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02 Ensino médio diversificado Rio de Janeiro • 2008 Ciclo de Seminários Internacionais Educação no século XXI: modelos de sucesso

Ciclo de Seminários Internacionais Educação no século XXI ... · Matrícula 3ª série e EJA 4.135 Aprovados 3ª série e EJA (presencial) 2.400 Vagas no superior 2.320 Candidatos

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02Ensino médio diversificadoRio de Janeiro • 2008

Ciclo de Seminários Internacionais Educação no século XXI:modelos de sucesso

CICLO DE SEMINÁRIOS INTERNACIONAIS EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI: MODELOS DE SUCESSO, 1., 2007, Brasília. Ciclo de.... Rio de Janeiro : SENAC/ Departamento Nacional, 2008. 3 v. Publicado em parceria com a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, Confederação Nacional do Comércio e Instituto Alfa e Beto.

EDUCAÇÃO; REFORMA DO ENSINO; POLÍTICA EDUCACIONAL; ENSINO MÉDIO; EDUCAÇÃO INFANTIL.

CDD (20.ed.) – 370

Ficha elaborada de acordo com as normas do SICS – Sistema de Informação e Conhecimento do Senac

Ciclo de Seminários InternacionaisEducação no século XXI: modelos de sucessoIniciativaCÂMARA DOS DEPUTADOSDeputado Arlindo Chinaglia - Presidente

COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA DA CÂMARA DOS DEPUTADOSDeputado Gastão Vieira - Presidente

OrganizaçãoCONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO - SESC - SENACAntonio Oliveira Santos – Presidente

Apoio e Coordenação TécnicaINSTITUTO ALFA E BETOJoão Batista Araujo e Oliveira – Presidente

Coordenação Executiva: João Vicente de Abreu Neto - Comissão de Educação e Cultura/CDRoberto Velloso - Apel/CNC

Editoração: Arthur Bosisio - Senac NacionalMárcia Leitão - Senac Nacional

Fotografias: Rodolfo Stuckert

Projeto Gráfico e Revisão: Centro de Comunicação Corporativa/Divisão de Administração e Recursos Humanos/Senac Nacional

Copyright Senac Nacional 2008Av. Ayrton Senna, 5.55522.775-004 - Rio de Janeiro - RJwww.senac.br

Agradecimentos:Agradecemos a todos da equipe da Comissão de Educação e Cultura, da Câmara de Deputados e da equipe da CNC - Sesc - Senac, pela colaboração decisiva na realização do ciclo de seminários Educação no século XXI: modelos de sucesso.

Apresentação

Claudio de Moura CastroEnsino médio: no olho do furacão

Pasi SahlbergO ensino secundário nos países de OCDE: desafios comuns e soluções diferentes

Thomas DeissingerProblemas e desenvolvimento do Sistema Alemão de Forma-ção Profissional e Técnica: o relacionamento conflitante entre as diferentes opções do ensino secundário pós-obrigatório

Candido Alberto GomesEnsino secundário nos Estados Unidos: novos problemas e novas soluções

João Batista Araujo e OliveiraEnsino médio: lições da experiência internacional

Anexo 1Os autores

Anexo 2Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados

Sumário

59

65

153

189209225227

ApresentaçãoApresentação

São apresentadas, nesta publicação sobre ensino médio, as colaborações dos palestran-tes do segundo encontro do ciclo de seminários internacionais Educação no século XXI: modelos de sucesso, juntamente com artigo final que aponta as principais lições extraídas das experiências relatadas, que podem contribuir de forma efetiva para uma reflexão con-sistente sobre a educação no Brasil.

O ciclo de conferências foi uma iniciativa da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, e contou com o apoio do Sistema Confederação Nacional do Comércio - Sesc - Senac e do Instituto Alfa e Beto.

O objetivo da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, ao promover esses seminários, foi trazer aos legisladores, formuladores de políticas educacionais, administrado-res públicos e educadores informações atualizadas sobre os modelos de sucesso em educação em diversos países do mundo. Dessa forma, se pode, efetivamente, elevar o nível do debate sobre educação no Brasil e permitir ao público brasileiro refletir, com maior rigor, a respeito de idéias que podem ser úteis para o nosso país.

A Confederação Nacional do Comércio, através se seus braços educacionais – Sesc e Senac – tem participado, desde a década de 40, das profundas transformações e dos avanços na edu-cação brasileira. Hoje, mais do que nunca, o empresariado nacional congregado na CNC está convencido da importância estratégica da educação de qualidade como condição necessária para alavancar o processo de desenvolvimento de nosso país. Daí o seu envolvimento com essa importante iniciativa da Câmara dos Deputados.

O Instituto Alfa e Beto tem, como parte de sua missão, o objetivo de promover a discussão de políticas de educação com base em evidências, permitindo, dessa forma, contribuir para apri-morar a qualidade da informação e do debate sobre temas relevantes da educação.

Os três seminários que compuseram o ciclo foram: Reforma educativa, Ensino médio diversi-ficado e Educação infantil. Vale registrar que os seminários do ciclo Educação no século XXI possuem três características em comum. Em primeiro lugar, são seminários de nível inter-nacional, com a participação de destacados especialistas da Irlanda, Coréia, Estados Unidos etc. Assim, procuramos trazer a experiência de países que vêm se esforçando para melhorar a qualidade de sua educação – e a maioria deles, com notável grau de sucesso. Isso nos permite aprender com quem sabe fazer. Em segundo lugar, as apresentações se baseiam em evidências. Os conferencistas convidados nos trazem informações, mas, sobretudo, nos trazem dados e

resultados do que vem ocorrendo em seus países ou em regiões do mundo, especialmente dos países da OCDE. E, em terceiro lugar, os seminários têm como objetivo provocar a reflexão dos interessados, e, por essa razão, os conferencistas e os trabalhos que eles apresentam não explicitam lições para o Brasil. Essa tarefa será conseqüência do seminário. Daí a importância da presente publicação, pois ela deverá servir de base para a Comissão de Educação e Cultura e para o leitor interessado em avançar e aprofundar o debate sobre a implicação dessas idéias para o nosso país.

As idéias estão aí. Cabe ao leitor, nos vários foros de discussão que possa promover, aprofun-dá-las e aprimorar sugestões úteis para os municípios, estados e para o país como um todo. A Comissão de Educação e Cultura, a Confederação Nacional do Comércio e o Instituto Alfa e Beto acreditam firmemente que essa iniciativa irá contribuir para elevar a qualidade do debate sobre a educação brasileira.

Deputado Gastão VieiraPresidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados

Antonio Oliveira Santos João Batista Araujo e Oliveira Presidente da Confederação Nacional do Comércio Presidente do Instituto Alfa e Beto

Ensino médio: no olho do furacão

Claudio de Moura Castro*

Resumo: Por tudo que sabemos, o médio é o ciclo do ensino com mais perplexidades. Está no meio do caminho. Recebe uma diversidade cres-cente de alunos e não sabe o quê fazer com eles. Tem demasiados papéis. Espera-se que ofereça uma base sólida de conhecimentos instrumentais, científicos e nas humanidades. Deve preparar, ao mesmo tempo, para o mercado e para passar nos vestibulares. É coisa demais. Além disso, compartilha o déficit de qualidade do ensino básico do país. Sem muito medo de errar, pode-se dizer que é um nível em crise permanente. Entra ano, sai ano, em algum lugar do mundo, há protestos ou propostas de revirar tudo de cabeça para baixo. Talvez os problemas do ensino médio no Brasil sejam ainda mais acentuados.

1. O que dizem os números

Sem entender primeiro o que dizem os números, pouca confiança pode-remos ter em quaisquer análises sobre nosso ensino. As estatísticas edu-cacionais brasileiras são quase sempre de boa qualidade e disponíveis. Não obstante, são freqüentemente ignoradas.

A Tabela 1 na página seguinte resume, em boa medida, os números que serão examinados adiante.

* Claudio de Moura Castro é professor da Faculdade Pitágoras e articulista da Revista Veja.

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Tabela 1 – Estatísticas básicas da educação brasileira

Nível /Modalidade Matrícula (mil)Concluintes fundamental 2.471

Matrícula médio (total) 8.906

Matrícula 1ª série 3.601

Matrícula 2ª série 2.772

Matrícula 3ª série 2.385

Matrícula ensino técnico 774

Matrícula médio e técnico 9.680

Concluintes médio (total) 1.949

Concluintes médio (diurno) 1.014

Concluinte médio (noturno) 935

Matrícula em Educação de Jovens e Adultos(EJA) médio (total)

1.750

Matrícula EJA (presencial) 1.345

Matrícula EJA (semipresencial) 405

Aprovados EJA médio (presencial) 451Aprovados EJA médio (semipresencial) -

Matrícula 3ª série e EJA 4.135

Aprovados 3ª série e EJA (presencial) 2.400

Vagas no superior 2.320

Candidatos inscritos 5.053

Ingressos no 1º ano 1.303

Fonte: Inep (2006)

111.1 Matrículas e conclusões por série Em meados da década de 1990, o Brasil se aproximou da universa-lização do ensino de crianças e jovens de sete a 14 anos. Nesse mo-mento, a proporção freqüentando a escola atingiu 97%. Foi um avanço memorável no ensino. Superamos um atraso crônico que nos distanciava até mesmo de nossos vizinhos. Em 1950, 51% da popula-ção brasileira era analfabeta. Nesse momento, só 3% da população norte-americana estava nesse estado. Os nossos vizinhos argentinos tinham 14% de analfabetos. Finalmente, chegamos aonde muitos países latino-americanos já haviam chegado, há bem tempo.

Temos hoje 56 milhões de alunos no ensino básico. É quase um terço da população total e uma proporção mais elevada do que a maioria dos países. Em 1960, apenas 11% da população estava na escola. Isso reflete o grande esforço que se fez, mas escon-de também uma grande ineficiência, pois muitos dos alunos que freqüentam as escolas são repetentes. Por essa razão, na média, matriculamos cerca de 20% a mais do que o necessário para obter o mesmo resultado1.

Nosso ensino médio tinha 1.309 milhão alunos em 1960. Com a aceleração dos anos 1990, passou de 4.104.643 alunos em 1992 para 9.689 milhões no ano de 2006 (incluindo o ensino técni-co). É uma expansão muito considerável: multiplica por nove a matrícula de 1960 e mais do que dobra os efetivos escolares nesse nível, em comparação com 1992. No entanto, a partir de 2003, houve um estancamento do crescimento e até uma pe-quena queda. Parte da explicação para tal retrocesso parece estar no aumento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de nível médio que, em 2006, matriculava 1.750 milhão de alunos. Note-se que não podemos comparar esse número com os nove milhões do ensino regular, pois o curso que leva ao exame do EJA é de um ano. Ou seja, a comparação seria com o último ano

1 Estimativas de Ruben Klein (2006).

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do ensino médio, que matricula 2.412.701 alunos (em 2006). Pelos atrasos sucessivos e a inevitável deserção, o ensino que deveria ser uma segunda chance tornou-se um canal de aces-so que matricula mais da metade do ensino regular na última série.

Um resultado bizarro, que vem desafiando os estatísticos, é a comparação entre os 2.471 milhões que se formam no ensino fundamental e os 3.601 milhões matriculados na primeira sé-rie do médio. Ou seja, à primeira vista, há mais matrícula do que matéria-prima. A repetência na 8ª série é de 8%, e na 1ª do ensino médio é de 20%. Isso explica a diferença, mas apenas parcialmente. Salvo uma outra explicação, através da análise dos fluxos escolares, não há como evitar a conclusão de que há uma volta ao ensino médio, por parte de alunos mais velhos. A pressão econômica por mais escolaridade poderia ser o motor de tal fenômeno.

Chama também atenção a proporção de alunos do turno da noite. São 44% dos matriculados. Somados aos do EJA, encon-tramos 5.208.305 alunos. Esse contingente, no qual predomi-nam alunos adultos, é um pouco maior do que os alunos do turno diurno. Em outras palavras, o ensino médio é um ciclo que se alonga no tempo, passando a ser uma educação com tantos adultos quantos jovens.

Quando examinamos a matrícula por turno e série, nos depa-ramos com um resultado muito curioso (Tabela 2). Verificamos que apenas o porte da 3ª série corresponde a 54% dos alunos matriculados na primeira série do curso diurno. Em contraste, a 3ª série do curso noturno corresponde a 83% dos alunos no-turnos matriculados na série inicial. Possivelmente, a quebra no diurno resulta de transferências para o noturno ou para a EJA, causada pelo excesso de idade.

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Tabela 2 – Ensino médio: matrícula por turno e série (alunos)

Total Diurno NoturnoConcluintes 8ª série 2004 2.462.319 2.123.349 338.970

Matrícula 1ª série E.M. 2005 3.660.934 2.201.579 1.459.355

Matrícula 2ª série E.M. 2005 2.846.877 9.580.302 1.266.575

Matrícula 3ª série E.M. 2006 2.412.701 1.194.956 1.217.745

Em contraste com a alta taxa de aprovação do médio noturno, notamos justamente o inverso na EJA. Apenas 33% dos ma-triculados conseguem aprovação na EJA presencial (não há dados para o semipresencial). Embora não conheçamos boas análises do que acontece nesse ensino, há certo consenso entre observadores da educação brasileira que indicam ser esta mo-dalidade ainda mais descuidada do que o ensino regular.

A nossa educação profissional no nível técnico matrícula pou-co mais de 774 mil alunos. É um número muito modesto, en-globando apenas 8,6% da matrícula no médio. Está bem abaixo da média da maioria dos países com nível de desenvolvimento equivalente ao do Brasil.

A matrícula na 3ª série do ensino médio atinge 2.385 mi-lhões alunos. A essa matrícula podemos somar os 1.750 mi-lhão de alunos da EJA, obtendo 4.135 milhões de alunos. Se todos fossem aprovados, teríamos um número de potenciais candidatos ao ensino superior bem acima da coorte corres-pondente, que é de pouco mais de três milhões. Ou seja, deve haver ampla participação de coortes mais velhas no ensino médio, sobretudo usando o EJA como modalidade de estudo. Além disso, há os repetentes. No entanto, apenas 1.949 milhão se formam no médio, e mais 451 mil na EJA presencial (não há dados para o semipresencial, que matri-

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cula pouco mais de um quarto do presencial). Isso nos dá um total de 2.400 milhões de alunos adquirindo o direito de entrar para o nível superior.

O Censo de 2006 (INEP, 2006) registra 2.320 milhões de vagas no superior. É um número muito próximo dos que se formam no ensino regular e na EJA. Ou seja, do ponto de vista puramente formal, há tantas vagas no superior quantas pessoas com o di-reito a entrar no terceiro grau. Na verdade, não são vagas, mas li-cenças para crescer, adquiridas por parte do setor privado (como o processo de aprovar vagas é penoso, todos pedem mais do que imaginam que vão necessitar, como uma reserva futura, e preca-vendo-se dos cortes impostos pelos visitadores).

Há 5.053 milhões candidatos inscritos nos vestibulares. Obvia-mente, esse é um número de significado muito restrito, pois, nos vestibulares públicos mais concorridos, há candidatos que o re-petem, ano após ano. Há também um número enorme de alunos que fazem múltiplos vestibulares. Aqui mencionamos esse nú-mero apenas para minimizar o seu significado e advertir quanto a interpretações equivocadas. Durante muito tempo, mostrou-se esse número para denunciar a falta de vagas no superior.

São inscritos no primeiro ano do ensino superior 1.303 milhão de alunos. Esse número corresponde a pouco mais de um terço da coorte. Corresponde também a pouco mais da metade dos que adquiriram o direito de entrar no superior.

Curioso notar que, no Brasil, a proporção de graduados do en-sino médio indo para o superior está acima de 50%, empare-lhada com pouquíssimos outros países. Isso porque o médio sempre foi muito pequeno, em grande parte, por receber alu-nos de um fundamental em que apenas uma fração pequena da coorte conseguia se formar.

151.2 Nível de escolaridade da populaçãoUma estatística sempre citada é o nível médio de estudos da população. A Tabela 3 mostra que passamos de 6,1 em 2001 para 6,6 em 2004. De um lado, é um número muito modesto, pois nossos concorrentes exi-bem médias muito mais elevadas. Mesmo na América Latina, não é um número expressivo. Não obstante, tal crescimento é um avanço mui-to considerável, tendo em vista que estamos diante de uma estatística de estoque. Ou seja, a cada ano, somente as coortes jovens aumentam seus níveis de escolaridade, pesando pouco na média. A partir de certa idade, digamos, 30 anos, o nível de escolaridade se altera pouco. Como todas as estatísticas de estoque desse tipo, são muito inerciais.

Tabela 3 – Anos de estudo da população brasileira

Anos de estudo 2001 2004Brasil 6,1 6,6

Dez a 14 anos 3,9 4,115 a 17 anos 6,6 7,1

18 ou 19 anos 7,9 8,420 a 24 anos 8,0 8,725 a 29 anos 7,5 8,230 a 39 anos 7,1 7,540 a 49 anos 6,4 6,850 a 59 anos 5,0 5,6

60 anos ou mais 3,3 3,5

Fonte: PNAD (IBGE, 2004).

É possível observar que os níveis de escolaridade mais elevados estão na faixa dos 20 anos, quando as pessoas já têm idade para serem melhores educadas, mas já não pertencem às gerações anteriores, que encontraram uma oferta de escolas muito mais limitada. Na faixa dos 20 aos 24, encontramos a média mais alta: 8,7 anos de escolaridade. Ainda é um número muito modesto.

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Em suma, a escolaridade média é uma estatística que mostra o país em uma situação muito deficiente. Contudo, captura o passado mui-to mais do que o presente, pois reflete o peso dos mais velhos, fora de idade para avanços educativos e fracamente escolarizados. Pela sua inércia, não é uma variável para balizar políticas educativas.

1.3 Matrícula por idade, por ciclo escolar e cobertura da coorteComo ficou bem conhecido a partir das pesquisas de Philip Fle-tcher, Costa Ribeiro e Ruben Klein (na primeira das quais, o pre-sente autor participou), o grande problema do ensino brasileiro não é a deserção, mas a reprovação e a conseqüente repetição de ano. De fato, está muito bem documentada a teimosia dos alunos em permanecer na escola, diante das frustrações, do fra-co nível de aprendizado e da repetência. Portanto, a ponta do iceberg das dificuldades da escola brasileira é a repetência e o atraso idade-série.

É instrutivo recordar que a perda de efetivos era realmente dramá-tica em 1960. Tomando o índice 100 para o número de alunos no primeiro ano do primário, encontramos apenas 19,5 na 4ª série e 1,6 na 5ª. Hoje a comparação entre a 1ª e a 5ª séries mostra uma redução de apenas 2% nas matrículas.

Comparando as conclusões do ensino fundamental com o tama-nho da coorte, encontramos uma perda de 72%. Pelas estimativas de Ruben Klein2, 35,7% da coorte chegava ao fim do ensino médio em 2003. Embora seja um número modesto, é um avanço signi-ficativo sobre 1992, quando apenas 30,9% conseguiam se formar no médio. Ademais, tal número está subestimado, por conta da ex-pressiva matrícula na EJA médio.

Note-se que a primeira série do ensino médio diurno tem 1.574 milhão de alunos. Desses, 318 mil são reprovados, ou seja, 20%. No noturno, de 778 mil, 212 mil são reprovados, ou seja, 27%.

2 Ruben Klein (2006).

17Ambos os números são muito elevados. Tal resultado nada mais faz do que repetir o que se observa cronicamente nas sé-ries anteriores.

Dado o fato de que cerca de 20% dos alunos repete o ano, uma ca-racterística marcante do sistema brasileiro é a defasagem idade-série (Tabela 4). Há uma proporção enorme de alunos cuja idade não cor-responde à série em que deveriam estar. Esse desencontro traz um conjunto de problemas adicionais ao sistema escolar brasileiro.

Não obstante, juntamente com o avanço na matrícula observado na dé-cada de 1990, a redução na defasagem idade-série é uma das áreas nas quais o ensino brasileiro fez mais progressos. Veja-se a Tabela 4.

Tabela 4 – Percentual de crianças e jovens na escola, na série correta, no Brasil, por coorte de idade, 1992/2003

Ano Idade

1992 Correta

2003 Correta

7 67,4% 86,6%8 52,1% 77,1%9 42,1% 70,4%10 36,7% 64,6%11 32,1% 59%12 24,2% 52,8%13 20,3% 46,6%14 17,2% 43,2%15 14,7% 37,1%16 11,2% 32,2%17 8,4% 23,4%18 1,8% 4,8%

Fonte: Klein (2006). Obs.1.Dados extraídos das PNADs 1992 e 2003.2. Idade completa em 31 de julho.3. PNADs não incluem a Região Norte rural.

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O resultado cumulativo da repetência e do atraso pode ser visto na distribuição de idades dos alunos dos ensinos fundamental e médio. A Tabela 5 mostra quase um milhão de alunos com 18 anos ou mais cursando o ensino fundamental (que já deveriam tê-lo terminado aos 14 ou 15 anos). Como o atraso se propaga, o Censo Escolar de 2006 (INEP, 2006) mostra 4.092 milhões de alunos ainda freqüentando o ensino médio após completar 18 anos. Não é de admirar que a média de idade de alunos do nível superior ultrapasse 26 anos.

Tabela 5 – Onde estão os jovens de 15 a 25 anos? (em milhares)

Modalidade Total de alunos 15 a 17 anos 18 a 25 anos

Ensino fundamental 33.282 3.895 928Ensino médio 8.906 4.723 2.122

Fonte: Censo Escolar 2006 (INEP, 2006).

A Tabela 6 (preparada por Carlos Moreno Sampaio, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - Inep) mostra uma estatística muito usada para medir os progressos do ensino. Trata-se da matrícula líquida e da matrícula bruta por nível de ensino. A líquida, tomando as idades corretas para um determi-nado ciclo, mede a proporção da coorte que está matriculada. A bruta toma o número efetivamente matriculado no ciclo e com-para com o tamanho da coorte. A medida líquida é o atendi-mento escolar na hora certa. É a proporção de alunos que estão sendo atendidos na idade correta. A bruta mede o atendimento total. É quem, de fato, está na escola, mesmo que mais velho.

1�

Tabela 6 – Taxas de escolarização bruta e líquida por nível de ensino (1996-2005)

Nível de ensino/Ano Taxa de escolarização bruta

Taxa de escolarização líquida

1996Ensino fundamental (7 a 14 anos)

112,3 86,5

Ensino médio (15 a 17 anos) 50,7 24,1Educação superior (18 a 24 anos) 9,3 5,8

2003Ensino fundamental (7 a 14 anos)

119,3 93,8

Ensino médio (15 a 17 anos) 81,1 43,1Educação superior (18 a 24 anos) 18,6 10,6

2005Ensino fundamental (7 a 14 anos)

117,1 94,4

Ensino médio (15 a 17 anos) 80,7 45,3Educação superior (18 a 24 anos) 19,9 11,2Fonte: IBGE (1996, 2003, 2005). Elaborado por MEC/Inep/DTDIE.

Nota: Exclusive a população rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP para 1996 e 2003

Como podemos ver claramente, no nível fundamental temos uma matrícula bruta de 117%. Ou seja, há 17% a mais alunos na escola do que na faixa etária correspondente. É o velho e conhecido resultado das repetências sucessivas. No ensino médio, temos 81% de taxa bruta3. É um valor muito elevado, comparado com outros países. Mas esconde os atrasos, pois a taxa líquida é de 45%. No superior, a taxa bruta é de 20%. Em contraste, a líquida de 11%.

3 Ruben Klein (2006) estima a coorte em 3.350 mil, a partir de 1998.

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Mesmo dentre autoridades educacionais, observa-se muita ambigüidade na interpretação dessas taxas. Por isso, vale a pena esclarecer o seu significado. A taxa líquida aponta em que medida a escola atende aos alunos na hora certa. É um indi-cador de eficiência. A taxa bruta revela o esforço da sociedade para educar a sua gente. É o vale tudo. Se não conseguiu se for-mar na hora certa, menos mal que se forme algum dia.

Nesse sentido, devemos registrar que a metade dos alunos dos ensinos médio e superior somente consegue se formar muito mais tarde do que deveria. A ineficiência é resultante do atraso. A taxa bruta mostra o enorme esforço de continuar na escola. No longo prazo, é o que importa. O processo pode ser mais longo, mas o curso é concluído no dobro do tempo previsto para a sua conclusão.

2. Perplexidades da profissionalizaçãoA educação acadêmica brasileira é homogeneamente fraca. Em que pese a ampla superioridade do privado em comparação com o público, mas, mesmo nele, os resultados não são nada lisonjeiros. De fato, lembremo-nos de que o quartil superior do Pisa obtém resultados mais baixos do que o quartil inferior de praticamente todos os países europeus. Ou seja, nossas elites entendem menos o que está escrito em papel do que os fi-lhos de operários europeus.

Em contraste, a formação profissional oferecida no Brasil é heterogênea, com alguns subsistemas excepcionalmente bons e outros quase carica-tos. De fato, nem sequer podemos falar em sistemas formação profissio-nal. O que há é um cenário fragmentado, com elementos articulados e outros totalmente desarticulados.

O sonho de um sistema organizado não é apenas impossível como des-necessário. Os Estados Unidos não têm nada que se assemelhe a um sis-tema harmônico e articulado, e nem por isso deixam de exibir um con-junto de excepcionais méritos.

21É preciso reconhecer: não há a mais remota possibilidade de construir o sis-tema coerente e harmônico sonhado por muitos, quando há tantos atores que jamais poderiam operar sob a mesma bandeira governamental. Há a rede de escolas técnicas federais e mais algumas redes estaduais, estas úl-timas totalmente independentes. Há o sistema privado de escolas técnicas, controlado apenas burocraticamente pelo Ministério da Educação (MEC).

Teoricamente controlado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTb), há o gigantesco Sistema S, no qual estão as jóias da coroa da formação profissional. É um sistema privado, financiado com recursos públicos. Na prática, faz qua-se tudo certo, mas não obedece a um ministério tecnicamente fraco e pobre como o MTb. E ainda menos obedeceria ao MEC. As tentativas de controle falharam no passado e não há indicações que terão maior sucesso no futuro.

Além disso, e gastando quase 5% do PIB, há uma miríade de opções de formação profissional, oferecida pelos governos estaduais e municipais, pelo setor produtivo e por centros de formação isolados. Isso sem falar das múltiplas iniciativas de utilização de novas tecnologias, como edu-cação a distância, vídeo e TV educativa. Do ponto de vista de qualidade, há de tudo nesse sistema. Mas como, em grande parte, é governado pelo mercado, tem os seus mecanismos embutidos de controle de ‘pontaria’ e qualidade. Nem sequer podemos dizer que seja menos eficiente do que os sistemas controlados pela lei e pelos ministérios correspondentes.

Essa formação profissional invisível nem tem estatísticas oficiais e nem é reconhecida legalmente como educação ou treinamento. Do ponto de vista legal, é como se fosse um sistema clandestino.

Somando tudo, não estamos tão mal assim. É um sistema enorme que responde às necessidades do setor produtivo e, de muitas maneiras, con-serta o mal feito no sistema formal.

Esse enorme ‘não-sistema’ compensa a fragilidade e estreiteza da versão mais acadêmica de formação profissional que é a escola técnica. De fato, menos de 10% dos matriculados no ensino médio freqüentam uma esco-la técnica.

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O problema é que nossa formação profissional deixa lacunas, sobretudo dentre os mais pobres. Embora este não seja um ensaio para propor po-líticas educativas, cabe notar que faria muito mais sentido para o poder público identificar e lidar com as lacunas existentes do que tentar abar-car o sistema como um todo, por via de leis e políticas.

Dado o escopo do presente ensaio, trataremos das escolas técnicas e mais rapidamente do Sistema S. O ‘sistema invisível’ não será aqui tratado, embora sua presença não possa ser ignorada, pois é a opção quantitativa-mente mais expressiva. É até irônico que o maior segmento da formação profissional seja totalmente ignorado pela lei e pelos governantes. Quem sabe será melhor assim?

2.1 Escolas técnicasDentro do sistema acadêmico, a única exceção à nossa solução única é o ensino técnico. Mas, ainda assim, contém todo o currículo con-vencional do ensino médio, sem concessões. Ou seja, é um médio com um técnico a ele aposto. Em nada se modifica ou reduz o seu currículo médio acadêmico.

Comparado com o que observamos em qualquer país industrializado, o seu porte é ínfimo, atingindo apenas 7% da matrícula no nível médio. Na maior parte dos países, pelo menos 30% dos alunos dessa faixa etária estão em escolas técnicas ou profissionais. No Brasil, além do seu porte estreito, esse tem sido um nível de ensino cronicamente problemático, sobretudo no caso da Rede Federal de Escolas Técnicas.

Com as melhores intenções, nos idos de 1960, houve uma tentativa séria e cara de criar uma ampla rede de escolas técnicas federais. Mas diante da escassez de escolas acadêmicas públicas e gratuitas, essas escolas foram cooptadas pelas elites brasileiras, que nelas viam uma forma eficaz e barata de preparar-se para os vestibulares mais com-petitivos. O resultado foi bastante bem documentado. Os alunos que passavam nos ‘vestibulinhos’ vinham de classes sociais que não tinham interesse algum na formação profissional oferecida.

23Na prática, as escolas negavam o acesso àqueles de classe mais modesta que, a princípio, se interessariam pelas profissões técnicas ensinadas, ao mesmo tempo em que dava acesso a uma elite apenas interessada nos vestibulares. Como resultado, os mais pobres eram alijados e as em-presas ficavam sem os profissionais treinados. Era o pior dos mundos.

Em 1996, foi isolada a parte técnica da acadêmica, para que os alunos interessados no ensino técnico não fossem eliminados pelos outros de classe mais alta – que apenas buscavam um ensino médio de qua-lidade. A rede federal tentou, de todos os modos, escapulir desse processo de democratização de acesso e de recuperação da sua mis-são original de escola técnica.

Não encontrei quaisquer pesquisas mostrando o que realmente ocor-reu na rede federal – e talvez não seja por acaso. Contudo, na Rede Paula Souza (de São Paulo) aconteceu o que se previa e esperava. Ou seja, houve uma queda abrupta na classe social dos alunos dos cur-sos técnicos. Isso significou que, finalmente, os alunos cursando os técnicos eram aqueles mais modestos, que pretendiam ser técnicos. Portanto, um resultado que combina eficiência com eqüidade. De fato, na Paula Souza há da ordem de 30 candidatos por vaga e um bom aproveitamento dos graduados na profissão ensinada.

É curioso notar que o melhor programa técnico do MEC – o do Cefet do Paraná – criou um curso técnico não-profissionalizante – quase uma contradição em termos. Estaria voltado para dar uma preparação de natureza geral. Tal formação só serviria para preparar os graduados para entrar no meio do caminho dos seus próprios cursos de tecnó-logos ou engenharia. A presunção é que tal curso foi criado com o objetivo – não confesso – de recuperar o elitismo anterior dos seus técnicos. Isso porque é fácil imaginar o pouco interesse que teriam alunos mais pobres por um curso técnico não-profissionalizante.

Nos últimos anos, o MEC voltou a integrar os cursos acadêmicos aos profissionais. As razões parecem ser de duas naturezas. Uma delas é puramente doutrinária. A secretaria do MEC incumbida de cui-

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dar de ensino técnico passou a ser influenciada por um grupo que, há muitos anos, defende as idéias criadas por Gramsci e englobadas sob o termo ‘politecnia’. Seus defensores pregam uma escola técnica única e integrada, ensinando, ao mesmo tempo, as ciências, as hu-manidades e preparando para o trabalho.

Embora isso não seja admitido pelos seus defensores, a única escola próxima da ‘politecnia’, no mundo real, são as compreensive high scho-ols norte-americanas. E a tentativa de reproduzi-las fora dos Estados Unidos constitui-se, talvez, no caso mais consistente de fracasso do en-sino técnico. Financiadas pelo Banco Mundial, foram experimentadas em muitos países. Mas a avaliação do próprio Banco revelou o mais re-tumbante malogro, virando a caricatura do seu modelo estadunidense – que, no próprio país de origem, já não é tão bem-sucedido assim.

A outra razão para a volta do curso integrado é a predisposição das escolas técnicas federais para ter alunos academicamente muito for-tes, como tinha antes. Da mesma forma que não havia bons dados anteriormente, não os há agora. Mas tudo indica que as escolas não se conformaram com a queda de nível acadêmico inerente à separa-ção, pois os cursos técnicos, sem o acadêmico junto, teriam se torna-do menos atraentes para os alunos academicamente mais fortes.

Diante dos protestos de outras instituições e de alguns estados (como São Paulo), o MEC desistiu de obrigar todos à integração. Mas a lei foi aprovada, em benefício das escolas federais.

É interessante notar que a integração legal, plasmada na nova lei, é perfeitamente desnecessária. Como vinham fazendo as escolas do Senai/Sesi, quem quiser obter resultados idênticos, basta acertar os horários para que o ciclo acadêmico não conflite com o ciclo técnico-profissional. Como a duração é determinada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996), é indiferente se é integrado ou não, não muda a carga – que pode ser o mínimo exigido por lei (1.800 horas) ou o usual (2.400 horas). Ou seja, a lei ou é puramente doutrinária ou é para permitir às federais não ofere-

25cerem mais o técnico desvinculado do acadêmico. Ao integrar, todos os candidatos ao técnico passam a ter a mesma porta de entrada do acadêmico, voltando ao elitismo anterior.

Uma característica marcante das escolas técnicas federais é a pouca pro-ximidade ao mercado de trabalho e à empregabilidade dos seus gradua-dos. Jamais vi um estudo de acompanhamento de egressos feito pelo MEC ou pelas próprias escolas. É interessante notar que, em plena vi-gência do projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (por meio do Programa de Expansão da Educação Profissional – Proep, parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego), a recomendação contratual de aproximar-se da demanda era interpretada como pesqui-sas junto aos alunos. Ora, os alunos podem demandar vagas nas esco-las. Mas quem contrata os alunos são as empresas. Portanto, a demanda que mais interessa é a que vem do setor produtivo. Na nova gestão do MEC, a aproximação com o setor produtivo é ainda mais reticente.

A legislação do ensino técnico é muito rígida. As carreiras são defini-das de forma hirta, tornando-se difícil ir alterando o perfil dos cursos para seguir os meandros do mercado de trabalho e sua evolução.

O crescimento do setor privado de escolas técnicas tem oscilado bastan-te. Com a separação entre o currículo profissional e o acadêmico, criou-se um clima de incerteza e uma paralisação do crescimento. As indecisões e demoras do Conselho Nacional de Educação (CNE) para definir técni-co, tecnólogo e seqüencial tampouco ajudaram. Contudo, anos depois, o clima serenou. Os técnicos estão crescendo de novo e as taxas estão mais aceleradas do que de qualquer outro segmento educacional. Contudo, como a base instalada é ainda muito pequena, tal crescimento todavia não afeta substancialmente o quadro geral de estreiteza da oferta.

Por diversas razões, o setor privado se concentra nos cursos de infor-mática e administração. Faltam bons modelos para serem imitados pelos operadores no setor – que, em geral, são pequenos e de poucos recursos. Os cursos do Senai são caros demais e focalizam tecnolo-gias de ponta. Não servem de modelo.

26

2.2 Sistema SEm 1942 foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai. Apoiava-se em uma fórmula que até hoje é única no mundo: um sistema privado, pertencente às federações de indústria, finan-ciado por um tributo (de 1%) sobre a folha de salários. Seus métodos de ensino se revelaram sólidos e apoiados na prática profissional.

Anos mais tarde, foi criado o Senac para a área comercial, o Senar para as ocupações rurais, o Sebrae para a pequena empresa e o Senat para os transportes. Esse conjunto é conhecido hoje como o Sistema S, pois todos os seus componentes têm S como primeira letra.

Por ser privado e operado pelos próprios consumidores do seu produ-to, o sistema revela-se bastante voltado para as reais necessidades do mercado de trabalho. Comparado com todos os outros de países em desenvolvimento, apresenta um desempenho superlativo – embora nem todos os seus participantes sejam igualmente competentes.

Pela mesma forma, mostra bons índices de eficiência, sendo razoa-velmente vacinado contra o empreguismo e outras disfunções do serviço público. Obviamente, não é perfeito e tem os seus pecados. Mas, na ordem geral das coisas, é amplamente superior ao sistema educativo público.

O número matrículas no Sistema S é muito expressivo. Há da or-dem de oito milhões de inscritos anualmente nos seus 4.600 cursos. Grande parte dos alunos está em cursos de curta duração. Contudo, Senai opera também cursos técnicos e de tecnólogos, matriculando 56.000 alunos. Em menor grau, o Senac também tem tais cursos. Embora o número de cursos seja significativo, ainda assim corres-pondem a uma pequena fração das atividades desses sistemas.

De fato, há que se notar uma curiosidade legal na operação desses sistemas. Desde os anos 40, o Sistema S vem preparando mão-de-obra manual qualificada. Esse tem sido o seu carro-chefe, e não há qualquer indicação de que isso vá mudar substancialmente no fu-

27turo próximo. Não obstante, a LDB cria uma categoria de formação profissional: a “Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores”. Tanto quanto se pode deduzir da lei, é exatamente a mesma coisa que Senai e Senac formam há mais de meio século.

Ou seja, a LDB cria uma categoria de cursos que englobaria quase tudo que o Sistema S vem fazendo há muito. As escolas técnicas fe-derais também preparam pessoas em cursos dentro dessa categoria. Contudo, do ponto de vista do Sistema S, nada aconteceu; este não toma conhecimento do assunto. Verdade seja dita, não há boas ra-zões para tomar, pois o MEC, pela LDB, se meteu em seara alheia.

Voltemos aos cursos técnicos, a real interface do Sistema S com o ensino técnico de nível médio. O Senai opera cursos desse tipo em todo o Brasil. São cursos caros e altamente especializados. Por tudo que sabemos, têm uma boa aceitação no mercado de trabalho. Suas interfaces com a indústria são muito íntimas, mercê da proximidade institucional gerada pelas federações de indústria e da tradição dos cursos de formação para ocupações manuais especializadas. Na prá-tica, correspondem ao melhor ensino técnico oferecido no Brasil.

O único e sério problema é que o número de escolas técnicas é relati-vamente pequeno diante do tamanho do parque produtivo brasileiro. São apenas 700 escolas técnicas, que respondem por algo em torno de 774 mil matrículas somente no ensino técnico. Não obstante, há uma considerável tendência para o seu crescimento. Por outro lado, ainda há muita ambigüidade sobre os papéis e os mercados de técnicos e tecnó-logos, não ficando claro onde se dará o crescimento mais rápido.

2.3 AprendizagemDe todas as modalidades de preparação das pessoas para a vida pro-fissional, a aprendizagem no local de trabalho é a mais antiga. De fato, tradicionalmente se aprende um ofício trabalhando com um mestre, seja em uma relação formal, seja meramente estando perto e imitando os comportamentos de quem sabe mais.

28

Mesmo nos países com formação profissional mais escolarizada, há, em paralelo, sistemas do tipo mestre-aprendiz. É o caso da França. Por outro lado, Alemanha, Suíça e Áustria formam, para quase todos os ofícios, pelo seu Sistema Dual, no qual se alternam as aulas com o trabalho em empresas (sob orientação de um mestre).

No início do Senai, houve uma tentativa de implantar algo semelhante no Brasil, o que seria de se esperar sendo suíço o primeiro diretor do Senai/SP. Durante muito tempo, as empresas contrataram aprendizes e ofereceram a eles uma programação complementar de cursos. Mas com o passar do tempo, começaram a predominar os cursos exclusivamente nas escolas do Senai ou com um estágio depois. Ainda assim, o sistema de aprendiza-gem formou uma boa proporção dos nossos operários qualificados.

Contudo, a legislação foi tentando proteger cada vez mais o aprendiz. Os salários aumentaram, igualando-se aos dos maiores de idade. E as exi-gências para o trabalho do aprendiz nas fábricas ficaram mais rígidas.

Nossas autoridades proibiram o trabalho de menores, por exemplo, onde há máquinas funcionando. Pode trabalhar em máquina parada, mas somente se tiver dispositivo que impeça o seu acionamento. Ou seja, só pode trabalhar em fábrica que não produz. Há 81 proibições, barrando os menores de praticamente todas as atividades industriais.

A lei obriga a empresa a contratar aprendizes. Mas há outra lei dizen-do que os aprendizes não podem trabalhar em fábricas. A solução é fazer um curso no Senai, longe da fábrica, perdendo os benefícios do que se aprende com o trabalho “de verdade”. A formação do Senai é de boa qualidade. Mas além de sacrificar uma valiosa experiência de trabalho, não há vagas para todos. Ao acolher em suas escolas esses aprendizes (que são pagos para trabalhar na fábrica), o Senai deixa de atender a outros tantos jovens – ou adultos –, que igualmente necessitam de preparação para o trabalho.

A aprendizagem é milenar. Sua estruturação ocorreu na Idade Média, gerando as corporações de ofício. Continua uma excelente idéia, pois o aprendiz aprende ao mesmo tempo em que trabalha e produz.

2�Todavia, além de pagar a contribuição do Senai, agora o empregador pagará também a um aprendiz que está proibido de trabalhar. Algumas exceções serão permitidas, caso a caso. Mas se a mais clássica forma de aprender um ofício requer favores de alguma autoridade local, no mínimo, é uma grotes-ca distorção. É também um convite à fraude e ao não cumprimento.

É meritória a intenção de proteger o aprendiz de riscos e abusos. Mas jamais algum país industrial impediu menores de trabalhar em fá-bricas. Uns mais, outros menos, mas todos os países da Europa têm aprendizes em suas fábricas.

Riscos sempre há e todo o cuidado para reduzi-los é justificado. Mas a chance de acidentes no setor informal e de morte violenta para jovens nas grandes cidades brasileiras é dezenas de vezes maior do que a amea-ça de acidentes em fábricas. Em outras palavras, um jovem de classe operária está mais seguro dentro de uma fábrica séria do que na rua.

Toda vez que exageramos na proteção aos empregados – menores ou maiores – será às expensas de reduzir os incentivos para o emprego for-mal. No caso dos aprendizes, chegamos à perfeição. Estamos prestes a acabar com uma tradição milenar de aprender um ofício. Pior: o aprendiz que a indústria não pode acolher é mais um jovem no exército da infor-malidade, trabalhando sem contrato e em situações de muito maior risco (dentro e fora do seu trabalho). Certamente, a aprendizagem em alter-nância não é a solução para todos os problemas, não deve substituir a escola regular e nem tirar o espaço de outras formas. Mas soma às outras modalidades, enriquecendo a oferta de preparação de mão-de-obra.

Houve abusos no trato com os aprendizes, gerando uma preocupação legí-tima. Contudo, a resposta do governo foi dar um pontapé na história. A fór-mula de coibir o abuso não pode ser pela via simplista de eliminar o uso.

O estágio é uma outra forma de aprender no local de trabalho. Tem suas seme-lhanças com a aprendizagem. Contudo, é menos estruturado e mais solto.

Muito se fala e se escreve sobre os estágios. Há perorações, denún-cias, discursos e tudo mais. Muitos decantam incansavelmente as virtudes dos estágios. Contudo, os estágios permanecem uma caixa

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preta desconhecida. Pouco se sabe acerca do que está lá dentro. Ao mesmo tempo, o exterior da caixa preta contém pinturas de fanta-sias e miragens.

Mas também abundam denúncias de que muitos estágios são for-mas disfarçadas de contratação de mão-de-obra barata. Portanto, seria preciso coibir os abusos, criando limites às tarefas que os esta-giários podem fazer e reduzindo a sua jornada de trabalho.

Recentemente entrou em tramitação uma nova regulamentação para os estágios, visando impedir as distorções percebidas. Para tal, não mais po-derão ser utilizados para o trabalho produtivo. Infelizmente, parece que estamos diante de uma emenda infinitamente pior que o soneto. Se im-plementada, teria conseqüências funestas para os alunos mais pobres.

Aqueles que acusam muitos estágios de serem uma forma disfarçada de emprego a baixo custo estão cobertos de razão. Muitos estágios são exatamente isso. E é justamente ai que reside um dos seus méritos.

Um número desconhecido de jovens financia seus estudos através desses falsos estágios. Tiram fotocópias, vão buscar papéis, fazem os trabalhos mais simples e desinteressantes dos escritórios. No fundo, não são verda-deiros estágios. São empregos baratos reservados para estudantes.

Mas acontece que, se não fossem tais falsos estágios, esses jovens estariam impedidos de estudar, pois não têm como pagar a mensalidade da escola. Em outras palavras, diante de uma legislação trabalhista que desencoraja o emprego, o estágio é uma saída, ainda que seja pela porta dos fundos. É bom para a empresa, pois é mão-de-obra mais barata. E é bom para o (falso) esta-giário, pois tal emprego é infinitamente melhor do que o desemprego.

Se a nova legislação acabar com os falsos estágios, estará punindo severa-mente um número considerável de jovens que precisam desses rendimen-tos para pagar a faculdade. São justamente os estagiários mais pobres.

Para explorar melhor o assunto, é preciso entender a natureza dos ver-dadeiros estágios. Uma empresa pratica a lógica implacável de ado-tar os comportamentos que trazem mais benefícios e menos custos.

31Se não o fizerem, serão tragadas pela concorrência e fecharão suas portas. A prosperidade do mundo moderno resulta desse princípio darwiniano da competição e sobrevivência do mais apto. A filantropia e a caridade, só da porta da empresa para fora.

Para as empresas, há duas razões para receber estagiários. A primeira é uma estratégia de pré-selecionar seus futuros funcionários. Nessa lógi-ca, pré-selecionam os melhores candidatos, investem neles e oferecem o que têm de melhor, pois querem não apenas escolher os mais aptos, mas que sejam também escolhidas por eles, quando chegar a hora de contratar. Qualquer lei protegendo os estágios não vai aumentar a von-tade do empresário de receber futuros funcionários, de tratá-los muito bem e, mais adiante, selecionar os melhores para os seus quadros. Esse número é oriundo das políticas de contratação vigentes na empresa – refletindo o clima de negócios.

Mas a empresa recebe também estagiários como uma forma de reforçar sua força de trabalho temporária e de obter serviços adicionais a baixo custo. Para esses estagiários, não se trata de um real estágio, mas uma reserva de mercado de empregos simples para estudantes. Ao contrário dos estágios e programas de trainees, cujo porte é determinado pela intenção de recrutar mão-de-obra para os quadros da empresa – nesse caso, falamos simples-mente de um cálculo econômico simples. Se é mais barato, contrata-se um estagiário para tirar xérox. Se a lei não deixa o estagiário produzir ‘de verda-de’, limita as horas de presença na empresa e cria outros constrangimentos, a empresa preferirá contratar office boys comuns e não perderá tempo com estagiários. Pela racionalidade econômica, as regulamentações propostas terão um efeito devastador sobre os ‘falsos’ estágios.

Muitos dirão, ora vivas, conseguimos tampar um buraco na lei. Mas acontece que é por esse buraco que um número enorme de alunos mais pobres consegue pagar seus estudos. Se mudar a legislação, serão eles os grandes perdedores. As chances que têm de obter verdadeiros estágios nas grandes empresas são ínfimas, em função da concorrência dos alu-nos academicamente mais fortes. E as chances que terão em um falso estágio desaparecerão.

32

Mas o prejuízo atinge também os reais estágios, oferecidos pelas grandes empre-sas. Os autores da proposta de lei, pelo que se depreende, nunca entraram em uma empresa e jamais entenderam a lógica do milenar processo de ‘aprender fazendo’. Há muitos conhecimentos que só podem ser adquiridos pelo exercí-cio da ocupação. Se os estagiários não podem trabalhar, não podem aprender. Um aprendiz de marceneiro pode aprender a serrar em tábuas que serão joga-das fora. Mas um aprendiz nas tarefas gerenciais ou administrativas não pode decidir e jogar fora a decisão. Aprende-se executando tarefas mais simples ou ajudando colegas mais experientes. Mas é tudo ‘de verdade’. De resto, é esse ‘de verdade’ que enobrece o processo de aprendizado no local de trabalho.

Ou seja, trata-se de uma política duplamente infeliz. É altamente discrimina-tória contra os alunos mais pobres, que são os clássicos beneficiários dessa fle-xibilidade da lei. Melhor seria continuar fazendo vistas grossas e permitindo a diplomação de um contingente bem grande de jovens de meios econômicos modestos. Além disso, esvazia o processo de aprendizado dos reais estagiários.

Ou seja, nossos legisladores já liquidaram o processo de tirar a aprendizagem do mapa da nossa formação profissional. Serviço perfeito. Não sobrou pratica-mente nada. Agora estão diligentemente fazendo o mesmo com os estágios.

3. Escola e trabalho: a educação permanente cabocla

Há três ou quatro décadas, a Europa passou a valorizar a educação per-manente ou continuada, como decorrência das transformações econô-micas já ocorridas e previstas para o futuro. É a idéia poderosa de que a educação não acaba após a formatura. A volta à escola demarca a fase mais madura do desenvolvimento da educação.

No Brasil, acontece algo surpreendente. Quando os alunos se formam, em quais-quer que sejam os níveis, por conta dos conhecidos e persistentes atrasos idade-série, já estão completamente fora das idades previstas. Por exemplo, mais de 40% dos jovens de 15 a 17 anos estão ainda no ensino fundamental. Ou seja, a reprovação prolonga a permanência na escola além das idades correspondentes. Ao que parece, diante de uma pressão da sociedade brasileira por mais educa-

PROPORÇÃO DE INDIVÍDUOS DO SEXO MASCULINO NA ESCOLA E NO MERCADO DE TRABALHO AO LONGO DO CICLO DA VIDA

BRASIL, 2000

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66+

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000).

Freqüencia à escola Atividade econômica

33ção, os alunos freqüentam as escolas em idades bem mais avançadas. Isso ocorre ou porque se atrasam ou porque voltam aos bancos escolares. Pelos cânones da educação permanente, muitos dos nossos alunos estão nessa categoria.

Como os alunos continuam estudando, uma proporção enorme das matrículas se dá em idades de educação permanente. Próximo da metade dos alunos do ensino médio é composta de adultos que estudam e trabalham. Também no superior, a metade dos nossos alunos é adulta.

Não há como negar o mérito dos alunos, dispostos a alongar sua carreira educa-tiva muito além do que acontece na maioria dos países. Contudo, não podemos ignorar que a causa desse fenômeno é a falta de qualidade de nossas escolas.

O Gráfico 1 mostra as curvas que representam a proporção da coorte que estuda e que trabalha. Em uma sociedade mais convencional, os alunos se formam e vão para o mercado de trabalho. Portanto, as curvas correspon-dentes pouco se cruzam. O estudo termina e então começa o trabalho.

Figura 1 – Proporção de indivíduos do sexo masculino na escola e no mercado de trabalho ao longo do ciclo da vida no Brasil em 2000

34

A curva da escolarização mostra que com seis para sete anos estão prati-camente todos na escola. Aos 17, ainda há 68% estudando (ainda que ape-nas 23% estejam nas séries que corresponderiam às suas idades). Daí para frente, cai a proporção dos que estudam. Mas não tanto assim. Por volta dos 30 anos, ainda há cerca de dez por cento na educação formal.

Em outras palavras, começa-se a trabalhar muito antes da idade de deixar a escola. Dito de outra forma, continua-se estudando muito depois de come-çar a trabalhar. Ou seja, as duas curvas têm valores importantes em faixas de idade que se superpõem. A Tabela 7 mostra claramente essa concomitância para as idades de 15 a 17 anos. Vemos que 35% dos jovens trabalharam ou procuraram emprego, ao mesmo tempo que freqüentaram a escola.

Tabela 7 – Condição de atividade econômica da população de 15 a 17 anos no Brasil (2005)

Condição de atividade

Freqüenta escola Não freqüenta escola

Trabalhou ou procurou emprego

35,5% 56,6%

Não economicamente ativa

64,5% 43,4%

Fonte: IBGE (2005). Elaborado por MEC/Inep/DTDIE.

Todavia, a curva dos que estudam está severamente subestimada. Isso porque apenas inclui os estudos acadêmicos mais convencionais, cons-tantes das estatísticas oficiais. Mas, como melhor explicado no último capítulo do presente trabalho, há um sistema invisível de educação e treinamento, matriculando um número enorme de pessoas, sobretudo maiores de idade. Pelas nossas estimativas, a curva deveria ser corrigida pela adição de mais de 40 milhões de pessoas matriculadas em cursos que não estão nas estatísticas usadas para construir o Gráfico apresenta-do. Em outras palavras, a concomitância entre emprego e estudo é muito maior do que indicada nas estatísticas oficiais.

35

4. Trajetórias e exclusão

Na presente seção, tomamos uma perspectiva macrossocial para analisar a situação do ensino.

4.1 Universalização do ensino médio: na contra-mão dos alunos

Um problema que vem se agravando em todo mundo é a presença no ensino médio de alunos que preferiam não estar na escola. Os mais jo-vens não têm opção e nem autonomia. Já o superior é só para quem quer. No médio, há uma pressão familiar crescente. Nos países mais avan-çados, há a obrigatoriedade. Portanto, o médio recebe muitos alunos que não têm afinidades com a vida escolar ou com os estudos, mas que são obrigados a freqüentar aulas. E isso na idade de maior turbulência pessoal, impulsionada pelos hormônios em ebulição. Obviamente, as revoluções existenciais e hormonais criam ainda mais problemas para a escola. Em nosso país, o problema é agravado pelo atraso escolar.

4.2 A opção de mais escolaridade, em vez de melhor qualidade

No Brasil, tanto quanto na América Latina em geral, diante da fraca qualidade do ensino oferecido, os alunos permanecem mais tempo na escola. Face à fragilidade dos níveis de qualidade obtidos, há uma opção implícita por compensar tais deficiências com a permanência dos alu-nos por mais tempo na escola.

Como mencionado, o Pisa mostra que os alunos brasileiros têm níveis de desempenho equivalentes aos de um europeu com quatro anos a menos de escolaridade. Os pais e os próprios alunos, encontrando um setor produtivo que se torna mais complexo e exige mais conhecimen-tos escolares, optam por uma permanência mais longa na escola.

Diante do fenômeno econômico da inflação, quando a moeda se desvaloriza, é preciso mais cruzeiros ou reais para comprar os mes-mos produtos. Na educação, observamos algo semelhante. Como

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a unidade ‘ano de escola’ resulta em menos aprendizado, é preciso comprar mais anos, para obter o mesmo resultado. É a inflação da escolaridade.

4.3 A cobertura insuficiente do ensino médioApesar de toda a pressão para aumentar a matrícula no ensino mé-dio e da tentativa de ficar mais tempo na escola para compensar a sua fragilidade, nossas estatísticas de matrícula líquida no médio ainda são baixas. Mesmo comparada com outros países latino-ame-ricanos, ainda estamos deficientes. De fato, a matrícula líquida no ensino médio é de 45% da coorte.

Na verdade, não é um resultado surpreendente, pois, com a de-fasagem idade-série do ensino fundamental, o abastecimento do médio é seriamente retardado. Portanto, não poderíamos esperar muito mais na matrícula líquida no médio.

Contudo, na matrícula bruta, a proporção sobe para 81%. Ou seja, é o número de alunos na escola, comparado com o tamanho da coorte na idade certa para cursar esse nível. Trata-se de um número bastan-te respeitável, mais alto até que o da Argentina.

Há um grande sucesso em manter na escola os jovens entre 15 e 17 anos. Mas há um grande fracasso, pois apenas 45% da coorte estão na idade certa e, portanto, cursando o ensino médio. A universaliza-ção do médio na idade adequada é um projeto para o futuro.

É preciso admitir, até os primeiros anos do novo milênio, que o cres-cimento da matrícula no ensino médio foi particularmente elevado. Poderíamos estar satisfeitos com o progresso. Contudo, houve uma estagnação recente na matrícula no médio. Trata-se de um trava-mento cujas causas não são bem conhecidas, mas que, pelo menos em parte, podem estar associadas à repetência – que está próxima de 20% na série inicial.

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

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renda individualrenda familiar

37

5. Renda por nível de educação

Em seu clássico A Riqueza das Nações, Adam Smith (2003) nota que a edu-cação é como um investimento em máquinas, pois aumenta a produtivida-de das pessoas. Ou seja, já no século XVIII havia sido notado que pessoas mais educadas recebem rendimentos mais elevados. De lá para cá, tais di-ferenciais de renda se mantêm previsíveis e elevados.

Alunos e seus pais sabem muito bem disso. Não é por outra razão que há um enorme afluxo às escolas e somente o excesso de frustrações geradas pelos maus resultados escolares leva, finalmente, ao abandono dos bancos escolares.

Não cabe aqui aprofundar as análises econômicas dos resultados da educa-ção. Basta ter sempre claras as vantagens de passar mais tempo na escola.

Dependendo das fontes usadas, os diferenciais de renda associados a mais educação podem variar, mas são sempre sólidos. A Figura 2 apresenta os ga-nhos de renda por nível de escolaridade. A primeira barra refere-se às rendas individuais e a segunda, à renda familiar. Podemos ver que o ensino médio adiciona substancialmente aos rendimentos e o superior, mais ainda.

Figura 2 – Diferenciais de renda por curso concluído

38

Estimativas do PNAD mostram também uma estreita associação entre anos de escolaridade e renda média percebida.

Tabela 8 – O que nos diz o mercado de trabalho sobre educação, renda e empregabilidade

Nível de escolaridade

% desocupados

% ocupadas

% cumulativa ocupados

Renda média mensal/ Reais dos ocupados

0 4,1 13 13 291

1 4,9 2,5 15,5 317

2 4,7 4,1 19,6 335

3 6,0 5,7 25,3 360

4 5,7 12,5 37,8 456

5 8,3 6,3 44,1 406

6 9,7 3,5 47,6 397

7 10,4 3,9 51,6 417

8 9,2 9 60,6 532

9 13,9 2,5 63,1 408

10 14,2 3 66,1 449

11 10,3 21,5 87,6 715

12 10,3 1,8 89,4 893

13 10,0 1,5 90,9 1.045

14 7,2 1,5 92,4 1.278

15 4,0 7,1 99,5 2.644

Fonte: IBGE (2006).

Os graduados do ensino médio têm 50% a mais de rendimentos pessoais, comparados com os que têm apenas o fundamental. Já os graduados do superior dobram seus rendimentos.

3�É interessante verificar também que o diploma tem o seu peso. Alunos da 7ª série ganham R$ 417,00 por mês. Os da 8ª ganham R$ 532,00. É um prêmio de 27% de salário, para um aumento de 14% de escolaridade. Para a 10ª série, os rendimentos são de R$ 449,00, saltando para R$ 715,00 para a 11ª. Trata-se de um aumento de 59%, correspondendo a apenas 10% a mais de escolaridade. Em outras palavras, a conclusão do ensino médio traz um benefício desproporcional ao esforço despendido para terminá-lo.

Tabela 9 – Desemprego e renda por anos de estudo

Dados para população de 18 anos e mais

Anos de estudo % desocupados

Renda mensal de todos os trabalhos

(em reais)Total de pessoas

0 4,1 291,86 15.720.4031 4,9 317,53 3.045.7222 4,7 335,73 4.958.5143 6 360,84 6.932.4934 5,7 456,05 15.190.1105 8,3 406,65 7.655.8216 9,7 397,78 4.216.0907 10,4 417,84 4.765.3358 9,2 532,86 10.929.1699 13,9 408,16 3.060.90910 14,2 449,87 3.653.99211 10,3 715,79 26.055.36112 10,3 893,88 2.175.43213 10 1.045,73 1.817.53914 7,2 1.278,12 1.800.22415 4 2.644,47 8.572.118

120.549.232

Fonte: IBGE (2005).

40

Controlando sexo, raça e idade, ganhos substanciais podem ser observa-dos na probabilidade de estar ocupado. De fato, as chances de ocupação são de 1,36 para os graduados do ensino fundamental, 2,3 para os gradua-dos do médio e 3,8 para o superior4. Em outras palavras, o melhor segu-ro-desemprego ainda é mais escolaridade.

Taxas de retorno ao investimento em educação têm sido sistematicamente esti-madas para o Brasil, desde o fim da década de 60. Os resultados confirmam o que poderíamos prever das diferenças de rendimento por nível educacional.

Fernando de Hollanda Barbosa Filho e Samuel Pessoa5 estimaram, com dados de 2004, as taxas internas de retorno. Os resultados mostram 14% para o ensino médio e mais de 18% para o superior. Ambas as taxas são superiores àquelas normalmente encontradas para investimento em ca-pital físico.

Diante de tais dados, não podemos repetir a tolice dos que afirmam esta-rem os alunos sendo iludidos pelos falsos atrativos de uma educação de má qualidade. Claramente, mais educação de má qualidade é melhor do que menos da mesma educação. Mais ainda, a probabilidade de conse-guir emprego sobe com o nível de educação, reforçando as vantagens de investir em educação.

6. As medidas da qualidade da educação

Durante muitos anos, discutiu-se animadamente sobre qualidade da educação. Para uns era elevada, para outros, deficiente. Para uns subia, para outros descia. Mas, no fundo, era tudo palpite, pois nada era medi-do. Comparava-se palpite com palpite. As únicas indicações vinham de pesquisas internacionais, mas a participação do Brasil nelas foi muito irregular.

4 Marcelo Néri (2007).

5 Citado em Marcelo Néri (2007).

41Com base no bom senso e em evidências muito indiretas, houve, ao que parece, uma queda de qualidade a partir da década de 1960. Isso porque coincidem, nesse momento, dois eventos.

O primeiro é o início da aceleração do crescimento do ensino básico. Em 1960, apenas 11% dos alunos entravam na escola. Era uma escola pública para poucos, dominada pela classe média e sob o comando de professo-ras de origem social relativamente alta, bem recrutadas e razoavelmente bem formadas. Só que essa relativa qualidade era obtida por uma exclu-são severa. Era até maior do que na maioria dos países latino-americanos – que jamais se destacaram em matéria de educação. Mas, a partir da se-gunda metade do século, com os avanços da urbanização e da industria-lização, a matrícula inicial acelerou. Em qualquer sistema, mesmo nos países mais ricos, tais acelerações podem coincidir com a incapacidade do sistema de manter os mesmos padrões de qualidade.

O segundo evento foi à polarização da sociedade na crença do poder ca-talítico de elites bem educadas. Tal fé levou à rápida expansão do parque das universidades federais. O modelo era grandioso e custava caro. Trata-va-se de criar uma universidade de pesquisa em cada capital. Não só hou-ve um enorme dreno de recursos para o ensino superior, mas as atenções e as melhores cabeças se mobilizaram para levar a cabo tais planos – de resto, com bastante sucesso.

Tanto quando sabemos, esta é a melhor hipótese para uma suposta perda de qualidade do ensino inicial. Como dito, são apenas conjecturas. É so-mente na década de 1990 que a avaliação toma corpo. Aparecem as primei-ras tentativas de criar o que veio a ser o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), com resultados pouco confiáveis. Somente em 1995 houve uma injeção maciça de recursos técnicos para a realização da prova, e pas-samos a ter uma avaliação de boa cepa. De lá para cá, o Saeb mediu, com suficiente precisão, o nível e a evolução da qualidade do ensino, produzin-do resultados estatisticamente representativos, estado a estado.

42

Minas Gerais, a partir do início dos 90, criou um sistema de avaliação abrangendo o universo das escolas – embora, tecnicamente, as provas não fossem tão boas quanto as do Saeb. Desde então, passamos a ter um excelente sistema de avaliação. Mais de dez estados tinham seus sistemas próprios, até o aparecimento da Prova Brasil. Não se conhece o impacto dessa última prova sobre a decisão dos estados de continuar suas pró-prias avaliações.

6.1 A qualidade medida pelo SaebComo nos indica o nosso Sistema de Avaliação da Educação Básica, os alunos sabem muito pouco. A primeira informação que salta à vista é o desnível entre as médias anuais e os níveis de proficiência esperados. Na média, os alunos não alcançam tais níveis. A questão a merecer exame é a tendência secular dos escores médios obtidos. No todo, não se pode negar que tem havido certa estabilidade dos resultados – não há grandes melhoras, nem tampouco grandes pioras –, apesar do rápi-do crescimento das matrículas nesse período. O ano de 2001 foi o pior para todas as turmas em Português e em Matemática – exceto pela turma de 8ª série que continuou piorando em Língua Portuguesa em 2003. Os melhores resultados em Língua Portuguesa foram em 1995, e os de Matemática, em 1997. Por fim, as melhorias registradas em 2003 são muito ligeiras – os resultados estão muito mais próximos da pior nota do que de qualquer outra nota.

A magnitude das flutuações ano a ano e as oscilações entre estados são pelo menos da mesma magnitude que a tendência secular à queda nos escores do Saeb. Portanto, essa declividade é muito pequena para ser considerada seriamente como queda. Ou seja, para efeitos práticos, o Saeb mostra uma educação de qualidade praticamente constante. Como veremos adiante, é uma educação muito deficiente diante dos padrões esperados.

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Tabela 10 – Médias de proficiência em Língua Portuguesa (1995-2005)

Série 1995 1997 1999 2001 2003 2005 Dif. Sig.

4ª série do EF 188,3 (1,6)

186,5 (1,6)

170,7 (0,9)

165,1 (0,8)

169,4 (0,8)

172,3 (1,0) 2,9 *

8ª série do EF 256,1 (1,4)

250,0 (2,0)

232,9 (1,0)

235,2 (1,3)

232,0 (1,0)

231,9 (1,0) -0,1

3ª série do EM 290,0 (1,9)

283,9 (2,1)

266,6 (1,5)

262,3 (1,4)

266,7 (1,3)

257,6 (1,6) -9,1 *

Fonte: Inep (2007).

Tabela 11 – Médias de proficiência em Matemática (1995-2005)

Série 1995 1997 1999 2001 2003 2005 Dif. Sig.

4ª série do EF 190,6 (1,5)

190,8 (1,2)

181,0 (0,9)

176,3 (0,8)

177,1 (0,8)

182,4 (0,9) 5,3 *

8ª série do EF 253,2 (1,9)

250,0 (2,1)

246,4 (1,1)

243,4 (1,2)

245,0 (1,1)

239,5 (1,1) -5,5 *

3ª série do EM 281,9 (2,6)

288,7 (3,0)

280,3 (1,7)

276,7 (1,3)

278,7 (1,4)

271,3 (1,8) -7,4 *

Fonte: Inep (2007).

Tabela 12 – Saeb: desempenho dos alunos do ensino médio por tipo de escola (2005)

Língua Portuguesa Matemática

Escola pública 248 260

Escola particular 306 333

Fonte: Inep (2007).

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A Tabela anterior mostra uma característica marcante e conhecida do ensino brasileiro. As diferenças entre o ensino particular e o público são muito grandes. Há o fato inelutável que o capital intelectual das famí-lias dos alunos das escolas privadas é muito maior. Mas a observação casual entre as duas redes sugere que esse não deve ser o único fator.

Em virtude das técnicas usadas em sua construção, o Saeb permite comparar através do tempo e comparar séries diferentes (Tabela 13). Essa última propriedade nos permite saber o quanto cada nível de ensino adiciona ao conhecimento.

Tabela 13 – Diferencial de desempenho entre séries – Língua Portuguesa (pontos)

Série 1995 1997 1999 2001 2003 2005

4ª 188 186 170 165 169 172

8ª 256 250 232 235 232 231

E.M. 290 283 266 262 266 257

Fonte: Inep (2007).

A Tabela acima mostra que, entre a 4ª e a 8ª séries, há um ganho da ordem de 50 pontos. Contudo, entre a 8ª e o fim do ensino médio, o ganho é da ordem de 25 pontos. Ou seja, o médio adiciona relativamente menos ao conhecimento do aluno. Precisar as causas dessa perda de velocidade de aprendizado nos levaria muito longe dos propósitos do presente ensaio.

Podemos comparar os escores obtidos no Saeb com os níveis de com-petência esperada em cada série. Essa é uma das características mais úteis do Saeb, pois permite medir o déficit de qualidade, tendo como referência níveis de conhecimento esperados.

Segundo as estimativas de Klein6, apenas 3% dos alunos da 8ª série atingem o nível considerado satisfatório (350 pontos no Saeb) e 26%

6 KLEIN, Ruben. Como está a educação no Brasil. No prelo.

45atingem o nível mínimo (275 pontos). Essa é a matéria-prima com que trabalha o ensino médio. O resultado é o esperado, pois apenas 7% se formam no médio com o nível básico e 1,3% com o nível satis-fatório. Ou seja, a tarefa do médio está muito acima de suas forças.

Tabela 14 – O que revela o Enem sobre o desempenho dos alunos do ensino médio? (notas com variação de zero a 100 pontos)

Geral Concluintes Egressos Escola pública

Escola particular

Objetiva 31 35 38 34 50Redação 52 50 57 51 59

Fonte: Inep (2004).

O Enem – Exame Nacional do Ensino Médio é uma prova voluntária, ao fim do ensino médio, promovida pelo Instituto Nacional de Estu-dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação. Como princípio metodológico, por não ser uma amos-tra necessariamente representativa do universo seus resultados não pode ser extrapolados. Não obstante, com 2,5 milhões de jovens fa-zendo a prova, trata-se de uma amostra tão grande que os possíveis vieses perdem a seriedade.

Com a perspectiva de candidatar-se ao Programa Universidade para Todos – ProUni, do MEC, os alunos de escolas públicas aumentaram consideravelmente o afluxo a essa prova. De fato, hoje 85% dos can-didatos têm renda familiar de até cinco salários-mínimos. As com-parações entre público e privado repetem o diferencial de qualidade que conhecíamos do Saeb.

A considerável queda no elitismo social – resultante de enormes au-mentos na matrícula – conviveu com uma qualidade muito deficien-te, durante a última década. Quando começamos a medir as compe-tências dos alunos, nas primeiras aplicações do Saeb, no início dos

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anos 1990, nossa experiência nascente em avaliação foi atropelada pelo aumento explosivo na matrícula e a pouca preocupação de to-dos com a qualidade. Por isso, temos uma educação muito fraca. É bem verdade ser ela bem menos elitista do que nas décadas passadas – há mais pobres no seu bojo. Mas o lado negativo é ser também menos intelectualmente elitista, ou seja, não exige muito dos que sobrevivem e chegam ao fim.

6.2 As comparações internacionaisO Brasil já participou de várias provas internacionais: do Interna-tional Assessment of Education Progress (IAEP, 1992), do Escritório Regional da Unesco de Educação para a América Latina e o Caribe (OREALC, 1997), e do Programa Internacional de Avaliação de Estu-dantes/Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (PISA/OCDE, 2000 e 2003) . Os resultados confirmam tudo que o Saeb diz. O Brasil sai em último lugar no Iaep de Ciências (ver Tabe-la a seguir) e no teste do Pisa, em 2000.

Tabela 15 – Percentuais de respostas certas no Iaep II (International Assessment of Educational Progress)

– Brasil e países selecionados (1991)

País/Cidade Matemática Ciências% Desvio-padrão % Desvio-padrão

Coréia 73,4 0,6 77,5 0,5Espanha 55,4 0,8 67,5 0,6EUA 55,3 1 67,0 1Brasil/ São Paulo 37,0 0,8 52,7 0,6Brasil/ Fortaleza 32,4 0,6 46,4 0,6Moçambique 28,3 0,3 56,6 0,7Média Iaep 58,3 66,9

Fonte: Iaep (1992) apud Instituto Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Ifapesp) (2001).

47O Pisa, promovido pela OCDE, testa o desempenho de alunos de 15 anos em compreensão de leitura e ciências. Praticamente todos os países do Primeiro Mundo fizeram o teste, mais um grupo de países mais pobres, como o Brasil e México. Houve uma aplicação em 2000 e outra em 2003.

Na de 2000, o Brasil obteve o último lugar, pouco abaixo do México. Na aplicação de 2003, houve um aumento no número de países me-nos ricos. Nessa segunda aplicação, nossos alunos melhoraram ligei-ramente em matemática e ciências, mas não em leitura (Tabelas 16 e 17). A pior notícia das comparações internacionais é a constatação de que a capacidade de compreensão de leitura dos alunos das nossas elites é inferior ao nível obtido pelos alunos de classes mais baixas da Europa. É inegável o nível lastimável da nossa educação básica. O Pisa confirma o que o Saeb registra a cada dois anos.

Provas desse tipo são construídas de tal forma que, em média, há uma proporção de acertos de 50% para o universo pesquisado. Em outras palavras, a média dos países que fizeram o Pisa está próxima de 50% de acertos, o que equivale a 500 pontos.

Tal como o Saeb, o Pisa classifica os alunos por níveis (de um a cinco e mais um nível “abaixo de um”). Os resultados de nível dois ou abaixo são considerado insuficientes. No Brasil, 86% dos alunos se encontram no nível dois ou abaixo. Desses, 23% estão abaixo do nível mínimo (um). Trata-se de uma proporção muito mais elevada do que aquela observa-da até para os países de desempenho econômico mais fraco. Em outras palavras, o Brasil não está apenas mal, está muito mal no Pisa.

Tabela 16 – Desempenho do Brasil no Pisa 2003

Áreas avaliadas 2000 2003Ciências 375 390Leitura 403 403

Matemática – Total - 356Espaço & forma 300 350

Mudança & relação 263 333

Fonte: Inep (2004).

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Tabela 17 – Comparação dos resultados do Brasil no Pisa 2003

Melhores colocados Pontuação global Piores colocados Pontuação globalHong Kong 550 Brasil 356Finlândia 544 Tunísia 359

Coréia do Sul 542 Indonésia 360

Fonte: Inep (2004).

Os testes internacionais e, em particular, o Pisa, confirmam os maus re-sultados medidos pelo Saeb. Estamos nos últimos lugares dentre os paí-ses. Somente nações como Peru, Tunísia e Indonésia estão no mesmo nível. Note-se que são países bem mais pobres do que o Brasil.

7. A matéria-prima recebida do ensino fundamental

Os problemas com o nosso ensino médio começam com a invencível he-terogeneidade e fraqueza do ensino fundamental. Chegam ao médio alu-nos de excelente nível e outros pobremente alfabetizados. Como a matrí-cula no médio mais do que duplicou nos últimos dez anos, é inevitável que mais plenamente reproduza a heterogeneidade do fundamental.

Como bem sabemos, as piores deficiências anteriores estão no ensino do Português, das Matemáticas e das Ciências Naturais. Os alunos che-gam com péssima base e há um déficit crônico de professores capazes de ensinar corretamente tais disciplinas. Como documentado anterior-mente, são muito baixos os níveis dos alunos da 8a série no Saeb. Só esse problema já seria mais do que suficiente para dar pesadelos em quem se preocupa com a qualidade da educação no Brasil.

Mas não é só isso. A heterogeneidade fermentada no ciclo fundamental se transforma em taxas altíssimas de reprovação e de repetência. Como resultado, os atrasos com relação à série se acumulam e os alunos já che-gam ao ensino médio muito defasados.

4�O único lado bom é a enorme disposição dos nossos alunos para perma-necer longo tempo na escola. Os fracassos e frustrações custam muito a dissuadi-los de continuar na estudando.

8. Problemas acadêmicos

A presente seção discute problemas do ensino médio. Alguns são de es-trutura e concepção, outros de regulação.

8.1 Excesso de papéis e a solução únicaO ensino médio está em uma encruzilhada. Abaixo, há o fundamental, que é o mínimo de educação para uma sociedade moderna. Tem uma agenda bem simples de ensinar os rudimentos da educação. O superior é profissionalizante e recruta quem, mais ou menos, sabe o que quer.

O problema é que o médio tem um excesso de papéis. Em todos os países, alguns graduados do médio vão para o superior, outros vão para o mercado de trabalho. Alguns recebem formação profissional e outros se empregam, saindo diretamente do médio. São três desti-nos diferentes. Como lidar com tal variedade de objetivos?

Um dos maiores problemas do nosso ensino médio é que tenha optado por uma solução única, diante de um tão grande congestionamento de funções. Seu dilema mais grave é entre preparar para o trabalho ou pre-parar para o superior. São coisas bem díspares e, quando nada, competem seriamente pelo tempo do aluno. Mas são ainda maiores as distâncias en-tre os valores e atitudes que são funcionais em cada uma dessas opções.

Embora não seja objetivo do presente ensaio discutir o ensino médio em outras partes do mundo, não podemos deixar de mencionar que nenhum país adotou uma solução única, como fez o Brasil. Países europeus oferecem múltiplas trajetórias escolares nas alturas do en-sino médio. Cada aluno pode escolher um programa mais adequado ao seu perfil. Nos Estados Unidos, há uma única alternativa, a Com-prehensive High School, mas, dentro dela, cada aluno constrói a sua trajetória, combinando disciplinas acadêmicas e profissionais.

50

Vejamos com maiores detalhes a multiplicidade de funções do ensi-no médio.

8.1.1 Formação de base para cidadania

O médio precisa arredondar a formação inicial do aluno – em-bora não se saiba muito bem como se faz isso. Precisa dar ao aluno uma cultura mínima nas ciências e nas humanidades. Precisa ensinar a ler e escrever, de preferência, em mais de uma língua. Precisa fixar os valores. De fato, é nesse nível que se burila o espírito de cidadania e a identidade cultural.

Sobre a aquisição de competências mínimas no uso da língua e dos números não é preciso explicar muito. Essa é a compe-tência mais genérica transmitida pela escola. É o resultado de ler muito, escrever muito e usar muito freqüentemente a ma-temática para resolver problemas. Nada disso acontece como deve acontecer. Mas nem por isso é um assunto obscuro.

A cultura, as tradições do país e da civilização ocidental estão con-tidas em livros e escritos. Portanto, é na cultura escrita desenvolvi-da pela escola que sua transmissão encontra um local privilegiado. É lá que mais sistematicamente os alunos tomam conhecimento de Literatura, História e adquirem os rudimentos das Ciências So-ciais e Naturais. Tradicionalmente, o ensino superior estava volta-do apenas para a aquisição de uma profissão específica. Portanto, toda a formação a ser adquirida por pessoas de boa educação tinha que se dar no ensino médio. Entre ler poesias e entender um eclip-se da lua, tudo deveria ser aprendido nesse nível.

Com a sucessão de revoluções nos processos produtivos, uma sólida cultura tecnológica passa a integrar o repertório de co-nhecimentos a serem dominados por quase todos. Que não seja entender como funciona um celular, pelo menos é pre-ciso saber operar um computador e dominar os programas

51de produtividade. Saber usar o Google é tão indispensável como era saber usar as listas telefônicas classificadas para a geração anterior.

Uma sociedade tecnológica requer um conjunto de habilida-des básicas hoje bem estudadas e entendidas. Além de boa compreensão de leitura e de uso dos números, é preciso saber buscar, selecionar e analisar informações. É preciso saber triar a cacofonia de informações que chegam de todos os lados. Faz-se necessário receber e enviar comunicações por escrito, quase sempre, em meio eletrônico. É essencial operar em hie-rarquias mais complexas e ambíguas.

Isso tudo é papel do ensino médio. Já seria um desafio e tanto, se não fosse o fato de que o médio é sobrecarregado com ou-tras missões ainda mais pesadas e difusas.

8.1.2 Formação profissional

Como a proporção de graduados que não vai para o ensino su-perior é muito grande, o médio precisa dar a eles uma prepara-ção para o trabalho. Na verdade, um pouco menos da metade da coorte de idade do médio não vai para o superior. Dentro desse grupo, há duas vertentes. Para mais de quatro quintos dos que não vão para o superior, trata-se de uma transição direta para o mercado, apenas com o que foi aprendido no médio.

Cerca de 7% da coorte cursará uma escola técnica (teoricamente), preparando para ocupações específicas. A formação profissional re-quer entrar em um mundo distante do mundo da escola. Não ape-nas diferente, mas com práticas e valores incompatíveis. Pelo menos em tese, o objetivo seria ensinar a fazer, preparando para tarefas bem definidas do mundo real. É o império da prática, do conhecimento voltado para a aplicação concreta. Para que funcione bem, a prepa-ração requer proximidade com as empresas e negócios.

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Uma controvérsia de longa data é onde deve estar situada a for-mação profissional. Uma das alternativas é anexar essa prepara-ção aos currículos do ensino médio. Tal solução desemboca no ensino técnico, que conhecemos no Brasil há muitos anos. Como voltaremos a discutir, apesar dos atrativos dessa solução, ela traz problemas crônicos de indecisão de papéis no ensino médio.

Além disso, se não há uma preocupação intensa em só oferecer cur-sos para os quais há demanda no mercado de trabalho, as chances de estudar alguma coisa e não conseguir empregos nessa área são muito grandes. No Brasil, é enorme a perda dos investimentos em formação profissional, dada a pequena proporção de graduados que se dirige às profissões para as quais foram preparados.

O total de cursos técnicos é ainda muito limitado no Brasil. Não chega a 7% da matrícula no médio, diante de proporções que ultrapassam 30% ou muito mais, nos países industrializados.

Outra alternativa é separar, pelo menos parcialmente, o ensi-no médio da formação técnica. A solução proposta pelo MEC a partir de 1995 e adotada em muitas escolas é separar o currí-culo médio do acadêmico. Em implementações mais radicais, isso levaria a deixar cada parte com uma instituição diferente.

Em todas as pesquisas realizadas acerca do êxito da formação profissional, a alternativa que pior funcionou foi a chamada profissionalização do médio. Como demonstraram muitos es-tudos do Banco Mundial realizados no fim da década de 1980, essa foi a proposta que mais acumulou fracassos.

E finalmente, há uma multiplicidade de roteiros de formação profissional, totalmente desconectados dos diplomas acadê-micos, seja como precondição, seja como certificado ao fim do curso. São as trajetórias classicamente associadas ao Sistema S e ao que chamamos de sistema ‘invisível’.

538.1.3. Do médio diretamente para o mercado

Diante da estreiteza da oferta de percursos técnicos, quase a metade dos graduados vai diretamente para o mercado de tra-balho, apenas com o que aprendeu no ensino médio. Cumpre perguntar: o que deverá ser ensinado a eles? É correto dizer que devemos ensinar coisas práticas – o que não é o mesmo que ensinar uma profissão.

De fato, a experiência de pelo menos um século demonstrou que ensinar uma profissão requer a criação de um ambiente total, no qual as atividades profissionais e os valores possam vicejar. Ordem, limpeza imaculada, perfeição no gesto, são valores do trabalho muito distantes daqueles que permeiam as escolas acadêmicas. Não se ensina profissão em um canti-nho da escola.

Podemos sempre afirmar que não há nada mais profissiona-lizante do que uma boa educação acadêmica. Entender o que está escrito, escrever, usar números, buscar informações e re-solver problemas são conhecimentos supremamente úteis e versáteis. Como ficará demonstrado ao analisar os resultados dos testes educacionais, estamos longe de haver obtido um mínimo de avanços nessa direção.

Enquanto a educação permaneceu puramente decorativa, pouco importava o que se aprendia ou não se aprendia na es-cola. Mas em uma sociedade moderna, os conhecimentos es-colares se tornam mais essenciais no cotidiano do trabalho. Aumenta a complexidade da trama de comunicações. É mais freqüente o uso da linguagem escrita para transmitir infor-mações (boletins, memorandos, manuais de serviço etc.). Ex-pande-se a necessidade de usar ferramentas matemáticas e de buscar informações.

54

A fórmula é simples. Precisamos de uma escola que ensine, de fato, aquilo que prescrevem os currículos oficiais. Mas a im-plementação dessa meta tem se revelado muito difícil.

8.1.4. Formação para entrar no superior

O papel do ensino médio que mais polariza as atenções é pre-parar para o ensino superior, isto é, voltar-se para o mundo acadêmico. É o mundo da escola olhando para o seu próprio umbigo. É o conhecimento sem meta clara de utilização. Na melhor das hipóteses, é movido pela beleza das idéias. Mas a melhor das hipóteses é frágil diante da pressão para aprender o que quer que seja pedido nos exames para ingresso no su-perior. Sem falsos pudores, a maioria das escolas mira o seu ensino no que se exige para admissão nas universidades de prestígio. Sejam escolas nos Jardins Paulistas, na Rive Droîte, em Tóquio ou Seul. E não podem deixar de fazê-lo.

Um grande problema dos critérios de entrada no ensino supe-rior é que parecem estar polarizados pelo que os professores de cada área profissional das universidades desejam que seus calouros saibam. Como o vestibular é único, o somatório de todos esses conhecimentos representa um volume tão grande que somente se consegue memorizar algumas palavras e fór-mulas. Não há tempo para o real aprendizado.

Portanto, ao médio pede-se que forme cidadãos cultos e cons-cientes, pede-se que prepare os graduados para exercer ofícios ou para trabalhar sem qualquer formação adicional. E final-mente, pede-se que prepare para o ingresso no ensino supe-rior. A existência inelutável desses três objetivos conflitantes é universal. Não há país sério onde esse não seja o principal conflito do médio. O que mudam são as fórmulas encontradas para lidar com essas divergências insolúveis de objetivos. Cada país tem a sua, refletindo a sua história e cultura. E na maioria dos casos, a fórmula jamais agrada a todos.

558.2 As razões da baixa qualidade do médioDiscutimos adiante três razões explicando por que o ensino médio é tão fraco.

8.1.4. Formação e recrutamento dos professores

O médio compartilha com o fundamental uma deficiência crônica e grave de professores capazes de um ensino efetivo. Há os clássicos problemas de recrutamento, demonstrados pela baixas pontuações nos vestibulares públicos naquelas áreas que preparam para o magistério.

Esse é um fenômeno macrossocial, potencializado pela ascen-são social da mulher que, cada vez mais, têm ocupações indi-ferenciadas das dos homens. Quando os costumes e tradições restringiam às ocupações socialmente aceitas pelas mulheres a um par de atividades, o magistério se beneficiava de um re-crutamento privilegiado. Hoje evaporou essa reserva de mer-cado. Sem entrar no mérito da liberação feminina, a evolução trouxe uma clara perda de qualidade para o magistério.

O status do professor no sistema público sofre de uma disjun-ção cognitiva. De um lado, eles são valorizados pela socieda-de e pelos pais. Pesquisas mostram uma posição elevada na percepção da sociedade. Contudo, os professores sentem-se desprestigiados e desmoralizados, diante da administração escolar. Sua insatisfação deriva-se justamente de uma relação mal resolvida com seus superiores. Possivelmente, tal situação reduz a atratividade da profissão para jovens academicamente mais talentosos.

Essas são questões estruturais. De resto, são muito parecidas com o que vemos no resto do continente americano. Contudo, há deficiência que não precisaria ser assim. Trata-se da forma-ção recebida pelos professores. Para resumir um assunto com-

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plexo, delicado e ideológico, os professores aprendem pouco do conteúdo, quase nada de como manejar uma sala de aula e gastam muito tempo com teorias pedagógicas.

Na maioria dos cursos de formação de professores há uma presença hegemônica de ideologia, de marxismo requen-tado e de teorias pedagógicas. Pratica-se uma falsa ciência, pois não há verificação empírica do que é afirmado. O co-nhecimento vale pela persuasão das idéias e pelo prestígio do guru de plantão.

Em contraste, o professor não aprende o que deverá ensinar e não aprende como fazê-lo. Os professores dos professores têm diplomas de pós-graduação, mas, em sua maioria, jamais ensinaram o que os seus alunos irão ensinar.

Diante disso, os professores entram em sala de aula sem a de-vida preparação. É difícil imaginar que isso não contribua para a má qualidade do ensino.

8.2.2 Entre profissionalização e aplicação, não se consegue nem um nem outro

Faz um par de anos recebi um e-mail de um aluno. Não preci-sei de muita argúcia para perceber que se tratava de um aluno talentoso. Na mensagem, ele fez o melhor diagnóstico que co-nheço do ensino médio.

Segundo ele, quando cursava o fundamental, estudava coisas interessantes. Saindo da escola e caminhando pela rua ou pe-los campos, observava na vida real o que havia aprendido na escola. Ao galgar o médio, passou a estudar o dobro do tempo. Mas olhando na rua, não via nada do que havia aprendido. Era tudo abstrato e distante do mundo real. Estava frustrado.

57O médio é um nível de ensino recheado de perplexidades. Essa falta de contato dos assuntos ensinados com o mundo real é mais uma delas.

O que significa ensinar coisas práticas? Costuma-se dizer que não há nada mais prático do que uma boa teoria. O economis-ta Keynes ironizava dizendo que todo homem prático – sem saber – é escravo do autor de alguma teoria velha e obsoleta.

Estamos diante de uma contradição? Pelo contrário. Pensar corretamente é a mais universal das competências, serve para tudo. Para começar a entender a questão, é preciso registrar a ambigüidade da palavra “prática”.

Aprender a limar uma superfície, até que se torne perfeita-mente plana é uma prática útil para um mecânico ajusta-dor. Essa é uma acepção correta da palavra. E nessa função, não há ‘teoria’.

Mas vejamos uma outra, também correta. A noção de densidade dos corpos é um princípio da física que utilizamos no nosso co-tidiano, para entender o mundo que nos cerca. O conceito cabe em um par de linhas. O ensino tradicional transmite essa no-ção e passa para o capítulo seguinte. Só que apenas alguns pou-cos alunos excepcionalmente talentosos entendem realmente o que é densidade. Para que o aluno médio entenda, é preciso que pese, que meça, que compare, que reflita, que aplique o conceito em situações diferentes das apresentadas em aula. A escolha do exemplo não foi casual. Foram feitos experimentos controlados com alunos que, após todas as explicações conven-cionais, viram um clipe do Indiana Jones trocando o crânio de ouro por uma sacola. Em seguida, tiveram que calcular o peso que a sacola deveria ter, de forma a ser o mesmo do crânio. Isso deveria ser calculado a partir do volume de um crânio humano e da densidade do ouro. Testes subseqüentes mostraram resul-

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tados muito contundentes. O grupo que fez o exercício do Indiana Jones sabia o que era densidade, o outro, não. Através do clipe e do problema, o ensino foi contextualizado, aproximando-se do mun-do dos alunos. Isto é, a prática permitiu entender a teoria.

Nessa segunda acepção, a prática é o outro lado da teoria. Na ciên-cia, teoria sem prática é teoria ainda incompleta. Nesse sentido, “ensino prático” é aquele que usa amplamente as aplicações do mundo real para consolidar o aprendizado das teorias mais cen-trais da nossa civilização. Uma escola deve proporcionar amplas oportunidades para usar as mãos, mas, nesse processo, é essencial transformar as manualidades (no caso, medir o crânio do colega) em exercícios com igual conteúdo intelectual. Como dito, isso é diferente de ensinar ofícios. O ensino de ofícios permite aplicar as teorias. Mas no ensino médio, o mais apropriado é aplicar as teo-rias sem precisar ensinar ofícios.

Aceitemos que o papel da escola seja ensinar boas teorias. Mas, para que funcione, é preciso que o aprendizado não apenas seja prático, mas que seja profundo e, de fato, o aluno domine com in-timidade o que está sendo aprendido. Nada mais útil do que tais ferramentas analíticas. O dilema é que, para entrar no superior, o aluno é bombardeado com tal pletora de conhecimentos que não há tempo para aprender nada com a profundidade necessária. Ou seja, o ensino acadêmico para o mundo do vestibular é diferente do ensino, também acadêmico, para o mundo real. Somem-se a isso as diferenças de aptidão de cada aluno para as disciplinas mais acadêmicas e abstratas.

8.2.3 Inexistência de segmentação explícita, por ha-bilidades acadêmicas

A utopia do mesmo ensino para todos, ricos e pobres, talentosos ou não, monopoliza boa parte do nosso ensino médio. Postula-se que não deveria haver um ensino mais exigente para os mais pre-

5�parados – quase sempre os filhos de gente já bem educada. De fato, há grande pressão ideológica para que, nas escolas públicas, todos sejam educados no mesmo grau de dificuldade.

No Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará, o programa Ismart (Instituto Social Maria Telles) seleciona os melhores alunos da rede pública e oferece a eles bolsas para as melhores escolas dessas cidades. É ins-trutivo verificar as dificuldades que teve na obtenção de autoriza-ções para conduzir o seu processo de seleção em escolas públicas. Administradores de meio escalão das secretarias criaram enormes dificuldades, todas resultantes de uma visão ideológica que não aceita a idéia de dar aos melhores alunos uma educação diferente.

Há uma rejeição forte às tentativas de oferecer currículos diferen-ciados para os mais talentosos. A orientação é de não segmentar as turmas. Prevalece a ideologia da integração de todos nas mesmas classes (mainstreaming, na literatura internacional).

Mas é óbvio que qualquer tese de não segmentar as classes por ha-bilidades acadêmicas não pode ignorar a magnitude das distân-cias entre alunos e a competência dos professores para lidar com a heterogeneidade. A partir de certo grau de heterogeneidade, so-mente professores excepcionais e materiais criados para tal tipo de situação podem obter bons resultados de quase todos. E nenhuma dessas duas condições é satisfeita nas escolas públicas.

Daí que muitas escolas segmentam suas turmas por desempenho acadêmico, ainda que o façam discretamente. Será um mal menor, diante do grau de heterogeneidade encontrado e da inexistência de técnicas para lidar com ela?

Somente nos últimos anos começam a aparecer escolas públicas de nível médio voltadas para os melhores alunos da rede pública. Mas ainda são tentativas muito tímidas e limitadas. Note-se que todos os países de Primeiro Mundo operam escolas para alunos talen-

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tosos. Nos países do antigo bloco socialista, pregava-se o máximo aproveitamento dos alunos mais talentosos (no campo acadêmi-co, nas artes e nos esportes). Segundo o geneticista russo Wladi-mir Efroimson, “O talento não é uma propriedade privada, é uma propriedade pública. Ninguém tem o direito de desperdiçá-lo”. Em suma, nossas autoridades educacionais não são influenciadas nem pelo exemplo da esquerda e nem da direita. Preferem a alternativa de manter os talentosos em escolas onde suas potencialidades não poderão desabrochar.

Na Europa, a segmentação das escolas é feita de acordo com o per-fil dos alunos. Ipso facto, cria trajetórias com níveis de abstração diferentes e exigências acadêmicas também distintas. Note-se que, na Suíça, cerca de dois terços da coorte vai para o Sistema Dual de Aprendizagem, no qual recebe uma educação acadêmica mais aplicada, em paralelo à formação profissional nas empresas. Cerca de dez por cento vai para cursos com exigências acadêmicas inter-mediárias e que dão acesso apenas a certos cursos de nível supe-rior. O acesso à universidade é oferecido apenas aos vinte por cento que cursam o collège, muito mais exigente e descolado de qualquer tentativa de profissionalização.

8.3 CurrículoComo só há um modelo de escola, todos devem seguir o mesmo currículo. Na prática, acontece outra coisa. Temos Parâmetros Curriculares Nacio-nais muito flexíveis e amplos. Sendo amplos demais, não são bons guias para a maioria das escolas. As escolas públicas, necessitadas de uma boa orientação sobre o que ensinar, ficam perdidas, diante das idéias pouco explícitas dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Na prática, ninguém sabe com exatidão o que deveria ser ensinado. E como não há um sistema de avaliação correto dentro das escolas, as autoridades não sabem o que foi ensinado – ao contrário da Inglaterra, onde o assunto de cada aula é determinado centralmente.

61Nas escolas privadas – que poderiam melhor decifrar os Parâmetros –, reina supremo o verdadeiro currículo: o vestibular da universidade fede-ral mais próxima. Isso vale tanto naquelas onde alguns poucos alunos po-deriam almejar aprovação em uma carreira competitiva, como na vasta maioria que irá para carreiras cujo ingresso é mais fácil.

Por tudo que sabemos de teoria cognitiva, o preço de ensinar demais é os alunos aprenderem de menos. Não deve ser por outra razão que todos os países educacionalmente bem-sucedidos têm graus de exigência diferen-tes para os diversos segmentos do médio – ou cursos com níveis equiva-lentes de escolaridade. Pagamos caro pelo ineditismo da nossa decisão de criar um modelo de escola única.

Os vestibulares das federais (e das estaduais paulistas e paranaenses) são calibrados para escolher, dentre o 1% de maior desempenho, quais irão ingressar em medicina. Por isso, são exames difíceis e detalhados. En-tram em minudências e cobrem uma enormidade de temas. O resultado é inevitável. A extensão do que se pede nos vestibulares migra para o que acontece nas salas de aula do médio. Se os pais dos alunos das escolas pri-vadas souberem que a escola não está ensinando tudo que pode cair no vestibular, o mundo vem abaixo. Na prática, o inchaço curricular impede que haja qualquer profundidade no tratamento do que é ensinado. Como resultado, o aprendizado é superficial e de pouca conseqüência. Não há tempo para aplicar o que foi aprendido, portanto, não chega mesmo a ser aprendido. É o ensino escravizado ao vestibular.

Como em poucos estados há aferição de qualidade ao fim do ensino médio, escola por escola, nem sequer sabemos o que foi aprendido em cada uma. Temos apenas a amostragem do Saeb – que nos mostra a fragilidade do nível de ensino oferecido pelos estados. Mas mesmo naqueles que aplicam testes em todas as escolas, não há uma boa análise e utilização dos resultados.

Como dito, nas privadas, prevalece o excesso de ambição do vestibular. Nas escolas públicas, todos têm o mesmo currículo, como se fosse possí-vel que todos aprendessem o mesmo. Como isso é impossível, aprende-se muito pouco, pois se perde o foco.

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ReferênciasBRASIL. Leis, Decretos. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabe-lece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.

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______. ______. Brasília, 2003.

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INEP. Melhora desempenho brasileiro no Pisa. Notícias, Brasília, 7 dez. 2004.

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IFAPESP. Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo – 2001.[s.d] Disponível em <http://www.fapesp.br/indct/graftab/graf-tab.htm>.

KLEIN, Ruben. Como está a educação no Brasil? O que fazer? Ensaio : Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 14, n. 51, p. 139-172, abr./jun. 2006.

______. Como está a educação no Brasil? No prelo.

NÉRI, Marcelo. Equidade e eficiência na educação : motivações e metas. Rio de Janeiro : FGV/Centro de Políticas Sociais, 2007.

63SCHWARTZMAN, S. A revolução silenciosa do ensino superior. In: DURHAM, Eunice Ribeiro; SAMPAIO, Helena. O ensino superior em transformação. São Paulo : USP/Nupes, 2001. p. 13-30.

SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo : M. Fontes, 2003.

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Ensino secundário nos países da OCDE:

desafios comuns, soluções diferentes

Pasi Sahlberg*

Resumo: A demanda pelo ensino secundário está crescendo no mundo in-teiro. Mais jovens completam o ensino primário e um número crescente deles busca oportunidades de continuar estudando em uma escola de ensino se-cundário. As economias modernas e seus mercados de trabalho necessitam de pessoas com conhecimento sofisticado, habilidades e competências que não podem ser desenvolvidas apenas pela escola primária ou por escolas de ensino secundário de baixa qualidade. Portanto, o ensino secundário desempenha um papel importante no desenvolvimento da educação em todo o mundo.

Atualmente, na maior parte dos países desenvolvidos, aproximadamente 90% dos graduados em escolas de ensino secundário inferior ingressam nas escolas secundárias superiores. A relação entre o número de jovens graduados em escolas de ensino secundário superior e o número total de jovens na faixa etária de graduação é acima de 70% nesses países. A maioria desses alunos estuda em programas que conduzem ao ensino superior. Entretanto, isso não significa que todos eles estudam em esco-las de ensino secundário geral. Em quase metade dos países da OCDE, a maioria dos estudantes do ensino secundário superior estuda em pro-gramas vocacionais ou de aprendizagem, que levam à qualificação pro-fissional. Muitos desses programas também oferecem acesso ao ensino superior. A tendência atual é de que 53% dos jovens dos países da OCDE ingressarão em programas de tipo A no ensino superior e cerca de 16% ingressarão em programas de tipo B em algum período de suas vidas.

* Pasi Sahlberg é Ph.D e expert em política e reforma educacionais da European Training Foundation (Itália).

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Na média dos países da OCDE, 42% da população adulta terminou so-mente o ensino secundário superior. Menos de um terço (30%) obteve somente os níveis de instrução primário ou secundário inferior e um quarto (25%) atingiu o nível de educação superior. Contudo, os países diferenciam-se enormemente na distribuição do atendimento educacio-nal entre suas populações.

A organização do ensino secundário superior não é unificada. Há três maneiras principais de organizá-lo nos países da OCDE: (i) Sistema di-versificado de ensino secundário superior. O ensino secundário supe-rior é dividido em escolas de educação geral e de ensino vocacional. (ii) Sistema de ensino secundário superior unificado. O ensino secundário é organizado em uma mesma escola, que oferece programas diferentes. (iii) Sistema Dual de ensino secundário superior – baseado na escola e no local de trabalho. O ensino secundário superior oferece, paralelamente, as opções de educação geral e educação vocacional. Essas estruturas or-ganizacionais são, na maioria dos países, muito mais o resultado de uma tradição histórica que de um modelo intencional.

Atualmente, uma das principais questões no âmbito da discussão das po-líticas de educação é como assegurar o acesso a um ensino secundário de melhor qualidade para todos os estudantes. Os formuladores das políticas educacionais precisam estar cientes das diferentes alternativas, a fim de desenvolver sistemas de ensino secundário superior flexíveis, que atendam simultaneamente às necessidades dos empregadores e de educação per-manente. Os formuladores das políticas educacionais deveriam:

garantir oportunidades reais para os jovens que concluíram o ensino obrigatório continuarem o aprendizado em um ensino secundário superior de sua escolha;

evitar fazer dos programas de educação vocacional secundária su-perior uma escolha para os alunos com desempenho escolar mais baixo, fadados a empregos de baixa qualidade e à inacessibilidade ao ensino superior;

67criar caminhos válidos da educação vocacional secundária para o ensino superior e incentivar uma porção significativa de estudantes a adotar essa escolha; e

estabelecer serviços sistemáticos de orientação e aconselhamento vocacional para os estudantes em todas as escolas básicas, para evi-tar o desconhecimento sobre suas opções futuras, auxiliá-los a su-perar as suas preocupações e prevenir a evasão escolar em todas as escolas de ensino secundário superior.

Os países da OCDE variam muito em termos de organização e desem-penho do ensino secundário. Esses países proporcionam uma arena in-teressante para se aprender através de experiências diferentes. O siste-ma de educação na Finlândia, ao contrário de muitos outros países da OCDE, é um exemplo de como um bom desempenho educacional pode ser alcançado, a um custo razoável, através da adoção de políticas de edu-cação que enfatizem a eqüidade, a intervenção antecipada, o profissio-nalismo do professor, a autonomia da escola e a confiança. Melhorar a qualidade do ensino secundário requer liderança sustentável e políticas intersetoriais que reconheçam a importância de se criar conhecimentos e habilidades elevadas para todos os estudantes, desde a escola primária. O modelo finlandês também mostra que preparar bem os alunos para a transição da educação básica ao ensino secundário superior pode elevar o índice de escolhas profissionais bem-sucedidas e, conseqüentemente, reduzir o insucesso do aluno na escola secundária superior.

1. Uma nova visão sobre o ensino secundário O ensino secundário desempenha um duplo papel nos sistemas de edu-cação. Por um lado, ele funciona como uma base estendida para que to-dos os jovens desenvolvam conhecimentos e competências para o futuro necessários à sociedade civil e à economia do conhecimento. Por outro, fornece a muitos jovens qualificações relevantes para o mercado de tra-balho e para aprendizagens subseqüentes. No passado, a educação se-cundária representava, principalmente, uma transição educacional das elites para o ensino superior. Hoje, em contrapartida, a grande maioria

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da população ingressa na educação secundária, uma vez que a educação permanente está se transformando em condição de sucesso profissional e pessoal. O ensino secundário representa o último estágio da educação aberta a todos: em média, três quartos dos jovens dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) re-cebem as qualificações do ensino secundário superior, enquanto apenas um quarto deles adquire as qualificações do ensino superior.

Até muito recentemente, a educação secundária mantinha uma carac-terística tradicional de não ocupar o centro das atenções nas políticas educacionais. As reformas da educação, em especial aquelas financiadas por doadores ou instituições internacionais de desenvolvimento, centra-vam-se em melhorar o acesso e elevar o número de matrículas na educa-ção primária. Do mesmo modo, nas políticas nacionais de educação, o financiamento do ensino superior era definido como prioritário em rela-ção ao financiamento do ensino secundário. Uma das razões apontadas para tal fato é a crença que as taxas de retorno para os ensinos básico e superior eram relativamente mais elevados, justificando, freqüentemen-te, as políticas de investimento.

Hoje, na perspectiva internacional, a situação mudou. A demanda pelo ensino secundário cresceu e a necessidade de melhorar a qualidade e a relevância da escolaridade secundária foi estabelecida de maneira ine-quívoca. A revisão internacional da educação secundária identificou recentemente três fatores de deslocamento do ensino secundário para o foco das políticas educacionais (WORLD BANK, 2005). Em primeiro lugar, como um volume maior de jovens completam a escolaridade pri-mária, um número crescente deles busca oportunidades para continuar a aprendizagem formal nas escolas de ensino secundário. Em todos os paí-ses, os pais procuram, igualmente, uma educação para seus filhos melhor do que a que tiveram para si. Em segundo lugar, o número de jovens na faixa etária da escola de ensino secundário é o mais elevado de todos os tempos. Esses jovens serão, certamente, a chave para moldar o nosso fu-turo. Ao contrário de muitos que analisam tal fato como um risco social, acreditamos que, futuramente, o nível secundário da educação formal

6�oferecerá opções relevantes para todos os jovens que buscarem continuar aprendendo após completada a escolaridade obrigatória. Em terceiro lu-gar, economias modernas e mercados de trabalho dinâmicos precisam de pessoas com conhecimentos, habilidades e competências mais sofis-ticados, que não podem ser desenvolvidos apenas na escola primária ou nas escolas de ensino secundário de baixa qualidade. A aprendizagem permanente exige uma educação básica prolongada e de qualidade, que consista de um ensino primário e secundário que se adaptem às deman-das de aprendizagem dos jovens.

Desde o final dos anos 1960, alguns países vêm implementando ativa-mente políticas de ensino para assegurar que um número crescente de jovens atinja a educação secundária. Na Coréia e na Finlândia, por exem-plo (ambas apresentam, atualmente, um desempenho muito bom nas avaliações internacionais dos estudantes), as estratégias do governo con-centraram-se, em um primeiro momento, em elevar os índices de con-clusão e melhorar a qualidade do ensino primário para, a partir de 1970, deslocar a ênfase das políticas educacionais para o ensino secundário. A Figura 1 demonstra como os esforços sistemáticos para melhorar a quali-dade da educação primária e estender o ensino secundário a todos con-duz ao modelo atual de pirâmide de atendimento educacional, comum a muitos países líderes na economia do conhecimento.

88%8%

4%66%

24%11%

30%48%

22%2000

1990

1980

Finlândia

55%26%

18%9%

42%49%

3%17%

80%

2000

1990

1980

Coréia

10,6%37,9%

74,0%20,4%

5,6%

1,3%6,5%

92,3%

51,5%2000

1990

1980

México

Porcentagem da população acima dos 15 anos de idade com educação terciária ou superior

Porcentagem da população acima dos 15 anos de idade com educação secundária

Porcentagem da população acima dos 15 anos de idade com educação primária ou sem nenhum nível de escolaridade

Fonte: World Bank (2005).

7,5%14,4%

78,2%4,3%9,3%

86,5%1,8%

14,3%83,9%

2000

1990

1980

Brasil

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Figura 1 – Distribuição da população acima dos 15 anos de idade por atendimento educacional no Brasil,

México, Finlândia e CoréiaDurante as últimas quatro décadas, algumas modificações significativas molda-ram a educação secundária. Lembrando-se que o ensino secundário foi inicial-mente criado para atender ao ensino superior acadêmico (orientação educacional, currículo, modelos de ensino, professores etc.), surgiram as seguintes tendências:

o ensino secundário está se tornando muito mais uma extensão da educação primária (ou obrigatória) do que um estágio final de pre-paração dos alunos para o ensino superior;

o currículo do ensino secundário está cada vez mais parecido com o da educação primária, com uma gama maior de disciplinas, menos especialização e temas mais integrados;

71os modelos de ensino das escolas de educação secundária estão se tornando similares àqueles constantemente utilizados na educação primária: projeto pedagógico, aprendizagem cooperativa, métodos alternativos de avaliação etc.; e

os professores das escolas de ensino secundário estão sendo treinados e recrutados como professores da educação primária, alguns deles le-cionando nos níveis de ensino secundário e secundário inferior.

As economias do conhecimento e o mundo globalizado exigem, hoje, di-ferentes conhecimentos e competências dos jovens que saem da escola e ingressam em estudos subseqüentes ou no mercado de trabalho. Embo-ra os desafios da educação secundária variem de um país da OCDE para outro, existem vários desafios comuns que a maioria, se não todos os sis-temas de ensino, enfrentam atualmente. Com o aumento do número de matrículas no ensino secundário, a melhora da qualidade do ensino e da aprendizagem tornam-se mais difíceis. Existe uma grande evidência de que um maior acesso e índices mais elevados de participação no ensino secundário, por si só, não resolverão o problema; na verdade, podem até criar outros novos. Aqui reside o principal desafio: garantir boa qualidade de ensino e aprendizagem relevante para todos os alunos.

Nas seções seguintes, discutiremos mais detalhadamente as mudanças na política de ensino secundário nos países da OCDE, descreveremos os vários tipos de educação secundária, os parâmetros de ingresso e ofe-receremos algumas sugestões para o desenvolvimento das políticas de educação. Na seção de encerramento, apresentaremos, também, uma análise mais aprofundada sobre a Finlândia para mostrar, concretamen-te, quais políticas de ensino secundário foram utilizadas para se atingir o bom desempenho do sistema educacional desse país.

2. O ensino secundário na sociedade do conhecimento

A estrutura tradicional da educação secundária, que se estabelece como ponte de ligação entre o ensino primário, de um lado, e o ensino superior e o mundo do trabalho, de outro, está mudando. Neste milênio, a força

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de trabalho está menos envolvida na produção industrial e em profissões isoladas, e cada vez mais relacionada ao trabalho qualificado, aos servi-ços, à comunicação e à inovação. Desse modo, as economias e as socieda-des estão procurando formas de concentrar seus sistemas educacionais na construção de capitais metacognitivos e criativos, ambos necessários para que indivíduos e nações alcancem sucesso no mundo do conheci-mento competitivo e da inovação intensiva.

A necessidade de redesenhar os sistemas de educação, inclusive o ensino secundário, vem da noção de que a mudança das circunstâncias econô-micas, sociais e ecológicas criaram a necessidade de indivíduos flexíveis, capazes de se adaptar às situações de mudança, de aprender de forma eficaz e criativa, além de criar idéias de modo produtivo. O capital social e o capital criativo tornam-se cada vez mais importantes, assumindo a característica de fator de sucesso das nações, tal como, no passado, o conhecimento básico e as habilidades manuais genéricas representaram o motor dos países industrializados. Um bom exemplo da mudança na exigência de competências é apresentado na investigação realizada por Levy e Murnane (2004). Nesse estudo, as tarefas desempenhadas pelos trabalhadores são classificadas em cinco categorias:

pensamento de especialista: resolver problemas para os quais não existem soluções baseadas em regras preestabelecidas;

comunicação complexa: interagir com os outros para obter infor-mações, explicá-las, ou convencê-los de suas implicações na ação;

tarefas cognitivas de rotina: tarefas mentais que podem ser des-critas por regras lógicas;

tarefas manuais de rotina: tarefas físicas que podem ser descritas através da utilização de regras preestabelecidas; e

tarefas manuais não-rotineiras: tarefas físicas que não podem ser descritas como um conjunto de regras “se-então” e, assim, tornam-se de difícil sistematização.

73

Figura 2 – Tendências para a adoção de tarefas de rotina e tarefas não-rotineiras na economia dos EUA (1969 - 1998)

A Figura 2 apresenta as tendências para cada uma dessas categorias no mercado de trabalho dos Estados Unidos a partir de 1970. Cada tendên-cia reflete as alterações no número de pessoas empregadas em ocupações que privilegiam determinada tarefa. As tendências são semelhantes em muitos dos países da OCDE e, por conseguinte, têm-se refletido em suas políticas educacionais. A educação secundária é comumente vista como o ciclo de educação que desenvolve e consolida as capacidades cognitivas, interpessoais e as habilidades de comunicação dos jovens, além de fortale-cer suas atitudes em relação à aprendizagem. Portanto, em muitos países da OCDE, a educação secundária, independentemente de sua organiza-ção e estrutura, tornou-se uma continuação da escolaridade primária (e secundária inferior) para a grande maioria dos jovens. Esse fato alterou o papel do ensino secundário como estágio final da educação para ingresso no ensino superior ou no mercado de trabalho.

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Nos anos 1960, a maioria dos adultos, em quase todas as sociedades, tinha apenas a escolaridade básica, ou até menos. Na Finlândia, Países Baixos, Es-panha e Itália, por exemplo, 80-90% da população adulta com mais de 15 anos de idade havia completado apenas o ensino básico, enquanto os 10-20% res-tantes possuíam algum tipo de qualificação no ensino secundário. A alteração dos mercados de trabalho em muitos países da OCDE, como demonstrado na Figura 2, exigiu uma força de trabalho com melhores qualificações escolares e conhecimentos, aptidões e competências diferentes daquelas apresentadas pelos estudantes graduados até os anos 1970. Um princípio político comum aos países industrializados foi o de ampliar o acesso à educação secundária não só através da expansão do ensino secundário geral a um número maior de graduados da escola primária, mas também por meio da introdução de novas opções de educação vocacional e técnica – com possibilidade de ingresso no ensino superior –, paralelamente à educação secundária acadêmica. Devido a essa expansão, que começou nos anos 1970 e continuou até a virada do milê-nio, muitos países foram capazes de reformular as suas pirâmides de atendi-mento educacional. A Coréia e a Finlândia, por exemplo – como demonstra a Figura 1 –, passaram de uma população adulta com escolaridade relativamente baixa nos anos 1960 para o que é considerado como o atendimento educacio-nal típico da sociedade do conhecimento, que conta com cerca de metade da população adulta com qualificação na educação secundária e pelo menos um quarto da população com nível de instrução superior.

Existem várias maneiras de se descrever a forma de participação dos estudan-tes dos países da OCDE na educação secundária. A fim de se obter uma visão confiável da situação, é necessário analisar os índices líquidos de ingresso, os índices brutos e os índices de conclusão em cada país. Como veremos mais à frente, a estrutura da educação secundária varia significativamente de um país para o outro, tornando-se difícil estabelecer comparações estatísticas entre es-ses países. O sistema de classificação internacional para os níveis de educação, por exemplo, não era unificado até 1997, de onde se conclui que as estatísti-cas anteriores a ele nem sempre são comparáveis. Outro fator dificultador da análise estatística da educação secundária é que, em muitos desses países, as escolas de ensino secundário superior não pertencem ao ensino obrigatório; portanto, os alunos matriculados nesse nível de instrução têm idades diferen-

75tes. É necessário observar também quantos alunos, dentre o total, participam efetivamente do ensino secundário, sendo essa a razão pela qual os índices brutos de ingresso na educação secundária precisam ser considerados. Nos próximos parágrafos, analisaremos alguns dos principais indicadores da edu-cação secundária em 30 países da OCDE e em quatro países parceiros (Brasil, Chile, Israel e Rússia). Tais indicadores incluem os índices-padrão de ingresso nos diferentes programas de educação secundária, a distribuição dos alunos entre os diferentes programas, os índices-padrão de conclusão para as escolas de ensino secundário e os níveis estimados de atendimento educacional da população adulta. Em seguida, no capítulo três, discutiremos alguns aspectos qualitativos do ensino secundário nos países da OCDE.

2.1 Participação na educação secundária nos países da OCDE

Em muitos países da OCDE, a transição da educação para o emprego tor-nou-se um processo complexo e, freqüentemente, demanda níveis de ins-trução mais elevados que os exigidos anteriormente. Como conseqüência, está sendo proporcionada aos jovens a oportunidade – ou obrigação, por vezes – de prolongarem sua instrução para que obtenham as competências necessárias ao mercado de trabalho. Além disso, a conclusão do ensino se-cundário superior tornou-se uma norma obrigatória na maioria dos países da OCDE, norma esta que aumenta as chances para um emprego de melhor qualidade. Na OCDE e nos quatro países parceiros, a faixa etária correspon-dente à escolaridade obrigatória termina entre 14 anos (Coréia do Sul, Por-tugal, Turquia, Brasil e Chile) e 18 anos (Alemanha, Países Baixos e Bélgica). Todos os outros países encontram-se entre esses dois extremos.

76

Fonte: OECD (2006).

Figura 3 – Índices totais líquido (NER) e bruto (GER) de matrículas no ensino secundário superior dos países da

OCDE em 2004

A organização do ensino secundário superior varia consideravelmente entre os países da OCDE. Em resumo, há três tipos básicos de organiza-ção: as escolas de ensino secundário superior geral que, principalmente, preparam os estudantes para o ensino terciário ou superior; as escolas de ensino vocacional e técnico, que qualificam ou certificam os alunos para o ingresso no mercado de trabalho; e os programas alternativos de aprendizagem profissional que, em sua maioria, correspondem a opções de aprendizagem baseada no trabalho e oferecem aos alunos qualifica-ções profissionais reconhecidas pelo mercado. No entanto, apesar dos alunos ingressarem na educação secundária superior em idades diferen-tes, o mais comum é matricularem-se imediatamente após a conclusão

77do ensino secundário inferior. A Figura 3 demonstra, através dos índices líquido e bruto de ingresso (conforme disponibilizados), que nos países da OCDE, cerca de 90% dos alunos em idade de graduação nas escolas de ensino secundário inferior ingressam na educação secundária superior.

Os índices brutos de ingresso são, por vezes, superiores a 100, posto que incluem também aqueles alunos que retornam à escola secundária su-perior com idade acima da faixa etária típica de graduação. Na maioria dos países da OCDE, a educação secundária superior não é obrigatória e oferece aos estudantes trajetórias opcionais de instrução. Os programas de ensino secundário superior são subdivididos em três categorias de acordo com o nível de instrução e a orientação (OECD, 2006):

programas de educação geral: não são concebidos para preparar os participantes para profissões específicas ou para o ingresso em programas subseqüentes de ensino vocacional ou técnico. Menos de 25% do conteúdo programático é direcionado a temas profissio-nais ou técnicos;

programas de educação pré-vocacional ou pré-técnica: são concebidos, principalmente, para apresentar o mundo do trabalho aos participantes e prepará-los para o ingresso em programas sub-seqüentes de ensino vocacional ou técnico. Estes programas não oferecem qualificações profissionais relevantes ao mercado de tra-balho. Pelo menos 25% do conteúdo programático deve ser direcio-nado a temas profissionais ou técnicos; e

programas de educação vocacional ou técnica: prepararam os participantes para o ingresso imediato em profissões específicas sem formação complementar. Esses programas conduzem à obtenção de qualificações profissionais relevantes ao mercado de trabalho.

A maioria dos estudantes dos países da OCDE ingressa em programas de ensino secundário superior que permitem acesso ao ensino terciário ou superior. Contudo, a escolha de qualquer uma das três alternativas não determina, necessariamente, que os alunos terão acesso ao ensino supe-

1.

2.

3.

78

rior. Em cerca de metade dos países da OCDE, a maioria dos estudantes da educação secundária superior freqüenta o ensino secundário vocacio-nal ou programas de aprendizagem profissional. Esses programas nor-malmente oferecem uma mistura de oportunidades de aprendizagens alternativas, diretamente relacionadas ao mercado de trabalho. A Figura 4 apresenta a proporção de matrículas realizadas entre os cursos profis-sionais e acadêmicos de nível secundário superior nos países de OCDE.

Figura 4 – Porcentagem de alunos matriculados em cursos profissionais e acadêmicos de nível ensino secundário superior nos países da OCDE em 2004

7�O ensino vocacional tem sido o cerne das políticas de educação secun-dária nos países da OCDE, em particular na União Européia, há uma década. Na maioria desses países, a formação profissional é tradicional-mente oferecida nas escolas, com exceção do Reino Unido, onde mui-tos programas de educação vocacional são, de fato, classificados como educação continuada. No entanto, em países como a Áustria, Islândia e República Tcheca, cerca de metade dos programas de ensino voca-cional e técnico constitui-se da combinação de elementos da forma-ção escolar geral e da formação profissional. Em muitos dos países da OCDE, novas estruturas e formas alternativas de formação profissional têm atraído mais estudantes para os programas de ensino vocacional. Na Finlândia, por exemplo, uma campanha para promover a formação profissional como alternativa para a educação geral levou a um aumen-to lento, porém sustentado, do número de matrículas nos programas de ensino vocacional desde meados da década de 1990. Curiosamente, muitas economias do conhecimento avançadas têm testemunhado ten-dências semelhantes às demonstradas na Figura 5. Elevar a qualidade dos conhecimentos e competências profissionais tem sido visto, nesses países, como uma das condições prévias para o crescimento econômico sustentável e para o desenvolvimento social.

80

Fonte: Unesco (2006); OECD (2006); Unesco Institut for Statistics (2007).

Figura 5 – Mudança nos índices totais líquidos de ingresso (NER), em porcentagem, para os programas

vocacionais e gerais de ensino secundário superior, entre 1995 e 2003, em alguns países da OCDE (o comprimento da barra indica o crescimento de um determinado programa)

O ensino secundário superior não é unificado nos países da OCDE. Sua estrutura é determinada, tradicionalmente, pelas políticas econômicas e sociais globais de cada país. Uma característica comum à maioria desses países é: o ensino secundário superior passou a ser mais flexível e aber-to. Flexibilidade significa, em primeira instância, as formas pelas quais

81os alunos têm a oportunidade de escolher e adaptar as suas necessidades de aprendizagem, independentemente das fronteiras estabelecidas entre programas ou instituições.

2.2 Graduação nas escolas de ensino secundário superior nos países da OCDE

A educação secundária superior serve de base para a aprendizagem ao longo da vida, para novas oportunidades de formação e para a pre-paração para o ingresso no mercado de trabalho. Como mencionado anteriormente, embora muitos países da OCDE permitam que os alunos abandonem o sistema escolar ao final do ensino secundário inferior, a grande maioria deles opta por continuar seus estudos nas escolas de ensino secundário superior. A principal razão para essa escolha é o fato de que aqueles que abandonam o sistema educacio-nal sem uma qualificação secundária superior tendem a enfrentar severas dificuldades para encontrar um bom emprego.

Os elevados números de matrículas não são suficientes. É importante con-siderar o número de estudantes que concluem a escola de ensino secun-dário superior com bons desempenhos. Há uma grande evasão de alunos entre o início e o fim do ensino secundário superior no México, Turquia, Espanha e Luxemburgo. Alguns estudantes abandonam definitivamente o sistema educacional, outros retornarão mais à frente, se houver oportuni-dade. De modo geral, um entre cinco alunos das escolas de ensino secun-dário superior dos países da OCDE abandona o sistema educacional antes da graduação. Essa evasão representa perdas econômicas para a sociedade, ao mesmo tempo que aponta para a baixa qualidade e para a irrelevância das escolas de ensino secundário. A ampliação do acesso à educação secun-dária, associada à melhoria da qualidade do ensino, representam um duplo desafio para o ensino secundário (WORLD BANK, 2005).

A Figura 6 compara os índices brutos de conclusão para o ensino secundário superior entre os países da OCDE e quatro países parcei-ros, apresentando, pela primeira vez, o número de alunos que con-cluem os programas de ensino secundário superior – representado

82

no gráfico por uma porcentagem do grupo etário que normalmente conclui esse nível de escolaridade. Embora nem todos os graduados estejam contidos nessa faixa etária, o cálculo fornece uma indicação de quantos jovens completam a educação secundária superior atual-mente. Em 18 dos 22 países da OCDE, para os quais existem dados comparáveis disponíveis, a proporção entre os graduados no nível secundário superior e a população em idade típica de graduação é maior que 70%. Os índices de conclusão para a Dinamarca, Finlân-dia, Alemanha, Irlanda, Japão, Coréia e Noruega situam-se em 90% ou mais. Em cada um desses países, a qualificação no ensino secun-dário superior é um requisito mínimo para quaisquer outros estudos subseqüentes ou empregos permanentes. O desafio então consiste em assegurar que a parcela restante dos jovens não seja esquecida, o que pode acarretar a limitação de suas perspectivas profissionais. Os países da OCDE que contam com estruturas de orientação e aconse-lhamento vocacional para estudantes apresentam índices elevados de conclusão para a educação secundária.

Contudo, índices elevados de conclusão não significam que o sistema de educação tenha dotado seus alunos de conhecimentos, aptidões e competências relevantes ao mercado de trabalho. Não existem da-dos confiáveis e comparáveis internacionalmente sobre os níveis de qualificação dos alunos graduados nas escolas de ensino secundário superior. Porém, esses índices de conclusão possivelmente indicam até que ponto os sistemas educacionais foram capazes de preparar seus alunos para atender às expectativas mínimas do mercado.

83

Fonte: OECD (2006).

Figura 6 – Índices de conclusão do ensino secundário superior (2004) nos países da OCDE e nos países parceiros (*)

A maioria dos programas de ensino secundário superior desenvolvi-dos nos países da OCDE é concebido, essencialmente, para preparar os estudantes para o ensino superior. Sua orientação, porém, pode ser geral, pré-vocacional ou vocacional. A maior parte dos estudan-tes graduados no nível secundário superior participam de programas que foram concebidos para prepará-los para o ingresso em universi-dades acadêmicas. Em todos os países da OCDE, os alunos preferem

84

os programas de ensino secundário que conduzem ao ingresso na educação superior de tipo A1, com exceção da Alemanha e da Suíça, onde observam-se maiores probabilidades de graduação em progra-mas do ensino superior de tipo B2.

A Figura 7 apresenta uma comparação entre os índices de conclusão para os programas de ensino secundário superior concebidos para preparar os alunos para o ingresso no ensino superior de tipo A e os índices reais de ingresso para esse subtipo de educação superior. Segundo a OCDE (OECD, 2006), a definição de índice bruto de conclusão refere-se ao “número total de graduados em um determinado nível de escolaridade (em qualquer faixa etária), dividido pela população em idade típica de graduação no nível espe-cificado. Em muitos países, torna-se difícil estabelecer a faixa etária típica de graduação, principalmente porque os graduados na educação secundá-ria superior estão distribuídos ao longo de um amplo intervalo de idades”. Deve-se observar que existem várias alternativas de trajetória do ensino se-cundário superior para a educação superior de tipo A e não apenas a escola acadêmica de ensino secundário superior tradicional.

1. Os programas de ensino superior de tipo A (Isced 5A) são baseados em conteúdos teóricos e projetados para fornecer aos estudantes as qualificações necessárias para ingresso em pro-gramas de pesquisa avançada e profissões com exigências elevadas de competências e habili-dades profissionais, como medicina, odontologia ou arquitetura. Esses programas têm uma duração teórica cumulativa mínima (em nível terciário) equivalente a três anos em período integral, embora normalmente tenham a duração de quatro anos ou mais, e não sejam exclu-sivamente oferecidos pelas universidades

2. Os programas de ensino superior de tipo B (Isced 5B) normalmente têm duração menor que os programas de tipo terciário A e concentram-se em competências e habilidades práticas, técnicas ou ocupacionais para o ingresso no mercado de trabalho, embora algumas funda-mentações teóricas possam ser abordadas por programas específicos. Esses programas têm uma duração mínima equivalente a dois anos em período integral no nível terciário.

85

Fonte: OECD (2006).

Figura 7 – Acesso à educação terciária ou superior de tipo A pelos graduados no ensino secundário superior, 2004

Como a Figura 7 demonstra, nem todos os estudantes graduados nos programas de ensino secundário superior que se preparam para a educa-ção superior de tipo A ingressam nessas instituições. Na Irlanda, Bélgica e Grécia, por exemplo, apenas cerca da metade dos graduados na escola secundária superior com qualificação para a educação terciária de tipo A se matriculam nesse nível de ensino. Atualmente, 53% dos jovens nos países da OCDE ingressarão em programas de ensino superior de tipo A em algum período de suas vidas. De acordo com os dados disponíveis, apenas 16% dos jovens restantes participarão dos programas de ensino terciário ou superior de tipo B. Os índices de participação na educação secundária de tipo B variam de 4% ou menos (Itália, Noruega e México, por exemplo) a mais de 30% (Coréia, Nova Zelândia e Japão).

86

2.3 Nível de atendimento escolar da população adulta nos países da OCDE

O nível de atendimento educacional à população adulta é comumen-te utilizado como um indicador do estoque de “capital humano”, ou seja, do estoque de conhecimento, habilidades e competências ad-quiridos por determinada população ou força de trabalho. Conside-rando-se que as práticas da educação diferem de um país para outro, faz-se necessário partir do princípio de que, se um ano de estudo é equivalente em todos os níveis de ensino, o atendimento educacio-nal à população adulta pode ser representado pela média dos anos de escolaridade concluída. Estima-se em 11,9 anos a média de aten-dimento educacional à população adulta nos países da OCDE. Para os 17 países situados acima desta média (ver Figura 8), o período de escolaridade varia de 12 a 13,9 anos. Para os 13 países abaixo dela, a variação é maior, oscilando entre 8,5 e 11,8 anos. A Figura 8 descre-ve a proporção da população adulta, com idade entre 24 e 65 anos, que concluiu, pelo menos, o ensino secundário superior, bem como aqueles que concluíram o ensino superior.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

TurquiaMéxico

PortugalBrasil

EspanhaItáliaChile

IslândiaGréciaPolônia

LuxemburgoAustrália

Reino UnidoFrançaBélgicaIrlanda

Países BaixosCoréia

HungriaÁustria

Nova ZelândiaDinamarca

FinlândiaIsrael

EslováquiaAlemanha

SuíçaJapão

RepúblicaTchecaSuécia

CanadáNoruega

Estados UnidosRússia

Superior Pelo menos Nível Médio

Média da OCDE

87

Fonte: OECD (2006).

Figura 8 – População na faixa etária de 24 a 65 anos que concluiu, pelo menos, o ensino secundário superior e

população que concluiu o ensino terciário ou superior nos países da OCDE e nos países parceiros, em 2004

%

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

Coré

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Turq

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Méx

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Adultos entre 25 e 34 anos de idade Adultos entre 45 e 54 anos de idade

88

A proporção de adultos que concluem o ensino secundário superior vem crescendo em quase todos os países da OCDE. Na maioria deles, essa proporção varia entre 70 e 97% para a faixa etária compreendida entre os 25 e os 34 anos. Muitos dos países que apresentavam níveis de atendimento educacional tradicionalmente baixos têm-se recu-perado mais rapidamente em relação aos países mais desenvolvidos. O objetivo oficial da União Européia, por exemplo, é alcançar um atendimento educacional de, pelo menos, 85% dos jovens adultos com qualificação escolar mínima no ensino secundário superior.

Em média, em todos os países da OCDE, 42% da população adulta com-pletou o ensino secundário superior. Menos de um terço dos adultos (30%) concluiu apenas os níveis de educação primária ou secundária inferior, e um quarto (25%) deles atingiu o ensino superior. No entanto, os países diferem amplamente na distribuição do atendimento educa-cional de sua população. A pirâmide de atendimento educacional, em qualquer economia do conhecimento, deveria apresentar a maioria dos cidadãos adultos com o ensino secundário concluído e a parcela da po-pulação com educação superior deveria ultrapassar o número de adul-tos com níveis baixos de instrução (ver Figura 1, como exemplo).

Fonte: OECD (2006).

Figura 9 – Comparação entre grupos de populações mais jovens e mais velhas que concluíram, pelo menos, a educação secundária superior, em 2004 (porcentagem por grupos de idade)

8�A Figura 9 demonstra como os níveis de atendimento educacional a diferentes grupos etários da população variam de um país para outro. Na Coréia, Portugal e Espanha, por exemplo, há uma diferença sig-nificativa no nível de atendimento educacional aos jovens e aos mais velhos. De modo geral, a comparação dos níveis de atendimento edu-cacional entre grupos etários mais jovens e mais velhos, nos países da OCDE e nos países parceiros, sugere um progresso acentuado em relação ao atendimento educacional do ensino secundário superior. Em média, a proporção de adultos entre 25 e 34 anos de idade que completou o ensino secundário superior é 13 pontos percentuais mais elevada do que o grupo de adultos na faixa entre os 45 e os 54 anos.

3. Questionamentos e tendências da educação secundária

Esta seção concentra-se em aspectos qualitativos da educação secundária nos países da OCDE. Em um primeiro momento, analisamos o ingresso no ensi-no secundário, especialmente sob o ponto de vista da preparação dos alunos para o ensino secundário superior; em seguida, discutimos as opções entre a educação geral e vocacional, para finalmente analisarmos os vários modelos de organização do ensino secundário geral e profissional na prática.

3.1 O que os estudantes sabem quando ingressam no ensino secundário nos países da OCDE?

Os países da OCDE têm índices elevados de conclusão para a edu-cação secundária inferior. A maior parte dos países parceiros prati-camente já universalizou o atendimento nesse nível de ensino, atin-gindo valores brutos de cerca de 95% de concluintes. Contudo, eles diferem muito em relação às políticas de retenção de alunos e de ta-xas de aprovação, fazendo com que os índices líquidos de conclusão apresentem variações maiores. Em muitos desses países, os valores líquidos de conclusão da educação básica chegam a se aproximar de 100%. É comumente aceito, na maioria das nações participantes, que

�0

qualquer um que tenha uma qualificação escolar inferior à do ensi-no secundário superior enfrentará grandes dificuldades no mercado de trabalho. O aumento dos índices de conclusão para a educação básica tem como conseqüência direta o fato que os estudantes estão ingressando nas escolas de ensino secundário superior com conhe-cimentos e competências que são, ao mesmo tempo, diferentes, mas todas elas necessárias para os estudos subseqüentes.

Não há conhecimentos ou competências universalmente estabele-cidos para o ingresso nas escolas de ensino secundário superior. No entanto, é comumente esperado que todos os alunos tenham profi-ciência em leitura e escrita, em aritmética, que sejam alfabetizados científica e digitalmente, além de desejar-se que tenham adquirido habilidades avançadas de aprendizagem. Isso deslocou a ênfase dada às disciplinas básicas e introduziu a informação e as tecnologias de comunicação como exigências básicas a todos. Com o aumento do ingresso no ensino secundário superior, aumentam também os questionamentos sobre o conhecimento e as habilidades reais dos alunos egressos da educação primária.

Para responder aos questionamentos crescentes sobre o quê os es-tudantes que concluem a educação básica (normalmente aos 15 anos de idade) podem fazer com o conhecimento e as habilidades adquiridos, a OCDE lançou o Programa Internacional de Avaliação Estudantil (Pisa). O primeiro dos ciclos de três anos de coleta de dados foi realizado em 2000, na alfabetização (compreensão de lei-tura e escrita) e na iniciação matemática e científica (OECD, 2004a). O programa Pisa está analisando particularmente o que os jovens podem fazer com o aprendizado adquirido e não o quanto eles reti-veram do currículo que lhes foi ensinado. Dessa maneira, o progra-ma oferece, pela primeira vez, uma análise mais sistemática sobre a preparação dos jovens, no que diz respeito a seus conhecimentos e habilidades, tanto para a aprendizagem subseqüente nas escolas secundárias quanto para o ingresso no mundo do trabalho.

Abaixo de 1 Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5 Nível 6

0% 10% 20% 30% 140% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Finlândia (544)Coréia (542)

Canadá (532)Países Baixos (538)

Japão (534)Austrália (524)

Suíça (527)Islândia (515)

Nova Zelândia (523)Dinamarca (514)

Bélgica (529)República Tcheca (516)

França (511)Irlanda (503)Suécia (509)

Áustria (506)Eslováquia (498)

Noruega (495)Alemanha (503)

Luxemburgo (493)Polônia (490)

Espanha (485)Hungria (490)

Estados Unidos (483)Portugal (466)

Itália (466)Grécia (445)

Turquia (423)México (385)

Fonte: OECD (2004a) Porcentagem de alunos

�1

Figura 10 – Percentagens de alunos com níveis de proficiência diferentes na escala Pisa/OCDE de Matemática, em 2003 (o nível 2 indica a proficiência mais baixa ou profi-ciência básica e o nível 6 indica a proficiência mais elevada)

Embora os estudos do Pisa 2003 apresentassem um enfoque particular para a alfabetização matemática – ou seja, compreensão de conceitos, aplicação de conhecimentos e resolução de problemas –, o desempe-nho dos estudantes foi avaliado nas três áreas-chave mencionadas anteriormente (OECD, 2004a). A Figura 10 demonstra, em primeiro lugar, os diferentes desempenhos dos países em matemática. A pon-tuação média da OCDE é 500, com o desvio padrão de 100. No topo da pontuação encontram-se Finlândia, Coréia e Canadá. Em segundo, a

�2

figura descreve as percentagens de estudantes que alcançaram cada um dos seis níveis de proficiência em cada país. O nível 2 representa a profi-ciência básica, na qual os estudantes começam a demonstrar habilidades que lhes permitem utilizar a Matemática ativamente. Nesse nível, eles são capazes de utilizar a inferência direta para reconhecer os elementos matemáticos de uma situação, são capazes de utilizar uma representação única para ajudar a explorar e a entender uma determinada situação, têm capacidade de utilizar algoritmos básicos, fórmulas e procedimentos, conseguem de fazer interpretações literais e aplicar o raciocínio direto. Segundo os estudos Pisa 2003, um quarto ou mais dos estudantes não conseguem atingir o nível 2 na Grécia, Itália, México, Portugal, Turquia e Estados Unidos. Na Finlândia, menos de 7% dos estudantes encontram-se abaixo desse limite. A Figura 10 também demonstra que mais de 20% dos estudantes dos países da OCDE apresentam um nível limitado de alfabetização matemática, ou seja, são capazes de utilizar apenas as fun-ções matemáticas regulares somente em contextos familiares.

Padrões de desempenho semelhantes foram observados nos estudos Pisa de 2000 e 2003 em relação à alfabetização e à iniciação científica. Tais re-sultados sugerem que uma porcentagem significativa de estudantes dos países da OCDE que ingressam nas escolas de ensino secundário supe-rior, ou que decidem dirigir-se ao mercado de trabalho, não têm conhe-cimentos e habilidades suficientes. Muitos países implementaram não só novos programas de aconselhamento vocacional para os estudantes, mas também serviços especiais de educação para prevenir insucesso dos alunos nas escolas de ensino básico e para auxiliar àqueles que têm difi-culdades de aprendizagem nas escolas de ensino secundário superior.

3.2 Comparando o ensino secundário superior geral e vocacional

Como descrito anteriormente, a maioria dos jovens dos países da OCDE atualmente ingressa na educação secundária superior. Há evidências de que aqueles que não o fazem enfrentarão dificuldades severas para obter empregos permanentes. Em todos esses países, a

�3educação secundária superior atende a dois objetivos principais. Em primeiro lugar, preparar os jovens para a educação terciária ou supe-rior. Em segundo, e igualmente importante, prover as qualificações profissionais básicas, que permitirão aos jovens o acesso ao mercado de trabalho. Contudo, o ensino secundário superior nos países de OCDE não é uniformizado. Podem-se encontrar diferenças signifi-cativas na organização da educação secundária de um país para o outro (WORLD BANK, 2005, 2006; UNESCO, 2006).

Em muitos países, a educação vocacional secundária vem sendo caracterizada, desde os anos 1990, por quatro tendências comuns (WORLD BANK, 2005; UNESCO, 2006).

Primeira: a educação vocacional no nível secundário superior foi concebida para atender às exigências técnicas e profissionais específicas dos empregadores, o que levou ao estabelecimento de programas e currículos muito especializados. O campo da educa-ção vocacional foi dividido em centenas de qualificações especí-ficas que conduzem a perfis fragmentados de habilidades, inclu-sive dentro do mesmo ofício. A redução do número de campos e programas de educação vocacional e a ampliação das qualificações profissionais tornam-se conseqüências diretas da modificação dos mercados de trabalho, que hoje demandam competências técnicas mais gerais, ao invés de especialização muito específica. A flexibili-dade para mover-se de uma profissão para a outra e a capacidade de aprendizagem transformaram-se também em objetivos integrantes da nova qualificação profissional. As competências técnicas gerais referem-se, por exemplo, aos conhecimentos e habilidades neces-sários ao operador de procedimentos da indústria de papel. Ante-riormente, as qualificações eram demandadas separadamente para a fabricação da massa, fabricação do papel, fabricação do cartão e para a conversão em papel. Atualmente, há uma qualificação pro-fissional específica para a indústria de papel, que inclui subseções diferentes dessa profissão. Do mesmo modo, as qualificações foram ampliadas para as áreas sociais, da saúde, metalurgia, maquinária e construção civil, mencionando apenas algumas. A especialização

�4

em qualificações profissionais específicas ainda é oferecida, porém hoje ela se realiza na etapa posterior dos estudos, e não na forma-ção básica, como anteriormente.

Segunda: a ênfase na aprendizagem permanente para todos os níveis de ensino aproximou a educação vocacional e geral. A criação de “pon-tes” entre essas duas opções do ensino secundário superior aumentou o número de disciplinas gerais (línguas estrangeiras, em especial, Ciências Sociais e Tecnologia de Informação nos currículos da educação vocacio-nal e, por outro lado, introduziu elementos vocacionais aos currículos da educação geral acadêmica tradicional (por exemplo, na França, Fin-lândia, Inglaterra e País de Gales). Em alguns países, como na Finlândia, por exemplo, os estudantes podem escolher as matérias de seus cursos secundários superiores livremente, em ambos os tipos de escolas.

Terceira: duas formas de organização tradicional de educação voca-cional secundária, a saber, baseadas na escola e baseadas não apenas nas empresas, estão sendo fundidas em muitos países. Os países que têm, por tradição, um sistema de educação vocacional secundário ba-seado na escola (países nórdicos, países europeus orientais) incluíram elementos do sistema vocacional baseado no trabalho aos seus progra-mas. As nações onde a educação vocacional secundária foi organizada, em sua maioria, a partir do Sistema Dual (Alemanha e Áustria), estão buscando um novo patamar de equilíbrio entre a educação geral e a for-mação profissional nos seus currículos.

Quarta: a necessidade de elevar continuamente o nível de atendimento educacional da população nos países da OCDE abriu portas para mais jovens continuarem a estudar em instituições da educação terciária ou superior. Em muitos países, a expansão da educação terciária está acon-tecendo através da popularização do setor de ensino terciário de base pro-fissional, por exemplo, as escolas politécnicas e as universidades técnicas. Tal fato ampliou o acesso à educação terciária para todos os graduados no ensino secundário superior. Portanto, o sistema de ensino secundário superior moderno oferece aos estudantes um caminho para a educação terciária, independentemente da trajetória que tenham escolhido.

�5Na Figura 4, vimos que cerca de metade dos estudantes secundários superiores dos países da OCDE escolhem programas de ensino com orientação vocacional. Contudo, isso varia muito de um país para o outro. A vasta maioria dos alunos secundários superiores da OCDE estuda em programas que lhes permitem acesso à educação superior. Ajustar o ensino secundário superior para que atenda a necessidades e expectativas mutantes é uma tarefa difícil para os formuladores das políticas educacionais. É importante observar que não há solução me-lhor que estabelecer um equilíbrio entre a educação geral e vocacional nas escolas secundárias superiores. Se, por um lado, a economia do co-nhecimento emergente requer uma ênfase maior para o aprendizado de como se deve adquirir e gerenciar o conhecimento – sugerindo, a princípio, a expansão da educação geral –, por outro, a modificação dos mercados de trabalho demanda habilidades dinâmicas e competências que, por sua vez, indicam o deslocamento do foco da educação secun-dária em direção à educação vocacional. Os formuladores das políticas de educação precisam estar cientes das diferentes alternativas, a fim de alcançarem sistemas de ensino secundário superior sensíveis às deman-das e flexíveis, que atendam simultaneamente às necessidades dos em-pregadores e de aprendizado contínuo. Em qualquer circunstância, os formuladores das políticas educacionais deveriam:

garantir oportunidades reais para os jovens que concluíram o ensino obrigatório (ou ensino secundário inferior) de con-tinuar o aprendizado no ensino secundário superior de sua escolha;

evitar fazer dos programas de educação vocacional secun-dária superior uma escolha para os alunos com desempenho escolar mais baixo, fadados a empregos de baixa qualidade e à inacessibilidade ao ensino superior;

criar caminhos válidos da educação vocacional secundária para o ensino terciário ou superior e incentivar uma porção significativa de estudantes a adotar essa escolha; e

1.

2.

3.

3. A taxa de retorno representa uma estimativa dos retornos obtidos, ao longo do tempo, em relação aos custos do investimento inicial na educação. Mais especificamente, a taxa fiscal interna de retorno é igual à taxa de desconto que iguala os custos aos benefícios da educação para o setor público. �6

estabelecer serviços sistemáticos de orientação e aconselha-mento vocacional para os estudantes, em todas as escolas básicas, para evitar o desconhecimento sobre suas opções futuras e auxiliá-los a superar as suas preocupações (além de prevenir a evasão escolar).

Muitos países da OCDE ainda sofrem com o baixo status que a edu-cação vocacional adquiriu entre os jovens. Muitos estudantes o con-sideram como uma segunda ou terceira opção educacional e, muitas vezes, como um sinal de fracasso. À medida que o papel da educa-ção vocacional é fortalecido, diversos países fazem campanha para melhorar a reputação da educação vocacional secundária. Como mostrado na Figura 5, várias economias do conhecimento avança-das, como Irlanda, Reino Unido, Finlândia e Noruega, por exemplo, experimentaram um crescimento significativo do setor da educa-ção vocacional secundária durante a década passada. Grande par-te desse crescimento se dá fora do âmbito das escolas vocacionais tradicionais, isto é, se dá nas escolas de ensino secundário superior geral e nas escolas alternativas. A educação vocacional e técnica não é, de modo algum, uma opção do passado que está desaparecendo. Ao contrário, ela vem se tornando uma parte integrante de qualquer sistema de ensino secundário moderno que deseja promover o bem-estar da sociedade e de sua economia.

3.3 Organização da educação secundáriaAs taxas de retorno de capital investido constituem um critério co-mumente usado para determinar o impacto econômico de vários tipos de educação3. Quanto mais elevada é a taxa de retorno, mais lucrativo é o tipo de educação, para o indivíduo e para o público. Pode-se perguntar se há diferenças entre as taxas de retorno para a educação secundária vocacional e geral. Há, de fato, pesquisas que sugerem que as taxas de retorno para o ensino secundário acadêmico são mais altas que as taxas para o ensino vocacional (WORLD BANK, 2005). Por conseguinte, muitos países (em desenvolvimento) estão

4.

�7reduzindo a educação vocacional tradicional e dirigindo a maioria (ou todos) os estudantes para as escolas de ensino secundário geral. Porém, há também evidências de pesquisas que oferecem uma visão contrária. Mundle (1998), por exemplo, descreve como alguns dos “tigres asiáticos” criaram os seus sistemas de ensino secundário. Sua principal política foi a de dirigir os investimentos para a educação vocacional secundária superior até que a renda per capta atingisse, aproximadamente, US$ 8,000 (em 1992), e só então deslocou o foco das políticas para o currículo geral. Portanto, utilizar as taxas de re-torno como uma justificativa para as políticas de ensino secundário, significa pouco mais que um conselho contraditório.

Há três maneiras principais de organizar o ensino secundário supe-rior nos países da OCDE. Grande parte de suas características estru-turais é justificada por tradição, e não por visão estratégica. A maio-ria dos esforços empreendidos para reformar o sistema secundário superior também é bloqueada pelas estruturas históricas e hábitos existentes. As três formas principais de organização são:

Sistema de ensino secundário superior diversificado. O ensino secundário superior é dividido entre escolas de educa-ção geral e formação profissional. Essa forma de organização é conseqüência da tradição histórica. As escolas de ensino secundário geral foram criadas para preparar os jovens para as universidades. As escolas de ensino secundário vocacio-nal, por sua vez, foram concebidas para formar funcionários para as novas profissões do mercado de trabalho. Em muitos países da OCDE, o ensino secundário superior geral e o en-sino vocacional desenvolveram-se separadamente. Há tam-bém uma distinção administrativa entre esses dois sistemas. As escolas de ensino geral estão subordinadas ao Ministé-rio da Educação, enquanto as escolas de ensino vocacional, muitas vezes, estão subordinadas a outros ministérios ou às autoridades regionais ou locais. Em muitos dos países da OCDE, todas as escolas secundárias superiores atualmente

1.

�8

estão subordinadas ao mesmo ministério (normalmente, ao Ministério da Educação), são regidas pela mesma legislação e dirigidas através de estratégias setoriais de educação e for-mação profissional coerentes. Dentre os países que seguem essa estrutura de organização estão Finlândia, França, Itália e Noruega.

Sistema de ensino secundário superior unificado O en-sino secundário superior é organizado no âmbito de uma mesma estrutura organizacional, significando que a escola secundária superior oferece vários programas ou alternati-vas que são combinações de cursos e campos de estudo di-ferentes. Em alguns países, como Nova Zelândia e Estados Unidos, por exemplo, todos os estudantes concluem a escola secundária superior, que é considerada como educação ge-ral. A formação profissional é oferecida como educação pós-secundária (e não como terciária), paralelamente à educa-ção superior. Em alguns outros países, o ensino secundário superior é organizado em escolas que oferecem tanto pro-gramas gerais como vocacionais. Na Suécia, por exemplo, há 17 programas nacionais, cujo propósito é oferecer uma base educacional geral ampla. Além desses 17, outros 14 progra-mas têm uma orientação mais vocacional.

Sistema de ensino secundário superior baseado na esco-la e no trabalho em paralelo. O ensino secundário superior oferece a educação geral baseada na escola e opções de edu-cação vocacional baseadas nos postos de trabalho. O objetivo das escolas de ensino secundário superior geral é preparar os estudantes para as universidades. Para os estudantes que não têm tal objetivo, são oferecidas opções de formação técnica ou profissional, em centros de treinamento específicos, com-binadas com aprendizagens práticas nos postos de trabalho ou aprendizagens técnicas. Esse sistema dual de educação vocacional comumente consiste de apenas 20 a 30% dos es-

2.

3.

��tudos baseados na formação escolar geral. Não há interação, ou apenas uma ligeira interação, entre o sistema de educação vocacional e o sistema de educação geral. Esse padrão de orga-nização pode ser encontrado na Alemanha, Áustria e Suíça.

Uma das principais questões abordadas na discussão das políticas de educação atualmente é como organizar o ensino secundário superior não só para que a qualidade da educação seja elevada, mas também para que o acesso ao sistema seja assegurado para todos. Ainda per-siste o debate sobre se a educação vocacional deveria ser estruturada como educação pós-média, assegurando um conhecimento básico e qualificações mais elevadas para todos. Porém, é cada vez mais acei-to que, se o nível secundário superior for flexível o bastante para oferecer aos estudantes a oportunidade de escolher entre programas e orientações diferentes, muitos dos desafios que a educação voca-cional enfrenta hoje poderão ser evitados. A solução para o desafio duplo do ensino secundário – elevar a qualidade e o acesso – não é fazer mais, ou o mesmo, que foi feito antes. É importante procurar novas formas de oferecer oportunidades significativas de aprendi-zagem para um número crescente de estudantes que ingressam nas escolas de ensino secundário superior para aumentar suas chances de alcançar empregos sustentáveis e de boa qualidade.

4. Construindo uma sociedade do conhecimento: políticas educacionais para o ensino secundário na Finlândia4

4.1 ContextoO sistema educacional finlandês experimentou um processo de evo-lução significativo a partir do início dos anos 1970, passando de um sistema injusto e paralelo, com índices de participação modestos, para um sistema igualitário, com índices de participação pratica-mente totais, índices de conclusão consideravelmente mais eleva-dos e amplo reconhecimento do êxito dos estudantes. No entanto,

4. Esta seção é baseada em meu artigo Subiendo el listón: Como responde Finlandia al doble reto de la educación secundaria? Profesorado, v. 10, n. 1, p. 1-26, 2006. Ver detalhes em Sahlberg (2006b). Acertar numeração de nota de acordo com os demais textos do livro.

100

convém observar que a estrutura paralela foi mantida no sistema de ensino secundário superior na Finlândia, apesar de alguns esfor-ços para acabar com a diferença de status social da educação geral e vocacional. Concluímos que as políticas de educação que incidem isoladamente sobre a educação secundária superior, quer com obje-tivos estruturais ou pedagógicos, não têm sido suficientes para me-lhorar significativamente a qualidade do ensino secundário, mes-mo a longo prazo. Indo mais além, afirmamos que, ao contrário de muitos outros países que têm seguido a padronização de mercado e os movimentos de responsabilização pela evolução da educação, os professores do ensino secundário finlandês lecionam, hoje, em um ambiente com normas gerais definidas e alta credibilidade na capa-cidade dos professores e escolas de identificarem os melhores meios para atingir os objetivos da educação nacional.

Na Finlândia, a maior parte das crianças começa a educação básica obrigatória – nove anos de estudos – em agosto do ano em que com-pletam sete anos de idade. Neste momento, entretanto, mais de 95% dos alunos do primeira série concluíram o ensino pré-escolar opcional – um ano de estudos –, que é normalmente reconhecido como um im-portante fator para o bom desempenho do aluno no futuro. O ensino pré-escolar opcional representa também um ponto de transição crucial para os estudantes, pois é nessa etapa que decidem suas futuras trajetó-rias educacionais. O ensino secundário finlandês compreende os níveis secundário inferior obrigatório (séries 7 a 9) e secundário superior não-obrigatório (séries 10 a 12). Em princípio, após a conclusão da educação básica obrigatória, aos 16 anos de idade, os jovens têm cinco opções: escola de ensino secundário superior geral, escola de ensino secundário superior vocacional, outros tipos de ensino ou formação profissional pós-obrigatória (por exemplo, os programas de aprendizagem técnica), 10a série da educação básica, adicional e opcional, ou o ingresso no mer-cado de trabalho. Anualmente, mais de 99% dos alunos da nona série concluem com êxito a sua escolaridade obrigatória e apenas 5%, aproxi-madamente, não continua os estudos imediatamente.

1014.2 Desenvolvimento das políticas e princípios

da reformaDesde dezembro de 2001, quando os primeiros resultados dos estudos Pisa foram lançados pela OCDE, centenas de especialistas da educação têm se perguntado qual é o segredo do bom desempenho da educação na Finlândia. Os resultados encontrados para a melhoria da qualidade da educação em geral e da aprendizagem dos estudantes em particular variam desde um corpo docente bem treinado à uma sociedade cultu-ralmente homogênea (VÄLIJÄRVI; LINNAKYLA; KUPARI et al., 2002; SIMOLA, 2005; SCHLEICHER, 2006; SAHLBERG, 2006b, 2007). Os es-tudos do Pisa avaliam a capacidade dos estudantes de 15 anos de idade “concluírem tarefas que se relacionam à vida real e que dependem de um amplo entendimento de conceitos-chave, ao invés de avaliar o domínio de conhecimento específico” (OECD, 2001, p. 19). Desse modo, os estu-dos Pisa demonstram também como os campos da leitura, Matemática e Ciências são ensinados e aprendidos no ensino secundário inferior. Em nossa análise recente das políticas de educação da Finlândia (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006, p. 2), concluímos que:

a escola abrangente, que oferece para todas as crianças a mesma alta qualidade de ensino e o financiamento pú-blico da educação que viabiliza não apenas um excelente corpo docente, mas também aconselhamento vocacio-nal, saúde, nutrição e serviços especiais de educação – parece desempenhar um papel-chave na construção de um sistema educacional de alto desempenho. Boa edu-cação para todos, e não apenas para alguns, é o valor central que impulsiona a educação na Finlândia.

O que é importante nessa conclusão é que o sistema educacional finlandês estabelece que a boa educação básica para todos é uma condição necessária – mas não suficiente – para se alcançar bons re-sultados nos níveis de ensino subseqüentes. Contudo, muitos esfor-ços para melhorar a qualidade da educação secundária não têm tido êxito, pois os níveis de conhecimentos e habilidades dos estudantes

102

que estão ingressando no ensino secundário superior não são com-patíveis com os níveis exigidos. Conseqüentemente, muitos países vêem-se obrigados a manter sistemas de ensino secundário superior seletivos e, muitas vezes, elitistas, nos quais os alunos são agrupa-dos com base no prestígio das escolas de ensino básico e secundá-rio inferior, e não de acordo com as suas competências e interesses. A seguir, apresentaremos um breve resumo das idéias-chave para o desenvolvimento de um sistema de ensino abrangente e igualitário, baseado em ciclos de nove anos de estudos, que oferece a base da educação convencional para todos os estudantes da Finlândia.

A estrutura e os valores fundamentais do sistema educacional finlandês atual foram criados nos anos 1960, quando se logrou um consenso po-lítico para abolir a estrutura paralela da educação básica, que dividia os estudantes em duas opções educacionais aos dez anos de idade (HIR-VI, 1996; LAMPINEN, 1998; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Até o início da década de 1970, os alunos mais capazes eram selecionados após a quarto série de ensino para uma opção acadêmica, que repre-sentava a única trajetória para o ensino superior, ou para uma opção de formação profissional prática, que completava a trajetória educacional dos jovens em idade de 16 anos com um caminho sem volta. A Lei do Sistema de Ensino, de 1968, criou as bases para o novo sistema de ensino abrangente, obrigando os municípios a fornecerem a todos os alunos igualdade de oportunidades para receber a educação básica pública de alta qualidade, independentemente de sua idade, domicílio, situação econômica, sexo ou língua pátria. Juntamente com o princípio da eqüi-dade, essa nova legislação priorizou a melhoria da qualidade da apren-dizagem e do nível educacional em todo o país. Como conseqüência, o governo criou um planejamento do sistema de ensino secundário supe-rior no qual os jovens recém-graduados no ensino secundário inferior poderiam ingressar imediatamente.

O novo sistema de ensino abrangente, que consistia em seis anos de ensino primário e três anos de ensino secundário inferior, tornou-se o sistema de educação básica permanente para todos os alunos

103finlandeses até o início dos anos 1980. O objetivo desse novo sistema era integrar um país educacionalmente dividido; porém, foi amar-gamente criticado por políticos e pelos meios de comunicação, para não mencionar as críticas dos pais dos estudantes. Os opositores do sistema alegavam que a educação abrangente reduziria as expectati-vas acadêmicas e, conseqüentemente, levaria a um empobrecimento gradual dos níveis de atendimento educacional, principalmente en-tre os alunos mais capazes e talentosos (AHO; PITKÄNEN; SAHL-BERG, 2006). Assim sendo, esse novo sistema educacional tornou-se rapidamente uma questão política. Entretanto, a Lei de Formação do Professor (1979), que atualizou a formação de todos os profes-sores para o nível de mestrado, e o novo currículo do ensino básico obrigatório (1971) forneceram os impulsos profissional e pedagógico necessários. De fato, os primeiros investimentos no desenvolvimen-to de tecnologias educacionais, métodos de ensino e aperfeiçoamen-to do conhecimento e das competências dos professores ajudaram a comprovar que muitas das críticas estavam erradas.

Na sociedade finlandesa, a profissão de docente sempre gozou de grande respeito e apreço públicos. A profissão de professor é consi-derada como uma profissão independente, de status elevado, e atrai alguns dos melhores graduados no ensino secundário para os pro-gramas de ensino universitário ou de formação de professores orien-tada para a pesquisa (VÄLIJÄRVI; LINNAKYLA; KUPARI et al., 2002; SIMOLA, 2005; WESTBURY; HANSEN; KANSANEN et al., 2005). De fato, apenas cerca de 10% dos seis mil candidatos a professores do ensino primário são aceitos anualmente pelas faculdades de educa-ção das universidades finlandesas. A razão principal para o elevado interesse em tornar-se um docente é o fato de que o nível de mestra-do é requisito básico para a contratação permanente pela escola fin-landesa. Para as escolas primárias, esse fato teve várias conseqüên-cias positivas, tanto para os professores quanto para a sociedade em geral. Outro fator importante para o elevado interesse na carreira é que o mestrado em educação não só qualifica para ensinar em uma escola, mas também abre portas para o emprego na administração

104

pública ou no setor privado. Mais importante, no entanto, é que o nível de mestrado garante o acesso aos estudos de pós-graduação, amplamente disponibilizados pela maioria das universidades fin-landesas hoje. Durante a última década, as escolas finlandesas re-gistraram um significativo aumento de diretores e professores que possuíam um Ph.D. em educação.

Nas comparações internacionais, os programas de formação dos professores finlandeses distinguem-se dos demais por sua profun-didade e abrangência (JUSSILA; SAARI, 2000; WESTBURY; HAN-SEN; KANSANEN et al., 2005). Os programas são oferecidos pelas faculdades de educação em sete universidades. O equilíbrio entre os conteúdos teórico e prático ajuda jovens docentes a dominar di-ferentes métodos de ensino e a compreender as bases de um bom ensino e aprendizagem. A reforma do currículo nacional das escolas finlandesas, em meados da década de 1990, revelou que professores com elevada competência profissional são muito motivados e en-gajam-se facilmente nos processos de desenvolvimento do ensino de suas próprias escolas, bem como em projetos nacionais e inter-nacionais. Além disso, tendem a trabalhar com a mesma seriedade no desenvolvimento de seus próprios conhecimentos e habilidades profissionais.

Os professores finlandeses são usuários conscientes e críticos não só de seu desenvolvimento profissional, como também dos progra-mas de formação profissional. Da mesma forma que o nível de qua-lificação profissional do quadro dessa categoria melhorou ao longo das últimas duas décadas, a qualidade do apoio ao desenvolvimento profissional dos professores também aumentou. A maior parte dos currículos tradicionais e obrigatórios para a formação para o traba-lho desapareceu. Em seu lugar, encontram-se hoje programas esco-lares ou municipais de formação profissional de longo prazo, além de outras oportunidades de desenvolvimento profissional. A atuali-zação contínua da prática pedagógica dos professores tornou-se um direito, e não uma obrigação.

105Essa mudança nas formas e condições de aprendizagem dos docen-tes influi, freqüentemente, na maneira como o ensino em sala de aula é preparado para os alunos. Como conseqüência do aumento do profissionalismo na educação, professores e escolas tornam-se res-ponsáveis por seu próprio trabalho e resolvem a maioria de seus pro-blemas, ao invés de transferi-los para outras instâncias. Atualmente, na Finlândia, o ensino como profissão está em condições de igualda-de com outras carreiras. Os professores conseguem diagnosticar os problemas em suas salas de aula e escolas e podem adotar soluções baseadas em provas ou soluções alternativas para esses problemas, além de poderem avaliar e analisar os impactos dos procedimentos implementados. Os pais consideram os mestres como profissionais que sabem o que é melhor para os seus filhos.

Como a reforma da educação começou a apresentar resultados no fi-nal dos anos 1980, o próximo passo lógico na reforma do sistema edu-cacional concentrou-se na reforma do ensino secundário pós-obriga-tório. O ensino secundário superior constituía-se de dois setores: a educação geral, como a trajetória convencional para o ensino superior, e a educação vocacional, que conduzia à qualificação profissional. O setor de ensino vocacional, por sua vez, compreendia duas alterna-tivas. A primeira afunilava os alunos em níveis de ensino escolar, e a segunda guiava-os aos colégios de formação profissional. A formação profissional de nível escolar variava de seis meses a dois anos de estu-dos. O ensino nos colégios de formação profissional mais avançados tinha a duração de três a quatro anos de estudos. De acordo com a atual classificação internacional, os colégios de formação profissional situariam-se entre o ensino secundário superior e o ensino superior.

A principal área de reforma do ensino secundário, iniciada a partir dos anos 1980, correspondia à educação vocacional. Na prática, o en-sino secundário superior era – e mantém-se até hoje – uma estrutura educacional paralela a dois setores de status acadêmico e social dife-rentes. O objetivo da reforma era tornar a educação vocacional mais atraente para os egressos da educação básica. Os alunos graduados

106

nas escolas de ensino vocacional também deveriam ter o direito de candidatar-se ao ingresso nas instituições de ensino superior. Jun-tamente com a transformação da educação vocacional em trajetó-ria alternativa para o ensino superior, os formuladores das políticas educacionais pretendiam reduzir o número de alunos ingressantes no ensino secundário superior geral e acabar com a diferenças de status entre esses dois setores de ensino. Curiosamente, em 1981, o Ministério da Educação finlandês estabeleceu metas anuais de ma-trículas na educação secundária superior geral de 20.000 a 22.000 alunos, o que representava cerca de um terço da população na faixa etária de graduação na educação básica. No entanto, esse objetivo foi subestimado, uma vez que, em 1988, já havia 32.200 novos alunos matriculados no primeiro ano do ensino secundário superior geral, ou seja, cerca de 55% desse grupo etário.

A partir de 1985, a educação secundária superior geral passou por mudanças estruturais e pedagógicas fundamentais. Com o objetivo de desenvolver um novo currículo, foi criada uma estrutura peda-gógica mais flexível para os municípios e para as escolas. Ao mesmo tempo, um projeto experimental eliminou a organização da educa-ção seriada e introduziu o ensino secundário superior geral basea-do em cursos modulares não-seriados, nos quais os estudantes não eram vinculados a uma carga horária convencional ou ao seu grupo etário, mas sim aos seus próprios ritmos e interesses. A educação secundária superior geral baseada em cursos não seriados foi im-plementada na Finlândia em 1982 e, no final dos anos 1990, todo o sistema tornou-se não-seriado. Essa estrutura de ensino secundário superior geral é internacionalmente única. Curiosamente, a China vem se interessando pela reestruturação do ensino secundário a par-tir de trajetórias não-classificatórias.

O objetivo principal da reforma do ensino secundário foi oferecer a todos os graduados do ensino básico uma opção significativa para prosseguirem seus estudos no ensino secundário superior. Em 1988, havia vagas nas escolas de ensino vocacional secundário superior,

107nos colégios de formação profissional e na educação superior para praticamente todas os estudantes graduados dos ensinos básico e secundário superior geral. As escolas de ensino secundário superior receberam, em 1988, cerca 55% dos graduados da educação básica; em 1972, elas receberam aproximadamente 40% dos graduados. Desse modo, as instituições e colégios de ensino vocacional recebe-ram a grande maioria dos estudantes que havia completado o ensino secundário superior geral e que não ingressaria no ensino superior. Programas de ensino especial foram concebidos para esses estudan-tes, com duração menor que a dos programas oferecidos aos gradua-dos na educação básica.

Uma das opções políticas adotadas para elevar a eqüidade educacio-nal e melhorar a qualidade do ensino secundário superior na Finlân-dia, na década de 1980, foi a criação da “escola da juventude”, baseada na referência da escola sueca de ensino secundário superior integra-do, que oferecia programas de ensino geral e vocacional na mesma estrutura escolar. As lições das experiências desenvolvidas no país nos anos 1990 levaram à conclusão que, embora a “escola da juven-tude” apresentasse várias vantagens, tais como mais oportunidades para os pequenos municípios e uma gama mais rica de programas de ensino opcional para os estudantes, ela não representava uma solu-ção estrutural para o sistema como um todo (VIROLAINEN, 1996). Ao contrário, a legislação e as políticas de educação oficiais insistiam que a cooperação entre as escolas de ensino vocacional e geral preci-sava ser organizada de forma a permitir aos estudantes flexibilidade e mobilidade de transição vertical. As escolas de ensino secundário superior geral não-seriado e as escolas de ensino vocacional modu-lar criaram oportunidades para uma maior cooperação técnica.

Na sociedade finlandesa, o “terceiro setor”, que representa a fusão de or-ganizações sem fins lucrativos, ONGs, atividades voluntárias e doações que as sustentam, tem desempenhado um papel cada vez mais impor-tante na criação de um setor de ensino secundário mais afinado com as necessidades e interesses de todos os indivíduos. Durante a década de 1990, quando o sistema de educação sofria uma grande transformação

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1960

1975

1980

1985

1990

1995

2000

2005

Educação básicaEducação secundária

Educação terciária ou superior

108

cultural, grupos de jovens e outras organizações desempenharam um pa-pel ativo no diálogo das políticas de educação e na implementação das reformas. As organizações de jovens e as agremiações desportivas, por exemplo, adequaram os aspectos do ensino e aprendizagem de suas ativi-dades específicas aos objetivos da educação escolar formal. Essa foi uma das alternativas encontradas para envolver um número maior de pais e outros adultos na discussão da educação familiar e da formação escolar da juventude.

Fonte: Statistics Finland (2006).

Figura 11 – Nível de escolaridade da população adulta (15 anos de idade ou mais), na Finlândia, a partir de 1960

O período de implementação da reforma da educação secundária durou de 1974 a 1992. Ao longo dessas duas décadas, o ingresso no ensino secundário cresceu significativamente. Em 1970, cerca de 25% da população adulta da Finlândia havia concluído o ensino secundá-rio ou superior ou a educação superior. Em 1990, metade da popu-lação adulta tinha, no mínimo, um nível de qualificação secundária superior (Figura 11). No entanto, a reforma do ensino secundário não foi capaz de reduzir a diferença de popularidade entre o ensino geral e vocacional, como era esperado.

10�O desenvolvimento do atual sistema de ensino secundário na Finlândia é re-sultado de uma melhora sistemática na qualidade, acesso, eficiência e flexibi-lidade não apenas do ensino secundário, mas do sistema de educação como um todo (HIRVI, 1996; LAMPINEN, 1998; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). As principais políticas de desenvolvimento e os princípios da refor-ma foram estabelecidos há décadas e não mudaram muito desde então. A meta de proporcionar escolhas significativas para todos os alunos que estão passando da educação básica escolar para o ensino secundário, por exemplo, tem suas raízes nos planos e políticas de educação dos anos 1970. As autori-dades educacionais definiram índices de transição da educação básica para os níveis de ensino subseqüentes como meta para as políticas de educação, de modo que, em 2009, pelo menos 97,5% dos graduados no ensino básico possam continuar a estudar em um campo de sua escolha.

4.3 A educação secundária na sociedade do conhe-cimento competitivo

A Finlândia passou por transformações econômicas e culturais fundamen-tais durante as últimas três décadas do século XX. Em 1950, segundo Routti e Ylä-Anttila (2006), a estrutura econômica finlandesa correspondia à es-trutura econômica sueca em 1910. A partir da década de 1950, o desenvol-vimento industrial e econômico da Finlândia baseou-se em investimentos dirigidos à economia, sendo que os principais elementos da produção cor-respondiam a maquinário, engenharia e às indústrias de silvicultura. Os anos 1980 marcaram o início da especialização da produção, do comércio e da pesquisa e desenvolvimento na economia finlandesa. Tal economia emergente, baseada no conhecimento, coincidiu com a abertura econômi-ca e com a desregulamentação dos fluxos de capitais. Routti e Ylä-Anttila (2006, p. 6) descrevem essa transformação, afirmando que:

existem poucos outros exemplos de países com recursos naturais abundantes, se é que existe algum, que conse-guiram transformar as suas estruturas industriais em direção a um nível de conhecimento mais intenso, ele-vado e, conseqüentemente, de maior valor agregado, de forma tão rápida e bem sucedida como a Finlândia.

110

A transição para a economia baseada no conhecimento aumentou significativamente a geração de conhecimento interno. Ao final dos anos 1970, a Finlândia era classificada no extremo inferior dos paí-ses da OCDE em termos de volume de pesquisa e desenvolvimento (R&D). Segundo a OCDE, a Finlândia investe hoje 3,5% do PIB em R&D, ocupando a segunda posição nesta classificação, logo abaixo da Suécia (ROUTTI; YLÄ-ANTTILA, 2006). Curiosamente, durante a maior recessão econômica em tempos de paz, no início dos anos 1990, os investimentos em R&D foram mantidos nos níveis previa-mente estabelecidos e o investimento privado cresceu (CASTELLS; HIMANEN, 2002). É digno de nota que a construção do sistema educacional igualitário e de bom desempenho da Finlândia se deu através de gastos com educação relativamente modestos. Além dis-so, o sistema de ensino é financiado, principalmente, por recursos públicos. Em 2002, 2,2% do total das despesas com educação vieram de recursos privados, sendo que 99,2% das despesas com educação primária e secundária foram financiadas pelo setor público (OECD, 2005a). De fato, o total de despesas com instituições educacionais – em porcentagem do PIB para todos os níveis de ensino – caiu de 7,9%, em 1992, para 6,3%, em 1995 e, mais recentemente, em 2002, para 6% (HIRVI, 1996; OECD, 2005a). Isso indica que os elevados ín-dices de participação e a eqüidade associada a bons níveis de apren-dizagem foram alcançados sem o aumento das despesas com educa-ção, muito pelo contrário. Desde a crise econômica dos anos 1990, as autoridades educacionais locais têm lutado incessantemente contra a redução dos orçamentos, valendo-se da ampliação de turmas, da redução de alguns serviços de apoio da escola e, em muitos casos, da fusão e do fechamento de escolas para ganhar eficiência (RIN-NE; KIVIRAUMA; SIMOLA, 2002). O número de escolas de ensino básico (séries 1 a 9) foi reduzido em 20% nos últimos dez anos. Não obstante, as condições essenciais para o bom nível de escolarida-de secundária foram disponibilizadas em todo o país para todos os estudantes. Acreditamos que assegurar os recursos necessários e os investimentos na preparação inicial dos professores nas universida-des têm contribuído positivamente para que o corpo docente pos-

111sa, mais tarde, ser capaz não apenas de implementar as melhorias necessárias à educação, mas também de procurar soluções de base científica para os problemas comuns de suas escolas.

Na Finlândia, as despesas anuais com instituições educacionais – do ensino primário ao ensino superior – por estudante, em 2002 (em dólares, utilizando-se a paridade de poder de compra (PPP) para o PIB), foram US$ 7,300 (média da OCDE: US$ 7,400). As despe-sas por aluno no ensino secundário atingiram US$ 7,100 (média da OCDE: US$ 7,000). A comparação entre os gastos reais médios por aluno, desde o início do ensino primário até a idade de 15 anos, com a média de desempenho em matemática por estudante na idade de 15 anos oferece um apoio adicional para o argumento de que o bom desempenho educacional na Finlândia é atingido a um cus-to razoável (SAHLBERG, 2007). Na Finlândia, o custo acumulado (US$ usando PPP) é de US$ 59,000, enquanto na Espanha atinge US$ 52,000 e nos Estados Unidos, US$ 84,000.

4.3.1 Participação na educação secundária superior

Como demonstrado na Tabela 1, 3.400 jovens, ou seja, cerca de 5,5% dos alunos graduados na escola básica em 2003, de-cidiram não continuar a educação imediatamente após a con-clusão do ensino obrigatório aos 16 anos de idade (FINLAND, 2005). Esse elevado número de jovens abandonando a edu-cação é considerado, hoje, como um dos maiores problemas no sistema educacional finlandês. Ainda assim, ao invés de simplesmente resolver o problema através da formulação de legislação que torne o ensino secundário superior obrigatório, as autoridades educacionais estão trabalhando em conjunto para encontrar formas de proporcionar uma opção educacio-nal significativa para todos. A Tabela 1 demonstra como as op-ções oferecidas aos alunos graduados no ensino básico foram selecionadas por eles entre 2000 e 2006.

112

Tabela 1 – Ingresso de alunos que concluíram o ensino básico obrigatório na educação secundária superior na

Finlândia entre 2000 e 2006

2000 2003 2006Alunos graduados no ensino básico 66.250 60.850 66.700

Porcentagem e número total de jovens que continuaram os estudos após a conclusão do ensino básico obrigatório

93%

61.650

94,5%

57.450

95%

63.350

- Educação secundária superior geral53,7%

35.600

55,1%

33.500

54,5%

36.350

- Educação vocacional36,3%

24.050

37%

22.500

37,5%

25.000

- 10a série adicional opcional 3%

2.000

2,4%

1.450

3%

2.000

Evasão do sistema de educação formal7%

4.600

5,5%

3.400

5%

3.350

Fonte: Statistics Finland (2006).

A Tabela 1 evidencia que, em 2006, cerca de 95% dos estudantes que completaram o ensino básico obrigatório continuarão seus estudos no ensino secundário superior ou na 10a série adicional da escolaridade básica. Em 2003, as porcentagens de alunos ma-triculados no ensino secundário superior geral e vocacional fo-ram 55,1% e 37%, respectivamente, do total de alunos inscritos. Espera-se que, em 2006, menos de 5%, ou seja, 3.350 graduados no ensino básico, optem por não continuar a estudar no ensino secundário superior formal. Alguns deles ingressarão em outros programas de educação pós-obrigatória.

A 10a série adicional opcional do ensino básico provou ser uma alternativa educacional útil para a maioria dos jovens finlande-

113ses que adota essa opção após a escola básica: em 2002, dentre os 1.800 alunos que freqüentaram o ano suplementar de escolari-dade básica, 83% ingressaram na educação secundária superior geral ou vocacional (35% e 48%, respectivamente). Menos de 2% dos alunos que se matricularam na 10a série adicional abandona-ram o sistema de ensino durante o ano letivo. A meta estabelecida pelas políticas de educação, de ter apenas 2,5% dos alunos gradua-dos na educação básica não ingressando imediatamente no ensi-no secundário superior, é ambiciosa e exige medidas sistemáticas, não só das autoridades educacionais, mas também das escolas. De acordo com as políticas de educação atuais (FINLAND, 2005), a 10a série adicional opcional de escolaridade básica será disponibi-lizado para os jovens que mais se beneficiarão com ele, os serviços de orientação e aconselhamento vocacional serão disponibiliza-dos para todos os estudantes e os métodos de ensino serão desen-volvidos para a educação básica e secundária.

4.3.2 Índices de conclusão para a educação secun-dária superior

É digno de nota que, na Finlândia, a educação após os nove anos do ciclo do ensino básico não é obrigatória. Ao invés de transformar o ensino secundário superior em parte da escola-ridade obrigatória, as políticas de educação finlandesas acre-ditam no desenvolvimento de igualdades de oportunidades para que todos possam participar da educação secundária de sua escolha e na criação de incentivos para que os jovens permaneçam no sistema educacional após a conclusão da es-colaridade obrigatória. Desde a introdução da educação bá-sica abrangente, na década de 1970, a meta das políticas de educação tem sido oferecer vagas nas instituições de ensino pós-obrigatório para todos (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Posto que atualmente a maior parte das escolas de en-sino secundário superior geral e vocacional estão submetidas

114

à administração municipal da educação, são as autoridades educacionais municipais que decidem sobre as diretrizes de oferta e de adesão da educação pós-obrigatória. No entanto, isso não significa que os municípios tenham total liberdade em relação à oferta da educação. Os currículos, as exigências profissionais para o corpo docente e as expectativas em rela-ção ao ambiente pedagógico, como um todo, são bastante uni-ficados no país, criando uma cultura comum de escolaridade na Finlândia.

O planejamento educacional é baseado nas responsabili-dades das escolas e dos municípios (principais responsáveis pela administração das escolas na Finlândia), que formulam o currículo ideal para as suas necessidades e características regionais. A estrutura mais recente do currículo nacional foi estabelecida em 2003 e segue a diretriz do currículo nacional de 1994, de priorizar a flexibilidade educacional, a educação geral de base ampla e a confiança na escolha, pelos professores e diretores das escolas, da melhor forma de organizar ambien-tes de aprendizagem. A estrutura do currículo nacional é uma orientação educacional e pedagógica para os formuladores dos currículos (professores, diretores, pais, dentre outros). Embo-ra especifique genericamente o conteúdo do ensino geral, ela fornece uma descrição detalhada dos objetivos gerais da edu-cação. Posto que a escola secundária superior não é seriada, a estrutura do currículo nacional não faz referência às séries ou aos métodos de ensino.

Devido à natureza não obrigatória do ensino secundário su-perior, um dos critérios utilizados para avaliar a qualidade e a eficácia da educação pós-obrigatória é a análise dos índices de conclusão. A partir de 1999, com a introdução do sistema de eficiência educacional na Finlândia, as autoridades estaduais passaram a realizar coletas e análises sistemáticas dos índices de conclusão para o ensino secundário superior. Se o tempo

50 60 70 80 90 100

Exame Nacionalde Ensino Secundário

Qualificação

profissional2003

2004

115ideal de conclusão da educação secundária superior geral ou vocacional for estabelecido em 3,5 anos, cerca de três em cada quatro alunos da educação geral e três em cada cinco estudan-tes do ensino vocacional completaram seus estudos com êxito no tempo desejado (Figura 12).

Fonte: Statistics Finland (2006).

Figura 12. Porcentagem de alunos do ensino secundário superior que concluíram seus estudos com êxito no

tempo padrão (3,5 anos), em 2003 e 2004

Devido ao fato de o planejamento individual dos estudos não estar vinculado aos grupos etários ou às turmas, muitos estudantes leva-rão mais tempo para concluir seus estudos que outros. Alguns de-les, no entanto, abandonarão o sistema educacional sem nenhuma qualificação ou diploma. Desse modo, a análise dos índices de eva-são escolar oferece uma visão complementar sobre a qualidade e a eficiência da educação secundária. De acordo com as estatísticas nacionais (FINLAND, 2005), nos últimos anos, anualmente cerca de 2% dos alunos do ensino secundário superior geral abandona-

116

ram os estudos, sem mudar de programa de ensino secundário su-perior ou de formação profissional. Aproximadamente o mesmo número de estudantes mudaram do ensino secundário superior geral para o vocacional, concluindo ali seus estudos. A situação da educação secundária vocacional é ainda pior. Em 2003, por exem-plo, cerca de 11,5% dos estudantes abandonaram a escola vocacio-nal no início dos estudos, sendo que, dentre estes, 1,5% continuou a estudar em alguma outra escola ou instituição de ensino.

A evasão dos alunos da educação formal e vocacional na Fin-lândia encontra-se em processo lento de declínio, e os índices de evasão escolar são substancialmente inferiores aos índices da maioria dos outros países (OECD, 2005a). Ainda no que diz respeito ao ensino secundário superior em geral, cerca de 5,6% dos estudantes não concluíram seus estudos no ano letivo de 2003/2004. A necessidade de prevenir o insucesso escolar e a eva-são do sistema educacional é ainda maior para os níveis secundá-rio e terciário da educação vocacional. O programa do governo central de financiamento educacional com base no desempenho da escola – implementado no ensino secundário superior voca-cional no início desta década – transformou a manutenção dos alunos no sistema educacional em um incentivo especial para as escolas. A redução dos índices de evasão escolar, e a conseqüente elevação dos índices de conclusão, alcançam um peso de 28% no cálculo dos índices de financiamento educacional com base no desempenho da escola para a educação geral e vocacional. Em-bora os índices de financiamento representem uma pequena par-cela do orçamento global da educação, eles rapidamente fizeram com que a atenção das escolas e dos professores fosse canalizada para medidas que, por um lado, contribuíssem para melhorar o diagnóstico antecipado e a prevenção de problemas que levam à evasão, e, por outro, reforçassem o apoio direto à aprendizagem dos alunos e ao clima geral na escola. As escolas de ensino voca-cional, em especial, têm desenvolvido soluções inovadoras para

117aqueles alunos que preferem modelos de aprendizagem basea-dos em currículos orientados para a prática. As “oficinas práticas de inovação”, por exemplo, tornaram-se uma forma popular de aumentar a atratividade e a relevância do ensino secundário para muitos alunos em risco de abandono escolar.

4.3.3 Participação na educação pós-secundária

Não existem estudos comparativos internacionais com os quais se possa julgar o nível de qualificação obtido pelos estudan-tes finlandeses que concluem a educação secundária. Desse modo, avaliar a qualidade do ensino secundário é uma tarefa complexa. Um fator que indica a qualidade da educação – em conjunto com os índices de conclusão do ensino secundário – é a tendência dos graduados de continuarem aprendendo em instituições de ensino terciário. O número de alunos que entra nas instituições finlandesas de ensino superior tem au-mentado. A meta atual das políticas de educação é oferecer va-gas com financiamento público no ensino superior para 65% desse grupo etário (FINLAND, 2004). Em 2005, havia cerca de 180.000 estudantes finlandeses matriculados nas universida-des e 133.000 nas escolas politécnicas. Comparado ao cenário de 20 anos atrás, o número de estudantes do ensino terciário ou superior triplicou. A média de idade dos novos alunos do ensino superior na Finlândia é de 21 anos. Os críticos argu-mentam que, dentre esses, não apenas estão os acadêmicos e líderes empresariais finlandeses, altamente qualificados e treinados, que ingressam no mercado de trabalho demasiada-mente tarde, mas também que as séries acadêmicas tradicio-nais estão sendo inflacionadas pela redução das expectativas acadêmicas dos estudantes ingressantes.

Índices de participação elevados e a conclusão exitosa dos ní-veis de ensino na Finlândia não significam, necessariamente, que todos se dêem por satisfeitos com a situação. Há dois ti-

118

pos de críticas que, em grande parte, dizem respeito à qualida-de dos conhecimentos e das competências dos graduados na educação secundária superior quando ingressam na educação terciária ou no mercado de trabalho. As universidades quei-xam-se continuamente de que muitos estudantes ingressam no ensino superior com conhecimentos básicos insuficien-tes, atitudes inadequadas e habilidades de aprendizagem in-dividual subdesenvolvidas. Um dos motivos dessa reação é o inchaço crescente das instituições de ensino terciário. Outro motivo é a “incapacidade” das universidades se adaptar às di-ferentes competências desenvolvidas pelos alunos que ingres-sam no ensino superior.

As reclamações dos empregadores têm um tom semelhante. Embora não existam estudos confiáveis sobre a sua insatisfa-ção, as informações fornecidas pelos líderes empresariais indi-cam que centrar-se em conhecimentos, aptidões e competên-cias profissionais generalistas nem sempre prepara as pessoas para empregos que exigem habilidades muito específicas. A adoção da aprendizagem nos postos de trabalho, como parte de todos os programas de educação vocacional, e a inclusão dos empregadores nesses programas, como um terceiro ator envolvido na avaliação de desempenho da formação profissio-nal, têm amenizado as críticas e aumentado a compatibilidade entre a educação vocacional e os requisitos mínimos para in-gresso no mercado de trabalho.

4.4 Organização da educação secundáriaO Programa Internacional de Avaliação Estudantil (Pisa) contém os indicadores internacionais mais comumente utilizados para a avaliação da aprendizagem dos estudantes da educação secundária, avaliando a leitura e a alfabetização em matemática e ciências dos alunos com idade de 15 anos que cursam a último série do ensino se-

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Variação de desempenho nas escolas

Variação de desempenho entre as escolas

11�cundário inferior – ou seja, esses alunos são avaliados na metade do ciclo do ensino secundário. Nos ciclos Pisa de 2000 e 2003, os jovens finlandeses foram classificados entre os melhores estudantes de to-dos os países da OCDE (OECD, 2001, 2004a; SAHLBERG, 2006a). Além disso, utilizando-se os dados Pisa dos ciclos anteriores para a variação de desempenho nas escolas, e entre as escolas, a Finlândia apresenta a menor variação entre os estudantes de melhor e de pior desempenho (Figura 13).

Figura 13. Variação (percentagem) de desempenho dos estudantes de 15 anos de idade na escala matemática, variação nas escolas e entre as escolas (OECD, 2004a)

120

O fato de quase toda a desigualdade de desempenho na Finlândia estar compreendida nas avaliações nas escolas, como demonstrado na Figura 13, significa que a desigualdade que permanece é provavel-mente em função, principalmente, da oscilação do “talento natural” dos estudantes. Dessa maneira, a variação entre as escolas corres-ponde, em sua maior parte, à desigualdade sociológica. Posto que tal desigualdade representa um tipo de variação pequena na Finlândia, ela sugere que as escolas lidam com as desigualdades sociológicas com muito êxito.

A excelência do sistema educacional na aprendizagem do aluno de nível secundário inferior indica que a maior parte dos graduados na educação básica desenvolveu conhecimentos e habilidades de aprendizagem suficientes para prosseguir, com sucesso, para o ensi-no secundário superior. Baseando-se nos dados Pisa 2003, a porcen-tagem de alunos que atingiram apenas os níveis de proficiência zero ou um em matemática foi de 6,8% na Finlândia. O mesmo indicador para os Estados Unidos alcançou 25,7% e, para os países da OCDE, a média geral atinge 21,4%. Além disso, 77% dos estudantes finlan-deses alcançaram o nível de proficiência três ou os níveis superiores – porcentagem mais elevada entre os países/regiões da OCDE (a mé-dia para a OCDE é de 57%) – e parecem ter adquirido as competên-cias necessárias para lidar com as demandas dos estudos subseqüen-tes, bem como com as demandas estabelecidas pelas sociedades do conhecimento atuais para o mercado de trabalho (OECD, 2004a). Tendências semelhantes foram observadas na avaliação da leitura no ciclo Pisa 2000 (OECD, 2001). No entanto, alguns estudos na-cionais (NATIONAL BOARD OF EDUCATION, 2005) advertem que entre 15 e 20% dos graduados na educação básica apresentam graves lacunas de conhecimentos e competências básicas, que são requi-sitos gerais para o ingresso no ensino secundário superior. Afirma-se, muitas vezes, que o nível de proficiência mínimo exigido para as disciplinas do ensino básico na Finlândia é superior ao nível Pisa de proficiência um.

1214.4.1 Transição para a educação secundária

superior

Existem dois fatores que afetam a trajetória de aprendizagem permanente dos estudantes. Primeiro: quando ingressam no ensino secundário superior, os alunos finlandeses não têm ex-periência em testes escolares padronizados de múltipla esco-lha, ao contrário de seus pares em muitos outros países, onde esses testes tornaram-se um elemento integrante da vida es-colar. Em um estudo comparativo sobre o tema, concluímos que “a pressão de um modelo estruturado de ensino e avalia-ção externa do desempenho dos alunos tem apresentado, se-gundo alguns professores, conseqüências dramáticas” (BERRY; SAHLBERG, 2006, p. 24). Esse estudo também sugere que, na Finlândia, a grande maioria dos professores do ensino básico ajuda seus alunos a aprenderem, e não a passarem em testes. Os estudos do Pisa 2003 fornecem algumas evidências para o argumento: os estudantes finlandeses têm menos ansieda-de em matemática que seus pares em outros países (OECD, 2004a; KUPARI; VÄLIJÄRVI, 2005; SAHLBERG, 2007). Segun-do: os alunos são bem preparados para tomar as suas decisões em relação às opções de educação pós-obrigatória devido à grande disponibilidade de serviços de orientação e aconselha-mento vocacional na educação básica. Durante o ciclo de três anos do ensino secundário inferior, todos os jovens têm di-reito a duas horas semanais de orientação e aconselhamento educacional. Isso reduz o risco dos alunos tomarem decisões mal informadas sobre seus estudos subseqüentes. Os serviços de orientação e aconselhamento educacional também ajudam os estudantes a empenharem-se mais nas áreas de estudos es-pecialmente necessárias ao ensino secundário superior.

Os alunos, hoje, fazem a transição do ensino básico para a educação secundária superior com conhecimentos, habilida-des e atitudes diferentes do que apresentavam anteriormente.

122

Essa mudança tem-se caracterizado como um dos fatores que contribuem para o desenvolvimento do sistema de ensino se-cundário superior. As reformas implementadas na educação secundária superior finlandesa provocaram impactos signifi-cativos na organização escolar, especialmente no que se refere ao ensino e à aprendizagem. A organização da escola tradi-cional, baseada na apresentação/recitação de modelos de ins-trução, no agrupamento por faixa etária, na carga-horária fixa e no trabalho predominantemente desenvolvido em sala de aula, foi sendo gradualmente transformada em ambientes de aprendizagem mais flexíveis, abertos e ricos em interação (co-municação, tecnologias de informação, trabalho em equipe), onde o papel ativo dos alunos vem em primeiro lugar (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Isso significa que vários mé-todos de ensino centrados no aluno (aprendizagem cooperati-va, projeto pedagógico, debates, resolução de problemas etc.) tornaram-se mais comuns em sala de aula. O melhoramento contínuo da escola tem sido facilitado não apenas pela imple-mentação de mudanças estruturais na educação secundária superior, mas também pelo enriquecimento das escolas e salas de aula com métodos de ensino alternativos.

4.4.2 Educação secundária superior geral

A educação secundária superior geral apresentou uma orga-nização tradicional até 1985, quando a nova Lei de Educação Secundária Superior Geral aboliu o sistema antigo e imple-mentou uma estrutura curricular modular. A mudança per-mitiu às escolas reorganizarem o tempo de duração do ensino. Dois semestres anuais foram substituídos por cinco ou seis períodos. Essa modificação alterou o planejamento curricular local, uma vez que as escolas tiveram mais flexibilidade para alocar as aulas em períodos diferentes (VÄLIJÄRVI, 2004). A fase seguinte de mudança foi a substituição do agrupamento dos estudantes por faixa etária por um sistema organizacional

123não-seriado, baseado em cursos modulares. O ensino secun-dário superior geral não-seriado proporcionou aos estudan-tes uma gama maior de opções para o planejamento de seus próprios estudos – tanto em relação ao conteúdo quanto em relação à seqüência das disciplinas. A nova estrutura curricu-lar privilegiou a compreensão do desenvolvimento cognitivo dos alunos e estimulou as escolas a fazer melhor uso de seus próprios recursos e dos pontos fortes da comunidade. Embora os estudantes tenham mais liberdade em relação aos seus es-tudos, eles são obrigados a concluir 18 disciplinas obrigatórias (Matemática, língua pátria (2), Ciências Naturais (4), Ciências Sociais (3), línguas estrangeiras (2), Educação Física, Artes (2), orientação vocacional, Saúde, Filosofia e Ética) e um mínimo de 75 cursos para a obtenção do diploma no ensino secundário superior geral. Cada curso consiste de 38 aulas (45 minutos cada), incluindo o exame final. Os estudantes normalmente completam 30 a 35 cursos por ano. Após concluir os estudos básicos nas 18 disciplinas obrigatórias (normalmente um ou dois cursos por tema), eles podem desenvolver seus planos de estudos fazendo cursos oferecidos por sua escola ou por qual-quer outra escola secundária superior. Em média, os alunos estudam, pelo menos, dez outras disciplinas após a conclusão das disciplinas obrigatórias. O currículo da educação secun-dária superior vocacional apresenta uma estrutura semelhan-te, com exceção do número de disciplinas obrigatórias, que é menor, normalmente cerca de dez (incluindo Matemática, Ciências Naturais, línguas estrangeiras, Tecnologia da Infor-mação e algumas disciplinas das Ciências Sociais).

Um fator importante que afeta a natureza do ensino e da apren-dizagem na educação secundária superior geral é o padrão de avaliação do aluno e da escola. Os professores avaliam os conhecimentos dos estudantes ao final dos cursos, totalizan-do, aproximadamente, cinco ou seis avaliações por tema, por

124

ano letivo. O Exame Nacional de Ensino Secundário, ao qual os jovens são submetidos após a conclusão do número mínimo de cursos exigidos, é um exame de múltipla escolha e, conse-qüentemente, causa impactos visíveis no currículo e nos mé-todos de instrução. O Exame Nacional de Ensino Secundário é semelhante, de certa forma, aos testes do IB – International Baccaleauréat, que é um tipo de exame usado como pré-requisi-to para o ingresso nas universidades acadêmicas (ensino supe-rior de tipo A). Praticamente todos os estudantes que concluem o ensino secundário superior geral com êxito (os índices de con-clusão atingem, aproximadamente, 95%) são submetidos a esse exame. Cerca de 93% deles são aprovados anualmente. Isso sig-nifica aproximamente 40% do total de jovens de cada coorte. Por conseguinte, o ensino secundário superior geral pode ser melhor caracterizado por privilegiar a aprendizagem, a criativi-dade e os métodos de estudo alternativos, e não por concentrar-se na aprovação em testes e exames.

4.4.3 Educação secundária superior vocacional

O ensino secundário vocacional foi adaptado para adequar-se ao novo cenário econômico e político da Finlândia. Sua es-trutura, currículos e metodologia de ensino foram renovados em função das expectativas da economia baseada no conhe-cimento e das exigências do mercado de trabalho. Uma das principais metas das políticas de educação é aumentar a atra-tividade da educação vocacional no ensino secundário supe-rior (FINLAND, 2004). Atualmente, aproximadamente 37,5% dos alunos do novo ensino secundário superior iniciam seus estudos nas escolas de ensino vocacional.

A estrutura da educação vocacional foi simplificada e, hoje, a formação profissional compreende 120 créditos, que equi-valem a três anos de estudos em período integral. Um quarto

125do período de estudos é dirigido a cursos gerais ou opcionais. O número de programas de formação profissional disponibi-lizados foi reduzido para 52 e os programas de estudos afins, para 113. Em princípio, os estudantes do ensino vocacional são qualificados para submeterem-se ao Exame Nacional de En-sino Secundário, porém apenas alguns poucos o fazem. Além disso, as escolas de ensino secundário devem garantir aos es-tudantes do ensino vocacional a possibilidade de ingresso nas escolas de ensino secundário geral e vice-versa, se desejarem incluir cursos de outras escolas em seus planos de estudos.

O currículo e a avaliação dos estudantes foram revistos para adequarem-se às mudanças estruturais, às exigências do mer-cado de trabalho e às necessidades da sociedade do conhe-cimento. O novo currículo foi estabelecido segundo neces-sidades profissionais específicas, expectativas crescentes de flexibilização profissional e diretrizes de formação permanen-te. As avaliações dos conhecimentos e competências profis-sionais adquiridos passaram a ser desenvolvidas em conjunto pelos três principais interessados: as escolas, os empregadores e representantes dos empregados.

Os métodos de ensino e de formação profissional estão mu-dando gradualmente nas escolas de ensino secundário voca-cional. A formação no emprego tornou-se parte integrante do currículo: pelo menos um sexto da instrução deve ser de-senvolvida nos postos de trabalho. As oficinas alternativas, a aprendizagem técnica e a educação à distância tornaram-se comuns no ensino secundário. O sistema de financiamento educacional com base no desempenho da escola atribui um fator de 6% para a qualificação do corpo docente. As escolas de ensino vocacional, por sua vez, investem esses fundos cada vez mais na atualização dos conhecimentos e competências pedagógicas dos professores.

126

4.5 Estratégias para elevar a qualidade da educação secundária na Finlândia

As reformas da educação em geral e a melhoria da qualidade dos sis-temas educacionais em especial são processos complexos e lentos. Pesquisas anteriores e a análise das políticas de educação sugerem que, ao invés de investir em inovações únicas e reformas idealizadas aleatoriamente, a evolução da educação deveria ser compreendida como um processo sistêmico, a ser construído com base em propos-tas sólidas e sustentáveis (FULLAN, 2005; HARGREAVES; FINK, 2006; HARGREAVES; GOODSON, 2006). Aho, Pitkänen e Sahlberg (2006, p. 134) sugerem que:

enquanto o princípio da justiça, isto é, da eqüidade e da igualdade de oportunidades, representava os principais valores da visão de educação de longo prazo na Finlândia, uma orientação forte e sistemática em relação à liderança em todos os níveis da educação começou a surgir nos anos 1980. Ao longo das décadas, tornou-se claro que as polí-ticas de educação devem ser baseadas na profundidade e na extensão da liderança, e a diversidade e a desenvoltura educacional representam princípios permanentes para o processo de mudança da educação. Finalmente, um dos fatores-chave para o sucesso da Finlândia é o reconheci-mento prévio de que a aprendizagem a partir das experi-ências passadas pode construir um futuro melhor.

A educação secundária representou, por muito tempo, o tópico me-nos interessante e atraente para os formuladores das políticas edu-cacionais. Recentemente, devido ao número crescente de jovens que desejam estender suas trajetórias no sistema de educação, às necessidades da sociedade do conhecimento emergente e às novas políticas de aprendizagem permanente, o ensino secundário passou a ocupar uma posição central na análise das políticas e nos debate sobre educação no mundo globalizado. Um estudo realizado pelo Banco Mundial sugere que uma das razões para as demandas cres-centes em relação ao ensino secundário é o fato que:

127[...] as economias precisam cada vez mais de uma for-ça de trabalho sofisticada, equipada com competências, conhecimentos e habilidades relevantes aos postos de trabalho, que não podem ser desenvolvidas apenas na escola primária ou em programas de ensino secundário de baixa qualidade. (WORLD BANK, 2005, p. xvi).

Embora o número de pesquisas sobre a melhoria do ensino secun-dário esteja aumentando gradualmente, observa-se que esse tipo de estudo ainda é menos comum que as pesquisas realizadas sobre a educação primária e secundária inferior.

Os cinco princípios que se seguem foram adotados pelas políticas de edu-cação finlandesas a fim de elevar a qualidade da educação secundária e as-segurar a igualdade de oportunidades de acesso para todos os estudantes.

(1) As políticas de desenvolvimento da educação devem privile-giar a visão de longo prazo e a elaboração de objetivos realis-tas. O sistema atual de ensino secundário da Finlândia, descrito nas seções anteriores, é resultado de políticas de longo prazo e do desen-volvimento sistemático do sistema de ensino, que tem suas raízes em valores e princípios estabelecidos há quatro décadas. Observa-se que, nos primórdios da principal reforma da educação na Finlândia, os responsáveis pela tomada de decisões vislumbraram a necessida-de de tornar o ensino secundário superior mais responsivo às novas demandas, segundo afirmou o Parlamento em 1968:

A vida profissional e o desenvolvimento tecnológico exi-gem cada vez mais da sociedade e da força de trabalho e, por conseguinte, o Parlamento urge que o Governo de-fina medidas e planos de incentivo ao desenvolvimento das escolas técnicas, comerciais, agrícolas, dentre ou-tros campos de estudos e de escolas especiais, que, por sua vez, seriam capazes de criar canais correspondentes na educação superior. (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006, p. 48)

128

Já em 1974, o governo estabeleceu metas para as políticas de educa-ção que estimulariam a todos os graduados no ensino básico a in-gressar na educação secundária superior. O que ocorreu de forma natural, pois o novo sistema de ensino abrangente, baseado em ci-clos básicos de nove anos de estudos, aumentaria rapidamente o nú-mero de jovens com conhecimentos e habilidades atualizadas para a educação subseqüente. Vislumbrou-se, nos anos 1970, que a base para a economia finlandesa – que incluía a silvicultura e a indústria metálica pesada – seria o conhecimento. De modo bastante correto, os formuladores das políticas públicas presumiram que a sociedade do conhecimento emergente necessitaria de pessoas mais qualifica-das, tanto para trabalhar como funcionários na indústria da infor-mação, quanto para utilizar os produtos da informação. Em 1975, como demonstra a Figura 1, aproximadamente 70% da população adulta finlandesa havia concluído apenas a educação básica, ou me-nos que isso, o que representava um nível de escolaridade extrema-mente baixo para o cenário futuro, dirigido pelo conhecimento.

A visão de longo prazo que determina as políticas de educação, des-de o início dos anos 1970, estabeleceu metas para que a maior parte dos jovens concluísse, com êxito, algum tipo de ensino secundário superior. Além disso, desde o princípio, os formuladores das políti-cas de educação acreditavam que, independentemente da escolha dos estudantes na transição da educação básica para o ensino secun-dário superior, o acesso à educação terciária deveria ser amplamente disponibilizado. Uma das decisões políticas mais significativas no início da reforma do ensino secundário, em 1974, foi a organização da educação secundária superior em duas linhas (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Essa nova forma de organização deslocou o foco das políticas de educação e do compromisso de financiamento cres-cente para o desenvolvimento da qualidade do ensino secundário, especialmente para a formação continuada dos professores. Obser-vamos também que algumas mudanças nas políticas e nas escolas de ensino secundário superior foram reações a condições que surgiram a posteriori, mais proximamente relacionadas à mudança nas expec-

12�tativas e demandas dos jovens e de seus pais do que ao resultado das reformas intencionais. O setor de ensino secundário geral, por exemplo, desenvolveu-se bem acima da demanda, a partir dos anos 1930, do que as expectativas.

(2) Estabelecer como prioridade o desenvolvimento de uma educação primária de alta qualidade, que deverá ser disponi-bilizada para todos os estudantes. A educação primária – ou seja, os seis primeiros anos do ensino básico – é muitas vezes vista como a base para o bom desempenho nas etapas seguintes da educação (VÄLIJÄRVI; LINNAKYLA; KUPARI et al., 2002; SIMOLA, 2005; SAHLBERG, 2007). O ensino primário e as diretrizes de educação específicas, tais como o currículo, a avaliação, a formação dos pro-fessores e o material didático, ocuparam o centro das políticas de desenvolvimento da educação nacional e das estratégias de reforma desde o início da década de 1970 (AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). A estrutura do currículo da Nova Escola Abrangente, de 1971, forneceu a base para a inclusão de novas abordagens pedagógicas na grade curricular, independentemente dos contextos social e econô-mico, domicílio ou características individuais. As avaliações dos es-tudantes eram analisadas para que os resultados obtidos pudessem não apenas oferecer subsídios para as políticas de educação nacional e para a tomada de decisões locais, mas também para apoiar o en-sino, a aprendizagem e o desenvolvimento da escola. Esses mesmos princípios de avaliação estão incluídos na atual legislação educacio-nal, implantada em 1998. As diretrizes finlandesas de avaliação dos estudantes diferenciam-se das diretrizes de muitos outros sistemas educacionais, como, por exemplo, as dos Estados Unidos, onde o propósito do número elevado de avaliações dos alunos é analisar o desempenho das escolas e compará-lo a padrões de nível de profi-ciência determinados. A avaliação do desempenho dos estudantes não é definida e analisada sob uma ótica competitiva, o que provoca impactos diretos no desenvolvimento dos métodos de ensino: seus objetivos principais são promover uma aprendizagem intensiva e

130

despertar o interesse dos alunos para aprenderem independente-mente de seu desempenho escolar. Os professores finlandeses tra-balham com padrões livremente definidos (como em muitas escolas privadas das elites de outros países), porém com alto profissionalis-mo, confiança e criatividade.

A formação dos professores da educação primária é realizada nas universidades e concede a titulação de mestre. Ao final dos anos 1970, a preparação dos docentes foi convertida de um programa de três anos, realizado em colégios de professores, para programas uni-versitários de cinco anos de duração. Desse modo, a grande maioria dos educadores do ensino primário hoje possui níveis universitários elevados. Westbury e outros autores (2005) afirmam que a formação orientada para a pesquisa representa a idéia central do desenvolvi-mento da preparação dos professores na Finlândia desde meados dos anos 1970. Uma qualificação acadêmica elevada possibilita às escolas desempenhar um papel cada vez mais ativo no planejamento do currículo, na avaliação dos resultados da educação e, principal-mente, na melhoria da escola em geral. A reavaliação da eqüidade na educação finlandesa, realizada pela OCDE, descreve o círculo virtuo-so criado em torno do ensino.

Status elevado e boas condições de trabalho – turmas pequenas, suporte adequado para os orientadores e para as necessidades especiais dos professores, representativi-dade nas decisões da escola, baixos índices de problemas de disciplina, elevados índices de autonomia profissional – geram uma ampla base de recrutamento e programas de preparação de professores altamente seletivos e inten-sivos que, por sua vez, levam ao êxito dos professores logo nos primeiros anos de ensino, à uma estabilidade relativa do corpo docente, ao êxito na educação (no qual os resul-tados Pisa são apenas um dos exemplos) e à manutenção do status elevado do ensino (OECD, 2005b, p. 21).

131Os professores gozam de respeito social e liberdade profissional. A confiança profissional tornou-se, recentemente, uma das carac-terísticas reconhecidas da educação finlandesa (VÄLIJÄRVI; LIN-NAKYLA; KUPARI et al., 2002; KUPARI; VÄLIJÄRVI, 2005; SCH-LEICHER, 2006; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Lecionar no ensino primário é considerado uma carreira que se compara a qual-quer outra profissão elevada da sociedade, como, por exemplo, a de médico, advogado ou economista. A mobilidade dos docentes entre as escolas de ensino primário é relativamente baixa, o que significa que a maior parte dos alunos terá o mesmo professor, bem qualifica-do, durante os seis primeiros anos de ensino.

(3) Elaborar um sistema de intervenção, orientação e acon-selhamento educacional antecipados nas escolas de ensino primário e secundário. A expressão transição vertical refere-se ao processo que une dois níveis da educação. As políticas de educação finlandesas adotaram várias medidas para apoiar a transição exitosa da educação básica para o ensino secundário superior.

Primeiro: as políticas de reconhecimento e intervenção antecipada – relacionadas às dificuldades de aprendizagem – foram adotadas como prática escolar e como pedagogia em sala de aula, em todos os níveis do sistema educacional. Todo o currículo de formação do professor contém módulos cujo objetivo é melhorar o conhecimento e as habilidades necessários a identificação e encaminhamento de déficits que possam levar ao baixo desempenho dos estudantes. Os professores-assistentes, os especialistas em necessidades especiais da educação e as equipes multidisciplinares das escolas estão prepa-radas para reduzir o número de jovens defasados na aprendizagem. O fortalecimento dessas primeiras estruturas de intervenção corres-ponde à uma das ações de longo prazo dos planos de desenvolvi-mento de educação (ver FINLAND, 2004).

Segundo: a orientação e aconselhamento educacional são partes integrantes do currículo da educação básica desde os anos 1970.

132

Segundo a legislação atual, são oferecidas duas horas semanais de orientação e aconselhamento educacional para todos os alunos de escola secundária inferior. Na realidade, orientação e aconselha-mento educacional apropriados são direitos de todo estudante no sistema de ensino finlandês. Embora alguns estudos demonstrem que há sérias falhas no acesso a orientação e aconselhamento edu-cacionais, esse sistema produz impactos significativos no auxílio à tomada de decisões apropriadas pelos estudantes (NUMMINEN; KASURINEN, 2003; OECD, 2005b).

Terceiro: os serviços de educação para necessidades especiais foram ampliados para todos os níveis de ensino. As políticas de intervenção antecipada foram implantadas especialmente na educação básica. Tanto na Finlândia como nos Estados Unidos, por exemplo, os alu-nos que apresentam déficits de leitura, escrita e aprendizagem em matemática correspondem a, aproximadamente, 40% da população com necessidades educacionais especiais da 1a à 6a série. A porcenta-gem da população com necessidades educacionais especiais corres-pondente as séries de ensino 7 a 9 é de 13% na Finlândia, ao passo que nos Estados Unidos atinge 62%. Itkonen e Jahnukainen (2006, p. 22) afirmam que “o sistema escolar finlandês realiza intervenções nas séries iniciais e depois promove a maioria dos estudantes, especial-mente aqueles com deficiência de fala, leitura, escrita e de compre-ensão matemática”. Apesar dos orçamentos reduzidos da educação, o número de estudantes com necessidades especiais matriculados em todos os níveis de ensino vem crescendo: 7% dos estudantes da educação básica e 5% do ensino secundário vocacional ingressaram em programas de educação para portadores de necessidades espe-ciais. Cerca de um em cada quatro alunos da escola de ensino básico freqüentou cursos de meio período na educação para necessidades especiais durante o ano letivo de 2004/2005.

Quarto: o financiamento da educação vocacional, baseado no de-sempenho da escola, criou novos estímulos para que as escolas al-cancem a conclusão exitosa dos estudos de cada aluno e combatam

133a evasão escolar. Índices de evasão reduzidos e, conseqüentemen-te, índices de conclusão elevados têm um peso significativo para o cálculo do financiamento nas instituições educacionais. Na maio-ria dos casos, é financeiramente mais benéfico para a escola investir em medidas preventivas, como o aconselhamento educacional e os serviços de educação para necessidades especiais, por exemplo, que experimentar um número elevado de evasões escolares.

A expressão transição horizontal no ensino secundário superior refe-re-se à mobilidade dos estudantes entre os sistemas de educação geral e vocacional. Em princípio, depois de matricular-se em um ou outro tipo de ensino secundário superior, o jovem tem direito de mover-se para outra linha de ensino. Embora seja permitido por legislação, isso raramente acontece. Contudo, os estudantes selecionam cursos de outras instituições para seus planos de estudos individuais com muito mais freqüência do que mudam de linha de ensino. A premissa básica das políticas de ensino secundário finlandesas é transformar o ensino secundário superior em um sistema tão flexível quanto possível, em termos de escolhas e mobilidade para os alunos.

(4) Auxiliar os estudantes a realizarem a transição da educação primária para o ensino secundário com êxito e criar de alternati-vas para os alunos em transição, a fim de elevar os índices de esco-lhas bem sucedidas. Desde o fim da década de 1970, a escola abrangente oferece igualdade de oportunidades para que todos continuem seus es-tudos. A transição da educação básica para o ensino secundário superior representa uma etapa importante nas vidas dos jovens. As políticas de educação e as estratégias de desenvolvimento reconhecem que a tran-sição do ensino básico para o secundário é mais que uma simples mu-dança de nível de educação. Segundo afirma o Comitê de Transição da Educação Básica para o Ensino Secundário Superior Geral e Vocacional, “a transição deve ser vista como uma etapa mais longa, na qual o jovem esclarece, gradualmente, as suas preferências e objetivos quanto à nova educação e futura carreira” (FINLAND, 2005). O sucesso nessa transição tem importância máxima para os estudos subseqüentes. Dessa forma, a

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orientação vocacional e o aconselhamento estudantil realizados durante o ensino secundário inferior podem desempenhar um papel significati-vo no esclarecimento de informações sobre alternativas e oportunidades educacionais e profissionais relevantes para os estudantes.

A 10a série adicional da escola básica foi criada em 1977 como uma ex-periência para auxiliar aqueles alunos que, devido ao número limitado de vagas, não haviam sido aceitos pela escola secundária superior. Apro-ximadamente 3% dos graduados na escola de ensino básico matricu-lam-se na 10a série, a maior parte deles para melhorar a sua pontuação e aumentar as possibilidades de serem aceitos pela escola secundária superior de sua escolha (FINLAND, 2005). O currículo da 10ª série con-centra-se em prover os estudantes com experiências de aprendizagem positivas e assegurar a orientação educacional e o aconselhamento vo-cacional necessários para a nova educação e para o planejamento de suas carreiras profissionais. Anualmente, aproximadamente quatro em um total de cinco estudantes que concluem a 10ª série adicional ingres-sam imediatamente no ensino secundário superior.

(5) Promover o intercâmbio de “competências laterais” entre as escolas e os municípios, de forma que uns possam aprender com os outros. A força comparativa da Finlândia no desenvolvi-mento da qualidade da educação tornou-se o papel principal da ino-vação local e do compartilhamento das boas práticas no âmbito do sistema educacional (SAHLBERG, 2006b). As políticas de educação em geral promoveram estratégias que Fullan (2005) denomina de “competências laterais”, em que as escolas aprendem umas com as outras, enquanto os municípios compartilham seus conhecimentos sobre as mudanças educacionais. Acreditamos, contudo, que a es-tratégia finlandesa ainda não é uma estratégia bem desenvolvida e, assim sendo, representa um recurso subtilizado para o desenvolvi-mento do sistema educacional. O desenvolvimento de “competên-cias laterais” mobiliza duas forças importantes: o conhecimento, a inovação na mudança da educação e as práticas produtivas de um lado, e a identidade compartilhada de outro.

135A credibilidade no desenvolvimento de “competências laterais” e na aprendizagem com as tentativas de melhoria da educação no passa-do elevaram o papel da liderança e da gestão escolar na Finlândia. Cada vez mais, os diretores de escolas e as autoridades municipais da educação são recrutados de acordo com critérios de excelência profissional, ao invés das recompensas políticas comumente utili-zadas no passado. Os diretores de escolas tornaram-se os principais facilitadores do desenvolvimento profissional de seu corpo docente e da cooperação lateral entre as escolas. É comumente reconhecido, entre esses profissionais finlandeses, que a promoção da coopera-ção, em vez da concorrência, entre as escolas é a estratégia-chave para alcançar uma educação de boa qualidade. Os diretores das es-colas são considerados como líderes educacionais, e não como me-ros administradores.

4.6 Políticas inteligentes de educação secundária Ensinar na Finlândia, especialmente nas escolas secundárias, é pro-fissão reconhecida como de elevado prestígio social. Parte desse re-conhecimento vem da formação inicial dos professores, que se ba-seia na titulação de mestre e tem forte orientação científica. Assim, todos os educadores são preparados para a pesquisa sobre a prática docente. O equilíbrio entre os conhecimentos teóricos e práticos desses programas ajudam jovens professores a dominar diferentes métodos de ensino, bem como a ciência do ensino e da aprendiza-gem eficaz. A reforma curricular do ensino secundário, em meados da década de 1990, revelou que docentes com elevada competência profissional são muito motivados e engajam-se facilmente não ape-nas nos processos de desenvolvimento de suas próprias escolas, mas também em projetos nacionais e internacionais (SAHLBERG, 2007). Eles tendem, inclusive, a trabalhar seriamente no desenvolvimento de seus conhecimentos e aptidões profissionais pessoais. O forta-lecimento do profissionalismo dos professores transferiu, gradual-mente, a autoridade e o locus do controle da administração central para as escolas.

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Muitas das políticas educacionais atuais da Finlândia, incluindo o movimento de profissionalismo dos educadores, são relevantes apenas quando os pais, estudantes e autoridades têm confian-ça no corpo docente e na escola. Deve-se lembrar que o sistema educacional finlandês era bastante centralizado quando as refor-mas da educação foram implementadas, em âmbito nacional, na década de 1970. Naquela época, as escolas eram reguladas pelas agências nacionais e regionais, freqüentemente, em seus mínimos pormenores. A mudança em direção à gestão da educação baseada na confiança e no forte profissionalismo do professor começou na década de 1980, quando as principais etapas da agenda inicial de reforma foram colocadas em prática e consolidadas no sistema de ensino. No início dos anos 1990, a cultura da confiança havia pene-trado na gestão do setor público da Finlândia. No entanto, desde então, as políticas neoliberais de gestão do setor vêm, lentamente, substituindo a confiança por concorrência, produtividade e outros valores de mercado.

A cultura da confiança significa que o sistema, ou seja, o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação, acredita que os professores, em conjunto com os diretores, pais e com as suas co-munidades, sabem como prover a melhor educação possível para suas crianças e para a juventude (O’NEILL, 2002; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Ou, como Tschannen-Moran (2004, p. 15) afir-ma, “a confiança manifesta-se em situações nas quais devemos acre-ditar na competência do outro e na sua vontade de cuidar do que é precioso para nós”. Na Finlândia, a transição da administração cen-tral burocrática para a cultura descentralizada da confiança aconte-ceu em tempos de profunda crise econômica e cortes do orçamento público. Felizmente, a dependência da sabedoria local para decidir o que é o melhor para as pessoas pareceu ser a decisão acertada até para as questões mais difíceis, como, por exemplo, a redução das despesas e o realinhamento das operações existentes às novas reali-dades orçamentárias.

137A cultura da confiança só pode existir em um ambiente construído sobre a boa governança – ou abertura – e sobre a corrupção perto de zero – ou honestidade. Embora o valor coletivo das redes sociais e as inclinações dessas redes para ajudarem-se umas às outras pa-reçam estar diminuindo na Finlândia, como em muitas sociedades ocidentais, o capital social representa um componente-chave para a criação e manutenção da democracia, ocupando um lugar de desta-que na sociedade finlandesa. Na realidade, o país está extraordina-riamente bem colocado nas classificações internacionais de boa go-vernança e de percepção de corrupção. A organização da sociedade civil Transparency International classificou-o como um dos países menos corruptos dentre os 146 países analisados em sua avaliação anual. As instituições públicas geralmente gozam de alta confiança e respeito na Finlândia. A confiança nas escolas e nos professores é, desse modo, uma conseqüência natural de uma sociedade civil que atua efetivamente. Como Lewis (2005) observou, a honestidade e a confiança muitas vezes são vistas como os valores fundamentais da sociedade finlandesa.

Convidar os professores e as instituições educativas para participa-rem do desenvolvimento social provocou um impacto enormemente positivo no setor da educação nos anos 1990. A confiança emergen-te nas escolas, o fortalecimento de sua autonomia e a independên-cia profissional dos docentes têm duas conseqüências importantes (KUPARI; VÄLIJÄRVI, 2005; AHO; PITKÄNEN; SAHLBERG, 2006). Primeiro, os educadores perceberam que o sistema acredita que as escolas e as comunidades constituem o lugar no qual as decisões acerca do currículo e dos acordos educacionais globais devem ser feitos. Os professores – com as suas elevadas qualificações profissio-nais e morais –, em sua grande maioria, deram boas-vindas à essa nova responsabilidade. Segundo, as escolas abraçaram, muito rapi-damente, novos papéis na liderança das mudanças através da cultura da confiança. A melhoria das escolas não só explodiu na Finlândia, como conseqüência dessa nova confiança, como também tornou-se mais diversificada. Cada escola, pelo menos em princípio, poderia

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estabelecer a sua própria estratégia de atuação, definindo a missão, a visão, as metodologias e o período de implementação dos processos de mudança. Esta última dimensão da confiança desempenhou o papel mais significativo da impulsão do sistema educacional finlan-dês à frente dos sistemas de muitos outros países.

O profissionalismo do professor e a confiança da sociedade nas escolas e no corpo docente protegeram o sistema de ensino secundário finlandês de muitas políticas de responsibilização por resultados, comuns nos Es-tados Unidos, Inglaterra e Canadá, por exemplo. Ao contrário, o currí-culo nacional e as estratégias de avaliação foram estabelecidas segundo os princípios inteligentes de responsabilização (SECONDARY HEADS ASSOCIATION, 2003; CROOKS, 2003; FULLAN, 2005). A responsabi-lização inteligente, no contexto do ensino secundário finlandês, pre-serva e privilegia a confiança entre professores, estudantes, líderes das escolas e autoridades da educação nos processos de responsabilização e, além de envolvê-los nas ações, oferece-lhes um forte senso de res-ponsabilidade e iniciativa profissional. A avaliação de desempenho da educação vocacional, por exemplo, é baseada em julgamento coletivo e no retorno das informações fornecidas pelos professores, emprega-dores e empregados, em conjunto com os estudantes. As formulações da responsabilidade inteligente finlandesa também requerem avalia-ções que conduzam a respostas de mérito, com profundidade, e não à estatísticas audaciosas e relatórios técnicos. Em muitos casos, as es-colas e os professores têm acesso às suas avaliações de desempenho, para que possam identificar as áreas a serem melhoradas. Finalmente, a responsabilidade inteligente finlandesa, utilizando a formulação de Croques (2003), reconhece e tenta compensar as limitações severas de nossa capacidade de capturar a qualidade educacional em indicadores de desempenho. Esses indicadores são freqüentemente adotados “para a tranqüilidade da medição e do controle, e não necessariamente por es-timarem a qualidade do desempenho de forma precisa” (O’NEILL, 2002, p. 54). A avaliação baseada na amostra nacional da escola secundária inferior, em conjunto com a avaliação contínua em sala de aula, realiza-da pelos professores, fornecem informações imediatas e bem fundadas,

13�que promovem o discernimento sobre o desempenho e dão suporte ao planejamento e à tomada de decisão sobre o quê deve ser melhorado. De fato, o Exame Nacional de Ensino Secundário, realizado ao final da educação secundária superior geral, é a única avaliação externa que traz conseqüências importantes.

A nova legislação da educação (aprovada em 1998) estipula que os municí-pios são obrigados a realizar auto-avaliações em suas próprias jurisdições. Nos últimos anos, algumas das áreas do sistema de avaliação da educação que apresentam necessidades de melhoria correspondem à auto-avalia-ção, à avaliação dos pares e aos testes de desempenho do sistema. Além disso, a estrutura do currículo nacional determina que o currículo de cada escola descreva os critérios de avaliação do desempenho escolar. A avalia-ção externa do desempenho dos estudantes, do desempenho da escola e dos indicadores de produtividade, em conjunto com várias formas de auto-avaliação, correspondem ao que Fullan (2005) denomina de abor-dagem integrada da responsabilidade inteligente, na qual as avaliações da aprendizagem e para a aprendizagem são combinadas.

4.7 A Finlândia é um caso especial?O leitor pode argumentar que a Finlândia é um país especial em mui-tos aspectos e que, por isso, os dados descritos neste artigo não são relevantes para nenhum outro sistema de educação. Na realidade, a Finlândia é um país relativamente pequeno, com uma população cultural e socialmente homogênea. Ela forma professores altamente qualificados, que gozam de prestígio e de uma liberdade profissional substancial. Entre os graduados na educação secundária superior ge-ral, por exemplo, a profissão de docente está no topo da lista das es-colha de carreira mais admiradas: segundo uma pesquisa de opinião realizada em 2004, mais de 26% dos graduados nas escolas de ensino secundário superior geral classificaram a profissão de docente como a mais desejável (LIITEN, 2004). Apesar dessas características, há várias lições que podem ser úteis para o desenvolvimento da qualidade da educação secundária em qualquer outro sistema educacional.

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Para se saber como a Finlândia respondeu ao desafio duplo da educa-ção secundária, é necessário responder à duas perguntas: (1) a educa-ção secundária finlandesa tem melhor qualidade que o ensino secun-dário em outros países? e (2) há mais jovens ingressando e concluindo o ensino secundário na Finlândia que em outros países? Posto que não há medição confiável e comumente aplicada sobre a qualidade do ensino secundário em especial, precisaremos analisar alguns aspec-tos do desempenho do sistema educacional que determinam o bom desempenho e a qualidade global. Incluímos, neste artigo, os índices de transição do ensino básico para a educação secundária, os índices de conclusão de vários tipos de ensino secundário superior e os índi-ces de desempenho dos estudantes da educação secundária inferior – ou seja, aos 15 anos de idade – em leitura e alfabetização matemá-tica e científica. Na Finlândia, aproximadamente 95% dos graduados no ensino básico, compreendidos na faixa etária típica de graduação, ingressam imediatamente na educação secundária superior ou na 10ª

série adicional da educação básica. Deve-se observar que mais de 99% dos estudantes concluem a escola básica. Os índices de conclusão da educação secundária superior são elevados: 90% para a educação vo-cacional e 98% para o ensino secundário geral. Isso significa que cerca de 90% desse grupo etário conclui algum tipo de ensino secundário. Finalmente, dois ciclos de estudos do Pisa sugerem que o desempe-nho dos estudantes finlandeses com 15 anos de idade em leitura, Ma-temática e Ciências alcançam classificações muito elevadas nas com-parações internacionais. Se for aceito que esses aspectos indicam a qualidade do ensino secundário na Finlândia, então as respostas para as perguntas acima são objetivas: “sim”.

A abordagem finlandesa para o desenvolvimento da educação se-cundária demonstra que é possível alcançar o bom desempenho no acesso, na conclusão e na qualidade do ensino, a custos razoáveis, através da adoção de políticas fundamentadas na eqüidade, na inter-venção preventiva e no auxílio ao estudante para que ele seja capaz de planejar seu futuro e assumir a liderança de sua própria aprendi-zagem. A Finlândia construiu, sistematicamente, a confiança em seu

141sistema de educação, promovendo o profissionalismo do professor, a autonomia da escola e a boa liderança – aspectos-chave da mudança e da melhora da qualidade do sistema educacional. Além disso, se-gundo a experiência finlandesa, melhorar a qualidade da educação secundária requer o desenvolvimento de políticas sustentáveis, que reconheçam a importância da criação de bons conhecimentos, habi-lidades e atitudes de aprendizagem permanente o mais cedo possí-vel na escola primária, para todos os alunos. O modelo de educação secundária finlandês também demonstra que a boa preparação dos jovens para a transição do ensino básico para a escola secundária superior pode elevar os índices de escolhas de carreira bem-sucedi-das e, conseqüentemente, reduzir o insucesso dos alunos na escola secundária superior. Finalmente, as estratégias de desenvolvimento da educação devem beneficiar-se das boas práticas já existentes, das inovações no desenvolvimento de “competências laterais” e, desse modo, sistematicamente fortalecer e enriquecer os ambientes de aprendizagem nas escolas de ensino secundário superior.

Apesar da boa qualidade geral da educação secundária, a estrutura paralela que divide, social e pedagogicamente, o ensino secundário superior permanece na Finlândia. Além disso, há alguns problemas recorrentes que demandam atenção. Primeiro, embora os emprega-dores e os líderes empresariais participem do desenvolvimento do currículo e da melhoria da qualidade do ensino secundário voca-cional, algumas ocupações específicas têm formação inadequada. Como o número de programas de qualificação profissional foi redu-zido e os currículos tornaram-se mais genéricos, os empregadores ainda recebem jovens trabalhadores, recentemente formados, com conhecimentos e habilidades pouco especializadas. Em segundo lugar, apesar dos esforços para aumentar a atratividade do ensino vocacional para a juventude, a grande diferença de status entre a educação secundária superior geral e vocacional ainda permanece. Isso torna-se uma questão de eqüidade, pois muitos estudantes ain-da parecem fazer as suas escolhas educacionais baseados no status das opções disponíveis. O que significa que é o desempenho edu-

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cacional que determina a escolha da educação secundária superior, e não o interesse intrínseco do jovem. Além disso, apenas cerca de 17% dos estudantes que concluem o ensino secundário vocacional continuam a sua instrução no nível terciário ou superior. Em ter-ceiro, o aumento do número de estudantes que requerem serviços de educação para necessidades especiais vem gerando preocupa-ções. Quase todo aluno do quarta série da escola de ensino básico participa desses serviços em algum momento. Isso pode ser parte da estratégia de fortalecimento da intervenção preventiva, mas, muito provavelmente, indica problemas sociais e comportamentais crescentes na sociedade finlandesa, que se refletem nas escolas. As políticas educacionais vêm insistindo na urgência de estender ser-viços apropriados de educação para necessidades especiais a todos os níveis de ensino. Contudo, enquanto as autoridades de educação locais tiverem de lutar contra o encolhimento dos orçamentos pú-blicos, a educação para necessidades especiais será, muitas vezes, a área que mais sofrerá. Finalmente, a educação secundária vem se tornando um desafio particular para os jovens do sexo masculino. Aproximadamente um em cada cinco rapazes finlandeses não tem diploma do ensino secundário superior. A redução da diferença do número de graduados entre gêneros na educação secundária consti-tui a próxima tarefa para que os formuladores das políticas de edu-cação finlandesas consigam elevar ainda mais os indicadores para o ensino secundário no futuro.

5. ConclusõesA mensagem principal deste artigo é que a educação secundária tornou-se o foco das políticas e reformas da educação não apenas nos países da OCDE. Para assegurar o emprego e uma melhor qualidade de vida, cerca de 90% dos jovens ingressam sem atraso etário no ensino secundário superior. A metade desses estudantes escolhe programas com orienta-ção vocacional ou técnica. Contudo, a maior parte dos alunos graduados nas escolas de ensino secundário superior são qualificados e têm acesso à educação terciária ou superior. Existem, no entanto, diferenças signi-

143ficativas na estrutura, conteúdo e organização da educação secundária superior nos países da OCDE. Na maior parte deles, o ensino secundário superior ainda é determinado pela tradição histórica, e não pelas deman-das das modernas sociedades do conhecimento.

Há quatro conclusões que podem ser formuladas a partir deste artigo:

1) A educação secundária superior geral e a vocacional vêm se aproximando uma da outra. Na maior parte dos países da OCDE, ambos os tipos de escolas secundárias superiores oferecem aos estu-dantes oportunidades de ingresso na educação terciária. De modo geral, os programas de educação vocacional tornaram-se mais ge-neralistas e os programas de educação geral passaram a conter mais elementos vocacionais e técnicos. Muitos países vêm procurando estabelecer um equilíbrio sustentável entre as percentagens de es-tudantes que se matriculam em programas secundários superiores gerais e vocacionais. Contudo, é impossível determinar o equilíbrio ideal, pois o conteúdo e as estruturas das linhas de educação secun-dária superior não são unificadas. A mobilidade estudantil, isto é, a transição horizontal entre esses dois tipos de ensino, permanece como um desafio político para muitos países.

2) As formas tradicionais de instrução estão abrindo espaço para os métodos de aprendizagem alternativos. A qualificação profis-sional obtida apenas através da educação vem se tornando rara nos países da OCDE. Os programas vocacionais tradicionalmente basea-dos na formação escolar estão desaparecendo, e as aprendizagens téc-nicas são cada vez mais desenvolvidas nos postos de trabalho, sob a supervisão de profissionais experientes. Há, contudo, uma grande va-riação em relação ao equilíbrio entre a carga horária de aprendizagem baseada na formação escolar e baseada na formação no emprego nos países da OCDE. A mistura dos programas de educação vocacional e geral vem se tornando mais comum devido à oferta de maiores opor-tunidades de escolha para o planejamento dos estudos pelos próprios alunos. Com o aumento da flexibilidade, os estudantes têm mais li-

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berdade para estabelecer o plano de estudos que mais atende aos seus interesses. Alguns países da OCDE (Austrália, Canadá e Finlândia) têm desenvolvido experiências interessantes de ensino à distância (em sua grande maioria, cursos de formação profissional orientados para a tecnologia) para aqueles alunos que desejam alcançar a educa-ção secundária sem freqüentar a escola convencional.

3) A qualidade e a relevância da educação secundária superior permanecem como o principal desafio. Em resumo, em muitos países da OCDE, os currículos e os programas educacionais das es-colas de ensino secundário superior são relíquias do passado, e não instrumentos que dotariam os jovens de inspiração e oportunidades de aprendizagem interessantes para a vida e para o trabalho. Atual-mente, muitos países da OCDE vêm revisando tanto a estrutura ge-ral quanto os currículos das escolas de ensino secundário superior; porém, a maior parte das mudanças é demasiado cosmética. Por conseguinte, como um número maior de jovens ingressa na educa-ção secundária superior com expectativas elevadas, muitos abando-nam os estudos, transferem-se para outras instituições de ensino ou simplesmente não conseguem graduar-se no tempo convencional. As avaliações internacionais recentes do desempenho dos estudan-tes indicam que a qualidade do conhecimento e das habilidades que muitos jovens possuem ao ingressarem na educação secundária su-perior está aquém das expectativas e não parece ser adequada para garantir-lhes uma aprendizagem futura bem-sucedida. Desse modo, uma educação básica de melhor qualidade é a condição mínima ne-cessária para elevar a qualidade do ensino secundário superior.

4) Há muito a se aprender com outros países. Como mencionado anteriormente, os países da OCDE oferecem uma gama diversifica-da de alternativas para organizar a educação secundária superior. Não há nada, ou nenhum país, que a organize da “forma correta”. A composição do ensino secundário em qualquer país é – pelo menos até certo ponto – resultado de determinantes culturais, históricos e sociais e, desse modo, muitas vezes difícil de ser compreendida em

145contextos isolados. Este artigo oferece um exemplo de “estado nórdico de bem-estar social”, que se diferencia, em muitos aspectos, dos países latino-americanos e de outros países da OCDE. Assim sendo, as polí-ticas de educação nunca deveriam ser adaptadas ou tomadas por em-préstimo de um lugar para o outro, mas sim, apreendidas e melhoradas através do entendimento do que foi feito e por que foi feito em outros países. Contudo, a Finlândia pode ensinar uma lição a todos: atingir o bom desempenho do sistema de educação secundária requer – dentre outras coisas – tempo e visão sistêmica do papel da educação para a so-ciedade. O que, por sua vez, demanda liderança sustentável, estratégias intersetoriais e políticas de educação orientadas para a eqüidade, que abranjam todos os estudantes e não se limitem a alguns.

Há sinais claros de que, à medida que mais jovens buscam oportunida-des para alcançar os conhecimentos e habilidades relevantes para as suas vidas, a educação secundária torna-se uma parte importante dos siste-mas de educação ao redor do mundo. As experiências de muitos países da OCDE sugerem que repetir as soluções passadas não irá resolver os problemas atuais da educação secundária. Há também um entendimen-to entre muitos professores e estudantes que a transformação do ensino secundário superior em educação obrigatória possivelmente traria mais problemas do que soluções. Os formuladores das políticas, os militantes da educação, os estudantes e os pesquisadores precisam reunir-se para encontrar novas soluções, que ofereçam modos sustentáveis, inteligentes e econômicos de proporcionar oportunidades de aprendizagem produti-va para todos. Deixar alguns jovens para trás na educação, não oferecen-do a eles opções educacionais interessantes e significativas, não é apenas miopia política; é, principalmente, um erro social com conseqüências amargas para muitas gerações futuras. Mark Twain uma vez disse que “não é o quê você desconhece que te traz problemas. O quê você conhece bem é que assim o faz”. Com isto em mente, à medida que buscamos no-vas maneiras de educar nossos cidadãos – e não apenas os mais jovens –, encontramos longos caminhos em direção às melhores soluções.

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153

Problemas e desenvolvimento do

Sistema Alemão de Formação Profissional

e Técnica: o relacionamento

conflitante entre as diferentes opções do

ensino secundário pós-obrigatório

Thomas Deissinger*

Resumo: O presente artigo esclarece aspectos relevantes da “cultura de formação profissional” na Alemanha, a partir da análise de seus sistemas de formação profissional e técnica (VET). São abordadas ainda as diferen-tes lógicas e funções do sistema VET e os problemas decorrentes dos dese-quilíbrios entre aprendizagens deficitárias e a formação para o mercado.

1. O Sistema Educacional Alemão e as opções do ensino secundário

A Alemanha vem enfrentando recentemente alguns desafios com relação aos seus sistemas de formação profissional e técnica (VET). Na educação em geral, os estudos Pisa (por exemplo, OECD, 2000) estimularam sérios

* Thomas Deissinger é professor titular da cadeira de Educação para Negócios e Economia da Universi-dade de Constanza (Alemanha).

154

debates, não apenas sobre a qualidade do aprendizado e do ensino, mas também sobre a “seletividade” do chamado Sistema de Três Níveis (Three-tier System), composto pelas escolas de ensino secundário inferior, inter-mediário e superior. Por outro lado, o VET parecia ser capaz de defender-se das severas críticas ao sistema de aprendizagem denominado como Siste-ma Dual por parte de políticos e estudiosos de outros países, e até mesmo das manifestações de respeito e admiração. Tal admiração está presente especificamente no mundo anglo-saxão (por exemplo, PRAIS, 1981; RAG-GATT, 1988; KEATING; MEDRICH; VOLKOFF et al., 2002), onde as tenta-tivas de reviver ou reestruturar o sistema de aprendizagem como trajetória obrigatória para o emprego qualificado nem sempre foram bem sucedidas (RYAN, 2001; DEISSINGER, 2003; HARRIS; DEISSINGER, 2003). Pesquisas comparativas revelaram que os sistemas de ensino vocacional são determi-nados por uma “filosofia” específica ou “lógica intrínseca”, que lhes confere o caráter de “caixas-pretas” se comparados “a outras instituições sociais”, incluindo o mercado de trabalho, a economia, o sistema de relações in-dustriais, o sistema de governo e, naturalmente, seus desenvolvimentos históricos específicos (RAFFE, 1998, p. 391; DEISSINGER, 1994, 2004a). A partir dessa premissa, analisar o ensino vocacional sob uma perspectiva meramente institucional, que se utilize da função estatal como ponto cru-cial para a tertium comparationis (por exemplo, GREINERT, 1988), reduz o potencial de compreensão a respeito do que pode ser denominado como a “cultura de formação profissional” de um determinado país. Certamen-te, a Alemanha tem sua própria “cultura de aprendizagem” e, conseqüen-temente, baseia-se em um modelo de aprendizado específico na área de formação técnica, modelo este que, apesar de suas origens medievais e ter-minologia “antiquada”, parece permanecer como um ponto de referência para as políticas de ensino vocacional nacionais e internacionais. Isso é especialmente verdadeiro nos países de língua inglesa, tais como Reino Unido ou Austrália, onde a aprendizagem vem sendo revitalizada ou refor-mulada nos últimos anos devido à insatisfação não só com a formação das habilidades escolares básicas, mas também com a tradicional formação técnica no emprego (CANNING, 2001; RYAN, 2001; DEISSINGER, 2003, HARRIS; DEISSINGER, 2003, DEISSINGER, 2004b).

155O “caráter histórico” dos Sistemas VET implica na existência de uma formação cultural para o significado dado à aprendizagem, não apenas como uma solução institucional para o problema da formação de habi-lidades, mas também como uma interação, ou mesmo interdependên-cia, entre o sistema de aprendizagem e os sistemas de educação geral ou de ensino superior, respectivamente. Na Alemanha, observa-se que a compreensão de uma trajetória de formação profissional independente, “única” e válida, é um fator que diferencia o país da maioria das outras sociedades européias (à exceção da Áustria e da Suíça). Entretanto, esse posicionamento provoca, tradicionalmente, críticas às formas de estru-turação do ensino vocacional em relação às diretrizes da educação geral, estabelecida “de acordo com critérios e sistemas separados de avalia-ção”, incluindo-se “possibilidades limitadas para a transição entre eles” (YOUNG, 2003, p. 228). Por outro lado, pode-se argumentar que as traje-tórias acadêmicas e vocacionais (não acadêmicas), no caso alemão, estão enraizadas em subsistemas separados, porém interdependentes, e que sua interação mútua obviamente contribui para estabilizar uma “diretriz profissional” mais fortemente que em outros países. O sistema alemão de aprendizagem representa uma forte crença sobre a importância das qualificações profissionais e, apesar dos graves problemas presentes no mercado de formação profissional (DEISSINGER, 2004c; DEISSINGER; HELLWIG, 2004), não há sinais de que tenha atingido um estágio da de-gradação.

As práticas tradicionais e a participação de grupos sociais diferentes sempre representaram as forças do Sistema Dual (PHILLIPS, 1995, p. 61). Analisando seus princípios de funcionamento e a importância óbvia das instituições e dos padrões organizacionais definidos por lei, pode-se ain-da defini-lo como “o sistema regulador mais abrangente e detalhado para a aprendizagem técnica no mundo ocidental” (RAGGATT, 1988, p. 175). Acredita-se ainda que esse sistema de aprendizagem apresenta melhores resultados que o sistema escolar geral e o ensino superior. Não obstante, as visões críticas são primordiais no debate científico, enfatizando a “es-trutura institucional antiquada” ou “pré-industrial” desse sistema – o que pode ser igualmente entendido como sua força crucial –, seu caráter emi-

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nentemente “técnico” (excluindo as atividades ligadas ao setor de servi-ços, em um contexto amplo), e seu papel como estabilizador não apenas da divisão entre os aprendizados acadêmico e vocacional, mas também entre os Sistemas VET de período integral e de meio período (por exem-plo, GREINERT, 2006; BAETHGE, 2007; DEISSINGER, 2006a).

As bases para o Sistema VET, em suas diferentes formas, são a educação geral (BAUMERT et al., 1979), com duração de nove anos (idades de seis a 15 anos) – como instrução obrigatória –, e o ensino secundário avançado nas escolas de educação geral ou de ensino vocacional – como uma opção subseqüente (com idades de 11, 12 ou 13 anos), dependen-do do estado federativo). Os jovens completam a educação obrigatória quando se graduam no ensino secundário inferior (cinco a nove anos de estudo) ou nas escolas de ensino secundário intermediário (cinco a dez anos de estudo). Nos Sistemas VET, precisam permanecer na es-cola por, pelo menos, mais um ano, pois a Alemanha tem a tradição do tempo parcial obrigatório, que é normalmente complementado por uma aprendizagem ou curso de preparação vocacional compatível. Em-bora seja altamente seletivo, o Sistema de Três Níveis fornece ao Siste-ma Dual “graduados normais” – que não têm a aspiração, em um pri-meiro momento, de chegar à universidade –, significando igualmente que a Alemanha apresenta uma das mais baixas taxas de participação no ensino superior convencional (ERTL, 2000). Embora pertençam à educação secundária, os Sistemas VET em geral fazem parte do ensino pós-obrigatório, contudo, com a adoção do aprendizagem tornam-se novamente obrigatórios (Berufsschulpflicht, como definido nos atos federais da escola pública). A faixa etária normal dos estudantes VET varia entre 15 e 20 anos de idade, dependendo do curso e da formação escolar precedente.

A distribuição dos estudantes graduados, com relação aos três tipos bá-sicos de educação secundária (geral), em toda a Alemanha, em 2005, é mostrada na tabela a seguir.

157

Tabela 1 – Diferenciação – Estudantes graduados na educação geral

Número e porcentagem de estudantes 2005Nenhuma qualificação 78.152 8,2%Ensino secundário inferior 237.712 24,8%Ensino secundário intermediário 398.749 41,6%Educação geral (Abitur) 231.465 24,1%Qualificação politécnica básica 12.407 1,3%

Fonte: Statistical Office of Germany.

É evidente que os jovens optam por suas futuras carreiras educacionais e vocacionais ao ingressarem em uma das três principais correntes do ensino secundário. É igualmente realidade na Alemanha que crianças socioeconomicamente desfavorecidas encontram maiores dificuldades nesse processo se comparadas, por exemplo, às crianças na trajetória da educação superior, as quais se tornam dependentes de qualificação para ingresso na universidade (Abitur) ou de qualificação politécnica básica (Fachhochschulreife). Enquanto a qualificação politécnica básica é obti-da, na maioria das vezes, na educação vocacional, o Abitur representa, como no passado, o estágio mais elevado de formação na educação geral, visto que atualmente também as classes média e trabalhadora matricu-lam seus filhos nas escolas de ensino secundário superior (Gymnasium). O ensino secundário superior é iniciado no quarto ou sexto ano do ensi-no primário (dependendo do estado federativo) e possui, normalmente, a duração de seis anos (quatro, mais dois ou três anos – estágios inferior e superior do nível II do ensino secundário), com estudantes na faixa etária entre dez e 18/19 anos. Os exames Abitur consistem em avaliações escritas e orais. As disciplinas abordadas por essas avaliações variam de acordo com a especialização escolhida pelo estudante durante os últimos dois ou três anos do Gymnasium (Oberstufe). Contudo, a escolha dos estudantes pode ser limitada mais à frente, dependendo da lei específica para a educação superior vigente nos diferentes estados federativos, que

158

possuem uma independência considerável no projeto de seus sistemas educacionais, recorrendo, desse modo, a um importante princípio cons-titucional da República Federal da Alemanha (Kulturhoheit). Atualmen-te, a maioria dos estados federativos centraliza os exames para todas as escolas envolvidas.

Os estudantes podem escolher as disciplinas a serem abordadas pelos exames Abitur após o 11o ano de curso. Eles devem escolher três discipli-nas obrigatórias (Kernkompetenzfächer), uma disciplina optativa (Pro-filfach) e uma disciplina eletiva (Neigungsfach), que compreendam uma carga horária de quatro horas semanais por disciplina. Além dessas, os estudantes devem escolher outras disciplinas com cargas isoladas de duas horas semanais. Em geral, a carga horária do sistema educacional alemão varia entre 30 e 34 horas semanais. A pontuação obtida nestes exames é somada à pontuação geral dos últimos dois ou três anos de cur-so. A aprovação nos exames Abitur é importante não só para a admis-são na universidade alemã, mas também para a admissão qualificada em algumas áreas de estudo, em especial medicina e psicologia, nas quais há um padrão de pontuação mínimo a ser alcançado (Numerus Clau-sus). A nota final do exame Abitur deve situar-se entre 280 e 840 pontos, contudo ambos os extremos são raramente alcançados. Estudantes com pontuação inferior a 280 não são aprovados e não recebem o diploma de graduação. Se o estudante alcançar os créditos mínimos necessários para a sua classificação, poderá optar por não cursar todas as disciplinas oferecidas. Atualmente, 768 pontos são equivalentes a 1,0 (a pontuação tradicional para o melhor resultado Abitur).

No estado federativo de Baden-Württemberg, as seguintes disciplinas to-talizam o currículo do Gymnasium na educação geral:

15�

Tabela 2 – Disciplinas obrigatórias e optativas

Áreas de conhecimento Disciplinas obrigatórias Disciplinas optativas

Línguas, Literatura e Artes

Alemão, Inglês, Francês, Latim, Grego, Russo, Espa-nhol, Italiano, Português

Música, Artes

Línguas estrangeiras iniciadas antes do 11o ano:

Francês, Latim, Grego, Russo, Hebreu, Italiano, Espanhol, Português, Chinês, Japonês,

Turco

Literatura

Ciências Sociais

História, Geografia, Estudos Sociais, Religião/Ética

Estudos sobre Negócios/Economia

Filosofia, Psicologia

Matemática e Ciências Matemática, Física, Química, Biologia

Astronomia, Geometria, Ciência da Computação,

Geologia, Tecnologia Outros Esportes

Os dois quadros que se seguem mostram as estruturas básicas da edu-cação geral, vocacional e superior no contexto alemão, bem como os elevados números que envolvem o ensino secundário VET, tornando-o amplamente diferenciado.

Tabela 3 – Diversificação dentro da educação geral

% de alunos 2000/2001 5ª série (11 anos de idade)

2004/2005 9ª série (15 anos de idade)

Classe de orientação 16,3 xSecundário inferior 21,3 25,6

Secundário intermediário 18,1 26,6Educação geral 29,1 30,3Compreensivo 14,5 16,8

Fonte: Bildungsbericht 2006.

160

Tabela 4 – Diferenciação no sistema de educação (Nº alunos/estudantes)

2004Total de participantes 17.010.828

População total 81.500.849Ensino elementar 2.493.200

Ensinos primário e secundário 9.624.854Ensino vocacional e técnico 2.900.857

Ensino superior 1.991.917

Fonte: Bildungsbericht (2006).

2. A cultura de formação profissional na Alemanha

Tradicionalmente, a Alemanha é um dos países em que uma elevada per-centagem da população economicamente ativa possui competências de nível escolar intermediário (MARSDEN; RYAN, 1995; STEEDMAN, 1998, p. 81). A razão para tal fato é que a formação profissional é predominan-temente realizada no Sistema Dual (ZABECK, 1985; GREINERT, 1994), o qual representa a principal trajetória não acadêmica para os alemães gra-duados no ensino secundário, por permitir-lhes acesso formal ao merca-do de trabalho como trabalhadores qualificados, artesãos ou auxiliares de escritório (BYNNER; ROBERTS, 1991). Esse sistema atrai entre 50% e 60% dos jovens entre 16 e 19 anos de idade e contribui para limitar o número de trabalhadores não qualificados a uma proporção constantemente baixa no mercado de trabalho (BÜCHTEMANN; SCHUPP; SOLOFF, 1993, p. 510 et seq.; GREINERT, 1994, p. 116). Contrariamente ao Reino Unido ou à França, onde a aprendizagem alternada com o trabalho constitui um pequeno setor do sistema de formação profissional (GOSPEL, 1995), o Sis-tema Dual está presente em quase todos os ramos da economia alemã, incluindo as ocupações ligadas ao funcionalismo público.

161O sistema de aprendizagem alemão atende de maneira eficaz às necessidades dos estudantes graduados no ensino secundário que buscam obter a formação profis-sional básica para uma série de ofícios ou “ocupações técnicas reconhecidas” (DEIS-SINGER, 2001a). Desse modo, seu aspecto mais importante encontra-se no dua-lismo entre os “locais de aprendizagem” e as responsabilidades legais, embora seus princípios de atuação façam referência a, pelo menos, mais três características:

O Sistema Dual é uma trajetória reconhecida e socialmente aceita para o emprego, uma vez que segue um padrão tradicional profun-damente consagrado no antigo modelo de aprendizagem (DEISSIN-GER, 1994, 2004a). Isso significa que o ensino vocacional é predo-minantemente dirigido e prático. Significa também que o sistema funciona a partir de requisitos de habilidade definidos “em torno dos postos de trabalho” (DEISSINGER, 1998).

O Sistema Dual é determinado pela participação do Estado no que tange à natureza e à qualidade das normas profissionais, bem como no que se refere às condições jurídicas subjacentes à aprendizagem técnica (RAGGATT, 1988; DEISSINGER, 1996). A “cultura de for-mação profissional” alemã norteia-se pelo princípio de que a apren-dizagem deve basear-se em uma compreensão pedagógica subjacen-te, que a separa do “trabalho convencional”.

No Sistema Dual, outros grupos sociais, além do Estado, assumem responsabilidades na regulamentação formal das aprendizagens. Isso significa não só que instituições públicas, privadas e semipri-vadas trabalham em conjunto, utilizando-se de formas de coopera-ção longamente estabelecidas dentro do sistema, mas que entidades patronais e sindicatos também assumem as responsabilidades rela-cionadas à regulamentação, revisão ou modernização da formação profissional (DEISSINGER, 2001a).

O aspecto “vocacional” ou “ocupacional” específico da formação profis-sional remonta à reparação jurídica do sistema mestre-aprendiz e ao de-senvolvimento do “caráter vocacional” das novas escolas de ensino técni-co em torno de 1900 (DEISSINGER, 1994, GREINERT, 1994, p. 22 et seq.).

162

A reinvenção histórica do “princípio da auto-administração” torna-se o ponto de partida para seus processos de consolidação e universalização e, no início do século XX, incorporam-se as formações industrial e comer-cial, criando-se assim um princípio institucional geral para a divisão do trabalho e para a atribuição de competências (HARNEY, 1987, p. 180).

Neste contexto, o significado e a compreensão alemãs do princípio vocacio-nal desenvolvido pelo Sistema Dual referem-se à uma qualidade didática específica e aos arranjos institucionais que definem os “requisitos de aces-so” ao trabalho qualificado (KUTSCHA, 1992, p. 537) através de um sistema de ocupações que une as esferas da formação profissional e do trabalho (DEISSINGER, 1998):

O conceito de “ocupação” se refere a “combinações relativamente com-plexas de realizações especiais” com qualificações formais correspon-dentes, típicas de um determinado ofício ou setor. Cada ocupação deve ser integralmente estruturada e relativamente independente do emprego. Tanto o setor quanto o valor individual da qualificação ob-tida ao final do processo de formação são devidos a “qualidades es-peciais”, relacionadas a outras ocupações e às qualificações do ensino superior (BECK; BRATER; DAHEIM, 1980, p. 20 et seq.);

Quando falamos de “ocupações técnicas”, entendemos que esses pa-drões de qualificação correspondem simultaneamente ao ponto de partida e ao objetivo do processo de formação, sendo baseados no que pode ser chamado de “imagem organizacional” (BRATER, 1981, p. 32), que, por sua vez, é padronizada por leis estaduais significa-tivamente desvinculadas da especificidade dos postos de trabalho. A quantidade e qualidade dos conhecimentos e informações resul-tantes do processo de formação técnica são supervisionados e vali-dados através de exames intermediários e finais, bem como através de certificados reconhecidos pelo mercado de trabalho. Portanto, a aprendizagem está intimamente associada à noção de cursos de formação profissional homogêneos, baseados em regulamentações normalizadas do ensino vocacional (DEISSINGER, 2001a).

163Os conteúdos curriculares obrigatórios das regulamentações do ensino vocacional são especificados pela Lei de Formação Profissional (VTA), de 1969/2005 (apud DEISSINGER, 1996). A VTA é o estágio final de um debate público sobre o grau em que o Sistema Dual, como um todo, de-veria ser submetido à influência do Estado no pós-guerra. Como com-promisso, a Lei não instalou um novo sistema de ensino vocacional que incluísse a escola de ensino técnico, mas, principalmente, “consolidou a prática anterior a ela” (RAGGATT, 1988, p. 175). A Lei de Formação Pro-fissional é, essencialmente, uma lei trabalhista específica, posto que seu objeto central é o contrato multilateral entre o aprendiz e a empresa de formação. A Lei foi revisada em 2005 (GERMANY, 2005).

De acordo com o Artigo 5 da VTA, o Sistema Dual deve conter (1) o título da formação técnica, (2) a duração do período de formação, (3) as qua-lificações que deverão ser oferecidas pela empresa durante o período de formação, (4) a especificação do programa “a ser seguido e que possibili-tará o alcance das habilidades e conhecimentos relevantes” e, finalmente, (5) os padrões de avaliação. O “princípio da exclusividade” (Artigo 4, VTA apud DEISSINGER, 1996) estabelece que as regulamentações do ensino vocacional representam a única alternativa para conduzir os jovens ao emprego qualificado. Na verdade, esse é o princípio que define, particu-larmente, o “caráter de processo” do sistema alemão de aprendizagem e sua forte ênfase aos aspectos de “informação” ou “conteúdo” (HELLWIG, 2006a, 2006b). A maioria dos programas vocacionais (atualmente 350) é chamada de “mono-profissionalizante”, pois não permite nenhum tipo de especialização, sem mencionar a diferenciação no período ou conteú-do de formação. Admite-se que uma ampla base para as qualificações profissionais elementares deve envolver um máximo de flexibilidade e mobilidade entre os diferentes postos de trabalho e empresas. Esse con-ceito também se torna evidente nos programas lançados nos setores me-talúrgico e elétrico no final de 1980: caso a especialização seja comum à uma gama de ocupações inter-relacionadas, ela normalmente só se torna possível após um período inicial de um ano de formação técnica (STRAT-MANN; SCHLÖSSER, 1990, p. 266-269). No entanto, a política atual de modernização vai além e tenta integrar dinamicamente as evoluções do

164

mundo do trabalho – em particular, as competências da TI – ao sistema atual de ensino vocacional (MÜLLER; HÄUSSLER; SONNEK, 1997). Em 2006, assistiu-se ao surgimento de quatro novas ocupações técnicas e 18 das existentes sofreram revisões de procedimentos.

Como mencionado anteriormente, uma das características mais impor-tantes do sistema alemão de aprendizagem é, certamente, seu caráter dual. Em outros países europeus, como o Reino Unido, a formação no emprego é complementada pelo treinamento, em caráter opcional e rea-lizado fora dos locais de trabalho – mesmo nos Programas Modernos de Aprendizagem (RYAN, 2001) –; na Alemanha, ela é obrigatória. Embora haja um debate em curso no Reino Unido sobre o “caráter de processo” do ensino vocacional – incluindo a possibilidade de “participação ex-pansiva” das empresas relacionadas à formação (SENKER et al., 2000; FULLER; UNWIN, 2003) –, na Alemanha, as Leis Estaduais de Educação oferecem um elemento jurídico essencial para o Sistema Dual ao exigir que os estudantes graduados permaneçam no âmbito do sistema educa-cional. Em consonância com as regulamentações da Lei Federal, os Mi-nistérios Estaduais de Educação desenvolvem os conteúdos curriculares das disciplinas da educação geral e dos programas vocacionais oferecidos pelas escolas de ensino técnico de meio período para cada ocupação téc-nica (GREINERT, 1994).

Além de seus princípios didáticos e aspectos legais e institucionais, o sis-tema alemão depende de um mercado de formação profissional dinâ-mico. Esse sistema “tem caráter de fornecedor de mercado” (GREINERT, 1994, p. 80). Uma vez assinado o contrato de ensino vocacional, a princi-pal responsabilidade financeira das empresas no processo inclui, além de seus subsídios, todos os custos diretos e indiretos da equipe de formação, equipamentos, administração do programa e contribuições à Previdên-cia Social. O fato do “sistema ser financiado principalmente pelos em-pregadores” (NATIONAL CENTRE FOR VOCATIONAL EDUCATION RESEARCH, 2001, p. 38) reflete o princípio de autogestão reafirmado por lei no fim do século XIX. Portanto, as empresas proporcionam oportuni-dades de formação profissional de forma voluntária. A formação técnica

165no setor de ofícios tem uma tradição particularmente forte (DEISSIN-GER, 2001b): em 2005, aproximadamente 477 mil (de um total de 1,6 mi-lhões) de jovens participaram de alguma aprendizagem no Sistema Dual. No que diz respeito às contribuições financeiras, as empresas deduzem os custos dos programas vocacionais de seus impostos: em 2000, foram investidos aproximadamente € 28 bilhões no Sistema Dual. As despesas médias de formação técnica por aprendiz estão atualmente avaliadas em € 16.435 por ano (BEICHT; WALDEN, 2002).

Nesse contexto, o sistema alemão de aprendizagem não deve ser analisa-do como um sistema de emprego, mas sim, de ensino vocacional. Os salá-rios dos aprendizes refletem essa ênfase: os salários normalmente pagos aos aprendizes alemães são muito inferiores às remunerações de adultos e aprendizes na Austrália ou no Reino Unido (PAYNE, 1999, p. 480; NA-TIONAL CENTRE FOR VOCATIONAL EDUCATION RESEARCH, 2001, p. 39). Como resultado, altas expectativas são depositadas no Sistema Dual e atritos no mercado de formação profissional dificilmente poderão ser resolvidos sem a intervenção do Estado (DEISSINGER, 2004c; DEIS-SINGER; SMITH; PICKERSGILL, 2006). Dentre essas intervenções, são primordiais a promoção de opções de formação profissional no exterior e de incentivos aos empregadores (BERGER; WALDEN, 2002).

Não há dúvidas de que o mercado de formação profissional corresponde a uma das variáveis externas que conduzem a sérios questionamentos sobre o sistema alemão de aprendizagem e seu futuro. A figura a seguir mostra este problema de forma clara (demanda, indicando o número de estudantes graduados que buscam por alguma aprendizagem e oferta, indicando o número de postos de trabalho oferecidos voluntariamente pelas empresas).

166

Fonte: Bbb.

Figura 1 – Evolução de demanda e oferta de formação profissional

3. Diferentes lógicas e funções do sistema VET

3.1 A diversidade funcional do Sistema VET de tempo integral

Cerca de 60% dos estudantes matriculados no Sistema VET alemão freqüentam cursos de meio período no Berufsschule (Sistema Dual), enquanto os 40% restantes estão matriculados no sistema de perío-do integral, que inclui não só a preparação vocacional, mas tam-bém programas que conduzem à qualificação profissional. Sempre que se discute os Sistemas VET na Alemanha, há um entendimento que a formação técnica baseada na empresa e a baseada no sistema escolar representam diferentes lógicas pedagógicas, fundamenta-das em dissonantes paradigmas de aprendizagem. O Sistema VET

167está fortemente associado a uma forma relativamente inequívoca de ethos pedagógico e, portanto, não deve ser meramente relacionado à socialização ou aos princípios de formação profissional utilitaristas de uma determinada empresa, que certamente não existiria fora do ambiente econômico, no qual normalmente prevalece um forte viés de fins não-educativos. Tal diferença de princípios é reforçada no Sistema Dual alemão pelo fato de que as escolas de ensino técnico de tempo parcial utilizam conteúdos que atendem simultaneamente ao currículo central da formação profissional e da educação geral, em disciplinas como língua alemã ou política, por exemplo. Enquanto o ensino vocacional representa o conceito de educação pós-obrigató-ria, para o graduado normal do Sistema VET em geral, os progra-mas de tempo parcial estão cada vez mais associados à possibilida-de de qualificação para o ingresso no ensino superior. Contudo, o sistema alemão estabelece fronteiras bem definidas entre o sistema de aprendizagem e as escolas de ensino técnico de tempo integral – apesar dos diferentes tipos de escolas serem normalmente consti-tuídos por grupos de instituições de setores de atividade específicos, muitas vezes chamados de Centros de Formação Profissional (Beru-fsbildungszentren).

Devido à sua função educacional, o Sistema Dual se sobressai clara-mente em número de estudantes matriculados e graduados quan-do comparado às escolas de ensino técnico de período integral. Em 2004, dentre aproximadamente 2,7 milhões de estudantes matricu-lados no Sistema VET não-acadêmico, cerca de 1,8 milhões – 66% do total – obtiveram alguma aprendizagem no Sistema Dual. Um total de 541.830 jovens freqüentaram as escolas comuns de ensino técnico de tempo integral (Berufsfachschule) – com a opção de for-mação profissional básica em determinadas áreas de atuação profis-sional, como a enfermagem ou a fisioterapia (embora dependendo do tipo de escola e do estado federativo, respectivamente). Muito curiosamente, no entanto, o número de alunos que cursaram três dos principais subtipos do Sistema VET de período integral (ano básico de formação profissional; cursos de preparação vocacional;

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escolas comuns de ensino técnico de período integral) aumentou de 400.117 para 670.468, entre 1995 e 2004, representando um cresci-mento de 68% (GERMANY, 2006, p. 178, 180). Pode-se argumentar que há uma interação empírica entre esse crescimento e a situação atual do mercado de formação profissional (WALDEN, 2006). As empresas sentem-se inseguras quanto à futura demanda por traba-lhadores qualificados e queixam-se da falta de maturidade técnica dos estudantes graduados que buscam trajetórias alternativas, fe-nômeno que é agravado pelos desequilíbrios regionais de mercado, além da difícil situação enfrentada pela Alemanha Oriental. Tanto o número de estudantes que ingressam no ensino superior quanto o afluxo nas escolas de ensino técnico de tempo parcial cresceram nos últimos anos, apresentando tendências de crescimento também para os próximos (GERMANY, 2006, p. 86, 93, 182).

Além da “função de intermediação” ou “função de absorção” atribuí-da pelas restrições do mercado de formação profissional às escolas de ensino técnico (REINBERG; HUMMEL, 2001, p. 28; WALDEN, 2006), o relacionamento entre o Sistema Dual e os diferentes subtipos do Sis-tema VET regulamentados no âmbito dos estados federativos parece ser demasiado ambivalente. Isso significa que as escolas de ensino téc-nico apresentam, basicamente, três funções, que podem até mesmo ser interligadas, dependendo do curso e da instituição que o oferece (FELLER, 2000; KELL, 1996; DEISSINGER; RUF, 2006):

Preparação vocacional (um a dois anos, em sua maioria), o que significa oferecer aos jovens a possibilidade de aumentar as suas participações no mercado de formação profissional atra-vés de uma aprendizagem.

Educação continuada (dois a três anos, em sua maioria), o que significa proporcionar aos jovens um nível mais alto de forma-ção escolar (inclusive a qualificação para o ensino superior ou Abitur).

Formação profissional (dois a três anos, em sua maioria), o que significa proporcionar aos jovens uma qualificação profissional relevante para o mercado de trabalho, fora do Sistema Dual.

16�Acima de tudo, no que tange à função de formação profissional, os subsiste-mas de ensino VET tornaram-se consideravelmente complexos, posto que as escolas de ensino técnico de período integral podem oferecer cursos que pro-porcionam aos estudantes qualificações técnicas previstas, ou não, no âmbi-to de aplicação da Lei de Formação Profissional. Além disso, algumas escolas oferecem formações técnicas básicas fundamentadas em regulamentações fe-derais específicas, como na área de atuação das ocupações ligadas à saúde, por exemplo. As escolas comuns de ensino técnico de tempo integral, em especial, acolhem uma gama de diferentes estudantes e aspirações. Entre seus princi-pais subtipos encontram-se tanto as escolas que oferecem uma qualificação profissional plena, quanto as instituições que se concentram, parcialmente, em ocupações técnicas relevantes ao mercado de trabalho, conduzindo à for-mação escolar (diploma de graduação no ensino secundário intermediário) ou apenas à preparação vocacional (FELLER, 2000). Em um contexto em que o Sistema Dual é claramente dominante, um dos maiores problemas torna-se, certamente, a falta de aceitação da maior parte das qualificações profissionais obtidas em cursos de tempo integral baseados no sistema escolar por parte do mercado de trabalho (EULER, 2000; DEISSINGER; RUF, 2006).

Nesse contexto, o quadro geral no qual se situam os problemas enfren-tados pelo sistema de ensino vocacional de tempo integral, e que gera o arcabouço para as investigações nesse campo até então negligenciado, consiste em três vertentes principais:

Sabendo-se que a Constituição alemã delega a responsabilida-de pela educação aos estados federativos, há duas formas de separação de competências: na primeira, a aprendizagem está subordinada às regulamentações federais e as escolas de ensi-no técnico de tempo parcial aos sistemas escolares dos estados federativos; na segunda, há diferentes pontos de vista entre os dezesseis estados federativos sobre as formas de organização do sistema escolar de ensino vocacional, afetando, sobretudo, os cursos de período integral (KELL; SEUBERT, 1990).

Ao contrário do Sistema Dual, o Sistema VET de período inte-gral inclui diferentes tipos de qualificação profissional – como a qualificação para ocupações técnicas, por exemplo –, enquan-

170

to outros cursos oferecem qualificações que, como nas “ocupa-ções ligadas à atividade escolar” (Schulberufe), encontram-se fora do âmbito de aplicação da Lei de Formação Profissional.

Devido à essa heterogeneidade, não é possível estabelecer ní-veis de correspondência sobre a importância do mercado de trabalho quando comparados o sistema escolar de ensino voca-cional e o sistema de aprendizagem que dispensa qualificações relevantes ao mercado. Os trabalhos de investigação que vem sendo realizados nesta área desvendam informações deficitá-rias em relação à motivação e os objetivos dos estudantes, o destino dos graduados e, especialmente, o valor social e econô-mico das “qualificações escolares” (FELLER, 2002).

Tradicionalmente, além de um entendimento diferente da função e do valor da educação vocacional nas escolas, sempre houve divergências políticas entre os vários estados federativos (KELL; SEUBERT, 1990), que – quando se trata de políticas educacionais – podem ser subdividi-dos em “estados A” (governados pelo Partido Social Democrata) e “es-tados B” (governados pelo Partido Conservador). Considera-se que os “estados B” priorizam a importância e o valor do Sistema Dual e da res-ponsabilidade da empresa no ensino vocacional. Conseqüentemente, vêem as escolas de ensino técnico de período integral e os cursos de pre-paração vocacional, principalmente, como instituições preparatórias ou reparatórias. Os “estados A”, por sua vez, acreditam que as escola ba-seadas no Sistema VET constituem uma alternativa em pé de igualdade à educação geral e ao sistema de aprendizagem devido à sua qualidade pedagógica. Portanto, a implementação de cursos de período integral, que ofereçam qualificação profissional e conceitos integradores que vinculem a educação geral à educação vocacional fora do Sistema Dual, tem sido reforçada nestes estados de forma mais intensa (BLANKERTZ, 1972). Por outro lado, os “estados B””, como Baden-Württemberg, têm iniciado e apoiado o desenvolvimento de alternativas para os cursos universitários e politécnicos, associando os estudos acadêmicos ao que pode ser chamado de “aprendizagem premium”. O status jurídico da

92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06*

%

115

110

1059.344.364

1002.473.32995

2.781.440

1992=100%

escola de educação geral escola de educação vocacional

* Números parciais

9.355.766

Fonte: Statistiches Bundesamt Deutschland 2007

171academia de ensino vocacional (Berufsakademie), instituído em 1982, é definido como uma “instituição independente, de cooperação entre o Estado e as empresas de formação, que opera fora do âmbito de aplica-ção dos estatutos da escola e da universidade” (ERHARDT, 1993). Usan-do a palavra Beruf (ocupação ou profissão) para designar o conceito de academia de ensino vocacional, tal nomenclatura subestima, de forma clara, a inclinação das políticas conservadoras VET a continuar a apoiar a idéia culturalmente adquirida de formação profissional através da empresa (DEISSINGER, 2000).

Observa-se, nos últimos anos, que a evolução do número de alunos matriculados na educação geral e na educação vocacional desenvol-veu-se em sentidos opostos – as escolas de ensino técnico atualmente representam o “setor em crescimento”. O gráfico a seguir demonstra esse processo de forma clara (allgemeinbildende Schulen = educação geral; berufliche Schulen = educação vocacional – incluindo o siste-ma de aprendizagem):

Figura 2 – Crescimento do número de estudantes em escolas de educação geral e vocacional

172

Em 2005/2006, cerca de 395 mil estudantes freqüentaram escolas de ensino técnico médio no estado federativo de Baden-Württem-berg. Dentre eles, 43% foram matriculados como estudantes de pe-ríodo integral – a percentagem para a Alemanha, como um todo, é inferior e situa-se em 35%. Isso reforça a importância do que é fre-qüentemente chamado de “segunda trajetória da educação” (zweiter Bildungsweg), o que significa que são oferecidos cursos aos jovens através dos quais eles serão capazes de melhorar as suas qualifica-ções escolares. Um estudo intitulado Tosca, realizado em 2001/2002 pelo Max Planck Institute of Educational Research, estima em 9,8% a proporção de estudantes titulados Abitur que se graduaram na “escola superior de ensino técnico” ou Gymnasium profissional (be-rufliches Gymnasium) no estado de Baden-Württemberg (KÖLLER et al., 2004, p. 19). O estudo argumenta que o desempenho escolar desses estudantes em disciplinas básicas, como a matemática, por exemplo, precisa ser analisado em nível de igualdade com os resul-tados dos graduados “normais” da escola de educação geral, e que as escolas superiores de ensino técnico tendem a analisar superficial-mente os melhores estudantes graduados até mesmo nas escolas de ensino secundário intermediário. Embora Baden-Württemberg per-tença àqueles estados federativos alemães que priorizam fortemente o sistema de ensino secundário tradicional, denominado de Sistema de Três Níveis (ERTL, 2000), seus graduados têm a possibilidade de melhorar as suas qualificações no âmbito do Sistema VET de período integral. Em suma, a abordagem de Baden-Württemberg parece ser a de um sistema que prevê, comparativamente, um elevado grau de inclusão social no que diz respeito aos estudantes oriundos de con-textos familiares menos privilegiados. Essa abordagem representa também uma maior permeabilidade entre as fronteiras educacionais e, por conseguinte, amplia as trajetórias não tradicionais de ingresso no ensino superior (KÖLLER et al., 2004). A tabela a seguir ilustra estas trajetórias, mencionando as alternativas para os estudantes graduados no ensino secundário intermediário, incluindo o colégio de ensino técnico (Berufskolleg):

173

Figura 3 – Trajetórias dos estudantes graduados no ensino secundário intermediário

4. Colégios de ensino profissional no estado federativo de Baden-Württemberg

Como muitos dos estudantes que freqüentam o Gymnasium profissio-nal são oriundos de escolas júnior de ensino técnico de tempo integral, tais como a escola comum de ensino vocacional de tempo integral (Be-rufsfachschule), estas escolas têm a função, relativamente exclusiva, de conceder “títulos de graduação” (Berechtigungen) para a progressão na educação continuada ou superior. Isso significa, a princípio, que elas não oferecem qualificações profissionais relevantes ao mercado de trabalho. O Berufskolleg (colégio de ensino técnico) do estado federativo de Baden-Württemberg foi escolhido neste artigo para ilustrar a ambivalência da educação vocacional de período integral na Alemanha. Esse colégio é um dos principais subtipos da escola de ensino técnico de período integral, com atualmente cerca de 55 mil estudantes matriculados (STATISTIS-

174

CHES LANDESAMT BADEN-WÜRTTEMBERG, 2006, p. 1). Enquanto a academia de ensino vocacional (como uma instituição de ensino supe-rior) exige um certificado de qualificação básica para o acesso à universi-dade, o colégio de ensino técnico (BK) é uma escola de ensino secundário que pode ser freqüentada por estudantes com qualificações escolares de nível médio (na maioria dos casos, graduados na Realschule).

Os cursos oferecidos pelo BK apresentam as seguintes opções – embora sua principal função seja a de acrescentar uma qualificação politécnica básica à formação profissional dos estudantes (exceto o BK I e o BK Mis-to), é provável que a crescente tendência dos graduados alemães busca-rem a educação superior faça surgir no futuro um conceito de modelo regular:

BK I – um ano (preparação para o Sistema Dual)

BK I / II – dois anos com opções…

qualificação como assistente (tipo convencional)

qualificação como assistente + qualificação politécnica básica

BK Línguas (BK-F) – dois anos

BK Gestão da Informação sobre Negócios – dois anos

BK com estágio em empresa – dois anos

BK-FH (acesso à formação técnica de meio período fora do emprego, proporcionando apenas a qualificação politécnica básica)

BK Misto (escola especial de meio período para aprendizes com di-ploma de graduação no Gymnasium profissional) – dois anos (tipo especial de curso oferecido pelo BK, não analisado nesta pesquisa)

No caso de Baden-Württemberg, a distribuição dos estudantes em 92 co-légios públicos de ensino técnico é mostrada a seguir (STATISTISCHES LANDESAMT BADEN-WÜRTTEMBERG, 2006, p. 1, 3):

175

Tabela 5 – Distribuição de estudantes do ensino técnico

Subtipo Número de estudantes em 2005/2006BK I 7.389BK II 3.149BK Línguas 2.081BK Gestão da Informação sobre Negócios 1.154BK-FH 5.572

Todos esses subtipos, exceto o BK-FH, designam as duas principais fun-ções do Sistema VET nas escolas (educação continuada e formação pro-fissional), além de distinguí-lo do sistema de aprendizagem, posto que, até o momento, o Sistema Dual não estabeleceu ligações com o mun-do acadêmico através da oferta de, por exemplo, “qualificações duplas” (como as proporcionadas pela Suíça – também conhecida como o “país da aprendizagem” – ver GONON, 2001). De fato, a política de ensino VET atribui esta função às escolas de ensino técnico de período integral quase que exclusivamente, o que significa que, uma vez nessas escolas, os jo-vens podem atualizar seus níveis educacionais e/ou estudar para obter um certificado profissional relevante para o mercado de trabalho.

5. Problemas e perspectivas na AlemanhaO fato de os desequilíbrios entre as aprendizagens deficitárias e a for-mação de mercado tenderem a persistir continua a pressionar as esco-las baseadas no Sistema VET de maneira específica. Os formuladores das políticas educacionais não se cansam de afirmar que o sistema de aprendizagem precisa ser reforçado, ao mesmo tempo que insistem que a progressão para a educação superior deve ser estimulada. A “multifun-cionalidade” das escolas de ensino vocacional em geral deve ser vista sob uma nova perspectiva. Como, no momento, sua função parece estar mais fortemente relacionada ao ingresso na educação continuada ou superior do que ao propósito de oferecer qualificação para o mercado de trabalho

176

e as escolas precisam atender à uma clientela cada vez mais heterogênea, no futuro, os professores provavelmente se verão frente a diferentes tipos de alunos, com variadas aspirações. Atualmente, o Ministério da Educa-ção de Baden-Württemberg parece ter a intenção de encontrar formas para aumentar a relevância do mercado de trabalho na formação escolar, o que no futuro poderá se tornar a base para o Sistema Dual, se não um verdadeiro substituto para a tradição culturalmente enraizada e estrita-mente codificada do sistema de aprendizagem. (HARRIS; DEISSINGER, 2003; DEISSINGER; SMITH; PICKERSGILL, 2006). Nesse sentido, uma opção será a cooperação mais estreita com os sindicatos, com o objetivo de vincular, com mais êxito, os dois subsistemas separados. A nova Lei de Formação Profissional, sem dúvida, fornece o enquadramento para essa política no âmbito dos estados federativos.

Em 2004, o governo federal começou a alterar a Lei de Formação Profis-sional (EULER; PÄTZOLD, 2004). As revisões foram finalmente aprova-das pelo Bundestag em janeiro de 2005 e entraram em vigência em abril do mesmo ano, referindo-se às seguintes intenções:

a inclusão dos programas de preparação vocacional no âmbito da regulamentação da Lei e, com ela, a implementação de um sistema adequado de módulos de qualificação;

a transferência de créditos obtidos em escolas baseadas no Sistema VET através de acordos entre os estados federativos e o governo federal;

uma internacionalização mais intensa dos Sistemas VET, fornecen-do aos estudantes oportunidades de realizarem parte de sua forma-ção profissional no exterior; e

uma modernização dos exames, incluindo o exame final “estendido” na lista de tipos de exames finais reconhecidos.

De acordo com os parâmetros para a reforma da Lei de Formação Profis-sional, a introdução de normas de competência nacional, da forma como foram recentemente implementadas na educação geral, parece tornar-se

177inevitável (GERMANY, 2004, p. 4). Contudo, até o momento, a moderniza-ção do Sistema Dual parece acontecer ao nível curricular e materializa-se na criação ou revisão de programas vocacionais no âmbito do sistema de “ocu-pações técnicas qualificadas” (DEISSINGER, 2001a), que, ainda hoje, permi-te modestos recursos de modularização. Implantar módulos como unidades didáticas de caráter obrigatório, porém opcional (como nas ocupações da TI criadas em 1997), nos programas vocacionais, já não parece ser incompatível com uma abordagem holística da noção de competência (EULER, 1998, p. 96 et seq.; DEISSINGER, 2004c, p. 91). No entanto, existem outras sugestões para a utilização de módulos sob formas mais amplas, e há uma convicção geral na comunidade científica de que o sistema deve tornar-se mais flexível (EULER; SEVERING, 2006; BAETHGE; SOLGA; WIECK, 2007). Por outro lado, grupos de interesses, como os sindicatos e as entidades patronais, por exemplo, estão ansiosos para reforçar a sua convicção quanto à eficácia do Sistema Dual como o “caminho real” para o emprego qualificado. Torna-se evidente, a partir disso, que o debate sobre a introdução de uma “Estrutura Nacional Alemã de Qualificação” (DQR) implica em muitos problemas para o comparativamente sólido sistema educacional alemão e para a cultura de aprendizagem do país (DEISSINGER, 2006b).

Além das exigências de “modernização interna”, a nova lei, aprovada em 2005, contém regulamentações bastante inovadoras, que foram institu-ídas para redefinir o relacionamento entre os sistemas de aprendizagem técnica para ocupações reconhecidas e os cursos VET de período integral que conduzem à qualificação profissional. Os artigos 7 e 43 da nova Lei de Formação Profissional tentam construir “pontes” entre os dois subsis-temas (LORENZ; EBERT; KRÜGER, 2005):

De acordo com o artigo 7, os estados federativos obtêm o direito de determinar quais cursos das escolas de ensino técnico de período integral, ou de instituições compatíveis, devem obter reconheci-mento parcial em uma aprendizagem subseqüente. Os pedidos de reconhecimento deverão ser submetidos aos órgãos competentes, individualmente.

178

De acordo com o artigo 43, os estudantes graduados em cursos de pe-ríodo integral que conduzam à qualificação profissional devem ob-ter a permissão dos órgãos competentes para realizar o exame final de uma ocupação reconhecida, se a formação profissional adquirida for equivalente. Este novo regulamento também inclui as chamadas “ocupações ligadas à atividade escolar”, que não se enquadram no âmbito de aplicação da Lei de Formação Profissional ou da Lei de Regulamentação dos Ofícios.

É demasiado cedo para avaliar as conseqüências dessas novas regula-mentações. No entanto, não há dúvidas de que a sua relevância prática é dependente da participação das empresas e dos sindicatos no Siste-ma VET de período integral em geral. A aplicação prática das empresas (Übungsfirmen), por exemplo, pode ser vista – de forma realista – apenas como um dos instrumentos para estabilizar a escola baseada no Siste-ma VET, tornando-a mais funcional em relação ao mercado de trabalho (DEISSINGER; RUF, 2006). Outra questão em aberto é a diferenciação no âmbito da educação geral, na qual o sistema educacional alemão é classificado como um dos mais estritos, inflexíveis e seletivos da Europa. No mínimo, lembrando os estudos Pisa, o debate político nos últimos anos tem indicado que o tema está de volta à agenda educacional.

17�

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Ensino secundário nos Estados Unidos:

novos problemas e novas soluções

Candido Alberto Gomes*

Resumo: A adolescência e a juventude buscam manter uma identidade comum por meio das suas linguagens, roupas, costumes e dos seus pró-prios segredos. No entanto, quanto mais avançam, mais os seus interes-ses e trajetórias se diversificam, com vários rumos, a exemplo da prepara-ção e da busca pelo trabalho, do prosseguimento dos estudos e de outras atividades. Além disso, algumas dessas rotas podem ser concomitantes, como estudar e trabalhar (cf. CIPRIANI-CRAUSTE; FIZE, 2005). A es-cola da adolescência é precisamente a escola secundária ou média, que se propõe de vários modos a atender a essa pluralidade de objetivos dos seus alunos. Os Estados Unidos não constituem exceção. Em sua histó-ria, procuraram atender à sua pluralidade e, à medida que surgem novos problemas, têm buscado novas soluções. Que soluções são essas? Que contribuições, junto com as de outros países, podem oferecer? Essas são algumas questões que o presente artigo abordará.

1. Como se organiza a educação?

Partindo do básico, a educação para crianças e adolescentes nos Estados Unidos vai do jardim de infância (Kindergarten) ao 12º ano de escola-ridade, isto é, o chamado K-12. Nessa faixa, que corresponde ao bloco da educação básica no Brasil, há divisões: o jardim de infância, a escola primária, o ensino secundário inferior (junior high school) e o ensino se-cundário superior (senior high school). O número de anos de cada bloco

* Titular da cátedra sobre Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília.

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pode variar de estado para estado, pois vigora a descentralização nos Estados Unidos. O ensino secundário superior, em geral, vai do 9º ao 12º ano. O país há longo tempo adota a escola compreen-siva, isto é, uma escola comum para todos, sem separar os adoles-centes previamente por diferentes caminhos. Essa é uma herança do movimento progressivista, de Dewey, James, Kilpatrick e ou-tros, que, no Brasil, inspirou os pioneiros da Escola Nova. No en-tanto, para abrigar as diversidades, existem, a rigor, três “escolas” sob o mesmo teto:

a acadêmica, na qual os alunos de maior aproveitamento se prepa-ram para a educação superior;

a vocacional, em que os alunos se preparam para o trabalho. Esta tende a alcançar um papel maior, embora com mudanças, em face das exigências crescentes para as ocupações, no palco da economia do conhecimento; e

a geral, na qual os alunos, muitas vezes de menor aproveitamento, têm cursos menos severos.

Dentro de cada uma dessas “escolas” sob o mesmo teto existe ainda uma subdivisão, em que os discentes são classificados em turmas, segundo o seu aproveitamento. Assim, um aluno pode fazer a escola secundária, sendo aprovado a cada ano, na turma de maior exigência, enquanto outro pode ser promovido sucessivamente numa turma de baixa exi-gência. Essa organização tem efeitos negativos e positivos, discutidos há longo tempo com base em inúmeras pesquisas (para a discussão, v. OAKES, 1985; GOMES, 2005). Nesse conjunto, os alunos podem montar o seu currículo, dentro das normas, escolhendo ano a ano disciplinas e práticas mais ou menos rigorosas. É importante não confundir o en-sino secundário norte-americano com a visão displicente que a mídia transmite, como um lugar de diversão, sexo, drogas, rock’n’roll e outros gêneros mais recentes.

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2. Por que a escola compreensiva?

Os Estados Unidos foram colonizados pela Inglaterra, país onde, desde o século XIX, havia uma forte diferenciação dos alunos: os mais talentosos ficavam na grammar school e os demais seguiam a vocational school. Apenas ao final do século XIX começou a se desenvolver o ensino se-cundário nos EUA. Até então, a formação profissional se dava dentro da tradição medieval do mestre-aprendiz. Mas com a industrialização e a grande expansão econômica ao longo século XIX, o país se defrontou com pelo menos três desafios: a necessidade de pessoal mais escolarizado, a fragmentação do trabalho e o atendimento ao princípio da igualdade de oportunidades. Era preciso manter o binômio qualificação e democracia. Para isso, as matrículas aumentaram continuamente, de modo que se construiu progressivamente a escola secundária de massa. Assim, a es-cola compreensiva não brotou de repente, a exemplo de cogumelo após dias de chuva: como seria inadequado apenas expandir a escola elitista, criou-se um novo modelo, bem afastado do inglês, para uma sociedade também muito diversa.

Tão profundas foram as mudanças que se distinguiram dois tipos ideais de padrões normativos: os modelos de mobilidade patrocinada e com-petitiva (TURNER, 1960). Os melhores exemplos desses dois modelos são os sistemas educacionais da Inglaterra e dos Estados Unidos, respec-tivamente. No primeiro tipo, característico da Inglaterra, a mobilidade ascendente é como o ingresso num clube privativo, no qual o candidato deve ser patrocinado por um ou mais membros da elite. No segundo, a mobilidade competitiva é baseada na seleção tardia, havendo, pelo me-nos em tese, um único caminho para todos. É como uma corrida cujo fim é adiado ao máximo. Ao longo da corrida, a escola socializa, transmite valores e assegura lealdade ao sistema. Mesmo a chegada final é disputá-vel, porque qualquer pessoa pode ser deslocada por um recém-chegado, a qualquer momento da vida. Um lugar na elite é, pois, o prêmio de uma competição aberta. São duas sociedades, a inglesa e a norte-americana, com duas concepções de mobilidade social e duas orientações para o sis-tema educacional.

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Nos Estados Unidos, a escola compreensiva surgiu para atender a essa corrida de múltiplas voltas, retardando ao máximo a saída dos adoles-centes para a linha de produção e elevando o seu nível de qualificação. O movimento progressivista nasceu no início do século XX com Dewey e outros, espalhando-se pelo mundo. No caso do Brasil, Dewey foi profes-sor de Anísio Teixeira no edifício de tijolos vermelhos da escola de edu-cação de Columbia, Nova Iorque. Por sua vez, Anísio foi um dos líderes da Escola Nova no Brasil, defendendo o modelo de escola compreensiva, proposta diversas vezes e, em certos casos, transformando-a em reali-dade. Não por acaso, ao se posicionar a favor da escola compreensiva, Anísio (TEIXEIRA, 1976) criticava a nossa divisão entre a escola para os nossos filhos e a escola para os filhos dos outros, que correspondiam à acadêmica e à profissionalizante. Mais ainda, o movimento influenciou currículos da escola secundária na maior parte do mundo (KAMENS; MEYER; BENAVOT, 1996), pelo menos retardando a divisão em ramos. Isso não significa, entretanto, que a escola compreensiva, tal como existe nos Estados Unidos, tenha sido reproduzida em outros países.

Assim, a educação de massa e a escola compreensiva se situam no fogo cruzado de duas missões contraditórias: de um lado, selecionar os alunos pelo mérito; de outro, democratizar-se para oferecer ao aluno tantas pos-sibilidades quanto possível.

Sobre os dois modelos de mobilidade social citados, é interessante ob-servar que várias pesquisas comparativas entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não encontraram impactos muito diferentes sobre a igual-dade de oportunidades e a mobilidade social (p. ex., KERCKHOFF, 1974; TREIMAN; TERRELL, 1975; TYLER, 1977). No entanto, Husén (1979), uti-lizando dados comparados de numerosos países, concluiu ser preferível o ensino de tipo geral, pela sua abertura e ausência de exames seletivos entre os níveis quando se buscam acolher, ao longo da escolaridade obri-gatória, todos os talentos disponíveis. Quanto maior a rede, maiores as possibilidades de uma boa pescaria. É claro que a educação na Inglaterra e nos Estados Unidos, além dessas diversidades, enraízam-se em contex-tos sociais diferentes e têm efeitos de socialização também variados.

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3. O funil do ensino secundário

Conforme a tendência internacional, a maior parte da população dos Es-tados Unidos na faixa etária correspondente está matriculada na escola secundária. No ano acadêmico de 2003-2004, eram 94,8%1. No entanto, 10,3% do total de alunos se evadiram nesse ano. Esse grupo é composto, em grande parte, por jovens de baixa renda, mulheres e minorias étni-cas, com destaque para os hispânicos. Também inclui tanto a população que trabalha (e, nesse caso, fica prejudicada nos estudos), como a que não trabalha e pode estar em situação de exclusão social ou perto dela. Com isso, a conclusão do curso secundário, sempre no mesmo ano, foi de 74,3%. Aqueles que não se formam constituem uma população vulnerá-vel, pois quem não termina esse nível de ensino tem possibilidades bem menores de ingressar e permanecer no mercado de trabalho.

A educação superior é aberta a quem tenha capacidade para conquistar uma vaga. Obviamente, uma parte significativa dos concluintes da escola secundária não pode ou não quer ingressar na educação superior. Assim, os formados do ensino secundário público que cursaram currículos mais exigentes foram 36,2% sobre o total de alunos matriculados (100,0). Um percentual provavelmente menor que esse fez os testes ACT e/ou SAT 2

(ver Quadro 1), vez que grande parte dos candidatos presta os dois testes padronizados requeridos, conforme a instituição de educação superior, para o processo seletivo. Cabe lembrar que as instituições de educação superior têm liberdade para estabelecer as suas normas para a seleção de alunos, porém, com muita freqüência, incluem o exame do históri-co escolar, a participação nas atividades escolares e esportes, as cartas de recomendação, o escore num teste padronizado e um ensaio escrito pelo candidato. Considerando a entrada de alunos das escolas públicas na educação superior, quase metade dos concluintes entrou num curso de quatro anos, isto é, um curso acadêmico completo em qualquer tipo

1. A fonte dos dados estatísticos primários é o Digest of education statistics : 2006 (NATIONAL CENTER FOR EDUCATION STATISTICS, 2007). O ano acadêmico a que se referem é o de 2003-2004, para reunir as estatísticas aqui pertinentes do mesmo período. No que concerne a ingressantes na educação superior, tomou-se o início do ano acadêmico de 2004-2005.

2. O SAT e o ACT são testes padronizados que os candidatos podem fazer mais de uma vez e que abrangem a educação acadêmica secundária. Eles são elaborados de modo a predizer o de-sempenho dos candidatos nos estudos superiores. SAT significa Standard Achievement Test, enquanto o ACT leva o nome da empresa que o constrói e aplica.

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de instituição (das mais às menos prestigiosas) e menos de um terço in-gressou em cursos superiores de dois anos de duração, de um community ou junior college.

Quadro 1 – O funil do ensino secundário

População na escola/população na faixa etária: 94,8%

Evasão/total de alunos matriculados: 10,3%

Alunos concluintes/total de alunos matriculados (escolas públicas): 74,3%

Concluintes com currículos mais exigentes/total de alunos matriculados (escolas públicas): 36,2%

Concluintes que fizeram ACT/total de concluintes: 38,1%

Concluintes que fizeram SAT/total de concluintes: 49,0%

Entrada de alunos das escolas públicas na educação superior:

Cursos de quatro anos: 44,1%

Cursos de dois anos: 28,2%

Pode parecer que o funil é largo na passagem do secundário para o supe-rior. Antes de tudo, é preciso ter em mente que, como no Brasil, o mesmo candidato pode inscrever-se em várias instituições, mais ou menos rigo-rosas. Depois da inscrição, vem o processo seletivo de cada uma delas. O candidato pode ser aceito por uma ou mais instituições. Então, ele esco-lhe uma para matricular-se. Ademais, ex-alunos do secundário, forma-dos em anos anteriores, podem pleitear uma vaga na educação superior. Um dos fatores é a rejeição em todas as instituições procuradas ou na da sua preferência. Nada impede que ele concorra outra vez, de modo que o funil vai estreitando-se. Dessa forma, tomando os dados de 2004-2005, verifica-se, pelo Quadro 2, que o número de inscritos é bem superior ao

1�5número de formados no secundário, pois quem não conseguiu vaga em anos anteriores volta a se candidatar e o mesmo candidato tende a procu-rar mais de uma instituição. Por isso, pouco mais da metade dos inscritos é aceita e cerca de um quarto dos aceitos são matriculados. Como exis-te amplo espectro de instituições de educação superior, uma pequena parte delas é altamente exigente e, ao mesmo tempo, oferece um futuro promissor ao seu diplomado. Ao se considerarem as instituições mais seletivas, menos de 3% dos inscritos conseguem ingressar nelas. Esse número é muito inferior ao dos que concluem o ensino secundário com currículos mais rigorosos (pouco mais de um terço deles). Em outras pa-lavras, não é fácil, por múltiplos fatores, ingressar na educação superior, especialmente aquela que forma a elite intelectual do país.

Quadro 2 – O funil da educação superior

Gargalo inicial:

Inscritos/formados no secundário: 185,4%

Inscritos/aceitos: 25,1%

Maior gargalo:

Matriculados/inscritos nas instituições mais seletivas: 2,8%

4. O que se conclui até aqui?Uma grande questão para o ensino secundário de qualquer país é para onde vão os concluintes. Como se pode ver, esse nível está perto da universaliza-ção nos Estados Unidos; todavia, só uma fração dos que se formam vai para a educação superior. A elevada evasão durante o curso secundário e a não continuidade dos estudos após o secundário sugerem um desencontro entre a escola e os seus alunos. Além disso, um fator preponderante é que toda a educação superior, inclusive a pública, é paga. Para chegar lá é preciso ter di-nheiro, conseguir crédito educativo ou obter uma bolsa. Embora o país não

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apresente estatísticas sobre a matrícula nos ramos acadêmico, vocacional e geral (trata-se da escola compreensiva, uma só), conclui-se que:

muitos alunos, auto-avaliando as suas possibilidades e sendo para isso, em parte, orientados, não escolhem o ramo acadêmico; e

menos ainda escolhem o ramo acadêmico e conseguem entrar na educação superior seletiva.

E os que não seguem a educação superior, aonde vão? Aqui não existe só uma encruzilhada e, sim, múltiplos caminhos. Simplificando o panora-ma, os formados podem dirigir-se, logo depois da conclusão, a uma das muitas proprietary schools, isto é, escolas particulares profissionalizan-tes, com uma miríade de cursos das mais variadas durações. Podem tam-bém procurar um programa público de profissionalização ou um curso pós-secundário que não confere diploma, apenas certificado (não se tra-ta de curso superior). E podem ainda seguir outros rumos, como, por exemplo, aprender uma ou mais ocupações na prática; não estudar mais, o que compromete gravemente o futuro, ou ainda outras opções.

É interessante lembrar que o ensino secundário é caro e as perdas represen-tam muito. A despesa média anual por aluno da escola secundária pública era de US$ 10,286, enquanto a anuidade média de uma escola secundária particular era de US$ 8,412 (UNITED STATES, 2007a). Entretanto, não é bom cair numa armadilha: o custo pode ser alto e a qualidade, deficiente. Educação cara não é necessariamente boa educação. Os Estados Unidos e muitos outros países têm discutido essa questão há décadas.

5. Novas tendências

Em face das exigências cada vez maiores do mercado de trabalho numa economia globalizada e das dificuldades de emprego e trabalho, uma grande preocupação com os alunos de nível secundário é criar novas for-mas para que a educação lhes seja realmente útil, a fim de que eles per-maneçam nas escolas e que estas sejam mais sensíveis às necessidades do seu alunado (cf. MURNANE; LEVY, 1996). Uma das novas tendências é o

1�7programa TechPrep, que se traduz, com maior simplicidade, como uma escola dentro de outra escola (HULL, 1995; UNITED STATES, 2007b). Trata-se de um programa opcional para os alunos, que a ele se candida-tam e podem ser selecionados ou não, com base em grande parte no seu compromisso. Oferecido em 47% das escolas secundárias norte-ameri-canas, informa e conscientiza os alunos, induzindo-os a, eles mesmos, formularem os seus objetivos de carreira profissional. O currículo, na verdade, começa na sétima série, com alunos de cerca de 12 anos de ida-de, e integra a escola secundária e um curso superior de duração curta, que, por sua vez, pode abrir as portas para um curso longo. Trata-se da as-sociação 4+2 anos, isto é, pelo menos quatro de ensino secundário, mais dois de educação superior. O seu foco está na solidez dos fundamentos acadêmicos e, em seguida, nas opções de trabalho, especialmente onde vive o aluno. O currículo se compõe de disciplinas, bem estruturadas e organizadas, para as quais se prescrevem os conteúdos programáticos. Até aí não há novidade, assim também ocorre no ramo acadêmico e mais ainda no profissional. A diferença do TechPrep é que são explícitas as relações entre ciência e vida, ciência e tecnologia, teoria e prática. Dessa maneira, o aluno estuda sabendo por que e para quê. Por exemplo, um telefone celular ou outro aparelho pode ser desmontado em laboratório para os alunos aprenderem física e outros componentes curriculares e para compreenderem para que servem.

Um exemplo de plano curricular aparece na tabela que se segue. Desde o sétimo e oitavo anos da escola secundária inferior (junior high school), começa com as ciências e a matemática, duas grandes pedras de trope-ço para a escola e, ainda mais, para os discentes, aprendidas por meio da descoberta. Simultaneamente, promove o despertar para a carreira. É comum, na sociedade dos adolescentes, encontrar aqueles que têm pla-nos mirabolantes e outros que consideram não servir para nada. Outros, ainda, raramente pensaram no futuro e no que farão, sobretudo depois da escola secundária. Aos poucos, o plano curricular vai ganhando con-centração à medida que a idade do corpo discente permite. Assim, do conhecimento acadêmico aplicado e da exploração de carreiras, parte

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para a educação técnica, relacionando teorias e práticas. Daí segue para o nível superior, com especialidade e conhecimentos acadêmicos avan-çados, sempre incluindo experiências de trabalho. Não se deve esquecer que todo o plano é dividido em disciplinas, altamente estruturadas.

Tabela 1 – TechPrep: exemplo de plano curricular3

Associated degree Acesso à universidade. Possibilidades de aproveitamento de créditos.

13º-14º anos: curso superior de dois anosEspecialização, competências e conheci-mento acadêmico avançados; experiência de trabalho.

11º-12º anos: escola secundária superior Educação técnica com sólida formação acadêmica, aprendizagem no trabalho.

9º-10º anos: escola secundáriaFundamentação TechPrep, conheci-mento acadêmico aplicado, exploração de carreiras.

7º-8º anos: escola secundáriaCiências e matemática para a descoberta, conhecimento acadêmico básico, desper-tar para a carreira profissional.

Observação: o ensino por disciplinas se faz a partir de bases curriculares comuns. Portanto, o aluno não fica “solto”, mas entra num programa bem estruturado.

Com um desenho tão bem elaborado, próximo das necessidades dos ado-lescentes, quais os resultados? Pode-se ter acesso publicamente a mais de uma centena de avaliações (ver, por exemplo, o Education Resources Information Center – Eric, www.eric.ed.gov/search). As pesquisas, en-tretanto, são fragmentárias, muitas focalizando uma escola, uma cidade ou um conjunto de escolas selecionadas por vários critérios. De modo geral, as suas constatações mostram que os participantes do programa TechPrep têm pequenas vantagens em relação aos seus colegas que não o freqüentam quanto: 1) à assiduidade à escola; 2) à continuidade dos estudos; 3) à conclusão e sucesso dos estudos secundários; 4) à menor

3. Hull (1995, p. 103).

1��necessidade de programas de recuperação da aprendizagem; 5) ao acesso à educação superior e 6) ao nível de emprego. É intrigante que os re-sultados apresentados pelo programa sejam tão tímidos em face de um desenho e fundamentos tão robustos. A execução corresponderá efetiva-mente ao programa e aos projetos? De qualquer modo, o panorama das investigações realizadas talvez não seja o mais apropriado para avaliar o programa.

6. As Career Academies

Outra experiência inovadora no ensino secundário, do 10º ao 12º anos (se-nior high school), é o das Career Academies (cf. STERN; RABY; DAYTON, 1992; INSTITUTE OF EDUCATION SCIENCES, 2007). Apesar da sua menor abrangência – era oferecido em 27% das escolas secundárias –, tem diversos princípios comuns com o TechPrep, como ser um programa dentro de uma escola, um curso em que os alunos podem se matricular opcionalmente, e que conta com um currículo organizado em torno de temas relacionados ao trabalho. Uma das suas ênfases é também a íntima articulação entre a edu-cação acadêmica e técnica, de modo a favorecer a motivação dos adolescen-tes e formar uma base adequada e duradoura. Seus currículos e materiais de ensino-aprendizagem têm como principais tônicas: 1) ensinar para o mundo real; 2) aprender no contexto; 3) aprender o que é mais relevante e 4) apren-der com a mão na massa. No que concerne aos três primeiros, pelo menos de Dewey em diante, existe amplo consenso. A pesquisa educacional apresenta amplas evidências favoráveis a esses princípios.

As Career Academies requerem parcerias da escola, especialmente com o mercado de trabalho – ou seja, a escola não age sozinha. Com isso, vi-sando os grupos de risco, são detectadas as oportunidades ocupacionais promissoras da região. Além disso, o programa é divulgado nos anos an-teriores ao 10º, quando se dá o ingresso nas academias. Os requisitos de entrada são amplamente divulgados, para que os alunos não se evadam e esperem pelas novas perspectivas. Para os adolescentes que não alcan-çam as exigências são oferecidos cursos prévios, como o Programa de Matemática e Ciências Compreensivas, que dura seis semanas no verão.

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Um exemplo é o do Distrito Escolar de Pasadena (até certo ponto similar a uma das nossas secretarias municipais de educação), uma cidade situada ao norte de Los Angeles, Califórnia. Foram organizadas dez academias, cor-respondentes a variadas famílias ocupacionais. Para isso o Distrito fez acor-do com o community college da cidade (que oferece cursos superiores de dois anos, isto é, carreiras curtas), para organizar programas intensivos ou avançados para estudantes secundários dos dois últimos anos. Igualmente, firmaram-se parcerias com quatro instituições de educação superior, a fim de facilitar a transição de concluintes do ensino secundário, integrados às academias, rumo a cursos de quatro anos de duração (carreiras plenas).

Dessa forma, por exemplo, os alunos da Academia de Informática se be-neficiavam de um convênio com o Programa Ocupacional do Condado de Los Angeles (um condado inclui as cidades), para terem cursos prá-ticos de um ano. Por sua vez, na Academia de Artes Gráficas, os alunos do 10º ano tinham aulas na escola secundária e no 11º e 12º faziam cur-sos avançados no Programa Ocupacional referido. Depois da formatu-ra, podiam ingressar no mesmo com 24 créditos cumpridos. Com isso, aproveitavam estudos prévios para uma carreira curta de nível superior, podendo, em seguida, matricular-se numa instituição de educação supe-rior do Estado, que, com mais dois anos de estudo, os preparava para um cargo administrativo na área.

Tendo em vista particularmente a população de risco, não raro encarada com menor confiança pelos empregadores, a escola secundária passou a emitir um certificado inicial de desempenho, cujas exigências foram ela-boradas por empregadores e que eram verificadas por meio de um portfó-lio anual (STERN; RABY; DAYTON, 1992):

freqüência rigorosa, com padrões empresariais, não escolares;

ética e hábitos de trabalho;

experiência exploratória de trabalho;

comunicação oral;

201comunicação escrita;

álgebra e suas aplicações; e

outras competências acadêmicas básicas.

As avaliações são, de modo geral, positivas, porém fragmentárias, como as do PrepTech (INSTITUTE OF EDUCATION SCIENCES, 2007). Cons-tatam-se impactos positivos sobre os seus alunos e ex-alunos quanto: 1) à continuidade dos estudos; 2) ao avanço escolar; 3) à integração curri-cular; 4) ao preparo para a carreira na educação e no trabalho; 5) à renda apenas dos alunos do sexo masculino; 6) o emprego e a renda dos alu-nos com alto e médio riscos de evasão. As mesmas considerações tecidas quanto à avaliação do PrepTech se aplicam às Career Academies.

No contexto das tendências inovadoras e das parcerias necessárias, pode-se mencionar, também a título de exemplo, o Center for Occupational Re-search and Development – Cord (2007). Trata-se de uma organização não lucrativa de âmbito nacional dedicada, entre outros objetivos, a: 1) gerar e promover inovações; 2) elaborar novos currículos, estratégias, mate-riais e aplicações de tecnologias educacionais; 3) oferecer desenvolvimen-to profissional a professores; 4) efetuar pesquisa e desenvolvimento. Em vez de atuar diretamente nas escolas, a organização procura fazer aquilo que as escolas e os órgãos educacionais muitas vezes não podem fazer. En-tre essas missões encontra-se a de produzir materiais de ensino-aprendiza-gem, que são usados, entre outros, pelas Career Academies e pelo programa TechPrep. Esses materiais, entre outras características, facilitam a motivação dos alunos pelas ciências, por meio da sua aplicação.

7 Conclusões

O caso dos Estados Unidos conduz a reflexões interessantes, que podem caber, com folga ou aperto, como carapuças nas cabeças de outros siste-mas educacionais. Formar os alunos para a vida laboral não é tarefa de baixa prioridade, ao contrário: tendo em vista a exclusão social e a vulne-rabilidade de jovens, a escola não pode se declarar indiferente ou oferecer só enfeites de bolo. De que adiantam estes se não fizer o bolo?

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Eis alguns pontos para séria reflexão:

A educação acadêmica, pela sua generalidade, é necessária, mas não suficiente: embora ela seja, até certo ponto, profissionalizan-te, como base para uma parte das ocupações (caso dos serviços, das ocupações que se aprendem em serviço) que exigem capacidade de expressão, domínio de língua estrangeira etc. O jovem que deseja ingressar no mundo do trabalho precisa saber escolher e cursar a educação profissional. Cada vez se aprende menos só por meio da prática. Existe forte tendência a mesclar as práticas com as teorias e a reflexão. O processo de fazer é devidamente instruído e fundamen-tado nas ciências (cf. MURNANE; LEVY, 1996).

É urgente a necessidade de atender às exigências crescentes de capa-cidades para ingressar no mundo do trabalho: fica claro que pessoas menos competentes têm maior dificuldade que as mais competen-tes. É bem verdade que a inflação educacional, ou a corrida por mais diplomas, pode contribuir para isso. Da mesma sorte que o “excesso” de moeda a desvaloriza, a abundância de diplomas também pode di-minuir o seu valor. De qualquer modo, verifica-se que as ocupações tendem a requerer cada vez mais conhecimentos e habilidades.

É preciso reduzir o número de “esquecidos” ou “excluídos”: a passivi-dade nada resolve em sociedades e economias excludentes. Até os Esta-dos Unidos os têm. No que se refere à juventude, são conhecidos como a “metade esquecida”. Trata-se de cidadãos titulares de direitos e deveres, que não podem ser abandonados no caminho como descartáveis.

As escolas têm novas funções, em novos ambientes sociais, para as quais já deveriam estar preparadas: não podem viver dentro dos seus muros para fazer face à complexidade da vida de crianças, adoles-centes e jovens. Isso é sinal de fracasso, não só dela, mas de uma fração maior ou menor dos seus alunos. Portanto, cabe fazer parce-rias cuidadosamente, com as famílias e a comunidade, as empresas e organizações governamentais e não-governamentais.

203Cada vez mais ficam atenuadas duas fronteiras: 1) entre a educação na escola e a educação no trabalho; 2) entre a educação acadê-mica e a educação profissional. No primeiro caso, as duas preci-sam enlaçar-se para não haver teorias sem práticas e práticas sem teorias. No segundo caso, a educação profissional prepara os jovens para um mundo ocupacional dinâmico, em que as funções mudam e diminuem sua padronização. Aprender a fazer certas tarefas sem base acadêmica é levar os alunos a um beco. Para ir adiante, o jovem precisa da associação das duas duplas, educação na escola e no tra-balho, e educação acadêmica e profissional.

8 Se correr, o bicho pega...

Uma aguda preocupação dos norte-americanos é a vulnerabilidade da sua juventude. Ela tem dificuldades em se inserir no mercado de trabalho, num dos países onde o desemprego juvenil é grave. Daí o interesse em progra-mas que facilitem a transição da escola para o trabalho. Essa preocupação é ou deve ser mais profunda no que tange à “metade esquecida”, isto é, aos jovens socialmente desprivilegiados, com menor escolaridade. Num merca-do de trabalho cada vez mais exigente, aqueles que não terminam o ensino secundário e aqueles que, concluindo-o, não seguem a educação superior compõem um grupo ainda mais vulnerável (cf. HALPERN, 2007). No Brasil a problemática tem características comuns e diferentes. Os jovens formam também um grupo vulnerável, inclusive quanto à mortalidade pela violên-cia. Que farão os jovens subescolarizados ou não escolarizados pela sua vida afora? Que tipos de programas educacionais e ocupacionais podem melhor atender às suas necessidades? É o que cabe pensar.

Quem está de fora dos Estados Unidos ainda pode fazer uma pergunta: a escola compreensiva vale a pena? Ela é mais democrática? Vale manter mais de uma escola sob o mesmo teto ou separadas? As respostas, como se percebe, são complexas e se relacionam às desigualdades da sociedade e ao contraste de prestígio entre ocupações manuais e não manuais. Ofe-recer escola acadêmica para todos? Mas como formar para o trabalho? A transição da escola para o trabalho, há cerca de 30 anos, no Brasil, era

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considerada uma inutilidade, na suposição de que tudo se resolvia infor-malmente. Hoje é uma prioridade.

Quanto à escola compreensiva, não existem ‘sim’ e ‘não’ categóricos – o que seria simples demais. A ciência é mesmo difícil. A ideologia é fácil, dá as respostas esperadas para tudo. Alguns críticos afirmam que essa escola é um manto para encobrir diferenças, fazendo o trabalho sujo para a manutenção do capitalismo (qual dos capitalismos?). No caso das es-colas separadas, as acusações se dirigem à separação precoce dos alunos, com origens sociais e destinos ocupacionais diferentes, o que levaria à perda de oportunidades. Ao longo do tempo, diversos sistemas educa-cionais têm buscado soluções para isso (para uma discussão, v. GOMES, 2005, p. 181 et seq.).

De certa forma, se correr o bicho pega e se ficar... o bicho come. As crí-ticas são muito boas e indispensáveis ao Estado democrático de Direito, mas é preciso fazer algo. Em princípio, qualquer coisa que se fizer sofrerá críticas, porque haverá vantagens e desvantagens nas diversas opções. A arte é ampliar as primeiras e reduzir as segundas. O isolamento da esco-la em face do trabalho torna-se responsável pela exclusão social, pois o trabalho é vital para incluir e a falta dele, vital para excluir e deprimir (cf. XIBERRAS, 1993). Tendo consciência de que a escolaridade está entrela-çada à classe ou status socioeconômico do aluno, porém que a escola tem ampla margem de atuação, é preciso utilizar esta última, com capaci-dade. Nem fatalismo pessimista, nem otimismo cego. Temos tendências e possibilidades. Os determinismos ficam no mundo da fantasia.

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20�

Ensino médio: lições da experiência internacional

João Batista Araujo e Oliveira*

Resumo: Neste artigo apresentamos, de forma sucinta, o que nos pare-cem ser as lições mais relevantes da experiência dos países mais desen-volvidos no âmbito do ensino médio. As lições decorrem do que foi apre-sentado nos artigos anteriores, e que foram apresentados no Seminário Internacional sobre Ensino Médio Diversificado1. O presente trabalho tem por objetivo ressaltar as principais características e desafios do ensi-no médio em outros países, de forma a permitir ao leitor tirar suas pró-prias conclusões sobre o que seria relevante para a realidade brasileira2. O capítulo aborda os seguintes tópicos: público-alvo e suas característi-cas; conceito de diversificação: ensino acadêmico, ensino profissional e educação geral; diversificação da vertente acadêmica; diversificação do ensino técnico profissional; e os desafios permanentes: flexibilidade de acesso, continuidade de estudos e mercados de trabalho.

1. O público-alvo e suas características

O ensino médio, bem como o acesso ao mesmo, está praticamente uni-versalizado nos países da OCDE. Quase 90% dos jovens concluem o en-sino fundamental e mais de 90% desses ingressam em algum tipo de ensino médio. Ao chegar ao ensino médio, os jovens já freqüentaram a escola durante oito ou nove anos. Entre 60 e 85% dos jovens de cada coorte concluem o ensino médio nos diferentes países desse grupo.

* O professor João Batista é presidente do Instituto Alfa e Beto.

1. O referido seminário foi promovido pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, e contou com a coordenação técnica do Instituto Alfa e Beto e patrocínio da CNC – Confederação Nacional do Comércio.

2. Sobre a questão do ensino médio no Brasil, ver os artigos do autor: Repensando o ensino de segundo grau: subsídios para discussão. Ensaio, v. 8, n. 2, p. 273-284, jul./set. 1995; e Quem ganha e quem perde com a política do Ensino Médio no Brasil? Ensaio, v. 29, n. 8, p. 459-496, out./dez. 2000.

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O ensino médio refere-se, tipicamente, aos quatr

o últimos anos da escolaridade básica, normalmente oferecida a alunos de 15 a 18 anos de idade, em escolas que funcionam em regime de tem-po integral. A escolaridade obrigatória estende-se, no mínimo, até os 15 anos, mas a tendência da maioria dos países é estendê-la para os 16 anos, com o objetivo de aumentar o tempo de permanência dos jovens na es-cola e, com isso, melhorar a qualidade de seu preparo para enfrentar os desafios do futuro.

Outra característica importante é que a maioria esmagadora dos alunos, em quase todos os países da OCDE – entre 60 e 80% – atinge acima do nível dois no teste do Pisa, patamar considerado básico para possibilitar a continuidade dos estudos secundários de qualquer natureza, inclusive cursos de aprendizagem.

2. O conceito de diversificação: ensino acadêmico, profissionalizante e educação geral

A característica mais saliente da oferta do ensino médio é a diversificação. Esta normalmente ocorre na forma de ensino acadêmico e profissionali-zante. O conceito de “educação geral” não constitui uma vertente específi-ca de ensino médio. Dentro de cada vertente, há outras diversificações.

A diversificação também ocorre dentro de cada vertente. Dentro das es-colas acadêmicas, ela pode ser dar em termos de tipos de cursos – mais humanísticos ou mais quantitativos, como era o caso do “clássico” e “científico” no passado –, em termos de opções de matérias ou em de nível de dificuldade. As opções podem ser exercidas pelos sistemas de ensino, pelas escolas ou pelos alunos. Ou seja, pode haver escolas mais ou menos especializadas em determinadas ofertas ou pode haver diversi-ficação dentro de uma mesma escola. Adiante veremos as tendências de diversificação do ensino acadêmico e as tendências de convergência com a preparação para o mercado de trabalho.

Dentro das escolas profissionais ou técnicas também existem diversifi-

211cações – geralmente por nível de diploma ou por tipo de ocupação. Em alguns países, no entanto, há outras diversificações em termos de orien-tação: formação mais prática, como no Sistema Dual, ou mais acadêmi-ca, como no caso das escolas técnicas. Adiante veremos as tendências de diversificação do ensino profissional e as tendências de convergência entre ocupações e também com a formação mais acadêmica.

O grande divisor é o de orientação das escolas: as acadêmicas, com maior ou menor qualidade, maior ou menor rigor, estão orientadas para o en-sino de disciplinas como línguas, matemática, ciências, humanidades etc. – que muitos denominam de educação geral, conceito discutido no próximo parágrafo. Em sua grande maioria, procuram preparar os alunos para o acesso a profissões de nível superior – embora, na prática, 50% ou mais dos alunos se dirijam diretamente ao mercado de trabalho. As es-colas profissionais ou técnicas são mais diretamente voltadas para a for-mação para o mercado de trabalho. Veremos, mais à frente, as tendências de articulação entre o ensino médio técnico e o ensino médio-superior, tecnológico ou superior.

O que se nota, portanto, é um mundo com fronteiras bastante marcadas, mas também bastante flexíveis, e com crescentes convergências, face aos desafios da sociedade globalizada. Isso não significa, no entanto, como observado nos vários artigos apresentados nesta publicação, a perda de identidade desses dois tipos de escola.

A questão menos controvertida refere-se ao conceito de educação ge-ral. Nos países de língua alemã, o termo bildung, que pode ser traduzido como formação ou educação, tanto é usado para a educação acadêmica quanto profissional. A diferença de conceito simplesmente não existe. Nos demais países da OCDE, também prevalece a idéia de que o ensino ministrado nas escolas profissionalizantes de qualquer nível – inclusive da aprendizagem –, constituem uma forma de educação geral, embora os conteúdos por meio dos quais o indivíduo adquire essa educação geral sejam mais voltadas para a preparação para o mundo do trabalho. O con-ceito de educação geral nesses países refere-se à capacidade de aprender

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e de usar conhecimentos, e não ao domínio de um determinado corpus de conhecimento ou a um conjunto determinado de disciplinas.

A única exceção, talvez, se encontre nos Estados Unidos, onde o ensino médio, de modo geral, se dá na escola compreensiva, descrita no artigo de Cândido Gomes. Nessa escola, os alunos podem ter uma educação mais acadêmica, com maior ou menor rigor, e uma educação em que aprendem algumas habilidades ocupacionais e práticas. Os estudantes sem maiores pretensões acadêmicas normalmente fazem alguns cursos mais práticos e de natureza acadêmica mais diluída, e que são denomi-nados também pelo nome de “educação geral”. Mesmo naquele país, nin-guém denomina os cursos e escolas de cunho mais acadêmico de escolas de educação geral, o que deixa claro o sentido dessa palavra o contexto norte-americano.

A forma da diversificação da oferta do ensino médio tem origens histó-ricas e culturais nos diferentes países, mas, em todos os casos, reflete o reconhecimento de que as pessoas possuem talentos variados, nível de preparo, motivação e condições de enfrentar cursos de diferentes níveis de abstração. E, conseqüentemente, nem todos os jovens – talvez um grupo relativamente limitado – reúnem as condições necessárias e sufi-cientes para enfrentar e concluir com êxito um curso com forte deman-da acadêmica e elevado nível de abstração. A diversificação do ensino médio também reflete, em alguns países, as características e exigências do mercado de trabalho, mas isso tem se tornado cada vez menos rele-vante, dadas as incertezas associadas às mudanças tecnológicas. Mais recentemente, a diversificação também tem servido como estratégia para estimular os alunos a permanecerem o mais tempo possível na escola, de forma a possibilitar aos jovens mudar de idéia, trocar de cursos e manter aberta a possibilidade de continuidade de estudos, especialmente os de nível superior. Daí a preocupação, em todos os países, de assegurar for-mas de equivalência e transição entre os vários tipos de curso.

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3. Diversificação dentro da vertente acadêmica

A diversificação dentro da vertente acadêmica é uma realidade em todos os países desenvolvidos. A diferenciação pode se referir a:

número de disciplinas que a escola oferece;

número de disciplinas que o aluno deve ou pode fazer;

nível de exigência da disciplina; e

se a opção é da escola ou do aluno.

As margens de escolha variam nos diferentes países. Atualmente, um dos países mais flexíveis é a Finlândia, que organizou o currículo em módulos semestrais, e o ensino não é seriado, bastando ao aluno acumular um determinado número de créditos para se graduar. Também nos Estados Unidos a flexibilidade é muito ampla, com apenas algumas exigências relativas a um mínimo de cursos de lín-gua e matemática, embora o nível de dificuldade possa ser variável.

A vertente acadêmica normalmente é orientada à preparação dos alunos para a continuidade de estudos em nível superior. Mas isso não significa que todos alunos tenham que fazer um grande número de disciplinas, as mesmas disciplinas ou segui-las no mesmo nível de dificuldade. Isso depende, em grande parte, das normas referentes, em cada país, à con-clusão do ensino médio e às regras de acesso ao ensino superior.

Conclusão do ensino médio. Na maioria dos países da OCDE – com ex-ceção dos da América do Norte –, a conclusão do ensino médio se dá pela aprovação em um exame de conclusão, organizado ou supervisionado pelo Estado, denominado de Baccaleauréat, Abitur, Maturité, Matura, AGSE ou outras denominações. O número de disciplinas em que o aluno deve prestar os exames, o número de disciplinas obrigatórias e a possibilidade de prestar o exame em diferentes níveis de exigência depende de cada país. Normalmente são obrigatórios exames de língua e matemática, mas mes-mo isso varia em cada nação. Essas características determinam, em grande parte, o número e tipo de disciplinas que os alunos cursam ao longo dos

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dois ou quatro anos do ensino médio. Geralmente os alunos fazem um maior número de disciplinas nos dois primeiros anos e se concentram nas disciplinas relevantes para a continuidade do ensino superior nos últimos dois anos – mas isso também oscila muito nos diferentes países.

Raramente os alunos do ensino médio precisam prestar mais do que cin-co exames para efeito de conclusão desse nível de escolarização ou para acesso ao ensino superior – em alguns países, o mínimo são três discipli-nas. Em nações como a Irlanda, o aluno pode escolher o grau de dificul-dade do exame, embora a disciplina ensinada seja a mesma para todos. Na maioria dos países, a aprovação nesses exames é requisito para a ob-tenção do certificado de conclusão do ensino médio. As taxas de apro-vação nesses testes são muito variáveis, situando-se entre 60 e 90% dos candidatos – o que significa que, na maioria dos países, cerca de 60 a 85% dos jovens concluem o ensino secundário. A diversificação dos tipos de exame de BAC, na França, inclusive com a introdução de BACs tecnoló-gicos e técnicos, contribuiu para um vertiginoso aumento das aprovações nesse exame. O International Baccaleauréat – conhecido como IB – é um exame de nível internacional, de elevada reputação, e que apresenta as características comuns desses vários tipos de testes. O aluno normal-mente presta entre seis e sete provas, podendo escolher entre dois níveis de dificuldade.

Os Estados Unidos se diferenciam dos demais países no sentido que não existe um exame para atestar a conclusão do ensino médio, pois essa é uma opção dos estados, como foi o caso recente do estado de Nova Iorque. O objetivo perseguido com a introdução desses exames é estimular a melhoria da qualidade do ensino, mas o desafio sempre oscila entre encorajar a qualidade sem desestimular a permanência dos jovens na escola. Em alguns países, notadamente nos Estados Unidos, há escolas secundárias que se especializam na oferta de cursos mais ri-gorosos, mais voltadas para o acesso a escolas superiores de maior rigor seletivo. Essas escolas são denominadas de Prep Schools ou Preppies. Da mesma forma, dentro das escolas secundárias compreensivas (high

215schools), há cursos identificados com esse conceito – diferenciando-os dos chamados cursos de educação geral. Isso significa que uma mesma escola pode conferir diplomas idênticos, mas o histórico escolar irá re-velar as diferenças no nível de preparo dos alunos.

Ensino secundário e acesso ao ensino superior. O tipo, número e nível de matérias que os jovens cursam no ensino secundário também dependem, em grande parte, das políticas de acesso ao ensino supe-rior de cada país. A relação entre os exames de conclusão do ensino médio e o acesso ao ensino superior também varia em cada nação. Na maioria dos países europeus, a obtenção do certificado de con-clusão do ensino secundário assegura o acesso a qualquer instituição de nível superior. Em alguns países, há restrições de acesso a alguns cursos que têm número limitado de vagas, o chamado“numerus clau-sus”, como no caso da medicina. Na Inglaterra, o tipo de disciplina, o nível (básico ou superior) e a nota no teste determinam as chances de sucesso e para ingressar em certas universidades ou cursos com maior grau de exigência.

Já nos Estados Unidos, a relação entre ensino médio e superior é bem mais fluida, já que cada universidade estabelece seus diferentes cri-térios. A entrada nas universidades mais competitivas, no entanto, requer que o aluno tenha feito cursos avançados nas disciplinas mais rigorosas. A maioria das universidades requer ainda determinados ní-veis de desempenho em provas de inteligência verbal (como o SAT – Scholastic Achievement Test e, de certa forma, o ACT) ou em exames avançados correspondentes aos exames mais rigorosos dos sistemas europeus, como no caso dos A.Ps. ou Advanced Placement Tests.

Cabe observar que, de modo geral, entre 10 e 40% dos alunos, nos vá-rios países, se qualifica para enfrentar os cursos superiores de maior rigor. Isso pode explicar, em parte, por que os países mais avançados não unificam seus cursos médios e procuram ampliar a flexibilidade e diversificação das várias vertentes. Também vale observar que em nenhum país da OCDE existem testes de acesso ao ensino superior

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baseados em competências gerais ou multidisciplinares: ou são basea-dos em habilidades verbais e cognitivas ou no domínio de conheci-mentos disciplinares específicos – ambos fortes preditores de sucesso acadêmico.

Diversificação da orientação do ensino. O termo “ensino acadêmico” normalmente é usado como sinônimo de educação geral, como antôni-mo de “ensino profissionalizante” ou como algo mais teórico e abstra-to. Na verdade, todas essas concepções têm um fundo de verdade, mas não refletem a característica central nem as tendências curriculares mais recentes. No caso das escolas secundárias acadêmicas (originalmente denominadas como grammar schools nos países de língua inglesa), o objetivo é dotar o aluno de conhecimentos disciplinares avançados, nas várias disciplinas consideradas básicas para uma boa formação – seja ela humanística, científica ou mais geral. O que isso significa concretamente vem variando ao longo das décadas e séculos.

As tendências atuais do ensino acadêmico apontam em algumas direções. De um lado, há ênfase, nos currículos da maioria dos países, em saber usar a informação, mais do que em seu acúmulo. Isso tanto pode signifi-car uma maior exigência de abstração e dedução quanto uma maior preo-cupação com aplicações práticas. Por outro lado, há também uma preo-cupação, nos países da OCDE, de aproximar um pouco mais o conteúdo dos conhecimentos ministrados nas escolas com os avanços científicos, tecnológicos e eventuais aplicações no mundo real – o que não significa necessariamente uma tendência mais profissionalizante. E, finalmente, como tendência da orientação geral, nas escolas secundárias – inclusive acadêmicas – há uma preocupação crescente em dar aos jovens uma pos-sibilidade de entender a lógica de funcionamento do mundo do trabalho e das organizações nas quais ele se realiza. A forma de implementar essas tendências varia nos diferentes países. Há uma crescente tendência, por exemplo, de valorizar as atividades de grupo, o empreendendorismo, o trabalho voluntário na comunidade, o associativismo e o protagonismo, empresas júnior, simulações de processos decisórios de empresas, países ou organismos internacionais, enfim, uma série de atividades que tra-zem o mundo real para as proximidades da escola, e vice-versa.

217Uma tendência recente, que se verifica especialmente nos Estados Unidos, foi apresentada no artigo de Candido Gomes, e refere-se a uma nova orientação para os currículos acadêmicos em cursos do tipo TechPrep e das Career Aca-demies. Nessas vertentes, há uma orientação mais aplicada e técnica para os conteúdos curriculares da escola de ensino médio, abrindo aos alunos possibi-lidades tanto de terminalidade quanto de acesso a cursos técnicos superiores de qualidade. Essa tendência, de certa forma, se observa na concepção curri-cular dos próprios cursos acadêmicos de outros países, como a Inglaterra, por exemplo, em que se tenta articular cada vez mais a apropriação de níveis mais e mais abstratos e elevados de conhecimento das disciplinas, com o sentido de sua utilização prática. Isso se dá tanto para efeito de motivação e contextu-alização quanto pelo entendimento de que o uso do conhecimento é tão im-portante quanto sua aquisição. Nesse sentido, essas inovações apontam para uma importante articulação entre o ensino profissional e acadêmico, entre a chamada educação geral e a educação profissional. No caso do TechPrep, a idéia é articular os conteúdos de educação geral com interesses profissionais mais específicos. No caso das Career Academies, a ênfase é na contextualiza-ção do conhecimento disciplinar em focos de aplicação. Em ambos os casos, o nível de abstração e rigor é variável, nas diferentes escolas, bem como varia a aproximação entre um entendimento mais aplicado de uma disciplina ou área de conhecimentos e o conceito de profissionalização.

Em síntese, a relação entre o ensino médio acadêmico e ensino superior é muito nítida, mas, ao mesmo tempo, permite uma grande flexibilidade para as escolas de ensino médio. O aluno que quiser entrar numa escola de alto prestígio acadêmico deverá fazer os cursos acadêmicos mais ri-gorosos, e se submeter e ser aprovado nos exames mais rigorosos. Mas esta não é uma opção que restringe a oferta de cursos, exames e acesso ao ensino superior para a maioria dos alunos que não fazem essa opção.

4. Diversificação do ensino técnico profissional

A diversificação dentro do ensino técnico profissional sempre se deu em função das diversas especialidades ocupacionais, seja entre os grandes ramos – comércio e serviços –, seja entre as varias especialidades, como saúde, mecânica, eletricidade, moda etc.

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Além dessas diferenças, em vários países há pelo menos três tipos ou níveis de formação profissional. O primeiro deles seria o equivalente à aprendizagem profissional, com cursos mais práticos e cuja duração vai de um a dois anos, culminando ou não com mecanismos de certificação ocupacional. O segundo nível seria o equivalente ao nível técnico médio. Em muitos países, isso se dá em escolas técnicas de nível médio, com maior ou menor ênfase nas atividades teóricas ou práticas. Em algumas nações, sobretudo as de tradição germânica, existe o chamado Sistema Dual, em que é forte a presença do aluno na empresa e das empresas nas escolas. Essa participação do setor produtivo se dá desde o nível do pla-nejamento das políticas de formação profissional, passa pela definição de programas de ensino, certificação, supervisão de práticas e estágio, e vai até o aproveitamento posterior dos egressos nos quadros da empresa.

Cabe observar que, na maioria dos países da OCDE, mesmo naqueles onde a formação profissional é regulamentada em seus detalhes, como os países de tradição germânica, os mercados de trabalho são muito fle-xíveis. Mesmo quando existem certificados e diplomas profissionais, eles não asseguram reserva de mercado aos seus portadores, nem sua exis-tência limita as empresas de contratarem profissionais não habilitados formalmente. Em países como a Suíça, por exemplo, as escolas técnicas se orgulham quando um aluno formado em eletricidade se emprega na área de mecânica, mecatrônica ou abre seu próprio negócio. Em alguns países, no entanto, as restrições para o exercício profissional, mesmo no nível técnico-médio, são mais rigorosas, seja devido à intervenção gover-namental, seja por pressão das corporações profissionais.

Um terceiro tipo de articulação vem surgindo nas últimas décadas e refe-re-se a esquemas do tipo 4 + 2 ou 2 + 2. O + 2 (os dois anos adicionais de estudo) refere-se à articulação entre o ensino médio e o ensino superior, especialmente em escolas técnicas de ensino superior. Os números qua-tro e dois referem-se à série do ensino médio em que se inicia essa articu-lação, ou seja, se todo o ensino médio já é voltado para a especialização ou se isso se inicia a partir da segunda metade do mesmo.

21�Duas tendências do ensino técnico profissional merecem registro. A pri-meira é que, em nenhum caso, a opção pelo ensino técnico implica que o aluno passe mais tempo na escola do que aqueles que optaram pelo ensi-no acadêmico. A chamada “educação geral” ou ensino acadêmico é parte integrante dos currículos das escolas profissionais, qualquer que seja o seu nível, e não constitui um conjunto específico de conhecimentos dife-rentes dos que são ministrados numa boa escola acadêmica.

O segundo aspecto refere-se às tendências de mudança nos currículos dos cursos técnicos. Nas últimas três décadas, esses currículos vêm sofrendo mui-tas mudanças, e a direção das alterações é convergente. De um lado, o número de ocupações e especializações diminuiu, dando lugar a áreas ocupacionais ou especializações mais amplas – o que permite ao aluno preparar-se para e engajar-se em diferentes tipos de ocupação, no início da carreira ou ao longo da vida. De outro lado, há uma tendência para aumentar um pouco mais a carga de conhecimentos conceituais ou científicos que servem de base para as várias ocupações. Isso reflete as exigências dos cargos técnicos das empre-sas, que demandam cada vez menos competências de manipulação física de objetos e cada vez mais a capacidade de planejar, analisar e tomar decisões sobre o funcionamento de processos e máquinas. De modo particular, tem sido ampliada a carga horária de disciplinas como estatística, língua estrangei-ra e matemática. Além disso, a preocupação com o entendimento prático da lógica de funcionamento do mundo do trabalho também tem modificado as formas de ensino, dando aos alunos cada vez mais oportunidades de iniciati-va, criatividade, trabalho em grupo, tomada de decisões e uso de ferramentas da informática. Coincidentemente, como já mencionado, esse mesmo tipo de preocupação tem caracterizado o currículo das escolas acadêmicas, o que espelha as demandas da sociedade do conhecimento.

Finalmente, há muitas diferenças entre os países no que se refere à cer-tificação dos conhecimentos técnicos, regulamentação de profissões e a importância desses certificados para o ingresso no mercado de trabalho. Essas diferenças refletem mais os aspectos históricos e culturais de cada país do que as características de seu nível de desenvolvimento econômi-co e tecnológico ou dos mercados de trabalho.

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5. Os desafios permanentes: flexibilidade de acesso, continuidade de estudos e mercados de trabalho

O ensino médio – mais que os demais níveis de ensino – sempre sofreu e sofre grandes tensões em todos os países. A dificuldade de se encontrar con-senso para definir currículos para o ensino fundamental em qualquer nação é ínfima quando comparada às decisões a respeito do ensino médio. Apesar das tradições e da estabilidade dos sistemas de ensino médio apresentadas neste volume, essa é uma área de grandes e permanentes tensões. As princi-pais – e possivelmente eternas tensões do ensino médio – incluem:

Tracking. O termo tracking refere-se ao encaminhamento, mais ou menos compulsório de alunos para uma determinada via de es-tudos – tipicamente estudos mais aplicados, menos rigorosos, ou profissionalizantes. Essa prática ainda existe, sobretudo em países de tradição germânica, onde alunos de 11 ou 15 anos, dependendo do país, são encaminhados ou orientados para determinadas vertentes do ensino. O nível de compulsoriedade do tracking varia dentro das nações. Em outros países, onde não há tracking, pode haver formas mais sutis de encaminhamento de alunos para determinadas verten-tes. Na América do Norte, não existe qualquer diferenciação formal até o final da escola secundária.

A existência de diferenciação reflete, além de tradições culturais, o re-conhecimento de que as pessoas são diferentes, e que há tratamentos mais apropriados para diversas combinações de motivação, esforço e talento. A crítica à diferenciação é sempre no sentido de que não se deve limitar o potencial das pessoas, ao contrário, devem-se se deixar sempre abertas as portas para o indivíduo escolher seus caminhos, em qualquer nível de ensino. No imaginário cultural da maioria das pes-soas e países, o ensino acadêmico de qualquer qualidade sempre está mais associado com a abertura de possibilidades, com a flexibilidade, ao passo que o ensino técnico está mais associado com a especializa-ção, o fechamento de vias, o mundo do trabalho.

221Diferentes países reagem de forma diferente a essas questões. Qual-quer que seja a forma, observam-se algumas regularidades. Pri-meiro, a existência ou não de tracking não elimina a existência das diferenças e suas implicações. Alguns países são mais explícitos no reconhecimento das diferenças, outros, mais sutis. Segundo, a ques-tão do tracking envolve aspectos de filosofia educacional e aspectos práticos sobre o que fazer com alunos sem motivação ou condições de seguir determinadas trajetórias. Essas são questões sobre as quais é impossível qualquer consenso. Independentemente da falta de consenso, a tendência da maioria dos países é postergar ao máxi-mo ou eliminar o tracking. Terceiro, a questão tracking está sempre associada à equivalência de estudos e às possíveis pontes entre as várias vias de formação.

O fato de alguns países abolirem a diferenciação formal, como no caso da América do Norte, ou a diferenciação forçada, por critérios acadêmicos, não abole o fato de que os jovens chegam ao ensino mé-dio com diferentes bagagens educacionais e culturais, necessidades, motivações e perspectivas em relação aos estudos e ao mundo do trabalho. E essas diferenças – mesmo nos países em que quase todos os alunos possuem nível dois ou mais no Pisa – afetam as chances de sucesso dos alunos em cursos e carreiras com maior grau de exigên-cia conceitual e intelectual.

Equivalência entre as várias vias e acesso ao ensino superior. As soluções preconizadas em todos os países sempre tendem a adiar ao máximo as escolhas e manter a equivalência formal e reversibili-dade das trajetórias –, mas essas soluções não eliminam os fatores a elas subjacentes. A experiência empírica vem demonstrando, no entanto, que a maior flexibilidade tem contribuído para manter os alunos mais tempo na escola e ensejar o acesso cada vez maior dos jovens a algum tipo de ensino superior. Uma das conseqüências des-sas novas políticas é a diversificação de cursos de nível superior, que se torna necessária para acomodar uma clientela com níveis mais di-

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versificados de preparo acadêmico. Nesse sentido, os cursos de nível pós-médio, IUTs e community colleges constituem um mecanismo de acolhida desses alunos no ensino superior – mas não necessaria-mente aos cursos formais de graduação.

Status das diferentes vertentes do secundário. Exceto nos países de tradição germânica – e eventualmente entre subculturas dentro de algumas nações que prezam a passagem de tradição ocupacional de pai para filho –, as opções não-acadêmicas tipicamente gozam de menor status social, mesmo quando isso não se reflete nos ga-nhos econômicos possibilitados por uma boa formação técnica. A necessidade de manter os jovens cada vez mais tempo na escola tem levado países como a Irlanda a desenvolver estratégias para valori-zar as ocupações técnicas – mas essa é uma tarefa difícil. Na grande maioria dos países e culturas ocidentais, uma formação acadêmica deficiente sempre goza de maior prestígio social do que uma exce-lente formação acadêmica.

6. Conclusões e lições da experiência internacional

A análise da experiência de outros países, com base em dados descritivos e objetivos, permite extrair algumas lições de validade geral e, de modo especial, alguns ensinamentos particularmente válidos para refletir sobre a realidade brasileira. Para tanto, é necessário, antes de tudo, entender as informações em seus contextos originais, antes de se poder pensar em sua possível aplicação ou relevância para um país como o nosso. Apre-sentamos, de forma breve, alguns aspectos que talvez sejam relevantes para essa reflexão.

Idade e preparo. O ensino médio, nos vários países, refere-se ao ensino dos jovens de 15 a 18 anos. São jovens que concluíram o ensino funda-mental e que, em sua esmagadora maioria, atingem acima do nível dois no Pisa – o que lhes dá condições para prosseguir com êxito alguma for-ma de ensino secundário. A base do ensino médio, portanto, é um ensino

223fundamental de qualidade para todos. A universalização do ensino mé-dio se deu a partir da universalização da qualidade, e não apenas da ofer-ta de vagas desvinculadas de uma qualificação adequada dos alunos.

Diversificação. A diversificação do ensino médio constitui a norma, e não a exceção. Há diversificação entre o acadêmico e o profissional. Den-tro do acadêmico e do profissional ela também existe. Há diversificação dentro de escolas e entre escolas. Ela reflete a preocupação dos países em manter os alunos mais tempo na escola, oferecendo algo que eles sejam capazes de fazer e para o qual se motivem. Mesmo nos países onde existe o tracking, a diversificação forçada, o objetivo, pelo menos imediato, é a inclusão, e não a exclusão dos jovens da escola.

O conceito de educação geral. Educação acadêmica e profissional são concebidas como formas diferentes de propiciar uma educação geral. Esta não é concebida como um conjunto de conhecimentos ou discipli-nas específicas, e sim, como uma forma de lidar com o conhecimento – seja ele mais abstrato ou mais concreto. A educação geral tanto se dá nas escolas de formação profissional quanto nas escolas acadêmicas.

As tendências. As tendências parecem bem definidas. Primeiro, au-mentar a participação dos jovens nas várias vertentes do ensino médio, sem necessariamente tornar compulsório esse nível de ensino. Segundo, aumentar a relevância dos cursos. No caso dos cursos acadêmicos, tra-ta-se de ressaltar as implicações tecnológicas e ampliar a capacidade de usar conhecimento. No caso dos cursos mais técnicos, trata-se de dotar os alunos com instrumentos conceituais que lhes permitam ir cada vez mais longe e continuar a aprender ao longo da vida. Terceiro, estreitar a ponte entre o mundo da escola e o do trabalho e a sociedade em geral. Os temas, comportamentos, atitudes e valores da escola são cada vez mais próximos dos temas do mundo real. O exercício de opções pelos alunos do ensino médio é parte da preparação para a vida e para o trabalho.

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Anexo 1Os autores

Claudio de Moura Castro é formado em Economia pela UFMG, com mestrado pela Universidade de Yale. Iniciou no programa de doutoramento na Universidade da Califórnia em Berkeley, terminando na Universidade de Vanderbilt (em Economia). Ensinou nos programas de mestrado da PUC/Rio, Fundação Getúlio Vargas, Universidade de Chicago, Universidade de Brasília, Universidade de Genebra e Universidade da Borgonha em Dijon. Trabalhou no Ipea/Inpes e foi coordenador técnico do Programa Eciel, pas-sando em seguida a diretor-geral da Capes. Foi também secretário executivo do CNRH/Ipea. No exterior, foi Chefe da Divisão de Políticas de Formação da OIT (Genebra), economista sênior de Recursos Humanos do Banco Mun-dial, passando para o BID como chefe da Divisão de Programas Sociais. Ao aposentar-se do BID, em fins do ano 2001, assumiu a posição de presidente do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras. Autor de mais de 35 livros e mais de 300 artigos científicos, é articulista da revista Veja.

Pasi Sahlberg é Ph.D e expert em política e reforma educacionais da European Training Foundation, com sede em Turim (Itália). É cidadão finlandês e serviu como professor e membro da equipe do Ministério da Educação da Finlândia. Foi diretor do Centro para Desenvolvimento Es-colar da Universidade de Helsinki, atuando depois no Banco Mundial (Washington, EUA), onde trabalhou como especialista sênior em edu-cação até maio de 2007. Tem grande experiência na análise de políticas educacionais, no treinamento de professores e de gestores educacionais. Suas mais recentes publicações incluem: Education Policies for Raising Student Learning: The Finnish Approach (2007), Policy Development and Reform Principles of Basic and Secondary Education in Finland since 1968 (2006), Raising the Bar: How Finland Responds to the Twin Challenge of Secondary Education (2006) e Education Reform for Raising Economic Competitiveness (2006). Seus interesses em pesquisa incluem mudança educacional, aprendizagem corporativa e educação matemática.

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Thomas Deissinger exerce, atualmente, a função de professor ti-tular da cadeira de Educação para Negócios e Economia da Universida-de de Constanza (Alemanha). É membro da Société Internacionale pour L’Enseignement Commercial (Sociedade Internacional para o Ensino Co-mercial) e autor de diversos estudos e publicações. Destacam-se entre eles: Aprendizagem na Alemanha: Modernizando o Sistema Dual, em co-autoria com S. Hellwig (2005); Iniciativas e Estratégias para Fixar Opor-tunidades de Treinamento na Educação Vocacional e no Sistema Alemão do Treinamento, também com S. Hellwig, (2004); Sistema Alemão de Educação e do Treinamento Vocacionais: Desafios e Etapas da Moderni-zação, (2004) e Treinamento Vocacional em Empresas Pequenas na Ale-manha: a Contribuição do Setor do Ofício, (2001).

Candido Alberto Gomes é doutor em educação pela Universida-de da Califórnia, Los Angeles, e tem mais de 150 trabalhos publicados no Brasil e no exterior. É professor titular da cátedra sobre Juventude, Educação e Sociedade da Universidade Católica de Brasília. Entre as suas funções, foi assessor legislativo concursado do Senado Federal e presi-dente do Comitê de Pesquisa do Conselho Mundial das Sociedades de Educação Comparada. Tem sido consultor de várias organizações inter-nacionais.

João Batista Araujo e Oliveira é Ph.D em Educação e possui vasta experiência como professor, pesquisador, administrador público e consul-tor, tendo trabalhado no Brasil e em mais de 50 países. É autor de mais de três dezenas de livros científicos, mais de uma centena de artigos técnicos e científicos, e de várias publicações de caráter didático. Como consultor, participou de importantes reformas educativas em âmbitos nacional, esta-dual e municipal. Atualmente preside o Instituto Alfa e Beto.

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Anexo 2Comissão de Educação e Cultura - CECPresidente: Deputado Gastão Vieira 1º vice-presidente: Deputada Maria do Rosário 2º vice-presidente: Deputado Frank Aguiar 3º vice-presidente: Deputado Osvaldo Reis

TitularesDeputado Alex Canziani Deputada Alice Portugal Deputado Angelo Vanhoni Deputado Antonio Bulhões Deputado Antônio Carlos Biffi Deputado Ariosto Holanda Deputado Átila Lira Deputado Carlos Abicalil Deputado Clodovil Hernandes Deputado Clóvis Fecury Deputada Fátima Bezerra Deputado Frank Aguiar Deputado Gastão Vieira Deputado Iran Barbosa Deputado Ivan Valente Deputado João Matos

Deputado Joaquim Beltrão Deputado Lelo Coimbra Deputado Lobbe Neto Deputada Maria do Rosário Deputada Nice Lobão Deputado Nilmar Ruiz Deputado Osvaldo Reis Deputado Paulo Renato Souza Deputado Paulo Rubem Santiago Deputado Professor Ruy Pauletti Deputado Professor Setimo Deputada Professora Raquel Teixeira Deputado Raul Henry Deputado Rogério Marinho Deputado Severiano Alves Deputado Waldir Maranhão

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SUPLENTES

Deputada Andreia Zito Deputada Angela AminDeputada Angela Portela Deputado Beto Mansur Deputado Bonifácio de Andrada Deputado Dr. Pinotti Deputado Dr. UbialiDeputado Eduardo Lopes Deputado Elcione Barbalho Deputada Eliene LimaDeputado Elismar Prado Deputado Flávio Bezerra Deputado Gilmar MachadoDeputado Jilmar Tatto Deputado João Oliveira

Deputado Jorginho Maluly Deputado Lira Maia Deputada Luiza Erundina Deputado Marcelo Ortiz Deputado Márcio Reinaldo MoreiraDeputado Mauro Benevides Deputado Mauro Lopes Deputado Neilton Mulim Deputado Paulo Magalhães Deputado Pedro Wilson Deputado Professor Victorio Galli Deputado Raimundo Gomes de Matos Deputado Reginaldo Lopes Deputado Ribamar Alves Deputado Ricardo Izar Deputado Saraiva Felipe

Local: Anexo II, pav. superior, ala C, sala 170 Telefones: 3216-6622/6625/6627/6628 FAX: 3216-6635