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CHUMBO GROSSO: O CASO DAS BATERIAS MOURA Um exemplo do que é a importação de resíduos tóxicos para o Brasil I. Introdução 2 II. O caso Moura: 3 1. Contaminação dos trabalhadores com chumbo 2. Contaminação do Meio Ambiente 3. A importação de baterias usadas III. O comércio internacional de resíduos perigosos 6 IV. A economia do comércio de baterias usadas 8 V. O Brasil e a importação de resíduos perigosos 9 1. A importação de resíduos perigosos para o Brasil 2. Legislação brasileira 3.O Brasil na Convenção da Basiléia Quadro: Impacto do chumbo na saúde e no meio ambiente 14 ASPAN

CHUMBO GROSSO: O CASO DAS BATERIAS … · Web viewQuando o preço do chumbo está muito baixo para tornar rentável a reciclagem adiciona-se uma taxa ao preço da bateria nova, destinada

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CHUMBO GROSSO: O CASO DAS BATERIAS MOURA

Um exemplo do que é a importação de resíduos tóxicos para o Brasil

I. Introdução 2

II. O caso Moura: 31. Contaminação dos trabalhadores com chumbo2. Contaminação do Meio Ambiente3. A importação de baterias usadas

III. O comércio internacional de resíduos perigosos 6

IV. A economia do comércio de baterias usadas 8

V. O Brasil e a importação de resíduos perigosos 91. A importação de resíduos perigosos para o Brasil2. Legislação brasileira3.O Brasil na Convenção da Basiléia

Quadro: Impacto do chumbo na saúde e no meio ambiente 14

ASPAN

Redação: Marijane Lisboa e Suzy RochaRevisão Técnica: Marcelo Furtado

Edição: Paulo Adário

Agosto de 1997

I. Introdução:Este relatório examina o caso do Grupo Moura, fabricante de baterias com sede em Pernambuco, cujas atividades poluentes bem conhecidas têm sido sustentadas nos últimos anos pela importação ilegal de baterias usadas dos Estados Unidos, para reciclagem.

Embora proibidas desde maio de 1994, as importações de baterias usadas para o Brasil nunca cessaram. De acordo com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, de janeiro a abril de 1997 foram exportados US$ 842.000 de “HS548101000 Waste and Scrap of Primary Cells, Primary Batteries and Electric Storage Batteries for the Recovery of Lead”. De acordo com a mesma fonte, durante os primeiros cinco meses de 1996, 72 toneladas. de baterias usadas foram exportadas dos EUA para o Brasil.

Analisando os manifestos de carregamento dos navios no porto de Miami nos primeiros cinco meses de 1997, o Greenpeace averiguou que 108 contêiners (com quase 3 mil toneladas de carga) rotulados como baterias com ácido (battery wet filled with acid UN2794) foram enviadas para os portos de Suape e Recife, em Pernambuco. O código UN2794 é o código de envio de materiais perigosos aceito internacionalmente pelas Nações Unidas para “baterias úmidas com ácido”. Todos os contêiners foram enviados pela International Trade Partners, de Medley, Flórida. A International Trade Partners está registrada como empresa de venda de sucata de metais e baterias, com cinco empregados. Investigações posteriores revelaram que as operações dessa pequena empresa praticamente se restringem à exportação de baterias usadas para o Brasil.

Na outra ponta desse comércio, no Brasil, o Greenpeace descobriu, ao consultar as estatísticas de comércio exterior (Secretaria de Comércio Exterior - SECEX/ DECEX), que de janeiro a junho de 1997, o Grupo Moura importou dos EUA 5 mil toneladas de sucata de chumbo de baterias, no valor de U$ 774.267,00. Essas importações foram

registradas sob o código 85.48.10.10, sucata e resíduos de chumbo de baterias. Uma nota de rodapé no documento diz: “importação proibida (Resolução Conama 23/96)”, o que não parece ter sido suficiente para que as autoridades interrompessem a importação ilegal.

A importação de baterias de chumbo usadas, classificadas como resíduos perigosos pela legislação nacional e internacional, está proibida pela legislação brasileira desde maio de 1994. Uma cláusula de exceção permitia, contudo, a importação de resíduos perigosos, desde que se provasse haver “absoluta imprescindibilidade” de um determinado tipo de resíduo.

Foi atendendo à solicitação de empresas processadoras de chumbo e baterias elétricas que, em 11 de outubro de 1996, o Ministro do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Gustavo Krause, assinou a Resolução nº 8, autorizando nove empresas brasileiras a importar baterias usadas para o reaproveitamento do chumbo ad referendum do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

A Resolução nº 8 teve vida curta devido à enérgica reação das entidades ambientalistas, do Conama, de deputados federais e da imprensa. Uma semana após assinada e duramente questionada durante a 24a. reunião do Conama, no dia 24 de outubro, a Resolução nº 8 foi suspensa pelo Ministro e, a 6 de dezembro, definitivamente revogada.

Entre as nove empresas que a resolução autorizava a importar baterias de chumbo usadas, se encontrava o Grupo Moura, de Pernambuco.O Grupo Moura certamente não é o único poluidor entre aquelas nove empresas, já que a reciclagem de chumbo é uma operação bastante perigosa. Uma rápida consulta a órgãos ambientais estaduais indicou que várias outras empresas da lista se encontravam em situação irregular junto a esses órgãos. No entanto, este relatório destaca o caso do Grupo Moura por duas razões:

1) A Aspan e o Greenpeace já vinham investigando essa empresa em virtude das continuadas denúncias que recebiam, tendo coletado amostras de solo, sedimentos e efluentes líquidos em setembro de 1996, as quais comprovavam que a empresa estava

efetivamente poluindo não apenas a área da própria empresa mas também seu entorno.

2) Existem provas contundentes de que o Grupo Moura continuou importando ilegalmente baterias usadas ao longo dos dois últimos anos, em desrespeito flagrante à legislação nacional e internacional. As importações da Moura vieram dos EUA, país que não faz parte da Convenção da Basiléia. De acordo com o artigo nº 4, ítens 3 e 5 dessa Convenção, da qual o Brasil é signatário, comerciar resíduos perigosos com país não membro da Convenção constitui crime.

Essas importações ilegais foram denunciadas, pela primeira vez, em outubro de 1996, pelas entidades ambientalistas Greenpeace e Associação Pernambucana para a Defesa da Natureza (Aspan). No mês anterior, o Greenpeace e a Aspan haviam coletado amostras de água, solo e sedimento de duas fábricas da Moura, no agreste pernambucano. Os resultados das análises, feitas em laboratórios do Brasil e da Inglaterra, demonstraram que a Moura estava contaminando o meio ambiente em seu entorno.

As entidades ambientalistas denunciaram esse comércio ilegal ao Conama, ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, através do Ministério Público Federal em São Paulo, já em outubro e novembro de 1996. De lá para cá, como mostram nossas investigações, a Moura continuou importando baterias de chumbo usadas dos EUA.

II. O Caso Moura

Contaminação dos trabalhadores

O Grupo Moura, fundado há mais de 40 anos, tem cinco empresas trabalhando com baterias automotivas. Três delas se localizam no município de Belo Jardim, em Pernambuco: Acumuladores Moura, Metalúrgica Bitury e Cia Moura Indústria de Separadores.

O Sindicato de Metalúrgicos de Pernambuco vem acompanhando desde 1991 as atividades do Grupo Moura, em virtude dos inúmeros problemas relacionados com a saúde de seus trabalhadores. A pedido do Sindicato de Metalúrgicos, o ITEP - Fundação Instituto de Tecnologia de Pernambuco - realizou, em agosto daquele ano, exames laboratoriais em 51 trabalhadores da Moura Baterias, Acumuladores Moura e Elba Eletrometalúrgica Brasil Ltda, as duas primeiras pertencentes ao Grupo Moura. Os resultados foram assustadores: cerca de 63% dos trabalhadores examinados apresentavam níveis de contaminação com chumbo acima de 60 microgramas de chumbo para cada 100 mililitros de sangue, ou seja, mais da metade apresentou índice de contaminação acima do máximo permitido por lei, que é de 60 microgramas.

Também a Delegacia Regional de Trabalho em Pernambuco, Divisão de Segurança e Medicina do Trabalho chegou a uma conclusão semelhante em seu laudo pericial do processo nº. 24 330-014419/91, de novembro de 1991:

“Existe insalubridade em grau máximo para os setores de fundição, moldagem das grades e misturador de óxido de chumbo. Existe insalubridade em grau médio para os setores de empastamento das placas e formação de baterias. O mesmo laudo constatou que, no setor de fundição de lingotes de chumbo, os empregados não utilizavam luvas, aventais, botas e proteção respiratória: no de moldagem das grades, não utilizavam luvas, calçados e faziam refeições sobre a bancada; por fim, no de empastamento, os empregados não utilizavam luvas e aventais”.

Em novembro de 1992, a pedido do grupo Moura, a Fundacentro-PE produziu um “Relatório Técnico quanto à Exposição Ocupacional de Chumbo nas Dependências das Empresas Acumuladores Moura S/A e Metalúrgica Bitury”. Nele lê-se às páginas 15 e 16 as seguintes conclusões:

“Analisando-se os dados no levantamento quantitativo, verificou-se que, com exceção da fase inicial do empastamento e da operação de soldagem na Linha 4, na Acumuladores Moura e Moinho de Caixas na Reciclagem de Caixas, todos os demais setores, tanto da Acumuladores Moura como da Metalúrgica Bitury apresentaram concentrações de chumbo no ar superior ao limite de tolerância estabelecido pela legislação trabalhista

brasileira” e que 16 pontos analisados, do total de 25, apresentaram “concentrações de chumbo superiores ao valor máximo”, caracterizando “uma situação de grave e iminente risco para a saúde dos que não estão protegidos”.

As condições precárias em que operam as empresas do Grupo Moura resultaram em freqüentes denúncias na imprensa. Em 7 de novembro de 1993, o “Diário de Pernambuco” publicou a seguinte matéria:

“O deputado Nilson Gibson volta a denunciar a Indústria Baterias Moura, localizada no município de Belo Jardim(...) são contrariados os princípios básicos da segurança do trabalho, abrigando empregados em seu quadro funcional sem conceder aos mesmos proteção suficiente para evitar a intoxicação oriunda do material ali utilizado em grande escala: o chumbo(...) operários daquela indústria lidam diretamente com o chumbo, sem qualquer proteção, com riscos de doenças graves e em alguns casos, invalidez total e irreversível(...) 50% dos empregados não possuem carteira assinada e, assim, não contribuindo para a Previdência Social, ficam impedidos de requererem até mesmo seus benefícios” .

A Procuradoria do Trabalho/ Coordenadoria de Defesa dos Interesses Individuais e Indispensáveis e Difusos (CODI) também investigou as empresas Moura. Em seu relatório de abril de 1994 lê-se:

“Dos autos verifica-se que o problema do uso do chumbo no processo de industrialização, no Estado de Pernambuco, relaciona-se principalmente com 05 (cinco) empresas, sendo que 03 (três) delas são do Grupo Moura (Acumuladores Moura S/A, Metalúrgica Bitury e Moura Export)”. A Procuradoria/CODI recomendou na pág.4: “Portanto, com relação às cinco empresas relacionadas,(...) entendo que devemos ajuizar ações civis públicas, perante às juntas de conciliação e julgamento das localidades, para compelí-las a eliminar ou neutralizar a insalubridade existente em seus estabelecimentos”. Em função disso, em abril de 1994, foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho uma Ação Civil Pública contra a Acumuladores Moura S/A e a Metalúrgica Bitury.

Em 27 de agosto de 1995, “O Jornal do Commercio” informava: “Na semana passada, o Grupo Moura demitiu 86 operários que trabalhavam na fábrica de baterias localizada

em Suape, no Cabo. De acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos, 30% desses trabalhadores estariam contaminados por chumbo, com índices acima de 60 miligramas por decilitro de sangue, limite de tolerância do organismo, e que caracteriza o saturnismo”.(vex quadro “O Impacto do Chumbo na Saúde e no Meio Ambiente”)

Até agosto de 1996, contudo, o quadro de insalubridade dos trabalhadores da Moura não havia se modificado significativamente. O Sindicato dos Metalúrgicos de Pernambuco solicitou ao Centro Toxicológico do Nordeste Ltda (Toxine) que realizasse exames de sangue em 11 trabalhadores, que se encontravam afastados das empresas Moura há cerca de seis meses. Desse total, apenas dois trabalhadores apresentavam valores aceitáveis, isto é, abaixo de 40 mg/100 ml de sangue. Os exames foram realizados em agosto de 1996.

Contaminação do Meio Ambiente

Em 1994, os fatos acima relatados e a prática de demitir seus funcionários com alto índice de contaminação por sais de chumbo, fez com que o Grupo Moura Baterias fosse o vencedor do concurso “Degradador do Ano - 1993”, promovido pela Aspan. A Moura encabeçou a lista das dez empresas que mais contribuíram com danos ambientais no ano de 1993. Ela foi a responsável direta, segundo pesquisas da Aspan, pelo comprometimento da bacia do Rio Ipojuca através dos seus afluentes e pelo lançamento de resíduos ácidos e excesso de sais de chumbo no meio ambiente, provocando sérios problemas respiratórios na população e a contaminação dos seus trabalhadores.

Entre 1995 e 1996, o Instituto Tecnológico de Pernambuco (ITEP) realizou um estudo sobre a qualidade da água do Rio Ipojuca. Em seu relatório intitulado “Diagnóstico da Qualidade da Água do Rio Ipojuca”, na página 5, pode-se ler que os efluentes da Moura Baterias Industriais apresentam “resíduo ácido contendo sais de chumbo”, e por isso há perigo de contaminação da população residente e comprometimento da fauna e flora

da região. Quase metade da área do município de Belo Jardim, onde estão três empresas do grupo Moura, pertence à bacia hidrográfica do Rio Ipojuca.

Em setembro de 1996, em virtude das denúncias que continuavam recebendo, o Greenpeace e a Aspan realizaram um levantamento preliminar do grau de contaminação por chumbo na área de influência do Grupo Moura Baterias. As fábricas analisadas foram a Acumuladores Moura e a Metalúrgica Bitury, ambas localizadas em Belo Jardim.

Ali foram coletadas duas amostras distintas por ponto de amostragem, sendo cada série de amostras enviadas para análise em dois laboratórios: a Ambiental Laboratório e Equipamentos Ltda. em São Paulo e o Exeter Laboratory, na Inglaterra.1 Os resultados das análises podem ser vistos na tabela 1.

Tabela 1Acumuladores Moura

(responsável pela fabricação de novas baterias)Saída de efluentes líquidos da fábrica para a comunidade

Ambiental ExeterAmostra 1 A(água)

4,9 mg/l 3,94 mg/l

Amostra 2 A(sedimento)

56872,0 mg/kg

25368,90 mg/kg

Amostra 1 B(água)

1,1 mg/l 1,74 mg/l

Amostra 2 B(sedimento)

686,0 mg/kg 2607,90 mg/kg

Metalúrgia Burity(responsável pela reciclagem de baterias usadas)

Depósito de caixas usadasAmbiental Exeter

Amostra 1 C(solo)

12854,0 mg/kg

25943,9 mg/kg

Depósito de escóriasAmbiental Exeter

Amostra 1 D(solo)

29755,0 mg/kg

20085,0 mg/kg

Amostra 2 D(escórias)

69924,0 mg/kg

26386,1 mg/kg

Como se pode verificar na tabela 1, os dados das análises de água e sedimento, adjacentes à fábrica Acumuladores Moura, indicam a presença de níveis altíssimos de chumbo na região amostrada. O nível máximo de chumbo

permitido em efluentes líquidos industriais tratados, antes de serem lançados nos corpos hídricos receptores, é de 0,05 mg/l (Resolução Conama 20/86).A legislação brasileira não define limites máximos para chumbo em sedimentos. Segundo Prater & Anderson, porém, o teor considerado normal para sedimento não contaminado é de 40 mg/kg. Portanto, os teores de chumbo obtidos nas amostras analisadas são extremamente elevados, o que evidencia um transporte significativo deste metal pela drenagem dos efluentes líquidos.

Os teores de chumbo nas amostras coletadas na Metalúrgica Bitury variaram de 20.085 a 122.854 mg/kg. De acordo com a classificação do Reino Unido, solos contendo níveis de chumbo acima de 2.000 mg/kg são considerados altamente contaminados. Assim, os resultados preliminares indicam uma contaminação de dez a 60 vezes acima do padrão permitido por aquela legislação. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA recomenda a remoção permanente do solo contaminado quando este atinge níveis superiores a 5.000 mg/kg. A legislação brasileira, porém, não estabelece parâmetros máximos aceitáveis para contaminação do solo com chumbo.

Após as denúncias feitas pelo Greenpeace e pela Aspan, a Moura, em visita à Aspan, acatou a proposta de realizar uma inspeção técnica nas instalações das fábricas de Belo Jardim, o que ocorreu em 26 de novembro de 1996. A inspeção foi feita juntamente com o ITEP e o Sindicato dos Metalúrgicos de Pernambuco e demarcados os locais da empresa a serem coletados. No entanto, até a data da conclusão do presente documento, oito meses depois, as amostras não haviam sido colhidas e nenhum relatório da primeira inspeção foi entregue pelo ITEP à Aspan.

1 As metodologias de análise adotadas foram bastante similares. A Ambiental utilizou o método de espectrofotometria de absorção atômica após digestão preliminar, de acordo com o Standard Methods (19th edition 3030 & 3111) e segundo a normatização técnica CETESB L-5-600/15-601/94. O Exeter utilizou digestão com ácido nítrico e clorídrico e determinação de metais por método de espectrofotometria/plasma (ICP-AES).

As importações de baterias usadas

Apesar de estar proibida desde maio de 1994, a importação de baterias usadas para o Brasil nunca cessou. Um documento do Departamento de Comércio dos Estados Unidos mostra que, somente no período de janeiro a maio de 1996, 72 toneladas de baterias usadas foram exportadas para o nosso país.

Em reunião da Câmara Técnica de Recursos Hídricos do Conama, no dia 23 de outubro de 1996, o Dr. Ricardo Braga, presidente da Companhia Pernambucana de Controle da Poluição Ambiental e da Administração de Recursos Hídricos (CPRH) - órgão ambiental do Estado, comunicou aos demais conselheiros que estariam há um mês, no porto de Suape, Pernambuco, 51 contêiners destinados a empresa do Grupo Moura. O presidente ignorava o conteúdo da carga, assim como sua procedência.

Dois dias depois, o Jornal do Commercio noticiou que "se encontram no porto de Recife, desde o dia 30 de setembro, 18 contêiners com sucatas de baterias, importadas dos Estados Unidos para a Acumuladores Moura S/A, fabricante das baterias Moura. O vice-presidente da empresa, Edson Moura, garante que a importação seguiu os trâmites legais e teve autorização prévia do Ministério do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos".2

Ambas as denúncias foram encaminhadas pelo representante das ONGs do Nordeste, Renato Cunha, à Presidência do Conama. Um mês depois, o Ibama ainda não tinha nenhuma informação oficial sobre a existência e destino destas cargas. Em 12 de dezembro de 1996, o Greenpeace solicitou reunião com a Presidência do Ibama e reclamou da morosidade em se apurar os fatos.

Segundo o Ibama informou na reunião acima mencionada, o porto de Suape comunicou que parte dos contêiners estava sendo "desembaraçada", ou seja, o Grupo Moura continuava retirando a sua carga ilegalmente trazida ao país, mesmo depois de todo o escândalo provocado pela Resolução n° 8! O Greenpeace solicitou ao Ibama que apurasse as responsabilidades sobre o fato e obrigasse

a empresa a devolver o carregamento ilegalmente introduzido no país.

Até a última reunião do Conama, de 7 de julho de 1996, ignorava-se a existência de qualquer medida de autoridades federais, estaduais e do Ministério Público de Pernambuco visando apurar as responsabilidades do Grupo Moura e a eventual conivência de órgãos públicos nesse caso de tráfico ilegal, considerando criminoso segundo a legislação nacional em

vigor. 3

Como é evidente, a impunidade estimula a reincidência. Entre janeiro e junho desse ano, conforme o Greenpeace comprovou, o Grupo Moura importou quase 5 mil toneladas de baterias de chumbo usadas, dos EUA, a um valor de U$ 774.267,00 dólares.

III. O Comércio Internacional de Resíduos Perigosos

A Proibição da Basiléia

Em 1994, os países membros da Convenção da Basiléia sobre Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos decidiram, por consenso, proibir imediatamente todas as exportações de resíduos perigosos destinados à disposição final, provenientes dos países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), para países não pertencentes à essa organização.4

2 Jornal do Comércio, Recife, 25 de outurbro de 1996.3 No início de novembro, ao constatar que ainda nenhuma providência legal fora tomada para investigar as denúncias, o Greenpeace entregou representação ao Ministério Público de São Paulo, a qual foi enviada ao Ministério Público de Pernambuco. Até a data de conclusão desse relatório, ignoramos qualquer iniciativa do Ministério Público da região.

Essa proibição também incluía o compromisso de suprimir o envio de resíduos perigosos destinados à reciclagem, oriundos dos países mais ricos para os demais, a partir de janeiro de 1998. Essa proibição, que passou a ser chamada de Proibição da Basiléia (Basel Ban) foi incorporada ao texto da Convenção na forma de uma emenda, durante a III Conferência (Genebra, 1995). O Brasil foi um dos países que aprovou a Proibição da Basiléia e depois sua transformação em emenda. Essa proibição é legalmente obrigatória para todos os integrantes da Convenção, - atualmente, mais de cem países. O governo brasileiro precisa, agora, ratificar a emenda e promover os ajustes correspondentes em sua legislação interna.

A aprovação da Proibição da Basiléia só foi possível graças aos esforços concentrados dos países em desenvolvimento, que formam o G-77. A medida foi saudada mundialmente como uma grande vitória da justiça ambiental. Efetivamente, durante muito tempo, os interesses comerciais inescrupulosos das nações ricas, aproveitando-se da legislação ambiental menos rígida dos países em desenvolvimento, puderam externalizar os custos com a minimização de seus resíduos perigosos e evitar a busca de tecnologias limpas. A Proibição da Basiléia foi a resposta dos países em desenvolvimento a essa tendência perversa do mercado internacional, de transformá-los em depositários do lixo dos países industriais.

A reciclagem de resíduos perigosos

O fato de a Proibição da Basiléia incluir a proibição da exportação de resíduos perigosos também para reciclagem é de enorme importância, pois é com esse pretexto que 90% das exportações de resíduos perigosos para o Terceiro Mundo continuam ocorrendo 5 Através de inúmeras investigações, o Greenpeace vem mostrando que a reciclagem

de resíduos perigosos, apesar da conotação "verde" do nome reciclagem, constitui uma das operações industriais mais sujas de que se pode ter.6 Por isso, não causa nenhuma surpresa o fato de que essas empresas de reciclagem se concentrem cada vez mais em países onde a força de trabalho é barata e onde a legislação e a fiscalização ambiental são deficientes. Assim, se por um lado a Proibição da Basiléia impede que os países desenvolvidos possam continuar externalizando seus custos ambientais, ela também protege os países em desenvolvimento carentes de padrões ambientais rígidos, de se tornarem especializados em reciclagem de resíduos perigosos, rumo que comprometeria qualquer projeto de desenvolvimento sustentável.

Porém, graças à Proibição da Basiléia, este comércio lamentável está com seus dias contados. Além disso, fechado esse escoadouro tão barato, espera-se que as empresas dos países mais industrializados se vejam estimuladas e forçadas a buscar métodos de produção limpa e estratégias de prevenção da geração de resíduos perigosos.

Baterias de chumbo são resíduos perigosos

A Proibição da Basiléia adotou uma série de critérios científicos para determinar o que são resíduos perigosos.7 Até o momento existem mais de 50 categorias de resíduos consideradas como tais, inclusive baterias de chumbo usadas.8 Durante as últimas Conferências da Convenção da Basiléia, representantes da indústria desenvolveram intenso lobby visando a retirar as baterias das categorias cobertas pela Convenção. Eles alegavam que o status de "resíduo perigoso" não deveria ser definido em virtude dos seus eventuais impactos na saúde ocupacional e no meio ambiente. Com isso, essas indústrias ignoravam a principal motivação da Proibição

4 . Desde o início dos trabalhos da Convenção havia o entendimento de que o fluxo de resíduos perigosos mais preocupante era aquele que ocorria dos países mais ricos e industrializados para os países mais pobres, em processo de industrialização. A adoção do critério de classificação - países pertencentes à OCDE e países não pertencentes à OCDE - forneceu uma fórmula legal para que a Convenção da Basiléia pudesse lidar com esses dois grupos de países. Como qualquer critério de classificação, este também apresenta problemas, pois inclui países como a Turquia, ou o México, que costumam ser destinatários de resíduos perigosos. No entanto, ao reunir os 25 países mais industrializados do mundo, o grupo de países OCDE abarca todos os maiores exportadores de resíduos perigosos do planeta.5 Ver “The International Trade in Wastes, a Greenpeace Inventory”, Greenpeace USA, 1990; “Latin America: Toxic Dumping Ground?”, Greenpeace International, 1993; “Russia: The Making of a Waste Colony, a Greenpeace Dossier”, Greenpeace Germany and Greenpeace Russia, 1993; “Database of Known Hazardous Waste Exports from OECD to non-OECD Countries 1989-March 1994, Greenpeace International; “The Waste Invasion of Asia, a Greenpeace Inventory, Greenpeace International, 1994; “Waste Lives: Mercury Waste Recycling at Thor Chemicals”, Earthlife Africa and Greenpeace International, 1994.

da Basiléia, que era justamente evitar que as deficiências na legislação e fiscalização ambientais do Terceiro Mundo funcionassem como atrativo para os resíduos perigosos dos países ricos. Além disso, esse tipo de proposta evidencia o quanto a indústria despreza a vontade política dos países participantes da Convenção.

IV. A Economia do Comércio de Baterias UsadasOs principais fatores atuantes no comércio de baterias usadas são típicos a todo o comércio de resíduos perigosos. Nos países desenvolvidos, enquanto crescem os custos regulatórios concernentes à saúde ocupacional e ao meio ambiente para as indústrias recicladoras de baterias, os preços para o chumbo reciclado continuam baixos.

Em muitos desses países não está mais valendo a pena operar fundições secundárias de chumbo. Os comerciantes de baterias usadas encontram preços mais convidativos em países onde os salários e os custos ambientais são mais baixos.

Nos países desenvolvidos, em geral, existe a coleta de baterias usadas. Países como a Suécia, a Alemanha e a Itália utilizam um sistema de imposto, ajustável ao preço do chumbo. Quando o preço do chumbo está muito baixo para tornar rentável a reciclagem adiciona-se uma taxa ao preço da bateria nova, destinada a financiar a coleta e reciclagem das baterias usadas.

Nos EUA, por exemplo, vários Estados exigem que os revendedores aceitem a devolução de baterias usadas quando da compra de novas.

Em muitos deles também vigora o sistema de um depósito em caixa na compra de novas baterias, o qual retorna ao consumidor quando este devolve sua bateria usada.

Esses sistemas contrastam claramente com a situação de muitos países em desenvolvimento, onde as baterias são coletadas de forma irregular e o reaproveitamento do chumbo é realizado em condições as mais precárias para os trabalhadores e o meio ambiente. Ambas circunstâncias tornam a importação de baterias usadas para recuperação de chumbo um bom negócio do ponto de vista econômico, pois os seus custos ambientais não são incorporados aos custos produtivos.

No Brasil já existe um projeto de lei que pretende garantir um sistema de coleta obrigatória de baterias usadas, forçando o seu retorno aos produtores. O Projeto de Lei nº 4344/03, um substitutivo do deputado federal Fernando Gabeira ao projeto de lei do atual Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Fábio Feldmann, já foi aprovado por unanimidade na Comissão de Meio Ambiente do Congresso Nacional , pela Comissão de Constituição e Justiça, encontrando-se agora em regime de urgência, para aprovação pelo plenário da Câmara.

A verdade é que nos últimos anos, a reciclagem de chumbo tem atravessado uma crise nos países altamente industrializados, devido à incorporação dos seus altos custos ambientais. Assim, a fundição secundária de chumbo já está abandonando massivamente os EUA. Segundo o "Journal of Metals", "…os custos de instalação de equipamentos de controle de emissões e seguros contra contaminação forçaram o fechamento de mais da metade dos fundidores secundários de chumbo na América do Norte".9

Ainda segundo a publicação do "American Metals Market", "fontes do comércio de sucata disseram que a crescente importância dos

6 Ver “When Green is Not”, Dr. Paul Johnston, Ruth Springer do Greenpeace Exeter Laboratory e Jim Puckett, Greenpeace International e “Greenpeace’s Position with Respect to the Trade in Recyclable Wastes”, Greenpeace International 1994 7 Ver “Convenção sobre Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação”, artigo 1, Alcance da Convenção, Diário do Congresso Nacional, 17/06/1992.8 Em fevereiro de 1997, a 12ª. reunião do Grupo Técnico de Trabalho da Convenção, em Genebra, concluiu a versão final da lista de mais de 50 resíduos tóxicos sujeitos à Proibição da Basiléia, a ser adotada na próxima reunião das Partes.As sucatas de baterias de chumbo (baterias de chumbo usadas inteiras ou quebradas) estão incluídas nesta lista. Vale lembrar que a definição do que seja um resíduo tóxico é sempre feita através dos anexos da Convenção da Basiléia. As listas definidas pelo grupo técnico servem para facilitar o controle alfandegário.9 Taylor and Zunkel, "Environmental Challenges for the lead-zinc Industry", Journal of Metals, 40 (8), agosto de 1988, pags.27-30.

países mais pobres como compradores no mercado internacional de baterias usadas é um reflexo da dificuldade de alguns operadores norte-americanos em assegurar o cumprimento da legislação ambiental, cada vez mais rígida". 10

O Departamento de Mineração (Bureau of Mines) dos EUA também repete esse mesmo diagnóstico, informando que "fundidores estrangeiros podem oferecer preços melhores pela sucata, já que seus custos financeiros, ambientais e de salários são mais baixos do que os dos produtores dos EUA".11

Em resumo, é a falta de investimento nos custosos equipamentos de controle ambiental e na segurança ocupacional que permite às companhias dos países em desenvolvimento pagar mais pelas baterias usadas do Primeiro Mundo. Naturalmente, os prejudicados são o meio ambiente, a saúde dos trabalhadores e da população vizinha a tais fábricas, nesses países menos desenvolvidos. E, se fôssemos calcular, é evidente que os custos ambientais e de saúde certamente excederiam em muito a renda que tais empresas poderiam gerar. Mas, como não são elas quem pagam essa conta, reciclar baterias continua sendo um excelente negócio em países como o Brasil, Filipinas, Indonésia e outros "newly industrialised countries". 12

E o que acontecerá nos países mais industrializados, quando entrar em vigor a proibição de exportar resíduos perigosos destinados à reciclagem para o Terceiro Mundo? Tendo que arcar com uma parte maior dos custos ambientais de seus produtos poluentes - que agora não mais serão exportados - a indústria manufatureira de baterias, por exemplo, intensificará as pesquisas para eliminar o uso de substâncias tóxicas nas baterias, como o chumbo e o cádmio. Aliás, hoje, a decadência das fundições secundárias de chumbo nesses países já é um reflexo da pressão de suas sociedades contra a contaminação com chumbo. Mas até 31/12/1996, o comércio de baterias usadas para os países em desenvolvimento continuará fornecendo uma válvula de escape fácil e barata para os produtores de baterias nos países ricos.

V. O Brasil e a importação de resíduos perigosos

A importação de resíduos perigosos para o Brasil

Como outros países menos desenvolvidos, o Brasil também tem sido vítima freqüente de importações de resíduos perigosos, especialmente no que se refere a metais pesados.

Esse comércio nocivo era em muito facilitado pela antiga legislação brasileira, que abria uma série de exceções para a importação de resíduos perigosos. Também contribuía para isso a incapacidade das autoridades ambientais e portuárias de controlar efetivamente o ingresso de resíduos perigosos nos portos brasileiros.

Assim foi que, em 1989, o Greenpeace fez abortar duas tentativas da fábrica Produquímica, em Suzano, São Paulo, de importar resíduos de metais pesados contendo chumbo, zinco, cádmio etc. Embora à época o Brasil não proibisse tal tipo de importação, era necessário que os eventuais importadores obtivessem autorização junto aos órgãos ambientais. Como a Produquímica não possuía a referida autorização, o Greenpeace e a organização ambientalista OIKOS conseguiram impedir o desembarque dos resíduos perigosos no porto de Santos.

Em 1991, a Aspan e o Greenpeace descobriram que as empresas Amin Trade Company (ATC), Global Energy e Infra International pretendiam introduzir em Recife resíduos perigosos importados, sob o pretexto de utilizá-los como combustível em um incinerador a ser construído na cidade. Após denúncia da Aspan, o projeto foi engavetado pelas autoridades locais.

10 “American Metal Market”, 17 abril de 199211 Smith and Daley, “Domestic secundary lead Industry: Production and Regulatory Compliance Costs”, Department of Interior (Bureau of Mines), Circular Informativa, 1987.12 Ver “Lead Astray, The Poisonous Lead Battery Waste Trade”Greenpeace International, março de 1994, e “Lead Overload: Battery Waste Trade and Recycling in the Philippines, Greenpeace International, 1996.

No início de 1993, foi a vez do Rio de Janeiro. A Prefeitura da cidade recebeu a proposta de uma estranha empresa de Hong Kong, a C&P Enterprise Corporation, para construir "uma usina de recuperação de calor para produção de energia elétrica por meio de turbinas a gás", a qual pressupunha importação de resíduos a serem utilizados como combustível. Investigações realizadas pelo Greenpeace, na Flórida, revelaram que o endereço comercial do representante da empresa era falso, como costuma acontecer com a maioria dessas máfias do lixo.

Em setembro de 1993, o Greenpeace descobriu um carregamento de resíduos de metais pesados, falsamente descrito como "micronutrientes", para a empresa Produquímica, já anteriormente envolvida em caso semelhante. No momento em que a carga suspeita ingressava no armazém alfandegário de Suzano, o Greenpeace alertou as autoridades locais e a imprensa. A carga foi apreendida e os resultados das análises realizadas pela CETESB e a Receita Federal confirmaram a denúncia do Greenpeace. Grande parte dessa carga foi devolvida à Inglaterra, mas ainda hoje, parte dela se encontra no Porto de Santos, presa em infindáveis pendências legais.

O caso Produquímica ainda repercutia na imprensa quando o Greenpeace descobriu outro escândalo. Um carregamento de baterias usadas de chumbo estava prestes a ser embarcado no navio Brazil Express, do porto de Tilbury, Londres, para o Brasil. Os ativistas do Greenpeace se amarraram ao contêiner e aos guindastes do porto, enquanto uma faixa foi pendurada, com os dizeres STOP TOXIC WASTE EXPORTS. No Brasil, o Greenpeace alertou o governo brasileiro a respeito da eminente importação ilegal de resíduos perigosos, pois embora o Brasil ainda permitisse a importação de certos tipos de resíduos perigosos, a Inglaterra, à época, não fazia parte da Convenção da Basiléia, e portanto não poderia exportar quaisquer resíduos perigosos para o Brasil. A Federação dos Sindicatos dos Portuários do Rio de Janeiro também comunicou o governo que seus trabalhadores não desembarcariam a carga, caso ela chegasse a portos brasileiros. A carga foi retirada do navio, em Tilbury.

O sinuoso caminho da proibição legal

A essa altura, crescia a pressão no Brasil para que se proibisse totalmente esse tipo de comércio. Os diversos casos de comércio ilegal de resíduos perigosos, denunciados por organizações ambientalistas, indicavam claramente que as autoridades brasileiras não conseguiam fiscalizar seus portos devidamente e, portanto, eram incapazes de fazer cumprir a legislação brasileira concernente às importações de resíduos.

Na verdade, esse não era apenas um problema brasileiro. As principais vítimas do comércio internacional de resíduos perigosos, os países em desenvolvimento, em geral não dispõem de recursos para fiscalizar devidamente suas costas e alfândegas. A solução para isso, na opinião de muitos especialistas na área, seria uma proibição internacional - que colocasse o ônus dessa fiscalização nos grandes exportadores de resíduos perigosos, ou seja, nos países ricos.

No Brasil, várias entidades ambientalistas e sindicais, especialmente as de portuários, enviaram, então, cartas ao Ministério do Meio Ambiente solicitando que, além de proibir taxativamente qualquer importação de resíduos perigosos para o país, o Brasil apoiasse a proposta de proibição de exportação de resíduos perigosos para os países em desenvolvimento, durante a próxima reunião da Convenção da Basiléia, que se realizaria em março de 1994.

Atendendo a esses pedidos, o à época ministro do Meio Ambiente Rubem Ricúpero convocou reunião informal do Conama, para a qual o Greenpeace foi especialmente convidado. Durante a reunião tornou-se evidente o consenso quanto à necessidade de se proibir a importação de resíduos perigosos para o Brasil, e apoiar uma proibição em nível internacional, na próxima reunião da Convenção da Basiléia.

Semanas depois, em março de 1994, em Genebra, a II Conferência das Partes da Convenção da Basiléia dava o histórico passo de proibir a exportação de resíduos perigosos provenientes dos países membros da OCDE para os não pertencentes a essa organização. Visando adequar nossa legislação interna aos recentes avanços da Convenção da Basiléia, o Ibama preparou e o Conama aprovou a Resolução no 7, de 4 de maio de 1994, pela

qual se proibiam exportações e importações de resíduos perigosos.

Porém, dado que faltavam ao Brasil tecnologias especiais para o tratamento de alguns resíduos perigosos (o ascarel era um exemplo), a resolução previa exceções. Em caso de "absoluta imprescindibilidade" de exportações ou importações de resíduos perigosos, essas ficavam condicionadas à apreciação e deliberação prévia do Conama. Além disso, um grupo de trabalho interministerial foi constituído para disciplinar a importação e exportação de resíduos que, embora não classificados como perigosos, fossem considerados como não-desejáveis.

No entanto, sem aguardar a conclusão dos trabalhos daquele grupo, às vésperas do Ano Novo, a 30 de dezembro de 1994, o Ministério do Meio Ambiente, ad referendum do Conama, revogou a resolução anterior, introduzindo várias ambigüidades e exceções à nova legislação. Em particular, a Resolução n° 37, de 30/12/94, retirava do Conama o poder de julgar os tais casos de "comprovada imprescindibilidade". Tal autorização passava a depender apenas do arbítrio do Ministério do Meio Ambiente.

Na verdade, o poderoso lobby dos importadores brasileiros de resíduos perigosos começava a obter resultados junto ao Ministério do Meio Ambiente. Por essa época, o Greenpeace teve acesso à correspondência entre o Brasil e os EUA, na qual se negociava um acordo bilaterial para o comércio de resíduos perigosos entre ambos países, através do qual - dentro do marco legal da Convenção da Basiléia - seria possível ao Brasil importar resíduos perigosos dos EUA. 13

Logo em seguida, algumas mudanças de funcionários responsáveis pela política brasileira de importação de resíduos perigosos, no Ibama, sinalizaram claramente uma alteração de curso desta política. E o Conama nunca foi chamado para referendar a Resolução n° 37, aprovada ad referendum, em dezembro de 1994. Com isso, ficava ao bel prazer do Ministério de Meio Ambiente conceder autorizações para importar resíduos perigosos julgados "imprescindíveis". Essa mudança de curso também podia ser detectada no fato de que, enquanto o Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty fechava-se em copas para discutir sua política frente à Convenção da Basiléia com organizações ambientalistas, as indústrias interessadas na importação de resíduos perigosos passavam a freqüentar assiduamente as reuniões governamentais onde as decisões eram tomadas.

A Resolução n.º 8, assinada pelo Ministro Gustavo Krause em 11 de outubro de 1996, foi o produto final desta íntima colaboração entre o lobby industrial e o Ministério do Meio Ambiente. Através dessa resolução, nove empresas brasileiras ficavam autorizadas a importar sucata de chumbo na forma de baterias usadas, mediante solicitação a ser aprovada pelo Ministério. Para tal, seria necessário, basicamente, que o órgão ambiental estadual declarasse "que a referida empresa estava capacitada para reciclar baterias de forma ambientalmente segura".14 Coincidentemente, a empresa Moura, uma das nove felizardas, já tinha em mãos a referida declaração, emitida pela Companhia Pernambucana de Controle da Poluição Ambiental e da Administração dos Recursos Hídricos (CPRH).15

13 A razão de tal acordo é a alínea 5, do artigo 4 da Convenção de Basiléia, que proíbe que países membros da Convenção comerciem resíduos perigosos com quaisquer países que não sejam membros. É preciso recordar que, nos seus primórdios, a Convenção da Basiléia não possuía qualquer dispositivo proibindo o comércio de resíduos perigosos, sendo sua pretensão apenas controlar esse comércio. O espírito da alínea 5, do artigo 4, portanto, era o de impedir que países membros da convenção pudessem comerciar resíduos perigosos, sem respeitar suas disposições de controle, por o fazerem com países que não fossem membros da mesma convenção. A única maneira de um país membro comerciar resíduos perigosos com um país não membro da convenção seria firmar um acordo bilateral entre ambos, cujos dispositivos de proteção ambiental fossem similares ou superiores aos da própria Basiléia. Ora, como os EUA não eram membros da Convenção (pois continuavam boicotando-a, ao se recusar a ratificá-la), o Brasil se prontificava a facilitar a importação de resíduos perigosos, através de um acordo bilateral.14 Artigo, inciso III da Resolução no 8 de 11/10/9715 Tudo indicava que a Resolução nº 8 fora preparada às pressas: A lista das nove empresas autorizadas incluía empresas em situação irregular junto aos órgãos governamentais estaduais, endereços comerciais desatualizados ou incompletos e até empresas que não queriam importar. O representante da empresa Delphy, subsidiária do grupo General Motors, José Ronaldo Campos, compareceu à entrevista coletiva dada pelos deputados Fernando Gabeira, Gilney Viana, o Greenpeace e Aspan, para declarar que sua empresa ficara surpresa ao perceber seu nome na lista dos beneficiários, pois não havia pedido qualquer autorização para importar baterias, nem pretendia reaproveitar chumbo de baterias. Conferir “Gazeta Mercantil”, 23/10/97.

Além disso, parecia inexplicável que um tema tão controverso quanto este, e carente de qualquer urgência, fosse objeto de uma resolução ministerial "ad referendum" do Conama, particularmente porque este órgão já tinha reunião ordinária marcada para a semana seguinte.

Conseqüentemente, quando o Ministro Gustavo Krause abriu a reunião ordinária do Conama, no dia 24 de outubro, enfrentou um clima de franca indignação. A Aspan e o Greenpeace haviam levado fotos mostrando as lamentáveis condições em que operava a MOURA, os resultados das análises das amostras de solo, sedimentos e efluentes líquidos atestando forte contaminação com chumbo e cópia de um processo de centenas de páginas, movido pelo Ministério do Trabalho contra a Moura, por contaminação de seus trabalhadores. Diante disso, a declaração do órgão ambiental de Pernambuco, "de que a Moura estava capacitada para operar de forma ambientalmente segura”, não mereceu qualquer crédito.

O deputado Gilney Viana, presidente da Comissão de Meio Ambiente e de Minorias, compareceu à reunião e entregou ao Ministro um abaixo-assinado contendo 24 assinaturas de parlamentares solicitando a suspensão da resolução. Após as primeiras intervenções de conselheiros solicitando o exame e a rejeição da Resolução n.º 8, o ministro Gustavo Krause concordou em suspendê-la.

O episódio da Resolução n° 8 alertou os conselheiros do Conama para a necessidade de examinar a Resolução n° 37, aquela que deixava a cargo do ministro do Meio Ambiente a prerrogativa de conceder autorizações para importação de resíduos perigosos. Em duas outras reuniões consecutivas, o Conama preparou uma nova resolução, de nº 23, pela qual tal autorização só poderia ser dada após cuidadoso exame pelo órgão.

Embora a nova resolução fosse muito mais restritiva que a anterior, ela ainda deixava em aberto a possibilidade de se importar resíduos perigosos. Como era de se esperar, o Grupo Moura e o Instituto de Chumbo e Zinco imediatamente solicitaram autorização, que estava sendo objeto de exame nos órgãos técnicos do Conama na data da publicação do presente relatório. Dificilmente, contudo, tais importações poderão se realizar, pois aproxima-se a data de 31 de dezembro de 1997, a partir da qual fica proibido a qualquer país não pertencente à Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), importar resíduos perigosos de países OCDE.

O Brasil na Convenção da Basiléia

O Brasil participou desde o começo das negociações em torno da Convenção da Basiléia. A Convenção se tornou lei brasileira em virtude da sua ratificação pelo decreto nº875, de 19 de julho de 1993, publicado no D.O.U. do dia subseqüente.

Nas duas primeiras conferências da Convenção, em novembro de 1992, em Piriápolis, Uruguai, e em março de 1994, em Genebra, o Brasil apoiou os demais países do Grupo 77, em seus esforços por proibir a importação de resíduos perigosos.

Mas na III Conferência das Partes da Convenção da Basiléia, em setembro de 1995, em Genebra, ficou evidente que o Brasil estava mudando de posição. O grande motivo de polêmica nessa conferência, era a proposta de emendar a Convenção, acrescentando ao seu texto a proibição aprovada no ano anterior. A razão dessa iniciativa estava em que ela seria uma forma de dirimir definitivamente quaisquer dúvidas a respeito da obrigatoriedade legal de todos os países membros da Convenção de respeitar a proibição de exportação aprovada, a qual deverá entrar em vigor em janeiro de 1998. Com efeito, alguns países contrários àquela proibição estavam defendendo o ponto de vista de que decisões tomadas em fóruns internacionais não eram "legalmente vinculantes", tendo apenas um caráter de recomendação.

A posição do Brasil durante essa reunião foi bastante ambígua. A delegação brasileira se declarava contrária à proposta de emenda da Convenção, por considerar que o direito internacional conferia caráter legal vinculante a decisões tomadas em seus fóruns. Escudando-se nessa tecnicalidade, o que a delegação brasileira na verdade queria era que não fosse aprovada a emenda. E para tal trabalhou ardorosamente em todas as reuniões não abertas ao público, como aquelas das quais participavam os países da América Latina. Junto com as Filipinas e a Índia, portanto, o Brasil batalhou infrutiferamente para romper a frente

constituída pelos países do Grupo dos 77.16 Ficando absolutamente isolado, o Brasil acabou por apoiar a inclusão da emenda, que mais uma vez foi aprovada por consenso. Como é de praxe, o governo brasileiro deveria ter encaminhado ao Congresso Nacional projeto de lei para ratificar a emenda, pois sua aprovação já ocorreu há um ano e meio atrás. Até agora, contudo, não tomou nenhuma iniciativa neste sentido.

Nas diversas reuniões dos grupos técnicos da Convenção da Basiléia, que ocorreram ao longo dos dois últimos anos, as pressões industriais continuaram a nortear a política brasileira. No começo do ano passado, durante uma reunião do grupo técnico em Kuala Lampur, na Malásia, o Brasil trabalhou inutilmente para excluir as baterias usadas da lista de resíduos perigosos a serem controlados e proibidos de serem exportados, a partir de janeiro de 1998.17

Em reuniões subseqüentes, parece que o governo brasileiro continuou fazendo gestões para derrubar a Proibição da Basiléia. Assim, alguns países teriam sido sondados sobre a possibilidade de apoiarem ou um "perdão" especial para o Brasil, ou uma interpretação legal que consideraria possível a continuidade da importação de resíduos perigosos dos EUA, após a entrada em vigor da proibição, através de um acordo bilateral. Até onde sabemos, mais uma vez sem sucesso.

Em resumo, a Resolução no 8, "ad referendum" do Conama, assinada pelo Ministro do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal no dia 11 de outubro de 1996, teve pelo menos a virtude de tornar pública a posição favorável das autoridades brasileiras à importação de resíduos perigosos.

Na verdade, desde que o governo brasileiro mudou de posição no que se refere à questão da importação de resíduos perigosos - mudança que pode ser datada do último semestre de 1994, na gestão do então ministro de Meio Ambiente Henrique Brandão Cavalcanti -, as políticas e gestões diplomáticas passaram a ser cuidadosamente escondidas da sociedade. O único setor da

sociedade civil a ser consultado e ouvido pelo governo foi a indústria importadora de sucatas.

Assim, no relatório do Workshop CEMPRE/ IPEA, intitulado "A Economia da Reciclagem: Agenda para uma Política Nacional", de 27 de novembro de 1995, ao tratar da reciclagem de aço, cobre e alumínio, pode-se ler à página 5:

"Este tema de comércio exterior foi, aliás, objeto de ampla discussão com participação efetiva da Associação Brasileira de Cobre e o Instituto Brasileiro de Siderurgia. No âmbito da Convenção da Basiléia, o governo brasileiro estaria até então favorável à proibição de exportações de sucatas perigosas, que incluiria indiscriminadamente esses metais, dos países da OECD para os países fora desta organização. Os debates indicaram que esta proibição era restritiva ao desempenho do setor de reciclagem, uma vez que as importações, embora não expressivas, serviam de fontes reguladoras de demanda. As medidas de precaução de importação de carga perigosa poderiam ser reforçadas internamente no país sem necessidade de proibições por parte de países ricos. Tal posição foi levada com sucesso ao Ministro do Meio Ambiente, que modificou a posição brasileira na Convenção. 18

Conforme se pode ver, a indústria não tem do que se queixar. O governo brasileiro muda de posição em uma convenção internacional sobre meio ambiente - que visa a introduzir o princípio da responsabilidade nacional sobre os resíduos perigosos gerados em cada país e com isso estimular a redução da geração desses mesmos resíduos em escala mundial - para ajudar um setor industrial brasileiro a baixar o preço da sucata de chumbo no mercado interno. (O próprio setor considerava "inexpressiva" a importação de sucata destes metais!)

Enquanto isso, o Congresso Nacional, o Conama, as entidades ambientalistas e a opinião pública brasileira são mantidos à margem do que negocia o Brasil na Convenção da Basiléia. Até as informações mais elementares são subtraídas a essas entidades, como, por exemplo, quais são as

17 Um fato curioso aconteceu nesta reunião: um representante da indústria de reciclagem de chumbo integrava a própria delegação oficial do Brasil. Enquanto isso, até um fax do Greenpeace ao Itamaraty, solicitando informação sobre a posição a ser adotada pela delegação brasileira, ficava sem resposta!16 Em entrevista à correspondente do jornal “O Globo”, o chefe da delegação brasileira teria admitido que "existe interesse em atender algumas indústrias por trás da decisão do Brasil em se opor à inclusão na Convenção da Basiléia de uma emenda proibindo os países ricos de exportarem lixo perigosos para o Terceiro Mundo". Vide "O Globo", 21/9/95.18 Grifos nossos.

posições que a delegação brasileira vem assumindo durante as reuniões técnicas. A questão da importação de resíduos perigosos ilustra, portanto, a miséria da política brasileira ambiental no nível nacional e internacional. Internamente, as considerações de ordem puramente econômica e de curto prazo se sobrepõem às ambientais, revelando que o desenvolvimento sustentável propugnado pelo nosso governo, só se sustenta no discurso, não nas decisões práticas.

No plano internacional, as tentativas diplomáticas brasileiras, ainda que tímidas, para debilitar a Proibição da Basiléia inserem-se num discurso anacrônico, protecionista e nacionalista, recusando-se a reconhecer aquilo que foi a principal lição da ECO-92: que o esforço conjunto das nações e a cooperação internacional são indispensáveis ao enfrentamento da crise ecológica mundial.

O Impacto do Chumbo na Saúde e no Meio AmbienteO chumbo é um poluente ambiental extremamente tóxico e penetrante, sendo conhecidos os seus efeitos perniciosos desde o começo da era cristã. A exposição aguda ou crônica ao chumbo pode causar desordens metabólicas, neurológicas e neuro-psicológicas.

Os bebês e crianças pequenas constituem um grupo de risco em especial, em caso de ingestão ou absorção. Nos últimos anos, estudos científicos mostraram que podem ocorrer efeitos adversos em crianças apresentando níveis de chumbo no sangue mais baixos ou iguais a 10 microgramas por decilitro (mg/dl).19 Em relatório publicado em 1991, o Centro de Controle de Doenças - Center for Disease Control (CDC) -, dos EUA, enfatiza que "exposição severa de crianças ao chumbo pode causar coma, convulsões e mesmo morte. Níveis mais baixos podem afetar o sistema nervoso central, rins e o sistema hematopoético. Associam-se níveis de chumbo abaixo de 10 mg/dl - os quais não causam sintomas -, ao rebaixamento da inteligência e a diminuição no desenvolvimento neuro-comportamental. A esses níveis baixos também se apresentam outros efeitos como diminuição de estatura e crescimento, assim como dificuldade em manter a postura ereta"20

Os sintomas neurológicos clássicos da exposição ao chumbo são a encefalopatia em crianças e a neurotoxicidade periférica em adultos.21 Esse último se caracteriza por perda do controle muscular nas extremidades, pés e mãos caídos. Disfunções neuromotoras também foram medidas em níveis de chumbo no sangue de 50-70 mg/dl.22 Além disso, o chumbo interfere na produção de hemoglobina, resultando em anemia, como verificou-se em casos onde os níveis de chumbo no sangue alcançavam 60-80 mg/dl.23

O chumbo também causa dano irreversível aos néfrons, levando a uma redução gradual na eficiência da excreção do ácido úrico. Constata-se igualmente correlação entre altos níveis de chumbo durante a gravidez e maior freqüência de natimortos e abortos, podendo o transporte transplacentário de chumbo afetar o sistema nervoso central do feto.24 Por isso, é muito importante que mulheres grávidas evitem exposição ao chumbo, já que não existe barreira placentária para o transporte deste metal e as evidências sugerem que o tecido cerebral do feto é particularmente sensível ao envenenamento com chumbo.25

Também se associam níveis sangüíneos paternos com má formação congênita em crianças, pois os níveis costumeiramente encontrados em alguns locais de trabalho podem ser prejudiciais à

19 “Preventing Lead Poisoning in Young Children”, declaração do Centers for Disease Control (CDC), EUA, Departamento de Saúde, Outubro de 1991.20 Idem21 Goyer, R.A.,1986. “Toxics effects of metals”, in Cassarett and Doull's Toxicology, The Basic Science of Poisons. CD Klaasen, MO Amdur and J.Doull (eds), Macmillian, London.22 Idem.23 Organização Mundial da Saúde, 1983, Reports and Studies No.22. Review of Potentially Harmful Substances - cadmium, lead and tin, GESAMP, Genebra.24 Idem25 Goyer, RA, 1990. “Transplacental Transport of Lead”, Environmental Health Perspectives 89; 101-105.

espermatogênese.26 Finalmente há evidências limitadas de que o chumbo possa ser carcinogênico em seres humanos, sendo os cânceres de rins os associados mais estreitamente à sua exposição.27

Os trabalhadores em fundições de chumbo e fábricas de reciclagem de baterias são, normalmente, os que apresentam as exposições mais altas e prolongadas a esse elemento.

As fundições de chumbo são igualmente bem conhecidas por criar problemas de poluição nas áreas onde estão instaladas. Estas podem contaminar seriamente o ar, água, solo e vegetação nas suas vizinhanças, ameaçando seriamente a saúde e a subsistência das comunidades locais onde operam.

Os riscos do trabalhador As principais atividades de risco na contaminação por chumbo são as de soldadores, galvanizadores, limadores, ferramenteiros, pintores industrial e de autos, ceramistas, chapistas, reparadores de radiadores, montadores e recondicionadores de baterias.

No ambiente de trabalho, o chumbo se apresenta como um aerodispersóide. A norma regulamentadora da Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho permite uma exposição máxima de 0,1 mg/m³ de ar, por 48 horas semanais. Mas, infelizmente, sabe-se que nas fábricas e reformadoras de baterias é comum o índice de tolerância ser ultrapassado em até 50 vezes tornando sério o risco de o trabalhador ser acometido pelo saturnismo - intoxicação aguda ou crônica do organismo pelo chumbo metálico ou seus compostos inorgânicos.

A absorção ocupacional do chumbo ocorre principalmente por via respiratória e é tão grande e rápida que cerca de 50% das particulas inaladas chegam à corrente sanguínea. Entrando na circulação periférica, o metal irá se acumular no fígado, baço, rins, coração, pulmões, cérebro, músculos e sistema esquelético, sendo que suas principais ações deletérias manifestam-se sobre os sistemas hematopoéticos, nervoso, renal, gastrointestinal e reprodutor. Sobre o diagnóstico da doença observam-se: a) no sistema nervoso, a presença da cefaléia, cansaço fácil, alterações de comportamento - como nervosismo, hostilidade, agressividade. Em casos graves, delírios e convulsões.; b) no sistema digestivo, anorexias, cólicas, dores gástricas, vômitos e constipação; c) no sistema locomotor, dores musculares e paralisias. Mas lamentavelmente os médicos ainda relutam em identificar esses sintomas com o saturnismo.

26 Sallmen M, Lindbohm M, Antilla A, Taskinen H and Hemminki K, 1992 - “Paternal Occupational Lead Exposure and Congenital Malformations”. Journal of Epidemology and Community Health 46; 519-522.27 Goyer, RA, 1990, op.cit.