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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL LIZIANE VASCONCELOS TEIXEIRA LIMA O DESAFIO DO ATENDIMENTO NO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E A GESTÃO SOCIAL DAS ENTIDADES COM VISTAS À GARANTIA DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA Belo Horizonte 2013

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E

DESENVOLVIMENTO LOCAL

LIZIANE VASCONCELOS TEIXEIRA LIMA

O DESAFIO DO ATENDIMENTO NO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

E A GESTÃO SOCIAL DAS ENTIDADES COM VISTAS À GARANTIA

DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Belo Horizonte

2013

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LIZIANE VASCONCELOS TEIXEIRA LIMA

O DESAFIO DO ATENDIMENTO NO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

E A GESTÃO SOCIAL DAS ENTIDADES COM VISTAS À GARANTIA

DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Dissertação apresentada ao Mestrado em

Gestão Social, Educação e Desenvolvimento

Local do Centro Universitário UNA, como

requisito parcial á obtenção do título de

Mestre.

Área de concentração: Inovações Sociais,

Educação e Desenvolvimento Local.

Linha de pesquisa: Processos político-sociais:

articulações interinstitucionais e

desenvolvimento local

Orientador/a: Drª. Maria Lúcia Miranda

Afonso.

Belo Horizonte

2013

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AGRADECIMENTOS

À Deus pela presença constante em minha vida.

Aos meus pais, Zoraide e Edmundo (in memorian).

Ao meu marido e companheiro de todas as horas, Sérgio.

Aos meus irmãos: Mário, Karina e Cristina.

À amiga de sempre Carminha.

À Professora Orientadora pela atenção e paciência Drª Maria Lúcia Miranda Afonso.

Aos companheiros da Associação Casa Novella.

Aos amigos da Famiglia per Accoglienza.

Aos amigos do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de

Belo Horizonte.

A todas as crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente.

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RESUMO

Este trabalho pretendeu delinear sobre o processo de institucionalização de crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial e afastados temporariamente de suas famílias, no município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais e no Brasil. Aborda um pouco da trajetória de institucionalização em nosso país. Apresenta a política de acolhimento institucional apresentada pelas pesquisas realizadas nos três entes federativos. Aborda as normativas que parametrizam o serviço, em especial o Plano Nacional de Promoção Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária; Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes; Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009) e a Lei 2.010/2009. A título de conclusão apresentamos propostas, sugestões para a melhoria dos serviços prestados com vistas à garantia do direito à convivência família e comunitária. Palavras-chave: Acolhimento Institucional. Crianças e Adolescentes. Gestão Social.

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ABSTRACT This work aims to delineate on the process of institutionalization teens under judicial protective measure temporarily away and their families in the municipality of Belo Horizonte, state of Minas Gerais and brazil. addresses rather the path institutionalization in our country. presents a host policy presented by institutional research conducted in three federal entities. addresses current regulations that parameterize service with special the national protection and promotion of the right of children to family and Community; Technical Guidelines for Home Services for Children and Adolescents; National Grading Services Socioassistenciais (2009) and Law 2.010/2009. In conclusion presents proposals, suggestions for improvement of services in order to guarantee the right to family and community living.

KEYWORDS: Institutional Shelter. Children and Adolescents. Social Management.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADROS

QUADRO 1 Contextualização do Atendimento à Infância no Brasil..................... 17

QUADRO 2 Contextualização histórica do atendimento à infância e adolescência no Brasil 1985/2006....................................................

24

QUADRO 3 Relação de pesquisas sobre o acolhimento institucional................. 57

QUADRO 4 Tipificação dos Serviços Socioassistenciais: Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes.......................................

62

QUADRO 5 Parâmetros de funcionamento acolhimento institucional ............... 68

QUADRO 6 Estrutura física acolhimento institucional......................................... 71

QUADRO 7 Ações e Objetivos para o Reordenamento Institucional conforme o PNCFC...........................................................................................

96

QUADRO 8 Agenda de Compromissos................................................................ 101

QUADRO 9 Estatuto da Criança e do Adolescente e o Direito à Convivência Familiar e Comunitária......................................................................

105

FIGURAS

FIGURA 1 Linha do tempo da política de acolhimento institucional em Belo Horizonte..........................................................................................

55

FIGURA 2 Competências das entidades segundo a NOB-RH/SUAS..........................................................................................

67

FIGURA 3 Projeto Político Pedagógico para uma Unidade de Acolhimento......................................................................................

98

FIGURA 4 Modelo de Pastas que devem estar no prontuário de cada criança 104

FIGURA 5 Exemplo de um Genograma...................................................................

109

FIGURA 6 Exemplo de um Ecomapa.......................................................................

110

FIGURA 7 Fluxo do Acompanhamento Familiar................................................ 118

FIGURA 8 Metodologia de trabalho com as famílias........................................ 126

FIGURA 9 Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos ........................................................................................

129

FIGURA 10 Objetivos PAEFI .............................................................................. 130

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELAS

TABELA 1 Normativas que orientam o serviço prestado pelas entidades de acolhimento.....................................................................................

58

TABELA 2 Obrigações ECA e princípios Orientações Técnicas..................... 59

TABELA 3 Acompanhamento do caso............................................................. 114

GRÁFICOS

GRÁFICO 1 Cenário Nacional, Estadual e Municipal pela faixa etária por %..... 74

GRÁFICO 2 Motivo do abrigamento em Belo Horizonte, Minas Gerais e Brasil. Dados em %.....................................................................................

77

GRÁFICO 3 Comparativo tempo de abrigamento em %, cenário Municipal, Estadual e Nacional.........................................................................

83

GRÁFICO 4 Tempo de Abrigamento em % Belo Horizonte 2011..................... 84

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CIT Comissão Intergestores Tripartite

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CMAS Conselho Municipal de Assistência Social

CMDCA Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CN Casa Novella

CONANDA Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente

CONGEMAS Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social

CRAS Centros de Referência da Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social

CV Central de Vagas

DNCr Departamento Nacional da Criança

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM Fundações Estaduais de Bem Estar do Menor

FJP Fundação João Pinheiro

FMDCA Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

FNAS Fundo Nacional de Assistência Social

FONSEAS Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social

Fórum DCA Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

FUNABEM Fundação Nacional do Bem Estar do Menor

ILP Instituições de Longa Permanência

LA Liberdade Assistida

LBV Legião Brasileira da Boa Vontade

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome

MP Ministério Público

NOB/SUAS Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social

NOB/RH SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único

de Assistência Social

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OIT Organização Internacional do Trabalho

ONG Organizações Não Governamentais

PAIF Programa de Ação integral à Família

PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e

Indivíduos

PECFC Plano Estadual de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de

Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

PIAP Plano Individual de Atendimento da Criança/ Adolescente e Família

PMCFC/BH Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de

Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária/ Belo

Horizonte

PNAS Política Nacional de Assistência Social

PNBM Política Nacional do Bem Estar do Menor

PNCFC Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de

Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

PPP Projeto Político Pedagógico

PSB Proteção Social Básica

PSC Prestação de Serviços à Comunidade

PSE Proteção Social Especial

SAM Serviço de Assistência ao Menor

SEDESE Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social

SGD/CA Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente

SMAAS Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SINIBREF Sindicato das Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas de

Minas Gerais

SINTIBREF Sindicato dos Empregados em Instituições Beneficientes, Religiosas e

Filantrópicas de Minas Gerais

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UNICEF Fundo das Nações Unidas para Infância

VIJ Vara da Infância e Juventude

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................... 12

1. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: O (IN)VISÍVEL DAS PAREDES INSTITUCIONAIS

14

INTRODUÇÃO..................................................................................... . 14

1.1 A Institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil: Da colônia à Constituição Federal de 1988.......................................................................................................

15

1.2 Da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral...................................................................................................

22

1.3 A Constituição Cidadã, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as novas normativas ..................................................................................

22

1.4 A Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social .................................................................................

26

1.5 Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes: parâmetros para uma gestão eficaz.............

31

1.6 Lei 12.010/2009 e as alterações propostas no ECA............................. 33

1.7 O Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes......... 35

1.8 A família contemporânea no contexto da medida protetiva .................. 36

1.9 Gestão Social: compreendendo um novo jeito de coordenar um serviço público.......................................................................................

41

1.10 Gestão Social, um fazer em construção................................................ 41

1.11 A Gestão Social para acolhimento institucional questões e desafios.... 45

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................... 50

2. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UM QUESTIONAMENTO A PARTIR DE PESQUISAS REALIZADAS NO BRASIL, EM MINAS GERAIS E EM BELO HORIZONTE...............................................................................

53

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 53

2.1 Os documentos analisados e os procedimentos metodológicos........... 54

2.2 A gestão das entidades de entidades de acolhimento

institucional............................................................................................

58

2.2.1 Onde estão, quem são e como se organizam............................. 58

2.2.2 A gestão financeira das entidades............................................... 65

2.2.3 Quem são os trabalhadores que operacionalizam a medida

protetiva.................................................................................................

67

2.2.4 A estrutura física das entidades ................................................ 71

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2.3 Como as crianças e os adolescentes chegam as instituições............... 72

2.4 Quem são os acolhidos: quantidade, faixa etária, gênero .................... 74

2.5 Documentação dos acolhidos................................................................ 76

2.6 Quais os motivos do abrigamento......................................................... 77

2.7 O trabalho social com as famílias das crianças e adolescentes

acolhidos................................................................................................

80

2.8 Tempo de acolhimento institucional...................................................... 82

2.9 Atividades externas e rede de serviços................................................. 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 89

3 - O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO POSSIBILIDADE CONCRETA DE INTERVENÇÃO NO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES....................

91

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 91

3.1 A pesquisa: análise de dados sobre as entidades de acolhimento

institucional ..........................................................................................

92

3.2 O reordenamento institucional: a proteção integral em

movimento.............................................................................................

94

3.3 O Projeto Político Pedagógico como instrumento da gestão social

das entidades ......................................................................................

97

3.4 Agenda de compromissos institucionais: uma forma simples de estar

em dia com as obrigações inerentes a entidade....................................

100

3.5 Prontuário das crianças e adolescentes: registros feitos de forma

qualificada ...........................................................................................

103

3.6 Fluxo do Acompanhamento Familiar .................................................... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................... 137

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INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), na sequência da grande mudança

introduzida pela Constituição Federal de 1988, reafirmou as crianças e adolescentes

como sujeitos de direitos, que devem ser protegidos pelo Estado, pela família e pela

sociedade.

A presente pesquisa propõe-se a fazer um estudo sobre a institucionalização de crianças

e adolescentes no Brasil, compreendendo a mudança do paradigma da Doutrina da

Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral, com vistas a construir uma

fundamentação para a análise crítica da situação contemporânea das instituições e

práticas de acolhimento institucional.

Posteriormente pretende-se debruçar sobre as pesquisas existentes. A escolha pela

análise de dados secundários justifica-se, em primeiro lugar, pela amplitude da realidade

envolvida. Em segundo lugar, pelo fato de que as referidas pesquisas engrossam o

conjunto de esforços que vêm sendo desenvolvidos para a construção, integração e

articulação da rede de serviços voltados para a criança e o adolescente em Minas Gerais

e no município de Belo Horizonte. Pode-se dizer, sem risco de exagero, que retratam

momentos significantes dessa história. Portanto, é legítimo e lógico trabalhar com os

dados já existentes, buscando alinhavar, fundamentar e sistematizar contribuições

próprias da presente análise.

Ao analisarmos os dados iremos correlacionar os mesmos com as normativas atuais que

regulam o serviço, sendo elas: Plano Nacional de Promoção Proteção e Defesa do

Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2009);

Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes

(2009); Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009); Plano Estadual de

Promoção, Promoção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência

Familiar e Comunitária (2009); Lei 2.010/2009 e o Plano Municipal de Promoção,

Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e

Comunitária (2012).

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Por último, teceremos sugestões para o aprimoramento da gestão social das entidades

com vistas a garantir a qualidade do atendimento bem como o direito à convivência

familiar de crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial, conforme estabelece o

Art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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1 – ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: O

(IN)VISÍVEL DAS PAREDES INSTITUCIONAIS

INTRODUÇÃO

O objetivo deste capítulo é fazer uma revisão bibliográfica sobre a institucionalização de

crianças e adolescentes no Brasil, compreendendo a mudança do paradigma da Doutrina

da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral, com vistas a construir uma

fundamentação para a análise crítica da situação contemporânea das instituições e

práticas de acolhimento institucional.

Compreender e penetrar no universo do acolhimento institucional de crianças e

adolescentes é um desafio que envolve diversos profissionais de múltiplas áreas. Pensar

a mudança transcorrida ao longo de toda a história nas instituições é penetrar num

universo, supostamente conhecido por diversas pesquisas, mas que ainda tem muito a

desvendar. Assim como as paredes de um lar, as “paredes institucionais” ainda possuem

dificuldades para se abrirem para o mundo, sejam pelas suas fragilidades,

potencialidades, ou até mesmo pelo desconhecido de quem são que permeia a sua

identidade.

Como proposta, pretende-se compreender o papel da institucionalização em no país,

traçando um paralelo entre passado e presente com todas as nuances envolvidas no

acolhimento de crianças e adolescentes.

As perguntas que norteiam este estudo são: Como se dá, hoje, o processo de

acolhimento de crianças e adolescentes afastados de suas famílias? E como o

conhecimento da história da institucionalização no país pode embasar a presente análise

respondendo a perguntas como: ao longo da história, que instituições acolheram

crianças/adolescentes? Quem foi e quem são as crianças/adolescentes acolhidas e suas

famílias? Como eram as práticas de institucionalização, para que fins serviam, e como,

hoje, são propostas e orientadas?

Em 2009, o Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome (MDS) aprovou

o documento “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e

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Adolescentes”, com a finalidade de promover uma adequação das instituições

responsáveis pelo acolhimento, estabelecendo normas sobre como devem ser

organizadas e que tipo de serviços devem oferecer. O presente trabalho questiona como

essas instituições estão conseguindo – ou mesmo resistindo – a essa adequação.

Penetrar neste universo e dar vida a esta conjuntura desencadeada pelo chamado

reordenamento institucional é colocar em movimento histórias de crianças e

adolescentes, que por muito tempo foram procrastinadas para um momento que não se

pode mais adiar.

No Brasil, o campo da história social da criança e do adolescente começou a ser mais

investigado a partir das duas últimas décadas do século XX, embora algumas obras

pioneiras sejam dignas de nota. As pesquisas, pródigas em detalhes, aprofundam-se em

aspectos diferenciados. De forma que a história se apresenta rica, mas fragmentada. É

através desses fragmentos que podemos recolher e compreender, para os fins do

presente trabalho, a história da institucionalização das crianças e adolescentes no país.

Mesmo assim, o que se procura provar pode ser plenamente constatado: a lenta, sofrida

e muitas vezes contraditória construção de um paradigma dos direitos da criança e do

adolescente que possa ter efeitos reais para aqueles que, tendo sido afastados de suas

famílias de origem, por diversas razões, precisam da proteção do Estado e da sociedade,

mantendo a sua condição de sujeitos de direitos e pessoas em desenvolvimento. Este é

o olhar que guia a presente análise.

1.1 - A Institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil: Da colônia à

Constituição Federal de 1988

Em toda a história do Brasil, desde a Colônia, as crianças pobres, ou de grupos ou

classes exploradas, sofriam na carne e na mente as vicissitudes de sua condição social,

sem qualquer consideração para com a existência de fases do desenvolvimento humano

como a infância e a adolescência. Assim, o que sabemos da história da criança e do

adolescente na Colônia brasileira é que desde uma idade muito precoce já eram

inseridos no trabalho infantil, no trabalho escravo, sujeitos à violência de patrões,

senhores e adultos em geral.

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No que se refere à institucionalização, essa história tem raízes na Colônia e se mostra

atrelada à pobreza e a todas as mazelas da questão social, sendo fortemente marcada,

também, pelo que se pode chamar de defesa da moral e dos bons costumes.

No Brasil Colônia registra-se a inexistência de preocupação com o bem estar de crianças

e adolescentes. Ao contrário, muitos eram entregues às condições mais duras de vida e

sobrevivência, submetidos à escravidão e à exploração, incluindo a exposição a práticas

de abuso físico e sexual (RAMOS, 2006). Entretanto, datam desta época as primeiras

medidas para a institucionalização de crianças e adolescentes considerados

“abandonados”, no Brasil.

Conforme Venâncio (1999), as leis portuguesas já definiam o hospital e o Senado da

Câmara como as instituições que deveriam acolher meninos e meninas “abandonados”

na Colônia. Este tipo de “assistência” foi prestado pelas Câmaras desde 1694, no Rio de

Janeiro, e em 1699 em Salvador. Inicialmente, a assistência acontecia através de

famílias criadeiras, mas foi desativada devido ao alto custo do sistema. As Câmaras

passaram, então, a enviar os recursos recebidos dos benfeitores às Santas Casas de

Misericórdia, para que administrassem o atendimento aos “enjeitados”. Dessa maneira,

surgiram as Rodas ou Casas dos Expostos. Em 1726, as Santas Casas iniciaram a

assistência à infância em Salvador e, em 1738, no Rio de Janeiro.

A Roda dos Expostos era considerada uma instituição de proteção à criança e estava

associada às Santas Casas de Misericórdias, instituições ligadas à Igreja Católica e que

imprimiam um cunho de caridade cristã ao ato de receber crianças na roda, para evitar

abortos e infanticídios. Após serem “depositadas”, as crianças iam para os Asilos dos

Expostos, ou Casa dos Expostos, mantidas pelas Santas Casas. Chama a atenção o

nome Asylo dos Expostos, por considerarem que tais crianças estavam expostas por

suas famílias e deveriam ser recolhidas pelo Estado, disponíveis para serem vistas como

objetos em um museu público.

Entre 1815 e 1889 várias leis relativas aos expostos foram promulgadas, com a

finalidade de angariar rendas para as instituições, prever assistência e a liberdade para

expostos negros e a obrigatoriedade da vacinação. As leis bem como os textos escritos

pelos dirigentes das Casas expressavam a visão hegemônica sobre as crianças e suas

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famílias. Falavam nos filhos da imoralidade e da falta de amor das mães. A classe

médica comungava dessa opinião, mas lembrava também a carência material como

uma das causas do enjeitamento.

A ineficácia e desumanidade desse sistema fica clara quando nos deparamos com as

taxas médias de mortalidade nas Rodas: entre os anos de 1758 e de 1870, em Salvador,

chegou a 645 por 1.000. Os sobreviventes enfrentavam, em sua maioria, destinos duros

como a escravidão, a exploração no trabalho ou em outros ofícios, como os militares e

outros.

É a partir do século XIX que as iniciativas de criação de um sistema de

institucionalização ligadas ao poder público tornavam-se mais consistentes. De uma

maneira lenta e conflituosa, assistimos à passagem de um paradigma da criança e

adolescente em situação irregular ao paradigma de proteção integral e cidadania da

criança e do adolescente.

O quadro abaixo, elaborado por Perez e Passone (2010), resume essa história para o

período de 1889-1985. A partir dele será feita uma análise e apontados os momentos

fundamentais para a nossa reflexão.

QUADRO 1 – Contextualização Histórica do Atendimento à Infância no Brasil

Fonte: PEREZ, José; PASSONE, Eric (2010)

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De acordo com Perez e Passone (2010), no período de 1889 a 1930, a infância é vista

como objeto de controle do Estado e da estratégia médica-jurídica-assistencial. Nesse

sentido, os principais ordenamentos legais foram o Código Criminal do Império (1830), a

Lei do Ventre Livre (1871), O Código Penal da República (1890), e o Código de Menores

(1927). Neste texto, percebem-se os principais fatores que influenciaram a história da

institucionalização das crianças e adolescentes no país.

Todos estes ordenamentos baseavam-se no chamado paradigma da situação irregular.

Ou seja, em todos eles persistem o estereótipo da criança pobre como “perigosa” e da

família pobre como incapaz de cuidar de seus filhos; a medicalização e judicialização do

discurso sobre a infância pobre, com forte tendência para a sua institucionalização; e a

cultura asilar correcional, que muitas vezes misturava em uma mesma instituição

crianças e adolescentes em situação de abandono e aqueles que haviam cometido atos

infracionais (RIZZINI, 2009, p.48).

É importante ressaltar que, nesta situação de estigmatização das crianças pobres e

havidas fora do casamento, as crianças negras enfrentavam ainda a questão da

escravidão ou dos resquícios desta.

Por exemplo, na assim chamada Lei do Ventre Livre, promulgada em 1871, os senhores

de escravos não precisavam alimentar as crianças uma vez que estas pretensamente

nasciam “livres”. Se os senhores resolvessem alimentá-las (como de fato se tornaria

interessante para eles), elas deveriam, após os sete anos de idade e até os 21 anos,

trabalhar para esses senhores, com o argumento de que precisavam pagar pelo seu

sustento, antes de poder deixar as propriedades. A Lei ainda permitia, desde que fosse

do interesse do senhor, que a criança fosse entregue às Rodas, ou seja, ao Estado, que

então deveria pagar uma indenização ao Senhor. A institucionalização servia para

subjugar famílias e crianças que não se enquadrassem dentro da moral estabelecida.

Institucionalizar era a solução encontrada para “proteger” as estruturas de poder de uma

sociedade marcada pela desigualdade e exclusão. Perceptível que a própria legislação

faz nascer o abandono das crianças e a reclusão em instituições. Com isto o país

marcava um cenário de exclusão, afastamento e principalmente da estigmatização da

família pobre.

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Preocupados com a dimensão que a situação tomava no país, médicos e juristas

cobravam dos governantes alguma ação.

A resposta dada pelos governantes enquadra-se em dois cenários: um para crianças

expostas e enjeitadas e outro para adolescentes “deliquentes”. Para ambos a

institucionalização e o afastamento da sociedade. Abandonados ou frutos ilegais,

pervertidos ou agitadores, eram a escória que deveria ser enclausurada para não ser

vista.

Não se pode deixar de retratar a importância, no século XIX, dos médicos higienistas,

que clamavam, sob a influência europeia, pela extinção das Rodas dos Expostos com a

constatação dos índices de mortalidade dentro destas instituições. Os juristas, tendo o

Dr. Lemos Britto como o expoente, também aderiram a este desejo e apontavam para a

necessidade de normativas capazes de proteger a criança abandonada (MARCILIO,

2003, p.68). No campo higienista, o Dr. Moncorvo Filho aparece como o grande defensor

destas ideias e um dos fundadores do então Instituto de Proteção e Assistência à

Infância, no Rio de Janeiro em 1901.

É neste cenário que surge, em 1927, o primeiro Código de Menores, incorporando a

visão higienista. O Código trouxe com ele a extinção legal das Rodas, mas relatos

existem (MARCILIO, 2006; RIZZINI, 2009) que apenas em 1950 é que foi extinta a última

Roda.

O Código de Menores de 1927 continuava rotulando crianças e adolescentes,

principalmente as pobres, e ainda perpetuava o isolamento e confinamento destes

indivíduos em grandes asilos ou internatos. A figura dos juízes tinha um caráter

eminentemente fiscalizador e repressivo. Crianças e adolescentes pobres era um

problema de polícia e de manutenção da ordem. Muitas crianças eram retiradas das

famílias sem explicações, sendo suas famílias vistas como incapazes, inadequadas e

desestruturadas. Ou seja, já se anunciava a “doutrina da situação irregular”, sendo que a

regularidade seria o equivalente a uma normalidade idealizada.

Na ditadura militar de Vargas, foi adotada uma postura mais rígida em relação aos

chamados órfãos e abandonados. Não era permitido que transitassem sozinhos, sob o

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risco de serem institucionalizados. A prática de internação ganha uma dimensão

assustadora e uma quantidade imensa de crianças e adolescentes, chamados então de

“menores”, é levada a grandes instituições e afastada de suas famílias. Em 1940, foi

criado o Departamento Nacional da Criança (DNCr), responsável por toda a organização

dos serviços assistenciais para crianças e adolescentes e, em 1941, o Serviço de

Assistência ao Menor (SAM). Autores (LUPPI, 1987; FREITAS, 2003; ARANTES, 2009;

MARCILIO 2009; RIZZINI, 2009) apontam o caráter nocivo do SAM, chamado “escola do

crime”. Rizzini (2009, p. 266) afirma que este órgão tinha uma estrutura ameaçadora,

muito distante de um cenário de proteção e cuidados. A fase da infância se tornava

morta nestes lugares. Em 1942, o DNCr e o SAM se associam à Legião Brasileira da

Boa Vontade (LBV), criada em 1942.

Desta forma na Doutrina da Situação Irregular, adolescentes que cometiam suposto ato

infracional eram encaminhados a casas de correção e reformatórios nos moldes do SAM

e o menor carente ou abandonado era encaminhado a patronatos agrícolas ou escolas

de ofícios. A falta de clareza sobre qual criança/adolescente deveria ir para uma ou outra

instituição demonstra que, apesar de ser instituído para adolescentes infratores, aqueles

considerados abandonados, também poderiam ser colocados ali. Alguns dos chamados

infratores eram apreendidos à força e aqueles considerados desvalidos eram internados,

em vários casos (RIZZINI, 2004) por solicitação da própria família. As escolas de ofício

eram procuradas de forma intensa por familiares que, para além da inflamada educação

profissional, queriam um lugar para que seus filhos pudessem se alimentar de forma

satisfatória. A internação era mais cômoda para o Estado do que a implantação de

políticas públicas, o que levou a uma procura imensa pelos grandes patronatos e escolas

de ofícios.

Em 1964, o Brasil entra em nova era de Ditadura Militar. O SAM foi extinto para dar lugar

à Política Nacional do Bem Estar do Menor (PNBM), tendo como executora a Fundação

Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM), criada em 1964. Conforme Luppi (1987),

na pesquisa realizada nos documentos da FUNABEM, esta surge com o objetivo de

pesquisar métodos, testar soluções, estudar técnicas que conduzam à elaboração

científica dos princípios que devem presidir toda ação que vise à reintegração desses

menores na sociedade. No conteúdo da lei que cria a FUNABEM, a internação deveria

ser a última ação. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário. O modelo de internato

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foi novamente fortalecido, priorizando-se o afastamento da família. A FUNABEM, que

havia substituído o SAM (destinado ao atendimento de adolescentes autores de ato

infracional) passou a receber tanto infratores quanto os chamados abandonados ou

negligenciados.

A FUNABEM representava a instância nacional, sendo que nos estados foram criadas as

Fundações Estaduais de Bem Estar do Menor (FEBEMs). Passou-se a utiliza-se da

pratica de convênios com entidades privadas para a execução do serviço e os

pagamentos eram calculados por per capita, espalhando-se por todo território nacional.

Em 10/12/1979 é promulgado um novo Código de Menores, pela Lei 6.697, adotando-se

oficialmente a doutrina da chamada situação irregular. A situação irregular é considerada

quando não existir meios de subsistência, saúde, educação, omissão dos pais, vítimas

de maus tratos, exploração e desvio de conduta. Neste período, o Estado assume a

tutela de crianças cuja família é considerada “incapaz”.

A internação continuava a ser incentivada e vista como a única saída para a situação

irregular que o menor se encontrava. Apesar de surgir com a intenção de romper com a

prática repressiva, a FUNABEM e suas congêneres não conseguiam se distanciar de

suas raízes e continuam trabalhando na lógica da repressão e do controle social. Como

as internações em escala acabavam por fragilizar ainda mais as famílias destas crianças

e adolescentes a prática ocorrida era muito distante do proposto na legislação que criará

a FUNABEM.

A década de 80, após a ditadura, inicia-se com um grave cenário de miséria e

desigualdade social. Dourado e Fernandez (1999) consideram que nesta época 48,5%

da população tinha idade inferior a 19 anos, os índices de mortalidade eram altíssimos e

a problemática ligada à falta de saneamento e educação básica levava a uma péssima

qualidade de vida. As ruas ficavam cheias de crianças e adolescentes e as denúncias

das FEBEMs repercutiam em todo o país.

No período em que diversas entidades da sociedade civil se organizavam e proliferavam,

as chamadas ONGs, Organizações Não Governamentais movimentavam-se e foi criado

o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). A mobilização

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se fez presente em todo o país. O movimento chegou ao Congresso Nacional no

momento em que o país se preparava para uma nova Constituição.

1.2 - Da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral

O surgimento da Constituição Federal de 1988 provoca o aparecimento, em 1990, do

Estatuto da Criança e do Adolescente que, ao regulamentar dispositivos constitucionais,

aborda em seus artigos três pontos principais referentes a estes indivíduos: sujeitos de

direitos, pessoas em condição de desenvolvimento e com absoluta prioridade. Para

além, convoca não apenas o Estado e a família para se responsabilizarem, mas toda a

sociedade civil. Momento histórico ao apontar-se que a discussão sai do âmbito privado

e alcança a esfera pública, em especial, a agenda política.

Uma nova doutrina surge com a intenção clara de promover a cidadania e a proteção. A

Doutrina da Proteção Integral surge com grande influência de órgãos internacionais

como o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e pela Organização

Internacional do Trabalho (OIT). Pode-se citar as Regras de Beijing para Administração

da Justiça da Infância e da Juventude (1985), Convenção das Nações Unidas sobre os

Direitos da Criança (1989), Regras das Nacões Unidas para a Proteção de Jovens

Privados de Liberdade (1990) e as Diretrizes de Riad para a Prevenção da Deliquência

Juvenil (1990). Ao se tornar signatário desta Convenção, o Brasil (Decreto nº. 99.710, de

21 de novembro de 1990) entra numa nova fase e no momento propício para que a

criança e o adolescente saiam da condição de segunda classe para tomar acento na

primeira classe, podemos assim dizer.

Claro está que a ruptura com o passado não segue a mesma cronologia temporal das

novas legislações. A Doutrina da Situação Irregular, fundamentada no Código de

Menores, formou raízes profundas que precisam ser retiradas cuidadosamente para dar

lugar à nova Doutrina. As raízes agora não se fundam no poder autoritário e único, mas

numa relação em rede de garantias, na perspectiva do Estado Democrático de Direito,

com novas instâncias no cenário pautadas na descentralização, participação,

mobilização social, municipalização e intersetorialidade. Algumas instâncias novas são

Conselho Tutelar, Conselho dos Direitos, as Conferências Municipais, formação dos

fóruns e dentre outras Instâncias necessárias para promoverem o Reordenamento

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Institucional e na prática diária transformarem a realidade. Este novo trabalho em redes

pressupõem a interdisciplinaridade, compreendido aqui como o entrelaçamento de

saberes de diversas ciências. Para Nogueira (2008) a interdisciplinaridade é uma forma

de construção do pensamento sistêmico. Ao considerar os pressupostos da abordagem

sistêmica interdisciplinar, Nogueira (2008, p. 79) aponta para a crítica as formas

convencionais do conhecimento que enfrentam os problemas de forma parcial e

segmentada, a incorporação da complexidade dos conhecimentos científicos com os

saberes populares e a primazia das indagações de natureza ética. Claro está que o autor

não desconsidera a abordagem tradicional, mas aponta para uma abordagem mais

dinâmica e articulada, também com suas fragilidades e críticas, para enfrentar tantos

fenômenos como deliquência, abandono, exploração, sofrimentos mentais e outros.

Para concatenar toda a discussão do trabalho em rede importa considerar a

promulgação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como sistema onde se

situa toda a discussão do Acolhimento Institucional de crianças e adolescentes e,

principalmente, a instituição dos parâmetros instituídos pelo Sistema de Garantia dos

Direitos da Criança e do Adolescente (SGD/CA) constante na Resolução n° 113/2006. O

esforço agora é atender direitos, ou melhor, garanti-los, na contramão do atendimento

das necessidades como então era feito.

1.3 – A Constituição Cidadã, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as novas normativas

Surge a Constituição de 1988, chamada por todos como a Constituição cidadã por ser

considerada uma lei que defende uma concepção de cidadania e direitos humanos.

Conforme o seu Artigo 227, crianças e adolescentes passam a ser prioridade absoluta na

formulação de políticas públicas e devem ser tratados como sujeito de direitos e em fase

de desenvolvimento. Todas as ações das esferas federal, estadual e municipal devem

pautar-se neste princípio.

No quadro abaixo, Perez e Passone (2010) sintetizam o período de redemocratização e

uma série de normativas sobre a infância e a adolescência surgem à luz da Constituição.

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QUADRO 2 – Contextualização histórica do atendimento à infância e adolescência

no Brasil 1985/2006

Períodos Principais normatizações e legislações Principais

características

Redemocratização

e

Estatuto da

Criança

e do Adolescente

(1985 – 2006)

• Constituição da República Federativa do Brasil (1988)

• Adoção da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças (Decreto

Legislativo n. 28 de 1990)

• Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 1990)

• Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.242 de

1991)

• Lei Orgânica da Saúde

• Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742 de 1993)

• Criação do Ministério da Previdência e Assistência Social (Medida Provisória

n. 813 de 1995)

• Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394 de 1996)

• Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Portaria n. 458 de 2001)

• Criação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (Lei n. 10.683 de

2003)

• Criação do Programa Bolsa-Família (Lei n. 10.683 de 2003)

• Substituição do Ministério da Previdência e Assistência Social pelo Ministério

de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Lei n. 10.869 de 2004)

• Política Nacional de Assistência Social (Resolução CNAS n. 145 de 2004)

• Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social

(Resolução CNAS n. 130 de 2005)

• Lei Orgânica de Segurança Alimentar (Lei n. 11.246 de 2006)

• Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (Resolução n. 1 de

2006/Conanda)

• Novo padrão político,

jurídico e social;

• Institucionalização da

infância e da

adolescência como

sujeito de direitos

•Descentralização,

municipalização,

controle e participação

social

Fonte: PEREZ, José; PASSONE, Eric (2010)

De acordo com Perez e Passone (2010), no período de 1985 a 2006, crianças e

adolescentes ganham o reconhecimento como sujeitos de direitos. Para o foco deste

estudo, que é a história da institucionalização, os principais ordenamentos legais foram a

Constituição Federal (1988), a adesão à Convenção Internacional dos Direitos das

Crianças (Decreto Legislativo nº 28 de 1990), o Estatuto da Criança e do Adolescente

(1990) e o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006).

A nova legislação tinha que se distanciar da sua herança passada carregada de

repressão e cunho policial. A nova normativa deveria ter um caráter protetivo e integral. É

neste contexto que surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), oficializando

uma nova Doutrina. Passamos da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da

Proteção Integral. Com o surgimento do ECA, o Código de Menores de 1979 é revogado.

Pautada na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, o ECA passa a

conter o que a de mais inovador no mundo no que se refere à cidadania da criança e do

adolescente.

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Conforme Passetti (2006, p. 371) não basta ter uma lei moderna, mas torna-se

necessário que esta lei seja legitimada socialmente. É preciso sair da perspectiva

criminal para angariar de fato um caráter educativo, voltado para a cidadania como a

normativa estabelece. Com certeza o maior desafio trazido pelo ECA é considerar

crianças e adolescentes como sujeitos individuais com direitos, e claro, deveres,

respeitando a sua fase de desenvolvimento.

A criação do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)

em 1991 pela Lei 8.242, e seus congêneres estaduais e municipais criam uma nova

lógica na discussão e fomento da política. Considerados espaços de controle social,

estes órgãos são paritários, contemplando sociedade civil e governo e possuem o intuito

de trazer um novo fazer e um novo olhar para aqueles que passam a ser prioridade

absoluta. Claro que se faz necessário apreender o papel destes novos atores no cenário

nacional, compreendendo que o exercício da democracia não é algo tão fácil quanto

aparenta.

No caso específico do CONANDA, ele é deliberativo, portanto órgão de decisão, com

autoridade para intervir e propor ações. Geralmente estes Conselhos se organizam

através de um regimento interno com plenária e comissões temáticas. Neste espaço

acontece o controle social, que é o acompanhamento da sociedade civil nas decisões

públicas. Um grande desafio colocado para os atores envolvidos nos conselhos é a

representatividade e a articulação. Um bom Conselho, que consequentemente fomentará

boas políticas públicas é aquele onde existe um equilíbrio técnico na representatividade,

ou seja, sociedade civil e governo debatem num mesmo nível técnico. Infelizmente às

vezes, alguns Conselhos passam a ser mais um equipamento do executivo, perdendo o

seu caráter propositivo.

Em uma pesquisa realizada em 2010, pelo professor Leonardo Avritzer da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG), “Democracia, desigualdade e políticas públicas no

Brasil”, onde dentre outras capitais estava Belo Horizonte, foi apontado que:

[...] existia uma relação clara entre o desempenho da política voltada para a criança e o adolescente e a qualidade do conselho, medida pelo seu grau e institucionalização, democratização interna e capacidade deliberativa. (MENICUCCI, 2010, p.210).

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Importa, para estes Conselhos, serem capazes de responder suas demandas, que a

representatividade não seja apenas numérica e sim em condições de provocar um

debate democrático e que as deliberações sejam voltadas para a prioridade absoluta

estabelecida pelas normativas.

Surge no cenário os Conselhos Tutelares com a função de “zelar pelo cumprimento dos

direitos da criança e do adolescente”, conforme estabelece o Artigo 131 do ECA. Dentre

suas atribuições podem ser citadas: requisitar serviços públicos em diversas políticas

setoriais, encaminhar ao Ministério Público situações de violação de direitos, encaminhar

os casos pertinentes ao judiciário, assessorar o executivo na elaboração da proposta

orçamentária. Com certeza um desafio que se faz presente e que exige deste

profissional uma formação continuada e uma assessoria permanente por parte do

Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) local, para

cumprir com propriedade suas funções.

Com o intuito de garantir os princípios da normativa surgem outras Leis, como por

exemplo, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, que prioriza também a

criança e adolescentes nas ações da Assistência Social. A partir do seu surgimento a

Assistência Social toma visibilidade enquanto política pública, inserida dentro do tripé da

Seguridade, conjuntamente com outras políticas setoriais, Educação e Previdência

Social. Desta forma é afirmado o caráter de direito do usuário independente da sua

contribuição à seguridade e reforçado o caráter de proteção social trazido pela própria

Doutrina da Proteção Especial.

Para isto a promulgação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) vem

concretizar direitos e estabelecer processos metodológicos para a implantação da

Assistência Social enquanto política pública.

1.4 – A Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social

Com o intuito de materializar as diretrizes previstas na LOAS é promulgada, em 2004, a

Política Nacional de Assistência Social (PNAS) que passa a ser operacionalizada pelo

Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em 2005. O SUAS é o sistema de gestão

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da Assistência Social para todo o território nacional. Sistema público, não-contributivo,

descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da

Assistência Social no campo da proteção social brasileira. Constitui-se na regulação e

organização em todo território nacional das ações socioassistenciais. Define e organiza

os elementos essenciais e imprescindíveis à execução da política de assistência social

possibilitando a normatização dos padrões nos serviços, qualidade no atendimento,

indicadores de avaliação e resultado, nomenclatura dos serviços e da rede

socioassistencial e, ainda, os eixos estruturantes e de subsistemas conforme:

matricialidade sócio-familiar; descentralização político-administrativa e territorialização;

novas bases para a relação entre Estado e sociedade Civil; financiamento; controle

social; o desafio da participação/cidadão usuário; a política de recursos humanos; a

informação, o monitoramento e a avaliação.

São definidos níveis de complexidade da proteção social no SUAS: Proteção Social

Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE), sendo que está última se divide em

média e alta complexidade. As seguranças básicas desenhadas pelo SUAS são:

proteção em caso de calamidades, acesso à renda, acolhida (na rede de serviços),

desenvolvimento de autonomia familiar e individual e convivência familiar e comunitária.

A Proteção Social Básica tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do

desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos

familiares e comunitários. Prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos

locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e indivíduos, conforme a

situação apresentada. Destaca-se aqui o Programa de Ação integral à Família (PAIF). O

PAIF é entendido como porta de entrada da proteção social básica, aquela atenção

específica de antecipação às situações de risco por meio de desenvolvimento das

potencialidades e aquisições, bem como o fortalecimento de vínculos familiares e

comunitários. É executado dentro dos Centros de Referência da Assistência Social

(CRAS) são equipamentos estatais em territórios de vulnerabilidades e risco social da

Proteção Social Básica.

Já os serviços de Proteção Social Especial consideram os desdobramentos dos serviços

de orientação sócio-familiar, dedicados ao atendimento a indivíduos e às famílias

também, para provimento de benefícios, serviços, programas e projetos, mas com um

grau de complexidade muito maior. São serviços que requerem acompanhamento

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individual, e maior flexibilidade nas soluções protetivas. Têm estreita interface com o

Sistema de Garantia de Direito exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e

compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do

Executivo.

Os serviços da Média Complexidade são os que oferecem atendimentos às famílias e

indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não

foram rompidos. O equipamento público aqui é o Centro de Referência Especializado da

Assistência Social (CREAS). Divide-se nos seguintes serviços: Serviço de proteção e

atendimento especializado a famílias e indivíduos (PAEFI); Serviço de proteção social a

adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e

Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço especializado para pessoas em

situação de rua.

A proteção especial de alta complexidade são aquelas que garantem proteção integral –

moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se

encontram sem referencia e, ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirados de

seu núcleo familiar e, ou, comunitário. São: Serviço de Acolhimento Institucional; Serviço

de Acolhimento em Repúblicas; Serviço de proteção em situações de calamidades

públicas e emergências.

Reforçando as diretrizes da política em 2006 é lançado o Plano Nacional de Promoção,

Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e

Comunitária (PNCFC) pelo CONANDA e Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS). Sua origem está ligada a: Caravana da Comissão de Direitos Humanos da

Câmara dos Deputados sobre os abrigos, Colóquio Técnico sobre Rede Nacional de

Abrigos, CF, ECA, LOAS, PNAS dentre outras. No Colóquio foi constituído o Comitê

Nacional para o Reordenamento de Abrigos. Conforme apontado no PNCFC (BRASIL,

2006ª, p.28) o Comitê surgiu “com objetivo de estimular mudança nas políticas e práticas

de atendimento, efetivando uma transição para o novo paradigma legal – ECA – a

respeito do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária”. O

PNCFC torna-se um marco histórico e um grande passo para a ruptura da

institucionalização, sem critérios e necessidades reais, de crianças e adolescentes.

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As diretrizes constantes no PNCFC (BRASIL, 2006ª, p. 77) são: centralidade da família

nas políticas públicas; primazia da responsabilidade do Estado no fomento de políticas

integradas de apoio à família; reconhecimento das competências da família na sua

organização interna e na superação de suas dificuldades; respeito à diversidade étnico-

cultural, à identidade e orientação sexuais, à equidade de gênero e às particularidades

das condições físicas, sensoriais e mentais; fortalecimento da autonomia da criança, do

adolescente e do jovem adulto na elaboração do seu projeto de vida; garantia dos

princípios de excepcionalidade e provisoriedade dos Programas de Famílias Acolhedoras

e de Acolhimento Institucional de crianças e de adolescentes; reordenamento dos

programas de Acolhimentos Institucional; Adoção centrada no interesse da criança e do

adolescente e controle social das políticas públicas.

Neste sentido é que Vicente (2005, p. 56) afirma que ninguém tem o direito de orfanizar a

criança pobre. Neste novo cenário as famílias não devem ser culpabilizadas pela falta de

cuidados, mas devem ser orientadas para que busquem formas de voltarem a adquirir

seu papel principal diante de seus filhos que é o papel protetor.

Segundo o proposto pelo PNCFC o Estado de Minas Gerais lança o seu Plano Estadual

de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência

Familiar e Comunitária (PECFC) em 2009, após longo debate com diversos atores.

Trabalhando com os mesmos quatros eixos propostos pelo PNCFC o PECFC inova ao

ampliar para o quinto eixo, o eixo da sustentabilidade. Compreendendo que o quesito

financeiro exige um eixo único, pois não é possível pensar em política pública sem

financiamento.

Consoante com a discussão proposta pelo PNCFC no item pertinente ao Reordenamento

das entidades que executam o serviço de acolhimento institucional surge, através da

Resolução Conjunta nº 1, CONANDA/CNAS, o documento: “Orientações Técnicas:

serviços de Acolhimento para crianças e Adolescentes”. Simultaneamente é lançado a

“Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais”, através da Resolução nº 109, de

novembro de 2009. Ao dar corpo à metodologia de execução dos serviços, tais

documentos trazem a dimensão da compreensão de seres dentro de suas

complexidades, considerado que isto só pode ocorrer através de políticas sérias e

efetivas (MACHADO, 2010). Ambos estabelecem parâmetros para os serviços e mudam

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o cenário nacional na medida em que cada serviço, independente de ser público ou

privado, deve seguir tal normativa e iniciar o seu processo de reordenamento

institucional. Não bastam leis avançadas, é preciso que a prática arcaica seja

abandonada e para isto é preciso parâmetros a serem seguidos, pautados na

humanização do serviço.

As instituições totais passam a ser veementemente criticadas por massificarem e

tornarem o sujeito um indivíduo incapaz de se auto fortalecer. Ele vive a imagem do

coletivo e vai, aos poucos, perdendo a sua personalidade para assumir a personalidade

do outro, daquele que detém o poder e dita às regras disciplinares que devem ser

rigorosamente seguidas. Diante disto é preciso que os serviços de acolhimento

institucional (agora com nova nomenclatura) possam minimizar o impacto danoso da

institucionalização, abrirem suas portas deixando para trás a completude para trabalhar

no viés da incompletude que só se tornará completa através da entrada de outros atores

neste novo cenário que se desdobra.

A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais valida os níveis de complexidade

do SUAS trazendo uma matriz padronizada para cada serviço que passa a ter um nome

unificado em todo o país. Reforçando a PNAS, a Tipificação Nacional de Serviços

Socioassistenciais prioriza as seguranças ali estabelecidas. Inaugura-se um período,

onde devam ser priorizados ambientes que possibilitem o efetivo desenvolvimento da

criança onde não haja espaço para ambientes adversos, sem afetos, sem

relacionamentos fortalecedores. Inaugura-se um novo olhar que traz consigo uma ação

provisória e reparadora. Reparadora de histórias, de novas construções, com foco na

autonomia e potencialidades individuais.

Ao reconhecer o direito à convivência familiar e comunitária e 30oloca-lo em prática, o

Estado assume o seu papel intrínseco de garantir um princípio básico para o

desenvolvimento que é se sentir pertencente a um grupo familiar e ter a sua identidade

pessoal e não a identidade de “ filhos do governo” como eram chamados as crianças e

adolescentes retirados de seus lares. Garantir tais direitos vai para além de um ato de

benevolência e recai na lógica do direito maior a sobrevivência. A convivência familiar é

um direito intrínseco para que o ser humano possa crescer e socializar-se. Conforme

Silva (1998, p. 191) a condição que lhes foi subtraída pela Institucionalização não

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pertence à sociedade nem ao Estado; é a condição básica para um homem viver com um

mínimo de dignidade.

1.5 – Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes: parâmetros para uma gestão eficaz.

As Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes

passa a respaldar todo o processo de reordenamento institucional regulamentando a

organização do serviço enquanto um serviço público integrante de uma política

consolidada pelo SUAS. Em seu interior estabelece os princípios orientadores pautados

na excepcionalidade e provisoriedade do afastamento do convívio familiar, na

preservação dos vínculos familiares e comunitários, garantia de acesso e respeito à

diversidade e não discriminação, oferta de atendimento personalizado e individualizado,

garantia de liberdade de crença e religião e por último o respeito à autonomia da criança,

do adolescente e jovem.

Nesta nova lógica os serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes passam a

estar dentro de duas categorias:

Abrigo Institucional é considerado como:

Serviço que oferece acolhimento provisório para crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo (ECA, Art.101), em função de abandono ou cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção. O abrigo deve ter aspecto semelhante ao de uma residência, sem placas indicativas do seu caráter institucional, devendo ser localizado em áreas residenciais, inserido na comunidade do entorno e próximo fisicamente e do ponto de vista sócio-econômico da realidade dos seus atendidos. Seu público alvo é constituído por crianças e adolescentes de 0 a 18 anos sob medida protetiva de abrigo e o número máximo de usuários por equipamento não deve ultrapassar 20 crianças e adolescentes.

A Casa Lar é:

Serviço de Acolhimento provisório oferecido em unidades residenciais, nas quais pelo menos uma pessoa ou casal trabalha como educador/cuidador residente – em uma casa que não é a sua- prestando cuidados a um grupo de Crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo (ECA, Art.101). Deve igualmente ser localizado em áreas residenciais, sem placas indicativas de seu caráter institucional e seguir o padrão sócio-econômico da comunidade na qual esteja inserido. Seu objetivo é propiciar um ambiente próximo de uma rotina familiar, mais flexível e menos institucional, e estimular um vínculo estável entre o educador residente e os atendidos,

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favorecendo o convívio familiar e comunitário dos mesmos. O público alvo é composto por adolescentes de 0 a 18 anos sob medida protetiva de abrigo e o número máximo de usuário por equipamento não deve ultrapassar 10 crianças e adolescentes (BRASIL, 2009ª, p.67-74).

Quanto aos procedimentos metodológicos, os seguintes tópicos são elencados: Estudo

Diagnóstico Prévio e Pós Acolhimento; Plano de Atendimento Individual e Familiar;

Acompanhamento da família de origem; Articulação Intersetorial. O acompanhamento

Pós Acolhimento pode ser visto como uma iniciativa importantíssima da nova legislação,

considerando que, crianças e adolescentes quando retornavam aos seus lares, eram

novamente deixados ali sem um devido acompanhamento, depois de meses

institucionalizados ou até mesmo anos, se via diante de sua família sem uma rede que a

sustentasse nos momentos de fragilidades. Na década de 90 alguns autores (SILVA,

1998; RIZZINI, 2004) já apontavam a fragilidade da desinstitucionalização. Concordando

entre si, estes autores, apontam que o processo de institucionalização prolongado

causam danos a constituição da identidade, reduz a autoestima, dentre outros males. A

falta de preparo na saída da instituição pode acarretar um aumento ou podemos dizer

uma negação de tais sentimentos reais, ocasionando danos à construção psicológica do

sujeito na sua vida adulta.

Com relação a recursos humanos para os serviços, um quadro mínimo deve ser

respeitado pelas entidades e é exatamente este ponto que sustentará o reordenamento.

Não mais apenas voluntários e caridosos nas entidades, mas profissionais capacitados e

com formação continuada para exercerem o seu papel.

A faixa etária, a ser trabalhada pelas entidades, deve ser estabelecida de forma a

ampliar a mesma, dando sempre prioridade para a não separação de grupos de irmãos.

Ponto polêmico este por demandar uma estrutura física e principalmente profissionais

capazes de lidar com várias fases de desenvolvimento. Isto só é possível quando existe

um financiamento capaz de arcar com os custos de um serviço tão peculiar. Sabe-se que

a separação de irmãos leva a rompimentos de vínculos e contraria o pressuposto básico

do direito a convivência familiar. Mas por outro lado, numa demanda crescente de vagas,

como contemplar este direito sem ferir outros, ou seja, que meninos ou meninas maiores

convivam de forma saudável dentro de um mesmo espaço com crianças em tenra idade.

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Dois instrumentos importantes trazidos pelas Orientações Técnicas são fundamentais

para a nossa discussão nos próximos capítulos: o Plano Individual de Atendimento da

Criança/ Adolescente e Família (PIA) e o Projeto Político Pedagógico (PPP). O primeiro

deve conter objetivos, ações e estratégias de trabalho com as crianças/ adolescentes e

suas famílias e o segundo funciona como um plano de governo da entidade e direciona a

forma como deve ser conduzido as ações, respeitando a normativa, mas compreendendo

também as particularidades daquela entidade principalmente se for de cunho privado.

Tais documentos, quando bem elaborados fortalecem o papel da entidade de ser uma

local que favoreça o cuidado e a proteção. Compreendemos assim como Machado

(2011, p.160) que a entidade de acolhimento não deve ser concebida como um espaço

de exclusão, mas sim como espaço que proporcione o desenvolvimento de crianças e

adolescentes que ali permanecem, independentemente do tempo de duração da medida.

1.6 – A Lei 12.010/2009 e as alterações propostas no ECA

Em agosto de 2009, é promulgada a Lei 12.010/2009, alterando dispositivos do ECA, do

Código Civil e da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), além de incluir novos

dispositivos referentes a adoção. Popularmente conhecida como Nova Lei de Adoção, na

verdade ela é uma Lei da Convivência Familiar e vem dar respaldo legal para as

diretrizes trazidas pelas Orientações Técnicas, aperfeiçoando toda a sistemática com

vistas à garantia do direito à convivência familiar. Buscando assegurar a promoção social

da família de origem das crianças e adolescentes, a lei é taxativa em afirmar o

encaminhamento à família substituta apenas quando esgotada todas as possibilidades

de reintegração.

Com a alteração do ECA a partir da Lei 12.010/2009 questões que não eram claras e

não tinham prazos estipulados como por exemplo a entrega de relatórios

circunstanciados e o tempo máximo de permanência passam a fazer parte da nova

normativa. O Artigo 19, em seus parágrafos 1º e 2º, retrata isto ao apontar que a

situação da criança inserida em acolhimento, deva ser revista a cada seis meses, não

podendo permanecer mais de dois anos na instituição.

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Apesar de ser conhecida como Nova Lei De Adoção, seu dispositivo legal vem fazer uma

ruptura definitiva com a Doutrina da Situação Irregular consolidando a Doutrina da

Proteção Integral e trazendo legalmente a discussão do direito a convivência familiar e

comunitária.

Uma alteração significativa e relevante para o nosso estudo é a modificação do Inciso I

do Artigo 92 acrescentando que as entidades devem ter como princípio a promoção da

reintegração familiar exigindo que tais entidades criem estratégias de acompanhamento

familiar que propiciem a reintegração. Significativa esta alteração, pois muda o foco da

entidade que apenas acolhe para aquela que vai para além, necessitando de ter equipe

técnica capaz de trabalhar a família. Aponta também para um forte trabalho intersetorial,

tendo em vista que não é possível a entidade sozinha realizar tal ação. Um olhar para a

gestão das entidades se torna presente pela primeira vez, de forma intensa, numa

legislação.

A lei 12.010/09 surgiu no limiar da maioridade do ECA e veio com proposta firme de

efetivar enfim o reordenamento da política de atendimento da criança e do adolescente

em vulnerabilidade social. Clareou pontos obscuros, deu fôlego a alguns dispositivos que

esmorecia na inoperância, redefiniu, desconstruiu e propôs novos conceitos, inovou no

estabelecimento de pressuposto mais condizente com as necessidades do sujeito de sua

atuação e assim deliberou quebras de paradigmas e o nascimento da cultura de proteção

à criança e ao adolescente.

Mas nem sempre a lei tem o poder de mudar a cultura. Ao contrário, muitas vezes, é ela

quem muda em razão da mudança da cultura. Então, como fazer valer os seus

preceitos? Como fazer com que os próprios atores do Judiciário, Ministério Público e

Defensoria também empreendam o seu reordenamento interno? Afinal da mesma forma

que os Conselhos Tutelares e as unidades de acolhimento funcionam 24 horas, não seria

fundamental isto por parte dos órgãos de defesa? Onde estão as varas especializadas?

Esta lei é instrumento transformador que exige dos órgãos públicos e privados

executores do serviço de acolhimento institucional que cumpram com seu dever legal de

acolher a criança, o adolescente e sua família de forma qualificada, que realize como

prioridade absoluta o acompanhamento familiar a fim de reintegrar o acolhido à sua

família ou na impossibilidade real a uma família substituta. A nova lei convoca o

Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública a garantirem a prioridade absoluta nas

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ações que fazem parte crianças e adolescentes. Que o Conselho Tutelar busque atuar

de forma a promover e proteger, orientando e auxiliando as famílias. E por fim a toda

sociedade civil que deve buscar a adequação e implementação das disposições da Lei

nº. 12.010/2009 como atuantes do controle social e os maiores interessados na garantia

do direito à convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes.

1.7 – O Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes

Resultado de uma discussão de vários movimentos sociais, em 1999, na Conferência

Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente, organizada pelo CONANDA, entrou em

pauta a necessidade de institucionalização e fortalecimento de um sistema, que passou a

ser amplamente conhecido como “sistema de garantia de direitos da criança e do

adolescente” (NETO, 2005). Batizado com o nome de Sistema de Garantia dos Direitos

de Crianças e Adolescentes (SGD/CA) é considerado o conjunto articulado de pessoas e

instituições que atuam para efetivar os direitos infanto-juvenis. Desta forma intregram o

SGD C/A, a família, as organizações da sociedade civil, os Conselhos de Direitos,

Conselhos tutelares e diversas instâncias do poder público tais como: Ministério Público,

Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública e Secretaria de Segurança

Pública.

Conforme a Resolução nº 113 de 19 de abril de 2006, da Secretaria Especial dos Direitos

Humanos e CONANDA, o SGD C/A constitui-se na articulação e integração das

instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos

normativos e no funcionamento dos mecanismos de proteção e controle, para efetivação

dos direitos das crianças e adolescentes.

Desta forma o SGD C/A possui três eixos estratégicos de ação: defesa de direitos

humanos, promoção de direitos e controle e efetivação dos direitos humanos. Conforme

Neto (2005, p.15) o SGD C/A operacionaliza como um “sistema estratégico” e por isso

tem um papel de potencializar estrategicamente a promoção e proteção dos direitos da

infância/adolescência, no campo de todas as políticas.

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No primeiro eixo, temos a presença dos seguintes órgãos públicos: Judiciário,

Promotorias, Defensorias, Advocavia Geral da União, Polícia Civil Judiciária, inclusive a

Polícia Técnica, Polícia Militar, Conselhos Tutelares e Ouvidorias. Já o segundo eixo de

Promoção desenvolve-se de maneira transversal e intersertorial, articulando diversas

políticas públicas. O que, com certeza, é um grande desafio posto para todos os atores.

A política de atendimento está prevista no Artigo 86 do ECA. Tal política implica em:

satisfação das necessidades básicas de crianças e adolescentes, na participação da

população, na descentralização política administrativa, no controle social e institucional.

Organiza-se em três tipos de programas, serviços e ações públicas: serviços e

programas das políticas públicas, de execução de medidas de proteção e de medidas

socioeducativas.

O último eixo trata do controle das ações públicas de promoção e defesa e ocorre

através das instâncias públicas colegiadas próprias, onde é assegurado a paridade de

participação governamental e nao governamental. Nestes espaços estão os Conselhos

de Direitos de Crianças e Adolescentes, conselhos setoriais de formulação e controle de

políticas públicas e os órgãos de controle interno e externo. Importante frizar que o

controle social, conforme a resolução " é exercido soberanamente pela sociedade civil,

através de suas organizações e articulaçoes representativas.

O grande desafio é de fato a intersetorialidade, o trabalho em rede e ações que se

articulem sem sobreposição. Principalmente é preciso considerar que as instâncias que

compreendem este sistema devem ser alavancadoras e facilitadoras (NETO, 2005) de

forma a incluir prioritariamente o público que dele necessita. O trabalho autônomo e

isolado deve aqui ser desconsiderado ao se pensar em um sistema que funcione pela

completude de uma instância com o fazer da outra. Estar neste sistema é pactuar com

um novo compromisso que culmina na Proteção Integral, sem que seja permitido

proteger por partes, fragmentadamente.

1.8 - A família contemporânea no contexto da medida protetiva

A organização familiar brasileira constitui um objeto importante para a análise das

estruturas sociais que compõem seu aparato cultural. A família que se encontra no final

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do século XX e nos dias atuais, refletida na Constituição Federal de 1988 e no Novo

Código Civil de 2002, é uma família bastante diferente daquela que o antigo Código Civil

vinha regular. Em seu Artigo 226, a Constituição Federal considera a família a base da

sociedade, tendo especial proteção do Estado, entendendo a entidade familiar como a

comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes.

Não há mais um tipo de família, mas diversas. A família torna-se plural, com várias

configurações possíveis. Há toda uma alteração na escala de valores, decorrente das

transformações culturais. Fica vedada pela Constituição Federal, qualquer discriminação

entre os filhos, sejam eles oriundos ou não do casamento, adotivos ou naturais, também

sendo vedado que se conste denominações pejorativas em seus registros. O PNCFC

considera “a família como grupo de pessoas unidas não apenas por laços de

consaguinidade, mas também por outros vínculos que implicam, na cultura, obrigações

mútuas, apoio e compartilhamento”. Moreira; Bedran; Carellos (2011) corroboram que

com o advento da Constituição Federal de 1988, homem e mulher são tidos como

colaboradores de um projeto familiar comum, tomando decisões em comum, dividindo

responsabilidades e direitos. Independente da configuração que a família tenha, ela deve

se organizar de forma a proteger os seus membros, sem que ocorra violação de direitos.

Existem filhos destes diferentes e complexos arranjos familiares, que de alguma forma,

se tornam os “usuários” do serviço de acolhimento institucional e consequentemente

estão sob medida protetiva judicial. A legislação deixa claro que são indivíduos que

precisam, provisoriamente, de serem afastados de suas famílias para serem protegidos.

Estes indivíduos que precisam de proteção do Estado sofreram algum tipo de violência

doméstica, ou por algum outro motivo, como doença dos genitores e sem referência

familiar, precisam ser institucionalizados. Por algum fator, ou diversos fatores somados,

estas famílias violaram direitos, ou melhor, será que elas mesmas não tiveram seus

direitos violados?

Indispensável dizer que a família é a base de solidificação do desenvolvimento infanto

juvenil e desta forma não se pode pensar em políticas para a infância sem pensar nas

famílias e todas as suas nuances, arranjos, da década atual. Azor e Vectore (2008)

refletem sobre a necessidade das práticas institucionais estarem atentas à importância

da família para o desenvolvimento, considerando, principalmente, que, em alguns casos,

é inevitável o afastamento para que não haja mais danos. Apontam assim para a

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necessidade das entidades terem uma estrutura capaz de propiciar condições

promotoras de adequado acolhimento. Na pesquisa1 realizada pelas autoras com cinco

famílias de crianças institucionalizadas apontou-se para um baixo nível socioeconômico

como deflagrador da institucionalização. Tal fato estava acoplado com outros fatores

como maus tratos, maternidade precoce, número elevado de filhos e, por último, história

de vida dos genitores (AZOR e VECTORE, 2008, p. 85). Segundo o estudo, quando seus

filhos são retirados, deflagra ainda mais a sensação das famílias de incapacidade. A

maioria das famílias pesquisadas apontaram para uma vigilância extrema da entidade e

poucas oportunidades de estarem com as crianças, bem como uma certa desconfiança

na relação por parte dos profissionais. Outro fator relevante é a dificuldade apontada

para as famílias quando do retorno da criança. Em grande parte as dificuldades estavam

relacionadas a questões financeiras que ainda permaneciam e que não haviam mudado

significativamente a ponto de darem melhores condições para os seus filhos ou para elas

mesmas.

É importante refletir que quando o Estado entra na vida privada, em função de uma

violência, que se torna explicita ou não, ele consequentemente corre o risco de reforçar

uma fragilização da autoridade parental (MOREIRA; BEDRAN; CARELLOS, 2011).

Muitas vezes esta ação, se não realizada com muito critério e via um diagnóstico claro da

sua real necessidade, pode romper mais vínculos até entre os próprios adultos que ali

habitam. A família é exposta não apenas para si mesma, mas para toda a sua rede de

relacionamentos, independente do nível, e para toda uma sociedade.

As autoras apontam para uma reflexão importante relacionada ao cuidado que se torna

necessário antes da aplicação da medida judicial, para que não ocorra um afastamento

pautado em dados insuficientes ou prematuros, fragilizando mais ainda o núcleo familiar.

Vão mais adiante salientando que a família atual é dinâmica e não pode ser padronizada

por modelos ditados por diversos especialistas seja do campo do direito ou do campo

das ciências sociais e humanas. Cientes da necessidade de uma decisão rápida, ainda

mais advindo os prazos estabelecidos pela nova normativa, não se pode deixar de

considerar (MOREIRA; BEDRAN; CARELLOS, 2011) as relações afetivas entre os

membros daquele núcleo familiar. Destacam que as famílias, que hoje são coadjuvantes,

1 Abrigar/desabrigar: conhecendo o papel das famílias neste processo.

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do processo precisam ser protagonistas de novas relações pautadas em um reaprender

a cuidar. Afinal, as famílias, em sua maioria, não são sempre negligentes, existe uma

sazonalidade no ciclo de vida que é pautado, fortemente, pelo ciclo econômico do país,

pelas altas e baixas de taxas de desemprego e inflação.

As famílias de origem destas crianças ainda carregam o estigma de incapazes, de

desestruturas em paralelo à constatação de muitas delas vivem em situação de extrema

pobreza. Garantir o que está posto no Estatuto da Criança e do Adolescente ainda é um

desafio para os diversos agentes e operadores da política. Desafio este que também é

apontado por autores como Azôr e Vectore (2008); Brandão e Willians (2009); Machado

(2011); ROSSETTI-FERREIRA et al (2012).

Geralmente as famílias de crianças institucionalizadas são marcadas por conflitos que

são gerados pelo ambiente externo, somados com os conflitos internos de cada indivíduo

que ali habita. A violência na infância tem sido amplamente discutida (MARGOLIN e

GORDES, 2000; AZEVEDO e GUERRA, 2005; HUTZ, 2005) por diversos autores. O que

se percebe é que a grande maioria destes autores trata da violência ocorrida nas famílias

pobres. Torna-se necessário descontruir que a violência ocorre apenas nas famílias

pobres, mas importa considerar que ela existe em todos os estratos sociais e que ela não

é causada apenas por um fato, mas por diversos fatores coligados que devem ser

contextualizados. Ao desconstruir isto chama-se a atenção dos operadores do SGD C/A

para as crianças e adolescentes que hoje são esquecidos pela política, considerando

que alguém precisa olhar por elas e que hoje elas precisam de alguém que lhes dê voz.

As questões de violência intrafamiliar devem ser vistas como uma patologia das

relações, que envolvem todo o sistema familiar e social. Faz-se preciso ler nas

entrelinhas no subjetivo a violência psicológica que está oculta em todas as modalidades

de violência doméstica e que segundo Perry (1995) não quebra ossos, quebra mentes. A

violência emocional não resulta na morte do corpo, mas resulta na morte da alma.

Ainda segundo Margolin (MARGOLIN e GORDES, 2000, p.445) a violência doméstica

afeta diretamente o processo de construção da identidade da criança e do adolescente

assim como os seus conceitos sobre si mesmos e o mundo, suas ideias acerca dos

objetivos da vida, suas expectativas sobre o futuro e seu desenvolvimento moral. Esta

afirmativa das autoras no leva a questionamentos sobre a rotulação que sofrem crianças

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e adolescentes que sofreram violência. É como se sobre elas uma constante nuvem

pairasse impossibilitando os mesmos de terem uma vida saudável. Sabe-se que a

violência deixa sim marcas, mas acredita-se que tais marcas podem e serão sanadas

com cuidados reparadores que estas crianças encontrarem no decorrer de suas vidas.

Levanta-se aqui a provocação que o acolhimento pode e deve ser sim o lugar para que

estas crianças encontrem o porto seguro e reconstruam suas vidas.

Nesta tensão diária, Moreira, Bedran e Carellos (2011), são assertivos em dizer que

devido a tantos fatores, algumas mães entregam seus filhos no “colo” do Estado. Muitas

delas perdem o chamado poder familiar e as crianças são colocadas em famílias

substitutas. Outros autores (ROSETTI-FERREIRA et al, 2011) corroboram em afirmar

que muitas determinações judiciais favoráveis às adoções são pautadas na ausência de

políticas públicas e consequente ausência, ou insuficiência, de recursos materiais da

família biológica, ressaltando que tal prática se respalda no Código de Menores e é

negada no ECA, mas ocorre na prática diária.

Para Fonseca (2002), o Estado cobra das famílias uma responsabilidade incompatível

com a efetiva oferta de serviços públicos que resgatem a potencialidade protetora das

famílias, mesmo tendo como responsabilidade intrínseca prover o mínimo necessário de

forma a proteger e apoiar as famílias em especial aquelas em vulnerabilidade.

Assim como Maricondi e Soares (2010) reforça-se aqui a necessidade de se olhar para

família como ela é, dentro da sua realidade, desistindo da ideia de um modelo único,

idealizado. Corroborando com as autoras, passa-se a enxergar esta família como uma

rede de relações, abri-se para um universo novo de possibilidades de trabalho. Nesta

vertente, enfatiza-se o conceito de rede social da família trazido por Sanicola (1996)

quando considerou que a família constitui-se por um conjunto de relações interpessoais

onde a família mantém a sua própria identidade social.

Ao trazer o conceito de uma rede de solidariedade, Sanicola (1996) aponta para o fato de

que as famílias se apoiam entre si em momentos de tranquilidade e de dificuldade.

Reforçar ou manter esta rede de solidariedade implicaria em encontrar respostas mais

satisfatórias antes do afastamento de uma criança do seu lar. Trabalhar neste sentido é

voltar o olhar para a própria comunidade onde esta inserida aquela família.

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Complementando ainda com o apontado por Maricondi e Soares (2010) que este novo

olhar é centrado no que a família tem de recurso, e não naquilo que falta. Ao considerar

o patrimônio pessoal de cada membro familiar passa-se a um patamar que favorece o

adentrar neste espaço privado, identificando-a e compreendendo-a. Na dinâmica das

relações familiares é preciso se ter a clareza que os valores antigos se misturam aos

novos e com grandes chances de gerar conflitos e contradições que devem ser

percebidas pelos profissionais quando em atendimento a estas famílias. As famílias

precisam ser olhadas e não condenadas.

Claro está que a situação de exclusão social e vulnerabilidade muitas vezes contribui

para fragmentar as relações nas famílias. Em certa medida, pode atingir a sua

capacidade protetiva e a socialização das crianças. Assim, há que se refletir sobre a

ética do atendimento a essas famílias e na construção de condições socioculturais e

referências para um processo de transformação. Para isto é necessário pensar como se

dá a gestão social dos serviços de acolhimento institucional de forma a responderem a

sua missão de lugar de proteção e de acolhida, não apenas para a criança e

adolescente, mas para a sua família de origem, de forma ética e profissional.

1.9 - Gestão Social: compreendendo um novo jeito de coordenar um serviço

público

A palavra gestão vem do latim, gestio, e está ligada a uma ação que deve ser gerida ou

administrada. Toda ação tem uma intencionalidade. Especificamente no campo da

gestão social, ela tem um caráter de interação social, sem fins lucrativos, mas com

resultados pautados no bem estar social de um determinado público. Desta forma a

gestão social entra aqui como um jeito humanizado de alocar instrumentos e ferramentas

até então utilizadas no mundo empresarial. Instrumentos estes, que a luz de um olhar

humanizado, busca não apenas considerar os processos necessários, mas o cuidado e

acolhida necessária na efetivação dos processos de trabalho.

1.10 - Gestão Social, um fazer em construção

Tratamos nesta pesquisa de um serviço da política pública, portanto situar e buscar uma

compreensão do que é a Gestão Social faz parte desta discussão. Não se pode afirmar

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que existe um conceito claro de Gestão Social. Apesar de ser um termo amplamente

utilizado, a sua conceituação é cheia de convergências e divergências. Com uma

herança forte da Administração de Empresas percebe-se que a chamada gestão social

passar por uma nova remodelagem, ou, melhor dizendo, incorpora valores de várias

disciplinas, sem parar em nenhuma delas.

Ckagnazaroff (2004) registra que a gestão social situa em um campo interdisciplinar e

intersetorial, de forma a dar suporte para ações públicas, buscando auxiliar gestores a

superar um dos principais desafios que é a implementação de políticas sociais. Para o

autor a gestão social necessita de ferramentas que auxiliem a alcançar aos objetivos e

metas propostos. Salienta a importância dos instrumentos de análise, desenho,

implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas.

Para este autor a gestão social é considerada uma gestão estratégica que é uma forma

de adaptação às mudanças externas e internas e necessariamente envolve diversos

atores. Alguns conceitos entram nesta discussão como descentralização,

intersetorialidade, parceria e participação.

Carvalho (1999, p. 19) se aproxima do Ckagnazaroff (2004) ao pontuar que “a gestão

social é, em realidade, a gestão das demandas dos cidadãos”. Esta gestão deve estar

relacionada com ações públicas. Para a autora as ações devem vir pelo processo de

participação, nascendo às demandas da sociedade civil. Neste cenário Carvalho (1999)

visualiza algumas tensões: uma entre a eficiência e a equidade e outra entre a lógica da

tutela ou compaixão em contraponto a lógica dos direitos. Corre-se o risco de

filantropização dos serviços de direito dos cidadãos impedindo o avanço da equidade

social (Carvalho, 1999, p. 25). A descentralização e a intersetorialidade é citada por

ambos os autores e merece toda atenção.

Na contextualização feita por Corrêa (2003), referente ao município de Belo Horizonte,

traz um resgate de alguns modelos importante a serem citados: inicialmente o modelo

managerialism, entendido como a adoção de práticas gerenciais privadas no Estado;

após o modelo consumerism, que tinha como princípios a efetividade e a qualidade e

tratava o usuário como cliente/consumidor e por ultimo o modelo Public Service

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Orientation, que incorpora conceito de accountability, traduzido em transparência e

responsabilização da Administração Pública.

No meio deste cenário, o termo descentralização surge como uma alternativa para

economicamente construir um Estado mais ágil e eficaz e pelo viés da dimensão política

surge como um processo de consolidação da democracia. Lima (2003, p. 94) considera a

questão política da descentralização pautada no processo de democratização, sendo a

democracia entendida como uma relação entre diversos atores sociais e o Estado, na

qual cada ator tem um peso e as decisões são tomadas através negociação política.

Mas, para além destas duas variáveis, existe outra que considera a descentralização

como um processo de distribuição do poder, ou seja, deslocamento de ações até então

centralizadas nas mãos de poucos, para diversas regiões de um espaço geográfico. Para

uma efetiva descentralização é preciso que mais de uma ação de governança esteja

acoplada.

Desta forma a descentralização necessita de um nível central com importância

estratégica na direção, coordenação, formulação e aprovação de políticas setoriais.

Assim, o governo federal funciona segundo Lima (2003) como um “agente indutor”. Para

a autora, outro aspecto fundamental da descentralização diz respeito a alguns princípios

que mereceriam especial atenção. Princípios como: flexibilidade, gradualismo,

transparência no processo decisório e criação de mecanismos de controle público.

A flexibilização é entendida aqui como reconhecimento das diferenças e das respostas

às mesmas. O gradualismo complementa a flexibilidade e deve ser compreendida como

a compatibilização da descentralização a um determinado complexo tempo/espaço. A

transparência no processo decisório é fundamental, pois se a descentralização tem como

principio redirecionar núcleos de poder, é preciso que as ações sejam claras e

transparentes. Por último a criação de mecanismos de controle público remete a

democracia, a participação da sociedade civil. Pode-se, portanto entender o termo

descentralização como uma forma de tratar assuntos regionais de forma regional,

considerando toda a sua especificidade. Yasbek (2004) salienta que a descentralização

político-administrativa na gestão da Assistência Social, como forma de ampliar os

espaços de participação democrática, reconfigura esta política em um novo patamar no

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âmbito municipal, para contribuir para a inclusão social nas esferas locais, sem perder de

vista a integração nacional.

Outra questão importante é a intersetorialidade. Menicucci (2002) considera a

intersetorialidade como uma nova maneira de abordar os problemas sociais, enxergando

o cidadão em sua totalidade e estabelecendo uma nova lógica para o que a autora

chama de gestão da cidade, superando a forma segmentada e desarticulada da maioria

das ações públicas. A intersetorialidade é ainda a articulação de experiências visando o

planejamento, para a realização de avaliação de políticas, programas e projetos, tendo

como objetivo maior alcançar resultados mais eficazes e pontuais nas ações das

políticas públicas.

Possível considerar então que a intersetorialidade torna-se um grande aliado para uma

ação articulada e a base territorial é o espaço para a articulação intersetorial de

necessidades e conhecimentos, conforme traz Sposati (2004). Descentralização e

intersetorialidade caminham juntas com a territorialidade. Característica contemporânea

da busca de um novo modelo de desenvolvimento e tem como conceito a sua relação

direta com a realidade local. Na construção da cidadania social no campo das políticas

sociais, é preciso adotar processos não só de gestão de serviços, programas e recursos,

mas também de definição de metas e estratégias coletivas. A construção de um sistema

de proteção social proativo requer uma “política dos cidadãos”, operando para além das

determinações macroeconômicas e gerando espaços para que as capacidades humanas

possam ter plena expressão, notadamente a autonomia frente ao Estado. Trata-se de

construir garantias concretas para a minimização dos impactos dos ciclos econômicos e

respectivos ajustes das economias dependentes, voltando-se para o objetivo maior de

atingir uma efetiva qualidade de vida dos indivíduos.

Voltando a conceituação de Gestão Social podemos trazer Schommer e Filho (2006, p.

68), ao registrar a Gestão Social ao modo de gestão próprio das organizações que atuam

num circuito que não é, originariamente, aquele do mercado e do Estado. Este é o

espaço da chamada sociedade civil, uma esfera pública de ação que não é estatal. Para

ambos existe uma dimensão política na gestão social que é atuarem num espaço público

que passa a ser compartilhado. A lógica mercantilista aqui é invertida por tratar-se de

uma ação voltada para a melhoria de vida dos usuários destinatários daquela política.

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Uma postura de transferência e prestação de contas deve ser adotada por gestores

sociais.

Compreende-se que a Gestão Social traz um novo fazer para as ações de caráter

público, executadas em sua maioria por entidades privadas. Desloca a prática amadora

das chamadas entidades do terceiro setor para um viés onde práticas gerenciais de

planejamento, monitoramento e avaliação, com uma nova roupagem passam a fazer

parte do dia a dia das entidades. Trata-se de executar um serviço público com princípios

de gestão com foco no impacto social do serviço para as famílias e indivíduos que dele

necessitam.

1.11 – A Gestão Social para acolhimento institucional questões e desafios

Ao trazer a discussão da gestão social das entidades quer-se penetrar na seara do

chamado planejamento institucional. Para além da compreensão de que é preciso toda

uma ação intersetorial para que a medida protetiva seja efetiva, aqui faz-se um recorte

na gestão propriamente dita das entidades. Claro está que não se quer desconsiderar a

urgência da melhoria dos processos de diversos atores do SGD C/A, mas reforçar, dar

mais solidez a própria instituição, compreendo que se trata de entidades privadas, com

personalidade jurídica e devem ser interpretadas sob está ótica. Ao pensar-se na

terminologia da gestão social aponta-se para uma ação com uma intenção. Não uma

ação solta sem destino apropriado. Gerencia-se para alcançar determinas metas. Metas

estas, que numa gestão social, implicam em mudança de vida dos usuários a que o

serviço se destina. Braun (2009) considera a divisão da gestão em três dimensões:

administrativa, técnica e política. A primeira está realizada a chamada burocracia da

gestão, a segunda ao serviço prestado e a última a sua intencionalidade.

Ao se fazer esta divisão chega-se ao ponto que se considera crucial para esta discussão:

a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) institucional referendado pelas

Orientações Técnicas CONANDA/CNAS e já tratado nesta pesquisa. Ao fazer este

recorte se quer validar a importância deste documento para a gestão das entidades e

seu caráter eminentemente propositivo e direcionador das ações dentro de uma

instituição. Considerar o PPP como instrumento da gestão é dar-lhe uma visibilidade de

fato.

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Numa revisão bibliográfica feita de 2009 até a presente data, foi constatado a

inexistência de artigos que pudessem focar o PPP. Tal fato traz uma preocupação de

imensas proporções. Como falar em melhoria da qualidade do serviço prestado,

considerando que não se fala, ou fala se pouco, sobre tal instrumento. O PPP não é

apenas mais um documento, mas é o documento que dá corpo à instituição que diz que

ela é, o que pretende, como pretende e para aonde vai. Sem o autoconhecimento, pelas

instituições, de quem elas são, ser qualquer coisa é suficiente e seguir para um caminho

que não se sabe aonde se quer chegar, faz a vida ir levando num ritmo de plantão 24

horas. E assim como o SAMU, tentando salvar vidas, sem olhar nos olhos destas

crianças e adolescentes.

Validando-se as três dimensões trazidas por Braun (2009) quer-se afirmar o

amadurecimento necessário para enfrentar as novas responsabilidades e

consequentemente cumprir o papel protetor intrínseco a estas entidades. Se as

pesquisas apontam que a maioria das entidades foram criadas após o ECA como

compreender o papel da existência ou inexistência de gestão na distância observada

entre as proposições e a prática?

Estabelecer uma instituição que ofereça determinado serviço específico é fácil, o difícil é organizar a rede intersetorial de maneira bem articulada. É muito importante lembrar que para o usuário dos serviços a realidade não é fatiada em setores e que sua qualidade de vida deve se vista e abordada de maneira integral. O que fará a diferença na gestão é justamente essa articulação, em oposição às sobreposições de ações (BRAUN, 2009, p.18).

Ao tornar-se um marco na definição dos parâmetros para as instituições de acolhimento

as Orientações Técnicas, através do PIA e do PPP afirmam a necessidade do

planejamento participativo entre os atores internos e os externos ao serviço. Tal

participação inverte as decisões tomadas de forma vertical para a horizontalidade das

decisões, o que necessariamente inclui a distribuição do poder. Além do caráter

participativo do planejamento ele se expande para o caráter estratégico. Para Braun

(2009) esse modelo de planejamento viabiliza o crescimento coletivo e pessoal, une a

criatividade dos sujeitos envolvidos com o potencial técnico dos profissionais e mais leva

a uma permanente reflexão do fazer diário.

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Ao considerar o planejamento em dois níveis: macroestrutural, enquanto atribuição do

Estado e microestrutural como atribuição institucional, Braun (2009) dilata a dimensão de

um ser privado que executa um serviço de caráter público inserido dentro de um sistema,

o SUAS. O que norteia que toda a definição do serviço é pautada em um documento

claro que tipificou o serviço dando diretrizes para o mesmo. A convergência dos dois

níveis é o melhor atendimento à criança e ao adolescente bem como as suas famílias.

Desta forma o PIA e o PPP ao estabelecerem um processo metodológico, confirmam a

necessidade de planejamento considerando-se os dois níveis acima apontados.

Instrumentos estes, quando colocados em prática, ampliam a discussão conceitual do

reordenamento para uma fase mais avançada que é a implementação dos mesmos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um primeiro ponto a se ressaltar é que o reordenamento institucional não é algo para

amanhã. Ele é para hoje, pois o tempo da criança e adolescente institucionalizado é hoje,

exatamente agora, sem mais delongas ou justificativas. Todo o arcabouço de parâmetros

metodológicos, até então não clareados pelo ECA, PNCFC, PECFC, se materializou nas

Orientações Técnicas e na Tipificação. Fica claro também que o acolhimento

institucional, apesar de caminhar para uma estrutura aproximada de uma família, não é

uma família. Entender isto é fundamental para sair do lugar somente da caridade para

aportar num lugar seguro, onde a gestão funcione pautada em uso de ferramentas

fundamentais para implantar os procedimentos metodológicos trazidos pelas Orientações

Técnicas para os serviços de acolhimento.

O acolhimento deve direcionar-se a ser um lugar reparador e que dê suporte para que

crianças e adolescentes possam se desenvolver. De uma forma prática, devem cumprir

com os princípios basilares trazidos pelo ECA: sujeito de direitos, em desenvolvimento e

com prioridade absoluta. Ao colocar em prática o PPP e o PIA, as entidades caminham

para contemplar esta prioridade absoluta, não de forma isolada, mas articulada com toda

a sociedade. A partir do momento em que os órgãos de defesa compreenderem que

estes documentos não são meros papéis a somarem-se ao processo, que não são

construídos de um dia para o outro, mas sim após um trabalho minucioso com as

crianças e famílias, poder-se-á sim proceder ao reordenamento institucional. Sim!

Ambos trazem uma dimensão de trabalho intersetorial e multidisciplinar. Eles não são

instrumentos apenas da entidade, mas de todo o SGD C/A.

Quando o acolhimento compreender que não se deve preencher a falta da família, mas

fazer daquela estada promotora de vínculos novos e saudáveis, que não devem

substituir, mas levar a criança e o adolescente a ampliarem os seus laços, empoderando

estes sujeitos, a instituição será efetivamente aquilo para que existe: medida de

proteção. Proteger é cuidar, garantir direitos, e não enjaular. Considerar a necessidade

da participação proativa destes indivíduos é fundamental dentro de uma medida de

proteção. Eliminar o “coitado”, “vítima” e “abandonado” é fundamental para construir uma

nova história pautada no respeito e na participação. Exatamente por estes conceitos

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estarem tão enraizados na prática diária que o PPP e o PIA ainda não são vistos,

apreendidos, em toda a sua dimensão. Dar voz àqueles que “nunca a tiveram” não é algo

tão lógico e tão fácil.

Assim como a criança busca explorar o novo é preciso que, os adultos dentro do

acolhimento explorem com toda intensidade este novo cenário que se faz presente para

as entidades. Mesmo que o novo assuste, as portas devem ser abertas para que ele

entre e, assim, as entidades de acolhimento institucional compreendam que são o lugar

de acolher diferentes, respeitando a sua singularidade, proporcionando à criança e ao

adolescente a certeza de que eles precisam continuar escrevendo a sua história, sem

medos ou restrições de saberem quem são de onde vieram e porque ali estão. Ser, na

concretude, um lugar de proteção.

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2 - ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UM

QUESTIONAMENTO A PARTIR DE PESQUISAS REALIZADAS NO BRASIL, EM

MINAS GERAIS E EM BELO HORIZONTE

INTRODUÇÃO

A partir do Estatuto da Criança e Adolescente, aprovado em 1990, novas políticas

públicas e normativas foram elaboradas para o atendimento de crianças e adolescentes,

sob a nova ótica da Doutrina da Proteção Integral. Dentre estas normativas, encontram-

se aquelas que definem as diretrizes para o acolhimento institucional. Este artigo

pretende fazer uma discussão das condições de atendimento das entidades de

acolhimento institucional2 no Brasil, em Minas Gerais e no município de Belo Horizonte, a

partir de dados das pesquisas existentes, visando compreender como ocorre a gestão

social das entidades e como elas vêm se adequando às novas diretrizes, com vistas à

garantia do direito à convivência familiar e comunitária.

Debruçar sobre estas pesquisas é uma forma de dar vida às mesmas, no sentido de

servir de ponto de partida para uma maior compreensão da prática das entidades. A

escolha pela análise de dados secundários justifica-se, em primeiro lugar, pela amplitude

da realidade envolvida. Em segundo lugar, pelo fato de que as referidas pesquisas

engrossam o conjunto de esforços que vêm sendo desenvolvidos para a construção,

integração e articulação da rede de serviços voltados para a criança e o adolescente em

Minas Gerais e no município de Belo Horizonte. Pode-se dizer, sem risco de exagero,

que retratam momentos significantes dessa história. Portanto, é legítimo e lógico

trabalhar com os dados já existentes, buscando alinhavar, fundamentar e sistematizar

contribuições próprias da presente análise.

Ao analisar os dados ir-se-á correlacionar os mesmos com as normativas atuais que

regulam o serviço, sendo elas: Plano Nacional de Promoção Proteção e Defesa do

Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2009);

Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes

2 Conceito de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes conforme a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais,

Resolução nº109, de 11 de novembro de 2009: Acolhimento provisório e excepcional para crianças e adolescentes em ambos os sexos, inclusive crianças e adolescentes com deficiência, sob medida de proteção (Art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção.

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(2009); Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009); Plano Estadual de

Promoção, Promoção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência

Familiar e Comunitária (2009); Lei 2.010/2009 e o Plano Municipal de Promoção,

Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e

Comunitária (2012).

2.1 - Os documentos analisados e os procedimentos metodológicos

É muito recente a preocupação em realizar pesquisas ou censos que tragam à tona o

perfil das entidades de acolhimento institucional e das crianças e adolescentes acolhidos

e sob medida de proteção3. A primeira grande pesquisa nacional foi realizada apenas

em 2004 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sendo intitulado

Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede SAC. A

pesquisa abrangeu os abrigos da Rede de Atendimento Continuada SAC/ABRIGOS, que

recebem recursos federais. Note-se que esta rede não representava o universo de 100%

dos abrigos existentes no país. As outras entidades fora da Rede SAC, executantes do

serviço, o faziam e fazem ainda hoje, com doações e caridade da sociedade, via pessoas

físicas ou jurídicas, o que fragiliza o serviço, que fica refém de doações de pessoas

externas a entidade, sem normatização ou planejamento.

No cenário estadual, a primeira pesquisa sobre o acolhimento institucional ocorreu em

2005, com o projeto Filhos do Coração, realizado por meio de uma parceria entre

Ministério Público do Estado de Minas Gerais (através do Centro de Apoio Operacional

às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude), o Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais, a Fundação CDL Pró Criança e a PUC Minas Unidade São Gabriel. Esta

pesquisa não abrangeu todo o estado e, buscando suprir informações para todos os

municípios, o Estado de Minas Gerais produz, em 2009, o “Diagnóstico das Instituições

de acolhimento a crianças e adolescentes no Estado de Minas Gerais”. Tal diagnóstico

foi encomendado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) e

elaborado pela Fundação João Pinheiro (FJP). O público alvo da pesquisa foram todas

as unidades de abrigo existentes no estado (FJP, 2009).

3 A medida de proteção de acolhimento institucional encontra-se no ART. 101, VII sendo de caráter provisório e excepcional, devendo

ser utilizada como forma de transição para reintegração familiar e quando não seja possível para família substituta.

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No município de Belo Horizonte, o primeiro diagnóstico municipal sobre crianças e

adolescentes abrigados foi realizado em 1997, sete anos após a promulgação do ECA, o

que demonstra que já existia uma preocupação municipal com a questão do acolhimento

institucional. Uma linha do tempo demonstra este cenário municipal:

FIGURA 1- Linha do tempo da política de acolhimento institucional em Belo

Horizonte.

Fonte: CMDCA/BH, 1997; GOVERNO DE MINAS GERAIS, 2000. Elaborado pela autora.

É perceptível que, na década de 1990 até 2000, ocorreu um intenso investimento do

poder público municipal na política para a criança e o adolescente. Pode-se considerar

este movimento como um momento de consolidação e articulação política intensa.

Em 1995, a Comissão de Estudo e Implantação do Programa de Abrigo4, criada dentro

do Conselho Municipal Dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) foi

responsável pela elaboração do documento Projeto de Implantação de Abrigos, que 4 O Programa de Abrigos surge em 1995, dentro da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) com um projeto político

pedagógico próprio e com objetivo principal de reinserção familiar e qualidade do atendimento dos abrigos.

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resultou na Resolução 19/95, que dispõe sobre os indicadores de qualidade para

instituições de atendimento, defesa e promoção de crianças e adolescentes no

município.

Em 1997, um documento do CMDCA/BH (1997) aponta que muitas dificuldades surgiram

impedindo a efetivação do Projeto, embora não deixe claras as dificuldades encontradas.

Naquele contexto, foi deliberada a necessidade de um diagnóstico da situação das

entidades de abrigamento e também de criação de um espaço de interlocução entre os

diversos atores envolvidos com a medida protetiva de acolhimento institucional. Surge,

então, o Fórum Municipal de Entidades de Abrigo.

De acordo com o documento Diagnóstico da realidade do atendimento em abrigos, não

governamentais do município de Belo Horizonte (CMDCA/BH, 1997), o Fórum Municipal

de Entidades de Abrigo foi criado para responder a uma deliberação da Resolução 31/97,

que determina que os órgãos governamentais e as ONGs teriam doze meses para se

adequarem às diretrizes estabelecidas em 1995. O Fórum seria fundamental para

articular os atores e desenvolver o processo de mudança, discutindo e orientando as

entidades sobre as diretrizes da política de Abrigo estabelecidas pelo ECA e pelo

município.

Em 1999, a plenária do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) determina a

realização de um diagnóstico das entidades de abrigo, que seria realizado em 2000, pela

Fundação João Pinheiro. O diagnóstico, intitulado “Projeto Rede de Abrigo de Belo

Horizonte”. Segundo a Fundação João Pinheiro (GOVERNO DE MINAS GERAIS, 2000,

p. 4), a pesquisa teve como objetivo “contribuir para o reordenamento das instituições,

correção das distorções no repasse de recursos, unificação dos termos de convênio, a

agilização do processo de reinserção familiar das crianças/adolescentes e a melhoria na

qualidade do serviço prestado”.

Durante o período de 1999 a 2010, o município de Belo Horizonte, em resposta aos

dados encontrados em 1997 e 1999 inicia um processo de reordenamento como foi

registrado na linha do tempo anterior. É neste período que se inicia a construção do

Projeto Político Educativo para as entidades, a formação continuada, a implantação de

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uma equipe para acompanhamento das ações de reintegração e implantação da Central

de Vagas em 2010.

No ano de 2010, a então Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS)

apresentou ao CMDCA uma demanda de sistematização de informações relativas ao

perfil das crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente no município. A proposta

foi aprovada e financiada pelo Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente

(FMDCA). Foi realizado um chamamento público nº02/2010 para realização de pesquisa,

e a entidade deferida foi a Associação Casa Novella.

A pesquisa, diferentemente das outras até então realizadas em Belo Horizonte, tratou do

estudo de caso de todas as crianças e adolescentes acolhidos no período de 23 de maio

a 15 de setembro de 2011. As entidades foram divididas em três grupos: três unidades

de acolhimento institucional para crianças e adolescentes portadores de necessidades

especiais, quatro unidades de usuários com trajetória de vida nas ruas e por último as

quarenta e duas entidades de abrigos institucionais convencionais.

Para facilitar o entendimento a tabela abaixo sintetiza as pesquisas e a partir deste

ponto, elas serão apresentadas pela sigla

QUADRO 3 - Relação de pesquisas sobre o acolhimento institucional

PROPONENTE EXECUTOR DATA ÂMBITO SIGLA

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)

1997 Municipal CMDCA (1997)

Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS)

Fundação João Pinheiro

2000 Municipal FJP (2000)

Secretaria Especial de Direitos Humanos e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

2004 Nacional IPEA (2004)

Fundação CDL Pró Criança, Ministério Público e Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Fundação CDL e PUC Minas

2005 Estadual Fundação CDL (2005)

Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE)

Fundação João Pinheiro (FJP)

2009 Estadual FJP (2009)

Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social

Associação Casa Novella (CN)

2011 Municipal CN (2011)

Fonte: Elaborado pela autora.

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Ao estudar as pesquisas indicadas, procurar-se-á interpretar e analisar os dados, de

forma a responder duas perguntas principais: quais as dificuldades as entidades de

acolhimento institucionais estão encontrando para se adaptar às novas normativas?

Como contribuir para melhorar a gestão social das entidades?

2.2 - A gestão das entidades de entidades de acolhimento institucional

Conhecer a forma como as entidades de acolhimento organizam-se é fundamental para

entender como a gestão das mesmas promovem ações que transforme a sociedade,

bem como os usuários demandatários do serviço. Neste sentido, alguns pontos das

pesquisas, passam a serem abordados daqui para frente.

2.2.1 - Onde estão, quem são e como se organizam.

As normativas (representadas na tabela abaixo) compartilham entre si a necessidade das

entidades de acolhimento institucional estar próximas a uma comunidade, seja urbana ou

rural, e serem estruturadas de acordo com os princípios que dispõe o ECA. Para iniciar o

atendimento, as entidades governamentais ou não governamentais, devem ter seus

programas inscritos junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do

Adolescente (CMDCA) que deverá realizar reavaliado5 o programa a cada dois anos,

informando as alterações existentes ao Conselho Tutelar.

TABELA 1: Normativas que orientam o serviço prestado pelas entidades de acolhimento.

Normativa Órgão Ano Sigla

Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/ Secretária Especial dos Direitos Humanos

2006 PNCFC (2006)

Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

2009 ORIENTAÇÕES TÉCNICAS (2009)

5 As condições para renovação de registro trazida pela Lei 12.010/2009 em seu Art. 90 § 3º são: qualidade e eficiência do trabalho

desenvolvido, atestado pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público e pela Justiça da Infância e da Juventude; índices de sucesso na reintegração familiar ou de adaptação à família substituta, conforme o caso.

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Adolescentes /Resolução Conjunta nº1/2009

Adolescente/ Conselho Nacional de Assistência Social

Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais / Resolução nº 109/2009

Conselho Nacional de Assistência Social

2009 TIPIFICAÇÃO (2009)

Plano Estadual de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente/ Conselho Estadual de Assistência Social

2009 PECFC (2009)

Lei 12.010/2009 Congresso Nacional 2009 ECA (2009) Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente/ Conselho Municipal de Assistência Social

2012 PMCFC (2012)

Fonte: Elaborado pela autora.

A gestão destas entidades, além de seguirem postulados aplicáveis à contabilidade do

terceiro setor, devem guiar por obrigações estabelecidas no Artigo 90 do ECA e

princípios das Orientações Técnicas (BRASIL, 2009a) que contemplam:

TABELA 02: Obrigações ECA e princípios Orientações Técnicas

Estatuto da

Criança e

do

Adolescente

Observar os direitos e garantias de que são titulares as crianças e os

adolescentes; oferecer atendimento personalizado em pequenas

unidades e grupos reduzidos; preservar a identidade e oferecer

ambiente de respeito e dignidade a cada criança e adolescente;

diligenciar no sentido de restabelecimento dos vínculos familiares;

comunicar a autoridade judiciária os casos; oferecer instalações

físicas em condições de habitabilidade; oferecer cuidados médicos,

psicológicos, odontológicos e farmacêuticos; propiciar escolarização

e profissionalização; propiciar atividades culturais, esportivas e de

lazer; propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de

acordo com suas crenças; reavaliar cada caso no intervalo de seis

meses; comunicar às autoridades competentes todos os casos de

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crianças e adolescentes portadores de moléstias infecto-contagiosas;

manter programas destinados ao apoio e acompanhamento dos

egressos; providenciar documentos necessários ao exercício da

cidadania e manter arquivo de cada criança e adolescente.

Orientações

Técnicas

Excepcionalidade do afastamento do convívio familiar;

provisoriedade do afastamento do convívio familiar; preservação e

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; garantia de

acesso e respeito à diversidade e não discriminação; oferta de

atendimento personalizado e individualizado, garantia de liberdade

de crença e religião; respeito à autonomia da criança, do adolescente

e do jovem.

Fonte: Brasil, 2009a; Brasil, 2009c. Elaborado pela autora.

O IPEA(2004) encontrou aproximadamente vinte mil crianças nos abrigos6, no universo

de 626 unidades que estavam vinculadas a 560 instituições. Neste universo a regional

sudeste representou 49,1% dos abrigos, sendo São Paulo o Estado com maior número

de acolhidos.

Um percentual de 68,3% são entidades não governamentais, ou entidades sem fins

lucrativos, consideradas do terceiro setor. A referência sobre o tempo de funcionamento

mostra um pouco do traçado histórico percorrido pelas entidades, até para

compreendermos sobre qual marco regulatório e normativo estas entidades se situaram.

Um percentual de 58,60% surgiram após o advento do ECA e 41,40% já existiam. Surge

a seguinte indagação: as entidades que surgiram após o ECA conseguiram seguir a

normativa? As autoras (SILVA e MELLO, 2004) registram que a maioria dos dirigentes

não conheciam a normativa. Pode-se considerar portanto, que a visão filantrópica e

caritativa ainda permeava o serviço prestado que era composto por entidades com uma

visão tradicional e àquelas que tinham uma visão progressista, buscando seguir o

aparato legal.

6 A definição de abrigo utilizada pela pesquisa é a constante no ECA como uma medida de proteção, ou seja, lugar onde crianças e

adolescentes são acolhidos, quando há uma medida de proteção judicial, aplicada quando ocorre uma violência doméstica, ou uma orfandade e a criança/adolescente não pode permanecer em sua família biológica e não existe outro membro da família extensa, que poderia cuidar dela.

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Tais reflexões podem encontrar subsídio quando observamos os motivos e a

vinculação/orientação religiosa das entidades e consequentemente dos seus dirigentes.

Católica 56,7, Evangélica 18,4, Espírita 11,3, Ecumênica 8,3 e Mais de uma vinculação

5,3%. Seguindo a lógica histórica, a religião tem papel preponderante na execução de

serviços públicos e a Igreja Católica, mesmo tendo diminuído a sua participação, e

adentrando neste cenário outras crenças vocacionais, ainda é a religião mais presente.

A FJP (2009) encontrou um total de 362 abrigos em 179 municípios do total de 883

municípios pertencentes ao Estado de Minas Gerais, sendo 75,3% criada após o ECA. A

capital Belo Horizonte apresentou o maior percentual (17,2%) com 61 unidades de

acolhimento institucional. Apesar de ter chegado a este número a FJP (2009) apontou

que a identificação dos abrigos foi algo difícil de ser feito, pois muitos municípios

contatados não responderam a solicitação de informação sobre a existência ou não de

entidades de abrigamento. Muitos não sabiam responder. Significativa esta ponderação

da FJP (2009), tendo em vista que se pensar em pleno ano de 2008, os municípios não

tiveram a relação das entidades que prestavam um serviço inserido dentro da Alta

Complexidade no Sistema Único de Assistência Social.

Interessante notar que as regiões consideradas mais pobres do estado, como Araçuai,

Almenara, Norte de Minas (Montes Claros), apresentaram poucas unidades. Do universo

de 362 abrigos, 55,90% foram considerados “abrigo comum”, seguido de casas-lares,

26,60% e casas transitórias e de passagem, 13,80%. A modalidade de aldeia

representou apenas 1,70% e repúblicas 0,60%.

No Brasil e no Estado de Minas Gerais a presença de Repúblicas para jovens é quase

nula o que alerta para um vazio nos casos de adolescentes que contemplam a maior

idade dentro das entidades, que pode ser explicado pelo histórico que se carrega de

frágeis políticas para jovens.

Com referência à capacidade máxima de abrigamento, no Estado, por ano de fundação é

apontado que entidades fundadas recentemente, pós 2000 até 2008, concentram-se em

pequenos grupos de 1-15 crianças e adolescentes, representando um universo de 57%

destas entidades, outras (39,4%) ficam entre 16 a 50 usuários e apenas 11% encaixam

na capacidade de 51-100. Somente nas entidades fundadas entre 1911 a 1980

encontrou-se capacidade superior a 100. O que pode significar que estas últimas, ainda

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possuem dificuldades de compreenderem as mudanças necessárias para o

reordenamento e ainda trabalham no viés da completude institucional, ou seja,

compreendem que o atendimento deve ser dado de forma integral, em seu próprio

espaço físico, evitando a convivência externa. Estas instituições tinham em seu interior,

todo um aparato de saúde, educação e esportes, de forma que a criança e o

adolescente, não tinham convivência além dos muros.

Mantendo a perspectiva nacional e estadual, as pesquisas CMDCA (1997) e FJP (2000)

realizadas no município de Belo Horizonte apontam para entidades filantrópicas e de

cunho religioso. A FJP (2000) apresenta que 37,5% das entidades tinham mais de nove

anos de existência, sendo fundadas antes da vigência do ECA e um percentual de 62,5%

surgiram após a promulgação da Lei.

A capacidade de atendimento, exatamente por existir uma resolução do CMDCA/BH

norteando este item, encontrava-se dentro do estabelecido, que era o número máximo de

15 vagas. Interessante notar que mesmo sem parâmetros claros e bem definidos em

nível nacional e estadual, o município de Belo Horizonte adotou seus próprios

parâmetros, articulou-se politicamente para provocar uma boa discussão que, com

certeza, repercutiu nacionalmente. Pensando do ponto de vista de legalidade do serviço,

através de normativas municipais, é evidente o avanço belorizontino.

QUADRO 4: Tipificação dos Serviços Socioassistenciais: Acolhimento Institucional

para crianças e adolescentes

DESCRIÇÃO

GERAL

Acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir a proteção integral. O atendimento prestado deve ser personalizado e em pequenos grupos e favorecer o convívio familiar e comunitário, bem como a utilização dos equipamentos e serviços disponíveis na comunidade local. As regras de gestão e de convivência deverão ser construídas de forma participativa e coletiva, a fim de assegurar a autonomia dos usuários, conforme perfis. Deve funcionar em unidade inserida na comunidade com características residenciais, ambiente acolhedor e estrutura física adequada, visando o desenvolvimento de relações mais próximas do ambiente familiar.

DESCRIÇÃO

ESPECÍFICA Acolhimento provisório e excepcional para crianças e adolescentes de ambos os sexos, inclusive crianças e adolescentes com

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deficiência, sob medida de proteção (Art. 98 do ECA) e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidados e proteção. Não devem distanciar-se da comunidade de origem das crianças e adolescentes atendidos. Grupos de crianças e adolescentes com vínculos de parentesco devem ser atendidos na mesma unidade. O acolhimento será feito até que seja possível o retorno à família de origem (nuclear ou extensa) ou colocação em família substituta.

MODALIDADES

1) Atendimento em unidade residencial onde uma pessoa ou casal

trabalha como educador/cuidador residente, prestando cuidados a

um grupo de até 10 crianças e/ou adolescentes.

2) Atendimento em unidade institucional semelhante a uma

residência, destinada ao atendimento de grupos de até 20 crianças

e/ou adolescentes. Nessa unidade é indicado que os

educadores/cuidadores trabalhem em turnos fixos diários, a fim de

garantir estabilidade das tarefas de rotina diárias, referência e

previsibilidade no contato com as crianças e adolescentes.

OBJETIVOS

GERAIS

Acolher e garantir a proteção integral; contribuir para a prevenção do agravamento de situações de negligência, violência e ruptura de vínculos; restabelecer vínculos famílias e/ou sociais; possibilitar a convivência comunitária; promover o acesso à rede socioassistencial, aos demais órgãos do SGD e às demais políticas públicas setoriais; favorecer o surgimento e o desenvolvimento de aptidões, capacidades e oportunidades para que os indivíduos façam escolhas com autonomia; promover o acesso a programações culturais, de lazer, de esporte e ocupacionais internas e externas, relacionando-as a interesses, vivências, desejos e possibilidades do público.

OBJETIVOS

ESPECÍFICOS

Preservar vínculos com a família de origem, salvo determinação judicial em contrário; desenvolver com os adolescentes condições para a independência e o auto-cuidado.

TRABALHO

SOCIAL

ESSENCIAL AO

SERVIÇO

acolhida/recepção; escuta; desenvolvimento do convívio familiar, grupal e social; estudo social; apoio à família na sua função protetiva; cuidados pessoais; orientação e encaminhamento sobre/para a rede de serviços locais com resolutividade; construção do plano individual e/ou familiar de atendimento; orientação sociofamiliar; protocolos; acompanhamento e monitoramento dos encaminhamentos realizados; referência e contra-referência; elaboração de relatórios e/ou prontuários; trabalho interdisciplinar; diagnóstico socioeconômico; informação; comunicação e defesa de direitos; orientação para acesso à documentação pessoal; atividades de convívio e de organização da vida cotidiana; inserção em projetos/programas de capacitação e preparo para o trabalho; estímulo ao convívio familiar, grupal e social; mobilização, identificação da família extensa ou ampliada; mobilização para o exercício da cidadania; articulação da rede de serviços socioassistenciais; articulação com os serviços de outras políticas públicas setoriais e de defesa de direitos; monitoramento e avaliação do serviço; organização de banco de dados e informações sobre o

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serviço, sobre organizações governamentais e não governamentais e sobre o SGD.

AQUISIÇÃO DOS

USUÁRIOS

Segurança de acolhida: ter ambiente e condições favoráveis ao processo de desenvolvimento peculiar da criança e do adolescente Segurança de convívio ou vivência familiar, comunitária e social: ter acesso a benefícios, programas, outros serviços socioassistenciais e demais serviços públicos; ter assegurado o convívio familiar, comunitário e/ou social. Garantir a colocação em família substituta, sempre que houver a impossibilidade do reestabelecimento e/ou preservação e vínculos com a família de origem.

CONDIÇÕES E

FORMA DE

ACESSO

Por determinação do Poder Judiciário; por requisição do conselho tutelar, que deverá comunicar a autoridade competente conforme Art. 93 do ECA

UNIDADE Casa lar e Abrigo Institucional

PERÍODO DE

FUNCIONAMENTO 24 horas

ABRANGÊNCIA Municipal. Podendo ser regionalizado seguindo os critérios para tal.

ARTICULAÇÃO

EM REDE

Demais serviços socioassistenciais e serviços de políticas públicas setoriais; programas e projetos de formação para o trabalho, de profissionalização e de inclusão produtiva; serviços, programas e projetos de instituições não governamentais e comunitárias; demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.

IMPACTO SOCIAL

ESPERADO

Contribuir para a redução das violações dos direitos socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência; redução da presença de pessoas em situação de rua e de abandono; indivíduos e famílias protegidas; construção de autonomia; indivíduos e famílias incluídas em serviços e com acesso a oportunidades; rompimento do ciclo da violência doméstica e família.

Fonte: BRASIL, 2009b. Elaborado pela autora.

Observa-se que as mudanças trazidas pelos documentos normativos, em especifico o

demonstrado no Quadro 4 precisam de maturação para ser de fato projetadas nas

práticas das entidades. Ao normatizar a política de atendimento à infância e juventude

traz a discussão da efetivação, dentre outros, dos direitos sociais. A efetivação de

direitos perpassa por vontade política e decisões dos entes governamentais e de uma

sociedade civil organizada que exerça o seu controle social, mudando principalmente a

cultura vigente e não apenas processos. Para efetivação da política é preciso o

supervisionamento da mesma para que sejam trabalhadas as diretrizes propostas pela

Orientações Técnicas (Brasil, 2009a) colocando o acolhimento institucional no seu

verdadeiro lugar que é o de operacionalizar a medida protetiva judicial em todas as suas

nuances.

2.2.2 - A gestão financeira das entidades

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O financiamento do serviço de acolhimento institucional é ponto crucial. Afinal, como

fazer política pública com qualidade e eficiência sem financiamento? Como estabelecer

princípios, diretrizes, metodologia e obrigações para as entidades sem que as mesmas

não tenham condições de executarem o serviço?

O deslocamento da visão tradicional da institucionalização para a visão progressista

(pautada no direito à convivência familiar e comunitária) só pode ser efetivada com

capacidade financeira, ou seja, recursos necessários para garantir a execução dos

serviços e consequentemente, a boa gestão. Claro está que a gestão é estreitamente

vinculada ao uso de ferramentas adequadas para determinado processo.

Somente com o surgimento da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) em 1993, os

recursos passam a ser repassados aos Estados e Municípios através do Fundo Nacional

de Assistência Social (FNAS). Mas, somente em 2005, a Portaria N° 440 do MDS, passa

a regulamentar os pisos da proteção especial estabelecidos pela Norma Operacional

Básica (NOB/SUAS), especificamente o Artigo 6º aponta para os serviços de

Acolhimento Institucional e Familiar. Os critérios do co-financiamento são pactuados na

Comissão Intergestores Tripartite – CIT e deliberadas pelo Conselho Nacional de

Assistência Social - CNAS. A CIT é formada pelo Governo Federal, através do MDS,

pelos Estados através do Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência

Social (FONSEAS), pelos municípios que são representados pelo Colegiado Nacional de

Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS).

Percebe-se, portanto, que somente quinze anos após ECA o piso seria regulamentado.

Tal consideração leva a reflexão da contradição existente entre uma normativa que

estabelece o que precisa ser feito, mas a inexistência de recursos para tal.

O IPEA (2004) registra a sobrevivência das entidades da seguinte forma: 41,47% de

recursos públicos, 33,6% privados e 24,93% de receita própria. Os recursos públicos

foram divididos da seguinte forma: 7,47% federal; 15,90% estadual e municipal situado

em 18,09%. Inferi-se que a entidade ainda precisa captar um percentual de quase 60%

para conseguir sobreviver. O que pode levar as entidades a gastarem tempo com a

busca pela captação de recursos, muitas vezes, em detrimento da execução do serviço.

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Outro ponto importante é o trazido por Silva e Mello (2004) ao considerarem que a Rede

SAC/Abrigos é tratada como herança histórica sem nenhum tipo de estudo técnico para

definição de financiamento, sendo seguida a lógica das creches e dos asilos de idosos

(hoje Instituições de Longa Permanência- ILP) sem considerar as particularidades do

serviço efetivado pelos chamados abrigos. Aferir o custo total do serviço é um desafio e o

primeiro passo para obter-se um repasse condizente com as ações a serem realizadas

pela entidade.

Indiscutível a responsabilidade dos entes federados no financiamento da política pública

em especial àquela destinada a indivíduos afastados de suas famílias e, diga-se de

passagem, famílias pobres, em sua maioria sem acesso políticas públicas estruturais.

O CMDCA/BH (1997) registrou que em 46% das entidades pesquisadas a principal fonte

de recursos vem da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, sendo complementada por

doações diversas. Nas outras pesquisas o dado financeiro não é trabalhado. Já a FJP

(2000) considera que das trinta e duas entidades, nove não tinha convênio. Conforme

apontado pela FJP (2000) um grande entrave para a execução dos serviços é o

financiamento:

[...] não vem recebendo aporte de recursos suficientes de outras esferas de governo para implantação das políticas sociais que os diagnósticos apontam como necessários. Além disso, a dívida social acumulada nessa área é muito grande. A maior parte dos recursos aplicados na assistência social provêm do Tesouro Municipal (78%) (GOVERNO DE MINAS GERAIS, 2000, p.31).

Não se pode deixar de lembrar, que mesmo diante do exposto anteriormente, o

financiamento da Seguridade Social, da qual a Assistência Social faz parte, está previsto

no Art. 195 da Constituição Federal, na LOAS e no Decreto nº 1605/95 que regulamenta

o Fundo Nacional de Assistência Social.

2.2.3 - Quem são os trabalhadores que operacionalizam a medida protetiva?

A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência

Social (NOB-RH/SUAS) foi o primeiro documento normativo a trazer a dimensão da

gestão do trabalho pautado em quatro dimensões: conhecer os profissionais que atuam

na Assistência Social caracterizando suas expectativas de formação e capacitação;

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propor estímulos e valorização destes trabalhadores; identificar pactos necessários entre

gestores, servidores, trabalhadores da rede socioassistencial e por último, política de

gestão do trabalho que privilegie a qualificação técnico-política desses agentes.

Considerando um serviço da política pública, cabe ao gestor do acolhimento institucional

considerar os pressupostos deste documento, que posteriormente, foram reforçados com

as Orientações Técnicas. Em sintonia com a NOB-RH/SUAS compete às entidades

considerarem as seguintes diretrizes:

FIGURA 2: Competências das entidades segundo a NOB-RH/SUAS

Fonte: BRASIL, 2006b. Elaborado pela autora.

Estas diretrizes trazem uma dimensão efetiva de política social e estabelecem até a

forma como deve ser calculado o custo de recursos humanos das entidades de

acolhimento, considerando o “tratamento salarial isonômico” proposto.

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O quadro abaixo apresenta quem são os profissionais e qual o número mínimo proposto

para atender cada modalidade dentro do serviço de acolhimento institucional.

QUADRO 5: Paramêtros de funcionamento acolhimento institucional

Modalidad

e

Público

alvo

Número

Máximo de

Usuários por

Equipamento

Equipe Profissional Mínima

ABRIGOS

INSTITUCION

AIS

Crianças e

adolescente

s de 0 a 18

anos sob

medida

protetiva de

abrigos.

20 crianças e

adolescentes

Coordenador: 01 profissional de

nível superior (formação mínima),

experiência em função congênere;

Equipe técnica: 02 profissionais de

nível superior (formação mínima) e

experiência no atendimento a

crianças, adolescentes e famílias em

situação de risco para atendimento a

até 20 crianças e adolescentes;

Educador/cuidador: 01 profissional

de nível médio (formação mínima) e

capacitação específica para até 10

usuários, por turno.

Auxiliar de educador/cuidador: 01

profissional de nível fundamental

(formação mínima) e capacitação

específica para até 10 usuários, por

turno.

CASAS-

LARES

Crianças e

adolescente

s de 0 a 18

anos sob

medida

protetiva de

abrigo.

10 crianças e

adolescentes

Coordenador: 01 profissional de

nível superior (formação mínima) para

atendimento a até 20 crianças e

adolescentes em até 3 casas-lares;

Equipe técnica: 02 profissionais de

nível superior (formação mínima) e

experiência no atendimento a

crianças, adolescentes e famílias em

situação de risco para atendimento a

até 20 crianças e adolescentes

acolhidos em até 3 casas-lares;

Educador/cuidador residente: 01

profissional de nível médio e

capacitação específica para até 10

usuários.

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Auxiliar de educador/cuidador

residente: 01 profissional de nível

fundamental (formação mínima) e

capacitação específica para até 10

usuários, por turno.

REPÚBLICAS Geral 6 (seis) jovens

Coordenador: 01 profissional de

nível superior (formação mínima),

experiência em função congênere;

Equipe técnica: 02 profissionais de

nível superior (formação mínima) e

experiência no atendimento a

crianças, adolescentes e famílias em

situação de risco para atendimento a

até 24 jovens (em até quatro

diferentes unidades).

Fonte: Brasil, 2009a. Elaborado pela autora.

Considerando as pesquisas, o IPEA (2004) ao aprofundar o quadro de recursos

humanos encontrou a predominância de alguns grupos. Com relação aos profissionais

enquadrados no grupo de cuidados diretos, estavam aqueles com a responsabilidade de

cuidar diariamente das crianças e adolescentes, somados aos integrantes do grupo de

apoio operacional responsável pelos serviços gerais, cozinheiros, motoristas, seguranças

e vigias. Observa-se aqui a presença de segurança e vigias, algo questionável em um

acolhimento institucional e geralmente uma figura presente nas entidades

socioeducativas de internação.

Os outros três grupos apontados dizem respeito a profissionais adicionais, como um plus

para as entidades como por exemplo, médicos. No grupo pertinente a administração

institucional são secretárias, administradores, e demais profissionais ligados à gestão

administrativa e financeira da entidade, estes fundamentais para que a mesma funcione

de forma eficiente.

No universo destes grupos, 59,2% são funcionários próprios e o restante voluntários,

dividindo-se em 6,1% de trabalhadores do apoio operacional, 6,8% ligados a cuidados

diretos e 25,2% da equipe técnica. Um paralelo pode ser feito aqui com a longa

permanência das crianças e adolescentes nas entidades apontadas pelo IPEA (2004). A

equipe técnica possui como principal função a realização de estudos de casos e

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elaboração de relatórios. Sem uma equipe própria, com horários de trabalho,

compromissos vinculados efetivamente a entidade, não é possível a realização de estudo

de caso de maneira pontual e sistemática o que leva a conclusão de que crianças e

adolescentes são “depositados” e “esquecidos” nas entidades, não sendo feita uma

busca cuidadosa e minuciosa da sua família de origem e extensa como forma de intervir

para que o motivo do abrigamento seja minimizado e que, principalmente, durante a

medida protetiva, os vínculos, mesmo que frágeis, sejam mantidos.

Para a FJP (2009) encontra-se nos abrigos mineiros uma heterogeneidade significativa

na quantidade, qualificação, estabilidade e tipos de vínculos profissionais. Não é possível

fazer uma correlação com a pesquisa IPEA, tendo em vista que a FJP contabilizou a

média de crianças abrigadas para cada profissional independente se o profissional era

funcionário fixo, prestador de serviços, estagiário ou voluntário.

O perfil dos funcionários encontrados pelo CMDCA (1997) aponta para cinco áreas:

educação, aqueles que lidam diretamente com as crianças; saúde, administração,

direção e serviço geral. Um número expressivo é voluntário, perfazendo um total de 25%.

Não é apontada a presença de técnicos, o que demonstra a não existência da prática

neste período de estudo de caso. Não foi registrada a formação continuada dos

profissionais. Já a FJP (2000) registrou que menos da metade das entidades tinham o

quadro mínimo estabelecido pelo próprio município através do documento Critérios de

Qualidade do Atendimento em Abrigos/SMAAS. Neste período também foi apontado que

mais de 65% das entidades trabalhavam com a figura do pai ou mãe social (hoje

educador residente). No estudo de caso de 2010 esta categoria não foi trabalhada, pois o

foco eram os estudos de casos.

Considerando a gestão social das entidades, aqui entendida como um conjunto de

práticas necessárias para a humanização do serviço, a questão dos recursos humanos é

relevante. Assim como não se pode pensar a entidade sem processos claros, não é

possível pensar a rotina diária sem funcionários preparados para a sua função e em

número suficiente. Ambos, processos e recursos humanos, estão interligados.

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2.2.4 - A estrutura física das entidades

Dentre todos os documentos das normativas o que clareia a estrutura física é a

Orientações Técnicas. Independente da modalidade, as entidades de acolhimento

institucional devem se assimilar a uma residência familiar, sem distanciar

arquitetonicamente das residências da comunidade e não devem ser instaladas placas

indicativas. Importante que, fugindo da visão tradicional, as entidades não criem espaços

internos de lazer como no passado, mas utilizem os da comunidade, sejam eles quadras,

piscinas, playgrounds, dentre outros. Abaixo um comparativo entre as duas modalidades:

QUADRO 6: Estrutura física acolhimento institucional

CÔMODO CASA LAR ABRIGO

INSTITUCIONAL

Quartos Metragem 2,25 m2 por

ocupante. Máximo de 4

acolhidos

Metragem 2,25 m2 por

ocupante. Máximo de 4

acolhidos,

excepcionalmente 6.

Quarto para educador

residente

Com metragem para

acomodar um educador ou

um casal residente

Não existe

Sala de estar 1.00 m2 por ocupante.

1.00 m2 por ocupante.

Exclusivo ou no quarto dependendo da faixa etária

1 banheiro para cada 6 acolhidos/1 banheiro para os

funcionários

Espaço suficiente para acomodar utensílios e

mobiliário

Espaço suficiente para acomodar utensílios e

mobiliário

Espaço para brincadeiras e convivência.

Sala de Jantar/ Copa

Ambiente para estudo

Banheiro

Cozinha

Área de serviço

Área externa

Fonte: BRASIL, 2009a. Elaborado pela autora.

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Alguns espaços, como sala para equipe técnica, sala de coordenação, atividades

administrativas e sala de reuniões devem, preferencialmente, estarem localizadas

externamente à moradia das crianças e adolescentes.

Ao reportar-se às pesquisas, o IPEA (2004) abordou um capítulo para o espaço físico

das entidades. Relativo à infraestrutura considerou-se que a maioria das entidades

estava em boa situação e que algumas delas necessitavam de adequações. Um

ambiente adequado e acolhedor são fundamentais para o desenvolvimento do processo

de construção da identidade das crianças e adolescentes.

Para a FJP (2009) a maioria das entidades possuem boa diversidade de instalações,

mas isto não significa que elas tenham qualidade. Construímos ao longo da história do

acolhimento, um perfil de estrutura física ligada a grandes internatos, a espaços amplos

que contemplassem o número de usuários e não qualidade. Sendo assim sobre a

estrutura física deve-se ter um olhar social, voltado para o bem estar dos atendidos.

No município de Belo Horizonte, a pesquisa de 2000 foi a que categorizou a

infraestrutura das entidades. Toda a análise desta categoria foi feita pela FJP(2000)

considerando o documento de Critérios de Qualidade do município. Para os

pesquisadores as entidades respondiam um ou outro ponto, mas em todos alguns

quesitos não foram respondidos e ainda se encontravam entidades com algumas

fragilidades na estrutura física, apontando para a necessidade de melhorias.

2.3 - Como as crianças e os adolescentes chegam as instituições

Ao se considerar as normativas, todas elas apontam para o público do acolhimento:

crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial, aplicada pela autoridade

competente, no caso o juiz, exceto em casos emergenciais, que a mesma poderá ser

aplicada pelo conselho tutelar e comunicada em 24 horas a autoridade competente.

Ao analisar como as crianças e adolescentes chegam às instituições, encontra-se a

informação de que o IPEA (2004) aponta os dois órgãos que mais encaminharam

crianças e adolescentes foram os Conselhos Tutelares e as Varas da Infância e da

Juventude, representando respectivamente 88% e 85,6%. Curiosamente registrou-se que

apenas metade das crianças e adolescentes tinha processo, o que se pode concluir, que

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mesmo sendo aplicada pelos órgãos competentes não existia a formalidade devida. A

falta da formalidade na entrada da criança ou adolescente na entidade, incide em uma

sequência de equívocos, dentre eles o registro oficial da data da entrada e até mesmo os

motivos reais do abrigamento. Somente com a mudança do ECA, em 2009 pela Lei

12.010, este ponto foi observado e tornou-se obrigatório a emissão da Guia de

Acolhimento, não significando que o mesmo será efetivado.

Para a FJP (2009) 65% das crianças e adolescentes chegam via Conselho Tutelar.

Reproduzindo o Brasil, no Estado de Minas Gerais a maioria das entidades (80,2%)

recebe de maneira informal estes usuários, sem nenhum tipo de formalidade ou sem

convênio firmado.

O CMDCA/BH (1997) aponta a fala das mães de que as crianças eram entregues pelos

familiares: “em casa a barriga dói de fome”, “permanecer para continuar estudando”, “ter

onde nadar no final de semana”, “ter onde comer”, permanecer até os 15 ou 18 anos e

sair depois para trabalhar” e por último “até morrer” (1997, p.62). Registros demonstram

que algumas famílias pensam e sentem o abrigo como local para viver de forma digna.

Ressalta-se que historicamente as famílias deixavam suas crianças nas instituições

compreendendo que ali era o melhor lugar para elas. Fica evidente que a mudança de

cultura não se dá de forma tão linear e rápida, ela faz parte de uma mobilização, de

informação e publicização da própria política pública. Em 2011 foi apontado pela CN,

que as crianças e adolescentes (86,56%) chegaram encaminhadas pelo Conselho

Tutelar e Vara da Infância e Juventude. Lógica esta do reordenamento institucional.

2.4 - Quem são os acolhidos: quantidade, faixa etária, gênero

A faixa etária nacional correspondente a 64,7% entre 7 a 12 anos. Silva (2004) considera

que esta concentração pode refletir as possíveis dificuldades encontradas pelas famílias

de acessar os equipamentos públicos.

Ao referir-se a gênero e cor, os números expressaram uma presença de meninos de

58,5% e de meninas de 41,5%, sendo que 63% são da raça negra. No percurso histórico

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que se fez é bastante claro que a medida protetiva tem sido utilizada em larga escala

para famílias em situação de vulnerabilidade social, digam-se famílias pobres. Famílias

estas que se encontram excluídas do crescimento econômico, vivenciando todas as

formas de dificuldades, aumentando assim o risco de fragilidades nas relações.

No perfil dos abrigados no estado, o universo de meninos é maior do que de meninas.

Seguindo a sequência do país, os meninos chegam mais aos abrigos. No gráfico abaixo

pode-se visualizar uma comparação entre a faixa etária nacionalmente encontrada e a

apontado no Estado de Minas Gerais e em Belo Horizonte.

GRÁFICO 1: Cenário Nacional, Estadual e Municipal pela faixa etária por

%.

Fonte: Ipea (2004), FJP (2009), PBH/CN (2011). Elaborado pela pesquisadora.

O Estado de Minas Gerais apresenta um número maior de crianças na faixa etária de 0 a

3 anos em acolhimento, mas se aproxima dos dados nacionais nas outras faixas etárias.

Na pesquisa municipal de 1997, a faixa etária mais expressiva é de 7 a 12 anos.

Interessante notar que novamente o cenário se assimila às pesquisas realizadas no

âmbito estadual e nacional, com relação a maior preponderância da faixa etária de 7 a 12

anos. Diferente das outras pesquisas o CMDCA aponta uma possível explicação para

este fenômeno:

É nesta faixa etária que a criança/adolescente inicia a busca de maior autonomia, a socialização em pequenos grupos de amigos, o conhecimento de seus limites,

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o confronto com as regras e a curiosidade por encontrar novas estimulações. Tantas mudanças também geram conflitos e incompreensão que, por diversos fatores são, muitas vezes, difíceis para a família administrar (CMDCA/BH, 1997, p. 19).

O que se sabe é que de alguma forma esta faixa etária tem tido uma incidência em todos

os entes federados nas entidades de acolhimento. O porquê desta incidência

demandaria uma pesquisa detalhada, uma amostra de casos para apreender-se se o

motivo que gerou o abrigamento destas crianças/adolescentes nesta faixa etária se

assimilam, e o que poder-se-ia ser feito para amenizar este fenômeno.

Certo está que foram encontrados de maneira ostensiva meninos transitando da fase

infantil para a adolescência. O que leva a certeza de que as famílias estão, de alguma

forma, encontrando dificuldades, seja de ordem financeira, materiais, até aquelas ligadas

a própria fase de desenvolvimento e suas nuances. Aponta para a necessidade de maior

parceria entre o poder público e estas famílias nesta fase de desenvolvimento infanto-

juvenil.

A pesquisa de 2000, em Belo Horizonte, novamente aponta para mais meninos

acolhidos. Não se resta dúvida da necessidade de explorar tal dado para buscar meios

de compreender o porquê deste fenômeno ao longo dos anos, em todos os entes

federados. No município este dado apresenta uma diferença mais expressiva entre os

gêneros.

Ainda em Belo Horizonte, sem discussão alguma, os meninos e meninas da raça parda

(50%) e preta (21%) continuam sendo o público que mais adentra as unidades de

acolhimento. Ainda se está distante de um desenvolvimento econômico acoplado ao

desenvolvimento humano em especial para aqueles marginalizados e que carregam

consigo ainda as marcas da colonização brasileira.

2.5 - Documentação dos acolhidos

A documentação apresentada no ato do abrigamento, registrada pelo IPEA (2004)

aponta para um universo de 52,4% que confirma o recebimento de pelo menos termo de

abrigamento, certidão e quando criança pequena, cartão de vacina. Mas 38,1% afirmam

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não ter recebido nenhum documento no ato da chegada da criança. Como apontado pela

própria FJP (2009) a falta de documentos, em especial de relatório do caso, apontado

em 48,4% das entidades, reflete a pouca institucionalização da política.

Sem dados básicos dos acolhidos (documentos e relatório informando o motivo do

acolhimento), pode-se acreditar que aquela criança não passou por nenhuma outra das

medidas que antecipam ao abrigamento estabelecidas pelo ECA, ou então não houve

registro dos atendimentos, demonstrando que existe um vazio entre a primeira medida a

ser aplicada até chegar no abrigo. A medida protetiva nesta lógica, sem se julgar aqui os

motivos, acaba sendo a primeira a ser tomada. O que leva a uma discussão de como a

rede do SGD/CA vem trabalhando a prevenção para evitar que crianças e adolescentes

cheguem à medida de acolhimento, sem que seus familiares tenham sido referenciados

em equipamentos da política pública. Precisa-se reforçar e validar o que foi trazido pelo

PNCFC, bem como o PECFC, que o direito à convivência familiar e comunitária se faz

pelo conjunto articulado de ações das políticas setoriais, considerando que uma situação

de vulnerabilidade não vem sozinha, mas acoplada a fatores sócioeconômicos que levam

a momentos de fragilidade vividos pelas famílias.

A CN(2011) apontou que as crianças e adolescentes ainda não chegam às entidades

com a Guia de Acolhimento, sendo que este documento foi trazido pela Lei 12.010. Esta

guia é de grande importância pois nela consta uma prévia do caso, medidas aplicadas

antes da medida de acolhimento institucional. Interpreta-se que, como a mesma é

preenchida de forma eletrônica com campos diversos obrigatórios, ela remete a ter sido

feito um mínimo de estudo de caso antes da aplicação da medida, e ao ser finalizado

gera um número processual e esta criança e adolescente adentra no cadastro nacional

do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tal procedimento leva a uma constante

atualização nacional do número de crianças que entram e que saem (existe também a

guia de desligamento) passando a contar o tempo do abrigamento.

Torna-se urgente e necessário que nacionalmente todas as crianças e adolescentes

cheguem às entidades com esta guia de acolhimento, eliminando assim o então termo de

abrigamento que deverá ser usado apenas na excepcionalidade. Supõe-se que a justiça

seja o primeiro órgão a se adequar nas alterações como da Lei 12.010, neste sentido

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faz-se necessário envidar esforços, principalmente para que as Varas da Infância e

Juventude em todo país estejam organizadas para tal.

2.6 - Quais os motivos do abrigamento

Ao analisar os dados nacional, estaduais e do município de Belo Horizonte referentes

aos motivos do abrigamento, percebe-se uma série de questões: a pouca clareza na

compreensão do conceito de violência doméstica que faz com que algumas categorias

fiquem isoladas; a diversidade de motivos; motivos que vão desde aqueles referente à

violência sofrida pela criança e adolescente e também por sua família; questões de

saúde pública e de cunho sócio.

No gráfico abaixo a representação da

junção das três esferas e os motivos em valores percentuais.

GRÁFICO 2: Motivo do abrigamento em Belo Horizonte, Minas Gerais e Brasil.

Dados em %.

Fonte: IPEA,2004; GOVERNO DE MINAS GERAIS, 2009ª; CASA NOVELLA, 2011. Elaborado pela pesquisadora

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Algumas reflexões podem ser feitas a partir destes dados. Primeiramente, na esfera

nacional, as pesquisadoras colocam o abuso sexual fora da categoria de violência

doméstica, assim como o abandono. Considerando na mesma categoria, a violência

sexual, física, psicológica e abandono/negligência (AZEVEDO e GUERRA, 2005; HUTZ,

2005; ASSIS, 2005; BENETTI,et al, 2005), ter-se-á um percentual total de violência

doméstica na ordem de 33,7%. Sem fechar a discussão, compreende-se que isto muda a

avaliação dos dados relativos aos motivos do abrigamento.

Este novo olhar direciona para duas vertentes de reflexão: primeira, a necessidade de

aprofundamento nas pesquisas e estudos sobre a temática violência doméstica do ponto

de vista de conceituação da mesma; segunda, a própria discussão da implementação de

políticas públicas, que para além da transferência de renda devem ter em seu conteúdo

mecanismos capazes de enfrentar as fragilidades e os esfacelamentos que ocorrem com

as famílias, em determinados ciclos de vida.

Conforme Gueiros (2007, p.163) o esgarçamento de laços sociofamiliares contribuem

para o desenraizamento social. Para a autora o enraizamento social, sentimento de estar

localizado em um espaço social e dele fazer parte, é uma das bases para a garantia do

direito à convivência familiar.

As autoras Maia e Willians (2005) apud Barnett (1997) enfatizam quatro fatores de risco

que estão associados à ocorrência de abuso infantil crônico e a negligência: pobreza,

história, personalidade e habilidades dos (MAIA e WILLIANS, 2005, p.92).

A desigualdade social, a fragilidade nas políticas voltadas para inclusão social, acabam

levando a um outro fato grave vivenciado no cenário do acolhimento institucional: a

categoria dependência química dos pais. Não é intuito aqui discorrer sobre esta questão,

até porque é demais. Importante ressaltar que não se pode desconsiderar um grave

problema que implica em uma ação conjunta de várias políticas sociais, em especial, da

saúde.

Desta forma, conforme preza o PMCFC/BH acredita-se que, a promoção, proteção e a

defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária

requerem ações específicas, conforme a especificidade das políticas e também

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articulações intersetoriais necessárias à sua consolidação dentro da concepção do SGD

C/A (BELO HORIZONTE, 2012, p.24).

Independente do motivo, a razão em si do abrigamento tem a ver com as próprias

representações, que ao longo da história foram sendo construídas, de que as famílias

vulneráveis não conseguem cuidar de seus filhos. A discussão, ao longo dos anos, se

voltou mais para a família que não cuida, do que para a ausência de serviços

socioassistenciais que possuem o papel intrínseco de fortalecer o caráter protetor das

famílias, em especial aquelas que demandam os serviços. Reforça-se que os Planos de

Convivência Familiar e Comunitária, quando colocados em práticas, são instrumentos

fundamentais para criarem condições de prevenir as situações que motivam o

abrigamento. Em suas diretrizes está a formação de uma rede de apoio que ocorrerá

quando existir uma articulação entre os atores do SGD/CA e os serviços prestados.

2.7 - O trabalho social com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos

Ao adentramos neste item penetramos uma seara complexa e ainda não muito clara no

universo da execução do serviço de acolhimento institucional. Questão esta que será

retomada no próximo capítulo.

Importante apontar o que as normativas falam sobre isto. O ECA (2009) ressalta a

importância da elaboração do Plano Individual de Atendimento, visando a reintegração

familiar e feito de forma compartilhada com diversos atores do SGD C/A. As Orientações

Técnicas reafirmam a importância do acompanhamento e a articulação com outros

atores das políticas setoriais. Já a Tipificação (BRASIL, 2009b) com clareza registra que

esta família deve ser referenciada no equipamento público, Centro de Referência

Especializado de Assistência Social (CREAS), no Serviço de Proteção e Atendimento

Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI).

Refletindo sobre os números encontrados com relação às famílias e o trabalho realizado

com estas encontra-se algumas questões que demonstram claramente que os serviços

não trabalham de forma articulada e não referencia a família.

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Segundo o IPEA (2004), 58,2% das crianças possuem algum tipo de vínculo, mas

apenas 41,40% das entidades permitiam visitas. Como vincular sem ter contato? Ou este

contato se dá apenas ao telefone e tratando de crianças e adolescentes maiores? Esta

resposta não foi conseguida. Mais incipiente ainda é constatar que 31,60% das entidades

encaminham as famílias para inserção em programas de auxílio/ proteção à família,

tendo em vista o perfil já traçado das famílias. Somadas todas as ações apenas 14,1%

realizam de forma cumulativa as ações.

Considerando-se a primazia da convivência familiar das crianças acolhidas, percebe-se

que as pesquisas refletem o que Gueiros (2007, p. 116) traz ao afirmar que a perspectiva

da família como unidade social e em constante mutação, não está devidamente

incorporada no tratamento que a mesma vem tendo da sociedade.

Posto isto, o trabalho com famílias exige uma proposta metodológica clara, capaz de

abarcar as particularidades do universo familiar. Para compreender este universo são

necessárias entrevistas, visitas domiciliares, questionário sócio econômico, dentre outros

instrumentos técnicos operativos disponíveis para a coleta do máximo de informações

que possam subsidiar as decisões a serem tomadas pela equipe multidisciplinar.

A FJP (2009) afirma que, nos abrigos pesquisados, há um número expressivo de retorno

à família de origem ou extensa (75,6%). O dado, se considerando puramente, é relevante

e vai ao encontro à garantia do direito à convivência familiar. Mas curioso notar que este

dado torna-se contraditório ao se perceber que não existe um trabalho sistemático com

as famílias e que foi apontada a existência de registros em apenas 67,3% dos familiares

dos acolhidos.

Nesta linha de raciocínio, entende-se que não existem subsídios claros para efetivar as

reintegrações. Para que a mesma ocorra são necessárias intervenções que levem a

família a ter autonomia e condições de voltar a exercer o seu papel protetor. A

inconsistência de ações de proteção apresentam a distância entre a discussão teórica e

a prática no trabalho com famílias. No campo teórico existe uma ampla discussão dos

novos arranjos familiares e da matricialidade familiar, mas no campo prático ainda falta

sistematização do trabalho com famílias.

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O CMDCA/ BH (1997) apontou como grave o fato das entidades não encaminharem as

famílias para programas de promoção, afirmando a necessidade de uma maior

articulação entre a rede de serviços. Apontou a existência de um vazio no atendimento e

falta de clareza de quem deveria fazer o acompanhamento familiar. Para os conselheiros

de direitos, ocorria um duplo esquecimento: da criança que fica na instituição e da família

em seu espaço privado. Novamente pode-se ver uma contradição ao apontar que

70,90% das crianças possuíam vínculo familiar.

A Casa Novella (2011) aponta que as atividades realizadas com as famílias ainda são

incipientes e deixam margem de dúvidas para compreender como então as crianças

ficam um tempo inferior ao máximo da lei. Poucas famílias são visitadas. A visita

domiciliar é instrumento fundamental no processo de estudo de caso e quando se pensar

em perspectivas de reintegração ou integração. Outra percepção é referente ao

atendimento individual que demonstra que poucas famílias são de fato escutadas,

conhecendo-se assim pouco da dinâmica familiar e dos próprios motivos reais que

levaram ao abrigamento.

Refletimos aqui, que o primeiro passo, para uma mudança, é considerar que a família

não pertence a entidade, mas que deve ser acompanhada por demais atores do SGD

C/A através de estudos de casos em comum e, principalmente, ações articuladas e

principalmente que deva ser referenciada no CREAS. A família não necessita da

presença, cada hora de um agente em sua casa, mas a presença de atores que se

articulem entre si. Necessário se faz que a família não seja fragmentada no SGD/CA

como um médico que se especializa em braço e outro em coração. Ela precisa de

profissionais que humanizem o atendimento e olhem para a família com um ser único.

2.8 - Tempo de acolhimento institucional

Até a promulgação da Lei 12.010/2009 não existia parâmetro relacionado ao tempo

máximo em que as crianças e os adolescentes deveriam permanecer nas instituições.

Muitas delas cresceram nestas entidades. Somente a partir do surgimento das novas

normativas legais é que incorpora ao ECA o prazo máximo de 2 anos para que estas

crianças permaneçam na instituição. Abaixo um gráfico com a junção das pesquisas.

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Salienta-se que, ao se elaborar o gráfico, como cada pesquisa registra de forma

diferenciada, foi acoplada da melhor forma possível para tentar fazer uma comparação.

GRÁFICO 3: Comparativo tempo de abrigamento em % cenário

Municipal/Estadual/Nacional

Fonte: IPEA(2004) e GOVERNO DE MINAS GERAIS (2009b), CASA NOVELLA (2011) Elaborado pela pesquisadora.

Quando se faz a leitura deste dado pelo IPEA (2004) aponta-se que 32,9% viviam nas

instituições entre dois e cinco anos, entre seis e dez anos 13,3% e acima de 10 anos

encontrou-se 6,4%. Como pode ser visto e comprovado, a permanência longa em

instituições foi registrada com um índice bastante alto considerando-se que metade dos

acolhidos possuía algum tipo de vínculo familiar.

Não se pode deixar de ressaltar a temporalidade das pesquisas. Quando foi realizada a

pesquisa nacional, 2004, não existia parâmetro regulatório e muitas crianças eram

esquecidas nas entidades. Já em 2009, na pesquisa estadual, já se percebe uma

melhora e quando se aporta em Belo Horizonte, 2011, o cenário apresenta melhoras

significativas.

Outro fato importante é pensar no município de Belo Horizonte separadamente, tendo em

vista o recorte que é feito por modalidade. O gráfico abaixo expressa os números.

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GRÁFICO 4: Tempo de Abrigamento em % Belo Horizonte 2011

Fonte: Sistema de Informação e Gestão de Políticas Sociais (SIGPS) Belo Horizonte Dados coletados no período de 23 de maio a 15 de setembro de 2011.

Somente na modalidade de portador de deficiência ocorre um cenário maior no tempo de

abrigamento. Nas outras, o índice encontra-se representativamente abaixo do

estabelecido na nova normativa de no máximo dois anos. O que demonstra a

possibilidade concreta de redução do tempo de abrigamento. Aponta também, mesmo

que ainda necessitando de muitas melhoras, para uma preocupação e ações sendo

realizadas pelas diversas instâncias envolvidas com a medida protetiva.

Mais adiante pode-se tentar achar uma resposta para o tempo de abrigamento

considerando que 28% foram desligados para família substituta e apenas 13,44%

encaminhados para a família de origem ou extensa. Sendo que somando os casos de

inserção no acompanhamento familiar com vistas à reintegração, chega-se a 30%.

Praticamente um empate entre desligamento para família, seja de origem ou extensa,

com família substituta. O que reflete que a família adotiva tem tido um percentual

significativo dentro das unidades e isto se leva a pensar como ficam estas famílias

biológicas.

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Refletiu-se que a publicação da Resolução nº 71/2011 pelo Conselho Nacional do

Ministério Público, dispondo sobre a atuação dos membros do Ministério Público na

defesa do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes em

acolhimento, fomentou a necessidade urgente de se cumprir com os novos prazos

estabelecidos pela nova alteração do ECA. Da mesma forma, o judiciário é chamado a

ser mais ágil nos processos das crianças e adolescentes sob medida de proteção.

Apesar da necessidade de muitos avanços, os números apontam para um bom caminho

ressaltando-se a necessidade de que crianças e adolescentes desligados sejam

acompanhados e referenciados em equipamentos da assistência social para que não

aconteçam novos reabrigamentos. Dado este que não foi pesquisado por nenhuma das

duas pesquisas, mas que merece um levantamento futuro. Um reabrigamento é danoso

para qualquer criança e adolescente.

2.9 - Atividades externas e rede de serviços

Da mesma forma que a estrutura física é importante, a comunidade do entorno também.

Contrário ao afastamento e segregação vivida anteriormente, quando da Doutrina da

Situação Irregular, a discussão é da convivência comunitária, para além dos muros

institucionais. Entidades abertas, para que crianças e adolescentes circulem e façam

novas amizades. Afinal, elas não estão sob medida de privação de liberdade e sim de

proteção. Percentualmente, encontra-se nacionalmente um dado de 95,1% das

entidades inseridas na comunidade. Retrato este importante e significativo, mas que, por

si só, não significa que haja convivência comunitária 7 , mas dimensiona para esta

possibilidade, mesmo que construída gradativamente.

Em todas as pesquisas percebeu-se que a convivência comunitária ainda não é tão

discutida como a convivência familiar. Para esta discussão ser ampliada é preciso que

políticas de cultura, esporte e lazer estejam articuladas com as entidades de

acolhimento.

7 A convivência comunitária aqui é entendida como os espaços e instituições sociais mediadores das relações para a construção de

relações afetivas saudáveis, conforme abordado no PNCFC.

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A CN (2011) aponta para a pouca realização de atividades com as crianças e

adolescentes, levando a uma ociosidade dentro das unidades que pode ter outras

consequências até mesmo voltadas para a questão dos problemas de agressividades,

falta de limites e respeito a regras. Sabe-se que crianças e adolescentes possuem muita

energia que precisam ser direcionadas e focadas em atividades saudáveis e

fundamentais para o crescimento destes indivíduos em plena fase do desenvolvimento.

A utilização de serviços públicos é fundamental para criar uma referência para estas

famílias em específico quando ocorrer o retorno familiar considerando que são famílias

que precisam de uma continuidade no atendimento para que não reincidam novamente

em situações de violência e até mesmo para que seja prevenida novas rupturas de

vínculos. Interessante notar que, mesmo sem uma cobertura tão ampla e ainda diante de

grandes desafios para executar os serviços (seja pela rotatividade dos profissionais ou

até mesmo pela falta de uma redesocioassistencial qualificada) equipamentos de base

territorial como o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) já possuem

impacto na vida das famílias.

A CN (2011) apontou que 62% das crianças abrigadas em Belo Horizonte estão fora da

região de cobertura dos CRAS. O que demonstra que a falta destes equipamentos que

trabalha na lógica da prevenção e do fortalecimento na base territorial tem um impacto

danoso no município. Se pensar que relativamente o custo de uma unidade de

acolhimento é bem maior, a lógica de construção de mais entidades deveria ser revista

para o aumento proporcional da demanda de unidades de equipamentos como os CRAS.

Analisa-se que a articulação com equipamentos como CRAS e CREAS além de

fundamentais, estão previstas nas normativas, em especial a Tipificação (2009) aponta

para o referenciamento da família no CREAS. Algo ainda incipiente em alguns

municípios.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, apresentamos as normativas definidas em 2009 para o atendimento de

crianças e adolescentes em acolhimento institucional. Apresentamos também pesquisas

sobre a rede de acolhimento institucional com a finalidade de conhecer as dificuldades

para a sua adequação às normativas.

A realidade apontada pelas pesquisas registra dificuldades encontradas pelas entidades

de acolhimento institucional para adequar-se às normativas colocadas em 2009.

Podemos sintetizar estas dificuldades nos itens abaixo:

ausência do estudo diagnóstico que antecipa a medida protetiva;

falta de clareza no motivo do acolhimento institucional;

inexistência de metodologia e referenciamento no trabalho social com as

famílias;

fragmentação da rede socioassistencial e do SGD C/A;

fragilidade nos processos e instrumentos de gestão das entidades;

pouca sistematização das atividades realizadas;

falta de implicação e cobertura das políticas setoriais;

dificuldade de mudar cultura enraizada;

recursos humanos insuficientes nas entidades;

financiamento insuficiente;

ausência de formação continuada.

Com certeza mudar práticas enraizadas exige coragem para propor mudanças,

conhecimento para fazê-las de forma adequada e acima de tudo financiamento para

garantir níveis satisfatórios de qualidade para cumprir com o que se preza a medida

protetiva.

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Desta forma, reflete-se que os parâmetros já estão disponíveis. A questão que se coloca

é transformá-los em instrumento da gestão. Ou seja, acoplar os parâmetros as

ferramentas de gestão da entidade.

A gestão social, nesse sentido, deve voltar para uma visão integral e interdisciplinar as

situações. Conforme aponta Fischer (2007, s/p) o gestor social é um mediador entre o

conhecimento e a prática, estabelecendo transação entre instituições, redes e redes de

redes. Não é fazer qualquer gestão e sim gestão social que requer dinamismo,

criatividade, domínio do conhecimento e competência social.

No próximo capítulo trazemos nossas contribuições para o aprimoramento da gestão

social das entidades de Acolhimento Institucional, através de instrumentos e reflexões

que podem ser utilizados no cotidiano institucional, sempre tendo em vista a promoção e

a garantia do direito da criança e do adolescente.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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11 de novembro de 2009. Brasília: MDS/CNAS, 2009b.

BRASIL. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília:

MDS/CNAS/CONANDA, 2006a.

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RH/SUAS. Brasília: MDS/SNAS, 2006b.

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SCHREINER, Gabriela. Projeto Político Pedagógico x Estatuto da Criança e do Adolescente: o que é um projeto político pedagógico e porque é necessário? Disponível em: <www.mp.sp.gov.br/portal/pls/portal/docs/1/210105 3.DOC>. Acesso em: 14 dez. 2012, 15:30. SILVA, Enid Rocha Andrade da. (Coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA, 2004. SILVA, Enid Rocha Andrade da; MELLO, Simone Gueresi. Contextualizando o Levantamento Nacional dos abrigos para crianças e adolescentes da rede de serviços de ação continuada. In: SILVA, Enid Rocha Andrade da. (Coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA, 2004.

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3 - O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO POSSIBILIDADE

CONCRETA DE INTERVENÇÃO NO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

INTRODUÇÃO

A presente proposta de intervenção para as entidades de acolhimento institucional para

crianças e adolescentes surgiu após a realização de uma pesquisa no Mestrado de

Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário Una iniciado

em 2011 e concluído em 2013.

No presente texto, apresentamos a pesquisa e suas principais contribuições. A partir daí,

tecemos sugestões para o aprimoramento da gestão social das entidades com vistas a

garantir a qualidade do atendimento bem como o direito à convivência familiar de

crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial, conforme estabelece o Art. 101 do

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Focaremos a presente proposta em

algumas vertentes do Projeto Político Pedagógico (PPP) das entidades: organização do

cotidiano administrativo da entidade; prontuário das crianças e adolescentes acolhidos e

uma proposta de fluxo do acompanhamento familiar desde o momento da entrada da

criança e do adolescente até a sua saída da entidade.

De acordo com Ckagnazaroff (2004) a gestão social situa em um campo interdisciplinar e

intersetorial, dando suporte para ações públicas e pode ser considerada como uma

gestão estratégica, adaptando-se com flexibilidade as mudanças internas e externas,

onde estão envolvidos diversos atores.

Sabemos que, a entidade de acolhimento precisa realizar um trabalho em rede e, sob

está ótica, alinhar a gestão social com a gestão estratégica é que nos parece mais

prudente.

Considerando que o acolhimento institucional é o lugar que acolhe, ao pensar a gestão

das entidades e criar ferramentas de trabalho, apontamos também para a maior

responsabilização dos atores envolvidos para não cairmos na armadilha da

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desresponsabilização. Parafraseando Guerra (2005) ao abordar sobre a

institucionalização de crianças na saúde mental, corremos o risco de constituir uma

instituição de encaminhamento em lugar do acolhimento.

Conforme Guerra (2005):

Acolher implica escutar, diagnosticar a situação, ampliar o campo da queixa, buscando a implicação do sujeito, e em tomar responsavelmente a si o encargo da condução do caso. Esse modelo rompe com uma prática desimplicada[...] (GUERRA, p.142, 2005).

Nesta direção este texto se organiza de forma a trazer subsídios para que a entidade,

através do atendimento ofertado, possa minimizar o impacto que a medida protetiva por

si só já traz, que é o afastamento do convívio familiar e a sensação de abandono sofrido

tanto pela criança quanto pelo adolescente. Considerar o acolhimento como um lugar de

segurança e de empoderamento é a direção que se guia, não mais como um “mal

necessário”, mas como um porto seguro, como aquele que em determinados momentos

da vida, é-se direcionado para que se possa fortalecer.

O acolhimento institucional deve ser este lugar: o lugar da construção e da reconstrução

de histórias fragmentadas, da escuta, do ser criança, do ser adolescente, enfim, do ser

gente. O primeiro reordenamento a ser feito, é na compreensão de fazer com que

crianças e adolescentes, enquanto ali estiverem, pertençam àquele lugar, não apenas na

sua dimensão física, mas em especial, na sua dimensão de afetiva.

3.1 - A pesquisa: análise de dados sobre as entidades de acolhimento institucional

A pesquisa teve como metodologia a análise de dados secundários dos censos e

diagnósticos realizados, nos três níveis de governo, analisando-as e discutindo-as.

Também abrangeu uma revisão bibliográfica dos seguintes marcos regulatórios e

normativos sendo eles: Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos

das Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006), Orientações

Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2009),

Tipificação Nacional dos Serviços socioassistenciais (2009), Lei 12.010/2009, Plano

Estadual de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes à

Convivência Familiar e Comunitária (2009) e por último o Plano Municipal de Promoção,

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Proteção e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e

Comunitária (2012).

Ao fazer a leitura das pesquisas8, foi perceptível que, apesar dos avanços, ainda há um

longo caminho a percorrer para garantir a qualidade do atendimento dos serviços das

entidades de acolhimento institucional.

O tema proposto, o impacto das políticas e normativas legais no atendimento prestado

pelas Unidades de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes sob medida de

proteção judicial, com vistas à garantia do direito à convivência familiar e comunitária,

surgiu depois de um longo caminho percorrido pela pesquisadora, através de visitas em

unidades de acolhimento institucional no Estado de Minas Gerais, no período de 2008 a

2011, com o propósito de conhecer a realidade e propor possibilidades para a melhoria

do atendimento. Estabeleceu-se como objetivo geral analisar as pesquisas existentes no

Brasil, Estado de Minas Gerais e Belo Horizonte, contrapondo-as com as novas

normativas, propondo melhoria na gestão social das entidades.

Os objetivos específicos foram assim delimitados: descrever e analisar o acolhimento

institucional, através de pesquisas existentes, no cenário nacional, do estado de Minas

Gerais e do município de Belo Horizonte; descrever e discutir as principais mudanças

introduzidas pelas normativas legais voltadas para o acolhimento de crianças e

adolescentes; elaborar uma proposta de intervenção relativa aos serviços e à construção

de fluxos internos no Acolhimento Institucional, visando à garantia do direito à

convivência familiar e comunitária.

De uma forma geral, a análise das pesquisas aponta para a fragilidade da rede de

serviços, pouca compreensão dos marcos regulatórios e de uma forma preocupante,

crianças e adolescentes, sendo institucionalizados sem clareza do motivo real do

acolhimento e principalmente do que foi feito para evitar a aplicação da medida. Percebe-

se uma falta de metodologia clara no atendimento direto às crianças e suas famílias.

8 O material das pesquisas já havia sido trabalho em LIMA, Liziane V. T. Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes: o

(in)visível das paredes institucionais. Belo Horizonte, Una, 2013; LIMA, Liziane V. T. Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes: o que dizem as pesquisas no Brasil, em Minas Gerais e no município de Belo Horizonte. Belo Horizonte, Una, 2013.

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Ainda perpetua a imagem de piedade para com a criança, de rejeição para com o

adolescente e de condenação para com a família.

Claro está que o Brasil possui todo um arcabouço de normativas no que tange ao direito

de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, que precisam

materializar-se em ações concretas e que tenham impacto na vida de milhares de

crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. As pesquisas dão vida às

entidades, na medida em que tentam dar visibilidade ao que antes estava oculto. Para

além, direcionam os profissionais a elaborarem políticas públicas pautadas em dados

concretos das situações encontradas. Olhar para estas pesquisas é dar voz a elas, para

que não sejam mais um aglomerado de papéis engavetados, mas a materialização

concreta do direito à convivência familiar e comunitária.

3.2 - O reordenamento institucional: a proteção integral em movimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, na sequência da grande mudança introduzida

pela Constituição Federal de 1988, reafirmou crianças e adolescentes como sujeitos de

direitos, que devem ser protegidos pelo Estado, pela família e pela sociedade. Nesse

contexto, a questão das crianças e adolescentes vivendo em instituições ganhou novos

contornos.

A institucionalização se, de um lado, protege a criança de uma agressão ainda mais

grave, de outro, acaba por colaborar para o enfraquecimento do vínculo entre o acolhido

e sua família de origem, devido ao distanciamento que se impõe pelo próprio ato do

acolhimento institucional.

Ora, para garantir o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, é preciso que

as instituições trabalhem dentro de critérios mínimos de qualidade, evitando o

atendimento massificado que acarreta carência afetiva, dificuldade de estabelecimento

de vínculos, distanciamento da família de origem, atrasos no desenvolvimento, perda de

registro da história de vida, dentre outros aspectos. Para isto é preciso que ocorra o

reordenamento institucional. Ressalta-se que o reordenamento institucional tem sido

amplamente discutido nas agendas políticas dos três entes federados. Aqui compreende-

se o reordenamento como um conjunto de ações, estabelecidas principalmente pelos

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Planos Nacional, Estadual e Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de

Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.

Reordenar o atendimento significa reorientar as redes pública e privada, que historicamente praticaram o regime de abrigamento, para se alinharem à mudança de paradigma proposto. Este novo paradigma elege a família como a unidade básica de ação social e não mais concede a criança e o adolescente isolados de seu contexto familiar e comunitário (BRASIL, 2006, p.79)

Para além da entidade de acolhimento, ambos os planos estabelecem ações, em sua

maioria, voltadas para a prevenção, de forma a se evitar o afastamento de crianças e

adolescentes de seus lares. Ações estas que se pode entender, como projetos,

programas e serviços que voltem o seu olhar para a prevenção de forma a evitar

rupturas, discutindo o reordenamento sob a lógica do aumento da oferta de serviços na

base territorial, voltados para o fortalecimento da matricialidade familiar. Neste sentido

importa considerar que os planos possuem diretrizes voltadas para a garantia do direito à

convivência familiar e comunitária, pautada na urgente necessidade de garantia de

direitos de cidadania das famílias, sejam elas: centralidade da família nas políticas

públicas; primazia da responsabilidade do Estado no fomento das políticas integradas de

apoio à família; reconhecimento das competências da família na sua organização interna

e na superação de suas dificuldades; respeito à diversidade étnico-cultural, à identidade

e orientações sexuais, à equidade de gênero e às particularidades das condições físicas,

sensoriais e mentais; fortalecimento da autonomia da criança, do adolescente e do jovem

adulto na elaboração do seu projeto de vida; garantia dos princípios de excepcionalidade

e provisoriedade dos programas de famílias acolhedoras e de acolhimento institucional

de crianças e de adolescentes; reordenamento dos programas de acolhimento

institucional; adoção centrada no interesse da criança e do adolescente e controle social

das políticas públicas (BRASIL, 2006, p. 77-81).

Conforme estabelece o PNCFC o reordenamento dos serviços de acolhimento

institucional, requerem ações e objetivos que podem ser visualizados no quadro abaixo:

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QUADRO 7: Ações e Objetivos para o Reordenamento Institucional conforme o PNCFC

AÇÕES OBJETIVOS

Mudança na sistemática de financiamento das entidades e inclusão de recursos para o trabalho com a reintegração à família de origem;

Qualificação dos profissionais que trabalham nos programas de acolhimento institucional;

Estabelecimento de indicadores qualitativos e quantitativos para avaliação dos programas;

Ênfase na prevenção do abandono e na potencialização das competências da família, baseados no reconhecimento da autonomia e dos recursos da mesma para cuidar e educar seus filhos;

Adequação do espaço físico e do número de crianças e adolescentes atendidos em cada unidade, de forma a garantir o atendimento individualizado e em pequenos grupos;

Adequação do espaço físico as normas de acessibilidade;

Articulação das entidades de programas de abrigo com a rede de serviços, considerando todo o SGD.

Prevenção à ruptura de vínculos, por meio de trabalho com famílias em situação de vulnerabilidade social e/ou vínculos fragilizados;

Fortalecimento dos vínculos, apoio e acompanhamento necessário às famílias das crianças e adolescentes abrigados para a mudança de práticas de violação e para a reconstrução das relações familiares; acompanhamento das famílias das crianças e adolescentes, durante a fase de adaptação, no processo de reintegração familiar; articulação permanente entre os serviços de acolhimento institucional e a Justiça da Infância e Juventude, para o acompanhamento adequado de cada caso, evitando-se o prolongamento desnecessário da permanência da criança e do adolescente na instituição;

Excepcionalidade, nos casos de encaminhamento para adoção pela autoridade judiciária, intervenção qualificada para a aproximação gradativa e a preparação prévia da criança, do adolescente e dos pretendentes, bem como acompanhamento do período de adaptação.

Fonte: BRASIL, 2006. Elaborado pela autora.

No aprofundamento das ações e objetivos percebemos que as entidades de acolhimento

institucional devem buscar agir de forma diferenciada, proativa, estabelecendo uma

estreita relação com outras políticas setoriais. Todo o seu fazer deve elevar as crianças,

adolescentes e suas famílias a alcançarem direitos então relegados.

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Claro está que a assistência social tem um papel preponderante nesta discussão, mas

deve-se encontrar respaldo em outras políticas públicas, mantendo a convivência familiar

e comunitária como elemento principal na discussão da garantia de direitos. A

assistência social não é resposta sozinha para a complexidade do acolhimento

institucional, para isto, a intersetorialidade precisa se fazer presente. As outras políticas

setoriais precisam apropriar-se do lugar que lhes pertence nesta discussão. Sem a ação

efetiva, de todas as políticas, corre-se o risco do acolhimento institucional distanciar cada

vez mais crianças e adolescentes de suas famílias e ao invés de fortalecer vínculos,

fragilizá-los. Vale ressaltar que a partir do momento em que a intersetorialidade não

ocorre, corre-se o sério risco de condenar crianças e adolescentes a se afastarem

definitivamente de seus lares, caminhando para uma família substituta, sem que de fato

tenha sido garantida à família de origem, possibilidades concretas de voltar a assumir o

seu papel protetor.

3.3 - O Projeto Político Pedagógico como instrumento da gestão social das

entidades

Esta discussão dará subsídios para as entidades elaborarem alguns pontos do seu

Projeto Político Pedagógico (PPP), considerando-o como a bússola que orienta e dá

direção para o Gestor. Trazido pelas Orientações Técnicas para os serviços de

acolhimento institucional, o PPP também é validado pela Lei 12.010/2009, que deu

legalidade ao mesmo. De alguma forma, pretende-se que as ferramentas aqui

apresentadas possam servir de alguma forma para que o respaldo legal passe a ser de

fato uma prática diária.

Desta forma o PPP ao estabelecer um processo metodológico, confirma a necessidade

de planejamento. Na figura abaixo pode-se perceber que o PPP possui uma sequência

que vai da apresentação e termina nas regras de convivência.

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FIGURA 3: Projeto Político Pedagógico para uma unidade de acolhimento

Fonte: Elaborado pela autora.

Como pode ser visto o PPP possui vários itens demonstrando o seu caráter contributivo

para uma boa gestão, considerando que ele abarca aspectos organizacionais e

funcionais. Ao trazer o monitoramento e avaliação, aponta para a construção de

indicadores sociais que possam servir de instrumentos metodológicos capazes de

retratar de forma objetiva e padronizada, colaborando com o processo de monitoramento

do serviço. São os indicadores que vão permitir a aferição da eficiência e eficácia do

atendimento.

É perceptível a complexidade e a dimensão do PPP, o que se leva a considerar que ele é

o instrumento principal da gestão da entidade. Sem o mesmo, corre-se o risco de

continuar no passado e não se situar no presente e nem se almejar um futuro.

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Compreendendo a gestão social das entidades como o conjunto metodológico de

práticas e ferramentas que podem, e devem ser utilizadas para garantir a prioridade

absoluta proposta pelo Estatuto da Criança e Adolescente e fazer com que crianças e

adolescentes, provisoriamente e excepcionalmente, afastados de suas famílias, façam

do período de aplicação da medida protetiva, não uma página em branco nas suas

histórias, mas uma possibilidade concreta de empoderamento. Pode-se afirmar que o

PPP é este conjunto de práticas metodológicas.

Mas para fazer com que o PPP não seja apenas algo trazido por uma normativa a

presença de recursos humanos é a mola geradora que dará vida a todo o sistema. Em

especial, a figura do coordenador da entidade.

Conforme apontado pelas pesquisas, em todos os entes federados, as entidades não

possuem Recursos Humanos conforme sugerido e previsto nas Orientações Técnicas

CONANDA e NOB/RH. O coordenador, quando existe, pela ausência de outros

profissionais, não realiza as atividades pertinentes à sua função que, de acordo com as

ORIENTAÇOES TÉCNICAS são:

Gestão da entidade;

Elaboração, em conjunto com a equipe técnica e demais colaboradores, do

projeto político-pedagógico do serviço;

Organização da seleção e contratação de pessoal e supervisão dos trabalhos

desenvolvidos;

Articulação com a rede de serviços, articulação com o Sistema de Garantia de

Direitos. (BRASIL,2009a, p. 69)

Percebe-se que a primeira atribuição do Coordenador é a gestão da entidade. A palavra

gestão vem do latim, gestio, e está ligada a uma ação que deve ser gerida ou

administrada. O coordenador é o profissional que fará o elo com a direção da entidade,

conselho fiscal e com as demais partes envolvidas, além de órgãos de controle social,

como os conselhos, e demais integrantes do SGD C/A. Ressalta-se que ao coordenador

não cabe estar em atividades operacionais do serviço, tais como elaborar relatórios

circunstanciados e planos individuais de atendimento ou outras que competem à equipe

técnica.

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Para Fayol (1989), coordenar é ligar, unir e harmonizar todos os atos e todos os

esforços. É estabelecer a harmonia entre todos os atos de uma empresa de maneira a

facilitar o seu funcionamento e o seu sucesso. É, em suma, adaptar os meios ao fim, dar

às coisas e aos atos as proporções convenientes. (FAYOL, 1989, p. 26, 126- 127)

O coordenador deve buscar nas funções administrativas clássicas as ferramentas

necessárias para que possa fazer frente aos seus objetivos fins.

Para cumprir com o seu papel, o Coordenador precisa ter uma visão sistêmica. É neste

sentido que pretende-se abordar os pontos de intervenção. Compreende-se que o PPP

tem toda uma dimensão que não esgota aqui e por isso nosso foco será voltado para o

item organização do serviço de acolhimento desmembrando-o.

3.4 - Agenda de compromissos institucionais: uma forma simples de estar em dia

com as obrigações inerentes a entidade.

Parti-se daqui do pressuposto de que toda entidade tem a capacidade de se organizar de

forma a atender suas demandas. Considerando-se que, através de ferramentas simples,

mas eficazes, as entidades podem tomar as rédeas da gestão e conseguir com que os

processos internos fluam de maneira satisfatória. Muitas entidades, como apontado nas

pesquisas, ainda não se reordenaram de forma a cumprir com suas responsabilidades e,

por isso, criar estratégias de intervenção se faz necessário, como se pode depreender de

Daffre (2012):

A observação do trabalho de abrigos, contudo, mostra predominantemente uma estrutura deficiente, condições precárias, recursos financeiros insuficientes e educadores sem formação. Empobrecidas, abandonadas, sem respeito à individualidade e quem os habita, essas instituições reproduzem as difíceis e tristes situações dos bebês, crianças e adolescentes acolhidos (DAFFRE, 2012, p. 19)

A primeira categoria que se quer abordar é a revisão necessária da documentação legal

que deve estar em dia e atualizada pela entidade e os compromissos que a mesma deva

se ater. Para isto utiliza-se a ferramenta Agenda de Compromissos. Considera-se aqui,

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que desde a concessão e ou renovação de documentos, até a manutenção dos

pagamentos em dia, é uma responsabilidade a ser cumprida e acompanhada.

Aparentemente algo simples, mas quando não acompanhado devidamente pelas

entidades podem ocasionar consequências sérias para o bom desenvolvimento das

ações. Como um quebra cabeça, caso uma das peças não esteja devidamente em

posição, não se completa a ação. Um único item não realizado desencadeia um efeito

cascata no setor administrativo, impactando todo o desenvolvimento das funções da

entidade.

QUADRO 8: Agenda de Compromissos

Fonte: Elaborado pela autora.

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Vencimento OBRIGAÇÃO ORIENTAÇÃO

Fechar o caixa do mês anterior e enviar ao tesoureiro ou contabilidade

Suprimento de caixa para despesas diárias do mês corrente. Enviado mensalmente para despesas pequenas no abrigo.

COPASA (Conta de água) Não recebendo até vencto, solicitar 2ª via no site da COPASA.

02 CEMIG (Energia Eletrica) Não recebendo até vencto, solicitar 2ª via no site da CEMIG

05 Contabilidade Honorários Boleto e NF são enviados pela contabilidade

05 Salários referente ao mês anterior trabalhado Pagamento até o 5º dia útil do mês corrente.

07FGTS (fundo de Garantia sobre tempo de Serviço): incide sobre a folha de

pagamento do mês anterior. Quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado, o pagto deve ser antecipado.

Sintibref: Seguro (Parte Funcionários + Parte Entidade) Valor = Nº funcionários cobertos x 3,25 (valor em 2013). CCT 2013.

Sintibref: Plano Odontológico Valor = Nº funcionários x 12,80 (valor em 2013). CCT 2013

Sintibref: Plano de Sáude (Parte Funcionários)Valor = Nº funcionários cobertos (ver desconto em folha) x 15,00 (valor em 2013). É pago

atráves da guia de mensalidade social enviada pelo Sintibref.

Sintiibref: Plano de Sáude (Parte Entidade)Valor = Nº funcionários cobertos (ver desconto em folha) x 25,00 (valor em 2013). É pago

atráves da guia de mensalidade social enviada pelo Sintibref.

Prestação de contas do convênio com órgão público Até o dia 20, sob risco de atrasar a parcela do convênio.

Enviar movimento do mês anterior para contabilidade Após finalizada a prestação de contas convênio PBH.

Enviar ao Sintibref a relação empregados admitidos e/ou demitidos do AUXILIO

SAÚDE.

Informar ao SINTIBREF-MG os empregados admitidos e ou demitidos para emissão e ou

baixa do empregado no benefício de auxilio saúde. Cláusula 14º, Parágrafo 1º da CCT 2013.

Enviar ao Sintibref a relação empregados admitidos e/ou demitidos do PLANO

ODONTOLÓGICO.

Informar ao SINTIBREF-MG os empregados admitidos e ou demitidos, para emissão e ou

baixa do empregado no benefício Odontoplano Belo Dente. Cláusula 10º, Parágrafo 2º da

CCT 2013.

Conta Telefone Móvel

GPS/INSS: incide sobre a folha do mês anterior. GPS - quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado, o pagto deve ser antecipado.

IRRF (DARF):Imposto de Renda Retido na Fonte de pessoas juridica ou fisica (ex.

funcionário).Quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado, o pagto deve ser antecipado.

24 Conta Telefone fixo, internet, móvel

PIS (Programa de Integração Social) Incide sobre a folha do mês anterior. Quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado,

o pagto deve ser antecipado.

Enviar ao Sindicato dos empregados a relação dos empregados admitidos e ou

demitidos no SEGURO DE VIDA.

Informar ao SINTIBREF-MG os empregados admitidos e ou demitidos é que deverão ser

informadas até o dia 25 de cada mês, para emissão e ou baixa do Certificado Individual do

Seguro de Vida em Grupo e/ou Acidentes Pessoais. Cláusula 15º, parágrafo 1º da CCT

2013.

Fechar o ponto e enviar a contabilidade

Carregar os cartão de Vale Transporte para utilização no mês posterior.

Cartão Cartão BHBUS: para utilização no mês posterior.

No decorrer do

mês. De

acordo com

cada entidade.

Renovação periódica de documentos para habilitação juridica (para entidades

conveniadas com a PBH): CND (Certidão Negativa de Débito) PBH (Prefeitura de

Belo Horizonte); Certificado de regularidade do FGTS.

Onde conseguir: Site da CEF (Caixa Economica Federal) e site da PBH.

Última

segunda-feira

do mês.

Reunião do Fórum de Abrigos Espaço de discussão e articulação das entidades.

Vencimento Obrigação Observação

31/01 Sinibref - Contribuição sindical urbana patronal Percentual sobre o faturamento/receita bruta do ano anterior

Relatório e Plano de Ação CMAS Último dia para entrega do relatório do ano anterior e plano de ação do ano corrente ao

CMAS

Relatório do Título de Utilidade Pública Federal Último dia para entrega do relatório do ano anterior

15/06 Sinibref - Contribuição sindical assistencial patronal 2% sobre o total bruto da folha de pagamento do mês de Maio de 2013.

15/10 Sinibref - Contribuição sindical assistencial patronal 2% (dois por cento) sobre o total bruto da folha de pagamento do mês de Setembro de 2013.

30/11 1ª parcela 13º salário dos funcionários Pagamento até 30/11

15/12 Contabilidade: honorários de balanço

20/12 2ª parcela 13º salário dos funcionários Pagamento até 20/12

20/12GPS 13º INSS sobre a folha do 13º salário GPS - quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado, o pagto deve ser antecipado.

Vencimentos

ocorrem no

decorrer do

ano, de acordo

com cada

entidade.

Renovação periódica de documentos para habilitação juridica (para entidades

conveniadas com a PBH): Certidão Negativa de Débidos Trabalhistas - CNDT;CNPJ;

Certidão Negativa de Débidos - CND INSS; Certidão conjunta negativa; Declaração

do contador; Registro no CMAS; Registro no CMDCA; Estatuto da Entidade;

Declaração de Utilidade pública Municipal; Requerimento de cadastramento na

SMAAS; Requerimento de Laudo de Avaliação Técnica; Ata de Eleição e posse da

Atual Diretoria; (CPF) E (ID) do Presidente.

Onde conseguir: As certidões podem ser emitidas nos sites dos orgãos ou solicite a

contabilidade. Os documentos legais, estatuto, atas e documentos do representante, na

entidade quando ocorrer alteração. Registros nos respectivos orgãos.

Renovação Registro CMDCA

Renovação Registro CMAS

Renovação Autorização para Captação de Recursos

OBRIGAÇÕES: ANUAL

30/04

01

25

20

OBRIGAÇÕES: MENSAL

15

10

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102

A proposta acima contempla todas as obrigações pertinentes a uma entidade sem fins

lucrativos, que é o caso das entidades de acolhimento institucionais não governamentais.

Em sua maioria, elas estão ligadas ao Sindicato dos Empregados em Instituições

Beneficientes, Religiosas e Filantrópicas de Minas Gerais (SINTIBREF) e ao Sindicato

das Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas de Minas Gerais (SINIBREF).

Como visto no quadro explicativo, muitas obrigações são pertinentes a estes dois órgãos.

Percebem-se também obrigações com os conselhos, em especial ao CMDCA e CMAS.

Estar em dia com estes conselhos é basilador para que a entidade possa funcionar e

operacionalizar as suas ações. Neste sentido, dando uma dimensão do todo, o quadro

de compromissos dá subsídios para um bom acompanhamento do que é preciso ser feito

do ponto de vista administrativo.

Conforme apontado, este é apenas um dos instrumentos que pode colaborar, sendo que

outros precisam estar acoplados, em especial os procedimentos financeiros da entidade.

3.5 - Prontuário das crianças e adolescentes: registros feitos de forma qualificada

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a obrigatoriedade das entidades

manterem prontuários atualizados e em dia de todos os acolhidos. A partir das pesquisas

examinadas, percebe-se que as entidades não conseguem ter a dimensão do que seriam

estes documentos e como organizar esta pasta chamada aqui de prontuário individual,

considerando que mesmo que a criança tenha irmãos, a individualidade deve ser

mantida.

A coleta de informações e a forma como são armazenadas são fundamentais para uma

instituição, tratando-se de um prontuário de criança e adolescente sob medida protetiva

isto ainda se torna mais relevante tendo em vista que são informações que agregam

valor à estratégia utilizada para acompanhar aquela criança e adolescente e

posteriormente elaborar o Plano Individual de Atendimento e o Relatório

Circunstanciado9 do caso Considerando que a criança e o adolescente são o público alvo

9 Ambos os documentos foram implantados à partir da Lei 12.010/2009 através do seus Artigos 19 e 101.

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do serviço. O prontuário é o pilar inicial e fonte para tomada de decisões e

compartilhamento de informações.

A palavra prontuário vem do latim “promptuarium” e significa “lugar onde se guardam ou depositam as coisas de que se pode necessitar a qualquer instante”. (MASSAD et.al, 2003)

Especificamente para o prontuário de crianças e adolescentes acolhidos

propomos uma sequência, representada na figura abaixo:

FIGURA 4: Modelo de Pastas que devem estar no prontuário de cada criança e

adolescente

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Erro! Fonte de referência não encontrada.

Folha de rosto: foto da criança, nome completo, data de nascimento, nome

completo dos pais ou responsáveis, endereço de origem e número do

processo na Vara da Infância e Juventude e/ou Conselho Tutelar.

Guia de Acolhimento e Termo de desligamento: a Guia de Acolhimento

tornou-se obrigatório de acordo com o Art. 101 do ECA e conforme a

Instrução Normativa nº 03 de 03 de novembro de 2009 da Corregedoria

Nacional de Justiça (CNJ). Dentre outros itens que deve constar a guia um

se torna fundamental: os motivos da retirada ou da não reintegração ao

convívio familiar. Considerando a falta de clareza na aplicação das

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medidas anteriores ao acolhimento, esta dimensão aponta para um

esforço que precisa ser feito para não levar crianças e adolescentes ao

acolhimento sem critérios efetivos.

A dimensão da Guia de Acolhimento remete a voltar sempre o olhar para alguns artigos

do ECA que considera-se prudente aqui colocar em um quadro para que possam servir

de orientação e clarear o entendimento. A lei só pode ser aplicada quando está presente

na rotina de forma a lembrar-se constantemente do seu conteúdo. No decorrer do

quadro grifo foram feitos para chamar a atenção do leitor.

QUADRO 9: Estatuto da Criança e do Adolescente e o Direito à Convivência Familiar e

Comunitária

Art. 19. Toda criança tem direito a ser criado e educador no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

• § 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada seis meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art 28 desta lei.

• § 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de dois anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.

• § 3º A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23.

Art. 23. A falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.

Parágrafo único: Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficias de auxílio.

Art. 92. As entidades que desenvolvam I. Preservação dos vínculos familiares e

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programas de acolhimento familiar ou institucional deverão adotar os seguintes princípios:

promoção da reintegração familiar; II. Integração em família substituta, quando

esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa;

III. Atendimento personalizado e em pequenos grupos;

IV. Desenvolvimento de atividades em regime de coeducação;

V. Não desmembramento e grupos de irmãos; VI. Evitar, sempre que possível, a transferência

para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados;

VII. Participação na vida da comunidade local; VIII. Preparação gradativa para o desligamento;

IX. Participação de pessoas da comunidade no processo educativo.

§ 1º O dirigente de entidade que desenvolve programa de acolhimento institucional é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito. § 2º Os dirigentes de entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional remeterão à autoridade judiciária, no máximo a cada seis meses, relatório circunstanciado acerca da situação de cada criança ou adolescente acolhido e sua família, para fins da reavaliação prevista no § 1º do art. 19 desta Lei. § 3º Os entes federados, por intermédio dos Poderes Executivo e Judiciário, promoverão conjuntamente e permanente qualificação dos profissionais que atuam direta ou indiretamente em programas de acolhimento institucional e destinados à colocação familiar de crianças e adolescentes, incluindo membros do Poder Judiciário, Ministério Público e Conselho Tutelar.

Fonte: ECA, 2009. Elaborado pela autora.

Documentos da criança: certidão de nascimento, cartão de vacina e no

caso de adolescentes, carteira de identidade e carteira profissional de

trabalho.

Plano Individual de Atendimento (PIA): o PIA tornou-se obrigatório a partir

do Art. 101 parágrafo quarto. Este item será desdobrado posteriormente.

Conselho tutelar (CT): nesta pasta deverá conter relatórios oriundos do CT

referente ao caso, com número de processo, conselheiro responsável,

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medidas tomadas que anteciparam a medida protetiva de acolhimento

institucional.

Relatórios enviados à Vara da Infância e Juventude (VIJ): a obrigatoriedade

dos relatórios encontra-se no Art. 19 e deve ser enviado no máximo a

cada seis meses, os mesmos devem ser protocolados no órgão da justiça

e uma via, com o devido protocolo, permanecerá no prontuário.

Relatórios enviados ao Ministério Público (MP): de acordo com a realidade

local, pode ser solicitado pelo MP o protocolo de relatórios, em especial,

aqueles com parecer de destituição do poder familiar e colocação em

família substituta.

Visitas domiciliares: as visitas domiciliares devem ser devidamente

registradas contendo data da visita, responsável pela realização, membros

no domicilio, diálogo realizado e percepções seja da estrutura física, da

dinâmica familiar e da comunidade do entorno.

Visitas na Instituição: a visita de familiares na instituição de acolhimento

devem ser registradas com horários, tempo de duração da visita,

membros da família, anotações das reações significativas da criança e ou

adolescente, bem como dos familiares.

Saúde: nesta pasta sugere-se vários dados que podem ou não serem

coletados, dependendo da faixa etária do acolhido, contemplando a saúde

de forma integral. Os dados foram divididos em Desenvolvimento:

linguagem, alimentação, saúde física, tiques nervosos, emoções,

relacionamentos com outras crianças e adultos; Ocorrências médicas,

Medicação; Registros de idas a centros de saúde, pronto atendimento e

hospitais, para crianças pequenas registro diários de temperatura, vômito,

diarreia, tosse e chieira no peito; cópia ou original de todos os exames

realizados e internações. No caso de adolescentes ações realizadas de

cunho informativo referente a sexualidade.

Educação: escolaridade, escola de origem, escola atual, se houve

interrupção dos estudos e qual o motivo, considerações sobre a relação

série e aprendizagem, convivência escolar, reuniões na escola, atividades

de contra-turno, propostas de lazer, relação com a comunidade local e

com os equipamentos existentes.

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Apadrinhamento Afetivo: o apadrinhamento é uma possibilidade de crianças

e adolescentes com remotas possibilidades de reintegração familiar e

colocação em família substituta, possam ter direito à convivência familiar

enquanto na medida protetiva de acolhimento institucional. Ressalta-se

que só deve ocorrer quando exista possibilidade de cadastramento,

seleção, preparação e acompanhamento dos padrinhos por equipe

interprofissional em parceria com a Justiça da Infância e Juventude e

Ministério Público.

Conforme as Orientações Técnicas CONANDA/CNAS:

Os programas de apadrinhamento afetivo têm como objetivo desenvolver estratégias e ações que possibilitem e estimulem a construção e manutenção de vínculos afetivos individualizados e duradouros entre crianças e adolescentes abrigados e padrinhos/madrinhas voluntários, previamente selecionados e preparados, ampliando, assim, a rede de apoio afetivo, social e comunitário para além do abrigo. Não se trata, portanto, de modalidade de acolhimento (BRASIL, 2009, p. 57).

Desta forma o apadrinhamento afetivo é um programa, que como tal, exige uma

metodologia detalhada e um procedimento claro de seleção das famílias.

Ofício a outras instituições: deverá conter todos os ofícios enviados a

instituições, seja para informar algo da criança e adolescente ou para

coletar informações mais precisas.

Salienta-se a necessidade das entidades de acolhimento, terem procedimentos formais e

o hábito de oficializar outras entidades para dizerem sobre aquela criança e adolescente.

Ainda tem-se um cenário de pouca formalidade e de informações das crianças apenas

de forma oral, sem o devido registro e consequente responsabilização de cada ator em

informar os atendimentos feitos ou não quando aquela criança e sua família acessaram,

por exemplo, a saúde, educação, equipamentos da assistência social como Centros de

Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados da

Assistência Social (CREAS). A formalização leva a um maior comprometimento da rede

como um todo e fortalece o reordenamento institucional, na medida em que leva a

discussão para o âmbito de toda uma política pública e não apenas de um ente desta

esfera, ou seja, o acolhimento institucional.

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Genograma e Ecomapa: Ambos são instrumentos fundamentais para a

compreensão da rede da família, da criança e/ou adolescente e das

relações entre uma geração e outra.

O genograma é um instrumento gráfico, composto de diversos símbolos, de forma a

possibilitar a coleta de vários dados da família, do individuo, incluindo seu passado

hereditário. Fundamenta-se na teoria sistêmica e por ser um mapa relacional facilita a

visualização da dinâmica familiar. Ao evidenciar padrões de comportamentos ele amplia

a possibilidade do técnico realizar intervenções mais seguras (ANDOLFI, 1994;

MCGOLDRICK e GERSON,1985).

FIGURA 5: Exemplo de um Genograma

Fonte: Arquivos/Relatórios Técnicos Associação Casa Novella. Nomes fictícios.

Ecomapa: Instrumento desenvolvido por Hartman em 1975 como meio de descrever o

sistema ecológico que abrange uma família ou um indivíduo (Hartman, 1995). Tal

instrumento busca mapear a rede de relacionamentos da família (LIMA, 2012, p. 227).

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Através das linhas e símbolos são demonstrados a intensidade das relações daquele

individuo, demonstrando a rede de relacionamento seja da criança e do adolescente

quanto dos adultos. Tal instrumento pode ser utilizado para trabalhar o fortalecimento

das relações considerando que os indivíduos precisam de uma rede de solidariedade

para, nos momentos de fragilidades, terem com quem contar.

FIGURA 6: Exemplo de um Ecomapa

Fonte: Arquivos / Relatórios Técnicos Associação Casa Novella. Nomes fictícios.

Documento dos pais e/ou responsáveis: cópia de documentos de

identidade dos pais e da carteira de trabalho, comprovante de endereço e

atestado de nada consta da polícia civil. Este documento faz-se

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necessário diante da complexidade dos casos e da própria medida

protetiva judicial.

Propositalmente o PIA ficou para o final para que se tornasse claro o que deve ser

incorporado e principalmente, seu objetivo maior.

Plano: do latim planus, “achatado, nivelado”, resultou a palavra “plano” e no

ato de “planejar”. Para Padilha (2001, p.36) o plano é a apresentação

sistematizada e justificada das decisões tomadas relativas à ação a

realizar. Portanto é o produto de uma ação planejada.

Individual deriva do latim individuus, inteiro que não foi divido. É portanto

aquilo que pertence ao individuo, inerente a ele.

Atendimento: do verbo latino attendere significa prestar assistência,

oferecer ajuda.

Pode-se, portanto, considerar que o PIA é um instrumento de planejamento direcionado

para o individuo, e não para o coletivo, com vistas a prestar uma assistência focada nas

necessidades daquele ser. Sendo um instrumento de planejamento ele deve conter

objetivos, estratégias e ações, conforme aponta as próprias orientações do CONANDA.

Importa salientar que as ações devem estar direcionadas a superação dos motivos que

levaram ao afastamento do convívio e o atendimento das necessidades específicas de

cada situação (BRASIL, 2009a, p. 32).

§ 6º Constarão do plano individual, dentre outros: I- os resultados da avaliação interdisciplinar, os compromissos assumidos pelos pais ou responsáveis; e III- a previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o adolescente acolhido e seus pais ou responsável, com vista na reintegração familiar ou, caso seja esta vedada por expressa e fundamentada determinação judicial, as providências a serem tomadas para a sua colocação em família substituta, sob direta supervisão da autoridade judiciária (ECA, 2012, p.49-49)

O PIA incorpora a dimensão da necessidade de mobilização de recursos internos e

externos com vistas a alcançar os objetivos necessários. A formulação de estratégias

baseia-se em informações coletadas, sejam elas completas ou não. Neste viés o modelo

de prontuário tem como objetivo abarcar algumas abas, ou pastas, posteriormente dentro

do PIA.

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Neste momento, percebe-se, que a fragilidade registrada pelas pesquisas de como as

crianças e adolescentes chegam às entidades, reflete a falta de estudo diagnóstico inicial

que embasou a aplicação da medida protetiva judicial.

Salvo em situações de caráter emergencial e de urgência, o afastamento da criança ou do adolescente da sua família de origem deve advir de uma recomendação técnica, a partir de um estudo diagnóstico, caso a caso, preferencialmente realizado por equipe interdisciplinar de instituição pública, ou, na sua falta, de outra instituição que detenha equipe técnica qualificada para tal. A realização deste estudo diagnóstico deve ser realizada em estreita articulação com a Justiça da Infância e da Juventude e o Ministério Público, de forma a subsidiar tal decisão (BRASIL, 2009a, p.10).

Na pesquisa estadual, 2009, a documentação apresentada no ato do abrigamento

aponta para um universo de 52,4% que confirma o recebimento de pelo menos termo de

abrigamento, certidão e quando criança pequena, cartão de vacina. Mas 38,1% afirmam

não ter recebido nenhum documento no ato da chegada da criança. Como apontado pela

própria FJP à falta de documentos, em especial de relatório do caso, que foi apontado

apenas em 48,4% das entidades, reflete a pouca institucionalização da política. Este

cenário altera muito pouco no município de Belo Horizonte.

Conforme o CONANDA (BRASIL, 2009a, p.32) tal plano deverá partir das situações

identificadas no estudo diagnóstico. Sem o estudo diagnóstico, a entidade precisa

imediatamente à chegada da criança e/ ou adolescente elaborar o PIA. Não tendo

subsídios para fazê-lo acaba transformando este documento em apenas um documento

burocrático para cumprir o estabelecido pela normativa, sem que de fato seja instrumento

que tenha como objetivo orientar o trabalho de intervenção durante o período do

acolhimento.

As Orientações Técnicas apontam que o PIA deve contemplar os seguintes aspectos:

Motivos que levaram ao acolhimento e se já esteve acolhido neste ou em outro serviço; configuração da dinâmica familiar, relacionamentos afetivos na família nuclear e extensa, período do ciclo de vida familiar, dificuldades e potencialidades da família no exercício do seu papel; condições sócio-economicas, acesso a recursos, informações e serviços das diversas políticas; demandas específicas da criança, do adolescente e de sua família que requeiram encaminhamentos imediatos para a rede; rede de relacionamentos sociais e vínculos institucionais da criança, do adolescente e sua família, compostas por pessoas significativas na comunidade, colegas, grupos de pertencimento, atividades coletivas que frequentam na comunidade, escola, instituições religiosas, etc; violência e outras formas de violação de direitos na família, seus

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significados e possível transgeracionalidade; significado do afastamento do convívio e do serviço de acolhimento para a criança, o adolescente e a família (BRASIL, 2009a, 33)

Considerando os aspectos acima, pode-se chegar a conclusão de que sem instrumentos

eficazes não é possível o aprofundamento que é incorporado ao PIA. Para compreender

transgeracionalidade e rede de relações daquela família, é necessário uma escuta

qualificada e o tratamento cuidadoso daquilo que foi observado durante as entrevistas,

as visitas domiciliares e institucionais. Ao lançar as informações em instrumentos como o

Ecomapa e Genograma, o profissional se distancia dos seus juízos de valores a respeito

da família e busca fazer as intervenções pautadas em leituras feitas após a elaboração

dos instrumentos e não naquilo que ela acha que pode ser.

Esta direção aponta para a direção do respeito e da ética para com a família, a criança e

adolescente, pautada em procedimentos eficazes para apontarem as intervenções na

hora e na forma correta.

Outra questão é que trabalhar no viés do planejamento trazido pelo PIA, leva ao

fortalecimento do trabalho intersetorial, pois o planejamento além de flexível é feito junto

ao outro. É uma construção coletiva para o atendimento individualizado. Soma-se

conhecimento em prol do individuo. Nesta vertente a entidade precisa necessariamente

articular com outras entidades e órgãos, completando o seu fazer.

Como a rotina de acolhimento é intensa, instrumentos que sinalizem para o que está

ocorrendo (e o que está deixando de ser feito), leva o profissional a não ficar apenas na

confiança de suas memórias e ainda reflete a seriedade de que tais informações são

institucionais, e devam estar ali disponíveis não apenas para a coordenação e técnicos,

mas para órgãos do SGD C/A responsáveis pela fiscalização. Para facilitar o trabalho,

em cada prontuário pode existir um documento resumo, dando uma visão sintética de

tudo que tem sido realizado em relação aquele caso, conforme a figura abaixo.

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TABELA 3: Acompanhamento do caso

Acompanhamento do Caso

Criança /Adolescente:

Data do Acolhimento:

Objetivo Ação Hipóteses Prazo Responsáveis Como está? Fonte: Elaborado pela autora.

A Tabela 3 acima pode servir como uma forma de ter sempre atualizado o que tem sido

feito e mostra um panorama geral das ações realizadas.

São apenas sugestões o que importa é que a entidade encontre meios de poder estar

constantemente refletindo sobre a sua prática e criando ferramentas para melhorar a

prestação do serviço.

3.6 - Fluxo do Acompanhamento Familiar

As normativas trazem a importância do trabalho com as famílias das crianças e

adolescentes com vistas à reintegração familiar e quando esta não for possível a

colocação em família substituta. A forma como se inicia a condução do caso é

significativa para o seu sucesso. Intervenções prematuras ou tardias podem ser

desastrosas.

Ao reportar-se às pesquisas encontra-se no cenário nacional um percentual de 58,2% do

público atendido com vínculo familiar, mas apenas 41,40% recebem visitas. Este dado

leva a uma reflexão de como é possível vincular sem ter contato, em especial, em se

tratando de crianças sob medida protetiva judicial. Refletem também a falta de clareza

quanto ao que seja vínculo familiar e as suas dimensões. Conforme aponta as

Orientações Técnicas, o distanciamento provoca o enfraquecimento de vínculos e perda

de referência (BRASIL, 2009a, 35).

Na pesquisa estadual é registrado que 67% dos acolhidos tinham registro da família,

sendo que 75% voltaram para a sua família de origem. Indicando que crianças e

adolescentes são reintegrados sem um trabalho prévio da família, considerando que não

existem dados dos mesmos.

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Em Belo Horizonte, o cenário aponta para poucas visitas domiciliares, falta de registros

das mesmas, pouca articulação com a rede sociassistencial.

Aprender a sistematizar é fundamental neste processo. Uma melhor sistematização

ocorre quando existem processos claros e pactuados com todos os envolvidos. Em um

ambiente organizacional a melhoria dos processos é gerada a partir da melhoria dos

fluxos de informação. Para Davenport (1994), processo é simplesmente um conjunto de

atividades estruturadas e medidas destinadas a resultar num produto específico para um

determinado mercado.

A construção de fluxos, diante da medida protetiva judicial, é uma forma da entidade

conseguir cumprir com as normativas e principalmente fortalecer a rede socioassistencial

e do SGD C/A considerando que diversos atores passam a compor o fluxo.

O fluxograma, por exemplo, é uma das formas para documentar e desenvolver um

processo. Segundo Oliveira (2000) a técnica do fluxograma representa a racionalidade, a

lógica, a clareza dos procedimentos em que estão envolvidos documentos, informações

recebidas, processadas e emitidas, bem como seus respectivos responsáveis e/ou

unidades organizacionais. Ainda de acordo com Oliveira (2000), os fluxogramas auxiliam

a descobrir os pontos que, representando falhas de natureza diversas, podem responder

pelas deficiências constatadas na execução das tarefas. Um fluxograma pronto abrange

grande número de operações, em um espaço relativamente pequeno. Sintetiza, pois, um

processo.

Para Harrington (1993) o fluxograma é definido como um “método para descrever

graficamente um processo existente, ou um novo processo proposto, usando símbolos

simples, linhas e palavras de forma a apresentar graficamente as atividades e a

sequência no processo”. Harrington (1993) afirma que bons fluxogramas destacam

aquelas áreas em que procedimentos confusos afetam a qualidade e a produtividade.

Além disso, o fluxograma facilita a comunicação entre as áreas problemáticas, em função

de sua capacidade de esclarecer processos complexos.

A função do fluxograma, de acordo com Oliveira (2000), é apresentar a circulação de

papéis e formulários entre as diversas unidades de uma organização ou entre pessoas,

ele é usado para a pesquisa de falhas na distribuição de cargos e funções nas relações

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funcionais, na delegação de autoridade, na atribuição de responsabilidade e em outros

aspectos do funcionamento do processo administrativo.

Harrington (1993) cita que uma vantagem da elaboração do fluxograma é o fato de criar

uma disciplina mental. O autor descreve esta ação como:

Comparar um fluxograma com as atividades do processo real irá

destacar aquelas áreas em que as regras ou políticas não são

claras, ou estão sendo até desobedecidas. Começam a aparecer as

diferenças entre a forma como uma atividade deve ser executada e

como ela é executada na realidade. Depois, com apenas alguns

passos, é possível determinar como melhora a atividade

(HARRINGTON, 1993, p.104).

É neste sentido que se propõe um fluxo do acompanhamento familiar. As ações do fluxo

são propostas de maneira a ocorrer uma articulação com todas as políticas setoriais,

tendo em vista que todas elas devam voltar o olhar para a matricialidade familiar. A

criança e/ou o adolescente não estão isolados do seu contexto familiar, por estarem em

uma medida protetiva judicial. O olhar individualizado para este público não quer dizer

que deve se deslocado da sua família e da sua rede de socialização, ou seja, os amigos,

vizinhos, dentre outros.

A proposta do fluxo encontra respaldo nas normativas, anteriormente explicitadas, de

forma a compreender que todo o percurso feito pela entidade de acolhimento deve ser

norteado pela parametrização existente.

Nesta linha, pretende-se de forma sistemática e organizada, atingir o que está posto nos

objetivos da Tipificação dos Serviços socioassistenciais, sejam eles a preservação dos

vínculos com a família de origem e o desenvolvimento de atividades com os

adolescentes que levem a independência e auto cuidado (BRASIL, 2009b, p. 34).

Considerando o principio basilar da garantia do direito à convivência familiar e

comunitária, o acompanhamento familiar, não é algo pontual, mas precisa ser respaldado

pelas normativas legais e deve ser regido por instrumentais que deem sustentação a

decisão tomada. Não se toma uma decisão pautada em intervenções feitas no vazio,

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sem justificativas claras. Desta forma o fluxo aponta para os caminhos a serem

percorridos e pontos de fragilidade que necessitem de uma atenção maior.

Consequentemente, ao seguir o fluxo, ocorre o monitoramento das ações.

Nesta linha de pensamento propõe-se um fluxo que compreenda toda a dimensão legal,

política e social da medida protetiva de acolhimento. Importa considerar que um fluxo é

algo flexível e constantemente revisado. O intuito deste fluxo é colaborar com as

entidades de acolhimento institucional e provoquem o seu reordenamento interno, na

medida em que melhorem os processos, e consequentemente provoquem a rede do

SGD C/A a fazerem parte do reordenamento institucional necessário. O acolhimento

institucional não é resposta para as demandas das famílias, pelo contrário, ele está para

a criança e o adolescente. O acompanhamento familiar, com vistas a reintegração, que

significa intervir nos motivos que levaram ao abrigamento, se faz através de uma política

articulada e intersetorial. Enquanto as intervenções forem feitas de forma desarticuladas

e apenas e unicamente pela entidade de acolhimento, o risco de futuros reabrigamentos

e até mesmo de encaminhamentos equivocados e prematuros para família substituta,

pode condenar crianças e adolescentes a serem novamente revitimizados.

Considerando a dimensão da intersetorialidade este fluxo traz, necessariamente, a

participação de atores dos três eixos do SGD C/A sejam eles: da promoção, da defesa e

do controle. Permite que etapas sejam identificadas, uma visão do conjunto e

principalmente a clareza de que existe todo um respaldo normativo, que não pode ser

desconsiderado, no atendimento a uma criança e adolescente sob medida protetiva

judicial. Ao refletirmos na questão normativa, queremos reforçar que a medida protetiva

só pode ser cumprida em sua totalidade com a articulação intersetorial.

Em particular este fluxo foi pensado e elaborado diante das particularidades do município

de Belo Horizonte, podendo ser readaptado para outros municípios. Inicia-se a partir do

momento que a criança e/ou adolescente já estão sob medida protetiva aplicada. Não é

objeto, neste momento, considerar em que meios se deu está aplicação e se ela é

realmente necessária ou não. Considera-se que deva existir outro fluxo que aponte para

isto.

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FIGURA 7: Fluxo do Acompanhamento Familiar

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Fonte: Elaborado pela autora com base

em arquivos Associação Casa Novella

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Ressalta-se que a partir da chegada da criança e/ou adolescente à entidade deve ser

pautado pela acolhida, pela escuta qualificada e humanizada, feita por profissionais,

estes com profundo arcabouço teórico e prático voltado para o atendimento de crianças e

adolescentes vítimas de violência doméstica. Conhecimentos profundos dos

desdobramentos da violência doméstica, as questões ligadas ao vínculo e apego tornam-

se uma tarefa diária para estes profissionais.

Sabe-se que o acolhimento é o lugar onde deságuam histórias diversas, carregadas de

rupturas, violência intrafamiliar e estrutural que se misturam com a história de cada um

dos trabalhadores. Desta forma, somente com formação continuada destes profissionais

e escuta dos mesmos feitos pela equipe técnica será possível fazer do acolhimento

institucional um local reparador e não vitimizador.

Os passos do fluxo direcionam o atendimento interno nas entidades para com os

familiares das crianças acolhidas, para constantemente direcionarem esforços para

alcançar o impacto social esperado para o serviço:

Redução das violações de direitos socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência; redução da presença de pessoas em situação de rua e de abandono; indivíduos e famílias protegidas; construção de autonomia; indivíduos e famílias incluídas em serviços e com acesso a oportunidades; rompimento do ciclo de violência domestica e familiar (BRASIL, 2009b, p. 38)

O fluxo inicia-se pela Central de Vagas (CV), órgão alocado na Secretaria Municipal

Adjunta de Assistência Social (SMAAS), referendado pela Portaria nº 01/2012. Órgão

este que faz a interlocução com o CTs / VIJ (órgão aplicador da medida) e as entidades

de acolhimento de todo o município, com relação às vagas disponibilizadas na rede.

Desta forma e apontando para um avanço, as crianças e adolescentes, em sua maioria,

não chegam diretamente a entidade sem um prévio contato de técnicos alocados na

Central de Vagas.

Belo Horizonte, através do CDMCA possui a Resolução 31/97, que dentre outras

questões, estabelece o número máximo de crianças e adolescentes, bem como a

possível faixa etária das entidades, de acordo com a sua estrutura física e recursos

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humanos disponíveis. Este critério é contemplado pela CV que de acordo com o perfil da

criança entra em contato com a entidade onde exista a vaga. Esta forma de entrada da

criança na entidade aponta para um fato de extrema importância que é a possibilidade de

preparo, mesmo que rápido, pela equipe técnica da entidade, dos

cuidadores/educadores e das crianças que ali estão. Logo após ocorre a acolhida da

criança que deve ser compreendida na sua dor.

Com base na metodologia do processo educativo da Associação Casa Novella10 cria-se

uma figura significativa para o cuidado no momento da acolhida:

FIGURA 8: Metodologia de trabalho com as famílias

Fonte: GULASSA (2007). Elaborado pela autora.

10

A ASSOCIAÇÃO CASA NOVELLA é uma unidade de acolhimento institucional com sede em Belo Horizonte. Mais informações site

www.casanovella.org.br

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A metodologia proposta pela entidade e aqui transportada de uma forma linear leva todos

os profissionais a se colocarem junto ao núcleo familiar auxiliando a resgatarem aquilo

que em algum momento ficou perdido: a capacidade protetora.

Com este olhar o fluxo é seguido com duas vertentes de coleta de dados: uma pelos

técnicos e outras pelos cuidadores/educadores. Compreende-se que as entidades

precisam ter a prática de contemplarem estes profissionais. O trabalho dentro da

entidade é coletivo, em equipe. Cada membro possui sua colaboração a dar. As

expressões de sentimentos das crianças e adolescentes precisam encontrar guarida e

devem se respeitadas pelos profissionais. Este momento da acolhida é fundamental que

os profissionais controlem a ansiedade de quererem todas as respostas imediatas, e

policiem o nível de curiosidade desnecessária, mas devastadora, que às vezes faz parte

do fazer profissional. A compreensão da história é para proceder a ajuda e não por mera

curiosidade.

Percebe-se que após a coleta inicial de dados, entra-se nas pastas apontadas

anteriormente no modelo de prontuário e inicia-se a proposta de avaliações

complementares. Aqui a rede é acionada. Desta forma a rede está implicada no

cumprimento dos princípios trazidos pelo ECA. Não só neste momento, mas em várias

etapas do fluxo, a rede é contemplada e deve ser pensada de forma prioritária com a

participação dos atores nas reuniões. Tal ação tem tanta relevância que as Orientações

Técnicas trazem um item sobre a articulação intersetorial.

Assim, para fortalecer a complementariedade das ações e evitar sobreposições, é importante que esta articulação proporcione o planejamento e o desenvolvimento conjunto de estratégias de intervenção, sendo definido o papel de cada instância que compõe a rede de serviços local e o Sistema de Garantia de Direitos, na busca de um objetivo comum (BRASIL, 2009a, p. 43).

A articulação intersetorial apontada no documento é no âmbito do Sistema Único de

Assistência Social, do Sistema Único de Saúde, do Sistema Educacional e com as

demais políticas públicas e órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.

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Ressalta-se que um serviço do Sistema Único de Assistência Social cabe uma interface

maior com os CRAS e CREAS, compreendendo o principio da referência e contra-

referência destes serviços. É preciso lembrar que a criança foi acolhida, mas a sua

família continua na base territorial e é para lá que os esforços devem ser envidados para

que a criança retorne.

Pretende-se aqui levantar uma problemática para futuras pesquisas e reflexões: os

documentos normativos não são claros em dizer a responsabilidade de quem é o

acompanhamento familiar. Neste sentido percebe-se que sobrecai para a instituição de

acolhimento uma responsabilidade maior do que é o seu papel de fato: o

referenciamento da família na entidade. Cabe ressaltar que a entidade tem como missão

preliminar o desenvolvimento das crianças e adolescentes que estão sob a sua guarda.

Algo por si só bastante complexo. O trabalho social com as famílias não pode ser de

responsabilidade apenas das entidades de acolhimento, mas é algo compartilhado com

toda a rede de proteção. Efetivamente só terá resultados satisfatórios quando for

garantido o que está posto na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais no

item pertinente ao Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e

Indivíduos (PAEFI).

FIGURA 9: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e

Indivíduos.

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Fonte: BRASIL, 2009b. Elaborado pela autora.

Como pode ser analisada a entidade de acolhimento deve estar estreitamente articulada

com o PAEFI, tendo em vista que é um equipamento público capaz de ter uma

articulação com outras políticas que a entidade não tem alcance. Quando se parte para

os objetivos deste serviço e o que encontra-se respaldado no ECA, é possível visualizar

que ao PAEFI cabe operacionalizar pontos fundamentais para que a família recupere o

seu papel protetor.

FIGURA 10: Objetivos PAEFI

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Fonte: BRASIL, 2009b. Elaborado pela autora.

Os objetivos anteriores apontam para dimensão da garantia de uma cidadania ativa,

onde usuários apropriam-se de bens socialmente criados. A garantia de direitos sociais é

fundamental para o processo de justiça social.

Os direitos sociais permitem às sociedades politicamente organizadas reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um mínimo de bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a da justiça social (CARVALHO, 2004, p. 10).

Após entramos no chamado Reunião de Percurso, considerado aqui reunião de estudo

de caso. Ao apontarmos para outro nomenclatura é no intuito de trazer a dimensão

pedagógica da ação, via percurso educativo, caminho a ser feito e a nos reportarmos que

todas as ações dentro da entidade devem ser norteadas pelo seu Projeto Político

Pedagógico.

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Ao se ter os primeiros contatos com a família, o fluxo aponta para a clareza na

explicação da medida, os passos que serão seguidos daqui para frente e os direitos

legais da família, inclusive de procurar um defensor público. Após esta etapa inicia-se a

realização de visitas domiciliares e visitas institucionais, a elaboração do ecomapa e

genograma. Numera-se as visitas apenas para sinalizar a diferença do objetivo de uma

visita para a outra, mas a quantidade de visita dependerá do vínculo estabelecido com a

família e do tempo processual. Salienta-se que a medida protetiva possui uma interface

estreita com órgãos da justiça o que pode levar a uma agilidade nas ações a serem

realizadas que muitas vezes não refletem o ritmo da família e põe em risco todo o

trabalho que está sendo feito. Cada família responde a seu tempo e este fator com

certeza é uma das maiores pressões sofridas nas entidades: o tempo real necessário e o

tempo judicial.

Tendo em vista a particularidade, cada vez mais presente, na realidade brasileira, de

crianças e adolescentes em unidades de acolhimento, filhos de pais ou responsáveis

usuários de crack, adiciona-se ao fluxo, uma vertente que contemple as particularidades

destes casos. Lembrando que não se pode pensar em reintegração com a permanência

de algum membro, e ai não se fala apenas dos responsáveis ou pais, que utilizem

substâncias químicas.

Depois de realizadas as etapas preliminares dos seis primeiros meses, a equipe técnica

deve chegar a uma das quatro hipóteses: reintegração familiar, integração em família

extensa, encaminhamento para família substituta e por último a permanência na

instituição. Para cada uma delas, novas etapas são construídas.

Para chegar-se nestas hipóteses é preciso entender de forma clara os motivos do

acolhimento, as formas de violência e as possibilidades reais de intervenção. É preciso

que os profissionais envolvidos tenham clareza do que seja violência doméstica e qual,

ou quais violências à criança e o adolescente sofreram. Especificamente no caso de

violência sexual, caso não ocorra o afastamento do agressor, não existe a possibilidade

de retorno da criança conforme aponta o ECA.

Todo o percurso percorrido neste fluxo aponta para que os profissionais envolvidos

tenham um arcabouço de conhecimento teórico e prático capaz de dar sustentação s

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ações. Especificamente na alta complexidade é preciso sensibilidade aliada ao

conhecimento para compreender as particularidades e tudo que envolve uma

institucionalização. É preciso ter clareza de que o serviço de acolhimento compõe uma

rede socioassistencial e um sistema de garantia de direitos e, portanto precisa introjetar o

que significa estar neste espaço e compor este sistema.

Finalmente, este fluxo pretende colaborar com o que diz o Plano Nacional de Promoção,

Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar, no eixo

dois, Atendimento, objetivo cinco: Reordenamento dos Serviços de Acolhimento

Institucional. Claro está que um fluxo, por si só não alcança toda a amplitude deste

objetivo, mas perpassa por algumas ações estabelecidas neste objetivo tais como:

implementar ações de reintegração familiar, adequar os programas de acolhimento as

diretrizes nacionais e instrumentalizar conselhos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista a complexidade do acolhimento institucional, foram apresentadas

algumas propostas de intervenção na gestão da entidade. Tais propostas pretendem

apontar caminhos possíveis para a melhoria do serviço prestado, trazendo à tona a

urgência do reordenamento, não apenas das entidades, mas de toda a política pública.

Foram colocados aqui em patamar prioritário o Projeto Político Pedagógico por

considerá-lo a grande novidade e principalmente a assertiva no caminho a ser percorrido.

Certamente que se quer entidades modelos, mas para isto, é necessária a atenção de

que não bastam recursos humanos suficientes e estrutura física ideal, sem que a

entidade tenha um bom gestor, que trabalhe pautado em processos eficazes, pois ele

simplesmente irá reproduzir a sobreposição que já acontece externamente, executando a

ação do técnico e deixando a gestão da entidade navegando em direções turbulentas.

Compreendendo o seu papel, este navegar, mesmo que em momento de turbulências,

saberá como proceder, pois estará com seus pilares de sustentação firmes e bem

direcionados.

De forma assertiva, o marco legal, ao trazer o PIA e PPP, apontou para o viés do

planejamento e da construção de estratégias. Chamou para si a necessidade das

entidades agirem de forma pensada, articulada, através de processos, distanciando a

cada dia da informalidade, da boa vontade e das relações pela troca de favores.

Ao trazer a discussão dos prontuários, agenda de compromissos, fluxos de atendimento

da criança e da família, levantaram-se questões com o intuito de contribuir para o debate

necessário referente ao aperfeiçoamento dos serviços prestados pelas entidades.

Ainda tem-se um cenário desfavorável no trabalho com famílias, em especial, quando

estas possuem membros envolvidos com o tráfico ou que fazem uso de substâncias

químicas. A rede socioassistencial ainda não é suficiente para atender todas as

demandas e o que se percebe é que crianças e adolescentes chegam às entidades sem

terem passado por nenhum outro equipamento. Assim o equipamento que deveria se

excepcional passa a ser a regra e sem um trabalho com famílias, a provisioriedade

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também não acontece e crianças e adolescentes fazem morada “permanente” nas

entidades.

Os planos de convivência familiar e comunitária, em todas as esferas, caminham na

direção da prevenção e são respostas para muitas das demandas que as famílias

apresentam e, portanto devem ser mais divulgados e socializados. De forma articulada

eles trazem ações que devem ser feitas necessariamente pensando na base territorial e

na interface de todas as políticas sociais. Os conselhos de direitos devem, portanto, no

exercício do controle social, cobrar ativamente de todas as autarquias envolvidas o seu

cumprimento e sua operacionalização.

As crianças e adolescentes precisam não apenas ser vistas como sujeitos de direitos,

mas efetivamente serem sujeitos de direitos. Terem voz dentro das unidades de

acolhimento. Terem voz em suas vidas. Assim como as políticas públicas precisam

enxergar a família na sua potencialidade e não apenas na sua fragilidade.

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CONCLUSÃO

Os capítulos contidos nesta pesquisa apresentam questões pertinentes a normativas

oriundas da Doutrina da Proteção Integral bem como a correlação com as pesquisas

realizadas no município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais e no Brasil, sobre o

acolhimento institucional de crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial.

Sabemos que o Estatuto da Criança e do Adolescente veio para efetivar princípios

constitucionais e afirmar crianças e adolescentes como beneficiários e destinatários da

então Doutrina da Proteção Integral.

A preocupação atual se desloca da correção, internação e do afastamento da família

para uma dimensão afetiva e de garantia do direito à convivência familiar e comunitária.

Assim como o ECA, que surge do encontro de três vertentes, sejam elas, movimento

social, representantes do jurídico e das políticas públicas, outros documentos começam

a tomar corpo de 2009 até a presente data.

As pesquisas apontam para uma mudança de cenário, mesmo que ainda lento e

necessitando de muitos avanços na prática diária. Mudar um paradigma exige

investimento, vontade política e esforço diário de todos os atores envolvidos com a

complexidade do acolhimento institucional. A situação irregular, da espaço para a

proteção integral, o aspecto filantrópico vai esvaindo e abrindo portas para a política

pública. A centralidade no judiciário abre-se para o município como ator principal para

movimentar a política e também como o executor do serviço, mesmo que este

terceirizado, a responsabilidade pelo financiamento e supervisionamento cabe ao gestor

municipal. As decisões deixam de ser centralizadas para serem participativas. Todos se

tornam partícipes desta política, em especial os atores do Sistema de Garantia de

Direitos. A formulação das políticas locais perpassa pelo Conselho Municipal dos Direitos

de Crianças e Adolescentes que são órgãos deliberativos e paritários, onde se exerce o

controle social.

O reordenamento institucional, necessário e urgente, não é exclusividade do acolhimento

institucional mas de toda uma rede. As linhas de ações da política de atendimento devem

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ser desenvolvidas de forma transversal e intersetorial, integrando e articulando com

todas as políticas setoriais. O momento atual é pautado pela necessidade de

modificações mais profundas, de aprofundamento através de pesquisas, em especial

sobre temáticas como a gestão social das entidades de acolhimento.

O direito à convivência familiar antes de ser um direito deve ser visto como uma

necessidade vital destes seres em desenvolvimento. Não é possível que crianças, em

tenra idade, cresçam sem o convívio familiar. Para isto, é preciso que as entidades de

acolhimento, e toda a rede envolvida, compreendam que o direito máximo da criança é

estar em uma família. Neste sentido, quando todas as intervenções voltadas para a

família de origem e extensa, tenham se esgotado, faz-se necessário o encaminhamento

para a família substituta.

O Plano Nacional, Estadual e Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de

Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária possuem um forte viés de

prevenção, de trabalho social com famílias, com foco no fortalecimento de vínculos na

base comunitária, para que não ocorra o rompimento. Apontam para a articulação

intersetorial, na medida em coloca como co-responsável pelas ações várias políticas

sociais. O reordenamento institucional, previsto nos planos logo após as ações de

prevenção, propositalmente, seguindo a lógica da necessidade de ampliar a cobertura

dos serviços na proteção básica, só será efetivado quando as famílias de crianças e

adolescentes acolhidos forem referenciadas em equipamento público da assistência

social, fazendo uma interface direta com as outras políticas. Considerando que a

violência doméstica é multifacetada e que desigualdade social é um dos geradores da

mesma, somente com políticas eficazes e articuladas será possível pensar o

reordenamento.

Só podemos pensar o reordenamento institucional através de uma boa gestão, seja ela

nas entidades de acolhimento, ou nos outros serviços complementares ao acolhimento.

As pesquisas são o ponto de partida do reordenamento, e por isso agora foram

estudadas. Elas norteiam o processo apontando caminhos facilitadores e dificultadores.

O objetivo maior é a qualidade dos serviços prestados e qualidade só pode ser

mensurada com processos transparentes e com indicadores de aferição do impacto

social.

Page 137: CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO … · Familiar e Comunitária (2009); Lei 2.010/2009 e o Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças

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O presente e futuro da gestão social das entidades deve ser capaz de dirigir e regular

processos por meio da mobilização ampla de atores na tomada de decisão (agir

comunicativo) que resulte em parcerias intra e inteorganizacionais, alcançando um bem

coletivo planejado, viável e sustentável (FISCHER, 2007, s/p).

Conforme Fischer (2007) a gestão social caracteriza-se como um processo de mediação

transformador. Transformar práticas é o que pretende o reordenamento institucional. De

forma a articular múltiplas escalas de poder individual e social; trabalhar a identidade de

processos, coordenar inteorganizações eficazes; promover ação e aprendizados

coletivos; difundir resultados; prestar contas a sociedade e, finalmente, reavaliar e recriar

estratégias (FISCHER, 2007, s/p).

A proposta final de intervenção caracteriza-se pela necessidade da visão integral e

interdisciplinar da situação encontrada. O gestor, portanto, deve ser um mediador, ter

sensibilidade, comprometimento e conhecimento dos instrumentos de gestão, sabendo

aplicá-los de maneira correta. Conforme Fischer (2007) criatividade, em um polo, e

instrumentalidade, em outro, são palavras chaves na gestão relacional do século 21.

Sem esgotar aqui toda a complexidade do assunto, consideramos que faz-se premente a

necessidade de realização de outros estudos intensificando a discussão da temática para

a importância de instrumentalizar o gestor, qualificando os serviços e garantindo os

cuidados necessários para crianças e adolescentes não tenham prejuízos na sua

formação e nem sejam relegados a um segundo plano.

Finalizamos com Is 49, 15-16: “Acaso uma mulher esquece o seu neném, ou o amor ao

filho de suas entranhas? Mesmo que alguma se esqueça, eu de ti jamais me esquecerei!

Vê que escrevi teu nome na palma de minha mão...”