CHAVES, Carlos Antonio Gomes Da Costa. Análise Dos Processos de Ensino-Aprendizagem Do Acompanhamento Do Choro No Violão de Seis Cordas

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    UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIROCENTRO DE LETRAS E ARTES

    MESTRADO EM MÚSICA BRASILEIRA

    ANÁLISE DOS PROCESSOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DO ACOMPANHAMENTO DO

    CHORO NO VIOLÃO DE SEIS CORDAS

    Carlos Antonio Gomes da Costa Chaves

    RIO DE JANEIRO, 2001

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    ANÁLISE DOS PROCESSOS DE ENSINO-

    APRENDIZAGEM DO ACOMPANHAMENTO DO

    CHORO NO VIOLÃO DE SEIS CORDAS

    por

    Carlos Antonio Gomes da Costa Chaves

    Dissertação submetida ao Programa deMestrado em Música Brasileira doCentro de Letras e Artes da UNI-RIO,como requisito parcial para obtenção dograu de Mestre sob a orientação doProfessor Doutor José Nunes Fernandes

    Rio de Janeiro, 2001

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    Este trabalho é dedicado à Ermelinda Couto,

    pelo incentivo, atenção e carinho

    e por ser meu exemplo musical na família.

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    Agradecimentos

    Aos meus pais João Carlos e Marisa, por acreditarem em mim e terem me apoiado em todasas minhas decisões;

    À Aline, que encarou a fase mais difícil do trabalho e me deu toda a força que eu precisava;

    Às minhas irmãs Flávia e Carolina e ao meu irmão emprestado Cristiano, pelo carinho e

    amizade;

    Aos meus avós Nicha, Dondinho e Nina e a tia Eme, por tudo de bom que me fizeram na vida;

    À minha tia Amália, pelas inúmeras revisões;

    À Gerlinde, pelas dúvidas esclarecidas e traduções;

    Ao Paulo, Marcos e Tardelli, pessoal do Maogani, pela música e pela camaradagem;

    A todos os parentes e amigos que me ajudam em minha caminhada;

    Ao meu orientador José Nunes, pelo apoio e incentivo;

    À banca examinadora, Cecília Conde (CBM), Martha Ulhôa (Uni-Rio) e Margaret Arroyo(UFU), que prestigiaram esse trabalho;

    À Capes, pelo excelente trabalho de incentivo à pesquisa;

    A Lulu, Lili e Chico, companheiros fiéis;

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    Resumo 

    O objetivo desta dissertação é realizar uma análise dos mecanismos de ensino-aprendizagem

    do acompanhamento do choro no violão de seis cordas através de dados recolhidos de

    entrevistas realizadas com alguns dos principais violonistas do gênero abordado. Utilizamos

    como base teórica para esta análise duas idéias a de ensino não-!ormal" representadas pelos

    trabalhos de #antos $%&''( e )onde * +eves $%&',%&'(/ e o modelo $0(1)$2(3" elaborado

    por #4an4ic5 $%&6&(. )om o resultado desta análise elaboramos uma proposta didática para

    o ensino-aprendisagem do choro no violão. 3presentamos também uma revisão da literatura

    para situar o leitor no universo musical deste gênero 7ue é considerado o mais importante nam8sica instrumental brasileira.

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    Abstract 

    The aim of this work is to analyze the teaching-learning mechanisms of the accompaniment of

    "choro" on a six-string guitar through data obtained from interviews with some of the main

    guitarists of the style in question. We used as a theoretical basis two main concepts: a non-

    formal teaching process elaborated by Santos (1988) and Conde & Neves (1984/1985) and the

    C(L)A(S)P method elaborated by Swanwick (1979). With the results obtained from this

    analysis we elaborated a didactic proposal for the teaching-learning process of "choro" on the

    guitar. We also present in this work an review of the literature to situate the reader in the

    universe of this style of music, which is considered one of the most important in instrumental

    Brazilian music

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    SUMÁRIO

    PáginaLista de quadros

    vii

    Lista de figuras vii

    Lista de exemplosvii

    Introdução1

    Situação problema 1

    Objetivos 5

    Metodologia 8

    Revisão da literatura 10

    Livros 12

    Teses relacionadas ao choro e ao violão 21

    Teses relacionadas à educação na música popular 35

    A revista Roda de Choro 38

    O choro na internet 39

    Conclusão 39

    Referencial teórico42

    Educação musical não-formal 42

    Educação musical em geral 44

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    Análise das entrevistas53

    Primeira parte: informações pessoais 57

    Segunda parte: elementos necessários à execução do choro 65

    Terceira parte: elementos pedagógicos 70

    Transferência do conhecimento 70

    Verificação do modelo (T)EC(L)A 72

    O ensino da música popular na universidade 74

    A roda de choro 77

    Conclusão 80

    Uma proposta didática 84

    Técnica (skill aquisitions) 84

    Exercícios melódicos 86

    Exercícios harmônicos 97

    Exercícios para a mão direita (levadas) 98

    Condução de acordes 100

    Exercícios melódico-harmônicos 102

    Literatura (literature studies) 104

    Execução (performance) 105

    Composição (composition) 106

    Audição (audition) 107

    Conclusão 109

    Considerações finais111

    Glossário114

    Referências bibliográficas119

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    Lista de quadros

    Página

    Quadro 1: Hierarquia de Objetivos51

    Quadro 2: Roteiro de Entrevista 55

    Quadro 3: Listagem de CDs108

    Lista de figuras

    Figura 1: Um Modelo Compreensível da ExperiênciaMusical

    50

    Lista de exemplos

    Exemplo 1: Escalas maiores88

    Exemplo 2: Escalas menores melódicas e harmônicas 89

    Exemplo 3: Arpejos90

    Exemplo 4: Ligados93

    Exemplo 5: Modelos94

    Exemplo 6: Frases95

    Exemplo 7: Levadas98

    Exemplo 8: Conduções101

    Exemplo 9: Trechos de música102

    Cochichando (1ª parte) 102

    Vou Vivendo (2ª parte) 103

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    Introdução

    Situação-problema

    A história do violão no Brasil nos mostra que a sua principal utilização sempre foi

    com a função de acompanhador, tanto na música instrumental quanto na música vocal, o que

    pode ser justificado pelo fato desse ser um instrumento harmônico que apresenta grande

    facilidade para ser transportado devido a seu peso e formato. Os primeiros músicos brasileiros

    a cultivarem o violão sem medo do preconceito e a comporem para o instrumento, utilizando-

    o como solista, foram Quincas Laranjeiras (1873-1935), João Pernambuco (João Teixeira

    Guimarães - 1883-1974), Garoto (Aníbal Augusto Sardinha - 1915-1955) e Canhoto (Américo

    Jacomino - 1916-1977). Tais compositores cultivavam a música popular e utilizavam o

    instrumento tanto como solista como em sua função de acompanhar o canto ou a música

    instrumental.

    Com o início do ensino do violão nos conservatórios e a visita ao Brasil de violonistasde renome internacional, como o paraguaio Augustin Barrios e a espanhola Josefina Robledo,

    em 1916, o instrumento ganhou um maior espaço como solista e passou a atuar mais

    efetivamente no campo da música erudita, através de transcrições e de composições próprias

    para o instrumento. Apesar dessas instituições valorizarem basicamente a formação de solistas

    virtuoses no instrumento, a principal função do violão continuou sendo a de acompanhador na

    música popular, e esta continuou sendo aprendida através do ensino não-formal.

    A música brasileira é composta de vários gêneros, que surgiram a partir de uma

    maneira peculiar de interpretação de ritmos europeus e africanos imprimidos pelos músicos

    das camadas populares da sociedade, e sua perpetuação se deu através da transmissão oral.

    Cada um desses gêneros requer certas habilidades específicas, tanto técnicas quanto musicais.

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    Podemos observar o caso do violão no choro, no qual ele pode desempenhar papéis variados:

    manter uma base harmônica, desenvolver contracantos com a melodia e até mesmo atuar

    como solista.

    O processo de nacionalização de ritmos europeus também aconteceu em outros países

    colonizados. Entretanto, devido à diferença idiomática, cultural e racial, surgiram gêneros

    com algumas semelhanças e muitas diferenças dos encontrados no Brasil. Nos Estados

    Unidos, surge o ragtime, que será um dos embriões do  jazz, assim como o tango brasileiro

    pode ser considerado um dos embriões do que viria a ser o choro atual. Esses dois estilos são

    adaptados da polca (dança popular vinda da Alemanha que esteve em voga no século XIX) e

    também originariam gêneros musicais. Cada um desses gêneros, por sua vez, originariam

    “escolas”, a princípio não-formais, para a transmissão do conhecimento e a perpetuação do

    gênero

    No Brasil, a grande maioria dos músicos que fundaram e perpetuaram estas “escolas”

    aprendiam a fazer música de maneira não-formal. Alguns eram auto-didatas, outros

    aprendiam com o pai ou com um outro familiar e alguns poucos talvez tenham tido aulas com

    um músico mais experiente da época. Hoje em dia, encontramos músicos populares com

    formação universitária e a própria música popular sendo cultivada em ambiente acadêmico, o

    que não provocou o desaparecimento da tradição oral ou do ensino não-formal.

    O interesse de músicos populares pelo conhecimento teórico musical começa a

    ocorrer, provavelmente, a partir do seu envolvimento com músicos eruditos. Heitor Villa-

    Lobos, freqüentador das rodas de choro, e Radamés Gnatalli, que trabalhava como arranjador

    nas rádios, são os principais exemplos de músicos que fomentaram o interesse pela leitura

    musical. Além de influenciarem a música popular brasileira, eles também foram influenciados

    por ela, o que pode facilmente ser identificado em suas respectivas obras.

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    Na última década, a música popular brasileira começa a ganhar espaço no âmbito

    acadêmico com a criação de cursos superiores em música popular em várias instituições de

    ensino superior do país. Porém, ainda não existe uma preocupação com o registro das práticas

    de ensino-aprendizagem utilizadas para a aquisição das habilidades requisitadas nesse tipo de

    música. Poucos esforços são empregados no entendimento do processo que trouxe o ensino do

    violão popular, relacionado ao ensino não-formal, para o ambiente acadêmico, onde se

    encontram características relacionadas ao ensino formal.

    Quanto ao material bibliográfico relativo à prática do violão, Paulo Augusto Castagna

    e Werner Schwarz (1999) afirmam que a música brasileira, para o instrumento, teve uma

    rápida evolução em nosso século e uma aceitação internacional sem precedentes. Entretanto,

    no Brasil, encontramos poucos trabalhos de pesquisa voltados para essa música. Os autores

    assim consideram devido à comparação com o crescimento de pesquisas e publicações sobre

    violão no exterior, e apontam a escassez de trabalhos sobre a música brasileira para o

    instrumento.

    As publicações que tratam o violão como instrumento acompanhador são ainda mais

    escassas. O método O Violão Brasileiro, de Luís Otávio Braga (1988), voltado em sua grande

    parte para o violão como instrumento solista, aborda alguns aspectos do violão como

    instrumento acompanhador e é um dos poucos que trata do assunto com seriedade. Foi a partir

    das idéias expostas pelo autor desse livro que surgiu o objeto da pesquisa a ser realizada.

    No prefácio do método de Braga, o violonista Marcus Vinícius afirma que o ensino do

    violão em nosso país sofre algumas mazelas: “ou atrela-se ao rigor do erudito ou vincula-se à

    simplificação do popular” (BRAGA, 1988: 3). Podemos concordar com parte dessa

    afirmação, pois a simplificação do popular talvez seja um reflexo da falta de preparo na

    formação dos professores e de seriedade nas publicações encontradas, que trazem

    simplesmente as cifras, a letra da música e os acordes desenhados no braço do violão, como

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    se isso fosse suficiente para se entender um estilo ou mesmo uma canção. Podemos citar,

    como exemplo, os Songbooks, produzidos por Almir Chediak e publicados pela editora

    Lumiar, e os livros publicados pela editora Irmãos Vitale.

    Verificamos que a principal função do violão na música popular brasileira é a de

    instrumento acompanhador, tanto na música instrumental quanto na música vocal. Todavia,

    constatamos no mercado uma escassez de publicações relativas ao ensino do instrumento com

    essa função, assim como de pesquisas relativas a esse assunto. Pouco conhecemos dos

    processos pedagógicos envolvidos nesse processo de ensino-aprendizagem. O conhecimento

    desses mecanismos poderia não só auxiliar no desenvolvimento do ensino não-formal, que

    geralmente é valorizado na música popular, como do ensino formal, realizado em grande parte

    dos conservatórios e instituições musicais, além de proporcionar um intercâmbio de práticas e

    idéias entre esses dois tipos de ensino.

    A partir dessas reflexões, podem surgir vários questionamentos relacionados ao

    assunto. Quem são os professores de hoje que estão formando os músicos que perpetuarão a

    música popular brasileira? Será que já não é hora de documentarmos o que já foi e o que está

    sendo feito pelos principais mestres do violão? Qual a formação pedagógica dos professores

    atuais? Como eles elaboram seu processo de ensino-aprendizagem? Essas são algumas

    questões que levaram à elaboração desta pesquisa e pretendemos respondê-las após a análise

    dos dados recolhidos.

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    Objetivos

    O objetivo geral desta pesquisa é a análise dos mecanismos pedagógicos existentes no

    ensino-aprendizagem do acompanhamento do choro no violão. A pesquisa irá se restringir ao

    papel do violão de seis cordas nesse gênero, não abordando o ensino do violão de sete cordas,

    também muito utilizado. A área geográfica pesquisada abrangerá duas cidades: Rio de Janeiro

    e Niterói.

    Uma hipótese que será verificada por este trabalho é a existência da necessidade de

    criação de um método brasileiro para preencher uma lacuna na bibliografia musical do nosso

    país. Essa questão não se restringe ao violão ou à música popular, mas também a outros

    instrumentos que desenvolveram características e habilidades técnicas tipicamente nacionais.

    Essas habilidades, aliadas ao fraseado peculiar da nossa música, foram largamente utilizadas

    até mesmo pela música brasileira erudita que, a partir do movimento nacionalista, sofreu, e

    continua sofrendo, forte influência da música popular e folclórica produzida neste país.

    Para ilustrar essa discussão, podemos realizar uma breve comparação entre dois

    gêneros musicais: o choro e o  jazz. Escolhemos esses dois adotando como base a afirmativa

    bastante difundida no meio popular que aponta o choro como o jazz brasileiro. Essa afirmativa

    pode não ser totalmente verdadeira, mas comparando os dois gêneros podemos chegar a

    alguns pontos em comum. Um deles é a capacidade de improvisação dos músicos. Outro é o

    contraponto presente nos instrumentos acompanhadores. Os instrumentos, no entanto, se

    diferem, pois o  jazz se utiliza do piano e do contrabaixo, enquanto no choro encontramos o

    violão de seis e/ou sete cordas.

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    A percepção harmônica desenvolvida, que resulta na facilidade de acompanhar sem o

    prévio conhecimento da harmonia, elaborando-a ao mesmo tempo em que a melodia é tocada,

    e a reunião de músicos para tocar em saraus informais, denominado Jam Sessions no jazz e

    “roda” no choro, também podem ser consideradas características em comum desses

    dois gêneros.

    Definidos os pontos em comum, podemos nos questionar: por que o  jazz  é mais

    conhecido e divulgado que o choro em termos mundiais? Uma hipótese seria o fato do choro

    continuar sendo difundido através de um ensino não-formal, sendo aprendido nos bares e nas

    rodas de choro, enquanto o  jazz é ensinado em universidades de renome, como a Berklee, o

    que favorece uma maior divulgação deste gênero. Além desse fato, existem vários métodos de

     jazz  no mercado que variam no seu propósito: enquanto alguns trazem detalhes sobre

    conduções harmônicas, escalas utilizadas, movimentação do baixo, outros trazem somente

    exemplos de frases musicais ou dicas melódicas dos principais intérpretes do  jazz. As poucas

    publicações sobre choro existentes se limitam ao aspecto histórico, sem se aprofundarem nos

    aspectos musicais. Não foi possível encontrar livros que tratem dos mecanismos harmônicos,

    melódicos ou rítmicos presentes no choro.

    Mas se o jazz, assim como o choro, nasceu a partir de uma maneira mais informal de

    tocar e daí passou a ser codificado, por que não podemos fazer o mesmo com o choro? Por

    serem gêneros com algumas semelhanças, poderíamos adaptar idéias aplicadas ao ensino do

     jazz no aprendizado do choro?

    As funções de um livro didático ou método, como é mais conhecido, na verdade, vão

    muito além de simplesmente auxiliar alunos e professores no aprendizado do instrumento.

    Existem outras funções que são ou se tornam tão importantes quanto essa. Uma delas é o

    registro musicológico para gerações futuras do que estava sendo feito em determinada época.

    O registro também serve para o desenvolvimento das técnicas de ensino-aprendizagem

    aplicadas ao ensino do violão na música popular, já que outros métodos tendem a surgir,

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    ampliando o campo de visão pedagógica e mostrando soluções mais adequadas para

    problemas técnicos, além de esclarecer assuntos que não obtivessem soluções favoráveis em

    métodos anteriores.

    Outra função do livro didático é a divulgação maior e mais ampla da música popular

    brasileira, pois facilitaria o aprendizado a distância e o crescimento do interesse em se fazer

    música brasileira em outros países. A transmissão oral geralmente alcança uma área

    geográfica restrita e impede uma propagação do conhecimento para fora de um circuito

    determinado.

    A importância de se elaborar métodos que auxiliem a prática do violão brasileiro,

    tanto como solista quanto como acompanhador, é algo que Marcus Vinícius trata de maneira

    clara na apresentação do livro O Violão Brasileiro. Ele diz que “ tal como ocorre em outros

    instrumentos, a literatura pedagógica existente é quase toda estrangeira, geralmente espanhola

    ou, mais recentemente, norte-americana” (BRAGA, 1988: 3).

    Podemos citar exemplo de métodos utilizados por diversos professores brasileiros,

    como a Escuela Razonada de la guitarra, de Emilio Pujol, que é baseado nos princípios de

    Tárrega, o método de Abel Carlevaro, de Dionísio Aguado, dentre outros. A maioria deles são

    compostos por mais de um volume, tendo alguns três ou quatro livros. Estes métodos não

    devem ser excluídos do ensino do violão pois, além de consagrados, são muito importantes na

    formação técnica básica do instrumento. No entanto, seus exercícios atendem mais

    especificamente a dificuldades técnicas encontradas na música de seu país de origem, ou seja,

    na música espanhola.

    A divisão de capítulos se dará da seguinte forma: no primeiro capítulo efetuamos a

    revisão da literatura, para ambientar o leitor à atmosfera do choro e do violão brasileiro

    através dos mais significativos trabalhos relacionados à música popular brasileira; o segundo

    apresentará o referencial teórico a ser utilizado; no terceiro capítulo, realizaremos uma análise

    comparativa das entrevistas; e no quarto apresentaremos uma proposta didática baseada no

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    referencial teórico e nos dados coletados pela pesquisa de campo. Por último, apresentaremos

    as conclusões do trabalho.

    Metodologia

    O método hipotético-dedutivo, segundo Karl R. Popper, parte de um problema (o

    ensino-aprendizagem do choro no violão). A esse problema, formulam-se conjecturas ou

    hipóteses (a necessidade de criação de um método) que serão verificadas (entrevistas e

    pesquisa bibliográfica) e, “tal como no caso da dialética, esse processo se renovaria a si

    mesmo, dando surgimento a novos problemas” (LAKATOS e. MARCONI, 1991: 95). Para

    Bunge, a verificação deve ser realizada à luz de um modelo teórico. Por esses motivos,

    concluímos que esse método seria o que melhor se encaixaria em nossa pesquisa, pois

    partimos de um problema que originou a elaboração de uma hipótese, verificada através de

    entrevistas analisadas com base em um referencial teórico pré-concebido.

    A técnica de pesquisa principal a ser empregada foi a pesquisa de campo.

    Considerando o método de abordagem aos dados coletados, utilizamos a comparação para

    defrontar as técnicas de ensino-aprendizagem utilizadas pelos sujeitos pesquisados.

    A coleta de dados foi realizada através de entrevistas registradas com o auxílio de

    gravação para transcrição posterior. As entrevistas foram estruturadas e direcionadas para o

    campo pedagógico, objetivando a descoberta dos elementos que, segundo cada entrevistado,

    são necessários para o aprendizado do choro e para o entendimento e execução de cada um

    desses gêneros.

    O roteiro de entrevista (p. 55) foi dividido em três segmentos: no primeiro,

    procuramos examinar a trajetória de cada um dos entrevistados; no segundo, identificar os

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    elementos necessários para a prática do choro e como são trabalhados com o aluno; no

    terceiro, os mecanismos utilizados para o ensino-aprendizado desses elementos. 

    Os sujeitos escolhidos para integrar esta pesquisa foram criteriosamente escolhidos

    por fazerem parte de uma mesma geração, cada um com uma trajetória musical bastante

    significativa. São eles: Luís Otávio Braga, Bartolomeu Wiese, Rogério Souza e Maurício

    Carrilho. O leitor encontrará mais detalhes sobre as entrevistas e os entrevistados no terceiro

    capítulo.

    Foram realizadas quatro entrevistas no total, uma com cada sujeito, com duração

    média de uma hora e meia. O local foi escolhido pelos próprios entrevistados, que optaram

    pelas suas moradias. A pesquisa de campo se deu entre junho de 2000 e janeiro de 2001.

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    Revisão da literatura

    Quando iniciamos uma pesquisa bibliográfica sobre música popular brasileira, nos

    deparamos com algumas dificuldades em encontrar o material almejado. A carência de

    publicações sobre esse assunto e alguns livros importantes, que esgotaram e não receberam

    edições subseqüentes, são alguns dos motivos que dificultam esta tarefa.

    Hermano Vianna, no prefácio do livro Choro: do quintal ao municipal, de Henrique

    Cazes, afirma que:

    um leitor interessado na história desse gênero musical teria de freqüentar dezenas de

    bibliotecas e sebos para, juntando pedaços de diversos livros, formar um panorama

    bastante incompleto daquilo que aconteceu e tem acontecido em torno das rodas de

    choro (CAZES, 1998: 11).

    Nas últimas décadas, houve um crescimento nas pesquisas relacionadas à música

    popular brasileira. O assunto despertou o interesse tanto de musicólogos quanto de sociólogos

    e antropólogos, que têm colaborado com publicações e, conseqüentemente, com a ampliação

    da bibliografia sobre o assunto. Até mesmo músicos atuantes no mercado têm se arriscado a

    passar para o papel sua vivência, conhecimentos e idéias.

    Foram criados os cursos superiores em música popular pela Unicamp (Universidade

    Estadual de Campinas) em 1989 e pela Uni-Rio (Universidade do Rio de Janeiro) em 1998,

    além do curso livre de música popular pelo CBM (Conservatório Brasileiro de Música) em

    1997, e também dos cursos de mestrado em música do CBM (primeiro que deu atenção

    especial para a música brasileira. Funcionou entre 1980 e 1983) e da UFRJ (Universidade

    Federal do Rio de Janeiro), na década de 80, e do curso de mestrado em música brasileira da

    Uni-Rio, na década de 90. Todos esses cursos têm atentado os músicos em geral

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    (instrumentistas, cantores, compositores) sobre a importância da pesquisa em música para o

    resgate do que já foi realizado, o registro do que é realizado e apontamentos para o que poderá

    ser realizado no futuro da música popular brasileira, bem como têm tido papel fundamental na

    formação de novos pesquisadores e educadores, preocupados com a divulgação da nossa

    cultura musical.

    O objetivo deste capítulo é fazer uma avaliação crítica sobre algumas publicações e

    dissertações, relacionadas ao choro, e sobre personagens que ajudaram na formação e na

    consolidação desse gênero. Também serão analisados os trabalhos sobre o ensino da música

    popular.

    A maioria dos livros que pretende investigar a temática do choro está voltada quase

    que exclusivamente para o lado histórico e sociológico. Eles tentam recriar a atmosfera vivida

    na época em que esse gênero atingiu seu apogeu, para entendermos melhor como se deu a

    criação do choro e sua disseminação. É natural narrarmos os casos e “causos” pitorescos

    ocorridos em festas e rodas de chorões, ao tratarmos de um assunto tão popular e que faz parte

    da alma do povo brasileiro, como é o choro. No entanto, não podemos nos ater a

    superficialidades, a não ser que o livro tenha como objetivo o entretenimento, o que não seria

    má idéia.

    Alguns historiadores não foram incluídos neste trabalho, porque suas obras já foram

    revistas e serviram como base para os livros que serão abordados. Além disso, os fatos

    apontados por eles se detêm a aspectos da etimologia da palavra choro ou do surgimento

    desse gênero, advindo da polca e da habanera. Ary Vasconcelos, Batista Siqueira, Oneyda

    Alvarenga, entre outros, podem ser citados pelas suas contribuições para a história da música

    brasileira, mas estas já foram extraídas pelos autores que aqui serão discutidos.

    Este capítulo será dividido em três partes. Na primeira, será feita uma revisão crítica

    dos livros publicados; na segunda, a análise das dissertações de mestrado em música e

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    educação musical. Tanto os livros quanto as dissertações, direta ou indiretamente, apresentam

    alguma contribuição para o melhor entendimento do choro ou do ensino da música popular.

    Na última parte, será analisada a revista Roda de Choro, a qual ajudou a conectar chorões de

    todo o país, mas, infelizmente, encontra seus trabalhos interrompidos por dificuldades

    financeiras. Nas biografias que fazem parte deste capítulo, examinaremos a contribuição do

    personagem biografado para o choro e para a música popular brasileira.

    Livros

    Um dos principais pesquisadores e escritores que, mesmo odiado por alguns e amado

    por outros, teve e tem um papel fundamental na investigação da história da música popular

    brasileira é José Ramos Tinhorão. Como jornalista e escritor, e com sua opinião quase sempre

    polêmica e a favor da música popular “autêntica”, Tinhorão escreveu artigos e livros que se

    tornaram referência fundamental para qualquer pesquisa relacionada à música popular

    brasileira.

    Tinhorão dedica uma parte de cada um dos seus livros examinados à análise do

    processo de criação do choro. Os livros Pequena história da música popular: da modinha à

    lambada e  Música popular: um tema em debate  têm uma abordagem bastante semelhante

    sobre o tema, focalizando alguns aspectos pitorescos e musicais, enquanto  História social da

    música popular brasileira dá maior enfoque a aspectos sociais da época.

    Para descrever o início e o apogeu da história do choro, Tinhorão recorre ao livro do

    “duble de violonista e historiador” (CAZES, 1998: 18) Alexandre Gonçalves Pinto, intitulado

    O choro – reminiscências dos chorões antigos. Nesse livro, o “Animal” (apelido de Pinto)

    traça pequenas biografias de colegas que ajudam a descobrir os chorões que participaram da

    criação desse gênero, seus instrumentos e suas profissões. Apesar de seus inúmeros erros de

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    gramática, esse livro revela importantes dados estatísticos e descreve o ambiente em que era

    cultivado o choro.

    Tinhorão discute o uso da palavra choro, naquela época, apresentando seus vários

    significados. Choro poderia ser relacionado a festas em casas de família de classe média onde

    os chorões se reuniam; designava a maneira melancólica com a qual instrumentistas populares

    interpretavam as polcas (dança que apareceria no Brasil em 1845); e também era o nome dado

    ao grupo que executava essas danças, geralmente formado por flauta, cavaquinho e dois

    violões – o “quarteto ideal”, segundo o maestro Batista Siqueira (cit. TINHORÃO, 1991:

    104).

    Segundo Tinhorão, o choro teve seu início por volta de 1870 e seu declínio por volta

    de 1930, com o desenvolvimento da indústria fonográfica, do rádio e das  jazz-bands.

    Podemos acreditar que o autor refere-se ao choro como um estilo de vida dos chorões e não

    como um gênero, pois este permanece vivo até os dias atuais.

    Em seu livro  História social da música popular brasileira, o autor traça um perfil

    sociológico dos músicos que integravam o que ele chama de “orquestras dos pobres”.

    Segundo Tinhorão, a maioria dos chorões tocava por simples prazer e por um bom “pirão”

    (maneira como chamavam a comida). Os instrumentistas das cordas eram, geralmente,

    pequenos burocratas e os de sopro integravam as bandas militares e dos bombeiros. Ele

     justifica a ausência de trabalhadores braçais devido à impossibilidade de “acompanhar ritmo

    de vida dos boêmios, que após as tocatas noturnas voltavam à casa pela madrugada”

    (TINHORÃO, 1998: 200). Apesar de uma heterogeneidade racial e econômica, a ausência de

    negros chorões (Tinhorão conta que o “Animal” cita apenas um negro em seu livro) é

     justificada pelo fato de os negros formarem o “grosso” das camadas mais baixas, e um chorão

    tinha que ter um mínimo de condição para adquirir seu instrumento.

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    Ao discorrer sobre o fim da época dos chorões, emocionado, Tinhorão afirma que

    “nem tudo havia sido em vão porque, afinal, de meio século de experiência com solos e

    contracantos à base de flautas, violões e cavaquinhos salvava-se uma forma nova de música

    popular: o choro” (TINHORÃO, 1998: 202).

    No livro Villa-Lobos, o choro e os choros (1977) , José Maria Neves busca influências

    desse gênero popular na obra-prima do maestro: a grandiosa série Choros. O autor também

    apresenta os principais elementos musicais que nos ajudam a definir o choro como gênero.

    Segundo Neves (1977), linhas melódicas baseadas em arpejos de acordes, a combinação de

    grandes saltos e movimentos por grau conjunto e a predominância do movimento diatônico

    são alguns dos elementos encontrados no choro. A melodia se apresenta em primeiro plano,

    sendo acentuada por acordes da harmonia. No plano harmônico, encontramos uma das

    maiores riquezas do gênero. As modulações são curiosas, passando do modo maior para o

    menor, por tons vizinhos ou afastados de maneira surpreendente, voltando com freqüência à

    tonalidade principal.

    Esses elementos são encontrados nos choros tradicionais, pois com Radamés o choro

    adquire uma nova cara, permitindo arranjos mais elaborados, a divisão da melodia por dois ou

    mais solistas, a intervenção de instrumentos de percussão e modulações ainda mais curiosas e

    surpreendentes, além de maior cromatismo e notas alteradas na melodia.

    Não podemos falar em choro sem falar em Alfredo da Rocha Vianna Filho, o

    Pixinguinha, através do qual o choro passou a significar também um gênero musical de forma

    definida. Esse grande compositor, instrumentista e arranjador era, além de tudo, um inovador

    que se tornaria um marco e um divisor de águas da música popular brasileira. Segundo Ary

    Vasconcelos, se temos quinze volumes para falar sobre música brasileira seria pouco, mas se

    dispomos “apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdido; escreva depressa:

    Pixinguinha” (apud SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1998: 238).

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    Dentre suas várias biografias, escolhemos uma que talvez seja a mais recente,

    intitulada Pixinguinha: filho de ogum bexiguento, de Marília T. Barboza da Silva e Arthur L.

    de Oliveira Filho, republicada em 1998. Os autores apresentam um trabalho repleto de fatos e

    curiosidades e uma excelente investigação sobre a vida do mestre.

    O livro traça um perfil muito interessante sobre a carreira do músico Pixinguinha e

    sobre o homem de bom coração e amigo de todos. Apesar de não se aprofundar muito em

    aspectos musicais, dois capítulos chamam a atenção para esses aspectos. Em um deles, os

    autores discutem a influência do  jazz na obra de Pixinguinha e, no outro, fazem uma análise

    de sua obra.

    O sugestivo título Influência do Jazz? nos aponta como esse assunto foi abordado. Os

    autores questionam os argumentos utilizados pelos críticos e historiadores para acusar

    Pixinguinha e seus batutas de terem sido influenciados por um gênero norte-americano que

    ainda se encontrava em sua forma embrionária na época em que o grupo fez sucesso.

    Um dos pontos apontados pelos críticos como influência do  jazz  é a utilização do

    saxofone por Pixinguinha, a partir de sua viagem à Europa. No entanto, o saxofone já era

    utilizado no choro “quase 30 anos antes de Pixinguinha nascer, mais de meio século antes de

    entrar no  jazz”(SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1998: 78).  A acusação de influência desse

    gênero em Carinhoso também é infundada, pois foi composto antes de ser gravado o primeiro

    disco de  jazz. No entanto, por ter somente duas partes (o choro tradicional possui três),

    Pixinguinha resolveu encostá-lo e gravá-lo mais tarde pois, em suas próprias palavras,

    “ninguém iria aceitá-lo” (apud SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1998: 87). O próprio fato de Os

     Batutas serem considerados jazz-band  não significa uma influência desse gênero, a não ser no

    instrumental e na indumentária, já que essa expressão era “usada na época para toda a sorte de

    agrupamentos instrumentais, mesmo que não estivessem ligados ao jazz” (CAZES, 1998: 61).

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    Na publicação, a obra de Pixinguinha não é analisada musicalmente por motivos

    óbvios. Por se tratar de muitas peças – só de inéditas “deve atingir a casa das duas mil

    músicas” – sua análise seria assunto suficiente para outro livro, talvez até mais de um (SILVA

    e OLIVEIRA FILHO, 1998: 239). Infelizmente, algumas dessas obras irão continuar inéditas:

    ou “se estragaram pela chuva no fundo da velha mala guardada na varanda” ou não foram

    escritas. Esperamos que, seguindo o exemplo de Marcelo Vianna, cantor e neto de

    Pixinguinha que está gravando um CD repleto de músicas inéditas do avô, outros músicos se

    interessem em gravar essa obra e nos permitam conhecer o Pixinguinha ainda desconhecido

    do público.

    A análise da obra empreendida pelos autores não é totalmente satisfatória. As

    conclusões atingidas apontam Pixinguinha como fixador do gênero choro, compondo obras

    primas como Carinhoso, Lamento e Ingênuo (sendo esta última a preferida do compositor) e

    com participação “brilhante e decisiva nas três principais formas de manifestação do gênero

    samba: o samba do tipo fixado por Sinhô, o chamado samba do estácio e o samba-canção”

    (SILVA e FILHO, 1998: 256). Entretanto, os autores não se aprofundam em aspectos

    musicais, realizando apenas uma análise superficial da obra.

    Quanto aos fatos ocorridos na vida artística do exímio flautista, podemos citar a

    carreira nos Oito Batutas, com uma passagem pela Europa que despertou o preconceito racial

    de alguns jornalistas, por se tratar de negros representando o Brasil no exterior. O grupo

    também teve passagem pela Argentina, onde gravou dez discos pela Victor  local, que foram

    lançados em CD no Brasil pelo selo Revivendo (SILVA e OLIVEIRA FILHO, 1998: 265).

    Pixinguinha foi um pioneiro na rádio, onde trabalhou como instrumentista e como

    arranjador ao lado de Radamés Gnattali. Mais tarde, em dificuldades financeiras, ocorreu a

    parceria com o flautista Benedito Lacerda, com quem gravou trinta e quatro discos. Nessa

    época, Pixinguinha trocou a flauta pelo sax tenor, pois fazia parte de um acordo acertado entre

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    os dois. Apesar da virtuosidade de Benedito, essas gravações chamam a atenção pelos

    contrapontos do sax tenor.

    Outro músico fundamental para a história da música popular brasileira chama-se

    Aníbal Augusto Sardinha, mas é mais conhecido pelo seu apelido: Garoto. Sua biografia,

    escrita por Irati Antônio e Regina Pereira, tem o sugestivo nome de Garoto, sinal dos tempos.

    O título faz menção ao choro Sinal dos Tempos, composição do violonista que apresenta uma

    harmonia moderna para a época. Os autores aproveitaram “a deixa” para destacar o caráter

    inovador de Garoto.

    Menino prodígio, Garoto começou a aprender banjo aos onze anos, observando seus

    pais e irmãos, que eram músicos amadores, e se tornou um multi-instrumentista, dominando

    vários instrumentos de corda. Atuou no rádio desde a sua formação ao lado de grandes nomes

    da música popular brasileira e excursionou pelos Estados Unidos da América acompanhando

    Carmen Miranda e o Bando da Lua, onde travou contato com músicos de  jazz  norte-

    americano.

    Garoto viveu uma época de transição, onde a música popular brasileira sofria

    influências tanto da música erudita quanto do  jazz, e suas composições refletem e apontam

    para essas mudanças, sendo consideradas modernas ainda hoje. Era um chorão, e “pelo choro

    fez mais do que dar continuidade a uma tradição: rompeu com a sua petrificação, sua

    estabilidade e com harmonia moderna realizou uma síntese perfeita entre os choros e as obras

    clássicas” (ANTONIO e PEREIRA, 1982: 71). Atualmente sua obra tem recebido atenção

    especial de violonistas do porte de Geraldo Ribeiro e Paulo Belinatti, que participaram do

    processo de edição e divulgação desta.

    Para finalizar, examinaremos os dois últimos lançamentos do mercado, o primeiro,

    relacionado ao aspecto histórico do choro e o segundo, ao aspecto didático. Esses trabalhos se

    diferenciam dos demais por terem sido elaborados por músicos atuantes no campo da música

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    popular brasileira e que participaram da história do choro nas últimas três décadas, ajudando

    no desenvolvimento e na divulgação desse gênero que, segundo Paulo Moura, “dentre os

    gêneros da tradição instrumental brasileira, é o que demonstra maior vigor de transformação

    criativa” (SÉVE, 1999: 7).

    Henrique Cazes, atualmente um dos mais importantes cavaquinistas do Brasil, é

    também um grande divulgador da nossa música, promovendo relançamentos de CDs não

    disponíveis no mercado, lançamentos de LPs em CD e edições de partituras, além de shows,

    concertos e gravações.

    Seu livro O choro: do quintal ao Municipal  traça o perfil desse gênero desde seu

    surgimento, em julho de 1845 – quando a polca foi dançada pela primeira vez no Teatro São

    Pedro – até maio de 1998. Sem o intuito de se tornar profeta, o autor do prefácio Hermano

    Vianna afirma que “este livro se tornará, imediatamente, uma obra de referência indispensável

    para estudiosos e amantes do choro e da música brasileira em geral” (CAZES, 1998: 11).

    Podemos concordar com Vianna e torcer para que essa história não acabe nesse livro, pois

    podemos deduzir que Cazes e outros músicos ligados ao choro ainda têm muito o que contar e

    enriquecer nossa cultura.

    Quanto ao título do livro não se trata de uma trajetória que começa no quintal

    e acaba no Municipal. O choro é visto em vários momentos em ambientes que vão da

    roda informal até a sala de concerto. A capacidade dessa música de se adaptar a

    objetivos que vão do simples lazer à rigorosa apreciação artística é por si só a chave

    da vitalidade do choro. (CAZES, 1998: 173)

    Apesar de propor uma divisão em pequenos capítulos nos quais o autor enfoca

    aspectos específicos do choro – como a roda, o violão no choro, compositores e

    instrumentistas importantes –, o autor consegue ser sucinto e ao mesmo tempo trazer muitas

    informações, apontando os principais nomes que fizeram parte da história desse gênero.

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    Também consegue dosar fatos importantes com casos engraçados e peculiares,

    característicos do meio e das figuras folclóricas que participam e participaram da história da

    música popular brasileira. O autor apresenta ainda uma discografia comentada, com os

    principais discos da história do choro.

    Uma grande contribuição de Cazes é a análise do grupo de choro e sua evolução.

    Apesar da manutenção de seu aspecto original, com um ou mais solistas, cavaquinho e

    violões, Cazes revela que a percussão, hoje em dia quase indispensável, entraria no choro

    cinqüenta anos mais tarde. No princípio, os grupos, formados por amadores que se reuniam

    para tocar nas festas em casas de famílias, eram chamados de choros ou serestas. Com o

    advento do rádio e a profissionalização, foram contratados para integrar o cast  das emissoras

    e, por ser uma formação que não necessitava de arranjos escritos, tinham “a agilidade e o

    poder de improvisação para tapar buracos e resolver qualquer parada no que se referisse ao

    acompanhamento de cantores” (CAZES, 1998: 85). O início de uma maior sistematização dos

    arranjos, apesar de ainda não serem escritos, aconteceu através de Jacob do Bandolim. A

    partir de Jacob, o nome regional é substituído por conjunto de choro. A diversificação

    instrumental e o pioneirismo de Radamés, ao escrever arranjos para um regional, leva o grupo

    de choro a um nível de elaboração quase erudita. Daí surge a Camerata Carioca e o choro

    chega definitivamente aos teatros.

    As personalidades consideradas fundamentais para o gênero são Pixinguinha, Jacob do

    Bandolim e Radamés Gnattali. Chegamos a essa conclusão pelo fato do maior espaço

    dedicado a essas personalidades nesse livro. Pixinguinha deu ao choro uma forma definida e

    nos deixou pérolas como Carinhoso e Lamento ; Jacob iniciou o resgate de choros antigos e

    fez a transição do regional para o conjunto de choro; Radamés apontou novos caminhos tanto

    formais quanto instrumentais e transformou o conjunto de choro em camerata.

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    Apesar de não ser escritor, e sem pretensão de sê-lo, Cazes escreve de maneira simples

    e objetiva, o que torna a leitura de seu livro um agradável passatempo informativo. Sua forte

    personalidade e seu conhecimento do meio “chorístico” estão caracterizados em críticas e

    opiniões apresentadas por ele. Uma delas é dirigida à falta de apoio oficial ao choro e à

    música popular em geral. Segundo o autor, com o mínimo de apoio, poderíamos tirar do gueto

    “esta porção mais chique da alma brasileira e tornar o choro uma atração tão associada ao

    Brasil quanto o Corcovado, o Pão de Açúcar e o carnaval. Algo como o  jazz  em New

    Orleans” (CAZES, 1998: 197).

    Vocabulário do choro: estudos e composições (1999) é um trabalho pioneiro do

    flautista, saxofonista, compositor e arranjador Mário Séve, integrante e fundador dos

    quintetos  Nó em Pingo d’Água e  Aquarela Carioca. A partir desse trabalho, ele tenta

    sintetizar o vocabulário do gênero choro, tendo como principal fonte a obra do mestre

    Pixinguinha.

    O trabalho se divide em duas partes. Na primeira, são apresentados estudos inspirados

    em frases musicais dos principais compositores de choro, aplicando divisões rítmicas,

    acentuações e articulações do fraseado que são típicas desse gênero. A segunda parte é uma

    suíte de cinco peças, composta pelo autor, que aborda os principais estilos executados em

    rodas de choro (choro, maxixe, valsa, samba, frevo, marcha e baião). Direcionado

    basicamente aos instrumentos solistas, Séve inicia o método com alguns aspectos teórico-

    práticos como acentuações, ornamentos, articulações, acompanhamentos e seqüências

    harmônicas.

    Um ponto desfavorável do método de Séve é a ausência de algum tipo de recurso

    auditivo. Com o avanço tecnológico e as facilidades para a gravação de um CD, é no mínimo

    estranho a ausência desse recurso, fundamental na música popular, pois, como já dizia

    Pixinguinha, no choro não se toca exatamente o que está escrito. A escrita é uma maneira de

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    facilitar o acesso à música popular, mas a escuta é fundamental para a aquisição do suingue e

    das “malandragens” que caracterizam a nossa música.

    Podemos concluir que, apesar de não ser um trabalho definitivo no campo didático,

    pois ainda há muito a ser estudado e pesquisado a respeito da linguagem ou vocabulário do

    choro, trata-se de uma grande iniciativa. Algumas outras publicações anteriores a essa

    também enriqueceram e ajudaram na formação de instrumentistas ligados à música popular,

    como  Método do bandolim brasileiro, de Afonso Machado, e Escola Moderna do

    Cavaquinho, de Henrique Cazes. Esperamos que apareçam outros trabalhos desse tipo para

    fornecer material aos interessados em ingressar no universo do choro.

    Teses relacionadas ao choro e ao violão

    A criação dos cursos de mestrado em música no Brasil incentivou a formação de

    músicos pesquisadores, que apresentam um interesse mais voltado à analise de aspectos

    musicais propriamente ditos. Por voltar-se a um público restrito, esse tipo de investigação

    encontra certas dificuldades fora do âmbito universitário, pois as nossas editoras geralmente

    estão interessadas somente em livros que tenham muita saída no mercado e proporcionem

    altos lucros. Por esse motivo, é fundamental ressaltar a importância dos incentivos dados à

    pesquisa em música por órgãos como CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento

    de Pessoal de Nível Superior) e CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

    Tecnológico).

    Inicialmente demonstraremos três dissertações elaboradas em 1995 pelos violonistas

    Graça Allan, José Paulo Becker e Márcia Taborda. A primeira trata da história do violão e as

    outras duas abordam aspectos do acompanhamento do choro no violão.

    Maria das Graças dos Reis José, em sua dissertação de mestrado intitulada Violão

    Carioca – nas ruas, nos salões, na universidade – uma trajetória (1995) , traça o caminho

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    percorrido por esse instrumento desde a chegada dos portugueses ao Brasil até os dias atuais.

    A autora também apresenta pequenas biografias dos principais nomes que contribuíram para a

    valorização e a popularidade do instrumento.

    Apesar de dedicar poucas páginas ao choro, ela afirma que “sem acesso aos salões das

    altas camadas sociais”, o violão vai encontrar nesse ambiente o lugar “propício à sua

    disseminação” (JOSÉ, 1995: 25). Ela também afirma que tocar no choro era crime previsto no

    código penal e, “ao ser detido, o violonista tinha os seus dedos da mão esquerda examinados,

    e quando a polícia constatava a verdade era ele considerado um serenatista arraigado” (JOSÉ,

    1995: 26), podendo até passar uma noite na cadeia.

    A pesquisadora dedica o segundo capítulo de sua dissertação, Tocando e ensinando

    violão, à tarefa de examinar a evolução do ensino do instrumento no Brasil, apontando nomes

    importantes na área pedagógica e na divulgação do violão. Entretanto, se restringe ao ensino

    do violão como instrumento solista, deixando de lado sua função de acompanhador.

    A dissertação de mestrado de José Paulo Becker O Acompanhamento do Violão de 6

    Cordas no Choro a Partir de sua Visão no Conjunto Época de Ouro (1995) aborda o uso do

    violão no choro mais especificamente. A dissertação é dividida em três partes. Na primeira, o

    autor traça aspectos históricos do choro e a importância atribuída ao violão nesse gênero. A

    segunda parte constitui-se de um perfil biográfico de Jacob do Bandolim, fundador do grupo

    Época de Ouro; são apontadas as contribuições desse notável instrumentista, compositor e

    pesquisador para o crescimento da música instrumental brasileira. Na terceira parte são

    analisadas transcrições de choros do repertório do grupo em questão. Essas análises têm o

    objetivo de examinar a utilização do violão no choro.

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    Destaca-se, em tal dissertação, a preocupação do autor com a falta de informação

    presente na notação empregada usualmente no registro da música popular brasileira (cifra e

    melodia), podendo a riqueza harmônica, polifônica e rítmica do acompanhamento do violão

    acabar “sobrevivendo graças à memória e talento de uns poucos músicos” (BECKER, 1995:

    v).

    Outro aspecto ressaltado por Becker é a carência de trabalhos a respeito do

    aprendizado do acompanhamento do violão no choro. Ele afirma que a principal “escola” do

    acompanhamento do choro no violão “sempre foi a roda de choro onde um músico aprende

    vendo e ouvindo o outro tocar” (BECKER, 1995: 88). Essa escola, apesar de sua riqueza, “não

    apresenta registro na forma de partitura tradicional, sendo a única referência as gravações e

    algumas partituras cifradas” (BECKER, 1995: 89).

    Uma outra contribuição importante do trabalho de Becker é a definição das funções

    atribuídas ao violão de seis cordas no conjunto de choro. Apesar de variarem de acordo com a

    instrumentação empregada, esse instrumento é, geralmente, utilizado para preencher a

    harmonia, enquanto o violão de sete realiza o contraponto melódico nas cordas mais graves

    (bordões) do violão. Esses contrapontos são mais conhecidos como “baixarias”. Entretanto, o

    violão de seis também pode realizar terças paralelas com essas baixarias e utilizar-se de

    efeitos sonoros, como glissandos e campanela (termo utilizado para denominar o efeito

    resultante de graus conjuntos realizados em duas ou mais cordas diferentes no violão). O

    violão de seis cordas também pode realizar contracantos melódico na região aguda, ou até

    mesmo dobras com a melodia, o que pode ser verificado na prática através nos violonistas

    Rogério Souza, do grupo  Nó em Pingo D’água,  e em Luís Flávio Alcofra, do  Água de

     Moringa.

    Atualmente, encontramos muitos grupos de choro com apenas um violão, por vezes o

    de seis e por vezes o de sete cordas. Nesse caso específico, o violonista deve desempenhar

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    tanto a função de acompanhador quanto a de realizar os contracantos. Por esse motivo,

    pensamos que a formação do violonista, tanto o de seis quanto o de sete cordas, deve ser a

    mais completa possível, podendo desempenhar qualquer uma das funções expostas no

    parágrafo anterior.

    Márcia Ermelinda Taborda, violonista assim como os dois autores citados

    anteriormente, desenvolveu um excelente trabalho de pesquisa sobre a vida e obra de Dino 7

    Cordas. A dissertação  Dino Sete Cordas e o acompanhamento de violão na música popular

    brasileira demonstra a evolução do estilo brasileiro de se acompanhar ao violão, apontando o

    violonista em questão como um inovador.

    No primeiro capítulo, a autora analisa a história do violão desde a pré-história até os

    dias atuais. Ela conta que, no fim do século XVIII, a música para o violão, até então escrita

    somente em tablatura (sistema de escrita musical no qual linhas paralelas representam as

    cordas e letras ou algarismos, as casas do braço do violão), passou a ser escrita no

    pentagrama. “Por essa época também o ensino do violão deixou de ser feito apenas pela

    tradição oral e passou a utilizar métodos escritos, onde os autores explicitavam o conjunto das

    técnicas preconizadas. Conseqüentemente, essas técnicas se desenvolveram de modo sem

    precedente” (TABORDA, 1995: 18).

    A história do surgimento do conjunto regional, principal formação instrumental

    relacionada ao choro, é abordada no segundo capítulo que inicia narrando a chegada do violão

    ao Brasil. Taborda aponta que, desde o surgimento do choro, era exigida um bom “ouvido”

    por parte dos acompanhadores, ou seja, “a capacidade de perceber o tom, intuir os

    encadeamentos harmônicos e acompanhá-los com o movimento dos baixos, dos acordes

    correspondentes e, eventualmente, enriquecê-los com comentários de natureza vária”

    (TABORDA, 1995: 34). A técnica de acompanhamento criada por esses músicos que tocavam

    de ouvido acabou gerando uma verdadeira escola: a escola do choro.

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    O capítulo seguinte realiza um perfil biográfico de Dino, cujo nome de batismo é

    Horondino José da Silva. O aprendizado desse músico pode ser caracterizado como não-

    formal, pois se deu quase todo por tradição oral, através do pai e dos amigos, e da imitação do

    que ouvia no rádio, seu principal modelo de acompanhamento no início. Daí vem a prática do

    aprendizado “de ouvido”, que ocorre através do desenvolvimento da percepção auditiva tanto

    para elementos melódicos e harmônicos, quanto para elementos rítmicos.

    O último capítulo realiza uma análise de acompanhamentos realizados ao violão desde

    1902, época do lançamento dos primeiros discos gravados no Brasil. A autora identifica uma

    evolução no estilo brasileiro de acompanhar ao violão. Nos primórdios, de 1902 a 1927, eram

    bastante simples, não havendo a preocupação de condução dos baixos. Nos anos 30, Tute

    inicia os procedimentos utilizados até hoje, como a inversão de acordes e colocação de frases

    com a função de conduzir a mudança de partes ou a repetição da mesma. Na época áurea do

    regional, os baixos são mais numerosos em relação ao período anterior, e a condução por

    graus conjuntos ou cromáticos passa a ser utilizada. A última fase é caracterizada pelas

    inovações propostas por Dino 7 Cordas e será exposta no parágrafo seguinte.

    Taborda divide a carreira de Dino em duas grande fases: antes e depois de seu contato

    com Pixinguinha. Na primeira, o acompanhamento segue o padrão estabelecido pelo regional,

    enquanto na segunda Dino estabelece um novo padrão de acompanhamento, transpondo as

    idéias presentes nos contracantos do sax tenor de Pixinguinha para o violão. A autora

    considera a aplicação das frases sempre em contracanto com a melodia e os padrões rítmicos

    ricos em síncopes, quiálteras e contratempos como os aspectos mais importantes desse novo

    estilo.

    Sobre a atividade didática do músico, Taborda comenta que, apesar de dar aulas

    particulares, ela se dá mesmo através de seu trabalho, considerado por ela um modelo a ser

    seguido por todos aqueles que se dedicam ao violão de sete cordas.

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    Outras teses que se relacionam ao choro são voltadas para a obra de compositores que

    se utilizaram do gênero, ajudando em sua perpetuação e modernização. Foram examinados

    três desses trabalhos, por estarem voltados diretamente ao violão. O primeiro investiga a vida

    e a obra do violonista Dilermando Reis e os outros dois, a obra violonística de Radamés

    Ganattali.

    Luciano Linhares Pires analisa a vida e obra de Dilermando Reis em sua dissertação

    de mestrado defendida na UFRJ em 1995. Segundo o autor, as composições de Dilermando

    Reis “se inserem num universo abrangente e sem limites nítidos, onde o grau de refinamento

    e, ao mesmo tempo, o apelo popular permitem uma abordagem como sendo uma arte de

    fronteiras entre o erudito e o popular”(PIRES, 1955: 15).

    A carreira de Dilermando Reis foi marcada pelo sucesso, sendo considerado um dos

    mais famosos violonistas do rádio. Nesse mesmo meio de comunicação, divulgou suas

    composições e realizou programas semanais de trinta minutos, podendo-se concluir que tinha

    muitos fãs pelo número de cartas que recebia. Dilermando também teve grande importância

    no campo pedagógico, destacando-se entre seus alunos o Bola Sete, Nicanor Teixeira, Luís

    Molina e Darci Vila Verde (PIRES, 1955).

    Além de solista, Dilermando era também um excelente acompanhador. Nessa função,

    “não se limitava a fazer acordes apenas, criando solos, como no caso do duo de violão e piano

    com José Maria de Abreu, em que tocava choros e outros gêneros variados” (PIRES, 1995:

    23). No entanto, Cazes nos conta que Dilermando, apesar de ter vivido uma época mais

    recente, faz parte do grupo de violonistas “da antiga”, pois “tocava e compunha ao estilo dos

    pioneiros do violão brasileiro (CAZES, 1998: 50).

    Falar de Radamés Gnattali é falar do músico que revolucionou a música popular

    brasileira. As teses que tratam da sua obra para violão deste grande compositor nos mostram

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    como ele soube sintetizar, com extrema competência, a vivência da música popular brasileira,

    a tradição erudita e sua influência jazzística.

    A pesquisa de Ledice Fernandes de Oliveira (1994), além de analisar a obra

    violonística de Radamés, realiza uma comparação entre uma composição do Garoto chamada

    Gracioso, o arranjo para violão e orquestra de Radamés para esta música e o Estudo X  deste

    compositor (dedicado a Garoto e inspirado em Gracioso). A autora conclui que Garoto e

    Radamés utilizam influências diversas, basicamente de origem européia e afro-americana, em

    suas composições para violão. O que os diferencia é o fato de “Garoto ter partido do choro e

    da música com maior influência negra, para depois se interessar pelo violão de escola clássica

    e pelo impressionismo de Debussy”, enquanto Radamés “primeiro se formou um pianista da

    música clássica, para depois se interessar pela técnica dos pianeiros cariocas, dos chorões, dos

    sambistas, dos jazzistas” (OLIVEIRA, 1999: 162).

    Bartolomeu Wiese Filho, na tese intitulada Radamés Ganattali e sua obra para violão 

    aborda a obra de Radamés sobre outro aspecto. Ele define elementos como timbre, pedal,

    ostinato e examina a utilização de tais elementos nas composições do maestro. Segundo suas

    conclusões, a essência das obras analisadas é indiscutivelmente popular, “porém, a forma de

    trabalhar o material musical é oriunda de sua formação erudita” (WIESE, 1995: 78).

    O pioneirismo de Radamés é exaltado em ambos trabalhos pois, além de suas

    composições, ele inovou tanto nos arranjos quanto nas formações camerísticas e orquestrais

    das quais se utilizava. Ele foi o primeiro a escrever arranjos para regionais, que geralmente

    acompanhavam de ouvido, ou seja, sem nada pré-estabelecido a não ser a tonalidade.

    Também participou do trio carioca que é considerado a mais revolucionária experiência da

    época no campo do choro com uma formação inspirada no  jazz (piano, saxofone e bateria).

    Outro grupo que fundou, o seu quinteto/sexteto, deixou grandes contribuições para o choro,

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    utilizando harmonizações não usuais e realizando mudanças na forma tradicional e no

    esquema de modulações.

    A Suíte Retratos, composta em 1956 por Radamés Gnattali, pode ser considerada um

    marco na história do choro. Para homenagear os compositores que considerava os pilares da

    música brasileira – Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha

    Gonzaga – Radamés escreveu esta suíte, em quatro movimentos (um por compositor), para

    bandolim, orquestra de cordas e regional, dedicada a Jacob do Bandolim. Essa obra e outras

    dedicadas a solistas populares podem ser consideradas “a ponte que o maestro Radamés

    Ganattali fez entre a música de concerto e a música popular” (CAZES, 1998: 123).

    Iremos analisar também algumas teses, defendidas recentemente, relacionadas

    diretamente ao choro, mas não ao violão. Serão examinados os três trabalhos mais recentes: as

    dissertações de José Maria Braga, Eliane Salek e Alexandre Caldi Magalhães. Os três são

    instrumentistas de sopro (os dois primeiros tocam flauta e o terceiro flauta, clarineta e todos

    os tipos de saxofone), o que demonstra o interesse e a importância dessa família de

    instrumentos para o choro.

    A dissertação de mestrado A arte do choro e a alma barroca: o caso de Abel Ferreira,

    de José Maria Rendeiro Corrêa Braga, traça o desenvolvimento histórico do choro e busca um

    paralelo entre essa prática musical e a música barroca. Ela se divide em três capítulos: o

    primeiro fala sobre a trajetória de Abel Ferreira e a importância da igreja e das bandas de

    música como formadora de músicos; o segundo discorre sobre a história do choro, onde dá

    enorme ênfase à música dos barbeiros, considerada pelo autor como ancestral do que viria a

    ser o choro, e sobre a alma barroca, ou seja, elementos que caracterizariam o período barroco;

    o terceiro capítulo realiza análises de músicas consideradas pertencentes ao gênero choro, ao

    nosso ver não tão satisfatórias, e tenta encontrar similaridades entre estes e a música barroca.

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    No segundo capítulo, o autor nos mostra porque o choro pode ser considerado uma

    escola e por que ele a chama de “informal”. Pode-se chamar de escola pelo fato do termo

    designar não somente o estabelecimento onde se ministram aulas de determinado assunto, mas

    também uma “determinada concepção técnica e estética de arte, seguida por muitos artistas”

    (BRAGA, 1998: 68). O termo informal também é aplicado pelo fato do procedimento adotado

    por esta escola, “no que tange à aquisição e à transmissão do conhecimento, se dá de maneira

    não sistematizada e é fruto da ação direta do músico com o seu instrumento” (BRAGA, 1998:

    68).

    Mais adiante, o autor afirma que os aspirantes a chorões iniciam-se nesse universo

    através da observação dos mestres, quando estes estão em pleno exercício de suas funções,

    seja numa roda informal ou em uma apresentação formal, e da audição de gravações destes

    mesmos mestres. Entretanto, ele vislumbra uma ligeira mudança nesse cenário, por uma maior

    necessidade de profissionalização exigida pelo mercado, e aponta a criação da Escola de

    Choro de Brasília como um dos marcos dessa mudança. Ele acredita que a formalização do

    ensino do choro não é prejudicial ao gênero.

    Há quem diga que a formalização da transmissão do conhecimento, no que diz

    respeito ao domínio técnico do instrumento, bem como do estilo, acabaria por levar o

    choro a uma involução, amarrando-o a fórmulas burocráticas de estudo e a uma

    conseqüente perda de essência. Não acredito nesse discurso. pois ao contrário, creio

    que o desenvolvimento de métodos de ensino da técnica do choro no que diz respeito

    ao estilo, baseado no material que temos, seria de grande contribuição para o

    desenvolvimento em bases mais consistentes da música do choro, o que também viria

    a contribuir para a valorização do instrumentista do gênero, um verdadeiro especialista

    (BRAGA, 1998: 79 e 80).

    Quanto às conclusões obtidas com a pesquisa, Braga afirma que Abel Ferreira é, sem

    dúvida, um expoente da escola do choro e alcançou os mais altos méritos que um

    instrumentista popular já conseguiu no Brasil. Ele confirma que a aplicação do termo escola

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    para o choro é pertinente, visto que, ao longo da história, os músicos desse gênero

    desenvolveram particularidades de execução que vem sendo transmitidas de maneira

    informal. Sua sobrevivência pode ser atribuída a esse fato e, “mesmo com todas as influências

    sofridas ao longo de todos estes anos, o choro mantém sua essência” (BRAGA, 1998: 110).

    Eliane Corrêa Salek, em sua dissertação  A flexibilidade rítmico-melódica do choro,

    objetiva o levantamento das principais características estilísticas, padrões rítmico melódicos e

    recursos interpretativos, que seriam os desvios desse padrão utilizado pelo solista. Ela acredita

    que essa sistematização pode oferecer subsídios, informações e sugestões musicais para que

    um intérprete que deseja se aplicar na arte do choro consiga a ginga, a qual denomina

    “molho”, necessária para esse tipo de execução.

    Segundo a autora, a partitura serve ao intérprete do choro como um “esqueleto”, pois é

    insuficiente para retratar nuances interpretativas. A flexibilidade rítmico-melódica utilizada

    pelos intérpretes é fruto de sua vivência musical com o choro, através de rodas ou gravações.

    Apesar disso, a autora acredita que existe a necessidade de discutir o papel da notação

    musical, o que o faz na primeira parte do primeiro capítulo.

    Na segunda parte, Salek discorre sobre improvisação. Ela faz distinção entre os termos

    improvisação, variação e ornamentação, pois o primeiro engloba vários procedimentos,

    podendo ter caráter melódico, harmônico e rítmico; o segundo está relacionado mais

    intrinsecamente ao tema e pode designar também uma forma musical; e o terceiro refere-se à

    técnica de enfeitar uma melodia (eg.: mordentes, appoggiaturas, tremolo, etc.). No choro,

    encontramos a utilização da variação e ornamentação melódica em maior número, sendo a

    improvisação utilizada por somente alguns intérpretes.

    No terceiro capítulo, a autora relata brevemente a história do nascimento do choro,

    destacando o papel de Joaquim Antonio Callado e Alfredo Vianna Filho, o Pixinguinha. A

    Callado é atribuída a paternidade do estilo de tocar choro e a Pixinguinha, o apogeu da

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    performance e composição no choro, podendo este ser considerado um monumento da música

    popular brasileira.

    Salek conclui, através da análise de alguns clássicos do choro realizada no terceiro

    capítulo, que podemos localizar os padrões rítmicos-melódicos, encontrados na pesquisa

    através da análise de partituras e transcrições de interpretações, em todo o repertório ao qual o

    gênero choro é atribuído.

    O principal padrão rítmico encontrado, presentes em todos os choros analisados, é a

    síncope semicolcheia-colcheia-semicolcheia. Em torno desse desenho, são realizadas

    modificações diversas que sempre retornam ao desenho padrão, ou seja, busca-se a diluição

    deste para em seguida reforçar sua expressividade. A diluição é provocada pela irregularidade

    e flexibilidade rítmica. Quanto ao aspecto melódico, a autora aponta a dolência de certas

    melodias, obtidas através do uso de glissando, vibrato,  frullato e tremolo, e a inquietação de

    outras, com rapidíssimos saltos oitavados e a utilização de ornamento. Outros elementos

    seriam a duplicação de notas, o salto melódico de terça, as frases descendentes (geralmente

    por graus conjuntos), a repetição de pequenas células, a imitação contrapontística, entre

    outros. A autora ressalta ainda o conhecimento da harmonia para melhor realização de

    variações da melodia.

    1sses padr9es são const:ncia na interpretação do choro e a diversidade reside na maneira com 7ue

    cada intérprete !ará uso deles en7uanto ;enedito 2acerda" 3ltamiro )arrilho e

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    Pixinguinha, como já foi dito anteriormente, é considerado um marco na história do

    choro e um monumento da música popular brasileira. Alexandre Caldi Magalhães, em sua

    dissertação Contracantos de Pixinguinha: contribuições históricas e analíticas para a

    caracterização do estilo, aponta outra característica do mestre, o "espírito solista". Essa

    característica pode ser comprovada através da audição de suas gravações com Benedito

    Lacerda, "em que Pixinguinha desenvolveu contracantos que em determinados momentos

    verdadeiramente duelavam com a melodia principal" (MAGALHÃES, 2000).

    O objetivo principal da pesquisa em questão foi a caracterização do estilo dos

    contracantos de Pixinguinha através de uma abordagem histórica e analítica, pela qual ele

    acredita que também colaborou para um entendimento mais profundo da evolução da

    estruturação do choro e da música popular brasileira. Essa caracterização foi feita a partir de

    quatro músicas – Segura ele, Sofres por que queres, Proezas de Solon e 1x0 – presentes nas

    gravações realizadas entre 1946 e 1950 por Pixinguinha e Benedito Lacerda, nas quais este

    era o solista à flauta e aquele realizava os contracantos ao sax tenor. Os músicos responsáveis

    pelo acompanhamento eram Canhoto, no cavaquinho, e Dino e Meira, ambos em violões de

    seis cordas.

    Para melhor entendimento do estilo de contracanto de Pixinguinha e uma melhor

    caracterização de seu "espírito solista", o autor faz um série de comparações entre os quatro

    contracantos das músicas citadas e outros contracantos. A primeira das comparações é entre

    Pixinguinha e Irineu de Almeida, tocador de oficleide, que foi seu professor. A segunda se faz

    entre o Pixinguinha  permormer   e o Pixinguinha arranjador. A terceira se dá entre o

    Pixinguinha saxofonista e o Pixinguinha flautista. Através da primeira, concluiu-se que foi

    grande a influência do professor Irineu de Almeida, mas os contracantos destes eram menos

    movimentados que os de Pixinguinha. Na segunda, percebeu-se que as preocupações do

    mestre eram diferentes na função de arranjador, na qual procurava explorar mais os recursos

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    timbrísticos e harmônicos. Finalmente, na terceira comparação, pôde-se concluir que "a

    linguagem que o músico desenvolveu no saxofone foi uma adaptação do que já realizava na

    flauta, trazido do extremo agudo para o extremo grave" (MAGALHÃES, 2000: 92).

    No segundo capítulo, Magalhães analisa a prática da improvisação e da realização de

    contracantos no choro. Ele acredita que a partitura do choro deve ser encarada como uma obra

    aberta, ou seja, "uma sugestão para que os chorões realizem suas próprias versões daquela

    obra no momento da performance" (MAGALHÃES, 2000, 25). Em se tratando de uma

    música conhecida, os chorões já têm o conhecimento do que autor denomina a "espinha

    dorsal" da peça, definida pela forma, a harmonia, a levada, as "obrigações" e, às vezes, o

    andamento. Muitas vezes, as contribuições improvisadas que ocorrem na execução de um

    choro se firmam como parte integrante deste ou como elementos a serem usados em outras

    músicas.

    Magalhães aponta que "os tipos de improviso realizados por um solista costumam

    diferir daqueles feitos por quem toca os instrumentos acompanhadores, e mesmo entre estes

    as improvisações também se desenvolvem por meios distintos" (MAGALHÃES, 2000, 30).

    No caso dos instrumentos harmônicos, uma prática fundamental seria a de acompanhar "de

    ouvido" (grifo do autor), que exige percepção aguçada e perícia técnica combinadas entre si.

    No caso do violão, o autor aponta que na execução do de seis cordas predominam aspectos

    rítmicos e harmônicos, enquanto no de sete cordas encontramos aspectos melódicos

    contrapontísticos como sua principal contribuição. Entretanto, como já foi dito anteriormente,

    tanto o violonista de seis quanto o de sete devem ser capazes de realizar uma boa condução

    harmônica e uma boa baixaria, pois exige-se uma formação cada vez mais completa do

    músico nos tempos atuais.

    Por fim, analisaremos a tese de doutorado de Marcelo Verzoni intitulada Os

    Primórdios do “choro” no Rio de Janeiro, que levanta questões relativas às primeiras

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    manifestações do choro, considerando o flautista Joaquim Callado e os pianistas Ernesto

    Nazareth e Chiquinha Gonzaga como os principais compositores representantes do objeto de

    estudo.

    Após uma breve discussão acerca do choro carioca, apresentada no primeiro capítulo,

    e acerca do que é gênero e o que é estilo, apresentada no segundo capítulo, o autor analisa a

    vida e a obra dos três compositores citados anteriormente. Ele aponta que Callado será sempre

    lembrado por sua atuação no conjunto Choro carioca e é considerado como uma espécie de

    patriarca do “choro” (palavra que aparece sempre entre aspas), o que não é retificado pelo

    autor. Entretanto, atenta para a necessidade de pesquisas a respeito de sua vida e obra.

    Quanto a Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, Verzoni faz uma comparação entre

    a vida de ambos para descobrir porque, mesmo tendo vivido em uma mesma época, não existe

    registro de nenhum contato pessoal entre eles e ainda assim sempre são citados lado a lado, “o

    que nos leva a crer que sejam compreendidos como pertencentes a uma mesma estética”

    (VERZONI, 2000: 57).

    Ao final da comparação da vida desses dois compositores, o autor conclui que a

    diferença de mentalidade e de personalidade talvez tenha contribuído para que nunca

    houvessem se encontrado. Chiquinha Gonzaga era uma lutadora destemida, ousada e corajosa.

    Batalhou pela igualdade dos direitos entre homens e mulheres, pela música brasileira e pelos

    direitos autorais, tendo sido uma das fundadoras da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais

    (SBAT). Em contrapartida, Ernesto Nazareth jamais desafiou padrões. Segundo o autor,

    desejava apenas tornar-se um pianista virtuose e, para tal , sonhou em estudar na Europa. A

    não realização desse sonho teria lhe causado tremenda frustração.

    Através de análises muito bem elaboradas, Verzoni conclui que nenhum dos três

    compositores abordados teriam chamado qualquer de suas obras de “choros” em algum

    momento do século XIX, período em que se concentra a maior parte de suas obras. Esse

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    hábito parece ter começado a se difundir mais tarde, provavelmente em meados da década de

    1910 e, “mesmo assim, encontramos indícios de que não tenha contado com o apoio de

    Francisca Gonzaga e Ernesto Nazareth (que viveram até a década de 1930), a quem essa nova

    moda teria desagradado”, afirma o autor (VERZONI, 2000: 122). Segundo ele, a adoção desse

    termo substitui paulatinamente os gêneros “polca”, “habanera” e “tango” (grifos do autor).

    Entretanto, as peças dos autores escolhidos para figurar em sua tese não devem ser tratadas

    como “choros”, mas sim com suas designações originais.

    Teses relacionadas à educação na música popular

    A educação na música instrumental se apresenta muito carente de estudos. Os

    trabalhos disponíveis geralmente são voltadas para a iniciação musical e abrangem assuntos

    genéricos, não se aprofundando nas dificuldades específicas de um estilo ou de um

    instrumento, principalmente quando se trata do violão. Entretanto, podemos prever uma

    mudança nesse panorama.

    A educação através da música popular brasileira só começa a receber maior atenção a

    partir de pesquisas recentes, como a dissertação de mestrado de Rachel Tupinambá, realizada

    no Conservatório Brasileiro de Música, que tem como título Educação musical e enação: uma

     perspectiva autopoiética do processo de ensino-aprendizagem da música popular , defendida

    em 1998. Essa dissertação investiga a hipótese de que exista um processo de enação (processo

    autônomo, onde a sala de aula geraria seu próprio sistema de ensino, sem influência de forças

    externas)  no ensino da música popular no Conservatório Estadual de Música Lorenzo

    Fernandez, em Montes Claros – Minas Gerais. A pesquisadora chega à conclusão de que

    existe um sistema de ensino tríplice, baseado nas três atividades realizadas pela instituição: as

    aulas “semi-individuais”, baseadas no ensino tradicional; o festival de alunos, mais voltado

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    para o ensino criativo; e os grupos de violões, onde estaria germinando o processo do ensino

    enativo.

    Encontramos outras duas dissertações aliando a música popular ao ensino de um

    instrumento, sendo estes a flauta e o piano, ambos com participação significativa no

    surgimento e desenvolvimento do choro. Na primeira, o autor se utiliza da música de

    Pixinguinha, enquanto na segunda, o compositor escolhido foi Ernesto Nazareth.

    José Benedito Vianna Gomes, em sua dissertação intitulada Pixinguinha – Choro,

     presença e aplicabilidade no estudo da flauta transversal no Brasil, tem como objetivo

    demonstrar que os choros compostos por Pixinguinha podem contribuir para o processo de

    ensino-aprendizagem dos flautistas, até mesmo para os que se dedicam à música erudita, pois

    para tocar certos autores, como Radamés Gnattali e Heitor Villa-Lobos, é necessário o

    conhecimento do “estilo brasileiro de se tocar flauta”, que o autor admite existir.

    A pesquisa se divide em três capítulos: no primeiro, o autor apresenta uma breve

    história do choro; o segundo é dedicado a aspectos biográficos do mestre Pixinguinha; no

    terceiro, o autor aponta alguns caracteres dos choros de Pixinguinha que podem ser aplicados

    ao ensino da flauta, tais como ornamentação, articulação, “ginga”, entre outros.

    Baseado em pesquisas e entrevistas, o autor conclui que existe um “jeito brasileiro de

    se tocar flauta” e que este pode ser adquirido através do estudo dos choros de Pixinguinha.

    Entretanto, a flautista Odette Ernest Dias, uma das entrevistadas para a tese em questão, faz

    uma ressalva, pois afirma que é essencial “viver a reunião do choro” (GOMES, 1997: 72).

    A dissertação A obra pianística de Ernesto Nazareth - uma aplicação didática, de Sara

    Cohen, propõe a utilização da produção musical do compositor em questão como recurso

    didático para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da técnica pianística. A pesquisa se divide

    em quatro capítulos: no primeiro, é apresentado o problema a ser investigado; no segundo, a

    autora apresenta uma extensa fundamentação teórica, subdividida em revisão da musicografia

  • 8/21/2019 CHAVES, Carlos Antonio Gomes Da Costa. Análise Dos Processos de Ensino-Aprendizagem Do Acompanhamento D…

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    (características da obra de Nazareth e do repertório utilizado para o ensino-aprendizagem do

    piano) e revisão da literatura (aspectos sobre a vida e obra de Nazareth e sobre o ensino-

    aprendizagem do piano); no terceiro, encontra-se a metodologia empregada; no quarto, Cohen

    realiza a análise dos resultados obtidos; para finalizar, no quinto capítulo, ela aponta as

    conclusões e recomendações sobre como utilizar o material obtido com a pesquisa.

    No capítulo destinado ao referencial teórico, encontramos uma interessante discussão

    a cerca de técnica instrumental. Cohen aponta dois autores, Willems (1963) e Matthay (1982),

    que acreditam que a técnica existe para servir a necessidades musicais de um instrumentista.

    O primeiro afirma que quando um músico crê que a musicalidade depende da técnica “é o

    resultado de uma falsa educação”, onde se trabalha a técnica “esquecendo-se de realizar uma

    conexão vital entre ela e a música” (cit. COHEN, 1988: 46). O segundo acredita