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Chri s tian Mar c lay e Oval: Compara ç ão d e mídias qu e bradas quanto o se u grão, segundo P . Sc ha e ff e r Robe r t Anthony do Amaral Olive ira PPG ACL - Unive rsidade F ede ral de Juiz de Fora robe r t . aao@gmail . com R esumo O presente trabalho surgiu do seguinte questionamento: seria possível distinguir as características sonoras quanto o seu grão de cada uma das mídias danificadas, a do vinil e a do CD? Para a realização de tal tarefa recorremos às definições e classificações do conceito de grão de Pierre Schaeffer, descritas em seu Tratado dos Objetos Musicais, e analisamos uma obra de Christian Marclay, que é conhecido pelo uso de vinis danificados e toca-discos alterados em suas composições e performances, e uma de Oval, que é um grupo alemão conhecido pelas suas composições com o uso de equipamentos de gravação de baixo custo, CDs arranhados e adesivados e alterações no CD-player. A consequência deste jogo com o acaso é um efeito sonoro em grande parte granulado. Nosso questionamento, destarte, parte da percepção de que a granulação de ambas as mídias, apesar de ser audivelmente diferentes entre si, possivelmente possam ter pontos em comum. Palavras-c hav e : mídias danificadas, glitch music e granulação sonora Introdu ç ão O surgimento do toca-discos trouxe consigo não só a possibilidade de se ouvir repetidas vezes uma mesma gravação, mas também abriu um leque de experimentações em busca de novos sons, onde entusiatas começaram, ao invés de ouvir as gravações dos discos, tocar-las com suas próprias mãos, tornando o toca-discos e o vinil um novo instrumento. (IAZZETA, 2009 pg) A busca por uma nova sonoridade expandiu a possibilidade de se usar tal tecnologia de uma maneira que não fora pensada em sua criação. De modo semelhante, o surgimento do CD player também trouxe a possibilidade de experimentações sonoras. Tais “alterações” em seu modo de uso, onde o aparelho tornou-se um instrumento, gerou uma nova gama sonora em tais mídias. Uma das práticas de composição é a alteração fisica no vínil ou no CD de forma que este seja danificado, por exemplo, riscando, colando fitas sobre suas surperfícies ou até mesmo quebrando-os 1 . O resultado, em parte, é inesperado para o criador. Seria possível, portanto, distinguir as particularidades sonoras de cada uma dessas mídias danificadas, no vinil ou no CD? Percebemos que em ambos os casos o resultado sonoro, dentre outros aspectos, apresenta certa granulação, ou seja, texturas criadas a partir de microestruturas sonoras (característica que particulariza os procedimento citados acima). No presente artigo 1 Cf.: Cra cked Media: Sound of Mal func t ion. KELLY, Caled. 2009

Christian Marclay e Oval

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  • Christian Marclay e Oval: Comparao de mdias quebradas quanto o seu

    gro, segundo P. Schaeffer

    Robert Anthony do Amaral Oliveira PPG ACL - Universidade Federal de Juiz de Fora

    [email protected]

    Resumo O presente trabalho surgiu do seguinte questionamento: seria possvel distinguir as caractersticas sonoras quanto o seu gro de cada uma das mdias danificadas, a do vinil e a do CD? Para a realizao de tal tarefa recorremos s definies e classificaes do conceito de gro de Pierre Schaeffer, descritas em seu Tratado dos Objetos Musicais, e analisamos uma obra de Christian Marclay, que conhecido pelo uso de vinis danificados e toca-discos alterados em suas composies e performances, e uma de Oval, que um grupo alemo conhecido pelas suas composies com o uso de equipamentos de gravao de baixo custo, CDs arranhados e adesivados e alteraes no CD-player. A consequncia deste jogo com o acaso um efeito sonoro em grande parte granulado. Nosso questionamento, destarte, parte da percepo de que a granulao de ambas as mdias, apesar de ser audivelmente diferentes entre si, possivelmente possam ter pontos em comum.

    Palavras-chave: mdias danificadas, glitch music e granulao sonora

    Introduo

    O surgimento do toca-discos trouxe consigo no s a possibilidade de se ouvir

    repetidas vezes uma mesma gravao, mas tambm abriu um leque de experimentaes em

    busca de novos sons, onde entusiatas comearam, ao invs de ouvir as gravaes dos discos,

    tocar-las com suas prprias mos, tornando o toca-discos e o vinil um novo instrumento.

    (IAZZETA, 2009 pg) A busca por uma nova sonoridade expandiu a possibilidade de se usar

    tal tecnologia de uma maneira que no fora pensada em sua criao. De modo semelhante, o

    surgimento do CD player tambm trouxe a possibilidade de experimentaes sonoras. Tais

    alteraesemseumododeuso,ondeoaparelhotornou-se um instrumento, gerou uma nova

    gama sonora em tais mdias.

    Uma das prticas de composio a alterao fisica no vnil ou no CD de forma que

    este seja danificado, por exemplo, riscando, colando fitas sobre suas surperfcies ou at

    mesmo quebrando-os1. O resultado, em parte, inesperado para o criador. Seria possvel,

    portanto, distinguir as particularidades sonoras de cada uma dessas mdias danificadas, no

    vinil ou no CD? Percebemos que em ambos os casos o resultado sonoro, dentre outros

    aspectos, apresenta certa granulao, ou seja, texturas criadas a partir de microestruturas

    sonoras (caracterstica que particulariza os procedimento citados acima). No presente artigo

    1 Cf.: Cracked Media: Sound of Malfunction. KELLY, Caled. 2009

    musica e tecnologia

    musica e tecnologia

    musica e tecnologiamusica e tecnologia - 04/11/2014 12:10ponto!

  • vamos nos ater a analisar somente o aspecto granular em cada um dos dois procedimentos, ou

    seja, no toca-discos e vinl e no CD player e CD.

    G ranulao em Pier re Schaeffer

    Pierre Schaeffer nos oferece uma ferramenta de anlise em seu Tratado dos objetos

    musicais, onde classifica os objetos sonoros2 segundo uma tipo-morfologia3, baseando-se na

    escuta reduzida4. Uma de suas classificaes morfologicas denomina-se GRO, que nos

    importante aqui.

    O gro:

    refere-se a uma microestrutura acoplada matria, isto , que permanece no som

    apesar de mudanas meldicas ou rtmicas. Ele evoca, por analogia, o gro

    sensvel ao toque de um tecidooude ummineral (Chion1983, p. 152),

    respondendopercepoglobalqualitativadeumgrandenmerodepequenas

    irregularidades(idem,ibidem) microestruturaquepodesemanifestardevidoem

    geral sustentao de um arco, de uma palheta, oumesmo do rufo de baquetas

    (Schaeffer1966,p.548). (FENERICH & BAPTISTA, 2013, p. 9)

    Sendo assim, Schaeffer distingue o gro em trs tipos:

    granulao ressonante: que so sons sustentados pela sua ressonancia (por

    exemplo: o som de um prato de bateria possui uma granulao ressonante);

    granulao friccionada: que so sons causados pela frico de um agente

    sustentado (por exemplo: o som da frico do arco do violino nas cordas ou o

    som do sopro no bocal da flauta);

    sustentao iterativa: sons sustentados pela iterao, ou seja, sons que so

    sustentados atravs de vrios impulsos (por exemplo: o som de uma

    metralhadora ou o rufo de uma caixa de bateria);

    os trs tipo so, por sua vez, combinados com outras nove classes:

    trmula, cintilante e lmpida para granulao ressonante;

    2Cf.:nota43 Tipo-morfologia a classificao tipolgica e morfolgica criada por Pierre Schaeffer com o intuito de descrever os objetos sonoros. (cf.: Guide to Sound Object, CHION. Disponvel em: Acesso em: 28/10/2014) 4 Escuta reduzida o ato de escutar o som por si s, [...] removendo seu significado e origem, suposta ou real, que este pode transmitir. (CHION, 1983) Pela escutareduzidapodemosidentificaroobjetosonoro,quetodoevento ou fenmeno sonoro percebido como um todo, independente de sua origem ou de seu significado(CHION, 1983)

    musica e tecnologiamusica e tecnologia - 04/11/2014 12:14~pensando nas nuancias de granulacao que nos interessam aqui.

    musica e tecnologiamusica e tecnologia - 04/11/2014 12:15sempre preocupado com o som enquanto elemento perceptivo, e nao com as caracteristicas materiais dos objetos que os causaram, schaeffer pensa no grau como

  • spera, fosca e lisa para granulao friccionada;

    spera, mdia e fina para granulao iterativa;

    h tambm trs gneros que os tipos so ligados:

    harmnicos correspondendo granulao ressonante;

    compactos correspondendo granulao friccionada;

    descontnuos correspondendo granulao iterativa;

    e, finalmente, as espcies de gros:

    a textura dinmica, a qual pode ser cerrada ou esparsa; o peso com relao massa,

    ou o quanto o ocupa no corpo de uma massa tnica, e ainda, do calibre do gro, ou

    seja, do relevo correspondente amplitude de oscilao que o caracteriza.

    (FENERICH & BAPTISTA, 2013, p. 9)

    One Thousand Cycles e Aero Desk: comparaes quanto suas granulaes

    Para acomparaousaremosaobraOne Thousand CyclescompostaporChristian

    MarclayeAero DeskcompostaporOval.

    Marclay conhecido pelo uso de vinis danificados e toca-discos alterados em suas

    composies e performances. Em sua OneThousandCycles podemos perceber o uso de

    diversos vinis pela escuta de vrios materiais sonoros distintos que vo sendo adicionados

    pouco a pouco. O aparecimento desses materiais acompanhado por uma iterao de rudos

    curtos. A curta composio se desenvolver sobre esses aspectos.

    Em sua totalidade, notamos o aparecimento de duas camadas granulares. A primeira

    camada apresenta maior amplitute e sua granulao iterativa, a maioria spera. Tais

    iteraes so causadas, ao que parece, pelo choque vertical da agulha no vinl ou pelo choque

    contra algum objeto que tenha sido colocado sobre a superfcie do mesmo, como por exemplo

    uma fita adesiva tais sons podem ser associados pela palavra onomatopicapop. Ainda na

    primeira camada a iterao combinada com uma outra, de classe tipo fino, causada,

    aparentemente, pelo ranhar lateral da agulha sobre o vinl (lembrando-nos a tcnica de

    scratching5 utilizada pelos DJs). A primeira camada, portanto, possui uma textura dinmica

    cerrada e pouco calibre (pequeno intervalo de frequncia), tendendo para o grave. A segunda

    5Tcnicausadaparaproduzirsonsatravsdomovimentoparafrenteeparatrsdeumagravaoemvinlemumtocadiscos.Fonte:Wikipediahttp://en.wikipedia.org/wiki/ScratchingAcessoem:13/09/2014

    musica e tecnologiamusica e tecnologia - 04/11/2014 12:17passagem muito brusca

  • camada apresenta menor amplitude e sua granulao friccionada, compacta-descontnua

    (ranhar da agulha no disco), fosca, textura cerrada e pouco calibre, tendendo para o mdio.

    Tal granulao a que ouvimos em qualquer toca-discos e em qualquer msica tocada atravs

    de gravaes em vinl.

    Oval um grupo alemo conhecido pelas suas composies com o uso de

    equipamentos de gravao de baixo custo, CDs arranhados e adesivados e alteraes no CD-

    player.EmsuacomposioAeroDeskouvimosumabreveintroduoelogo em seguida

    apresentado o material sonoro que ir perdurar toda a msica. O ritmo marcado por um

    rudo curto e forte (clicks). Outros clicks entram numa espcie de contracanto rtmico. Estes

    pequenos rudos so formados, aparentemente, pela tentativa de leitura da superfcie do CD

    pelo aparelho, possivelmente bloqueados, ou por uma fita adesiva, ou por um pequeno

    arranho, realizados no disco.

    De um modo geral os rudos possuem caractersticas semelhantes entre si, a

    granulao iterativa (clicks) spera e de grande calibre, tendendo para um rudo branco, de

    grande amplitude.

    Para facilitar o entendimento abaixo apresentamos um quadro resumido das

    caractersticas encontradas na anlise:

    G ro V inil C D

    Tipo Iterativa e Friccionada Iterativa

    Classes spera (as vezes fino) spera

    Gnero descontnua e compacta-descontnua descontnua

    Espcie cerrada e pouco calibre espara e muito calibre

    Concluso

    Aps a identificao dos aspectos granulares sob o ponto de vista da teoria

    schaefferiana, constatamos que, apesar de se utilizar tecnologias distintas (vinil e CD) e os

    resultados sonoros sejam audivelmente divergentes, estes possuem pontos em comum. Em

    ambos os casos a granulao iterativa e spera que se desenvolve de forma descontnua, ou

    seja, tais granulaes so sustentadas atravs de repetidos curtos impulsos e possuem

    caractersticas tmbricas que assemelham-se a um rudo branco filtrado em diferentes regies

    do espectro sonoro esta seria, em nossa anlise a nica diferena, isto , enquanto o calibre

    dos rudos resultantes do vnil tendem para o grave e possuem um ambito cerrado, ocupando

    Robert

    Robertinformao vaga. Indicar proviniencia dos ruidos...

    "De um modo geral os rudos, dentro da composio do grupo Oval, possuem... etc"

  • um pequeno espao do espectro sonoro, o calibre dos rudos provenientes da granulao do

    CD tendem para o agudo e possuem um ambito mais esparo dentro do espectro sonoro das

    frequncias. Um outro fator que nos chamou ateno foi que apesar de as duas propostas

    sonoras terem semelhanas quanto granulao resultante, ambas so produzidas com

    tcnicas diferentes, ainda que semelhantes. (introduzir informaes sobre o artigo da

    americana)No caso dos procedimentos tomados para a anlise, enquanto a granulao do vnil

    gerada atravs do choque da agulha com algum obstculo - sejam estes causados por

    pequenos arranhes no sulco do disco, sejam por objetos ou obstculos maiores a

    granulao do CD gerada pelo software de correo de erros do CD player dada pela

    tentativa de leitura do CD danificado, ou pelo avanar ou retroceder rpido do aparelho, que

    faz gerar alguns clicks. Neste caso, em se tratando do vinl a agulha faz a leitura exata do que

    est inscrito sobre a superfcie do disco, no caso do aparelho de CD os arranhes causam uma

    reinterpretao do material gravado fazendo o toca discos gerar outros sons. No entanto, seria

    possvel afirmar que a granulao gerada a partir de cada uma das mdias intriseca de cada

    uma? CONTINUAR

    Um outro questionamento diz respeito sobre a performance dos artistas em questo -

    Christian Marclay e Oval (Markus Popp): estaria, da mesma forma, intrnseca tal sonoridade

    de acordo com a forma como ambos realizam suas performances? Atravs da visualizao de

    algumas performances disponveis no site de vdeos Youtube, podemos distinguir que ambos

    utilizam tcnicas e formas diferentes de se apresentar ao vivo. Enquanto Marclay atua no

    palco manipulando os discos em vrios toca-discos ao mesmo tempo, usando vrios outros

    discos durante a apresentao, Markus atua apresentando-se com msicas pr-produzidas.

    Referncias

    BAPTISTA, L. C & FENERICH, A. S. Anlise da sonoridade da flauta: um levantamento lexical e metodolgico. Performa. (2013)

    CHION, Michel (1983). Guide des Objets Sonores. Paris: Buchet/Chastel.

    IAZZETTA, Fernando. Msica e mediao tecnolgica. So Paulo: Perpectiva: Fapesp, 2009

    OLIVEIRA, R. Uma anlise de Module 3 de Alva Noto usando a tipo-morfologia de Pierre Schaeffer.

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    musica e tecnologiamusica e tecnologia - 04/11/2014 12:24talvez essa diferenca esteja tambem impressa no resultado escutado.