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Diabetes mellitus na idade pediátrica Aspectos práticos do diagnóstico e terapêutica Sara Martins, Carla Pereira, Lurdes Sampaio Unidade de Endocrinologia Pediátrica Departamento da Criança e da Família Sessão do Núcleo de Formação 13 de Março de 2008

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Diabetes mellitus na idade pediátricaAspectos práticos do diagnóstico e terapêutica

Sara Martins, Carla Pereira, Lurdes SampaioUnidade de Endocrinologia PediátricaDepartamento da Criança e da Família

Sessão do Núcleo de Formação13 de Março de 2008

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CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO

• Sintomas de diabetes e glicémia ocasional > 200 mg/dl (11,1 mmol/l) ou

• Glicémia em jejum > 126 mg/dl ( 7 mmol/L) ou

• Glicémia > 200 mg/dl às 2h da prova de tolerância oral à glicose (administrar 75g de glicose ou 1,75g/kg se criança < 40kg)

INTRODUÇÃO

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FORMAS DE APRESENTAÇÂODIABETES INAUGURAL

• Hiperglicémia simples

• Cetose

• Cetoacidose diabética (CAD)

INTRODUÇÃO

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HIPERGLICÉMIA SIMPLES

Poliúria, polidipsia, estado geral conservado e geralmente sem vómitos

Sem cetonuria, sem acidose (pH >7,3; HCO3 > 15mmol/L)

Monitorização Glicemia capilar 4/4 horas

Hidratação e alimentação Líquidos hipotónicos por via oral (ex. chá sem açúcar) Alimentação polifraccionada (4/4h)

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HIPERGLICÉMIA SIMPLES

Insulina• Insulina rápida sc de acordo com o peso e glicemia capilar

• Iniciar o mais rápido possível esquema com insulina de acção intermédia

Glicémia (mg/dL)

Peso (kg) 160-200 200-300 300-400 400-500 >500

5 0 1 1 2 2

10 0 1 1 2 2

15 1 1 2 2 3

20 1 2 3 3 4

25 2 2 3 4 5

30 2 3 4 5 6

35 2 3 4 6 7

40 3 4 5 7 8

45 3 4 5 7 9

50 4 5 6 8 10

55 4 5 7 9 11

60 4 6 8 10 12

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CETOSE

Cetonúria e cetonémia, sem acidose (pH > 7,3; HCO-3

> 15mmol/L)

Monitorização (3/3h)• Medir glicémia capilar• Pesquisa de cetonuria

Hidratação e alimentação• Sem vómitos:

– Líquidos hipotónicos por via oral

– Alimentação polifraccionada sem gordura 3/3 horas • leite ou iogurte magros, bolachas “Maria” ou de água e sal, pão

sem manteiga ou manteiga magra

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CETOSE

Hidratação e alimentação

• Com vómitos: – Hidratação endovenosa com soro fisiológico

• 1ª hora: 10 mL/Kg (máx. 1000ml)

• Horas seguintes: fluidos de manutenção até tolerância oral

– Quando glicémia < 250 mg/dL ou descida > 100 mg/dL/h:

• Passar a soro glicosado com NaCl 0,18% (soro C) ou soro

glicosado com NaCl 0,3% ou 0,45% (soro B ou D) se natrémia

baixa

– Potássio - manutenção

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CETOSE

Insulina• Insulina rápida sc de acordo com o peso e glicemia capilar de 3/3h

• Iniciar o mais rápido possível esquema com insulina de acção intermédia

Glicémia (mg/dL)

Peso (kg) 160-200 200-300 300-400 400-500 >500

5 0 1 1 2 2

10 0 1 1 2 2

15 1 1 2 2 3

20 1 2 3 3 4

25 2 2 3 4 5

30 2 3 4 5 6

35 2 3 4 6 7

40 3 4 5 7 8

45 3 4 5 7 9

50 4 5 6 8 10

55 4 5 7 9 11

60 4 6 8 10 12

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Forma mais comum de apresentação na diabetes inaugural

Causa mais frequente de morbilidade e mortalidade nas crianças com DM tipo I

Poliúria, polidipsia, perda de peso, respiração acidótica, odor cetónico, +/- alteração da consciência

Hiperglicémia > 200 mg/dl e acidose (pH <7,3; HCO3 <15 mmol/L)

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Fisiopatologia

Diurese osmóticaVómitosDesidrataçãoPerda obrigatória de electrolitos

insulina efectiva em circulação

Hiperglicémia Acidose

hormonas contrareguladoras: glucagon, catecolaminas, cortisol e hormona do crescimento

produção hepática de glicose com incapacidade na sua utilização periférica

lipólise com produção de corpos cetónicos (betahidroxibutirato e acetoacetato)

Hiperglicemia Hiperosmolalidade

CetonémiaAcidose metabólica

Hiper KPerda renal K

Perda renal de Ca, Mg, fosforo

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Diagnóstico

• Glicémia > 200 mg/dL com pH<7,3 e/ou bicarbonato <15mmol/L

• Associação a glicosúria, cetonúria e cetonémia

CAD LIGEIRA: pH < 7,3; bicarbonato < 15

CAD MODERADA: pH < 7,2; bicarbonato <10

CAD GRAVE: pH < 7,1; bicarbonato < 5

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Anamnese

• Polidipsia, poliúria, polifagia, perda de peso

• Náuseas, vómitos, dor abdominal

• Astenia, febre

• Factores desencadeantes se diabetes conhecida – infecção, não aderência à terapêutica

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Exame objectivo• Estado de consciência• Perfusão periférica • Sinais de desidratação

• TA• Frequência cardíaca • Frequência respiratória• Peso

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Exames laboratoriais• Glicémia (amostra capilar e venosa)

• Cetonúria• pH e gases• Ionograma• Cálcio, fósforo e magnésio• Ureia e creatinina• Hematócrito

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Medidas gerais

– Vias aéreas

– Oxigenação se necessário

– Entubação nasogástrica e aspiração se vómitos

– Assegurar acesso ev (2 vias)

– Iniciar perfusão NaCl 0,9% (10 mL/kg na 1ª hora)

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Medidas gerais

• Doente em choque – PA contínua ou 15/15’, O2 máscara, algaliação desde o início – Monitorizar PVC

• Doente em coma (GCS8) – Entubação ET– Entubação NG– TC CE

• Transferência para cuidados intensivos– Alteração de consciência– Desidratação >10%– Choque

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Monitorização• Monitorização contínua

– Sinais vitais (TA, FC e FR)

– ECG

• Hipocaliémia: prolongamento PR e QT, aplanamento ou

inversão da onda T, depressão ST e aumento amplitude da

onda U

• Hipercaliémia: ondas T pontiagudas (em tenda),

prolongamento PR, aplanamento onda P, depressão ST,

alargamento QRS

– Balanço hídrico

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Monitorização• Monitorização hora a hora

– Exame neurológico (sinais e sintomas de edema cerebral)

– Glicémia capilar 1/1h enquanto insulina ev

– pH e gases 1/1h enquanto pH<7,15

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Sintomas Alterações estado consciência

Alterações sinais vitais Alterações exame neurológico

cefaleias irritabilidade diminuição inapropriada da FC paralisia pares cranianos

vómitos prostração aumento da PA alteração resposta pupilar

obnubilação diminuição da SpO2 alteração postura corporal

Coma

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Monitorização• Monitorização 2/2h a 4/4h

(ou mais frequentemente dependendo da clínica)

– pH e gases 2/2h enquanto pH<7,30

– Ionograma, cálcio, fósforo e magnésio

– Glicemia e cetonúria 3/3h enquanto cetose

• Monitorização 6/6 a 8/8h

– Ureia, creatinina e hematócrito

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TerapêuticaExiste sempre défice de insulina, desidratação e défice de K+

• Soros ev – Correcção da desidratação, redução da hiperglicémia e da acidose

• Insulina ev– Corrigir hiperglicémia (até valores 150-250 mg/dL nas primeiras 24h) e

cetoacidose

• Potássio– Corrigir deficiência de k+, evidente à medida que é corrigida a

desidratação e acidose– A hipocaliémia é a causa de morte evitável mais frequente– O valor mais baixo ocorre 4h após o início da terapêutica

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Terapêutica• Soros ev

– O défice de líquidos é geralmente 5-10%– Iniciar administração de fluidos ev

• NaCl 0,9% 10 mL/kg em 1h• Choque ou necessidade de aportes >10 ml/kg/h

– Usar soluções coloidais - albumina 5% (5ml/kg/h)

– Segue manutenção + correcção• NaCl 0,9% ou 0,45%• Repor as perdas em 48 horas (em geral não ultrapassar 1,5-2x

as necessidades diárias de manutenção)

– Juntar soro com dextrose (NaCl 0,45% com Dx 5%, soro D) quando

• Glicémia < 250 mg/dL• Queda da glicemia >100mg/dL/h, mesmo que glicemia ainda >

300 mg/dL

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Terapêutica• Insulina ev

– A glicemia deve baixar 54-90 mg/dl/h • valores superiores aumentam risco de edema cerebral por queda

brusca da osmolalidade • Não iniciar insulina se hipocaliémia grave – corrigir esta primeiro• Iniciar após expansão de volume

– Iniciar insulina de acção rápida em perfusão ev 0,05 a 0,1 U/Kg/h

• Preparação: 50U em 500ml SF – perfusão a 1ml/kg/h=0,1U/kg/h

• Manter enquanto houver acidose• Se < 1 ano sempre 0,05 U/kg/h• Pode-se aumentar insulina para 0,15-0,2 U/Kg/h se a glicemia não

descer mais de 50 mg/h ou se o pH não começar a corrigir (raramente necessário)

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Terapêutica• Insulina ev

– Quando glicemia <250 mg/dL • Se acidose:

– Baixar insulina para 0,05 U/Kg/h

– Mudar soro para NaCl 0,45% com dextrose a 5%

• Se não acidose

– passar a insulina sc

– Suspender infusão de insulina • 15 a 30’* após insulina de acção rápida sc

• 1 a 2h após insulina acção intermédia sc

*15 minutos após análogo de rápida (Humalog®) e 30’ após regular (Actrapid®)

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Terapêutica• Insulina de acção rápida sc

• Iniciar esquema de insulina de acção intermédia o mais rápido possível

Glicémia (mg/dL)

Peso (kg) 160-200 200-300 300-400 400-500 >500

5 0 1 1 2 2

10 0 1 1 2 2

15 1 1 2 2 3

20 1 2 3 3 4

25 2 2 3 4 5

30 2 3 4 5 6

35 2 3 4 6 7

40 3 4 5 7 8

45 3 4 5 7 9

50 4 5 6 8 10

55 4 5 7 9 11

60 4 6 8 10 12

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Terapêutica• Potássio

– Iniciar k+ no início da infusão se não houver insuficiência renal e se o k+ for <5,5 mmol/L. Consoante k+ sérico:

• <3,0 - adicionar 60 mEq por litro de soro ev• 3-3,5 – 40 mEq/L• 3,5-5,0 – 30 mEq/L• 5-5,5 – 20 mEq/L• >5,5 não adicionar

– Manter aporte de potássio enquanto soro em curso

– Hiperclorémia • utilizar só fosfato de potássio (pode causar hipocalcémia)

– Hipofosfatemia significativa • a correcção pode ser metade KCl, metade fosfato de potássio.

– Hipocalcémia <8,0 - usar só KCl

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Terapêutica• Bicarbonato

– Sem benefício clínico• pode agravar acidose a nível cerebral

– Excepção:• contexto de reanimação e acidose grave (pH arterial <6,9)

– 0,5-1,0 meq/kg em 1-2h ev

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Terapêutica• Tratamento causa subjacente

– Infecção é a causa subjacente em 50% dos casos na diabetes conhecida

– Exame objectivo cuidadoso

– Exames complementares de diagnóstico • Radiografia de tórax

• Urina tipo II

• Exames bacteriológicos

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Complicações

• Edema cerebral

• Hipoglicémia

• Disritmia cardíaca

• Edema pulmonar

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Quando iniciar o esquema basal? Melhoria clínica significativa com remissão da acidose Tolerância da via oral e apetite   Imediatamente antes de uma refeição

Necessidades diárias de insulina (Dose total diária - DTD: intermédia + rápida)

Pré-púbere: 0,75-1,0 Unidades insulina/kgPúbere: 1,0-1,2 Unidades insulina/kg

Esquema inicial• Iniciar insulina acção intermédia: 0,2- 0,3 U/kg/dia e administrar 2/3

antes pequeno almoço e 1/3 antes do jantar • Insulina acção rápida antes das principais refeições conforme

glicemia (tabela I) medida de 4/4horas

TRANSIÇÃO PARA ESQUEMA BASAL DE INSULINA