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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA SELENA TIYO FUNAKI A DOENÇA MENTAL NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: DIFERENÇAS ENTRE SEMI-IMPUTABILIDADE E INIMPUTABILIDADE CURITIBA 2019

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

SELENA TIYO FUNAKI

A DOENÇA MENTAL NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: DIFERENÇAS ENTRE SEMI-IMPUTABILIDADE E INIMPUTABILIDADE

CURITIBA 2019

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SELENA TIYO FUNAKI

A DOENÇA MENTAL NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: DIFERENÇAS ENTRE SEMI-IMPUTABILIDADE E INIMPUTABILIDADE

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba. Orientador: Prof. Luiz Osorio Moraes Panza

CURITIBA 2019

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SELENA TIYO FUNAKI

A DOENÇA MENTAL NO DIREITO PENAL BRASILEIRO: DIFERENÇAS ENTRE SEMI-IMPUTABILIDADE E INIMPUTABILIDADE

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Faculdade de Direito de Curitiba, pela Banca examinadora formada pelos

professores:

________________________________________ Orientador: Prof. Luiz Osorio Moraes Panza

_________________________________ Professor Membro da Banca

Curitiba, de de 2019.

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Aos meus pais, AUGUSTO e SORAIA, eternas presenças.

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AGRADECIMENTOS

Ao término de um longo caminho, é importante ressaltar a eterna gratidão por todas

as pessoas que se fizeram presentes no processo preparatório de um trabalho de

grande importância.

Luiz Osorio Moraes Panza, ao aceitar a orientação, tornou-se parte essencial nesse

momento, auxiliando de forma excepcional para a entrega do presente trabalho de

conclusão de curso.

Aos colegas de classe que auxiliaram de alguma forma para que eu pudesse

finalizar o trabalho e ainda, realizar todas as atividades docentes necessárias para a

finalização do curso.

Às amigas, Bruna, Patrizia e Luiza, por todo o apoio nos momentos de dificuldade.

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“Se o dinheiro for a sua esperança de

independência, você jamais a terá. A única

segurança verdadeira consiste numa reserva

de sabedoria, de experiência e de

competência”.

(HENRY FORD)

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RESUMO

O presente trabalho objetiva analisar acerca da distinção entre a semi-mputabilidade e a inimputabilidade, verificando os requisitos que afastam a aplicabilidade de punição ao indivíduo, cujo diagnóstico apresenta transtorno ou doença mental, dentro dos parâmetros legais do Código Penal Brasileiro vigente. Busca diferenciar o indivíduo que é incapaz de perceber a ilegalidade de seus atos (inimputável) daquele que, apesar de exteriormente apto, não possui capacidade total de compreender a ilicitude do fato em questão (semi-imputável). Para isso, será demonstrado todo o conceito de crime, juntamente com seus pressupostos para configuração afim de apresentar, historicamente e doutrinalmente, a ideia de imputabilidade e inimputabilidade. Pretende-se realizar uma análise geral desses institutos, diferenciando o indivíduo inimputável do semi-imputável, especialmente no que diz respeito aos possuidores de doenças, distúrbios ou transtornos mentais. Por fim, serão expostas as consequências jurídicas da legislação atual frente à cada instituto, em conjunto com a forma como são tratados os casos em questão, na jurisprudência brasileira. Palavras-chave: Imputabilidade. Inimputabilidade. Semi-imputabilidade. Doença ou

transtorno mental.

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ABSTRACT

The following work aims to analyze the distinction between semi-imputability and inimputability, verifying the requirements that exclude the applicability of punishment to the person, whose diagnosis presents disorder or mental illness, within the legal parameters of the Brazilian Penal Code in force. It seeks to differentiate a person who is incapable of perceiving the illegality of his acts (unimputable) of the one who, although outwardly apt, does not have total capacity to understand the illegality of the fact in question (semi-attributable). To do this, the whole concept of crime will be demonstrated, together with its assumptions for configuration in order to present, historically and doctrinally, the idea of imputability and non-attributability. It is intended to carry out a general analysis of these institutes, differentiating the unimputable person from the semi-imputable one, especially with regard to the carrier of illness or mental disorders. Finally, the legal consequences of the current legislation will be exposed in relation to each institute, together with the way in which the cases in question are treated, in Brazilian jurisprudence. Keywords: Imputability. Inimputability. Semi-imputability. Illness or Mental Disorder.

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SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................... 06 ABSTRACT ................................................................................................................... 07 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 09 2 DO DELITO ................................................................................................................ 11 2.1 CONCEITO ............................................................................................................. 11 2.2 OUTROS CRITÉRIOS SISTEMÁTICOS ................................................................. 13 2.3 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO .................................................................................... 14 2.4 TEORIAS ................................................................................................................. 17 2.4.1 Teoria Clássica ..................................................................................................... 17 2.4.2 Teoria Neoclássica ............................................................................................... 18 2.4.3 Teoria Finalista ..................................................................................................... 19 2.4.4 Teoria Social ........................................................................................................ 19 2.4.5 Teoria Funcionalista ............................................................................................. 20 2.5 DELITO NO DIREITO BRASILEIRO ....................................................................... 21 2.6 TIPICIDADE ............................................................................................................ 22 2.7 ANTIJURIDICIDADE ............................................................................................... 23 2.8 CULPABILIDADE .................................................................................................... 24 3 CONCEITOS RELACIONADOS À IMPUTABILIDADE. ............................................ 27 3.1 IMPUTABILIDADE .................................................................................................. 27 3.2 INIMPUTABILIDADE ............................................................................................... 28 3.2.1 Inimputabilidade por Doença Mental .................................................................... 30 3.2.2 Inimputabilidade por Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado ............ 32 3.2.3 Inimputabilidade por Menoridade Penal ............................................................... 32 3.3 IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA (SEMI-IMPUTABILIDADE) .................................... 33 3.4 EMOÇÃO E PAIXÃO ............................................................................................... 35 3.5 EMBRIAGUEZ ......................................................................................................... 37 3.5.1 Embriaguez Não Acidental ................................................................................... 38 3.5.2 Embriaguez Acidental........................................................................................... 39 3.5.3 Embriaguez Patológica ......................................................................................... 39 3.5.4 Embriaguez Preordenada ..................................................................................... 40 4 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS ............................................................................... 41 4.1 DA SEMI-IMPUTABILIDADE ................................................................................... 41 4.2 DA INIMPUTABILIDADE ......................................................................................... 42 4.2.1 Medida de Segurança .......................................................................................... 44 4.2.1.1 Medida de segurança detentiva ........................................................................ 47 4.2.1.2 Medida de segurança restritiva ......................................................................... 48 5 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL ............................................................... 50 5.1 QUANTO À SEMI-IMPUTABILIDADE ..................................................................... 50 5.2 QUANTO À INIMPUTABILIDADE ........................................................................... 53 6 CRÍTICAS AO SISTEMA ........................................................................................... 56 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 59 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 61

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1 INTRODUÇÃO

Para a configuração de um crime, é necessária uma conduta humana típica,

antijurídica e culpável. Uma conduta é considerada típica quando ela se encontra

descrita na Lei Penal; antijurídica quando é um fato ilícito, ou seja, não aceito pelo

ordenamento jurídico; e culpável quando o autor do crime pode receber sanção pelo

ato cometido.

Como elemento da culpabilidade está a imputabilidade, ou seja, a

possibilidade de sancionar o autor pela conduta típica e ilícita realizada por ele. É,

portanto, a plena capacidade de entender e querer praticar o ato. Aquele que não

possuir essa compreensão será considerado inimputável, consequentemente sendo

isento de pena, e não podendo responder judicialmente.

Dentre os inimputáveis estão os indivíduos que possuem doença mental,

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, menoridade (menores de dezoito

anos) e embriaguez patológica completa. A estes, será aplicada medida de

segurança que irá variar de internação em hospital de custódia e tratamento

psicológico – que constitui a modalidade detentiva, destinada obrigatoriamente aos

inimputáveis que cometeram crimes puníveis com pena de reclusão, e

facultativamente aos com pena de detenção – a tratamento ambulatorial – que

consiste em uma modalidade restritiva, não implicando em internação.

No entanto, há o instituto da semi-imputabilidade ou imputabilidade diminuída,

que não é a anulação completa, e sim uma redução da capacidade de compreensão

e autodeterminação do autor da conduta típica e antijurídica. Para essa hipótese, a

pena poderá ser reduzida de um a dois terços de acordo com a legislação penal

brasileira.

A partir disso, o presente trabalho visa a distinção entre o inimputável do

semi-imputável, verificando os requisitos que afastam a aplicabilidade de punição ao

indivíduo, cujo diagnóstico apresenta transtorno ou doença mental, dentro dos

parâmetros legais do Código Penal Brasileiro.

Buscando uma análise geral dos institutos da inimputabilidade e da semi-

imputabilidade, especialmente no que diz respeito aos indivíduos possuidores de

doenças, distúrbios ou transtornos mentais, será exposto todo o histórico em relação

ao conceito de crime, juntamente com suas teorias para, por fim, especificar a ideia

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de imputabilidade e distinguir o indivíduo totalmente incapaz de compreender a

ilicitude dos seus atos (inimputável) daquele parcialmente incapaz (semi-imputável.)

Serão apresentadas as consequências jurídicas da legislação atual frente à

cada instituto, em conjunto com a identificação de jurisprudências que demonstram a

divergência de tratamento judicial para cada caso concreto.

O objetivo do trabalho se dá na compreensão da diferença de aplicabilidade

do Código Penal Brasileiro para os indivíduos semi-imputáveis e inimputáveis (os

quais foram diagnosticados com transtornos mentais) que cometeram crimes no

Brasil. Para isso, deverá ser observada a descrição do conceito de semi-

imputabilidade e inimputabilidade, a diferenciação do tratamento judicial para os

casos de semi-imputabilidade e inimputabilidade e a análise de julgados através da

jurisprudência relacionados à crimes cometidos tanto por indivíduos inimputáveis

como por semi-imputáveis.

Com o propósito de responder o questionamento proposto para este trabalho,

foi colocada em prática a pesquisa descritiva a fim de buscar demonstrar os fatos

reais. Para tal, foi utilizado da metodologia bibliográfica – doutrina e legislação penal

– com o objetivo de conceituar o delito, juntamente com sua evolução e

historicidade, teorias e pressupostos para configuração, bem como para diferenciar

as consequências jurídicas frente à cada instituto estudado.

Por fim, a utilização e averiguação de casos julgados na jurisprudência

brasileira com o intuito de diferenciar o tratamento dado a cada indivíduo, seja ele

inimputável, seja semi-imputável, em cada caso concreto.

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2 DO DELITO

2.1 CONCEITO

Para analisar os conceitos e as vertentes relacionadas à imputabilidade é

necessário primeiramente estudar o conceito de delito (crime). Historicamente, a

palavra crime se origina do latim crimen, inis, que significa queixa, calúnia, injúria,

erro. Tinha relação com a ideia de mal, que expressa de certa forma o mesmo

sentido que o atual.

O delito é uma conduta do ser humano. No entanto, dentre as diversas

condutas possíveis, é necessário verificar quais são as proibidas pela legislação

penal. O Código Penal, em sua parte especial, descreveu as condutas consideradas

proibidas associando uma pena a elas como consequência de seu cometimento.

Dessa forma, não haverá delito se a conduta em questão não estiver estipulada nos

dispositivos legais.

Quando a conduta realizada pelo agente se adequa a algum tipo penal, trata-

se de uma conduta típica, ou seja, apresenta o requisito da tipicidade. Entretanto,

apenas a presença desse requisito não é suficiente para que a conduta possa ser

considerada crime, uma vez que a legislação penal demonstra casos em que a

conduta, mesmo sendo típica, não é delito. Entre essas hipóteses, encontra-se o

estado de necessidade (artigo 23, I), a legítima defesa (artigo 23, II) e o estrito

cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito (artigo 23, III).

Assim, há hipóteses em que se permite o cometimento de condutas típicas,

mesmo que presente o requisito da tipicidade. Conquanto, quando a conduta típica

não é permitida pela legislação penal, entende-se que ela será também contrária ao

ordenamento jurídico, uma vez que não existe nenhum preceito que permita o

agente de realizá-la. Essa característica de contrariedade à norma jurídica

demonstrada pela ausência de permissões por parte da legislação é o que constitui

o requisito da antijuridicidade, que é necessário, juntamente com a tipicidade para

que a conduta possa ser considerada delito.

Ainda assim, existem condutas típicas e antijurídicas que não constituem

crime. Como na hipótese em que o agente da conduta era incapaz psiquicamente de

compreender a antijuridicidade/ilicitude de sua conduta e de se autodeterminar de

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acordo com ela. Nesse caso, o indivíduo não possui permissão para realizar a

conduta, portanto, realiza conduta típica e antijurídica, mas sem constituir delito.

Doutrinalmente, a conduta típica e antijurídica é chamada de injusto penal, o

qual apenas será reconhecido como delito quando comprovada a reprovabilidade do

autor. Isto é, é necessário que o agente que praticou o injusto penal tivesse

capacidade e possibilidade de agir de outra maneira, tendo o último requisito para a

formação do delito, que é o da culpabilidade.

Dessa forma, o crime passou a ser configurado como uma conduta típica,

antijurídica e culpável.

O crime, como conduta humana, possui três categorias diferentes para sua

conceituação. O primeiro conceito é o formal, o qual define o crime como uma

conduta humana, tanto a ação quanto a omissão, contrária à legislação penal.

Dispensa qualquer questionamento quanto ao conteúdo ético-social e quanto aos

motivos que levaram o legislador a incriminar tal conduta. Como descreve João José

Leal:

Segundo a concepção formal, crime é a conduta proibida e sancionada pela lei penal. É exatamente este caráter de pura contrariedade formal ao Direito que é acentuado nessa definição: crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena. É como se a nocividade, a perversidade, a imoralidade ou o caráter antissocial da conduta ilícita surgisse com a promulgação da norma incriminadora ou fosse pura criação desta.

1

O segundo conceito é o material, que “apresenta o crime como uma conduta

contrária aos valores éticos fundamentais ou aos legítimos interesses do grupo

social.”2 Dessa forma, se determinada conduta humana afeta interesses e valores

individuais ou coletivos, ou apresenta risco à segurança das pessoas da sociedade,

cabe ao legislador decretar sua proibição e sua punição, definindo tal

comportamento como crime.

O crime nasce, portanto, a partir de seu caráter de nocividade, lesividade,

imoralidade e periculosidade da ação em relação à vida humana e social. Pode ser

configurado também como uma conduta que ofende determinados bens jurídicos

fundamentais, tais como a vida, o patrimônio, a honra, entre outros.

1 LEAL, João José. Direito penal geral. São Paulo: Editora Atlas, 1998. p. 165.

2 LEAL, loc. cit.

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Assim, conforme dispõe Heleno Fragoso, o crime é “a ação ou omissão que, a

juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo

social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena.”3

Por fim, há o conceito analítico ou doutrinário, que se trata de uma criação

dogmática não considerada finalizada até hoje. Nessa vertente, a infração penal se

decompõe em elementos ou requisitos para ser justificada. Como descreve Luiz

Regis Prado:

A questão aqui é de ordem metodológica: emprega-se o método analítico, isto é, decomposição sucessiva de um todo em suas partes, seja materialmente, seja idealmente, visando agrupá-las em uma ordem simultânea. Opõe-se ao método sintético que avança por tese, antítese e síntese.

4

Como descreve Zaffaroni e Pierangeli:

Delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável). O injusto (conduta típica e antijurídica) revela o desvalor que o direito faz recair sobre a conduta em si, enquanto a culpabilidade é uma característica que a conduta adquire por uma especial condição do autor (pela reprovabilidade), que do injusto se faz ao autor.

5

O conceito do delito como conduta típica, antijurídica e culpável é elaborada a

partir de um critério analítico, que inicialmente observa a conduta e posteriormente o

seu autor.

2.2 OUTROS CRITÉRIOS SISTEMÁTICOS

Recordando rapidamente Hegel, observa-se que para ele o espírito é um

princípio ativo constituído por três fases: a subjetiva, a objetiva e a absoluta. O

direito pertence ao espírito objetivo, tendo em vista que estabelece relação entre

indivíduos, de liberdade a liberdade. Isto é, somente pode instituir-se o indivíduo

3 FRAGOSO, Heleno. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1995. p.

148. 4 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2010. p. 245 5 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro:

parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 354.

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uma vez alcançada a liberdade. Dessa forma, ninguém agirá com relevância jurídica

se não for livre.

Para analisar se existe o delito, é necessário investigar se foi cumprida a fase

do espírito subjetivo, ou seja, se o sujeito era livre. Dessa forma, essa teoria

analisava primeiramente acerca do autor, e posteriormente, na hipótese deste ser

livre, investigava acerca do fato em questão, visto que não era possível falar em

conduta com relevância penal se o autor do fato não era livre.

Nesse sentido, a primeira característica a ser analisada quanto ao delito era a

capacidade do agente, uma vez que não existia conduta nas ações do considerado

“louco”. Por essa vertente, era entendido que: primeiro, não é possível haver delito

sem autor, visto que o autor é anterior ao delito; e segundo, que se resolverá o

problema se, inicialmente, for excluído do direito penal o vulgarmente chamado de

“louco”.

O primeiro argumento não é verdadeiro, uma vez que também não existe

autor de um delito se não houver o delito. Da mesma forma, o segundo argumento

também não pode ser tomado como verdade, uma vez que a condição do ser

alienado não pode privá-lo de seus direitos, visto que se entendido como não

realizador de condutas não poderá ter sua defesa legitimamente. Assim, não é

possível diminuí-lo à condição de não humano incapaz de agir com relevância

jurídica.

Outrossim, na física de Newton, também foram separados os aspectos

objetivos e subjetivos. Em seus ideais racionalistas iluministas, entende-se ainda a

consideração analítica do delito, considerando-o inicialmente como um

acontecimento físico e posteriormente como um acontecimento psíquico. Ponderou,

portanto, a tipicidade e a antijuridicidade como parte objetiva – externa – da conduta,

e a culpabilidade como parte subjetiva – interna.

Tal sistemática não foi utilizada devido às suas dificuldades práticas difíceis

de solucionar.

2.3 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO

Até o começo do século XXI, a doutrina determinava o crime a partir de dois

elementos apenas: o objetivo, representado pela ação ou pela omissão, e o

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subjetivo, representado pela culpabilidade. Tal postura bipartida sofreu diversas

mutações buscando a distinção entre o fato e a culpabilidade.

No início do século XX, o injusto penal era considerado critério objetivo, e a

culpabilidade critério psicológico.

Franz Von Liszt entendia que, o injusto constituía a causa física do resultado

danoso, e a culpabilidade a causa psíquica deste mesmo resultado, o qual poderia

ser doloso ou culposo. No entanto, tendo em vista que no injusto penal não se

diferenciava a tipicidade da antijuridicidade, existiam diversas condutas antijurídicas

e culpáveis que não eram consideradas delito.

Por essa razão, fez-se necessária a criação de outro requisito para

caracterizar suficientemente a forma do delito, adicionando o critério da punibilidade

à conduta que era, até então, antijurídica e culpável, e agora também punível.

Dessa forma, entendeu-se que:

O delito se conceituava como uma conduta antijurídica, culpável e punível: 1. Conduta, entendida como uma vontade exteriorizada de maneira a pôr em marcha a causalidade. 2. Antijuridicidade, entendida como causação de um resultado socialmente danoso. 3. Culpabilidade, entendida como relação psicológica entre a conduta e o resultado em forma de dolo ou de culpa. 4. Punibilidade, entendida como a submissão a uma pena das hipóteses enquadráveis nos itens anteriores.

6

Com essa vertente, era ilógico verificar a antijuridicidade e a culpabilidade da

conduta para depois concluir que a lei não comina com a pena. À vista disso, sem

alteração do esquema analítico objetivo-subjetivo, Ernst von Beling proferiu sua

teoria diferenciando, no injusto penal, a antijuridicidade da tipicidade.

Assim:

O delito passou a ser definido como conduta típica, antijurídica e culpável: 1. Conduta, entendida como uma vontade exteriorizada de maneira a pôr em marcha a causalidade. 2. Tipicidade, entendida como proibição da causação de um resultado. 3. Antijuridicidade, entendida como contradição entre a causação do resultado e a ordem jurídica. 4. Culpabilidade, entendida como relação psicológica entre a conduta e o resultado, em forma de dolo ou culpa.

7

6 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2015. p. 357

7 Ibid., p. 538.

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16

Contrário ao esquema objetivo-subjetivo de LISZT-BELING, veio GUSTAV

RADBRUCH a partir do neokantismo sul-ocidental, que afirmava que a teoria do

delito entendida até então não se adaptava à realidade, uma vez que o conteúdo da

vontade da conduta ficava localizado na culpabilidade, criando uma vontade sem

conteúdo.

Chegou-se à conclusão de que em certos delitos não existia relação

psicológica entre a conduta e o resultado, como nos casos de culpa inconsciente,

com exemplo do sujeito que vai ao cinema e esquece o fogão ligado, causando uma

explosão que fere seu vizinho. Nessa hipótese, não há relação entre a conduta de “ir

ao cinema” e o resultado “vizinho ferido”. Se fosse entendido dessa forma, haveria

delitos sem o requisito da culpabilidade.

Por esta razão, iniciou-se o afastamento do esquema objetivo-subjetivo,

voltando-se ao novo esquema estrutural de Aristóteles. Dessa forma, Frank, em

1907, criou um novo conceito para a culpabilidade, não a tendo mais como relação

psicológica, e sim como reprovabilidade em sua essência, considerando, portanto,

seus elementos objetivos.

Por outro lado, até 1910 notou-se a necessidade de considerar aspectos

subjetivos para precisar determinadas condutas. Dessa forma, rompe-se com o

esquema objetivo-subjetivo, a fim de estabelecer que “o injusto penal é um juízo de

desvalor do ato e a culpabilidade a reprovação que deste ato desvalorado se faz ao

autor, por ter tido a possibilidade exigível de atuar de maneira diversa,”8 tendo como

principal pioneiro dessa vertente Edmundo Mezger.

No final da década de 1920, finalmente entendeu-se que a culpabilidade

como juízo de reprovabilidade do agente não poderia ter o conteúdo da vontade em

seu interior. Por essa razão, Hellmuth von Weber e Alexander Graf Zu Dohna

transformaram a culpabilidade em uma reprovabilidade pura, e adicionaram a culpa

e o dolo ao tipo penal, como elementos típicos distintos entre si.

A partir de 1930, Hans Welzel adotou o esquema aristotélico e criou a

chamada teoria finalista da ação.

Em resumo, a estrutura apresentada por Welzel:

1. Conduta, entendida como ação voluntária (final). 2. Tipicidade, entendida como proibição de conduta em forma dolosa ou culposa.

8 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2015. p. 359.

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3. Antijuridicidade, entendida como contradição da conduta proibida com a ordem jurídica. 4. Culpabilidade, entendida como reprovabilidade.

9

Portanto, em oposição à teoria causalista, entendeu que a vontade não pode

se distinguir de sua finalidade, uma vez que toda conduta deve ser voluntária e toda

vontade possui um fim.

2.4 TEORIAS

A estruturação do crime se diferencia conforme a teoria adotada em relação à

conduta humana.

2.4.1 Teoria Clássica

A teoria clássica, também conhecida como causal ou naturalista, foi iniciada

no tratado de Franz von Liszt. De acordo com essa teoria, a conduta é considerada

uma exteriorização de movimento ou abstenção de comportamento. É, portanto,

toda ação que produz um resultado, independentemente da finalidade do sujeito.

Assim, presume-se que o fato típico existe mesmo que o agente não tenha agido

com dolo ou culpa.

O conceito analítico causal partiu, portanto, de uma teoria bipartida (objetivo-

subjetivo), a qual considerava o crime como ação antijurídica e culpável para,

posteriormente, uma teoria delito-tipo, doutrinada pelo professor Ernest Beling, que

realçou a independência do tipo penal quanto à culpabilidade e à antijuridicidade.

Logo após, o conceito analítico finalmente fundamentou o crime como ação típica,

antijurídica e culpável.

Quanto aos elementos do crime de acordo com a teoria clássica: o tipo foi

inicialmente considerado “um mero movimento corpóreo voluntário que guarda

relação de causalidade com a modificação indesejável do mundo exterior

(resultado)”10. Em 1930, Beling defendeu a ideia de que o delito-tipo seria apenas

uma cópia do fato externo, sem referências ao interior do agente da conduta. Dessa

forma, o tipo penal matar alguém caberia tanto para o homicídio doloso quanto para

o homicídio culposo. Posteriormente, foi entendido que o tipo é o fundamento

9 ZAFFARONI; PIERANGELI, 2015. p. 360

10 GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 194.

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18

cognitivo da antijuridicidade, uma vez que existem fortes indícios de que a conduta

realizada de acordo com o tipo penal possivelmente seja ilícita.

A noção de antijuridicidade era de natureza objetiva, a qual se confirmava

através da contradição entre o ato praticado pelo agente e a norma legal,

inicialmente desenvolvida por Ihering, e posteriormente introduzida no Direito Penal

por Liszt e Beling.

A culpabilidade, por fim, se deu na necessidade de nexo subjetivo entre o

agente e o resultado de sua conduta. A análise da culpabilidade vinha de todos os

elementos psicológicos juntamente com o dolo e a culpa. Dessa forma, a

imputabilidade seria um pressuposto da culpabilidade, e o dolo e a culpa seriam

considerados suas formas de manifestação.

Dessa forma, a teoria clássica admitiu o crime como um fato da realidade

natural, analisando-o de forma objetiva, por meio da tipicidade, e subjetiva, na

análise da culpabilidade. O fracasso se deu justamente pelo exame fragmentado da

conduta, em conjunto com a necessidade de analisar a imputabilidade

independentemente da causalidade e da ação dolosa e culposa do tipo.

2.4.2 Teoria Neoclássica

A teoria neoclássica se baseou no normativismo teleológico, com o intuito de

constituir o crime de acordo com os fins buscados pelo Direito Penal e a orientação

dos valores e ideais nos quais se baseiam. No entanto, foi mantido o sistema

apresentado por Liszt e Beling no sentido de ter o dolo e a culpa ainda pertencentes

à culpabilidade, e do tipo e da antijuridicidade como critérios predominantemente

objetivos.

O tipo deixou de ser um mero comportamento humano para se tornar um ato

lesivo à ordem jurídica. A antijuridicidade, por outro lado, “passa a ser visualizada

sob o ponto de vista material, o que pressupõe a danosidade social da conduta

criminosa”.11 Por fim, à culpabilidade foram acrescentados novos elementos com

relação à imputabilidade, como principalmente o requisito da reprovabilidade do

agente caso aja de forma contrária à normal penal.

11

GALVÃO, 2013. p. 199

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19

2.4.3 Teoria Finalista

A teoria finalista é a aplicada atualmente. De acordo com Victor Eduardo Rios

Gonçalves:

Para a teoria finalista, atualmente adotada, não se pode dissociar a ação da vontade do agente, já que a conduta é precedida de um raciocínio que o leva a realizá-la ou não. Em suma, conduta é o comportamento humano, voluntário e consciente (doloso ou culposo) dirigido a uma finalidade. Assim, o dolo e a culpa fazem parte da conduta (que é o 1º requisito do fato típico) e, dessa forma, quando ausentes, o fato é atípico.

12

Percebe-se, por conseguinte, que diferentemente da teoria clássica, o dolo e

a culpa deixam de estar relacionados à culpabilidade e passam a se relacionar ao

fato típico. No dolo é excluída a consciência da ilicitude, contendo apenas a

consciência da conduta, do resultado, do nexo causal e a vontade de realizar a

conduta e de produzir resultado.

A culpabilidade se constitui a partir da reprovação pessoal do agente que

realizou a conduta, fundamentando-se na ideia de que o autor possuía capacidade

de conter-se frente à vontade de praticar o delito, e não o fez. Dessa forma, a

culpabilidade deixa de conter o dolo e a culpa, e passa a ser pressuposto da

aplicação da pena, existindo como elementos presentes tão somente a

imputabilidade e o potencial conhecimento da ilicitude.

2.4.4 Teoria Social

A teoria social da ação é uma teoria pós-finalista, e não é adotada pela

legislação brasileira. Ela engloba conceitos tanto da teoria clássica como da teoria

finalista.

Dispõe o autor Victor Eduardo Rios Gonçalves, “ação é a conduta humana

socialmente relevante, dominada e dominável pela vontade.”13 A conduta

socialmente relevante referida é aquela socialmente prejudicial, que alcança o meio

em que vivem as pessoas. Portanto, se a conduta não afronta a adequação social

da humanidade não será ela relevante para o direito penal.

Como prevê Fernando Galvão:

12

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito penal: parte geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. p. 38. 13

Ibid., p. 40

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20

Assim, o delito, para a sistematização de Wessels e Jescheck, resulta da consideração globalizante de um tipo de injusto e um tipo de culpabilidade os quais se fundem em conceito amplo que compreende, ainda, todos os caracteres ou pressupostos da punibilidade. O tipo funciona como indiciário da culpabilidade, e a consideração do tipo doloso provoca repercussões na consideração de uma culpabilidade dolosa.

14

A ilicitude, nesse sistema, caracteriza-se pela realização de um injusto penal

não acobertado por nenhuma causa justificativa. São objetos da análise da

antijuridicidade, portanto, tanto o desvalor da conduta quanto o desvalor do

resultado.

Por fim, quanto ao conceito da culpabilidade, Wessels afirma que, “neste,

compreendem-se a capacidade de culpa, os elementos especiais da culpabilidade

(previstos apenas em determinados casos), a forma de culpabilidade (dolosa ou

culposa), a consciência do injusto e a ausência de causas exculpantes.”15

2.4.5 Teoria Funcionalista

A teoria funcionalista abrange não somente os pressupostos para a punição

delitiva, mas também as finalidades daquela pena. Tal perspectiva visa a análise dos

efeitos que a pena traz para as pessoas, com a intenção de intimidar os potenciais

autores de crimes. Dirigiu a aplicação da pena ao criminoso, positivamente com o

intuito de reintegrá-lo à sociedade ou, negativamente visando impedir a reiteração

do crime uma vez que privado de sua liberdade.

O movimento funcionalista foi subdividido em funcionalismo moderado e

funcionalismo radical (sistêmico). O primeiro foi politizado por Claus Roxin, o qual

pretendia resgatar a ideia valorativa neoclássica, no entanto, de forma que se

encaixasse nos fins do Direito Penal e em seus princípios políticos. Dessa forma,

como dispõe o autor Fernando Galvão, “o sistema proposto por Roxin estabelece

uma síntese entre o valorativo (valorações político-criminais) e o ontológico (caso

concreto), de modo que o operador do Direito deve proceder segundo os métodos

dedutivo (valor) e indutivo (caso concreto) ao mesmo tempo”16.

14

GALVÃO, 2013. p. 209. 15

WESSELS, Johannes. Direito penal: parte geral. São Paulo: Editora Sergio Antonio Fabris Editor, 1976. p. 86. 16

GALVÃO, op. cit., p. 212.

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21

Já o funcionalismo radical, que teve como pioneiros os autores Niklas

Luhmann e Gunther Jakobs, visa o funcionamento de todo o sistema penal e

jurídico, não se limitando somente ao estudo dos elementos do crime. O

entendimento é de que, como o homem vive em sociedade, não é possível prever o

comportamento de cada indivíduo, sendo necessária a clareza e a estabilidade em

suas expectativas.

Dessa forma, foram criados os sistemas sociais para suprir e assegurar tais

expectativas, fornecendo ao indivíduo modelos de comportamentos que devem ser

seguidos para que os outros membros da sociedade possam prever as ações deste.

Distingue-se as expectativas em cognitivas e normativas. As cognitivas se

relacionam à consciência da realidade natural, sendo extintas ou adaptadas

conforme desapontadas. As normativas se mantém mesmo com seu

descumprimento. Se essas expectativas fossem constantemente violadas perderiam

sua credibilidade, sendo necessário, portanto, uma sanção que reafirmaria a

validade daquela norma. Assim, entende-se que a função principal do sistema

punitivo é a reafirmação da validade da norma jurídica, e não a proteção dos bens

jurídicos.

O sistema funcionalista entende o tipo como um indício da antijuridicidade,

não podendo estes serem confundidos entre si, mantendo o dolo e a culpa como

elementos de análise da tipicidade. No requisito da culpabilidade, a perspectiva se

dá na reafirmação da vigência da norma penal no presente, e não para a realização

de mudanças futuras.

2.5 DELITO NO DIREITO BRASILEIRO

No Código Penal de 1940, a doutrina brasileira adotou a teoria causalista,

tendo seus principais autores como Nelson Hungria, Aníbal Bruno, Basileu Garcia,

José Salgado Martins, Edgard Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Paulo

José da Costa Júnior, Roque de Brito Alves, entre outros.

Assim dispõe o autor Fernando Galvão:

Com efeito, a teoria do delito não pode ser compreendida como construção meramente formal, desvinculada do sentido social a ser atribuído à conduta delitiva e das consequências práticas da intervenção punitiva. Desta forma, o desafio pós-finalista que se apresenta à sociedade brasileira reside na compreensão do conteúdo material que é subjacente a cada um dos

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conceitos da teoria do crime. Tal compreensão que determina os contornos concretos da aplicação do direito repressivo, deve ser apurada por meio do processo democrático discursivo que é o único capaz de conferir legitimidade à intervenção punitiva.

17

Com a decadência do Código de 1940, a teoria finalista surgiu como uma

nova metodologia analítica, adotando como principal ponto o tipo como complexo, e

a culpabilidade pura. Nesse sentido, acolhe-se a ideia de que na forma da tipicidade

é visada a violação da norma para a constituição do crime, e no campo da

culpabilidade, defende-se a perspectiva de que o juízo de reprovabilidade é puro,

sem vincular a reprovação da conduta ao plano abstrato da composição do interesse

em se praticar o delito.

2.6 TIPICIDADE

A tipicidade se baseia na necessidade de que a ação ou omissão se adeque

ao tipo penal, ou seja, que esteja descrita perfeitamente na Lei. É a condição de

perfeito enquadramento entre a ação ou a omissão e o tipo legal do crime. A ação

típica trata-se, portanto, de uma conduta estimulada pela vontade e com a finalidade

descrita no tipo penal.

Das três, é a que tem maior relevância penalmente e juridicamente. É quando

o fato se adequa ao descrito na lei penal. Dessa forma, nenhum fato, mesmo que

antijurídico e culpável será considerado delito se não tiver o requisito da tipicidade,

qual seja a correspondência da conduta ao contido em uma norma penal.

Portanto, dentre os diversos comportamentos antijurídicos, o legislador, pelo

princípio da intervenção mínima, escolhe os considerados mais reprováveis e mais

lesivos aos bens jurídicos ameaçando-os com uma sanção. Consequentemente,

dentro do Direito Penal, o tipo tem função seletora de condutas penalmente

relevantes; garantidora, uma vez que somente os comportamentos submetidos à lei

penal que podem ser sancionados; e motivadora, vez que são indicadas as condutas

proibidas pela sociedade, esperando que os cidadãos se abstenham de realizá-las.

O fato típico, por conseguinte, é o fato que perfeitamente se encaixa aos

elementos contidos na lei penal. Possui 4 elementos: a conduta, a qual é a ação ou

omissão humana, voluntária e consciente, com a finalidade de produzir um resultado

previsto pela lei penal como delito (sendo esta de forma dolosa ou culposa); o

17

GALVÃO, 2013. p. 218.

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23

resultado, que é a mudança no exterior provocada pelo comportamento realizado

pelo agente, e subsiste apenas nos crimes materiais; o nexo causal, que é a ligação

estabelecida entre a conduta do autor com o resultado naturalístico, existindo

também somente nos crimes materiais; e a tipicidade, que como já especificado, é a

correspondência entre o fato, a conduta humana e o descrito no tipo penal.

2.7 ANTIJURIDICIDADE

A antijuridicidade é a existência do ilícito penal, a discordância entre a

conduta praticada e o ordenamento jurídico. A conduta típica deve ser contrária ao

Direito Penal. Se existe alguma norma permissiva, a ilicitude é excluída, e

consequentemente inexiste crime.

Mais conhecida como ilicitude, a antijuridicidade é a contradição entre o fato

acometido pelo agente e o devido ordenamento jurídico, tornando a ação ou

omissão até então típicas em ilícitas. Dessa forma, pode-se dizer que todo fato ilícito

será típico, mas não necessariamente todo fato típico será ilícito, devido as

ocorrências das chamadas causas excludentes. Um exemplo é no caso de homicídio

em legítima defesa. O fato é típico, mas não é ilícito, não havendo crime, portanto.

No entanto, se não estiver presente causa excludente de ilicitude, o fato será

considerado antijurídico e passará a constituir delito.

São espécies de ilicitude: a formal, que é a simples contrariedade da conduta

para com o ordenamento jurídico; a material, que é a contrariedade da conduta com

o injusto (sentimento social de justiça do homem médio); a subjetiva, que expressa

que o fato só será ilícito se o agente da conduta for capaz de entender o caráter

criminoso, excluindo, portanto, a ilicitude quando o fato for cometido por inimputável;

e a objetiva, na qual basta que na conduta não subsista nenhuma causa de exclusão

da ilicitude.

Como já exposto, existem causas que excluem a ilicitude do fato, as quais

podem ser classificadas como supralegais e legais. As supralegais não subsistem

mais no ordenamento jurídico, uma vez que quando existentes excluem a tipicidade

e não a ilicitude. Bem como, pela tipicidade ter se tornado material, se um fato é

típico, é porque já foram verificados os devidos aspetos da conduta, restando à

etapa da ilicitude apenas a averiguação da contrariedade do fato à lei penal. Dessa

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forma, comportamentos como colocar um brinco, por exemplo, configuram fatos

atípicos, mas lícitos.

As causas legais são 4: o estado de necessidade, que se verifica na situação

em que o cidadão em perigo atual, o qual não foi provocado por sua própria vontade,

sacrifica um bem jurídico para salvar outro razoavelmente de maior importância; a

legítima defesa, que consiste no agente que, utilizando de forma moderada dos

meios necessários, repele injusta agressão; o estrito cumprimento legal, que é a

realização de um fato típico, mas no desempenho de obrigações impostas por lei; e

o exercício regular do direito, o qual pode ser exercido por qualquer pessoa nas

hipóteses em que o sujeito se encontrar autorizado a esse comportamento.

2.8 CULPABILIDADE

Por fim, há o requisito da culpabilidade, o qual remete a questão da

reprovabilidade pessoal quanto à ação típica e antijurídica. É necessário que a

conduta tenha sido praticada pelo sujeito de forma reprovável, sendo fundamental

que o autor tenha capacidade psíquica para entender a ilicitude de seus atos;

conheça ou possa conhecer a antijuridicidade do fato; e finalmente, que nas

circunstâncias da realização da ação ou omissão, seja possível a existência de

comportamento diverso do praticado pelo sujeito.

Historicamente, a culpabilidade sofreu grandes evoluções. No período

primitivo em que o homem vivia em tribos, as regras eram baseadas meramente nos

costumes, na moral e nas crenças. Nesse período, não existia a responsabilidade

subjetiva, e bastava a relação entre a conduta e o resultado para que houvesse a

punição. Após, com a adoção do talião, criou-se maior pessoalidade e

proporcionalidade entre a pena e à agressão cometida, prevendo antecipadamente a

fixação da referente sanção.

No direito romano, a aplicação da pena deixou de ser por vingança privada e

passou a ser responsabilidade do Poder Público. No período germânico, os povos

bárbaros retroagiram aos costumes dos povos primitivos, tendo a responsabilidade

unicamente objetiva, com função de vingança de sangue. Na Idade Média, a justiça

passou a se basear no livre-arbítrio, trazendo a responsabilidade subjetiva e a

proporcionalidade da pena. No período moderno, finalmente iniciou-se a queda das

penas injustas.

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25

Atualmente, a culpabilidade é a possibilidade de punir o autor de um fato

típico e ilícito, ao qual no momento da realização da conduta, era plenamente capaz,

podia e devia ter agido de forma diversa.

Como dispõe o autor Fernando Capez:

Quando se diz que “Fulano” foi o grande culpado pelo fracasso e sua equipe ou de sua empresa, está atribuindo-se lhe um conceito negativo de reprovação. A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito. Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente.

18

É o último requisito a ser verificado, uma vez estando presentes a tipicidade e

a ilicitude do fato em questão. Assim, apenas com a devida constatação da prática

de um crime passará a ser examinada a possibilidade ou não de responsabilização

do agente. A culpabilidade, portanto, não faz jus ao delito em si, mas sim à

reprovabilidade e a viabilidade de punir o sujeito que o praticou.

Existem duas correntes doutrinárias que se contrapõe em relação à quem

deve recair a culpabilidade. Por um lado, há a vertente que defende a culpabilidade

do autor, na qual é sustentado que a reprovação se estabelece em função do caráter

do autor da conduta, e não da gravidade do delito praticado. Por outro, há a qual

versa sobre a culpabilidade do fato, corrente essa que é adotada majoritariamente

pela doutrina. Nesse caso, a reprovação é estabelecida quanto à gravidade do crime

realizado, de acordo com sua lesividade social, as circunstâncias objetivas que o

cercam, bem como os meios utilizados e o modo de execução empregado.

Em relação à responsabilização do agente da conduta, surgiram diversas

teorias. São essas: a teoria psicológica da culpabilidade, a qual visualiza a conduta

como meramente causadora de um resultado, tendo a ação como componente

objetivo, e a culpabilidade como elemento subjetivo, apresentando-se como dolo ou

culpa; a teoria psicológico-normativa ou normativa da culpabilidade, a qual exige

como pressupostos a imputabilidade, dolo e culpa, e a exigibilidade de conduta

diversa; a teoria normativa pura da culpabilidade, que exige tão somente a

imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa, uma vez que deslocou o dolo e

18

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 323.

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26

a culpa para a conduta; e por fim, a teoria estrita da culpabilidade e teoria limitada da

culpabilidade, ambas derivadas da normativa pura, divergindo apenas quanto às

discriminantes putativas.

A teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro é a teoria limitada da

culpabilidade, a qual tem como elementos a imputabilidade, que é a capacidade de

compreender a ilicitude da conduta praticada e de determinar-se conforme esse

entendimento; a potencial consciência da ilicitude; e a exigibilidade de conduta

diversa, que é a expectativa de conduta diversa da adotada pelo autor do fato.

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27

3 CONCEITOS RELACIONADOS À IMPUTABILIDADE

3.1 IMPUTABILIDADE

Historicamente, a imputabilidade surge como um limite na responsabilização

de determinada parte da sociedade, a qual possuía capacidade psíquica mínima nas

relações sociais. Foi observado, porquanto, que as crianças e os doentes mentais

não podiam receber o mesmo tratamento dado aos aparentemente sãos. Assim, a

solução foi a substituição da pena por outras medidas, como reformatórios e

manicômios, que na prática controlavam, mas de forma diferente da sancionatória.

Atualmente, a imputabilidade é “a plena capacidade (estado ou condição) de

culpabilidade, entendida como capacidade de entender e de querer, e, por

conseguinte, de responsabilidade criminal (o imputável pelos seus atos)”19. Ela

existe quando o indivíduo é plenamente capaz de entender a ilicitude de sua ação

ou omissão.

É a capacidade de compreender o caráter ilícito da conduta praticada e de se

determinar conforme esse entendimento. O autor do fato deve possuir condições

psicológicas, físicas e mentais para saber que está realizando um ato ilícito, e ter

completo domínio sobre suas vontades.

O autor Galdino Siqueira dispõe que:

Imputar é atribuir a alguém um fato, uma ação, ou afirmar que alguém é sua causa, tomada esta em sentido estrito. Imputabilidade, como abstrato de imputar, denota o complexo de condições necessárias para que uma ação possa ser atribuída ao homem como sua causa. Implica um juízo a priori, isto é, que um fato futuro, previamente previsto como possível, possa ser posto a cargo de alguém que se acha em uma determinada relação com o mesmo.

20

É determinada, portanto, como o “conjunto das condições de maturidade e

sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito de seu ato e

determinar-se de acordo com esse entendimento”21. Tal capacidade apresenta dois

principais aspectos: cognoscitivo ou intelectivo – que é a capacidade de entender a

antijuridicidade do fato em questão; e volitivo ou de determinação da vontade – que

seria agir de acordo com essa compreensão.

19

PRADO, 1999. p. 231. 20

SIQUEIRA, Galdino. Tratado de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1950. p. 382. 21

BRUNO, Aníbal. Direito penal II. São Paulo: Editora Forense, 1959. p. 44.

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28

A imputabilidade é dada pelo mínimo de capacidade do sujeito para entender

a antijuridicidade de sua conduta e para se determinar de acordo com essa

compreensão. Tal capacidade pressupõe a subsistência de requisitos biológicos, tais

quais a maioridade penal, a possibilidade de ouvir, falar, agir; psiquiátricos, ou seja,

sanidade mental; antropológicos, os quais se encontram na compreensão da cultura

e do padrão social; e psicológicos, bem como a maturidade psíquica e a

voluntariedade.

Existem diversos sistemas e critérios para determinação daqueles que serão

classificados como inimputáveis pela ausência do elemento da culpabilidade. O

primeiro sistema é o biológico, o qual segue o entendimento de que todos aqueles

que apresentarem alguma anomalia psíquica serão considerados inimputáveis. É um

sistema falho, uma vez que engloba todos os indivíduos portadores de doenças

mentais, incluindo aqueles que possuíam capacidade de determinação no momento

do fato.

O segundo sistema é o psicológico, no qual são verificadas exclusivamente as

condições psíquicas do agente no momento da ocorrência do fato, excluindo as

questões relacionadas à existência ou não de doença ou transtorno mental.

Por fim, há o sistema biopsicológico, que é o critério adotado atualmente pela

legislação brasileira, visto que combina o critério biológico com o psicológico. Nesse

caso será verificado, primeiramente, se o autor do fato possui doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Se não, é imputável. Se sim, será

averiguado se ele era, no momento do fato, capaz de compreender a ilicitude de seu

ato. Se não houver essa capacidade, será considerado inimputável. Se houver,

analisará se o sujeito era capaz de determinar-se conforme essa consciência. Em

caso negativo, será inimputável também.

Assim, não basta apenas a existência de doença ou transtorno mental. É

necessário fazer prova de que determinado distúrbio tenha realmente afetado a

capacidade de entendimento da antijuridicidade de sua conduta ou de determinar-se

em seu entendimento no momento do fato em questão.

3.2 INIMPUTABILIDADE

Como já exposto, a inimputabilidade é a inexigibilidade por incapacidade

psíquica, uma vez que a imputabilidade prevê a capacidade de culpa do agente,

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29

qual seja, a capacidade de responsabilização criminal do sujeito pelo cometimento

do delito em questão. Tal capacidade não se confunde com os atos involuntários e

os inconscientes, visto que aqueles não caracterizam tipos penais incriminadores e

estes não pressupõem condutas juridicamente relevantes.

Inimputável é, portanto, o indivíduo que não é capaz de compreender a

antijuridicidade da realização de sua conduta, ou de se determinar conforme esse

entendimento.

É possível, por perícia, facilmente constatar a preexistência de alguns estados

mentais anormais, assim como de transtornos mentais socialmente conhecidos. No

entanto, para excluir a imputabilidade de um sujeito, é necessário levar em conta

outros aspectos também, como particularidades do indivíduo no momento em que

ocorreu o delito, tal qual o próprio fato concreto realizado pelo agente.

Como dispõe o autor Fernando Galvão:

A incapacidade de entendimento e autodeterminação impede a reprovação da ordem jurídica sobre a finalidade socialmente inadequada que se manifesta na conduta do sujeito. As causas que excluem a capacidade psíquica do indivíduo materializam hipóteses em que é inexigível comportamento diverso. A incapacidade psíquica desautoriza a reprovação da ordem jurídica sobre a manifestação da finalidade socialmente inadequada. Se o indivíduo é psiquicamente incapaz, não se pode exigir a manifestação de finalidade diferente da que orientou sua conduta para compatibilizá-la com as expectativas sociais.

22

Dessa forma, são considerados inimputáveis aqueles que não possuem

capacidade de entendimento e de determinação, sendo eliminado o requisito da

culpabilidade. Terão a imputabilidade excluída, por conseguinte, aqueles que

possuírem doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado,

menoridade penal (menores de dezoito anos) e embriaguez patológica completa ou

proveniente de caso fortuito ou força maior.

A inimputabilidade prevê, conquanto, a exculpação em detrimento da

impossibilidade de exigir de um sujeito psicologicamente incapaz comportamento

conciliável com a norma jurídica. Destaca-se assim, a desnecessidade da aplicação

da pena ao agente do delito em questão, visto que faz-se necessário tratamento

adequado para reinseri-lo novamente na sociedade.

22

GALVÃO, 2013. p. 450.

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30

3.2.1 Inimputabilidade por Doença Mental

Historicamente, o Direito Romano não punia o doente mental que cometia

infração penal. Desde a Idade Média até o fim do período absolutista, a regra geral

permaneceu por responsabilizar o doente mental por seus atos criminosos. Contudo,

com o destaque da culpabilidade frente ao Direito Penal, juntamente com a

imputabilidade como elemento fundamental, verificou-se a necessidade de tratar

diferencialmente aqueles indivíduos que por serem portadores de distúrbios ou

doenças mentais possuíam sua saúde mental afetada.

O Código Penal adotou o critério biopsicológico para referir-se à

inimputabilidade, conjugando os critérios de existência de uma doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado com a absoluta incapacidade de,

no momento da ação ou omissão, compreender a ilicitude do fato ou de determinar-

se conforme tal entendimento, como previsto em seu artigo 26:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Como descreve Leiria:

A doença mental, para os efeitos da norma jurídica, apresenta-se como um estado morboso da psique, capaz de produzir profundas inibições na inteligência ou na vontade, no momento da ação ou da omissão. Por outro ângulo, é de se ter presente que o conceito psiquiátrico de doença mental, embora sirva de base para a formulação do conceito jurídico, nem sempre coincide exatamente com este. Igualmente, não é de se confundir a perturbação da saúde mental, com a doença mental propriamente dita. Nas enfermidades psíquicas, há sempre uma perturbação da saúde mental, mas, tais perturbações nem sempre decorrem de uma doença mental, na concepção científica do termo.

23

No entanto, mesmo com a comprovação da existência da doença mental ou

do desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ainda há de se verificar se, no

momento da realização da conduta o sujeito era absolutamente incapaz de entender

o caráter ilícito de seus atos, uma vez que é possível o agente, mesmo que em um

desses estados, ser capaz de compreender a antijuridicidade de sua conduta. É o

acontece em alguns casos, nos quais certos indivíduos possuem consciência de

23

LEIRIA, Antônio José Fabrício. Fundamentos da responsabilidade penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1980. p. 240.

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31

suas ações, no entanto não detém controle sobre seus atos, ou seja, não

conseguem evitá-los.

Dessa forma, só será considerado inimputável aquele que, portador de

doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não tenha

capacidade de compreender o caráter ilícito de seu comportamento e de se

determinar conforme esse entendimento. Como dispõe Julio Fabbrini Mirabete:

Inexistente, porém, a base biológica da inimputabilidade (doença mental etc.), não importa que o agente, no momento do crime, se encontre privado da capacidade de entendimento e autodeterminação; o indivíduo moralmente pervertido que, no momento do crime, não pode controlar seus impulsos deve ser tido por imputável. A inimputabilidade não se presume e para ser acolhida deve ser provada em condições de absoluta certeza.

24

Entretanto, nota-se que um sujeito em estado absoluto de inconsciência não é

caracterizado inimputável, ficando ausente a conduta, uma vez que este não chega

a realizar a ação ou a omissão. A consciência representa o discernimento que o

sujeito tem em relação aos objetos de sua apreciação. Dessa forma, a doutrina

estabeleceu três categorias de consciência: a consciência perceptiva ou lucida, que

faz referência à compreensão dos ocorridos internos e externos; a consciência

discriminativa, a qual diferencia o justo do injusto, a antijuridicidade dos fatos e as

consequências; e a consciência moral, que aplica as normas às condutas do próprio

indivíduo.

Por fim, são inúmeras as doenças mentais conhecidas não sendo possível

concordância doutrinária quanto à classificação. No entanto, genericamente, são

consideradas doenças mentais as psicoses, epilepsias, neuroses, esquizofrenias e

oligofrenias – as quais recebem referência especial na parte de desenvolvimento

mental incompleto ou retardado.

É importante ressaltar a necessidade de ser comprovado por laudo pericial o

distúrbio, transtorno ou doença mental do agente da conduta nas hipóteses de

inimputabilidade. Sendo assim, quando houver dúvida em relação à saúde mental do

indivíduo, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do

defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado,

demandar que seja realizado exame médico-legal.

24

MIRABETE, 2009. p. 198.

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32

3.2.2 Inimputabilidade por Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado

Os indivíduos que se encontram nessa categoria de inimputabilidade

possuem falta de suporte moral necessário para se autodeterminar frente à realidade

vivenciada. Não possuem maturidade para aguentar a culpa, a qual é fundamental

na responsabilização do agente. Essa espécie engloba os menores de 18 anos, os

surdos-mudos não educados, os indígenas não adaptados ao convívio em

sociedade, e os oligofrênicos, bem como os idiotas, imbecis e débeis mentais, os

quais possuem anormalidades no desenvolvimento mental e intelectual.

O desenvolvimento mental incompleto se estabelece naquele que ainda não

foi concluído, enquanto o desenvolvimento mental retardado é o que não permite

chegar à maturidade psíquica. Em qualquer desses casos, é necessário que tal

deficiência mental impeça o sujeito de entender a ilicitude do fato e de se

autodeterminar de acordo com essa compreensão.

O retardo no desenvolvimento mental traz três níveis de deficiência mental. O

de idiotia é o mais grave, caracterizado pela idade mental não superior à três anos,

no qual o sujeito é absoluta ou parcialmente incapaz de falar ou de suprir suas

necessidades básicas. A imbecilidade compreende o indivíduo que possui idade

mental entre três e sete anos, possui dificuldade para aprender e ler, e sua

linguagem e memória são pouco desenvolvidas.

Por fim, a debilidade mental é a dificuldade do sujeito de se adaptar à novos

cenários. É o nível mais leve e que mais que aproxima da sanidade mental. Nesse

caso, pode não haver a perturbação da completa capacidade de entendimento e

autodeterminação, mas sim de parte dela, razão pela qual o artigo 26 do Código

Penal prevê a redução de um a dois terços nas circunstâncias em que há perda

parcial da capacidade, qual seja o desenvolvimento mental incompleto ou retardado

do agente do fato.

3.2.3 Inimputabilidade por Menoridade Penal

O Direito Romano considerava os menores de 7 anos excluídos de

qualquer responsabilidade, e as crianças com idade entre 7 e 14 anos podiam ser

configuradas como imputáveis, desde que possuidoras de capacidade de

entendimento da ilicitude de seus atos. Da Idade Média até fins do século XVIII,

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mantinham-se as punições, inclusive com penas corporais cruéis e pena de morte às

crianças com pouco mais de 7 anos que cometiam infrações penais. No final do

século XVIII, a idade mínima aumentou para 12, 14 e 16 anos. E finalmente, no final

do século XX, elevou-se ainda mais a idade mínima de responsabilidade criminal,

instituída a justiça especial para menores com o fim de aplicar medidas de

reeducação aos menores que cometeram infrações.

À vista disso, existe a inimputabilidade por imaturidade natural, visto que,

como entendido pelo legislador, os indivíduos menores de 18 anos não possuem

plena capacidade de compreensão. Nessa hipótese, foi adotado puramente o

caráter biológico, não sendo considerado o desenvolvimento mental do sujeito, que,

portanto, não está sujeito à sanção penal, mesmo que absolutamente capaz de

entender a ilicitude de sua conduta e de se autodeterminar conforme essa

compreensão.

A menoridade penal encontra fundamento em dois principais artigos, os quais

se assemelham muito em sua matéria: o artigo 228 da Constituição Federal e o

artigo 27 do Código Penal:

Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Ademais, refere-se a uma presunção de que o menor de 18 anos possui

desenvolvimento mental incompleto e personalidade em formação, não sendo capaz

de compreender as normas socialmente impostas e de agir de acordo com esse

entendimento. Nesse caso, sua consequência jurídica será o cumprimento de

medida socioeducativa, e a conduta cometida não será considerada crime, e sim

contravenção penal.

3.3 IMPUTABILIDADE DIMINUÍDA (SEMI-IMPUTABILIDADE)

O Código Penal prevê em seu artigo 26, parágrafo único:

A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

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34

Nesse cenário, o agente é imputável, mas recebe uma sanção

atenuada por ter a culpabilidade reduzida em face de suas condições pessoais.

Possui capacidade de compreensão e de autodeterminação, no entanto de forma

parcial, assim como sua capacidade de resistência ante aos impulsos passionais,

sendo neles menor do que em um indivíduo considerado normal. Logo, é diminuída

a reprovabilidade, e consequentemente a culpabilidade.

A semi-imputabilidade, portanto, conforme entende o autor Fernando Capez:

É a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado. Alcança os indivíduos em que as perturbações psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência interior em relação à prática do crime. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais.

25

O sujeito, no momento do fato, não era absolutamente incapaz de

compreender a antijuridicidade de sua conduta ou de se autodeterminar. Sendo

assim, verifica-se que ele praticou um fato típico, antijurídico e culpável, não

podendo ser absolvido como acontece com os inimputáveis. Não obstante, em razão

de seu transtorno mental ou de seu desenvolvimento mental incompleto ou

retardado, recebe uma atenuação da culpabilidade, e consequentemente do juízo de

reprovabilidade que recai sobre ele, motivo pelo qual o legislador determinou a

redução de sua pena.

Os requisitos são: causal, quando provocada por transtorno na saúde mental

do indivíduo ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, previstos no artigo

26 do Código Penal; cronológico, devendo estar presente o distúrbio mental no

momento da ação ou da omissão; e o consequencial, que é onde subsiste a

diferença entre a semi-imputabilidade e a inimputabilidade, uma vez que naquele há

a perda de apenas parte da capacidade de entender a ilicitude e de se

autodeterminar de acordo com o seu entendimento.

Há o exemplo dos psicopatas, que possuem distúrbios mentais, no entanto

com capacidade parcial para compreender o caráter ilícito de suas condutas.

Também, os portadores de neuroses profundas, as quais causam alterações de

personalidade; as mulheres que apresentam distúrbios mentais por conta da

25

CAPEZ, 2010. p. 346.

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35

gravidez, entre outros. Em segundo plano encontram-se os indivíduos que

apresentam desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Nessas hipóteses, é

importante ressaltar a necessidade de verificar não tão somente a capacidade de

entendimento do caráter ilícito do fato, bem como o poder de autodeterminação do

agente da conduta.

Desta maneira, nos casos previstos no parágrafo único do artigo 26 do

Código Penal, será reduzida a pena de um a dois terços. Ainda há discordância nas

decisões quanto à obrigatoriedade ou facultatividade de reduzir a pena, entretanto,

comprovada a diminuição da culpabilidade, deverá o juiz reduzir a pena de acordo

com os limites estabelecidos por lei.

3.4 EMOÇÃO E PAIXÃO

Como prevê o autor Fernando Capez:

Emoção é um sentimento abrupto, súbito, repentino, arrebatador, que toma de assalto a pessoa, tal e qual um vendaval. Ao mesmo tempo, é fugaz, efêmero, passageiro, esvaindo-se com a mesma rapidez. A paixão, ao contrário, é um sentimento lento que se vai cristalizando paulatinamente na alma humana até alojar-se de forma definitiva. A primeira é rápida e passageira, ao passo que esta última, insidiosa, lenta e duradoura. A emoção é o vulcão que entra em erupção; a paixão, o sulco que vai sendo pouco a pouco cavado na terra, por força das águas pluviais. A emoção é o gol marcado pelo seu time; a paixão, o amor que se sente pelo clube, ainda que ele já não lhe traga nenhuma emoção. A ira momentânea é a emoção; o ódio recalcado, a paixão. O ciúme excessivo, deformado pelo egoístico sentimento de posse, é a paixão em sua forma mais perversa. A irritação despertada pela cruzada de olhos da parceira com um terceiro é pura emoção.

26

A emoção é, portanto, uma perturbação afetiva, temporária e de pouca

duração, geralmente com desencadeamento imprevisível, e motivada como reação à

certos acontecimentos, acabando por prevalecer frente à outras atividades mentais e

fazendo fluir sentimentos como ira, medo, alegria, e ademais. A paixão, por outro

lado, é um estado afetivo mais violento e com maior duração, que tende a prevalecer

sobre a atividade psíquica do sujeito de forma a causar mudanças em seu

comportamento tornando-o irracional e com falta de autocontrole. São situações de

ciúmes, ódio, divergências intelectuais, entre outras.

26

CAPEZ, 2010. p. 344.

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36

O Código Penal em seu artigo 28, inciso I prevê que a paixão ou emoção não

excluem a imputabilidade penal, uma vez que o sistema penal adotou o critério

biopsicológico. No entanto, a própria legislação, em várias situações, pondera tais

sentimentos, seja para reduzir, seja para aumentar a pena aplicada.

O Código Penal brasileiro prevê em seu artigo 65, III, c como circunstância

atenuante a hipótese do sujeito cometer crime sob a influência de violenta emoção e

provocada por ato injusto da vítima.

Da mesma forma, nos artigos 121, § 1º e 129, § 4º, é admitido como causa de

diminuição especial da pena, homicídio ou lesão corporal praticado pelo agente sob

o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima.

Todavia, nessas hipóteses, não basta a emoção por si, mas sim a presença de todos

os requisitos previstos legalmente. Nesse cenário, haverá a redução da pena de 1/6

a 1/3.

Se o autor do delito estiver apenas sob mera influencia, e não sob domínio de

violenta emoção, a emoção será utilizada como circunstância atenuante genérica,

com efeitos reduzidos, uma vez que não poderá haver diminuição além do mínimo

disposto legalmente. A paixão, em contrapartida não funciona como causa de

redução de pena.

Reitera-se, no entanto, a possibilidade da emoção e da paixão adquirirem

caráter patológico, enquadrando-se, nessa hipótese, ao artigo 26 do Código Penal,

que versa sobre o tratamento diferenciado em situações de doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado do agente do delito.

Dessa forma, entende o autor Galdino Siqueira:

As paixões, pertencendo ao domínio da vida fisiológica, apresentam, quando profundas, perturbações físicas e psíquicas notáveis, das mesmas se ressentindo a consciência; isto, porém, não pode implicar na irresponsabilidade, porquanto o direito penal não deve deixar impunes os atos cometidos em um estado passional, pois esses atos constituem frequentemente delitos graves. O efeito perturbador da paixão no mecanismo psíquico pode reduzir a capacidade de resistência psíquica, constituída por representações éticas e jurídicas, a grau inferior ao estado normal.

27

Assim, entende-se que, apenas se a paixão transformar de fato o indivíduo

em um doente mental poderá se falar em exclusão da culpabilidade, não somente o

ciúme doentio ou o desespero.

27

SIQUEIRA, Galdino. Tratado de direito penal. Rio de Janeiro: Editora José Konfino, 1947. p. 467.

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37

3.5 EMBRIAGUEZ

De acordo com Luiz Regis Prado, “a embriaguez consiste em um distúrbio

físico-mental resultante de intoxicação por álcool ou substâncias de efeitos

análogos, afetando o sistema nervoso central, como depressivo/narcótico.”28 É

capaz de levar à extinção da capacidade de compreensão e vontade do indivíduo

autor do delito.

O artigo 28, II do Código Penal refere-se também à embriaguez provocada

por substâncias diversas do álcool, incluindo entorpecentes e estimulantes.

Receberá, portanto, o mesmo tratamento que o reservado ao do álcool, no entanto,

há a necessidade de verificar se o sujeito não é portador de doença ou distúrbio

mental causado pelo uso de drogas, caso em que caberá a aplicação do artigo 26.

Em relação ao quadro das substâncias psicotrópicas, entende Fernando

Capez que:

As substâncias que provocam alterações psíquicas denominam-se drogas psicotrópicas e encontram-se subdivididas em três espécies: a) psicolépticos, que são os tranquilizantes, os narcóticos, os entorpecentes, como, por exemplo, a morfina, o ópio, os barbitúricos e os calmantes; b) psicoanalépticos, os estimulantes, como as anfetaminas (as chamadas “bolinhas”), a cocaína etc.; c) psicodislépticos, ou seja, alucinógenos, substâncias que causam alucinação, como é o caso do ácido lisérgico, a heroína e o álcool. Como se nota, o Código Penal não aborda apenas a embriaguez alcoólica, mas a decorrente do uso de qualquer outra droga.

Quanto às suas fases, há a excitação, que é a euforia inicial causada pela

diminuição na autocensura, na qual o sujeito se torna importuno e passa a ter sua

capacidade de percepção visual e seu equilíbrio afetados; a depressão, a qual

determina uma desordem mental e aumenta a irritabilidade do sujeito, tornando-o

mais agressivo; e por fim o sono, que é a sua última fase, fazendo com que o sujeito

fique em um estado de sono profundo, perdendo o controle sobre suas funções

básicas. É a fase em que o agente pode cometer crimes omissivos.

A doutrina adotou diversas espécies de embriaguez, tendo elas diferentes

consequências no ordenamento jurídico. São elas:

28

PRADO, 1999. p. 234.

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3.5.1 Embriaguez Não Acidental

A embriaguez não acidental se subdivide em: dolosa (voluntária ou

intencional) e culposa. Na dolosa, o indivíduo ingere o álcool ou a substância

psicotrópica com a intenção de se embriagar. Já na culposa, o agente ingere a

substância voluntariamente, mas não com a intenção de se embriagar. A alteração

psíquica vem, portanto, de uma conduta impudente, culposa. Nessa espécie, pode

subsistir a embriaguez completa, a qual remove a capacidade total de compreensão

e autodeterminação do indivíduo, que perde de forma integral a noção do que está

acontecendo no momento; ou incompleta, a qual tira de forma parcial a capacidade

de compreensão e vontade do autor do delito, mantendo um mínimo de

entendimento e autodeterminação.

Quanto à sua consequência jurídica, adotou-se a teoria da actio libera in

causa, que declara ser imputável aquele que se coloca em situação de inconsciência

ou incapacidade de autocontrole, seja dolosa ou culposamente, e nessa situação

comete crime. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 28, II prevê a não exclusão

da imputabilidade em caso de embriaguez, voluntária e culposa, pelo álcool ou

substâncias de efeitos análogos, visto que o agente, no momento da ingestão do

álcool ou da substância psicotrópica, era livre para escolher se deveria ou não o

fazer.

No entanto, em contrapartida, na hipótese de embriaguez completa (em que o

agente perde totalmente a capacidade de entendimento e autodeterminação), o

sujeito não poderá ser responsabilizado se no momento em que este se embriagava,

não possuía elementos suficientes para prever a ocorrência do resultado, não tendo

condições de presumir o surgimento do acontecimento que o levou à realização do

delito. Nessa situação, a teoria da actio libera in causa deixa de ser aplicada, uma

vez que no instante em que o indivíduo ingere a substância era absolutamente

imprevisível a ocorrência daquele resultado. Portanto, faz-se necessário que, no

momento do fato, o agente queira produzir o resultado ou ao menos assume o risco

de produzi-lo para que o agente possa ter responsabilidade objetiva em relação a

ele.

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39

3.5.2 Embriaguez Acidental

O § 1º do artigo 28, II e o artigo 26 do Código Penal prevê a isenção de pena

ao agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força

maior, era, ao tempo da ação ou omissão, completamente incapaz de entender a

ilicitude do fato ou de se autodeterminar com tal compreensão.

Caso fortuito é o acontecimento ocasional e raro. São as situações em que o

indivíduo não se embriaga porque quer, nem porque agiu com culpa. Como

exemplos, há o caso em que o sujeito ingere bebida alcoólica sem saber de seu

conteúdo alcoólico ou de seus efeitos e a situação em que o indivíduo está fazendo

tratamento com antibiótico, e ingere álcool sem ter conhecimento das consequências

que podem causar quanto ao seu controle de compreensão com a mistura dessas

duas substâncias.

Por outro lado, a embriaguez por força maior despende de uma força exterior,

ou seja, algo que o obriga a consumir a substância psicotrópica. É a situação em

que o agente se embriaga em razão de coação física e/ou moral, que o obriga a

ingerir álcool ou outra substância, fazendo com que o sujeito perca o controle sobre

as suas ações.

Na hipótese em que a embriaguez for completa, provocada por caso fortuito

ou força maior, e se o sujeito for completamente incapaz de compreender ou de se

autodeterminar no momento do fato, haverá a exclusão da imputabilidade. Quando

incompleta, não exclui, mas permite a redução da pena de 1/3 a 2/3, nos termos do

artigo 28, §2º do Código Penal.

Em razão de caso fortuito ou força maior, quando do uso de drogas advém a

incapacidade ou redução da capacidade de compreensão e autodeterminação, a Lei

de Tóxicos determina a possibilidade de isenção ou redução de pena, nos termos de

seus artigos 45 e 46.

3.5.3 Embriaguez Patológica

A embriaguez patológica se determina na hipótese dos alcoólatras e dos

dependentes que se dispõe de uma situação de embriaguez em razão da vontade

imbatível de consumir drogas. É equiparada pela doutrina com a doença mental,

mas com simples absolvição, não sendo aplicada medida de segurança.

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40

O sujeito patologicamente embriagado apresenta comportamentos

excessivos, que mesmo com a ingestão em pequenas quantidades, demonstra um

estado exageradamente diverso de quando sóbrio. Há uma verdadeira

desproporcionalidade entre a quantidade ingerida com a intensidade dos efeitos

causados.

Esse estado é caracterizado diante de uma desorientação, comportamentos

estranhos e automáticos, podendo causar comprometimento de memória sobre o

que acontece. Embora pessoas mentalmente normais possam apresentar tal reação,

os indivíduos possuidores da embriaguez patológica geralmente são portadoras de

alguma disfunção ou transtorno cerebral.

Nesse caso, se for retirada totalmente a capacidade de entendimento e de

autodeterminação, o agente do delito ficará isento da pena. Por outro lado, se tal

privação da capacidade de compreensão for incompleta, ou seja, parcial, poderá

haver a redução da pena de 1/3 a 2/3.

3.5.4 Embriaguez Preordenada

Na embriaguez preordenada, o indivíduo embriaga-se com a intenção de

cometer o delito. Diverge-se da embriaguez voluntária, uma vez que o agente quer

embriagar-se, mas com a finalidade de cometer crimes nesse estado, movido,

portanto, por um propósito criminoso.

Nessa hipótese de embriaguez preordenada, como dispõe Bitencourt,

“apresenta-se a hipótese de actio libera in causa por excelência, cujo postulado

prevê que se o dolo não é contemporâneo à ação, é pelo menos, contemporâneo ao

início da série causal de eventos, que se encerra com o resultado danoso.”29

Quanto à sua consequência jurídica, além de não ser excluído o elemento da

imputabilidade, a pena é agravada pela circunstância prevista no artigo 6, II, l, do

Código Penal.

29

BITENCOURT, Cezar Riberto. Manual de direito penal: parte geral. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. p. 318 e 322.

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41

4 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Serão previstas consequências jurídicas diversas aos indivíduos inimputáveis

e aos semi-imputáveis de acordo com a legislação penal vigente.

4.1 DA SEMI-IMPUTABILIDADE

Da semi-imputabilidade, entende-se a situação em que o agente não está

plenamente incapaz para entender a ilicitude de sua conduta ou de se

autodeterminar perante ela. No caso de incapacidade psíquica parcial, a lei reservou

o instituto da semi-imputabilidade, que entende que o sujeito possuía uma

capacidade de culpa reduzida no momento do cometimento do crime.

O artigo 26 do Código Penal, em seu parágrafo único, dispôs a possibilidade

de reconhecer uma incapacidade psíquica parcial mediante doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Essa culpabilidade reduzida

advinda dos distúrbios psicológicos recebem um tratamento diferenciado, reduzindo

a pena do sujeito de acordo com o previsto legalmente.

A lei penal não ofereceu critério teórico, completo e concreto de

responsabilidade parcial aos semi-imputáveis, dando ao judiciário a função de

analisar a personalidade do sujeito, de forma que pode considerar ou não a prova

pericial, nos termos do artigo 182 do Código de Processo Penal, que dispõe que “o

juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em

parte.”

Dessa forma, cabe ao juiz a redução da pena de um a dois terços, como

prevê o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal:

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida ade um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Outro caminho que pode ser tomado pelo magistrado é a substituição da pena

por medida de segurança, seja na modalidade de internação em manicômio, seja de

tratamento ambulatorial, de acordo com o artigo 98 do Código Penal:

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Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º e 4º.

Embora a legislação penal mencione a possibilidade do juiz determinar a

substituição da pena pela medida de segurança, não se constitui faculdade do

magistrado, devendo ser realizada a substituição sempre que necessário ao sujeito o

tratamento e quando existente procedimento terapêutico apropriado para o presente

caso.

É preferível à sociedade que o indivíduo condenado tenha tratamento

adequado de forma que os motivos da incompreensão da ilicitude do fato deixem de

existir. Dessa forma, na hipótese do agente ser portador de doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, tendo a possibilidade de evolução

e progresso de seu quadro clínico, deve-se utilizar do tratamento terapêutico, e não

repressivo.

4.2 DA INIMPUTABILIDADE

É isento de pena o indivíduo que pratica crime na hipótese em que, no

momento do fato, era portador de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou

retardado, sendo incapaz de entender o caráter ilícito de sua ação/omissão e de se

autodeterminar conforme ela, como dispõe o artigo 26 do Código Penal:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Assim, dispõe o artigo 97 do Código Penal que, “se o agente for inimputável,

o juiz determinará sua internação”, em hospital de custódia e de tratamento

psiquiátrico, ou na falta deste, em estabelecimento apropriado. No entanto, poderá o

magistrado designar tratamento ambulatorial se o fato for punível com detenção.

Essas medidas de segurança só podem ser aplicadas ao sujeito que realizou

uma ação ou omissão típica e antijurídica (delito), não podendo o Juiz impor

medidas terapêuticas aos indivíduos que praticarem atos atípicos ou lícitos. Dessa

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forma, só é possível a internação de indivíduos que não cometeram fatos puníveis

por meio de ação cível de interdição, não pela esfera penal.

O sujeito que é incapaz psiquicamente e comete crime torna inviável o juízo

de reprovabilidade da culpabilidade. Todavia, o fato evidencia conflito para com os

interesses da sociedade e gera certa incapacidade de convívio socialmente

harmonioso, fazendo com que o legislador tema pela reincidência do delito. Dessa

forma, o Código Penal passa a tratar o inimputável como perigoso, uma vez que

aumenta a probabilidade de repetição de práticas antissociais.

Assim, entende o autor Fernando Galvão:

A periculosidade é conceito jurídico que reconhece no indivíduo sua maior propensão ao desenvolvimento de finalidades socialmente indesejadas, as quais podem levar à realização de ofensas aos valores penalmente tutelados. No entanto, a noção de periculosidade não se permite traduzir por qualquer dado objetivo. Ninguém pode, concretamente, ter certeza que um indivíduo, psiquicamente capaz ou incapaz, realizará um crime no futuro. O reconhecimento da periculosidade do inimputável, assim, decorre de uma presunção legal que se baseia em preconceito médico-social contra os loucos e diferentes de todo o gênero. A periculosidade, na verdade, não passa de uma ficção.

30

Dessa forma, como disposto no artigo 97 do Código Penal, presume-se a

periculosidade do inimputável, obrigando ao juiz a imposição de medida de

segurança. No entanto, tal decisão deve ser devidamente fundamentada de acordo

com critérios concretos do caso, devendo o magistrado avaliar a necessidade de

impor a medida de segurança conforme as peculiaridades do caso concreto em

questão.

A medida de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico

somente poderá ser aplicada aos inimputáveis portadores de doença mental ou

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, e aos dependentes de

substâncias alcoólicas ou entorpecentes. Não se justifica, portanto, a internação de

menores de dezoitos anos, uma vez que sua incapacidade psíquica será

solucionada com o decorrer do tempo.

O artigo 9, § 1º do Código Penal dispõe que a internação em estabelecimento

psiquiátrico será por tempo indeterminado, visto que não é possível precisar o

devido tempo para a correção da incapacidade psíquica do indivíduo. Durará,

portanto, enquanto necessária, tendo sua averiguação através de perícia médica.

30

GALVÃO, 2013. p. 467.

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44

4.2.1 Medida de Segurança

Será aplicada quando um sujeito inimputável, das hipóteses previstas no

artigo 26 do Código Penal, praticar conduta típica e antijurídica. O agente não

cometerá crime, uma vez que será excluído o requisito da culpabilidade. Sua

finalidade é exclusivamente preventiva, visando o tratamento do inimputável e do

semi-imputável que apresentam periculosidade e potencialidade na reiteração de

ações ilícitas.

A aplicação da medida de segurança será por sentença absolutória imprópria,

que absolverá o indivíduo pela inexistência do delito, mas a ele será imposta uma

sanção, a qual é determinada medida de segurança.

O antigo Código Penal de 1940 adotava o sistema duplo binário, permitindo a

aplicação de medida de segurança simultaneamente com penas. Com a nova parte

geral do Código Penal, foi aderido o sistema vicariante em substituição ao sistema

duplo binário, aplicando a pena apenas ao sujeito imputável, e a medida de

segurança ao inimputável.

Assim como a pena preserva a proporcionalidade entre o delito e sua

relevância social, a medida de segurança compreende a intensidade e a

continuidade da periculosidade do indivíduo. Portanto, enquanto o sujeito for

considerado perigoso, subsistirá a medida de segurança.

A pena e a medida de segurança possuem mesma natureza jurídica, devendo

ser estendidas as garantias das penas às medidas de segurança, essencialmente as

relativas aos princípios da legalidade, da irretroatividade in pejus, da anterioridade,

da jurisdicionalidade de sua aplicação e da individualização da sua execução.

As garantias fornecidas pelo princípio da anterioridade da lei penal

compreendem não só os crimes como as medidas de segurança também. Dessa

forma, somente será empregada medida de segurança prevista em lei antes do

delito realizado pelo agente inimputável ou semi-imputável. Como previsto no artigo

5º, XL da Constituição Federal, uma vez que “a lei não retroagirá, salvo para

beneficiar o réu”, não se aplica medida de segurança prevista após o fato praticado

pelo sujeito.

Quanto à jurisdicionalidade da aplicação, compreende-se que somente o juiz

poderá promover a sua aplicação, e assim como previsto constitucionalmente,

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“ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal”. Como garantia

aos direitos humanos fundamentais, o artigo 99 do Código Penal não permite a

admissão dos inimputáveis em estabelecimentos que não possuam características

hospitalares e tratamento psíquico adequado. No entanto, é comum o cumprimento

de medidas de segurança em prisões públicas por ausência de vagas nos

manicômios.

Em razão desses conflitos, foi editada a Lei 10.216/2001, que visa proteger o

direito dos indivíduos portadores de distúrbios mentais, sendo aplicado tanto aos

casos de internação voluntária, quanto aos de internação imposta, tais quais as

determinadas pelo magistrado como medida de segurança.

Assim, conforme o entendimento de Fernando Galvão:

Em muitos de seus aspectos, a referida lei trouxe dispositivos que devem ser observados quando da aplicação de medida de segurança. Dentre eles, conforme os termos do art. 2º, parágrafo único, da referida lei, merece destaque o reconhecimento dos seguintes direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade; III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; IV – ter garantia de sigilo das informações prestadas; V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII – receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

O tratamento por meio da medida de segurança visa a reinserção do indivíduo

em seu meio social, devendo a internação psíquica ser realizada somente perante

laudo médico que justifique sua caracterização como inimputáveis ou semi-

imputáveis. Dessa forma, após a vigência da nova lei, devem ser assegurados os

direitos dos portadores de transtornos mentais de modo a incluí-los novamente na

sociedade, e garantir o previsto em lei quanto aos direitos humanos fundamentais.

A imposição da medida de segurança está condicionada à presença de três

requisitos. O primeiro é a ausência de imputabilidade plena, que é a incapacidade de

compreensão do caráter ilícito do fato praticado e de autodeterminação conforme

esse entendimento. O semi-imputável, em regra, é condenado com redução de

pena, podendo, em situações excepcionais, se submeter à medida de segurança,

por meio de substituição de pena voltada ao tratamento curativo. Portanto, a medida

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de segurança será aplicada aos inimputáveis, e excepcionalmente aos semi-

imputáveis.

O segundo requisito é a prática de um injusto penal punível. Para que seja

aplicada a medida de segurança, o agente precisa ter cometido conduta típica,

antijurídica e punível, não possuindo nada que afaste a punibilidade do fato em

questão. Dessa forma, fora a imputabilidade, todos os outros requisitos de crime

devem estar presentes.

Por fim, o requisito da periculosidade, o qual engloba características pessoais

que, em razão da doença mental, demonstram uma probabilidade de reiteração de

condutas antissociais, bem como atos lesivos à bens jurídicos. A função da medida

de segurança, portanto, não é de curar a doença mental, e sim de realizar um

controle dessa periculosidade, ou seja, transformar o sujeito que hoje é um

inimputável que apresenta risco em um inimputável que não apresenta. Para tanto,

sempre será necessária perícia médica, que irá atestar a intensidade da

periculosidade em cada indivíduo pessoalmente.

Em sentença, ao impor uma medida de segurança, é determinado um prazo

mínimo para cumprimento desta, o qual deve estar compreendido entre um e três

anos. Ao final desse prazo, é realizado novo exame de cessação de periculosidade.

De acordo com o resultado do exame, se não houver cessado a periculosidade, a

medida de segurança se prorroga por prazo indeterminado, pendente de realização

de novos exames a cada ano.

Em princípio, pela lei, a medida de segurança não possui prazo máximo. No

entanto, uma vez que a Constituição Federal veda penas de caráter perpétuo, o STF

editou a Súmula 527, a fim de determinar que o tempo de duração da medida de

segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena descrita no tipo penal do

crime cometido pelo sujeito. Deste modo, a medida de segurança deverá se encerrar

no prazo máximo, e encaminhar o indivíduo para atribuição cível, transformando em

um processo de interdição para o fim de estabelecer tratamento médico compulsório.

Se verificada a cessação da periculosidade, a medida de segurança não será

extinta de logo, sendo suspensa pelo prazo de um ano. Nesse período, o sujeito

ficará sob observação, tendo sua liberação da medida de segurança, mas não sua

revogação. Se ao longo desse ano ficar verificada a cessação da periculosidade,

será extinta a medida de segurança. Por outro lado, se o sujeito praticar qualquer

ato que indique o retorno da periculosidade, retoma a medida de segurança.

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A medida de segurança é, portanto, um tratamento de saúde mental que pode

cumprido de duas formas diferentes: internação em hospital de tratamento e

custódia (medida de segurança detentiva); ou tratamento ambulatorial (medida de

segurança restritiva).

Na hipótese em que o fato praticado pelo agente tem plena de reclusão, é

obrigatória a internação, e quando a pena é de detenção, pode-se adotar tanto a

internação quanto o tratamento ambulatorial.

A legislação penal não prevê a progressão da internação para o tratamento

ambulatorial, permanecendo até a cessão de sua periculosidade. Todavia, é

possível o sujeito que, a princípio, recebeu tratamento ambulatorial, ter sua medida

de segurança convertida em internação em hospital de tratamento e custódia, caso

necessário.

4.2.1.1 Medida de segurança detentiva

A medida de segurança detentiva constitui a internação em hospital de

custódia e tratamento psiquiátrico e implica na privação de liberdade do inimputável

ou semi-imputável, sendo obrigatoriamente destinada aos que praticam crimes

puníveis com pena de reclusão, e facultativamente aos que cometem crimes

puníveis com pena de detenção e contravenções punidas com prisão simples.

A proporcionalidade deve se dar em relação à causa da incapacidade do

agente, não à pena prevista no fato. Outrossim, a internação em manicômio pode

ser julgada necessária na hipótese da incapacidade psíquica do agente indicar como

adequado esse tipo de tratamento. Sob a mesma perspectiva, a indicação do

tratamento ambulatorial pode ocorrer mesmo na situação em que o crime cometido

pelo agente for punível de reclusão, caso este seja o tratamento recomendável para

o sujeito do fato concreto.

Cabe esclarecer que a internação manicomial ocorre de acordo com a Lei

10.216/2001, sendo a última opção a ser adotada pelo magistrado, uma vez que a

finalidade do tratamento é a reinserção do paciente em seu meio social.

A internação deverá ser cumprida em estabelecimento hospitalar público, o

chamado manicômio judicial, podendo se dar em hospital particular conveniado ao

Poder Público, na ausência de vagas, visto que não se pode permitir que o sujeito

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inimputável ou semi-imputável que necessita de tratamento adequado fique

encarcerado em prisão pública.

Historicamente, a função do manicômio era o internamento por diversas

razões distintas e distantes da preocupação com a cura, o que é inverso ao que

ocorre nos dias atuais que determina que o tratamento por meio de internação

hospitalar tem como finalidade permanente a reinserção social do paciente.

Lembramos que o manicômio era o lugar destinado para a reclusão dos

indivíduos considerados inadequados, como por exemplo, loucos, prostitutas,

leprosos, desempregados, ladrões e adversários políticos.

A exordial da história dos manicômios é o decreto da fundação do Hospital

Geral de Paris, o qual atribuía à instituição a tarefa de impedir a mendicância e a

ociosidade, como também a fonte de todas as desordens. Posteriormente, passou a

promover a exclusão de cerca de 1% da população de Paris.

4.2.1.2 Medida de segurança restritiva

A medida de segurança restritiva constitui o tratamento ambulatorial e é

direcionado aos crimes de menor potencial lesivo, puníveis com detenção. Consiste

na subordinação do agente ao tratamento psiquiátrico externo ao estabelecimento

hospitalar, qual seja, em ambulatório.

Esclarece os itens 90 e 91 da Lei nº 7.209/84 que:

O Projeto consagra significativa inovação ao prever a medida de segurança restritiva, consistente na sujeição do agente a tratamento ambulatorial, cumprindo-lhe comparecer ao hospital nos dias que lhe forem determinados pelo médico, a fim de ser submetido à modalidade terapêutica prescrita. Corresponde a inocação às atuais tendências de “desinstitucionalização”, sem o exagero de eliminar a internação. Pelo contrário, o Projeto estabelece limitações estritas para a hipótese de tratamento ambulatorial, apenas admitido quando o ato praticado for previsto como crime punível com detenção.

Não deverá ser acolhida a internação manicomial na hipótese de ser

suficiente o tratamento ambulatorial, uma vez que a finalidade da medida de

segurança não é em torno de vingança, mas de recuperação do indivíduo.

Mais precisamente, a internação hospitalar deve ser adotada somente nos

casos de necessidade comprovada, nas hipóteses em que os recursos extra-

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hospitalares não forem suficientes, tendo em vista que o tratamento ambulatorial

será sempre o preceito para o tratamento do indivíduo.

Dessa forma, o artigo 4º da Lei 10.216/2001 alterou o previsto na legislação

penal, promovendo a ideia de que a regra é o tratamento ambulatorial, devendo a

internação manicomial ser destinada apenas aos casos de extrema necessidade.

As contravenções penais permitem a aplicação de medida de segurança,

conforme previsto nas regras da legislação penal brasileira. Todavia, a contravenção

cominada apenas com pena de multa não anui a aplicação de medida de segurança

detentiva, tendo em vista que a sujeição à internação hospitalar somente se dá

perante cometimento de crime punível com restrição de liberdade.

Vale ressaltar que há a possibilidade de conversão do tratamento ambulatorial

em internação hospitalar, facultado ao juiz sua determinação, quando

expressamente necessário para fins curativos do indivíduo. Diante disso, é

fundamental a realização de exame pericial para desinternação, bem como para

comprovar a necessidade de tratamento mais gravoso no caso de conversão.

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50

5 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

5.1 QUANTO À SEMI-IMPUTABILIDADE

A semi-imputabilidade do agente prevê redução de pena de 1/3 a 2/3, ou a

imposição de medida de segurança quando necessário tratamento curativo ao

indivíduo. Dessa forma, as decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça variam de

acordo com cada caso concreto e cada entendimento jurisprudencial.

Em conformidade, seguem abaixo ementas do Tribunal de Justiça julgadas

com base nas alegações de semi-imputabilidade.

Na primeira ementa colacionada, a decisão proferida deu-se em razão da

semi-imputabilidade do agente, indeferindo a absolvição para fins de redução de

pena ao mínimo legal, de acordo com o artigo 26, parágrafo único do Código Penal.

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL – FURTO – SEMI-IMPUTABILIDADE – ABSOLIVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE. 1. ESTANDO PROVADA A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO CRIME, IMPÕE-SE O DECRETO CONDENATÓRIO. 2. A SEMI-IMPUTABILIDADE NÃO CONDUZ À ABSOLVIÇÃO, MAS À REDUÇÃO DE PENA, NOS TERMOS DO ART. 26, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPB. 3. CONSIDERANDO AS PECULIARIDADES DO CASO, CORRETA A DOSIMETRIA E, PRINCIPALMENTE, A REDUÇÃO RELATIVA À SEMI-IMPUTABILIDADE NO MÍNIMO LEGAL. 4. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

31

A ementa acima referida trata-se de Apelação Criminal para reformar a

decisão do juízo a quo que reduziu a pena do autor do fato devido à sua condição de

semi-imputabilidade. O recorrente requereu a absolvição para fins de tratamento

curativo, alegando necessidade de tratamento médico-hospitalar não tendo sua

liberdade segregada.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal analisou que, nos três laudos

juntados aos autos, restou demonstrado o agente possuía capacidade de

compreender a ilicitude de sua conduta, mas não tinha total capacidade de se

autodeterminar em relação a esse entendimento, tendo em vista seu diagnóstico

31

BRASIL. TJ-DF. APELAÇÃO CRIMINAL: APR 204210320048070001 DF 0020421-03.2004.807.0001. Relatora: Desembargadora Ana Cantarino. DJ: 16/04/2009. JusBrasil, 2009. Disponível em: <https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5863153/apr-apr-204210320048070001-df-0020421-0320048070001?ref=juris-tabs>. Acesso em: 19 nov. 2018.

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51

Transtorno Dissocial de Personalidade, o qual caracterizou distúrbio em sua saúde

mental.

Assim, entendeu-se que a semi-imputabilidade não prevê absolvição, mas

apenas redução de pena, nos termos do artigo 26 do Código Penal. Verbis:

Artigo 26, parágrafo único. A pena pode ser reduzida em um a dois terços, se o agente, em virtude da perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Julgou-se por manter a condenação à pena privativa de liberdade, uma vez

que comprovada materialidade e autoria, e indeferir o pedido de absolvição por

semi-imputabilidade.

Da análise do referido caso, conclui-se que este entendimento jurisprudencial

é majoritário, uma vez que o magistrado impõe apenas a redução de pena,

indeferindo o pedido de medida de segurança. No entanto, como já estudado, é

facultado ao juiz, em casos de semi-imputabilidade, impor tanto a redução de pena,

quanto a substituição da pena por medida de segurança em casos de necessidade

de tratamento curativo.

Evidentemente, seria necessária prova pericial para averiguar a necessidade

de tratamento e a intensidade de periculosidade do agente, todavia entende-se que

em situações nas quais se prova a possibilidade de melhora no quadro clínico do

sujeito, de forma que os motivos da incompreensão da ilicitude do fato possam

deixar de existir, deve-se aplicar a medida terapêutica e não repressiva.

Em contrapartida, o magistrado do julgado abaixo entendeu de forma

adversa, determinando a possibilidade de aplicação de medida de segurança e

internação ao semi-imputável.

EMENTA: ROUBO TENTADO – AUTORIA DELITIVA AMPLAMENTE PROVADA – SEMI-IMPUTABILIDADE – PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO A FIM DE APLICAR A CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 26, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL, À PENA CARREADA AO RÉU. ROUBO – SEMI-IMPUTABILIDADE DO RÉU – MEDIDA DE SEGURANÇA – INTERNAÇÃO – POSSIBILIDADE – DIANTE DA SEMI-IMPUTABILIDADE DO RÉU, CORRETA A APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA CONSISTENTE EM INTERNAÇÃO.

32

32

BRASIL. TJ-SP. APELAÇÃO: APL 0061094-42.2013.8.26.0050 SP 0061094-42.2013.8.26.0050. Relator: Desembargador Willian Campos. DJ: 03/02/2015. JusBrasil, 2015. Disponível em: <https://tj-

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52

O julgado acima citado diz respeito a um Recurso de Apelação que tenta a

reforma de sentença do juízo a quo que decidiu em julgar procedente a ação penal

movida pela Justiça Pública para a condenação do autor à pena de reclusão e

pagamento de multa, juntamente com o reconhecimento da semi-imputabilidade e a

substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança com

internação.

O réu alegou pela insuficiência de provas e a necessidade de absolvição,

requerendo a redução da pena e o afastamento da aplicação da medida de

segurança. Subsidiariamente, postulou a substituição da medida de segurança pelo

tratamento ambulatorial.

O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que a sanção imposta não

merece reforma, uma vez que a pena-base foi fixada no mínimo legal e não foram

ponderadas atenuantes ou agravantes na segunda fase de dosimetria. Ainda, na

terceira fase da dosimetria, a pena foi reduzida pela metade tendo em vista a não

consumação do crime, e reconhecida a semi-imputabilidade do autor, houve a

diminuição de 1/3 da pena nos termos do artigo 26, parágrafo único do Código

Penal.

Devido à não imposição de regime inicial de cumprimento de pena, restou

fixado o regime semiaberto, não sendo suficiente como resposta penal solução mais

branda que a presente, em face da alta periculosidade constituída pelo autor do

crime, tendo em vista que é possuidor de moléstia mental parcialmente alienante e

retardo mental leve piorado pelo uso de drogas.

Por essa razão, o magistrado entendeu como desnecessária a reforma na

sentença no sentido de manter a aplicação da medida de segurança com internação

em hospital de custódia pelo prazo mínimo de um ano, tendo em vista a

periculosidade do agente e a indicação de que o tratamento adequado do mesmo

deve se dar em ambiente fechado, sendo, portanto, inviável a substituição para

tratamento ambulatorial.

sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/165483251/apelacao-apl-610944220138260050-sp-0061094-4220138260050?ref=juris-tabs>. Acesso em: 19 nov. 2018.

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5.2 QUANTO À INIMPUTABILIDADE

A inimputabilidade do agente prevê a exclusão do requisito da culpabilidade,

uma vez que o autor do crime não possui capacidade de compreender o caráter

ilícito de sua conduta e de se autodeterminar perante esse entendimento. Nessa

hipótese, o agente tem sua pena substituída pela medida de segurança, que pode

se dar por internação em hospital de custódia, bem como por tratamento

ambulatorial.

A legislação penal prevê que nos casos em que o crime praticado pelo agente

é punível com pena de reclusão, é obrigatória a medida de segurança detentiva

(internação em hospital de custódia), e quando o crime é punível com pena de

detenção, pode-se adotar tanto a medida de segurança detentiva quanto a medida

de segurança restritiva (tratamento ambulatorial).

No entanto, uma vez que a proporcionalidade deve se dar em razão da

incapacidade do autor do crime, deve-se observar a necessidade de tratamento em

cada caso concreto, sendo absolutamente viável que a internação em manicômio

judiciário seja imposta se adequado ao agente esse tipo de tratamento. Da mesma

maneira, é possível a imposição do tratamento ambulatorial ao indivíduo se

comprovado ser o tratamento recomendável a ele, mesmo que em situações em que

o crime cometido é punível com pena de reclusão.

Por essa razão, existe grande divergência entre as decisões prolatadas pelo

magistrado, como iremos analisar nas jurisprudências a seguir.

EMENTA: PROCESOS PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA IMPRÓPRIA. INIMPUTABILIDADE DO RÉU. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA. ART. 9 DO CP. LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no

sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto na hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

2. Não se depreende manifesta ilegalidade na decisão proferida pelo Tribunal de origem, pois, conforme a dicção do art. 97 do Código Penal, tratando-se de crime punível com reclusão, descabe a substituição da internação em hospital de custódia por tratamento ambulatorial.

3. No sistema da persuasão racional ou do livre convencimento motivado adotado pela Constituição Federal (CF, art. 93, IX), inexiste hierarquia entre os elementos probatórios, não sendo possível afirmar que uma prova ostente menor valor probante que a de outra espécie, já que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação de todos os elementos de

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convicção dos autos, podendo, inclusive, indeferir a produção de prova que entenda desnecessária para a solução da controvérsia (CPP, art. 155, caput).

4. Consoante o dispositivo no art. 182 do Código de Processo Penal, o laudo pericial não vincula o magistrado, que poderá aceita-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte, desde que o faça em decisão validamente motivada, o que restou observado no caso em apreço.

5. Writ não conhecido.33

A ementa acima referida trata-se de Habeas Corpus substitutivo de recurso

próprio a fim de restabelecer o tratamento ambulatorial como medida de segurança,

uma vez que em recurso em sentido estrito, foi substituído por internação em

hospital de custódia.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que o recurso interposto pelo

Ministério Público merece prosperar, tendo em vista que o crime cometido pelo

agente é punível com pena de reclusão. Portanto, conforme disposto no artigo 97 do

Código Penal, a medida de segurança a ser imposta aos inimputáveis, nas hipóteses

de delitos punidos com reclusão é a internação, sendo que apenas nos casos de

delitos punidos com detenção, seria possível ao julgador, facultativamente e

considerando a intensidade de periculosidade do agente, a imposição de tratamento

ambulatorial.

Entende-se, portanto, que o fim curativo da medida de segurança, no caso

concreto, não restaria atendido mediante imposição de mero tratamento

ambulatorial, visto que o agente é portador da Síndrome de Amok, a qual constitui

episódios dissociativos caracterizados por uma fase de retraimento, causando surto

de comportamento violento, agressivo ou homicida direcionado tanto à pessoas

quanto à objetos. Ainda, foi constatado que no decorrer do fato, o agente apresentou

episódios depressivos graves, tendo sido considerado pelo psiquiatra como

esquizofrênico.

Por esta razão, mostra-se necessária a conversão do tratamento ambulatorial

para a internação em hospital de custódia, como requerido pelo Ministério Público

em recurso, visto que, como comprovado pericialmente, o quadro clínico do agente é

grave, podendo piorar em vivência estressante.

33

BRASIL. STJ. HABEAS CORPUS: HC 419819 SP 2017/0261409-6. Relator: Ministro Ribeiro Dantas. DJ: 17/04/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/574625792/habeas-corpus-hc-419819-sp-2017-0261409-6?ref=juris-tabs>. Acesso em: 19 nov. 2018.

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55

Da análise do referido caso, nota-se que os preceitos utilizados pelo

magistrado se deram não somente em relação à lei, uma vez que é entendido que

deve ser dada a medida de segurança detentiva quando o crime é punível de

reclusão, bem como em relação à necessidade e à intensidade da incapacidade do

agente, visto que no caso concreto, seria mais recomendável e adequado o

tratamento curativo por internação em hospital de custódia, não sendo suficiente o

tratamento ambulatorial que havia sido dado inicialmente.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO – INSIGNIFICÂNCIA NÃO CARACTERIZADA – DESVALOR DA AÇÃO – INIMPUTABILIDADE – ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA – MEDIDA DE SEGURANÇA – TRATAMENTO AMBULATORIAL. 1. Embora de valor inexpressivo, os furtos praticados em continuidade delitiva não podem ser considerados insignificantes, em razão do desvalor social da ação. 2. Correta a absolvição imprópria e a imposição de medida de segurança se o conjunto probatório demonstra a materialidade e a autoria delitivas, bem como a inimputabilidade do réu. 3. O Juiz pode optar pelo tratamento recomendável ao inimputável, independente de o delito ser punido com reclusão ou detenção. Precedente do TJDFT. 4. A substituição da sanção privativa de liberdade por medida de segurança consistente em tratamento ambulatorial é a mais adequada ao caso. O apelante terá acompanhamento médico constante e maior atenção às necessidades da psicopatologia diagnosticada. 5. Recurso desprovido.

34

A decisão acima exposta trata-se de Recurso de Apelação afim de reformar a

sentença que substituiu a pena privativa de liberdade por medida de segurança

constituída por tratamento ambulatorial, devido à condição de inimputabilidade do

agente.

Sob a análise do presente caso, é possível observar que o preceito principal

utilizado pelo magistrado foi em relação à incapacidade psíquica do agente e a

intensidade de sua periculosidade, decidindo, portanto, pelo tratamento ambulatorial

apesar do crime cometido pelo indivíduo ser punível com pena de reclusão.

34

BRASIL. TJ-DF. APELAÇÃO CRIMINAL: APR 20130310243606. Relator: Desembargador George Lopes Leite. DJ: 23/05/2016. JusBrasil, 2016. Disponível em: https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/345540813/apelacao-criminal-apr-20130310243606>. Acesso em: 19 nov. 2018.

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6 CRÍTICAS AO SISTEMA

Durante muitos anos, a ideia do doente mental vem mudando

consideravelmente. Em leitura da brilhante obra Holocausto Brasileiro de Daniela

Arbex, é possível observar a grande desumanidade que se deu em um dos maiores

hospícios do Brasil, o Colônia, fundado em 1903 na cidade de Barbacena em Minas

Gerais.

Em meados do século XX, foram enviados ao Colônia aqueles considerados

“loucos”, mesmo que cerca de 70% destes não possuíam nenhum diagnóstico de

doença mental. O grupo contava com a presença, portanto, de epilépticos,

homossexuais, prostitutas, alcoolistas, jovens que perdiam a virgindade antes do

casamento, mulheres estupradas pelos patrões, esposas trocadas por amantes, e

principalmente, pessoas que geravam incômodo àqueles que possuíam mais poder.

Em quase um século de existência, o considerado campo de concentração

brasileiro contou com mais de 60 mil mortes, dentre elas por frio, fome, sede,

doenças, infecções, e grande parte por choque, que era um tratamento muito

utilizado neste local. É possível notar a presença de um assassinato em massa,

sistematizado pelo Estado Brasileiro, mas principalmente aceito pelos médicos e

pela própria sociedade que se omitiu diante de tamanha atrocidade.

A primeira vez em que se foi questionada acerca da precariedade do Colônia

foi em reportagem em revista O Cruzeiro no ano de 1961, momento em que o país

se comoveu com promessas políticas que não se cumpriram por pelo menos

quarenta anos seguintes.

Apenas nos anos 70, iniciaram-se os esforços em favor da desospitalização,

tendo como pioneiro o psiquiatra Ronaldo Simões Coelho, que argumentou no

sentido de que o tratamento da maioria dos pacientes teria maior eficácia em

serviços não prisionais. Fez sua primeira denúncia acerca do Colônia ao Congresso

Mineiro de Psiquiatria, perdendo seu emprego na Fhemig.

Mas a verdadeira mudança se iniciou na vinda do psiquiatra italiano Franco

Basaglia, que atraiu toda a mídia para declarar a presença de um campo de

concentração brasileiro, o Colônia, tendo sido cogitada a cassação de seu diploma

pelo Conselho Regional de Medicina. Após, outros iniciaram sua indagação quanto à

tragédia que eram os manicômios. Em 1989, o deputado Paulo Delgado apresentou

o Projeto de Lei nº 3.657 que regulamentava os direitos pessoais dos indivíduos que

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possuíam transtornos mentais, tendo sua aprovação após 12 anos de trâmite, sendo

sancionada em 2001, a Lei Federal 10.216.

Aos poucos, após meados de 1980, alterações foram realizadas, sendo

adotada no Colônia a procura em relação à estabilização do quadro clínico dos

pacientes, passando estes a terem uma data de saída do hospital psiquiátrico,

medida que até então não era muito utilizada.

Em 1996, um dos principais pavilhões foi transformado em museu, mantendo

viva essa trágica história que permanece na memória dos familiares daqueles que se

perderam e dos menos de 200 sobreviventes que sempre lembrarão do sofrimento

passado por anos.

Ainda assim, em 2004 foi realizada uma inspeção nacional nos hospitais

psiquiátricos brasileiros com a participação da Comissão Nacional de Direitos

Humanos do Conselho Federal de Psicologia e do Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil, tendo sido encontradas 28 unidades em condições

subumanas. Diante disso:

Considerada uma das maiores vistorias feitas no país, o trabalho alcançou dezesseis estados e revelou que, de norte a sul do país, ainda prevalecem métodos que reproduzem a exclusão, apesar dos avanços conquistados com a aprovação de leis em favor da humanização das instituições de atenção à saúde mental e da consolidação de instrumentos legais comprometidos com os direitos civis dos pacientes psiquiátricos. Nessas unidades foram encontrados celas fortes, instrumentos de contenção e muitos, muitos cadeados, além de registros de mortes por suicídio, afogamento, agressão ou a constatação de que, para muitos óbitos, simplesmente, não houve interesse em definir causas.

35

Apesar de todas as discussões acerca da necessidade da extinção de

hospitais com alta precariedade, é possível verificar que é uma situação que

permanece viva na sociedade atual, que todas essas atrocidades ocorridas nesse

lugar se perduraram por quase um século, “se encerrando” há poucos anos atrás.

No entanto, ainda hoje a situação dos manicômios judiciários se dá de forma

ineficaz, uma vez que muitas vezes sua estrutura acaba sendo pior do que a do

sistema prisional comum. É preciso lembrar que os pacientes que se encontram em

situação de internação precisam de tratamento psicológico e psiquiátrico, motivo

pelo qual não vão para a prisão comum. Dessa forma, faz-se necessária uma equipe

35

ARBOX, Daniela. Holocausto Brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013. p. 254.

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médica eficaz visando o correto tratamento para que os indivíduos possam ser

reinseridos na sociedade melhores.

Cada caso deve ser tratado conforme suas especificidades. Cada pessoa,

seja ela com transtornos psicológicos, seja ela doente ou retardada mental, deve

receber seu próprio diagnóstico e seu próprio tratamento. Enquanto o Estado

brasileiro não se preocupar em inspecionar e melhorar as condições dos hospitais e

manicômios judiciários, essas injustiças continuarão a ocorrer, e ao invés de

melhorar a situação do paciente que recebe a medida de internação, acabará por

piorá-la.

Como afirma Daniela Arbex:

Os campos de concentração vão além de Barbacena. Estão de volta nos hospitais públicos lotados que continuam a funcionar precariamente em muitas outras cidades brasileiras. Multiplicam-se nas prisões, nos centros de socioeducação para adolescentes em conflito com a lei, nas comunidades à mercê do tráfico. O descaso diante da realidade nos transforma em prisioneiros dela. Ao ignorá-la, nos tornamos cúmplices dos crimes que se repetem diariamente diante de nossos olhos. Enquanto o silêncio acobertar a indiferença, a sociedade continuará avançando em direção ao passado de barbárie. É tempo de escrever uma nova história e de mudar o final.

36

É importante falar do Colônia. É importante lembrar que os considerados

doentes mentais são seres humanos que merecem ter os seus próprios direitos. A

sociedade e o sistema judiciário precisa entender que mesmo que de alguma forma

eles sejam diferentes, os seus direitos quanto ao tratamento correto devem ser

mantidos, bem como o direito de reinserção na sociedade de modo que não sejam

tratados como bichos, como era nos anos que se passaram.

36

ARBOX, 2013. p. 255.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve o objetivo de diferenciar os institutos da inimputabilidade e

da semi-imputabilidade. Para isso, foi recapitulado todo o conceito de delito,

juntamente com as suas teorias, histórico e evolução. Para a configuração do delito,

faz-se necessária a presença de três pressupostos, sendo estes a tipicidade, a

antijuridicidade e a culpabilidade.

A tipicidade é baseada na necessidade de que a ação ou a omissão cometida

pelo agente esteja descrita em lei, ou seja, o fato deve se adequar perfeitamente à

descrição na lei penal. A antijuridicidade é a ilicitude do fato. Portanto, deve haver

uma discordância entre a conduta praticada pelo indivíduo e o devido ordenamento

jurídico para que esteja presente este elemento no caso concreto. Por fim, deve

estar o presente o pressuposto da culpabilidade, que é o último elemento a ser

observado. Nele, será avaliada a questão da reprovabilidade pessoal do agente, tal

qual o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da antijuridicidade do fato

praticado, a capacidade psíquica de compreensão da ilicitude de seus atos e a

existência de comportamento diverso do praticado.

Dentro da culpabilidade, no entanto, encontra-se o elemento da

imputabilidade, que é a capacidade de compreender a ilicitude dos seus atos e de se

determinar conforme tal entendimento. Portanto, será inimputável aquele que não

era capaz de entender a antijuridicidade de sua conduta ou de se determinar perante

a ela no momento do fato em questão, por alguma doença ou transtorno mental

existente.

A emoção e a paixão não preveem inimputabilidade, mas podem ter causas

atenuantes e reduções de pena. A embriaguez, da mesma forma, não é causa de

inimputabilidade, mas dependendo de sua espécie pode prever a isenção de pena,

como é o caso da embriaguez acidental. Por outro lado, pode também ter o

agravamento de sua pena, quando da embriaguez preordenada.

A inimputabilidade somente poderá se dar por doença mental ou por

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ambos comprovados por laudo

pericial, e por menoridade penal, sendo entendido que o menor de 18 anos possui

desenvolvimento mental incompleto e personalidade em formação. No caso da

menoridade penal, a conduta cometida pelo menor de 18 anos será considerada

contravenção penal e o indivíduo deverá cumprir medida socioeducativa. Quando

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por doença mental ou desenvolvimento mental retardado, a consequência jurídica

será a isenção da pena, no entanto, sendo designado pelo magistrado, o tratamento

em hospital de custódia ou o tratamento ambulatorial, este apenas se o fato for

punível com detenção.

Por outro lado, há o instituto da semi-imputabilidade ou imputabilidade

diminuída, que prevê a redução da pena de um a dois terços quando no momento

do fato, o agente era parcialmente incapaz de compreender a ilicitude de sua

conduta e de e autodeterminar perante ela.

Dessa forma, foi possível distinguir os institutos da inimputabilidade e da

semi-imputabilidade, tanto quanto aos seus conceitos, quanto às suas

consequências jurídicas.

Após, foram observadas divergências quanto ao posicionamento

jurisprudencial, que se mostra diferente de acordo com cada caso concreto. Na

análise dos julgados, foi possível notar a divergência quanto ao entendimento dos

magistrados, uma vez que um deles entendeu da não possibilidade de aplicar a

medida de segurança ao semi-imputável, e outro que decidiu de forma adversa,

reconhecendo a semi-imputabilidade do agente e ainda assim substituindo a pena

privativa de liberdade por medida de segurança em hospital de custódia.

Também, quando do indivíduo inimputável, nota-se a discordância entre os

membros do judiciário, no sentido de que alguns entendem que em situações em

que o crime cometido pelo indivíduo é punível com reclusão deve ser aplicada

apenas a medida de segurança de internação, e outros, de forma contrária, decidem

pelo tratamento ambulatorial mesmo nesses casos.

Por fim, houve uma explanação acerca do livro Holocausto Brasileiro, que

abordou em relação ao maior hospício do Brasil, o Colônia, em conjunto com a

crítica quanto ao sistema manicomial judiciário do país, afim de demonstrar a

necessidade de visualizar os doentes mentais como membros e pessoas

possuidoras de direitos. Faz-se essencial a intervenção do Estado brasileiro para

que a tragédia acontecida no campo de concentração brasileiro não volte a existir,

visto que mesmo após leis diversas, ainda persistem situações precárias nos

hospitais psiquiátricos de diversos estados do país.

A importância esteve em verificar e distinguir cada instituto, relembrar toda a

parte teórica da conceituação de delito, e finalmente, observar onde se encontram

as falhas em relação à lei penal e ao judiciário quanto ao assunto abordado.

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REFERÊNCIAS

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