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Frédéric Chopin Ludwig van Beethoven Robert Schumann Wolfgang Amadeus Mozart Palco 25 de Abril sexta-feira 5 de Setembro, 22 H Sinfonietta de Lisboa Direcção: Vasco Pearce de Azevedo

Chopin - festadoavante.pcp.pt · 10-4-2014 • Suplemento Festa do Avante! IV terminológicasqueaspessoasdeexpressão inglesaresolvemcommaisfacilidadejogando comumanuanceortográficaquepossibilitaouso

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Frédéric Chopin • Ludwig van BeethovenRobert Schumann • Wolfgang Amadeus Mozart

Palco 25 de Abril sexta-feira 5 de Setembro, 22 H

Sinfonietta de Lisboa • Direcção: Vasco Pearce de Azevedo

Aforma musical designada por polonaise(termo francês que designa o ser

“polaco”) tem imediata e profunda conotaçãopatriótica, pelo que não será de estranhar aescolha desta obra para iniciar um concertoevocativo de um dos actos mais patrióticos danossa história: a Revolução dos Cravos. Na suaorigem, bem recuada no tempo, a polonaiseé uma dança processional polaca quetradicionalmente acompanhava cerimóniaspúblicas ou casamentos, tendo muitas vezes umacomponente vocal e podendo ser também umapeça instrumental. Composta por músico polacocom apelido tão afrancesado como a própriadenominação da obra, esta peça espelha bem ummomento de particular entusiasmo patriótico,sendo uma representação musical da valentia dacavalaria da Polónia e da sua determinação nadefesa do solo pátrio. Daí o facto de também serchamada e conhecida por “Militar”. É, por issomesmo, uma construção sonora enérgica,

de grande pujança ebrilhantismo, em que cadanota transmite um clarosentimento de optimismo.Foram muitíssimos oscompositores que sededicaram à composiçãode polacas, desde Bache Telemann até Scriabin.No entanto, nenhum outrocontribuiu tanto para a suafama como FredericChopin, o que desde logose compreende pelo factode ser ele o mais

notabilizado compositor polaco. Mas foi atravésdo seu instrumento predilecto, o piano, queChopin deu esse relevo à polonaise. Nem mesmono caso vertente, em que o propósito deenaltecimento patriótico e a dimensão marcialparecia aconselhar o recurso a um vasto conjuntode instrumentos, a uma orquestra sinfónica, nemmesmo isso demoveu o compositor de se manterfiel ao seu adorado piano. Escutado o resultadoestético compreende-se a opção. Mas o queouviremos no concerto inaugural da 38.ª ediçãoda Festa do Avante! não é essa versão originalpara piano solo, que Chopin criou pouco tempoantes da sua partida para Maiorca na companhiade Sand, local onde irá viver um momentocrucial da sua vida: aquele em que os médicosda ilha lhe diagnosticaram tuberculose.É impressionante o contraste entre as duaspolacas compostas nessa época; o contraste entreo já referido optimismo transbordante da op.40,n.º 1 e o estado de espírito musicalmentetraduzido na partitura da n.º 2 (há duas

polonaises com o mesmo número de opus),composta já depois do surgimento dos primeirossintomas da doença fatal. A passagem do modomaior para o modo menor (tonalidade de Dómenor, na n.º 2) é, só por si, um indicativo daprofunda alteração do estado de espírito domúsico. Aconselho aos que desejem serespectadores do concerto da Festa do Avante!que escutem antes a composição original,recorrendo a um registo discográfico (uma ediçãoem CD) ou então utilizando modernos meiosinformáticos agora postos ao nosso dispor, comoo YouTube ou outros sítios da Internet.No início do século XX, 60 anos depois da mortede Chopin, coube ao compositor russo Glazunova tarefa de orquestrar a peça para piano. É essaversão para orquestra que será executadano concerto. Isso ajudará a melhor fruiro espectáculo ao vivo.Se a polonaise tem, como vimos, uma ligaçãoumbilical com a dança, foi também a dança queesteve na origem do trabalho de orquestração deGlazunov. Tudo terá começado com o bailarinoe coreógrafo Mikhail Fokine, figura marcante narenovação do reportório de bailado, que em 1907tomou a iniciativa de coreografar uma peça deChopin (a «Valsa», op.64, n.º 2), oferecendo-a aotalento da celebérrima bailarina Anna Pavlova.Incentivado pelo sucesso obtido, Fokine utilizououtras duas peças para piano do compositorpolaco, apresentando-as sob o título «Danses surla musique de Chopin» (Danças baseadas namúsica de Chopin) e destinadas agora a umcorpo de ballet. Foi a partir destas experiênciasque nasceu o bailado “Chopiniana”, com 5 peçasde Chopin orquestradas por A. Glazunov. Teveestreia em S. Petersburgo, no conceituado TeatroMariinski, a 19 de Fevereiro de 1909. Entreo público presente estava Serguei Diaghilev quelogo decidiu levar o espectáculo para Paris, paraser apresentado nos seus “Ballets Russes”.Foram acrescentadas mais três orquestraçõesde Glazunov e o espectáculo estreou no Teatrodo Châtelet no dia 2 de Junho desse mesmo ano.Só que o título “Chopiniana” foi abandonado,acabando por cair no esquecimento. Razão pelaqual essa produção de Diaghilev, com músicade Chopin orquestrada por Glazunov, coreografiade Fokine e guarda-roupa e cenografiade Alexeandre Benois é hoje mundialmenteconhecida pelo nome com que então foibaptizada, na Cidade Luz: «Les Sylphides».A orquestração da polonaise op. 40, n.º 1,corresponde à primeira parte do bailadoem um acto «Les Sylphides», mas em algumasproduções mais recentes tem vindo a sersubstituída por outra peça da autoria de Chopin– o «Prelúdio» em Lá maior.VIII

ChopinPolonaise, op. 40, n.º 1, “Militar”, em Lá Maior.

Textos:João Mariade Freitas BrancoFotos:Eduardo Gageiro

Como tem sido assinalado pelageneralidade dos historiadores e

musicólogos, a terceira das nove sinfoniascompostas por Beethoven representa um pontode partida; ou seja, o mesmo será dizer queprotagoniza uma profunda ruptura com opassado. Nas suas duas primeiras criações destegénero o compositor mantém se fiel ao modeloclássico representado por Haydn, limitando sea procurar desenvolver essa forma sinfónicapreexistente. Mas quando em 1803 se lança notrabalho de composição desta sua 3ª sinfonia,a atitude assumida é radicalmente diferente.Nesse sentido, podemos dizer ser esta a primeirasinfonia autenticamente beethoveniana.A dimensão dos seus quatro andamentos, bemcomo a grandeza e a pujança da sua arquitecturasonora não têm precedentes na história damúsica. Nunca antes se tinha composto umasinfonia tão longa. O facto de ter começado porser dedicada a Napoleão, figura que começoupor despertar no músico uma enorme admiração,não pode ser olhado como algo separado daintenção do gesto criativo. Bem pelo contrário.A dedicatória inicial depois apagada fazparte de uma totalidade estética essencial.É elemento constitutivo da essência da artebeethoveniana. Porque, talvez como nenhumoutro, este arquitecto de sons tinha a profundaconvicção de que a música podia e deviacelebrar um conjunto de valores e ideaishumanos, assumindo se dessa forma comorelevante factor de consolidação do crescimentocivilizacional e do humanismo. A alma destapartitura sinfónica só pode ser completamenteassimilada, compreendida, à luz desta convicçãopessoal do autor. A grandiosidade sonora quenos é presente é um hino à coragem e ao poderimenso do espírito humano. Valores que, naépoca em que escreve esta página sinfónica,Beethoven vê personificados na figuraemblemática do político revolucionário, doestadista, do chefe militar que é Napoleão, por sireconhecido como “libertador da Europa”,transportando com a força da espada os ideaisemancipadores da Revolução Francesa. Fácil deentender, portanto, a designação de “Heróica”,“Sinfonia Heróica”. Aliás o compositor teráchegado a pensar utilizar o nome Bonaparte numsubtítulo. Se o tivesse feito, provavelmente hojeestaríamos a falar da «Sinfonia Bonaparte».Recorde se que Beethoven e Napoleão eramexactamente da mesma geração; quase nasceramno mesmo ano.A partir de um esboço realizado em 1802,a composição da obra estendeu se por mais deum ano, entre a Primavera de 1803 e o mês deMaio de 1804. Supõe se que tenha sido

executada pela primeira vez em ambienteprivado, em casa do príncipe Lobkowitz, dignopatrono das artes e grande admirador/protectorde Beethoven, a quem, por fim, a obra seriadedicada, depois de raivosamente apagadoo nome de Napoleão por efeito da decepçãocausada pelo facto histórico imortalizado emuma célebre tela de David (de grandiosidadecuriosamente semelhante à da sinfoniabeethoveniana) de o seu herói se ter feitocoroar imperador, espezinhando, na ópticado músico, os ideais da Revolução Francesae passando de herói libertador a vulgar tirano.A estreia pública ocorreu no dia 7 de Abril de1805, em Viena, no Theater an der Wien, soba batuta do compositor. Data marcante nahistória da arte dos sons. A cidade de Viena, játão associada à história da forma sinfonia,reforçava assim esse elo.O 1.º andamento (o único que será escutado noconcerto de abertura da Festa do Avante!), umAllegro com brio, inicia se com dois acordes demagnífico efeito a que se segue o primeiro tema,inicialmente apresentado pelos violoncelos e logodepois exposto também pelos violinos e pelasviolas. Delicioso o diálogo, com curtíssimas frasesmusicais de apenas 3 notas, entre o oboé,o clarinete, a flauta e os violinos, sucedendo sedepois o primeiro tutti de grande pujança em quesentimos a imponência dos sopros de metal(trompas e trompetes), em número superior aoque era regra até então. Repare se nos largosacordes sincopados, muito vigorosos, de modoa transmitir a pretendida imagem de heroísmo.O desenvolvimento é de uma riqueza, variedadee extensão absolutamente surpreendentes paraa época. Beethoven não teme o investimento nacomplexidade da estruturação do discursomusical, o que só por si convoca uma exegeseque em muito extravasa o escopo do presentetexto. De notar, no final, o reaparecimento domotivo inicial, nas trompas, culminando depoisno vigoroso brilhantismo do som do colectivoda orquestra. Uma autêntica obra prima. Umexemplo de genialidade. Se bem que nomomento da estreia os críticos não se tenhamapercebido disso e tivessem feito juízosdepreciativos. A novidade que rompe, provocacegueiras. Hoje, essa força do génio faz nosacreditar no poder que o autor de «Fidélio»atribuía à Música, mesmo quandodesacompanhada da palavra.Não quero deixar de chamar a atenção para algoque, a meu ver, lamentavelmente sempre vejoser ignorado. Refiro me ao facto de a dimensãorevolucionária da escrita musical beethovenianasó poder ser cabalmente entendida, fundamentadae justificada se tivermos em conta factores de

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1. Allegrocon brio

BEETHOVENSinfonia n.º 3, op. 55 - 1.º Andamento

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III

SCHUMANNConcerto para quatro trompas e orquestra, op. 86Ver inserido no programa de um

espectáculo uma peça orquestral em queà trompa seja atribuído principal protagonismo,aparecendo o trompista como solista, já é algoraro; mas peça para quatro trompas e orquestra écoisa raríssima, causando estranheza até mesmoa melómanos experientes. O desequilíbrio entre oacolhimento dado pelos criadores musicais aoviolino ou ao piano e o acolhimento dado àtrompa é enorme. Daí que este opus 86, mesmotendo a assinatura de um Schumann, sejapartitura pouco conhecida, raramente executadae até exótica sendo que há fundamentoobjectivo para o referido desequilíbrio. Mas seestivermos a falar com um trompista, bastarápronunciar a palavra «Konzertstück» (peça deconcerto, primeira palavra que compõe o títulooriginal, em alemão) para que ele de imediatosaiba de que obra se trata e quem é ocompositor. Essa familiaridade resulta do factode esta composição representar um momentomuito relevante na afirmação do instrumentotrompa, chamando a atenção para as inovaçõestécnicas introduzidas no início dos anosOitocentos.

Em linguagem actual, diríamos que esta obra é aconcretização de uma acção de marketing emdefesa da trompa. Pondo em evidência aevolução técnica geradora de novas capacidadesde execução, permitindo que fossem tocadasnotas da escala antes impossíveis para esse velhoinstrumento. Nesse sentido, é uma obra depropaganda. O seu perfil alegre, optimista,afirmativo satisfaz esse propósito. Umamanifestação de fé no próspero futuro doinstrumento.Para melhor compreendermos a génese destaobra rara afigura se me útil um breve olhar sobreo passado, recuando ao século que antecedeu ode Schumann. Vamos encontrar aí nobreexcepção à regra de fraco acolhimento, a quecomecei por fazer referência: nas obras paratrompa compostas por Mozart e FrancescoRossetti na segunda metade do século XVIII. Seas deste cedo caíram no esquecimento, asdaquele definiram um padrão para oinstrumento. Mas nesse tempo e eis aqui omais importante o instrumento não podiaproduzir todas as notas da escala, estandolimitado apenas a algumas. Tratava se de uma

natureza não musical nem mesmo artística quede modo radical afectaram a sonoridade da vidaquotidiana, principalmente a urbana, por efeitodirecto ou indirecto do surgimento da máquina avapor, representando um novo paradigma datécnica, bem como do extraordináriodesenvolvimento da ciência e das suas váriasaplicações técnicas. Nessa medida, a meu ver,importa acentuar, mesmo correndo o risco dealguma simplificação excessiva, que a sinfonia

beethoveniana, ao romper com o quadroda sinfonia clássica que teve em Haydn e Mozartos seus cumes estéticos, essa sinfonia de novotipo que nasce com os primeiros acordes da«Heróica», é a expressão artística da primeirafase da Revolução Industrial, um equivalenteestético da ambiência sonora semeada pelaciência e pela técnica no seio das sociedadeshumanas mais desenvolvidas no dealbar dosanos Oitocentos.

1. Lebhaft2. Romanze.

Ziemlichlangsam,doch nichtschleppend

3. Sehrlebhaft

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IV

terminológicas que as pessoas de expressãoinglesa resolvem com mais facilidade jogandocom uma nuance ortográfica que possibilita o usodiferenciado de duas palavras gémeas: “sinfonia”e “symphony”. A partir das aberturas de óperaitaliana da última metade dos anos Seiscentos,principalmente nas cidades de Viena eMannheim (dois grandes centros da culturamusical desse tempo), mas também em outrascidades (Londres, Paris, etc.), várioscompositores começaram a desenvolver a “novasinfonia”, também designada por sinfoniavienense. Estas composições inauguram um novorumo que vai conferir autonomia à formasinfonia, libertando a da esfera do teatro musical,assim como da música de câmara. Com oconcurso de músicos hoje, para o chamadogrande público, quase totalmente caídos noesquecimento, só conhecidos dos especialistas,como Vanhal, Dittersdorf, Michael Haydn (irmãomais novo de Joseph Haydn) ou Hofmann, surgea sinfonia clássica ou sinfonia clássica vienense,em que prevalece a organização em 4andamentos. Haydn (o Joseph) e Mozart vão seros expoentes máximos dessa forma. A n.º 40 queouviremos é modelar exemplo de sinfoniaclássica.Depois de ter estado na presença da “Heróica”até o espectador totalmente não iniciado poderápercepcionar algumas diferenças essenciais.

MOZARTSinfonia n.º 40, em Sol menor, K. 550Oprograma do concerto a que estas notas

se referem introduz uma inversãohistórica, fazendo escutar primeiro o que nasequência cronológica da história da sinfonia sósurgiu depois. Isso deve se à circunstância dea partitura mozartiana, ao contrário dabeethoveniana, ir ser escutada na íntegra,adquirindo assim o direito de ocupar o lugar dehonra, encerrando o espectáculo. Mas essainversão não vai retirar ao espectador apossibilidade de aproveitar este concerto parapoder dele retirar alguns ensinamentos sobrea história da forma musical conhecida soba designação de sinfonia. Desejo acreditar queesta breve nota possa constituir um modestocontributo para essa aquisição cognitiva.A sinfonia (termo de origem grega que significaliteralmente “com som”) nasceu no século XVIIe caracteriza se por ser uma peça compostaexclusivamente para orquestra (norma que muitomais tarde, já no século XIX, irá ser violada),sendo habitualmente organizada em 3 ou 4andamentos.De um modo geral, a sinfonia foi considerada aforma nuclear, e nesse sentido a maisimportante, da chamada composição orquestral.No século XVII o designativo foi utilizado comalguma falta de rigor, acabando por se veraplicado a obras de tipo muito diferente.Deixemos de parte essas dificuldades

impossibilidade física, e também de uma limitaçãotécnica que os melhores executantes desse tempotentavam superar, sem grande sucesso, atravésdo modo peculiar e estranho como o instrumentoé segurado nas mãos (com a introdução da mãona campânula ou pavilhão). Ainda não tinhamsido inventadas as válvulas. Só nos anos de 1810surgiram as primeiras trompas de válvulas, maspor vários motivos foram mal recebidas tantopelos compositores como pelos intérpretes.Assumindo se como espírito moderno, inovador,e representante das novas tendências musicais,Schumann aceitou com entusiasmo o desafio,procurando criar uma peça que explorasse aomáximo todos os recursos do instrumentorenovado. Em consequência disso, também osintérpretes são aqui postos à prova, em virtudedas dificuldades de execução que lhes sãocolocadas. Há momentos de grande virtuosismo ebravura em que Schumann quis tirar todo o

partido das novas válvulas, “esticando” em todasas direcções, levando o instrumento a fazer o queantes era impossível fazerEste concerto foi escrito em 1849, que foi, noplano composicional, o ano mais produtivo davida de Robert Schumann. Criou nesse períodomais de três dezenas de obras importantes, sebem que o seu estado de saúde mental seestivesse a deteriorar rapidamente.O primeiro e o último andamentos são os maisvirtuosísticos e, por isso, também os mais vistosos.Exemplo disso é a vibrante e enérgica fanfarrainicial com que as 4 trompas sobem à ribalta,após dois curtos acordes da orquestra. Fica dadoo mote. No entanto, e talvez contrariando areacção mais habitual dos públicos, parece me amim que o melhor da partitura está no andamentomenos virtuosístico: o 2.º, Romança. Sente se aío autêntico Schumann, o da sensualidade líricado universo do Lied romântico.

1. Moltoallegro

2. Andante3. Menuetto:

Allegretto- Trio

4. Allegroassai

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V

Sugiro que comecem por contar o número deinstrumentistas em palco. Depois contem, p. e.,o número de trompetes. Terão a surpresa deverificar que na obra de Mozart não há nenhumpara contar, tal como também não há timbales.E trompas são só duas. Atenção: escrevo istodesconhecendo as opções do maestro que,considerando as particularidades do local em queo concerto se vai realizar, pode decidir,legitimamente, acrescentar instrumentos de modoa conseguir obter maior volume de som. É claroque nunca passou pela cabeça do Sr.Mozarta hipótese de qualquer das suas sinfonias serexecutada ao ar livre com a presença de mais de20 mil espectadores! Isto levanta um problema.Mas antes de o abordar, sugiro uma últimacontagem: a da duração da obra em comparaçãocom a anterior sinfonia beethoveniana. Enquantoa n.º 40 dura pouco mais de meia hora,a «Heróica» (completa) andará pelos 50 minutos.Portanto, quase o dobro.Não se julgue, porém, que por utilizar umaorquestra substancialmente mais pequena Mozartfica atrás de Beethoven no plano dos efeitosestético emocionais obtidos. A sinfonia em Solmenor, a penúltima da lavra do Músico deSalzburg, é aquilo a que costumo chamar umcume estético. É, desde logo pela suaprofundidade dramática e emocional, uma dasobras mais admiráveis jamais compostas. Se, nogeral, os psiquiatras e psicólogos no activo

tivessem maior cultura musical, estou em crerque seria habitual vê los utilizar esta partituracomo forma de abordar com os seus pacienteso complexo problema da vivência/gestão dasemoções nas profundezas do eu singular, assimcomo no quadro das relações intersubjectivas.Pelo meu lado, como filósofo, tenho procuradoutilizar esta obra como factor de melhoramentoda vida concreta dos seres humanos, pois é essaa principal função da filosofia: proporcionar bemestar; gerar aquilo a que os franceses, gozandodo charme do seu idioma, chamam le bonheur.Escutem com a máxima atenção e sintam comoa angústia humana é musicalmente traduzida,como é espelhada em subtil harmonia musicallogo a partir dos primeiros compassos. O temado Andante (2.º andamento) não é menosintenso.É mais uma página pungente. E não se deixemiludir pela energia do alegro assai final que podeparecer anular as tensões num movimentode libertação, de abandono da ansiedade,da angústia, do medo lancinante.No desenvolvimento, neste andamento final,Mozart cria extraordinários efeitos de tensãodramática que nos deslumbram ao mesmo tempoque nos comovem profundamente.Que teria feito este tão extraordinário Wolfgangse tivesse podido escutar a “Heróica”? Umaexcitante dubitativa que de modo recorrente meassalta a alma.

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VI

BIOGRAFIASFrédéric François Chopin (1810-1849)

Chopin nasceu na Polónia, perto de Varsóvia, emZelazowa Wola. Filho de um emigrante francês,

professor, e de uma cultivada cidadã polaca. As suasexcepcionais capacidades pianísticas revelaram se desdemuito cedo, transformando o num menino prodígio. Emboratendo crescido em Varsóvia e feito aí a sua formaçãomusical, a verdade é que a sua ligação à cultura francesa foisendo cada vez mais profunda e a França a sua verdadeirapátria intelectual. Natural, por isso, que seja tratado porFrédéric François e não por FryderyK Franciszek Szopen

(o nome oficial, em polaco).Em virtude da política repressiva entãovigente no seu país natal, mas tambémpor efeito das legítimas ambiçõesartísticas que alimentava, aos 21 anosdecide ir viver para Paris. Mudançadecisiva. Já antes tinha adquiridoalguma notoriedade através decomposições e de actuações comopianista em salões privados da alta

sociedade polaca, assim como em espectáculos realizados emVarsóvia e Viena, mas é a partir da ida para Paris que vaigranjear fama internacional.A criatividade artística de Chopin centra se no piano. Entreos compositores mais célebres é exemplo único de devoçãoquase exclusiva a um único instrumento. Isso levou algunsa colocá lo fora do patamar mais elevado da artecomposicional. Para esse injusto juízo terá contribuídotambém uma corrente pianística, interpretativa, ultraromântica que resvalava para a lamechice. Entre outros,o pianista Artur Rubinstein, seu compatriota, deu decisivocontributo para corrigir tais excessos.Fosse qual fosse o seu grau de atracção pelo belo sexo,o músico manteve uma relação afectiva com a escritoraGeorge Sand que teve profundo efeito positivo na suacapacidade criativa. Essa relação é, na história da arte, umparadigmático exemplo do valor dos afectos no arquitectardo gesto de criação estética.

Ludwig van Beethoven (1770-1827)

Compositor alemão nascido em Bonn, Beethoven éporventura o mais célebre compositor da história da

música. Não infrequentemente foi considerado o maiorcriador de música de todos os tempo, em todas as listagensvão aparecer uma ou mais obras de sua autoria. Casoraríssimo. Pelo que só terá dois rivais, ambos pertencentesao universo da cultura germânica: Bach e Mozart.Nascido no seio de uma família com longa tradição artística,de origem flamenga, com avô músico que emigrou para aAlemanha em 1712, e filho de outro músico, Beethovenparecia destinado à arte dos sons. No entanto, mesmodesejando o pai que ele fosse um 2.º Mozart, foi só aos 9anos que iniciou estudos musicais sistemáticos. Enviado para

Viena com o objectivo de trabalhar com Mozart, então noauge da fama, o encontro acabou por ser inconsequente eregressou à pátria não com o intuito de prosseguir estudosmusicais, senão que para ir estudar Literatura e Filosofia.Esses estudos não o afastaram da música, até contribuírampara a definição do seu singular perfil de compositor. Kant,Goethe, Schiller, com quem fará amizade, tornam sereferências decisivas. A dignidade e a liberdade do serhumano passam a estar no centro das suas preocupações,sob a égide da moral kantiana e dos ideais da RevoluçãoFrancesa.Em 1792 trocou Bonn por Viena onde trabalhou comHaydn, Salieri e Albrechtsberger. Eraapreciado como pianista e improvisador.A partir de 1796, quase não saiu dessaamada capital de artes e cultura. Foicomo pianista, mais do que comocompositor, que começou por seafirmar.Chega então o dramático ano de 1802.Abate se sobre si um tremendodiagnóstico de surdez. Istotransformará o homem. Cai nadepressão, isola se, é assaltado pela ideia de suicídio,acredita não ser possível continuar a ser músico. Ganha famade ser “rancoroso, insociável, misantropo” são suas aspalavras. «Sinto me preso a uma pungente angústia, peloreceio que descubram o meu triste estado», confessa algumtempo depois do diagnóstico.Quase por paradoxo, foi a música que ia deixando de ouvirque o libertou da obsessão autodestrutiva dando lhesuficiente ânimo para continuar.Beethoven é a figura musical incontestavelmentepredominante no período de transição do Clássico para oRomântico. No quadro geral da história da música, e até,talvez, da história da Arte, pode dizer se que foi o únicoartista a gozar de uma tão incontestável predominânciadurante todo um período evolutivo.

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)

Nascido na Áustria, na cidade de Salzburgo, Mozart étalvez, conjuntamente com Leonardo da Vinci, o

mais completo exemplo de genialidade em estado puro. Amúsica brotava da sua mente como a água caudalosa saindode uma generosa fonte, dando a aparência de uma quasecompleta ausência de esforço criativo. A harmonia de sonssurgia de imediato numa forma acabada, como se podeconcluir da observação de muitas partituras autógrafas, emque salta à vista a escassez de emendas ou até retoques.Qualquer coisa de muito raro se passava dentro daquelacabeça. Só isso justifica a prodigiosa veia criativamanifestada desde a infância. Recorde se que as suasprimeiras sinfonias datam de 1764, ou seja, quando tinhaapenas 8 anos! Aos 16 anos já tinha composto óperas! Ebastaram lhe 30 anos de trabalho para compor mais de 600

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VII

obras! Mas para além da variedade e da quantidade deobras o mais espantoso continuará sempre a ser a incrívelqualidade artística dessas partituras.O pai de Mozart, Leopold Mozart, também músicocompositor com notoriedade, não demorou a aperceber sedo talento dos seus dois filhos, e em 1763 promoveu umalonga viagem por algumas das principais cidades europeiaspara dar a conhecer o seu Wolfgang e a sua Maria Anna(Nannerl). O plano resultou e o menino Wolfgang ganhougrande fama, crescente ao longo dos anos.

A produtividade do jovem artista éimpressionante. Em 1770 a sua óperaMitridate obtém grande êxito emMilão. Ao regressar à cidade natal,em 1771, é nomeado Konzertmeistertitular da corte, mas fica sob a tutelade um novo, autoritário e arrogantepríncipe arcebispo: HiéronymusColloredo com quem terá umadesavença histórica. Em

contrapartida, teve no esclarecido imperador José II umfranco admirador.Já próximo da morte prematura, a sua colaboração como libretista Lorenzo da Ponte teve como consequênciaalgumas das suas mais sublimes criações, sendo a óperaDon Giovanni (1787) o caso mais emblemático. Mozart tinhaespecial predilecção pela ópera, o que mais gostava decompor.Espírito progressista, afecto aos ideais do Iluminismo,membro da maçonaria, Mozart, no seguimento da referidacontenda com Colloredo, alterou o estatuto profissional domúsico compositor, inaugurando uma nova era: a docompositor independente; do artista profissional liberto daabsoluta prepotência dos seus patrões. Também nessavertente o seu legado institui um marco na história da músicae até da arte em geral.

Robert Alexander Schumann (1810-1856)

Nascido na Saxónia, em Zwickau, Schumann é aimagem acabada do músico romântico. Até mesmo

as perturbações psíquicas que tanto o atormentaram ao longode anos concorrem para o fortalecimento desse perfilromântico.Começou a estudar piano na infância, mas terá sido omomento em que assistiu pela primeira vez a umarepresentação da Flauta Mágica, de Mozart, que o levou àdescoberta interior da sua verdadeira vocação. Sementusiasmo, por pressão familiar, ainda chegou a cursarDireito na Universidade de Leipzig e em Heidelberg, onde omais importante terá sido porventura o convívio pós aulascom o seu professor Justus Thibaut, distinto filósofoapaixonado pela música. Outra inclinação desde cedorevelada foi a literatura. Sendo o pai livreiro, editor e autor,não lhe foi difícil alimentar esse outro gosto artístico lendoShakespeare, Byron, Walter Scott e Jean Paul que muito o

ajudaram a consolidar o espírito de oposição à ortodoxia doClassicismo tradicional. Depois de conhecer Schubert,encontra no Lied uma forma dealimentar a dupla paixão pela Músicae pela Literatura, constituindo umadas duas vertentes essenciais da suaobra, sendo a outra a composição depeças para piano.A partir de 1826, estando em Leipzig(cidade de Bach) decide dedicar sedefinitiva e exclusivamente à música.Estuda piano com Friedrich Wieckque lhe incutiu um amor especial por esse instrumento. Masna casa de Wieck encontra outro motivo de amor: a formosafilha do seu professor, Clara. Casará com ela em 1840,depois de vencida a forte oposição do pai professor. Tudoromanticamente os une o piano, a música, a poesia…Clara Wieck, que para a história ficará conhecida comoClara Schumann, é uma das mais atraentes figuras femininasda história da música, tendo adquirido celebridadeinternacional como pianista desde muito nova.Porém desde 1833 que a falta de saúde mental o persegue.A perturbação psíquica é então já muito pronunciada.Após uma tentativa de suicídio, em 1854, é internado numasilo psiquiátrico nas imediações da cidade natal deBeethoven, aí permanecendo até o final da vida.

Alexander Konstantinowitch Glazunov(1865-1936)

Compositor russo nascido em S. Petersburgo. É umrepresentante do romantismo tardio. Foi também um

importante professor do Conservatório de S. Petersburgo deque mais tarde se tornou director (1905).

Aos 14 anos conheceu Mily Balakirev,professor de piano da sua mãe. FoiBalakirev quem primeiro se apercebeudo talento do rapaz, aconselhando queo jovem fosse estudar com RimskyKorsakov.No ano de 1884 decidiu efectuar umalonga viagem ao ocidente, tendo seencontrado com Liszt em Weimar.Ainda era director do Conservatório

quando em 1928, quatro anos depois da morte de Lénine,decide abandonar a União Soviética e vir viver para oOcidente. Depois de uma tournée pelos EUA, acaba por sefixar em Paris no ano de 1930, onde faleceu.

Aforma musical designada por polonaise(termo francês que designa o ser

“polaco”) tem imediata e profunda conotaçãopatriótica, pelo que não será de estranhar aescolha desta obra para iniciar um concertoevocativo de um dos actos mais patrióticos danossa história: a Revolução dos Cravos. Na suaorigem, bem recuada no tempo, a polonaiseé uma dança processional polaca quetradicionalmente acompanhava cerimóniaspúblicas ou casamentos, tendo muitas vezes umacomponente vocal e podendo ser também umapeça instrumental. Composta por músico polacocom apelido tão afrancesado como a própriadenominação da obra, esta peça espelha bem ummomento de particular entusiasmo patriótico,sendo uma representação musical da valentia dacavalaria da Polónia e da sua determinação nadefesa do solo pátrio. Daí o facto de também serchamada e conhecida por “Militar”. É, por issomesmo, uma construção sonora enérgica,

de grande pujança ebrilhantismo, em que cadanota transmite um clarosentimento de optimismo.Foram muitíssimos oscompositores que sededicaram à composiçãode polacas, desde Bache Telemann até Scriabin.No entanto, nenhum outrocontribuiu tanto para a suafama como FredericChopin, o que desde logose compreende pelo factode ser ele o mais

notabilizado compositor polaco. Mas foi atravésdo seu instrumento predilecto, o piano, queChopin deu esse relevo à polonaise. Nem mesmono caso vertente, em que o propósito deenaltecimento patriótico e a dimensão marcialparecia aconselhar o recurso a um vasto conjuntode instrumentos, a uma orquestra sinfónica, nemmesmo isso demoveu o compositor de se manterfiel ao seu adorado piano. Escutado o resultadoestético compreende se a opção. Mas o queouviremos no concerto inaugural da 38.ª ediçãoda Festa do Avante! não é essa versão originalpara piano solo, que Chopin criou pouco tempoantes da sua partida para Maiorca na companhiade Sand, local onde irá viver um momentocrucial da sua vida: aquele em que os médicosda ilha lhe diagnosticaram tuberculose.É impressionante o contraste entre as duaspolacas compostas nessa época; o contraste entreo já referido optimismo transbordante da op.40,n.º 1 e o estado de espírito musicalmentetraduzido na partitura da n.º 2 (há duas

polonaises com o mesmo número de opus),composta já depois do surgimento dos primeirossintomas da doença fatal. A passagem do modomaior para o modo menor (tonalidade de Dómenor, na n.º 2) é, só por si, um indicativo daprofunda alteração do estado de espírito domúsico. Aconselho aos que desejem serespectadores do concerto da Festa do Avante!que escutem antes a composição original,recorrendo a um registo discográfico (uma ediçãoem CD) ou então utilizando modernos meiosinformáticos agora postos ao nosso dispor, comoo YouTube ou outros sítios da Internet.No início do século XX, 60 anos depois da mortede Chopin, coube ao compositor russo Glazunova tarefa de orquestrar a peça para piano. É essaversão para orquestra que será executadano concerto. Isso ajudará a melhor fruiro espectáculo ao vivo.Se a polonaise tem, como vimos, uma ligaçãoumbilical com a dança, foi também a dança queesteve na origem do trabalho de orquestração deGlazunov. Tudo terá começado com o bailarinoe coreógrafo Mikhail Fokine, figura marcantena renovação do reportório de bailado, que em1907 tomou a iniciativa de coreografar uma peçade Chopin (a «Valsa», op.64, n.º 2), oferecendo aao talento da celebérrima bailarina Anna Pavlova.Incentivado pelo sucesso obtido, Fokine utilizououtras duas peças para piano do compositorpolaco, apresentando as sob o título «Danses surla musique de Chopin» (Danças baseadas namúsica de Chopin) e destinadas agora a umcorpo de ballet. Foi a partir destas experiênciasque nasceu o bailado “Chopiniana”, com 5 peçasde Chopin orquestradas por A. Glazunov. Teveestreia em S. Petersburgo, no conceituado TeatroMariinski, a 19 de Fevereiro de 1909. Entreo público presente estava Serguei Diaghilev quelogo decidiu levar o espectáculo para Paris, paraser apresentado nos seus “Ballets Russes”.Foram acrescentadas mais três orquestraçõesde Glazunov e o espectáculo estreou no Teatrodo Châtelet no dia 2 de Junho desse mesmo ano.Só que o título “Chopiniana” foi abandonado,acabando por cair no esquecimento. Razão pelaqual essa produção de Diaghilev, com músicade Chopin orquestrada por Glazunov, coreografiade Fokine e guarda roupa e cenografiade Alexeandre Benois é hoje mundialmenteconhecida pelo nome com que então foibaptizada, na Cidade Luz: «Les Sylphides».A orquestração da polonaise op.40, n.º 1,corresponde à primeira parte do bailadoem um acto «Les Sylphides», mas em algumasproduções mais recentes tem vindo a sersubstituída por outra peça da autoria de Chopino «Prelúdio» em Lá maior.

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ChopinPolonaise, op. 40, n.º 1, “Militar”, em Lá Maior.

Textos:João Mariade Freitas BrancoFotos:Eduardo Gageiro