Cícero - República

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    1/142

    Marco Tlio Ccero

    REPBLICA

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    2/142

    Da Repblica (51 AC)Ccero (106AC-43AC)

    EdioRidendo Castigat Mores

    Verso para eBookeBooksBrasil.com

    Fonte Digital

    www.jahr.orgTodas as obras so de acesso gratuito. Estudei sempre porconta do Estado, ou melhor, da Sociedade que paga impostos;tenho a obrigao de retribuir ao menos uma gota do que ela

    me proporcionou. Nlson Jahr Garcia (1947-2002)

    Verso para eBookeBooksBrasil.com

    Copyleft:Ridendo Castigat Mores

    NDICEAPRESENTAONlson Jahr Garcia

    BIOGRAFIA DO AUTORLIVRO PRIMEIROLIVRO SEGUNDOLIVRO TERCEIRO

    LIVRO QUARTOLIVRO QUINTO

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#1http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#2http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#3http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#4http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#5http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#6http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#7http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#7http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#6http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#5http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#4http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#3http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#2http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#1
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    3/142

    LIVRO SEXTONOTAS

    DA REPBLICA

    CCERO

    APRESENTAONlson Jahr Garcia

    Ccero erigiu um dos mais importantes

    pilares do pensamento romano de sua poca.Suas concepes filosficas, morais, jurdicas ereligiosas foram muito respeitadas por seuscontemporneos e o so at nossos dias.

    Em Da Repblica defende, como sistemapoltico ideal, um modelo misto de aristocracia e

    de governo popular. Fundamentando suasidias, analisa e discute, sob a forma dedilogo, as caractersticas do verdadeiro homempblico, igualdade de direitos, injustia, tirania,o culto da famlia e do lar domstico, adissoluo dos costumes gregos e romanos.

    O ponto alto encontra-se no Livro Sexto,que durante anos foi o nico texto conhecido,

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#8http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#9http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#9http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#9http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#8
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    4/142

    sob o nome de O Sonho de Cipio (SomniumScipionis). Nesse Livro, em estilo elegante eespiritualista defende, essencialmente, o dogma

    da existncia de Deus e da imortalidade daalma.

    uma obra-prima.

    BIOGRAFIA DO AUTOR

    Marco Tlio Ccero nasceu em Arpino, noano 106 a. C. Sua me, Hlvia, pertencia a umafamlia humilde, mas de boa reputao. Quantoa seu pai, divergem as opinies dos bigrafos,

    pretendendo uns que ele tenha nascido na lojade um pisoeiro que o educou, e outros fazendo-o descender de Tulo tio, que combateravalorosamente contra os romanos.

    O nome de Ccero tem uma origempitoresca: em latim, cicer significa gro-de-

    bico, e assim fora apelidado um seuantepassado em virtude de ter no nariz umaprotuberncia cuja forma lembrava a dogravano. A esse respeito, respondeu Ccero,quando j homem pblico, aos amigos que oaconselharam a mudar de nome: Farei tudopara tornar o nome de Ccero mais clebre que

    o de Escauro e o de Catulo. Com efeito,Scaurus e Catulus, nomes de oradores famosos,

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    5/142

    no tm, em latim, significados menos jocosos:p torto e cachorrinho. Mais tarde,quando questor na Siclia, Ccero mandou

    gravar, num vaso de prata que iria oferecer aosdeuses, os seus dois primeiros nomes, Marcus Tullius, e, no lugar do terceiro, um gro-de-bico.

    Dotado de excepcionais qualidadesliterrias e filosficas, Ccero cultivou todos osgneros de atividade intelectual, inclusive apoesia, tendo composto, ainda criana, umpoema intitulado Pontius Glaucus, no qualdescreve a aventura de um pescador da Beciaque, depois de ter comido certa erva, se atirouao mar transformando-se em deus marinho.Aperfeioou de tal maneira a sua cultura e tonotvel se revelou a sua eloquncia que chegoua ser considerado, no s como o melhororador, mas ainda como um dos melhorespoetas do seu tempo; e note-se que, entre osprncipes da poesia latina, fulguravam nomescomo os de Catulo e de Lucrcio.

    O primeiro professor de Ccero, logo que

    terminou os primeiros estudos, foi Filo, oacadmico, cuja eloquncia e cujo carter eramlegitimo motivo de orgulho dos romanos. Aomesmo tempo, freqentava Ccero a casa deMcio Cvola, senador ilustre, em cujo convvioadquiriu um profundo conhecimento das leis.Manteve, igualmente, estreitas relaes com os

    sbios gregos de sua poca, com os quais pode

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    6/142

    aumentar e enriquecer o seu j preciosocabedal cientfico.

    Depois da morte de Sila, sob cujo governo o jovem Ccero j tinha alcanado um granderenome, decidiu ele abraar a carreiraadministrativa. Nomeado questor da Siclia,acabou por merecer do povo to grandes provasde gratido como nenhum outro magistradoromano recebera at ento. Em toda a Itlia, oseu nome se tornou conhecido e venerado. Mas,a sua popularidade culminou quando ele,insurgindo-se contra os desmandos de Verres,que fora pretor na Siclia, produziu osformidveis discursos que se imortalizaram sobo nome de Verrinas.

    Admirado e estimado, possua amigos por

    toda parte, no havendo lugar na Itlia em queno fossem numerosos. Contudo, a sua vaidadee, sobretudo, as frases irnicas e mordazes deque freqentemente usava para ferir os queousavam fazer-lhe sombra, acarretaram-lheuma reputao de malignidade. De esprito finoe de um sarcasmo impiedoso, para tudo

    encontrava Ccero uma sada ou uma resposta:

    Irritado com Muncio, porque este, cujaabsolvio ele conseguira, demandava contraSabino, um dos seus amigos, disse-lhe Ccero:

    Ests mesmo pensando, Muncio, que fosteabsolvido graas tua inocncia, e no minha

    eloqncia, que ofuscou a luz aos olhos dos juizes? Como Marco Crasso lhe manifestasse

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    7/142

    sua estranheza diante de uma censura, quandopouco tempo antes havia sido por ele elogiado,Ccero respondeu-lhe:

    Sim, eu quis experimentar o meutalento num motivo ingrato. Mais tarde, essemesmo Crasso, querendo reconciliar-se comCcero, avisou-o de que iria cear com ele; e,algum tempo depois, como algum lhecomunicasse que Vatnio, com quem eletambm brigara, desejava fazer as pazes, disseCcero: Vatinio tambm quer cear comigo?Ao verificar, um dia, que era falsa a notcia quecorrera da morte de Vatnio, exclamou: Maldito quem mentiu to inoportunamente! Aum rapaz que o ameaava de cobri-lo deinjrias e que, pouco antes, fora acusado de terenvenenado o prprio pai com um bolo, disseCcero: Prefiro tuas injrias ao teu bolo. Aum certo Pblio Cota, que se tinha na conta de

    jurisconsulto, embora ignorante das leis emedocre, retrucou Ccero, quando aquele,interrogado como testemunha num processo,lhe respondera que no sabia nada: Julgasque te interrogo sobre o direito? Como MeteloNepote, numa discusso acalorada,perguntasse insistentemente a Ccero quem eraseu pai, teve esta resposta: Graas tuame, encontras mais dificuldade do que eu pararesponder a essa pergunta. Ao ouvir Marcopio dizer, numa defesa, que o amigo que eledefendia lhe recomendara muita exatido,raciocnio e boa f, interrompeu-o Ccero: E

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    8/142

    como tens coragem de no fazer nada do que oteu amigo te pediu? Tendo Verres, cujo filhoadolescente era tido como homossexual,

    chamado Ccero de efeminado, este respondeu-lhe: uma censura que deves fazer ao teufilho, com as portas fechadas.

    Outras vezes, suas frases eram cheias dehumorismo, como quando perguntou aDomcio, ao cogitar este de dar a um homempouco inclinado guerra, cuja honestidadeentretanto admirava, um posto qualquer deimportncia: Porque no o destinas paraeducar os teus filhos? Ou quando, naEspanha, onde combatia ao lado de Pompeu.retrucou a um certo Mrcio, que, recm-chegado da Itlia, dissera que em Roma corria oboato de que Pompeu estava sitiado: Eembarcaste, ento, s para vires te certificardisso com teus prprios olhos?

    Como cnsul, o maior triunfo poltico obtidopor Ccero foi a represso fulminante daconspirao de Catilina, cujos partidrios elemandou prender e, em seguida, fez executar em

    sua presena e na de todo o povo. As suasfamosas Catilinrias, pronunciadas no senado,valeram-lhe o ttulo de pai da ptria. Cceroera, ento, o homem mais querido e de maiorautoridade em Roma.

    A sua estrela s principiou a empalidecer

    quando encontrou diante de si, enrgica eimpetuosa, a figura de Csar, futuro ditador.

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    9/142

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    10/142

    imperator e, em Roma, se fizeram precespblicas para agradecer aos deuses o seuesplndido triunfo.

    De regresso da Cilcia, esteve Ccero emRodes e em Atenas, onde visitou os vultos, maiseminentes da poca e recebeu dos gregosgrandes provas de venerao. Chegando aRoma, Ccero encontrou uma situaoextremamente grave, minada pelo dissdio entreCsar e Pompeu. Cheio de ambio e sem saberque partido tomar para satisfaz-la, colocou-sea princpio ao lado de Pompeu, para logodepois, aconselhado por Cato, passar a fazer o

    jogo de Csar. Cato, no entanto, no podiafazer o mesmo, por achar que no deviaabandonar a causa que abraara desde o inciode sua carreira poltica. Ccero fez, mais tarde,o elogio de Cato, e Csar, na resposta que lhedeu, no deixou de louvar-lhe a eloqncia e osservios prestados ptria. O discurso deCcero intitula-se Cato, e o de CsarAntiCato.

    Conta. Plutarco que, tendo Ccero se

    encarregado da defesa de Quinto Ligrio,acusado de ter pegado em armas contra Csar,disse este aos seus. amigos: Que impedeque deixemos Ccero falar? H muito tempo queo ouvimos. Quanto ao seu cliente, um homemmau e meu inimigo: est julgado. No entanto, adefesa feita por Ccero foi to brilhante que

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    11/142

    perturbou o prprio Csar, fazendo-o tremer deemoo, e Ligrio foi absolvido.

    Instaurada a autocracia de Csar, retirou-se Ccero da vida pblica, passando a ensinarfilosofia no seu retiro de Tsculo e s raramenteindo a Roma para prestar homenagens aoditador. Era seu projeto, igualmente, escreveruma histria da Itlia, mas os mltiplosafazeres e as preocupaes domsticas que seseguiram ao seu divrcio, impediram-lhe arealizao desse desejo. Separando-se de

    Terncia, sua mulher, casou-se em seguida comPubllia, jovem cuja beleza e fortuna oseduziram. Pouco tempo depois, desgostosocom a morte de sua filha Tlia, acabourepudiando a nova mulher, sob o pretexto deque esta se alegrara com o triste acontecimento.

    Embora amigo de Bruto, Ccero noparticipou da conspirao contra Csar. Mortoo ditador, Antnio, que era cnsul, tratou logode fortificar o seu poder e moveu contra Ccerouma campanha terrvel, sobretudo quando este,cheio de ambio, principiou a conspirar com o

    jovem Csar Otvio para chegar ao governo. Foi,porm, trado por Otvio, que acabouconstituindo um triunvirato com Antnio eLpido, e os trs, de comum acordo,partilharam o imprio entre si.

    Inteiramente abandonado, Ccero e seu

    irmo Quinto deixaram Tsculo, onde seencontravam em repouso, e partiram para

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    12/142

    stira, com o fim de embarcarem, depois, paraa Macednia e se colocarem ao lado de Bruto,cujas foras, segundo corria, tinham

    aumentado consideravelmente. Em meio daviagem, porm, desesperanados e semprovises, resolveram separar-se, devendoCcero continuar a viagem e Quinto correr suacasa em busca do necessrio. Alguns dias maistarde, Quinto, pilhado por seus perseguidores,foi morto ao mesmo tempo que seu filho, depois

    de uma discusso comovente entre ambos, cadaqual desejando ser o primeiro a morrer: oscarrascos no esperaram que chegassem a umacordo e, separando-os, os degolaram.

    Em stira, Ccero, encontrando um navio,embarcou e foi at Crceu, mas a, mudandototalmente de resoluo, quis voltar a Roma,onde esperava contar com a benevolncia deOtvio. Caminhou a p alguns quilmetros e,sempre hesitante, tornou ao ponto de ondepartira e regressou a stira, dirigindo-se, no diaseguinte, para Caieta (hoje, Gaeta), ondepossua um domnio. A sua aflio era enormee, para tir-lo da situao penosa em que seachava, os seus criados resolveram lev-lonuma liteira em direo ao mar. Foi quando, ameio caminho, chegaram os seus assassinos,Hernio e Poplio, e o degolaram, tendo oprprio Ccero estendido corajosamente acabea, ao mesmo tempo que pronunciavaestas palavras: Moriar in patria soepe servataMorra eu na ptria que tantas vezes salvei)

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    13/142

    Morreu no ano 43 a. C., aos sessenta e trsanos de idade. Entre as suas principais obrasfilosficas, contam-se as seguintes: De Re

    Publica, De Officiis, Cato Major, Loelius Seu DeAmititia, De Finibus Bonorum et Malorum,Paradoxa Stoicorum, TusculunarumQuoestionum De Natura Deorum, DeDivinatione, etc. E entre os seus discursos: InCatilinam, Pro Q. Gallio, Pro A. Cluentio Avito,Pro Lege Manilia, Pro A.Coecina, In Verrem, In

    Q Coecilium, Pro Scamandro, Pro C. Mustio,Pro P. Quinctio, Pro Q. Roscio, Pro Murena,Post Reditum ad Quirites, Pro L. CorneliloBalbo, In L. Pisonem, Pro C. Rabirio Posthumo,Pro Q Ligario, Pro Rege Dejotaro, Pro T. AnnioMilone, Pro M. Marcello, Pro C. Plaucio, DeProvinciis Consularibus, Pro M. Coelio Rufo,

    Pro Domo Sua, ad Pontifices, Pro P. Sextio, etc.

    DA REPBLICA

    LIVRO PRIMEIROI

    Sem o amor ptrio, no teriam Dulio(1),Atlio(2) e Metelo(3) libertado Roma do terror deCartago; sem ele, no teriam os dois Cipiesapagado o incndio da segunda guerra pnica,

    e, quando seu incremento foi ainda maior, no

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n1http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n2http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n3http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n3http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n2http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n1
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    14/142

    o teria debilitado Quinto Mximo(4), nemextinguido M. Marcelo(5), nem impelido P.Africano(6) s prprias muralhas inimigas.

    Certamente a Cato(7), homem desconhecido,de quem, no obstante, todos os que estudamas mesmas verdades invejam a glria quealcanou com sua virtude e trabalho, pode serlcito deleitar-se ociosamente no saudvel eprximo stio de Tsculo(8). Mas, o homemveemente prefere, embora seja chamado de

    louco e a necessidade no o obrigue, arrostar astempestades pblicas entre suas ondas, atsucumbir decrpito, a viver no cio prazenteiroe na tranqilidade. Deixo de nomear osinmeros vares que salvaram a Repblica, epasso em silncio aqueles de que se conservarecente memria, temeroso de suscitar queixas

    com a omisso de algum. Afirmarei, sim, quetamanha a necessidade de virtude que ognero humano experimenta por natureza, togrande o amor defesa da sade comum, queessa fora triunfa sempre sobre o cio e avoluptuosidade.

    II. Mas, no . bastante ter uma artequalquer sem pratic-la. Uma arte qualquer,pelo menos, mesmo quando no se pratique,pode ser considerada como cincia; mas, avirtude afirma-se por completo na prtica, e seumelhor uso consiste em governar a Repblica econverter em obras as palavras que se ouvemnas escolas. Nada se diz, entre os filsofos, queseja reputado como so e honesto, que no o

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n4http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n5http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n6http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n7http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n8http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n8http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n7http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n6http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n5http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n4
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    15/142

    tenham confirmado e exposto aqueles pelosquais se prescreve o direito da Repblica. Deonde procede a piedade? De quem a religio?

    De onde o direito das gentes? E o que se chamacivil, de onde? De onde a justia, a f, aequidade, o pudor, a continncia, o horror aoque infame e o amor ao que louvvel ehonesto? De onde a fora nos trabalhos eperigos? Daqueles que, informando essesprincpios pela educao, os confirmaram pelos

    costumes e os sancionaram com as leis.Perguntando-se a Xencrates(9), filsofoinsigne, que conseguiam seus discpulos,respondeu: Fazer espontaneamente o que selhes obrigaria a fazer pelas leis. Logo, ocidado que obriga todos os outros, com aspenas e o imprio da lei, s mesmas coisas a

    que a poucos persuadem os discursos dosfilsofos, prefervel aos prprios doutores.Onde se poder encontrar discurso de tantovalor que se possa antepor a uma boaorganizao do Estado, do direito pblico e doscostumes? Assim, julgo preferveis as cidadesmagnas e dominadoras, como as denomina

    nio(10), aos castelos e praas fortes; creio,igualmente, que, aos que governam a Repblicacom sua autoridade, se deve antepor asabedoria dos peritos em negcios pblicos. Jque nos inclinamos a aumentar a herana dahumanidade; j que para isso se encaminhamnossos estudos e trabalhos, estimulados pela

    prpria natureza, e mais, para tornar maispoderosa e opulenta a vida do homem, sigamos

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n9http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n10http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n10http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n9
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    16/142

    o caminho que os melhores empreenderam, eno escutemos as vozes e sinais que noschamam por detrs e a que os nossos

    predecessores fecharo os ouvidos.III. A essas razes to certas e evidentes se

    opem, entre os que argumentam em contrrio,em primeiro lugar, os trabalhos que acarreta adefesa da Repblica, impedimento nmio para ohomem desperto e vigilante, e desprezvel nos em coisas de tanta importncia, comotambm nas de menos interesse, nos estudos,nos assuntos comuns e nos negciosordinrios. Acrescenta-se o perigo de perder avida; ope-se o temor morte, torpe evergonhoso para o varo ntegro, habituado aconsiderar mais miservel consumir-se pelanatureza e pela senitude do que darvalorosamente ptria, num momentodeterminado, o que cedo ou tarde ter dedevolver natureza.

    nesse lugar que se julgam fortes evitoriosos os adversrios, ao alegarem asingratides e injustias sofridas pelos mais

    preclaros vares. Aqui apresentam exemplostomados dos gregos: Milcades(11), dominador evencedor dos persas, no curado ainda dosferimentos que recebera lutando corpo a corpoem preclara vitria, perdeu a vida, que salvaradas armas inimigas, nas masmorras da cidade;e Temstocles(12), proscrito da ptria que lhe

    devolvia a liberdade, buscou asilo no nos

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n11http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n12http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n12http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n11
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    17/142

    portos da Grcia por ele salvos, mas entre osbrbaros que em outros tempos hostilizara. Noso, certamente, poucos os exemplos da

    volubilidade e crueldade dos atenienses emseus mais preclaros vares; exemplos que,repetindo-se freqentemente entre eles, nofalta quem assegure que tenham passado paraa nossa cidade. Recordam-se, a esse propsito,ora o desterro de Camilo(13), ora a desdita deAala(14), a inveja de Nasica(15), ora o

    ostracismo de Lenas(16), ou a condenao deOpmio(17), ou a fuga de Metelo, ora o dolorosoassassnio de C. Mrio(18), a morte dos chefes,ora outras muitas desditas que pouco depois sesucederam. No deixam de citar meu prprionome. E creio mesmo que, imaginando dever ameus riscos e conselhos a conservao de sua

    vida e do seu repouso, amantes e ternos demeus males se queixam. estranho que seadmirem nos sacrifcios pela ptria aqueles quea ambio ou a curiosidade leva aos mares.

    IV. Quando jurei, ao deixar o Consulado, naassemblia do povo romano, que repetiu meu

    juramento, que eu salvara a ptria, senti arecompensa das inquietaes e cuidados queme produziram as injrias. Por mais queminhas desditas tivessem mais de honras doque de trabalhos, e no tanto de inquietaocomo de glria, maior alegria recebi pelos votosdos bons do que dor pela alegria dos maus.Mas, se tivesse acontecido outra coisa, de queme poderia queixar? Nada para mim seria

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n13http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n14http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n15http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n16http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n17http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n18http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n18http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n17http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n16http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n15http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n14http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n13
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    18/142

    imprevisto nem grave que no esperasse pormeus feitos. Ainda mesmo que me fosse lcitocolher o maior fruto do cio pelo doce e variado

    dos estudos a que me consagro desde ainfncia, e ainda mesmo que, sobrevindo algumdesastre geral, minha condio no devesse serpior, mas a mesma dos outros, no vacilaria emarrostar as maiores tormentas e as prpriasinundaes fluviais pela conservao doscidados, julgando sacrificar meu bem-estar em

    aras da tranqilidade comum. A ptria no nosgerou nem educou sem esperana derecompensa de nossa parte, e s para nossacomodidade e para procurar retiro pacfico paraa nossa incria e lugar tranqilo para o nossocio, mas para aproveitar, em sua prpriautilidade, as mais numerosas e melhores

    faculdades das nossas almas, do nossoengenho, deixando somente o que a ela possasobrar para nosso uso privado.

    V. Na verdade, no devemos ouvir ossubterfgios que empregam os que pretendemgozar facilmente de uma vida ociosa, emboradigam que acarreta misria, e perigo auxiliar aRepblica, rodeada de pessoas incapazes derealizar o bem, com as quais a comparao humilhante, e em cujo combate h risco,principalmente diante da multido revoltada,pelo que no prudente tomar as rdeasquando no se podem conter os mpetosdesordenados do populacho, nem generosoexpor-se, na luta com adversrios impuros, a

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    19/142

    injrias ou ultrajes que a sensatez no tolera;como se, para os homens de grande virtude,animosos e, dotados de esprito vigoroso,

    pudesse existir causa mais justa de desejar ogoverno da Repblica do que a de no sucumbiraos desejos dos mprobos e impedir quemenoscabem o Estado, tornando impossvelsalv-lo quando necessrio.

    VI. Quem pode demonstrar a iseno quenega ao sbio toda participao nos negciospblicos, exceto nos casos em que o tempo ou anecessidade o obrigue? A quem pode sobrevirmaior necessidade do que a mim, na qual nadateria, podido fazer, mesmo no sendo cnsul?Como o poderia eu ter sido sem ter feito estacarreira desde a minha infncia, pela qual teriade chegar, de cavaleiro, a esta suprema honra?No est em nossas mos servir a Repblicaquando a vontade o ordena e de improviso,mesmo quando ela corra grave risco, se no nostivermos colocado antes em condiesfavorveis. E, em geral, o que mais estranhonos discursos dos sbios que os que negamser possvel governar uma nave num martranqilo, porque nunca procuraram saberfaz-lo, se julguem capazes de tomar o lemequando sobrevem a borrasca. Assim costumamfalar e disso se gabam com no poucafreqncia; esquecendo os meios de constituirsolidamente um Estado, atribuem talconhecimento, no aos homens doutos eeminentes, mas aos experimentados nessa

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    20/142

    modalidade de conhecimento. Como poderocumprir a promessa de auxiliar a Repblica emtranses difceis, quando ignoram o que mais

    fcil: governar o Estado em tempos debonana? Realmente, os sbios no costumam,por vontade prpria, descer aos negciospblicos, e nem sempre admitem esse encargo;mas, tambm julgo perigoso descuidararbitrariamente o conhecimento dos negciospblicos sem se preparar para qualquer

    eventualidade e desconhecendo o que podeocorrer.

    VII. Se me estendi tanto em consideraessobre esse ponto, porque este livro umadiscusso empreendida e seguida por mim arespeito do Estado; e, para no frustr-la, tiveprimeiro de combater as dvidas e desnimosque nos afastam dos negcios pblicos. Sehouver algum a quem decida a autoridade dosfilsofos, escolha com cuidado e escute aquelescuja autoridade e cuja glria, so reconhecidaspelos homens mais doutos, aos quais estimo,mesmo quando no tenham dirigido a nave doEstado, porque, em compensao, muitoindagaram e escreveram a respeito dessasquestes, desempenhando uma espcie demagistratura. Os sete vares que os gregoschamaram de sbios foram versados naadministrao pblica; e, realmente, em nadase aproxima tanto o nume humano do divinocomo ao fundar novas naes ou conservar as

    j fundadas.

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    21/142

    VIII. Pelo que me respeita, a mim queconsegui alcanar digna reputao na gestodos negcios e encontrar facilidade para

    explicar os fundamentos das coisas civis, posso,com minha experincia, discernir e mostrar queos meus antecessores, alguns, versados nasdiscusses, no desempenharam nenhumcargo prtico, e outros, prticos nas gestespblicas, eram rudes em oratria. No minha inteno instituir novas regras, de

    minha prpria inveno, mas repetir asopinies dos preclaros e sbios vares de que seguarda memria em nossa idade e na nossaRepblica; ainda adolescentes, pudemosapreci-la dos lbios de P. Rutlio Rufo(19), emEsmirna, que nos referiu uma controvrsia demuitos dias, e na qual julgo no estar omitido

    ponto algum de interesse que se possarelacionar com este grande assunto.

    IX. Sendo cnsules Tuditano(20) eAqulio(21), P. Cipio-Africano, filho dePaulo(22),decidiu passar as frias latinas nosseus portos, confiado na promessa feita pelosamigos de frequent-los naqueles dias; noprimeiro dia de festa, veio o primeiro Q.

    Tubero(23), filho de sua irm, a quem Cipioviu com alegria e perguntou: Como, tu poraqui to cedo, Tubero? Estas frias davam-teocasio oportuna para te entregares aos teusestudos. Tenho muito tempo, respondeu,

    para me ocupar com meus livros, que estosempre abandonados; mas, a ti mais difcil

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n19http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n20http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n21http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n22http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n23http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n23http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n22http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n21http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n20http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n19
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    22/142

    ficar ocioso, e muito mais em tempo decomoes pblicas. De onde se conclui, replicou Cipio, que minha ociosidade mais

    revela falta de negcios do que de nimo. Aoque disse Tubero: Verdadeiramenteproveitoso te seria menos nimo e maisdescanso, porque somos muitos os queresolvemos abusar de teu cio, se isto no teincomoda. Consinto nisso, e assim nodeixaremos de adquirir algum novo

    conhecimento.X. Queres, pois, j que me ds confiana, e

    de certo modo me convidas, que examinemos,antes que cheguem nossos amigos, que possaser o novo sol que se anunciou no Senado? Noso poucos nem de pouco crdito os que dizemter visto os dois sis, e a desconfiana no tanta como o af de procurar para esse fatouma explicao. Disse, ento, Cipio: Comosinto falta da presena de Pancio(24), queestuda com verdadeiro interesse, entre outrascoisas, esses maravilhosos fenmenos celestes!Por minha parte, Tubero, se devo dizer-te oque sinto, no posso assentir no que ele afirmacomo se visse e tocasse coisas das, quaisapenas podemos formar vagas hipteses; porisso, costumo julgar mais sbio a Scrates(25),que prescinde dessa curiosidade nuncasatisfeita, por se tratar de coisas superiores razo humana, ou talvez indiferentes vida dohomem.

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n24http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n25http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n25http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n24
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    23/142

    Ignoro, Africano, disse Tubero, porque se conserva a memria de que Scratesdesprezava esse gnero de discusses, para s

    procurar indagar tudo quanto se refere aoscostumes da vida. Que autor podemosencontrar, que a ele se refira, de maisautoridade que Plato(26)? Em seus livros e emmuitas passagens, a linguagem de Scrates tal que, mesmo discutindo a respeito doscostumes, das virtudes e at da Repblica,

    mistura os nmeros, a geometria e a harmonia,seguindo o exemplo de Pitgoras(27).

    Cipio replicou: assim como dizes;mas, creio ter ouvido de ti, Tubero, que, umavez morto Scrates, Plato trasladou-se,primeiro, para o Egito, pelo desejo de saber;depois, para a Itlia e para a Siclia, afim deestudar Pitgoras; que teve ocasio de discorrercom Arquitas(28) tarentino(29) e com

    Timeu(30), que recolheu os comentrios deFilolau(31), e que, como naqueles tempos elugares encontrasse no auge os estudospitagricos, se entregou aos estudos de suaescola. Mas, como tambm Scrates lhe erapredileto e queria que tudo favorecesse suadoutrina, uniu o enlace e a sutileza daeloqncia socrtica profundidade eobscuridade de Pitgoras.

    XI. Nem bem Cipio disse isso, viuaproximar-se L. Frio(32) e, saudando-o

    amistosamente, atraiu-o e colocou-o a seu lado.

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n26http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n27http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n28http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n29http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n30http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n31http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n32http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n32http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n31http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n30http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n29http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n28http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n27http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n26
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    24/142

    E, como viesse tambm P. Rutlio, que o autordesta narrao, depois de saud-lo, convidou-oa sentar-se perto de Tubero. Ento, Frio:

    Que discutis! disse. Pusemos fim aovosso dilogo? No, de modo algum, respondeu o Africano, posto que comfreqncia investigas com interesses asquestes do gnero das que props Tubero hbreves instantes, e Rutlio to pouco deixava,comigo, de se ocupar algumas vezes com elas,

    no sitio de Numncia. Qual era a matriada discusso? perguntou Filo(33) Osdois sis que dizem ter visto, e a respeito dosquais ele deseja, Filo, conhecer a tua opinio.

    XII. Quando Africano disse isso, um escravoanunciou a. chegada de Llio(32), que j tinhasado de sua casa. Ento, Cipio, trajando suasroupas mais luxuosas, depois de dar algunspassos no prtico, saudou o recm-vindo Llio eseus companheiros Esprio Mmio(35), seuamigo predileto, C. Fnio(36) e QuintoCvola(37), genros de Llio e jovens instrudos,

    j na idade de poderem ser magistrados; depoisde saudar todos, voltou ao prtico, colocandoLlio no meio, como lhe concedendo um direitode preferncia na sua amizade para com eles,pela adorao que este professava nos camposao vencedor da frica, que obrigava Cipio ahomenage-lo na cidade pela sua superioridadeem anos. Tendo-se dirigido mutuamente apalavra e passeado, Cipio, a quem era grata apresena dos amigos, quis que estes

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n33http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n34http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n35http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n36http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n37http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n37http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n36http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n35http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n34http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n33
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    25/142

    repousassem no lugar do jardim que o sol maisbanhava com seus raios, porque era, do ano, aestao de inverno; e, ao faz-lo, apareceu um

    varo muito ilustrado e querido por todos, M.Manlio(38), que, depois de saudar Cipio e osoutros amigos, se sentou ao lado de Llio.

    XIII. Filo disse ento: No creio que apresena dos recm-vindos deva forar-nos aprocurar diferente assunto de controvrsia, mastrat-lo com mais calma e dizer alguma coisadigna dos que nos escutam.

    De que tratveis, ou qual era aconversao por ns interrompida? perguntouLlio. Filo respondeu:

    Cipio me perguntava qual o meu

    parecer sobre os dois sis, cuja apario setestemunha geralmente.

    E j sabemos, Filo, tudo o queconcerne s nossas casas e Repblica, paranos ocuparmos do que acontece no cu? Pensas, replicou este, que no interessaaos nossos lares saber o que acontece noimenso domiclio, que no o encerrado entrenossas paredes, mas o mundo todo, que osdeuses nos deram como albergue e ptria,fazendo-nos nisto seus partcipes? Alm do que,se ignorarmos isso, teremos de ignorar tambmmuitas e grandes coisas. Por minha parte, eprovavelmente pela tua e pela de todos osvidos de sabedoria, a considerao e o

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n38http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n38
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    26/142

    conhecimento dessas coisas me deleitam. Lliorespondeu: No o nego, e menos ainda emtempo de frias; mas, podemos ainda ouvir

    algo, ou viemos tarde? Nada est aindadiscutido e, estando a questo ntegra, comprazer te concedo a palavra para que exponhasa respeito o teu julgamento. Escutemos-teprimeiro, a menos que Manlio prefira resolver olitgio entre ambos os sis, dando a ambos apossesso do cu. Zombas, disse

    Manlio, da jurisprudncia que me honro emconhecer, sem a qual quem distinguiria o seudo alheio? Mas, deixemos essa questo eescutemos Filo, que maiores dificuldades temresolvido do que as que no presente nospreocupam a P. Mcio e a mim.

    XIV. Filo: Nada de novo direi por mimdescoberto ou pensado; no posso esquecer queC. Sulpcio Galo(39), homem sbio e douto,conforme se afirma universalmente, ouvindofalar de um caso semelhante em casa de M.Marcelo, que fora cnsul com ele, mandou quelhe trouxessem o globo celeste que o av deMarcelo tomara, no stio de Siracusa, daquelacidade magnfica e opulenta, sem tirar de toabundante conquista outro despojo; eu ouvirafalar dessa esfera a propsito da glria e dorenome de Arquimedes(40), e me admiraria seno soubesse que existia outra mais notvel,construda pelo prprio Arquimedes e levadapor Marcelo ao templo da virtude. Mas, depois,quando Galo comeou a explic-la com sua

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n39http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n40http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n40http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n39
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    27/142

    grande sabedoria, achei que o construtor era omais gigantesco engenho de seu sculo e omaior que a humanidade pudesse admirar.

    Galo dizia que a outra esfera slida e maciaera inveno antiga, posto que o primeiromodelo se devia a Tales de Mileto(41), que.depois Eudxio de Cnido(42) havia nelarepresentado e descrito todos os astros quepodemos admirar na abbada celeste, e quemuitos anos depois Arato(43) a completara com

    seus versos,. aproveitando esses desenhos evalendo-se no da cincia astronmica, mas dapotica. esse gnero de esfera em que serepresenta o movimento do sol e da lua e o dascinco estrelas que se chamam errantes, no sepodia demonstrar de um modo slido. E o maisadmirvel, no invento de Arquimedes, consiste

    em ter ele achado um meio de demonstrar aconvergncia dos astros para um ponto no meioda adversidade e desigualdade de todos os seusmovimentos e trajetrias. Galo conseguiu darmovimento a essa esfera, e ento o sol e a luagiravam ao redor da terra, substituindo-se,como sucede no cu diariamente, em que,

    quando o sol se ergue, a lua torna a tocar aparte escura.

    XV. E eu estimava muito aquele homem,sabendo o grande afeto que meu pai Paulo(44)lhe dedicava. Lembro-me de que, nos tempos daminha adolescncia, sendo meu pai cnsul daMacednia e estando na guerra, a superstio eo terror assaltou o nosso exrcito, quando, por

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n41http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n42http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n43http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n44http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n44http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n43http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n42http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n41
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    28/142

    uma noite serena, de sbito, a lua, queresplandecia no cu refulgente, eclipsou-se.Ento, ele, que um ano antes do consulado foi

    legado nosso, no teve dvida em ensinar, nodia seguinte, ao exrcito, que no existiaprodgio em tal fenmeno, e que sucederia omesmo em futuras e determinadas pocas,quando o sol estivesse de tal forma colocadoque a sua luz no pudesse alcanar a lua. Mas, como, perguntou Tubero, ensinar

    queles homens incultos e nada cientficosessas questes? Cipio: Isto certo. Nem insolente ostentao, nem palavrasimprprias de um homem srio e digno foramas suas. Nada melhor podia algum propor-sedo que afastar daqueles homens perturbados oterror supersticioso

    XVI. E no foi de outro modo, na grandeguerra que sustentaram os atenienses e oslacedemnios, que Pricles(45), prncipe, na suacidade, da autoridade, da prudncia e daeloqncia, assim que escureceu o sol, astrevas repentinamente se fizeram e o receioassaltou o esprito dos atenienses, ensinou aosseus concidados, diz-se, o que ele mesmoaprendera de Anaxgoras(46), a quem ouvira,isto , que, em perodos de tempo necessrios eregulares, quando toda a lua se encontrassesobre o sol, sucederia o mesmo em algunsmeses, se bem que no em todos. E como, aodiscutir, demonstrasse com razes o queafirmava, livrou seu povo do terror; no entanto,

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n45http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n46http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n46http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n45
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    29/142

    por esse tempo, era nova e ignorada a razo doescurecimento pela interposio do sol e da lua,razo que, segundo se assegura, foi Tales o

    primeiro que descobriu. No escapou, depois, penetrao de nosso nio, que escreveu no anoqinquagsimo, trezentos da fundao deRoma, depois das nonas de junho: o sol a luaescureceu e a noite; e foi tal nessa matria oaperfeioamento que, a partir desse dia cujadata vemos consignada nos versos de nio e

    nos anais mximos, se reputaram os eclipsesanteriores ao que se verificou nas nonas de julho, no reinado de Rmulo(47), eclipse quedeu lugar, com sua escurido, a que se

    julgasse, sendo de natureza mortal, que foraarrebatado prodigiosamente s alturascelestes.

    XVII. Tubero disse ento: No vs,Africano, como esta cincia, que antes teparecia insignificante, deve ensinar-se?... Quese pode ensinar que parea grande aoshumanos e ao que penetra o domnio dosdeuses? Que pode existir de duradouro paraquem conhece o eterno? Que haver de gloriosopara quem v quo pequena a terra em toda asua extenso e na sua parte habitada,, quoinsignificante o stio que ocupamos paraesperar que, deste ponto, ignorado demuitssimos povos, poder nosso nome voar,longe, nas asas da glria? Certamente, paraaquele que nem os gados, nem os edifcios, nemo dinheiro considera como verdadeira riqueza,

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n47http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n47
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    30/142

    pouco valem todas as coisas deste mundo, cujodesfruto , na sua opinio, limitado, o usopequeno, incerto o domnio, sem contar que, s

    vezes, os homens mais pequenos desfrutam asriquezas maiores. Feliz o homem que podeverdadeiramente gozar do bem universal, nopor mandamento das leis, mas em virtude desua sabedoria; no por um pacto civil que comele se queira celebrar, mas pela Naturezamesma que d a cada um o que julga que pode

    saber, usar e ser-lhe til. Quem aprecia oimprio e o consulado como coisas impostas eno como apetecveis, considera um deverdesempenh-los; quem encara esses encargoscomo um gravame e no como algo benfico quelhe h de trazer honra e proveito; quem de simesmo pode dizer o que escrevia de Cato meu

    av Africano, que nunca era mais ativo do quequando nada fazia, que nunca estava menos sdo que quando se encontrava solitrio, somenteesse feliz!

    Quem poder crer, de fato, queDionsio(48), quando conseguiu tirar aliberdade de seus sditos, fez algo maisimportante do que Arquimedes, quando, nadafazendo, em aparncia; terminou essa prpriaesfera da qual nos ocupamos? Para quem noesto mais ss os que, em meio turbulncia eao rudo da cidade e do foro, no encontramcom quem falar, sendo-lhes grato que aquelesque, no segredo do seu estudo e dos seustestemunhos, assistem s controvrsias dos

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n48http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n48
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    31/142

    sbios, se alimentem com os encantos de suasobras e inventos? Quem se poder julgar maispoderoso do que aquele que nada necessita do

    que deseja a sua natureza; ou mais rico do queo que v serem maus todos os seus desejos, oumais santo e feliz do que o que se v livre detoda perturbao de nimo, ou quem maisfirme na sua fortuna do que aquele que podelevar consigo mesmo, embora no seu naufrgio,todos os seus bens? Que imprio, que

    magistratura, que reino pode superar o estadodaquele que, contemplando da altura de suasabedoria todas as coisas humanas a elainferiores, s se ocupa com as eternas e divinas,persuadido de que, sendo todos homens, s oso propriamente os que renem os atributosda humanidade? Eis porque to eloqentes me

    parecem as frases de Plato, ou de quem querque as tenha dito, quando, tendo-o levado atempestade, com outros companheiros, a terrasignotas e a uma costa deserta, por entre otemor que nos outros fazia surgir a ignornciado stio, viu, segundo se diz, figurasgeomtricas desenhadas na areia, e, com nimo

    sereno, exclamou: Vede, pois, vestgios dehomem. Interpretou assim, no o cultivo doscampos, mas os indcios da cincia. E por isso,

    Tubero, agradaram-me sempre as cincias, ossbios e os teus prprios estudos.

    XVIII. Ento Llio: No me atrevo, disse,acrescentar a isso coisa alguma, Cipio; porquenem a ti, nem a Filo, nem a Manlio quero

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    32/142

    incomodar... De minha famlia foi aquele amigodigno de ser imitado. Sexto(49), antigoromano, egrgio e sbio, que tal foi e por nio

    se diz, no porque desejasse o que nunca haviade conseguir, mas porque respondia de tal sorteaos que lhe perguntavam, que resolvia asmaiores dificuldades. Disputando contra osestudos de Galo, tinha sempre nos lbios frasesque, na Ifignia(50), pronuncia Aquiles(51):

    O astrnomo olha os signos celestiais;determina o ponto em que a cabra, a ursa e asoutras constelaes se encontram, e investiga oque acha nas alturas, descuidando talvez o quese encontra sob seus prprios ps.

    Costumava dizer tambm, e disso soutestemunha, por o ter ouvido mais de uma vez

    com prazer e ateno, que o neto de Pacvio(52)odiava muito a cincia e o deleitava mais oNeoptlemo(53) de nio, que opinava ser bomfilosofar, embora no muito. Pelo que, se osestudos dos gregos tanto voa deleitam, nem porisso deixa de haver outros melhores e maislivres latinos, que j aos usos da vida, j aos

    negcios da Repblica podemos aplicar. Quantos cincias abstratas, se tm alguma utilidade,consiste esta em preparar a infncia paradiscernir coisas mais importantes.

    XIX. Tubero: No dissinto de tuaopinio, Llio; mas, dize-me quais so, as coisas

    que consideras de maior importncia. Llio: Di-lo-ei, embora provoque teu menosprezo,

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n49http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n50http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n51http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n52http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n53http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n53http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n52http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n51http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n50http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n49
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    33/142

    porque foste tu que interrogaste Cipio arespeito das coisas celestes; creio que o quetemos diante dos olhos deve ser examinado de

    preferncia a tudo o mais. Porque o neto dePaulo Emlio(54), por exemplo, sobrinho deEmiliano(55), filho de famlia to nobre,esperana de to grande povo, se inquieta pelaapario de um duplo sol, e no indaga a causapor que hoje temos, numa s Repblica, doissenados e quase dois povos inimigos? De fato,

    bem o vs: os detratores, os inimigos de Cipio,incitados por Crasso(56) e Cludio(57),continuam, apesar da morte de seus doischefes, mantendo em dissidncia conosco ametade do senado, sob a influncia de Metelo eMcio(58); e o nico homem que poderia salv-los nesta rebelio dos aliados e dos latinos,

    entre os pactos violados na presena detrinviros facciosos, que suscitam cada diauma nova intriga, no meio da consternao doshomens de bem e dos ricos, no pode vir emnosso auxlio, porque no lhe permitem fazerfrente aos nossos perigos. Crede-me, pois,adolescentes; no vos inquieteis por um novo

    sol; que exista, fenmeno impossvel; mas,mesmo existindo, seria sem perigo para ns;somos incapazes de compreender essesmistrios, e, se chegssemos a compreend-los,no seramos nem melhores nem mais felizes. Aunidade do povo, pelo contrrio, a do Senado,so coisas possveis, e sua ausncia acarreta

    todos os perigos. Pois bem: vemos que essadupla concrdia no existe, e sabemos que ao

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n54http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n55http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n56http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n57http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n58http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n58http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n57http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n56http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n55http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n54
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    34/142

    restabelec-la teramos mais sabedoria e maisfelicidade.

    XX. Mcio disse: Que pensa, pois, Llio,que devamos aprender para alcanar esse fim

    As artes que nos tornam teis Repblica,porque esse o mais glorioso benefcio dasabedoria e o maior testemunho da virtude,assim como o maior de seus deveres. Afim deempregar estes dias de festa em dilogosproveitosos ao Estado, supliquemos, pois, aCipio que nos exponha qual , a seu ver, amelhor forma de governo; examinaremos,depois, outras questes que, uma vezresolvidas, nos tero de levar que nos oferecehoje o estado de Roma, dando-nos ademais apossibilidade de uma soluo favorvel.

    XXI. Filo, Manlio e Mcio aprovaram aidia. Insisti nisso, disse Llio, porque mepareceu justo que o primeiro cidado de Romafalasse antes de outrem a respeito de umaquesto poltica, e tambm porque me lembrode que costumavas discutir com Pancio e napresena de Polbio(59), ambos gregos muito

    versados na poltica, e que demonstravas, comgrande nmero de detalhes e raciocnios, aexcelncia da constituio de nossosantepassados. Preparado, como ests, noassunto, far-nos-s grande mercdesenvolvendo e expondo teu pensamento arespeito da Repblica.

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n59http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n59
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    35/142

    XXII Ento, Cipio respondeu: Nuncaum assunto de meditao, Llio, me absorveutanto o entendimento como o que neste instante

    me propes. Com efeito, em cada profisso, ooperrio que se esfora por distinguir-se,procura, trabalha, sonha conquistar asuperioridade; como poderei eu, que recebi demeus antepassados e de meu pai a missonica de servir e da defender o Estado, colocar-me abaixo do nvel do ltimo operrio,

    prestando arte, primeira entre todas, menoscuidados do que os que ele presta ao ofcio maisnfimo? Mas, se as doutrinas polticas dos maisesclarecidos escritores gregos no mesatisfazem completamente, to pouco me atrevoa ter preferncia pelas minhas prprias idias.Suplico-vos, portanto, que no me escuteis

    como a um ignorante, completamente estranhos teorias gregas, nem to pouco como a umhomem inteiramente disposto a dar-lhes apreferncia; sou romano antes de mais nada,educado com os cuidados de meu pai no gostodos estudos liberais, estimulado desde pequenopelo desejo de aprender, mas formado muito

    mais pela experincia e pelas lies domsticasdo que pelos livros.

    XXIII. Por minha parte, Cipio, exclamou Filo, a ningum conheo que teiguale em talento; e, quanto experincia dasmaiores matrias polticas, tu nos ultrapassasfacilmente a todos. Conhecemos teu entusiasmopelo estudo, e, posto que meditaste tambm,

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    36/142

    como dizes, a respeito das especulaes. da artede governar, fico reconhecido a Llio, poisconfio em que tuas idias, nesse ponto,

    excedero a tudo o que os gregos nosdeixaram. Cipio respondeu: A importnciaque, de antemo, atribuis ao meu discursoaumenta a dificuldade do assunto de que devotratar. Filo respondeu: Como de costume,sobrepujars nossas esperanas; no detemer, Cipio, que, ao falar da Repblica, te

    faltem as palavras.XXIV. Cipio disse: Farei o possvel para

    agradar-te, e comearei a discusso observandouma regra necessria em toda disputa, se sequer afastar o erro, que ficar de acordoquanto denominao do assunto discutido eexplicar claramente o que significa. O sentidoparticular deve estabelecer-se bem antes deabordar a questo geral, porque nunca sepodero compreender as qualidades do assuntoque se discute se no se tem o mesmo nainteligncia. Assim, posto que nossa indagaoh de versar sobre a Repblica, vejamosprimeiramente o que aquilo que procuramos.Como Llio aprovasse, Cipio continuou: No remontarei, entretanto, numa tese toclara e to conhecida, at s primeiras origens,como em tais coisas costumam fazer nossoshomens doutos, examinando fatos desde aprimeira unio do homem e da mulher, parapassar depois primeira prognie e cognao,analisando cada palavra em suas concepes e

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    37/142

    cada coisa nas suas modalidades. Falo aprudentes vares versados nas coisas daRepblica, que participaram, na guerra, das

    glrias de uma nao poderosa, e assim noprocurarei tornar menos claras minhasexplicaes do que o meu assunto; ademais,no me encarreguei, como um mestre, de seguira questo em todos os seus desenvolvimentos, eno posso prometer que no esquecerei algumdetalhe. Llio, ento: Eis precisamente a

    dissertao que de ti espero, disse.XXV. pois, comeou o Africano, a

    Repblica coisa do povo, considerando tal, notodos os homens de qualquer modocongregados, mas a reunio que tem seufundamento no consentimento jurdico e nautilidade comum. Pois bem: a primeira causadessa agregao de uns homens a outros menos a sua debilidade do que um certoinstinto de sociabilidade em todos inato; aespcie humana no nasceu para o isolamentoe para a vida errante, mas com uma disposioque, mesmo na abundncia de todos os bens, aleva a procurar o apoio comum.

    XXVI. Assim, no deve o homem atribuir-se, como virtude, sua sociabilidade, que neleintuitiva. Formadas assim naturalmente, essasassociaes, como expus, estabeleceramdomiclio, antes de mais nada, num lugardeterminado; depois, esse domiclio comum,

    conjunto de templos, praas e vivendas,

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    38/142

    fortificado, j pela sua situao natural, j peloshomens, tomou o nome de cidade ou fortaleza.

    Todo povo, isto , toda sociedade fundada com

    as condies por mim expostas; toda cidade,ou, o que o mesmo, toda constituioparticular de um povo, toda coisa pblica,. epor isso entendo toda coisa do povo, necessita, para ser duradoura, ser regida poruma autoridade inteligente que sempre se apoiesobre o princpio que presidiu formao do

    Estado. Pois bem: esse governo pode atribuir-sea um s homem ou a alguns cidadosescolhidos pelo povo inteiro. Quando aautoridade est em mos de um s, chamamosa esse homem rei e ao poder monarquia; umavez confiada a supremacia a alguns cidadosescolhidos, a constituio se torna aristocrtica;

    enfim, a soberania popular, conforme aexpresso consagrada, aquela em que todasas coisas residem no povo, e, se o lao que,primitivamente, fez que os homens seagrupassem em sociedade pelo bem pblico,permanece em todo o seu vigor, cada umadessas formas de governo, sem ser perfeita nem

    a melhor possvel, aparecer menos suportvele far sua eleio incerta entre as outras; defato, um rei justo e sbio, um nmero eleito decidados distintos, o prprio povo, embora talsuposio seja menos favorvel, pode, se ainjustia e as paixes no o estorvam, formarum governo em condies de estabilidade.

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    39/142

    XXVII. Mas, na monarquia, a generalidadedos cidados toma pouca parte no direitocomum e nos negcios pblicos; sob a

    dominao aristocrtica, a multido, apenaslivre, est privada de qualquer meio de ao, emesmo de deliberao; por ltimo, quando opovo assume todo o poder, mesmo supondo-osbio e moderado, a prpria igualdade se tornainjusta desigualdade, porque no h gradaoque distinga o verdadeiro mrito. Por mais que

    Ciro-o-Persa(60) tenha sido o melhor e o maisvirtuoso dos reis, no me parece o ideal dogoverno, porque tal a minha opinio acerca dacoisa pblica quando a rege um s homem. Damesma forma, embora nossos clientesmarselheses estejam governados com a maior

    justia por alguns cidados eleitos, h, no

    entanto, em sua condio, algo parecido com aservilidade. Quando os atenienses, emdeterminadas pocas, suprimiram oArepago(61), para s reconhecerem os atos edecretos do povo, no oferecendo a suaRepblica ao mrito a distino da linhagem edas horas, no tardou que chegassem sua

    maior decadncia.XXVIII. Falo assim dessas trs formas de

    governo, no as considerando desordenadas eem confuso, mas na sua normalidade; e, noentanto, cada uma tem todos os defeitos queindiquei e outros muitos, pois todas arrastam afunestos precipcios. Depois de um rei tolervel,e mesmo digno de amor, Ciro, por exemplo,

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n60http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n61http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n61http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n60
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    40/142

    aparece, como para legitimar seus escrpulos, otirano Falride(62), tipo odioso, ao qual os reisse podem assemelhar com demasiada

    facilidade; ao lado da sbia aristocracia deMarselha, aparece a opresso oligrquica, afrao dos Trinta(63), em Atenas; enfim, semprocurar novos exemplos, a democraciaabsoluta dos atenienses no viu uma multidobria de licena e furor causar a runa dessepovo?

    XXIX. Quase sempre o pior governo resultade uma confuso da aristocracia, da tiraniafacciosa do poder real e do popular, que svezes faz sair desses elementos um estado deespcie nova; assim que os Estados realizam,no meio de reiteradas vicissitudes, suasmaravilhosas transformaes. O sbio tem aobrigao de estudar essas revoluesperidicas e do moderar com previso edestreza o curso dos acontecimentos; essa amisso de um grande cidado inspirado pelosdeuses. Por minha parte, creio que a melhorforma poltica uma quarta constituioformada da mescla, e reunio das trsprimeiras.

    XXX.Aqui, Llio: Sei que isso te agrada,Africano, disse; eu te ouvi dizer isso comfreqncia; mas, antes de tudo, Cipio, se note contrario, desejo saber qual dessas trsformas de governo te parece prefervel. Isso no

    deixar de ser conveniente ao assunto.

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n62http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n63http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n63http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n62
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    41/142

    XXXI. Cada forma de governo, continuou Cipio, recebe seu verdadeirovalor da natureza ou da vontade do poder que a

    dirige. A liberdade, por exemplo, s pode existirverdadeiramente onde o povo exerce asoberania; no pode existir essa liberdade, que de todos os bens o mais doce, quando no igual para todos. Como revestir esse carteraugusto, no j numa monarquia, em que aescravido no equvoca nem duvidosa, mas

    nos prprios Estados em que todos os cidadosse chamam livres, porque tm o direito desufrgio, delegam o comando e se vemsolicitados para a obteno das magistraturas?O que se lhes d, dever-se-ia dar sempre. Comoobter jamais, para si mesmos, essas distinesde que dispe? Porque esto excludos do

    comando, do pblico conselho, daspreeminncias dos juizes e tribunaisacaparrados pelas famlias antigas oupoderosas. Mas, nos povos livres, como emRoma ou Atenas, no h cidado que no possaaspirar a...

    XXXII. Quando, numa cidade, dizemalguns filsofos, um ou muitos ambiciosospodem elevar-se, mediante a riqueza ou opoderio, nascem os privilgios de seu orgulhodesptico, e seu jugo arrogante se impe multido covarde e dbil. Mas, quando o povosabe, ao contrrio, manter suas prerrogativas,no possvel encontrar mais glria,prosperidade e liberdade, porque ento

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    42/142

    permanece rbitro das leis, dos juzos, da paz,da guerra, dos tratados, da vida e da fortuna detodos e de cada um; ento, ou s ento, a

    coisa pblica coisa do povo. Dizem, tambm,que com freqncia se viu suceder monarquia, aristocracia, o governo popular,ao passo que nunca uma nao livre pediu reisnem patronatos de aristocratas. E negamverdadeiramente que convenha repudiartotalmente a liberdade do povo ante o

    espetculo daqueles mesmos que levam aoexcesso sua indisciplina. Quando reina aconcrdia, nada existe mais forte, nada maisduradouro do que o regime democrtico, emque cada um se sacrifica pelo bem geral e pelaliberdade comum. Pois bem: a concrdia fcile possvel quando todos os cidados colimam

    um fim nico; as dissenses nascem dadiferena e da rivalidade de interesses; assim, ogoverno aristocrtico nunca ter nada estvel, emenos ainda a monarquia, que fez nio dizer:

    No h sociedade nem f para o reinado.Sendo a lei o lao de toda sociedade civil, eproclamando seu princpio a comum igualdade,sobre que base assenta uma associao decidados cujos direitos no so os mesmos paratodos? Se no se admite a igualdade da fortuna;se a igualdade da inteligncia um mito, aigualdade dos direitos parece ao menosobrigatria entre os membros de uma mesmarepblica. Que , pois, o Estado, seno umasociedade para o direito?...

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    43/142

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    44/142

    os melhores cidados; porque da sabedoria doschefes depende a salvao dos povos, a talextremo que parece at que a prpria natureza

    deu virtude e ao gnio imprio absoluto sobrea debilidade e a ignorncia da plebe, que ssubmissa deseja obedecer. Assegura-se,entretanto, que essa feliz organizao foivencida pelos erros do vulgo, inconsciente dessasabedoria, cujos modelos so to raros como os

    juzos acertados, vulgo que imagina que os

    melhores homens so os mais poderosos, osmais ricos, os de mais ilustre nascimento, e noos que se sobressaem pela virtude sem jaa.Quando, merc desse erro do vulgo, o poderiousurpou no Estado as preeminncias davirtude, essa falsa aristocracia procura manter-se no poder, tanto mais quanto menos digna

    dele; porque as riquezas, a autoridade, o nomeilustre, sem a sabedoria e prudente condutapara mandar aos demais, oferecem apenas aimagem de um insolente e vergonhosodespotismo; nada mais repugnante do que oaspecto de uma cidade governada pelos que,por serem opulentos, se julgam os melhores. Ao

    contrrio, que pode haver de mais belo epreclaro do que a virtude governando aRepblica? Que mais admirvel do que essegoverno, quando o que manda no escravo depaixo alguma e d o exemplo de tudo o queensina e preconiza, no impondo ao vulgo leisque o primeiro a no respeitar, mas

    oferecendo, como lei viva, a prpria existnciaaos seus compatriotas? Se fosse bastante um

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    45/142

    homem s para tudo, seria desnecessrio oconcurso de outros; assim como, se um povointeiro pudesse v-lo e ouvi-lo, disposto

    obedincia, no pensaria em escolhergovernantes. As dificuldades de uma sbiadeterminao fazem passar o poder das mosdo rei para as da aristocracia, da mesma formapor que a ignorncia e a cegueira dos povostransmitem a preponderncia da multido deum pequeno nmero. Desse modo, entre a

    impotncia de um s e o desenfreamento daplebe, a aristocracia ocupou uma situaointermdia que, conciliando todos os interesses,assegura o bem-estar do povo; e, enquanto vigiao Estado, os povos gozam necessariamente detranqilidade, confiando-se s mos do homensque no se exporiam a ouvir a acusao de

    descuidar um mandato de tal natureza. Quanto igualdade de direito ou da democracia, umaquimera impossvel, e os povos mais inimigosde toda dominao e todo jugo conferiram ospoderes mais amplos a alguns de seus eleitos,fixando-se com cuidado na importncia dasclasses e no mrito dos homens. Chegar, em

    nome da igualdade, desigualdade maisinjusta, colocar no mesmo nvel o gnio e amultido que compem um povo, sumainiquidade a que nunca chegar um povo emque governem os melhores, isto , numaaristocracia. Eis a, Llio, pouco mais oumenos, a argumentao os dois partidrios

    dessa forma poltica.

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    46/142

    XXXV. Llio: Mas, Cipio, dessas trsformas de governo, qual julgas prefervel? Cipio: Com razo me perguntas qual das

    trs prefervel, porque nenhuma isoladamenteaprovo, preferindo um governo que participe detodas. Se devesse fazer uma escolha pura esimples, meus primeiros elogios seriam para amonarquia, desde que o ttulo de pai fossesempre inseparvel do de rei, para expressarque o prncipe vela sobre seus concidados

    como sobre seus filhos, mais cuidadoso de suafelicidade do que da prpria dominao,dispensando uma proteo aos pequenos e aosfracos, graas ao zelo desse homem esclarecido,bom e poderoso. Vm, depois, os partidrios daoligarquia, pretendendo fazer o mesmo e faz-lomelhor; dizem que h mais luzes em muitos do

    que num s, e prometem, por outra parte, amesma boa f e a mesma eqidade; e, porltimo, eis o povo, que, em voz alta, declara queno quer obedecer nem a um nem a muitos,que at os prprios animais amam a liberdadecomo o mais doce dos bens, e que se carecedela, quer se sirva um rei, quer os nobres. Para

    resumir: a monarquia nos solicita pela afeio;a aristocracia, pela sabedoria; o governopopular, pela liberdade, e, nessas condies, aescolha se torna muito difcil. Llio: Acredito-o; mas, se no resolvermos esseponto, ser impossvel passar adiante.

    XXXVI. Cipio: Imitemos, pois, Arato,que ao tratar de grandes coisas, julgou

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    47/142

    necessrio comear por Jpiter Llio: Porque por Jpiter? Que relao pode haver,entre os versos do poeta e essa discusso?

    Cipio: Tanta, que nada encontro mais justodo que nomear, acima de tudo, aquele que ossbios e os ignorantes proclamam, de comumacordo, senhor dos deuses e dos homens.Llio: Como? Cipio: convincente. Oprincpio de que existe no cu um s rei,soberano e pai de todas as coisas, que faz com

    um gesto tremer o Olimpo(65), conforme a frasede Homero(66), esse princpio essencial foiestabelecido pelos primeiros fundadores dosimprios, e, por conseguinte, essa umaimponente autoridade, e numerosos, ou antes,universais os testemunhos que nos asseguramque as naes reconhecem unanimemente,

    pelos decretos dos prncipes, a excelncia damonarquia, posto que se informaram na idiade que todos os deuses so governados por ums. Se essa crena, pelo contrrio, no maisdo que uma fbula feita para os espritosgrosseiros, ouamos os mestres comuns detodos os gnios esclarecidos, aqueles que viram

    claramente, com os olhos, o que ns,escutando-o, apenas conhecemos. Llio: Quem so eles? Cipio: Os mestres que,graas ao estudo minucioso da Natureza,chegaram a demonstrar que o mundo inteiro dirigido por uma alma...

    XXXVII. Mas, se quiseres, Llio, citar-te-eiautoridades que no sejam brbaras nem

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n65http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n66http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n66http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n65
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    48/142

    antigas. Llio: Quero. Cipio,: Observa,acima de tudo, que faz apenas quatrocentosanos que no temos reis. Llio: Com efeito.

    Cipio: Uma sucesso de quatro sculos naexistncia de um povo pode considerar-se umlongo perodo? Llio: apenas sua idadeviril. Cipio: Assim, h quatrocentos anos,havia um rei em Roma. Llio: Um reisoberbo. Cipio: E antes dele? Llio: Um rei muito justo; e assim sucessivamente,

    remontando at Rmulo, que reinou htrezentos anos. Cipio: De modo que nemele mesmo muito antigo. Llio: De modoalgum, visto que data da poca da decadnciada Grcia. Cipio: Mas, dize-me, Rmulo foirei de um povo brbaro? Llio: Sedividirmos os homens, como os gregos, em

    gregos ou brbaros, receio que tenha sido umrei de brbaros; mas, aplicando o termo aoscostumes e no linguagem, no julgo menosbrbaros os gregos do que os romanos. Cipio:

    Aqui, alm do mais, pouco importa o povo,mas o grau de cultura, e, posto que homenssbios de uma poca pouco remota quiseram

    reis, encontramos j testemunhos que nopodemos tachar de antigos nem de inumanos.

    XXXVIII. Llio: Vejo, Cipio, que no tefaltam autoridades irrecusveis; mas, comotodo bom juiz, prefiro as provas stestemunhas. Cipio: Desde logo, Llio,podes empregar um exemplo tomado de tuaprpria experincia. Llio: Que queres

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    49/142

    dizer? Cipio: No te acontece, s vezes,zangar-te com algum? Llio: Sucede-mecom mais freqncia do que eu desejaria.

    Cipio: E, quando ests irritado, deixas clera a soberania de tua alma? Llio: No,por certo; ao contrrio, sigo o exemplo deArquitas de Tarento, que, tendo chegado suacasa de campo e encontrado tudo diferente doque ordenara que estivesse, disse ao seuadministrador: Desgraado, eu te mataria a

    pauladas se a clera me dominasse! Cipio: Muito bem; Arquitas considerava a clera comouma desordem sediciosa da alma e queriaacalm-la com a reflexo. Une a isso a avareza,a paixo das honras e da glria; une as paixesvoluptuosas, e vers que se forma no espritohumano uma como que monarquia que domina

    todas essas desordens com um nico princpio,a reflexo, a parte mais excelente da alma, cujoimprio no d lugar clera, aos exageros nem voluptuosidade. Llio: Por completo. Cipio: Lamentars, portanto, que os mausdesejos e as odiosas paixes, sufocando a razo,se apoderem por completo do homem! Llio:

    Nada concebo mais miservel do que adegradao da inteligncia humana. Cipio: Pretendes, pois, que todas as partes da almadevam estar sujeitas a uma s autoridade, quedeve ser a reflexo? Llio Meu desejo esse. Cipio : Como, ento, vacilas naescolha de uma forma de governo, quando vs

    que, se a autoridade se divide, no h

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    50/142

    verdadeira soberania, a qual, para existir,necessita de unidade?

    XXXIX. Llio: Que importa a unidade oua pluralidade, se nesta se encontra igualmentea justia? Cipio: Vejo, Llio, que as minhastestemunhas no tm para ti autoridadesuficiente, e vou fazer que aumentes tu mesmoo seu nmero. Llio: Como? Cipio: Eumesmo te ouvi ordenar a teus escravos, porocasio de nossa ltima viagem a Frmias(67),que no atendessem a ordens que noemanassem de uma s pessoa. Llio: certo, de meu rendeiro. Cipio: E em Roma,teus negcios esto em mos de muitos? Llio:De modo algum. Cipio: Porque, ento,no concedes que, na ordem poltica, o poder deum s o melhor, sempre que se inspire na

    justia? Llio: Inclino-me a isso, e quasesou de tua opinio.

    XL. Cipio: S-lo-s totalmente Llio,quando eu, prescindindo das comparaes domdico e do piloto, isto , se vale mais confiar aum s, de preferncia a muitos, o leme de uma

    neve ou a sade de um enfermo, expuserconsideraes mais profundas. Llio: Quais? Cipio: No ignoras que aarrogncia e crueldade de Tarqnio(68)tornaram o ttulo de rei odioso aos romanos.Llio: Sim, por certo. Cipio: Porconseguinte, sabes tambm o que, no discurso

    de minha perorao, pensava dizer-te; isto ,

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n67http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n68http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n68http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n67
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    51/142

    que um excesso de nova liberdade arrebatou opovo delirante quando Tarqnio foi expulso;desterro para os inocentes, roubo dos bens

    alheios, consulados nuos, humilhao de seussmbolos ante a plebe, direito universal deapelao, retirada dos plebeus, tudo issosobreveio, com muitos outros acontecimentosque tendiam a dar ao povo todos os poderes.Llio: Foi tal como dizes. Cipio: certoque se desfrutou, ento, cio e paz, e que se

    pode tolerar alguma licena enquanto nadahaja que temer, como numa indisposioinsignificante ou uma travessia pacfica; mas,se o mar comea a alvoroar-se ou aenfermidade sofre agravao, logo o viajante ouo enfermo implora o auxlio do nico homemque os pode salvar. Do mesmo modo, o nosso

    povo, em paz e nos seus lares, quer mandarameaando, recusando, denunciando,afastando os seus magistrados; mas,sobrevindo a guerra, obedece a um rei, e todapaixo tumultuosa sacrifica-se e perece em arasda salvao da ptria. Nossos pais j o fizeram;nas principais expedies, quiseram um s

    chefe cujo ttulo expressasse a extenso de seupoder: era o ditador, assim chamado porqueescolhido pelo dito de um cnsul, e vs que emnossos livros tem o nome de mestre do povo.Llio: Sei-o. Cipio: Nossosantepassados, portanto, agiram com notvelsabedoria...

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    52/142

    XLI. Quando o povo perde um rei justo,explode a dor que, conforme nio, consternouRoma inteira depois da morte do melhor dos

    prncipes:Lembrana eterna dele tem intactaE, no cu pondo a vista, chora e diz:

    Oh Rmulo divino! Que fielGuarda da ptria em ti reconheciam?

    Oh pai! Oh, rei! Dos deuses tens a estirpe!

    No davam os nossos antecessores o ttulode senhor e dono ao chefe cujas justas leisobservavam; no lhe davam, to pouco o ttulode rei, mas o chamavam de protetor da cidade,pai e mesmo deus. Assim, no se enganavam aodizer:

    Tu nos deste, s tu, a luz e a vida.Consideravam, que a existncia, a glria, a

    honra, procediam da justia do rei, e aposteridade teria pensado o mesmo se ossoberanos tivessem conservado idnticasvirtudes; mas, a injustia de um s basta, comovs, para destruir para sempre essa forma degoverno. Llio: Sem, dvida, e at anseioestudar essas mudanas que se observam emnossa histria e nas outras Repblicas.

    XLII. Cipio: Uma vez desenvolvida eexposta minha opinio a respeito da forma degoverno que julgo prefervel, ser-me- preciso

    falar, com alguma circunspeco, dessas

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    53/142

    grandes comoes pblicas, se bem que sejaeste o perigo mais remoto no governo que meagrada. , no que respeita monarquia, seu

    principal escolho e a hiptese mais segura desua runa; desde o momento em que o reicomete a primeira injustia, essa forma perececonvertendo-se em despotismo, o mais viciosode todos os sistemas e, no obstante, o maisprximo do melhor. Se sucumbe um tirano sobos esforos dos grandes, toma ento o Estado a

    segunda das formas explicadas, e se estabeleceuma espcie de autoridade real, ou antes,paternal, composta dos principais cidados quevelam com zelo pelo bem comum. Se o povo, porsi mesmo, expulsa ou mata o tirano, demonstraum pouco de moderao enquanto conserva o

    juzo sereno, e, satisfeito de sua obra, deseja

    conservar a ordem poltica que ele mesmoacaba de estabelecer. Mas, se, por desgraa,fere um rei justo ou o despoja do trono, ouchega a derramar o sangue dos grandes, sendo mais comum este exemplo, e prostituio Estado ao furor dos seus caprichos, sabe queno h incndios nem tempestades mais difceis

    de apaziguar do que a insolncia e o furor dessadesenfreada multido.

    XLIII. Verifica-se, nesse caso, o que Platodescreve com tanta eloqncia e que eu voutentar traduzir, se minhas foras puderemrealizar tamanha empresa: Quando o povo,devorado por uma sede insacivel deindependncia, longe de beber com medida,

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    54/142

    embriaga-se com o licor funesto que lheprodigalizam imprudentes aduladores, entopersegue, acusa, incrimina de dominadores,

    reis e tiranos aos magistrados e chefes que,dceis e complacentes, no lhe escanceiam emcaudais a liberdade. Conheces essapassagem? Llio:

    -me bastante conhecida. Cipio: Sigamos, pois: Obedecer, ento, a umaautoridade excitar ainda mais a clera dopovo, que chama os que assim procedem deescravos voluntrios; em compensao, osmagistrados que querem assimilar-se aos seusinferiores, os mais nfimos cidados, se seesforam por desvanecer toda diferena entreeles e os magistrados, vem-se cumulados dehonras e de elogios. Numa Repblica assimgovernada, a liberdade transforma-se emlicena, a prpria famlia fica, no seu interior,desprovida de autoridade, estendendo-se essecontgio aos prprios animais. O pai despreza ofilho, e este deixa de honrar o pai. Perece opudor em nome da liberdade geral; nada separao cidado do estrangeiro; o mestre, tremendoante seus discpulos, adula-os, ao passo queeles o menosprezam; os jovens pretendemexercer as prerrogativas dos velhos, que, porsua. parte, descem s loucuras da juventudepara no parecerem odiosos e extravagantes. Osprprios escravos participam dessalibertinagem; reclamam as mulheres idnticosdireitos aos de seus cnjuges; em suma, os

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    55/142

    prprios animais, os ces, os cavalos, os asnos,correm livremente, mas to livremente queatropelam e envolvem quantos se opem sua

    passagem desenfreada. Ao chegar aqui, Platoexclama: Aonde conduz esse extremo delicena? Ao triste resultado de tornar oscidados to delicados e sombrios, que a menoraparncia de autoridade os irrita e exaspera atal ponto que sonham com romper as leis quedesprezam, para se encontrarem livres de

    qualquer jugo.XLIV. Llio: Traduziste fielmente o que

    foi dito por ele. Cipio: Volto, agora, ao meudiscurso. Dessa extrema licena, que s paraeles era liberdade, embora falsa, Plato faznascer a tirania, como de um tronco funesto.Assim como o poder ilimitado dos grandes leva queda da aristocracia, a liberdade leva o povodemasiado livre escravido Os extremos setocam na prpria natureza: na temperatura, navegetao, no corpo humano, e, sobretudo, naforma de governo. Essa excessiva liberdade logose transforma em dura escravido para ospovos e para os indivduos. Assim, da excessivaliberdade surge o tirano e a mais injusta e duraservilidade. Com efeito, esse povo indmito edesenfreado escolhe logo, por dio aos grandes,

    j abatidos e degradados, um chefe audaz,impuro, perseguidor insolente dos cidados quemais mritos possuem para com a ptria,prdigo com os bens prprios e alheios; depois,como no h, para ele, segurana na vida

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    56/142

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    57/142

    nessa combinao de um governo em que seamalgamam os outros trs, no acontecefacilmente semelhante coisa sem que os chefes

    do Estado se deixem arrastar pelo vcio; porqueno pode haver pretexto de revoluo numEstado que, conforme cada um de seus direitos,no v sob seus ps aberto o abismo.

    XLVI. Mas, receio, Llio, e vs, queridos eprudentes amigos, que meu discurso,prolongando-se, se assemelhe mais a umadissertao de um mestre do que a um dilogoentre amigos que buscam a verdade Passemos,pois, a coisas de todos conhecidas, estudadaspor mim mesmo h muito tempo, e que meobrigam a pensar, crer e afirmar que, de todosos governos, nenhum, por sua constituio, porsua organizao detalhada, pela garantia doscostumes pblicos, pode comparar-se com oque nossos pais receberam dos seus emherana e nos transmitiram; e, j que quereisque eu repita o que, de outras vezes, ouvistesde mim, mostrar-vos-ei qual esse governo eprovarei que o melhor de todos; tomandonossa Repblica por modelo, tentarei recordarquanto disse a tal propsito. Procurarei, assim,desempenhar e terminar a empresa que Lliome confiou.

    XLVII. Llio: Dizes bem tua empresa,porque tua de fato. Que outro, seno tu, podefalar melhor, quer das instituies de nossos

    pais, tu, filho de to gloriosos antepassados,

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    58/142

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    59/142

    conforme s mximas e discursos que saam deseus lbios. Costumava dizer que nossasuperioridade poltica tinha como causa o fato

    de que os outros Estados nunca tiveram, senoisolados, seus grandes homens, que davam. leis sua ptria de acordo com seus princpiosparticulares; Minos(70) em Creta, Licurgo(71)na Lacedemnia, e, em Atenas, teatro de tantasrevolues, Teseu(72), Draco(73), Solo(74),Clstenes(75) e tantos outros, at que para

    reanimar seu desalento e debilidade achouDemtrio(76), o douto varo de Falero(77);nossa Repblica, pelo contrrio, gloriosa deuma longa sucesso de cidados ilustres, tevepara assegurar e afianar seu poderio, no avida de um s legislador, mas muitas geraes esculos de sucesso constante. Nunca,

    acrescentava, se encontrou esprito to vastoque tenha abarcado tudo, e a reunio dos maisbrilhantes gnios seria insuficiente paraabraar tudo com um s olhar, sem o auxlio daexperincia e do tempo. Assim, seguindo ocostume de Cato, remontarei at origem deRoma, servindo-me com prazer de suas

    prprias frases; meu objeto ser, por outraparte, mais exeqvel mostrando-vos onascimento de Roma, sua adolescncia, sua

    juventude, sua vigorosa madureza, do quecriando, como Scrates, uma Repblicaimaginria lendo, as obras de Plato.

    II. Como todos aprovassem: QueRepblica, continuou, ter uma origem

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n70http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n71http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n72http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n73http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n74http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n75http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n76http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n77http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n77http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n76http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n75http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n74http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n73http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n72http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n71http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n70
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    60/142

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    61/142

    penetrando no territrio dos rtulos ou dosaborgenes, ora dirigindo-se para a embocadurado Tibre, onde depois fundou uma colnia o rei

    Anco(82). Compreendeu com admirvelprudncia aquele excelente varo que os pontosprximos s costas no so os maisapropriados para fundar cidades quepretendem alcanar estabilidade e poderio,porque as cidades martimas esto expostas,no s a freqentes perigos, mas a desditas e

    acontecimentos imprevistos. A terra firmedenuncia, por meio de mil indcios, a marchaprevista e at as surpresas do inimigo, que sedescobre pelo rudo de seus passos; e no atacada to rapidamente como se pode supor,sabendo-se, por outra parte, quem o agressore de onde vem; por mar, pode desembarcar uma

    esquadra antes que se possa advertir a suaproximidade; sua marcha no denuncia nemsua personalidade, nem sua nao, nem seuobjetivo; no se pode, enfim, distinguir comsinal algum se ou no amiga.

    IV. So tambm freqentes, nas cidadesmartimas, a mudana e a corrupo doscostumes, pois os idiomas e comrciosestranhos no importam unicamentemercadorias e palavras, mas tambm costumes,que tiram. estabilidade s instituies dessascidades. Os prprios habitantes so poucoafeitos aos seus lares; suas esperanas epensamentos os arrastam para longe, e, quandoo corpo descansa, vaga errante o esprito. No

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n82http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n82
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    62/142

    foi outra a principal causa da decadncia deCartago e de Corinto seno essa vida errante,essa disperso dos cidados, aos quais a nsia

    de navegar e de enriquecer fez abandonar ocultivo dos campos e o prazer das armas. Aproximidade do mar, com suas importaes ousuas vitrias, facilita ao vcio dessas cidadestodas as sedues funestas, e o encanto dosstios martimos parece convidar preguia e aofausto e a todas as corrupes enervadoras do

    cio. Quanto eu disse de Corinto poderia semdvida aplica-se a toda a Grcia, porque oPeloponeso est quase completamente banhadopelo mar, exceto o territrio dos flincios, e,fora da pennsula, s tm o mar ao longe osenianos, os drios e os dolopeus. Que direi dasilhas gregas, de costumes mais agitados e

    instituies mais mveis que a fmbria de ondasque as rodeia? Tudo isso continua sendo daantiga Grcia. Quanto a suas colnias,dispersas na sia, na Trcia, na Itlia, naSiclia, na frica, exceto Magnsia, que outrano banhada pelo mar? At parece que ascidades gregas invadiram o territrio dos

    brbaros porque, antes de seu estabelecimento,s dois povos haviam conhecido o mar: osetruscos e os cartagineses aquelesmercadores, estes piratas. Essa, e no outra, foia causa das calamidades e revolues daGrcia, surgidas das cidades martimas queenumerei; mas, esses vcios apresentam, por

    sua vez, uma grande vantagem: a de que, detodos os pontos do mundo, trazem as ondas os

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    63/142

    produtos todos do universo, e, no refluxo, levamaos confins do mundo os produtos dos prprioscampos.

    V. Que pode fazer, pois, que Rmuloaproveitasse todas as vantagens das cidadesmartimas, evitando ao mesmo tempo seusperigos? Construiu sua cidade nas margens deum rio cujas guas profundas se esparramamno mar por uma larga desembocadura,procurando assim uma comunicao fcil nocurso do Tibre, no s para proporcionar aonovo povo tudo quanto necessitava, comotambm para levar para longe o que tivesse demais; uma rota natural para tirar do Oceanotodos os objetos necessrios ou agradveis vista e faz-los chegar s regies maisafastadas. Na minha opinio, parecia entoadivinhar que essa cidade viria a ser o centro, ocorao de um poderoso imprio; porque,colocada em outro ponto qualquer da Itlia, nopoderia manter to vasto domnio.

    VI. Pelo que respeita s fortificaesnaturais de Roma, quem, por indiferente que

    seja, no conservou na imaginao um desenhodos menores detalhes? As muralhas foramconstrudas por Rmulo e seus sucessores comprevisora prudncia; apoiam-se por todas aspartes em montanhas cortadas a pique,deixando somente um acesso entre os montesEsquilnio e Quirinal, fechado por um bom

    reduto e um amplo fosso, A cidadela, j

  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    64/142

    bastante defendida pela altura e o isolamentoda rocha em que se ergue, est to bemfortificada que ponde conservar-se inclume e

    intacta mesmo no meio do horrveltransbordamento da invaso dos gauleses.Escolheu, alm disso, um terreno cheio demananciais e saudvel no meio de uma regiopestilenta, porque as colinas que o rodeiam, aomesmo tempo que do ao vale o ar puro,emprestam-lhe a sombra.

    VII. Tudo isso o terminou com grandeceleridade, dando cidade o nome de Roma,tomado do seu; e, para afirmar, suas bases,concebeu Rmulo um projeto estranho,violento, mas que revelou sua hbil poltica e odesejo de preparar o futuro e a fortuna do seupovo. Tinham vindo as donzelas sabinas demais ilustre nascimento para assistir aoprimeiro aniversrio dos jogos; Rmulo f-lasroubar no circo e deu-as por esposas aos seusguerreiros mais valentes. Esse rapto armou ossabinos contra Roma; mas, no meio de umcombate cujo resultado era duvidoso, asdonzelas roubadas intercederam pela paz, o quedeu origem a que Rmulo conclusse umaaliana com Tcio(83), rei dos sabinos, dando-lhe participao na sua autoridade econcedendo aos dois povos, ao mesmo tempoque os mesmos sacrifcios, o mesmo direito decidadania.

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n83http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n83
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    65/142

    VIII. Depois da morte de Tcio, o poderinteiro voltou para Rmulo, que j de acordocom aquele, reunira em conselho real os

    principais cidados, chamados de pais pelocarinho do povo; tinha, tambm, dividido o povoem trs tribos, chamadas com o nome de Tcio,com o seu prprio e com o de Lucumo(84),morto a seu lado no combate contra os sabinos,e depois em trinta crias, designadas tambmcom os nomes de virgens sabinas, as quais,

    depois de roubadas, foram as mediadoras dapaz; e, embora tudo isso se tivesse institudoem vida de Tcio, nem por isso Rmulo deixou,depois dele morto, de se apoiar, para reinar, naautoridade dos pais e no seu conselho.

    IX. Isso demonstra que Rmulo pensou oque antes havia pensado Licurgo em Esparta:que o poder de um s e a potestade rgia ,para os Estados, a melhor forma deconstituio, se a ela se acrescentam aautoridade e o apoio dos melhores. Assim, como auxilio desse conselho e quase senado,terminou com felicidade algumas guerrascontra diversas povoaes prximas, e rijodeixou de enriquecer seus sditos, sem jamaisreservar para si a melhor parte do despojo. Porum costume que felizmente ainda conservamos,Rmulo foi muito respeitoso para com osuspices, o que constituiu a primeira base daRepblica, e em todas as suas empresasimportantes cuidou de aconselhar-se com umugure escolhido em cada uma das tribos. Teve

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n84http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/darepublica.html#n84
  • 8/6/2019 Ccero - Repblica

    66/142

    tambm a plebe sob a clientela dos grandes,medida cujas vantagens no deixarei deexaminar; e, como a fartura consistisse, ento,

    em terras e em rebanhos, fez pagar as multasem touros e em carneiros, sem recorrer jamaisaos suplcios corporais.

    X. Depois de um reinado de trinta e seteanos, aps ter fundado os dois maiores apoiosda Repblica, os uspices e o senado, Rmulo,cuja glria estava no seu esplendor,desapareceu num eclipse de sol, e a plebecontou-o no nmero dos seus deuses, glriaque no se alcana sem acreditar, antes,virtudes sobre-humanas e mritos insignes. E tanto mais admirvel essa apoteose quanto osoutros homens divinizados o foram em sculosmenos eruditos e mais favorveis fbula,porque a ignorncia gera a credulidade;Rmulo, pelo contrrio, viveu h menos deseiscentos anos, numa poca em que ascincias e as letras, j antigas, tinhamdespojado de seu carter g