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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 45 (2.540) Cidade do Vaticano terça-feira 6 de novembro de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +:!=!#![!,! Festa de família S OLENIDADE DE TODOS OS S ANTOS Pág. 2: Ao capítulo geral dos passionistas; Síntese da audiência aos jovens de Viviers; pág. 3: O Papa falou do sexto mandamento na audiência geral de quarta-feira 31 de outubro; pág. 4: Aos participantes no sínodo da Igre- ja de Buenos Aires; pág. 5: Aos participantes no capítulo geral da congregação dos missionários de São Carlos (scalabrinianos); pág. 6: Mensagem vídeo a Scholas oc- currentes; Ao capítulo geral dos rosminianos; pág. 7: Em sufrágio pelos cardeais e bispos falecidos durante o ano; pág. 8: Angelus da solenidade de todos os santos; pág. 9: O Pontífice no cemitério Laurentino; págs. 10 e 11: Missas em Santa Marta; pág. 12: Em conversa com Ga- briele Lonardi «Médico dos índios», por Gianpaolo Ro- manato; pág. 13: Beatificada madre Clelia Merloni; pág. 14: Do Sínodo sobre os jovens àquele sobre a Amazô- nia; pág. 15: Informações; Mensagem aos hindus para a festa do Deepavali; pág. 16: Angelus dominical. NESTE NÚMERO

Cidade do Vaticano terça-feira 6 de novembro de 2018 · 2018-11-06 · EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, ... quadragésimo sétimo capítulo geral da congregação ... (Const

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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLIX, número 45 (2.540) Cidade do Vaticano terça-feira 6 de novembro de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +:!=!#![!,!

Festa de família

SOLENIDADE DE TOD OS OS SANTOS

Pág. 2: Ao capítulo geral dos passionistas; Síntese daaudiência aos jovens de Viviers; pág. 3: O Papa falou dosexto mandamento na audiência geral de quarta-feira 31de outubro; pág. 4: Aos participantes no sínodo da Igre-ja de Buenos Aires; pág. 5: Aos participantes no capítulogeral da congregação dos missionários de São Carlos(scalabrinianos); pág. 6: Mensagem vídeo a Scholas oc-currentes; Ao capítulo geral dos rosminianos; pág. 7: Emsufrágio pelos cardeais e bispos falecidos durante o ano;pág. 8: Angelus da solenidade de todos os santos; pág.9: O Pontífice no cemitério Laurentino; págs. 10 e 11:Missas em Santa Marta; pág. 12: Em conversa com Ga-briele Lonardi «Médico dos índios», por Gianpaolo Ro-manato; pág. 13: Beatificada madre Clelia Merloni; pág.14: Do Sínodo sobre os jovens àquele sobre a Amazô-nia; pág. 15: Informações; Mensagem aos hindus para afesta do Deepavali; pág. 16: Angelus dominical.

NESTE NÚMERO

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 6 de novembro de 2018, número 45

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoed.p [email protected]

w w w. o s s e r v a t o re ro m a n o .v a

GI O VA N N I MARIA VIANd i re t o r

Giuseppe Fiorentinov i c e - d i re t o r

Redaçãovia del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano

telefone +390669899420fax +390669883675

TIPO GRAFIA VAT I C A N A EDITRICEL’OS S E R VAT O R E ROMANO

Serviço fotográficotelefone +390669884797

fax +390669884998p h o t o @ o s s ro m .v a

Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África,Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00.

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Discurso ao capítulo geral dos passionistas

O mundo precisa de cura e reconciliação

Audiência aos jovens franceses de Viviers

Oração e evangelizaçãoNo final da manhã de segunda-feira, 29 de outubro, naSala Clementina, o Pontífice recebeu os jovens da dio-cese francesa de Vivier que com o seu bispo participa-ram numa peregrinação na Argentina nas pegadas dosacerdote seus conterrâneos Gabriel Longueville, mártirem La Rioja em 1976.

Respondendo diretamente a algumas perguntas, o Pa-pa Francisco abordou alguns temas de particular inte-resse pelos jovens. Falou da escuta da palavra de Deus,recordando que ela deve ser ouvida, mas sobretudo de-ve ser recebida de coração aberto. No que diz respeito àoração, afirmou que também se pode rezar sozinhos emdeterminados momentos. Contudo, é necessário recor-dar que quem reza tem sempre consigo a comunidadeinteira.

Além disso, o Pontífice exortou a Igreja a ajudar osjovens a fim de que se dediquem ao serviço ao próximo:e isto deve ser feito mediante gestos concretos, desafiosconcretos. Depois, sublinhou que há uma forma priori-tária de evangelização, ou seja, evangelizar a caminho.Daí o convite a ler o último capítulo da Evangelii nun-tiandi de Paulo VI, que é o documento pastoral mais im-portante sobre a evangelização. Para Francisco, em sín-tese, não existe a evangelização de laboratório: ela ésempre “corpo a corpo”, ou seja, pessoal.

Por fim, foi recordado padre Gabriel Longueville queo Papa conheceu pessoalmente.

O encorajamento «a ser ministros de curaespiritual e de reconciliação, tão necessárias nomundo de hoje, marcado por antigas e novaschagas», foi dado pelo Papa aos participantes noquadragésimo sétimo capítulo geral da congregaçãoda paixão de Jesus Cristo, que decorreu em Romade 6 a 27 de outubro. Francisco recebeu osreligiosos, presentes em 63 países, no dia 22 nasala do Consistório. Após a saudação doreconfirmado superior-geral, Joaquim Rego, oPontífice proferiu o seguinte discurso.

Amados irmãos!Sinto-me feliz por me encontrar convosco porocasião do vosso Capítulo Geral e agradeço aoSuperior as suas palavras. Nestes dias, as vos-sas reflexões foram guiadas pelo tema «Reno-var a nossa missão: Gratidão, Profecia e Esperan-ça». Estas três palavras: gratidão, profecia e es-perança expressam o espírito com o qual dese-jais estimular a vossa Congregação a uma reno-vação na missão. Com efeito, além de eleger ogoverno do Instituto, vós propondes-vos con-cretizar um novo caminho de formação contí-nua para as vossas comunidades, radicado naexperiência da vida diária; e além disso, pre-tendeis fazer um discernimento acerca da me-todologia pastoral na abordagem às jovens ge-rações.

O vosso Fundador, São Paulo da Cruz, deua si mesmo e aos seus companheiros o seguintemote: «Que a paixão de Jesus Cristo estejasempre nos nossos corações». O seu primeirobiógrafo, São Vicente Maria Strambi, disseacerca dele: «Parece que Deus Omnipotenteescolheu o padre Paulo, de modo especial, pa-ra ensinar às pessoas como O procurar na inte-

rioridade do próprio coração». São Paulo daCruz queria que as vossas comunidades fossemescolas de oração, nas quais poder fazer a ex-periência de Deus. A sua santidade foi vividaentre obscuridades e desolações, mas tambémcom uma alegria e uma paz que comoviam ocoração dos que se encontravam com ele.

No centro da vossa vida e da vossa missãoestá a Paixão de Jesus, que o Fundador descre-

via como «a maior e mais maravilhosa obra doamor de Deus» (Cartas II, 499). O voto quevos distingue, com o qual vos comprometeis amanter viva a memória da paixão, coloca-vosaos pés da Cruz, da qual brota o amor sanadore reconciliador de Deus. Encorajo-vos a ser mi-nistros de cura espiritual e de reconciliação, tãonecessárias no mundo de hoje, marcado porchagas antigas e novas. As vossas constituiçõesexortam-vos a dedicar-vos totalmente à «evan-gelização e reevangelização dos povos, compreferência pelos mais pobres nos lugares maisabandonados» (Const. 70). A vossa proximida-de ao povo, manifestada tradicionalmente atra-vés das missões populares, da direção espirituale do sacramento da Penitência, é um testemu-nho precioso. A Igreja precisa de ministros quefalem com ternura, que ouçam sem condenar eacolham com misericórdia.

Hoje a Igreja sente o forte apelo a sair de simesma e a ir às periferias, quer geográficasquer existenciais. O vosso compromisso a abra-çar as novas fronteiras da missão requer não sóque vades em novos territórios para aí levardeso Evangelho, mas também que enfrenteis osnovos desafios do nosso tempo, como as mi-grações, o secularismo e o mundo digital. Istosignifica estar presentes naquelas situações nasquais as pessoas sentem a ausência de Deus, eprocurar estar próximos de quantos, de qual-quer maneira ou forma, estão a sofrer.

Nesta época de mudanças, que é antes umamudança de época, sois chamados a estar aten-tos à presença e à ação do Espírito Santo, len-do os sinais dos tempos. Situações novas re-querem respostas novas. São Paulo da Cruz foimuito criativo ao responder às necessidades doseu tempo, reconhecendo — como diz na Regra— que «o amor de Deus é muito engenhoso enão se mostra tanto com as palavras, quantocom as obras e com os exemplos de quemama» (XVI). Uma fidelidade criativa ao vossocarisma vos permitirá responder às necessida-des das pessoas de hoje, permanecendo próxi-mos de Cristo sofredor de maneira a levar asua presença a um mundo que sofre.

A vossa Congregação deu muitos exemplosde santidade ao povo de Deus; pensemos emSão Gabriel das Dores, um jovem cujo segui-mento jubiloso de Cristo ainda fala aos jovensde hoje. O testemunho dos Santos e Beatos davossa Família religiosa manifesta a frutuosida-de do vosso carisma e representa modelos nosquais inspirar as vossas opções apostólicas. Aforça e a simplicidade da vossa mensagem, queé o amor de Deus revelado na Cruz, possamfalar ainda à hodierna sociedade que aprendeua não confiar mais nas palavras e a deixar-seconvencer apenas pelos factos. Para muitos jo-vens que estão em busca de Deus, a Paixão deJesus pode ser fonte de esperança e de cora-gem, mostrando-lhes que cada qual é amadopessoalmente e até ao fim. Possam o vosso tes-temunho e o vosso apostolado continuar a en-riquecer a Igreja, e que possais permanecersempre próximos de Cristo crucificado e doseu povo sofredor.

A Bênção Apostólica, que agora concedo decoração a vós, capitulares e a toda a famíliaPassionista, vos acompanhe no vosso caminho.Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.O brigado.

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número 45, terça-feira 6 de novembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Na audiência geral o Papa falou do sexto mandamento

Fidelidadeuma revolução no matrimónio

À American Bible Society

Mel e espadaA palavra de Deus é «mel que proporciona adoçura reconfortante do Senhor» mas também«espada que insere um saudável desassossego nocoração», disse o Papa ao receber num localadjacente à sala Paulo VI, na manhã de 31 deoutubro, antes da audiência geral, o conselho deadministração da American Bible Society.

Estimados irmãos e irmãs em Cristo!É com prazer que vos dou as boas-vindas, gratopela vossa visita. Agradeço-vos a atividade daAmerican Bible Society e encorajo-vos a prosse-guir e, na medida do possível, a intensificar ocompromisso destinado a «transformar a vidadas pessoas através da Palavra de Deus», comoé expresso pelo vosso mission statement. A Pala-vra de Deus tem deveras o poder de transfor-mar a vida, porque «é viva e eficaz, e mais pe-netrante do que qualquer espada de dois gumes[...] é apta para discernir os pensamentos e in-tenções do coração» (Hb 4, 12). Com este excer-to da Carta aos Hebreus gostaria de expressaros meus bons votos a vós, que viestes a Romapara o vosso retiro anual, centrado precisamenteno poder da Palavra divina.

Ela é viva e eficaz. Com efeito, desde o prin-cípio «Deus disse [...] e assim aconteceu» (Gn1, 6-7). E na plenitude dos tempos Jesus doou-nos palavras que «são espírito e vida» (Jo 6,63). Com a palavra Ele deu vida nova a cora-ções apagados, como a Zaqueu e ao publicanoMateus, quando lhes disse: “Segue-me”. E elelevantou-se e seguiu-o» (Mt 9, 9). Nos próxi-mos dias, rezando com a Escritura, podereis ex-perimentar de novo a sua eficácia: ela não per-manece sem efeito, sem cumprir aquilo para oque Deus no-la concedeu (cf. Is 55, 10-11). Façovotos por que acolhais sempre a Bíblia na suaunicidade preciosa: como palavra que, impreg-nada de Espírito Santo doador da vida, nos co-munica Jesus, que é a vida (cf. Jo 14, 6), e assimtorna fecundas as nossas vidas. Nenhum outrolivro tem o mesmo poder. Mediante a sua pala-vra conhecemos o Espírito que a inspirou: comefeito, ela, só no Espírito Santo pode ser deve-ras acolhida, vivida e anunciada, pois o Espíritoensina-nos todas as coisas e recorda o que Jesusdisse (cf. Jo 14, 26).

Além disso, a Palavra de Deus é cortante. Émel que oferece a doçura reconfortante do Se-nhor, mas é também espada que insere no cora-ção um saudável desassossego (cf. Ap 10, 10).Com efeito, vai até ao fundo e traz à tona aszonas de sombra da alma. Escavando dentro,purifica. Os dois gumes desta espada no mo-mento pode fazer mal, mas na realidade é bené-fico, porque corta aquilo que se afasta de Deuse do amor. Faço votos por que sintais e sabore-eis interiormente, através da Bíblia, o afeto ter-no do Senhor, assim como a sua presença resta-belecedora, que nos perscruta e nos conhece (cf.Sl 138, 1).

Por fim, a palavra divina discerne os pensamen-tos e os sentimentos. O Verbo da vida é tambéma verdade (cf. Jo 14, 6) e a sua palavra faz emnós a verdade, dissipando falsidades e duplici-dades. A Escritura estimula continuamente aorientar sempre a rota da vida para Deus. As-sim, deixar-se ler pela Palavra permite que nostornemos por nossa vez “livros abertos”, trans-parências vivas da Palavra que salva, testemu-nhas de Jesus e anunciadores da sua novidade.Com efeito, a Palavra de Deus traz sempre no-vidade, é intangível, escapa às nossas previsõese muitas vezes quebra os nossos esquemas.

Faço votos por que no final destes dias pos-sais renovar a dedicação ao vosso ministério bí-blico pelo bem de tantos irmãos e irmãs. Agra-deço-vos e peço que vos recordeis de mim nasvossas preces. Obrigado.CO N T I N UA NA PÁGINA 4

A fidelidade matrimonial recomendada por SãoPaulo na carta aos Efésios poderia ser considerada«naquela época o aspeto mais revolucionário acercado matrimónio», frisou o Papa durante aaudiência geral de quarta-feira, 31 de outubro, napraça de São Pedro. Dando continuidade àsreflexões sobre o Decálogo, o Pontífice completou acatequese sobre o sexto mandamento iniciada naquarta-feira passada.

Amados irmãos e irmãs, bom dia!Hoje gostaria de completar a catequese sobre aSexta Palavra do Decálogo — “Não cometerásadultério” — evidenciando que o amor fiel deCristo é a luz para viver a beleza da afetividadehumana. Com efeito, a nossa dimensão afetiva éuma chamada ao amor, que se manifesta na fide-liade, no acolhimento e na misericórdia. Isto émuito importante. Como se manifesta o amor?Na fidelidade, no acolhimento e na misericór-dia.

Contudo, não se deve esquecer que este man-damento se refere explicitamente à fidelidadematrimonial, e portanto é bom refletir mais afundo acerca do significado esponsal. Este trechoda Escritura, este excerto da Carta de São Pau-lo, é revolucionário! Refletir, com a antropolo-gia daquele tempo, e dizer que o marido temque amar a esposa como Cristo ama a Igreja:mas é uma revolução! Talvez, naquela época,seja o aspeto mais revolucionário que foi ditoacerca do matrimónio. Sempre pelo caminho doamor. Podemos questionar-nos: a quem se desti-na este mandamento de fidelidade? Só aos es-posos? Na realidade, este mandamento é paratodos, é uma Palavra paterna de Deus dirigidaa cada homem e mulher.

Recordemo-nos que o caminho da maturaçãohumana é o próprio percurso do amor que vaido receber cuidados à capacidade de oferecer cui-dados, do receber a vida à capacidade de dar avida. Tornar-se homens e mulheres adultos sig-nifica chegar a viver a capacidade esponsal e pa-re n t a l , que se manifesta nas várias situações davida como a capacidade de assumir sobre si opeso de outra pessoa e amá-la sem ambiguida-des. Trata-se, por conseguinte, de uma atitudeglobal da pessoa que sabe assumir a realidade esabe entrar numa relação profunda com os de-mais.

Por conseguinte, quem é o adúltero, o luxu-rioso, o infiel? É uma pessoa imatura, que con-serva para si a própria vida e interpreta as situa-ções com base no seu bem-estar e satisfação.Portanto, para se casar, não é suficiente celebraro matrimónio! É necessário percorrer um cami-nho do eu para o nós, do pensar sozinho para opensar a dois, do viver sozinho para o viver a

dois: é um bonito percurso, é um bonito per-curso. Quando conseguimos descentralizar-nos,então cada ação é esponsal: trabalhamos, fala-mos, decidimos, encontramos os outros com aatitude acolhedora e oblativa.

Cada vocação cristã, neste sentido — agorapodemos alargar um pouco a perspectiva e di-zer que qualquer vocação cristã, neste sentido, éesponsal. É o caso do sacerdócio, porque é umachamada, em Cristo e na Igreja, a servir a co-munidade com todo o afeto, o cuidado concretoe a sabedoria que o Senhor concede. A Igrejanão precisa de candidatos para desempenhar opapel de sacerdotes — não, não servem, é melhorque fiquem em casa — mas servem homens aosquais o Espírito Santo toca o coração com umamor sem reservas pela Esposa de Cristo. Nosacerdócio ama-se o povo de Deus com toda apaternidade, a ternura e a força de um esposo ede um pai. Assim também a v i rg i n d a d e consa-grada em Cristo deve ser vivida com fidelidadee alegria como relação esponsal e fecunda dematernidade e paternidade.

Repito: cada vocação cristã é esponsal, pois éfruto do vínculo de amor no qual todos somosregenerados, o vínculo de amor com Cristo, co-mo nos recordou o trecho de Paulo lido no iní-cio. A partir da sua fidelidade, da sua ternura,da sua generosidade olhemos com fé para o ma-trimónio e para cada vocação, e compreenda-mos o sentido pleno da sexualidade.

A criatura humana, na sua inseparável unida-de de espírito e corpo, e na sua polaridade mas-culina e feminina, é uma realidade muito boa,destinada a amar e a ser amada. O corpo huma-no não é um instrumento de prazer, mas o lu-gar da nossa chamada ao amor, e no amor au-têntico não há espaço para a luxúria nem para asua superficialidade. Os homens e as mulheresmerecem mais do que isto!

Portanto, a Palavra «Não cometerás adultério»,mesmo se em forma negativa, orienta-nos para anossa chamada originária, ou seja, para o amoresponsal total e fiel, que Jesus Cristo nos reve-lou e doou (cf. Rm 12, 1).

No final da catequese o Santo Padre, depois de tersaudado em várias línguas os fiéis presentes, entreos quais os de língua portuguesa, recordou aSolenidade de todos os santos, proferindo asseguintes palavras.

Queridos peregrinos de língua portuguesa, es-pecialmente os fiéis do Leme e do Rio de Janei-ro, faço votos de que esta peregrinação reforce

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 6 de novembro de 2018, número 45

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 3

em vós a fé em Jesus Cristo, que chamacada homem e mulher a fazer dom de simesmo ao próximo. Regressai aos vos-sos lares com a certeza de que o amorde Deus, derramado nos nossos cora-ções pelo Espírito Santo, fará que nostornemos sempre mais generosos! QueDeus abençoe a cada um de vós!

Celebraremos amanhã a Solenidadede Todos os Santos e, depois de ama-nhã, a Comemoração de todos os fiéisdefuntos. O testemunho de fé de quan-tos nos precederam, fortaleça em nós acerteza de que Deus acompanha cadaum no caminho da vida, nunca abando-na ninguém a si mesmo, e quer que to-dos sejamos santos, como Ele é santo.

Dirijo um pensamento especial aosjovens, aos idosos, aos doentes e aos re-cém-casados.

Audiência geral

O logótipodo sínodo arquidiocesano

Queridos irmãos e irmãs!O cardeal Poli pediu-me se eu po-deria gravar uma mensagem paraeste Dia Sinodal e faço-o com pra-zer. Estou a seguir o Sínodo da-qui, através do boletim diocesanoque, sendo publicado atualmentecom imagens, fotos, compreendomelhor, e sim é verdade, estais atrabalhar muito. Além disso, seique o cardeal já visitou quase to-das as paróquias durante este tem-po sinodal; ele já as tinha visitadoantes, mas com o objetivo de falarcom as comunidades paroquias.Ou seja, vê-se que há movimento.E o Sínodo é isso: mover-se, cami-nhar, caminhar juntos, chegar aum acordo. E, quando caminhas,pressupõe-se que encontras al-guém, que falas e escutas, e querefletes. Isto é, caminhar para quehaja encontro, escuta e reflexões.Sabeis o que é mais difícil? A se-gunda: a escuta. Porque enquantoo outro está a falar comigo, já es-tou a pensar naquilo que lhe devodizer. Não, ouve-o tranquilamente.E também tens que lhe dizer oque sentes, mas antes escuta: “oapostolado do ouvido”. Por favor,não vos esqueçais, é muito impor-tante.

A Igreja, durante este caminho,deve ser benzida, pois caminharjuntos para crescer juntos, na Igre-ja particular, atrai a bênção deDeus. E neste caminho encontra-reis coisas muito boas e más. Paranão ser negativo, inicio por aque-las más, assim deixo as boas para

o fim, como a sobremesa. Gostariade indicar três dificuldades, trêsaspetos em relação aos quais vosdeveis precaver neste caminho.

Primeiro, o clericalismo. Cami-nhar em sinodalidade significa quetoda a comunidade diocesana, pa-roquial e colegial, por exemplo,um colégio, caminha junto. Todossão povos de Deus. Por vezes, élamentável quando numa paróquiaos fiéis consideram unicamente oque diz o pároco, e o pároco deixade ser pastor para ser chefe. Não,todos. Faço-vos uma pergunta.Por exemplo, na tua paróquia, háum conselho que se ocupa dos as-suntos económicos? Na tua paró-quia, há um conselho pastoral?“Não, é o pároco que faz tudo”.Pois bem, neste caso estais numclericalismo puro. Então, precavei-vos do clericalismo que é uma per-versão no corpo da Igreja. A Igre-ja é todo o povo de Deus e todoscaminham juntos. Caminhar paraencontrar o que Deus quer, paramanifestar a fé, para nos alegrar-mos com a fé. Então, o clericalis-mo é o perigo que se encontra naIgreja. Defendei-vos!

Segundo, a mundanidade espiri-tual. Viver o Evangelho, mas comcritérios mundanos. Não, o Evan-gelho vive-se com critérios evangé-licos. Viver de forma mundana...Não sei, digo coisas um poucopour la gallerie, mas não de cora-ção, com os valores humanos queo Senhor nos deu e com os valo-res cristãos que nos revelou. En-tão, precavei-vos da mundanidade.Atenção, porque esta não é umafrase minha; foi o que Jesus pediuao Pai para os discípulos: “Nãopeço que os tires do mundo, massim que os preserves do mal, ospreserves para que não caiam noespírito do mundo”. E o espíritodo mundo penetra em nós de to-dos os lados, de todos os lados!“Agora está na moda isto — e to-dos ali, atrás daquela moda —, de-pois está na moda outra coisa,agora está na moda pensar as-sim...” E, dentro desta mundani-dade, tende os olhos abertos, não“b ebais” qualquer coisa.

Há uma palavra que me dizmuito. Precavei-vos das “coloniza-ções ideológicas”. “Colonizar”: nósfomos colónia, toda a América La-tina foi colónia, a África foi coló-nia, a Ásia foi colonizada... Entãopensamos que colonizar significaque chegam os conquistadores,ocupam o território e comandam,porque foi o que vimos na histó-ria. Mas há também a colonizaçãoda mente, a “colonização ideológi-ca”, quando de outros lados te im-

põem critérios que não são huma-nos nem da tua pátria, e muitomenos cristãos: esta é mundanida-de. Viver ingenuamente. Eis o se-gundo perigo: a mundanidade.

O terceiro perigo, que para mimé a que mais debilita as comunida-des eclesiais, é o mexerico. A taga-relice é como o sarampo que se di-funde cada vez mais, e já não sepode viver sem criticar o próximo.Precavei-vos dos mexericos! Ledeo que diz o apóstolo Tiago sobreas tagarelices. Quantas vezes ouvi-mos dizer: “Oh, aquela senhora émuito boa, todos os domingos vaià missa, vai todos os dias à missa,mas é uma mexeriqueira”. Quebom serviço faz à Igreja uma pes-soa assim! Há um remédio paranão ser mexeriqueiro: mordei-vosa língua. Vai inchar, mas destemodo ficareis curados. E quandotiverdes vontade de fazer um co-mentário negativo, de criticar al-guém, até mesmo de fazer insinua-ções, mordei a vossa língua e pedia Jesus que vos liberte deste vício.Nós portenhos somos bisbilhotei-ros, mas não só nós, em todas aspartes. Mas nós somos mexeri-queiros com um certo brilho.

Que neste caminho sinodal ca-da um faça o esforço para nuncadizer uma palavra, um comentárioque deprecie o outro.

Os três perigos que encontrareisno caminho — neste caminho queé de encontro, de escuta e de re-flexão, —, são: o clericalismo, amundanidade e o mexerico. De-fendei-vos deles. “Está bem Padre.E agora, quais são as certezas?”.As certeza não as podes ter antesdo caminho; não há seguro sobrea vida, não há seguro sobre estecaminho. Todos os dias deves co-locar-te em frente de Deus e cami-nhar. “Sim, mas, com qual certeza,padre, faço isso? Tens duas certe-zas que são infalíveis: primeiro, asb e m - a v e n t u ra n ç a s . Põe-te no espíri-to das bem-aventuranças. Quais

são as bem-aventuranças? Sinto atentação de vos pedir para que asdigais em voz alta. Talvez estejaenganado, mas penso que nem se-quer metade do estádio as conhe-çam de cor. As bem-aventuran-ças... pegai no Evangelho de Ma-teus e lede-as. E se quiserdes quesejam mais breves pegai no de Lu-cas, que ali são mais breves; mas oespírito é o mesmo; o espírito dasbem-aventuranças. É isto o queJesus quer do discípulo, da discí-pula. São estas as coisas bonitas eas certezas. Com elas, com este ar,com este clima de bem-aventuran-ças, o Sínodo não será um fracas-so. Garanto-vos isso. As bem-aventuranças.

E outra certeza é ler o protocolocom base no qual seremos julga-dos. E o protocolo com base noqual Jesus se expressará sobre estesínodo, quando terminar. E podeisencontrá-lo em Mateus 25: asobras de caridade. Mas é necessá-rio ouvi-las como as diz o Senhor.Lede todos os dias — os que qui-serem caminhar no sínodo — ledetodos os dias as bem-aventuran-ças, e Mateus 25, e assim tereis acerteza.

Caminhar, não ficar parados,caminhai para vos encontrar, paravos escutar, para refletir juntos.Defendei-vos do clericalismo, damundanidade e do mexerico. Efortalecei-vos com as bem-aventu-ranças e com Mateus, 25. E tudoisto com a oração, o mais impor-tante de tudo o que disse é estaúltima. Rezar, rezar como Jesusnos ensinou. Rezar uns pelos ou-tros: por quantos estão a caminho,por quantos não querem cami-nhar, por quantos caminham mal,por quantos estão distantes, pelaIgreja arquidiocesana, pelo arce-bispo. Rezar. E neste espírito deoração, certamente o Sínodo seráum sucesso. Que Deus vos aben-çoe e, dado que já estais a rezar,rezai também por mim. Obrigado.

Publicamos o texto da mensagem vídeo que o Pontífice enviou ao cardealMario Aurelio Poli, arcebispo de Buenos Aires, por ocasião do primeirosínodo da Igreja local — que decorre de 2017 a 2019 sobre o tema«Caminhemos juntos» — em preparação para o jubileu dos 400 anos daarquidiocese, que se celebra em 2020. A gravação foi divulgada na Argentinana tarde de sábado 27 de outubro.

Aos participantes no sínodo da Igreja de Buenos Aires

Como se caminha juntos

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número 45, terça-feira 6 de novembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Mensagem vídeo a Scholas occurrentes

Da identidade ao encontro

Discurso ao capítulo geral dos rosminianos

A santidade é a verdadeira reforma da Igreja

CO N T I N UA NA PÁGINA 11

«A santidade é o caminho daverdadeira reforma da Igreja que,como bem viu Rosmini, transforma omundo na medida em que se reformaa si mesma», realçou o Pontífice nodiscurso dirigido aos participantes nacongregação geral do Instituto dacaridade, fundado pelo beato deRovereto, recebidos em audiência namanhã do dia 1 de outubro, na salados Papas. Eis as palavras doPontífice.

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!É com prazer que vos recebo porocasião da vossa Congregação ge-ral, e saúdo todos vós com afeto, acomeçar pelo Prepósito-Geral, Pa-dre Vito Nardin, a quem agradeçoas suas palavras. A vossa visita ma-nifesta o apego à Igreja e à SantaSé, recomendado e vivido pelo vos-so Fundador, o Beato Antonio Ros-mini. Ele viveu heroicamente. Egostava de repetir: «O cristão deve-rá alimentar em si mesmo um afeto,um apego e um respeito sem limite

algum pela Santa Sé do RomanoPontífice» (Máximas de perfeiçãocristã adaptadas a todos os tipos depessoas, Lição III, n. 6). A fidelida-de à Sé de Pedro exprime a unida-de na diversidade e a comunhãoeclesial, elemento imprescindívelpara uma missão frutuosa.

Durante a vossa assembleia, pro-pusestes-vos refletir sobre o tema:

“Sede perfeitos... sede misericordio-sos”. Trata-se de pôr em primeiroplano a boa notícia de que cadacristão é chamado à santidade, e depercorrer juntos este caminho nacaridade. Tal perspetiva, puramenteevangélica, é um ponto focal do en-sinamento do vosso Fundador, quese pode encontrar de modo especial

Queridos jovens de Scholas, hojeaqui reunidos!Desejo celebrar juntamente con-vosco esta festa de encontro, en-contro de pessoas: cada um de vósé pessoa. Encontro de diferentescredos, países, línguas e realida-des: encontro de diferentes identi-dades, pois para se encontrar épreciso ter a certeza da própriaidentidade. Não podes ir nego-ciando a tua identidade para en-contrar o outro, não podes maqui-lhar a tua identidade, não a podesmascarar, porque a vida não é umcarnaval, é uma corrida muito sé-ria. E um encontro deve ser sério,com muita alegria, mas sério nocoração.

A palavra identidade não é fá-cil. É a pergunta do “quem soueu”. E é uma das perguntas maisimportantes que nos podemos fa-zer: diante de si mesmos, diantedos outros, diante de Deus, dianteda história. Quem sou eu?

É a questão que acompanha apergunta acerca do sentido daprópria vida, quem sou eu e quesentido tem a minha vida. Masatenção, não é uma pergunta quedevemos afastar de nós, nem umaquestão à qual responder rapida-mente ou esquecer. É uma pergun-ta que se deve manter sempre,sempre. Devemos mantê-la aberta,próxima. Eu, quem sou?

A nossa identidade não é umfacto que é concedido, não é umnúmero de fabrico, não é uma in-formação que posso procurar nainternet para saber quem sou. Nãosomos algo totalmente definido,estabelecido. Estamos a caminho,estamos em crescimento, e este nú-cleo de identidade vai crescendo,crescendo, e nós estamos a cami-nho; estamos a crescer com um es-tilo próprio, com uma históriapessoal, com este núcleo de identi-dade próprio. Somos testemunhas,somos redatores e leitores da nossavida e não somos os seus únicosautores: somos aquilo que Deussonha para nós, somos aquelesque nos contamos, aqueles quenos contamos de novo, aquelesque os demais nos contam, a pac-to de que sejamos fiéis. Fiéis à

nossa integridade pessoal, fiéis ànossa nobreza interior, fiéis a umapalavra da qual as pessoas têmmedo: fiéis à coerência. Não exis-tem identidades de laboratório,não existem. Cada identidade temhistória. E tendo história, tem per-tença. A minha identidade vem deuma família, de um povo, de umacomunidade. Não podeis falar deidentidade sem falar de pertença.Identidade significa pertencer.Pertencer é algo que te transcende,é algo maior do que tu.

O perigo, muito presente nestestempos, é quando uma identidadese esquece das suas raízes, se es-quece de onde vem, se esquece dasua história, não se abre à diferen-ça da atual convivência; vê o outrocom receio, vê-o como inimigo, eali começa a guerra. É suficienteler um jornal ou ouvir um telejor-

nal: guerra pequena, no início,quase imperceptível, mas grande eterrível no final. Por isso, para quea identidade não se torne violenta,não se torne autoritária, não sejanegadora da diferença, precisaconstantemente do encontro como outro, tem necessidade do diálo-go, precisa de crescer em cada en-contro e da memória da própriapertença. De onde venho? Quaissão as minhas raízes? Qual é acultura do meu povo? Não exis-tem identidades abstratas. Bom,haveria uma, é o bilhete de identi-dade, que é um pedaço de papel.Mas não serve, não te faz crescer.No máximo deixar-te-á tranquiloquando alguém da segurança opedir: “Muito bem, pode ir”. Nãohá identidades de laboratório,nem identidades fixas. Quemsou?, cada um de nós deve fazer-se novamente esta pergunta. Re-criemo-nos no caminho, cresçamosno caminho, com a memória, como diálogo, com a pertença e com aesperança. E assim, enriquecer-nos-emos cada dia mais.

Identidade e pertença. Por fa-vor, cuidai-as, cuidai a vossa per-tença. Não vos deixeis manipular.Cuidai a vossa pertença. Atéquando vemos entre nós pessoasque nada respeitam. Quantas ve-zes ouvimos dizer: «não confiesem fulano pois até venderia a suamãe». Cada um se questione: Ven-do a minha pertença? Vendo ahistória do meu povo? Vendo acultura do meu povo? Vendo acultura e aquilo que recebi da mi-nha família? Vendo a coerência devida? Vendo o diálogo com o ir-mão, mesmo se tem ideias diferen-tes, ou faço de contas que dialo-go? Não vendais a nossa partemais profunda, que é a pertença, aidentidade, que no caminho se fazencontro de identidades diferentespara se enriquecerem reciproca-mente. Faz-se fraternidade.

Desejo agradecer a todos os quetornaram possível este encontro:pais e professores de cada um; poro terdes permitido e por terdesparticipado nele; às autoridades,por terem aberto a porta e torna-do possível a experiência; às esco-las Ort e a todas as comunidadesreligiosas por terem enriquecido, apartir da diversidade, a narraçãodeste encontro e de cada um. Edesejo agradecer a vós, jovens deScholas, por deixardes que a vidavos conte um novo capítulo, passoapós passo. Não tenhais medo dis-to. Porque tendes a coragem demisturar as vossas linguagens, deabrir as vossas histórias sem re-nunciar a elas, de vos deixardesreescrever pelo outro, pelo diverso,pelo desconhecido, permanecendosempre diversos e, ao mesmo tem-po, cada vez mais vós mesmos. Efazendo da vossa identidade, destapertença que recebestes, uma obrade arte. É isto que vos desejo. Epor favor, não vos esqueçais de re-zar por mim. Obrigado.

Publicamos a seguir a nossa tradução do texto da mensagem vídeo enviadapelo Papa Francisco aos participantes no terceiro encontro mundial dosjovens promovido pela fundação Scholas occurrentes juntamente com ainstituição educativa judaica World Ort, que teve lugar em Buenos Aires,Argentina, de 29 de outubro a 1 de novembro.

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 6 de novembro de 2018, número 45

Discurso ao capítulo geral da congregação dos missionários de São Carlos

Ao serviço dos migrantescontra preconceitos e rejeições

Ao serviço dos migrantes, contra os preconceitose a rejeição: foi esta a exortação que o PapaFrancisco fez aos participantes no capítulo geralda congregação dos missionários de São Carlos(scalabrinianos), recebidos em audiência nasala do Consistório na manhã de 29 deoutubro. Durante o encontro, depois dasaudação do novo superior-geral, LeonirChiarello, o Sumo Pontífice improvisou umdiscurso, entregando o seguinte texto preparado.

Prezados irmãos!

Estou feliz por me encontrar convosco, porocasião do vosso Capítulo Geral, e por diri-gir a minha cordial saudação a cada um devós, a começar pelo novo Superior-Geral, aoqual agradeço as palavras e formulo votosde todo o bem para o seu ministério.

No centro da vossa reflexão destes diascolocastes o tema Encontro e caminho. «Jesuscaminhava com eles» (cf. Lc 24, 15). A refe-rência é à narração dos discípulos deEmaús, que encontram Jesus Ressuscitadoao longo da estrada. Ele aproxima-se paracaminhar com eles e para lhes explicar asEscrituras. O Capítulo representa um mo-mento privilegiado de graça para a vossaFamília religiosa, chamada a assumir estadúplice atitude do Mestre divino, em rela-ção a quantos são objeto dos vossos cuida-dos pastorais: anunciar-lhes a Palavra e ca-minhar com eles. Trata-se de encontrar cami-nhos sempre novos de evangelização e dep ro x i m i d a d e , a fim de concretizar com fideli-dade dinâmica o vosso carisma, que vos põeao serviço dos migrantes.

Diante do hodierno fenómeno migratório,muito vasto e complexo, a vossa Congrega-ção haure os recursos espirituais necessáriosdo testemunho profético do Fundador, atualcomo nunca, e da experiência de muitos ir-mãos de hábito que trabalharam com gran-de generosidade desde as origens, há 131anos, até agora. Tanto hoje como ontem, a

existem nos corações dos migrantes! Histó-rias positivas e negativas! O perigo é queelas sejam removidas: obviamente as negati-vas; mas também as positivas, porque recor-dá-las faz sofrer. E deste modo o risco é queo migrante se torne uma pessoa erradicada,sem rosto, sem identidade. Mas trata-se deuma perda gravíssima, que se pode evitarcom a escuta, caminhando ao lado das pes-soas e das comunidades migrantes. Poderfazê-lo constitui uma graça, e é inclusive umrecurso para a Igreja e para o mundo.

Encorajo-vos a levá-la em frente com o esti-lo que vos é próprio, amadurecido no en-contro fecundo entre o carisma do BeatoScalabrini e as circunstâncias históricas.Deste estilo faz parte a atenção que vósprestais à dignidade da pessoa humana, demaneira particular lá onde ela é mais feridae ameaçada. Dele fazem parte inclusive ocompromisso educacional com as novas ge-rações, a catequese e a pastoral familiar.

Estimados irmãos, não devemos esquecerque a condição de cada missão na Igreja éque permaneçamos unidos a Cristo Ressus-citado, como os ramos à videira (cf. Jo 15, 1-9). Caso contrário, fazemos ativismo social.Por isso, repito também a vós a exortação apermanecer n’Ele. Nós somos os primeirosque temos necessidade de nos deixarmos re-novar na fé e na esperança por Jesus vivona Palavra e na Eucaristia, mas também noPerdão sacramental. Temos necessidade deestar com Ele na adoração silenciosa, na lec-tio divina, no Rosário da Virgem Maria.

E precisamos de uma vida comunitáriasaudável, simples mas não banal, não me-díocre. Apreciei quando o Superior-Geralafirmou que o Espírito vos chama a viverentre vós a comunhão na diversidade. Sim, co-mo testemunho mas antes de tudo comoalegria para vós, como riqueza humana ecristã, esclesial. Encorajo-vos também aprosseguir o caminho de partilha com os lei-gos, enfrentando juntos os desafios do pre-sente; assim como a cuidar dos itineráriosde formação permanente.

Irmãos, estou-vos grato por este encontro.Rezo pelo vosso Capítulo, a fim de que dêmuitos bons frutos! Peçamos isto por inter-cessão de Maria, nossa Mãe, de São CarlosBorromeu e do Beato João Batista Scalabri-ni. Abençoo-vos de oração, assim como atodos os Missionários scalabrinianos. E tam-bém vós, por favor, não vos esqueçais de re-zar por mim!

vossa missão realiza-se em contextos difíceis,às vezes caraterizados por atitudes de sus-peita e de preconceito, ou a ti de rejeição dapessoa estrangeira. Isto impele-vos aindamais a um corajoso e perseverante entusias-mo apostólico, para levar o amor de Cristoa quantos, longe da pátria e da família, cor-rem o risco de se sentir distantes também deD eus.

O ícone bíblico dos discípulos de Emaúsmostra que Jesus explica as Escrituras en-quanto caminha com eles. A evangelizaçãofaz-se caminhando com o povo. Antes detudo, é necessário ouvir as pessoas, escutar ahistória das comunidades; sobretudo as es-peranças desiludidas, as expetativas dos co-rações, as provações da fé... Principalmente,ouvir; e fazê-lo em atitude de com-paixão,de proximidade sincera. Quantas histórias

para não sofrer, preferem cancelar o própriopassado.

Cristo Ressuscitado envia também vós,hoje, na Igreja, a caminhar juntamente comnumerosos irmãos e irmãs que, como mi-grantes, percorrem o seu itinerário de Jeru-salém para Emaús. Missão antiga e semprenova; cansativa e por vezes dolorosa, mastambém capaz de fazer chorar de alegria.

Depois de ter ouvido,como Jesus, é precisooferecer a Palavra e o si-nal do Pão partido. Éfascinante dar a conhe-cer Jesus através das Es-crituras, a pessoas de di-ferentes culturas; narrar-lhes o seu mistério deAmor: encarnação, pai-xão, morte e ressurrei-ção. Partilhar com osmigrantes o enlevo deuma salvação que é his-tórica, é situada, e noentanto é universal, paratodos! Desfrutar juntosda alegria de ler a Bí-blia, de acolher nela aPalavra de Deus paranós, hoje; descobrir queatravés das EscriturasDeus quer oferecer a es-tes homens e estas mu-

lheres concretos a sua Palavra de salvação,de esperança, de libertação e de paz. E alémdisso, convidar para a Mesa da Eucaristia,onde não há palavras e permanece o Sinaldo Pão partido: Sacramento em que tudo seresume, no qual o Filho de Deus oferece oseu Corpo e o seu Sangue pela vida daque-les viandantes, daqueles homens e mulheresque correm o risco de perder a esperança e,

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número 45, terça-feira 6 de novembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Isto mesmo nos lembra oelemento que é essencial,no Evangelho, para as vir-gens à espera das núpcias:não o vestido, nem mesmo

as lâmpadas, mas o azeite,guardado em pequenos vasos.Eis uma primeira caraterísti-

ca saliente deste azeite: não évistoso. Permanece escondido, não

se vê; mas, sem ele, não há luz.Que nos sugere isto? Que, diante do

Senhor, não contam as aparências, contao coração (cf. 1 Sm 16, 7). Aquilo que omundo procura e ostenta — as honras, o po-der, as aparências, a glória — passa, sem dei-xar qualquer vestígio. É indispensável afas-tar-se das aparências mundanas a fim de sepreparar para o céu. É preciso dizer não à«cultura da maquilhagem», que ensina acuidar das aparências. Em vez disso, há quepurificar e guardar o coração, o íntimo dohomem, precioso aos olhos de Deus; não oexterior, que desaparece.

Depois desta primeira caraterística — nãoser vistoso, mas essencial — há um segundoaspeto do azeite: existe para ser consumido.Só queimando-se é que ilumina. De igualmodo a vida: só irradia luz, se se consumir,se se gastar no serviço. O segredo para viveré viver para servir. O serviço é o bilhete quese deve exibir à entrada para as núpciaseternas. O que resta da vida, frente ao li-miar da eternidade, não é o que ganhamos,mas o que demos (cf. Mt 6, 19-21; 1 Cor 13,8). O sentido da existência é responder àproposta de amor de Deus. E a respostapassa através do amor verdadeiro, do domde si mesmo, do serviço. Servir custa, por-que significa gastar-se, consumir-se; mas, nonosso ministério, não serve para viver quem

graça de renovar, cada dia, o nosso primiti-vo amor pelo Senhor (cf. Ap 2, 4), de não odeixar apagar-se. A grande tentação é decairnuma vida sem amor, que é como um vasovazio, como uma lâmpada apagada. Se nãose investe no amor, a vida apaga-se. Os cha-mados às núpcias com Deus não podemacomodar-se numa vida sedentária, calma erasteira, que prossegue sem ímpeto, procu-rando pequenas satisfações e perseguindoreconhecimentos efémeros. Uma vida deslei-xada, rotineira, que se contenta com o cum-primento dos próprios deveres mas sem se

Jesus tirou da mortea última palavra

quem crê n’Ele será transfiguradopelo amor misericordioso do Pai

para uma vida eterna e abençoada

(@Pontifex_pt)

Ouvimos, na parábola do Evangelho, que asvirgens «saíram ao encontro do noivo» (Mt25, 1): todas elas, as dez. Para todos, a vidaé uma contínua chamada a sair: do ventreda mãe, da casa onde se nasceu, da infânciapara a juventude e da juventude para a ida-de adulta, até à saída deste mundo. E, paraos ministros do Evangelho, a vida apresen-ta-se também em saída contínua: da casa defamília para onde a Igreja nos envia, de umserviço para outro; estamos sempre de pas-sagem, até à passagem final.

O Evangelho lembra-nos o sentido destasaída contínua que é a vida: ir ao encontrodo noivo. Eis o objetivo para que se vive: pa-ra aquele anúncio que, segundo o Evange-lho, ressoa durante a noite e que poderemosacolher plenamente no momento da morte:«Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!» (25,6). O que confere sentido e orientação à vi-da é o encontro com Jesus, Noivo que«amou a Igreja e se entregou por ela» (Ef 5,25); nada mais. É o fim que projeta luz so-bre aquilo que o precede. E, como a semen-teira se avalia pela colheita, assim o cami-nho da vida se organiza a partir da meta.

Então, se é um caminho em saída para onoivo, a vida constitui o tempo que nos foidado para crescer no amor. Viver é uma pre-paração diária para as núpcias, um grandenamoro. Perguntemo-nos: vivo eu como al-guém que prepara o encontro com o noivo?No ministério, por trás de todos os encon-tros, das atividades a organizar e dos assun-tos a tratar, não se deve esquecer o fio queune todo o enredo: a expetativa do noivo.O centro só pode ser um coração que ama oSenhor. Só assim o corpo visível do nossoministério será sustentado por uma alma in-visível. Assim se entende o que diz o após-tolo Paulo na segunda Leitura: «Não olha-mos para as coisas visíveis, mas para as invi-síveis, porque as visíveis são passageiras, aopasso que as invisíveis são eternas» (2 Cor4, 18). Não nos fixamos nas dinâmicas terre-nas; olhamos para além. É verdadeiro estefamoso aforismo: «O essencial é invisívelaos olhos». Na vida, o essencial é escutar avoz do noivo. Esta convida-nos a vislumbrardia a dia o Senhor que vem e a transformartoda a atividade numa preparação para asnúpcias com Ele.

Em sufrágio pelos cardeais e bispos falecidos durante o ano

O fim ilumina o que o precede

“Agnus Dei” (séc. XI)

doar, não é digna doNoivo.

Enquanto rezamos pe-los Cardeais e Bispos fa-lecidos durante o ano,peçamos a intercessão dequem viveu sem querersobressair, de quem ser-viu do fundo do coração,de quem se preparou diaapós dia para o encontrocom o Senhor. A exem-plo destas testemunhasque, graças a Deus, exis-tem e são muitas, nãonos contentemos comuma vista restrita ao diade hoje; mas desejemosum olhar que se estendamais além, para as núp-cias que nos esperam.Uma vida, permeada pe-lo desejo de Deus e trei-nada no amor estarápronta para entrar namorada do Noivo, e istopara sempre.

não vive para servir. Quem guarda demais asua vida, perde-a.

Uma terceira caraterística do azeite apare-ce de forma relevante no Evangelho: a pre-p a ra ç ã o . O azeite deve ser preparado a tem-po, e levado connosco (cf. 10, 4.7). O amoré, certamente, espontâneo, mas não se im-provisa. É precisamente na falta de prepara-ção que está a insensatez das virgens que fi-caram fora das núpcias. Agora é o tempo dapreparação: no momento presente, dia apósdia, deve-se alimentar o amor. Peçamos a

Na celebração de sufrágio, presidida na manhã de 3 de novembro, no altarda cátedra da basílica de São Pedro, o Papa recordou os cardeais,arcebispos e bispos falecidos durante o ano. De outubro de 2017 ao mêspassado morreram oito cardeais (Panafieu, Cordero Lanza di Montezemolo,Law, Lehmann, O’Brien, Castrillón Hoyos, Obando Bravo e Tauran) e opatriarca Ignace Pierre VIII Abdel-Ahad, além de 154 arcebispos e bispos.Concelebraram 29 purpurados e numerosos prelados. Estava presente oCorpo diplomático acreditado junto da Santa Sé.

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número 45, terça-feira 6 de novembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

Festa de família

Athletica Vaticana com as missões de dom Bosco

Para libertar as vítimas do tráfico

O Pontífice no cemitério Laurentino

Entre memória e esperança

Correr juntos pelas estradas de Roma significa também «viver numa dimen-são de festa popular a solenidade de todos os santos»: foi a chave de leitura— sugerida pessoalmente pelo Papa Francisco no Angelus — da Corrida dosSantos, a já tradicional maratona promovida, com objetivos solidários, pelafundação Missões de dom Bosco.

Foram mais de sete mil os runners que, não obstante a chuva, participa-ram na competição, partindo e chegando à Praça Pio XII, patrocinada peloPontifício Conselho para a cultura e pelo Dicastério para os leigos, a famíliae a vida. E não faltaram no encontro os corredores de Athletica Vaticana, arepresentação dos funcionários da Santa Sé sempre na linha da frente parapromover iniciativas concretas de solidariedade. Desta vez, explicaram osatletas, «corremos para apoiar o empenho dos salesianos a favor das jovensvítimas do tráfico no Gana, através do projeto “Nunca mais escravas. Livresde crescer”, lançado em 2014 em Ashaiman».

Amados irmãos e irmãs, bom dia eboa festa!A primeira Leitura de hoje, tiradado Livro do Apocalipse, fala-nosdo céu e coloca diante de nós«uma multidão imensa», incalculá-vel, «de todas as nações, tribos,

povos e línguas» (Ap 7, 9). São ossantos. O que fazem “lá em cima”?Cantam juntos, louvam a Deuscom alegria. Seria agradável ouviros cânticos deles... Mas podemosimaginá-los: sabeis quando? Du-rante a Missa, quando cantamos«Santo, santo, santo é o Senhor Deusdo universo...». É um hino — diz aBíblia — que vem do céu, que secanta lá (cf. Is 6, 3; Ap 4, 8), umhino de louvor. Então, cantando o“Santo”, não só pensamos nos san-tos, mas fazemos aquilo que elesfazem: naquele momento, na Mis-sa, estamos como nunca em uniãocom eles.

E estamos em união com todosos santos: não só com os mais co-nhecidos, do calendário, mas tam-bém com os “da porta ao lado”, osnossos familiares e conhecidos queagora fazem parte daquela multi-dão imensa. Então hoje é festa defamília. Os santos estão próximosde nós, aliás, são os nossos irmãose irmãs mais verdadeiros. Compre-endem-nos, amam-nos, sabem qualé o nosso verdadeiro bem, ajudam-nos e esperam por nós. São felizese querem que sejamos felizes comeles no paraíso.

Por isso nos convidam pelo ca-minho da felicidade, indicada noEvangelho hodierno, tão bonito econhecido: «Bem-aventurados ospobres de espírito [...] Bem-aven-turados os mansos [...] Bem-aven-turados os puros de coração...» (cf.Mt 5, 3-8). Como? O Evangelhodiz os pobres, enquanto que omundo diz bem-aventurados os ri-cos. O Evangelho diz os mansos,mas o mundo diz bem-aventuradosos prepotentes. O Evangelho dizbem-aventurados os puros, ao pas-so que o mundo diz bem-aventura-dos os astutos e os felizardos. Estecaminho da bem-aventurança, dasantidade, parece levar à derrota.Contudo — recorda-nos ainda aprimeira Leitura — os santos têm«ramos de palmeira nas mãos» (v.9), ou seja, os símbolos da vitória.Venceram eles, não o mundo. Eexortam-nos a escolher a sua parte,a de Deus que é Santo.

Perguntemo-nos de que lado es-tamos: do céu ou da terra? Vive-mos para o Senhor ou para nósmesmos, para a felicidade eternaou para alguma satisfação momen-tânea? Questionemo-nos: queremosdeveras a santidade? Ou contenta-mo-nos de ser cristãos sem grandeentusiasmo nem glória, que acredi-tam em Deus e estimam o próximomas sem exagerar? O Senhor «pe-de tudo, e aquilo que oferece é avida verdadeira. Oferece tudo, ofe-

rece a felicidade para a qual fomoscriados» (Exort. ap. Gaudete et ex-sultate, 1). Em síntese, ou santidadeou nada! Faz-nos bem deixarmo-nos provocar pelos santos, queaqui não tiveram meias medidas ede lá “t o rc e m ” por nós, para queescolhamos Deus, a humildade, amansidão, a misericórdia, a pureza,para que nos apaixonemos pelocéu e não pela terra.

Hoje os nossos irmãos e irmãsnão nos pedem que ouçamos outravez um lindo Evangelho, mas queo ponhamos em prática, que enve-redemos pelo caminho das Bem-aventuranças. Não se trata de fazercoisas extraordinárias, mas de se-guir todos os dias este caminhoque nos conduz ao céu, nos leva àfamília, nos guia para casa. Porconseguinte, hoje divisamos o nos-so futuro e festejamos aquilo paraque nascemos: nascemos para nun-ca mais morrer, nascemos para go-zar da felicidade de Deus! O Se-nhor encoraja-nos e quem empre-ende o caminho das Bem-aventu-ranças diz: «Alegrai-vos e exultai,pois grande é a vossa recompensano céu» (Mt 5, 12). A Santa Mãede Deus, Rainha dos santos, nosajude a percorrer com decisão o ca-minho da santidade; ela, que é aPorta do céu, introduza os nossosentes queridos defuntos na famíliaceleste.

Vasily Myazin «O sermão da montanha»

Em silêncio no jardim dos anjos

«Faz-nos bem deixarmo-nos provocar pelos santos, que aqui não tiverammeias medidas e de lá “t o rc e m ” por nós, para que escolhamos Deus, ahumildade, a mansidão, a misericórdia, a pureza», ou seja, o caminho dasbem-aventuranças. Frisou o Papa no Angelus da solenidade de todos ossantos, que recitou com os quinze mil fiéis presentes na praça de São Pedro, namanhã de quinta-feira, 1 de novembro.

Dia de memória e de esperança, mas também dereflexão sobre o caminho a percorrer no presente:para o Papa Francisco é este o sentido dacomemoração dos fiéis defuntos, celebrada a 2 denovembro com a missa no cemitério Laurentino emRoma. Em seguida a homilia improvisada peloPontífice durante o rito litúrgico.

A liturgia de hoje é realista, concreta. Situa-nosnas três dimensões da vida, que até as criançascompreendem: o passado, o futuro, o presente.

Hoje é um dia de memória do passado, pararecordar quantos caminharam antes de nós,que nos acompanharam, nos deram a vida. Re-cordar, fazer memória. A memória é aquilo quefortalece um povo porque se sente radicadonum caminho, numa história, num povo. Amemória faz com que compreendamos que nãoestamos sozinhos, somos um povo que temuma história, um passado, uma vida. Memóriade tantos que partilharam um caminho connos-co e estão aqui [indica os túmulos ao redor].Não é fácil fazer memória. Muitas vezes, temosdificuldade para voltar atrás com o pensamen-to ao que aconteceu na nossa vida, na nossa fa-mília, no nosso povo... Mas hoje é dia de me-mória que nos leva às raízes: às minhas raízes,às raízes do meu povo.

E é também um dia de e s p e ra n ç a : a segundaLeitura mostrou-nos o que nos espera. Um céunovo, uma terra nova e a cidade santa de Jeru-salém, nova. Linda imagem usada para nos fa-zer entender o que nos espera: «Vi descer docéu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a novaJerusalém, como uma esposa ornada para o es-poso» (cf. Ap 21, 2). Espera-nos a beleza... Me-mória e esperança, esperança de nos encontrar-mos, de chegarmos onde está o Amor que noscriou, o Amor que nos espera: o amor do Pai.

E entre memória e esperança há a terceiradimensão, a do caminho que devemos percorrere que atravessamos. E comopercorrer o cami-nho sem errar? Quais são as luzes que me aju-darão a não errar a estrada? Qual é o “navega-dor” que o próprio Deus nos concedeu paranão errar o caminho? São as Bem-Aventuran-ças que no Evangelho Jesus nos ensinou. EstasBem-Aventuranças — a mansidão, a pobreza deespírito, a justiça, a misericórdia, a pureza decoração — são as luzes que nos acompanhampara não errarmos estrada: este é o nosso p re -sente.

Neste cemitério existem as três dimensões davida: a memória, podemos vê-la ali [indica ostúmulos]; a esperança, que vamos celebrar ago-ra na fé, não na visão; e as luzes para nosguiar no caminho de modo a não errarmos aestrada, que acabámos de ouvir no Evangelho:são as Bem-Aventuranças.

Peçamos hoje ao Senhor que nos conceda agraça de nunca perder a memória, jamais escon-der a memória — memória de pessoa, de famí-lia, de povo — e que nos dê a graça da esperan-ça, porque a esperança é um dom dele: saberesperar, olhar para o horizonte, não permanecerfechado diante de um muro. Olhar sempre parao horizonte e para a esperança. E que nos con-ceda a graça de compreender quais são as luzesque nos acompanharão no caminho para quenão erremos e possamos chegar onde nos espe-ram com tanto amor.

ANGELUSRecitação da prece mariana na Solenidade de Todos os Santos

Pequenos cata-ventos que giram, ursinhosde peluche e bonequinhas coloridas aespreitar entre os raminhos de flores: são ospormenores comovedores dos túmulos dorecanto mais amado do cemitério laurentinoem Roma, aquele dedicado às crianças e demodo especial aos bebés nado-mortos.Chamam-no “jardim dos anjos”, protegidoà sua entrada pelas imagens de doisanjinhos. O Papa deteve-se aqui, na tardede 2 de novembro, para um momento deintensa e comovedora oração silenciosa,antes de celebrar a missa no dia dacomemoração de todos os fiéis defuntos.Tendo chegado por volta das 15h40 aocemitério situado no centro do “a g roro m a n o ”, em Trigoria, Francisco foi

recebido por monsenhor LeonardoSapienza, regente da Prefeitura da Casapontifícia, e atravessou sozinho a relva,parando entre as cruzes e as lápides,depondo dois ramos de rosas brancas. Emseguida, depois de ter deixado umahomenagem floreal também diante dassepulturas postas do outro lado docaminho, deteve-se por poucos instantescom alguns pais, que vieram para rezarjunto dos túmulos dos próprios filhos.Depois, o Papa foi à capela de JesusRessuscitado, diante da qual foi montado oaltar e onde foi recebido em primeiro lugarpela presidente da Câmara municipal deRoma, Virginia Raggi. Sucessivamente,Francisco saudou o cardeal vigário, AngeloDe Donatis, o bispo auxiliar PaoloLojudice, o capelão, monsenhor ClaudioPalma, e o padre Riccardo Viel, pároco deSanta Maria da Assunção e São Miguel emCastel Romano e prefeito da área, queestavam ao seu lado no altar para aconcelebração eucarística. Depois de tersaudado os seminaristas romanos adidos aoserviço litúrgico, o Papa vestiu osparamentos para a missa, cujo rito,atormentado por violentas rajadas de vento,foi dirigido pelo mestre das celebraçõeslitúrgicas pontifícias, monsenhor GuidoMarini, coadjuvado pelo cerimoniário JánDubina. Monsenhor Marco Frisina dirigiuo coro da Diocese de Roma.Concelebraram também 19 sacerdotes. Nofinal, depois de ter saudado de novo oscelebrantes e cerca de trinta empregados daAma (empresa de serviços ambientais epúblicos) adidos ao controle e àmanutenção do cemitério, o Pontíficeregressou de carro ao Vaticano. Aqui,acompanhado pelo cardeal AngeloComastri, arcipreste da basílica de SãoPedro, visitou as Grutas do Vaticano paraum momento de oração em sufrágio pelosPontífices defuntos.

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 6 de novembro de 2018, número 45

Quinta-feira, 25 de outubro

Os passospara conhecer Jesus

«Seria um bom hábito, se todos osdias, nalgum momento, pudéssemosdizer: “Senhor, que eu te conheça eme conheça” e assim ir em frente»,eis a sugestão proposta pelo Papa.Não servem «cristãos com palavras»,que recitam o Credo «como papa-gaios», afirmou o Pontífice, convi-dando a viver a experiência de sesentirem seriamente pecadores.

«Se alguém — começou Francisco— nos perguntar “quem é Jesus Cris-to”, certamente diremos o queaprendemos na catequese, como Eleveio salvar o mundo, diremos a ver-dadeira doutrina sobre Jesus: é oSalvador do mundo, o Filho do Pai,Deus, homem, o que recitamos noCredo». Mas, realçou, «será umpouco mais difícil responder à per-gunta: “É verdade, mas quem é Je-sus Cristo para ti?”». Trata-se deuma «pergunta» que «nos deixa umpouco envergonhados, porque paradar a resposta devo pensar e entrarno meu coração».

Portanto, insistiu o Papa, «quem éJesus Cristo para mim? Qual é o co-nhecimento que tenho de Jesus Cris-to? Quando digo que para mim Je-sus Cristo é o Salvador, é assim —afirmou o Pontífice — mas cada umde nós deve responder também nocoração, aquilo que sabe e sente deJesus Cristo, pois todos sabemosque é o Salvador do mundo, que é oFilho de Deus, que veio à terra paranos salvar, e podemos também nar-rar muitos trechos do Evangelho».

Mas permanece a pergunta direta:quem é Jesus Cristo «para mim»?Precisamente «este é o trabalho dePaulo», explicou Francisco com refe-rência ao trecho litúrgico tirado dacarta aos Efésios (3, 14-21), observan-do que o apóstolo «tem esta inquie-tação de transmitir a sua experiênciade Jesus Cristo». Com efeito, insis-tiu Francisco, Paulo «não conheceuJesus Cristo a partir dos estudos teo-lógicos e depois foi ver como a Es-critura anunciava Jesus Cristo». Pelocontrário, «ele conheceu Jesus Cristopela própria experiência, quandocaiu do cavalo, quando o Senhor fa-lou diretamente ao seu coração». E«o que Paulo sentiu, quer que tam-bém nós cristãos o sintamos».

Se fosse possível perguntar a Pau-lo «quem é Cristo para ti?», afirmouo Papa, eis que ele narraria «a suasimples experiência: “Amou-me eentregou-se por mim”». Paulo «estácomprometido com Cristo, que pa-gou por ele», e «quer que os cristãos— neste caso, os cristãos de Éfeso —tenham esta experiência, entrem nelaa ponto que cada um possa dizer:“Amou-me e entregou-se pormim”». Mas é importante «dizê-lo

com a própria experiência», sugeriuo Papa.

Francisco quis reler um trecho dacarta aos Efésios, proposta como pri-meira leitura: «Que pela fé Cristohabite em vossos corações, arraiga-dos e consolidados na caridade, afim de que possais, com todos oscristãos, compreender — Paulo insis-te — qual é a largura, o comprimen-to, a altura e a profundidade, isto é,conhecer a caridade de Cristo, quedesafia todo o conhecimento, e se-jais cheios de toda a plenitude deD eus».

«Paulo quer conduzir todos nós aesta experiência», explicou o Pontí-fice, porque é «a experiência que eleteve de Jesus Cristo: o encontro comJesus Cristo levou-o a entender estagrande realidade».

Mas «como se pode chegar a isto,qual é o caminho?», foi a perguntaproposta pelo Papa. Talvez, acres-centou, «eu tenha que recitar o Cre-do muitas vezes? Sim, mas não éexatamente o melhor caminho parachegar a esta experiência: ajudará,mas não é o certo». Com efeito, afir-mou Francisco, «quando diz que Je-sus se entregou por ele, que morreupor ele, Paulo quer dizer “pagou pormim” e nas suas cartas narra muitasvezes a própria experiência: “Eu eraum pecador”, “eu perseguia os cris-tãos”».

Para o fazer, prosseguiu o Papa,ele «parte do próprio pecado, da suaexistência pecadora, e a primeira de-finição que Paulo faz de si mesmo é“p ecador”: escolhido por amor, maspecador». Assim, observou o Pontí-fice, «o primeiro passo para o co-nhecimento de Cristo, para entrarneste mistério, é o conhecimento dopróprio pecado, dos seus pecados».

«Todos nos aproximamos do sa-cramento da reconciliação e confes-samos os nossos pecados», prosse-guiu Francisco. «Mas — esp ecificou— uma coisa é dizer os pecados, re-conhecê-los, e outra é reconhecer-se“p ecador”, “p ecador” por natureza,capaz de fazer qualquer coisa». Emsíntese, «reconhecer-se uma imundí-cie». E «Paulo tem esta experiên-cia».

Por isso, é preciso estar ciente deque «o primeiro passo para o conhe-cimento de Jesus Cristo é o conheci-mento de nós mesmos, da própriamiséria, que tem necessidade de serredimida, que precisa de alguém quepague: pague o direito a chamar-se“filhos de Deus”». Na realidade, ex-plicou o Papa, «todos o somos,mas» para o «afirmar e sentir eranecessário o sacrifício de Cristo e, apartir disto, Paulo vai em frente comas experiências religiosas que tem,uma atrás da outra, mediante a ora-ção e a caridade».

Eis então, reafirmou o Pontífice,que «o primeiro passo» é «reconhe-cer-se pecador, não na teoria mas naprática». Dizer «comecei a fazer is-to, parei, mas se eu tivesse continua-

do por este caminho, teria acabadomal, muito mal» é «a raiz do peca-do que te leva em frente». Portanto,«o primeiro passo é este: reconhecer-se pecador e dizer a si mesmo aspróprias misérias, envergonhar-se desi mesmo: este é o primeiro passo».

«O segundo passo para conhecerJesus é a contemplação, a oração»,afirmou o Papa, propondo esta sim-ples invocação: «“Senhor, que eu teconheça”». E acrescentando que«existe uma bonita oração, de umsanto: “Senhor, que eu te conheça eme conheça”». Trata-se, explicouFrancisco, «de nos conhecermos anós mesmos e de conhecermos Je-sus». E «aqui se realiza esta relaçãode salvação: a oração» insistiu oPontífice, convidando a «não noscontentarmos com dizer três ou qua-tro palavras corretas sobre Jesus»,porque «conhecer Jesus é uma aven-tura, mas uma aventura a sério, nãouma aventura infantil».

Conhecer Jesus, prosseguiu o Pa-pa, «é uma aventura que leva a vidainteira, porque o amor de Jesus é ili-mitado». Recorda-o Paulo, ainda nacarta aos Efésios: «Qual é a largura,o comprimento, a altura e a profun-didade» é uma expressão para indi-car precisamente que «não tem limi-tes». Mas «só podemos encontrar is-to com a ajuda do Espírito Santo: éa experiência de um cristão». E «é opróprio Paulo quem o diz: Ele temtodo o poder de fazer muito maisdo que podemos pedir ou pensar.Tem o poder de o fazer». Mas «de-vemos pedir-lhe: “Senhor, que eu teconheça; que quando eu falar conti-go, não diga palavras de papagaio,mas palavras tiradas da minha expe-riência, e que como Paulo eu possadizer: “Amou-me e entregou-se pormim” e dizê-lo com convicção». Pre-cisamente esta é a nossa força, este éo nosso testemunho».

«Há muitos cristãos com palavras;muitas vezes, também nós somos as-sim», alertou Francisco. Mas «istonão é santidade: santidade é ser cris-tãos que praticam na vida o que Je-sus ensinou e semeou no coração».Para fazer isto é necessário «conhe-cer Jesus» com «o discernimento ili-mitado: a altura, o comprimento, aplenitude, tudo».

O «primeiro passo», repetiu o Pa-pa, é sempre «reconhecer-nos peca-dores: sem este conhecimento, e semesta confissão interior, que sou umpecador, não podemos ir em frente».Depois, recordou, o «segundo pas-so» é «a oração ao Senhor para que,com o seu poder, nos faça conhecereste mistério de Jesus, o qual é o fo-go que Ele mesmo trouxe à terra».

Sexta-feira, 26 de outubro

Três pequenas coisaspara fazer a paz

Magnanimidade, doçura, humildade:são as atitudes simples, as «peque-nas coisas» — indicadas por SãoPaulo a uma comunidade cristã dasorigens, a de Éfeso — ainda hoje efi-cazes para «fazer» e «consolidar aunidade» no mundo, nas sociedadeshumanas e nas famílias que «preci-sam de paz». O Papa repropô-lasdurante a missa, partindo da primei-ra leitura tirada da carta do apóstoloaos Efésios (4, 1-6).

«Paulo está na prisão» e «dirige-se aos cristãos com este — p o demosdizer — “hino” à unidade» antecipouo Pontífice descrevendo a cena antesde falar acerca de outro aspeto emparticular: a solidão do protagonista.«Ele — constatou — está sozinho.Um pouco antes deste trecho, la-menta-me: “Deixaram-se sozinho”.Depois diz a Tito: “Na minha pri-meira audiência diante do juiz nin-guém me assistiu”. Sozinho. E aque-la solidão de prisioneiro condenadoà morte certamente o acompanharáaté às Três Fontes», onde «morrerásozinho, porque os cristãos estãomuito ocupados “na frente interna”,nas lutas internas».

Eis por que, observou o Pontífice,«Saulo dá o melhor de si neste ex-certo» haurindo de todas as energiasque lhe restam «para convocar paraa unidade, para recordar a dignidadeda vocação: “Comportai-vos de ma-neira digna da chamada que recebes-tes”. Rumo à unidade». De resto, «opróprio Jesus, antes de morrer, naúltima Ceia, pediu ao Pai a graça daunidade para todos nós: “Que sejamum, como Tu e eu, Pai”». E istocontém uma lição também para ahumanidade de hoje. Uma lição queFrancisco repropôs atualizando a re-flexão: «Nós estamos habituados arespirar o ar dos conflitos. Todos osdias, no telejornal, nos jornais, se fa-la dos conflitos, um atrás do outro,de guerras, sem paz, sem unidade,um contra o outro». A ponto que,foi a sua denúncia, «mesmo se esta-belecem pactos para pôr fim a qual-quer conflito, como dizia um sábio:“Os pactos fazem-se para serem des-feitos em seguida”. E assim sobre oque foi assinado há dez anos, depoisdiz-se: “Não, não continuamos comeste pacto”».

Deste modo, o que vai em frentesão «a corrida aos armamentos, apreparação para as guerras, a des-truição». Com o resultado, observouo Papa, que «também as instituiçõesmundiais — vemos hoje — criadascom a melhor das vontades de aju-dar a unidade da humanidade, paraa paz, sentem-se incapazes de en-

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MISSAS EM S A N TA M A R TA

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número 45, terça-feira 6 de novembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 10

Taddeo di Bartolo, «Alegoria da magnanimidade» (1413-1414)

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 5

Ao capítulo geraldos rosminianos

no livro das Máximas. A santidade e a prática das vir-tudes não estão reservadas a poucos, nem sequer a al-guns momentos particulares da existência. Todos po-dem vivê-las na fidelidade quotidiana à vocação cristã;os consagrados, de modo especial, na adesão fiel àprofissão religiosa. Neste sentido, o Beato Rosmini re-zava: «Ó Deus, manda-nos os teus heróis!». Nele eraevidente aquilo que ressaltei no recente Motu proprioMaiorem hac dilectionem, sobre a heroicidade da vida,ou seja, «uma oferenda de vida aos outros, mantidaaté à morte» (n. 5). A santidade é o caminho da ver-dadeira reforma da Igreja que, como bem viu Rosmi-ni, transforma o mundo na medida em que se reformaa si mesma.

O vosso Fundador quis atribuir à sua família reli-giosa a denominação “Instituto da caridade”, exata-mente para evidenciar a supremacia da virtude da cari-dade que, como diz o Apóstolo, deve ser posta «acimade tudo» (Cl 3, 14). E Rosmini acompanhava a carida-de com uma vigorosa “firmeza interior”, intrépido no“calar-se”: o seu exemplo vos encoraje a progredir nafecundidade do silêncio interior e no heroísmo do si-lêncio exterior. Este é o caminho que produz frutos debem e de santidade, a senda que os Santos percorre-ram e que a Igreja indica a todos os crentes. É igual-mente importante manter aquela “santa indiferença”que o vosso Fundador hauriu de Santo Inácio deLoyola: sem ela não é possível atuar uma autêntica ca-ridade universal.

Na vossa atividade eclesial, convido-vos a dispor asobras de caridade corporal, intelectual, espiritual epastoral, de maneira a satisfazer sempre o EspíritoSanto que indica onde, quando e como amar. No quese refere à ação educativa, ela não se reduz a uma sim-ples instrução, mas é caridade intelectual. Com efeito,o centro vivo da educação cristã é a ciência transmiti-da a partir da Palavra de Deus, cuja plenitude é JesusCristo, Verbo que se fez carne. A vossa presença apos-tólica irradiou-se na Índia, na Tanzânia e no Quénia,assim como nos Estados Unidos da América e na Eu-ropa: encorajo-vos a ser homens com as mãos sempreestendidas aos sofredores, para lhes levar o socorro dafé e da caridade. Penso de modo particular nos vossosirmãos de hábito e nas Irmãs rosminianas que traba-lham na Venezuela, chamados a dar testemunho daproximidade espiritual e material à população, tão du-ramente provada.

É bom que também o vosso Instituto continue a re-fletir atentamente sobre o próprio carisma e, conside-rando os frutos que amadureceram ao longo dos anos,possa abrir-se cada vez mais às expetativas da Igreja edo mundo. Com a luz do Espírito Santo, encontrareisos caminhos para prosseguir com impulso renovado,captando os sinais dos tempos, as urgências sociais eas pobrezas espirituais e materiais de quantos esperampalavras e gestos de salvação e de esperança. Nestaobra apostólica, sois acompanhados pelos “Adscritos”,clérigos e leigos que, vivendo no mundo, desejam al-cançar a perfeição evangélica em comunhão com ovosso Instituto. É bom que eles se tornem cada vezmais partícipes da vossa vida comunitária.

Estimados irmãos, o vosso Instituto, com a especifi-cidade do carisma rosminiano, pode continuar a ofere-cer um serviço válido no anúncio do Evangelho. Exor-to-vos a propor com constância e clarividência o patri-mónio espiritual e doutrinal que herdastes. Que as di-ficuldades inevitáveis não vos desanimem, mas vos im-pulsionem a confiar sempre em Deus, para continuarcom alegria e esperança a missão que Ele vos confiou.O Espírito Santo vos torne instrumentos vivos da cari-dade universal na Igreja e no mundo, capazes de aju-dar aqueles que encontrais no vosso apostolado a re-novar incessantemente a esperança, a qual «não desi-lude, porque o amor de Deus foi derramado nos nos-sos corações pelo Espírito Santo que nos foi concedi-do» (Rm 5, 5).

Confio-vos à proteção maternal da Virgem Maria e,de coração, concedo-vos a Bênção apostólica. Por fa-vor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado!

contrar um acordo: que há um veto aqui, uminteresse lá... E têm dificuldade de encontraracordos de paz». Mas, em tudo isto, ad-moestou Francisco, «entretanto as criançasnão têm o que comer, não vão à escola» enão são «educadas; não há hospitais porqueas guerras destroem tudo». Em definitiva,«nós tendemos à destruição, à guerra, à de-sunião». E «é a tendência que semeia nonosso coração o inimigo, o destruidor da hu-manidade: o diabo».

Eis então a validade perene do ensinamen-to paulino, que «aqui, neste excerto — co-mentou o Papa — nos ensina o caminho ru-mo à unidade». Com efeito, afirma que «aunidade está coberta, está “blindada” — p o-demos dizer — com o vínculo da paz». Ouseja, esclareceu Francisco, «a paz leva à uni-dade». Para a alcançarmos, o apóstolo «ensi-na-nos o caminho simples: “Comp ortai-vosde maneira digna da chamada que recebes-tes, com toda a humildade, doçura e magna-nimidade”».

Eis portanto as «três coisas» indicadas porPaulo «para construir a paz, a unidade entrenós: “humildade, doçura — nós que estamoshabituados a insultar-nos, a gritar uns contraos outros... doçura — e magnanimidade”».Como se disséssemos: «Deixa estar, abre ocoração».

Mas, questionou-se o Pontífice, «podemosconstruir a paz no mundo com estas três pe-quenas coisas»? A resposta não podia deixarde ser afirmativa: «Sim, é o caminho. Pode-mos chegar à unidade? Sim, aquele cami-nho: “humildade, doçura e magnanimida-de”». E dado que «Paulo é prático», no tre-cho bíblico «continua com um conselhomuito concreto: “suportando-vos reciproca-mente no amor”. Suportar-nos uns aos ou-tros». Um conselho que «não é fácil» deconcretizar no dia a dia. O Papa disse estarciente disto, fazendo notar «que há sempre ojulgamento, a condenação, que leva à separa-ção, à distância. Quantas vezes — observou— se pergunta a uma pessoa: “Como está atua família? Como estão os teus primos?”.Não, não, não nos frequentamos...” E o dia-bo fica feliz com isto. É o início da guerra,pois não sois capazes de vos suportar».

Insistindo acerca da origem “doméstica”dos conflitos, o Papa frisou que esta dimen-são é «um aspeto que começa de manhã,quando nos levantamos, e acaba à noitequando vamos dormir». Por isso é necessário«que nos suportemos, pois todos nós causa-mos incómodo, impaciência, porque todos

nós somos pecadores, todos temos os nossosdefeitos. Mas suportar: é um lindo caminho,simples, preocupando-se: “Porque fiz isto?”diz Paulo, “tendo a solicitude de preservar aunidade do espírito por meio do vínculo dapaz”. Se eu quiser conservar a unidade, te-nho que fazer estas coisas simples, não hágrandes receitas».

Prosseguindo o comentário ao trecho pau-lino, o Papa explicou a seguir que o autorda carta aos Efésios «vai mais além, certa-mente sob a inspiração das palavras de Jesusna última Ceia: “Um só corpo e um só espí-rito, assim como uma só é a esperança àqual sois chamados, a da vossa vocação; umsó Senhor, uma só fé, um só batismo. Um sóDeus e Pai de todos, que está acima de to-dos, age por meio de todos e está presenteem todos”». Por conseguinte, Paulo «entu-siasma-se e vai em frente: e da doçura, dahumildade, da magnanimidade, depois vaiem frente e mostra-nos o horizonte da pazcom Deus; como Jesus nos mostrou o hori-zonte da paz na oração: “Pai, que sejam um,como tu e eu”. A unidade. E assim vai-se emfrente passo após passo».

Em seguida, referindo-se ao excerto doEvangelho do dia, tirado de Lucas (12, 54-59), o Papa constatou como Jesus é «práticocom este conselho que ouvimos: “Quandofores com o teu adversário diante do magis-trado — discutir — ao longo do caminho pro-cura encontrar um acordo com ele”». E defi-niu o de Jesus um «bom conselho», porque«não é difícil encontrar um acordo no iníciodo conflito. Não é difícil». É suficiente pen-sar a este propósito «nos esposos, quandodiscutem, até quando os pratos voam, e háar de tempestade em casa»: com efeito, na-quelas situações «o conselho melhor a dar-lhes é: “Sim, sim, atirai os pratos todos, masnão termineis o dia sem fazer as pazes”. Por-quê? Porque a guerra fria no dia seguinte émuito perigosa. O conselho de Jesus: põe-tede acordo no início, fazer a paz no início: is-to é humildade, doçura, magnanimidade.Pode-se construir a paz no mundo inteirocom estas pequenas coisas, pois estas atitu-des são a atitude de Jesus: humilde, manso,perdoa tudo».

Eis, portanto, o pedido final de Francisco:«hoje o mundo — concluiu — precisa de paz,nós temos necessidade de paz, as nossas fa-mílias precisam de paz, a nossa sociedadetem necessidade de paz. Comecemos em ca-sa a praticar estas coisas simples: magnani-midade, doçura, humildade. Vamos em fren-te por este caminho: fazer sempre a unidade,consolidar a unidade». Com os votos de«que o Senhor nos ajude neste caminho».

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 6 de novembro de 2018, número 45

Em conversa com Gabriele Lonardi

Médico dos índios

GI A N PA O L O RO M A N AT O

Para chegar onde estão os seuspacientes emprega cerca dequinze a vinte dias. Depende

do estado dos rios. De avião atéManaus, depois cinco dias de barcoaté Lábrea e pelo menos outros onzepara chegar onde estão os índios Su-ruwahá. Gabriele Lonardi, médicode Verona formado em Pádua e es-pecializado em doenças tropicais emLisboa, escolheu exercer a sua pro-fissão desta forma.

Sessenta e cinco anos, sem os apa-rentar, foi para o Brasil quando aca-bou os estudos com um projeto decooperação gerido pela ong paduanaAes. Trabalhou em Anchieta, no Es-pírito Santo, cidade na qual viveu emorreu José de Anchieta, o primeiroevangelizador do Brasil, e depois noPiauí, no nordeste, seguindo Um-berto Pietrogrande, jesuíta, falecidoem 2015, um pedagogo que levou aoBrasil o método das escolas-famíliaagrícolas e que mereceria ser melhorconhecido também na Itália.

Quando a diocese de Vitória, ca-pital do Espírito Santo, foi gemina-da com a prelazia de Lábrea, no ex-tremo oposto do Brasil, na Amazô-nia mais profunda, aceitou ser trans-ferido e trabalhar como médico nomeio dos índios. Faz anos que Lo-nardi realiza esses longos desloca-mentos, que duram meses, a terrasremotas e inacessíveis, para se ocu-par da saúde de populações que es-tão paradas na pré-história.

Pergunto-lhe por que motivo ofaz. «Porque são seres humanos, co-mo nós, filhos de Deus, têm tam-

Nas margens deste rio e dos seusinúmeros afluentes estende-se a pre-lazia de Lábrea, em direção do Peru,perto da fronteira com a Bolívia. Éum pouco maior do que a Itália(230.000 quilômetros quadrados) eali vivem cerca de 80.000 pessoas. Éuma terra anfíbia — explica-me Lo-nardi — porque o Alto Purús é «infi-nitamente rico de curvas e reentrân-cias, com um percurso mutável, quese transforma de acordo com as esta-ções quando a água sobe ou descedevido ao desgelo das neves andinase invade a floresta até por trinta qui-lômetros, formando lagos enormes,dado que a inclinação do rio é míni-ma e as águas, por vezes, em vez dedescer, se estagnam e se alargam. Ageografia, nesta terra impressionante,muda constantemente». Em setem-bro, o mês mais quente, a tempera-tura pode chegar a 40 graus com 90por cento de humidade: um climaque permite que a vegetação se ma-nifeste com vigor, aumenta a alturadas árvores até de 50 metros, enchea atmosfera de insetos mortais e afloresta de todo tipo de animais. So-mente os índios se adaptaram a esseambiente extremo.

«Viver aqui, onde tudo é inimigodo homem — diz Lonardi — é umaluta titânica, inclusive pelo baixíssi-mo potencial agrícola da floresta. Aeconomia é miserável, de mera sub-sistência. Por isso as populações lo-cais são pequenos grupos seminôma-des, isolados uns dos outros, que senutrem de caça e pesca e têm neces-sidade de territórios muito vastospara sobreviver. O único produtoverdadeiro da terra é a mandioca,mas possui um baixíssimo conteúdoproteico e assim a desnutrição au-menta. Na minha região de Lábreaidentificamos 13 grupos de popula-ções, muito diversos entre elas porcaraterísticas somáticas, culturais,linguísticas e alimentares. Mas cadaum formado no máximo por 2.500

pessoas, mas em geral menos de mil.Noutras zonas amazônicas, onde po-dem contar com territórios mais am-plos, superam os vinte mil indívi-duos, como os Yanomamis perto daVenezuela. A Funai, entidade brasi-leira que tutela a população indíge-na, recenseou 220 etnias diferentes.E considere — acrescentou — que merefiro só à Amazônia brasileira, en-quanto o imenso território amazôni-co penetra em cerca de dez Estadose abrange mais de 7 milhões de qui-lômetros quadrados, pouco menosdo que a Europa inteira, como osEstados Unidos sem o Alasca».

Pergunto se é fácil aproximar-sedos índios. «De jeito nenhum — re s -ponde-me — defendem com arcos eflechas o seu território e a sua soli-dão, que é fruto de experiências re-motas de lutas contra os estranhospelo território e contra doenças tra-zidas do exterior, por conseguinteaprenderam a esconder-se para so-breviver. Consegui entrar nas tabasdos Suruwahá (cujo nome se podeescrever de vários modos), um dosgrupos menores, identificados ape-nas há poucos anos, isto é, nas suasmalocas — habitações coletivas, cadauma das quais constitui uma aldeia— só porque consegui salvar um de-les que tinha sido picado por umaserpente e o levei à sua maloca. Des-de então, recebem-me como se fosseum deles, e quando vou ter comeles, depois de pelo menos dez diasde navegação pelos rios depois deLábrea, vivo junto com eles, na ma-loca, dormindo ao lado deles numarede. Há o obstáculo da língua, massou ajudado por uma índia que co-nhece o português. E quando digoque vivem distantes, que é difícilchegar lá, respondem-me que sou euque vivo longe deles, quebrando to-das as minhas categorias mentais et-nocêntricas. Quando volto a Veronae assisto aos espetáculos grandiososda Arena, não posso deixar de pen-

sar com certa consternação naquelesíndios, para os quais a sua maloca éo centro do mundo».

Que patologias encontra entre osseus índios? «De tudo. Malária, tu-berculose, anemias agravadas porparasitoses intestinais, verminosesque destroem sobretudo crianças. Aspiores doenças tropicais, algumasbem conhecidas, outras menos, aquiproliferam, às vezes desenvolvendo-se de formas imprevisíveis, transmiti-das pelos insetos, agravadas pelo cli-ma tropical, pela higiene inexistente,pela falta de remédios e hospitais.Para chegar ao mais próximo, o deLábrea, é preciso navegar por dias edias. A malária é um flagelo. Diag-nosticamos sete mil casos só nos pri-meiros cinco meses deste ano numaárea habitada por cerca de 40.000pessoas. Depois a febre negra de Lá-brea, ou hepatite delta, presentequase exclusivamente na minha re-gião com um vírus muito agressivo,que com os colegas de medicina tro-pical de Manaus estamos tentandoisolar, impedindo que se propaguenoutras zonas. A filariose é quaseendêmica, dado que segundo osmeus cálculos diz respeito a 70 porcento da população. Garanto-lheque um médico na Amazônia só tema aprender! Estudei na Europa emcélebres escolas especializadas, maso meu mestrado foi obtido aqui, cui-dando como posso dessas pessoasque não sabem dizer quantos anostêm porque lhes falta o sentido dotempo e vivem num eterno presente,nem sabem dizer como se chamam»,porque não existe individualidadepessoal onde tudo é coletivo.

«E depois — continua Lonardi —existe a lepra, difundida em toda aAmazônia, da qual se fala demasia-do pouco. O município de Lábreafoi considerado durante muito tem-po o lugar de máxima concentraçãodo mal de Hansen de toda a Ama-zônia, juntamente com áreas do Ma-to Grosso. Posso recordar que háum século o grande explorador e an-tropólogo italiano Ermanno Stradel-li, uma celebridade no Brasil masainda pouco conhecido na Itália,contraiu precisamente aqui a lepradevido à qual faleceu em 1926. Nobairro de São Lázaro, verificamos3623 casos de hanseníase. A patolo-gia está sob controle mas deixa es-tigmas indeléveis no doente. Aqui seveem tantos leprosos com o corpomartirizado».

Mas na Amazônia não há só osíndios, disse-me Lonardi. Há os bra-sileiros, geralmente nordestinos, des-cendentes daqueles que emigrarampara aqui no século passado quandoa extração da borracha parecia abrirmuitas possibilidades de enriqueci-mento. O ciclo do cauchu duroupouco, mas deixou marcas profun-das. Manaus, atual capital do Ama-zonas, que está distante de Lábrea1800 quilômetros de navegação porrios (900 em linha reta), tornou-seentão uma grande cidade, com a cé-lebre casa de ópera, na qual se diz

CO N T I N UA NA PÁGINA 14

Gabriele Lonardicom alguns pacientes

bém o próprio direito à saúde e se avida quase casualmente me levou atéeles, como médico tenho o dever decuidar deles. E merecem inclusive anossa admiração por terem consegui-do sobreviver na Amazônia, que é otriunfo da natureza, uma terra espe-tacular, mas também a mais hostilpara o homem». Cita Euclides daCunha, que no final do século XIXfoi um dos primeiros a explorar oAlto Purús: «Nesta natureza sobera-na e primitiva, que aqui liberta assuas energias mais poderosas e in-controláveis, o homem é só um in-t ru s o » .

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número 45, terça-feira 6 de novembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Na basílica lateranense o cardeal Becciu beatificou madre Clélia Merloni

No sinal da cruz

Mulher de perdão e de caridade

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Mulher inteiramente de Deus, mas também«de maneira total dos irmãos, sobretudo dospequeninos, dos pobres, dos simples, dosindefesos»: com efeito, o seu «amor porDeus não podia deixar de se refletir e de seencarnar no amor pelo homem». Foi assimque o cardeal Angelo Becciu definiu madreClélia Merloni durante o rito de beatifica-ção presidido em representação do PapaFrancisco na manhã de sábado, 3 de novem-bro, na basílica de São João de Latrão.

A fundadora das apóstolas do SagradoCoração de Jesus, observou na homilia oprefeito da Congregação para as causas dossantos, tinha um coração aberto a todos, es-pecialmente aos doentes e aos sofredores.«Soube fazer próprias as necessidades dosoutros — disse — até chegando a privar-sedas coisas básicas». Demonstrou sempre«uma ternura especial, uma compaixão ina-ta por todas as formas de sofrimento, paracujo suprimento se submeteu a qualquerdesconforto e cansaço, extinguindo aquelasede de caridade e de zelo que ardia nela».Nas obras de solidariedade, acrescentou,não conhecia limites e «identificava-se ple-namente com os problemas dos outros».Quantos viveram ao seu lado afirmam que:«se via um necessitado e não podia ajudá-lodesfalecia por causa da pena que sentia».

A palavra de Deus, sublinhou ainda ocardeal, «ajuda a compreender o coração daexperiência humana e cristã da beata CléliaMerloni», evidenciando os elementos essen-ciais do seu “ro s t o ” espiritual. «É o rosto de

uma mulher — salientou — cuja existênciafoi marcada de forma impressionante porsofrimentos e tribulações». De facto, «acruz foi o selo de toda a sua vida. Mas oseu olhar, especialmente na hora da prova-ção, estava sempre dirigido para Deus».

O cardeal recordou também que madreClélia sofreu calúnias que determinaram asua destituição do governo e até o afasta-mento do instituto por ela fundado.

«Foi — explicou — o período do seu cal-vário: um calvário pessoal, duro e extenuan-te, marcado pela solidão e pelo isolamento,pelo enfraquecimento da saúde e pelas difi-culdades, ao limite do desespero». Contudo,acrescentou, aquele foi «o momento do en-contro com o seu esposo, Jesus Crucificado.Com efeito, é difícil não equipará-la àqueleque na cruz padeceu o abandono, o despre-zo, a ignomínia, a falência, o despojamentode qualquer dignidade humana?». A beataClélia, seguindo o exemplo de Maria, ficoufirme e inabalável aos pés da cruz, «não du-vidou da sua fé em Deus, naquele que nun-ca abandona os seus filhos em qualquer Es-tação da existência», sobretudo «na horadolorosa, que muitas vezes é difícil de com-preender e dura de aceitar». Ela partilhou«a ferida do coração de Jesus, respondendoàs hostilidades e ao desprezo com a carida-de». Aliás, a religiosa costumava colocar aospés do tabernáculo «todas as contrarieda-des: era o seu ponto de apoio». Diante docoração de Jesus «reconhecia a sua vontade

de reconciliação com todos, encontrando aforça para perdoar quantos a perseguiam».

Mesmo tendo um caráter forte, reafirmouo purpurado, «demonstrou ter uma ternuraextraordinária esquecendo as ofensas sofri-das, testemunhando deste modo a forçavencedora da caridade, que não se irrita,não leva em consideração o mal recebido,tudo perdoa, tudo suporta».

Na sua vida, a beata nunca falou em de-trimento de alguém, mesmo de quantos,«especialmente no seio da sua congregaçãose demonstravam hostis». Abraçava os sofri-mentos, «oferecendo-os ao Senhor e vendoneles as várias faces do amor de Deus porela». Assim, com a sua vida doada «emoblação total», foi a fundadora das apósto-las do Sagrado coração de Jesus, «testemu-nhando na sua carne o carisma do institu-to». Um carisma atual e fascinante: «ofere-cer-se total e jubilosamente ao coração deJesus para ser sinal vivo e credível do amorde Deus pela humanidade».

MIRIAM CUNHA SOBRINHA*

Dedicou atenção especial às mulherespobres e ignorantes, sem formaçãointelectual, porque sabia que eram a

parte mais frágil, vulnerável e explorada dasociedade da sua época. Por isso, as primei-ras obras que Clélia Merloni abriu refletiamesta preocupação pelas orfãzinhas, pelasmoças indigentes e necessitadas de forma-ção, pelas idosas doentes e abandonadas,pelas marginalizadas. Mas quem era estamulher corajosa que na manhã de 3 de no-vembro o cardeal Angelo Becciu, prefeito daCongregação para as causas dos santos, bea-tificou na basílica papal de São João de La-trão, em representação do Pontífice?

Clélia Cleópatra Maria Merloni nasceuem Forlì (Itália), a 10 de março de 1861. Se-gundo a tradição daquele tempo, foi batiza-da no mesmo dia, na Catedral. Os pais,Gioacchino Merloni e Maria Teresa Brandi-nelli, eram gente simples e viviam no centroda cidade. O pai ganhava a vida como ope-rário na construção do caminho de ferroAncona-Bolonha, promovida por Pio IX em1860. Infelizmente, no dia 2 de julho de1864, a mãe faleceu prematuramente. Coubeà avó materna cuidar da criança, dado que opai partiu para Sanremo em busca de umtrabalho melhor. Também ela se transferiupara a Ligúria, procurando de todos os mo-dos realizar o desejo de seguir Cristo na vi-da de consagração.

Filha única, o pai quis para ela uma edu-cação intelectual esmerada, como para umaprincesa. Fê-la estudar francês e inglês, e se-guir lições particulares de piano e bordadoa ouro. Por ela nada poupava: compravaroupas preciosas e oferecia-lhe viagens. Enão faltavam jovens pretendentes que que-riam casar-se com ela, considerando tambémo seu rico dote. E no entanto, ela julgou tu-do isto uma perda em comparação com o

amor de Cristo. Renunciou a tudo paraamar Jesus com todo o coração, com toda aalma e com todo o seu ser, sem se poupar.Não obstante a contrariedade do pai, conse-guiu coroar o próprio sonho, não sem difi-culdades. Clélia não agiu como o jovem ricodo Evangelho, que não teve a coragem devender tudo o que possuía, distribuí-lo aospobres e seguir Cristo. Contando unicamen-te com a Providência, partiu para Viareggioonde fundou uma obra dedicada ao Sagra-do Coração de Jesus. A 30 de maio de 1894,na igreja de São Francisco dessa cidade tos-cana, os frades menores apresentaram aosparoquianos Clélia e duas das suas compa-nheiras como apóstolas do Sagrado Coraçãode Jesus. Assim nasceu o novo instituto.Muito cedo foram abertos uma escola, umjardim de infância, um orfanato e, logo de-pois, um lar para idosos: tudo graças à ge-nerosa ajuda financeira do pai. Com o nú-mero de religiosas que aumentava, multipli-caram-se as obras também fora de Viareg-gio.

Quando o pai faleceu, a 27 de junho de1895, Clélia era a única herdeira de umgrande património. A conversão do pai,ateu e maçom, no leito de morte foi o frutodas orações e dos sacrifícios da filha. Masinfelizmente, a gestão do património foiconfiada a um sacerdote de Sanremo, quedelapidou o dinheiro com manobras finan-ceiras arriscadas fugiu para a França com oque tinha sobejado. Isto provocou tambéma falência de muitas obras empreendidas emViareggio. A trágica situação resolveu-se emparte após o encontro com João Batista Sca-labrini — bispo de Piacenza, fundador deuma congregação missionária, beatificadoem 1997 — que aceitou o pequeno grupo nasua diocese e ajudou as irmãs a saírem dacrise financeira.

Em 1900, o prelado enviou as apóstolaspara as missões entre os imigrantes italianos

na América do Sul (Brasil) e depois paraBoston (E UA ). A 11 de junho de 1900, madreClélia e 18 irmãs emitiram a profissão reli-giosa na Catedral de Piacenza. Mas a cola-boração com Scalabrini provocou conflitosinternos. Formaram-se dois grupos distintosna mesma congregação. Algumas queriampermanecer fiéis ao carisma da fundadora eoutra, seguir o scalabriniano. Além disso,Clélia tornou-se vítima de calúnias e ciúmespor causa da falência e dos consequentesprocessos judiciários. Não querendo acusarpublicamente o presbítero que tinha geridomal e roubado o dinheiro, assumiu a culpade toda a situação. As calúnias chegaram aRoma, a ponto que foi excluída do governodo instituto — ao qual foi mudado o nome— e foram publicadas as novas constituições,cuja observância foi imposta pelos visitado-res apostólicos enviados pela Congregaçãopara os religiosos. A 28 de fevereiro de 1904foi promulgado o decreto de destituição demadre Clélia, que foi reintegrada um anomais tarde. Mas seguiram-se três visitasapostólicas, no final das quais, com um no-vo decreto da Congregação para os religio-sos, com data de 13 de setembro de 1911, elafoi novamente removida do cargo de supe-riora-geral. Obrigada ao exílio, de julho de1916 a março de 1928, teve que permanecerafastada do instituto por ela mesma funda-do. Até quando lhe foi permitido voltar pa-ra a casa geral em Roma, nos últimos doisanos de vida, ficou segregada num quartoseparado da comunidade. Faleceu a 21 denovembro de 1930.

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 6 de novembro de 2018, número 45

Do Sínodo sobre os jovens àquele sobre a Amazônia

Olhando para o futuro

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Médico dos índios

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Mulher de perdãoe de caridade

Não obstante o afastamento for-çado, durante a vida inteira amouo seu instituto, reflexo do seuamor ao Coração de Jesus. Nasobras manifestava esta predileção.Era uma mulher emancipada paraa sua época, com um olhar clarivi-dente do futuro. A sua atividadeapostólica e caritativa desenvol-veu-se entre os séculos XIX e XX,numa sociedade marcada pelo ma-chismo. Mediante a sua ação con-creta, procurou fazer compreenderque a mulher tem uma dignidadeque devia ser resgatada. Por isso,convidava as irmãs a formar-sebem para poderem, por sua vez,formar mulheres livres e autóno-mas, capazes de constituir umaboa família e encontrar um lugarde trabalho na sociedade. Consi-derava a educação como uma obrade caridade e pedia às irmãs pro-fessoras que tratassem a todas comdoçura e firmeza, para formar per-sonalidades fortes e, ao mesmotempo, ternas.

*Superiora-geral das apóstolasdo Sagrado Coração de Jesus

que até Caruso tenha cantado. Foinaqueles anos que muitas popula-ções índias fugiram da escravizaçãodos senhores da borracha, que pro-curavam mão-de-obra, refugiando-sena floresta mais distante. O terrorque sentem pelos estranhos existedesde então. A borracha amazônicalogo perdeu o seu valor e hoje Ma-naus consegue sobreviver porque setransformou em zona franca, en-quanto muitos descendentes dosbrasileiros que pululavam na Ama-zônia, os seringueiros, levam umavida difícil, não muito melhor doque a dos índios. Também essa po-bre gente faz parte dos pacientes domédico veronês.

Há uma última pergunta que nãoposso deixar de formular a Lonardi.Por que continua a vir aqui? «Por-que sou um médico, responde-me, eaqui há uma necessidade desespera-da de médicos. Porque a Amazônia,como disse, ensina mais do que umafaculdade de medicina. E tambémporque esta gente, que parece estarno degrau mais baixo da humanida-de, possui valores que nunca cessamde me surpreender e de pôr em criseo meu sentido de superioridade de

homem europeu: a sociabilidade, asolidariedade recíproca, o sentidocomunitário, a gratidão a quem fazalgo por eles, não obstante o terrordo desconhecido, do estrangeiro.Nada possuem nem desejam. Sãoinermes, inofensivos, não praticam o

tempo olha para esta terra e leva-a àatenção de todos. No ano que vemas malocas destes pobres índios es-quecidos e com frequência tratadospior do que animais serão deveras,por um momento, o centro do mun-do».

Uma maloca na floresta

Do Sínodo sobre os jovens àquele sobre aAmazônia: a comunidade católica de Belém,capital do Estado do Pará e uma das maio-res cidades da Amazônia brasileira, acolhetotalmente os desafios da missão relançadospelo sínodo no Vaticano, projetando-os parao encontro de outubro do próximo ano que,como se sabe, focalizará o trabalho de evan-gelização na macro-região sul-americana. Deresto o trabalho missionário da Igreja católi-ca na Amazônia teve início há cerca de qua-trocentos anos, precisamente desde a funda-ção da cidade de Belém.

bispo auxiliar de Belém do Pará, D. Antô-nio de Assis Ribeiro, para o qual «os gran-des desafios a enfrentar são a criminalidadeinfantil e juvenil, o problema da prostitui-ção, o tráfico de drogas». A partir disto, porparte da Igreja local, houve o lançamentode um específico plano pastoral para a ju-ventude «articulado em sete áreas principais— explicou o prelado salesiano à agência Fi-des — com diversas linhas de ação e estraté-gias, para uma resposta eficaz a estes pro-blemas». Um trabalho que, encarnandonum certo sentido precisamente a peculiari-

toral juvenil, «ambiente no qual — frisou —queremos promover a formação humana eintegral dos jovens, através da convivência,da formação moral e profissional e do apro-fundamento do sentido da vida».

Aos desafios do mundo jovem somam-seos do acolhimento aos migrantes e às pes-soas em dificuldade. Muito sentida, em Be-lém e noutras áreas do Brasil, a emergênciaditada nestes últimos meses pela chegada derefugiados venezuelanos. Por isso assumemparticular importância o apostolado da pas-toral do migrante e o trabalho da comissãoespecial para o confronto sobre a questãomigratória. «Por intermédio da Cáritas en-contramo-nos todos os meses e já temos umplano de ação específico para esta situação»,explicou D. Assis Ribeiro, para o qual con-tudo se trata de uma situação que «vai mui-to além das forças eclesiais, porque é neces-sária também uma intervenção do governomunicipal, estadual e federal, e nós procura-mos colaborar». Nesta perspetiva, devemosrecordar, o episcopado brasileiro lançou hápouco tempo «um plano nacional para a in-tegração» e de solidariedade para com osrefugiados, financiado com os fundos dacampanha anual da fraternidade que a co-munidade católica promove tradicionalmen-te por ocasião da quaresma. «Trata-se dedar início a um processo. Queremos quecontinue e se expanda em todo o Brasil»,disse o bispo de Roraima e presidente daCáritas, D. Mário Antônio da Silva. O pla-no encoraja as dioceses e todas as entidadesque trabalham ao serviço de migrantes e re-fugiados a continuar a cuidar destas popula-ções, sem esquecer os brasileiros mais po-bres, que precisam de uma atenção especial.«É possível, com solidariedade e engaja-mento, fazer de modo que o plano de inte-gração alcance o coração das pessoas, pro-movendo o acolhimento dos migrantes emtodo o Brasil», explicou o prelado.

Nesta perspetiva, a arquidiocese de Belémdo Pará programou a criação de um grandecentro pastoral juvenil no qual promover aformação humana e integral das novas gera-ções. «Nas grandes metrópoles da Amazô-nia convergem muitos problemas» frisou o

dade do carisma salesiano, é desenvolvido«através da promoção de processos de evan-gelização capazes de integrar desporto, pas-satempo, cultura, divertimento, formaçãomoral e acompanhamento espiritual». Tudoisto se concretiza num grande centro de pas-

mal a ninguém enquan-to todos, começandopela natureza, fizeramsempre algum mal aeles. Só querem vivercomo sempre viveram,aliás, sobreviver. E eutento ajudá-los. Quandodurmo na sua maloca,coberto pelo meu mos-queteiro, às vezes pensoque poderia ser umabastado profissional eviver numa bela vivendanas colinas veronesas.Mas não estou arrepen-dido, pode crer. Aquisinto-me deveras útil,aos outros e a mim mes-mo».

E conclui: «Estouimensamente grato aFrancisco pela procla-mação do sínodo sobrea Amazônia. Finalmenteum grande do nosso

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número 45, terça-feira 6 de novembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

A 3 de novembro

O Senhor Cardeal Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBisp os.

No dia 3 de novembro

De D. Peter Elliott, ao cargo de Au-xiliar da Arquidiocese de Melbourne(Austrália).

Adormeceu no Senhor:

A 27 de outubro

D. Antônio Possamai, S.D.B., BispoEmérito de Ji-Paraná (Brasil).

O saudoso Prelado nasceu em As-curra (Brasil), a 5 de abril de 1929.Foi ordenado Sacerdote no dia 8 dedezembro de 1957. Recebeu a Ordena-ção episcopal em 15 de maio de 1983.Renunciou ao governo pastoral da dio-cese a 11 de abril de 2007.

Aventurada Maria Virgem Assuntaem Strumica-Skopje» para os fiéiscatólicos de rito bizantino residentesna ex-República Jugoslava da Mace-dónia. A D. Method Kilaini, Auxi-liar de Bukoba (Tanzânia), até estadata titular da sede suprimida, foiatribuída a sede titular de Tamallu-ma.

Audiências

Renúncias

NomeaçõesPrelados falecidos

Disposições especiais

A 1 de novembroArcebispo de Kinshasa (RepúblicaDemocrática do Congo), D. FridolinAmbongo Besungu, O.F.M. Cap., atéesta data Coadjutor da mesma Sede.

A 3 de novembroArcebispo de Manfredonia — Vi e s t e— San Giovanni Rotondo (Itália), oR e v. do Pe. Franco Moscone, C.R.S.,até esta data Prepósito-Geral dosClérigos Regulares de Somasca.

D. Franco Moscone, C.R.S., nasceuem Alba (Itália), no dia 10 de dezem-bro de 1957. Recebeu a Ordenação sa-cerdotal a 16 de junho de 1984.

Mensagem aos hindus para a festa do Deepavali

Defender os mais vulneráveis da sociedade

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 1 de novembro

Do Cardeal Laurent Monsengwo Pa-sinya, ao governo pastoral da Arqui-diocese de Kinshasa (República De-mocrática do Congo).

O Sumo Pontífice nomeou:

A 30 de outubro

Bispo da Diocese de Guadix (Espa-nha), o Rev.do Pe. Francisco JesúsOrozco Mengíbar, até à presente da-ta Vigário-Geral de Córdoba.

D. Francisco Jesús Orozco Mengíbarnasceu no dia 23 de abril de 1970, emVillafranca de Córdoba (Espanha). Foiordenado Sacerdote a 9 de julho de1995.

Sua Santidade suprimiu:

No dia 31 de outubro

A sede titular de Strumnitza depoisda criação da eparquia da «Bem-

«Cristãos e hindus em defesa da vulnerabilidade da sociedade» eis o tema da mensagem enviada peloPontifício conselho para o diálogo inter-religioso aos fiéis da religião hindu por ocasião da festa doDeepavali, que se celebra a 7 de novembro. A celebração da “fila de candeeiros a óleo” fundadasimbolicamente numa antiga mitologia, representa a vitória da verdade sobre a mentira, da luz sobre astrevas, da vida sobre a morte, do bem sobre o mal. As celebrações decorrem ao longo de três dias,marcando o início de um ano novo, a reconciliação familiar, especialmente entre irmãos e irmãs, e aadoração a Deus. Publicamos o texto da mensagem assinada pelo bispo secretário Miguel Ángel AyusoGuixot.

Sob este aspeto não há dúvida que indiví-duos, grupos e comunidades de diversas partesdo mundo estão a envidar muitos esforços lou-váveis. Não obstante tudo, devido ao grandenúmero de vulneráveis e à complexidade quecomporta a satisfação dos suas necessidades,aqueles esforços parecem gotas de água num

Queridos irmãos hindus!O Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso envia-vos as mais cordiais saudaçõese orações para a festa do Deepavali, que esteano festejareis a 7 de novembro. Possam as ce-lebrações deste festa fortalecer o espírito deamizade e fraternidade entre vós, e trazer maispaz e alegria às vossas famílias e comunidades!

Dos noticiários e da web, e por experiênciadireta, temos conhecimento das provações quo-tidianas padecidas pelos membros vulneráveisda nossa sociedade: pobres, enfermos, idosos,deficientes, indigentes, abandonados, migran-tes; marginalizados e excluídos sob o ponto devista social, religioso, cultural e linguístico; eas vítimas de abuso e violência, especialmentemulheres e crianças. Na maior parte dos casosdesprovidos de ajuda e indefesos, descartados eignorados por uma sociedade cada vez mais in-diferente e até insensível às necessidades e aossofrimentos humanos. Hoje, em todas as par-tes, os vulneráveis sofrem muitíssimo. Nestecontexto inquietante queremos partilhar con-vosco uma reflexão sobre o modo como nós,hindus e cristãos juntos, podemos empenhar-nos nos esforços para defender, proteger e as-sistir estas pessoas.

O dever moral de cuidar dos vulneráveis de-riva da nossa crença compartilhada que somostodos criaturas de Deus e, por conseguinte, ir-mãos e irmãs, com igual dignidade, e responsá-veis reciprocamente, mas este dever nasce tam-bém da experiência da nossa vulnerabilidade,quando por vezes procuramos alguém que nosajude. Uma consciência sadia da nossa comum

condição humana e do nosso dever moral paracom os outros impele-nos a defender a suacausa fazendo todo o possível para aliviar osseus sofrimentos, defender os seus direitos erestituir-lhes dignidade.

oceano. Mas as ocasiões de serviço circundam-nos porque os vulneráveis residem em todas ascomunidades e sociedades. São necessáriosmaiores esforços, inspirados num sentido desolidariedade, a fim de que se apercebam «dapresença de irmãos e irmãs que se ocupem de-les e que, abrindo a porta do coração e da vi-da, lhes façam sentir bem-vindos como amigose familiares» (Papa Francisco, Mensagem paraa II Dia Mundial dos Pobres, 18 de novembrode 2018). Finalmente, o verdadeiro nível de ci-vilização de cada sociedade mede-se a partirdo modo como são tratados os seus membrosmais vulneráveis.

Atenção e cooperação são necessárias não sópara defender o lugar legítimo e os direitos dosvulneráveis no seio da sociedade, mas tambémpara alimentar uma cultura do cuidado e daconsideração em relação a eles. Também nasnossas famílias deveríamos envidar todos os es-forços para garantir que ninguém se sinta inde-sejado, não amado, ignorado ou excluído. Ca-da camada de sociedade — especialmente osresponsáveis políticos e de governo, e os maispreparados a oferecer assistência prática — devemostrar um rosto e um coração humano aosvulneráveis da nossa sociedade e alcançar to-dos aqueles que são marginalizados e oprimi-dos. Esta generosidade não deve parecer umgesto simbólico, mas fruto de uma inspiraçãodivina na ótica de uma autêntica emancipaçãoe bem-estar dos vulneráveis e da defesa da suacausa.

Como crentes enraizados nas nossas respeti-vas tradições espirituais, e como indivíduos aosquais está a peito o bem-estar de todos, pode-mos unir-nos aos seguidores de outras tradi-ções religiosas e a todas as pessoas de boa von-tade, para envidar esforços coletivos e organi-zados a fim de garantir um presente jubiloso eum futuro de esperança aos nossos irmãos e ir-mãs vulneráveis.

Desejamos a todos vós uma feliz festa doD eepavali!

INFORMAÇÕES

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 6 de novembro de 2018, número 45

Assassinadospor serem cristãos

Funeral dos cristãos assassinados no Egito (3 de novembro)

Pesar de Francisco pelo atentado contra a Igreja copta ortodoxa no Egito

ANGELUS

Pesar pelo atentado terroristaque atingiu a Igreja coptaortodoxa no Egito foi expressopelo Papa Francisco no final doAngelus recitado ao meio-dia de4 de novembro, na praça de SãoPedro. Precedentemente, oPontífice dedicou a sua reflexãoao trecho litúrgico de Marcos(12, 28b-34), centrado sobre omandamento do amor.

Prezados irmãos e irmãsbom dia!No centro do Evangelho destedomingo (cf. Mc 12, 28b-34),está o mandamento do amor:amor a Deus e amor ao próxi-mo. Um escriba pergunta a Je-sus: «Qual é o primeiro de to-dos os mandamentos?» (v. 28).Ele responde, citando aquelaprofissão de fé com a qual ca-da israelita inicia e conclui oseu dia, e que começa com aspalavras: «Ouve, ó Israel! OSenhor, nosso Deus, é o únicoSenhor» (Dt 6, 4). Deste mo-do Israel conserva a sua fé narealidade fundamental de todoo seu credo: existe um únicoSenhor, e aquele Senhor é“nosso”, no sentido que seuniu a nós com um pacto in-dissolúvel, nos amou, nos amae nos amará para sempre. Édesta nascente, deste amor deDeus, que deriva para nós oduplo mandamento: «Amaráso Senhor teu Deus com todo oteu coração, com toda a tua al-ma, com todo o teu espírito ecom todas as tuas forças [...]Amarás o teu próximo como ati mesmo» (vv. 30-31).

Escolhendo estas duas Pala-vras, dirigidas por Deus ao seupovo, e unindo-as, Jesus ensi-

nou de uma vez para sempreque o amor a Deus e o amorao próximo são inseparáveis,aliás, mais ainda, que se sus-tentam um ao outro. Não obs-tante sejam postos em sequên-cia, eles são os dois lados deuma única medalha: vividosjuntos, são a verdadeira forçado crente! Amar a Deus signi-fica viver d’Ele e para Ele, poraquilo que Ele é pelo que Elefaz. E o nosso Deus é doaçãoincondicional, é perdão ilimita-do, é relação que promove efaz crescer. Por isso, amar aDeus quer dizer investir todosos dias as próprias energias pa-ra ser seus colaboradores, ser-vindo de modo incondicionalo nosso próximo, procurandoperdoar de forma ilimitada ecultivando relações de comu-nhão e de fraternidade.

O evangelista Marcos não sepreocupa em especificar quem éo próximo, porque o próximoé a pessoa que eu encontro nocaminho, nos meus dias. Nãose trata de pré-selecionar omeu próximo: isto não é cris-tão. Acho que o meu próximoé aquele que eu pré-selecionei:não, isto não é cristão, é pa-gão; mas trata-se de ter olhospara o ver e coração para dese-jar o seu bem. Se nos exerci-tarmos para ver com o olharde Jesus, colocar-nos-emossempre à escuta e ao lado doscarenciados. Certamente, asnecessidades do próximo exi-gem respostas eficazes, mas an-

tes ainda requerem partilha.Com uma imagem podemosdizer que o faminto tem neces-sidade não apenas de um pratode sopa, mas também de umsorriso, de ser ouvido e inclusi-ve de uma oração, talvez reci-tada juntos. O Evangelho dehoje convida todos nós a visarnão só as urgências dos irmãosmais pobres, mas sobretudo aprestar atenção às suas necessi-dades de proximidade fraterna,de sentido da vida e de ternu-ra. Isto interpela as nossas co-munidades cristãs: trata-se deevitar o risco de ser comunida-des que vivem de muitas ini-ciativas, mas de poucas rela-ções; o risco de comunidades“estações de serviço” mas depouca companhia, no sentidopleno e cristão deste termo.

Deus, que é amor, criou-nospor amor e para que possamosamar os outros, permanecendounidos a Ele. Seria ilusório pre-tender amar o próximo, semamar a Deus; e seria igualmen-te ilusório pretender amar aDeus, sem amar o próximo. Asduas dimensões do amor, aDeus e ao próximo, na sua uni-dade, caraterizam o discípulode Cristo. A Virgem Maria nosajude a acolher e testemunhareste ensinamento luminoso navida de todos os dias.

Na conclusão da prece mariana,depois de ter dirigido o seupensamento às vítimas do

atentado ocorrido no Egito, oSanto Padre recordou abeatificação de Clélia Merloni,celebrada em Roma.

Estimados irmãos e irmãs!Exprimo o meu pesar peloatentado terrorista que, há doisdias, atingiu a Igreja copta or-todoxa no Egito. Rezo pelasvítimas, peregrinos assassina-dos simplesmente por seremcristãos, e peço a Maria Santís-sima que console as famílias ea comunidade inteira.

Oremos juntos a Nossa Se-nhora: Ave Maria...

Ontem, na Basílica de SãoJoão de Latrão, foi proclamadaBeata Madre Clélia Merloni,Fundadora das Irmãs Apósto-las do Sagrado Coração de Je-sus. Uma mulher completa-mente abandonada à vontadede Deus, zelosa na caridade,paciente nas adversidades e he-roica no perdão. Demos graçasa Deus pelo luminoso testemu-nho evangélico da nova Beatae sigamos o seu exemplo debondade e de misericórdia.

Um aplauso à nova Beata!Saúdo todos vós, romanos e

peregrinos, de modo particularos estudantes provenientes deViena, os jovens da “O peraGiorgio La Pira”, de Florença,as jovens famílias de Raldon(Verona), os fiéis de Milão, Pe-tosino, Civitanova Marche, daDiocese de Ozieri, o Oratóriode Carugate, os jovens da Cris-ma, de Longare e Modena.

Desejo bom domingo a to-dos. Por favor, não vos esque-çais de rezar por mim. Bom al-moço e até à vista!