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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBAPROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

ROSANA MARIA FECCHIO

A ATIVIDADE EMPRESARIAL EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS EDIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

CURITIBA2007

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ROSANA MARIA FECCHIO

A ATIVIDADE EMPRESARIAL EM CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS EDIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Dissertação apresentada ao Programa deMestrado em Direito Empresarial eCidadania do Centro UniversitárioCuritiba, como requisito parcial paraobtenção do Título de Mestre em Direito.Orientadora Professora Doutora MartaMarília Tonin.Co-orientadora Professora DoutoraGisela Maria Bester.

CURITIBA2007

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ROSANA MARIA FECCHIO

A ATIVIDADE EMPRESARIAL E M CONSONÂNCIA COM OS PRINCÍPIOS EDIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título deMestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba.Banca Examinadora constitu ída pelos seguintes professores:

_____________________________________________MARTA MARÍLIA TONIN – ORIENTADORA

______________________________________________GISELA MARIA BESTER – CO-ORIENTADORA

______________________________________________ _ MEMBRO EXTERNO

______________________________________________MEMBRO INTERNO

Curitiba,_____de dezembro de 2007.

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Dedico este trabalho aos meus pais Miguel e

Lourdes, ao meu esposo Cristiano, à minha filha Júlia, à

pequena Collie.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, professora Dra. Marta Marilia Tonin, e a minha co -

orientadora, professora Dra. Gisela Maria Bester, por terem assumido a orientação

e co-orientação desta dissertação em um momento tão d elicado, mesmo sabendo

das dificuldades que teríamos pela frente. Certamente foi a colaboração de ambas

que possibilitou a conclusão do trabalho e a sua apresentação para a Banca

Examinadora. Poucos têm a coragem de assumir tarefa tão grandiosa.

Agradeço ao professor Doutor Clayton Reis, pelos primeiros impulsos e pelo

entusiasmo com o tema escolhido, fazendo -me ver o quão interessante seria

discorrer sobre um assunto tão rico e vasto, como é o caso dos princípios e

direitos fundamentais.

Agradeço, finalmente, aos meus pais, meu esposo, à Júlia, à pequena Collie, à

Nine e à Mari, por terem participado tão intensamente do processo de construção

desta dissertação, contribuindo, cada um a seu modo, para a conclusão do

trabalho.

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RESUMO

A observância dos princípios constitucionais fundamentais pela empresa, na

busca da lucratividade, vem ganhando importância no contexto histórico da

atividade empresarial, especialmente no Brasil, com a promulgação da

Constituição Federal de 1988 e, mais recentemente, com o ad vento do Código

Civil de 2002. A empresa, no exercício de sua s atividades e tendo em vista a

teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações interprivadas ,

deve preocupar-se com a preservação desses direitos, não só dos seus

empregados, como de toda a sociedade, respeitando o s princípios da dignidade

humana e da solidariedade, sob os seus mais variados aspectos, sob pena de

arcar com a responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais

que possa ocasionar.

Palavras-chave: Empresa; Atividade Empresarial; Direitos Fundamentais; Assédio

Moral; Responsabilidade Civil.

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ABSTRACT

The observance of fundamental constitucional principles by the company, in

search of profitability, is gaining importance in the historical context of the

enterprise, especially in Brazil, with the promulgation of the Federal Constitution of

1988 and, more recently, with the advent of the Civil Code of 2002. The company,

in the exercise of their activities and with a view to the theory of effective horizontal

fundamental rights in inter private relations, should concern itself with the

preservation of those rights, not only of its officials, as the entire society, respecting

the principles of human dignity and solidarity, in its most varied aspects, under

penalty of bear civil liability for damage property and sheet are caused.

Keywords: Enterprise; Business Activity; Fundamental Rights; Moral Harassment;

Liability.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 9

1 OS FUNDAMENTOS DA ATIVIDADE EMPRESARIAL ....................................... 11

1.1 Antecedentes históricos – a evolução do conceito de atividade empresarial.. ... 11

1.2 A atividade empresarial face à globalização...................................................... 14

1.3 A atividade lucrativa da empresa........................................................................ 16

1.4 A função social da empresa com base na Constituição Federal de 1988.......... 18

1.5 A empresa e o empresário de acordo com o Código Civil brasileiro de 2002.... 21

2 A VINCULAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS SUJEITOS DEDIREITO PRIVADO .......................................... ........................................................ 26

2.1 Os fundamentos constitucionais dos direitos e garantias fundamentais da

pessoa humana........................................................................................................ 26

2.2 A teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações

interprivadas............................................................................................................. 31

2.3 O poder hierárquico no âmbito da empresa.... ................................................... 36

2.4 Os direitos da personalidade.............................................................................. 40

2.4.1 As lesões aos direitos da personalidade dos empregados ............................. 44

2.5 Os conflitos decorrentes das relações laborais na empresa e a observância

dos direitos fundamentais......................................................................................... 46

2.5.1 As proteções constitucionais contra discrim inações na relação de emprego . 50

2.5.2 O ambiente de respeito entre os empregados da empresa como fator de

incentivo.................................................................................................................... 54

2.5.3 O assédio moral na empresa........................................................................... 57

3 OS PRINCÍPIOS SOCIAIS, DA DIGNIDADE HUMANA E DASOLIDARIEDADE APLICADOS À ATIVIDADE EMPRESARIAL ........................... 60

3.1 Os princípios sociais trabalhistas....................................................................... 60

3.1.1 Os direitos de liberdades sociais – direitos fundamentais dos trabalhadores . 63

3.1.2 A atividade empresarial e a realização da justiça social ....................... .......... 67

3.1.3 Os direitos individuais e coletivos – direitos sociais........................................ 68

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3.1.4 A função social da empresa no III milênio ....................................................... 72

3.2 O princípio da dignidade da pessoa humana..................................................... 75

3.2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do Direito

Constitucional brasileiro........................................................................................ .... 80

3.2.2 O princípio da dignidade da pessoa humana no Direito Comparado .............. 82

3.2.3 Proteção e limites da dignidade da pessoa humana – limites à restrição dos

direitos fundamentais......................................................... ....................................... 84

3.3 A atividade empresarial face ao princípio da solidariedade............................... 87

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA DECORRENTE DE DANOSADVINDOS DA NÃO OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS E PRINCÍPIOSFUNDAMENTAIS EM SUAS RELAÇÕES LABORAIS ........................................... 90

4.1 Os danos patrimoniais e extrapatrimoniais oriundos das relações laborais no

âmbito empresarial......................................................................... .......................... 90

4.2 Os fatores concorrentes dos danos na atividade empresarial............................ 95

4.3 A indenização dos danos oriundos das relações laborais.................................. 97

4.4 A responsabilidade civil da empresa perante seus empregados....................... 102

CONCLUSÃO........................................................................................................... 106

REFERÊNCIAS............................................................... ......................................... 110

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1

INTRODUÇÃO

O objetivo desta dissertação é verificar a questão da aplicabilidade dos

princípios e direitos fundamentais na atividade empresarial, especialmente em

relação ao respeito à dignidade da pessoa hu mana. Para isso, far-se-á necessário

realizar observações sobre as formas que o empresariado possui para dar

cumprimento e respeitar os direitos sociais, o princípio da solidariedade, bem

como os direitos de personalidade, especialmente em relação à qualid ade de vida.

Diante desta proposta, este estudo iniciar -se-á com um histórico evolutivo

da atividade empresarial e seus fundamentos, discorrendo, por conseguinte, sobre

a posição ocupada pelo “lucro” no contexto empresarial, sobre as influências

advindas com o advento da globalização, bem como sobre as novas obrigações

atribuídas aos empresários diante da consagração de princípios e direitos

fundamentais na Constituição Federal de 1988, além das alterações advindas com

a entrada em vigor do Código Civil bra sileiro de 2002.

A partir daí, tratar-se-á de aspectos relacionados à constitucionalização do

direito privado, cujo aspecto primordial foi ter estendido aos sujeitos de direito

privado a aplicabilidade imediata e direta dos direitos e das garantias

fundamentais asseguradas na Constituição Federal de 1988. Ver -se-á, portanto,

as conseqüências para os empresários da aplicação no âmbito do direito privado

dos princípios e direitos fundamentais, discorrendo -se sobre os principais

aspectos que passaram a ser ana lisados no âmbito da atividade empresarial com

a finalidade de não ferir direitos e garantir as condições mínimas exigidas para

uma vida digna a cada um de seus empregados e à sociedade como um todo.

Neste contexto, priorizar -se-á a discussão em torno de a lguns dos

principais princípios e direitos fundamentais que devem ser considerados no

exercício da atividade empresarial, embora, de maneira geral, todos os direitos e

garantias fundamentais devam ser assegurados aos indivíduos. Contudo, cuidar -

se-á dos princípios e direitos sociais trabalhistas, dos direitos de liberdades

sociais, da realização da justiça social e da função social da empresa no III

milênio. Igualmente, verificar -se-á o princípio da dignidade da pessoa humana,

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discorrendo sobre sua proteção e limites, além de analisar -se a questão da

atividade empresarial em face do princípio da solidariedade.

Finalmente, discorrer-se-á sobre o instituto da responsabilidade civil e sua

aplicabilidade às empresas em decorrência da eventual não observação dos

princípios e direitos fundamentais. Tratar -se-á sobre aspectos relacionados aos

danos patrimoniais e extrapatrimoniais, especialmente em relação à figura do

trabalhador, além de citar fatores concorrentes dos danos que podem ser

observados na atividade empresarial e, por conseguinte, a questão da indenização

naqueles casos onde a efetiva ocorrência do dano restar comprovada.

Deste modo, evidencia-se a adequada aderência do tema desta

dissertação, intitulada “A atividade empresarial em consonância com os pri ncípios

e direitos fundamentais sociais e da dignidade da pessoa humana”, com a Linha

de Pesquisa “Atividade Empresarial e Constituição: inclusão e sustentabilidade”, à

qual as professoras orientadoras estão adstritas, bem como com a Área de

Concentração deste Mestrado – “Direito Empresarial e Cidadania”.

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1 OS FUNDAMENTOS DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

1.1 Antecedentes históricos – a evolução do conceito de atividadeempresarial

Ao se pretender dar uma visão histórica da evolução do conce ito de

atividade empresarial, o primeiro problema que se coloca é quanto ao seu próprio

nome. É essencial lembrar que o termo “atividade empresarial”, em qualquer

ângulo que for estudado, vai sempre se referir ao conceito de empresa, e que o

conceito desta varia apenas em termos terminológicos de acordo com a época em

que for localizada.

De qualquer modo, pode-se dizer que “empresa”, atualmente, refere -se a

quem exerce profissionalmente alguma atividade econômica de forma organizada

para a produção e venda de bens ou serviços.

Márcia Mallmann Lippert, ao discorrer sobre “empresa” e “empresário”, traz

os seguintes conceitos:

[...] poder-se-ia dizer que: a) é empresário ou empresáriatodo aquele ou toda sociedade que exerce profissionalmenteuma atividade, por meio da organização dos fatores deprodução (mão-de-obra e capital), em atividade, e desdeque tenha assumido o risco do empreendimento; b) empresasignifica os fatores de produção organizados e postos ematividade pelo empresário ou pela sociedade empre sária,por meio do estabelecimento. 1

1 LIPPERT, Márcia Mallmann. A empresa no código civil: elemento de unificação no direitoprivado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 136.

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Adiante, ao analisar o conceito de empresário sob o enfoque do Código

Civil vigente, prossegue a autora afirmando que empresário pode ser conceituado

“como sendo o titular (sujeito de direito) que investe capital, coo rdena e exerce a

atividade, seja o empresário pessoa jurídica [...], seja pessoa física”. 2

Para Miguel Reale, a empresa é composta por três fatores: “[...] a

habitualidade no exercício de negócios que visem a produção ou a circulação de

bens ou de serviços; o escopo de lucro ou resultado econômico; a organização ou

estrutura estável dessa atividade”. 3

Todavia, nem sempre foi assim, embora seja tarefa difícil estabelecer

quando o homem iniciou a prática da atividade comercial, já que sempre houve de

diferentes formas o exercício de tal necessidade. De fato, a origem histórica da

atividade comercial, e conseqüentemente empresarial, surgiu em função das

próprias necessidades de sobrevivência do homem, que variou segundo as

facilidades de cada época.

Contudo, sabe-se que a evolução dos conceitos de empresa e de atividade

empresarial deu-se em três fases mais marcantes: a mercantil, a comercial e a

empresarial propriamente dita.

Na primeira fase, que se iniciou em torno do ano de 1500, predominavam

na Europa as chamadas “corporações”, formadas por profissionais como alfaiates,

ferreiros, sapateiros, etc., além dos mercadores, que eram os responsáveis pela

negociação dos produtos confeccionados pelas corporações. Nesse período,

surgiu o conhecido Direito Mercantil, criado pelos mercadores da época para a

realização dos seus objetivos comerciais.

Sobre essa fase, importante transcrever a lição de José Francelino de

Araújo a respeito das atividades dos artesãos:

Outro fator evolutivo foi o artesanato. Os artesãos traz iampara a praça e, posteriormente, para o mercado, suasartesanias e ali, numa espécie de feira, realizavam os atosde compra e venda. Os mercados tiveram muita importância

2 Idem, ibidem, p. 141.3 REALE, Miguel. O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais. SãoPaulo: Saraiva, 1986, p. 98-99.

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principalmente na Itália, onde este sistema de venda tevemaior impulso. Quando o artesão não pagava o seu débito,os credores compareciam ao mercado e, literalmente,quebravam a banca do devedor, surgindo daí, a expressãobancarrota, para designar a quebra. 4

A segunda fase, conhecida como “comercial”, iniciou -se em torno do ano de

1807 e foi marcada pelo desaparecimento da classe dos mercadores e das

corporações bem como pelo advento da burguesia, fruto da Revolução Francesa

de 1789. Assim, o Direito Mercantil foi substituído pelo Direito Comercial,

principalmente pela influência do Có digo Comercial francês de 1807, que entrou

em vigor em 1808, cuja inovação foi concentrar a atividade comercial nos atos de

comércio, e não mais na figura do comerciante, como ocorria até então. Neste

sentido é a lição de Alfredo de Assis Gonçalves Neto, q ue afirma: “Esse Código

teria rompido a tradição histórica para transformar -se no Código de uma classe de

atos, os atos de comércio, independentemente da qualidade do sujeito que os

praticasse”.5

A terceira fase, por sua vez, chamada de “empresarial”, que vai de 1942 até

os dias atuais, iniciou-se com o aparecimento do Código Civil italiano e espalhou -

se pelo mundo todo, estabelecendo uma nova visão da atividade comercial,

inclusive com a substituição do Direito Comercial pelo Direito Empresarial, tendo

como base de sua organização a conhecida “teoria da empresa”.

No Brasil, o que de mais recente ocorreu em relação ao Direito Comercial

decorre da recente promulgação do Código Civil vigente, ocorrida em 2002, que

traz entre suas normas, a previsão legal de “ empresário”, de “sociedade

empresarial” e de “estabelecimento”.

De acordo com o artigo 966, do Código Civil, cuja redação segue abaixo

transcrita, empresário conceitua -se da seguinte forma:

4 ARAÚJO, José Francelino de (Coord.). Direito empresarial. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998,p. 10.5 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Manual de direito comercial . 2. ed. Curitiba: Juruá,2002, p. 45.

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Art. 966 – Considera-se empresário quem exerceprofissionalmente atividade econômica organizada para aprodução ou a circulação de bens ou de serviços.Parágrafo único: não se considera empresário quem exerceprofissão intelectual, de natureza científica, literária ouartística, ainda com o concurso de auxiliares oucolaboradores, salvo se o exercício da profissão constituirelemento de empresa.

Não é demais lembrar, como já restou afirmado no início, que o termo

atividade empresarial vai sempre se referir ao conceito de empresa.

Assim, com base nas considerações acima realizadas, é possível, portanto,

observar os caminhos traçados pela atividade empresarial até alcançar os

contornos atuais. Não obstante, existe uma série de outros aspectos que devem

ser analisados no que tange à atividade empresarial, especialmente aque les

relacionados à observância dos princípios e direitos fundamentais, que serão

tratados oportunamente.

Entretanto, antes de adentrar -se na seara dos princípios e direitos

fundamentais, tratar-se-á dos impactos gerados sobre a atividade empresarial em

decorrência do fenômeno da globalização, nos termos do item a seguir.

1.2 A atividade empresarial face à globalização

Trata-se a globalização de um processo de transformação que vem

ocorrendo mundialmente no campo econômico e político, cujo objetivo é ab rir

fronteiras no sentido de transformar o mundo numa “aldeia global”.

No que se refere à atividade empresarial, embora a globalização tenha

beneficiado algumas empresas nacionais, outras tantas foram seriamente

prejudicadas, haja vista terem ficado sem co ndições de competir com as

empresas dos países ricos, refletindo tal fator diretamente na expansão da

desigualdade econômica e social, verificada principalmente pelo aumento do

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desemprego e no desrespeito aos direitos humanos fundamentais, conforme

afirma Carlos Berzosa:

La desigualdad económica es el rasgo más característico delmundo en que vivimos. Todos los países del mundopadecen dentro de sus fronteras la desigualdad, aunqueunos más que otros, pero en todos existe, lo que pone emevidencia es que, a pesar de los avances conseguidos por laciencia y la tecnologia y el crecimiento económicoalcanzado, no se han dado pasos que resulten realmentesignificativos em la consecución de una economía máseqüitativa.6

Em relação à proteção dos direitos socia is, prejudicada diante da

globalização, Norberto Bobbio, aliás, já afirmava que:

[...] o tremendo problema diante do qual estão hoje ospaíses em desenvolvimento é o de se encontrarem emcondições econômicas que, apesar dos programas ideais,não permitem desenvolver a proteção da maioria dosdireitos sociais.7

Além disso, outros fatores internos também são influenciados pelo processo

de globalização econômica, refletindo tais mudanças diretamente nas atividades

das empresas nacionais, como se pode observa r dos ensinamentos de Flávia

Piovesan, ao lecionar que a globalização tem por plataforma:

[...] o neoliberalismo, a redução das despesas públicas, aprivatização, a flexibilização das relações de trabalho, adisciplina fiscal para a eliminação do déficit público, a

6 BERZOSA, Carlos et al. El subdesarrollo, una toma de conciencia para e l siglo XXI. In:BERZOSA, Carlos et al. Derechos humanos y desarrollo . Bilbao: Mensajero, 1999, p. 22-23.7 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 2. ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio deJaneiro: Elsevier, 2004, p. 63.

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reforma tributária e a abertura do mercado ao comércioexterior.8

No mesmo sentido, Maristela Basso afirma que o surgimento das empresas

multinacionais, ocorrido após o advento da globalização, foi uma decorrência da

não auto-suficiência das empresas nacionais:

Após a II Guerra Mundial, os Estados e, conseqüentemente,as empresas, deram-se conta de sua não auto -suficiência eda necessidade de cooperação internacional. Ainternacionalização dos negócios, o surgimento dasparcerias empresariais e das empresas multinacionais,assim como o esforço dos países menos industrializados dedesenvolver suas exportações, são as principaiscaracterísticas da nova economia mundial. 9

Aliás, como conseqüência desse fenômeno, não se pode deixar de

comentar a inevitável ocorrência da flexibilização das relações de trabalho, já que

o Estado, pressionado pelos interesses das empresas multinacionais, tem

diminuído seu poder de interferência na proteção do empregado.

Conseqüentemente, o que se verifica é uma certa desregulamentação das leis

trabalhistas, permitindo, de certa forma, que haja uma sobreposição dos

interesses econômicos das empresas sobre os interesses sociais dos

trabalhadores.

Outro resultado da globalização sobre o Direito do Trabalho é o fato de ter

tornado totalmente dispensável no mercado aquele empregado que não possui

qualificação, fato este que só vem corroborar o aumento da exclusão social, cujos

níveis cresceram de forma alarmante a partir do início do fenômeno em estudo.

Daniel Sarmento, com propriedade, resume o resultado da globalização

sobre a atividade empresarial, lecionando:

8 PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica, integração regional e direitos humanos. In:PIOVESAN, Flavia (Coord.). Direitos humanos, globalização econômica e integração regional .São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 62.9 BASSO, Maristela. Introdução às fontes e instrumentos do comércio internacional. In: ARAÚJO,José Francelino de (Coord.). Direito empresarial. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998, p. 115.

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Enfim, a globalização vem alimentando o processo deesfacelamento do Estado-Previdência, na medida em quevai corroendo o seu poder de efetivamente subordinar, demodo soberano, os fatores econômicos e sociais quecondicionam a vida de cada comunidade política. 10

Resta evidente, portanto, que uma parte das empresas nacionais foi

seriamente prejudicada devido à globalização, que projetou novos contornos à

esfera econômico-social. Entretanto, no intuito de minimizar os prejuízos e riscos

dela decorrentes, os direitos fundamentais tiveram sua eficácia reforçada e

serviram de parâmetros na reestruturação destas empresas, especialmente diante

da necessidade de se garantir o s direitos sociais básicos da população.

Assim, analisadas as conseqüências da globalização sobre a atividade

empresarial, discorrendo sobre os principais prejuízos dela advindos,

destacaremos a seguir de que forma a empresa superou tais intempéries e part iu

em busca da lucratividade.

1.3 A atividade lucrativa da empresa

Como se sabe, o papel da empresa no sistema capitalista, além de

desenvolver a sua função social, é proporcionar lucros aos seus proprietários

como retorno do capital investido, conform e esclarece Sebastião José Roque:

Toda empresa tem seu objeto e seu objetivo: o objeto é oseu ramo de atividade; o objetivo, o lucro. O intento lucrativoé da essência da empresa; ninguém monta uma empresapor diletantismo, por passatempo, por beneficênc ia ou porvaidade. O empresário é um profissional, pois investe seudinheiro na empresa, para fazê -la gerar lucros com quepossa viver. Este é o objetivo da empresa: proporcionarlucros para si, para distribuí -los aos empresários. 11

10 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas . 2. ed. Rio de Janeiro: LúmenJúris, 2006, p. 29.11 ROQUE, Sebastião José. Tratado de direito empresarial . São Paulo: Ícone, 2003, p. 80.

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A matéria relativa ao lucro gerado pela empresa está disposta no Código

Civil brasileiro, quando o legislador estabelece a estrutura jurídica da sociedade,

verificada no Título II (Da Sociedade), do Livro II (Do Direito de Empresa), em

especial o artigo 981, do citado codex, que explica:

Art. 981 - Celebram contrato de sociedade as pessoas quereciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ouserviços, para o exercício de atividade econômica e apartilha, entre si, dos resultados.

O que realmente caracteriza o contrato de so ciedade é o objetivo comum às

partes contratantes de se unirem na busca por um resultado pretendido. A esse

fator subjetivo a doutrina dá o nome de affectio societatis12, entre os quais,

obviamente, inclui-se o lucro.

Nesse contexto, não se pode deixar de c itar o disposto no artigo 2.247, do

Código Civil italiano, que da mesma forma, referencia a divisão dos lucros obtidos

entre as pessoas que compõem a sociedade, determinando o seguinte:

Art. 2.247 - Com o contrato de sociedade, duas ou maispessoas contribuem com bens ou serviços para o exercíciocomum de uma atividade econômica, com o escopo de,entre si, dividir os lucros.

De Plácido e Silva, em anotações referentes às características do comércio,

sintetiza a importância do lucro afirmando:

[...] porquanto não se pode admitir o comércio, comoinstituição jurídica, quando não se anota semelhante intuitoou intenção. O proveito ou o meio de vida, a par do espíritoespeculativo, evidenciados no exercício dele é que lheimprimem o traço dominante para o fun dar como figura

12 RODRIGUES, Silvio. Contratos e declarações unilaterais da vontade . 29. ed. atual. de acordocom o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 -1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 311.

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jurídica, concomitantemente com os demais elementos desua formação.13

Contudo, apesar de o empresário ter direito à obtenção do lucro, nos

tempos modernos a empresa tem que cumprir a sua “função social”, ou seja, a sua

existência e funcionamento devem ser compatíveis com os interesses da

sociedade, já que a empresa não deve proporcionar benefícios apenas aos seus

proprietários, mas à toda coletividade, como ver -se-á no decorrer desta

dissertação.

Sobre o assunto, conforme análise do artigo 421, do Código Civil brasileiro,

no próprio contrato celebrado para o nascimento das sociedades, é obrigada a

observação da sua função social, senão vejamos : ”Art. 421 - A liberdade de

contratar será exercida em razão e nos limites da função social do cont rato”.

Por função social do contrato, entende Sílvio Rodrigues que “revelar -se-ia

na idéia de relativo equilíbrio das prestações devidas por cada um dos

contratantes”.14

Assim, ainda que a atividade lucrativa da empresa faça parte dos seus

objetivos, exige-se que os seus meios de produção sejam também destinados a

uma finalidade social, isto é, que tenha por objetivo principal, ao lado da obtenção

de lucro, a melhora da qualidade de vida da população. É sobre este assunto que

se tratará a seguir.

1.4 A função social da empresa com base na Constituição Federal de 1988

Para que se tenha uma melhor compreensão da função social da

propriedade no âmbito constitucional, é necessário entender, primeiramente, o que

vem a ser função social da propriedade.

13 SILVA, De Plácido e. Noções práticas de direito comercial. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense,1992, p. 6.14 RODRIGUES, Silvio. Contratos e declarações... Op. cit., p. 61.

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No entendimento de Ana Prata, citada por Laura Beck Varela e Marcos de

Campos Ludwing:

[...] a Constituição Portuguesa encerra duas idéias básicassobre função social: (a) a proteção da propriedade enquantoesta for produtiva, a desvelar a obrigação de utilizar orespectivo bem de produção; (b) a proteção da propriedadeenquanto esta for instrumento de instauração de novasrelações sociais e de produção, a atingir a questão dos bense a estruturação dessas relações ‘entre os sujeitosproprietários e os outros sujeitos que estão em algumamedida interessados no uso do bem’. 15

Já o termo “propriedade”, segundo aceitação doutrinária, tem nos tempos

modernos um sentido mais abrangente, devido ao valor que está sendo dado à

sua destinação social, razão pela qual, obvia mente, abrange também as

empresas. Assim, de acordo com essa nova visão, o direito de propriedade passa

a ter uma função social a ser cumprida, tornando -se um direito plural e solidário.

Para Pontes de Miranda, a expressão “propriedade” pode ser analisada sob

vários sentidos:

Em sentido amplíssimo, propriedade é o domínio ouqualquer direito patrimonial. Tal conceito desborda o direitodas coisas. O crédito é propriedade. Em sentido amplo,propriedade é todo direito irradiado em virtude de ter incididoregra de direito das coisas. Em sentido quase coincidente, étodo direito sobre as coisas corpóreas e a propriedadeliterária, científica, artística e industrial. Em sentido estrito, ésó o domínio.16

Constitucionalmente, apesar da imprecisão do termo, vários dispositivos

enunciam a “função social da propriedade”, destacando -se o artigo 5, incisos XXII

e XXIII, da Constituição Federal vigente, que determina :

15 Apud VARELA, Laura Beck; LUDWIG, Marcos de Campos. Da propriedade às propriedades:função social e reconstrução de um direito. In: MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstruçãodo direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais nodireito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 773.16 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado . Campinas: Bookseller, 2001, v. 11, p. 37.

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13

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança eà propriedade, nos termos seguintes:[...]XXII - é garantido o direito de propriedade;XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;[...]

Da mesma forma, o artigo 170, da Constituição Federal de 1988, ao tratar

dos princípios gerais da atividade econômica, traz em seu inciso III a peculiaridade

desta função:

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e nalivre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conformeos ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...]II - propriedade privada;III - função social da propriedade;[...]

Ressalte-se que a função social da propriedade sempre foi alvo do

legislador nacional em vários dispositivos legais, tais como: Lei n. 6.404/76 (Lei

das S/A), Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), Lei n. 10.257/01

(Estatuto da Cidade), além da Lei n. 10.406/02 (Código Civil de 2002).

Com base na análise do texto constitucional, percebe -se que a função

social da empresa é decorrente da ampliação do princípio da função social da

propriedade. Aliás, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que

definitivamente delineou os contornos do referid o instituto, houve uma nova visão

da empresa, no sentido de exigir que a mesma também cumpra sua função social.

Ademais, pode-se constatar da leitura dos dispositivos acima, que o

legislador constitucional consagrou a ordem econômica com base na valorizaçã o

do trabalho em uma economia capitalista, cujo objetivo é assegurar a todos uma

existência digna, enumerando, logo a seguir, os princípios que dão base a tais

objetivos.

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14

Desta maneira, pode-se afirmar que a função social da atividade

econômica, dando cumprimento ao preceito contido no caput do artigo 170, da

Constituição Federal, é a satisfação das necessidades prioritárias da população,

quais sejam: saúde, educação, habitação, transporte etc.

Por conseguinte, a função social das empresas, ou seja, a funçã o social

dos meios de produção é atender tais necessidades básicas das pessoas, no

sentido de lhes oferecer bens e serviços de qualidade, proporcionando a todos

uma existência digna, principalmente no que diz respeito à geração de empregos.

Com o intuito de tutelar as necessidades básicas dos indivíduos,

promulgou-se no Brasil o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de

11/09/90), sendo certo que tal defesa encontrava -se, antes de tudo, agasalhada

pela Constituição Federal, nos termos do inciso XXXII , do artigo 5, que determina:

“[...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...]”.

A função social da empresa manifesta -se, ainda, com relação à

conservação do meio ambiente, como exposto no inciso VI, do artigo 170, da

Constituição Federal de 1988:

Art. 170 – [...]VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamentodiferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e deseus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pelaEmenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003)[...]

De fato, a preservação do meio ambiente é um dos princípios da ordem

econômica, cabendo às empresas, portanto, rumo ao seu d esenvolvimento

econômico, planejar o desenvolvimento sustentável, no sentido de atender as

suas necessidades do momento sem colocar em risco a sobrevivência das

gerações futuras.

Assim, já que mencionamos o assunto, cumpre -nos citar que no artigo 225,

da Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte tratou especificamente

da preservação do meio ambiente, determinando o seguinte:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

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15

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao PoderPúblico e à coletividade o dever de defendê -lo e preservá-lopara as presentes e futuras gerações.

Desse modo, é dever do Estado e obrigação dos empresários de promover

a dignidade do homem, que se manifesta, entre ou tras formas, quando desfruta de

um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou nas palavras de José Antônio

Peres Gediel, é necessário “[...] descaracterizar o trabalho como mercadoria

mensurável a preço de mercado, para reconhecê -lo como função social”.17

Feitas estas observações, cuidar -se-á a seguir da figura da empresa e do

empresário em face das novas alterações e determinações advindas com o

Código Civil brasileiro de 2002.

1.5 A empresa e o empresário de acordo com o Código Civil brasileiro de2002

Com a promulgação do Código Civil brasileiro (Lei n. 10.406, de 10 de

janeiro de 2002), que entrou em vigor em janeiro de 2003, no tocante à figura do

empresário, houve uma radical mudança no ordenamento jurídico brasileiro em

relação ao sistema baseado no Código Comercial de 1850.

No Código Civil vigente o legislador destinou um livro específico ao Direito

da Empresa que, além de inovar com a figura jurídica do empresário, ainda

apresenta uma nova estrutura aos diversos tipos de sociedades, como se extr ai da

lição de Celso Marcelo de Oliveira:

Com a unificação do Direito Comercial com o Direito Civil, nonovo Código Civil brasileiro, desaparece a distinção entresociedade civil e comercial. Neste desiderato, o Códigocontemplou a existência das sociedad es ‘não

17 GEDIEL, José Antônio Peres. A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador.In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamenta is e direito privado . 2. ed.rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 155. (grifos originais)

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16

personificadas’, divididas entre ‘sociedades comuns’ e‘sociedades em conta de participação’, e das ‘sociedadespersonificadas’, divididas em ‘sociedades simples’ e‘sociedade empresarial’.18

Contudo, o Código Civil de 2002 não define o que vem a s er “empresa”,

ficando a cargo da doutrina tal tarefa, contentando -se apenas em conceituar o

“empresário”, o que fez no artigo 966, já transcrito no item 1.1 19.

Pela simples leitura do caput do artigo supracitado, percebe -se que o

legislador apresentou todas as características necessárias para a qualificação da

figura do empresário.

Afora tal conceituação legal, Sebastião José Roque define “empresário” da

seguinte forma:

Pessoa física ou jurídica que dirige a empresa. É possível,portanto, que uma empresa seja também empresária, comoo caso de uma empresa que tinha, como sócias, três outrasempresas, e as três exerciam a gerência. O empresário é otitular da empresa e seu representante legal: a empresaassina um contrato por intermédio do empresário, seurepresentante legal. É o pessoal que exerce diretamente aatividade empreendedora e faz a empresa exercer aatividade que cabe a ela.20

Por outro lado, o parágrafo único do artigo supracitado, descreve as

situações que descaracterizam a figura do empresário, ou seja, apesar deste

produzir bens e serviços, não se encaixa na situação de empresário pelo simples

fato de faltar o elemento de organização dos fatores de produção.

Percebe-se que o legislador pecou na redação do parágrafo único em

estudo, já que se o exercício de profissão intelectual, de natureza científica,

18 OLIVEIRA, Celso Marcelo de . Direito empresarial: à luz do novo código civil. Campinas: LZN,2003, p. 54.19 “Art. 996 - Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômicaorganizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de naturezacientífica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se oexercício da profissão constituir elemento de empresa”.20 ROQUE, Sebastião José. Op. cit., p. 73.

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literária ou artística não constitui elemento de empresa, obviamente que não se

enquadra na definição do caput. Este também é o entendimento da maioria da

doutrina.

O comercialista Luiz César Quint ans, ao se referir à redação do referido

parágrafo, adverte “como a composição da norma não ficou perfeita, apenas o

futuro, através de julgados, será capaz de confirmar o que poderá realmente ser

considerado como exclusão ao conceito de empresário”. 21

Frise-se que a ultrapassada denominação de comerciante, constante do

Código Comercial, com a nova lei passou a chamar -se empresário, além do que,

as antigas sociedades comerciais, a partir de então, passam a se denominar

sociedades empresariais.

Ressalte-se que, de acordo com a nova lei em comento, o comerciante e os

chamados atos de comércio perderam seu tradicional significado, constante do

revogado artigo 4, do Código Comercial, dando lugar, respectivamente, à figura do

empresário e à atividade comercial.

Outrossim, faz-se mister tecer alguns comentários acerca do novo perfil da

empresa, após a unificação do direito obrigacional levada a efeito com a

promulgação do novo Código Civil.

Embora não haja um consenso a respeito do conceito de empresa, visto

que este varia segundo os diversos entendimentos do que seja o fenômeno

econômico que lhe serve de subsídio, pode -se citar o conceito dado por Maurício

Godinho Delgado, para quem empresa “é o complexo de bens materiais e

imateriais e relações jurídicas que se re únem como um todo unitário, em função

de dinâmica e finalidade econômicas fixadas por seus titulares”. 22

Para Celso Marcelo de Oliveira “a empresa seria a própria atividade

empresarial, ou seja, a força de movimento rotacional que implica a atividade

empresarial dirigida para determinada finalidade produtiva”. 23

Neste sentido, conforme assevera o doutrinador Sebastião José Roque, é

importante destacar que:

21 QUINTANS, Luiz César. Direito de empresa. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003, p. 6.22 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho . 4. ed. São Paulo: LTr, 2005, p.396.23 OLIVEIRA, Celso Marcelo de . Op. cit., p. 16.

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18

Quando falamos em empresa, ficam incluídas as empresaspúblicas e as prestadoras de serviços. A empresa pública ea de economia mista pertencem ao governo; todavia, suafunção é produzir e vender, transformando -se juridicamente,não em um órgão da administração pública, mas num centrode interesses, regido pela legislação empresarial. Aoincluirmos a empresa cujo objeto social seja a prestação deserviços, procuramos arredar os efeitos da não exigência deregistro n Junta Comercial, sendo assim considerada umaempresa civil.24

Em anotações ao conceito de empresa, Orlando Gomes e Elson Gottschalk

também prestam importantes esclarecimentos, sintetizando, do ponto de vista do

Direito do Trabalho, três elementos básicos para caracterizá -lo, quais sejam: “uma

tarefa a executar; uma autoridade que dirige esta execução; um pessoal que

assegura a realização”.25

Como se pode notar pelas notas acima transcritas, o conceito de empresa é

praticamente aquele constante do artigo 2.082, do Código Civil italiano, que

determina: “Art. 2.082 - É empresa quem exerce profissionalmente atividade

econômica organizada, para a produçã o e venda de mercadorias ou de serviços”.

Aliás, o livro II, do Código Civil vigente, que trata do Direito da Empresa,

segundo a opinião de boa parte da doutrina nacional, foi totalmente inspirado no

Código Civil italiano de 1942, que da mesma forma que o legislador nacional,

também não definiu juridicamente a empresa.

Levadas a efeito estas observações, pode -se afirmar que a modernização

das práticas comerciais necessitou que fosse desenvolvida uma teoria que

facilitasse a aplicação da lei no sentido de re gular e, conseqüentemente, ampliar a

atividade comercial, já que a teoria dos atos de comércio não atendia tais

objetivos. Tal necessidade deve -se, também, à dificuldade encontrada pelo

legislador em estabelecer os parâmetros da teoria dos atos de comércio que

24 ROQUE, Sebastião José. Op. cit., p. 73.25 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho . Rio de Janeiro:Forense, 1995, p. 62.

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serviu de referência ao Código Comercial brasileiro no sentido de estabelecer as

diretrizes da atividade comercial.

De fato, esse entendimento foi adotado pelo legislador italiano em 1942,

assim como pelo legislador brasileiro, por ocasião da promulga ção do Código Civil

de 2002, conforme visto, estabelecendo -se a denominada Teoria da Empresa,

visando ampliar a incidência da atividade comercial, não considerando mais o ato

de comércio como base da referida teoria, mas sim, a atividade empresarial.

Neste aspecto Sebastião José Roque ensina:

[...] o antigo Direito Empresarial, o chamado DireitoComercial, adotava um critério objetivo, por assentar -se noato de comércio, enquanto o moderno, da fase empresarial,assenta-se na teoria da empresa.26

Continua o autor, enfatizando que:

O moderno Direito Empresarial, adotando critério subjetivo,por considerar a empresa como pedra angular de suadoutrina, toma em consideração o ato de comércio, nãoisolado, mas os atos de comércio constituindo umaatividade. O Direito Empresarial é uma ciência jurídica euma ciência não pode partir de fatos isolados [...]. Aatividade não significa ato, mas uma série de atoscoordenáveis entre si, uma função de uma finalidadecomum.27

Estas são, portanto, as principais alterações ocorridas sobre a figura da

empresa e do empresário em razão da nova disciplina do Código Civil de 2002.

Entretanto, juntamente com elas, tantas outras modificações foram observadas,

especialmente no modo de atuação da empresa e nas obrigações e

responsabilidades dos empresários, destacando -se dentre elas a obrigatoriedade

da observância dos direitos fundamentais no exercício da atividade empresarial,

tema principal deste trabalho.

26 ROQUE, Sebastião José. Op. cit., p. 67.27 Idem, ibidem.

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Desta forma, torna-se importante pontuarmos quais são as novas

obrigações e responsabilidades atinentes à empresa e ao empresário no tocante à

observância dos direitos fundamentais. É este assunto, portanto, o objeto de

análise no capítulo seguinte.

2 A VINCULAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS SUJEITOS DEDIREITO PRIVADO

2.1 Os fundamentos constitucionais dos direitos e garantias fundamentaisda pessoa humana

A questão concernente aos direitos e garantias fundamentais da pessoa

humana e o papel da Constituição remonta à época do Iluminismo. O monumento

do Iluminismo legitimou o poder da Constituição, cuja importância foi inserida no

artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que

assim determinava: “toda a sociedade, na qual a garantia dos direitos não é

assegurada, nem a separação de poderes de terminada, não tem constituição”. 28

Contudo, foi com o advento das Constituições dos Estados democráticos,

ocorrido durante todo o século XX, notadamente nos países romano -germânicos,

28 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 9.

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que os princípios fundamentais passaram a fazer parte dos textos das

Constituições, e por tal motivo, tornaram -se normas diretivas, inclusive no que se

refere ao Direito Privado. Entretanto, conforme acentua Ingo Wolfgang Sarlet:

Desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições,os direitos fundamentais passaram por dive rsastransformações, tanto no que diz com seu conteúdo, quantono que concerne à sua titularidade, eficácia e efetividade.[...] Com efeito, não há como negar que o reconhecimentoprogressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter deum processo cumulativo, de complementaridade, e não dealternância [...].29

Trata-se a Constituição de um conjunto de normas jurídicas imperativas,

que devem ser respeitadas por todos e cuja aplicabilidade pode ser pleiteada em

juízo quando suas normas não forem observada s livremente. Portanto, é a

Constituição dotada de uma “superioridade normativa”. 30

Conforme ensinamento de Daniel Sarmento:

[...] constituições como a brasileira, a alemã, a espanhola ea portuguesa, que representam marcos na superação deformas estatais autoritárias, são timbradas pela preocupaçãocom a promoção de valores humanitários de dignidadehumana, liberdade, democracia, igualdade e justiça, que nãopodem ser desconsiderados no momento da suainterpretação e aplicação.31

Com respaldo na assertiva acima, não resta dúvida de que um dos

assuntos mais palpitantes inseridos na Constituição Federal de 1988 diz respeito

aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Aliás, na expressão

”fundamentais”, segundo José Afonso da Silva, “acha -se a indicação de que se

29 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais . 2. ed. atual. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2001, p. 48 -49.30 Neste sentido, ver SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 51.31 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 121.

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trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não

convive, às vezes, nem mesmo sobrevive”. 32

De outro lado, para José Joaquim Gomes Canotilho, direitos fundamentais

“são os direitos do homem jurídico -institucionalmente garantidos e limitados

espaço temporalmente”.33

No que se refere aos princípios, são eles o elo entre a ética e os ideais de

justiça no Direito, especialmente o Direito Constitucional, tratando -se de

verdadeiras normas jurídicas. Ao discorrer sobre sua importância, Gisela Maria

Bester ensina que:

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23

de paradigmas que decorre da própria evolução da humanidade, como bem

salienta o mestre Norberto Bobbio:

Os direitos do homem constituem uma classe variável, comoa história destes últimos séculos demonstra suf icientemente.O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua ase modificar, com a mudança das condições históricas, ouseja, dos carecimentos e dos interesses, das classes nopoder, dos meios disponíveis para a realização dosmesmos, das transformações técnicas etc. [...]. Não é difícilprever que, no futuro, poderão emergir novas pretensõesque no momento nem sequer podemos imaginar [...]. O queparece fundamental numa época histórica e numadeterminada civilização não é fundamental em outrasépocas e em outras culturas.36

De qualquer modo, registre -se que os princípios e direitos fundamentais,

mesmo que de forma restrita, sempre constaram nas Constituições brasileiras,

inclusive, a própria Constituição Imperial já estabelecia a inviolabilidade do s

direitos relativos à liberdade, à segurança e à propriedade, que serviu de

referência para as Constituições subseqüentes. Neste aspecto, importante

lembrar, como fez Ingo Wolfgang Sarlet, que:

[...] os ideais da Revolução Francesa – igualdade, liberdadee fraternidade – são ainda hoje a fonte axiológica de ondepromanam, como de um manancial inesgotável, os direitosfundamentais. [Entretanto, no direito brasileiro, foi aConstituição Federal de 1988 a primeira que previu] umtítulo próprio destinado aos princípios fundamentais [...]. 37

Continua o autor, sobre a Constituição Federal de 1988, assinalando que:

[...] o Constituinte deixou transparecer de forma clara einequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios

36 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 38.37 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais naConstituição Federal de 1988 . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 61.

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fundamentais a qualidade de normas emb asadoras einformativas de toda a ordem constitucional, inclusive [...]das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais[...].38

Embora exista controvérsia sobre qual seria a interpretação mais adequada

sobre as diferenças entre direitos e gara ntias, já que o próprio legislador

constitucional não fez tal distinção, pode -se dizer que algumas das garantias estão

dispostas nos próprios incisos do artigo 5, da Constituição Federal de 1988, como

adverte André Ramos Tavares:

Reconhecem-se alguns direitos, garantindo-os (como no inc.V). Em vez de declarar-se o direito à resposta proporcionalao agravo, ‘assegura-se’ o mesmo. De outra parte, garantiaspropriamente ditas são gramaticalmente declaradas.Finalmente, fundem-se num mesmo dispositivoconstitucional o direito e seu instrumento de garantiacorrespondente.39

Nas palavras de Geleotti e Liñares Quintana, citado por Paulo Bonavides, o

termo “garantia” etimologicamente se explica:

[...] pela sua derivação de garant, do alemão gwähren-gewähr-leistung, cujo significado, acrescenta, é o deSicherstellung, ou seja, de uma posição que afirma asegurança e põe cobro à incerteza e à fragilidade. 40

Assim, para uma melhor compreensão didática do assunto, apresentar -se-á

abaixo a classificação dos direitos fu ndamentais feita por José Afonso da Silva 41,

que os dividiu em seis grupos, quais sejam:

1) Direitos individuais (artigo 5);

2) Direitos à nacionalidade (artigo 12);

38 Idem, ibidem, p. 62.39 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucion al. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 602.40 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional . 14. ed. rev. e atual. São Paulo:Malheiros, 2003, p. 525. (grifos originais)41 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 183.

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3) Direitos políticos (artigos 14 a 17);

4) Direitos sociais (artigos 6 e 193);

5) Direitos coletivos (artigo 5);

6) Direitos solidários (artigos 3 e 225).

Ao discorrer sobre o presente e futuro dos direitos do homem, interessante

relembrar a lição de Norberto Bobbio:

Com efeito, o problema que temos diante de nós não éfilosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político.Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos,qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitosnaturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual éo modo mais seguro para garanti -los, para impedir que,apesar das solenes declarações, eles sejam continuamenteviolados.42

No tocante aos direitos individuais, constantes do artigo 5, da Constituição

Federal, trata-se de direitos inerentes à pessoa humana, sendo, ipso facto,

irrenunciáveis e inalienáveis.

Saliente-se, da mesma forma, que os direitos e garantias individuais

também não poderão ser abolidos por intermédio de emendas constitucionais,

conforme estabelecido no inciso IV, parágrafo 4, do artigo 60 da Constituição

Federal. Todavia, frise-se que algumas restrições podem ser impostas aos direitos

fundamentais.

Sobre o assunto, Alex Robert, após afirmar que as propostas de

classificação das restrições aos direitos fundamentais são numerosas e de

diferentes tipos; que as diferenças resultam da s diferentes finalidades de

classificação e em parte se baseiam nas obscuridades dos conceitos

fundamentais, especialmente dos conceitos de restrição, classifica as restrições

em diretamente e indiretamente constitucionais. 43

42 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 45.43 Los derechos fundamentales, entanto derechos de rango constitucional, pueden ser restringidossólo a través de, o sobre la base de, normas con rango constitucional. Por ello, las restricciones de

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Assim, no direito constituciona l pátrio, tem-se os casos de estado de defesa

(artigo 136) e estado de sítio (artigo 137), nos quais os direitos fundamentais

podem ser restringidos visando preservar ou restabelecer a ordem pública ou a

paz social ameaçada e em outros casos previstos nos referidos artigos.

Por fim, ressaltamos lição de Daniel Sarmento, que ao se referir sobre a

Constituição e direitos e garantias fundamentais, assim leciona:

Neste quadro, no Brasil, onde nosso ordenamento sealicerça sobre uma Constituição fundada sobre p rincípios evalores humanitários, como a dignidade da pessoa humanae o Estado Democrático de Direito, e que conta com umcapítulo tão generoso de direitos fundamentais,desencadear a força normativa da Lei Fundamental eprojetá-la sobre todos os setores da vida humana e doordenamento jurídico torna-se essencial, para quem sepreocupe com a promoção da justiça substantiva. 44

Resta evidente, portanto, que no cumprimento das diretrizes advindas dos

direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, a Consti tuição, como norma

superior a todas as demais, é de importância ímpar. Por encontrarem -se tais

direitos e garantias inseridas na norma constitucional, são oponíveis a todos os

indivíduos, indiscriminadamente, e devem ser observadas em grau máximo pelos

intérpretes do direito, prevalecendo sobre as normas contidas nas demais

codificações, especialmente aquelas que tratam de direitos privados, como

veremos no tópico seguinte.

derechos fundamentales son siempre o bien normas de rango con stitucional o normas de rangoinferior al de la Constitución, a las que autorizan dictar normas constitucionales. Las restriccionesde rango constitucional son directamente constitucionales; las restricciones de rango inferior a laConstitución, indiretamente constitucionales. [...] Las restricciones indirectamente constitucionalesson aquéllas cuya imposición está autorizada por la Constitución. La competência para imponerrestricciones inderectamente constitucionales se expresa de manera clarísima en las cláusulas dereserva explícitas. Cláusulas de reserva explícita son aquellas disposiciones iusfundamentales opartes de disposiciones iusfundamentales que autorizan expresamente intervenciones,restricciones o limitaciones. (ROBERT, Alex. Teoria de los derechos fundamentales . Versióncastellana por Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 2001, p. 227 -228).44 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 55.

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2.2 A teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relaçõesinterprivadas

Durante muito tempo existiu uma distinção clara entre Direito Constitucional

e direito privado. Este tratava de questões relacionadas aos indivíduos, enquanto

aquele, de temas ligados ao Estado. Evidenciava -se neste período a dicotomia

entre direito constitucional e direito civil. Uma das características marcantes era a

forte opressão do Estado sobre o indivíduo e um grande individualismo por parte

dos particulares em relação ao Estado.

Entretanto, hoje não mais é possível negar a vinculação dos pa rticulares

aos direitos fundamentais. Para tanto, é necessário admitir que Estado e

sociedade não podem mais viver em guerra, mas devem unir -se na defesa da

dignidade da pessoa humana, tornando -se Estado e sociedade uma só realidade,

objetivando os mesmos fins.

O grande resultado dessa mudança foi que normas constitucionais que

anteriormente regulavam apenas o Estado, passam agora a regular também as

pessoas de direito privado, antes submetidas apenas às regras estabelecidas em

seus códigos.

Sobre o assunto, Melina Girardi Fachin e Umberto Paulini lecionam:

[...] ao contrário do movimento codificador que tinha comovalor necessário a realização da pessoa em seus aspectospatrimoniais, o constitucionalismo social, abraçado pelaConstituição Cidadã de 1988, acentua a raiz antropocêntricado ordenamento jurídico. O patrimônio assume papel decoadjuvante, num fenômeno que de denominou derepersonalização.45

45 FACHIN, Melina Girardi; PAULINI, Umberto. Problematizando a eficácia dos direitosfundamentais nas relações entre particulares: ainda e sempre sobre a constitucionalização doDireito Civil. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Diálogos sobre Direito Civil.Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 214. (grifos originais)

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Eugênio Facchini Neto também presta grande contribuição em relação à

matéria, discorrendo da seguinte for ma:

Parte dessa regulamentação passou a ter tamanhaimportância que foi elevada à dignidade constitucional.Temos, então, o fenômeno da constitucionalização de certosprincípios e institutos fundamentais do direito privado, comoé o caso da família, da propriedade, da atividade econômica[...].46

Como resultado desse processo, diversos valores constitucionais migraram

para o direito civil, sendo o principal deles o princípio da dignidade da pessoa

humana.47 Conforme acentua Maria Celina Bodin de Moraes, “[. ..] são os valores

expressos pelo legislador constituinte que devem informar o sistema como um

todo”.48

Terminológicamente, a vinculação dos direitos fundamentais aos

particulares foi denominada por várias expressões, tendo sido chamada de

“eficácia perante terceiros” pela teoria alemã (Drittwirkung), além de “eficácia

horizontal”, “eficácia privada”, “eficácia horizontal dos direitos fundamentais no

direito privado” e “eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre

particulares”, sendo esta última fó rmula, para Melina Girardi Fachin e Umberto

Paulini, a que expressa melhor a vinculação dos direitos fundamentais aos sujeitos

de direito privado49. Há que se advertir, todavia, sobre a existência de corrente

doutrinária, minoritária, saliente -se, que defende a não vinculação dos particulares

aos direitos fundamentais, baseada na alegação de que é exclusivamente do

Estado o dever de proteger os direitos fundamentais, idéia com a qual não

coadunamos.

46 FACHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direitoprivado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais... Op. cit., p. 31.(grifos originais)47 Idem, ibidem, p. 34.48 MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico econteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais...Op. cit., p. 109. (grifos originais)49 FACHIN, Melina Girardi; PAULINI, Umberto. Op. cit., p. 202.

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No que se refere aos modos de vinculação dos particulares a os direitos

fundamentais, verifica-se que podem ser direto (ou imediato) ou indireto (ou

mediato). O “modo indireto” defende a vinculação dos direitos fundamentais aos

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3) eficácia mediada pelo magistrado: deriva do poder de decisão do

magistrado, que deve na busca por uma solução justa, interpretar as

normas de direito privado à luz dos direitos fundamentais;

4) eficácia perante os poderes privados: trata -se de eficácia verificada em

casos entre particulares, onde uma das partes envolvidas na questão

possui um determinado poder econômico e social e o utiliza sobre um

grande número de pessoas, influindo na solução do problema. Em tais

casos, os direitos fundamentais terão sua eficácia exercida perante

terceiros, que não o Estado, assumindo sua função objetiva de proteção e

devendo ser respeitados em grau máximo;

5) eficácia de liberdade do indivíduo: refere -se a uma espécie de limite à

eficácia, não cabendo apelação aos direitos fundamentais em tais casos,

vez que a liberdade é igualmente um direito constitucionalmente

assegurado.

A respeito da eficácia mediada pelo Magistrado, Eugênio Facchini Neto

ensina:

[...] cabe ao magistrado assegurar a fundamentalidade dosdireitos humanos, interpretando o ordenamento jurídico deforma que respeite e fomente tais direitos, garantindo apreferencialidade de tal interpretação sobre quaisquer outraspossibilidades hermenêuticas que se abram. Igualmente é omagistrado que, no caso concreto, usando o método dahierarquização axiológica [...] deverá ponderar os interessesem conflitos, concretizando a proteção a um dos direitoshumanos invocados, em detrimento de outro direito,igualmente fundamental, que abstratamente possa s erinvocado.52

Assim, diante desta nova visão dos direitos fundamentais, inegavelmente

vinculantes aos sujeitos privados, surge um novo papel para a Administração, que

tem o dever de zelar para que tais direitos não sejam violados, bem como criar

52 FACHINI NETO, Op. cit., p. 54. (grifos originais)

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meios práticos para que os mesmos sejam gozados, o que se dá através de

políticas públicas53.

De outro modo, nasce para o legislador uma nova obrigação, de caráter

positivo, conforme salienta Eugênio Facchini Neto:

Quanto ao legislador, o reconhecimento da eficácia jurídicados direitos fundamentais impõe ao mesmo deverespositivos, no sentido de editar legislação que regulamenteas previsões constitucionais, desenvolvendo os programascontidos na Carta. Não basta abster -se de editar leisinconstitucionais, impõe-se o dever de agir positivamente.. 54

Também o Judiciário deverá, por meio dos Juízes, interpretar e aplicar o

direito privado, observando atentamente as normas constitucionais, nas quais se

encontram inseridos os direitos fundamentais. 55

Entretanto, em que pese o avanço alcançado no sentido de vincular aos

particulares os direitos fundamentais, o que como vimos, na maioria dos casos,

pode ocorrer de maneira direta, surge uma questão relacionada com o momento a

partir do qual cessa a eficácia da Constituição.

Sobre esse aspecto, há que salientar -se que, sempre que houver

incompatibilidade entre uma norma ordinária e a norma constitucional,

impossibilitando a aplicação dos direitos fundamentais, haverá de ser declarada a

inconstitucionalidade, haja vista que a C onstituição é a lei mais importante de todo

o sistema normativo, além de estar fundamentada nos direitos fundamentais.

Com propriedade, Daniel Sarmento ensina:

Caso não seja possível aplicar a norma ordinária existenteem conformidade com os direitos fund amentais, deve oórgão jurisdicional exercer o controle incidental deconstitucionalidade, para afastar o preceito viciado daresolução da questão, e, diante de eventual ausência denormal, solucionar o litígio através da invocação direta da

53 Neste sentido, ver Idem, ibidem, p. 44.54 FACHINI NETO, Op. cit., p. 44.55 Idem, ibidem, p. 45.

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Constituição. De resto, esta obrigação deriva do próprioprincípio da supremacia da Constituição e da vinculação doJudiciário, como órgão estatal, aos direitos fundamentaisnela positivados.56

No mesmo sentido, Eugênio Facchini Neto leciona: “[...] que entre as muitas

possibilidades de interpretação, todas conforme a Constituição, deve -se escolher

aquela em que a eficácia dos direitos fundamentais encontra a sua máxima

expressa, [...]”.57

Oportuno esclarecer que a aplicação no direito privado das disposições

relativas aos direitos fundamentais não ocorre apenas por meio das cláusulas

gerais58, sendo passível, em alguns casos, a aplicação direta da Constituição,

sobre a qual encontram-se firmadas as cláusulas gerais. 59

Relativamente à autonomia privada e seu eventual conflit o com os direitos

fundamentais, Daniel Sarmento ensina que a autonomia privada não

necessariamente deixará de ser exercida em prol dos direitos fundamentais.

Entretanto, sempre que se verificar uma situação de desigualdade entre as partes,

“[...] mais intensa será a proteção ao direito fundamental em jogo, e menor a tutela

da autonomia privada”.60

Assim, tecidas estas breves considerações sobre a questão da eficácia dos

direitos fundamentais nas relações interprivadas, passar -se-á no item seguinte a

verificar de que forma estes direitos fundamentais têm sua eficácia garantida

quando nos deparamos com uma situação onde um dos particulares possui

poderes econômicos e sociais sobre o outro.

2.3 O poder hierárquico no âmbito da empresa

56 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 256.57 FACHINI NETO, Eugênio. Op. cit., p. 40.58 Neste sentido, ver SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 248.59 Neste sentido, ver FACHIN, Melina Girardi; PAULINI, Umberto. Op. cit., p. 212.60 Neste sentido, ver SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 261.

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Conforme analisado no tópico anterior, uma das expressões utilizadas para

a vinculação dos direitos fundamentais aos particulares é “ Drittwirkung”. Esta

expressão deriva do direito alemão e significa “eficácia perante terceiros”. Existem

na sociedade atual diversas entidades pr ivadas que possuem um enorme poder

econômico e social, a ponto de influenciar a vida dos demais indivíduos como se

fosse o próprio Estado.

Em tais situações há uma clara hipossuficiência de uma das partes das

relações e, ainda que se trate de relação entr e particulares, há que ser invocada a

eficácia máxima dos direitos fundamentais, os quais contêm princípios

ordenadores para a vida social e que vinculam também as relações privadas, que

não podem contrariar os princípios básicos e estruturantes de um orde namento

jurídico. Dentre os direitos que poderiam ser invocados em tais casos, encontram -

se a dignidade humana, o livre desenvolvimento da personalidade, a isonomia

entre homens e mulheres, a proibição da discriminação etc.

No âmbito das relações de empreg o e considerando-se o exercício da

atividade empresarial de acordo com os princípios e direitos fundamentais,

constata-se que o empresário/empregador, detentor de poder social e econômico,

não pode, em tempos modernos, agir de forma autoritária com o traba lhador,

estando sujeito, portanto, aos limites impostos pelo legislador, no que diz respeito

ao seu poder de comando.

Juan María Bilbao Ubillos, ao discorrer sobre a teoria da Drittwirkung e sua

aplicação nas relações de trabalho, leciona:

A nadie puede sorprender, por tanto, que lá gênesis y eldesarrollo más fecundo de la teoria de la Drittkirkung hayatenido como escenario el campo de lãs relacionas laborales.Esa especial reptividad no es casual: se explica por la notade subordinación intrínseca al c umplimiente de la prestaciónpor el trabajador. Aunque la empresa há dejado de ser unazona franca en la que el empresário ejerce una autoridadindiscutida y hemos asistido em lãs últimas décadas a unproceso de penetración de la Constitución dentro de lãsfábricas y de progresivo reconocimiente de los derechosfundamentales de los trabajadores en tanto que ciudadanos,lo cierto es que, como organización econômica, estructurada

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Antes, porém, de conceituar o poder hierárquico, importante salientar que

tal expressão está sendo ultimamente bastante criticada por vários doutrinadores,

em função de sua conotação autoritária e ultrapassada que não coaduna mais

com a moderna noção que se tem atualmente de poder empresarial.

Neste sentido é o entendimento de Maurício Godinho Delgado, ao fazer a

seguinte afirmação a respeito do termo:

Tal expressão, afinal, carrega-se de rigidez incompatívelcom qualquer processo de democratização do fenômenointra-empresarial de poder. Trazida ao Direito do Trabalhopor inspirações administrativistas ou institucionalistas jásuperadas há longa época pela mais arejada teoriajustrabalhista, a expressão, mesmo hoje, não deixa deevocar uma lembrança severa, implacável e hirta dofenômeno do poder na empresa. 64

Prossegue o autor, ensinando:

Hierárquico seria o poder deferido ao empregador no âmbitoda relação de emprego consiste nte em um conjunto deatribuições com respeito à direção, regulamentação,fiscalização e disciplinamento da economia interna àempresa e correspondente prestação de serviços. O poderhierárquico abrangeria todas as demais dimensões dofenômeno do poder no contexto empresarial interno (assimcomo a nova expressão poder empregatício) 65

De qualquer forma, nas palavras de Octávio Bueno Magano, “o poder

hierárquico do empregador constitui a capacidade que lhe é atribuída para dirigir a

prestação subordinada de serviço”.66

O que se tem, pelo visto, é que o poder hierárquico, para fins de estudo no

presente trabalho, a partir das explanações supracitadas, terá que ser considerado

64 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 630.65 Idem, ibidem.66 MAGANO, Octávio Bueno. Manual de direito do trabalho . São Paulo: LTr, 1993, v. 2, p. 206.

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do ponto de vista da doutrina atual, subdividindo -se em poder diretivo, poder

regulamentar e poder disciplinar.

Aliás, esta é a concepção de Octávio Bueno Magano, ao realçar que “o

poder hierárquico, ou poder diretivo lato sensu, subdivide-se em poder diretivo

stricto sensu, em poder regulamentar e em poder disciplinar”. 67

Assim, conforme Maurício Godinho Delgado,

Poder diretivo (ou poder organizatório ou, ainda, poder decomando) seria o conjunto de prerrogativas tendencialmenteconcentradas no empregador dirigidas à organização daestrutura e espaço empresariais internos, inclusive oprocesso de trabalho adotado no estabelecimento e naempresa, com a especificação e orientação cotidianas noque tange à prestação de serviços. 68

Em uma linguagem mais simples, Amauri Mascaro Nascimento leciona que

“poder de direção é a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo

como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser

exercida”.69

Poder regulamentar, por sua vez, explica Maurício Godinho Delgado, “seria

o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas n o empregador

dirigidas a fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito do

estabelecimento e da empresa”. 70

Geralmente, nas grandes corporações, tais prerrogativas são concentradas

nos chamados Regulamentos de Empresas, que por sua vez, estabelecem a s

normas genéricas que deverão ser seguidas pelos funcionários no âmbito da

empresa. Aliás, tais regulamentos, em alguns casos, são elaborados com a

participação dos empregados, através das comissões de empresas.

Poder disciplinar é o poder que tem o empre gador de aplicar sanções

disciplinares aos trabalhadores, ou nas palavras de Maurício Godinho Delgado, “é

67 Idem, ibidem, p. 207. (grifos originais)68 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 631.69 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito:relações individuais e coletivas do trabalho. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 562.70 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 632.

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o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a

imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de

suas obrigações contratuais”. 71

Assim, as sanções trabalhistas, dependendo de cada caso concreto, podem

ser aplicadas pelo empregador, principalmente nos casos de infrações cometidas

com desrespeito às situações taxativamente referidas no artigo 482, da

Consolidação das Leis Trabalhistas, aplicáveis à todos os trabalhadores regidos

pelo referido codex, sendo que a mais grave das sanções é a dispensa por justa

causa.

Não obstante, Aldacy Rachid Coutinho adverte:

[...] O trabalho é salário, mas salário nã o é tudo; trabalhosempre será um processo de identificação dos momentos dareprodução social, reinventada a cada momento e aconquista de condições dignas de vida expressas emdireitos.72

Desta forma, em que pese a possibilidade legalmente atribuída ao

empresário/empregador de, no comando da atividade empresarial e respaldado

em seu poder hierárquico, aplicar determinadas sanções aos seus empregados,

jamais poderá ele distanciar -se dos direitos fundamentais que cada um desses

empregados possui, direitos es tes irrenunciáveis, destaque-se, como os direitos

de personalidade, que serão estudados no tópico seguinte.

2.4 Os direitos da personalidade

A Constituição Federal de 1988, ao arrolar os direitos fundamentais da

pessoa humana, não se referiu especifica mente aos direitos da personalidade,

71 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 636.72 COUTINHO, Aldacy Rachid. A autonomia privada: em busca da defesa dos direitos fundamentaisdos trabalhadores. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais... Op.cit., p.170.

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encontrando-se os mesmos distribuídos ao longo do texto, ficando a cargo da

doutrina e da jurisprudência a sua identificação.

Já o Código Civil brasileiro vigente, ao contrário do anterior, que não tratava

especificamente dos direitos da personalidade, apresenta um capítulo próprio para

tratar de tais direitos, do artigo 11 ao artigo. 21, do capítulo II, do Título I (Das

Pessoas Naturais), mostrando a preocupação do legislador em protegê -los.

De acordo com Amauri Mascaro Nascimento, direitos da personalidade

assim podem ser conceituados:

São prerrogativas de toda pessoa humana pela sua própriacondição, referentes aos seus atributos essenciais em suasemanações e prolongamentos, são direitos absolutos,implicam num dever geral de abstenção para a sua defesa esalvaguarda, são indisponíveis, intransmissíveis,irrenunciáveis e de difícil estimação pecuniária. 73

Ao se referir aos direitos da personalidade, Carlos Alberto da Mota Pinto

afirma que “designa-se por esta fórmula um certo número de poderes

pertencentes a todas as pessoas, por força do seu nascimento” 74

Washington de Barros Monteiro ensina:

[...] a pessoa é detentora de direitos inerentes à suapersonalidade, entendida esta como as características que adistinguem como ser humano, ao mesmo tempo em queintegra a sociedade e o gênero humano. São característicasinerentes ao indivíduo, que se intuem facilmente, que atédispensariam menção, dada sua inarredabilidade dacondição humana, e que configuram pressuposto da própriaexistência da pessoa, mas que nem sempre são fáceis deexplicar..75

73 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: LTr,2005, p. 131.74 PINTO, Carlos Alberto da Mota . Teoria geral do direito civil . Coimbra: Coimbra Editora, 1999,p. 206.75 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil . Parte geral. 40. ed. rev. e atual. porAna Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 96.

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Segundo afirma Maria Celina Bodin de Moraes, “[...] Não há mais, de fato,

que se discutir sobre uma enumeração taxativa ou exemplificativa dos direitos da

personalidade [...]”.76 Assim, de acordo com os parâmetros do presente estudo,

serão enfocados, sob o ângulo da Constituição Federal, aqueles direitos de

personalidade que mais diretamente estão ligados ao exercício da atividade

empresarial. Dessa forma, trataremos dos direitos ine rentes à figura do

trabalhador no exercício de sua atividade laboral, quais sejam: direito à vida e à

integridade física, à intimidade, à liberdade de pensamento.

Sabe-se que a matéria referente ao Direito do Trabalho encontra -se

positivada em Lei própria, qual seja, a Consolidação das Leis do Trabalho. É sobre

as normas ali constantes que os conflitos decorrentes da relação de trabalho

devem ser resolvidos. Subsidiariamente, contudo, naqueles assuntos em que a

legislação especial for lacunosa, a lei comum e a legislação constitucional poderão

ser aplicadas.

Ao discorrer sobre os direitos de personalidade no âmbito do Direito do

Trabalho, José Antônio Peres Gediel ensina:

Pode-se afirmar, portanto, que a importância do trabalhopara a economia de mercado al iada ao modelo positivistadas disciplinas jurídicas imprimiram ao Direito do Trabalhoum caráter instrumental e patrimonialista, que dificulta,sobremaneira, o trânsito dos direitos da personalidade nasrelações contratuais, que têm por objeto a atividade laboral.Por isso, os movimentos de humanização, repersonalizaçãoe ressistematização do Direito Privado, que deram lugar aoaparecimento de legislações nitidamente voltadas à tutelados sujeitos envolvidos em relações patrimoniais e não -patrimoniais, apenas começam a se comunicar com adoutrina juslaboralista.77

Como já foi analisado anteriormente, com a Constituição Federal de 1988 é

que os direitos fundamentais passaram a estruturar a ordem jurídica. Com relação

ao trabalho e ao trabalhador, o inciso IV , do artigo 1, da Constituição vigente, “[...]

76 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 144.77 GEDIEL, José Antônio Peres. Op. cit., p. 155.

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eleva ao patamar de direitos fundamentais os direitos da personalidade e os

direitos sociais dos trabalhadores”. 78

O direito à vida é o mais importante dos direitos da personalidade, sendo

decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, constante no artigo 1,

inciso III, da Constituição Federal, podendo -se até afirmar, nas palavras de

Estevão Mallet, de que deste inciso III se tira um “direito geral de personalidade”. 79

Logo, no caso das relações de trabal ho, o trabalhador não pode ser colocado à

exposição de atividades que coloquem sua vida ou sua integridade psicofísica em

risco, salvo as permissões legais.

Sobre integridade psicofísica, Maria Celina Bodin de Morais leciona:

[...] a integridade psicofísica vem servindo a garantirnumerosos direitos da personalidade (vida, nome, imagem,honra, privacidade, corpo, identidade pessoal), instituindo,hoje, o que se poderia entender como um amplíssimo ‘direitoà saúde’, compreendida esta como completo bem -estarpsicofísico e social.80

A modernização das empresas face ao inevitável desenvolvimento industrial

facilitou o surgimento de certas situações que repercutiram diretamente no

ambiente de trabalho do obreiro, fazendo com que este não possua a devida

proteção da sua intimidade, até mesmo como decorrência do poder diretivo do

empregador, que tem o direito de fiscalizar os serviços prestados pelo trabalhador,

seja por intermédio de aparelhos eletrônicos, seja por intermédio de revista

pessoal.

De qualquer forma, tais procedimentos têm seus parâmetros estabelecidos

em lei e na jurisprudência, implicando em ofensa aos direitos de personalidade

sempre que extrapolarem os limites pré -estabelecidos. Aliás, nos dois exemplos

acima citados (fiscalização do trabalho por a parelhos eletrônicos ou por revista

pessoal), desde que haja conhecimento por parte do empregado no primeiro caso,

e um relativo equilíbrio entre o procedimento e a necessidade de tal medida no

78 GEDIEL, José Antônio Peres. Op. cit., p. 155-156.79 MALLET, Estevão. Direito, trabalho e processo em transformação . São Paulo: LTr, 2005, p.19.80 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 127.

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segundo caso, tem-se permitido que o empregador assim proceda, principalmente

nas revistas relacionadas às atividades ligadas à comercialização de produtos de

valor considerável ou de fácil subtração.

No que diz respeito à liberdade de pensamento, o inciso IV, do artigo 5, da

Constituição Federal, determina que: “Art . 5º - [...] IV - é livre a manifestação do

pensamento, sendo vedado o anonimato; [...]”. De fato, não pode o trabalhador

sofrer qualquer restrição à sua forma de pensamento, seja ela de ordem política

ou filosófica. Aliás, é muito comum o empregado ser de spedido por defender

idéias de sindicatos não simpatizantes com as convicções patronais. Este é um

claro exemplo de desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos

direitos da personalidade.

Ressalte-se, todavia, que ocorrendo violação de qual quer dos direitos

supracitados, ou a qualquer dos demais direitos constantes no texto constitucional

e demais leis esparsas, pode o trabalhador, pedir que cesse imediatamente a

ameaça ou lesão (artigo 12, Código Civil), requerer indenização pelo dano moral

sofrido, além de rescindir o contrato de trabalho motivadamente, com amparo na

alínea “b” do artigo 483, da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Apesar disso, o que se verifica em larga escala é a contratação de

trabalhadores pelas empresas, através de con tratos pré-elaborados, onde

aspectos relacionados à personalidade do trabalhador sequer são analisados. Tal

fato se dá, principalmente, devido à condição de desvantagem econômica do

trabalhador, como alude José Antônio Peres Gediel. 81

Trata-se, obviamente, de situação ofensiva à dignidade e aos direitos de

personalidade do trabalhador. E para que os direitos fundamentais do empregado

sejam realmente garantidos na atividade laboral, é necessário que a empresa

instrumentalize a eficácia dos direitos fundament ais e atribua ao empregado o seu

verdadeiro valor social, respeitando e assegurando seus direitos.

Quando os direitos fundamentais não são observados no exercício da

atividade laboral, dentre eles o direito de personalidade do empregado, a

conseqüência será a lesão a outros direitos constitucionalmente assegurados, o

81 GEDIEL, José Antônio Peres. Op. cit., p. 161-162.

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que pode acarretar o rompimento do contrato de trabalho e busca pela reparação

do dano através das vias judiciais, assunto este que será abordado a seguir.

2.4.1 As lesões aos direitos da personalidade dos empregados

É sabido que o legislador infraconstitucional vem, há algum tempo, se

preocupando com os direitos das pessoas predominantemente excluídas da

sociedade, com o objetivo de fazer valer as normas constantes na Constituição

Federal de 1988. Por essa razão, o Código Civil de 2002 dedicou um capítulo

próprio aos direitos da personalidade, constantes no Capítulo II, do Título I (das

pessoas naturais), do Livro que trata das pessoas.

No que se refere às questões trabalhistas, o legislado r não se preocupou

em tratar dos direitos da personalidade, a não ser em algumas hipóteses relativas

aos atos lesivos da honra ou da boa fama, além dos casos de agressão física.

Todavia, tal lacuna foi preenchida, em parte, com a autorização do uso subsidi ário

do direito comum, segundo o disposto no artigo 8, da Consolidação das Leis do

Trabalho.

Assim, como ensina Carlos Alberto da Mota Pinto 82, várias são as formas

de manifestação do direito da personalidade, os quais incidem especialmente,

sobre a vida da pessoa, sua saúde e integridade física, sua honra, sua liberdade

física e psicológica, seu nome, sua imagem etc.

Com efeito, no momento da prestação do serviço, o empregador deve

preservar os direitos de personalidade do empregado, apropriando -se somente da

sua força-trabalho e, assim mesmo, dentro dos limites estabelecidos em lei, como

afirma Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena:

Em razão disso, antes que potencialmente, efetivamente,como integrante da empresa como objeto de direito, a força -trabalho do homem está implicada no processo e isso,

82 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Op. cit., p. 87.

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porque a sua cessão ao empregador, por mais ampla,encontra sempre limites na tutela dos direitospersonalíssimos do prestador. 83

No mesmo sentido é o entendimento de Marco Antônio Scheuer:

A verdade é que os direitos da personalidade, até porqueindestacáveis da própria pessoa, não podem se integrar aum contrato de trabalho, e, mesmo, não podem se integrar acontrato nenhum, salvo a exploração econômica da obra doautor, mas, a paternidade dela será sempre devida ao seucriador. 84

O autor, continuando sua explanação, ressalta ainda:

Sendo intransferíveis, não há como se acharem debaixo deum contrato de trabalho. E não podendo estar debaixo dele,não podem permitir argumento contratual para evitar aresponsabilização daquela pessoa que vier a lesar direitosde personalidade da parte que se acha no outro pólo darelação obrigacional estabelecida. 85

Verifica-se, assim, que ocorrendo lesão a qualquer dos direitos da

personalidade dos trabalhadores, por ocasião da prest ação dos serviços relativos

ao contrato de trabalho celebrado, tem o trabalhador direito de ser indenizado,

além de poder pleitear, judicialmente, a rescisão do trabalho nos termos do artigo

483, letra “b”, da Consolidação das Leis do Trabalho.

A propósito, três são as espécies de tutela à disposição do empregado nos

casos de lesão aos direitos da personalidade, quais sejam: no “âmbito trabalhista”,

pleitear o término do contrato de trabalho, por intermédio da rescisão indireta

conforme visto acima, no “âmb ito civil”, ser reparado pelo dano moral sofrido e,

83 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Op.cit., p. 183.84 SOUZA, Marco Antonio Scheuer de. O dano moral nas relações entre empregados eempregadores. Erechim: Edelbra, 1998, p. 195.85 Idem, ibidem.

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finalmente, no “âmbito do Direito Penal”, ingressar com a ação penal

correspondente.

Assim, no intuito de evitar -se lesionar direitos dos empregados, deve a

empresa evitar estabelecer com os mesmos relaç ões conflituosas. Não obstante,

naqueles casos onde isso não for possível, para a solução do impasse incidirão e

deverão ser observados os direitos fundamentais, conforme ver -se-á adiante.

2.5 Os conflitos decorrentes das relações laborais na empresa e aobservância dos direitos fundamentais

Inicialmente, convém esclarecer que desde os primórdios da civilização, os

interesses dos patrões, detentores do capital e os interesses dos trabalhadores,

detentores da força de trabalho, sempre foram antagônicos, resultando deste

relacionamento inúmeros conflitos , decorrentes da própria natureza humana.

A palavra conflito deriva do latim – conflictus, e na concepção de Sergio

Pinto Martins:

[...] tem o significado de combater, lutar, designando dizerque as controvérsias são inerentes à vida humana, sendouma forma de desenvolvimento histórico e cultural dahumanidade. [...] Muitos dos conflitos são gerados porquestões sociais ou problemas econômicos, decorrentes dadesigual distribuição de riquezas. [...] Do pont o de vistatrabalhista, os conflitos são também denominadoscontrovérsias ou dissídios, tendo sido utilizados, na prática,com o mesmo significado”.86

No tocante à denominação conceitual, sabe -se que nossas leis não são

claras a respeito do sentido das pal avras quando se refere à causa levada ao

conhecimento da Justiça, utilizando -se de vários termos, tais como: conflito,

86 MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 25. ed. SãoPaulo: Atlas, 2006, p. 46.

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controvérsia, reclamação ou dissídio. De qualquer forma, a maioria dos

doutrinadores prefere utilizar a palavra conflito para caracteriza r a luta entre o

empregador e os trabalhadores, tais como: Cesarino Junior, Rossumano, Plá

Rodriguez, Guilhermo Cabanellas etc.

Destaque-se que a Constituição Federal de 1988, nos termos do inciso V,

do artigo 114, com a redação dada pela Emenda Constituci onal nº 45, de 2004,

usa a expressão “conflitos” para designar a competência da Justiça do Trabalho,

todavia, usa a expressão “controvérsia” no inciso IX do mesmo artigo para

igualmente designar a competência da dita Justiça trabalhista.

Amauri Mascaro Nascimento, ao discorrer sobre “conflitos nas relações de

trabalho”, leciona:

A – COMPOSIÇÃO DOS CONFLITOS. Nas relações detrabalho surgem conflitos individuais e coletivos, aquelesentre o empregado e o empregador individualmenteconsiderados, e estes entre o grupo de trabalhadores e o deempregadores ou uma empresa. 87

De qualquer forma, da lição de Domingos Sávio Zainhaghi 88, extrai-se que

os conflitos trabalhistas podem ser classificados em conflitos individuais e

coletivos; e conflitos de direito e confli to de interesse.

Os conflitos individuais podem assim ser entendidos quando há apenas um

reclamante. Será coletivo quando houver dois ou mais. Esta classificação é

conhecida como subjetiva. Se for adotada uma classificação objetiva, considera -se

como individual o conflito fulcrado no contrato individual de trabalho. Já o coletivo

se fundamenta nas normas coletivas, sobretudo numa convenção coletiva.

Uma outra classificação, esta mais atual, divide os conflitos em conflitos de

direito e de interesses. O primeiro é aquele que versa sobre a interpretação e

aplicação de um direito adquirido e atual, não interessando se o mesmo seja

derivado dos ditames formais de uma lei ou de uma cláusula de um contrato

87 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito... Op. cit., p. 94.88 ZAINAGHI, Domingos Sávio. A solução extrajudicial dos conflitos trabalhistas no Brasil.São Paulo: LTr, p. 23-24.

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individual de trabalho ou de uma norma coletiva. O conflit o de interesses, por sua

vez, não tem como fundamento a interpretação de um direito adquirido, mas sim

numa reivindicação que busque alterar um direito existente ou, de outra forma,

criar um novo direito.

Não obstante, como bem alertou Domingos Sávio Zaina ghi, “as

classificações acima, na realidade, se confundem, podendo -se afirmar que são

elas independentes e harmônicas entre si. Geralmente, as controvérsias ou são de

direito (individuais), ou de interesses (coletivos)”. 89

Nesta linha de pensamento, não se pode discorrer sobre conflitos de

trabalho sem que se faça, ainda que sucintamente, uma abordagem acerca dos

conflitos coletivos de trabalho e os modos de solucioná -los, já que nos conflitos

chamados individuais, os confrontos são resolvidos de uma forma m ais simplória

entre as partes contratantes.

Para Maurício Godinho Delgado, são conflitos coletivos trabalhistas

“aqueles que atingem comunidades específicas de trabalhadores e empregadores

ou tomadores de serviços, quer no âmbito restrito do estabeleciment o ou empresa,

quer em âmbito mais largo, envolvendo a categoria ou, até mesmo, comunidade

obreira mais ampla”.90

Destaque-se que existem basicamente duas modalidades de solução de

conflitos, quais sejam: a autocomposição, que ocorre quando as partes

conflitantes resolvem por si só, isto é, de forma autônoma o conflito gerado, sem

socorrer-se de terceiros; e a heterocomposição, que ocorre quando as partes

conflitantes confiam a um terceiro a solução do conflito, por não ter sido possível a

solução do mesmo pelas vias autônomas. A segunda modalidade, por sua vez,

pode manifestar-se por meio da arbitragem ou pelo processo judicial (Poder

Judiciário), que no caso do direito do trabalho, caracteriza -se pelo chamado

dissídio coletivo, que resulta na sentença normat iva.

Uma vez apresentadas as formas que podem ser utilizadas para a solução

de conflitos decorrentes das relações laborais, importa salientar a importância que

89 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Op. cit., p. 24.90 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 1291.

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os direitos fundamentais possuem por ocasião da análise do caso concreto e da

conseqüente decisão pelo Juiz.

Todo o processo evolutivo pelo qual passou o direito privado, com a sua

constitucionalização e vinculação aos direitos fundamentais, também passa o

Direito do Trabalho. Em razão disso, “os movimentos de humanização,

repersonalização e ressistematização do Direito Privado [...] começam a se

comunicar com a doutrina juslaboralista”. 91

Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Piznovsky Ruzyk, oportunamente

observam:

[...] sendo o sujeito livre, ele pode vender seu trabalho, cujoproduto pode ser apropriado por aquele que o adquire.Desse modo, todos são reputados igualmente proprietários:aquele que não é proprietário de bens é proprietário de suaforça de trabalho. [...] A propriedade é, nessa fase liberal -jusnaturalista, o direito fundamental por excel ência, que criao limite entre as espacialidades pública e privada.” 92

Mais adiante, ressaltam ainda que “[...] os direitos fundamentais não são

apenas liberdades negativas exercidas contra o Estado, mas são normas que

devem ser observadas por todos aquele s submetidos ao ordenamento jurídico”. 93

Decorre disso que os direitos fundamentais devem ser observados não

apenas por ocasião da contratação de um trabalhador, mas também quando, da

relação laboral, surgir algum tipo de controvérsia. A Justiça do Trabalho tem dado

cumprimento à determinação Constitucional, solucionando os conflitos em

conformidade com os direitos fundamentais. Como exemplo, podemos citar

inúmeras decisões que consideram abusivas as fiscalizações não permitidas pelo

empregado, bem a violação de correspondência, o uso indevido da imagem do

trabalhador sem a prévia autorização, a dispensa baseada em racismo, sexo, cor

ou religião etc.

91 GEDIEL, José Antônio Peres. Op. cit., p. 155.92 FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Piznovsky. Direitos fundamentais, dignidade dapessoa humana e o novo Código Civil: uma análise crítica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).Constituição, direitos fundamentais... Op. cit., p. 94.93 Idem, ibidem, p. 100.

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Assim, uma vez elucidada a imprescindibilidade da observância dos direitos

fundamentais na solução dos conflit os derivados das relações laborais, passar -se-

á a seguir a tratar de matéria de igual importância, relativa à proteção

constitucional contra os casos de discriminação verificados no exercício da

atividade laboral, elucidando a importância que os princípios constitucionais

adquirem, rechaçando a sua prática e impondo sanções àqueles que a praticam.

2.5.1 As proteções constitucionais contra discriminações na relação deemprego

Discriminar tem o sentido de diferenciar, discernir, distinguir, estabelecer

diferença. Pode-se afirmar que os critérios legais que proíbem discriminações são

decorrentes da aplicação ampla do princípio da igualdade. 94

Para Maurício Godinho Delgado “discriminação é a conduta pela qual se

nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento

compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela

vivenciada”.95

No mesmo sentido está lição de Maria Celina Bodin de Moraes, que ao

discorrer sobre o princípio da igualdade, ensina que o mesmo consiste “[...] no

direito de não receber qualquer tratamento discriminatório, no direito de ter direitos

iguais aos de todos os demais” 96.

Neste contexto, o princípio da igualdade surge como fator proibitivo de

discriminações arbitrárias e injustificadas, segundo lição de José Carlos Vieira de

Andrade:

[...] o princípio da igualdade enquanto proibição dediscriminações se refere a uma igualdade material e se

94 Neste sentido, ver MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho . 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006,p. 465.95 DELGADO, Maurício Godinho . Op. cit., p. 772.96 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 120.

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dirige especialmente às actuações arbitrárias ouinjustificadas determinadas por diferenças como o sexo, a

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[...]IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;[...]

As práticas mais comuns de tratamentos discriminatórios estão

relacionadas à diferenciações infundadas baseadas em raça, sexo, cor, credo,

orientação sexual, nacionalidade, classe social, doença etc.

No que se refere às relações de trabalho, não se pode olvidar que a

Constituição Federal de 1988 trouxe novos contornos à proibição da

discriminação, na medida em que estabeleceu dispositivos específicos sobre o

assunto.

Exemplificativamente, pode-se dizer, sem sombra de dúvidas, q ue qualquer

restrição ao mercado de trabalho da mulher esteja totalmente eliminada a partir

Constituição Federal de 1988, pois mesmo com as Constituições anteriores se

referindo à discriminação em função de sexo, sabe -se que a mulher sempre foi

alvo de práticas discriminatórias nas relações de emprego. Tal prática, sem

dúvida, constitui uma afronta ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa

humana.

Ademais, estabeleceu o legislador constituinte, nos incisos XX e XXX, do

artigo 7, da Constituição Federal vigente:Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outrosque visem à melhoria de sua condição social:[...]XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivosespecíficos, nos termos da lei;[...]XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e decritério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;[...]

De fato, no caso da mulher, acentua Maurício Godinho Delgado, que “hoje,

a diferença sexual não pode ser utilizada, em s i, como critério de valoração; hoje,

se essa diferença for utilizada como fator desqualificante, será tida como fato

injusto, inaceitável, discriminatório”. 99

99 DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 774.

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Em relação ao trabalho do menor, igualmente pode ser invocado o inciso

XXX, do artigo 7, da Consti tuição Federal, acima referenciado, além do artigo 227,

da Constituição Federal, no que diz respeito ao tratamento diferenciado à criança

e ao adolescente, já que o legislador, neste caso, foi ainda mais claro na proibição

da discriminação, nos termos segu intes:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar àcriança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, àsaúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, àcultura, à dignidade, ao respeito, à liber dade e à convivência familiar ecomunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:[...]II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;[...]

No tocante aos trabalhadores estrangeiros, principalmente aqueles oriundos

dos países em desenvolvimento, sabe -se que têm sido freqüentemente

discriminados nos vários países onde buscam guarida empregatícia. Todavia, no

território nacional, aqueles que se encontrem nestas situações de discriminação,

poderão invocar judicialmente, entre outros dispositivos legais aplicáveis à

espécie, a incidência do artigo 5, da Constituição Federal, que estabelece o

princípio básico da igualdade.

Neste contexto, importante trazer a crítica feita por Sergio Pinto Martins, no

sentido de apontar a configuração de discriminação e revogação do artigo 354, da

Consolidação das Leis do Trabalho, nos seguintes termos:

Pelo próprio caput do art. 5º da Constituição já se verificaque não pode haver discriminação entre brasileiros eestrangeiros, que são, portanto, iguais, sem nenhumadistinção, salvo as existentes na própria Le i Magna. Nesteponto, entendemos discriminatório e revogado o art. 354 daCLT quando estabelece que nas empresas deverá haveruma proporção de 2/3 de brasileiros e para 1/3 deestrangeiros100.

100 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do... Op. cit., p. 466.

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Na parte relativa à discriminação em função do tipo de trabalho, na

verdade, o legislador combinou o disposto no inciso V com o inciso XXXII,

superando definitivamente, nas palavras de Maurício Godinho Delgado, “antiga

polêmica acerca da validade ou não do estabelecimento de pisos salariais em face

de uma certa categor ia profissional por preceito normativo convencional ou

judicial”.101

De fato, assim estabelece o inciso XXXII, do artigo 7, da Constituição

Federal:

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outrosque visem à melhoria de sua condição social:V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;[...]XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectualou entre os profissionais respectivos;[...]

No que tange ao trabalhador avulso, houve, na verdade, uma igualdade de

direitos, ao invés de proibição de discriminação, conforme visto até então, de

modo que deve haver isonomia de direitos entre o trabalhador com vínculo

empregatício permanente e o trabalhador avulso, conforme estabelece o inciso

XXXIV, do artigo 7, da Constituição Federal : “Art. 7º - [...] XXXIV - igualdade de

direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador

avulso”.

Também vale a pena ressaltar outra importante inovação legal no que diz

respeito ao trabalhador com deficiência, nos termos do inciso XXXI, do artigo 7, da

Constituição Federal :

Art. 7º - [...]XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário ecritérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;[...]

101 DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 786.

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Entretanto, é certo que todo e qualquer tipo de discriminação que venha a

ser praticada pela empresa contra seus empregados, seja na figura do proprietário

empregador ou de um preposto, dará lugar a responsabilidade civil e a

indenização, conforme será analisado e m tópico posterior.

Com efeito, depreende-se dos referidos instrumentos normativos que houve

uma mudança substancial a partir da Constituição Federal de 1988, havendo uma

expansão das proteções relativas às discriminações na relação de emprego,

apesar de que, ainda há muita coisa a ser feita para que estas normas,

efetivamente, sejam incorporadas no dia -a-dia das empresas, de forma que não

sejam lesados aqueles direitos inerentes aos indivíduos e assegurados pelos

princípios constitucionais.

A seguir, tratar-se-á de questão relativa ao ambiente de trabalho, onde o

respeito entre as partes envolvidas na atividade laboral, qual sejam, empregado e

empregador, é visto como fator determinando não apenas como observância dos

direitos fundamentais, mas também como fator de incentivo.

2.5.2 O ambiente de respeito entre os empregados da empresa como fator deincentivo

O trabalho ainda é, nos dias atuais, o principal meio de promover o sustento

familiar, suprir as necessidades econômicas e incluir o indivíduo na es fera social.

Assim, a força de trabalho, propriedade de todos os seres humanos, é colocada à

disposição do proprietário do capital, que irá determinar o tipo de trabalho que

será realizado, bem como a forma como isso ocorrerá.

Aldacy Rachid Coutinho, aos d iscorrer sobre condições de trabalho e

direitos fundamentais, traz a seguinte lição:

No espaço consolidado da democratização do país, especialmente como despertar constitucional, o aviltamento da condição humana que se vê

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expropriada do direito de sobrev iver com o fruto de seu trabalho, nestasociedade em que coabita o regime escravocrata com o trabalho livre nacasa da sociedade pós-industrial, encontra os olhos de quem percebe aemergência de uma eficácia dos direitos fundamentais como resposta aodescalabro. Só que falar de direitos fundamentais [...] significa tratar deuma dignidade da pessoa humana ameaçada e violada, sobretudo pormedidas de ajuste econômico estrutural que se propagam pela ideologiada competitividade e da eficiência e que precisa s er recuperada,inclusive na sua auto-estima.102

A promoção de um ambiente de respeito dentro do ambiente de trabalho,

sem dúvida, está de acordo com os princípios e direitos fundamentais,

constitucionalmente assegurados a todos os indivíduos.

Com vistas a se obter um ambiente de respeito entre os componentes da

empresa objetivando incentivá -los, é importante entender, primeiramente, quais os

principais obstáculos ao crescimento de uma empresa, tomando -se por referência

a convivência e a comunicação entre os empregados e seus superiores. Aliás, a

relação profissional e as influências individuais, se não trabalhadas

adequadamente, podem gerar conflitos que irão refletir diretamente na

produtividade da empresa.

É interessante ressaltar que até há pouco tempo, no Brasil, a questão da

harmonia e até mesmo de respeito no ambiente de trabalho não eram priorizadas

e o que se podia notar era a obrigatoriedade nos relacionamentos e no convívio

patrão/empregado, de forma que apenas um mandava e os demais obedeciam.

Ainda, o que se verificava era “[...] exigências de mobilidade funcional e espacial

constante e adaptabilidade em novas e imprevisíveis condições de trabalho nas

dinâmicas empresas”.103

Com o advento da globalização e na busca pelo atendimento aos princípios

constitucionais, pôde-se observar como os demais países abordavam tal questão.

Assim, a individualidade e a participação do empregado, que outrora não se

cogitava, passam, agora, a ser pauta na reformulação dos paradigmas de inter -

relacionamento na empresa.

Conseqüentemente, percebeu-se que a participação de cada indivíduo é

fundamental, que o ouvir as diversas opiniões, enfim, adiciona possibilidades. A

102 COUTINHO, Aldacy Rachid. Op. cit., p. 169.103 Idem, ibidem, p. 175.

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partir daí, focaliza-se uma busca de melhorias no ambiente de trabalho, onde o

respeito à opinião de cada um é fator essencial, pois neste contexto, a diversidade

contribui para a solução de velhos e novos problemas.

De acordo com estes ensinamentos, observou -se que o preparo profissional

do gestor (chefe) é de suma importância para que os trabalhadores se sinta m

seguros, motivados e comprometidos com os objetivos da empresa, conforme

esclarece Harry Levinson, que ao tratar dos conflitos gerados no ambiente de

trabalho em razão da promoção do funcionário, destaca a necessidade de

conhecimentos psicológicos para q ue se possa tratar os subordinados com

respeito, ao dizer que “deverá também aprender que os conhecimentos

psicológicos são tão importantes para ele como os conhecimentos sobre mercado,

finanças e produção”.104

Desta forma, em um ambiente onde todos têm sua criatividade valorizada e

seus direitos respeitados, os conflitos que naturalmente surgem das diferenças

passam a ser canalizados de forma que o produto final será a colaboração mútua

na definição e objetivação das propostas prioritárias.

Vale ressaltar que conflitos sempre existirão, pois em um ambiente em que

haja variedade de opiniões, também as ações serão diferenciadas. Assim, cabe ao

superior hierárquico perceber as potencialidades de cada indivíduo e direcioná -las,

para que este possa sentir -se comprometido e confiante em relação às suas

possibilidades como profissional que tem potencial intelectual valorizado e

incentivado. Somente assim estará o empresário cumprindo com os princípios

constitucionais tratados no presente estudo.

Todavia, alguns tipos de lesões ao empregado são verificados com

bastante freqüência, em que pese a obrigatoriedade constitucional de observância

dos direitos e princípios fundamentais. Costumeiramente observa -se nas relações

laborais, por exemplo, casos de assédio moral. A se guir, analisar-se-á alguns

aspectos deste tipo de lesão e as implicações advindas ao empresário naquelas

situações onde sua responsabilidade restar comprovada.

104 LEVINSON, Harry. Saúde mental na empresa moderna . Tradução de Nair B. Mazza. SãoPaulo: Ibrasa, 1970, p. 161.

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2.5.3 O assédio moral na empresa

De uma maneira bastante simplificada, pode -se afirmar que o assédio moral

na relação empregado/empregador caracteriza -se pela sujeição reiterada do

trabalhador pelo empregador, durante a relação de trabalho, a condições que lhe

violem a integridade psíquica, objetivando ameaçar o seu emprego e até mesmo

atingir a sua dignidade humana.

A palavra “assédio” provém do latim assedium, e possui o significado de

insistir teimosamente junto a alguém. A expressão “moral”, por sua vez, origina -se

do latim moralis e refere-se às faculdades morais de cada indivíduo. Aliás , a moral

individual, na acepção de José Afonso da Silva, “sintetiza a honra da pessoa, o

bom nome, a boa fama, a reputação que integram a vida humana como dimensão

imaterial”.105

Sobre o assunto, importante transcrever lição de Norberto Bobbio:

O problema da moral foi originariamente considerado maisdo ângulo da sociedade do que daquele do indivíduo. E nãopodia ser de outro modo: aos códigos de regras de condutafoi atribuída a função de proteger mais o grupo em seuconjunto do que o indivíduo singular. 106

A partir da Constituição Federal de 1988, o assédio moral passou a ter a

esperada relevância jurídica, já que o legislador constituinte consagrou a

dignidade da pessoa humana como um dos pilares da ordem jurídica nacional.

105 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 200.106 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 73.

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Aliás, no caso do dano moral, es tabeleceu, inclusive, as diretrizes para a devida

indenização, nos termos dos incisos V e X, do artigo 5, da Constituição vigente :

Art. 5º - [...]V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além daindenização por dano material, moral ou à imagem;[...]X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem daspessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação;[...]

Maria Celina Bodin de Morais, em estudo sobre danos à pe ssoa humana,

ensina que:

O dano moral tem como causa a injusta violação a umasituação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida peloordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela dapersonalidade que foi instituída e tem sua fonte naConstituição Federal, em particular e diretamente decorrentedo princípio (fundante) da dignidade da pessoa humana(também identificado com o princípio geral de respeito àdignidade humana).107

Sabe-se que em relação à figura do trabalhador, o princípio da prot eção

inicialmente preocupava-se somente com a valorização do seu aspecto físico,

sendo a proteção psicológica um fator relativamente novo no contexto do Direito

do Trabalho, tratado apenas recentemente pela doutrina e jurisprudência.

Entretanto, a Constitu ição Federal de 1988, suprimiu esta deficiência, garantindo,

também ao trabalhador, os benefícios inseridos nos direitos fundamentais.

Portanto, o reconhecimento do direito à reparação de danos que atinjam a

dignidade da pessoa humana é pacífico, conforme assevera Fernando Noronha:

Hoje, porém, em que se reconhece ao ser humano umaiminente dignidade, no desenvolvimento da ética

107 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dosdanos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p . 132-133.

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É uma forma de violência no trabalho que pode configurar -se de diversos modos (ex: o isolamento intencional paraforçar o trabalhador a deixar o emprego, também chamado,no direito do trabalho, de disponibilidade remunerada, odesprezo do chefe sobre tudo o que o empregado fazalardeado perante os demais colegas deixando -o em umaposição de constrangimento moral, a atribuição seguida detarefas cuja realização é sabidamente impossívelexatamente para deixar a vítima em situação desigual à dosdemais colegas.109

Cumpre, enfim, particularizar cada um dos “tipos” de assédio moral, quais

sejam: “horizontal”, quando ocorre entre os próprios colegas de trabalho,

geralmente com o intuito de uma melhor colocação dentro da empresa,

“descendente”, quando se origina do empregador, que é o caso mais corriqueiro

de assédio, considerando-se o grau de dependência do empregado e,

“ascendente”, quando advém de um ou de vários subordinados, visando um

superior hierárquico.

Assim, uma vez analisadas neste capítulo a constitucionalização do direito

civil e a vinculação dos direitos fundamentais aos sujeitos de direito privado,

traçando-se, ainda, breves comentários sobre as principais alterações advindas

em decorrência deste fato, especialmente no que se refere aos direitos do

trabalhador, passar-se-á no capítulo seguinte a tratar dos princípios

constitucionais que regem o ordenamento jurídico e que estão dir etamente

vinculados à atividade empresarial.

3 OS PRINCÍPIOS SOCIAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA SOLIDARIEDADEAPLICADOS À ATIVIDADE EMPRESARIAL

3.1 Os princípios sociais trabalhistas

109 NASCIMENTO, Amauri. Mascaro. Iniciação ao... Op. cit., p. 136.

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Ao legislador não cabe estabelecer conceituações, mas ao intérprete da

Lei. Aliás, doutrinas, tanto nacional e internacional, se abstêm do conceito de

princípios. Todavia, no sistema jurídico brasileiro, pode -se afirmar que os

princípios sociais significam um conjunto de orientações que refletem os critérios

que servem de parâmetros ao legislador, visando à positivação de um

determinado direito, geralmente em prol dos menos privilegiados. Assim, são os

princípios sociais que regem os direitos sociais.

Na conhecida lição de Amauri Mascaro Nascimento depreende -se que “os

princípios jurídicos são valores que o Direito reconhece como idéias fundantes do

ordenamento jurídico, dos quais as regras jurídicas não devem afastar -se para

que possa cumprir adequadamente os seus fins”. 110

De outra forma, José Joaquim Gomes Canotilho, ao tratar da Constituição

como sistema de regras e princípios, ao diferenciar estes daqueles, ensina:

Os princípios são normas jurídicas impositivas de umaoptimização, compatíveis com vários graus de concretizaçãoconsoante os condicionamentos fácticos e jurídico s; asregras são normas que prescrevem imperativamente umaexigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não écumprida.111

Feitas estas observações, cumpre -nos informar que os direitos sociais

encontram-se enumerados no artigo 6, da Constituição Federal de 1988:

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e àinfância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(Redação dada pela Emenda Constitucional n. 26, de 2000) .

Pela leitura do enunciado supracitado, nota -se que o legislador

constitucional não apresenta um conceito de direitos sociais, apenas

estabelecendo uma enumeração dos mesmos, cabendo, pois, à doutrina tal tarefa,

110 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao... Op. cit., p. 128.111 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 1147. (grifos originais)

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aliás, como bem adverte Carlos Henrique Bezerra Leite, “não é tarefa fácil

conceituar os direitos sociais, uma vez que , lato sensu, todo direito é social”. 112

A respeito da expressão “direitos sociais”, Maurício Godinho Delgado

constata:

A expressão Direito Social marca -se pela dubiedade. Designa, às vezes,não somente todo o Direito do Trabalho (individual e coletivo), comotambém seu ramo associado, Direito Previdenciári o e Acidentário doTrabalho. Pode ser utilizada também para se referir ao ramo juscoletivotrabalhista.113

Outro traço essencial dos direitos sociais, por oportuno, é o fato de que os

mesmos, por força dos tratados internacionais celebrados entre os países, devem

fazer parte do ordenamento jurídico interno dos Estados, para que possam

efetivamente ser exercidos, conforme leciona Flávia Piovesan:

A efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais não é apenasuma obrigação moral dos Estados, mas uma o brigação jurídica, que tempor fundamento os tratados internacionais de proteção dos direitoshumanos, em especial o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,Sociais e Culturais.114

Assim, conforme se infere do texto do artigo 6, da Constituição Federal de

1988, acima transcrito, os direitos sociais devem ser observados também em

relação às questões trabalhistas.

Sobre o assunto, Carlos Henrique Bezzerra Leite ensina que “os direitos

sociais dos trabalhadores podem ser classificados em: a) direitos traba lhistas

individuais (CF, art. 7º); b) direitos trabalhistas coletivos (CF, arts. 8º. a 11)”. 115

Ressalte-se, todavia, que a própria Consolidação das Leis Trabalhistas, no artigo

8, estabelece que as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho só

aplicarão os princípios nos casos de falta de disposição legal, senão vejamos:

112 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Constituição e direitos sociais dos trabalhadores . SãoPaulo: LTr, 1997, p. 22.113 DELGADO, Mauricio Godinho . Op. cit., p. 1281.114 PIOVESAN, Flávia. Globalização ec onômica... Op. cit., p. 70.115 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit., p. 26.

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Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça doTrabalho, na falta de disposições legais ou contratuais,decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, poranalogia, por eqüidade e outros princípios e normas geraisde direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, deacordo com os usos e costumes, o direito comparado, massempre de maneira que nenhum interesse de classe ouparticular prevaleça sobre o interesse p úblico.

Desta forma, os princípios sociais trabalhistas podem ser aplicados

objetivando solucionar os conflitos surgidos entre empregadores e trabalhadores,

já que possuem eficácia normativa, conforme acabamos de demonstrar.

Assim, apesar das divergências doutrinárias quanto à classificação de tais

princípios, serão relacionados a seguir alguns dos principais princípios sociais

trabalhistas dispostos no capítulo II, da Constituição Federal de 1988, quais sejam:

princípio da aplicação da norma mais favoráve l (artigo 7, caput); princípio da

proteção da relação de emprego (artigo 7, inciso I); princípio da irredutibilidade do

salário (artigo 7, inciso VI); princípio da proteção ao salário (artigo 7, incisos IV, V,

VI, VII, X); princípio da proteção em face da automação (artigo 7, inciso XXVII);

princípio da igualdade de tratamento (artigo 7, inciso XXX); princípio da igualdade

salarial (artigo 7, inciso. XXX); princípio da não -discriminação (artigo 7, incisos

XXX, XXXI, XXXII); princípio da liberdade sindical ( artigo 8, caput); princípio da

autonomia sindical (artigo 8, inciso I); princípio do direito de greve (artigo 9) e

princípio da representação dos trabalhadores na empresa (artigo 7, inciso XI e

artigo 11).

Advirta-se, porém, que há outros princípios sociai s inscritos nos artigos 193

a 231 da Constituição vigente, reservados à Ordem Social, tratando, entre outros

assuntos, da seguridade, assistência e previdência social. Todavia, integram o

capítulo dos direitos sociais apenas os artigos supracitados.

Na verdade, deve-se ter sempre em mente a necessidade da efetivação

dos princípios sociais na Constituição, pois a sua aplicação é de suma importância

na defesa dos direitos dos trabalhadores, além de outros princípios e direitos a

eles inerentes, como os direit os de liberdades sociais, que serão abordados no

item seguinte.

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3.1.1 Os direitos de liberdades sociais – direitos fundamentais dostrabalhadores

À expressão “liberdade”, pode -se atribuir inúmeros significados, conforme

se vê abaixo:

1 Estado de pessoa livre e isenta de restrição externa oucoação física ou moral. 2 Poder de exercer livremente a suavontade. 3 Condição de não ser sujeito, como indivíduo oucomunidade, a controle ou arbitrariedades políticasestrangeiras. [...] 6 Dir Isenção de todas as restrições,exceto as prescritas pelos direitos legais de outrem. [...]poder de praticar tudo o que não é proibido por lei. [...]. 116

Trata-se de mais um daqueles vocábulos difíceis de conceituar, mas que

possui, para o Direito, grande importância, deve ndo ser por ele protegido e

garantido.

É preciso analisar a questão da liberdade, considerando -se os demais

aspectos que envolvem a vida do homem, como é o caso do aspecto social e

econômico. Neste momento, cuidaremos apenas da liberdade com base no

aspecto social.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu contornos protetivos à liberdade,

especialmente no que tange à autonomia privada, que é um de seus componentes

e que significa a capacidade que todos os sujeitos de direito possuem para

determinar os aspectos de sua vida individual, sem qualquer tipo de interferência

do Estado ou de outro particular. Como exemplo de exercício da autonomia

privada, pode-se citar o direito que cada um dos indivíduos possui de escolher se

116 MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa . São Paulo: CompanhiaMelhoramentos, 1998, p. 1251. (grifos originais)

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vai ou não realizar um determinado negó cio, optar por um determinado credo,

determinar onde quer viver etc. Trata -se, portanto, de escolhas que só podem ser

feitas pelo próprio indivíduo, não cabendo sequer à Constituição fazê -lo.

Assim, no rol dos direitos fundamentais, a liberdade é vista com o a mais

ampla forma de exercer a autonomia privada. Ademais, em decorrência do

reconhecimento da dignidade da pessoa humana, a liberdade encontra -se

juridicamente garantida não só em relação ao Estado, mas também aos

particulares.

Todavia, para que o dire ito de liberdade possa ser exercido, é necessário,

antes de tudo, dar condições aos indivíduos para que não vivam em situação de

miséria, fome, exclusão social etc.

Para Norberto Bobbio117, as liberdades classificam-se em negativas ou

positivas. A liberdade será negativa quando o indivíduo tem a faculdade de agir ou

não agir, isento da interferência de outros indivíduos. Será positiva a liberdade

quando o indivíduo possui o direito de decidir sobre determinada coisa, sem

preocupar-se com a vontade emanada por outro indivíduo. Entretanto, não nos

ocuparemos deste assunto no presente estudo, preocupando -nos apenas com a

questão dos direitos de liberdades sociais enquanto direitos fundamentais dos

trabalhadores.

Atualmente, em decorrência da vinculação dos direit os fundamentais aos

sujeitos de direito privado, e tratando -se a liberdade de um direito fundamental,

pode-se afirmar que a mesma está garantida em relação à figura do trabalhador,

especialmente porque também a autonomia privada encontra -se garantida, como

acabamos de ver. Todavia, é importante lembrar que a autonomia privada não

possui caráter absoluto, haja vista que somente pode ser exercida com a

observância do direito de liberdade, também garantido aos demais indivíduos.

Sobre este aspecto, Daniel Sarm ento pondera:

Portanto, é inevitável que o Estado intervenha em certoscasos, restringindo a autonomia individual, seja para

117 Neste sentido, ver BOBBIO, Norberto. Igualdad y libertad. Tradução de Pedro Aragon Rincón.Barcelona: Paidós, 1993, p. 96.

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proteger a liberdade dos outros [...] seja para favorecer obem comum e proteger a paz jurídica de toda sociedade. [...]Com isto, tais intervenções se reconciliam com a idéia deliberdade num sentido mais amplo. 118

Prossegue o autor, ensinando que também as liberdades fundamentais não

são absolutas, haja vista que em certos casos podem lesionar certos direitos

fundamentais. Vejamos:

Nesta hipótese, poderá ser necessário, diante dos contornosdo caso, restringir a liberdade em questão, de formaproporcional, visando a otimização de interesses. Éexatamente isto que ocorre quando se discute a aplicaçãodos direitos fundamentais na esfe ra privada, em que tornanecessário ponderar esta autonomia com o direito queestaria sendo lesado pela conduta do particular. 119

A Constituição Federal de 1988 cuidou de maneira especial da “liberdade”.

Pela leitura do texto constitucional é possível verif icar a preocupação do

constituinte com a realização da liberdade, especialmente no sentido de dar

condições para o seu exercício, o que foi feito através da proclamação dos direitos

sociais.

Para realçar esta importância, citaremos alguns dos artigos da Co nstituição

vigente que tratam da questão das liberdades sociais: Artigo 1, inciso IV (refere -se

aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), artigo 170 (assegura à todos

uma existência digna, conforme os ditames da justiça social), artigo 5, inc isos XXII

e XXIII e artigo 170, incisos II e III (determinam que a proteção da propriedade

privada é condicionada ao cumprimento da sua função social) etc.

Sabe-se que os direitos sociais, chamados doutrinariamente de direitos de

segunda dimensão, deram in ício a uma nova ordem social ao exigirem do Estado

uma atuação prestacional perante o indivíduo, além de ter abandonado o

individualismo puro dos chamados direitos da primeira dimensão, adotando -se o

118 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 155.119 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 156-157.

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sistema da igualdade social, visando, principalmente, as novas necessidades dos

hipossuficientes.120

Sobre o assunto, são relevantes os ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet,

ao destacar que:

Ainda na esfera dos direitos da segunda dimensão, há queatentar para a circunstância de que estes não englobamapenas direitos de cunho positivo, mas também as assimdenominadas “liberdades sociais”, do que dão conta osexemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve,bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aostrabalhadores, tais como o direito a fé rias e ao repousosemanal remunerado, a garantia de um salário mínimo, alimitação da jornada de trabalho, apenas para citar algunsdos mais importantes.121

Continua o autor, ao se referir sobre direitos de liberdades sociais em

sentido amplo, ensinando que :

[...] a exemplo dos direitos da primeira dimensão, também osdireitos sociais (tomados no sentido amplo ora referido), se

120 Considerando as dimensões dos direitos fundamentais, Ingo Wolfgang Sarlet faz a seguinteclassificação, inserindo em cada uma delas os direitos fundamentais que, no seu entendimento, ascompõe. 1) Direitos fundamentais da primeira geração: incluem -se nesta dimensão “os direitos àvida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei”. Ressalta o aut or, ainda, quecomplementam esta dimensão os vários tipos de liberdades, como por exemplo, “liberdades deexpressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, etc”; 2) Direitos fundamentais dasegunda geração: nela estão incluídos os direitos à “assistê ncia social, saúde, educação, trabalho,etc”. Ainda sobre os direitos desta dimensão, salienta o autor que os mesmos “não englobamapenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas ‘liberdades sociais’, do quedão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como o direito aférias e ao repouso semanal remunerado, a garantia de um salário mínimo, a limitação da jornadade trabalho”; 3) Direitos fundamentais da terceira geração: trata -se de direitos “tambémdenominados de direitos de fraternidade ou solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de sedesprenderem em princípio, da figura do homem -indivíduo, como seu titular, destinando -se àproteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando -se, conseqüentemente,como direitos de titularidade coletiva ou difusa”. Dentre eles, cita o autor “os direitos à paz, àautodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bemcomo o direito à conservação e utilização do pa trimônio histórico e cultural e o direito decomunicação”. Finalmente, refere -se o autor sobre “a tendência de se reconhecer a existência deuma quarta dimensão, que, no entanto, ainda aguarda sua consagração na esfera do direitointernacional e das ordens constitucionais internas”. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos...Op. cit., p. 50-51).121 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos... Op. cit., p. 57.

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reportam à pessoa individual, não podendo ser confundidoscom os direitos coletivos e/ou difusos da terceiradimensão.122

Como se pode notar pelos exemplos supracitados, nos direitos da segunda

dimensão exige-se do Estado uma atuação objetivando o reconhecimento e a

preservação das necessidades básicas e dos direitos fundamentais do trabalhador

(férias, salário mínimo etc.), englobando , inclusive, as denominadas “liberdades

sociais” (direito à sindicalização, direito de greve etc.).

Neste sentido, importante destacar a lição de José Carlos Vieira de

Andrade:

Em primeiro lugar, os direitos fundamentais incluem, comovimos, faculdades de exigir ao Estado a proteção dos bensjurídicos e da liberdade contra a violação por terceiros. Essaproteção jurídica, plasmada sobretudo na legislação penal ecivil, é devida pelo Estado, pelo menos no que toca aonúcleo essencial dos direitos fundamenta is [...].123

Realmente, o que tem ocorrido não só em nosso país como no resto do

mundo, é que houve um assustador crescimento da industrialização a partir do

século passado, ocasionando, inevitavelmente, uma nova gama de reivindicações

em termos de direitos sociais, como resultado da exploração da mão -de-obra

excedente. Em outras palavras, os chamados direitos de primeira geração, em

face dos novos problemas sociais surgidos, não mais atendiam as necessidades

surgidas pelas novidades industriais, exigindo -se do Estado uma atuação mais

positiva na realização da justiça social.

Conclui-se, portanto, que o direito de liberdades sociais encontra -se

constitucionalmente garantido e, por tratar -se de um direito fundamental, é

amplamente aplicável ao trabalhador, ass im como os demais direitos

fundamentais já tratados neste estudo.

122 Idem, ibidem.123 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Op. cit., p. 290. (grifos originais)

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Contudo, outro aspecto social que também possui grande importância e

está diretamente relacionado à atividade empresarial, é a realização da justiça

social. Atualmente, em decorrência de sua imposição constitucional, a realização

da justiça social passou a ser um dos objetivos da empresa, de cunho tão

importante quanto à obtenção do lucro, conforme analisar -se-á no item adiante.

3.1.2 A atividade empresarial e a realização da justiça social

Quando o assunto é justiça social, o que vem à mente, em primeira

instância, é a responsabilidade do Estado pelo cumprimento de determinadas

tarefas. Todavia, justiça social é assunto de responsabilidade geral, incluindo -se

aí, a responsabilidade dos en tes privados, dentre eles os empresários.

Justiça social não pode ser confundida com caridade. Vale salientar que

antes de social vem a palavra justiça, e esta, enquanto imperativa, é direito e

quanto a este, não cabe filantropia.

Assim, enquanto participante efetiva do social, à empresa cabe uma parcela

desta responsabilidade, sendo de suma importância que quem detém o sustento

da economia preocupe-se também com o seu planejamento.

É neste contexto que a retribuição da empresa para com a comunidade irá,

se positiva, contribuir para amenizar a desigualdade social. Vale esclarecer que

quanto maior a desigualdade, menor será o poder aquisitivo e conseqüentemente

também, o consumo; ou seja, a empresa que não se preocupar com a injustiça

social, está assim, de certa forma, deixando de se preocupar com o seu próprio

destino.

Tais fatos, conforme já foi analisado no primeiro capítulo, são evidenciados

em função da abertura econômica face à globalização, com a inevitável influência

das empresas multinacionais sobre o controle da economia interna dos países em

desenvolvimento.

Flávia Piovesan, ao se referir às atitudes das empresas multinacionais em

relação ao processo de globalização, ensina que:

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[...] ao imperativo da eficácia econômica deve ser conjugadae exigência ética de justiça social, inspirada em uma ordemdemocrática que garanta o pleno exercício dos direitos civis,políticos, sociais, econômicos e culturais. 124

No Brasil, não há como abordar a questão da justiça social senão como

sendo quase uma utopia, po is em um país em que a maior fatia econômica é

distribuída entre um número pequeno de pessoas e que em contrapartida a menor

desta é quase que dissolvida entre os 90 % da população, vale acordar que justiça

social e atividade empresarial, na verdade, não c ombinam. Aliás, o preceito

constitucional da livre iniciativa (artigo 170 da Constituição Federal de 1988) só

fará sentido na medida em que as empresas efetivamente objetivarem e

realizarem a justiça social, observando igualmente os demais direitos

fundamentais, como por exemplo, os direitos sociais, que serão abordados a

seguir.

3.1.3 Os direitos individuais e coletivos – direitos sociais

Na esfera dos direitos inerentes à pessoa humana, encontram -se “direitos

individuais”, relativos a cada um dos indi víduos, e “direitos coletivos”, que se

referem ao indivíduo, porém, sob o enfoque de que ele encontra -se inserido dentro

de uma sociedade.

Não se pretende, aqui, realizar uma análise crítica sobre as terminologias

usadas pelos doutrinadores sobre a classif icação dos direitos. Entretanto, pode -se

afirmar que direitos individuais (direitos de primeira dimensão) são aqueles

destinados a proteger os indivíduos isoladamente, caracterizando -se por ser

apenas um direito de resistência do indivíduo perante o Estado , não se exigindo

uma atuação positiva por parte deste, sendo utilizados pelo legislador no que diz

124 PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica... Op. cit., p. 74.

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respeito à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade, nos termos

do artigo 5, da Constituição Federal de 1988, que determina:Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPaís a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]

Cabe ressaltar que, dentre os direitos acima descritos, o direito à vida, na

verdade, serve de ponto de partida para a realização de todos os demais, visto

que é o mais básico de todos os direitos fundamentais. Aliás, nas palavras de

André Ramos Tavares, “[. ..] o conteúdo do direito à vida assume duas vertentes.

Traduz-se, em primeiro lugar, no direito de permanecer existente, e, em segundo

lugar, no direito a um adequado nível de vida”. 125

De fato, é inegável que para se tenha uma vida saudável, é necessário q ue

o Estado propicie condições de uma vida digna, que inclua o atendimento a outras

necessidades, tais como vestuário, saúde, educação, moradia etc.

No que se refere aos direitos coletivos, por sua vez, apesar das

controvérsias quanto às questões terminoló gicas, pode-se afirmar que são

aqueles caracterizados como direitos sociais (direitos de segunda dimensão) e

estão espalhados pelo texto constitucional, caracterizando -se por exigir uma

atuação estatal em prol do indivíduo, tais como direito de greve, libe rdade de

reunião e de associação profissional, entre outros já citados por ocasião do estudo

dos princípios sociais trabalhistas.

Sobre a diferenciação entre direitos individuais e sociais, principalmente no

tocante à atuação do Estado, Carlos Henrique Bez erra Leite assim se pronuncia:

Enquanto os direitos individuais, modernamentedenominados por renomados publicistas de direitoshumanos de primeira geração, são uma espécie decomando negativo imposto ao poder estatal, limitando aatuação deste em função das liberdades públicasasseguradas ao indivíduo, os direitos sociais, tambémchamados de direitos humanos de segunda geração,

125 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 387.

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impõem ao Estado uma prestação positiva, no sentido defazer algo de natureza social em favor do indivíduo. 126

A respeito da utilização da expressão “social” para caracterizar os direitos

coletivos, importante transcrever a lição de Ingo Wolfgang Sarlet, o qual enfatiza:

A utilização de tal expressão encontra justificativa, entreoutros aspectos [...] na circunstância de que os dire itos dasegunda dimensão podem ser considerados umadensificação do princípio da justiça social, além decorresponderem às reivindicações das classes menosfavorecidas, de modo especial da classe operária, a título decompensação, em virtude da extrema des igualdade quecaracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) asrelações com a classe empregadora, notadamente detentorade um maior ou menor grau de poder econômico. 127

Por este motivo, no estudo do presente tópico será dado um

direcionamento para as situações mais peculiares de tais direitos que, sem dúvida,

se caracterizam pela defesa de interesses dos hipossuficientes, como já se referiu

o renomado autor. Ademais, buscar -se-á delinear o estudo de maneira que aborde

a questão da atividade empresaria l em face aos direitos individuais e coletivos

assegurados ao trabalhador.

Nesta linha de raciocínio, convém esclarecer que individualmente, caberá

ao empregador assegurar aos seus empregados, no exercício da atividade

empresarial, o gozo de todas as prerr ogativas asseguradas ao indivíduo e já

tratadas anteriormente, tais como ambiente de trabalho saudável, liberdade de

pensamento, liberdades físicas, além, é claro, de garantir todos os demais direitos

previstos na legislação trabalhista.

No tocante aos direitos coletivos, percebe-se que o legislador constitucional

não expõe claramente a seu respeito, deixando a cargo da doutrina sua

discussão, além do que, não há na Constituição um capítulo específico para tais

126 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit., p. 11.127 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos... Op. cit., p. 57-58.

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direitos, estando os mesmos espalhados desorde nadamente em vários capítulos

do texto constitucional.

Sobre o assunto, assim se pronuncia José Afonso da Silva:

A rubrica do Capítulo I do Título II anuncia uma especialcategoria dos direitos fundamentais: os coletivos, mas nadamais diz a seu respeito . Onde estão, nos incisos do art. 5º,esses direitos coletivos? Houve propostas, na Constituintede abrir-se um capítulo próprio para os direitos coletivos.[...]. Muitos desses ditos direitos coletivos sobrevivem aolongo do texto constitucional, caracter izados, na maior parte,como direitos sociais.128

A mesma observação é feita por Carlos Henrique Bezerra Leite, ao afirmar

que:

Durante a fase de elaboração do texto constitucionalprojetos diversos contemplavam, em capítulo separado, osdireitos coletivos, incluindo os direitos de liberdade dereunião, de associação civil, profissional e sindical e o direitode greve. A Constituição, contudo, acabou por suprimir osobredito capítulo, separando o seu conteúdo entre ocapítulo dos direitos individuais e cole tivos (CF, Título II,Capítulo I) e o relativo aos direitos sociais (CF, Título II,Capítulo II). Assim, os direitos coletivos individuais passarama integrar o rol dos direitos e deveres individuais e coletivos;enquanto que os direitos coletivos dos trab alhadores foraminscritos no elenco dos direitos sociais. 129

Importante destacar que o Direito Coletivo do Trabalho é parte integrante do

Direito do Trabalho, não importando, desta forma, em um ramo autônomo, como

bem explica Carlos Henrique Bezzera Leite:

Urge destacar que o Direito Coletivo não constitui ramo autônomo doDireito, e sim parte integrante do Direito do Trabalho cujo objeto consisteno estudo da organização sindical, da representação dos trabalhadoresna empresa, das negociações coletivas de trabalho e dos conflitoscoletivos do trabalho e soluções. 130

128 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 194.129 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit., p. 103.130 Idem, ibidem, p. 105.

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Conforme já ressaltado, percebe -se que no âmbito constitucional há uma

determinada confusão legislativa no tocante à classificação de tais direitos,

inclusive, na denominação dos direitos coletiv os. Todavia, a tendência mais atual

é a utilização do termo Direito Coletivo do Trabalho, apesar de parte da doutrina

defender o uso dos termos Direito Sindical e Direito Social do Trabalho.

De qualquer forma, importante trazer o conceito de “direito colet ivo do

trabalho”, que para Maurício Godinho Delgado:

É o complexo de institutos, princípios e regras jurídicas queregulam as relações laborais de empregados eempregadores e outros grupos jurídicos normativamenteespecificados, considerada sua ação cole tiva, realizadaautonomamente ou através das respectivas entidadessindicais.131

Assim, tem-se que nas relações jurídicas coletivas, sendo os interesses

pertencentes a uma determinada coletividade, as partes conflitantes,

empregadores e trabalhadores, geral mente são representadas, respectivamente,

pelos sindicatos patronais e trabalhistas. De fato, nem todas as relações jurídicas

coletivas são representadas pelos sindicatos, já que no ordenamento jurídico

brasileiro é permitido, nos termos do artigo 11, da C onstituição vigente, as

representações de trabalhadores no âmbito das empresas.

Todavia, o fato é que, independentemente de tratar -se de direitos sociais

individuais ou coletivos, os mesmos devem ser respeitados, haja vista estarem

inseridos no rol dos direitos fundamentais, conforme já mencionamos

anteriormente. Em especial, considerando -se a questão colocada no presente

estudo, tais direitos devem ser observados e respeitados no desenvolvimento da

atividade empresarial, haja vista estar sujeita a empresa ao cumprimento da sua

função, conforme ver-se-á adiante.

131 DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 1282.

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3.1.4 A função social da empresa no III milênio

A Constituição Federal de 1988, ao enunciar a função social da

propriedade, destaca nos incisos XXII e XXIII, do artigo 5:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes noPaís a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]XXII - é garantido o direito de propriedade;XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;[...]

Da mesma forma o faz no artigo 170, inciso III, ao tratar dos princípios

gerais da atividade econômica, onde determina :

A ordem econômica, fundada na valorização d o trabalho humano e nalivre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conformeos ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...]II - propriedade privada;III - função social da propriedade;[...]

Contudo, o que se nota é que muitas empresas ainda estão longe do

cumprimento de suas funções sociais humanitárias. Todavia, pode -se perceber

uma gradual mudança de comportamento da empresa em relação às suas

funções sociais. Uma delas está relacionada ao seu sucesso, pois os empresários

têm percebido que este está intrinsicamente ligado à condição social de seus

consumidores, bem como ao bem -estar de seus empregados, à qualidade de vida

da comunidade onde a empresa está inserida e, também, ao que se dá muito valor

hoje, à conscientização da preservação do meio ambiente.

Assim, a empresa não pode ignorar o fato de que é também fruto do

mesmo sistema social, já que seu surgimento é reflexo deste. A necessidade por

novos produtos ou serviços se dá à medida que o poder aquisiti vo se eleva.

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Assim, a empresas que não se preocupam com a desigualdade social também

não estão se preocupando com a ampliação de sua própria clientela.

Com efeito, de acordo com a Constituição Federal de 1988, as atividades

da empresa têm que estar em cons onância com os princípios da ordem

econômica e social por ela traçados, no sentido de promover a dignidade da

pessoa humana e desenvolver a solidariedade social, nos seus mais diversos

aspectos, objetivando, em última análise, o respeito aos direitos human os

fundamentais.

Dessa forma, a empresa tem que respeitar tais direitos humanos, que

lentamente estão se internacionalizando, submetendo não só as empresas como

os próprios Estados aos ditames internacionais, já que a rede de proteção dos

direitos humanos internacionais está sempre definindo qual é a matéria de

exclusiva jurisdição interna dos Estados, como bem esclarece Flávia Piovesan:

Fortalece-se, assim, a idéia de que a proteção dos direitoshumanos não deve se reduzir ao domínio reservado doEstado, isto é, não deve se restringir à competência nacionalexclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque revelatema de legítimo interesse internacional. 132

Rubens Requião, na VII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do

Brasil, realizada na cidade de Curitiba-PR, sob o tema “A Função Social da

Empresa no Estado de Direito”, fez a seguinte explanação:

Mas hoje, o conceito social de empresa, como exercício deuma atividade organizada, destinada à produção oucirculação de bens ou de serviços, na qu al se refletemexpressivos interesses coletivos, faz com que o empresáriocomercial não seja mais o empreendedor egoísta, divorciadodaqueles interesses gerais, mas um produtor impulsionadopela persecução do lucro, é verdade, mas consciente de queconstitui uma peça importante no mecanismo da sociedadehumana.133

132 PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica... Op. cit., p. 42-43.133 REQUIÃO, Roberto. A função social da empresa no estado de direito . VII ConferênciaNacional da Ordem dos Advogados do Brasil em 08 -04-1978.

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Como visto, a ânsia pelo lucro contribui para a disseminação da

desigualdade social, aliás, vale destacar que esta não se desenvolve apenas fora

da empresa. Ela pode, inclusive, ser fruto desta, qu ando os empregados não são

motivados, ou a empresa não lhes oferece qualificação, assim como também,

quando há desrespeito quanto aos encargos trabalhistas e ainda outras situações

que oprimam e denigram o caráter humano dos empregados. O que fica claro, é

que, num contexto social, a empresa irá receber um retorno positivo ou negativo,

dependendo exclusivamente de seu comportamento diante de suas

responsabilidades para com a sociedade.

Ante o exposto, pode-se afirmar, nas palavras de Amauri Mascaro

Nascimento, que “a empresa, sob o ângulo trabalhista, interessa apenas de um

modo: como organização que tem empregados e que, portanto, deve cumprir não

apenas fins econômicos, mas também sociais”. 134

Verifica-se, assim, que o empresário do III milênio, se quiser so breviver no

mercado competitivo, tem se adaptar às modernas práticas de gestão,

principalmente no que diz respeito à distribuição dos lucros, como bem esclarece

José Francelino de Araújo:

Hoje não mais se admite o empresário atrasado,ganancioso, espertalhão e voraz, pois estes serão o lixo daatividade empresarial, como a Revolução Industrial arrasouo domínio dos senhores feudais. Atualmente predomina aRevolução Tecnológica, onde as modernas práticas degestão são diferenciadas pelo aspecto científico d aprodução e da distribuição dos recursos. 135

Analisadas todas estas conotações da função social da empresa, vale

salientar, ainda, a necessidade de investimentos por parte desta, nas áreas da

educação e lazer, pois tais procedimentos não só reduzem a desig ualdade social,

como também valorizam a dignidade humana.

134 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao... Op. cit., p. 553.135 ARAÚJO, José Francelino de. Op. cit., p. 11.

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Em face deste entendimento, frise -se que a própria Constituição brasileira,

visando o bem-estar de toda a sociedade, destacou no artigo 205 e no parágrafo

3, do artigo 217, a importância da educação e do lazer, nos termos seguintes :

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado eda família, será promovida e incentivada com a colaboraçãoda sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,seu preparo para o exercício da cidadania e s ua qualificaçãopara o trabalho.[...]

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não -formais, como direito de cada um, observados:[...]§ 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoçãosocial.[...]

Como se pode notar, o empresário neste início de século tem que

direcionar suas atividades para a realização das funções sociais, tanto por uma

questão de imposição legal, por meio da exigência de adequação de suas

atividades aos princípios constitucionais, como tam bém por uma exigência da

própria sociedade como um todo.

Estes são, portanto, os novos contornos atribuídos à empresa em razão da

declaração constitucional da função social da propriedade, que juntamente com os

demais princípios e direitos fundamentais, de vem ser observados no

desenvolvimento da atividade empresarial, conforme verificar -se-á no próximo

item.

3.2 O princípio da dignidade da pessoa humana

As normas constitucionais, apesar da sua imperatividade, apenas

estabelecem o referencial de como dev e ser a vida em sociedade, por representar

os anseios desta mesma sociedade, relativamente aos costumes culturais que são

aceitos como parâmetros da boa convivência.

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Nesse sentido, Luis Roberto Barroso ensina:

O ponto de partida do intérprete há que ser s empre osprincípios constitucionais, que são o conjunto de normas queespelham a ideologia da Constituição, seus postuladosbásicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípiosconstitucionais são as normas eleitas pelo constituinte comofundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídicaque institui.136

A respeito da importância dos princípios Paulo Bonavides esclarece que “os

princípios fundamentais da Constituição, dotados de normatividade, constituem,

ao mesmo tempo, a chave de interpretação dos textos constitucionais”. 137

Dentre os princípios fundamentais constitucionais encontra -se o princípio da

dignidade da pessoa humana. Sobre seu conceito, André Ramos Tavares ensina:

O princípio da dignidade da pessoa humana encontra, assimcomo o direito à vida, alguns obstáculos no campoconceitual. Aliás, em boa medida as dificuldades sãoaquelas próprias dos princípios, normas que, como já severificou, são extremamente abstratas, permitindo diversasconsiderações, definições e enfoques os mais variado s.138

Neste contexto, Maria Celina Bodin de Moraes acentua que “a dignidade

humana, então, não é uma criação da ordem constitucional, embora seja por ela

respeitada e protegida”.139

Sabe-se que o princípio da dignidade humana é um dos fundamentos do

ordenamento jurídico, servindo de referência para todos os demais princípios, ou,

nas palavras de Marçal Justen Filho, “o princípio da dignidade da pessoa humana

136 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição . 6. ed.São Paulo: Saraiva, 2004, p. 151.137 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 292.138 TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 392.139 MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico econteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais...Op. cit., p. 117.

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é o princípio fundamental de que todos os demais princípios derivam e que norteia

todas as regras jurídicas”.140

A propósito, ao discorrer sobre o referido princípio, Luis Roberto Barroso,

assevera que “o princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de

integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no

mundo”.141

De qualquer forma, apesar das inúmeras conceituações sobre o princípio

da dignidade da pessoa humana, visto que o mesmo está em permanente

processo de construção e não se sujeita a qualquer numerus clausus, pode-se

dizer que dignidade, conforme acepção de Ingo Wolfang Sarlet, “é acima de tudo,

a qualidade intrínseca do ser humano e que o torna merecedor ou, pelo menos,

titular de uma pretensão de respeito e proteção”. 142

Nesta ordem de idéias, o autor ressalta, ainda:

Onde não houver respeito pela vida e pela i ntegridade físicae moral do ser humano, onde as condições mínimas parauma existência digna não forem asseguradas, onde nãohouver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e aautonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e osdireitos fundamentais não forem reconhecidos eminimamente assegurados, não haverá espaço para adignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por suavez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio einjustiças.143

Acrescente-se que somente a análise do texto constitucional n ão é o

bastante para se chegar à compreensão do tema, sendo necessário recorrer à

análise doutrinária para entender como o assunto é tratado.

Assim, pode-se dizer que o princípio em tela remonta da antiguidade

clássica, visto que já nesse período buscava -se a proteção das pessoas no que

diz respeito aos seus valores internos. Aliás, o Código de Hamurabi, de certa

140 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes . São Paulo:Dialética, 2002, p. 319.141 BARROSO, Luis Roberto. Op. cit., p. 334.142 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana. .. Op. cit., p. 139.143 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana... Op. cit., p. 59.

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maneira já expressava interesse em proteger a dignidade e os direitos do ser

humano.

Neste aspecto, chama atenção a influência do cristianismo que , pela

primeira vez, preocupou-se em atribuir a cada indivíduo a idéia de uma dignidade

pessoal, como explica Maria Celina Bodin de Moraes:

O desenvolvimento do pensamento cristão sobre adignidade humana deu-se sob um duplo fundamento: ohomem é um ser originado por Deus para ser o centro dacriação; como ser amado por Deus, foi salvo de suanatureza originária através da noção de liberdade deescolha, que o torna capaz de tomar decisões contra o seudesejo natural. 144

Desta forma, é inquestionável que a idéia de que todos somos filhos de

Deus e, por isso, feitos à sua imagem e semelhança, defendida pela filosofia

cristã, é um marco na influência do princípio da dignidade da pessoa humana nas

mais diversas legislações pelo mundo, já que tal pensamento trad uz a noção de

uma igualdade de todos os homens, independentemente de seus padrões sociais

ou culturais.

De fato, o referido princípio já estava esculpido desde 1948 na Declaração

Universal dos Direitos do Homem elaborada pela Organização das Nações

Unidas, que logo no seu artigo 1, estatui: “Art. 1º - Todos os seres humanos

nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de

consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

É de suma importância que se tenha u ma divulgação do princípio num

instrumento jurídico internacional, já que de certa forma, deixa bem claro para os

demais Estados a universalidade e a indivisibilidade do mesmo, inclusive, criando

no meio internacional um real interesse dos Estados em recep cioná-lo nos seus

ordenamentos jurídicos internos, como decorrência do inevitável processo de

internacionalização dos direitos, conforme acentua Flávia Piovesan:

144 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 112-113.

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Assim, o processo de internacionalização dos direitoshumanos traz reflexos no âmbito normati vo interno, namedida em que as Constituições contemporâneas hão derespeitar parâmetros internacionais mínimos voltados àproteção da dignidade humana, convertida em pressupostoineliminável de todos os constitucionalismos. 145

Aliás, no direito pátrio, logo no artigo 1, inciso III, a Constituição Federal de

1988 estabelece:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúveldos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui -se em EstadoDemocrático de Direito e tem como funda mentos:[...]III - a dignidade da pessoa humana;[...]

Resta evidente, portanto, que o princípio da dignidade da pessoa humana é

um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituindo -se num valor

supremo do ordenamento jurídico, servindo de referência para todos os demais

direitos, não só dos trabalhadores, mas de toda a sociedade, proporcionando -lhes

os meios necessários para uma sobrevivência digna.

Sobre o assunto, Irany Ferrari aduz:

É bem verdade que a dignidade da pessoa humana égenérica, ou seja, toda a pessoa deve ser digna e, paratanto, deve ter os meios necessários para umasobrevivência à altura dos padrões morais, culturais eeconômicos no meio social em que vive. Tais meiosnecessários são obtidos, obviamente, pelo trabalho ho nestoe digno, qualquer que ele seja, a saber: como empregado,como autônomo, como avulso, como empresário, comoservidor público.146

145 PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica... Op. cit., p. 59.146 FERRARI, Irani; NASCIMENTO, Amauri Mascaro; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva.História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho . São Paulo: LTr, 1988, p.60.

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O legislador constitucional de 1988 enumerou o princípio da dignidade de

forma totalmente dispersa ao longo do texto, o que não descaracteriza a sua

importância, como defende Eros Roberto Grau:

[...] é que cada direito não é um mero agregado de normas,porém um conjunto dotado de unidade e coerência –unidade e coerência que repousam precisamente sobre osseus (dele = de um determinado direito) princípios. 147

Diante disso, pode-se afirmar que as diretrizes do referido princípio se

manifestam claramente nos incisos do artigo 3, da Constituição vigente, quais

sejam, sociedade livre, erradicação da pobreza e desigualdade social e a

promoção de todos sem qualquer preconceito, conforme abaixo transcrito:

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa doBrasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;[...]III - erradicar a pobreza e a marginaliza ção e reduzir as desigualdadessociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;[...]

A disposição do artigo 5 e inciso II, do artigo 170, da Constituição pát ria,

também é uma forma de manifestação do referido princípio no que diz respeito à

garantia da propriedade privada:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção dequalquer natureza, garantindo -se aos brasileiros e aosestrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito àvida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,nos termos seguintes:[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalhohumano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos exi stência

147 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica).10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 267.

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digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintesprincípios:II - propriedade privada;[...]

Ressalte-se, ainda, que a partir da Emenda Constitucional n. 45, de 2004,

os Tratados e Convenções sobre Direitos Humanos, incluindo -se aí o princípio da

dignidade humana, que forem aprovados pelo Poder Legislativo, serão

equivalentes às emendas constitucionais, no ordenamento jurídico nacional, nos

termos do parágrafo 3, do artigo 5, da Constituição Federal de 1988.

A seguir, analisar-se-á as implicações do princípio da dignidade da pessoa

humana no âmbito do direito constitucional brasileiro, verificando seus aspectos

mais importantes e a sua forma de aplicação.

3.2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do direitoconstitucional brasileiro

Do ponto de vista da fundamentação da República e do Estado

Democrático de Direito, a primeira Constituição nacional a mencionar princípio da

dignidade humana foi a promulgada em 1988, por influência das Constituições de

outros países, que adotam o referido princípio em seu texto constitucional.

Registre-se, todavia, que a Constituição brasileira de 1934 foi a primeira a

se referir ao assunto, conforme preceitua o seu artigo 115:

Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizadaconforme os princípios da justiça e as necessidades da vidanacional, de modo que possibilite a todos existência digna.Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.[...]

Percebe-se, pelo enunciado supracitado, que mesmo se referindo apenas à

ordem econômica, já há uma preocupação do legislador em estabelecer a todos

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os cidadãos uma existência digna. Aliás, tal preocupação é repetida de uma

maneira mais clara na Constituição de 1946, em seu artigo 145, que abaixo segue

transcrito:

Art. 115 - A ordem econômica deve ser organizada conformeos princípios da justiça social, conciliando a liberdade deiniciativa com a valorização do trabalho humano.Parágrafo único. A todos é assegurado trabalho quepossibilite existência digna. O trabalho é obrigação social.

A iniciativa de estabelecer o princípio em estudo coube ao legislador

constituinte de 1967, que estabeleceu pela primeira vez o princípio da valorização

do trabalho como base da dignidade do ser humano, nos termos do inciso II, do

artigo 157:

Art. 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiçasocial, com base nos seguintes princípios:[...]II – valorização do trabalho como condição da dignidadehumana.[...]

No que se refere ao reconhecimento normativo do referido princípio, não

resta dúvida de que a Constituição de 1988 foi um marco com relação às

Constituições anteriores ao prever um título próprio para os direitos fundamentais

e estabelecer o princípio da dignidade da pessoa humana como um valor supremo

da ordem jurídica nacional, aceitando-o como fundamento da República e do

Estado Democrático de Direito, como já foi dito.

Importante transcrever uma vez mais o artigo 1, da Constituição Federal de

1988, que estabelece claramente a importância do princípio da dignidade,

dispondo em seu inciso III a seguinte afirmativa:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela uniãoindissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui -seem Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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[...]III - a dignidade da pessoa humana;[...]

Percebe-se, desta maneira, que com o novo entendimento dado ao

princípio pela Constituição vigente, reconhecendo -o expressamente como

princípio fundamental que serve de referência para todos os demais, o princípio da

dignidade da pessoa humana representa um conjunto de valores que se estende

para todo o ordenamento jurídico nacional, assim como acontece em muitos

países que recepcionaram tal princípio em suas Constituições.

Pela leitura do texto constitucional, percebe -se, por exemplo, que o

princípio da dignidade da pessoa humana, além de constar no capítulo que trata

dos direitos fundamentais, encontra -se expresso em vários outros capítulos, como,

por exemplo, no que trata da ordem econômica (artigo 170, caput), que assegura

a todos uma existência digna, no capítulo que trata da ordem social (artigo226,

parágrafo 6º), determinando que o planejamento familiar seja realizado com base

nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável,

bem como assegurando o direit o à dignidade à criança e ao adolescente (artigo

227, caput), dentre outros que podem ser observados no texto constitucional.

Assim, segundo entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet:

Consagrando expressamente, no título dos princípiosfundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dosfundamentos do nosso Estado democrático (e social) deDireito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988– a exemplo do que ocorreu, entre outros países, naAlemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamenta l arespeito do sentido, da finalidade e da justificação doexercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceucategoricamente que é o Estado que existe em função dapessoa humana, e não o contrário, já que o ser humanoconstitui a finalidade precípua, e não meio da atividadeestatal.148

148 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana... Op. cit., p. 66.

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Todavia, o reconhecimento da dignidade da pessoa humana no âmbito

constitucional brasileiro, sem dúvida, seguiu a tendência que já vinha sendo

verificada em Constituições estrangeiras, conforme veremos a seguir, ao a nalisar

o princípio da dignidade na seara do Direito Comparado.

3.2.2 O princípio da dignidade da pessoa humana no direito comparado

Foi a Constituição da Alemanha, de 1949, a primeira a estabelecer

expressamente na sua lei fundamental a dignidade da p essoa humana como um

direito fundamental, conforme se infere da leitura de seu artigo 1, que determina:

“Art. 1º, 1 – A dignidade da pessoa humana é inviolável. Respeitá -la e protegê-la é

obrigação de todos os Poderes estatais”.

A partir desse reconhecimen to formal, diversas Constituições de outros

países seguiram o mesmo caminho, esculpindo em suas leis fundamentais o

referido princípio, tais como a Constituição portuguesa, espanhola e italiana. Frise -

se que até mesmo alguns países do Leste europeu reconhe ceram em suas

Constituições o referido princípio, como por exemplo, a Constituição da Croácia

(1990), da Romênia (1991), da Bulgária (1991), da Estônia e da Lituânia (1992)

etc.

A Constituição espanhola de 1978 faz alusão ao princípio da dignidade da

pessoa humana ao estabelecer no n. 1, do artigo 10:

Art. 10.1 - A dignidade da pessoa, os direitos invioláveis quelhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade,o respeito à lei e aos direitos dos outros são fundamentos daordem política e da paz social.[...]

A constituição de Portugal, promulgada em 1976, em seu artigo 1, também

aduz: “Art. 1º - Portugal é uma república soberana, baseada na dignidade da

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pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma

sociedade livre, justa e solidária”.

Igualmente, o Estado da Bélgica, em seu artigo 23, nos termos da revisão

de 1994, afirma: “Art. 23 – Cada um tem o direito de levar uma vida de acordo com

a dignidade humana”.

Na França, entretanto, apesar de ser um país modelo relativamente à

instituição dos direitos universais, não há nenhuma menção constitucional ao

princípio da dignidade da pessoa humana. De fato, tal princípio aparece somente

como uma criação jurisprudencial, conseqüência da aplicação tanto pelo Conselho

Constitucional como pelo Conselho de Estado daquele país.

Sendo assim, percebe-se que quase todas as Constituições dos Estados,

cada uma dentro de suas peculiaridades, referem -se ao princípio da dignidade da

pessoa humana como uma diretriz para o legislador infraconstituci onal, podendo-

se citar ainda as Constituições da Grécia, China, Peru, Venezuela, Colômbia, Índia

etc.

Entretanto, Ingo Wolfgang Sarlet faz a seguinte observação:

Assim, ainda que incompleto o quadro apresentado, osexemplos garimpados no direito comparad o ilustram, deforma representativa e contundente, que a dignidade dapessoa humana (ao menos nesta formulação e no que dizcom sua expressa previsão pelo direito constitucionalpositivo), ainda não foi integrada de forma definitiva àtotalidade das Consti tuições de nosso tempo, muito emboraesta seja, ao que nos parece, a benfaseja e – assimesperamos – também irreversível tendência a ser saudadecom entusiasmo e esperança, sem que com isto se esteja arecair na ingenuidade de não reconhecer que a positiva çãojurídica, por si só, não tem o condão de impedir violaçõesconcretas da dignidade das pessoas. 149

Contudo, da mesma forma que o constituinte tem o direito de proteger os

indivíduos por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, também tem o

149 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana... Op. cit., p. 65-66.

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dever de impor limites à restrição de alguns direitos fundamentais, conforme ver -

se-á a seguir.

3.2.3 Proteção e limites da dignidade da pessoa humana – limites à restriçãodos direitos fundamentais

No âmbito internacional, no que diz respeito aos direitos h umanos, há uma

preocupação dos chamados blocos internacionais em difundir regras de proteção

aos Estados-membros, como ocorre no caso da União Européia, nas palavras de

Flávia Piovesan:

No que tange aos direitos humanos, cumpre ainda ressaltarque, no âmbito da União Européia, firma-se, paulatinamente,além dos direitos sociais dos trabalhadores, um catálogo dedireitos humanos concernentes à proibição da discriminaçãobaseada em nacionalidade, bem como à liberdade demovimento dos trabalhadores, o que req uer a harmonizaçãode leis internas dos Estados -membros, na medida em quevige o princípio do primado do Direito Comunitário pelo qualé reconhecida primazia às normas editadas pelacomunidade em relação às leis internas de cada Estado. 150

Assim, como acentuam Carla Bertucci Barbieri e José Guilherme Carneiro

Queiroz, os Estados têm que respeitar as orientações impostas pela comunidade

internacional, no que se refere à proteção dos direitos humanos:

Os dispositivos constitucionais apontam a formação de umEstado democrático de direito, o qual tem em seudocumento maior a orientação de atenção, pelo Estado, àproteção dos direitos fundamentais de seus cidadãos, e quenão pode figurar, perante a comunidade internacional, sejaatuado como membro de um bloco sup ranacional, seja

150 PIOVESAN, Flávia. Globalização econômica... Op. cit., p. 52-53.

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agindo individualmente, como desrespeitador dos direitoshumanos.151

Todavia, ressalte-se que como os Estados possuem a obrigação de

proteger os direitos humanos, entre os quais se inclui o direito à dignidade da

pessoa, da mesma forma possuem a liberdade de restringir o exercício de certos

direitos ditos fundamentais, atingindo, de certa forma, diretamente a pessoa no

exercício de alguns direitos, entre os quais, o direito à dignidade, ora em estudo.

Desse modo, tal restrição pode ocorrer, desde que seja em nome da

preservação da ordem pública, como ocorre no Brasil, nos casos de estado de

defesa e nos de estado de sítio, nos termos dos artigos 136 e 137,

respectivamente, da Constituição Federal de 1988, conforme se observa abaixo:

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos oConselho da República e o Conselho de Defesa Nacional,decretar estado de defesa para preservar ou prontamenterestabelecer, em locais restritos e determinados, a ordempública ou a paz social ameaçadas por grave e iminenteinstabilidade institucional ou atingidas por calamidades degrandes proporções na natureza.

Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho daRepública e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao CongressoNacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos quecomprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armadaestrangeira;Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorizaçãopara decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivosdeterminantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir pormaioria absoluta.

Dos textos acima e de acordo com ensinamento de José Afonso da Silva,

extrai-se que:

151 BARBIERI, Carla Bertucci; QUEIROZ, José Guilherme Carneiro. Da necessária construção deum constitucionalismo regional no âmbito do Mercosul. In: PIOVESAN, Flávia (Coord.). Direitoshumanos... Op. cit., p. 434.

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[estado de defesa] é uma situação em que se organizammedidas destinadas a debelar ameaças à ordem pública ouà paz social [e] estado de sítio são as situações críticas queindicam a necessidade da instauração de correspondentelegalidade de exceção (extraordinária para fazer frente àanormalidade manifestada).152

Justificam-se os referidos procedimentos, pois conforme já foi ilustrado, o

princípio da dignidade da pessoa humana constitui -se num valor supremo do

ordenamento jurídico, sendo referência para todos os demais direitos, que de uma

maneira geral são irrenunciáveis, podendo sim ser limitados, desde que em

determinadas situações constitucionalmente previsíveis e desde que não ofendam

a ordem pública.

A respeito das limitações aos direitos fundamentais, José Joaquim Gomes

Canotilho destaca:

A solução do problema não pode reconduzir -se aalternativas radicais porque a restrição dos direitos,liberdades e garantias deve ter em atenção a função d osdireitos na vida comunitária, sendo irrealista uma teoriasubjectiva desconhecedora desta função, designadamentepelas conseqüências daí resultantes para a existência daprópria comunidade, quotidianamente confrontada com anecessidade de limitação dos direitos fundamentais mesmono seu núcleo essencial [...]. 153

Nesse momento, cumpre particularizar as ditas limitações aos direitos

fundamentais no âmbito da relação de emprego, pois como se sabe, o limite

imposto ao exercício do direito da dignidade do tra balhador decorre do poder

diretivo do empregador, resultante da sua prerrogativa em dirigir os trabalhos dos

seus funcionários, além de outros limites de ordem constitucional ou contratual.

Conseqüentemente, em função da dependência do empregado, como

decorrência da sua subordinação ao empregador, este pode ultrapassar alguns

limites, ofendendo a dignidade do trabalhador. Ao exemplificar casos em que se

configuram situações violadoras da dignidade humana, Maria Celina Bodin de

152 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 739.153 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 449.

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Morais ensina que “[...] cabe referir desde a revista íntima a que é submetido o

empregado, o exame toxicológico determinado pelo empregador [...], ou a

impossibilidade de receber tratamento médico por motivo religioso, etc”. 154

Importa descartamos, ainda, a afirmativa de Ingo Wolfgang S arlet, que

sobre o assunto aduz que:

[...] o princípio da dignidade da pessoa humana impõe aoEstado, além do dever de respeito e proteção, a obrigaçãode promover as condições que viabilizem e removam todasorte de obstáculos que estejam a impedir às pes soas deviverem com dignidade.155

Desta forma, vislumbra-se que dentre outras funções, o princípio da

dignidade da pessoa humana tem o condão de impor condutas tanto positivas,

quanto negativas, como é o caso da imposição de limites, estudada no presente

capítulo.

Assim, uma vez discorrido sobre os principais aspectos do princípio da

dignidade da pessoa humana e as conseqüências dele advindas sobre a vida das

pessoas humanas, passar-se-á a seguir a tratar do princípio da solidariedade no

âmbito da atividade empresarial.

3.3 A atividade empresarial face ao princípio da solidariedade

Para entendermos do que se trata o princípio da solidariedade, é importante

que antes compreendamos o próprio significado de solidariedade. Para Daniel

Sarmento:

[...] a solidariedade implica o reconhecimento de que,embora cada um de nós componha uma individualidade,

154 MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 138.155 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana... Op. cit., p. 109.

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irredutível ao todo, estamos também todos juntos, dealguma forma irmanados por um destino comum. Elasignifica que a sociedade não deve ser o lócus daconcorrência entre indivíduos isolados, perseguindo projetospessoais antagônicos, mas sim um espaço de diálogo,cooperação e colaboração entre pessoas livres e iguais, quese reconheçam como tais. 156

Nesta linha de raciocínio, pode -se afirmar que para que uma socied ade seja

solidária, é necessário certo abandono do individualismo e a busca de cada

indivíduo pela realização da justiça social, especialmente em relação àqueles

menos favorecidos.

No que se refere à atividade empresarial, saliente -se que esta se encontra

vinculada às diretrizes da ordem econômica, que determinam que as empresas,

no exercício de suas atividades, devem atender aos princípios da dignidade

humana, da construção de uma sociedade livre, justa e solidária e atender aos

ditames da justiça social.

Conclui-se, portanto, que para atender os ditames da ordem econômica, a

empresa, além de perseguir o lucro, deve objetivar o desenvolvimento nacional, a

erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais etc.

Todavia, encontra-se também a empresa obrigada à observância dos

valores constitucionalmente assegurados, como é o caso da solidariedade social.

Para tanto, a preocupação com o homem deve estar no centro de interesses da

empresa, devendo o mesmo ser considerado não apenas como valor econômico,

mas como pessoa, dotada de direitos e garantias.

Neste sentido, encontra-se o discurso de Eduardo Teixeira Farah, que

afirma:

[...] a autonomia empresarial, que age de acordo com asforças do mercado, deve estar adstrita aos fundamentos ediretrizes constitucionais, quais sejam a dignidade dapessoa humana e a valorização do trabalho humano. 157

156 SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 296.157 FARAH, Eduardo Teixeira. A disciplina da empresa e o princípio da solidariedade social. In:MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstrução do direito privado... Op. cit., p. 686-687.

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Surge, então, questão relacionada com a forma pela qual as empresas

poderiam garantir a solidariedade social? Ora, tal garantia pode e deve decorrer,

por exemplo, de um comprometimento por parte da empresa de permanecer ativa

e economicamente estável, utilizando -se, para tanto, dos meios que lhe são

disponibilizados para garantir a obtenção do lucro.

Mas há que se enfatizar que, também na busca pelo lucro, deve a em presa

observar o princípio da solidariedade social, sob pena de incorrer em injustiça

moral. Pode-se dizer que para que o princípio da solidariedade social seja

observado, é necessário, por exemplo, que a empresa não deixe de cumprir com

suas obrigações, especialmente em relação aos seus empregados, em prol do

aumento da sua lucratividade.

Em relação aos trabalhadores, o artigo 7, da Constituição Federal de 1988,

determina expressamente quais são seus direitos.

É certo, portanto, que em relação ao trabalhad or, a empresa deve, além de

atender o princípio da solidariedade social, observar o valor da dignidade do

trabalho humano. É o trabalho o meio mais comum de inserção social e, por isso,

para que o princípio da solidariedade social seja atendido, é necessár io que a

empresa esteja envolvida com a geração de empregos.

Em razão disso, pode-se citar como formas de a empresa atender ao

princípio da solidariedade, remunerar adequadamente o trabalhador, permitindo -

lhe o gozo de uma vida digna, inclusão do trabalhad or na divisão de lucros,

oferecimento de planos de saúde, carreira etc.

Agindo conforme as premissas do princípio em estudo, a empresa estaria

não apenas dando a ele atendimento, como também incrementando seu próprio

negócio, na medida em que um empregado que tem reconhecido seu trabalho,

demonstra um comprometimento maior com a função que exerce e com a

empresa para quem trabalha. Neste aspecto, o atendimento do princípio da

solidariedade serviria, ainda, como meio de incentivo aos trabalhadores, que

contribuirão para o crescimento da empresa.

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Contudo, hoje ainda verifica -se que o princípio da solidariedade não está

sendo amplamente observado pelos empresários. Entretanto, não se pode perder

a esperança de um dia vermos uma sociedade justa e equilibrada, on de os direitos

e garantias de todos os cidadãos possam ser efetivamente assegurados, inclusive

no que se refere à sua personalidade, conforme analisar -se-á no Capítulo

seguinte.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA DECORRENTE DE DANOSADVINDOS DA NÃO OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS E PRINCÍPIOSFUNDAMENTAIS EM SUAS RELAÇÕES LABORAIS

4.1 Os danos patrimoniais e extrapatrimoniais oriundos das relaçõeslaborais no âmbito empresarial

A expressão “dano” provém do latim damnun, e possui os seguintes

significados:

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1 Mal ou ofensa que se faz a outrem. 2 Dir Ofensa oudiminuição do patrimônio moral ou material de alguém:‘Dano, em sentido amplo, é toda diminuição dos bensjurídicos da pessoa’ [...]. 5 Perda. D. emergente, Dir: o queresulta da falta de cumprimento de um contrato.158

Para Maria Helena Diniz, “o dano é um dos pressupostos da

responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver

ação de indenização sem a existência de um prejuízo”. 159

Resumidamente, pode-se dizer que “dano” significa todo e qualquer

prejuízo econômico ou não-econômico, de ordem material ou moral, causados a

outrem.

Em relação à classificação do dano em “patrimonial” e ”extrapatrimonial”,

Fernando Noronha ensina que “é patrimonial o dano que se reflete no patrimônio

do lesado, enquanto extrapatrimonial é aquele que afeta exclusivamente a esfera

dos valores espirituais ou afetivos”. 160

De qualquer forma, pode-se afirmar que os “danos patrimoniais” são

aqueles que atingem o “patrimônio” (bens materiais) da p essoa, pecuniariamente

determináveis. De outro lado, os danos “extrapatrimoniais” são aqueles que

atingem interesses não suscetíveis de avaliação pecuniária, como é o caso, por

exemplo, dos direitos da personalidade da pessoa, onde a lesão atinge “valores

morais do indivíduo”. Tratam-se os danos patrimoniais, portanto, de danos a

coisas, enquanto que os danos extrapatrimoniais referem -se à pessoa, embora o

dano possa advir de uma lesão a coisas, que pode gerar danos à pessoa,

conforme ver-se-á adiante.

Em um primeiro momento, tem-se a impressão de que a única classificação

de danos que interessaria ao nosso trabalho seria a dos danos extrapatrimoniais,

haja vista que estes estão diretamente relacionados a “pessoas”, “valores morais

158 MICHAELIS: moderno dicionário... Op. cit., p. 635. (grifos originais)159 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro . 17. ed. aum. e atual. de acordo com onovo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 -1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003, v. 7, p. 58. (grifosoriginais)160 NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 567.

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do indivíduo”, enfim, questões correlatas aos direitos fundamentais. Entretanto,

conforme leciona Fernando Noronha:

O interesse econômico não está necessariamente ligado acoisas do mundo externo, tal como o interesse espiritual ouafetivo não está necessariamente associado a bensinternos. O interesse econômico pode ser afetado pelaviolação de bens (valores) internos da pessoa: umadifamação viola valores espirituais, mas pode também afetarinteresses econômicos. Similarmente, o interesse espiritualou afetivo pode ser atingido pela lesão de coisas: um álbumde velhas fotografias familiares pode ou não ter valoreconômico, mas certamente que o tem afetivo. 161

Desta forma, denota-se que, ao se considerar a possibilidade de um dano

ter ou não “valor patrimonial”, eles classificam -se em “patrimonial” e

“extrapatrimonial”. Esta é a classificação fundamental dos danos, e também a

mais conhecida. Todavia, ao se considerar a “natureza do bem lesado”, surge uma

outra classificação, que é a dos “danos a coisas” e “danos a pessoas”, sendo qu e

este último, na acepção de Fernando Noronha, “ainda se subdivide em dano

biológico (ou corporal) e anímico (ou moral em sentido estrito)”. 162

Ao analisar a classificação dos danos em patrimonial ou extrapatrimonial, a

idéia principal que surge é de “patrim ônio”, ou seja, da existência de um direito

que pode ser avaliado economicamente.

De fato, os “danos patrimoniais” são aqueles que violam interesses capazes

de ser avaliados em termos econômicos. Esses danos, nos termos do artigo 402,

do Código Civil vigente, subdividem-se em “danos emergentes” (que

correspondem a real diminuição do patrimônio do lesado) e “lucros cessantes”

(que se refere àquilo que o lesado esperava ganhar caso não tivesse ocorrido o

dano).

Já os “danos extrapatrimoniais”, ao contrário, atingem interesses que não

são possíveis de serem avaliados economicamente, ou seja, valores espirituais ou

161 NORONHA, Fernando. Op. cit., p.557.162 Idem, ibidem.

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afetivos dos indivíduos, cuja reparação submete -se ao “princípio da satisfação

compensatória”.

Os danos extrapatrimoniais também são conhecidos com o “danos morais”,

denominação adotada nos incisos V e X, do artigo 5, da Constituição Federal e no

artigo 186, do Código Civil. Entretanto, “[nem] sempre o dano extrapatrimonial terá

natureza moral: a palavra ‘moral’ tem carregado conteúdo ético [...] e o dano

extrapatrimonial não tem necessariamente esse conteúdo”. 163 Desta feita, em que

pese serem também denominados de “danos morais”, tratam -se os danos

extrapatrimoniais de “danos morais em sentido amplo”.

Contudo, ao trazer para a realidade situações corri queiras de danos, pode-

se notar que, embora os danos patrimoniais digam respeito a coisas e os

extrapatrimoniais estejam relacionados a pessoas, há inúmeras situações onde

danos patrimoniais decorrem de ofensa à pessoa (por exemplo, aposentadoria por

invalidez), bem como situações onde os danos extrapatrimonias advêm de lesão à

coisa (por exemplo: perda de objeto de valor significativo por aquele a quem os

cuidados foram confiados).

Essa situação de intercruzamento de danos também pode ser verificada ao

tomar como ponto de partida da análise os danos à pessoa e a coisas. Assim,

poder-se-á verificar situações em que o dano é decorrente de ofensa à pessoa, à

sua dignidade, mas possui cunho patrimonial. Como exemplo, pode -se citar o

caso em que um profissional é caluniado e, além da ofensa à sua moral, acaba

sofrendo danos também de ordem patrimonial, como a redução de sua clientela.

Neste aspecto, importante lembrar consideração de Fernando Noronha, no

sentido de que “[...] com relação aos danos a coisas poderemos dizer que são

sempre de natureza patrimonial, ainda que das lesões a coisas possam resultar

reflexos anímicos para as pessoas a elas ligadas [...]”. 164

Independentemente das classificações acima mencionadas (danos

patrimoniais ou extrapatrimoniais, dano s a coisas ou danos a pessoas), o dano

também pode ser classificado das seguintes formas:

163 NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 567.164 Idem, ibidem, p. 570.

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1) “Dano individual”, quando atinge interesses de pessoas determinadas, ou

“dano coletivo”, quando recai sobre interesse de toda a comunidade. A

preocupação com danos coletivos tem sido alvo de grande interesse e

evolução, especialmente no que diz respeito às áreas do direito ambiental e

do consumidor;

2) “Dano direto”, quando é efeito imediato do fato lesivo, ou “dano indireto”

– também chamado de dano por ricochete ou reflexo - que atinge pessoas

ligadas à vítima direta;

3) “Danos presentes”, verificados no momento em que ocorre o fato lesivo,

e “danos futuros”, que somente são verificados após um determinado lapso

de tempo;

4) “Dano certo”, quando é objeto de prova suficiente para comprová-lo, ou

“dano incerto”, quando se trata apenas de uma hipótese, sem que haja

provas de sua ocorrência.

A respeito da importância da amplitude da noção de bem, objeto do direito

de propriedade e objeto de direito, no que diz respeit o aos direitos da

personalidade, Pontes de Miranda, traz a seguinte lição:

A noção de bem, objeto de direito de propriedade, é maisestreita que a noção de objeto de direito, a que correspondeo conceito de bem da vida, mais largo. A personalidade, onome e a honra são bens da vida, sem serem bem, emsentido estrito, objeto de direito patrimonial e sem serembem em sentido estritíssimo, que é o bem coisa imóvel oumóvel, objeto de direito de propriedade. Coisa, objeto depropriedade, não é, hoje, somente a coisa corpórea. Odireito entendeu que a noção de coisa não é naturalística oufísica; é econômica-social.165

Como se percebe, houve um avanço na conceituação de “coisa”, objeto de

propriedade, devido à necessidade de proteger e, conseqüentemente, de

indenizar os interesses extrapatrimoniais dos lesados. Pode -se dizer que este

165 MIRANDA, Pontes de. Op. cit., p. 43.

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avanço está intrinsicamente relacionado com o reconhecimento ao ser humano de

uma “dignidade”, sendo de grande importância a tutela da integridade física,

psíquica e moral da pessoa e o direito à devida reparação em casos de dano.

Os danos à pessoa, normalmente, advêm de uma violação do seu direito de

personalidade. Podem ser corpóreos, quando atingem a integridade físico -

psíquica da pessoa e podem ser morais, quando atingem seus senti mentos, sua

alma.166

Nas relações trabalhistas, os danos podem se manifestar por meio de

lesões aos bens patrimoniais ou extrapatrimoniais do trabalhador, dependendo da

análise de cada caso concreto, já que a diferenciação do que é patrimonial ou

moral advém dos efeitos da lesão sofrida, conforme já vimos acima, através da

lição de Fernando Noronha. Para realçar esta idéia, segue abaixo transcrito

ensinamento de Maria Helena Diniz, no mesmo sentido:

O caráter patrimonial ou moral do dano não advém danatureza do direito subjetivo danificado, mas dos efeitos dalesão jurídica, pois do prejuízo causado a um bem jurídicoeconômico pode resultar perda de ordem moral, e da ofensaa um bem jurídico extrapatrimonial pode originar danomaterial. Realmente, poderá até mesmo suceder que, daviolação de determinado direito, resulte ao mesmo tempolesões de natureza moral e patrimonial 167.

Assim, como exemplo de danos patrimoniais decorrentes das relações de

trabalho, pode-se citar aqueles ocorridos sobre quaisquer bens ma teriais do

trabalhador e, até mesmo, aqueles danos oriundos das lesões aos bens

extrapatrimoniais (saúde, honra, vida etc.), mas com reflexos nos bens

patrimoniais do trabalhador (despesas com o tratamento médico ou psicológico,

incapacidade para o trabalho etc.).

Em relação ao trabalhador, pode -se afirmar que seu direito de

personalidade (bem extrapatrimonial) se expressa por meio do direito à vida e à

166 Neste sentido, ver Idem, ibidem, p. 560.167 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 85.

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integridade física, à intimidade, à liberdade de pensamento etc. Maria Helena

Diniz, com propriedade, acrescenta que:

[...] os direitos da personalidade são os direitos subjetivos dapessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, aidentidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, ahonra, a autoria etc. Por outras palavras, os direitos dapersonalidade são direitos comuns da existência, porquesão simples permissões dadas pela norma jurídica, a cadapessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, demaneira primordial e direta.168

Contudo, em que pese extensa classificação acerca dos danos, é certo

afirmar que os mesmos sempre deverão ser reparados, conforme acentua

Fernando Noronha, ao lecionar que:

[...] sempre que tivermos interesses legítimos, sejameconômicos ou não, haverá obrigação de reparar o dano,seja este resultante da violação das cois as, ainda queincorpóreas, seja resultante da violação dos bens espirituaisou afetivos a que esses interesses estejam ligados. 169

Assim, ocorrendo violação de qualquer dos direitos supracitados, ou a

qualquer dos demais direitos constantes no texto constit ucional e demais leis

esparsas, pode o trabalhador pedir que cesse imediatamente a ameaça ou lesão

(artigo 12, Código Civil), requerer indenização pelo dano moral sofrido, além de

rescindir o contrato de trabalho motivadamente, com amparo na alínea “b” do

artigo 483, da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Todavia, casos existem onde se verifica que a culpa pelo dano sofrido não

advém da ação de apenas uma pessoa, mas de duas. Nesses casos, estar -se-á

diante do que se chama de “culpa concorrente”, assunto qu e analisar-se-á a

seguir.

168 Idem, ibidem, p. 67.169 NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 570.

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4.2 Os fatores concorrentes dos danos na atividade empresarial

Para que a responsabilidade civil possa ser apurada, é necessário antes

analisar alguns fatores determinantes para, então, averiguar sobre quem recairá a

responsabilidade pela reparação do dano. Assim, para concluir de quem é a

responsabilidade por determinado ato danoso, é preciso estabelecer uma “relação

de causalidade entre o dano e a ação que o provocou”. A essa relação dá -se o

nome de “nexo causal”. 170

É a existência de nexo causal entre o dano ocorrido e a ação que o

provocou que gerará a responsabilidade pela reparação.

Contudo, há danos em que a culpa não pode ser atribuída apenas a um

sujeito, haja vista ter decorrido da ação de duas pessoas. Nesses casos, con forme

ensina Fernando Noronha:

[...] estamos perante uma concorrência efetiva de causas , [...] designadade concausalidade, ou causalidade concorrente propriamente dita , emque temos duas causas reais do mesmo dano [...], implicando aresponsabilidade solidária de ambos os autores [...]. Somente serápossível falar em concurso efetivo de causas quando os dois fatostenham contribuído realmente para o dano, isto é, quando haja um nexode causalidade adequada entre cada uma delas e o evento. 171

Em situações de “culpa concorrente”, tanto o lesado quanto o lesante

possuem culpa por um mesmo prejuízo, em que pese tenham seus atos lesivos

sido realizados de forma independente.

No âmbito do direito do trabalho, além dos direitos garantidos aos

trabalhadores, a Consolidação das Leis Trabalhistas também elencou as principais

figuras de infração do empregador, as quais estão dispostas no artigo 483, abaixo

transcrito:

170 Neste sentido, ver DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 96.171 NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 661. (grifos originais)

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Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato epleitear a devida indenização quando:a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei,contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos comrigor excessivo;c) correr perigo manifesto de mal cons iderável;d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas desua família, ato lesivo da honra e boa fama;f) o empregador ou seus prepostos ofenderem -no fisicamente, salvo emcaso de legítima defesa, própria ou de outrem;g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa,de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

A conclusão alcançada em relação à questão, portanto, é que, em casos de

culpa concorrente, a responsabilidade será solidária de ambos os autores, sendo

que cada um deles responderá pelo dano, proporcionalmente à parte que teve

culpa. “Haverá uma bipartição dos prejuízos, e a vítima, sob uma forma negativa,

deixará de receber a indenização na parte relativa à sua responsabilidade” 172,

conforme ensina Maria Helena Diniz.

A seguir, uma vez analisada a questão da culpa concorrente, far -se-á uma

rápida abordagem sobre a responsabilidade pela indenização de danos oriundos

das relações laborais.

4.3 A indenização dos danos oriundos das relações laborais

Ao tratar-se da questão dos danos patrimoniais e extrapatrimonias – item

4.1 acima – teve-se a oportunidade de discorrer sobre o significado da expressão

“dano”, que corresponde a “lesão”, no sentido de reduzir ou destruir um bem de

outrem.

172 Neste sentido, ver DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 99.

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Igualmente, verificou-se nos ítens anteriores que a conseqüência para o

indivíduo que provocou o dano, uma vez provada sua responsabilidade, é a

obrigatoriedade pela indenização da vítima.

Conforme leciona Clayton Reis, “a idéia prevalecente acerca da

indenização envolve, de forma indiscutível, a noção de dano, prejuízo, diminuição

do patrimônio, visto que sem dano não há indenização”. 173 Prossegue o autor,

afirmando que “a indenização [...] recompõe a diminui ção do patrimônio da pessoa

em decorrência da ação lesiva e ilícita perpetrada por um agente ofensor”. 174

Sabe-se que antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o

empregado encontrava-se desamparado quanto ao sistema indenizatório

decorrente do contrato de trabalho, já que o ordenamento jurídico não lhe

propiciava um amparo à altura de sua expectativa, causando -lhe, inclusive, muitas

injustiças.

Todavia, após a Carta de 1988, as possibilidades indenizatórias se

estenderam significativamente, princi palmente, com o advento do Código Civil de

2002, abrangendo, inclusive, o dano moral, coisa até então inimaginável na seara

trabalhista.

Essa ampliação dos danos passíveis de indenização, segundo Fernando

Noronha, ocorreu devido a três aspectos: “ expansão dos danos suscetíveis de

reparação, objetivação da responsabilidade e sua coletivização”. 175 Tais aspectos

estão diretamente relacionados com a necessidade imposta pela sociedade no

sentido de que todos os danos fossem reparados, não ficando qualquer um sem a

devida indenização.

Para o autor acima citado, a ampliação dos danos suscetíveis de

reparação, consiste:

[...] na extensão da obrigação de indenizar aos danosextrapatrimoniais e na tutela dos danos transindividuais,correspondendo os dois aspectos à asp iração da sociedade

173 REIS, Clayton. Avaliação do dano moral . Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 121.174 Idem, ibidem.175 NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 540. (grifos originais)

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atual no sentido de que a reparação proporcionada àspessoas seja a mais abrangente que for possível. 176

Prossegue afirmando que a objetivação da responsabilidade relaciona -se

com o “[...] princípio segundo o qual não poderia haver respo nsabilidade sem

culpa”.177

Finalmente, salienta o ilustre autor que a coletivização da responsabilidade

demonstra “[...] o declínio da responsabilidade individual, perante o

desenvolvimento de processos comunitários para reparação de diversos danos,

especialmente os que atingem a integridade física ou psíquica das pessoas

[...]”.178

Contudo, após a Revolução Industrial, o que também se percebeu em

relação ao instituto da responsabilidade civil foi a sua “objetivação”, podendo citar -

se como exemplo desse fenôme no a “teoria do risco de empresa”, a “teoria do

risco administrativo” e a “teoria do risco -perigo”. Todavia, embora a importância de

tais fenômenos, não serão os mesmos tratados nesta dissertação, ficando esta

tarefa para outra oportunidade.

Saliente-se que o agravamento da responsabilidade objetiva é percebido a

partir do momento em que a “culpa” deixou de ser requisito indispensável para a

obrigatoriedade da indenização 179, conforme acentua uma vez mais o renomado

Fernando Noronha.

Assim, considerando-se as observações acima, pode-se afirmar que,

sofrendo o empregado qualquer tipo de dano (patrimonial ou extrapatrimonial) no

exercício da sua função, lhe é devida a correspondente indenização, a qual pode

ser pleiteada judicialmente, caso o causador do dano nã o indenize o lesado

espontaneamente.

Contudo, antes de se atribuir a determinada pessoa responsabilidade pela

indenização de dano causado a outrem, existem alguns aspectos que precisam

ser analisados, como por exemplo, a efetiva existência de um ato ilícit o, a

176 NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 540.177 Idem, ibidem.178 Idem, ibidem.179 Idem, ibidem.

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diminuição ou destruição de um bem jurídico de uma pessoa (patrimonial ou

moral), a definição e classificação da culpa etc.

Uma vez apurados todos estes elementos e verificada a culpa do agente

lesante, a conseqüência direta é a obrigação pela indeniz ação correspondente aos

danos sofridos pelo lesado. Isto é regra e, portanto, aplica -se também nas

questões que envolvem o trabalhador, no âmbito da atividade empresarial.

Ademais, o artigo 932, incisos I a V do Código Civil, determina quem são as

pessoas responsáveis pela indenização em casos de dano, estipulando que a

obrigação pela indenização será do empregador ou comitente por seus

empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou

por ocasião dele.

Essa regra, obviamente, é válida também para os danos originados no

âmbito da atividade empresarial, em especial os danos sofridos pelos empregados

das empresas. Uma vez apurada a responsabilidade do lesante, é a indenização

devida tanto em casos de danos patrimoniais como extr apatrimonias.

Tratando-se de “danos patrimoniais”, a indenização poderá se dar de duas

formas:

a) indenização através de uma reparação específica (ou in natura), que

significa fazer com as coisas retornem ao seu estado original, tal como

eram caso não tivesse ocorrido lesão. Ressalte -se que quando estivermos

diante de um dano patrimonial indireto, ou seja, aquele advindo da lesão a

um interesse não-econômico, mas que gera conseqüências econômicas, a

indenização corresponderá a uma “situação material corresp ondente” ou na

indenização das “conseqüências patrimoniais” desse dano (dano

emergente ou lucro cessante); 180

b) indenização através de uma reparação equivalente: trata -se de

indenização com características pecuniárias, pois consiste em pagar ao

lesado o equivalente em dinheiro ao dano que sofreu. 181

180 Neste sentido, ver DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 119.181 Neste sentido, ver Idem, ibidem, p. 119-120.

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Já os danos morais, necessariamente, terão que ser indenizados por meio

de indenização equivalente, ou seja, com o pagamento de um determinado valor

em dinheiro.182 Maria Helena Diniz salienta que a indenização do dano moral

possui “[...] um caráter satisfatório para a vítima e lesados, e punitivo para o

ofensor”.183 Prossegue ensinando:

Desse modo, o magistrado, para que possa estabelecer,equitativamente, o quantum da indenização do dano moral,deverá considerar a gravidade da lesão, baseado naconduta culposa ou dolosa do agente, a situação econômicado lesante, as circunstâncias do fato, a situação individual esocial da vítima ou dos lesados etc. 184

Sobre a responsabilidade pelas indenizações nos casos de dano mor al,

provenientes de ato ilícito, Maurício Godinho Delgado ensina que ”é do

empregador, evidentemente, a responsabilidade pelas indenizações por dano

moral ou à imagem resultantes de conduta ilícita por ele cometida, ou por suas

chefias, contra o empregado, sem relação com a infortunística do trabalho”. 185

Advirta-se, todavia, que não é qualquer atitude do empregador que

configura o dano moral. A obrigação da indenização, portanto, somente existirá

nos casos em que o empregador ofende o obreiro por meio de arg umentos

capazes de atingir a sua dignidade, sendo necessária a apreciação judicial com

análise do caso concreto.

Assim, nos casos de indenização de danos extrapatrimoniais, várias são as

hipóteses que surgem, cabendo citar algumas delas:

a) dano à vida e à integridade corporal: no caso de “dano à vida”, a

indenização deverá abranger o pagamento das despesas com tratamento

da vítima e, incorrendo em morte do ofendido, deverá a indenização, ainda,

cobrir os gastos com funeral, prestação de alimentos às pessoa s a quem o

defunto os devia, assistência aos herdeiros, etc. Tratando -se de “lesão

182 Neste sentido, ver REIS, Clayton. Op. cit., p. 122.183 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 124.184 Idem, ibidem. (grifos originais)185 DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 617.

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corporal” a indenização deverá abranger as despesas com o tratamento,

além dos lucros cessantes, que são devidos até final do período em que o

lesado estiver em recuperação e, finalmente, deverá abranger, ainda,

algum outro prejuízo que a vítima porventura tenha sofrido;

b) ofensa à honra: tratando-se de injúria ou calúnia, a indenização consistirá

na reparação do dano resultante da ação ofensiva do lesante. Caso o

mesmo não possa ser materialmente provado, caberá ao Juiz arbitrar o

valor da indenização, levando -se em conta, inclusive, a posição sócio -

política do ofendido;

c) danos contra a honestidade: interessa -nos neste aspecto a indenização

em caso de assédio sexual em amb iente de trabalho, onde além da

rescisão indireta do contrato de trabalho, é ainda devido à ofendida

indenização pelo dano moral advindo da ofensa à sua dignidade ou da

humilhação sofrida;

d) ofensa à liberdade pessoal: a indenização consistirá na reparaçã o dos

danos materiais sofridos pela vítima e, caso não seja possível prova -los,

deverá a indenização ser arbitrada pelo juízo;

e) ofensas ao direito à intimidade: em tais casos, o valor da indenização

deverá ser arbitrado pelo Juiz, levando -se em conta as circunstâncias que

geraram o dano;

f) dano ao nome das pessoas: trata -se de uma das formas de ofensa à

personalidade e a indenização pode ser pecuniária ou, se assim preferir a

vítima, pode a indenização ocorrer mediante a supressão do uso impróprio

do seu nome.

No que se refere ao quantum indenizatório, ressalte-se uma vez mais que,

sempre que possível, deverá ser suficiente para realizar a recomposição do

patrimônio do lesado, como tem observado Jair Lima Gevaerd Filho:

Por outro lado ante a necessidade de indenização de uminteresse extrapatrimonial lesado, o sentido de reconvençãoa justo será o da promoção de um equilíbrio entre o

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Como se sabe, desde o advento da Revolução Industrial, o instituto da

responsabilidade civil vem sofrendo profundas alterações, decorrentes das novas

necessidades impostas pelo desenvolvimento tecnológico e industrial, visando dar

uma melhor proteção ao trabalhador.

O Código Civil Napoleônico, ao instituir a culpa como um dos pressupostos

para a reparação do dano, realmente inovou no instituto da reparação civil,

servindo de referência para as demais legislações de outros países, inclusive o

Brasil, por ocasião da promulgação do Código Civil de 1916.

Todavia, com o rápido avanç o industrial iniciado com a Revolução

Industrial, houve uma “enorme agravação dos riscos a que as pessoas

antigamente estavam sujeitas” 189, sendo necessário abandonar o critério da

“culpa” (contratual e extra -contratual) como pressuposto para a responsabilid ade

civil, pois o mesmo estava, na realidade, prejudicando o trabalhador, haja vista

que em muitos casos, devido a sua condição de subordinação e insuficiência junto

ao empregador, acabava não conseguindo provar não ter agido com a culpa que

lhe era atribuída pelo patrão e, como resultado, ficava sem a devida reparação do

dano sofrido. Em decorrência disto, ocorreu a evolução do instituto da

responsabilidade civil, que passou a não mais considerar o elemento culpa como

referência para a reparação do dano, r esultando na conhecida “teoria objetiva

baseada no risco”.

No Brasil, desde a vigência do Código Civil de 1916, não houve nenhuma

inovação quanto à aplicação da responsabilidade civil, justificando, pois, a opinião

da doutrina no sentido da quase inutilida de de tal instituto, nos moldes como vinha

sendo aplicada a reparação do dano, até que a Constituição Federal de 1988,

definitivamente, reconheceu como direito de todos a reparabilidade do dano.

Na verdade, a responsabilidade civil, inclusive no que tange às empresas,

foi tratada pelo legislador com mais afinco somente a partir do atual Código Civil,

por meio de um Título próprio, estendendo -se do artigo 927 ao artigo 954, apesar

de ainda manter como regra geral a responsabilidade civil baseada na culpa

(teoria objetiva), conforme determina o caput do artigo 186, do Código Civil: “Art.

189 NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 538. (grifos originais)

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186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato

ilícito”.

Contudo, mais adiante, cuidou o legislador de estabelecer no parágrafo

único, do artigo 927, os casos que configuram a teoria objetiva, tornando o

empresário responsável pela reparação do dano ao empregado,

independentemente de culpa :

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigadoa repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ouquando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Percebe-se pelo dispositivo acima, que o legislador não estabeleceu quais

seriam as atividades desenvolvidas que implicariam riscos para terceiros,

deixando tal função a cargo da doutrina, assim como também não diferenciou a

culpa do dolo, já que a indenização, segundo disposto no artigo 944, do Código

Civil, será medida pela extensão do dano.

A propósito, nas palavras de Maria Helena Diniz:

Responsabilidade civil é a aplicação de medidas queobriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonialcausado a terceiros, em razão de ato por ela mesmopraticado, por pessoa por quem ela responde, por algumacoisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. 190

De qualquer forma, os pressupostos da responsabi lidade civil da empresa,

de acordo com o caput do artigo 927 (teoria subjetiva), são: a conduta (comissiva

ou omissiva) do agente, a culpa ou dolo do agente, o nexo de causalidade, o dano

experimentado pela vítima. Os pressupostos para configuração do disp osto no

parágrafo único, do artigo 927 (teoria objetiva), por sua vez, caracterizam -se pela

simples comprovação pelo empregado do dano (acidente de trabalho) sofrido,

190 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 36.

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para que haja a obrigação da reparação por parte do empregador,

independentemente deste ter agido ou não com culpa.

Com relação à teoria subjetiva, Caio Mário da Silva Pereira assim se

pronuncia:

A teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressupostoda obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, ocomportamento culposo do agente, ou simplesmente a suaculpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamentedita e o dolo do agente.191

No que diz respeito à teoria objetiva, Sílvio Rodrigues aduz:

A obrigação de indenizar não se apóia em qualquerelemento subjetivo, de indagação sobre o c omportamentodo agente causador do dano, mas se fixa no elementoobjetivo, representado pela relação de causalidade entre oato causador do dano e este. 192

Atualmente, é cada vez maior a tendência dos juízes e dos tribunais em

aderirem à teoria objetiva para responsabilizarem os empregadores nos casos de

danos acidentários, em virtude do aumento dos riscos de lesões nas atividades

laborativas, devido à busca desenfreada dos empresários pelo lucro. Aliás, nessa

linha de pensamento destaca -se a lição de Maria Helena Diniz:

[...] A responsabilidade objetiva funda -se num princípio deeqüidade, existente desde o direito romano: aquele quelucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelasdesvantagens dela resultantes [...] Essa responsabilidadetem como fundamento a atividade exercida pelo agente, peloperigo que pode causar dano à vida, à saúde ou a outrosbens, criando risco de dano para terceiros. [...] Aresponsabilidade, fundada no risco, consiste, portanto, naobrigação de indenizar o dano produzido por atividade

191 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002,p. 30.192 RODRIGUES, Silvio. Op. cit., p. 156.

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exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem quehaja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante,fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação decausalidade entre o dano e a conduta do seu causador. 193

Todavia, cumpre salientar que a responsabilidade objetiva pela

indenização, esculpida no parágrafo único, do artigo 927, do Código Civil, poderá

ser atenuada ou até mesmo excluída, em certos casos, como esclarece Maurício

Godinho Delgado:

Em primeiro lugar, a não cons istente comprovação do dano[...]. Em segundo lugar, a não comprovação do nexo causalentre o dano e o ambiente laborativo ou entre aquele e atosou omissões do empregador e seus prepostos. Em terceirolugar, a comprovação, pela empresa, de culpa exclusivapelo trabalhador no tocante ao surgimento da lesão. A culpaexclusiva obreira, evidentemente, afasta a responsabilidadeempresarial.194

Registre-se, da mesma forma, que há possibilidade de exclusão da

responsabilidade da obrigação de indenizar se o emprega dor demonstrar que o

fato decorreu de caso fortuito ou força maior, nos termos do artigo 393, do Código

Civil:

Art. 393 - O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de casofortuito ou força maior, se expressamente não se houver por elesresponsabilizado.Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica -se no fatonecessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Por fim, conforme já foi mencionado nos capítulos anteriores, nenhum dano

pode ficar sem a devida reparação. Tra tando-se de danos que ofendam os

princípios e direitos fundamentais do trabalhador, maior ainda será a obrigação de

repará-los, haja vista estarem fundamentados no princípio da dignidade da pessoa

193 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 50-51.194 DELGADO, Mauricio Godinho . Op. cit., p. 620.

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humana, valor máximo do indivíduo, conforme teve -se a oportunidade de

demonstrar ao longo desta dissertação.

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CONCLUSÃO

Como se pôde constatar ao longo desta dissertação, trata -se de tarefa

extremamente difícil discorrer sobre a vinculação dos direitos fundamentais aos

sujeitos de direito privado, especialmente por ser um assunto ainda novo no

âmbito do direito interno, em que pese os princípios e direitos fundamentais há

muito estão sendo utilizados na defesa de direitos na esfera pública.

Observou-se nesta pesquisa que, pela evoluç ão do conceito de atividade

empresarial, é possível concluir que a empresa se refere a quem exerce

profissionalmente alguma atividade econômica de forma organizada, visando à

produção e venda de bens e serviços. Além do quê, a partir do aparecimento do

Código Civil italiano de 1942, estabeleceu -se uma nova visão do conceito de

atividade comercial, com a substituição do Direito Comercial pelo Direito

Empresarial, tendo como base a teoria da empresa, que teve aceitação em vários

países, inclusive no Brasil.

Estudou-se, a seguir, a questão da lucratividade e o grau de importância

que o lucro possui no contexto empresarial. Verificou -se que, apesar de a busca

pelo lucro ser um direito legalmente assegurado ao empresário, a empresa, hoje,

tem que atender inúmeras existências constitucionalmente impostas, sendo uma

delas, o cumprimento da sua função social. Em razão disso, juntamente com o

lucro, a função social passou a ser, também, um dos principais objetivos da

empresa, a qual foi obrigada a expandir sua cultura e trazer para a esfera de seus

interesses, aqueles interesses que também satisfaçam a sociedade.

Já no Código Civil brasileiro de 2002, em relação à empresa e ao

empresário, contatou-se a ocorrência de uma mudança radical no ordenamento

jurídico pátrio no que se refere ao sistema baseado no antigo Código Comercial de

1850. A partir da promulgação do Código Civil vigente, passou a existir um livro

específico destinado ao Direito de Empresa que, além de inovar com a figura do

empresário, apresenta uma nova e strutura do direito de sociedade e, nisto, inclui -

se a observância de certos princípios constitucionalmente assegurados aos

indivíduos.

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Com referência à vinculação dos direitos fundamentais aos sujeitos de

direito privado, verificou-se que os fundamentos de tais direitos encontram-se na

Constituição e, por serem inerentes à pessoa humana, são irrenunciáveis e

inalienáveis, sendo que os direitos e garantias individuais não poderão ser

abolidos por intermédio de emendas constitucionais, apesar de serem autori zadas

algumas restrições ao exercício desses direitos.

No tocante ao exercício do poder hierárquico no âmbito empresarial,

observou-se que o empregador não pode, nos tempos modernos, agir de forma

arbitrária com o trabalhador, sujeitando -se, portanto, aos limites impostos pela lei

(princípios e direitos fundamentais) e pelo contrato de trabalho.

As discriminações na relação de emprego também foram alvo de estudo,

observando-se que somente a Constituição Federal pode estabelecer algum

critério discriminatório, sendo pr42(d)-4(e)-4( )99 TzBT363(a)-4(l)1(g)5(u)-4(m)]TJETQ0 gq99 TzBTm

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sujeição reiterada do trabalhador pelo empregador, durante a relação de trabalho,

a situações que violem sua integridade psíquica e até mesmo a sua dignidade

humana.

Quanto aos princípios sociais, viu -se que são eles que regem os direitos

sociais (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social,

proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparad os), devendo ser

observados também pelas empresas nas questões relativas a seus empregados,

proporcionando e assegurando -lhes meios para terem uma vida digna.

No que tange às liberdades sociais, verificou -se que a liberdade é vista

como a mais ampla forma de exercer a autonomia privada e, em decorrência do

reconhecimento da dignidade da pessoa humana, encontra -se garantida também

aos particulares. Contudo, para que o direito de liberdade possa ser exercido, é

necessário dar condições aos indivíduos para que estes não vivam em situação de

miséria, fome, exclusão social etc. e o que a Constituição Federal de 1988 fez

neste sentido foi justamente assegurar as condições para o exercício da liberdade,

proclamando, para tanto, os direitos sociais, que também na at ividade empresarial

devem ser observados, especialmente em relação à figura do trabalhador

Já em relação à questão da justiça social, viu -se que é assunto de

responsabilidade geral, incluindo -se aí, a responsabilidade dos entes privados,

dentre eles os empresários, haja vista a necessidade de que quem detém o

sustento da economia preocupe -se também com o seu planejamento. Assim, a

contribuição da empresa para com a realização da justiça social está diretamente

relacionada com a amenização das desigualdades sociais, proporcionando meios

para que a sociedade seja cada vez mais justa e humana.

Sobre direitos sociais individuais e coletivos, verificou -se que os direitos

individuais estão relacionados à proteção isolada do indivíduo (como exemplos,

cite-se o direito à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade),

enquanto que os direitos coletivos visam à proteção de direitos de toda a

sociedade, encontrando-se espalhados por todo o texto constitucional, podendo -

se citar como exemplo o direito de gr eve, liberdade de reunião e de associação

profissional, entre outros. Ressalte -se, contudo, que a grande diferença entre eles

é que, enquanto os direitos individuais são uma espécie de comando negativo ao

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Estado, os direitos coletivos pressupõem uma presta ção positiva do poder estatal,

exigindo dele alguma ação social em favor da sociedade.

Por sua vez, viu-se que o princípio da dignidade humana é um dos

fundamentos do ordenamento jurídico, servindo de referência para todos os

demais princípios, além de identificar uma esfera de integridade moral, a qual

deve ser assegurada a todo ser humano só pelo fato de sua existência. Está tal

princípio relacionado à dignidade do ser humano, elevando -o a uma condição de

respeito e proteção, o que deve ser verificado tam bém pelo empresário,

especialmente no que tange aos seus empregados.

O princípio da solidariedade, por sua vez, mostrou -se como norma diretriz a

ser seguida na busca por uma sociedade mais justa e igualitária, abandonando -se

o individualismo e partindo par a a busca da realização da justiça social,

especialmente em relação àqueles menos favorecidos. No que se refere à

atividade empresarial, saliente -se que as empresas, no exercício de suas

atividades, devem atender aos princípios da dignidade humana, da cons trução de

uma sociedade livre, justa e solidária e atender aos ditames da justiça social.

Com relação à responsabilidade civil decorrente de danos advindos da não

observância dos princípios fundamentais, constatou -se que as principais figuras

de infração do empregador encontram-se dispostas no art. 483 da Consolidação

das Leis do Trabalho. Aliás, verificou -se que após a Carta Constitucional de 1988,

as possibilidades indenizatórias se estenderam significativamente, principalmente

com o advento do Código Civ il de 2002, abrangendo, inclusive, o dano moral em

relação à figura do trabalhador.

Finalmente, com relação à responsabilidade civil da empresa perante seus

empregados, observou-se que o legislador do Código Civil brasileiro, apesar de

ainda manter como regra geral a responsabilidade civil baseada na culpa,

estabeleceu, também, os casos em que se configuram a teoria objetiva, pela qual

não se cogita da culpa do empresário por ocasião da reparação do dano.

Contudo, a principal conclusão deste estudo foi que os princípios e direitos

constitucionais estão cada vez mais inseridos na vida das pessoas, seja através

do Estado, que os faz cumprir, seja por meio dos sujeitos de direito privado, que

com a constitucionalização do direito civil não podem mais fingir não estar vendo

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as novas necessidades surgidas em decorrência da própria evolução da

humanidade, especialmente no que se refere ao respeito ao ser humano e à sua

dignidade.

Por fim, a atividade empresarial é mola propulsora do desenvolvimento de

uma nação, e uma nação que se denomina democrática não pode viver à mercê

das injustiças cometidas em sua sociedade. Assim, além de totalmente possível, é

obrigatória a observância dos princípios e direitos fundamentais no âmbito da

atividade empresarial e espera -se que o presente estudo sirva, ao menos, para

incutir este pensamento em todos aqueles que tiverem acesso a ele.

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