do mundo inteiro.

Os direitos fundamentais podem ser conceituados como a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões. Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade).(ARAUJO; NUNES JÚNIOR, 2005, p. 109-110).

No entendimento de José Afonso da Silva:

O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem, em enunciados explícitos das declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais do que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira entre proprietários e não proprietários. (1992, p.137).

No Brasil, desde 1824, através da Constituição do Império e por influência

da Revolução Francesa, ainda que de forma limitada, os direitos fundamentais foram

contemplados. O artigo 179 da Carta Magna e o conteúdo de alguns de seus trinta e

cinco incisos já tratavam, limitadamente, dos direitos à liberdade, à segurança e à

propriedade. Eis o que dispõe o caput do mencionado artigo: “A inviolabilidade dos

Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a

segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, [...].”.

Entretanto, foi por meio da “Constituição Cidadã” de 1988, ainda em vigor,

assim denominada por ter sido promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte de

1988, que os direitos e garantias fundamentais ganharam destaque e se tornaram

cláusulas pétreas, ou seja, direitosque não podem ser suprimidos da Constituição,

nem mesmo por emenda constitucional, apenas sendo possível a modificação para

serem majorados.

A vigente Carta Magna brasileira traz em seu bojo cinco capítulos

33

dedicados aos direitos e garantias fundamentais, que estão dispostos no Título II entre

os artigos 5º e 17º. Tais normas são assim classificadas: direitos e deveres individuais

e coletivos (capítulo 1), direitos sociais (capítulo 2), nacionalidade (capítulo 3), direitos

34

políticos (capítulo 4) e partidos políticos (capítulo 5).

Em razão disso, tratemos aqui dos Direitos e Deveres Individuais e

Coletivos,uma vez que neles estão elencados os direitos e garantias destinados

especialmente ao indivíduo (brasileiro ou estrangeiro, desde que este esteja dentro

do território nacional) como ser singular e insubstituível que é, assegurando o respeito

a sua particularidade e atuando em sua esfera pessoal, subjetivamente considerada.

Neste sentido, José Afonso da Silva (2001, p. 182 – 183) esclarece:

[...] direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por isso são reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do Direito Constitucional brasileiro (art. 5º), e ainda por liberdades civis e liberdades-autonomia (França)”; [...].

No âmbito desta esfera subjetiva trazida pelo artigo 5º da Constituição

Federal e seus incisos, estão os mais primordiais direitos e garantias inerentes à

pessoa humana, dentre os quais, vale destacar o direito à vida, à igualdade e às

liberdades de ação, locomoção, expressão, pensamento, religião, filosofia, entre

outros.

O caput doartigo 5ºsupramencionado nos diz que “Todos são iguais

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.

Considerando a amplitude e importância da palavra, termo ou expressão VIDA, primeiramente alçamo-nos à Bíblia Sagrada, para lembrar que Deus criou a luz (dia), o firmamento (céu), a terra, o mar, o Sol, a Lua e as estrelas. Vendo que tudo isso, mesmo sendo maravilhoso, não era suficiente, criou então a VIDA, primeiro a vida vegetal (ervas, sementes, árvores, frutos) e depois criou a vida animal (pássaros, baleias, peixes, animais domésticos, répteis e feras). Coroando Seu trabalho, criou então o homem e a mulher, tendo soprado sobre eles um sopro de vida, tornado-os seres viventes. (Gênesis, 1-2). (ROBERTO, data desconhecida, p.2-3).

Daí percebe-se que o legislador constituinte não enumerou o direito à vida

em posição dianteira aos demais em vão. Pois, sem dúvida, aquele é o principal

destes; tendo em vista ser o seu precursor, o pai de todos os outros direitos. Já que

35

sem vida, não há direito.

O legislador constituinte contemplou em primeiro lugar, dentre os direitos fundamentais individuais, o direito à vida. Nada mais razoável, pelo valor que se dá a este bem de natureza irreversível quando perdido e que, sem ele, não há como usufruir dos demais direitos. Todos os direitos contemplados no artigo 5º são considerados cláusulas pétreas. (TEIXEIRA, 2008).

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI

sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966, e

adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro em 6 de julho de 1992 por meio do

Decreto nº 592, afirma que: “1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este

direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de

sua vida.” (Parte III, art. 6).

A vida é valor supremo do ser humano. É a existência em si mesma. É a

graça da morte. É um dom, um mistério. Por isso, todo ser humano tem o direito a ela,

que não se restringe à simples qualidade biológica de existir e de não ser privado de

sua existência, mas se trata do direito a viver plenamente, de maneira digna, com a

garantia de ter as condições psicológicas, morais, sociais e físicas necessárias para

se usufruir desta dignidade.

De acordo com Luciana M. Pereira Roberto ([2010], p.4), viver é um “[...]

direito inato, adquirido no nascimento, portanto, intransmissível, irrenunciável e

indisponível. Assim, o suicídio não constitui ato de exercício de um direito [...]”,

entendendo que ninguém tem o direito de tirar a vida de outrem, nem mesmo o próprio

titular.

A mesma autora acrescenta ainda, que:

[...] o direito à vida deve ser associado a um direito à conservação da vida, em que o indivíduo pode gerir e defender sua vida, mas não pode dela dispor, apenas justificando ação lesiva contra a vida em casos de legítima defesa e estado de necessidade. [...] CANOTILHO aduz que o direito à vida é um direito subjetivo de defesa, pois é indiscutível o direito de o indivíduo afirmar o direito de viver, com a garantia da "não agressão" ao direito à vida, implicando também a garantia de uma dimensão protetiva deste direito à vida. Ou seja, o indivíduo tem o direito perante o Estado a não ser morto por este, o Estado tem a obrigação de se abster de atentar contra a vida do indivíduo, e por outro lado, o indivíduo tem o direito à vida perante os outros indivíduos e estes devem abster-se de praticar atos que atentem contra a vida de alguém. E conclui: o direito à vida é um direito, mas não é uma liberdade.

36

(Ibid.).

Sendo assim, o Estado, como forma de assegurar o pleno gozo do direito

à vida e dos demais que dele sucedem, é detentor de um poder soberano que atua

nas diversas esferas sociais, e até mesmo na individualidade de seus protegidos,

regulando e limitando as ações do povo por meio de seu poder coercitivo em prol de

um bem comum e maior, que visa garantir as condições necessárias para a digna e

integral fruição do direto à vida, bem como de todos os outros direitos e garantias

fundamentais, sejam elas individuais ou coletivas.

São inúmeras as ramificações que derivam do direito à vida, entretanto,é

importante frisar o direito à vida privada e o principio da dignidade da pessoa humana,

que serão analisados mais adiante.

Com relação ao direito à liberdade não é diferente, pois também é suporte

de várias extensões que abrangem os mais diversos direitos: liberdade de ação em

geral (fazer ou não fazer algo), liberdade de locomoção (ir e vir, ficar e permanecer),

liberdade de pensamento (opinião, expressão e religião), liberdade de ação

profissional (livre escolha de profissão), liberdade de expressão coletiva (reunião e

associação), e outras tantas liberdades reguladas pelo Estado através do Direito.

A liberdade de ação em geral consiste no que está expresso no inciso II do

artigo 5º da Constituição Federal, que assim prescreve: “II - ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”. Nisto, o legislador

garantiu que todos podem fazer ou não fazer o que quiserem, desde que a lei

(entendendo-se aqui como lei o ato legislativo legítimo que obedeceu ao processo

legislativo estabelecido pela Constituição) não determine o contrário.

A liberdade de locomoção, por sua vez, está garantida pelo que dispõe o

inciso XV, do artigo 5º, da Constituição Federal, que nos diz: “XV - é livre a locomoção

no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei,

nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”. Aqui está compreendida a

possibilidade jurídica conferida a todas as pessoas de serem elas senhoras de seus

próprios destinos e vontades, podendo locomoverem-se livremente por todo o

37

território nacional.

Quanto à liberdade de pensamento, é possível demonstrá-la por meio dos

seguintes incisos do artigo 5º, Constituição Federal de 1988:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; [...] VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; [...].

Diante disso, no Brasil, toda forma de pensamento, seja intelectual,

religioso, filosófico, científico, político, artístico e etc., pode ser livremente expressa,

desde que não seja anônima.

O inciso XIII do artigo em destaque trata da liberdade de ação profissional

e assim prescreve: “XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,

atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”. Ou seja, aqui o

legislador confere a liberdade de escolha de trabalho, de ofício e de profissão, de

acordo com as propensões de cada pessoa.

Finalmente, a liberdade de expressão coletiva garante as liberdades de

reunião e associação através do que está expresso nos incisos XVI a XXI, artigo 5º,

Constituição Federal, com destaque para o que asseguram os incisos XVI e XVII:

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

O direito à igualdade, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal,

é fundamental para a efetivação da democracia uma vez que prevê o tratamento

uniforme para todos perante a justiça.

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Quão grande é sua valia, que é considerado pela doutrina como um

princípio, que, por sua vez, consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente

os desiguais, na medida de suas desigualdades, cuidando para que não

hajamdesequiparações fortuitas ou injustificadas (MELLO, 1998, p. 23).

Torna-se imperioso ressaltar ainda que o princípio da igualdade, assim

como os demais direitos tratados neste tópico, não tem sua aplicabilidade limitada ao

tratamento que a justiça brasileira despensa aos seus assistidos, mas se aplica

também nos relacionamentos sociais, entre indivíduos. Ou seja, todos devem tratar e

serem tratados com igualdade, na medida de suas desigualdades.

Um exemplo da igualdade aplicada na medida dos desiguais é o cuidado

que o ordenamento jurídico pátrio dispensa aos portadores de necessidades

especiais, idosos, crianças, gestantes, deficientes físicos e mentais, entre outros.

Estando dessa formasendo tratados com igualdade na medida de suas

desigualdades.

Como se percebe até aqui, os direitos fundamentais individuais acima

abordados, mesmo sendo necessários ao individuo para que a ele seja garantida uma

vida digna e plena em todas as áreas, sofrem limitações em sua aplicabilidade integral

no sentido de que só é possível aplicá-los até o ponto em que tal exercício não

comprometa o gozo dos direitos dos demais indivíduos, sendo essencial neste ponto

a interferência do Estado, assunto estudado no tópico a seguir.

2.2 O papel coercitivo do Estado na vida do ser humano.

O termo Coerção deriva do Latim “coercio”, que significa, “ação de reprimir,

de refrear, repressão; castigo”. Um defensor desta força coercitiva atribuída ao Estado

que merece destaque foi o grande teórico político Thomas Hobbes, já que ele nos

mostrou a condição a qual o homem se encontra, no estado natural, a fim de que haja

uma necessidade de efetivação do Estado.

Segundo Hobbes, o estado natural é a condição na qual todos os homens

se encontram e nela estão em patamar de igualdade, possuindo os mesmos direitos.

O teórico defende que o homem em seu estado natural está influenciado pela paixão,

sendo então guiado pelos instintos, pelo impulso de sobrevivência, um esforço nato

39

de existir do ser humano. Daí vê-se a necessidade de um poder estatal soberano, já

que sem tal poder os homens viveriam em meio a guerras constantes, haja vista não

serem naturalmente justos, piedosos ou bondosos, mas tendenciosos a viverem com

parcialidade, orgulho e vingança.

A comodidade da vida consiste em liberdade e riqueza. Por liberdade eu quero dizer que não existe proibição sem necessidade de alguma coisa para um homem, que seria legítimo para ele na lei de natureza; ou seja, que não existe restrição da liberdade natural, senão naquilo que é necessário para o bem da república, e que os homens bem intencionados possam não cair no perigo das leis, como em armadilhas, antes que sejam alertados. Diz respeito também a esta liberdade que um homem possa ter uma passagem cômoda de um lugar a outro, e não ser aprisionado ou confinado com a dificuldade de caminhos e falta de meios para transporte de coisas necessárias. Quanto à riqueza do povo, ela consiste em três coisas, a boa ordenação do tráfico, a obtenção de trabalho, e a proibição de consumo supérfluo (HOBBES 2002, p. 207).

Hobbes adverte, ainda, que todos os que se encontram fora das rédeas

estatais, devem buscar a tutela soberana do Estado o mais rápido possível afim de

que se submetam ao seu poder coercitivo, pois somente através da proteção do

Estado é que as pessoas terão garantias de segurança e mais tranquilidade.

O douto pensador aconselha, também, que não se deve enxergar a tutela

estatal como limitadora da liberdade individual, mas sim considerar que é melhor ter

a liberdade reduzida pelo Estado em prol de um bem maior, do que regressar ao ponto

inicial onde todos guerreavam contra todos e os problemas só eram solucionados com

a morte.

Trilhando nesta senda, interessante se faz destacar uma expressão

sociológica muito comum na atualidade, que é a “Coerção Social”. Tal termo promove

sentido que se difere um pouco do tema em questão, pois caracteriza a pressão e/ou

repressão que a própria sociedade exerce sobre o indivíduo, manifestada por meio de

leis e normas sociais, não sendo estas necessariamente escritas ou em forma de

documentos legais, podendo ser exercida por um grande ou pequeno grupo de

indivíduos que atuam sobre os outros, seja de forma física ou psicológica.

É possível citar como exemplos comuns de coerção social a influência que

nos é imposta pela sociedade para usarmos determinados tipos de roupas conforme

o lugar de destino ou a ocasião, padrões de corpo e de comportamento, como o uso

40

de talheres para comer, ou até mesmo a aversão à prática de assassinato.

Vale observar que a coerção social mais eficiente é aquela que é tão

internalizada pelo indivíduo que ele sequer percebe que está sendo exteriormente

influenciado e chega ao ponto de achar que faz determinadas coisas por sua livre

escolha. E justamente para que essa coerção social não vire um caos, o Estado tem

um papel fundamental no que diz respeito a manter o equilíbrio, impedindo, através

de seu poder coercitivo, que tais normas sociais extrapolem sua aplicabilidade.

Conforme anteriormente esclarecido, a vida, por seu valor inestimável e

imensurável, é o maior bem tutelado no direito, e o Estado, no exercício de sua

soberania, tem a obrigação de preservar este bem. Tal preservação ocorre

principalmente pela restrição das liberdades individuais em prol da garantia de

manutenção de um bem maior, que é a vida e o direito de vivê-la plenamente.

Segundo o pensamento de Renato Ribeiro (2004, p. 117-118):

O estado civil garante uma disputa mais civilizada para a fruição dos bens que os homens almejam para serem felizes. Os homens não querem apenas viver – mas viver bem. Não os levou à sociedade só o medo da morte, mas também a esperança de conforto; e, afastados o homicídio e a fome, expande-se o seu desejo, almejando mais e mais. Sendo incondicionado o direito à vida, deve o soberano respeitar a natureza insaciável dessa matéria humana: por mais que os artífices de uma república cuidem de instruir os cidadãos em seus deveres, de prevenir as seduções, resta que cada homem é movido por um apetite infinito. [...]. A questão não é condenar o conatus sem fim, mas agenciá-lo mecanicamente (as imagens da máquina e do autômato), de modo que os apetites inesgotáveis não mais se destruam.

Como resultado da proteção estatal à vida existem vários princípios

constitucionais, dentre eles podemos destacar o da Igualdade, que preconiza que a

vida de todos os membros da sociedade possui o mesmo valor, ou seja, a todos deve

ser dispensada a mesma importância perante a lei; e o da Isonomia, que atua tratando

igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas

desigualdades.

O inciso X, do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, por sua

vez, cuida em garantir que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas são invioláveis, sendo possível que aquele que tiver uma destas garantias

violadas tenha o direito a receber indenização pelo dano, moral ou material, que lhe

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seja causado, se não vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...].

Apesar de tamanha importância, o direito à intimidade e à vida privada não

despertava simpatia diante do olhar da maioria dos juristas e nem o interesse dos

mesmos, sendo este um dos motivos de ter sido firmado como um direito autônomo

antes dos anos 1950. Contudo o seu reconhecimento pela Declaração Universal dos

Direitos dos Homens, adotada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas,

serviu como impulso necessário para que os estudiosos do Direito pudessem se voltar

mais especificamente para a elaboração de um direito autônomo, fornecendo assim a

tutela necessária ao homem, diante dos riscos em que o mesmo estaria exposto

quanto ao acelerado avanço tecnológico.

No direito anglo-americano a garantia da intimidade é quase sempre

considerada como sinônimo do direito à privacidade. Já a nossa Carta Constitucional,

como visto a pouco, assinalou a mesma situação com dois nomes distintos, onde a

intimidade do cidadão é sua vida privada, dentro do seu lar.

Os bens tutelados, neste sentido, são o segredo da vida privada (direito à

intimidade, de não ter sua vida íntima exposta) e à liberdade da vida privada, ou seja,

o próprio direito à vida privada e sua disposição.

Neste sentido, merecem destaque as palavras do escritor Edilsom de

Farias:

O direito à intimidade oferece uma maior proteção aos cidadãos comuns do que aos homens públicos ou pessoas célebres, porquanto estes voluntariamente se expõem ao público, tendo que abdicar em parte de sua intimidade como preço da fama ou prestígio granjeados. Todavia, ressalta o autor que as pessoas públicas sofrem uma limitação e não uma supressão de sua intimidade. Esta subsiste naquelas hipóteses em que sua divulgação adentra na esfera íntima da intimidade. (FARIAS, 1996, p. 116).

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O direito à intimidade não se restringe apenas ao âmbito Constitucional, na

teoria e na prática podemos vê-lo na esfera do Direito Penal e na esfera do Direito

Civil, mesmo que a intimidade não seja colocada de forma expressa nessas duas

esferas, podemos ver uma preocupação do legislador ao buscar protege-las, mesmo

que timidamente.

Busca-se, com a intimidade, assegurar uma parcela da personalidade que

se reserva a indiscrição alheia a fim de satisfazer exigências de isolamento moral do

sujeito.

No tocante ao Direito da Vida Privada, podemos dizer que se refere a três

tipos de elementos, são eles: a liberdade sexual, a liberdade da vida familiar e a

liberdade de domicílio.

A primeira diz que cada pessoa vive a sua própria sexualidade,

englobando-se nessa liberdade a temática do homossexualismo, intersexualismo e do

transexualismo, bem como a livre escolha de seus parceiros.

Já a liberdade familiar ou das relações familiares, engloba um núcleo

formado pelos cônjuges, pelos pais, sejam casados ou não, assim como avós, filhos

e netos. A Convenção Europeia a define como:

“A autonomia dos membros de uma comunidade familiar de viver uma vida normal sobre o mesmo teto, impondo uma obrigação positiva ao Estado de respeitar e promover essa autonomia, englobando aí os dos direitos às relações entre seus membros.”

Em suma, a liberdade da vida familiar se apresenta como o poder de

organizar e desenvolver a vida em uma comunidade formada pelos cônjuges, assim

como por estes e por seus descendentes.

No que diz respeito ao terceiro elemento, Direito de domicílio, o homem

passa a ter esta garantia a partir do ponto em que a Constituição Federal apregoa que

o domicilio é asilo inviolável do indivíduo (artigo 5º, inciso XI). Com isso, a Constituição

Federal reconhece que o homem tem o direito fundamental a ter um lugar e só este

indivíduo e a sua família gozará de uma esfera jurídica privada intima, sendo

respeitada como manifestação da vontade da pessoa humana.

43

Assim, todo recinto que a pessoa eleja para custodiar e desenvolver seus

segredos e os de sua família, todo lugar privativo, ocupado por alguém, com direito

próprio e de maneira exclusiva, mesmo sem caráter definitivo ou habitual, deve ser

protegido pelo direito à inviolabilidade do domicílio.

É certo que nenhuma garantia ou direito são absolutos, e podem ser

exercidos a qualquer tempo e sob quaisquer circunstâncias, podendo o Estado intervir

quando achar necessário. Se houver incompatibilidade entre dois ou mais direitos

fundamentais será aplicado o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, onde

aquele que mais se adequar ao caso concreto será o aplicado, conforme disposto na

Decisão do Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. NULIDADE DOS ELEMENTOS DE PROVA COLETADOS POR MEIO DE INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA EM PRESÍDIO. 3. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE INTIMIDADE E PRIVACIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE GARANTIAS ABSOLUTAS. APLICAÇÃO DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. 4. SENTENÇA DE PRONÚNCIA BASEADA EM OUTRAS PROVAS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO CONCRETO. 5. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente - a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício -, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal. 2. A comunicação - e se está examinando a comunicação entre pessoas presas - merece respeito, devendo ser resguardado o direto fundamental à intimidade. No entanto, na ordem constitucional pátria não existem garantias ou direitos absolutos, que possam ser exercidos a qualquer tempo e sob quaisquer circunstâncias. No plano da realidade concreta, diante de situações de incompatibilidade entre dois ou mais direitos fundamentais, mostra-se imperiosa a efetiva compreensão e aplicação do postulado da proporcionalidade ou razoabilidade. 3. Na espécie - em que, ao que tudo indica, os crimes foram praticados por organização criminosa especializada no tráfico de drogas, contando com a participação e auxílio de agentes penitenciários, motivados os réus pela disputa por pontos de venda de entorpecentes -, a autoridade policial e o Poder Judiciário, embora necessariamente jungidos pelo Direito, devem ter sua atuação menos obstada, sendo necessária exegese que combine os direitos do acusado aos princípios, também constitucionais e fundamentais, da integridade estatal, da promoção do bem de todos e da segurança pública. Precedentes. 4. Além

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disso, não demonstrou a defesa o efetivo prejuízo decorrente do procedimento adotado pela autoridade policial, pois além de o vaso sanitário em que posicionado o gravador estar fixado no exterior das celas, sendo as conversas desenvolvidas espontaneamente e em voz alta entre os acusados, que não estavam sozinhos no local, o teor das comunicações não foi relevante para a prolação da sentença de pronúncia, que se baseou, notadamente, nos depoimentos das testemunhas e nas interceptações telefônicas. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido. (STJ - HC: 251132 RS 2012/0167200-3, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 25/02/2014, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/03/2014).

Dessa forma, se o indivíduo pratica atos que não condizem com as leis e

normas estatais, que possam afrontar o convívio social a ponto de prejudicar outras

pessoas, o Estado tem pleno direito de intervir na vida privada e na intimidade deste

indivíduo, afim de cessar àquela atividade que pode ser prejudicial a ele ou a

terceirospara preservar o bem jurídico tutelado, sem que haja maiores prejuízos, pois

o que vai prevalecer neste caso é a manutenção da ordem pública e do bem estar

social, onde os interesses do poder público se sobressairão ao privado, visando o bem

estar das pessoas que vivem naquela sociedade e não só daquele indivíduo que

praticou o ato em si.

Por fim, como antes citado, a minha liberdade vai até aonde a liberdade do

outro começa.

Assim, nos remetemos novamente a Hobbes, já que segundo ele o Estado

tem a obrigação de dar garantia de segurança à vida do indivíduo que caminha até

ele, se o indivíduo não pratica nenhum ato que vai contra o poder Estatal e a sua

Constituição, prejudicando outras pessoas, não tem porque o Estado interferir, mas

se este indivíduo extrapola, torna-se imprescindível a sua intervenção.

2.3 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Partindo do pressuposto de que a Constituição de um país é a sua Lei

Principal, a qual representa a base de seu ordenamento jurídico através de um

conjunto de leis, normas e regras; chega-se à conclusão de que na Carta Magna estão

contidas as diretrizes das políticas adotadas, os princípios que regem a nação, os

poderes, os direitos, os procedimentos e toda a estrutura de funcionamento do

45

governo de um país.

Com a atual Constituição Federal brasileira, não ocorre diferente. Nela

estão elencadas todas as diretrizes políticas, econômicas, administrativas, culturais e

sociais do Brasil.

A partir do preâmbulo constitucional, embora não tenha natureza

normativa, já é possível contemplar importantes informações a respeito de nosso país,

como por exemplo, que o Brasil adota o sistema de um Estado Democrático de Direito

e que é uma República Federativa, conforme se lê:

Preâmbulo - Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Neste sentido, vale lembrar que República é o modelo político em que o

poder emana do povo, Federação significa que o país é composto por várias unidades

autônomas (estados) unidas sob um único governo federal, e Estado Democrático de

Direito é um sistema jurídico de governo pautado na defesa dos direitos humanos e

garantias fundamentais, exercido pelo povo através de seus representantes eleitos,

ou diretamente, e baseado na divisão dos poderes estatais em executivo, legislativo

e judiciário.

Passada a caracterização política, a Suprema Carta traz em seu primeiro

artigo os elementos que representam o alicerce do Estado brasileiro, e dentre eles

está o objeto deste estudo, que é a dignidade da pessoa humana:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

46

O primeiro fundamento elencado no artigo 1º da Constituição Federal é a

soberania, que se refere à autoridade suprema, mas não absoluta, atribuída ao

Estado. É “aqualidade máxima de poder social por meio da qual as normas e decisões

elaboradas pelo Estado prevalecem sobre as normas e decisões emanadas de grupos

sociais intermediários [...]”. (SOBERANIA, 2014). Em suma, é a soberania que atribui

ao Estado a qualidade de dominador social exercida por ele através de seu poder

coercitivo.

O inciso II do artigo 1º supramencionado, traz a cidadania como o segundo

fundamento da República Federativa do Brasil, e a cidadania, por sua vez, consiste

na garantia da possibilidade de o cidadão (denominação atribuída ao habitante da

cidade) exercer livrementeseus direitos e deveres civis, políticos e sociais.

Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, mencionados no inciso

IV, artigo 1º, da Constituição Federal brasileira, dizem respeito ao reconhecimento e

a valorização do trabalho como meio idôneo de sustento do cidadão, que por assim o

ser, deve ser protegido e regulamentado pelo Estado, sendo garantido o livre exercício

de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

O quinto fundamento da República Federativa brasileira, disposto no artigo

1º, inciso V, da Constituição Federal, é o pluralismo político, que, segundo Alexandre

de Moraes:

[...] demonstra a preocupação do legislador constituinte em afirmar-se a ampla e livre participação popular nos destinos políticos do país, garantindo a liberdade de convicção filosófica e política e, também, a possibilidade de organização e participação em partidos políticos. (MORAES, 2010, p. 22).

Dessa forma, podemos dizer que o pluralismo político garante o direito à

diferença de pensamento político e está caracterizado pela possibilidade de

coexistência de “[...] vários grupos ou centros do poder,mesmo que em conflito entre

si, aos quais se confere a função de controlar o poder dominante, identificado com o

estado.” (DINIZ, 2005, p. 701).

Perante tais esclarecimentos, passemos agora a análise do Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana, o qual está inserido no artigo 1º, inciso III, da

47

Constituição Federal de 1988, junto aos fundamentos acima pormenorizados.

Primordialmente impende destacar que, conforme nos diz José Afonso da

Silva (1998, p. 89), a primeira Lei a resguardar expressamente a dignidade da pessoa

humanafoi a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, promulgada em 23

de maio de 1949, ainda em vigor, que em seu artigo 1º, número 1, declara:“A dignidade

da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder

público” (BUNDESTAG, 2011, p. 18).

Silva (1998, p. 89) acrescenta ainda que o que motivou a Alemanha a

positivar constitucionalmente esse princípio de base filosófica, foi“o fato de o Estado

nazista ter vulnerado gravemente a dignidade da pessoa humana mediante a

práticade horrorosos crimes políticos sob a invocação de razões de Estado e outras

razões”, vejamos:

Os mesmos motivos históricos justificaram a declaração do art. 12 da Constituição Portuguesa segundo o qual “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular, e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária” e também a Constituição espanhola, cujo art. 10, nº 1, estatui que "A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais, são fundamentos da ordem política e da paz social”. E assim também a tortura e toda sorte de desrespeito à pessoa humana praticadassob o regime militar levaram o Constituinte brasileiro a incluir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, conforme o disposto no inc. lII, do art. 1º da Constituição de 1988. (Ibid., grifo nosso).

Diante do contexto apresentado, percebemos que a dignidade da pessoa

humana, de conceito filosófico passou a ser um princípio tutelado pelo Estado devido

aos inúmeros conflitos políticos e sociais que surgiram ao longo da história da

sociedade e que representaram um verdadeiro desprezo da pessoa humana e de sua

dignidade.

Segundo o pensamento Kantiano, o homem é o único ser de natureza

racional que existe e por isso existe como fim em si mesmo, diferente dos demais

seres desprovidos de razão, que existem como meio. Para Kant, a racionalidade

atribui ao homem um valor absoluto que lhe permite representar sua própria

existência, por isso ele é chamado de pessoa e não de coisa (que possui valor

48

relativo).

O filósofo defende também que os meios possuem um preço, e os fins uma

dignidade. O que tem preço tem valor relativo e pode ser substituído por qualquer

coisa equivalente, já o que é fim, que tem valor absoluto e não admite substituição, é

uma dignidade:

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. (KANT, 2004, p. 65).

Assim, vê-se que a dignidade e se confunde com a própria natureza

humana, tendo em vista ser“atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único

ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite

substituição equivalente [...]”. (Silva, 1998, p. 89).

Segundo preceitua Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 62):

[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Com isso, a dignidade da pessoa humana foi estabelecida como

fundamento da República Federativa do Brasil, instituída como a máxima do Estado

Democrático de Direito, como o mais basilar de todos os princípios constitucionais do

ordenamento jurídico brasileiro e do mundo, e como a base essencial de todo o

sistema de direitos fundamentais.

A partir do momento em que o homem se consagrou pela sua racionalidade

e se deu conta de que tal qualidade o faz um ser dotado de dignidade (virtude,

honradez, consideração), qualidade moral que inspira respeito e consciência de si

mesmo, a dignidade humana passou a dar margem para o surgimento de diversos

direitos e garantias fundamentais até então desconhecidos.

O direito à vida, que por vezes pode ser confundido com a dignidade da

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pessoa humana, o direito às liberdades de ação, locomoção, expressão e

pensamento, o direito ao voto e à participação política, o direito à igualdade, o direito

ao trabalho, o direito à saúde, e tantos outros direitos fundamentais possuem seus

alicerces fincados na dignidade da pessoa humana.

Além de ser o “pai” dos direitos e garantias fundamentais, segundo o trecho

supracitado de Sarlet, o princípio da dignidade humana também tem a função de

garantir as condições mínimas para uma vida saudável (digna).

Diante disso, vale ressaltar que o dependente químico, ao ter determinada

a sua internação compulsória, não terá violado os seus direitos humanos, uma vez

que tal internação visa salvaguardar o seu direito principal, qual seja, a vida.

50

3. DO INSTITUTO DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA.

3.1 Procedimento

Conforme estudado em tópico anterior, vimos que a internação compulsória

está expressamente regulada no ordenamento jurídico brasileiro desde 6 de abril de

2001, por meio do inciso III do parágrafo único do artigo 6º da Lei nº 10.216, que assim

prescreve:

Art. 6º. A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: [...] III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. (grifo nosso).

O artigo 9º da Lei em destaque complementa:

Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários. (grifo nosso).

Assim percebe-se que a internação compulsória só deve ser invocada em

último caso, quando for necessária a intervenção estatal (questão de saúde pública),

mediante laudo médico e determinação do juiz competente, sem a necessidade de

consentimento do paciente e de pedido feito por terceiro (família ou responsável legal).

Sendo possível que tanto o Ministério Público quanto o médico responsável por setor

da área de saúde pública procedam ao pedido de internação compulsóriapara o

Judiciário.

Sobre o tratamento a ser ministrado ao internado, temos a Resolução do

Conselho Federal de Medicina nº 1598/2000, publicada em 09 de agosto de 2000,e

posteriormente alterada pela Resolução CFM nº 1952/2010, de 07 de julho de

2010,que elenca em seus artigos 6º, parágrafo único, e 15 e parágrafos, o seguinte:

Art. 6º - Nenhum tratamento deve ser administrado a paciente psiquiátrico sem o seu consentimento esclarecido, salvo quando as condições clínicas não permitirem a obtenção desse consentimento, e em situações de emergência, caracterizadas e justificadas em prontuário,para evitar danos imediatos ou iminentes ao paciente ou a outras pessoas. Parágrafo único – Na impossibilidade de obter-se o consentimento

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esclarecido do paciente, e ressalvadas as condições previstas no caput deste artigo, deve-se buscar o consentimento de um responsável legal. [...] Art. 15 - A internação de um paciente em um estabelecimento de assistência psiquiátrica pode ser de quatro modalidades: voluntária, involuntária, compulsória por motivo clínico e por ordem judicial, após processo regular. Parágrafo primeiro – A internação voluntária é feita de acordo com a vontade expressa do paciente em consentimento esclarecido firmado pelo mesmo. Parágrafo segundo – A internação involuntária é realizada à margem da vontade do paciente, quando este não tem condições de consentir mas não se opõe ao procedimento. Parágrafo terceiro – A internação compulsória por motivo clínico ocorre contrariando a vontade expressa do paciente, que recusa a medida terapêutica por qualquer razão. (Revogadopela Resolução CFM nº 1952/2010) Parágrafo quarto – A internação compulsória por decisão judicial resulta da decisão de um magistrado. Parágrafo quinto – No curso da internação, o paciente pode ter alteração na modalidade pela qual foi admitido originariamente. (grifo nosso).

Diante disso, temos que todo tratamento administrado ao paciente

psiquiátrico deve ser feito mediante seu consentimento, exceto quando sua situação

clínica não permita a obtenção desse consentimento, e em caso de emergência para

evitar que danos ocorram ao paciente ou a outras pessoas. Sendo necessária, em

todas as modalidades, a justificação em prontuário médico.

A Resolução previa ainda, além das internações voluntária, involuntária e

compulsória por decisão judicial, outro tipo de internação compulsória: a por motivo

clínico. Entretanto este ultimomodelo foi excluído pela Resolução CFM nº

1952/2010,de 07 de julho de 2010, tendo em vista o entendimento de que a internação

compulsória, por ser caracterizada pela privação da liberdade de um indivíduo, não

deveria ser respaldada apenas por motivos clínicos, ficando regulada a compulsória

por ordem judicial que necessita inicialmente de um laudo médico para então ser

efetivada pela autorização de um juiz competente.

Além disso, é extremamente importante nos atentarmos para o disposto no

final do caput do artigo 15 antes citado, o qual nos diz que a internação psiquiátrica

só ocorrerá após o devido processo regular. Ou seja, as internações devem ser

guiadas por um procedimento administrativo, e, no caso da compulsória, também pelo

processo judicial, sendo garantido, em todos os casos, o devido processo legal, a

ampla defesa e o contraditório, conforme assegura a Constituição Federal.

Portanto, a internação compulsória é uma medida extrema. É uma

52

intervenção estatal decidida pela justiça e utilizada para privar a liberdade daquele

que venha a ser um perigo para si próprio ou para outras pessoas, mesmo contra a

sua vontade ou de terceiros.

Diferente de outros países, o Brasil ainda não tem uma Lei específica sobre

a internação compulsória. Como visto anteriormente, as normas que trazem a

internação compulsória em seu bojo, não regulam o procedimento a ser adotado para

sua efetivação, tratam apenas da necessidade de laudo médico anterior ao pedido

que deve ser feito ao juiz, e este determinará, ou não, a execução da medida

compulsória, o que faz com que os operadores do direito e a doutrina, guiados pelo

bom senso e pela jurisprudência, definam os procedimentos a serem utilizados no

pedido de internação compulsória.

Para exemplificar, vejamos o que a juíza da 1ª Vara de Família e Sucessões

de Goiânia, Sirlei Martins da Costa (2013), disse em seu artigo informativo:

[...] A internação compulsória está prevista na lei para aplicação naquelas situações em que há necessidade de intervenção estatal (questão de saúde pública), mas não há solicitação de familiar para a internação. Nestes casos, tanto o Ministério Público quanto o setor próprio da área de saúde pública podem formular ao Judiciário o pedido de internação compulsória do paciente.O pedido de internação compulsória deve ser direcionado ao Juiz da Vara de Família, pois o fundamento do pedido é o fato de o usuário de substância entorpecente estar impossibilitado, momentaneamente, de decidir acerca do próprio interesse, no caso sua saúde. De qualquer forma, a medida, deferida em caráter emergencial e temporária, deve preceder de manifestação do Ministério Público e será sempre deferida no intuito de proteger o interesse do usuário. O magistrado jamais deve fixar o tempo da internação, pois caberá ao especialista responsável pelo tratamento decidir sobre o término da internação (§ 2º do Art. 8º)[Lei 10.216/01]. (grifo nosso).

Assim, conforme a explicação da magistrada, a internação compulsória só

deve ser invocada quando não houver solicitação de familiar ou responsável legal.

Caso haja, deverá ser procedida a internação involuntária, e não a compulsória. Já

que a internação involuntária é realizada sem a aceitação expressa do paciente (mas

não necessariamente em sua oposição) através do pedido e do consentimento diretos

de familiar ou responsável legal ao centro de saúde competente, sem intervenção

jurídica, bastando apenas laudo médico que comprove a necessidade de internação.

Já o procedimento da internação compulsória, segundo Sirlei (ibid.), deve

ocorrer da seguinte forma: o setor próprio de saúde pública da área ou o Ministério

53

Público, motivados ou não por um terceiro (que não é familiar nem responsável legal

do paciente), podem formular a justiça, mediante a apresentação de laudo médico

circunstanciado, o pedido de internação compulsória (contra a vontade do paciente ou

até mesmo de sua família ou representante) que deve ser endereçado ao juiz

competente da Vara de Família da Comarca, e este, analisando as condições de

segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais

internados e funcionários, emitirá, ou não, a ordem para que se proceda a internação

compulsória.

A magistrada alerta, ainda, que não cabe ao juiz competente estipular um

período de duração da internação, tendo em vista que tal prescrição deve ser feita

pelo médico responsável pelo tratamento.

Posto isto, com a falta de lei específica a jurisprudência também tem

desempenhado um importante papel para a orientação dos procedimentos judiciais

relacionados à internação compulsória, principalmente no que diz respeito à

competência da Vara de Família e à legitimidade ativa do Ministério Público, se não

vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA. Cuidando-se de demanda em que se discute o estado e a capacidade civil de dependente químico, possuindo a internação compulsória natureza de interdição parcial e provisória, compete ao juízo especializado da Vara da Família o processamento e julgamento do feito. TRATAMENTO CONTRA DROGADIÇÃO. OBRIGAÇÃO E SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES PÚBLICOS. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70059224246, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 28/05/2014). (grifo nosso). CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. 10ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA. 4ª VARA DA FAMÍLIA E SUCESSÕES. PORTO ALEGRE. PEDIDO DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA PARA TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO. MATÉRIA QUE ENVOLVE ESTADO DA PESSOA. COMPETÊNCIA DAS VARAS DE FAMÍLIA. A internação compulsória é pretensão jurídica que diz respeito ao estado da pessoa, aproximando-se da figura da interdição, o que atrai a competência das Varas de Família, a teor do art. 84, IV, da Lei nº 7.356/80 -COJE. CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE. (Conflito de Competência Nº 70060970712, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 15/08/2014). (grifo nosso). REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. CONDENAÇÃO DO PODER PÚBLICO. Não é deser conhecido o reexame necessário quando a condenação dosentes públicos é inferior a sessenta salários mínimos (art. 475, § 2º,do CPC). LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DA DEMANDA.O Ministério Público é parte legítima para intentar ações quebusquem proteção do direito à vida e à saúde em favor dedependente químico, por se tratar de interesse individualindisponível. (APELAÇÃO CIVEL

54

Nº 70038566311, SÉTIMACÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR:JORGE LUIZ DALL'AGNOL, JULGADO EM 01.10.2010). (grifo nosso). ESTADO DA PESSOA. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA.TRATAMENTO A DEPENDENTE QUÍMICO. GARANTIA DETODOS E DEVER DO ESTADO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR A AÇÃO, POSTULANDO TRATAMENTO A DEPENDENTE QUÍMICO, INCAPACITADO TRANSITORIAMENTE EM RAZÃO DO VÍCIO. RISCO A SUA INTEGRIDADEFÍSICA E DE SUA FAMÍLIA. LIBERAÇÃO DO JOVEM QUEATINGIU A MAIORIDADE DESCABIDA. TRANSFERÊNCIA DENOSOCÔMIO APTO AO TRATAMENTO. AGRAVO PROVIDO.(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70040007171, OITAVA CÂMARACÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LUIZ ARIALAMBUJA RAMOS, JULGADO EM 22.11.2010). (grifo nosso).

Esclarecidos os pontos relacionados ao procedimento da internação

compulsória, passemos a analisar o desempenho da família e do Estado como

instituições essenciais no auxílio à prevenção da dependência química e à reinserção

do dependente na sociedade.

3.2 A instituição família e o seu Pátrio Poder

A família é a mais antiga das instituições humanas, e, sob um enfoque

criacionista, entende-se que ela, assim como o homem, foi elaborada por Deus.

[...] E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente. [...] E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele. Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar;E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão.E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada.Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne. [...]. (GENESIS. cap.2).

O Autor da vida, após ter criado todas as coisas, viu que o homem estava

só e que isso não era bom. Então para a companhia do homem Deus criou a mulher,

sua ajudadora, e ordenou-lhes que juntos frutificassem e multiplicassem e enchessem

a terra com sua descendência, formando, daí, a primeira família do mundo.

Fazendo uma pequena digressão da crença para a filosofia, é interessante

lembrar o que defendia o filósofo Aristóteles. Para ele o homem é um ser naturalmente

social e naturalmente carente, pois não consegue viver isolado das coisas e das

55

pessoas, necessitando da convivência em sociedade para alcançar sua plenitude,

vejamos:

O homem é por natureza um ser social. Qualquer um que não consegue viver com outros ou é tão autossuficiente para prescindir disso, e portanto, não participa da sociedade: ou é um besta, ou um deus. (BULHÕES, 2013).

Podemos conceituar família como sendo a unidade básica da sociedade

formada por indivíduos com ancestrais em comum, ou ligados por laços afetivos; um

grupo de pessoas que, possuindo relação de parentesco, habitam o mesmo lugar;

pessoas cujas relações foram estabelecidas pelo casamento, por filiação ou pelo

processo de adoção (Dicionário Online).

Assim como toda instituição composta por homens, a família possui uma

estrutura organizacional (por vezes hierárquica). Tal estrutura geralmente é

formadapor duas pessoas adultas (tradicionalmente um homem e uma mulher, mas

não necessariamente) e por seus filhos, biológicos ou adotados, que vivem em um

ambiente familiar comum.

Hoje, apesar de a maior parte da sociedade ainda ser conservadora no que

diz respeito à concepção original de família, os núcleos familiares apresentam uma

grande capacidade de adaptação e podem ser compostos das mais diversas

maneiras, não existindo mais um padrão a ser seguido.

Como bem se sabe, a família é o primeiro contato social do homem. Os

relacionamentos familiares são os primeiros a serem experimentados por alguém. A

convivência entre filhos e pais, irmãos, e demais graus de parentesco ou afetividade,

são a primeira experiência de socialização das crianças. É dentro do ambiente familiar

que o homem aprende a sê-lo, que constrói a sua personalidade e que forma sua base

de valores.

[...] a família constitui o primeiro, o mais fundante e o mais importante grupo social de toda pessoa, bem como o seu quadro de referência, estabelecido através das relações e identificações que a criança criou durante o desenvolvimento (VARA, 1996; p. 8).

Por entender tamanha importância da família na formação e no decorrer da

vida de um indivíduo, é que o Estado se preocupou em regular o denominado “poder

56

familiar” ou “pátrio poder”, que caracteriza o conjunto de responsabilidades e direitos

dos pais para com os filhos menores ou incapazes, ou dos responsáveis para com os

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curatelados.

O Código Civil de 1916 chamava o poder familiar de “pátrio poder” por

entender que seu exercício era atribuído exclusivamente à figura masculina do pai.

Todavia, com a vigência da Constituição de 1988, foi instituída a igualdade de direitos

conjugais entre homens e mulheres, por meio do artigo 226, parágrafo 5º, ao dispor

que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente

pelo homem e pela mulher".

Desse modo, o atual Código Civil (CC), vigente desde o ano 2002,

estabelece que "durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos

pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade" (art.

1.631, CC).

Conforme definição preceituada por Maria Helena Diniz (2011, p. 593), o

poder familiar “engloba um complexo de normas concernentes aos direitos e deveres

dos pais relativamente à pessoa e aos bens dos filhos menores não emancipados”. A

autora atesta também que o poder familiar é um munus público, status que garante o

controle estatal sobre ele, vejamos:

Sendo o poder familiar um munus público, que deve ser exercido no interesse dos filhos menores não emancipados, o Estado controla-o, prescrevendo normas que arrolam casos que autorizam o magistrado privar o genitor de seu exercício temporariamente.

Diante disso, o Estado, ao regular tal conduta, determinou que poderá o

poder familiar vir a ser suspenso em virtude do abuso de autoridade dos pais ou de

sua condenação por crime cuja pena exceda dois anos (art. 1637, CC); e ainda que o

poder familiar também poderá ser destituído quando “o pai ou a mãe castigar

imoderadamente o filho; deixar o filho em abandono; praticar atos contrários à moral

e aos bons costumes e incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo

antecedente” (art. 1.638 do CC). Por fim, o poder familiar também poderá ser

extintoem caso de morte dos pais ou do filho, emancipação voluntária, adoção e

maioridade (art. 1.635 do CC).

Fora as possibilidades de suspensão e extinção normativamente previstas,

o poder familiar é um direito indisponível. Ou seja, não pode ser transferido por

58

iniciativa dos titulares para terceiro (VENOSA, 2004, p. 723).

O artigo 1.630 da legislação em comento preceitua que "Os filhos estão

sujeitos ao poder familiar, enquanto menores". Assim, conforme o artigo 5º da referida

norma, “a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica

habilitada à prática de todos os atos da vida civil”.Desse modo, aos dezoito anos do

filho o poder familiar fica extinto; ou antes, caso ocorra emancipação em razão de

alguma das causas elencadas no parágrafo único, do artigo 5º, do Código Civil.

Torna-se importante destacar, ainda, o que dispõe o artigo 1645, CC, sobre

os direitos e responsabilidades dos pais para com os filhos:

Art. 1645. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda; III – conceder-lhes, ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o outrodos pais lhe não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poderfamiliar; V – representa-los, até aos 16 anos, nos atos da vida civil, e assisti-los,após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes oconsentimento; VI – reclama-los de quem ilegalmente os detenha; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios desua idade e condição.

Assim, fica evidente a importância que a família exerce sobre o individuo,

especialmente na primeira infância, que dura até os sete anos de idade e que

compreende o período da formação e da conclusão do caráter de alguém (DEANA,

2012).

Com relação ao poder familiar na problemática da dependência química,

pode ser analisado em três vertentes. A primeira está caracterizada pelo dever dos

pais em dirigir a criação e a educação dos filhos, prestando-lhes exemplo de boa

conduta, orientando-lhes para a prática de bons costumes e advertindo-lhes quando

necessário; desenvolvendo assim um relacionamento pautado no diálogo, na

compreensão e no entendimento, fato que poderá evitar uma futura dependência

química do filho ou será essencial para sua cura.A segunda vertente é caracterizada

pela dependência química dos pais (um ou ambos), detentores do poder familiar.

Neste caso, comprovada a incapacidade do exercício do poder familiar pelo

seu detentor, ocorrerá a destituição temporária (até que a situação não mais

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apresente riscos para a criança ou o adolescente) ou definitiva.

Sobre isto, respaldado pelo artigo 1638 do Código Civil, esclarecem os

artigos 19 e 24 do Estatuto da Criança e do Adolescente que:

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. § 1o Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. § 2o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. § 3o A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. § 4o Será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial. (Incluído pela Lei nº 12.962, de 2014). [...] Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22. (grifo nosso).

Dessa forma, nota-se que toda criança ou adolescente deve ser,

preferencialmente, criado e educado no seio de sua família“em ambiente livre da

presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. Caso o convívio

familiar seja, de alguma forma, prejudicial ao desenvolvimento da criança ou do

adolescente, estes poderão ser afastados de suas famílias e inseridos em programa

de acolhimento familiar ou institucional até que a autoridade judiciária decida pela

reintegração familiar, que terá preferência sobre qualquer outra providência, ou pela

colocação em família substituta. A suspensão e a perda do poder familiar serão

decretadas judicialmente.

É importante destacar também o que tem decidido a pátria jurisprudência

60

acerca do assunto:

APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. MÃE BIOLÓGICA DEPENDENTE QUÍMICA COM VÁRIAS INTERNAÇÕES. VIDA DESREGRADA E INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES PSICOLÓGICAS PARA EDUCAR E CUIDAR DO FILHO RECÉM-NASCIDO. HISTÓRICO DE PROBLEMAS DE SOCIABILIDADE, COM OUTROS DOIS FILHOS DEIXADOS SOB A RESPONSABILIDADE DE PARENTES. NEGLIGÊNCIA CONFIGURADA. DIREITO DO INFANTE ASSEGURADO PARA QUE POSSA TER UMA VIDA DIGNA JUNTO A UMA FAMÍLIA ESTRUTURADA. SITUAÇÃO DO ARTIGO 1.638, INCISO IV, DO CÓDIGO CIVIL, E ARTIGO 24, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, CARACTERIZADA. ESTUDO SOCIAL CONTUNDENTE SOBRE A FALTA DE CONDIÇÕES DA APELANTE EM CRIAR SEUS FILHOS. COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA RECOMENDADA. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "O poder familiar é, antes de tudo, um múnus público irrenunciável, indelegável e imprescritível, devendo, em princípio, ser exercitado com toda a sensatez pelos pais. Mas se estes revelarem-se inaptos para o exercício de tão grave mister, dele deverão ser alijados, mediante decisão judicial. Para tanto existe o caminho da extinção do poder familiar, que poderá ser trilhado passando-se ou não pelo instituto da suspensão, na dependência da menor ou maior gravidade da situação a que os pais expuserem seus filhos." (TJ-SC - AC: 20120551016 SC 2012.055101-6 (Acórdão), Relator: Gerson Cherem II, Data de Julgamento: 10/09/2012, Primeira Câmara de Direito Civil Julgado). (grifo nosso).

A terceira vertente, por sua vez, diz respeito ao exercício do poder familiar

e das responsabilidades por ele atribuídas aos pais em virtude da incapacidade

jurídica do filho maior que é dependente químico. Com isso, mesmo que o filho

alcance a maioridade e dela ocorra à extinção do poder familiar, se permanecer em

situação de incapacidade jurídica, permanece o poder familiar.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE ALIMENTOS - FILHO MAIOR DE IDADE - NECESSIDADE COMPROVADA - PORTADOR DE DIABETES - PESSOA SUBMETIDA A TRATAMENTO PARA DEPENDÊNCIA QUÍMICA - IMPOSSIBILIDADE EM PROVER A PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA - NECESSIDADE EM RECEBER ALIMENTOS - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. - A obrigação dos pais em prestar alimentos aos filhos menores decorre do exercício do poder familiar, persistindo enquanto presente a menoridade, mas podendo alcançar a situação de maioridade, como obrigação derivada do parentesco, desde que demonstrada a necessidade do alimentado em continuar a perceber a pensão e sua impossibilidade em prover seu sustento próprio. - Embora a maioridade dos filhos não seja causa "pura e simples" para a exoneração da obrigação alimentar, nesta hipótese transfere-se ao alimentado o ônus de demonstrar a necessidade dos alimentos e a impossibilidade de prover seu sustento por esforço próprio. - Se a prova dos autos demonstra que o alimentado, devido a seu estado de saúde e tratamento para dependência química, é incapaz de prover sua própria subsistência, deve ser mantida a prestação alimentícia. (TJ-MG - AC: 10479100014121002 MG , Relator: Versiani Penna, Data de Julgamento: 10/10/2013, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/10/2013). (grifo nosso).

61

Este terceiro ponto também dá margem ao instituto jurídico da curatela, ou

interdição, do dependente químico, esteja ele desempenhando a função de pai ou de

filho maior.

Assim, segundo a Procuradora de Justiça, Terezinha de Jesus Souza

Signorini (2013, p.2):

A curatela é um instituto jurídico de proteção voltado para as pessoas maiores e que não podem cuidar sozinhas de seus próprios interesses. Ele transfere o poder de administrar e cuidar dosbens e interesses de um indivíduo para o outro, a fim de garantirproteção e cuidado ao curatelado.Trata-se de um encargo público concedido àdeterminada pessoa pelo Poder Judiciário mediante, em regra, umaação judicial de interdição, na qual o indivíduo deve ser previamentedeclarado relativa ou absolutamente incapaz de praticar os atos da vidacivil (cf. artigos 1.177 a 1.186 do CC).Segundo a lei (art. 1.767, inciso III, do Código Civil), as pessoas viciadas em tóxicos estão sujeitas à curatela. Isso ocorre porque o uso de substâncias entorpecentes, em especial aquelas com maior grau alucinógeno – como o “crack” e a “cocaína” -, pode reduzir e até mesmo inibir totalmente o entendimento e a capacidade de compreensão da realidade do usuário. (grifo nosso).

Diante disso, com relação à internação compulsória, verifica-se que a

família não exerce qualquer função direta, haja vista ser medida determinada pela

justiça, o que independe de solicitação ou vontade de familiar.

3.3 A responsabilidade do Estado e o Direito à vida.

A vida, por seu valor inestimável e imensurável, é o maior bem tutelado no

direito, e o Estado, no exercício de sua soberania, tem a obrigação de preservar este

bem.

Tal proteção se dá pela imposição de normas que regulam as condutas

sociais com o intuito de delimitar a disposição dos direitos e garantias individuais e

coletivos para queo direito à vida não seja usufruído de uma forma que venha a ferir

o direito à vida de outro individuo, ou até mesmo a sua própria vida.

Assim, o Estado, por meio de seu poder coercitivo, concomitante a garantia

62

de direitos, promove o cerceamento dos mesmos, através da imposição de normas

reguladoras, em prol de um bem comum.

Trazendo essa proteção para o âmbito da dependência química, o Estado,

objetivando proteger a vida do dependente químico e a das pessoas que lhe cercam,

regulamenta a internação do paciente portador de transtorno mental (incluído aqui o

afetado pela drogadição) por meio da já examinada Lei Federal nº 10216/01.

Quanto ao papel do Estado, a referida Lei estabelece em seu artigo 3º:

Art. 3º. É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, aqual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidasas instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aosportadores de transtornos mentais.

Diante disso, vê-se que o Estado é o responsável pelo desenvolvimento de

políticas públicas voltadas para a saúde mental, visando garantir a assistência

necessária aos doentes mentais e promover ações de saúde para eles. Em seguida,

percebe-se que, além do Estado, também são responsáveis por tal assistênciaà

sociedade e a família, na medida de suas participações, para o melhoramento da vida

do portador de transtorno mental, seja o transtorno temporário ou não.

Desta feita, a medida da internação, seja ela voluntária involuntária ou

compulsória, representa um tipo de assistência ao doente mental. Entretanto, a

problemática consiste no que diz respeito à internação compulsória: se é uma forma

de proteção à vida, ou se fere o princípio da dignidade da pessoa humana por obrigar

o dependente químico (ou, conforme o caso, o doente mental) a ser privado de sua

liberdade, ainda que contra sua manifesta vontade.

Quanto a isso, percebemos que não há que se falar em desrespeito ao

princípio da dignidade da pessoa humana. Pelo contrário, ao obrigar a internação de

um indivíduo que se encontra completamente devastado pelos efeitos físicos,

psicológicos, morais e sociais causados pela dependência química; o Estado,

respaldado por sua soberania e responsabilidade,visando garantir uma vida digna aos

seus cidadãos, atua na defesa dos preceitos abordados pelo princípio da dignidade

63

humana.

O direito de fumar, cheirar, injetar, beber ou de qualquer outra forma de

consumo de droga, até a ocorrência do evento morte, em nome do livre arbítrio; não

deve ser maior que o direito a vida, direito este que vem antes de todos os outros

direitos, uma vez que sem a vida, não temos como exercer os demais direitos que nos

são garantidos.

3.4 A dependência química como forma de suicídio em longo prazo.

Antes de adentramos ao conceito propriamente dito de dependente

químico, faz-se necessário, para uma melhor compreensão a respeito deste tema,

realizarmos uma breve análise sobre o que é a dependência química.

Na língua portuguesa a palavra “dependência” deriva do verbo “depender”,

que tem origem no latim dependere, e quer dizer, literalmente: “pender de”.

Dependência significa, ainda: “estado de dependente, sujeição, subordinação, falta de

autonomia, maturidade e independência, necessidade física e/ou psicológica de

determinada substância ou atividade; parte acessória” (VENAFRO, 2008).

Diante disso, podemos descrever a dependência como sendo a situação

de necessidade e submissão que um sujeito se encontra em relação a algo

(acontecimento, condição, emoção, sentimento, substância, etc.) ou a alguém, o

estado de se achar sob o domínio de uma força superior e dela depender.

É certo que no decorrer do nosso dia-a-dia nos deparamos constantemente

com várias formas de dependência, tanto as que acontecem conosco quanto as que

observamos nos círculos sociais nos quais estamos inseridos. A própria vida em si é

formada por uma série de dependências que a condicionam desde a sua origem,

passando pelo seu desenvolvimento, até o seu fim.

Viver significa depender, depender do reino da natureza, das suas hierarquias, dos seus recursos físicos. Depender, ainda, das estruturas humanas em suas mais variadas configurações simbólicas, às quais a criança aprende a se submeter. Todos nós somos dependentes das coisas das quais “gostamos”, das quais “precisamos” para viver. Toda discussão acerca das dependências humanas refere-se a questões fundamentais da delimitação entre normal/patológico, ajuste/desajuste, equilíbrio/desequilíbrio. A Desmedida das ânsias e desejos humanos pode, pela baixa descontrolada

64

que a caracteriza, sem dúvida aumentar a dependência, transformá-la em algo patológico. (ADE, 2014).

Atualmente as dependências patológicas mais frequentes na sociedade

são a econômica, a emocional, a tecnológica e a química.

Diz-se econômica a dependência financeira de um individuo. Ou seja,

aquele que não tem condições de prover seu próprio sustento financeiro e necessita

da provisão econômica de outra pessoa, é assim um dependente econômico. Um

exemplo corriqueiro disso é a situação de dependência econômica que um filho tem

em relação aos pais até que atinja condições necessárias para prover o seu próprio

sustento. Entretanto quando essa condição é alcançada e mesmo assim o

dependente não deixa de sê-lo, essa dependência passa de ser comum para ser

patológica.

Segundo a Psicóloga Regina Rocha, emocional é a dependência afetiva de

alguém em relação à outra pessoa. O emocionalmente dependente necessita da

aprovação, aceitação e reconhecimento do outro para lidar com as situações da vida,

pois se sente incapaz de agir adequadamente sem o auxílio de outras pessoas

(ROCHA, 2013).

A dependência tecnológica ou digital, já considerada por alguns como o

“mal do século”, é a consequência negativa do uso intenso das tecnologias, com

destaque aqui para a internet, smartphones e redes sociais. Os dependentes

tecnológicos literalmente não conseguem ter vida sem o uso da tecnologia, e tal

necessidade é considerada tão perigosa quando a dependência química.

Especialistas alertam que entre os principais problemas deste “vício oculto”, está a

perda de controle da administração do próprio tempo e o aparecimento de doenças

relacionadas ao isolamento, o que têm aumentado a demanda nos consultórios

psicológicos (DEPENDÊNCIA, 2013).

Por conseguinte, é nítida a compreensão de que a dependência não figura

como algo benéfico à vida, tendo em vista que um ser humano necessariamente

dependente, seja do que for, não é uma pessoa mentalmente ou fisicamente saudável.

Como exposto, a dependência torna o individuo incapaz de se guiar por si mesmo,

aumentando nele, cada vez mais, a necessidade de manter a relação de subordinação

65

a que está sujeito. Na dependência química, homem versus substância, não ocorre

diferente.

Sabe-se que a dependência química não é um episódio novo na história,

uma vez que ela sempre existiu, desde os tempos mais antigos,e sua existência está

entrelaçada com a vida humana. O fato de ela ser um tema em alta na época presente

se dá pela busca crescente do homem por fontes “fáceis” de prazer, o que tem

aumentado o consumo de substâncias químicas potentes e viciantes que venham a

lhe proporcionar tal sensação.

Sobre o assunto, destacam Pratta e Santos (2009, p. 203-204):

A dependência química na atualidade corresponde a um fenômeno amplamente divulgado e discutido, uma vez que o uso abusivo de substâncias psicoativas tornou-se um grave problema social e de saúde pública em nossa realidade. [...] Isso porque temas como saúde, doença e drogas sempre estiveram presentes ao longo da história da humanidade, embora cada período apresente uma maneira particular de encarar e lidar com esses fenômenos, de acordo com os conhecimentos e interesses de cada época. No que diz respeito ao uso de substâncias psicoativas, ao contrário do que se pensa, esse não é um evento novo no repertório humano (Toscano Jr., 2001), e sim uma prática milenar e universal, não sendo, portanto, um fenômeno exclusivo da época em que vivemos. Pode-se dizer, então, que a história da dependência de drogas se confunde com a própria história da humanidade (Carranza& Pedrão, 2005), ou seja, o consumo de drogas sempre existiu ao longo dos tempos, desde as épocas mais antigas e em todas as culturas e religiões, com finalidades específicas. Isso porque, o homem sempre buscou, através dos tempos, maneiras de aumentar o seu prazer e diminuir o seu sofrimento (Martins & Corrêa, 2004).Por outro lado, em relação à saúde e à doença, estas também despertaram a atenção do homem desde a Antiguidade, uma vez que estão diretamente relacionadas a questões que fazem parte da condição humana, como é o caso da reflexão sobre a vida e a morte, o prazer e a dor, sofrimento e o alívio, trazendo à tona, a inerente fragilidade do homem.

A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à

Saúde (mais conhecida como Classificação Internacional de Doenças – CID),

publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em sua décima revisão (CID-

10) classificou a drogadição (dependência química) como sendo um transtorno mental

e do comportamento, uma doença progressiva, crônica, primária (pois gera outras

doenças) e fatal, causada pelo uso compulsivo de múltiplas drogas, que abrangem

desde o álcool, nicotina, maconha, haxixe, cocaína, crack, drogas sintéticas,

esteroides anabolizantes, até antidepressivos e morfina. Para a OMS, “droga é toda

substância química psicoativa, lícita ou ilícita, adicionada ao organismo sem controle”

66

(C. R. NETO, 2006).

Segundo o renomado médico psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador

da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Faculdade de Medicina da UNIFESP

(Universidade Federal do Estado de São Paulo) e PhD em Dependência Química na

Inglaterra,existe uma área cerebral chamada de “sistema de recompensa” que é

encarregada de receber estímulos de prazer e transmiti-lo ao resto do corpo. É

exatamente nesse sistema que a ação química de diversas drogas interfere

criando uma ilusão química de prazer que induz a pessoa a repetir seu uso

compulsivamente. Com o consumo repetido e continuo as fontes naturais de prazer

perdem o significado, só interessando aquele imediato proporcionado pela droga,

mesmo que isso comprometa e ameace a vida do usuário (LARANJEIRA, 2013).

Faz-se relevante destacar também que diversos estudos apontam para a

evidência de que pode haver uma predisposição genética para a drogadição. O mais

conhecido destes estudos foi o publicado pela revista americana “Science” com a

colaboração de cientistas da Universidade de Cambridge, que constataram que os

dependentes químicos possuem a química cerebral alterada, com poucos receptores

de dopamina, molécula que desempenha um importante papel no "sistema de

recompensa" (PREDISPOSIÇÃO, 2007).

Sobre a dopamina e o sistema de recompensa, a Equipe do NEAD - Núcleo

Einstein de Álcool e Drogas, do Hospital Israelita Albert Einstein de São Paulo,

esclarece:

O sistema de recompensa (dopaminérgico) está presente desde os mamíferos mais primitivos. Ele tem participação fundamental na busca de estímulos causadores de prazer [...]. Por meio do reforço positivo da recompensa, obtida durante essas experiências, o organismo é impelido a buscá-las repetidas vezes. Cria-se uma memória específica para isso. [...] A dopamina é o neurotransmissor sintetizado dentro do sistema de recompensa [...]. O sistema dopaminérgico possui três tratos considerados como os mais importantes, de grande interesse para o entendimento da neurobiologia da dependência química. Um destes é o trato mesolímbico-mesocortical, que se projeta a partir da área tegmental ventral (ATV) para a maior parte do córtex frontal (funções psíquicas superiores) e sistema límbico (emoção) e parece ser a via dopaminérgica relacionada à recompensa. Estudos têm demonstrado relação íntima entre algumas estruturas cerebrais e a recompensa. O nucleusaccumbens e a área tegmental ventral parecem moderar o estímulo à recompensa, induzido por substâncias psicoativas. Grande parte da propriedade aditiva das drogas está na ativação do sistema dopaminérgico. Isso pode ser feito de modo direto ou indireto. Substâncias psicoativas como a cocaína e a anfetamina agem diretamente sobre esse

67

sistema, enquanto a nicotina e os opiáceos estimulam-no indiretamente. As causas naturais que normalmente estimulam o sistema de recompensa chegam a aumentar em até 100% sua atividade. Na vigência de substâncias psicoativas, no entanto, essa atividade passa a ser 1000 vezes maior. (NEUROBIOLOGIA, 2009).

Assim, conforme a citação acima exposta, o sistema dopaminérgico,

popularmente conhecido como o sistema de recompensa do cérebro, é o responsável

por conduzir o organismo a buscar estímulos causadores de prazer. Tal prazer, uma

vez alcançado em determinada experiência, aumenta a atividade do sistema

dopaminérgico e impulsiona a repetição da ação prazerosa. Caso a referida ação

consista no uso de substâncias químicas, a atividade do sistema de recompensa

passa a ser mil vezes maior, aumentando, consequentemente, a vontade de

repetição.

Outro ponto muito importante e que merece destaque é o uso de drogas

durante a gravidez, que, conforme esclarece o psicólogo Leonardo Falcão, aumenta

as chances de a criança vir a ser dependente química e interfere diretamente na vida

da mãe e do bebê durante a gestação (FILHOS, 2014).

Desse modo, a partir das informações até aqui apreendidas, é possível

dizer que dependente químico é a pessoa que, sem controle, se utiliza repetidamente

de substâncias químicas como forma imediata e momentânea para a obtenção de

prazer ou para a fuga da dor, física ou mental, ou, ainda, para a fuga da realidade que

lhe cerca (o que não deixa de ser prazeroso). Sendo assim, o dependente químico se

mantém nessa relação de subordinação com a substância, mesmo tendo ciência de

que tal manutenção é nociva para a sua vida e que pode lhe causar a morte.

E é justamente nessa questão da consciência que o dependente

químicotem de que a drogadição pode lhe levar a morte, mas mesmo assim continua

usando determinada substância para alimentar o seu prazer, que se levanta a tese de

que, nas devidas proporções, o dependente químico pode estar cometendo um crime

contra sua própria vida, uma espécie de suicídio em longo prazo.

Suicídio, do latim suicidium, em que sui significa “próprio” e cidium quer

dizer “matar”, é a palavra que expressa o “ato intencional de matar a si mesmo”. A

causa que mais leva ao suicídio é o transtorno mental e/ou psicológico, podendo nele

68

estar incluso a depressão, o transtorno bipolar, a esquizofrenia, o alcoolismo e o abuso

de drogas. Dificuldades financeiras e/ou emocionais também podem dar causa ao

suicídio (SUICÍDIO, 2014).

O direito penal brasileiro não elenca a tentativa de suicídio (suicídio não

efetivado) como um crime, por entender que o desejo de ceifar a própria vida e o

constrangimento de não tê-lo efetivado já causa uma enorme devastação ao autor e

a sua família. Diante disso, atribuir crime à tentativa de suicídio seria aumentar ainda

mais o sofrimento daquele que tentou a morte e de seus familiares. E por uma questão

lógica e óbvia, assim como a tentativa, o suicídio efetivado não é crime, pois como

poderia o morto responder por sua morte?

Entretanto, o artigo 122 do Código Penal brasileiro configura o induzimento

(implantar a ideia de suicídio na vitima), a instigação (reforçar a ideia já existente na

vítima), e o auxílio (prestar assistência material a vítima) ao suicídio como crimes

contra a vida, conforme se lê adiante:

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - Reclusão de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único. A pena é duplicada: I- se o crime é cometido por motivo egoístico; II- se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Voltando a dependência química e ao possível suicídio em longo prazo, o

médico oncologista Drauzio Varella, em um artigo em seu blog, escreveu a respeito

dos dependentes de nicotina, vejamos:

A dependência química causada pela nicotina parece estar além da possibilidade de controle de muitas pessoas. Embora tenha visto inúmeros fumantes se livrarem do cigarro sem qualquer ajuda, motivados exclusivamente pela força de vontade (como foi meu caso e o de mais de 90% dos ex-fumantes), e acredite que tentar convencer todos os que fumam a deixar de fazê-lo seja um dever imperioso de cada médico, o exercício da cancerologia me ensinou que algumas pessoas não conseguem largar de fumar, independentemente da ajuda que sejamos capazes de lhes oferecer ou da desgraça que venha se abater sobre elas. [...] Como a dependência de nicotina é adquirida na puberdade e adolescência (em 90% a 95% dos casos antes dos 20 anos), as crianças pequenas devem ser instruídas de que o cigarro é um mero dispositivo para administrar nicotina, droga que conduz a mais escravizante das dependências químicas. Há pessoas que, por razões metabólicas, quando começam a fumar perdem o controle e não conseguem mais parar, mesmo diante da possibilidade

69

concreta da morte. (grifo nosso).

Como já aqui exposto, existem substâncias químicas que afetam o sistema

de recompensa do cérebro, proporcionando uma sensação de prazer até mil vezes

maior que as fontes naturais. Ao atingir um nível de deleite até então não conhecido,

o cérebro passa a querer alcançar um estado de prazer cada vez maior, fazendo com

que a pessoa tenha vontade de repetir o uso de determinada substância para que

volte a ter aquela sensação.

E, quando já não se é mais tão empolgante, o organismo vai exigindo

naturalmente o aumento da quantidade e a frequência no uso da droga, gerando assim

o vício e, consequentemente, a dependência. Dessa forma, a substância passa a fazer

parte da mente e do corpo como se fosse algo natural a eles e se dela dependessem.

É como se a sensação de prazer fosse tão grande e maravilhosa que o cérebro,

apesar de saber e experimentar as consequências danosas, não se atenta para isto,

se importando apenas com a extasiante sensação proporcionada pela droga, mesmo

que isso lhe custe à vida.

Daí fala-se no suicídio em longo prazo, haja vista configurar o ato

intencional de pôr fim à própria existência. O dependente químico, mesmo não

conseguindo se controlar, se utiliza intencionalmente da substância que lhe ataca e

que pode levar-lhe, intencionalmente, à morte.

CONCLUSÃO

No presente estudo, pôde-se analisar que a internação compulsória, em

suma, representa a privação da liberdade de um determinado sujeito compelindo sua

introdução e o mantendo em determinado local de forma obrigatória, em virtude de

sua grave condição psíquica e do risco que tal condição possa causar a ele mesmo e

à sociedade.

No entanto, a internação compulsória nem sempre foi vista dessa forma.

Sua origem está diretamente ligada à exclusão social, principalmente à segregação

ocorrida na Europa, no período da Idade Média, quando uma epidemia de lepra se

70

espalhou pelo continente europeu. Devido à facilidade de contágio, que se dá pelas

vias respiratórias, e à falta de conhecimento científico sobre a enfermidade, os

doentes foram obrigatoriamente separados do convívio social no qual estavam

inseridos, para serem jogados em asilos construídos longe das cidades e dos olhos

da sociedade “normal”.

Com o decorrer do tempo, a internação compulsória passou de uma medida

estatal segregatória, que tinha como objetivo limpar da sociedade de sua escória, para

ser uma medida estatal de saúde pública, regulada em lei e considerada como meio

de tratamento aos portadores de doenças mentais, incluídos aqui os dependentes

químicos, que estejam em situação de risco, seja para a sua própria vida e/ou para a

vida dos outros.

Vimos também que a internação compulsória está atualmente prevista no

ordenamento jurídico brasileiro através da Lei Federal nº 10.216, de em 06 de abril de

2001, e que somente será realizada por determinação judicial fundamentada em laudo

médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Diante disso, e com o aumento exagerado da dependência química,

destacando-se a causada pelo crack, a internação compulsória voltou a ter evidência

no Brasil, principalmente pelas ações realizadas nos estados do Rio de Janeiro e de

São Paulo, que montaram operações em conjunto com a Justiça e o Sistema Único

de Saúde (SUS), para a efetivação de internações compulsórias destinadas aos

dependentes químicos das “cracolândias” (denominação dada aos locais habitados

pelos viciados em crack). Daí levantou-se a questão: a internação compulsória é

medida eficaz para a recuperação dos dependentes químicos, ou é procedimento que

fere o princípio da dignidade da pessoa humana?

Assim, através do estudo realizado neste trabalho, foram sopesados alguns

direitos e garantias fundamentais individuais amparados pela legislação pátria, com

destaque para o direito à vida, que é o precursor dos demais direitos e consiste em

promover a vida plena, dando a garantia de prover as condições psicológicas, morais,

sociais e físicas necessárias para se usufruir dela dignamente.

Analisou-se, ainda, o poder coercitivo do Estado e sua importância para a

proteção dos direitos e para a manutenção da ordem social, que, se não fosse

71

regulada pela soberania estatal, estaria longe de ser ordem e mais perto de ser caos.

A família, por ser a primeira instituição do homem, pela responsabilidade

que lhe é inerente na formação e no desenvolvimento da vida de um individuo, e pela

atribuição aos pais (ou responsáveis legais) do poder familiar, também foi objeto de

estudo neste trabalho.

Por fim, concluiu-se que a internação compulsória em nada fere ao princípio

da dignidade da pessoa humana, porquanto representa medida estatal que visa

proteger a vida de alguém, devastado pelos efeitos psicológicos, morais, físicos e

sociais causados pela dependência química, e que por isso está pondo tanto a sua

quanto a vida dos demais em risco.

Ao retirar este individuo do meio doentio das drogas, obrigando-o a

permanecer internado para seu tratamento e recuperação, o Estado está exercendo

seu papel de garantidor da ordem social e de protetor da vida, que não se restringe

ao simples existir, mas a viver com dignidade.

REFERÊNCIAS

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