92
CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC DOC TAGV / FEUC INTEGRAÇÃO MUNDIAL, DESINTEGRAÇÃO NACIONAL: A CRISE NOS MERCADOS DE TRABALHO COMO É QUE SE PODE RESISTIR? HISTÓRIAS DE TRABALHADORES NUMA FÁBRICA AMERICANA UM FILME DE ALEXANDRA LESCAZE DOCUMENTÁRIO 2004

CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

COmO é QUE SE pODE RESISTIR?

hISTÓRIAS DE TRABALhADORES NUmA FáBRICA AmERICANA

Um FILmE DE ALExANDRA LESCAzE

DOCUmENTáRIO 2004

Page 2: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos
Page 3: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

GLOBALIzAçãO E DESLOCALIzAçõES:

AS DIFICULDADES NA REpRODUçãO DA RELAçãO SALARIAL

COmO é QUE SE pODE RESISTIR?

hISTÓRIAS DE TRABALhADORES NUmA FáBRICA AmERICANA

Um FilmE DE AlExAnDrA lEsCAzE

DOCUmEnTáriO, 2004

DEbATE COm A pArTiCipAçãO DE:

EL mOUhOUB mOUhOUD

EDwARD GRESSER

pAULO pEDROSO

mARGARIDA ANTUNES

TEATrO ACADémiCO DE Gil ViCEnTE

5 DE nOVEmbrO DE 2007

Page 4: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos
Page 5: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

DESLOCALIzAçõES E CONDIçãO SALARIAL:

DA ORGANIzAçãO DA pRECARIEDADE NO TRABALhO

à NECESSIDADE DE Um NOvO CONTRATO SOCIAL

1. A desregulação da economia americana e mercado1.1. A crise económica na Administração Bush1.2. Redução de impostos e a redução real do salário mínimo1.3. A deslocalização de empregos: linhas de explicação1.3.1. Explicando a perda de postos de trabalho na indústria transformadora1.3.2. A produção interna como parcela da procura total 1.3.3. Decomposição das causas da perda de empregos1.3.4. Conclusão

Apêndice 1. Referências sobre o debate da redução de postos de trabalhona indústria transformadora

Anexo Técnico. Modelo de decomposição dos efeitos internos e externosresponsáveis pela redução do emprego na indústria transformadora

2. A economia americana face à globalização: uma análise do presente2.1. Procurando uma linha de apoio, uma linha de esperança2.2. A globalização: radiografias da economia americana

3. A globalização, o progresso técnico e a dominante política: a reorganização da relação salarial ou a necessidade de um novo contrato social

Page 6: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

© Where do you stand © Where do you stand

Page 7: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

5

1. A DESREGULAçãO DA ECONOmIA AmERICANA E mERCADO

1.1. A CRISE ECONÓmICA NA ADmINISTRAçãO BUSh

A perspectiva de Robert D. AtkinsonExcertos de Robert D. Atkinson, The Bush Manufacturing Crisis, Progressive Policy Institute

disponível em

www.ppionline.org/ppi_ci.cfm?knlgAreaID=107&subsecID=123&contentID=252115

Desde Janeiro de 2001, os Estados Unidos perderam 3,3 milhões postos de trabalho no sector privado, dos quais 2,4 milhões na indústria transformadora. A hemorragia de empregos fabris atingiu um nível suficientemente dramático para que chamasse a atenção da comunicação social e dos meios oficiais de Washington. Mesmo a Casa Branca, de Bush, com a sua ideologia do laissez-faire e com a sua aversão política em reconhecer as notícias quando são más, veio finalmente admitir haver um problema.

O forte declínio do emprego na indústria transformadora suscitou um debate intenso sobre as suas causas e soluções possíveis. Por um lado, a maioria dos conservadores defende renitentemente que a perda de postos de trabalho fabris é, simplesmente, o resultado natural das forças do mercado e das mutações tecnológicas, enquanto, no sentido oposto, a maioria dos liberais defende que a causa está no comércio internacional e na concorrência. Dado que surgem notícias, quase diariamente, de fabricantes dos Estados Unidos que deslocalizam a produção para a China, esta última explicação suscita uma adesão quase visceral em muitos americanos. Mas nenhuma destas explicações consegue retratar completamente a realidade em causa.

O Progressive Policy Institute (PPI) estima que, durante a Administração Bush, aproximadamente 30 por cento dos postos de trabalhos perdidos na indústria transformadora foi causado pelo aumento do défice do comércio externo. O crescimento

Page 8: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

da produtividade na indústria transformadora foi responsável por, aproximadamente, 40 por cento da perda de postos de trabalho. E um crescimento da procura de bens, a um ritmo mais lento (em comparação com o crescimento da procura de serviços), causou a perda dos restantes 30 por cento.

O governo não deve intervir para impedir a perda de postos de trabalho que resulta do crescimento da produtividade. Mas, uma vez que 60 por cento das perdas de postos de trabalho durante o mandato deste presidente não tem nada a ver com a produtividade, justifica-se centrar a análise desta realidade na tipologia de políticas activas que o governo deveria empreender para ajudar a indústria. Infelizmente, a ideologia económica da Administração Bush impossibilita-a de empreender tais medidas. Pior ainda, o seu empenho em comprimir os gastos da administração pública traduziu-se no corte dos fundos dos programas destinados a ajudar os industriais a melhorarem a competitividade e a apoiar a readaptação dos trabalhadores despedidos. Em vez duma Administração que só sabe fazer promessas de bons tempos futuros, necessitamos duma Administração que tome as medidas necessárias para estimular a competitividade da indústria transformadora. Há três áreas principais onde o governo pode ajudar.

Em primeiro lugar, a melhor maneira de os Estados Unidos melhorarem a competitividade é através da inovação, desenvolvendo, simultaneamente, quer a geração seguinte de produtos manufacturados inovadores, quer a aplicação de tecnologias que impulsionem fortemente a produtividade.

Em consequência, o governo deve estimular a inovação tecnológica, através de:

1. Implementação de uma medida de apoio à Investigação & Desenvolvimento para desenvolver uma nova geração de indústrias.

2. Desenvolvimento de um fundo Industry Research Alliance Challenge Grant Fund (fundo de incentivos financeiros à investigação em parceria na indústria).

3. Duplicação dos fundos destinados ao Manufacturing Extension Partnership (desenvolvimento de parcerias no âmbito da indústria transformadora).

4. Financiamento integral da Entreprise Integration Act (Lei de integração empresarial aprovada pelo Congresso americano, que promove o desenvolvimento e a estandardização das tecnologias de informação nas empresas, de forma integrada).

Page 9: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

7

5. Promoção da economia digital, para impulsionar investimentos nas tecnologias de informação.

Em segundo lugar, é importante desenvolver bem as políticas comerciais. Acima de tudo, isto significa não cair em tentações proteccionistas. Contudo, é também necessário:

1. Atribuir incentivos aos países em desenvolvimento para que desenvolvam e ponham em prática padrões mais elevados de normas laborais e ambientais.

2. Apoiar os industriais, particularmente as pequenas e médias empresas, na melhoria do acesso aos mercados externos.

3. Assegurar que as taxas de câmbio, designadamente a do dólar, sejam ajustadas à evolução dos desequilíbrios da balança comercial.

Em terceiro lugar, a deslocalização dos postos de trabalho irá continuar a verificar-se sempre, mesmo nos períodos mais favoráveis. Consequentemente, necessitamos de tomar medidas para ajudar os trabalhadores despedidos, nomeadamente:

1. Expandir e modernizar o sistema de seguro de desemprego. 2. Integrar os programas de formação profissional nacionais numa National Skills

Corporation (Entidade Nacional de Qualificações Profissionais).3. Transferir fundos dos programas de apoio aos trabalhadores deslocalizados

para o programa New Economy Scholarship Program (Programa de Bolsas para a Nova Economia), destinado a apoiar a formação profissional e serviços de apoio na colocação dos trabalhadores deslocalizados.

4. Alargar aos trabalhadores despedidos os benefícios fiscais dos seguros de saúde.

Porque é que a indústria transformadora é importante?

Há alguma justificação para focalizar a intervenção política num sector específico da economia? Sem dúvida que há, mas tal deve ser feito por razões acertadas. A maioria das reivindicações quanto à importância da indústria transformadora é incorrecta ou exagerada. Alguns dizem que a economia real se traduz em produzir coisas enquanto o fornecimento de serviços é uma actividade de segunda classe; a realidade é que o bem-estar da nossa economia é determinado pela produtividade da economia como um todo,

Page 10: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

não por nenhum sector em particular. Outros dizem que o sector transformador propicia bons postos de trabalho, enquanto os trabalhadores dos serviços são mais do tipo dos trabalhadores das cadeias de fast-food com salário mínimo; a realidade é que os salários em muitos sectores dos serviços excedem os da indústria transformadora. Outros afirmam que, sem os postos de trabalho da indústria, alguns dos outros trabalhadores não teriam pura e simplesmente emprego; a realidade é que os bens manufacturados se tornam mais baratos (quer por razões comerciais, quer pela tecnologia), os consumidores gastam as suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos de empregos nestas actividades (hotéis, telecomunicações, universidades).

Isto não significa que se deva ser indiferente em relação à situação da indústria transformadora. Mas a preocupação relativamente à indústria transformadora relaciona-se principalmente com o bem-estar económico da próxima geração de americanos. A indústria transformadora é a mais forte componente da nossa balança comercial e um sector transformador fraco conduz a um maior défice comercial. Uma vez que o défice comercial não pode continuar a crescer indefinidamente, os estrangeiros deixarão, em dado momento, de reinvestir os seus dólares nos Estados Unidos, conduzindo a uma significativa deterioração do valor do dólar. Isto, por sua vez, reduzirá o bem-estar económico da próxima geração porque serão forçados a pagar mais pelas importações. Se não se agir agora, a factura será apresentada no mesmo momento em que o nosso país estará também a braços com a pesada factura das pensões da geração dos “baby boomers” e com uma enorme dívida pública.

Consequentemente, a principal razão de preocupação com a situação da indústria transformadora relaciona-se com o seu papel chave na determinação da balança comercial. Se os americanos continuarem a importar bens, devemos ter algo que as outras nações nos queiram comprar – é por isso que se chama “comércio” e não “empréstimo”. Mesmo com custos extremamente baixos noutros países, não há nenhuma razão intrínseca para que a América tenha que ter défice comercial. Embora os países em desenvolvimento paguem salários mais baixos, as suas fábricas são muito menos produtivas. Além disso, um valor mais baixo do dólar deveria compensar algumas das desvantagens nos custos e ajudar a equilibrar as importações e exportações.

Page 11: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

Alguns daqueles que minimizam o problema do défice argumentam que grandes défices nos produtos industriais podem ser compensados por grandes excedentes nos serviços. Conceptualmente, isto é verdade, ou seja, um excedente nos serviços, da mesma dimensão do défice nas mercadorias, anularia o défice, sendo um resultado perfeitamente aceitável. Infelizmente, mesmo num futuro previsível, é extremamente improvável que isto venha a acontecer. O excedente comercial nos serviços foi apenas de 78 biliões de dólares em 2002 (o défice nas mercadorias foi de 583 biliões de dólares), apenas 70 biliões acima do valor de 1993. Apesar do crescimento das telecomunicações e das tecnologias da informação, que tornam aliás mais fácil a venda de serviços a nível internacional, o nível a que se situa a transacção de serviços é ainda muito pequeno em relação à dimensão do comércio externo de mercadorias e assim será por, pelo menos, umas décadas. Além disso, é possível que as mesmas forças que conduziram a uma deterioração da nossa balança comercial de mercadorias actuem também no mesmo sentido sobre alguns dos nossos sectores dos serviços.

Finalmente, é importante definir o que se entende por “boa situação da indústria transformadora”. Alguns equacionam-na erradamente em função do número de posto de trabalho fabris. Contudo, um sector transformador mais produtivo conduzirá naturalmente a menos postos de trabalho, uma vez que as empresas produzem mais com menos trabalhadores. Os indicadores mais exactos da situação da indústria transformadora são a taxa de crescimento da produtividade e a capacidade competitiva relativamente a produtores de outros países.

Porque é que o desemprego se acelerou?

Os Estados Unidos criaram 257.000 novos postos de trabalho na indústria transformadora durante a Administração Clinton. Em contraste, perderam-se 2,4 milhões de postos de trabalho na indústria durante a Administração Bush. Não sendo a Administração Bush directamente responsável pela maioria dessas perdas, fez porém muito pouco para inverter a tendência e, nalguns casos, até as exacerbou. Os altos quadros da Administração Bush apresentam uma miríade de explicações para desviarem as culpas, que vão desde o crescimento económico mais lento até ao elevado crescimento da produtividade, e até ao valor da moeda chinesa. Um olhar mais atento sugere um quadro mais complexo.

Page 12: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

10

Gráfico 1. Variações no emprego da indústria transformadora

Fonte: Bureau of Labor Statistics.

Não há dúvida que a estagnação económica e a perda geral de postos de trabalho tiveram o seu papel. Porém, o facto de que 87 por cento dos postos de trabalho perdidos sob a Administração Bush o terem sido na indústria transformadora (que em 2001 representava apenas 13 por cento do emprego total) sugere que algo mais, para além da recessão económica, deve ter tido o papel principal.

Será a produtividade a culpada?

A Administração Bush argumenta que a retracção da indústria transformadora sob o seu mandato é apenas uma continuação da tendência de longo prazo do crescimento da produtividade a nível elevado. Glen Hubbard, anterior presidente do Council of Economic Advisers do governo Bush, argumenta que “o declínio no emprego da indústria transformadora se assemelha ao da agricultura no último século, em que o crescimento acentuado da produtividade caracterizou o comportamento americano e em que milhões dos trabalhadores deixaram a agricultura indo para outros segmentos da economia.” Hubbard só tem razão em parte. É verdade que uma produtividade mais elevada é um factor importante na perda de postos de trabalho na indústria transformadora, como parcela do emprego total. A partir de 1992 e até 2003, a produtividade da indústria aumentou 49 por cento, enquanto os outros sectores tiveram, globalmente, um crescimento de 23 por cento. Em consequência,

Page 13: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

11

os fabricantes podiam produzir mais com relativamente menos trabalhadores face ao resto da economia. Durante a Administração Clinton, a produtividade mais elevada foi um factor ainda mais relevante na explicação do porquê do declínio da parcela do emprego na indústria transformadora, representando cerca de 60 por cento da redução de empregos fabris. Neste período, o emprego na indústria transformadora aumentou, aproximadamente, 250.000 postos de trabalho, mas, como o emprego total cresceu, a taxa de emprego na indústria transformadora desceu de 15 por cento para 13 por cento do emprego total. Em contraposição, durante a Administração Bush, a produtividade mais elevada foi responsável apenas por cerca de 40 por cento da perda de empregos fabris. Mais de 60 por cento destas perdas (1,4 milhões de postos de trabalho) não têm mesmo nada a ver com a evolução da produtividade.

Ao defender os resultados da Administração Bush na indústria transformadora, Hubbard aponta também o facto de que, como fracção do PIB, a produção de bens foi mais elevada na Administração Bush do que nos anos anteriores. Sem dúvida, os dados do Bureau of Economic Analysis (BEA) mostram que a parte da indústria transformadora no PIB passou de 36,1 por cento em 1993 para 39,3 em 2003, sugerindo, à primeira vista, que, com certeza, está tudo bem. Contudo, porque os “bens” computados incluem software, o valor acrescentado dos grossistas e dos retalhistas e também outras indústrias, tais como minas e construção, não reflectem correctamente as variações na produção da indústria transformadora. A quantificação mais exacta encontra-se nas séries estatísticas “PIB real por sectores” do BEA, que sugerem uma história muito diferente. Estas estatísticas mostram que, se deflacionarmos os dados, a parte da indústria transformadora no PIB desceu de 17,6 por cento em 1988 para 16,1 por cento em 2002. Isto derrota a argumentação da Administração Bush de que a indústria transformadora está a crescer a par do total da economia. Este declínio da parte da indústria transformadora no PIB só pode ter origem em duas formas possíveis: ou os americanos consumiram menos bens manufacturados relativamente aos restantes bens da economia, ou consumiram o mesmo ou mais, mas importaram uma parte crescente destes bens.

Será que o problema reside no declínio da procura dos bens manufacturados?

Mesmo que os bens manufacturados estejam a ficar relativamente mais baratos em comparação com os serviços, os americanos estão a consumir serviços a um ritmo mais rápido do que o das mercadorias. À medida que os rendimentos sobem, os americanos provavelmente irão mais vezes jantar fora e ao cinema, ou fazer férias, ou abrir uma conta de

Page 14: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

12

poupança-reforma, ou começar a ter cuidados com a saúde, mais do que comprar um novo carro ou uma nova mobília. Durante a Administração Clinton, o crescimento mais lento do consumo de bens manufacturados foi responsável, aproximadamente, por 17 por cento do declínio da parcela do emprego industrial. Por outras palavras, se o consumo dos americanos em bens manufacturados tivesse crescido tão rapidamente como o dos serviços nos anos 90, o emprego na indústria transformadora seria 17 por cento mais elevado do que o que se verificou efectivamente em 2000.

Contudo, durante a Administração Bush, o ritmo da perda de postos de trabalho devido ao crescimento relativamente mais lento na procura dos bens da indústria transformadora explica aproximadamente 30 por cento da perda relativa de postos de trabalho fabris. Uma das razões é porque enquanto o consumo de bens manufacturados cresceu na Administração Clinton (2 por cento) – embora menos rapidamente do que nos bens não manufacturados e serviços (14 por cento) – este mesmo consumo caiu efectivamente 3 por cento durante a Administração Bush. Esta descida repentina foi particularmente aguda no sector dos bens de capital. Por exemplo, os investimentos em computadores e maquinaria cresceu 3,93 por cento ao ano durante a Administração Clinton mas declinou 0,5 por cento por ano durante a Administração Bush. Esta é uma razão chave para explicar porque é que o emprego caiu tão rapidamente no sector das altas tecnologias. O declínio da procura foi causado em parte pelo rebentamento da bolha especulativa no sector das altas tecnologias: empresas e consumidores que adquiriram grandes quantidades de bens de alta tecnologia nos finais dos anos 90 necessitaram de muito menos produtos nos últimos anos.

Está o comércio externo a matar a indústria transformadora nos EUA?

Muita gente, à esquerda, considera que o comércio externo é a principal causa das dificuldades por que está a passar a indústria transformadora, enquanto os conservadores consideram que a responsabilidade dessas dificuldades está na produtividade. A realidade está algures, entre estas duas posições. Não há dúvida que o crescente défice externo em mercadorias (628 biliões no segundo trimestre de 2003) desempenhou o seu papel na perda de empregos. Contudo, só 25 por cento do declínio da parcela de empregos industriais durante a Administração Clinton resulta do comércio externo e uma grande parte foi em indústrias de mão-de-obra pouco qualificada, tais como os têxteis e vestuário, que competem basicamente através dos custos.

Page 15: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

13

Gráfico 2. Evolução no emprego da indústria transformadora, produção e comércio externo

Desde que Bush assumiu o poder, o impacto do comércio externo aumentou bastante, com aproximadamente 30 por cento da perda dos postos de trabalho na indústria transformadora a dever-se ao aumento do défice externo. Contudo, no que respeita à perda de postos de trabalho ligada à evolução da produtividade, a redução de postos de trabalho é 62 por cento mais elevada na Administração Bush do que na de Clinton. Mais ainda, a taxa anual de perda de empregos na indústria por causa do comércio externo é mais de 40 por cento mais elevada na Administração Bush do que na Administração Clinton. Alguns sectores foram particularmente atingidos. Do acréscimo de 152 biliões de dólares de défice externo durante a Administração Bush, 36 biliões foram de computadores, componentes e periféricos, e mais 50 biliões de produtos de consumo, excluindo automóveis. Nalguns sectores, como os computadores (- 23 biliões) e “outros bens de capital” (- 49 biliões), a queda nas exportações causou défices externos volumosos. Outros bens, tais como os bens de consumo duradouros e não duradouros (45 biliões) e os automóveis (20 biliões), viram crescer fortemente as suas importações. É possível que as perdas devido ao comércio externo em determinados sectores possam acelerar-se particularmente se as questões cambiais não forem convenientemente tratadas. Por exemplo, o governo chinês escolheu como objectivo desenvolver a indústria de semicondutores e concedeu montantes significativos de subsídios para atrair novos fabricantes para a China.

Page 16: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

14

A resposta de Bush à crise da indústria transformadora

Quando as histórias da triste situação da indústria transformadora chegam a Washington, a resposta da Casa Branca é elucidativa. Há quem na Administração Bush, as mesmas pessoas que defenderam a inspirada política de Bush dos direitos aduaneiros para o aço e para a madeira, que quer fazer alguma coisa – não importa o quê – para mostrar que estão a responder à crise, particularmente quando se avizinham as eleições (de 2004), nas quais os Estados industriais de Midwest são os principais campos de batalha.

Por outro lado, os responsáveis económicos da Administração Bush de inspiração “supply-side” (intervenção pelo lado da oferta) defendem que centrar a atenção num qualquer sector específico, mesmo tão vasto como a indústria transformadora, é a última coisa que o governo poderia fazer, uma vez que isso significaria pôr o Estado a escolher os vencedores e envolvê-lo “em política industrial.” Além disso, para esta arqui-conservadora Administração, qualquer coisa que envolva o investimento de fundos públicos vai contra a sua magna missão de baixar os impostos e de reduzir a dimensão e as áreas de intervenção do Estado Federal. Como resultado, Bush só tomou as mais tímidas medidas, limitadas substancialmente a repetir o estafado mantra de que a baixa de impostos com grande incidência orçamental irá produzir a recuperação económica e a argumentar que outras intervenções políticas por razões diferentes (por exemplo, a política energética) fazem realmente parte de sua agenda política no domínio da indústria transformadora. A realidade é que muito do que a Administração Bush fez está a tornar a situação da indústria transformadora ainda pior.

O disparar dos défices orçamentais

Em vez de levarem à retoma económica, os enormes e persistentes cortes nos impostos feitos pela Administração Bush estão a piorar as coisas. Primeiro, os investidores deixaram completamente de acreditar que o governo federal se preocupava com o défice orçamental. Sem a segurança de que o governo federal pode e consegue efectivamente manter as contas orçamentais em ordem, as empresas e os investidores ficam nervosos, sem saber o que poderá acontecer.

Os défices orçamentais enormes têm igualmente outro efeito prejudicial, que é o de entrar ainda mais capital estrangeiro para financiar a despesa pública. À medida que os estrangeiros pegam nos dólares que os americanos gastam em bens importados e com

Page 17: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

15

esses dólares compram títulos do Tesouro americano, o resultado é que o valor do dólar se mantém a nível mais elevado do que, de outra forma, seria ditado pelo mercado (do comércio externo de bens e serviços). Para além disso, até data recente, a Administração Bush seguiu conscientemente uma política de dólar forte, empenhando-se, por exemplo, em defender o dólar contra o euro. Ambas as intervenções contrariam o tipo de correcções naturais do valor do dólar que ajudariam a reduzir as importações e a aumentar as exportações.

Direitos aduaneiros mais elevados

Ao mesmo tempo, os esquemas proteccionistas da Administração, em particular os seus direitos aduaneiros no aço e, com menor extensão, na madeira e açúcar, prejudicaram a indústria transformadora no seu todo. De facto, mesmo os conselheiros económicos da Administração admitem que os direitos aduaneiros sobre o aço custaram postos de trabalho industriais no grande conjunto de empresas utilizadoras de aço. De acordo com Glen Hubbard, “sem dúvida nenhuma, os direitos aduaneiros no aço prejudicaram a indústria transformadora”.

Promessas ocas

Depois de ter aumentado o défice orçamental e os direitos aduaneiros sobre os bens intermédios que a indústria transformadora usa, a Administração agora procura desesperadamente mostrar que tem um plano de acção.

Corte dos programas de apoio às indústrias e aos trabalhadores fabris

Quando se trata de tomar medidas concretas para ajudar os empregadores e os trabalhadores da indústria transformadora, esta Administração faz o oposto. Com o seu zelo em cortar no orçamento, cortaram nos fundos públicos destinados ao financiamento de programas que verdadeiramente provaram ser eficazes em ajudar a indústria transformadora a ser mais produtiva e inovadora.

Conclusão

É importante ser realista acerca do futuro da indústria transformadora. Não há nenhuma razão para acreditar que a indústria não continuará a ter taxas de variação mais

Page 18: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

1�

elevadas de produtividade do que o resto da economia, tendo como resultado o declínio a longo prazo da parcela do emprego industrial. Contudo, a evolução da taxa de declínio pode ser abrandada, em particular se Washington levar a cabo políticas adequadas para ajudar a indústria transformadora a tornar-se mais competitiva, conservando postos de trabalho que, de outra maneira, serão perdidos para os seus concorrentes estrangeiros.

Esta é uma tarefa chave da política económica, não apenas porque reduzirá a perda de postos de trabalho na indústria transformadora, mas porque actuará também para reduzir o enorme e insustentável défice externo. A factura subirá, ano após ano, se continuarmos a comprar mais importações do que vendemos em exportações, e terá que ser paga eventualmente quando as nações estrangeiras exigirem o pagamento em bens e serviços. Na ausência de liderança a nível nacional é provável que isto venha a acontecer dentro de 10 a 15 anos, exactamente quando os “baby-boomers” se começarem a reformar. Como consequência os americanos terão que enfrentar não somente os défices gémeos, o da dívida pública e o buraco da segurança social, como terão ainda que enfrentar igualmente o fardo da dívida externa. Retardar este pagamento significará uma maior desvalorização do dólar e daí resultará igualmente um mais baixo poder de compra para a próxima geração.

1.2. REDUçãO DE ImpOSTOS E A REDUçãO REAL DO SALáRIO míNImO

Nove anos da negligência: O salário mínimo nacional,

sem alteração pelo nono ano consecutivo,

desce ao nível mais baixo verificado em mais de meio século.

Texto de Jared Bernstein e Isaac ShapiroNine years of neglect, Centre of Budget and Policy Priorities,

disponível em www.cbpp.org/8-31-06mw.htm

O salário mínimo nacional manteve-se em 5,15 dólares por hora de trabalho, desde 1 de Setembro de 1997. Deste modo, com referência a 1 de Setembro de 2006, o salário mínimo terá permanecido o mesmo durante nove anos, enquanto os custos com a saúde, a gasolina, e outras necessidades cresceram consideravelmente. Mas mais, o salário mínimo caiu extraordinariamente bastante abaixo dos salários de outros trabalhadores, como os gestores de topo (CEO’s).

Page 19: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

17

. Esta falta de acção do Congresso Americano está a atingir um “esticar da corda” sem precedentes. Desde a introdução do salário mínimo, houve somente um outro período em que o salário mínimo permaneceu inalterado por mais de nove anos. O salário mínimo permaneceu o mesmo no período de nove anos e três meses, entre Janeiro de 1981 e Abril de 1990.

. Enquanto o salário mínimo se manteve em 5,15 dólares por hora, desde Setembro de 1997, o custo de vida aumentou desde então 26 por cento. Depois de deflacionado, o valor do salário mínimo situa-se ao seu nível mais baixo desde 1955.

. O salário mínimo é agora igual a apenas 31 por cento do salário médio do sector privado. Esta é a percentagem mais baixa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

No próximo dia 1 de Dezembro (2006) terão passado nove anos e três meses desde o último aumento. Assim, a menos que o Congresso venha a agir rapidamente de modo a que se efective até lá um aumento de salário mínimo federal, constatar-se-á então que o salário mínimo terá permanecido constante pelo período mais longo da economia americana desde que foi criado.

Ajustamentos do salário mínimo

A instituição do salário mínimo nacional nunca incluiu um mecanismo de aumento automático anual para manter o poder de compra. Em resultado, o Congresso tem que desencadear os procedimentos para os necessários ajustamentos.

Estes ajustamentos nem sempre ocorreram em devido tempo. Contudo, entre 1938 e 1981, foram feitos ajustamentos com bastante regularidade, fazendo com que, em geral, o salário mínimo aumentasse em termos de poder de compra ou permanecesse relativamente estável em valor real.

Depois, entre Janeiro de 1981 e Abril de 1990, o valor do salário mínimo ficou congelado em 3,35 dólares por hora de trabalho, sendo o período mais longo sem qualquer ajustamento do nível salarial mínimo. Em resultado, o salário mínimo sofreu uma drástica erosão do seu valor real.

Page 20: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

1�

Houve duas séries de aumentos do salário mínimo nos anos 90, o primeiro dos quais foi promulgado pelo Presidente Bush (pai). Estes aumentos serviram para que o salário mínimo recuperasse algum do valor perdido. Mas a última dessas séries de aumentos entrou em vigor em Setembro de 1997, quando o salário mínimo nacional foi aumentado para o seu nível actual de 5,15 dólares por hora.

O salário mínimo manteve-se o mesmo enquanto o custo de vida aumentou

Um método para avaliar o valor do salário mínimo é acompanhar a evolução do respectivo poder de compra; ou seja, ajustar o respectivo valor tendo em conta as variações no custo de vida. Em cada ano em que o Congresso falha em aumentar o valor do salário mínimo, e o custo de vida aumenta, verifica-se a erosão do poder de compra do salário mínimo. Portanto, o facto de o salário mínimo ter permanecido constante durante nove anos significa que o respectivo valor real diminuiu consideravelmente neste período.

. O valor real do salário mínimo atingiu um pico em 1968, quando chegou ao nível de 7,73 dólares por hora. Durante os anos 70, o nível do salário mínimo andou em média pelos 6,92 dólares por hora, em valor actualizado.

. Desde 2 de Setembro de 1997, a taxa geral de inflação aumentou 26 por cento. Os custos de certos bens de consumo subiram ainda mais acentuadamente. Um galão de gasolina custa agora mais do dobro do que custava há nove anos; os custos de saúde aumentaram 43 por cento, como mostra o quadro seguinte.

Quadro 1. Evolução do custo de vida e do salário mínimo desde Setembro de 1997

Taxa geral de inflação 26%

Alimentação 23%

Habitação 29%

Saúde 43%

Cuidados com crianças e infantários 52%

Livros e materiais escolares 61%

Gasolina normal sem chumbo 134%

Salário mínimo 0%

Fonte: Bureau of Labor Statistics.

Page 21: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

1�

. Uma vez feito o ajustamento em função da inflação, verifica-se que o poder de compra do salário mínimo baixou para o nível mais baixo desde 1955 (Ver o Gráfico 1.).

O salário mínimo caiu bastante relativamente aos salários em geral

O salário mínimo nacional tem sido frequentemente estabelecido tendo também em mente o nível geral de salários. Esta perspectiva reflecte o princípio de que os trabalhadores com salário mínimo devem partilhar os ganhos da economia e não devem ver a sua situação deteriorada relativamente aos outros trabalhadores.

. Durante os anos 50 e 60, o salário mínimo situou-se em média em 50 por cento (ou metade) do salário médio dos trabalhadores em geral (trabalhadores sem posições de chefia ou supervisão).

. O salário mínimo caiu agora para 31 por cento (ou seja, menos de um terço) do salário horário médio dos trabalhadores em geral, 16,76 dólares, em Julho. Esta é a pior posição relativa na história desta série de dados estatísticos, iniciada em 1947 (Ver o Gráfico 2.).

. Os estudos mostraram que a queda no valor relativo do salário mínimo nacional contribuiu para o persistente aprofundamento das desigualdades salariais desde os fins dos anos 70.

Gráfico 1. Poder de compra do salário mínimo o mais baixo desde 1955

Fonte: Cálculos dos autores com base nos dados do U. S. Department of Labor.

Page 22: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

20

Gráfico 2. Salário mínimo pós Segunda Grande Guerra baixo relativamente ao salário médio

Fonte: Cálculos dos autores com base nos dados do U. S. Department of Labor.

O salário mínimo permaneceu também estagnado enquanto as remunerações dos gestores de topo (CEO’s) aumentaram fortemente. Em consequência, o fosso entre os salários dos CEO’s e o salário mínimo aprofundou-se dramaticamente. Em 1978, por exemplo, ainda antes de o fosso ter iniciado o seu rápido aprofundamento, o salário de um CEO mediano representava 78 vezes o que ganhava um trabalhador com o salário mínimo que trabalhasse a tempo inteiro durante todo o ano. Em 2005, o salário de um CEO mediano equivalia a 821 vezes as remunerações de um trabalhador com o salário mínimo; este é a maior diferença alguma vez registada. Como observou um relatório do Economic Policy Institut: “Um CEO mediano ganha mais antes da hora do almoço do primeiro dia de trabalho do ano do que o trabalhador com o salário mínimo durante todo o ano.”

Variações do salário mínimo e variações do imposto sucessório sobre a propriedade

Em reacção a esta grande erosão do valor do salário mínimo, o Congresso começou finalmente a dar sinais de querer elevar o salário mínimo. Numa manobra tortuosa, a Casa Branca adoptou no entanto legislação que liga a redução dramática do imposto sucessório sobre a propriedade ao aumento do salário mínimo. Esta ligação tinha sido já rejeitada uma vez pelo Senado, mas a proposta pode ir de novo a votação em Setembro.

Page 23: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

21

As duas realidades não devem no entanto estar ligadas. Desde 1997 que o Congresso já tinha sido muito generoso para com os relativamente poucos casos de elevados patrimónios sujeitos a imposição fiscal. Além disso, as famílias com elevados rendimentos parecem andar razoavelmente bem na presente recuperação económica enquanto as famílias de baixo rendimento não. Dados censitários recentes revelam, por exemplo, que o rendimento real médio dos 5 por cento mais ricos aumentou 3,1 por cento no ano passado, enquanto os 5 por cento do escalão mais baixo viram os seus rendimentos aumentarem apenas 0,6 por cento.

Especificamente, enquanto o salário mínimo se manteve estagnado desde 1997, o Congresso aprovou legislação que reduziu a carga de imposição fiscal sobre a sucessão patrimonial em oito dos nove últimos anos. Como nota adicional, na lei que recentemente foi aprovada pela Casa Branca, o aumento de salário mínimo beneficiaria 5,6 milhões de trabalhadores, enquanto a redução de imposto sobre a sucessão patrimonial beneficiaria em primeiro lugar 8.200 proprietários muito ricos.

1.3. A DESLOCALIzAçãO DE EmpREGOS: LINhAS DE ExpLICAçãO

Reconsiderando o alvo das causas da perda de postos de trabalho na indústria:O efeito do défice externo crescente não deve ser ignorado

Excertos de Josh BivensShifting blame for manufacturing job loss – Effect of rising trade deficit shouldn’t be ignored,

disponível em http://www.epi.org/content.cfm/briefingpapers_bp149

Muitos analistas económicos deixaram recentemente de considerar os fluxos comerciais internacionais como causa da hemorragia de postos de trabalho no sector da indústria transformadora dos Estados Unidos, argumentando, em geral, que a mudança da estrutura da procura ou o crescimento rápido da produtividade, ou ambas, são a causa do declínio da indústria transformadora. Mas os factos mostram que os desequilíbrios da balança comercial do sector industrial explicam 59% da redução dos postos de trabalho desde 1998. Um exame atento às importações líquidas, à procura de bens manufacturados e ao crescimento da produtividade revela que estes três factores influenciam a indústria transformadora americana da seguinte maneira:

Page 24: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

22

. Os consumidores e as empresas nos Estados Unidos não se desviaram muito do seu padrão de compras de bens manufacturados. De facto, a procura de bens manufacturados, como percentagem da procura global nos Estados Unidos, na realidade cresceu nestes últimos dez anos.

. O défice comercial crescente conduziu a uma diferença sem precedentes entre a produção interna da indústria transformadora e a procura interna de bens industriais. A produção interna representa agora apenas 76,5% da procura interna, ou seja, cerca de 14% menos do que a média verificada entre 1987 e 1997. Aumentar a produção interna para valores mais próximos da procura (aproximadamente à volta de 90%) traduzir-se-ia em alguns milhões de novos postos de trabalho.

. O défice comercial crescente em produtos manufacturados é responsável por, aproximadamente, 58% do declínio do emprego industrial entre 1998 e 2003, e representa 34% do respectivo declínio entre 2000 e 2003. Isto traduz-se na perda de 1,78 milhões de empregos, desde 1998, e 935.000 empregos, desde 2000, devido ao crescimento líquido das importações.

A indústria transformadora perdeu mais de três milhões de empregos entre 1998 e 2003, com 2,7 milhões perdidos quase que imediatamente na pré-recessão de 2000. Em termos aproximados, e em consonância com esta perda de postos de trabalho na indústria transformadora, o défice comercial em bens manufacturados aumentou para mais de 230 mil milhões de dólares. O enorme sincronismo entre a perda de empregos na indústria transformadora e o crescimento do défice comercial contribuiu para a realização de debates sobre se os fluxos internacionais de mercadorias contribuíram ou não para a perda de empregos de que temos vindo a falar.

Os analistas económicos que deixaram de considerar o comércio externo como um factor indutor da perda de empregos pretendem agora justificar a redução dos postos de trabalho na indústria transformadora pela mudança nas estruturas do consumo e do investimento e/ou pelo crescimento rápido da produtividade. Estas análises envolvem duas mensagens subjacentes: a de que há muito pouco que os decisores políticos possam fazer para evitar o declínio dos postos de trabalho na indústria transformadora e, mais especificamente, que o comércio internacional não contribui para este declínio porque este foi basicamente provocado por factores internos (ou seja, a procura e a produtividade).

Page 25: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

23

Na realidade, a crise de emprego na indústria transformadora dos Estados Unidos pode ser resolvida, e para o fazer, é fundamentalmente importante procurar equilibrar a balança comercial aumentando as exportações e/ou reduzindo as importações. A melhor maneira para influenciar estes fluxos de importação e de exportação é incentivar a desvalorização mais acentuada e de forma temporalmente mais prolongada do dólar, de modo a que os bens nacionais se tornem mais competitivos, quer nos mercados internacionais, quer no mercado nacional.

1.3.1. ExpLICANDO A pERDA DE pOSTOS DE TRABALhO

NA INDúSTRIA TRANSFORmADORA

A alteração da estrutura da procura

O declínio da indústria transformadora como parcela do PIB ao longo destes últimos 30 anos é apresentado frequentemente como um corolário da tendência de longo prazo, alheio à evolução da procura de bens manufacturados pelos consumidores e pelas empresas. Porém, embora o peso da componente indústria transformadora no PIB tenha caído de forma persistente e rápida ao longo das últimas décadas, isso resulta largamente de taxas de inflação mais baixas nos bens manufacturados relativamente às taxas de inflação nos serviços, induzidas por taxas de crescimento da produtividade mais elevadas na indústria transformadora.

Surge-nos porém uma estrutura algo diferente quando consideramos a parcela do produto real da indústria transformadora (ajustado pela inflação) no total do PIB medido em termos reais. Os dados em termos reais traduzem melhor o declínio mais rápido dos preços dos bens da indústria transformadora. Em termos reais, a parcela da indústria transformadora no PIB tem-se mantido, na verdade, bastante estável nos últimos 25 anos. Desde 2000, contudo, caiu um ponto percentual completo. Parte desta redução está certamente ligada à grande queda do investimento iniciada em 2000. O gráfico 1. mostra a evolução da parcela da indústria transformadora no PIB, em termos reais e nominais.

Mesmo considerando a estabilidade relativa da parcela da indústria transformadora no PIB (real) total, poder-se-ia ainda argumentar que os americanos começaram a procurar menos produtos da indústria transformadora no passado muito recente (a partir de 2001) e que este desvio da procura explica uma boa parte quer da perda de postos de trabalho na

Page 26: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

24

indústria, quer da não retoma global do emprego, uma vez que a perda agregada de postos de trabalho foi comandada pela indústria transformadora.

Gráfico 1. Peso real e nominal da produção da indústria transformadora no PIB

Fonte: Dados do PIB retirados do Bureau of Economic Analysis (BEA).

Um relatório recente do Congressional Budget Office (CBO) sobre o emprego na indústria transformadora procura evidenciar o desvio a longo prazo da procura dos produtos industriais referenciando a relação entre o produto real da indústria transformadora e o produto real total da economia. Esta comparação, contudo, é errada. O gráfico 2 mostra que, no passado recente, houve realmente uma mudança, mas muito pequena, na procura interna (quando correctamente medida) dos bens manufacturados.

Enquanto o produto da indústria transformadora americana declinou relativamente ao PIB total, houve um enorme aumento das importações líquidas neste sector. Para medir se a procura global de bens da indústria transformadora está efectivamente a aumentar ou a diminuir, temos de calcular também as importações líquidas e a produção interna.

O gráfico 2. mostra a percentagem da produção interna de bens manufacturados no total da procura interna global de todos os bens e serviços, em termos reais. A procura de bens manufacturados é a soma da sua produção interna e das importações líquidas de bens

Page 27: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

25

manufacturados (isto é, importações menos exportações). A procura interna total corresponde ao somatório do PIB com as importações líquidas de todos os bens e serviços.

Gráfico 2. Indústria transformadora em percentagem da procura total: produção interna mais importações líquidas

Fonte: Dados do comércio externo retirados do Census Bureau. Os dados da produção retirados de Bureau of Economic

Analysis. A produção da indústria transformadora para 2003 é uma projecção baseada nas relações passadas entre a

produção da indústria transformadora e a produção agregada.

O PIB e as importações líquidas de bens e serviços são representações muito melhores da procura global. A série estatística destes valores correctamente calculados é notavelmente estável ao longo do tempo, e chega mesmo a aumentar nos anos recentes, contrariando a ideia de que na procura global dos Estados Unidos há um deslocamento de longo prazo a desfavor dos bens manufacturados.

Dado que a procura de bens manufacturados tem crescido mesmo mais rapidamente que a procura de outros bens nos anos recentes, a hemorragia de postos de trabalho na indústria transformadora não pode ser imputada às variações de longo prazo na estrutura da procura.

Page 28: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

2�

1.3.2. A pRODUçãO INTERNA COmO pARCELA DA pROCURA TOTAL

Enquanto a procura de bens manufacturados em percentagem do PIB global dos Estados Unidos se manteve constante (ou até subiu), a produção interna de bens manufacturados não acompanhou esta evolução da procura por uma margem crescente ao longo dos últimos tempos. Este “fosso” entre a procura e a produção interna significa que o consumo global de produtos manufacturados não se traduz na expansão do emprego e da produção.

Este fosso corresponde às importações líquidas. Uma das formas de o medir consiste em traçar ao longo do tempo a evolução da produção interna de bens manufacturados em percentagem da procura total de bens manufacturados. Este rácio varia extremamente ao longo do período de 1987 a 2003, mas mostra novas descidas em todos os anos desde 1998.

Gráfico 3. Rácio da produção nacional da indústria transformadora em relação à procura

Fonte: Dados do comércio externo retirados do Census Bureau. Os dados da produção retirados de Bureau of Economic

Analysis. A produção da indústria transformadora para 2003 é uma projecção baseada nas relações passadas entre a

produção da indústria transformadora e a produção agregada.

A elevação deste rácio para o seu nível histórico mais normal (por exemplo, para 90%, que foi o nível médio entre 1987 e 1997) seria a alavanca mais simples e eficaz para estimular a produção da indústria transformadora e o nível de emprego, subindo a produção 16% acompanhada de perto pelo nível de emprego.

Page 29: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

27

1.3.3. DECOmpOSIçãO DAS CAUSAS DA pERDA DE EmpREGOS

Foram identificados três factores que influenciam o nível de emprego na indústria transformadora: a procura, a produtividade e o comércio internacional. A análise dos dados agregados destes factores revela a importância de cada factor na evolução do declínio do emprego na indústria durante vários períodos de tempo. Apresenta-se em anexo um modelo formal de análise destas ponderações relativas. Em síntese, o emprego na indústria transformadora subirá quando sobe a procura dos bens manufacturados produzidos internamente, mas descerá com o crescimento da produtividade e/ou quando a procura interna de bens manufacturados for satisfeita pela importação.

Gráfico 4. Contribuições para o emprego da indústria transformadora (1998-2003)

Fonte: Ver Quadro A1.

Os gráficos 4. e 5. sintetizam as contribuições relativas do crescimento da procura, do crescimento da produtividade e do crescimento das importações líquidas para o crescimento do emprego da indústria transformadora nos períodos 1998-2003 e 2000-2003.

Page 30: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

2�

Gráfico 5. Contribuições para o emprego da indústria transformadora (2000-2003)

Fonte: Ver Quadro A1.

Nesta decomposição, o crescimento das importações líquidas explica 59% do declínio do emprego na indústria transformadora desde 1998, e 34% do mesmo declínio desde 2000. Os factores internos (o crescimento da procura e o acréscimo da produtividade) não conseguem explicar a baixa total do emprego na indústria transformadora, entre 1998 e 2003. Ao longo deste período, a produtividade subiu de forma extraordinariamente rápida na indústria transformadora, mas aconteceu o mesmo com a procura interna. Mesmo no período de 2000 a 2003, quando o crescimento da produtividade foi rápido e a recessão conduziu ao crescimento lento da procura, os factores internos não explicam uma grande parte da perda total de postos de trabalho. De 1998 a 2003, perderam-se 3,04 milhões de postos de trabalhos na indústria transformadora, sendo as importações líquidas responsáveis pela perda de aproximadamente 1,78 milhões destes. Entre 2000 e 2003, perderam-se 2,70 milhões de postos de trabalhos na indústria transformadora, com as importações de bens manufacturados a explicarem aproximadamente 935.000 destas perdas.

1.3.4. CONCLUSãO

A economia dos Estados Unidos tem vindo a perder empregos na indústria transformadora desde 1998, encontrando-se actualmente no seu mais baixo nível de emprego deste 1958. Há quem tenha defendido que isto podia ser o resultado de mudanças na estrutura da procura e do rápido crescimento da produtividade neste sector. Esta

Page 31: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

2�

argumentação está frequentemente associada a críticas àqueles que apontam o dedo aos fluxos do comércio internacional como causa da perda de postos de trabalho na indústria transformadora nos Estados Unidos.

É prematuro excluir as trocas internacionais da responsabilidade pelos problemas da indústria transformadora. A procura global de produtos manufacturados, correctamente medida, permanece em linha com os valores históricos médios das duas últimas décadas. Não houve nenhum deslocamento de longo prazo a alterar a parte relativa de bens manufacturados na procura total. Além disso, os factos que influenciam o emprego neste sector (a procura global de bens industriais de consumo e de investimento, assim como a evolução da produtividade) não podem, por si sós, explicar a dimensão da redução da perda de postos de trabalho – os défices externos crescentes constituíram um forte contributo para o declínio dos níveis de emprego na indústria.

O crescimento dos défices externos em produtos manufacturados, não compensados pelo crescimento líquido da exportação de outros sectores, pode explicar 34% do declínio nos níveis de emprego na indústria entre 2000 e 2003. Alguns argumentarão que o défice externo em produtos manufacturados é uma tendência de facto de longo prazo da economia dos Estados Unidos e irreversível. A ideia parece ser a de que os Estados Unidos podem conviver com grandes défices externos de bens manufacturados desde que tenham grandes excedentes nos serviços, reflectindo a deslocação para uma economia pós-industrial. Este intercâmbio de posições entre a indústria transformadora e os serviços é teoricamente possível, mas, dado que os excedentes comerciais americanos em serviços representam apenas 11% do seu défice em produtos manufacturados, e dado que este excedente em serviços caiu cerca de 0,5% do PIB nos últimos sete anos, é completamente irrealista esperar que o actual enorme défice comercial em bens manufacturados possa ser sustentado pelo desabrochar das exportações de serviços.

A situação do emprego na indústria transformadora requer a atenção dos decisores políticos. Primeiro, e acima de tudo, deve ser incentivada a desvalorização do dólar relativamente a um largo leque de moedas. No ano passado, o dólar perdeu quase 40% do seu valor nominal contra o euro. Embora esta descida fosse um ajustamento necessário, chegou também a altura de outros países deixarem de manter fixo o valor das suas moedas. Um bloco de países do Sudeste Asiático (China, Malásia e Formosa) “representam” 30% do défice comercial total americano, por fixarem rigidamente o valor das moedas relativamente ao dólar

Page 32: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

30

e impedirem que se realizem os necessários ajustamentos cambiais. Estes países deveriam ser pressionadas para revalorizarem as respectivas moedas. Se estes países permitirem que suas moedas nacionais se ajustem, este ajustamento aliviará a pressão competitiva sobre outros países para permitir que as respectivas moedas também sejam ajustadas face ao dólar.

Há outros passos não directamente relacionados com o comércio externo que podem também ser dados para ajudar as empresas da indústria transformadora americana. Dado que muita da perturbação da indústria é causada por acontecimentos e por políticas fora do seu controlo (como o dólar sobrevalorizado), parece apropriado que os decisores políticos apoiem a indústria transformadora. Uma via para isto é o governo federal aliviar o peso dos custos fixos das empresas da indústria transformadora americana, retirando alguns custos que as empresas tiveram de assumir no passado para pagarem as pensões e os seguros de saúde dos reformados. As empresas industriais terão seguramente concedido suficientes benefícios em saúde e em reformas aos seus empregados e estão agora a enfrentar financeiramente as consequências. As empresas com grandes custos em saúde e em reformas não devem ser penalizadas por terem sido bons empregadores, e os trabalhadores e os aposentados não devem ser penalizados por acontecimentos económicos que estão fora do seu alcance.

E, por fim, a afirmação de que o comércio externo não tem nada a ver com o declínio dos níveis de emprego na indústria transformadora americana deve ser pura e simplesmente abandonada. Deve ser igualmente abandonada a ideia de que este declínio do emprego na indústria é um fenómeno natural que não pode (nem deve) ser travado. Não há nada de desejável, de sustentável ou de irreversível nos actuais enormes défices externos em bens industriais que os Estados Unidos estão a suportar.

ApÊnDiCE 1: REFERêNCIAS SOBRE O DEBATE DA REDUçãO DE pOSTOS

DE TRABALhO NA INDúSTRIA TRANSFORmADORA

Em oposição à ideia de que o comércio externo representa uma das principais causas geradoras da perda de postos de trabalho na indústria transformadora, vários analistas económicos consideram que a variação da estrutura de consumo e/ou o rápido crescimento da produtividade no sector da indústria transformadora são as causas geradoras desta redução drástica de postos de trabalho. O cerne comum destas análises é que existe muito pouco que os decisores políticos possam fazer para inverter o declínio do nível de emprego

Page 33: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

31

na indústria, e, mais especificamente, que o comércio internacional não contribui mesmo nada para este mesmo declínio.

Os primeiros debates sobre a perda de postos de trabalho na indústria transformadora trouxeram para a discussão a noção de que a redução dos níveis de emprego é devida principalmente à evolução da estrutura do consumo global dos americanos, substituindo o consumo destes bens pelo consumo de serviços. Nesta óptica, proposta primeiramente por Clark (1957), o declínio da indústria transformadora é a consequência natural do crescimento numa economia avançada. Um relatório recente do CBO sintetiza este ponto de vista como se transcreve:

A parcela da despesa gasta em bens manufacturados declinou ao longo do tempo nos Estados Unidos assim como nos outros países industrializados. Como o rendimento dos consumidores aumentou, aumentaram as suas despesas em bens, mas impulsionaram em maior escala a sua despesa em serviços – nomeadamente os cuidados médicos. Em 2000, 42% dos gastos de consumo foram constituídos por bens manufacturados, tendo caído dos 52% registados em 1979 e dos 67% em 1950. (CBO, 2004)

Um outro argumento que é proposto para explicar o declínio da indústria transformadora é a existência de altas taxas de crescimento da produtividade neste sector relativamente a todos os outros sectores na economia. Com tudo o resto constante, o crescimento da produtividade na indústria transformadora implica que são necessários menos trabalhadores para produzir a mesma coisa. A não ser que a procura em bens manufacturados cresça mais do que a dos outros sectores, este crescimento rápido da produtividade implicará um declínio da parcela de trabalhadores empregados no sector transformador. Efectivamente a parte do trabalho na indústria transformadora relativamente ao trabalho total desceu claramente ao longo dos anos, dando um traço de verdade a este argumento das taxas de crescimento rápidas da produtividade.

A posição de Berry (2003) é típica deste ponto de vista, argumentando que “muitos empregos na indústria transformadora foram eliminados porque muitas empresas passaram a usar novas tecnologias, novas técnicas de gestão e outros métodos para conseguir ganhos enormes na produtividade.” Afirma ainda que “os trabalhos perdidos devido aos ganhos de produtividade nunca mais voltarão a existir, independentemente do que os decisores políticos fizerem em Washington.”

Page 34: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

32

O presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, considerou como responsável pelo declínio do número de empregos na indústria transformadora a conjugação da evolução da procura e da produtividade:

A perda dos postos de trabalho nos três últimos anos é atribuível, na sua maior parte, ao declínio rápido na procura global de bens industriais e aos ganhos extraordinários de produtividade que fizeram com que a oferta efectiva ultrapassasse a procura. (Greenspan, 2004)

A redução dos postos de trabalho e o comércio externo

Desde há muito que se tem debatido a relação entre o comércio internacional e a perda de postos de trabalhos na indústria transformadora na economia americana, debate desencadeado principalmente por Bluestone e por Harrison (1982). Muitos economistas têm assumido que os fluxos de comércio externo desempenham uma função menor na perda de postos de trabalho na indústria transformadora americana (Rowthorn e Ramaswamy 1999, Krugman 1994, Lawrence e Slaughter 1993). Implicitamente (pelo menos) nos seus argumentos está a ideia de que o declínio dos postos de trabalho na indústria transformadora dos Estados Unidos é uma consequência natural do crescimento da economia, e que tal ocorreria em qualquer caso, independentemente dos fluxos comerciais.

Mesmo os economistas que acreditam que os factores internos (alteração da estrutura da procura e crescimento relativamente rápido da produtividade) explicam a parte de leão do declínio da indústria reconhecem que os fluxos de comércio podem teoricamente ter impacto sobre o nível de emprego da indústria transformadora, conforme referido por Rowthorn e por Ramaswamy (1999):

Estudos mais recentes que procuram explicar o declínio da taxa relativa de emprego na indústria transformadora, tais como, por exemplo, os de Sachs e Shatz (1994), Wood (1994 e 1995) e Saeger (1996) coincidem largamente na importância dada aos factores “internos” no processo da desindustrialização. Reconhecem, contudo, que os factores “externos” tais como o crescimento do comércio Norte-Sul, podem também ter desempenhado um papel significativo na aceleração do declínio do emprego na indústria. (Rowthorn e Ramaswamy, 1999)

Page 35: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

33

O relatório acima citado do CBO, que aponta os factores internos como os responsáveis do declínio da indústria transformadora, reconhece também o seguinte: “uma parcela do declínio de longo prazo no emprego de algumas indústrias transformadoras pode estar ligada à expansão do comércio externo”. (CBO, 2004)

Essencialmente, o argumento não é se o comércio internacional contribui para a redução dos postos de trabalho, mas sim em quanto é que ele contribuiu recentemente para a redução dos postos de trabalho na indústria transformadora. Com este texto procuramos estabelecer as bases para responder a esta questão.

AnExO TéCniCO: mODELO DE DECOmpOSIçãO DOS EFEITOS INTERNOS

E ExTERNOS RESpONSávEIS pELA REDUçãO DO EmpREGO

NA INDúSTRIA TRANSFORmADORA

Uma equação familiar em economia relaciona o emprego, a produção e a produtividade.

(1) Y = yL

Neste caso Y representa a produção, y a produtividade ou produto por trabalhador e L o nível ou volume de emprego. A produção (Y) é frequentemente assumida como equivalente à procura. No longo prazo, a produção e a procura igualar-se-ão, ainda que possam decorrer longos períodos de tempo em que a produção e a procura divirjam, mesmo em termos agregados, sem considerar sectores específicos.

Esta equação pode ser modificada de modo a reflectir o facto de a produção interna não corresponder sempre, e em qualquer circunstância, à procura:

(2) RYd = yL

em que Yd representa a procura interna, enquanto R representa o rácio entre a produção interna e a procura interna, ou seja, R = Y / Yd. A procura interna é a soma da produção interna de bens manufacturados e das importações líquidas de produtos manufacturados (importações menos exportações), o que constitui a representação mais correcta da procura

Page 36: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

34

interna de bens manufacturados na economia americana. As varáveis L e y mantêm têm o mesmo significado que na expressão anterior.

Logaritmizando e diferenciando a expressão (2), ou seja, colocando esta relação não em termos de variáveis expressas em valores absolutos mas sim em termos de taxas de variação dessas mesmas variáveis, obtemos:

(3) r + yd = y* + l

onde r representa a taxa de variação da produção relativamente à procura, yd a taxa de variação da procura, y* a taxa de variação da produtividade e l a taxa de variação do volume de emprego. Rearranjando os termos desta relação, obtemos:

(4) l = yd - y* + r

Os primeiros dois termos no lado direito da equação (4) são, respectivamente, o acréscimo da procura interna e o acréscimo da produtividade. A diferença entre estas duas determinantes do emprego é apelidada na presente análise como factores “internos”. O último termo no lado direito desta equação, r, representa a diferença entre a produção interna e a procura, sendo equivalente ao acréscimo das importações líquidas.

Os níveis e as variações de cada uma destas determinantes nos períodos de 1998 a 2003 e de 2000 a 2003, assim como a contribuição de cada uma das variáveis do segundo membro da equação (4) para a redução do volume de emprego na indústria transformadora são apresentados no quadro seguinte (Quadro A1.).

Os dados sobre o emprego, a produtividade e a produção constam das séries estatísticas da produtividade na indústria transformadora publicadas pelo Bureau of Labor Statistics (BLS) e são expressas em índices. O rácio da produção interna relativamente à procura é calculado pela divisão dos dados da produção industrial, compilados pelo Bureau of Economic Analysis, pela soma destes dados da produção industrial com os dados das importações líquidas (importações menos exportações) publicados pelo Census Bureau das estatísticas do comércio externo.

Page 37: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

35

Quadro A1. Procura, produtividade e importações líquidas: níveis, variações percentuais e contribuições para a

perda de empregos

Fonte: Os índices de emprego, produção e produtividade são retirados das séries da produtividade do Bureau of Labor

Statistics. Os rácios da produção em relação à procura são os mesmos do Gráfico 3. A procura interna total é dada pelo

quociente entre a produção e o rácio da produção relativamente à procura.

Em cada período, as influências combinadas dos factores internos e das importações líquidas tendem de alguma forma a “sobre-explicar” a queda do volume de emprego na indústria (ver a coluna intitulada “residual”). Para obter os valores finais apresentados neste trabalho, assume-se que este valor residual reduz proporcionalmente a contribuição de cada uma das variáveis explicativas na redução do volume de emprego da indústria. Os valores apresentados são, por conseguinte, os valores de cada uma das variáveis explicativas da tabela, multiplicadas por (1+residual).

Esta análise contém algumas hipóteses simplificadoras. A primeira é a de que toda a procura actual é satisfeita pela produção actual. Em boa verdade, uma parte da procura será satisfeita pela venda de bens armazenados em stock (existências), enquanto uma parte da produção corrente não será vendida no mesmo período em que é produzida e acabará possivelmente por ficar por seu turno em stock, como existências.

Page 38: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

3�

Os dados relativos a existências em 2003 não estão disponíveis e, por isso, no presente trabalho, assume-se que os rácios existências/vendas se têm mantido constantes ao longo dos períodos em questão. Isto pode não ter acontecido, mas, ainda assim, parece pouco provável que isso possa alterar de forma significativa os resultados do modelo exposto.

A segunda hipótese simplificadora é a de que os acréscimos na procura induzem a acréscimos proporcionais da quantidade de novos postos de trabalho, e não somente do número de horas de trabalho. Se há a possibilidade de aumentar o número de horas de trabalho dos trabalhadores existentes do sector transformador, então uma parte do acréscimo da procura que poderia ser impulsionado pela redução das importações líquidas não conduzirá proporcionalmente à criação de novos postos de trabalho – pois alguma dessa procura adicional será satisfeita pelo acréscimo de horas de trabalho por trabalhador.

Gráfico A1. Contribuições para o emprego da indústria transformadora (2001-2003)

Fonte: Os índices de emprego, produção e produtividade são retirados das séries da produtividade do Bureau of Labor

Statistics. Os rácios da produção em relação à procura são os mesmos do Gráfico 3. A procura interna total é dada pelo

quociente entre a produção e o rácio da produção relativamente à procura.

Podia haver espaço para o aumento das horas de trabalho na indústria transformadora – a média das horas por semana tem-se reduzido em 2% desde 2001 neste sector. De novo, parece improvável que o acréscimo de horas de trabalho possa

Page 39: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

37

absorver qualquer acréscimo significativo da procura de bens manufacturados resultante duma melhoria da balança comercial externa deste sector.

O resultado a que se chegou, de que o comércio externo tem tido grande efeito sobre os volumes de emprego, não é afectado pelos pontos extremos escolhidos de cada período de análise. O gráfico A1. mostra a mesma análise para o período de 2001 a 2003.

As importações líquidas são efectivamente responsáveis por uma grande parte da perda de postos de trabalho na indústria transformadora neste período, uma vez que a procura começou a subir vivamente depois de 2001, para depois voltar a descer. A subida das importações líquidas é responsável por 42% dos 1,9 milhões de empregos perdidos, de 2001 a 2003 (cerca de 897.000 empregos).

Durante o período de 1987 a 2003 (o conjunto de dados de que dispomos para este modelo) há somente curtos espaços de tempo em que a parte da procura satisfeita pela produção interna subiu consistentemente. Um destes períodos foi entre 1987 e 1989. Neste espaço de tempo, o emprego na indústria transformadora subiu cerca de 2,3%. Os efeitos de compressão do volume de emprego decorrentes do crescimento da produtividade (factores internos) foram mais do que compensados pela subida da produção interna relativamente à procura (a redução das importações líquidas).

Page 40: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

© Where do you stand

Page 41: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

3�

2. A ECONOmIA AmERICANA FACE à GLOBALIzAçãO:

UmA ANáLISE DO pRESENTE

2.1. Em BUSCA DE Um pONTO DE ApOIO, DE UmA LINhA DE ESpERANçA

Conseguindo um ponto de apoio: Um Plano de Acção para Ajudar

os trabalhadores da Carolina do Norte afectados pelas deslocalizações

Excertos de Rural Economic Development Centre, “Gaining a foothold, An action agenda”,

disponível em www.ncruralcenter.org/pubs/GaF%205-31-05.pdf

Durante os últimos 5 anos, mais de 200.000 trabalhadores da Carolina do Norte viram desaparecer os seus empregos quando as indústrias e outros empregadores reduziram os efectivos ou fecharam as portas para sempre. Este relatório dá-nos uma perspectiva sobre estes trabalhadores afectados pelas deslocalizações e sobre o sistema que os apoia e apresenta 10 propostas para ajudar os trabalhadores a ultrapassarem as suas perdas de emprego, refazerem as suas capacidades de trabalho e voltarem ao mercado de trabalho.

Como se sabe, atravessou-se recentemente uma situação difícil na Carolina do Norte, com milhares de despedimentos colectivos e de encerramentos de empresas.

Alguns dos despedimentos tiveram lugar no início dos anos 2000 devido à recessão a nível nacional. Outros estão ligados a uma transformação mais profunda da economia. Os indicadores económicos globais estão agora a melhorar, mas muitos trabalhadores permanecem sem trabalho ou tomam agora conhecimento que perderão em breve os seus empregos.

Page 42: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

40

A economia da Carolina do Norte, tal como a economia nacional, está a atravessar uma mutação estrutural, na qual desaparecem muitos dos empregos em que assentava a nossa economia, como resultado do comércio global ou por ficarem obsoletos pelas novas tecnologias. Há empregos que estão a ser criados em novos sectores, mas são diferentes dos do passado, requerendo frequentemente um nível de instrução significativamente mais elevado.

Por cima deste desalinhamento de qualificações, a abolição das quotas de importação no têxtil e no vestuário, a partir de 1 de Janeiro, veio trazer novas ameaças aos trabalhadores destas indústrias, as quais empregam mais de cem mil trabalhadores e constituem o sustento de centenas de comunidades na Carolina do Norte.

Tendo consciência da ameaça continuada para os trabalhadores e para as comunidades da Carolina do Norte, foi criado um grupo de trabalho para identificar e desenvolver propostas de solução para os desafios das deslocalizações e para os problemas que os trabalhadores da Carolina do Norte enfrentam diariamente com os despedimentos. Este relatório apresenta os resultados e recomendações baseadas em mais de seis meses de estudos e reflexões.

2.1.1. A ACçãO DO CONGRESSO…

ASSEGURAR QUE OS TRABALhADORES DA CAROLINA DO NORTE AFECTADOS

pELO COméRCIO INTERNACIONAL TENhAm ACESSO AOS ApOIOS FEDERAIS

O programa U.S. Department of Labor’s Trade Adjustment Assistance foi criado para providenciar formação profissional, apoios em termos de rendimento e de reemprego e ainda outros apoios aos trabalhadores que perderam os seus empregos em consequência do comércio global. Embora o programa tenha sido alargado em 2002, alguns trabalhadores que perderam os empregos devido ao comércio global não reúnem condições de elegibilidade para se candidatarem aos referidos apoios, outros só podem ter acesso depois de um longo processo de candidatura, e o nível global de formação e de apoios pode vir a ficar em causa devido à actual limitação de fundos financeiros. Recomenda-se, pois, aos Congressistas da Carolina do Norte que pressionem nas sessões do Congresso para que se altere a legislação, de modo a que todos os trabalhadores afectados pela globalização tenham acesso aos apoios do Federal Trade Adjustment Assistance.

Page 43: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

41

A acção a desenvolver pelo Estado Federal da Carolina do Norte

a) Proceder à reforma dos mecanismos de segurança social no desemprego

Na altura em que os fundos do seguro de desemprego cresceram imenso, durante os prósperos anos 90, o Estado da Carolina do Norte introduziu uma medida atribuindo aos empregadores uma redução de 50 por cento da sua taxa de contribuição para o seguro de desemprego, quando o Unemployment Insurance Trust Fund atingiu os 800 milhões de dólares. Infelizmente, houve uma redução sem precedentes nas contribuições para este seguro a seguir à recessão de 2001, que drenou as reservas do Unemployment Insurance Trust Fund da Carolina do Norte. Em consequência, o Estado da Carolina do Norte foi forçado a contrair empréstimos junto do Governo Federal para pagar os subsídios de desemprego àqueles que os solicitaram e que a eles tinham direito. Recomenda-se pois (à Assembleia Geral do Estado da Carolina do Norte) que sejam revistas as medidas de política de modo a que seja assegurado o total financiamento do Fundo e que o mesmo possa responder às necessidades futuras.

b) Providenciar financiamento estável para formação e serviços de apoio e programas de protecção familiar

Durante mais de uma década, a Carolina do Norte financiou serviços de apoio fundamentais de desenvolvimento da mão-de-obra através do Worker Training Trust Fund – constituído por rendimentos gerados pelos juros das reservas do seguro de desemprego. Quando estas reservas foram absorvidas pelo pagamento dos subsídios de desemprego, os programas de apoio à formação e ao emprego foram reduzidos, ou mesmo eliminados, exactamente quando eram mais necessários. Recomenda-se, pois, que a Assembleia do Estado Federal da Carolina do Norte actue de modo a providenciar financiamentos alternativos, recorrentes e flexíveis, para os programas mais críticos.

Entre 1998 e 2003, o número das hipotecas accionadas quase que triplicou na Carolina do Norte, devido, em grande parte, ao encerramento de empresas e aos despedimentos. Em resposta a esta tendência, a North Carolina Housing Finance Agency lançou o programa Home Protection Pilot Program, em Janeiro de 2005, para apoio aos trabalhadores, aconselhando-os e concedendo-lhes empréstimos até 20.000 dólares, de modo a não perderem as suas casas por accionamento das hipotecas.

Page 44: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

42

c) Apetrechar as escolas universitárias locais para responder às necessidades emergentes

O aumento dramático dos encerramentos de empresas e dos despedimentos no início dos anos 2000 fez aumentar o número de inscrições nas escolas universitárias locais (“community college” – estabelecimento de ensino superior leccionando 2 anos de formação). As matrículas nestes estabelecimentos de ensino das zonas mais afectadas subiram em flecha. Para permitir a estas escolas enfrentarem os aumentos na procura de formação sem prejudicarem os programas existentes e os estudantes, recomenda-se que a Assembleia Geral do Estado da Carolina do Norte estabeleça um fundo de reserva, não transferível para outros fins, para ser usado em situações de emergência.

2.1.2. ACçãO DAS AGêNCIAS GOvERNAmENTAIS E DAS ORGANIzAçõES

SEm FINS LUCRATIvOS

a) Assegurar que os trabalhadores afectados pelas deslocalizações tenham acesso a toda a informação sobre os apoios disponíveis.

A Carolina do Norte dispõe de um leque de programas para apoiar os trabalhadores afectados pelas deslocalizações, mas os trabalhadores têm frequentemente dificuldade em saber quais são os programas de apoio, em se orientarem no respectivo articulado e em identificarem os serviços que melhor servem as suas necessidades. Recomenda-se assim que as instituições estatais tomem disposições imediatas para o desenvolvimento de uma campanha conjunta de sensibilização e de informação. A campanha deve promover uma maior visibilidade dos Job Link Career Centers, disponibilizar materiais de apoio de fácil compreensão pelos trabalhadores e guias de apoio para as instituições de apoio comunitário, e deve incluir estratégias para facilitar os contactos entre os trabalhadores e os centros de informação e os serviços.

b) Providenciar igual acesso aos serviços a todos os trabalhadores afectados pelas deslocalizações.

Os trabalhadores afectados pela deslocalizações que acedem à informação através do sistema rápido de resposta do Estado ou através do programa Trade Adjustment Assistance

Page 45: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

43

têm geralmente acesso à melhor informação e aos melhores serviços disponíveis. Porém, nem todos os trabalhadores afectados pelas deslocalizações na Carolina do Norte participam nestes sistemas. Recomenda-se pois que a North Carolina Comission on Workforce Development, em parceria com as agências governamentais do trabalho desenvolvam uma estratégia que assegure que todos os trabalhadores afectados pelas deslocalizações tenham igual acesso à informação e aos serviços. Esta estratégia deve ser desenvolvida até Outubro de 2005 e implementada o mais breve possível.

c) Instituir um programa de atestados de aptidão profissional para os trabalhadores da Carolina do Norte.

Muitos trabalhadores afectados pelas deslocalizações têm, no máximo, um diploma do ensino secundário, tornando extremamente difícil competirem para acederem aos empregos de hoje. Contudo, estes trabalhadores têm capacidades valiosas, adquiridas através dos seus longos anos de trabalho e de experiência de vida. O Community College System está a desenvolver um programa de certificação de aptidão profissional destinado a avaliar níveis básicos de aptidão e a conceder “créditos” aos trabalhadores correspondentes às suas capacidades e aptidões profissionais. Subscreve-se este programa e recomenda-se a integração desta certificação com outras estratégias de valorização da força de trabalho e de desenvolvimento económico.

d) Desenvolver um plano de “desastre económico” para as comunidades duramente atingidas pelos despedimentos.

Quando a empresa Pillowtex despediu milhares de trabalhadores em 2003, os despedimentos desencadearam o que poderia ser descrito mais apropriadamente como uma “resposta ao desastre económico” em que os apoios públicos e privados fluíram em força para a zona atingida. Apesar de outros despedimentos noutras comunidades terem sido igualmente devastadores, a sua menor dimensão não atraiu a mesma atenção nem os mesmos auxílios. Recomenda-se portanto que o North Carolina Department of Commerce, em conjunto com outras agências estatais e organizações não lucrativas, criem um modelo de resposta a estes desastres económicos, para permitir dar resposta imediata e urgente a todas as comunidades duramente atingidas pelos despedimentos e pelo encerramento de empresas.

Page 46: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

44

e) Desenvolver estratégias para prevenir os desastres económicos e trabalhadores afectados pelas deslocalizações no futuro.

Uma vez que são críticos os esforços para enfrentar o encerramento de empresas, a Carolina do Norte deve começar a actuar mais agressivamente para salvar e modernizar a sua abalada base industrial, através de apoios activos, tais como serviços de apoio à retenção de empresas, apoios à modernização e formação personalizada. Recomenda-se assim que o North Carolina Department of Commerce, em parceria com outras agências estatais, promova o desenvolvimento de estratégias para evitar o encerramento de empresas e a perda de postos de trabalho.

2.1.3. CRIAR Um pLANO DE LONGO pRAzO DIRIGIDO àS NECESSIDADES DOS

TRABALhADORES AFECTADOS pELAS DESLOCALIzAçõES

As recomendações contidas neste relatório são o resultado de sessões do trabalho e de profundas discussões sobre o impacto dos despedimentos de trabalhadores rurais nas suas comunidades. Para um maior desenvolvimento das ideias e das recomendações deste relatório, recomenda-se que a North Carolina Commission on Workforce Development sirva de organização líder para a definição de uma agenda de acção global e de longo prazo dirigida às necessidades dos trabalhadores afectados, agora e no futuro, pelas deslocalizações na Carolina do Norte.

2.1.4. A REALIDADE vISTA pELOS OLhOS DOS DESEmpREGADOS

Se os encontramos à porta da fábrica ou à porta das suas casas, um ou ano e meio depois de terem sido despedidos, os trabalhadores afectados pelas deslocalizações contam-nos histórias dramáticas.

Um mecânico de manutenção, de 43 anos de idade, diz-nos que o seu subsídio de desemprego se está a esgotar. Quando trabalhava, ganhava 21 dólares por hora. Agora não consegue encontrar qualquer trabalho.

Sem seguro de saúde, uma trabalhadora despedida, diabética, esteve cinco semanas seguidas sem medicação. Está a usar os seus proventos da reforma para pagar a hipoteca da casa e o curso universitário do filho. A sua tensão arterial está a ficar perigosamente elevada.

Page 47: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

45

Seguro de saúde? Diz-nos uma outra trabalhadora que a garantia de seguro de saúde “COBRA” que lhe foi proposta custa 350 dólares por mês e por pessoa. Como poderia pagar aquele valor com o subsídio de desemprego?

Uma jovem mãe, de parto recente, e as suas duas crianças vivem numa caravana móvel, sem água ou aquecimento. Mal consegue levantar os olhos para a assistente social. Não consegue suster as lágrimas. Como é que a sua família pode sobreviver?

O valor do subsídio de desemprego de um antigo trabalhador da indústria do mobiliário atinge 180 dólares por semana, bem abaixo do salário médio na Carolina do Norte, que é de 242 dólares.

Os desempregados estão intensamente a tentar encontrar uma situação melhor, mas o caminho é árduo.

– “Percorremos tudo sistematicamente, e em toda a parte é uma porta que se fecha à nossa frente.”

– “Ou tenho experiência a mais ou a menos.” – “Não há aqui nada – não há oportunidades.”

Uma trabalhadora afectada pelas deslocalizações estava desempregada há mais de um ano quando ouviu, por acaso, uma mulher na igreja dizer que os trabalhadores afectados pela desdeslocalizações tinham acesso a cursos de formação. Ficou ainda mais surpreendida ao saber que podia beneficiar de serviços de cuidados a crianças e de transportes.

Com 60 anos de idade, uma trabalhadora despedida do têxtil trabalha agora num infantário onde ganha 150 dólares, ou seja, metade do que ganhava na fábrica. Teve que sair da casa arrendada e vive num motel com a filha e mais dois netos.

Dois trabalhadores despedidos obtiveram certificados de aptidão profissional em computadores. Agora não conseguem encontrar trabalho correspondente às suas novas aptidões.

Um casal e diversos outros membros da mesma família perderam os empregos quando uma tabaqueira, com mais de 117 anos de existência, encerrou as portas. A mulher concluiu

Page 48: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

4�

o GED (diploma de equivalência geral) e conseguiu arranjar emprego. Mais de um ano depois o marido ainda anda à procura de trabalho.

Quando cada cêntimo conta, uma pessoa interroga-se se não deve deixar de ter telefone. Mas, nesse caso, como é que pode encontrar emprego?

Não pedem esmolas. Nem pedem milagres. Tudo o que querem é um ponto de apoio, um lugar para começarem a subir até voltarem ao patamar normal das suas vidas e poder ganhar a vida assegurando o sustento das suas famílias.

2.1.5. UmA pORTA QUE SE FEChA

Nunca uma porta se fecha com tanto estrondo como quando se fecha uma fábrica. A porta fecha-se sobre 14, 20, ou 38 anos de tempo de trabalho; sobre amizades e sobre a segurança económica; sobre a auto-estima e sobre a confiança no futuro.

As pessoas que esperam à porta das fábricas (poderão elas alguma vez mais considerarem-se a si próprias trabalhadores?) cumpriram sempre todas as regras. Tentaram sempre fazer tudo bem, trabalharam arduamente, foram sempre leais para com a empresa, nunca pensaram em procurar emprego noutro lado. E agora?

Um número desesperante de trabalhadores da Carolina do Norte teve que colocar esta questão a si próprio nestes últimos 5 anos. Neste período de tempo, mais de 200.000 empregos desapareceram. Sem terem culpa, estes trabalhadores foram as vítimas dos despedimentos e dos encerramentos das empresas.

Muito frequentemente, falta uma boa resposta para a pergunta “e agora?”. Nestes últimos anos, muitos desempregados deste Estado esgotaram os seus subsídios de desemprego sem encontrar novos empregos, e em número nunca antes atingido nestes últimos 20 anos. Aqueles que encontraram trabalho estão, em geral, a ganhar menos e com menores benefícios do que antes. A taxa de pobreza na Carolina do Norte está a subir. O mesmo acontece com a percentagem de pessoas sem direito a cuidados de saúde.

Page 49: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

47

No início de 2005, começou a haver sinais de recuperação da economia na Carolina do Norte. Criaram-se 76.400 novos empregos em 2004, o que ajudou a que a taxa de desemprego se situasse abaixo dos 5,5 por cento; dois anos antes, era de 6,7 por cento. No mesmo período, o desemprego rural desceu de 7,6 por cento em 2002 para 6,0 por cento.

Este cenário colorido está, porém, ameaçado por nuvens muito carregadas. O primeiro dia de 2005 marcou o fim das quotas nos têxteis e no vestuário, as principais indústrias, desde há longa data, neste Estado. Os peritos estimam que as perdas de empregos ultrapassem as de 2003, o ano em que os gigantes Pillowtex, Harriet e Henderson, VF Jeanswear e Coats American fecharam as portas, umas a seguir às outras.

Layoffs e Desemprego

Ano Layoffs Layoffs anunciados Desemprego

2000 27.823 32.069 154.401

2001 44.013 63.071 234.282

2002 31.625 39.423 279.566

2003 33.484 46.669 273.164

Fonte: N.C. Employment Security Commission, 2000-2004, U.S. Bureau of Labor Statistics, 2000-2004.

Número de desempregados com subsídio de desemprego esgotado

Ano Subsídios esgotados Ano Subsídios esgotados

1990 32.693 2000 42.564

1991 68.364 2001 74.072

1992 58.903 2002 135.370

1993 40.152 2003 141.892

1994 36.863 2004 115.456

Fonte: N.C. Employment Security Commission, 19900-2004.

Page 50: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

4�

Aumento da pobreza e população não coberta por seguro de saúde

Carolina do Norte 2000 2003

Taxa de pobreza 12,3% 14,6%

% da população (menos de 65 anos) sem seguro de saúde 15,7% 19,4%

Fonte: U.S. Census Bureau, 2000 e 2004; Cectl G. Sheps Center for Health Services Research,

UNC-Chapel Hill, 2005.

2.1.�. ABRINDO UmA NOvA pORTA

O North Carolina Rural Economic Development Center reconhece que uma carga fortemente pesada de “deslocalização económica” atingiu os trabalhadores rurais.

Por mais de 50 anos, as fábricas serviram de base de segurança económica das cidades pequenas e das comunidades rurais da Carolina do Norte. Uma grande parte das fábricas das zonas rurais – em indústrias tradicionais, tais como têxteis, vestuário, mobiliário e tabaco – foram as mais duramente atingidas pelas recentes convulsões e pelas tendências que se perspectivam a prazo relacionadas ou com o progresso técnico ou com o comércio externo. Os trabalhadores despedidos destas indústrias tradicionais enfrentam um desafio duplo: a falta doutras oportunidades de emprego nas suas comunidades locais e os seus próprios níveis modestos de instrução.

Existe uma miríade de programas a nível nacional, a nível dos Estados Federais e a nível local destinados ao desemprego e à formação profissional. Alguns deles destinam-se especificamente a trabalhadores afectados pelas deslocalizações. Mas há muitas lacunas nos diversos apoios disponibilizados, e a consulta dos programas pode ser confusa e desanimadora. Por esta razão, o Rural Center lançou, em 2004, a Rural Dislocated Worker Iniciative. Esta iniciativa procura responder a estes desafios e promover um sistema coerente de políticas e de programas com soluções, de curto e de longo prazo, para os trabalhadores, para as suas famílias e para as respectivas comunidades.

Page 51: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

4�

2.1.7. QUEm SãO OS TRABALhADORES AFECTADOS pELAS

DESLOCALIzAçõES?

Os trabalhadores afectados pelas deslocalizações são os indivíduos que perderam o seu emprego, sem ser por culpa sua, devido a acontecimentos como o encerramento de empresas e os despedimentos colectivos. Nas zonas rurais da Carolina do Norte, estas fábricas pertenciam, na sua maior parte, a sectores industriais em declínio, que durante muito tempo constituíram a base industrial tradicional deste Estado – têxteis, vestuário, mobiliário e tabaco. Esses empregos nunca mais voltarão. Esta é a definição, em sentido lato, de trabalhadores afectados pelas deslocalizações, adoptada no âmbito do Rural Dislocated Worker Inicative. Não é a única definição existente. Na verdade, cada instituição, a nível nacional ou dos Estados Federais, com programas de apoio aos trabalhadores afectados pelas deslocalizações usa a sua própria definição, frequentemente com critérios muito apertados.

2.1.�. A EvOLUçãO ECONÓmICA

Com início no século XIX, a Carolina do Norte construiu uma economia baseada nas indústrias transformadoras e tornou-se finalmente um dos Estados mais industrializados dos Estados Unidos. Por volta de 1970, a indústria transformadora representava quase um terço do emprego deste Estado.

Nas comunidades rurais, a industrialização assumiu uma forma bem particular: fábricas altamente intensivas em trabalho, empregando um grande número de trabalhadores não especializados e de baixos salários. Predominava aquilo que se chamou a “grande árvore” das indústrias tradicionais da Carolina do Norte: têxteis, vestuário e mobiliário. Os produtos do tabaco constituíram uma outra grande indústria e transformaram-se na base económica de muitas zonas rurais da Carolina do Norte. Com poucas fontes alternativas de empregos, uma única fábrica transformava-se frequentemente no motor económico duma comunidade.

Os trabalhadores das zonas rurais da Carolina do Norte ganharam reputação de lealdade e de capacidade de trabalho, mas forças exteriores fora do seu controlo fizeram desaparecer os empregos. Nos anos 70, as empresas começaram a mecanizar as suas fábricas e a adoptar tecnologias que reduziam fortemente as necessidades de mão-de-obra. Depois, com a abertura aos mercados globais, as fábricas americanas defrontaram-se com a incapacidade de

Page 52: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

50

competir com os baixos custos em trabalho e com regulamentações muito menos rígidas dos países em desenvolvimento. As reduções das horas de trabalho, o downsizing, a deslocalização da produção para outros países e o encerramento de empresas tornaram-se factos da vida corrente e, assim, os empregos na indústria tradicional – precisamente os que estão no âmago da economia rural – reduziram-se ainda mais. Quase metade das regiões rurais tiveram uma perda líquida de empregos na indústria transformadora nos anos 80, e estas perdas continuaram durante toda a década de 90.

Emprego na indústria transformadora na Carolina do Sul, 1990-2003

Fonte : N.C. Employment Security Commission, 1990-2003.

Desemprego rural e urbano na Carolina do Sul

Fonte : Cálculos do Rural Center com base nos dados da N.C. Employment Security Commission, 2000-2004.

Page 53: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

51

Em certa medida, o sofrimento nas áreas rurais ficou disfarçado pelo crescimento global da economia deste Estado. Enquanto o volume de emprego nas indústrias tradicionais declinou, o volume de emprego total na indústria transformadora do Estado da Carolina do Norte cresceu até 1995. Mas cresceu em domínios que requeriam empregados de elevado nível de formação, e as empresas estão localizadas nas áreas mais urbanas, onde é mais fácil o acesso aos especialistas universitários e às pessoas formadas. O sector dos serviços também cresceu e empregou mais trabalhadores do que a própria indústria transformadora.

A recessão de 2001 intensificou o declínio da indústria tradicional e atingiu de forma extremamente dura as zonas rurais da Carolina do Norte. As fábricas que já estavam sob pressão fecharam. Dispararam os despedimentos e os encerramentos de empresas que ressoaram por todas as comunidades. Uma vez que estes cortes agravaram as mutações estruturais que se estavam já a verificar na economia, o impacto não foi passageiro. De facto, muito tempo depois do fim da recessão a nível nacional, a Carolina do Norte continuou a perder empregos na indústria.

2.1.�. O pERFIL DOS TRABALhADORES AFECTADOS pELAS DESLOCALIzAçõES

Os trabalhadores afectados pelas deslocalizações, como já foi referido, são geralmente definidos como os desempregados que perderam os seus empregos por razões que lhes são alheias, no âmbito de despedimentos colectivos e de encerramentos de empresas. Estes trabalhadores têm muitos traços em comum, alguns dos quais influenciam o seu potencial para arranjar um novo emprego. O que sobreleva sobretudo é que tendem a ser os mais idosos e com menor nível de formação escolar.

Os trabalhadores afectados pelas deslocalizações são maioritariamente pessoas de meia-idade, ou ainda mais velhos. Quase metade dos trabalhadores afectados pelas deslocalizações das zonas rurais tem idades iguais ou superiores a 45 anos. A formação profissional transforma-se num grande desafio para os trabalhadores mais velhos, que deixaram a escola há já muito tempo e têm agora muito pouco tempo à sua frente para retirarem daí compensações. A idade amplia também os problemas ligados aos seguros de saúde e aos planos de reforma.

Page 54: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

52

Trabalhadores afectados pelas deslocalizações por grupos de idade, 2003

Fonte : N.C. Employment Security Commission, 1990-2004; U.S. Census 2000

Trabalhadores afectados pelas deslocalizações por nível de escolarização, 2003

Fonte : N.C. Employment Security Commission, 2004.

Page 55: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

53

Trabalhadores afectados pelas deslocalizações por raça, 2003

Fonte : N.C. Employment Security Commission, 2004.

Trabalhadores afectados pelas deslocalizações por nível de rendimento anual, 2003

Fonte : N.C. Employment Security Commission, 2004.

Page 56: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

54

Re-emprego por grupos de idade, 2002

Fonte : N.C. Employment Security Commission, 2004.

Re-emprego por nível de escolarização, 2002

Fonte : N.C. Employment Security Commission, 2004.

Page 57: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

55

Emprego no têxtil e vestuário na Carolina do Norte

Fonte : N.C. Employment Security Commission, 1992 e 2002; projecções – cálculos do Rural Center com base nos

dados do Bureau of Labor Statistics, 2004.

Além disso, a maioria de trabalhadores afectados pelas deslocalizações tem, no máximo, a formação do ensino secundário. Esta é uma preocupação fundamental no que respeita aos trabalhadores das zonas rurais: 85 por cento dos trabalhadores das zonas rurais que perderam o emprego em 2003 têm o curso secundário ou menos do que isso. Não dispõem das qualificações básicas requeridas pelos postos de trabalho mais exigentes das indústrias de hoje, que requerem, em média, pelo menos 14 anos da instrução.

Os trabalhadores afectados pelas deslocalizações são também, desproporcionadamente, afro-americanos. Nas zonas rurais da Carolina do Norte, por exemplo, 42 por cento dos trabalhadores afectados pelas deslocalizações são negros, em comparação com os 18 por cento do total da força de trabalho que representam.

Os salários dos trabalhadores afectados pelas deslocalizações antes de terem sido despedidos são também muito diferenciados. Os trabalhadores das zonas rurais tendem a ganhar muito menos do que os seus homólogos nas zonas urbanas. Quatro em cada cinco trabalhadores afectados pelas deslocalizações nas zonas rurais ganhavam menos de 28.000 dólares antes de serem vítimas de despedimento, em comparação com 55 por cento de trabalhadores na mesma situação nas zonas urbanas. Visto duma outra maneira, a maior proporção dos trabalhadores rurais afectados pelas deslocalizações – 38 por cento – ganhava somente entre 12.000 e 20.000 dólares. A maior

Page 58: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

5�

proporção de trabalhadores afectados pelas deslocalizações nas zonas urbanas – 27 por cento – ganhava mais de 36.000 dólares por ano. Estas diferentes escalas salariais têm implicações no nível de poupança de que os trabalhadores possam dispor, na selectividade na aceitação de novos empregos, assim como na capacidade para obterem rendimentos de substituição.

Enquanto a maioria de trabalhadores afectados pelas deslocalizações nas zonas urbanas são homens, as mulheres são a maioria dos trabalhadores afectados pelas deslocalizações nas zonas rurais. Isto também tem implicações na obtenção de novos postos de trabalho. Uma vez que as mulheres desempenham frequentemente também o papel central nos cuidados da família, as questões ligadas à educação das crianças ou aos cuidados com as pessoas idosas podem ter importância especial para as trabalhadoras afectados pelas deslocalizações, e pode ser muito difícil para algumas delas mudar-se para uma outra comunidade para ocupar um novo posto de trabalho, se as suas ligações familiares na sua comunidade são muito fortes.

2.1.10. OS TRABALhADORES BATEm-SE pELA RECUpERAçãO ECONÓmICA

Enquanto a recessão a nível nacional do ano 2002 foi de curta duração, durando somente de Março a Novembro, a recuperação que se seguiu não criou contudo novos postos de trabalho durante mais de dois anos.

Os indicadores avançados para 2004 sugerem uma melhoria, mas nada disto é ainda visível. Entretanto, ficou claro que a possibilidade dos trabalhadores afectados pelas deslocalizações encontrarem novos postos de trabalhos com remunerações que se possam aproximar das que tinham antes veio a tornar-se uma completa miragem para muitos deles.

No período após o fim da recessão, as perspectivas de emprego para os trabalhadores das zonas urbanas e rurais até pioraram. Dos trabalhadores das zonas rurais despedidos em 2001, 59 por cento arranjaram trabalho no intervalo dum ano. Porém, apenas menos de metade (49 por cento) dos trabalhadores das zonas rurais despedidos em 2002 conseguiram arranjar trabalho no intervalo de um ano.

E os orçamentos familiares continuaram a ressentir-se, mesmo quando voltavam a trabalhar. Nos novos postos de trabalhos ganhavam, em média, ligeiramente menos de três quartos de seu anterior salário. Alguns trabalhadores ficaram muito pior que outros. Um terço

Page 59: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

57

destes trabalhadores levava para casa menos de metade do que levava antes. As diferenças entre os trabalhadores das zonas urbanas e das rurais são muito ténues nesta matéria, sendo os valores relativos aos trabalhadores das zonas urbanas ligeiramente mais baixos em muitos casos.

A idade constituiu uma grande diferença no que respeita ao reemprego e aos salários da recolocação. Somente 42 por cento dos trabalhadores com 55 ou mais anos de idade voltaram a encontrar novo trabalho no intervalo de um ano, e ganhando apenas 61 por cento dos salários que ganhavam anteriormente.

2.1.11. NADA DE ENTUSIASmOS, pARA já

Com uma economia mais forte em 2004, muitas das pessoas da Carolina do Norte puderam pela primeira vez ver alguns lampejos de esperança. A taxa de desemprego caiu para 5,5 por cento. Como é habitual, as zonas urbanas portaram-se melhor do que as rurais, mas, quer a taxa de desemprego quer o número efectivo de desempregados baixou em ambas as regiões, enquanto o número das pessoas empregadas aumentou.

Contudo, a situação pode parecer mais ensombrada do que parece à primeira vista, especialmente no que respeita às zonas rurais. Pelas seguintes razões, entre outras:

. Apesar do crescimento recente do emprego, a Carolina do Norte tem ainda um nível de emprego inferior em 91.000 trabalhos ou mais, desde Janeiro de 2001, com uma população a crescer. A população cresceu quase meio milhão de pessoas em cinco anos. Bolsas profundas de desespero polvilham este Estado. Em 14 das regiões, o desemprego, em 2004, manteve-se em 7,5 por cento, ou ainda mais. No Scotland County, com a mais elevada taxa de desemprego, quase 11 por cento dos trabalhadores não têm emprego.

. Mais perturbantes são as projecções económicas a longo prazo. Em Janeiro de 2005, foram abolidas as quotas de importação dos têxteis e vestuário, e os direitos aduaneiros foram reduzidos para níveis próximos dos aplicados a outros bens manufacturados. Com isto as protecções ainda existentes das indústrias nacionais de têxteis e de vestuário foram eliminadas. É esperável que daí decorra o aumento dos encerramentos de empresas e dos despedimentos colectivos. Uma estimativa conservadora aponta para uma perda de 35.000 empregos nos próximos sete anos na Carolina do Norte.

Page 60: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

5�

2.1.12. AjUDANDO OS TRABALhADORES AFECTADOS pELAS

DESLOCALIzAçõES: DEFININDO O mODELO IDEAL

Para as gerações passadas, o trabalho significava estabilidade. Não era invulgar que as pessoas se aposentassem na mesma empresa para que tinham ido directamente trabalhar depois de saírem da escola. Os economistas dizem que essa época acabou. As mudanças muito rápidas nos mercados e a competição à escala global conduzirão a mais e a mais turbulência à medida que os produtos e as empresas aparecem e desaparecem com grande rapidez. Em consequência, muita gente mudará de emprego cinco, seis, ou mesmo sete vezes durante o seu tempo de vida activa. Mas embora não signifique obrigatoriamente perdas económicas inevitáveis, traduz-se na verdade em frequentes casos de vítimas de deslocalizações.

A Carolina do Norte deve preparar-se para fazer com que o impacto das deslocalizações seja o mais rápido e o menos penoso possível, quer para os trabalhadores individualmente, quer para as respectivas comunidades. Isto requer que o Estado repense a sua abordagem ao tratamento das questões inerentes ao apoio aos trabalhadores afectados pelas deslocalizações. Os estudos e os debates promovidos no âmbito do Rural Dislocated Worker Iniciative levaram a uma nova visão sobre os serviços de apoio aos trabalhadores afectados pelas deslocalizações. Nesta nova visão:

. As instituições em parceria a nível público nacional, a nível do Estado Federal, a nível local, e instituições sem fins lucrativos devem estabelecer um sistema consistente de disponibilização de medidas de apoio aos trabalhadores afectados pelas deslocalizações. No mínimo, estes serviços de apoio incluirão: a avaliação das competências, a assistência no planeamento das carreiras profissionais e na procura de novos empregos; a formação académica e profissional, incluindo formação em empreendedorismo; a assistência social na saúde ou seguros de saúde gratuitos ou a custo reduzido; o aconselhamento financeiro; o aconselhamento ao nível da saúde mental e de outros serviços de apoio humano; o apoio financeiro (tal como o seguro de desemprego) para assegurar um razoável nível de rendimento, em conjunto com o auxílio necessário para ocorrer aos custos da habitação, dos cuidados com as crianças e de transportes; e a ajuda financeira de emergência para satisfazer necessidades essenciais.

. Os estudantes e os trabalhadores devem preparar-se para gerir as mudanças de emprego ao longo das suas vidas. Devem ter a noção de que os empregos se criam, se

Page 61: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

5�

transformam e que se dissolvem num ciclo contínuo. Devem apetrechar-se de sólidas bases de instrução escolar e de competências, e depois continuarem a actualizar-se continuamente e a adquirirem novas competências adequadas às necessidades emergentes do mercado de trabalho. A dedicação à aprendizagem ao longo da vida dar-lhes-á a flexibilidade e a capacidade de adaptação para sobreviverem e prosperarem numa economia em rápida mudança. O empenho individual na aprendizagem ao longo da vida é reforçado pela valorização da instrução a nível da comunidade e do local de trabalho.

. Os empregadores devem promover o bem-estar dos seus trabalhadores. Ao recompensarem a educação e a formação profissional, os empregadores fortalecem a sua empresa e posicionam os seus trabalhadores para melhor se adaptarem às situações de mudança. As empresas devem tentar não chegar aos despedimentos colectivos. Quando os despedimentos colectivos não podem ser evitados, devem cooperar com os serviços de apoio públicos e privados procurando ajudar os trabalhadores a minimizar o desarranjo das suas vidas.

. Os organismos responsáveis que lideram o desenvolvimento da força de trabalho devem ajudar os trabalhadores a compatibilizarem de forma equilibrada o seu objectivo de encontrar um novo emprego tão rapidamente quanto possível com o objectivo de elevar os seus níveis de formação escolar e profissional que os prepare para melhores oportunidades. O objectivo consistente será, no mínimo, ajudar os trabalhadores afectados pelas deslocalizações a procurarem manter os rendimentos do trabalho quando mudam para novos empregos.

. A inovação constante deve ser uma imagem de marca dos serviços de apoio aos trabalhadores afectados pelas deslocalizações. Os prestadores de serviços de apoio de formação escolar, de formação profissional e de outros serviços, devem manter a flexibilidade desses serviços, ajudando a que respondam rapidamente às novas necessidades. Devem desenvolver novas estratégias para eliminar as barreiras logísticas, financeiras e culturais que possam impedir os trabalhadores despedidos de aceder a esses apoios.

. As agências de desenvolvimento económico devem promover continuamente novas oportunidades de auto-emprego e de criação de novos empregos. Esta acção contínua deve promover quer oportunidades de empregos de altos níveis de qualificação

Page 62: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�0

quer de empregos de recurso para trabalhadores com qualificações mais baixas. Isto poderá assegurar que os mercados de trabalho locais possam absorver trabalhadores afectados pelas deslocalizações quando as empresas ou as indústrias fraquejam. A situação pode ser ajudada por programas de apoio que ajudem a fortalecer e a expandir as empresas já existentes e que criem novas empresas através do empreendedorismo.

. Os responsáveis políticos da comunidade devem preparar-se para as deslocalizações económicas. Devem chamar as instituições que prestam serviços de apoio ao desenvolvimento da mão-de-obra, ao desenvolvimento económico, à saúde e ao apoio humano, e as instituições de apoio comunitário a clarificarem os respectivos papéis e a melhorarem a sua coordenação na eventualidade de despedimentos colectivos de maior dimensão.

2.1.13. AvANçANDO pARA O FUTURO

Os trabalhadores afectados pelas deslocalizações tornou-se a nova realidade das trocas comerciais a nível global. Vivemos numa realidade económica em que os empregos de todos os tipos – e não somente os dos têxteis e das indústrias de mobiliário – serão criados, eliminados e transferidos através das fronteiras transnacionais a uma velocidade crescente. Estarão os trabalhadores da Carolina do Norte preparados para viverem, e mesmo afirmarem-se com sucesso, neste quadro envolvente? Sim, se, e só se, estivermos dispostos a colocar o desenvolvimento da força de trabalho no topo das agendas políticas a nível nacional e do Estado Federal e congregarmos os recursos de criatividade, programáticos e financeiros para nos prepararmos para os desafios imensos – e em crescendo – que iremos defrontar no futuro.

2.2. A GLOBALIzAçãO: RADIOGRAFIAS SOBRE A ECONOmIA AmERICANA

2.2.1. ImAGENS SOBRE A REALIDADE AmERICANA NO pERíODO

DE jANEIRO A mARçO DE 2004

Excertos de Kate Bronfenbrenner (Director of Labor Education Research, Cornell University) e Stephanie Luce (Research Director and Assistant Professor, University of Massachusetts Amherst), “The Changing Nature of Corporate Global Restructuring: The Impact of Production Shifts on Jobs in the US, China, and around the Globe”, 14 de Outubro de 2004.

Page 63: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�1

Neste relatório, que aborda a natureza e a dimensão das deslocalizações dos EUA para a China, são assinaladas as seguintes imagens da realidade americana, no período de Janeiro a Março de 2004.

Imagem 1. Houve um enorme acréscimo na deslocalização da produção dos Estados Unidos nestes últimos três meses, particularmente para a China, México, Índia e para outros países asiáticos. Houve 69 deslocalizações da produção, referenciadas na imprensa ou confirmadas, para o México, 58 deslocalizações para a China, 31 para a Índia, 39 para outros países asiáticos, 35 para a América Latina e Caraíbas e 23 para outros países, incluindo a Europa Oriental e Ocidental e Canadá. Comparem-se estes valores com os valores de 2001, para o mesmo período de três meses, onde encontramos somente 25 deslocalizações para a China, 30 para o México e 1 para a Índia.

Imagem 2. Com 58 deslocalizações para a China, os Estados Unidos são a fonte principal de deslocalizações da produção para este país. Porém, são seguidos, de muito perto, pela Europa, que registou 55 deslocalizações para a China. Verificaram-se 33 deslocalizações de outros países asiáticos para a China, principalmente do Japão, Formosa, Filipinas e Singapura.

Imagem 3. Diferentemente de 2001, em que a maioria das deslocalizações se processaram simplesmente na transposição de um local para outro, com uma empresa dos Estados Unidos a deslocalizar-se para um só país de destino, hoje, das 255 deslocalizações com origem nos Estados Unidos, 48% são, simultaneamente, deslocalizações de proximidade (near shore) para os países vizinhos da América Latina (principalmente México) e deslocalizações (off shore) para a China e para outros países na Ásia. Esta tendência é um fenómeno global, com os países da Europa a deslocalizarem trabalho, simultaneamente, para a Europa de Leste e para a Ásia, e países da Ásia a deslocalizarem para os seus países vizinhos (near shore) e para a China.

Imagem 4. No conjunto, entre referências na imprensa e confirmações, referenciámos a deslocalização de 48.417 postos de trabalho dos Estados Unidos para outros países, de Janeiro a Março de 2004, incluindo nestes 23.396 para o México, 8.283 para a China, 3.895 para a Índia, 5.511 para países latino-americanos, 4.419 para outros países asiáticos e 2.933 para os restantes países. Baseados na nossa estimativa de que os media dão notícia de,

Page 64: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�2

aproximadamente, dois terços das deslocalizações da produção para o México e de um terço para os outros países, estes dados sugerem que, no ano de 2004, perto de 406.000 postos de trabalho serão deslocalizados dos Estados Unidos para outros países, em comparação com 204.000, em 2001.

Imagem 5. Baseados nas nossas estimativas, em 2004, aproximadamente 99.000 postos de trabalho serão deslocalizados dos Estados Unidos para a China e 140.000 para o México, em comparação com, aproximadamente, 85.000 postos de trabalho para cada um destes países em 2001. Contudo, uma vez que mais de um terço das deslocalizações para a China foram deslocalizações em simultâneo para múltiplos destinos na América Latina, na Ásia, ou noutras regiões do mundo, os postos de trabalhos perdidos com as deslocalizações para a China estão frequentemente relacionados de forma directa com as perdas de postos de trabalho em benefício de outros países, quer países near shore, quer off shore.

Imagem 6. Estes dados também sugerem que a estimativa do Bureau of Labour Statistics (BLS) relativa a postos de trabalho perdidos devido à deslocalização para fora dos EUA subestima fortemente o respectivo valor. Enquanto o BLS estima que se perderam 4.633 postos de trabalho no sector privado, em empresas com 50 ou mais trabalhadores, devido ao outsourcing global, de Janeiro a Março de 2004, nós estimamos, a partir de dados que consideramos sólidos, que um mínimo absoluto de 25.000 postos de trabalhos foram deslocalizados para fora dos Estados Unidos durante esse mesmo período.

Imagem 7. As actuais deslocalizações dos Estados Unidos para a China são transversais a todos os sectores industriais, incluindo vestuário e calçado, artigos de desporto, brinquedos, madeira, produtos de papel, material aeroespacial, produtos para o lar, equipamento industrial e máquinas, produtos eléctricos e electrónicos, produtos metálicos, produtos químicos e petróleo, têxteis, plásticos, vidro e borracha. Isto contrasta com 2001, em que a maioria das deslocalizações da produção para a China se concentraram em apenas algumas indústrias: produtos eléctricos e electrónicos, produtos químicos e petróleo, produtos para o lar, brinquedos, têxteis, madeira e papel.

Imagem 8. Apenas 31% dos trabalhadores atingidos pelas deslocalizações preencheram o formulário de pedido de apoio ao abrigo do Trade Adjustment Assistance

Page 65: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�3

(TAA). Isto parece ser consequência da inerente dificuldade em provar que o trabalho foi realmente deslocalizado para fora do país e devido, também, ao facto de os requerimentos ao abrigo do TAA dos trabalhadores de actividades não catalogadas na indústria transformadora, como as tecnologias de informação e os “call centers”, terem sido rcusados sistematicamente pelo Labor Department porque os trabalhadores não produziam um produto, tal como é definido pelo TAA.

Imagem 9. Os postos de trabalho das empresas sujeitas a negociações colectivas de trabalho estão a ser desproporcionalmente afectados pelas deslocalizações da produção dos Estados Unidos. Um total de 29% das empresas que deslocalizaram a produção para fora deste país estavam abrangidas pelas normas sindicais, assim como 39% de todos os postos de trabalhos que foram deslocalizados para fora dos Estados Unidos. Na mesma situação estão 53% dos postos de trabalho deslocalizados dos Estados Unidos para o México e igualmente 34% dos deslocalizados para a China. Mesmo tomando em conta uma taxa mais alta de densidade sindical nas indústrias em que se concentra a maior parte das deslocalizações da produção, estes números excedem, em muito, a taxa da densidade sindical nestas mesmas indústrias.

Imagem 10. Geralmente são as grandes empresas, altamente rentáveis, cotadas na bolsa e bem radicadas, que deslocalizam os postos de trabalho para a China. Aliás, 76% das empresas que transferiram a produção já existem há mais de 20 anos. Simultaneamente, 55% das empresas deslocalizadas pertencem aos actuais proprietários desde há, no máximo, dez anos. E 72% pertencem a multinacionais.

Imagem 11. A região dos EUA mais atingida pelas deslocalizações é, globalmente, o Midwest que perdeu 18.938 trabalhos entre Janeiro e Março de 2004. O Sudeste perdeu 8.604 postos de trabalho e o Nordeste perdeu 7.223 postos de trabalho.

Imagem 12. Diferentemente das deslocalizações dos Estados Unidos para a China, as deslocalizações de outros países asiáticos para a China tendem a ser mais concentradas sectorialmente, em particular no equipamento eléctrico e electrónico, assim como no têxtil e no fabrico e transformação de produtos metálicos. As deslocalizações da Europa para a China estão concentradas principalmente na electrónica, nos produtos químicos, no petróleo e nos produtos metálicos.

Page 66: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�4

Imagem 13. Em contraste com o nosso estudo relativo a 2001, verificámos também (em 2004) um aumento significativo de deslocalizações para a Índia, em especial na área das TI, “call centers” e outras actividades de colarinho branco, provenientes dos Estados Unidos e Reino Unido. Similarmente, observámos uma tendência de aumento das deslocalizações de unidades de grande dimensão da Europa Ocidental para a Europa Oriental e dos países de altos salários na Ásia para os países de baixos salários na mesma região.

Imagem 14. Concluímos que os nossos dados expressam um fenómeno crescente de reestruturação das grandes empresas a nível global e de grande mobilidade global do capital. Por todo o mundo, as multinacionais americanas e estrangeiras, em simultâneo, estão a deslocar a produção dos países de elevados salários para os múltiplos destinos de países de baixos salários, quer near shore, como o México, quer off shore, sendo a China um dos destinos primordiais para todos os países. No entanto, três anos decorridos depois do nosso relatório de 2001, continua a não haver nenhuma instituição governamental encarregada do registo das deslocalizações para fora dos Estados Unidos. Dada esta ausência, trabalhos de investigação como este tornam-se fundamentais para procurar compreender a evolução das tendências e dos efeitos da mobilidade do capital a nível global sobre os trabalhadores e sobre a economia americana.

2.2.2. A GLOBALIzAçãO E AS EmpRESAS

COm GARANTIA DE DIREITOS SINDICAIS

No estudo relativo a 2001 tínhamos verificado uma diferença significativa no nível de sindicalização entre as empresas que se deslocalizaram para a China, em que só 14% estavam abrangidas pela contratação colectiva de trabalho, e as empresas que se deslocalizaram para o México, em que 26% estavam abrangidas pela contratação colectiva. Em contraste, três anos mais tarde, em que a percentagem total de empresas no sector privado sujeitas a negociações colectivas de trabalho é de apenas 8% (Bureau of Labor Statistics), verificamos que 29% das empresas deslocalizadas estavam sujeitas a este regime e, destas, 29% deslocarizaram-se para a China e 44% para o México.

Page 67: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�5

Percentagem de postos de trabalho abrangidos por convenções colectivas de trabalho e deslocalizações por país de

destino, Janeiro-Março de 2004

O gráfico mostra a relação entre as deslocalizações e os postos de trabalho abrangidos por convenções colectivas de trabalho. Estes valores dão-nos uma ideia ainda muito mais forte das tendências de evolução das realidades da deslocalização global. Mais de metade dos empregos que se deslocalizam dos Estados Unidos para o México e perto de 34% dos que se deslocalizam para a China são empregos sujeitos a acordos colectivos de trabalho, enquanto a média nacional dos trabalhadores sindicalizados que perderam o emprego devido às deslocalizações é de 39%. Mesmo no seio dos postos de trabalho de colarinho branco e das novas tecnologias, deslocalizados quer para a Índia, quer para a América Latina (excepto México), a percentagem de trabalhadores abrangidos por convenções colectivas é mesmo muito mais alta do que a média nacional de convenções colectivas nos respectivos sectores.

As mudanças verificadas de 2001 a 2004 reflectem não só o aumento da deslocalização das indústrias de alta tecnologia de consumo para China e para outros países, mas reflectem também o ambiente actual das relações laborais. Tal com se mostra em anteriores estudos de Bonfrenbrenner sobre a utilização do encerramento das empresas ou da ameaça de encerramento pelo patronato aquando de campanhas de sindicalização promovidas pelos sindicatos, o patronato sente-se cada vez mais encorajado a usar a ameaça de encerramento de unidades fabris ou mesmo o encerramento efectivo para manter de fora as organizações

Page 68: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

��

dos trabalhadores onde elas não existam e para as afastar onde elas existam. Nalguns casos, as empresas usaram a ameaça duma pretensa deslocalização da produção para obterem concessões da organização sindical dos trabalhadores. Por exemplo, a empresa John Deere des Moines Works, em Ankeny, Iowa, em Janeiro de 2004, anunciou planos para deslocalizar quarenta postos de trabalho da cadeia de montagem de Ankeny (EUA) para Monterrey, no México. No curto prazo, nenhum trabalhador perderia o seu posto de trabalho. Contudo, nos termos do acordo com a organização dos sindicatos (UAW Local 450), os trabalhadores tinham 120 dias para provar que poderiam fazer o trabalho mais barato e mais eficazmente do que no México. Se fossem bem sucedidos manteriam os seus postos de trabalho. Se o não fossem, se falhassem, os quarenta postos de trabalho seriam transferidos para o México.

É possível que os nossos dados sobrestimem a proporção de postos de trabalho deslocalizados que estão em regime de contrato colectivo de trabalho, uma vez que os nossos números de trabalhadores sindicalmente organizados poderiam ainda ser mais fiáveis. Em todo o caso, é claro que o número absoluto de postos de trabalho deslocalizados abrangidos pela negociação colectiva é mesmo muito elevado: quase 20.000 em três meses. Parece difícil negar que há um padrão sistemático de reorganização empresarial que consiste em deslocalizar postos de trabalho de estabelecimentos abrangidos por convenções colectivas para estabelecimentos não protegidos sindicalmente, dentro dos EUA, assim como para estabelecimentos não protegidos sindicalmente fora do espaço americano. Um exemplo disto ocorreu com a Continental Tire.

A Continental Tire North America é uma empresa subsidiária de AG Continental, uma empresa transnacional fabricante de peças para automóveis e pneus, com sede na Alemanha. Até meados de 2004, a Continental Tire North America tinha, aproximadamente, 7.000 empregados em seis locais na América do Norte: Charlotte, Carolina do Norte; Bryan, Ohio; Mayfield, Kentucky; Mt. Vernon, Illinois; Barnesville, Geórgia; e San Luis Potosi, México. A Continental Tire atravessou um período difícil quando procedeu voluntariamente à recolha e substituição de meio milhão de pneus defeituosos, no final de 2002. Porém, em Maio de 2004, Alan Hippe, da direcção da AG Continental, anunciou “uma dinâmica positiva nos Estados Unidos”, assim como um forte crescimento das vendas, designadamente um crescimento de 5% das vendas a nível mundial. Ao fazer a síntese do ano de 2003, o respectivo Presidente Executivo Manfred Wennemer sublinhou “que a divisão de carros de passageiros foi a que teve a mais alta taxa de crescimento, ou seja, 8,4%”.

Page 69: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�7

A Continental Tire, contudo, já tinha começado a reestruturação da produção de pneus para carros de passageiros. Já em 2002, a empresa tinha notificado os trabalhadores inscritos na United Steelworkers of América (USWA) (que representa os trabalhadores na maioria das suas fábricas), que a fábrica de Mayfield, no Kentucky, produzia com custos demasiado elevados e que já não era competitiva. A Continental Tire solicitou à USWA que lhe apresentasse planos de redução de custos nesta unidade fabril. A empresa afirmou então que a USWA se tinha recusado a colaborar e despediu 200 trabalhadores em Dezembro de 2003. A USWA, por seu lado, reivindicou que tinha de facto tentado negociar com a empresa, mas que esta insistiu em que a única forma de salvar a unidade fabril era “cortar 35 milhões de dólares, em 55 milhões, e que a administração da empresa não dispunha de propostas sobre como fazê-lo”.

A 30 de Março de 2004, num encontro com investidores, o Presidente Executivo Manfred Wennemer indicava que a empresa tinha reduzido a capacidade de produção na fábrica de Mayfield, no Kentucky, e que o possível encerramento desta unidade estava nos seus planos. Wennemer continuou a intervenção afirmando que, para além das reduções em Mayfield, tinham também reduzido postos de trabalho nos serviços centrais e, mais importante ainda, que “ também [começámos] a aumentar a capacidade de produção na Malásia e iniciámos a construção duma nova unidade no Brasil. Tudo isto a somar ao contínuo acréscimo de produção em San Luís Potosi, no México”. No mês seguinte, mais outros duzentos trabalhadores foram despedidos em Mayfield. Em Maio, quando foi solicitado a fornecer mais detalhes sobre um potencial encerramento e sobre quais os projectos de intervenção industrial, Hibbe afirmou:

Que tal um encerramento potencial? Para mim, a coisa mais importante é, sim, e conhecem todas as limitações legais para o fazer. Antes que façamos um encerramento, temos que tomar a decisão e temos, depois, que a anunciar. Então, a partir daí, temos um período de seis meses antes de poder proceder ao eventual encerramento da unidade fabril. Como foi dito, não há nenhuma decisão tomada. Nós estamos a reduzir a capacidade. Estamos a aumentar a capacidade nas fábricas no exterior, por exemplo em [San Luis Potosi]. Uma outra fábrica em que estamos a aumentar a capacidade, mas apenas numa pequena parte, é em Mount Vernon, a única fábrica que temos nos EUA que não está abrangida pela negociação colectiva do trabalho. Como dissemos, um potencial encerramento da fábrica de pneus de Mayfield não está excluído.

Page 70: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

��

Então, em Junho passado, a empresa anunciou que suspenderia a produção em Mayfield por tempo indefinido e que despediria mais de oito centenas de trabalhadores. Entretanto, a organização sindical USWA tinha estado empenhada em organizar os 1.500 trabalhadores da fábrica de Mount Vernon, no Illinois, a única fábrica que ainda não estava em regime de negociação colectiva de trabalho, a única fábrica que estava sem garantia de direitos sindicais. A organização sindical tinha tido quatro eleições mal sucedidas nesta fábrica desde 1989, e estava programada uma outra eleição para Julho de 2004. Contudo, em meados de Julho, a organização sindical começou a queixar-se ao National Labor Relations Board acusando a empresa de estar a fazer pressão sobre os trabalhadores, a intimidá-los, nomeadamente pelo anúncio do possível fecho da fábrica em Mayfield, como uma forma de os aterrorizar e de os levar a votar contra a organização sindical, contra a contratação colectiva de trabalho. De acordo com um relato do Business Wire, a empresa já tinha sido acusada pelo National Labor Relations Board (NLRB) pelas suas múltiplas violações da legislação do trabalho contra a USWA em Charlotte, na Carolina do Norte, em 1999. A votação foi feita em Julho, e uma vez mais a organização sindical perdeu a votação por 58 votos, a mais pequena margem de sempre.

Em Agosto de 2004, os dirigentes da Continental Tire referiam-se à fábrica de Mayfield essencialmente como estando fechada. Um elemento da direcção, Alan Hippe, sublinhava: “terão certamente ouvido dizer que desencadeámos a suspensão da produção em Mayfield por tempo indeterminado. Será realizada e concluída até ao final de 2004”.

A 2 de Setembro, a empresa iniciou negociações com a organização sindical. De acordo com o Newswire, a organização sindical USWA apresentou a sua proposta de redução de custos à empresa, no dia 17 de Setembro. A proposta estimava que o respectivo plano de redução de custos para esta fábrica poderia poupar à empresa 20 milhões de dólares por ano. A Continental Tire rejeitou a proposta. Nick Fletcher, vice-presidente dos recursos humanos, observou: “É lamentável que estas negociações não tenham resultado num acordo para preservar os postos de trabalhos na fábrica de Mayfield”, mas que as propostas simplesmente não foram longe o suficiente para resolver a disparidade de custos entre Mayfield e as nossas outras fábricas de pneus”. No fim de Setembro, a Continental Tire anunciou oficialmente que suspenderia definitivamente a produção de pneus em Mayfield, Kentucky, e que despediria mais de oito centenas de trabalhadores no final de 2004. Entretanto, a fábrica de Mount Vernon, que não tem negociações colectivas de trabalho, permanece em laboração, com a

Page 71: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

��

movimentação dos trabalhadores completamente subjugada, enquanto o fecho de Mayfield serve como um reforço fortíssimo da ameaça da Continental Tire de Mount Vernon em poder fechar esta unidade fabril se os trabalhadores alguma vez se organizarem sindicalmente.

2.2.3. A INTERpRETAçãO DAS ImAGENS RECOLhIDAS: O DIAGNÓSTICO

Embora a nossa análise incida especialmente nas deslocalizações nos primeiros três meses de 2004, as deslocalizações da produção e do emprego de país para país tornaram-se tão proeminentes que mesmo os dados de um único trimestre podem fornecer elementos fundamentais sobre a evolução da natureza e dos efeitos das deslocalizações a nível global. E, como os nossos dados mostram, a China está no centro desta história, para todos os países, tanto para os Estados Unidos como para qualquer outro país. Ao mesmo tempo, a China é também uma parte desta história. As grandes multinacionais, americanas e estrangeiras, vão reestruturando as suas operações, vão comprando e vendendo empresas e, simultaneamente, vão deslocalizando a produção para zonas de proximidade (near shore), ou seja, dos Estados Unidos para o México, ou da Europa Ocidental para a Europa Oriental, da Ásia para outros países asiáticos, e para zonas afastadas (off shore), ou seja, dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia, principalmente para a China e para outros países asiáticos.

Em conjunto, estes dados lembram-nos que não se trata da história dos bons empregos que estão a ser roubados aos trabalhadores dos EUA por trabalhadores dos países de baixos salários na América Latina e na Ásia, especialmente na China, com quem os trabalhadores americanos nunca podem esperar competir. Em vez disso, trata-se da história das grandes empresas multinacionais, as maiores do mundo, que compram e vendem empresas ou partes delas, que abrem e fecham fábricas, reduzem ou expandem as operações, que deslocalizam os empregos de uma comunidade para outra, à volta do mundo. Na ausência de qualquer lealdade especial para com países, sectores industriais, comunidades ou produtos, o que os nossos dados sugerem é que esta competição global até ao limite dos limites é orientada por um conjunto de factores unificadores: a procura dos mais baixos custos possíveis, a acessibilidade aos mercados globais em expansão e a flexibilidade que decorre da diversificação das cadeias de fornecimento num clima de extrema volatilidade económica e política.

Estes dados dão-nos também os primeiros elementos sólidos para contribuir para o debate, quer na Internet e na comunicação social, quer no esteio das campanhas, sobre

Page 72: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

70

a natureza, a dimensão e os impactos da deslocalização de postos de trabalho dos EUA para outros países. Primeiramente, estes dados mostram claramente que, apesar de algum abrandamento inicial na economia após o “11 de Setembro” e as guerras no Afeganistão e no Iraque que se lhe seguiram, as empresas continuam a deslocalizar números significativos de postos de trabalhos dos Estados Unidos para a Ásia e para a América Latina. Contrariamente às estimativas recentes do BLS, estimamos que os números de postos de trabalhos que estão a ser perdidos através das deslocalizações da produção para fora dos EUA são significativos, numa média anual que ascende a 99.000 para a China, a 140.000 para o México, e somando 406.000 na sua totalidade.

Em segundo lugar, embora os meios de comunicação social tenham dado bastante destaque à externalização (outsourcing) das tecnologias de informação e de comunicação e de serviços de apoio ao cliente para a Índia e, numa menor extensão, para a China, a indústria transformadora continua a ser a fonte principal da deslocalização de postos de trabalho, e o México é ainda um destino de topo para muitas empresas. Ao mesmo tempo, a externalização global dos postos de trabalho na área dos serviços e das indústrias de alta tecnologia está a crescer rapidamente, de tal forma que, nos próximos anos, iremos assistir a uma alteração na proporção entre os postos de trabalho deslocalizados na indústria transformadora e os deslocalizados no sector dos serviços.

Em terceiro lugar, a história nova que estes dados nos contam é que as grandes multinacionais já não se estão a deslocalizar apenas para o México, para a América Latina, para a China, ou para outros países asiáticos. Em vez disso, o que os nossos resultados mostram é que, para todas as multinacionais, americanas ou estrangeiras, há uma tendência crescente para transferirem a produção para múltiplos destinos e para múltiplos países ao mesmo tempo, por forma a conseguirem, simultaneamente, manterem o acesso aos mercados near shore, que dispõem de estruturas de transporte marítimo mais baratas e menos sobrecarregadas e, ao mesmo tempo, obterem elevadas economias de custos, conquistarem novas oportunidades de mercado e beneficiarem das infra-estruturas públicas, que lhes são proporcionadas pelas zonas off shore na China e noutros países asiáticos.

Em quarto lugar, estes dados mostram que a externalização da produção, de near shore ou de offshore, a partir dos EUA e de todo o globo, atravessa quase todos os principais sectores industriais, desde o sector das comunicações e das tecnologias de informação até às indústrias

Page 73: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

71

de alta tecnologia de fabrico de maquinaria e componentes electrónicos, e até às indústrias de baixos salários dos sectores alimentar e do têxtil.

Em quinto lugar, a incidência da deslocalização da produção em empresas com contratação colectiva de trabalho e trabalhadores sindicalizados é, nos Estados Unidos, impressionante. Quer os empregadores estejam ou não a deslocalizar a produção numa tentativa deliberada de quebrar a força dos trabalhadores, o certo é que as taxas de sindicalização entre as empresas que deslocalizam a produção para fora dos EUA excedem e de longe a média nacional – mesmo tendo em conta a indústria transformadora. Isto significa também que os postos de trabalho que saem dos EUA são seguramente bons postos de trabalho, beneficiando de seguro de saúde e de esquemas de reforma, cuja deslocalização acarreta custos acrescidos para os trabalhadores despedidos e para as respectivas comunidades.

Em sexto lugar, o nosso trabalho mostra que, pelo facto de as deslocalizações serem politicamente sensíveis, as empresas tentam encobri-las. Houve diversos casos em que os planos para a externalização da produção ou a deslocalização foram divulgados nos meios de comunicação social, assinalando o facto de que algumas empresas não queriam que essa informação fosse conhecida. E encontrámos numerosos casos de TAA (Trade Adjustement Assistance) em que o Labor Department acabou por descobrir que a produção tinha sido deslocalizada para fora dos Estados Unidos enquanto as empresas continuavam a afirmar aos meios de comunicação que os postos de trabalho estavam a ser apenas deslocalizados internamente. Esta é certamente uma alteração relativamente aos nossos resultados anteriores, quando dissemos que as empresas faziam frequentemente anúncios públicos das deslocalização com o fito de ameaçar os trabalhadores que tencionassem organizar-se sindicalmente ou de fazer impulsionar o valor das suas acções na Bolsa de Valores. Isto parece indicar, também, que o número efectivo dos postos de trabalho perdidos, particularmente nas actividades externalizadas na área do serviço de apoio à distância a clientes, nas tecnologias de informação e comunicação e outras actividades em que a externalização é particularmente sensível, pode estar muito subestimada na cobertura feita pelos meios de comunicação social.

Finalmente, em sétimo lugar, a importância desta questão sugere que é necessário pesquisas adicionais e mais aprofundadas. Apesar da atenção dada à externalização, não existe ainda nenhum organismo de governo que monitorize quer as deslocalizações da produção para fora dos Estados Unidos, quer o respectivo impacto na estrutura salarial, no emprego, nos

Page 74: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

72

serviços sociais suportados pelos contribuintes e nas receitas fiscais. O nosso trabalho é o único trabalho empírico que permite aos meios académicos e aos decisores políticos a informação necessária para compreender estas tendências globais. Contudo, abrange somente um breve período de tempo: um trimestre de um ano. É necessário realizar pesquisas adicionais mais alargadas para acompanhar as deslocalizações ao longo de um período mais largo, abarcando toda a economia global e com pesquisas em várias línguas. Adicionalmente, é necessário mais estudos de casos aprofundados para melhor se compreenderem as tendências evolutivas da deslocalização global da produção e do emprego, bem como o impacto da reestruturação das empresas a nível global e da mobilidade do capital sobre os trabalhadores e sobre as respectivas comunidades, nos EUA e no resto do mundo. É também necessário fazer uma análise comparativa que evidencie que empresas estão a expandir a produção e o emprego e em que países. Acima de tudo, os governos em todo o mundo precisam de melhorar a monitorização e o acompanhamento da evolução cada vez mais rápida e mais complexa da deslocalização do capital e dos postos de trabalho à volta do globo, porque os efeitos destas deslocalizações serão mais duradouros sobre os trabalhadores, o emprego, a saúde e segurança, os níveis de vida e os serviços públicos, tanto para os países de origem, como para os países de destino da transferência transnacional do emprego, dos serviços e da produção.

Page 75: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

73

3. A GLOBALIzAçãO, O pROGRESSO TéCNICO E O DOmíNIO DA DImENSãO

pOLíTICA: A REORGANIzAçãO DA RELAçãO SALARIAL

Texto de Edward GresserHealthy Factories, Anxious Workers,

Progressive Policy Institute, Fevereiro de 2007

Introdução: O trabalhador ansioso

Perto de cem anos depois, os trabalhadores americanos voltaram, de novo, a estar ansiosos e com boas razões. Entre o final do ano de 2000 e meados de 2003, com os Estados Unidos em recessão e a China em plena aceleração da sua forte expansão industrial, as fábricas americanas perderam 3 milhões de postos de trabalho – mais de um sexto da mão-de-obra da indústria transformadora. Desde então, apesar da retoma do crescimento e da baixa taxa de desemprego, as fábricas não voltaram a aumentar os postos de trabalho.

O despedimento de 3 milhões de homens e mulheres seria sempre traumático, qualquer que fosse o momento. E foi ainda mais com a Internet – com dezenas de satélites de comunicações recentemente lançados e milhões de quilómetros de cabos de fibra óptica, transferindo, sem hesitação, actividades empresariais, antes apenas tangencialmente envolvidas na economia global, não só para exportadores globais, como também para concorrentes nas novas economias do conhecimento da Índia, das Filipinas e de outros países.

Esta experiência não se restringe, naturalmente, aos Estados Unidos. Todos os países têm de enfrentar a ascensão de novos poderes económicos e a intrusão da Internet. Mas o stress pode ser mais agudo aqui do que na Europa e no Japão, porque nestes países há redes nacionais de segurança social mais alargadas. Os trabalhadores alemães, suecos, ou japoneses afectados pelas deslocalizações não têm que temer a perda de segurança social na saúde e da pensão de reforma. Nem as famílias receiam não terem a possibilidade de mandarem os

Page 76: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

74

filhos para a Faculdade, pois o acesso às universidades é extensivo e livre. Nalguns países europeus, movimentos sindicais de maior dimensão e com uma preocupação diferente conseguem reforçar a protecção dos trabalhadores, através de programas governamentais com apoios mais alargados ao desemprego, assim como à formação profissional e aos serviços de acompanhamento na procura de uma nova colocação.

Os americanos não têm nenhum sistema nacional de assistência na saúde, nenhum seguro de remunerações do trabalho, nenhuma garantia de pensão de reforma, para além da Social Security e têm somente modestos apoios no ensino superior. Assim, a perda de um posto de trabalho nos Estados Unidos pode ser uma queda no abismo. Os padrões de vida podem, de repente, cair fortemente, o seguro de saúde pode desaparecer e as prestações para o plano de poupança reforma “401 (k)” podem deixar de fazer-se. Uma família pode ser forçada a mandar os filhos directamente do liceu para o trabalho, em vez de continuarem os estudos. Assim, mesmo com baixos níveis de desemprego (em comparação com os níveis de desemprego do passado) e já com vários anos de forte crescimento económico, a população americana tem fortes razões para estar ansiosa.

Em tal ambiente, não surpreende ver as ideias de Harding voltarem a estar na moda.

O senador Sherrod Brown, recentemente eleito senador democrata por Ohio, adverte em relação à “deslocalização maciça das indústrias e dos empregos americanos para os países de baixos salários”; enquanto o jornalista Lou Dobbs da CNN fala sobre “a destruição da base da indústria transformadora da América”; e o inelegível candidato republicano à Presidência, Duncan Hunter, faz eco de ambas as asserções. Intelectuais como William Greider e Jeff Faux secundam-nos com livros e estatísticas bastante negras. Todos concordam que os Estados Unidos se estão a “desindustrializar” à medida que as empresas enfrentam uma competição impossível de bater de países de grande dimensão com baixos custos salariais. Sugerem essencialmente o mesmo remédio – restrições comerciais várias, para aliviar a concorrência – do tipo com que Harding e os seus sucessores, presidentes Calvin Coolidge e Herbert Hoover, convenceram a América dos anos 20 a adoptar. A única diferença é que, enquanto os cépticos do comércio livre dessa época eram conservadores sensíveis à actividade empresarial, a maioria dos seus herdeiros modernos inclinam-se mais à esquerda.

Tal como Harding nessa época, os populistas fazem também agora um diagnóstico errado e sugerem soluções que farão piorar a situação. Um olhar mais atento notará que os

Page 77: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

75

Estados Unidos não estão a perder hoje a sua importância industrial, mais do que o que era em 1921. Antes pelo contrário, as fábricas americanas estão a provar uma vez mais que Einstein tinha razão e que Harding estava errado. Como as empresas adoptam novas tecnologias para reduzirem custos, a sua produtividade sobe, as suas exportações aumentam e a sua quota-parte da produção industrial a nível mundial permanece forte. As restrições comerciais prejudicariam mais do que ajudariam as empresas, ao fazerem subir os custos dos seus inputs e privando-as de mercados externos precisamente no momento em que se desvanece o crescimento da construção imobiliária e que é maior a necessidade de mercados de exportação.

Mas embora os populistas estejam errados sobre as causas da ansiedade contemporânea dos trabalhadores, estão, porém, frequentemente, certos quanto aos sintomas. A indústria americana está a evoluir muito rapidamente e é precisamente este sucesso que está a desfazer os tradicionais esteios da segurança dos trabalhadores – não somente segurança no emprego, mas também a confiança das famílias quanto à sua própria segurança na saúde e às suas reformas, bem como às suas expectativas de os seus filhos poderem frequentar a universidade. A ansiedade que daí resulta é bem fundada e requer uma resposta sistémica – através de mudanças radicais na política do Estado, no movimento sindical e no contrato social do pós-Guerra.

Necessitamos de responder a estas ansiedades com políticas públicas. Mas estas políticas devem estar apoiadas num diagnóstico exacto das respectivas causas – até porque, políticas baseadas em erros de diagnóstico são muito capazes de piorar as situações, em vez de as resolverem.

O desafio chinês; A resposta americana

A verdadeira história começa com um exame ao crescimento económico da China. A forte expansão industrial da China criou, não somente um poderoso motor de crescimento global, mas também um concorrente colossal para as indústrias dos países ricos. A Internet e a rede global de telecomunicações estão, entretanto, a “globalizar” novas franjas no sector dos serviços – sendo lógicas estas mudanças na economia mundial.

A emergência da China como um dos três ou quatro grandes centros industriais do mundo é o reflexo da abertura do seu mercado, da construção de soberbas infra-estruturas no litoral e da vaga de investimentos que chegam permanentemente dos seus ricos vizinhos

Page 78: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

7�

asiáticos: anualmente, o Japão, a Coreia, Hong Kong, a Formosa e Singapura, no seu conjunto, investem mais no continente chinês em instalações industriais do que as empresas americanas investem na China, na Índia, e em todos os outros países, conjuntamente. Ao mesmo tempo, a substituição da rede mundial de telecomunicações de cobre por fibra óptica e os satélites de comunicações levaram o preço das chamadas internacionais e de transferência de dados para valores próximos de zero – o custo médio de uma chamada internacional custava 53 cêntimos por minuto em 2000 e agora mal chega a dez cêntimos –, possibilitando às empresas realizarem no estrangeiro várias operações em simultâneo e disporem de serviços a baixo custo.

Tudo isto traz grandes benefícios. Está a impulsionar o mais rápido crescimento económico em décadas, propiciando produtos manufacturados e serviços a custos extremamente baixos à classe média americana e à população pobre, e está também a fazer subir os salários e a criar postos de trabalhos nas indústrias de recursos naturais americanos. Mas as mudanças são também atemorizadoras, e não simplesmente na perspectiva psicológica. A súbita erupção de uma concorrência poderosa, de baixos custos, leva muitos americanos – mesmo quando, compram, todos contentes, roupa barata, aparelhos de televisão e carros – a interrogarem-se se a América pode continuar a liderar a economia mundial amplamente mudada e se os seus próprios postos de trabalho estão seguros.

Tal como podia ter acontecido nos anos 20 do século passado, e como efectivamente aconteceu nos anos 80 e 90, a indústria americana está a evoluir para o sucesso num novo mundo. A resposta da indústria transformadora americana a esse desafio ilustra o dilema que a política económica pública enfrenta actualmente. As fábricas na América, contrariamente a muita especulação, estão a enfrentar os seus novos concorrentes com um sucesso notável. A produção da indústria transformadora americana está a crescer e rapidamente. As fábricas em todo o país – no Alabama, Washington, Pensilvânia, Delaware, e em dezenas de outros Estados – estão a usufruir de um forte crescimento das suas exportações, sem paralelo na sua história. E as estatísticas demonstram que a indústria americana detém uma posição forte e estável na economia americana, bem assim como na indústria mundial como um todo.

Mas o sucesso tem um preço. As fábricas americanas estão a responder ao desafio competitivo substituindo o homem pela máquina ou, para ser mais preciso, substituindo 3 milhões de trabalhadores humanos por um exército de robots e de computadores. Ao mesmo

Page 79: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

77

tempo, empresas que não estão a reduzir trabalhadores – e também muitas que o fazem – parecem estar agora a voltar atrás nos compromissos de décadas de concessão de cuidados de saúde e pensões de reforma, em função de objectivos de eficiência empresarial. A mudança foi muito rápida e muito dura e ainda não acabou. As projecções do Bureau of Labor Statistics indicam-nos que o emprego fabril ainda cairá mais 5% na próxima década – ou seja, 700.000 empregos – e também o sector dos serviços se irá ajustar a um novo tipo de mundo.

Em suma, os receios de “desindustrialização” às mãos da China e da Índia não se estão a verificar. A indústria americana é forte e está a ajustar-se à concorrência da única maneira que pode. As tentativas de resolver a pressão competitiva pelo bloqueamento da liberalização do comércio não têm, provavelmente, qualquer sentido – os casos das indústrias de vestuário, calçado, têxteis, relógios, bijutaria e assim por diante, em que foram preservadas as tarifas aduaneiras, que se mantém elevadas, são uma prova da sua ineficácia. Novas barreiras comerciais, induzindo a subida dos preços dos inputs industriais e a redução do poder de compra dos consumidores, pioraria a situação mais do que melhoraria. Mas o stress e a ansiedade dos trabalhadores são bem reais e têm fortes razões para existirem. Precisam de ser resolvidos através de um novo tipo de contrato social – em que se mudem as políticas governamentais, se reforce a capacidade de ajustamento, se reformem as políticas de saúde e das pensões, e se defina um novo papel para os sindicatos – a fim de remendar as fissuras na rede de segurança e restaurar a confiança dos trabalhadores no seu futuro.

A boa saúde das fábricas americanas

A indústria transformadora americana constitui somente uma parte de toda esta história, mas ilustra perfeitamente as tendências de evolução a nível nacional porque as forças da respectiva reestruturação são muito poderosas e as tendências de evolução em causa são extremamente rápidas.

Contrariamente à percepção comum, a América não está a perder a indústria transformadora. De facto, como mostra o Quadro 1., as fábricas americanas produzem mais produtos do que nunca e representam, em termos reais, uma parcela sólida da economia americana. Em 2005, saíram das fábricas mais de 1,5 triliões de dólares de produtos: semicondutores, têxteis, aviões, equipamento médico, tecnologias do ambiente, instrumentos científicos e muitos mais.

Page 80: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

7�

Quadro 1. PIB e produção da indústria transformadora americanos, 1990-2005

(triliões de dólares reais de 2000)

Ano 1990 1995 2000 2005

PIB americano (em dólares) 7.112 8.032 9.817 11.048

Valor acrescentado da indústria tranformadora 0.917 1.096 1.426 1.523

Valor acrescentado da indústria transformadora

em % do PIB

12,9% 13,6% 14,5% 13,8%

Fonte: Bureau of Economic Analysis, “Real Value-Added by Industry”, http://bea.gov/bea/industry/gpotables/gpo_action.cfm.

Em valor real, este montante ultrapassa em quase 50 por cento o que a indústria produziu em 1992, o ano que antecedeu a criação da NAFTA (North American Free Trade Agreement), zona norte-americana do comércio livre, constituindo uma quota-parte sensivelmente mais elevada do PIB americano, em termos reais.

Como mostra o Quadro 2., as fábricas dos Estados Unidos estão também a assentar as suas bases de apoio na economia mundial. Contrastando com a indústria europeia e japonesa, cuja quota-parte na indústria mundial tem vindo a cair desde 1990, o peso da indústria americana tem-se mantido quase constante. Em 1993, os Estados Unidos produziram um pouco mais de que um quinto da produção industrial mundial; em 2000 e 2005 desceu ligeiramente, enquanto cresceu a indústria da China, mas a quota-parte manteve-se essencialmente estável.

Quadro 2. Indústria transformadora americana

1993 2000 2005

EUA 21,4% 21,2% 21,1%

China 3,5% 5,1% 8,0%

Japão 22,4% 20,1% 19,0%

UE 27 29,3% 29,4% 26,5%

Outros 22,4% 24,2% 25,4%

Fonte: UN Industrial Development Organization, “Share in Regional and World MVA”,

http://www.unido.org/data/country/stats/.

Page 81: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

7�

Como é que isto pode ser, se as lojas e os expositores estão cheios de roupas, de equipamentos e de carros estrangeiros? Em certa medida, é porque muitos dos produtos com marcas estrangeiras são cada vez mais fabricados nos EUA. Em 2005, a indústria transformadora americana investiu 39 biliões de dólares em fábricas no exterior, enquanto os fabricantes estrangeiros investiram 52 biliões nos EUA. Nos primeiros nove meses de 2006 (os dados mais recentes que estão disponíveis), continuou a mesma tendência, com fabricantes americanos a investirem 39 biliões de dólares em operações no exterior, enquanto os estrangeiros investiram 48 biliões nos Estados Unidos. A Europa, o Canadá, e o Japão são as grandes fontes deste investimento, sendo o exemplo mais conhecido o dos carros fabricados no Sul dos EUA por empresas alemãs e japonesas. Mas a marca chinesa Hai’er fabrica agora frigoríficos na Carolina do Sul, e, com o tempo, as empresa chinesas irão provavelmente aumentar a sua presença nos EUA.

Quadro 3. Investimento Directo Estrangeiro

(biliões de dólares de fluxos de saída de capitais)

2005 Jan.-Set. 2006

Por empresas americanas no exterior 39 biliões de dólares 39 biliões de dólares

Por empresas estrangeiras nos EUA 52 biliões de dólares 48 biliões de dólares

Fonte: Bureau of Economic Analysis direct investment data, http://www.bea.gov/bea/di/home/directinv.htm.

Talvez ainda mais importante, as empresas industriais americanas estão a manter as suas quotas de mercado mundial porque exportam uma grande proporção da respectiva produção. Tendo caído fortemente em 2001 e 2002 após a crise do sector das novas tecnologias, as exportações da indústria transformadora americana estão agora a aumentar. Os esperados 100 biliões de dólares de crescimento das exportações em 2006 serão o maior acréscimo da história e, em termos percentuais, a maior taxa de crescimento das últimas décadas. Um factor a ter em conta é o valor do dólar relativamente baixo; um outro é a procura elevada da China, para onde as fábricas americanas aumentarão as suas exportações em aproximadamente um terço. Mas a China não está sozinha. Como mostra o Quadro 4., a Alemanha, o Canadá, a Inglaterra, o México, o Brasil, a Índia e a Europa Central estão também a comprar produtos industriais americanos a um ritmo bastante elevado.

Page 82: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�0

Quadro 4. Exportações da indústria transformadora americana, 1990-2006

(biliões de dólares correntes)

Ano 1990 1995 2000 2005 2006

Exportações 304 474 670 754 860

Fonte: U.S. International Trade Commission Dataweb, dataweb.usitc.gov; os valores de 2006 foram anualizados com

base nas estatísticas de Janeiro a Novembro.

A caminho da fábrica automatizada

Neste contexto, o receio de que os Estados Unidos estejam a “perder a indústria transformadora” ou a “desindustrializar-se” é infundado. Mas o facto de Lou Dobbs estar errado, não significa que os números que ideologicamente lhe são opostos no Wall Street Journal estejam certos. A ansiedade dos trabalhadores, e da população em geral, não é de forma alguma injustificada.

As fábricas americanas responderam à concorrência dos baixos salários, como Einstein previu em 1921 – e, aliás, como Alexander Hamilton previu em 1790, numa discussão sobre a concorrência europeia de baixos salários – fazendo a substituição de homens e de mulheres por máquinas. Entre 2001 e 2003, o número de empregos na indústria transformadora americana desceu em 3 milhões, de 17,2 para 14,2 milhões de trabalhadores. As máquinas continuaram mais baratas que os homens, e poucos desempregados, se é que algum, voltaram a ser contratados.

A tendência para a automatização e para a computorização das fábricas não é, naturalmente, nova. O emprego na indústria transformadora americana atingiu um pico de crescimento, em termos absolutos, de 19,3 milhões nos anos 70. Tal como o emprego na agricultura, nas minas, nas pescas e nas florestas, o emprego na indústria tem vindo a cair proporcionalmente ao total do sector privado desde os anos 50. Mas a redução brutal nesta década não tem historicamente equivalente. A resposta implacável, se necessária, à concorrência dos baixos salários, estará na mirífica fábrica sem trabalhadores: supervisionada apenas por um punhado de especialistas, enquanto despeja sofisticados produtos baratos para o mundo inteiro.

Page 83: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�1

O sofisticado povo americano

Uma transição assim tão rápida seria traumática, qualquer que fosse o momento em que se realizasse. É mais traumática agora porque a evolução da indústria transformadora está a repetir-se de forma análoga, embora ainda rudimentarmente, no sector dos serviços. A Internet está a transformar as finanças, os serviços especializados, a consultoria às empresas, a contabilidade fiscal e quejandos em actividades internacionais cujos trabalhadores retiram os seus ganhos da exportação de serviços, mas também competem a nível mundial.

Quadro 5. Exportações da indústria transformadora para cinco grandes mercados, 2005-2006

Fonte: U.S. International Trade Commission Dataweb, dataweb.usitc.gov; os valores de 2006 foram anualizados com

base nas estatísticas de Janeiro a Novembro.

Não é nenhuma surpresa ver a população alarmada e receosa pelos empregos e pelos padrões de vida da classe média. Mas a população também tem algum gosto pela sofisticação e não é muito dada a respostas simplistas. Um inquérito do Pew Center relativo à opinião pública sobre o comércio externo, datado de meados de 2004, mostra-nos que a população

Page 84: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�2

está intuitivamente consciente das implicações do aumento da concorrência internacional, sendo capaz, igualmente, de avaliar as suas vantagens. Questionados sobre se os acordos de comércio livre, como os da NAFTA e da Organização Mundial do Comércio, ajudam os Estados Unidos, como um todo, uma forte percentagem, entre 47 por cento e 34 por cento, dos inquiridos concordaram que sim. Eles têm razão em concordar. Desde o mais recente ciclo da abertura do mercado americano, em meados dos anos 90, a liberalização do comércio externo contribuiu para o crescimento do PIB e para a redução da taxa de inflação, coincidindo com uma queda de longo prazo no volume de desemprego e a inversão da tendência de queda dos últimos 20 anos, de 1973 a 1992, no nível do salário real.

Porém, questionados sobre os efeitos destes acordos sobre os rendimentos familiares, uma percentagem menor de inquiridos considerou-os mais como uma ameaça do que como úteis (entre 41 a 34%).

Aqui a população pode estar a sobrestimar as implicações dos acordos de comércio externo em si mesmas, uma vez que a concorrência internacional se está a intensificar quaisquer que sejam as políticas comerciais do governo. As pessoas podem também estar a esquecer os enormes benefícios do comércio e da tecnologia para os consumidores, nas suas finanças pessoais. Mas não estão errados em acreditarem que os riscos estão a aumentar, em exigirem uma melhor resposta do sistema político e em concluírem que, na ausência de tal resposta, o preço da mudança pode ser muito elevado.

Para um novo contrato social

Não há nenhuma resposta efectiva às novas realidades deste novo mundo, que possa ser simples. Mas os problemas que os decisores políticos a nível governamental devem resolver – não por si sós, mas em conjunto com o sector privado, com os sindicatos e as organizações não governamentais – são claros.

Os Estados Unidos nem se estão a desindustrializar nem estão a perder as suas indústrias básicas, nem estão a perder posição relativamente à produção mundial. Não há nenhuma necessidade em responder protegendo as empresas da concorrência externa. Nem há, de todo, qualquer benefício óbvio em fazê-lo. As barreiras comerciais americanas relativamente aos têxteis, vestuário, calçado, relógios, bicicletas, artigos em prata, bijutaria e outros são claramente

Page 85: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�3

ineficazes. Barreiras comerciais mais elevadas nos sectores das novas tecnologias e em produtos industriais só farão, pura e simplesmente, aumentar os custos de produção dos inputs industriais: tecnologias da informação, metais, recursos naturais, etc. – reduzindo competitividade das indústrias americanas que os adquirem. Isto seria ainda muito mais dramático considerando que a recessão do final de 2006 na construção civil e obras públicas significa que os industriais americanos necessitam ainda mais fortemente do mercado externo em 2007.

Há bons fundamentos para melhores políticas de “competitividade” que ajudem na resposta a estes desafios. Estas políticas devem, contudo, centrar-se na disponibilização de bens públicos, tais como a estabilidade financeira, a saúde, as infra-estruturas, a investigação científica, bem como políticas de imigração que atraiam cientistas e trabalhadores qualificados para os Estados Unidos – mais do que activismos em favor de empresas privadas ou indústrias.

O concomitante desafio no domínio social é consideravelmente mais vasto. Reside na criação de um novo contrato social – estruturado, não tanto à volta da segurança do emprego, mas mais como um conceito de “segurança familiar” – para os trabalhadores e para as suas famílias.

No contrato social que se estabeleceu após a Segunda Grande Guerra, os americanos confiaram largamente nas grandes empresas como principais fornecedores de serviços de saúde e pensões, apoiaram-se nas organizações sindicais como agentes nas negociações salariais e de segurança social com estas empresas, e conferiram ao Estado o papel de se limitar ao apoio à educação e a programas especiais de saúde para os muito pobres e para as pessoas idosas, mas pouco mais. Este sistema funcionou bem enquanto as empresas puderam ter recursos para garantir emprego permanente e elevados benefícios sem incorrer em despesas de tratamentos de saúde prolongados, e enquanto os trabalhadores puderam aspirar, maioritariamente, a ter um só emprego ao longo da sua carreira, numa só empresa. Em tal contexto, um trabalhador da classe média poderia esperar ter um rendimento relativamente estável e ter a possibilidade de planear quer a sua aposentação quer as despesas de educação dos seus filhos.

Este contrato social está agora obsoleto e necessita, pois, de ser reescrito. O governo necessitará provavelmente de ter aqui um papel significativamente mais vasto, colmatando

Page 86: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�4

lacunas através da articulação de programas governamentais, incentivos fiscais às empresas, créditos fiscais e vales para pessoas individuais, despesas públicas, e, eventualmente, criação de seguros de remunerações. Isto asseguraria, pelo menos, que os indivíduos não tivessem de recear uma repentina e grave redução nos padrões de vida quando mudassem de emprego e de empresa. Nalguns dos nossos textos anteriores no Progressive Policiy Institute foram apresentadas algumas propostas neste sentido:

– Gresser, Edward, Paul Weinstein Jr., e Will Marshall, Raising Our Game: A National

Competition Strategy, Progressive Policy Institute, 29 de Junho, 2006, http://www.ppionline.org/; – Kendall, David, Fixing America’s Health Care System, Progressive Policy Institute, 22

de Setembro, 2005, http://www.ppionline.org/; – Hauptman, Art, Five Steps to Reform Student Financial Aid, Progressive Policy

Institute, 28 de Fevereiro, 2005, http://www.ppionline.org/; – Clinton, Hillary, American Dream Initiative, Democratic Leadership Council, 24

de Julho, 2006, http://www.dlc.org/;– Freedman, Thomas Z., Nick Gossen, e Ed Gerrish, Winning America’s Future,

Democratic Leadership Council, 27 de Julho, 2006, http://www.dlc.org/.

Podemos ainda acrescentar os seguintes livros:

– The Plan: big ideas for América, Rahm Emanuel e Bruce Reed, edit. PublicAffairs, (2006)– The Pro-Growth Progressive: An Economic Strategy for Shared Prosperity, Gene Sterling,

edit Simon & Schuster, (2005).

Quadro 6. Emprego no sector privado e emprego na indústria transformadora

(milhões de empregos M)

Ano 1990 1995 2000 2005 2006

Empregos no sector privado 90,7 M 98,7 M 111,7 M 112,5 M 114,2 M

Emprego na indústria transformadora 16,4 M 17,2 M 17,2 M 14,2 M 14,2 M

Emprego na indústria transformadora

como %

18,1% 17,4% 15,4% 12,6% 12,4%

Fonte: Bureau of Labor Statistics, Employment and Hourly Earnings Survey.

Page 87: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

�5

As organizações sindicais, cujo papel no sector privado da economia tem decaído lentamente desde os anos 50, têm também aqui uma oportunidade para ganharem um maior papel.

Um dos mistérios da economia moderna é saber porque é que as organizações sindicais, num período de grande ansiedade para os trabalhadores e de crescimento do emprego, têm perdido filiados. A resposta só pode ser a de que os serviços que prestam tradicionalmente aos trabalhadores – negociação com os grandes empregadores em nome dum pool de empregados com contratos permanentes – é hoje menos relevante do que era há algumas décadas atrás, agora que as verdadeiras grandes aspirações dos trabalhadores são o seguro de saúde, as pensões e as vias para assegurarem que as transições na carreira não colocam em risco nem a capacidade das suas famílias em assegurarem o pagamento da prestação da casa, nem a capacidade de assegurarem a educação e formação escolar dos seus filhos. Uma viragem que leve os sindicatos a assumir outro papel – um novo papel de “protecção na carreira”, em que as organizações sindicais ajudem a servir de garante dos cuidados de saúde e das pensões de reforma para os trabalhadores em transição e/ou disponibilizem apoios de colocação profissional e de qualificação – pode ser muito atractiva para os trabalhadores de grande mobilidade, mas nervosos, do Século XXI. Existem provas feitas nos países escandinavos, cujas economias são altamente abertas ao comércio externo e cujas organizações de trabalhadores são as mais saudáveis no mundo.

Conclusão

Há oitenta anos atrás, a resposta do Administração Harding à concorrência internacional foi a de iniciar uma retracção da economia global que durou uma década. Este recuo culminou na Administração Hoover e teve as mais lamentáveis consequências.

No Século XXI podíamos ter feito muito melhor. As nossas estatísticas, e a nossa compreensão das forças e mecanismos que regem a economia e a evolução tecnológica, são muito mais sofisticadas do que as dos nossos bisavós. Nós não necessitamos de um Einstein para nos dizer que a indústria americana permanece forte e que – especialmente se o governo melhorar a educação, a ciência, e as políticas económicas e financeiras – o país pode então enfrentar todos os desafios. É porém, necessário aceitar duas verdades inquestionáveis.

Page 88: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

��

Uma é a certeza de que a concorrência internacional vai, de facto, aumentar, o que emerge das mudanças lógicas nas tecnologias e nas políticas económicas e não enferma, no fundo, de nada de “desleal”. É claro que podemos e devemos impor o respeito pelas leis relativas ao comércio internacional e pelos acordos firmados, havendo neste aspecto mesmo muitas questões comerciais a levantar nas nossas relações com a China e com a Índia. Mas isto nem reduz a velocidade da mudança nem torna a concorrência internacional mais fácil de enfrentar. A China é fundamentalmente boa a fabricar produtos e a Índia está a usar a sua sociedade aberta e as ligações globais para ser bem sucedida e por boas razões. Ambos levantaram consideravelmente a fasquia. Os americanos precisam de perceber e de aceitar que o mundo está a mudar e que têm que fazer o mesmo.

A outra verdade é que os americanos estão nervosos e ansiosos por razões que bem se compreendem. Enfrentando uma rápida e espectacular alteração na moldura do trabalho fabril e igualmente uma deslocalização no mundo dos serviços que pode tornar-se mesmo ainda muito maior, os americanos têm razão para se preocuparem e para se mostrarem cépticos relativamente a propostas e soluções fáceis para parar a inevitável mudança. Do que precisam é da criação conscienciosa de novas políticas capazes de melhorarem a competitividade a nível nacional, de criarem um sistema de segurança social diferente e melhor, e de criarem novas formas de associações de trabalhadores para assegurarem completamente, e em conjunto, um novo contrato social que venha substituir o actual, que já está mais que ultrapassado, e que venha também dotar a América dos seus trabalhadores do Século XXI e da sua classe média, ambos confiantes de que o seu futuro será tão brilhante como o da nação americana.

Page 89: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos

Globalização é um daqueles termos que passaram directamente da obscuridade

para a ausência de sentido, sem qualquer fase intermédia de coerência.

Mas deixem-me dizer apenas o seguinte: a globalização é também muito importante

e é totalmente consistente com mais e melhores empregos,

salários decentes e empregos decentes.

Robert Reich

Page 90: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos
Page 91: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos
Page 92: CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E ...suas economias em outras coisas (por exemplo, em férias, na Internet de banda larga, na educação superior) e dessa forma criam outros tipos