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Chamuças de Bacalhau Pequeno-almoço em nenhures com húngaro obeso vestido de Aladino. Macdonals – O Magnifico. Alguma promenade por Bombaim, mas não muita. Tomar banho aos bocados na sala das mulheres. Comboio é a linha inteira. A Maldição dos Comboios ataca outra vez. Morrer e acordar no Paraíso. 1

Chamuças de Bacalhau 20

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Aventuras Na India

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Chamuças de BacalhauPequeno-almoço em nenhures com húngaro obeso

vestido de Aladino. Macdonals – O Magnifico. Alguma promenade por Bombaim, mas não muita. Tomar banho

aos bocados na sala das mulheres. Comboio é a linha inteira. A Maldição dos Comboios ataca outra vez.

Morrer e acordar no Paraíso.

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XX MacTrain

E assim continuou a nossa odisseia no autocarro-canil-do-Inferno. Como desgraçadamente constatámos as 16 horas já iam em 23 quando parámos para o pequeno-almoço. Era um apeadeiro em nenhures, com uma vaca sagrada a pastar pó e tipos a tomar banho, todos ao léu. Só reparei que eles estavam de facto ao léu, quando estava a lavar os dentes bem ao lado dos ditos cujos, mas tratei logo de engolir a pasta e fazer ar de quem não tinha visto nada.

A Rita estava com um ar cómico. Tinha perdido uma das meias na ida sinistra à casa de banho e fumava com um olhar extasiado, enquanto dizia “isto não há descrição”. E de facto não havia, o que havia era um húngaro com um turbante a tocar violino lá no meio do sítio. Aquilo tinha um ar bestialmente bizarro, porque o dito rapaz estava vestido à Aladino, versão obesa. Mas já nem estranhávamos. Três horas levámos nós a entrar em Bombaim, ainda fizemos outra paragem porque a transmissão ou qualquer coisa do género mecânico e importante, tinha ido desta para melhor.

Bombaim é gigantesca, nunca vi uma cidade tão grande, com tanta gente e com tanta barraca. A maior favela do Rio de Janeiro é um condomínio privado se compararmos com a de Bombaim. Mas não foi para a favela que fomos, graças a Hanuman.

Quando finalmente saímos do autocarro, depois de 26 horas e muitos minutos estávamos completamente esfrangalhadas, podem

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imaginar. Pegámos nas duas coreanas que também tinham sobrevivido à odisseia no meio de luvinhas e mascarazinhas à Michael Jackson, apanhamos um táxi e só paramos na Central Station.

A estação de comboios de Bombaim é qualquer coisa de colossal e muito britânica. A gare é imensa, e centenas de pessoas estavam sentadas no chão à espera, mas centenas mesmo, do género se perderem um filho bebé já o encontram com 30 anos! Depois de deixarmos as nossas malas no bengaleiro e de confirmarmos as horas da partida, decidimos ir à procura de uma casa de banho, estávamos desesperadas!

Os lavabos em Bombaim são patrocinados pelo McDonalds (que ganhou logo o cognome de O Magnifico), e foi nesse belo estabelecimento que ficamos grande parte da tarde. Não se pode dizer que o Ultralevur estivesse a funcionar por isso passei um mau bocado, que não vem para aqui narrado. Depois de 3 coca-colas e alguns hambúrgueres natura, decidimos ir dar uma voltinha pela zona.

Adianta dizer que a temperatura tinha mudado radicalmente, estávamos agora em pleno Verão, mas consta que não devíamos andar de ombros destapados por isso teríamos vendido a alma por um bom ar condicionado. Mas voltemos à promenade. Ao pé da estação de comboios havia uma avenida com uns prédios de arquitectura ocidental, meio neoclássicos. Aquilo tinha tudo um ar de grandiosidade decadente e fervilhava com pequeno comércio. Finalmente lá dei com uma venda de livros usados e comprei o Midnight’s Children, do Salman Rushdie, por 100 Rs (mais cliché só tirar uma foto ao lado do Taj Mahal). Comecei logo a devorá-lo e achei-o duma graça surpreendente, isto antes de me começar a aborrecer comó caraças e decidir usa-lo como almofada.

Perdoem-me a superficial crítica literária mas eu estava deserta por voltar para o ar condicionado do Mcdonalds, para todo o

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sempre, e depois de nos perdermos à procura de Internet no BoraBazar acabámos por comprar bananas e voltar à estação.

Duas horas passámos nós em expectativa, na sala reservada às mulheres da dita estação. Como o nome indicava nesta só havia mulheres e crianças. Entravam, mudavam de sari e saíam. Aproveitámos para tomar uma espécie de banho aos bocados e mudar de roupa, ou seja “to get fresh”. Entreti-me com uns moglis peso pluma que andavam para lá a chatear sempre que eu decidia ler umas linhas. Já estávamos fartas da espera, fartas de estar sentadas debaixo do retrato do “Gandhi a sair do comboio”, fartas de tentar perceber como é que se vestia um sari, fartas das bananas, fartas. E, finalmente, o comboio chegou!

Meu Deus, aquilo não era um comboio, minha gente. Aquilo era a linha inteira. Se a cauda estava em Bombaim a cabeça devia estar na província a seguir, ou quase. Fomos a correr à procura da nossa carruagem. Cada uma tinha uma lista à porta com os nomes (?!). Depois de um desvario de 20 minutos lá chegámos. Oh, não tinha absolutamente nada a ver com o comboio do Darjeeling Limited mas não era nada mau, nada mau mesmo. Não havia portas a separar os “quartos”, mas cada um destes tinha 8 caminhas com almofada, manta e lençóis. Estávamos radiantes, o comboio afinal era bom, era melhor que qualquer autocarro que tínhamos andado (se nós soubéssemos), tudo estava bem outra vez!

Fiz a minha caminha azul rente ao chão (com lençóis e tudo), descalcei as botas, pusemos cadeados a prender-nos às malas, arrumei tudo nos sitiozinhos, pus a venda nos olhos e os tampões nos ouvidos e preparei-me para 12 horas de sono maravilhoso e embalado.

Finalmente o descanso, a calmaria, o silencio, a felicidade suprema…

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-CHAIIIIIIIIIIIIIIIIIIII! CHAI,CHAI, CHAI, CHAI, CHAIIIIIIIIIIIIIIIIIII!

Porra, mandei um salto tão grande que me espatifei da cama abaixo. Um tipo acabava de passar por mim a gritar “chai”. Estava a vendê-lo dentro do comboio! E apregoava-o de 10 em 10 segundos, em altos berros. Credo, que maluco. Mas como toda a gente queria dormir, foi ignorado e foi andando pelo corredor com esta ladainha. Voltei a fechar os olhos pensando que tudo não passara de um grande susto quando…

-&%#$#$ MASSALA! MASSALA, MASSALA, MASSALA!

Fodasse!!!!!!! Mas que merda é esta?! Passa um segundo tipo, a vender uma espécie de sandes. Apregoava ruidosamente o produto sem que isso significasse propriamente uma explicação. Eu começava a ficar lixada. Mas não podia haver muito mais gente a passar…

-DRINKS! DRINKS! DRINKS! DRINKS!Oh nãoooooooooooooooooooooooo!

E lá foram eles passando por mim, rente à minha caminha, vendendo tudo e mais alguma coisa, gritando sempre, não fossem as pessoas exaustas não perceber que aquilo estava a acontecer. Para entenderem a cena, imaginem que estão na praia, placidamente, em bronzeada adoração ao deus sol, quando o homem das bolas de Berlim decide passar por cima da vossa toalha, enquanto grita “bolinhasssss”.

Agora imaginem que pela vossa toalha passa não só “o das bolas”, como “o do olá fresquinho”, “o da bolachinha americana”, “o da amêijoa à bulhão pato”, “o das raquetes do mickey” e “o do pirilampo mágico” e quando este último se for, volta o primeiro,

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perpetuando uma maldição de gritos nos ouvidos, circular e danada.

Era mais ou menos isso que se estava a passar na minha viagem de comboio. 12h a ouvir berros, 12h a morrer da barriga, 12h quase a chorar de raiva. Mas estava tão, tão exausta que algures entre um CHAI! e umas CARTAS PARA JOGAR!, o sistema operativo desligou. Apagou. Morreu.

Para só acordar no paraíso.

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