Chemin 2009 Educação Para Pelo Lz

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  • A educao para e pelo lazer... 165

    Educao, Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 165-175, maio/ago. 2009

    texto

    A educao para e pelo lazer no mbito municipal

    The education for and through leasure in the municipal ambit

    Beatris Francisca chemin

    RESUMO A CF/1988 incluiu vrios direitos sociais, dentre eles a educao e o lazer, alm de destacar que o Municpio, dentro da distribuio constitucional de competncias baseada na predominncia do interesse, responsvel pelo atendimento das aspiraes locais e cotidianas dos muncipes, dentre as quais se inserem o lazer e a educao. Assim, o artigo expe a criao dos direitos sociais, destacando o lazer e a educao, detalha a pedagogia da animao e salienta a preparao que a escola pode fazer com relao ao tempo de lazer. Analisa, por fim, a importncia da efetivao de polticas pblicas municipais para e pelo lazer, ou seja, compreende o lazer como instrumento e como objeto de educao, com vistas melhoria da qualidade de vida dos cidados e ao maior desenvolvimento pessoal e social, principalmente de crianas e jovens das comunidades do Municpio.Descritores Lazer; educao; polticas pblicas municipais; educao para e pelo lazer.

    ABSTRACT The Federal Constitution of 1988 includes several social rights, among of which are education and leasure. Besides that, each Municipality, within the constitutional distribution of competences based on prevailing interest, is responsible for attending local and daily aspirations of its dwelers, including leasure and education. So, the article comments on providing social rights, highlighting leasure and education. It also presents details of the recreation pedagogy and points out the preparation that schools can undertake in relation to leasure time. Finally, it analyses the importance of carrying out public municipal policies for and through leasure, that is, it considers leasure an instrument and an object of education, aiming at promoting the citizens better quality of life and enhanced personal and social development, mainly of children and young people within the comunities of the Municipality.Key words Leasure; education; public municipal policies; education for and through leasure.

    Introduo

    O presente artigo procura demonstrar que, com base na Constituio Federal de 1988 (CF/1988), o direito social ao lazer e educao, como direitos de todos, responsabilidade do Municpio dentro de sua funo social como entidade titular de competncias prprias destinadas satisfao dos interesses locais dos muncipes de promover polticas pblicas educacionais utilizando o lazer como objeto e como instrumento de educao, ou seja, a educao para e pelo lazer.

    Primeiramente, destaca-se breve histrico da criao dos direitos sociais, falando-se do lazer e da educao

    como direitos sociais constitucionais. Aps, identifica-se o compromisso social dos Municpios na efetivao desses direitos, inclusive tratando da preparao para o lazer pela escola, e no s para o trabalho. Tambm se analisa a pedagogia da animao como reconstruo de sentidos relacionados escola e ao lazer, alm de discutir os desafios da educao com relao s novas tecnologias, para, ao final, expor qual a importncia e de que forma possvel trabalhar para a efetivao de polticas pblicas municipais educacionais para e pelo lazer na busca da melhor qualidade de vida dos muncipes e do desenvolvimento de responsabilidade pessoal e social, comeando com crianas e jovens.

    * Professora do Curso de Direito do Centro Universitrio Univates, Lajeado/RS; especialista em Letras e em Direito Civil; mestre em Direito; advogada; autora dos livros Constituio e Lazer: uma perspectiva do tempo livre na vida do (trabalhador) brasileiro (2002) e Polticas pblicas de lazer: o papel dos municpios na sua implementao (2007), pela Editora Juru; coordenadora da pesquisa O municpio e seu papel constitucional na implementao de polticas pblicas voltadas de lazer: o caso de Lajeado/RS, financiada pela Univates, de maro/06 a fevereiro/07, que serviu de referncia para o presente artigo e que contou com a colaborao da bolsista de iniciao cientfica Alessandra Fernandes Hendler. E-mail: [email protected]

    Artigo recebido em: dezembro/2007. Aprovado em: julho/2008.

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    dIreItos socIaIs constItucIonaIs

    Especialmente na Europa ocidental, com o processo de industrializao, d-se alterao substancial no modo de vida das pessoas, havendo um conseqente processo de urbanizao, como reflexo da concentrao do trabalho e da unificao da produo nas fbricas. Tanto assim, que no sculo XVIII comea a florescer a construo de um pensamento ligado no mais apenas ao indivduo isolado, mas tambm ao grupo social no qual ele se insere. O direito social criao desses tempos modernos.

    Na poca da Revoluo Industrial inglesa, desenrolava-se a teoria liberal centralizada nos valores do individualismo. Contudo, principalmente no final do sculo XIX e comeo do XX, com as crises vividas por este modelo liberal com a Primeira Grande Guerra e o esfacelamento de economias europias e com a disseminao de doutrinas socialistas, comea a sustentar-se a idia de comunidade, de um direito social: um dos efeitos mais concretos desta realidade a irrupo de movimentos revolucionrios e constitucionais, acompanhados de uma declarao de direitos tratando da matria afeta aos direitos humanos, ou a uma espcie deles, denominados de sociais (LEAL, 1997, p. 63).

    Assim, sabe-se que, no mundo ocidental, as ordens social e econmica adquiriram dimenso jurdica com a Constituio do Mxico de 1917. No Brasil, a primeira Constituio a registrar um ttulo sobre a ordem econmica e social foi a de 1934, sob a influncia da Constituio alem de Weimar, de 1919 (que inseriu os direitos sociais, contemplando o direito do cidado ao emprego, educao e proteo contra os riscos da sociedade industrial), o que se seguiu nas cartas posteriores.

    Aqui, a industrializao iniciou no final do sculo XIX e comeo do XX. Sem entrar em considerao relativamente ao comprometimento das horas livres dirias, principalmente nos grandes centros urbanos, na opinio de Requixa (1977, p. 29) o trabalhador foi dispondo para si prprio de um tempo livre: importante, pois o tempo livre a condio sine qua non para a existncia do lazer.

    O pas respondeu com alguma legislao pertinente questo social que aflorava em funo da industrializao e das novas formas de relacionamento entre patres e empregados, cujos vnculos passaram de paternalistas a formas mais impessoalizadas e racionalizadas. Durante o governo de Getlio Vargas, de acordo com Camargo (1999), vrias medidas em benefcio dos trabalhadores foram institudas: salrio mnimo, regulamentao das frias, aposentadoria, semana de trabalho de 48 horas, descanso semanal remunerado, cujo conjunto destas medidas e outras fizeram parte da Consolidao das Leis do Trabalho CLT, de 1943, ainda em vigor, com

    alteraes. A Emenda Constitucional n 1, de 1969, trouxe direitos como repouso semanal remunerado e nos feriados civis e religiosos, frias anuais remuneradas, descanso remunerado da gestante, colnias de frias e clnicas de repouso, recuperao e convalescena, mantidas pela Unio.

    J a CF/1988 reforou a jornada diria de oito horas, reduziu a jornada semanal de 48 para 44 horas e ampliou a remunerao das frias anuais com, pelo menos, um tero a mais do que o salrio normal. Alm disso, no Captulo II, art. 6, foram colocados expressamente como direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados.

    Portanto, direitos sociais so prestaes positivas proporcionadas de forma direta ou indiretamente pelo Estado, inscritas em normas constitucionais, com a finalidade de possibilitar melhores condies de vida aos mais fracos, ou seja, direitos que pretendem a realizao da igualizao de situaes sociais desiguais (SILVA, 2005), e o lazer e a educao so dois desses direitos.

    Lazer e educao: dIreItos socIaIs constItucIonaIs

    Direito ao lazer

    apenas no sculo XX que as cincias sociais passaram a analisar mais sistematicamente o tempo livre, tentando explicar at onde vo e como so as suas relaes com o trabalho e o lazer. Entretanto, j a partir da sociedade industrial, e com fora extraordinria na ps-industrial, o tempo livre outrora conhecido como cio, tempo de contemplao, de criao, de prazer teve modificada sua abordagem, aparecendo sob a forma de lazer, considerado por muitos autores como produto do trabalho, expandido pela sociedade de consumo.

    No Brasil, especialmente com a CF/1988, que o lazer comeou a ser discutido mais intensamente, j que ela o trouxe, como j dito, no seu art. 6, como direito social, ao lado de outros, por exemplo, como a sade, a educao.

    Contudo, h outros artigos do mesmo diploma legal que inferem importncia direta ou indireta a esse direito: o prembulo constitucional, que uma espcie de proclamao de princpios dos artigos que seguem; o art. 1, III, que trata da dignidade humana, ou seja, para atingi-la tambm necessrio que a vida tenha lazer; o art. 7, IV, que refere o salrio mnimo, que seja capaz de atender a necessidades bsicas do trabalhador e as de sua famlia, com moradia, alimentao, educao, sade, lazer, vesturio, higiene, transporte e previdncia social; o art. 170, que fala da ordem econmica fundada na valorizao do trabalho para assegurar existncia digna; o

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    art. 182, que trata da poltica de desenvolvimento urbano para garantir o bem-estar dos habitantes; o art. 217, 3, em que o Poder Pblico incentivar o lazer como forma de promoo social; o art. 225, que fala do direito ao meio ambiente equilibrado, essencial qualidade de vida; o art. 227, em que dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescentes, diversos direitos, entre eles, o direito educao, ao lazer, cultura, dignidade, dentre outros.

    Para compreender melhor a importncia do lazer e sua relao com a vida quotidiana das pessoas, necessrio trazer alguns dos seus conceitos, dentre os diversos que circulam pela doutrina da rea, o que se faz a seguir.

    Os conceitos de lazer que transitam pelo Brasil, em razo da sua subjetividade, no apresentam uniformidade. Mesmo assim, no levantamento procedido por Marcellino (2000, p. 28-29), podem-se distinguir duas grandes linhas: aquela que destaca o aspecto atitude, considerando o lazer como um estilo de vida, portanto independente de um tempo determinado, e a que privilegia o aspecto tempo, situando-o como liberado do trabalho, ou como tempo livre, no s do trabalho, mas de outras obrigaes familiares, sociais, religiosas.

    Entretanto, a preferncia conceitual desse autor por aquela que entende o lazer como a cultura compreendida no seu sentido mais amplo vivenciada (praticada ou fruda) no tempo disponvel (MARCELLINO, 2000, p. 31), destacando na definio o carter desinteressado da vivncia: no se busca, pelo menos fundamentalmente, outra recompensa alm da satisfao provocada pela situao. A disponibilidade de tempo significa possibilidade de opo pela atividade prtica ou contemplativa (p. 31). Para o estudioso, ainda, a atividade ou a contemplao so opes do tempo disponvel, supondo, dessa forma, o tempo das obrigaes, incluindo dentre elas, o tempo do traba- lho (p. 32).

    O lazer um campo de atividade em estreita relao com as demais reas de atuao humana, conforme o autor, sendo necessrio que se considerem as insatisfaes, as presses, os processos de alienao que ocorrem em quaisquer dessas reas. Dessa forma, a um trabalho empobrecedor est ligado um lazer tambm empobrecedor e vice-versa. O sentido da vida no pode ser buscado [...] apenas num fim-de-semana, ou numa viagem, embora essas ocasies possam ser consideradas como possibilidade de felicidade e formas de resistncia para o dia-a-dia (MARCELLINO, 1996, p. 15).

    Contudo, h divergncias no s quanto s atividades ou sentidos correspondentes a lazer sendo associado popularmente, alm de a tempo livre do trabalho, a estilo de vida, a atividades recreativas e culturais, a eventos de massa, ou, ainda, segundo tendncia reforada pelos

    meios de comunicao de massa, a atividades como teatro, cinema, exposies, esportes, ou a manifestaes ao ar livre e de contedo recreativo mas tambm quanto utilizao da prpria palavra.

    Camargo (1999, p. 10) menciona vrias atividades humanas que apresentam propriedades semelhantes, que permitem reuni-las sob a denominao de lazer: a) a escolha pessoal, sendo ele uma atividade voluntria, ou seja, h um grau de liberdade nas escolhas dentro do lazer maior que nas escolhas que se faz no trabalho, no ritual familiar, na vida sociorreligiosa ou sociopoltica; b) o princpio da busca do prazer, do hedonismo; c) a liberao de obrigaes, que procura substituir ou compensar algum esforo que o dia-a-dia na sociedade exige; d) a compensao, no sentido de liberao da fadiga e de reposio das energias para o/um trabalho posterior; e) o lazer no inteiramente gratuito, desinteressado, j que a ao obedece a algum interesse, claro ou oculto. Ele pode ser considerado mais gratuito quando comparado ao ato da rotina profissional, quando o trabalhador, por exemplo, tem em vista a remunerao. Mesmo assim, um tempo em que se pode exercitar mais o fazer-por-fazer, sem que necessariamente haja um ganho financeiro em vista ou um preo srio a pagar (p. 11-12).

    O lazer seria, ento, um fenmeno da esfera da cultura, uma vez que responsvel pela potencializao da rede de sociabilidade, em que grupos se organizam ampliando a rede de troca e sociabilidade e enriquecendo a experincia pessoal e coletiva (MATOS, 2001, p. 123).

    Dentro dessas idias, o conceito de lazer que se defende como o mais adequado aquele que o identifica como a cultura, em sentido amplo, vivenciada no tempo disponvel, em que o marco definidor a liberdade dessa vivncia, e a educao tem ligao direta com lazer e vice-versa.

    Direito Educao

    A CF/1988 deu relevante importncia cultura, tomado esse termo em sentido abrangente da formao do povo, buscando o desenvolvimento da pessoa e sua dignidade. Assim, disps, no art. 6, a educao como um direito social, elevando-a categoria de servio pblico essencial que o Poder Pblico deve possibilitar a todos e, no Ttulo VIII, Captulo III, trata da educao, da cultura e do desporto, sendo que no art. 205 menciona que a educao direito de todos e dever do Estado e da famlia, e no art. 206 fala dos seus princpios norteadores, alm de haver outros artigos afins.

    A educao informada pelo princpio da uni- versalidade, eis que direito de todos, sendo dever do Estado e da famlia prest-lo:

    [...] em primeiro lugar, o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os servios educacionais,

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    isto , oferecer ensino, de acordo com os princpios estatudos na Constituio (art. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituio, sobre educao e ensino, ho que ser interpretas em funo daquela declarao e no sentido de sua plena e efetiva realizao (SILVA, 2005, p. 313).

    A educao pode ser entendida como um processo de transformao graas ao qual o homem se desenvolveu, informando-se e reformando-se; informando e reformando os outros e o meio em que vive; uma maneira de viver a vida, de dar-lhe uma forma, de se expressar no mundo a presena que se deseja (ROLIM, 1989, p.18).

    Portanto, educao um processo de duas mos: interno e externo do indivduo:

    Educao o processo que se inicia na relao entre dois sujeitos que se respeitam e no permitem se coisificarem. Um deles presena, vinda do exterior, que desperta o outro para suas potencialidades latentes. Despertado, ele as assume e as orienta, segundo sua livre escolha, de forma construtiva, que se revela no exterior atravs de sua ao e comportamento (ROLIM, 1989, p. 20).

    Benevides (1998, p. 157) acredita que educao seja a formao do ser humano para desenvolver suas potencialidades de conhecimento, julgamento e escolha para viver conscientemente em sociedade.

    De outra parte, a escola um ambiente de construo social de ligao direta com a educao:

    [A escola] constri o seu projeto para ser vivenciado por todos os que nela esto envolvidos, e, indiretamente, queles que no esto com ela envolvidos, pois as experincias ali vivenciadas sero transferidas para os demais ambientes e situaes em que cada sujeito se encontrar. Ao optarmos por um projeto de escola optamos por um projeto no apenas escolar, mas por um projeto sociopoltico-pedaggico, pois a es- cola um dos ambientes sociais [...] (LORENZONI, 1999, p. 36).

    Entretanto, por vezes, a escola acaba esquecendo a autoformao das crianas e jovens proporcionada pelo lazer e, assim, desconsidera os processos educativos promovidos no tempo livre escola, ou seja, grande parte do tempo livre das crianas ocupado com televiso, computador, leitura de revistas em quadrados, sendo que so muito poucos os educadores que se lanam na tarefa de motivar atitudes que possibilitem o real aproveitamento dessas prticas (MARCELLINO, 2000, p. 121).

    Dessa forma, a escola nem sempre oferece opor- tunidades para os alunos poderem entender e usufruir de um lazer mais prazeroso e produtivo, e a poderia entrar o duplo aspecto da educao pelo/para o lazer: o lazer como instrumento, como veculo de educao, e o lazer

    como objeto da educao, e o Municpio, por meio de sua funo social, tem compromisso com a implementao de polticas de melhoria nessa rea.

    o munIcpIo e sua funo socIaL

    O Municpio uma entidade autnoma, que possui competncias prprias que implicam obrigaes e funes especficas, devendo sua administrao buscar desenvolver suas funes sociais e trabalhar pelo bem-estar de seus habitantes:

    o municpio uma criao jurdica, que se assenta num princpio de direito natural. Base da organizao poltica e administrativa do Pas, , entretanto, a menor unidade territorial da Federao. Sua origem, mais de ordem sociolgica que poltica, advm do esprito associativo do homem e de suas relaes de vizinhana. Os cls sedentrios definiram os primeiros aglomerados com base territorial, que se estendia at os limites da caa e da pesca e, mais tarde, das pastagens para os rebanhos. Das relaes de vizinhana com outros cls, adveio o sentido dinmico dos limites territoriais, nascendo da o municpio futuro (BRAZ, 1996, p. 27).

    A CF/1988 estabelece, em seu art. 1, que a Repblica Federativa do Brasil formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios, sendo o princpio federativo um dos seus princpios fundamentais. Desta maneira, deflagrou-se um processo de descentralizao administrativa, o qual, partilhando as competncias, aumentou o poder de atuao dos Municpios. Para Castro (2001, p. 50), a descentralizao busca um novo equilbrio entre os entes federativos (Unio e Estados), [...] pois h intensa imbricao das relaes entre as coletividades locais (os Municpios), depois entre os Municpios e o prprio Estado descentralizado, visando execuo das polticas pblicas.

    Assim, para Silva (2005, p. 478), a Carta Magna, ao repartir as competncias baseou-se no princpio da predo- minncia do interesse, segundo o qual Unio cabero aquelas matrias e questes de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocaro as matrias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municpios concernem os assuntos de interesse local.

    Acrescente-se que o interesse local do Municpio est relacionado com quem o principal interessado, o cidado:

    O interesse local traduz-se em todos os assuntos do Municpio, mesmo em que ele no fosse o nico inte- ressado, desde que seja o principal. a sua predo- minncia; tudo que repercute direta e imediatamente na vida municipal de interesse local, segundo o dogma constitucional [...] (CASTRO, 2001, p. 55).

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    Ressalta-se que a Administrao Pblica, em todas as suas esferas, deve consagrar o princpio da dignidade da pessoa humana como diretriz para todos os seus atos, pois a CF/1988, ao estabelecer a separao dos Poderes e a distribuio de competncias entre os entes pblicos, proporcionou maior importncia ao Poder Executivo e Administrao Pblica como efetivadores de uma ordem social justa. Assim, dignidade da pessoa humana pode ser conceituada desta forma:

    [...] um valor espiritual e moral inerente pessoa humana, que se manifesta singularmente na autodeterminao consciente e responsvel da prpria vida e que traz consigo a pretenso ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mnimo invulnervel que todo estatuto jurdico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitaes ao exerccio dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessria estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAES, 2003, p. 128-129).

    Nesse sentido, o Municpio, como ente estatal, tem o dever de garantir, atravs de atividades administrativas, a efetividade dos direitos fundamentais de sua competncia, entre eles o direito social ao lazer e educao.

    Com base nas disposies constitucionais, verifica-se a aplicabilidade imediata do direito educao, por exemplo, eis que a CF/1988 considerou o acesso ao ensino fundamental, obrigatrio e gratuito, um direito pblico subjetivo plenamente eficaz, o qual, se no for prestado espontaneamente, pode ser judicialmente exigido.

    Inclusive, ressalta-se o papel do Municpio, o qual, conforme arts. 30, VI,1 e 211, 2, CF/1988, tem o dever de manter, com a cooperao tcnica da Unio e do Estado, programas de educao pr-escolar e de ensino fundamental. Referente a este papel municipal, Abreu (2001, p.135) afirma que na oferta do ensino fundamental, Estados e Municpios devem estabelecer formas de colaborao por meio da diviso proporcional de encargos, com base em dois critrios: populao a ser entendida e recursos disponveis em cada governo, os quais, quando bem administrados, leva efetivao de princpios valiosos:

    A consecuo prtica dos objetivos da Constituio s se realizar num sistema educacional democrtico, em que a organizao da educao formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princpios com eles coerentes, que, realmente, foram acolhidos pela Constituio, como so: igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idias e de concepes pedaggicas, e coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais, [...] (SILVA, 2005, p. 838).

    A partir desse raciocnio, a escola, como espao de educao, tem grande importncia, por isso deve ser encarada como um local especial e significativo para a formao e informao dos estudantes, para favorec-los nas questes sociais do cotidiano, inclusive na compreenso e (re)conhecimento da importncia do lazer na sua vida e na de seus semelhantes, decorrente de influncia direta de polticas pblicas municipais.

    a escoLa e a preparao para o Lazer

    A CF/1988, em seu art. 205, prev que a educao direito de todos e dever do Estado e da famlia, que ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho. Assim, a famlia e a escola representam o espao onde se criam condies para promover, de maneira organizada, as aquisies consideradas fundamentais para o normal desenvolvimento principalmente das crianas e dos jovens, e nisso tambm entra a preparao para o tempo de lazer.

    De Masi (2000, p. 132) refere que muitos sabem trabalhar, mas no sabem administrar o tempo livre, aqui entendido como aquele que sobra do tempo do trabalho e aquele que sobra pela falta de trabalho: o tempo livre difcil de ser administrado porque ainda no existe um modelo de vida e de sociedade que se baseie no tempo livre. Todos os modelos ocidentais de vida e de sociedade baseiam-se no tempo de trabalho. Continua o autor italiano dizendo que para um novo modelo de vida baseado no lazer [...] necessrio redistribuir o trabalho, a riqueza, o poder e, sobretudo, redistribuir o saber, pois o tempo livre feito de saber (p.136)

    H, portanto, a necessidade de as pessoas se prepararem, especialmente pela educao, para usufrurem adequadamente o mundo do lazer, j que nem sempre haver trabalho com objetivos econmicos para todos:

    Essa sociedade de globalizao, por sua essncia, no prepara as pessoas para o no-trabalho, continua a form-las para um trabalho que deixou de existir h algumas dcadas. As escolas e as universidades e a importncia das universidades , aqui, fundamental continuam treinando seus alunos para a ocupao, mas em nada os preparam para o que tero eventualmente de enfrentar ou querero eventualmente aceitar: a no-ocupao. Estar desocupado por fora ou por escolha, sem estar preparado para a no-ocupao, trgico. Enfrentar a no-ocupao, procurada ou forada, requer virtudes, na expresso de Aristteles: temperana, como ele dizia. Hoje mais que em outros momentos do passado, a fortitude, a sabedoria, o saber, o conhecimento. Senso de justia. Ter essas virtudes algo que pode depender de treinamento ou de preparao (COELHO, 2000, p. 152-153).

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    Nesse sentido, Rolim (1989, p.100) acredita que as atividades de lazer apuram o senso de realidade, de vida e de sociabilidade, ativando e desenvolvendo essas tendncias em consonncia com a histria pessoal de cada um e o contexto socioeconmico e poltico no qual se acha inserido.

    Sublinha-se que a formao para o lazer fun- damental para evitar, ou, pelo menos, minimizar o lado negativo da sua ambigidade: pode contribuir para o desenvolvimento de atitudes crticas e criativas com relao s esferas pessoal e social, ou, simplesmente, acentuar o conformismo, levando a processos de acomodao (MARCELLINO, 2000, p. 52). Assim, o lazer pode se transformar em um tempo de valores destrutivos, em atitudes patolgicas, como os rachas no trnsito, alm de poder se converter em um perodo de tempo de consumo fcil e alienante. Na viso do mesmo autor, essas atitudes destrutivas demonstram a importncia da educao para o lazer, pois assim dar-se- origem a uma ao cultural democratizadora que incorporar gradativamente os valores do lazer, diminuindo esses comportamentos indesejveis e a passividade.

    Revela-se, assim, uma interligao acentuada entre lazer e educao, pois leva o indivduo a conhecer-se e a desenvolver melhor suas relaes e potencialidades como pessoa humana:

    A educao para o lazer, ou a educao para o tempo livre, para sermos mais abrangentes, tem como objecti- vo formar o indivduo para que viva o seu tempo dis- ponvel da forma mais positiva, sendo um processo de desenvolvimento total atravs do qual um indivduo amplia o conhecimento de si prprio, do lazer e das relaes do lazer com a vida e com o tecido social. Por tal, deve ser considerada como um processo integral da vida diria da escola, no sentido de que necessrio en- sinar o lazer activo (MARQUES, 2006, texto digital).

    Concordando com essa posio, Rolim (1989, p.104) explica a imbricao do processo educativo com o lazer, pois o primeiro desperta a pessoa para suas prprias possibilidades; o segundo, porque a leva, de forma consciente, a desenvolver essas possibilidades num tempo que lhe pertence com exclusividade. Assim, tanto o processo educativo quanto o lazer contribuem para a realizao da pessoa humana, sendo que a aprendizagem pode se beneficiar de aspectos caractersticos do lazer, como a espontaneidade na escolha dos temas e o carter ldico como forma de abordagem (MARCELLINO, 2000, p. 98).

    Deste modo, para este ltimo autor, pode ser feita uma crtica educao para o lazer no campo da educao formal:

    [...] a educao formal tem sido quase sempre restrita, de um lado, ao esporte educao fsica, portanto, mais

    diretamente ligada aos interesses fsicos, e de outro, literatura, msica e desenho, com preponderncia deste ltimo, portanto, mais diretamente ligada aos interesses artsticos e intelectuais. Os demais interesses no lazer no so cobertos por disciplinas especficas (MARCELLINO, 2000, p.122).

    O estudioso ressalta, ainda, que a busca de caminhos alternativos concretos de atuao no campo cultural do lazer passa basicamente pela competncia tcnica e por opo poltica, o que no to fcil na prtica. Alm disso, esse autor enfatiza que, na maioria das escolas, os conhecimentos so ministrados em disciplinas fragmentadas e separadas uma da outra e que a busca da interdisciplinariedade esbarra numa srie de fatores de ordem burocrtico-institucional, ideolgica e de competncia. Contudo, ele sugere que, para mudar tal perspectiva, seria preciso formar uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais das reas abrangidas pelos diversos contedos culturais do lazer, o que significa a incluso de uma lista considervel de profissionais, alm da contribuio de diversas reas de conhecimentos (MARCELLINO, 2000, p.140), entre elas, a psicologia, a pedagogia, a filosofia, a sociologia, a educao artstica, e no apenas educao fsica, literatura, msica, desenho.

    a pedagogIa da anImao

    Marcellino (2000) refere a necessidade de suscitar o interesse de profissionais das vrias reas que se inter-relacionam com o lazer, com a escola e o processo educativo, numa prtica educativa que ele denomina de pedagogia da animao, as quais se detalha a seguir.

    Animao, para o estudioso, engloba os sentidos de vida, movimento, alegria, nimo, esperana, tanto no de dar vida, e vida humana, quanto no de transformar: trata-se de recuperar o sentido de recreao, como recreare re-criao, criar de novo, dar vida nova, com novo vigor. Trata-se de recuperar o lazer, como licere lcito, poder ter direito. Trata-se de recuperar o sentido de escola, como schol (MARCELLINO, 2000, p. 142), conhecida originariamente, na antigidade grega, como cio, que era o lazer do homem grego livre.

    Cabe destacar que, nessa reconstruo de sentidos, o autor no prope a criao de uma disciplina a mais no currculo escolar referente ao lazer, mas que essa tarefa educativa seria efetuada a partir do cotidiano local onde a escola estivesse inserida, aproveitando o contedo ali existente, respeitando o ritmo dos alunos, com suas diferenas na apropriao do saber, e alterando a abrangncia da tarefa educativa para incluir a comunidade nessa pedagogia da animao, na qual a escola funcionaria como uma espcie de centro de cultura popular:

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    Sua tarefa educativa [da escola] seria efetuada, em termos de abrangncia, ultrapassando o mbito dos alunos regularmente matriculados, mas se estendendo a toda a comunidade local, atravs da participao comunitria. Vale dizer que no entendo essa participao como vem se verificando na prtica de instituies ou de governos democrticos, que no mais das vezes se resume ao aproveitamento das foras da comunidade como mo-de-obra gratuita. Mas, como possibilidade de influenciar contedos, calendrios, programaes, uso de equipamentos; como possibilidade de instrumento de presso para obteno de verbas e de participar nas decises quanto sua destinao (MARCELLINO, 2000, p.147).

    Acrescenta ele que a tarefa educativa, em termos de espao, deveria ultrapassar os muros da escola, estendendo-se a outros equipamentos da comunidade prxima; que em termos de recursos humanos, os educadores professores, funcionrios, administradores, lideranas culturais informais, etc. trabalhariam com o compromisso poltico de transformao; que em termos de recursos materiais, utilizaria solues alternativas da prpria comunidade local, diante de poucos recursos que lhe so destinados. Essa pedagogia da animao esboada pelo autor atuaria nos planos cultural e social:

    No plano cultural, seria orientada por princpios de valorizao da cultura popular, em todas as reas ana- lisadas artstica, fsica, manual, social e intelectual , o que vale dizer, buscando o equilbrio entre os vrios contedos, e a sua identificao com as bases locais e regionais. No plano social, seria orientada para o atendimento com critrios quantitativos, procurando atender o maior nmero de pessoas a partir de seus interesses, o que no significa nivelar por baixo, mas iniciar o trabalho educativo a partir das situaes reais, procurando, sem preconceitos ideolgicos, articulaes com rgos e instituies locais, na medida em que essas possam ser estabelecidas, sem que se abra mo do com- promisso de mudana da situao, portanto, do com- promisso poltico (MARCELLINO, 2000, p. 149).

    Para finalizar as idias desse professor, ele sugere que as propostas de ao dessa pedagogia da animao que envolve lazer-escola-processo educativo sejam dis- cutidas e elaboradas em conjunto entre a escola e as comunidades locais, a partir de lista de sugestes e com a interao de animadores-comunidade, buscando uma prtica educativa que se realimente por meio dessa prpria prtica. Nessa prtica educativa, importante considerar as possibilidades do lazer como veculo de atuao no plano cultural integrado com a escola, para que contribua para a elevao do senso comum da comunidade, numa perspectiva de transformao da realidade social, sempre em conexo com outras esferas de atuao poltica: [...] necessidade de trabalhar para mudana do futuro, atravs da ao no presente [...] sem abrir mo do prazer [...], pelo

    contrrio, que essa vivncia seja, em si mesma, prazerosa (MARCELLINO, 2000, p. 152). Portanto, ter-se-ia, nessa tarefa que envolveria lazer-escola-processo educativo, em que o lazer funcionaria como veculo de atuao cultural, uma possibilidade real de educao pelo lazer.

    Neste sentido de integrar escola e lazer, impe-se ao sistema escolar a necessidade de oferecer oportunidades criatividade, porque s o homem que sabe criar capaz de fazer do seu tempo livre um tempo construtivo, um tempo de lazer (ROLIM, 1989, p.103-104).

    a educao e o Lazer e as novas tecnoLogIas

    Um dos maiores desafios atualmente que se vive em uma sociedade da informao, da tecnologia virtual/digital, expressa principalmente por meio do computador, do celular, da internet, a qual se utiliza de vrios recursos de forma simultnea: imagem, som, texto, animao, velocidade, etc, que revelam alguns aspectos significativos dessa nova sociedade. Por isso, h implicaes enormes no avano dessas novas tecnologias, que tm aberto infinitos horizontes na rea educacional, cultural e do lazer,2 dentre outras. As novas tecnologias de comunicao e informao oferecem possibilidades diferentes de interao entre as pessoas e entre elas e os materiais:

    [...] oferecem possibilidades inditas de interao mediatizada (professor/aluno; estudante/estudante) e de interatividade com materiais de boa qualidade e grande variedade. As tcnicas de interao me- diatizada criadas pelas redes telemticas (e-mail, listas de discusso, webs, sites, etc.) [...] permitem combinar a flexibilidade da interao humana (com relao fixidez dos programas informticos, por mais interativos que sejam) com a independncia no tempo e no espao, sem por isso perder velocidade (BELLONI, 2001, p. 59).

    Essas novas abordagens tecnolgicas voltadas para a relao lazer-educao-lazer requerem estudos sobre prticas interativas e comunicacionais inovadoras e novos profissionais, com conhecimentos tcnicos e tericos em constante mutao, alm de habilidades de anlise, compreenso e reflexo sobre a adequao dos materiais disponibilizados na internet ou em outros meios mediticos, para que essa nova educao contribua para a formao de pessoas crticas, e no para mais uma forma de alienao, de apenas consumo, agora digital/virtual.

    Contudo, educar com novas tecnologias um desafio que at agora no foi enfrentado com profundidade, porque tm sido feitas apenas pequenas mudanas, conforme Moran (2002, texto digital), que defende que se pode aprender continuamente, de forma flexvel, na escola, no trabalho ou em casa, reunidos numa sala ou

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    distantes geograficamente, mas conectados atravs de redes de televiso e da internet: o presencial se torna mais virtual e a educao a distncia se torna mais presencial. Os encontros em um mesmo espao fsico se combinam com os encontros virtuais, a distncia, atravs da internet e da televiso. O estudioso acrescenta que se est caminhando para uma forte flexibilizao de cursos, tempos, espaos, gerenciamento, interao, metodolo- gias, tecnologias, avaliao: experimentar, avaliar e experimentar novamente a chave para a inovao e a mudana desejada e necessria.

    A respeito dessa sociedade tecnolgica, Lvy (1996, p. 194) salienta que a tcnica em geral no boa nem m, nem neutra, necessria ou invencvel, mas apenas uma dimenso, recortada pela mente, de um devir coletivo heterogneo e complexo na cidade do mundo. Quanto mais reconhecermos isto, mais nos aproximaremos do advento de uma tecnodemocracia, ou seja, quanto melhor for compreendido o contedo, a essncia dessa tcnica, mais fica claro que h espao aberto para a crtica, para a interveno das comunidades, aqui e agora, e o lazer pode muito bem ser utilizado nisso.

    educao para e pelo Lazer

    Explicitando melhor o lazer como instrumento e como objeto da educao, Marcellino (1996, p. 50) afirma que o lazer um veculo privilegiado de educao, da mesma forma que para a prtica das atividades de lazer necessrio o aprendizado, o estmulo, a iniciao aos contedos culturais, que possibilitem a passagem de nveis menos elaborados, simples, para nveis mais elaborados, complexos, procurando superar o confor- mismo, pela criticidade e pela criatividade. Nesse sentido, o lazer, como veculo de educao, potencializa o desenvolvimento social e pessoal dos indivduos, eis que alm de favorecer a compreenso da realidade a partir do aumento da sensibilidade pessoal, auxilia no reconhecimento das responsabilidades sociais.

    Entretanto, acerca do aprendizado para o lazer surgem diversas indagaes, como bem ressalta Marcellino (1996, p. 51): como educar para o lazer conciliando a transmisso do que desejvel em termos de valores, funes, contedos etc., com suas caractersticas de livre escolha e expresso? Dessa forma, constata-se que quanto maior for o grau de conhecimento acerca das alternativas variadas de lazer, melhor ser a escolha e o desenvolvimento do esprito crtico da pessoa:

    A educao para o lazer pode ser entendida, tambm, como um instrumento de defesa contra a homogeneizao e internacionalizao dos contedos veiculados pelos meios de comunicao de massa, atenuando seus efeitos, atravs do desenvolvimento do

    esprito crtico. Alm do mais, a ao conscientizadora da prtica educativa, inculcando a idia e fornecendo meios para que as pessoas vivenciem um lazer criativo e gratificante, torna possvel o desenvolvimento de atividades at com um mnimo de recursos, ou contribui para que os recursos necessrios sejam reivindicados, pelos grupos interessados, junto ao Poder Pblico (MARCELLINO, 1996, p. 51).

    Por conseguinte, a pessoa, ao participar de atividades de lazer, cresce e se desenvolve individual e socialmente como ser humano, condies estas que auxiliam no seu bem-estar e participao mais ativa no atendimento de necessidades e aspiraes de ordem individual, familiar, cultural e comunitria.

    Portanto, diversas so as medidas a serem adotadas para que o processo educativo para e pelo lazer se efetive. Citam-se algumas:

    a) As universidades, a iniciativa privada e o Poder Pblico capacitarem e formarem especialistas em lazer, capazes de educar a populao com referncia ao seu tempo livre (ROLIM, 1989), alm de, por meio de seus cursos, aprofundarem a importncia e abrangncia do lazer para as pessoas, para evitar-se a massificao do tempo livre:

    importante que as atividades de lazer procurem atender as pessoas no seu todo. Mas, para tanto, necessrio que essas mesmas pessoas conheam as atividades que satisfaam os vrios interesses, sejam estimuladas a participar e recebam um mnimo de orientao que lhes permita a opo (MARCELLINO, 2000, p.122).

    b) As escolas em geral promoverem momentos de lazer e integrao entre alunos e a comunidade externa, visando criatividade dos envolvidos, eis que s vive o lazer aquele que sabe fazer de seu tempo livre um tempo de realizao pessoal e comunitria (ROLIM, 1989, p. 107). Especialmente a educao para o lazer deveria comear na infncia e adolescncia, quando os sonhos ainda esto quentes, quando ainda no se perdeu a espontaneidade to necessria para viver o ldico, quando ainda se pode apostar numa vida na qual trabalho, famlia e lazer cami- nhem juntos, de forma integrada (CAMARGO, 2002, p. 13).

    c) As entidades associativas e privadas, alm de propiciarem atividades de lazer para seus membros, promoverem grupos de discusso e aprendizado acerca dos valores concernentes ao lazer. Para que as entidades possam cumprir essa funo, necessrio se faz, primeiramente, um estudo da realidade, que vise a diagnosticar as possibilidades e limites de cada equipamento de lazer. Aps, ser

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    feito o planejamento da interveno, para que esta motive, consolide e execute a educao para e pelo lazer, que nada mais do que uma gradativa tomada de conscincia pelo indivduo daquilo que o cerca, dos outros, na interao de todos esses elementos, num processo positivo de construo pessoal e comunitria, que, realizando a pessoa, transforma e renova tambm a sociedade de forma intencional (ROLIM, 1989, p.117).

    d) O Poder Pblico proporcionar meios e condies populao de viver o lazer nos aspectos cientfi- cos, educativos e sociais segundo Rolim (1989, p. 107). Nesse sentido, a educao para e pelo lazer deve ser proporcionada no s pelas escolas, mas tambm pelo ente estatal como rgo p- blico.

    Assim, o Municpio tem o dever de conscientizar seus habitantes acerca da importncia do lazer, valorizando e apoiando as manifestaes culturais e artsticas locais, democratizando o acesso informao cultural atravs do uso da internet, estimulando aes de ocupao cultural dos espaos pblicos pela populao, designando recursos especficos para a rea, proporcionando possibilidades de conhecimento objetivo da legislao vigente, bem como capacitando administrativa e tecnicamente agentes pblicos para que a populao seja educada para e pelo lazer, conforme Bertonchelli (2001).

    As bases de uma educao pelo lazer so aquelas que aproveitam o tempo livre das pessoas para ser o centro de criao de um novo trabalho, de uma nova famlia e de uma forma de viver a participao religiosa e poltica, ou seja, numa maneira de lazer que redunde em prazer ao se colocar a servio dos outros, para o bem de si mesmo, levando-se em conta escolha pessoal e momento segundo o ritmo e intensidade prprios, segundo Camargo (2002, p. 154): por conseguinte, em vez do entretenimento inconseqente que ocupa a sua maior parte, esse tempo livre poderia ser preenchido com mais atividades que levassem o indivduo a pensar e a agir de forma mais rica em todos os momentos de sua existncia.

    Lembra-se, com Arendt (2000), que a ao, a palavra e a liberdade, que no so dadas, requerem, para serem criadas, a construo e a manuteno do espao pblico, em cujo processo especialmente a educao tem papel essencial.

    Sublinha-se que no se trata de diminuir a importncia da educao para o trabalho, seja aquela que a famlia procura incutir, seja aquela que a escola desenvolve no plano do conhecimento, seja a vivenciada nos grupos de iguais, de meninos e meninas que se interrogam sobre o seu futuro (CAMARGO, 2002, p. 12), mas, acrescenta, lembrar a importncia de uma educao integrada, inter-relacionada com o ldico, a criao, o prazer, o solidrio,

    o comunitrio, para o desfrute das horas que, sem dvida, vo-se poder dedicar ao lazer, sem o qual a vida assentada apenas no trabalho ser aborrecida e pobre, e a aposentadoria ser simblica, e no raro, literalmente, a morte.

    do conhecimento pblico que os pases mais desenvolvidos so aqueles que mais investem nas atividades educacionais e na cultura, nos programas de informao, nas formas que a sociedade encontra para tornar o conhecimento acessvel a todos os cidados e nos esforos que faz para ampliar o conhecimento (BERTONCHELLI, 2001, p. 122). Os prprios problemas das comunidades possuem mais chance de serem resolvidos a partir de novos conhecimentos, os quais podem e devem ser gerados a partir de uma educao para e pelo lazer. Por isso, se se deseja trilhar esse caminho de um desenvolvimento pessoal-humano e profissional realmente integrado com os seus habitantes no habitat em que vivem, preciso comear pelas polticas pblicas dos Municpios, que so as menores unidades poltico-administrativas da nao:

    No Brasil, o lazer uma obrigao constitucional; portanto, os rgos pblicos deveriam, por fora de lei, oferecer polticas pblicas que garantissem: o direito ao lazer, e um dos instrumentos indispensvel para isso a educao para e pelo lazer; o acesso a todos os segmentos da populao com uma animao sociocultural em todos os contedos de lazer; a democratizao dos espaos e equipamentos, dos espetculos socioculturais e esportivos; um servio de qualidade, criando e estimulando a formao dos quadros funcionais habilitados competentemente para as funes de animador cultural; a criao de leis de fomento e investimento financeiros para o lazer; estrutura organizacional pblica que articule polticas parceiras entre as reas pblicas e privadas que atuam no lazer, esporte, educao fsica, turismo, cultura, entre outros (MLLER, 2003, p. 130).

    Com bem refere Bertonchelli (2001), as polticas pblicas na rea da cultura, advindas da educao para e pelo lazer, so vitais para a transformao da realidade social, para o combate excluso social e cultural e para a criao de uma cultura da paz, que deve ser feita pelo acolhimento e pela solidariedade.

    Logo, s Administraes municipais, por estarem mais prximas dos muncipes, competem transformar as pessoas em agentes comprometidos com os mais variados aspectos de crescimento e desenvolvimento da sua comunidade, e o gestor pblico municipal tem o dever educacional e pedaggico, e no s poltico e tcnico, de estimular os valores que humanizam essas pessoas, principalmente comeando pelas crianas e os jovens, por meio da promoo da educao para e pelo lazer.

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    concLuso

    Nosso pas atravessa situao socioeconmica complexa, advindo da inmeras dificuldades que se refletem nas polticas pblicas nos Estados e nos Municpios. do conhecimento geral que as cidades detm a maior demanda por servios pblicos, mas que os recursos se concentram na Unio. Mesmo assim, se os Municpios, incluindo-se aqui primeiramente o Poder Pblico, seguido da iniciativa privada, as instituies cientficas e acadmicas, as entidades comunitrias, os polticos e a comunidade como um todo, buscarem conjuntamente os objetivos que levem implantao de polticas pblicas municipais, certamente ser possvel avanar bastante com relao s oportunidades de concretizao dos direitos sociais, notadamente a educao e o lazer.

    Assim, defende-se como sugesto que os pilares bsicos em que uma poltica pblica municipal de lazer interligada com a educao precisa se assentar so, entre outros: adequado entendimento do conceito e amplitude do lazer por parte dos gestores pblicos, professores e comunidade em geral, principalmente (re)conhecendo-o como um direito to importante quanto a educao, a sade e outros; compreenso de polticas de lazer como algo contnuo e duradouro no tempo e no espao pblico; busca de parcerias e recursos, com a iniciativa privada e rgos pblicos em geral, j que a demanda por servios e pedidos dos muncipes muito superior capacidade financeira e de atendimento do Poder Pblico, alm de os processos burocrticos de planejamento, gesto e ao serem agilizados; respeito e incentivo s manifestaes culturais espontneas da populao, entendendo-se o lazer como uma experincia cultural construda.

    Alm disso, cabe repetir que o Poder Pblico tem fundamental papel na efetividade das polticas de lazer e de educao; portanto, deve-se entender a poltica de lazer no s como uma poltica de atividades, que na maioria das vezes acabam por se constituir em eventos isolados de algumas aulas e jogos esportivos, nem como polticas de animao, mas sim em uma conjugao de diversos aspectos, como propostas de desenvolvimento econmico-social, inclusive com a finalidade de incentivar uma poltica de reordenao e melhor administrao e qualificao do tempo na escola e fora dele; uma poltica de reordenao do solo urbano, incluindo a os espaos e equipamentos de lazer, da escola e do seu entorno, acrescentando-se a abertura comunidade das escolas para promoes de lazer nos fins-de-semana, transformando-as em centros culturais; e, dentre outros, finalmente, uma poltica de formao de quadros, profissionais (especialmente equipes intermultidisciplinares, que envolvam professores e profissionais afins de vrias reas,

    devendo ser bem valorizados, remunerados, motivados e atualizados) e voluntrios, para trabalharem de forma eficiente e atualizada.

    O lazer e a educao, entendidos como direitos sociais constitucionais, fenmenos da esfera da cultura, fatores de desenvolvimento humano, em se tornando efetivos e integrados, contribuem para a melhoria na qualidade de vida, para a concretizao de igualdade social ma- terial para mais pessoas e para uma maior responsa- bilidade pessoal e social dos muncipes nas suas co- munidades, comeando principalmente com crianas e jovens.

    Deseja-se, portanto, contribuir para uma sensibilizao e/ou conscientizao mais efetiva(s) no sentido de o Poder Pblico em geral, e os Municpios e os muncipes especialmente os profissionais da rea educacional e afins em particular, se preocuparem com as condies necessrias para a criao, manuteno e qualificao do lazer, valorizando-o de forma mais consistente, no apenas como instrumento, mas tambm como objeto de educao.

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