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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES CIDADES HUMANAS: Sobre a Personificação na Ilustração Literária Gonçalo Rodrigo Gonçalves Costa Trabalho de Projeto Mestrado em Desenho Trabalho de Projeto orientado pelo Prof. Doutor Henrique Costa 2016

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES

CIDADES HUMANAS:

Sobre a Personificação na Ilustração Literária

Gonçalo Rodrigo Gonçalves Costa

Trabalho de Projeto

Mestrado em Desenho

Trabalho de Projeto orientado pelo Prof. Doutor Henrique Costa

2016

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu Gonçalo Rodrigo Gonçalves Costa, declaro que o presente trabalho de projeto de

mestrado intitulado “Cidades Humanas: Sobre a Personificação na Ilustração Literária”, é o

resultado da minha investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as

fontes consultadas estão devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de

fontes documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao

longo do trabalho segundo as normas académicas.

O Candidato

Lisboa, 22 de outubro de 2016

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RESUMO

Desde os primórdios, a figura humana sempre desempenhou um papel de grande

protagonismo na arte. Quer falemos de ilustração ou de pintura, a representação de figuras

mitológicas, criaturas celestiais ou demoníacas e seres que têm origem no plano imaginário

do ser humano, a personificação está frequentemente associada a essas mesmas

representações.

Os humanos têm a necessidade constante de se rever na arte com que interagem para que

possam criar uma relação com a mesma e retirar conclusões não só sobre a peça que

observam, mas também sobre si mesmos. Estas mesmas conclusões estão associadas à

comunidade, cultura e educação de cada pessoa, o que leva a interpretações e conclusões

diferentes.

Apesar das disparidades que possam existir, a figura humana é a base em ilustrações que se

regem pela personificação, que proporcionam a quem interage com a mesma uma ponte de

ligação para uma conexão.

A definição de personificação é vasta, pois aplica-se não só à ilustração e à pintura como

também a áreas como a escultura e a literatura. No entanto, apesar de geral, rege-se por

certas caraterísticas para cada conceito, ideia ou criatura a que é aplicada.

Para além de uma história sobre a representação do imaginário, estudam-se conceitos da

cultura ocidental e olham-se para os trabalhos de ilustradores contemporâneos, de entre os

quais Ken Wong, Rovina Cai, Toby Allen e Kim Myatt, que se debruçam sobre a

personificação com diferentes visões, uns de forma etérea, outros de forma animada e

colorida e ainda outros de forma sombria e grotesca.

Italo Calvino, uma das figuras mais relevantes da literatura, com o seu livro As Cidades

Invisíveis descreve de forma pormenorizada e quase poética cinquenta e cinco cidades

visitadas por Marco Polo, numa conversa com Kublai Khan. Da sua obra, interpretam-se

os textos, retiram-se símbolos, ícones e estilos de vida descritos, e idealizam-se criaturas

com caraterísticas humanas para dar vida a cinquenta e cinco personagens femininas de

forma a atingir os principais propósitos desta dissertação com sucesso.

Palavras-Chave:

Personificação; Ilustração; Simbologia; Desenho Digital.

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ABSTRACT

The human figure has always been an object of representation in art. Whether you talk

about illustration or painting, the portrayal of mythological entities, celestial or demonical

creatures and beings that are created within the human mind, personification is frequently

connected to those images.

Humans need to constantly see themselves within art pieces that they come into contact

with, so that a relationship can be created, which will lead to conclusions and theories not

only about the art itself, but also about the people that interact with it. These conclusions

are linked to each person’s community, culture and education, facts that contribute to

different interpretations and conclusions.

Even though there may be a lot of differences in what each person gets from their

relationship with the art piece, the human figure is always the foundation in illustrations

created through personification, and that creates an opening for a connection to be made.

The definition of personification is wide due to the fact that it not only applies to

illustration and painting, but also to domains such as sculpture and literature. However, as

wide as it may be, it follows specific qualities for each concept, idea or creature that it is

applied to.

Besides the history about the representation of the imaginary, we will study concepts of the

western culture and we will look over the work and craft of contemporary illustrators,

among which are Ken Wong, Rovina Cai, Toby Allen and Kim Myatt, who look at

personification through different types of glasses, some in an ethereal way, others in a

cheerful and colourful way, and even some in a sorrowful and grotesque manner.

Italo Calvino, one of the masters of the Italian literature, in his book The Invisible Cities

describes in a detailed and almost poetic way fifty-five cities visited by Marco Polo, in a

conversation with Kublai Khan. From his work, symbols and lifestyles will be interpreted

so that it is possible to idealize and illustrate fifty-five feminine characters through

personification, in order to achieve this project’s goals in a successful manner.

Keywords:

Personification; Illustration; Symbology; Digital Drawing.

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DEDICATÓRIA O projeto apresentado não poderia ser concretizado sem a incansável ajuda e contributo

por parte de diversas pessoas, no decorrer do ano letivo. Em primeira instância, quero

agradecer àquele que foi um orientador extremamente presente e preocupado, o Professor

Doutor Henrique Costa, por proporcionar um ambiente confortável e seguro para a

concretização de todas as fases do projeto.

Seguidamente, gostaria de agradecer a duas pessoas, que de forma contínua se mantiveram

presentes, preocupadas e sempre com um olhar positivo acerca do projeto, Carolina

Marques Gouveia e Paula Isabel Fariña.

Por último, contudo, tão importantes quanto os demais, um agradecimento profundamente

sentido aos meus pais, que, durante todo o processo, todas as fases, proporcionaram apoio,

motivação e todos os meios e mais alguns, físicos e emocionais para a finalização do

projeto. O projeto seguidamente apresentado é inteiramente dedicado a eles.

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I

ÍNDICE

1. Introdução

1.1 Objetivos

1.2 Metodologia

1.3 Estrutura

2. Estado da Arte e Referências

2.1 Ilustração Literária

2.2 Ilustração Infantil

2.3 Representação do conceito de Monstro

2.4 Pintura

3. A obra de Italo Calvino: “As Cidades Invisíveis”

3.1 Contextualização

3.2 Tipos de cidades

3.2.1 As cidades e a memória

3.2.2 As cidades e o desejo

3.2.3 As cidades e os sinais

3.2.4 As cidades subtis

3.2.5 As cidades e as trocas

3.2.6 As cidades e os olhos

3.2.7 As cidades e o nome

3.2.8 As cidades e os mortos

3.2.9 As cidades e o céu

3.2.10 As cidades contínuas

3.2.11 As cidades ocultas

4. Relatório de Projeto

5. Conclusão

6. Bibliografia

7. Apêndices

8. Anexos

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II

ÍNDICE DE IMAGENS

Fig. 1 – João Fazenda, ilustração pertencente ao livro intitulado Fernando Pessoa (2014).

Imagem retirada do website de João Fazenda. Disponível em: <URL:

http://joaofazenda.com/g/illustrated+books/livro+pessoa>.

Fig. 2 – Aeron Alfrey, Baba Yaga (2014). Imagem retirada do website Aeron Alfrey.

Disponível em: <URL:

https://farm9.staticflickr.com/8648/15303312883_b6c3551334_o.jpg>.

Fig. 3 – Esboço inicial da cidade Armila (2016). Esboço a grafite sobre papel, original do

autor.

Fig. 4 – Esboço inicial da cidade Armila com o corpo na sua totalidade (2016). Esboço

referente à ideia final de utilizar o corpo da personagem na sua totalidade de

forma a personificar cada cidade. Desenho a grafite sobre papel, original do

autor.

Fig. 5 – Ilustração final da cidade Armila (2016). Arte final de uma das cidades da obra

As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Fig. 6 – Ideia inicial de ilustrar as cidades apenas através da cabeça humana (2016).

Ilustração da cidade Eutrópia. Esboço a grafite sobre papel, original do autor.

Fig. 7 – Ilustração analógica final da cidade Anastásia (2016). Foi utilizada como meio

de comparação entre os resultos obtidos de forma analógica e os resultados

conseguidos de forma digital, observados na Fig. 11. Desenho a grafite sobre

papel, original do autor.

Fig. 8 – Arte final da cidade Diomira (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 9 – Arte final da cidade Isidora (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 10 – Arte final da cidade Doroteia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 11 – Arte final da cidade Zaira (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 12 – Arte final da cidade Anastásia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 13 – Arte final da cidade Tamara (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 14 – Arte final da cidade Zora (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Original do autor.

Fig. 15 – Arte final da cidade Despina (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

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III

Fig. 16 – Arte final da cidade Zirma (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 17 – Arte final da cidade Isaura (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 18 – Arte final da cidade Maurília (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 19 – Arte final da cidade Fedora (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 20 – Arte final da cidade Zoé (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Original do autor.

Fig. 21 – Arte final da cidade Zenóbia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 22 – Arte final da cidade Eufémia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 23 – Arte final da cidade Zobaida (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 24 – Arte final da cidade Hipácia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 25 – Arte final da cidade Armila (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 26 – Arte final da cidade Cloé (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Original do autor.

Fig. 27 – Arte final da cidade Valdrada (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 28 – Arte final da cidade Olívia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 29 – Arte final da cidade Sofrónia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 30 – Arte final da cidade Eutrópia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 31 – Arte final da cidade Zemrude (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 32 – Arte final da cidade Aglaura (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 33 – Arte final da cidade Otávia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 34 – Arte final da cidade Ersília (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

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IV

Fig. 35 – Arte final da cidade Bauci (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 36 – Arte final da cidade Leandra (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 37 – Arte final da cidade Melânia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 38 – Arte final da cidade Esmeraldina (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 39 – Arte final da cidade Fílias (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 40 – Arte final da cidade Pirra (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Original do autor.

Fig. 41 – Arte final da cidade Adelma (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 42 – Arte final da cidade Eudóxia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 43 – Arte final da cidade Moriana (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 44 – Arte final da cidade Clarice (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 45 – Arte final da cidade Eusápia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 46 – Arte final da cidade Bersabeia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 47 – Arte final da cidade Leónia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 48 – Arte final da cidade Irene (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Original do autor.

Fig. 49 – Arte final da cidade Árgia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 50 – Arte final da cidade Tecla (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 51 – Arte final da cidade Trude (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 52 – Arte final da cidade Olinda (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 53 – Arte final da cidade Laudomia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

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V

Fig. 54 – Arte final da cidade Períncia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 55 – Arte final da cidade Procópia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 56 – Arte final da cidade Raissa (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 57 – Arte final da cidade Andria (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 58 – Arte final da cidade Cecília (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 59 – Arte final da cidade Marozia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 60 – Arte final da cidade Pentesileia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 61 – Arte final da cidade Teodora (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 62 – Arte final da cidade Berenice (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo

Calvino. Original do autor.

Fig. 63 – Sandro Botticelli, A Primavera (1481), obra em que o pintor personifica a

chegada da Primavera por meio de um conjunto de personagens mitológicas e

fantásticas. Imagem retirada do website <URL:

http://www.italianrenaissance.org/a-closer-look-botticellis-primavera/>.

Fig. 64 – Domenico Tintoretto, Personificação da Fidelidade (1595-1599), pintura em que

o artista representa o conceito de fidelidade através de uma personagem feminina

aliada a um dos grandes símbolos representantes do mesmo conceito, o cão.

Imagem retirada do website <URL:

http://www.harvardartmuseums.org/collections/object/230283?position=9>.

Fig. 65 – Frida Kahlo, Thinking about death (1943), onde a artista representa a morte que

se instala na mente humana por meio de uma caveira e um osso, elementos

constituintes do esqueleto humano. Imagem retirada do website <URL:

http://www.fridakahlo.org/thinking-about-death.jsp>.

Fig. 66 – Gustave Courbet, L’origine du Monde (1866), obra em que Courbet representa

os genitais de uma mulher, apenas uma arte do corpo feminino para personificar

o nascimento e a origem do mundo. Imagem retirada do website <URL:

http://www.musee-orsay.fr/fr/collections/oeuvres-

commentees/recherche/commentaire_id/lorigine-du-monde-125.html>.

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1. Introdução

O presente trabalho debruça-se sobre o tema da personificação na ilustração literária.

Ao longo das épocas sentiu-se sempre necessidade da criação de relações e o

estabelecimento de conexões entre a ilustração e o ser humano. Procurou-se então uma

forma de a pessoa se observar refletida na arte e chegou-se a uma solução, a

personificação. Sendo um recurso utilizado em diversas áreas da arte, a personificação

pode tornar-se um conceito extremamente vasto.

É do interesse deste projeto, primeiramente, definir aquilo que é a personificação dentro

da ilustração. Após atingir-se um conceito favorável e concreto, procurar-se-á proceder

à parte prática do projeto. Para tal escolheu-se a obra As Cidades Invisíveis de Italo

Calvino, obra onde o autor apresenta uma conversa entre duas personagens que debatem

sobre cinquenta e cinco cidades diferentes. Cada cidade, estando repleta de símbolos,

ícones, formas e estilos de vida, constitui uma forte fonte de inspiração para a realização

de ilustrações através da personificação. É também daqui que se obteve o título

principal desta dissertação, Cidades Humanas. A obra escolhida de Calvino é, até hoje,

alvo de diversas interpretações e diversos críticos literários e colunistas defendem que o

autor de As Cidades Invisíveis pode na verdade retratar figuras femininas em forma de

cidade, o que proporciona a este projeto mais uma ligação entre a obra literária e a

personificação.

1.1 Objetivo

Tem-se por objetivos deste trabalho verificar se é possível compreender a mensagem de

uma obra literária através da ilustração personificada, neste caso, se é possível

compreender aquilo que Calvino nos transmite através do estilo de vida e os elementos

que proporcionam a cada cidade uma personalidade própria, bem como de que diversas

formas e em que tipo de caraterísticas se podem utilizar a personificação na ilustração

literária.

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1.2 Metodologia

 

Como metodologia recorreu-se primeiramente a pesquisa bibliográfica, posteriormente

enriquecida com a consulta de artigos maioritariamente online que funcionaram como

um suporte para uma melhor apresentação do conteúdo deste projeto.

No que toca à parte prática, procurou-se inicialmente realizar uma leitura extensiva da

obra que conduziu à interpretação das cidades representadas na obra e aos seus esboços.

Procedeu-se depois, de forma digital, à realização da arte final de cada uma das cidades,

levando à criação do produto final do projeto, uma coleção de ilustrações.

1.3 Estrutura

A dissertação encontra-se dividida em duas grandes partes. A primeira parte é

constituída pela pesquisa referente ao conceito de personificação dentro da ilustração

literária, nomeadamente nas áreas da ilustração infantil e da representação daquilo que

se entende por monstro. Analisam-se ainda alguns exemplos contemporâneos da pintura

no que toca à personificação.

A segunda parte é representada pela análise, interpretação e compreensão da obra

escolhida, As Cidades Invisíveis, que conduzem posteriormente à realização da

componente prática proposta para o projeto. Esta mesma componente prática é

constituída pela coleção que comporta as cinquenta e cinco ilustrações das cidades de

Calvino.

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2. Estado da Arte e Referências

Quando a imagem se materializa ganhando formas para além das que a

Natureza criou; quando tudo aquilo que a natureza imaginou e colocou no

mundo para servir de exemplo se torna insuficiente, então a imaginação

humana engendra o híbrido, o irreal, o sobrenatural.1

Com o desenvolvimento da seguinte parte da dissertação, procurar-se-á definir aquilo

que é a personificação, de onde e de que forma pode surgir, bem como que propósito é

que serve. A definição de personificação será primeiramente apresentada através de

exemplos, que levarão a uma conclusão geral daquilo que é o conceito principal desta

dissertação. Após ser definida, procurar-se-á encontrar a personificação no trabalho de

ilustradores e pintores contemporâneos, para que se possa compreender este recurso de

forma mais aprofundada.

De forma a dar início a uma reflexão sobre a personificação no campo da ilustração,

pretende-se primeiro pensar sobre, de entre tantos outros exemplos, na forma como se

representam os grandes quatro elementos reconhecidos na cultura ocidental, a Água, o

Fogo, o Ar e a Terra bem como, na representação do Bem e do Mal.

Ao pensar nos quatro elementos tendo em conta as suas caraterísticas e a forma como se

comportam, podem-se associar os mesmos a criaturas fantásticas ou personagens

históricas compreendidas como divindades.

Ao refletir sobre o elemento Água, pode-se rapidamente chegar à conclusão de que é o

elemento com maior fluidez e que, devido à sua associação com o nascimento, é

também, de um modo geral, representado no feminino. Se se pensar nas espécies de

animais que habitam a Água, de entre as quais se destacam os peixes e as serpentes,

pode-se concluir que a grande maioria comporta guelras e escamas, caraterísticas

utilizadas de forma recorrente na representação deste elemento. Assim sendo, é costume

ilustrar-se o elemento líquido sob a forma de uma ninfa ou de uma sereia, criatura

feminina híbrida cuja parte superior do seu corpo é, aparentemente, humana enquanto

que a parte inferior possui a anatomia de um peixe. É de notar, como foi referido

1 Meireles, Maria Teresa. (2003) Elementos e Entes Sobrenaturais nos Contos e Lendas. p.15.

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anteriormente, que devido à fluidez do elemento, as suas diversas personificações

costumam ser encontradas em poses dinâmicas, contudo, leves. Ao pensar sobre a cor

da Água, muitas vezes comete-se o erro de pensar em azul, que é na verdade, a cor do

Ar, devido ao céu. A verdadeira cor da Água é o verde, que por sua vez está associdada

a Afrodite e Vénus, mais uma vez figura feminina, da mitologia grega e romana

respetivamente, como afirma René-Lucien Rousseau:

O verde, cor da água, estava consagrado a Vénus-Afrodite, nascida das

águas. Essa deusa, que primitivamente se confundia mais ou menos com

Anfitrite, é a personificação da própria Natureza, não como força atuante

mas como força atuada. Ela é o aspecto feminino da Natureza: a Mãe e a

nutriz.2

O segundo elemento, o Fogo, apesar de também ser portador de fluidez e movimento,

não costuma ser associado a estas caraterísticas, pois tem em si mesmo, outras

propriedades que se sobrepõem à primeira como a severidade, a facilidade com que

pode causar dor, as suas propriedades regenerativas e a ligação frequentemente com o

género masculino. Da qualidade regenerativa do Fogo é possível pensar na sua

personificação como uma Fénix, uma criatura imaginária que se assemelha a um

pássaro totalmente coberto em chamas e que sempre que morre consegue voltar à vida

pois renasce das suas próprias cinzas.

É também plausível pensar-se no Fogo como uma figura fantástica, de nome Marte,

reconhecido na mitologia romana como o deus da guerra. Esta personificação demonstra

as duas propriedades anteriormente faladas, pois é frequentemente representado como

uma figura austera e severa, bem como proporciona ao reconhecimento da cor que

ilustra o elemento ígneo, o vermelho, pois o nome Marte pode também ser associado ao

planeta, conhecido como “planeta vermelho”.

O elemento Ar é, possivelmente, aquele que proporciona maior espaço para que a sua

personificação seja diversificada. Estando presente em quase todos os espaços, torna-se

parte do dia, da noite, da luz, da escuridão, da realidade e do sonho, fator que dá aso a

personificações deste elemento diretamente relacionadas com a morte e a vida, o Bem e

2 Rousseau, René-Lucien. (1991) A Linguagem das Cores. p.29.

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o Mal. Encontra-se, portanto, associado a anjos, almas penadas, fantasmas e a sílfides3,

mas também a criaturas imaginárias como grifos, dragões e harpias. Para além das áreas

sobre as quais este elemento atua, pode-se falar das caraterísticas acessórias que

compõem a representação de cada uma das criaturas mencionadas anteriormente, como

asas, penas, e também corpos criados a partir de matérias gasosas se se falar de almas

penadas e fantasmas. Todos estas propriedades podem ser encontradas quer nos animais

que habitam no elemento aéreo quer na composição do mesmo. Seguindo a linha de

pensamento dos elementos anteriores, consegue-se atribuir ao Ar uma personificação

entre as divindades da mitologia grega, se relacionarmos o Ar com o sonho como se

pode verificar em “O sonho (substância aérea, pneuma) descende do sono e relaciona-se

com a morte, na vida como no mito. Morfeu, filho de Hypnos, é um ser alado que deve

o seu nome (“forma, do grego morfo) à função que desempenha, (...)”.4

No que toca à cor do elemento em questão, é recorrente a utilização do azul nas suas

diversas personificações devido ao fato de que a cor não só afasta como também

acalma, qualidades frequentemente presentes no Ar e nas suas diversas formas.

Como forma de finalizar a análise dos quatro elementos, atente-se agora no elemento

Terra. De forma semelhante ao Ar, a Terra é também rica em diferentes personificações.

É normalmente representada pela cor verde, contudo, era reconhecida na Idade Média

pela cor preta. A Terra comporta em si a maior capacidade de transformação visível a

olho nu o que permite a que a sua personificação possa ser pensada de várias formas

diferentes, desde os gnomos que estão associados diretamente à cor verde pois só se

enquadram dentro da floresta, até aos gigantes que podem tomar as mais diversas

formas e proporções, o que demonstra o quão disforme este elemento pode ser. Pode-se

pensar nas almas penadas, seres que personificam também o ar, como parte da Terra.

Isto acontece, pois, apesar de serem almas, o que lhes proporciona uma noção de

elevação e de pertença ao plano etéreo, possuem asas quebradas, que as mantêm na

Terra. Quanto aos animais que estão ligados ao quarto elemento, pode pensar-se no

3 As sílfides são juntamente com as ninfas, as salamandras e os gnomos, parte do grupo de criaturas fantásticas atribuídas a cada um dos elementos da cultura ocidental por Paracelso. São, por norma, entidades do ar, do género feminino, com corpos esbeltos e esguios. Estão muitas vezes associadas às fadas devido à sua estrutura e aos ícones a que estão diretamente ligadas, como as suas asas. 4 Meireles, Maria Teresa. (2003) Elementos e Entes Sobrenaturais nos Contos e Lendas. p.88.

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cavalo, que é relacionado com o tempo e com a morte em alguns contos, talvez por toda

a matéria viva voltar à Terra após a Morte.

Desde o início dos tempos, o Homem necessitou de criar conceitos que distinguissem

aquilo que é correto, daquilo que não o é, de forma a explicar as suas ações e

pensamentos.

Como tal, criaram-se os conceitos de Bem e de Mal que foram posteriormente sujeitos a

alterações e ajustes conforme a cultura, comunidade, religião e época em que estavam

inseridos. É de referir que nesta dissertação não se pretende olhar para as entidades

divinas de uma forma religiosa, mas sim como personificações de ideais necessários à

estabilidade mental humana, tal como exemplifica Michael Dowd, no seu artigo para o

Huffington Post intitulado God: Personification ≠ Person em “God is a personification,

not a person – an undeniable interpretation, not an otherworldly tyrant.”5

Com o passar das épocas, tornou-se necessário personificar o conceito de Bem e de Mal,

dando origem a diversas representações de duas personagens, Deus e Diabo.

Deus, personificação do bem, é representado de forma a transmitir sabedoria, segurança,

experiência e perspicácia, normalmente através da figura de um homem de tenra idade.

É assim representado de forma a que a pessoa que interage com a sua personificação

possa meditar sobre as suas ações positivas, bem como tirar exemplos daquilo que deve

seguir para atingir uma vida completa.

Por outro lado, o conceito de Mal, é frequentemente personificado através do Diabo,

entidade que se assemelha a um humano, contudo, possui caraterísticas adicionais,

como cornos, um aspecto grotesco e aterrador que tem o intuito de criar na pessoa que

interage com a sua representação o sentimento de repulsa e de terror, afastando-a de

ações que são consideradas negativas.

Ambas as personificações destes conceitos comportam também a capacidade de manter

a sociedade em ordem quer seja através de respeito ou de terror pelas mesmas.

Tanto os quatro elementos como o conceito de Bem e de Mal, quando personificados,

recebem acessórios, que por sua vez não só se tornam ícones de fácil reconhecimento

5 Michael Dowd, autor e historiador religioso escreve para o The Huffington Post o artigo God: Personification ≠ Person com o propósito de demonstrar aquilo que é uma idealização e o que é real na vida da pessoa. Este artigo é visível em <URL: http://www.huffingtonpost.com/rev-michael-dowd/god-is-a-personification-_b_2866764.html>. (consultado a 14 de outubro de 2016).

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por aquele que interage com as suas representações, como conferem à entidade

personificada diversas vertentes sobre as quais pode atuar.

É da natureza do ser humano procurar-se e encontrar-se naqueles que lhe são

semelhantes, o que conduz à necessidade de se rever na ilustração e na pintura que

visualiza e com que interage. Dessa necessidade, surge a personificação, recurso

utilizado, nas mais diversas formas de arte, para atribuir a criaturas, objetos ou ideias,

caraterísticas humanas sejam elas parte do plano emocional do ser humano ou

qualidades físicas. Procura-se, de forma geral, tornar algo inanimado ou irracional em

humano, com o intuito de fomentar a criação de uma relação entre quem interage com a

ilustração ou pintura, e a própria obra.

A personificação pode ser realizada de diferentes formas, recorrendo a qualidades do

objeto ou ideia que se pretende personificar, como a matéria de que é feito, a sua cor, o

movimento que produz ou até mesmo de partes mais pequenas que se integram no seu

todo. É também possível elevar a personificação por meio da utilização de ícones,

símbolos e acessórios de reconhecimento fácil pelo público de forma a passar a

mensagem claramente.

2.1 Ilustração Literária

Nos dias que correm, os ateliês e ilustradores que trabalham como freelancers adotam

estilos muito próprios de forma a se destacarem. No que toca à ilustração nos últimos

anos têm surgido nomes como Ken Wong6 e Toby Allen7 que recorrem à personificação

para conferir ao seu trabalho uma conexão maior entre as personagens que criam e a

pessoa que visualiza as mesmas, dando-lhes caraterísticas humanas de forma a que

ganhem vida. É de mencionar que estes ilustradores utilizam principalmente suportes

digitais como meio de realização das suas obras.

Na obra de Toby Allen, The Real Monsters8, criada em 2013, o ilustrador representa

diversas patologias através de monstros. Denota-se, portanto, um uso extenso da

6 Ken Wong é um artista digital, designer e diretor de arte australiano. Trabalhou profundamente no projeto do videojogo de nome Alice: Madness Returns. Wong já lecionou e realizou workshops no Animex International Festival of Animation & Computer Games. 7 Toby Allen, atualmente residente no Reino Unido, é um ilustrador freelancer que procura especializar-se em ilustração infantil, design de jogos e design de personagens. 8 O projeto mencionado pode ser consultado em <URL: http://www.zestydoesthings.com/realmonsters#_=_> (consultado a 18 de janeiro de 2016).

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personificação, ainda que as suas personagens não tenham caraterísticas exclusivamente

humanas. Ao recorrer à personificação Allen assegura a transmissão da informação

sobre as respetivas patologias. Oferece então, a quem interage e visualiza as suas

ilustrações, um meio sólido de pensar e olhar para um tema abstrato, ou seja, é possível

atribuir a cada patologia um corpo e uma forma, tornando-as mais humanas e

consequentemente, relacionáveis.

Falando ainda do mesmo ilustrador, o seu trabalho no livro intitulado Land of Or9,

demonstra uma preocupação com os detalhes das cenas que representa, sejam eles

detalhes cénicos ou das próprias personagens. Novamente, deparamo-nos nesta obra

com criaturas surreais e personificadas para ilustrar a comunidade descrita na obra

literária.

Seguidamente, surge-nos Ken Wong, que utiliza uma técnica um pouco mais livre.

Destacam-se, de entre as suas obras, a peça intitulada Mistaken Identity, Stay, And I Will

Love Thee, Dragon e Communion, da sua coleção que tem por título By Moonlight10,

onde se pode verificar a existência de personagens aparentemente humanas aliadas a

elementos fantásticos, resultando em criaturas com as quais o observador se consegue

relacionar facilmente devido à componente humana das mesmas. Nas suas obras, Ken

Wong parece utilizar a silhueta humana envolta em ambientes e criaturas imaginárias

para passar a sua mensagem. A personificação utilizada por Wong vai,

maioritariamente, além da personagem principal, ou seja, foca-se também em elementos

cénicos que complementam a humanidade e personalidade da personagem.

Falando de estúdios de ilustração, a maior parte está interligada com o Design Gráfico,

em que alguns dos mais recentes são Kindred Studio11 e SKINPOP Studio12. Ambos os

ateliês possuem uma grande variedade de técnicas de trabalho, indo desde as técnicas

tradicionais e clássicas do desenho analógico aos métodos mais avançados da ilustração

digital, contudo, têm ambos um ponto em comum, a maior parte dos seus projetos

baseiam-se na personificação. 9 O projeto encontra-se em <URL: http://www.zestydoesthings.com/landofor#_=_> para visualização e consulta (consultado a 18 de janeiro de 2016). 10 A coleção de Ken Wong pode ser visualizada em <URL: http://www.kenart.net/portfolio/moonlight.htm> (consultado a 18 de janeiro de 2016). 11 Kindred Studio carateriza-se por ser um estúdio em que múltiplas áreas e disciplinas se encontram. De sede em Sydney, o estúdio conta com a liderança do ilustrador e designer Andrew Fairclough. 12 SKINPOP Studio é um estúdio com a sua sede no México, fundado em 2013. O seu portefólio conta com ilustrações tradicionais bem como ilustrações por meio de vetor e arte digital.

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Ao analisar os dois exemplos apresentados, a equipa de Kindred Studio apoia-se nos

métodos da Pop Art e os projetos são na sua maioria realizados com tons de branco,

preto e cinzento e baseiam-se principalmente em personagens exclusivamente humanas

e personagens às quais lhes foram atribuídas caraterísticas humanas através da

personificação. Veja-se, por exemplo, o projeto intitulado The Clerkenwell Post13 criado

pelo mesmo ateliê, onde estabelecem uma relação entre um animal, neste caso o corvo,

com caraterísticas e objetos humanos, como o chapéu, os óculos, e a vestimenta da

própria personagem. Outro ateliê que deve ser mencionado é SKINPOP Studio que tem

um portefólio variado, tendo ilustrações realizadas apenas com tons de preto e branco

bem como obras repletas de cores vivas. Em todas as obras criadas por este ateliê

encontram-se personagens aparentemente humanas com caraterísticas animais,

mecânicas ou surreais. É também de mencionar que muitas das ilustrações deste ateliê

contêm uma forte componente de personificação aplicada apenas à cabeça da

personagem em questão.

No panorama nacional, têm surgido, recentemente, ilustradores com visões muito

díspares entre si. Entre estes autores, pode-se referir o caso de João Fazenda14, e

Mariana, a Miserável15.

Ambos têm técnicas distintas, contudo é de notar que os ilustradores mencionados têm

trabalhos com um teor icónico bastante presente, ou seja, através de formas simples

demonstram-se conceitos complexos ou abstratos. Contudo, apoiam-se bastante na

personificação para dar vida às suas personagens e obras. Analisando o trabalho de João

Fazenda, no livro Fernando Pessoa publicado em 2014 pela editora Pato Lógico,

observam-se personagens extremamente simples, com pouco detalhe e baseadas apenas

em manchas de cor que, no entanto, estão repletas de traços e feições humanas.

13 A ilustração encontra-se, para consulta, em <URL: http://www.kindredstudio.net/#/the-clerkenwell-post/> (consultado a 19 de janeiro de 2016). 14 João Fazenda é um ilustrador português, natural de Lisboa, que reside atualmente em Londres. Destaca-se pelas suas ilustrações de formas e cores simples. 15 Mariana, a Miserável, atualmente residente no Porto, é uma ilustradora portuguesa com diversos trabalhos expostos pela imprensa portuguesa reconhecidos por diversos críticos de arte.

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Fig. 1 – João Fazenda, ilustração pertencente ao livro intitulado Fernando Pessoa, publicado pela editora

Pato Lógico, em 2014.

Também, através dos seus trabalhos, é possível notar que a paleta de tons utilizada

mantém-se frequentemente dentro de uma única cor, como por exemplo a ilustração da

Figura 1, que abrange tons como o branco, o preto, o azul e amarelo.

Finalmente, na obra de Mariana, a Miserável, as técnicas mais utilizadas são analógicas,

passando pelo acrílico e pela grafite. Nas suas ilustrações intituladas Sometimes I Feel

Like An Escher Drawing e No Man Is An Island16 é possível observar a forma como a

ilustradora se serve da cabeça humana para criar uma cena dentro dos limites da silhueta

da mesma.

Assim, a ilustradora consegue incorporar a personificação tanto da silhueta maior da sua

ilustração, neste caso a cabeça humana, como também a consegue incorporar ao longo

de todas as personagens que representa, quer sejam, na sua forma mais básica,

originalmente animadas ou inanimadas.

Em suma, todos os ilustradores e ateliês dos quais se falaram anteriormente, têm uma

componente de personificação bastante presente nos seus trabalhos, ainda que esta seja

utilizada de diferentes formas. No caso de Toby Allen e João Fazenda, ambos os

ilustradores servem-se do conceito de personificação para fornecer às suas personagens

que não são humanas elementos que possam ajudar a pessoa que visualiza a obra a

identificar-se com a personagem ou a reconhecer algo que lhe é familiar na mesma. Já 16 A ilustração da artista pode ser vista em <URL: http://marianaamiseravel.com/work/no-man-is-an-island/> (consultado a 19 de janeiro de 2016).

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Ken Wong e Mariana, a Miserável, ainda que de formas diferentes, visto que Ken Wong

utiliza a personagem de corpo inteiro e Mariana serve-se apenas da cabeça humana,

também utilizam fortemente a personificação nas suas ilustrações. Ainda assim

diferenciam-se dos outros ilustradores dos quais se falaram, pois, as personagens que

ilustram, são, na sua maioria, totalmente humanas ou quase inteiramente humanas, ou

seja, servem-se da personificação para dar aos elementos que rodeiam a personagem

principal caraterísticas com as quais o indivíduo que entra em contato com as

ilustrações se consegue relacionar e apreender a mensagem das obras mais facilmente.

2.2 Ilustração Infantil De forma a complementar a dissertação é necessário analisar a ilustração infantil nos

dias que correm. No geral, a ilustração infantil está repleta de exemplos de

personificação pois é a área da ilustração onde os ilustradores mais se servem da mesma

para as suas personagens. De outra forma a maioria das personagens seriam objetos

inanimados ou animais irracionais. Assim, é preciso compreender aquilo que é

recorrente na ilustração infantil da atualidade. Nos últimos anos tem-se cada vez mais

notado uma tentativa de se ilustrar obras infantis com as quais a criança se possa

identificar. Como tal, utilizam-se, maioritariamente, objetos e animais ou criaturas

surreais como personagens de uma história. Está também presente a simplificação da

linha e da mancha de cor bem como, a forte utilização de texturas.

Alguns dos exemplos que seguem estas tendências são as ilustrações de Laura Carlin,

Hervé Tullet e Oliver Jeffers no panorama internacional.

Quanto ao panorama português destacam-se ilustradores como Catarina Sobral, bem

como dois ilustradores previamente referidos, pois também trabalham com ilustração

infantil, João Fazenda e Mariana, a Miserável. Quando se falam de ateliês de ilustração,

podemos falar internacionalmente de Peter Brown Studio e Kalandraka, e

nacionalmente de Planeta Tangerina.

Os ilustradores infantis já mencionados, recorrem todos a métodos diferentes, mas as

suas ilustrações mantêm um ponto em comum, a personificação. No caso de Laura

Carlin17 por exemplo, os seus trabalhos, como A World Of Your Own18 e The Promise19,

17 Laura Carlin formou-se na Royal College of Art em 2004 e reside atualmente em Londres. Trabalha como ilustradora e também realiza trabalhos com cerâmica. 18 Parte da obra de Laura Carlin pode ser visualizada em <URL: http://www.lauracarlin.com/a-world-of-

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parecem ter uma componente de colagem, contudo as suas personagens, por mais

simples que sejam contêm aspetos que as tornam mais humanas e consequentemente,

fáceis de se relacionar.

Oliver Jeffers20, nas suas ilustrações para livros como The Hueys In What’s The

Opposite?21 e The Day The Crayons Came Home22 recorre a formas primárias e

simples. Ainda mais importante, é de mencionar que a obra de Oliver Jeffers centra-se

fortemente em personagens simples, geralmente compostas por manchas de cor

personificadas ou objetos inanimados, familiares à maior parte das crianças como se

pode ver, por exemplo, em The Day The Crayons Came Home onde o ilustrador utiliza

um lápis de cera como personagem principal provido de elementos como olhos, boca,

membros inferiores e superiores, ou seja, caraterísticas predominantemente humanas.

Alguém que se destaca na ilustração infantil devido ao seu método excêntrico é Hervé

Tullet23, um ilustrador francês que segue o ideal “Don’t think, draw.” de Doreen

Mulryan24, levando esse mesmo pensamento até à forma como desenha, sendo que tenta

aproximar-se da criança por desenhar utilizando as próprias mãos. As ilustrações de

Hervé Tullet assemelham-se às de Oliver Jeffers na medida em que as suas personagens

são compostas ou por manchas de cor básicas ou por linhas extremamente simples,

contudo possuem sempre caraterísticas humanas, novamente utilizando a personificação

no seu trabalho.

your-own/> (consultado a 20 de janeiro de 2016). 19 As ilustrações pertencentes à obra referida da artista podem ser consultadas em <URL: http://www.lauracarlin.com/the-promise/qhp0dj0gvrszuqsf9abeul7rlkjp80> (consultado a 20 de janeiro de 2016.) 20 Oliver Jeffers é versado em diversas formas de arte. No entanto, concentra-se na área da ilustração infantil e de instalação artística. Já expôs o seu trabalho, de entre outros lugares, em Londres, Nova Iorque e Berlim. 21 Parte das ilustrações da obra mencionada podem ser vistas em <URL: http://www.oliverjeffers.com/picture-books/hueys-whats-the-opposite> (consultado a 20 de janeiro de 2016). 22 Novamente, algumas das ilustrações pertencentes ao livro realizado pelo artista podem ser consultadas em <URL: http://www.oliverjeffers.com/picture-books/the-day-the-crayons-came-home> (consultado a 20 de janeiro de 2016). 23 Hervé Tullet estudou Belas-Artes e Artes Decorativas, o que o levou depois a trabalhar como diretor de arte durante dez anos. Desenvolveu depois o seu trabalho como ilustrador e rapidamente atingiu o sucesso pelas suas obras interativas principalmente com crianças devido às suas formas simples. 24 Doreen Mulryan é ilustradora infantil e frequentou a Carnegie Mellon University. Mais tarde, frequentou a New York’s School of Visual Arts. Trabalhou com a Marvel Comics como assistente de produção e trabalha correntemente como professora de artes e ilustradora.

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Discursando sobre ilustradores portugueses, para além de João Fazenda e Mariana, a

Miserável, pode-se referenciar Catarina Sobral25. As suas ilustrações para a revista UP

Kids26 em 2013, demonstram que não só a ilustradora recorre a formas simples, como

procura tornar as suas ilustrações bastantes icónicas e de fácil reconhecimento. Quando

se falam de cores, aproxima-se muito a Oliver Jeffers, e procura utilizar cores primárias

sobre um fundo branco.

No que toca aos ateliês, Peter Brown Studio27 realiza diversas ilustrações literárias para

livros infantis, tal como My Teacher Is A Monster! (No, I Am Not.), Mr. Tiger Goes

Wild, ambos de 2014 e You Will Be My Friend de 2011 demonstram um maior

desenvolvimento das formas, ao contrário dos ilustradores falados no parágrafo anterior.

É introduzida alguma noção de sombra, contudo, mantêm-se sempre as cores vivas e a

noção de ver a mancha de cor como forma contínua sempre presentes aos longo das

obras deste ateliê. No que toca à personificação, após a análise das obras mencionadas

nota-se que as personagens são maioritariamente animais irracionais capazes de sentir

emoções humanas e têm quase sempre a capacidade de falar, o que lhes dá espaço para

terem alguma personalidade própria ao longo da história tornando a relação com as

crianças possível.

Quando se fala de ilustração infantil, no que toca a variedade de estilos, pode-se falar da

Kalandraka, um ateliê espanhol que conta com uma equipa relativamente grande de

ilustradores. Os seus trabalhos podem ir desde ilustrações simples, baseadas apenas na

cor ou na linha, até ilustrações bastante trabalhadas, que utilizam um espetro de cores

variado e que possuem grande variedade de luz e sombra. Em termos das personagens,

encontram-se algumas compostas por formas básicas que, juntas formam aquilo que se

pode visualizar como um corpo e uma cara, como é o caso da obra 29 Historias

25 Catarina Sobral, ilustradora portuguesa, estudou Design e Ilustração Artística em Évora e Aveiro, no período entre 2007 e 2012. Já trabalhou com diversas editoras e ateliês, e realizou diversas exposições maioritariamente de ilustração infantil. 26 As páginas da revista referentes ao trabalho de Catarina Sobral podem ser consultadas em <URL: http://www.catarinasobral.com/index.php?id=45> (consultado a 21 de janeiro de 2016). 27 Peter Brown Studio, é um ateliê galardoado com diversos prémios pelas suas obras infantis repletas de ilustrações de linhas simples.

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Disparatadas como também se podem encontrar personagens totalmente humanas e

sem qualquer tipo de alteração na fisionomia das mesmas, como no livro Al Otro Lado.

O nome Planeta Tangerina28 é reconhecido em Portugal, dentro do mundo da ilustração

infantil. No ateliê recorre-se frequentemente a colagens, técnicas analógicas, técnicas

digitais e manchas de cor muito primárias para alguns dos seus trabalhos, tal como se

utiliza também formas mais complexas e linhas mais desenvolvidas para criar as

ilustrações para as suas outras narrativas. Nas suas personagens, ainda que algumas

sejam bastante simples, e compostas por apenas uma ou duas formas, são capazes de ter

aspetos físicos humanos, como mãos ou pés.

Ainda assim, segundo Paulo Galindro,29 há que referir que a ilustração infantil é

completamente livre, e que as suas personagens não necessitam de seguir estereótipos.

Contudo, é preciso, sim, compreender a história e aprendê-la, de forma a dar início a um

processo criativo organizado. É também de referir que para a ilustração todos os

materiais, bem como os suportes, funcionam. Olhando para os ilustradores e ateliês

falados anteriormente, é possível perceber que a personificação pode ser utilizada

através de caraterísticas humanas, sejam elas, os componentes da face humana, os

membros superiores ou inferiores, mas também, este recurso pode ser utilizado através

de acessórios, roupas e objetos inerentes à personagem.

2.3 Representação do conceito de Monstro

A necessidade de criar medo, terror, desconforto ou admiração sempre esteve presente

ao longo dos tempos em diferentes comunidades, pelos mais diversos motivos. Assim,

criaram-se seres fantásticos, vistos por alguns como monstros, e por outros como

maravilhas da natureza e do plano imaginário humano. Pretende-se então determinar

aquilo que é compreendido como a representação do conceito de monstro, olhando para

entidades pioneiras na definição desta mesma ideia.

Para existir relação entre o espetador e o monstro, recorre-se maioritariamente à

personificação. Ao utilizar este recurso na ilustração, fornece-se à criatura monstruosa

28 Ateliê português que se especializa em comunicação e ilustração, e que tem como público-alvo crianças e jovens. Foi fundado em 1999 e desde então está diretamente ligado com projetos realizados em museus, câmaras municipais e escolas. 29 Paulo Galindro é um ilustrador e arquiteto português. Nasceu a 11 de Julho de 1970 e trabalha principalmente com ilustração editorial e ilustração infantil. Trabalha frequentemente com a Porto Editora.

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um aspeto humano, ou seja, com personalidade, tornando-a mais próxima daquilo que

pode ser uma pessoa. Assim que o monstro passa a ser comparado com o ser humano,

surge uma sensação de desconforto, de repulsa, ou até mesmo de admiração por aquilo

que poderia ser uma faceta da pessoa, tornando a mensagem da ilustração mais

profunda.

Desde o período clássico os monstros eram objeto de admiração e medo. É isto que

afirma Inês Garcia, na sua dissertação de mestrado intitulada Monstros: A Ciência do

Mito e a sua Utilidade nos Videojogos30. Na cultura grega tinha-se por hábito imaginar

novas raças que habitavam em terras distantes no Oriente, em grande parte devido à

religião hindu que por ser politeísta apresenta diversas divindades como Ganesh, que

tem quatro braços e cabeça de elefante, e Brahma, que tem quatro braços e quatro

cabeças, atribuindo ao conceito de monstro uma componente imaginária, para além da

ligação comum com o medo.

Foi despoletado um estudo científico com foco na Índia no século IV a.C., conduzido

por Ctésias de Knidos (400 a.C.), médico da corte de Artaxerxes Mnemom da Pérsia.

Devido a esse estudo, a Índia, já imaginada como detentora de povos fantásticos, ficou

conhecida como uma terra de maravilhas, pois, nas histórias e depoimentos que Ctésias

recolheu ao longo dos tempos, podiam-se encontrar relatos de criaturas fantásticas como

serpentes e escorpiões alados de dimensões gigantescas e pessoas com mutações

genéticas como a presença de apenas um olho e a inexistência de caraterísticas físicas

como a boca. Devido à cultura grega e ao trabalho de Ctésias, surgiu uma nova

tendência literária, com obras como Metamorfoses de Ovídio31 onde se apresentavam

personagens aparentemente humanas que se podiam transformar em diversos elementos

naturais, como rios, plantas, pedras ou até mesmo em seres vivos como pássaros e

ninfas.

Durante o período medieval, acreditava-se, na região ocidental do mundo, que o Oriente

ainda era habitado por criaturas fantásticas. Alguns séculos mais tarde, vive-se uma

época de declínio das mais diversas práticas. Observa-se também a emigração dos

povos de algumas cidades e dá-se a queda de diversos edifícios romanos. Devido a estes

fatores, adota-se uma estética que favorece o obscuro, onde se representa o mundo 30 Cf. Garcia, Maria Inês. (2015) Monstros: A Ciência do Mito e a sua Utilidade nos Videojogos, dissertação de Mestrado em Anatomia Artística, Universidade de Lisboa - Faculdade de Belas-Artes. 31 O seu nome completo terá sido Públio Ovídio Naso e foi um poeta conhecido pela sua poesia erótica bem como pela sua poesia mitológica.

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como uma selva escura, incerta e habitada por criaturas monstruosas, desprovidas de

proporção e de forma concreta.

Ao longo dos tempos, o conceito de monstro manteve-se relativamente idêntico, apenas

sofrendo pequenas alterações de forma a igualar-se ao espírito de cada época. Os relatos

escritos até então cativaram a atenção de viajantes e eclesiásticos como Marco Polo e

Santo Agostinho32, este último que procurou provar a existência de criaturas fantásticas

e de monstros, identificando-os como maravilhas. Contudo, é também Santo Agostinho

que apresenta algum ceticismo relativamente aos monstros dizendo que não é necessário

acreditar na existência de todos os monstros dos quais se ouvem falar. Santo Agostinho,

declara então, seguindo a teologia e cosmologia, que os monstros poderiam existir,

contudo, retira-lhes o fator da realidade que lhes havia sido atribuído em épocas

anteriores. Trata-os, portanto, como ideais e frutos da imaginação, alegando também

que não é pelo fato de que o ser humano é incapaz de compreender a origem da

monstruosidade que a mesma perde a sua existência.

Santo Agostinho defendia ainda a beleza do monstro, por ser uma criação de Deus.

Assim, procurou instituir a interpretação alegórica das Sagradas Escrituras, sublinhando

a necessidade de existir um sentido espiritual. Começou-se então a criar os bestiários

moralizados, onde se agrupavam ensinamentos morais a cada criatura fantástica. Para

além dos bestiários, é com Santo Agostinho que os monstros são introduzidos na

religião cristã, libertando-os da objetividade que tinham na tradição greco-latina, dando

espaço ao conceito de monstro para se criarem simbologias sobre o mesmo.

Falando sobre a literatura, pode-se observar a literatura de cordel, as canções de gesta,

as narrativas das romarias e os bestiários. Todos estes géneros literários descreviam

monstros, criaturas infernais e celestiais, geralmente de caráter religioso.

Segundo José Gil33, a conceção do monstro tem como base o ponto a que o ser humano

poderia chegar, ou seja, os limites da humanidade.

Cada vez mais se tornou necessário determinar a origem científica do monstro. A

sociedade encontrava-se mais obcecada por este mesmo conceito e encontravam

32 Agostinho de Hipona, reconhecido como Santo Agostinho, foi para o cristianismo, um teólogo e filósofo de grande importância. Nasceu a 13 de Novembro de 354, e faleceu a 28 de Agosto de 430. Agostinho esteve envolvido no desenvolvimento de diversas teorias como o pecado original e a antropologia cristã. 33 José Gil, filósofo e professor universitário português, nasceu em Moçambique em 1939, considerado um dos vinte e cinco grandes pensadores do mundo, pelo semanário francês Le Nouvel Observateur.

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satisfação para a sua obsessão na literatura e em espetáculos daquilo que se suponha

serem monstros reais.

Durante o século II a.C., Aristóteles34 propôs a sua teoria sobre a reprodução, de onde se

tiraram diversas ilações na Idade Média. Podiam-se compreender dois aspetos distintos,

o primeiro seria o de que o nascimento monstruoso poderia ser visto como um mau

presságio. O segundo, traduzia-se pela simples aceitação da existência de povos

fantásticos repletos das mais diferentes criaturas. José Gil, acrescenta que os monstros

possuem caraterísticas que não encaixam na norma, ou seja, são irreais. Segundo Gil, as

monstruosidades são, na sua essência, malformações anatómicas que não são

compatíveis com a própria ideia de vida, logo o monstro é uma realidade sem qualquer

tipo de vida e é representado pelo ser humano num plano imaginário.

Continuando com a ideia do mesmo filósofo, o monstro não pode ser concebido apenas

com caráter simbólico, nem apenas com caraterísticas reais. É uma junção de ambos os

fatores e é provido de múltiplas funções e significados, logo, podem ser utilizados para

compreender e pensar sobre a humanidade.

Por outro lado, Ieda Tucherman35 mostra-nos um ponto de vista diferente. A autora diz

que os monstros não podem ser pensados como causadores de um presságio, pois para

um presságio é necessário um espaço de tempo que diz respeito apenas a si mesmo,

estando presente apenas durante a sua ocorrência, ou seja, com um fim.

Alguns séculos depois, durante o surgimento das teorias do preformacionismo, surge o

anatomista Guichard Joseph Duvernet, cuja teoria sobre os monstros, teria algum

fundamento em Santo Agostinho:

Os seres monstruosos devem então ser entendidos como “maravilhas da

natureza” que permitem reconhecer e atestar a inteligência suprema, a

fecundidade e a variedade da arte infinita do Criador, bem como a sua

liberdade. Este tinha já sido o entendimento de Santo Agostinho, para o qual

os monstros eram parte da maravilhosa variedade da criação de Deus.36

34 Aristóteles foi um filósofo grego que desenvolveu o seu pensamento em torno de diversas áreas como a metafísica, a lógica e a retórica. Juntamente de outros dois filósofos, Platão e Sócrates, é visto como um dos criadores e difusores da filosofia ocidental. 35 Ieda Tucherman, professora e autora literária que se debruça principalmente sobre áreas como o corpo, a comunicação, a tecnologia e a cultura. 36 Cardoso, Adelino; Costa, Palmira Fontes da. (2010) Corpo, Poesia e Afecto em Albrecht von Haller. p.59.

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Também Albrecht von Haller37, defendia que os monstros não poderiam ser vistos como

erros da natureza, mas sim como a habilidade de Deus para criar vários tipos de

criaturas.

Pode-se afirmar que a imaginação do monstro nasceu com a própria humanidade,

contudo, a área que engloba os monstros não é criativa ao ponto de conseguir

constantemente criar novas formas. Portanto, é habitual reciclarem-se e reutilizarem-se

formas previamente conhecidas aquando da criação de um monstro.

A forma mais conhecida poderá ser aquela que reúne diversas espécies numa única

criatura, quer sejam as espécies utilizadas consideradas divinas, humanas ou animais. É

de notar que as monstruosidades construídas através do ser humano são geralmente

muito mais complexas, e recebem o nome de monstros teratológicos.38 Estes monstros

resultam de um sistema intrínseco que tanto aproxima como distancia o conceito de ser

humano e monstro, bem como incorpora misturas de espécies e hibridizações.

José Gil, classifica tipologicamente os monstros como criaturas às quais lhes faltam

elementos humanos essenciais. Acrescenta ainda que os monstros podem também sofrer

modificações dos orgãos entre si, aumento ou redução dos mesmos, substituição de

elementos ditos normais por elementos extraordinários ou irreais, presença de ambos os

sexos ou até mesmo inexistência dos mesmos, hibridez e caraterísticas animalescas

bastante delineadas.

Massimo Izzi apresenta o conceito de monstro dividido em três categorias distintas, os

monstros por defeito, por excesso e finalmente, os monstros duplos ou compostos. O

primeiro grupo engloba aqueles monstros que têm dimensões pequenas ou que têm

carência de alguma caraterística pois parecem ser incompletos. No segundo grupo

inserem-se as criaturas de dimensões agigantadas ou que têm elementos em excesso. O

terceiro grupo abriga as monstruosidades que são compostas por espécies híbridas e que

são considerados monstros compostos por várias partes.

A partir da Renascença, o corpo monstruoso foi considerado uma peça fulcral nas

coleções de história natural da sociedade devido não só à sua raridade, mas também 37 Albrecht Von Haller nasceu a 16 de Outubro de 1708 e morreu a 12 de Dezembro de 1777. Foi um anatomista e biólogo suíço que contribuiu fortemente para aquilo que se conhece como fisiologia moderna. De entre as suas descobertas, destacam-se o reconhecimento dos mecanismos de respiração humana e a função autónoma que o coração possui. No final da sua vida foi também autor literário, documentando todas as suas descobertas. 38 A teratologia é um ramo da ciência médica que estuda as malformações e anomalias que ocorrem no desenvolvimento de um organismo bem como as suas causas, padrões e de que forma acontecem. A palavra deriva da palavra grega teratos, que significa “monstro” e logos que se traduz por “palavra”.

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pelas emoções que conseguia produzir nos espetadores. Os monstros passaram a ter uma

função lúdica e de entretenimento, desencadeando reações de horror, susto e espanto por

parte de algumas pessoas, e também reações de diversão e alegria para outras. Após

adquirirem um estatuto de entretenimento, estes mesmo corpos monstruosos começaram

a ser integrados em circos, feiras e nos chamados freak-shows onde a pessoa poderia

visualizar a monstruosidade e de certa forma admirá-la, reafirmando assim a sua própria

humanidade pois não reconhece nenhuma das anormalidades do monstro em si próprio.

Pode-se caraterizar o monstro através de Umberto Eco39, que afirma que o monstro seria

uma criação humana que simboliza “a violação das leis, o perigo, a ameaça, o irracional

e o não dominável, sendo o monstro, por isso, uma projeção fantástica de todos e cada

um destes conceitos, acalmando as angústias que dominam os homens”.40

Na contemporaneidade, é necessário contrapor primeiro a ilustração infantil,

anteriormente falada, com o seu extremo oposto, a ilustração de monstros e a ilustração

de horror, de forma a que se possa compreender o projeto que se segue. É de extrema

importância a menção destes tipos de ilustração pois baseiam-se principalmente na

personificação. Na atualidade é imperativo ter um elemento de ligação entre a ilustração

de horror e a pessoa que interage com a obra. Geralmente, de forma a criar esse mesmo

elo o ilustrador recorre à utilização de caraterísticas humanas nas personagens que cria,

ou constrói uma cena completa em que uma personagem, aparentemente humana, é

assaltada pelo monstro. É notável que as ilustrações de horror que apresentam monstros

ou criaturas assustadoras providas de caraterísticas humanas são capazes de provocar

desconforto ou causar medo mais facilmente pois a pessoa consegue ver-se a si própria

no monstro. Assim sendo, ao longo deste tópico, serão analisados diversos ilustradores,

sendo eles, Laurie Lipton, Aeron Alfrey, Steve McGinnis, Dave Kendall, Rovina Cai,

Kim Myatt, e Iris Compiet, todos eles profissionais focados na ilustração de monstros e

do horror.

39 Umberto Eco nasceu a 5 de Janeiro de 1932 em Alessandria na Itália. Debruça-se nas suas obras, sobre a semiótica, a história e a literatura, esta última, sendo conhecida pelos inúmeros exemplos daquilo que é o conceito de intertextualidade. 40 Ramos, Ana Margarida (2008) Os Monstros na Literatura de Cordel Portuguesa do século XVIII. p. 104.

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Um dos exemplos de ilustradores que recorrem à personificação na ilustração de

monstros para criar uma cena completa dentro das suas obras é Aeron Alfrey41. Veja-se

por exemplo, na sua obra Baba Yaga, Alfrey ilustra uma colina, onde está uma casa e

enquadra a mesma entre duas árvores. Contudo, todos estes elementos têm caraterísticas

humanas como olhos e bocas, faces, mãos e pés, alterados de forma a que se pareçam

grotescos, dando às árvores, colina e à casa um aspeto assustador. Além da

personificação, na mesma ilustração, Aeron Alfrey serve-se apenas de tons de preto e

branco de forma a convergir um ambiente escuro e misterioso.

Fig. 2 – Aeron Alfrey, Baba Yaga (2014), ilustração de horror em que se observam diversas criaturas

grotesquas.

Relativamente à utilização de preto e branco, pode falar-se de Steve McGinnis42, que,

em ilustrações como Leatherface In White e Myers On White Sample43 utiliza a face

humana para retratar monstros que no fundo acabam por ser quase totalmente humanos.

Utiliza também acessórios como máscaras sobre as faces que ilustra, dando-lhes um

elemento de mistério que causa desconforto. O seu trabalho com o contraste dos tons de

preto e branco contribuem também para ilustrações com mais impacto. 41 Aeron Alfrey, ilustrador predominantemente focado no grotesco, no fantástico e no monstruoso já expôs por diversas galerias no mundo e também já viu as suas ilustrações surgirem em diversas publicações literárias. 42 Steve McGinnis, ilustrador, formou-se na College for Finer Art and Graphic Design, que lhe assegurou a oportunidade de trabalhar mais tarde com Albert Casson, pioneiro na arte fotorealística da natureza no Canadá. 43 Ambas as ilustrações podem ser visualizadas no website do artista em <URL: http://www.steveillustration.com/horror> (consultado a 22 de janeiro de 2016).

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Laurie Lipton44, uma ilustradora nova-iorquina segue a mesma tendência de conjugação

do preto e do branco. Contudo, diferencia-se dos ilustradores mencionados

anteriormente no que toca à personificação que utiliza nas suas ilustrações. Laurie não

ilustra monstros propriamente ditos. Em vez disso, a ilustradora representa ambientes

que causam desconforto, pois utiliza objetos do dia-a-dia de uma pessoa para causar

desconforto e terror. Tome-se como exemplo a sua ilustração Pandora’s Box de 2011,

em que representa uma boneca de porcelana que abre uma caixa de onde saem diversas

caras humanas que expressam sofrimento. Também na sua obra La Luz45 de 2011,

Laurie demonstra-se capaz de personificar conceitos abstratos como a religião e o seu

lado mais grotesco, associando a religião a uma caveira humana adornada com

vestimentas e símbolos religiosos, contudo sempre interligados com a morte.

Se se quiser falar de ilustração de monstros e horror colorida, podemos primeiramente

olhar para o trabalho de Rovina Cai, ilustradora australiana, baseada em Melbourne, que

ilustra utilizando sempre cores suaves e sem grande contraste entre si. A verdadeira

essência das suas ilustrações baseia-se, contudo, na forma como utiliza a personificação.

Rovina, apesar de ilustrar criaturas surreais, não se foca primariamente na ideia de

causar medo ou desconforto. Ilustrações como se podem encontrar no duo intitulado

The Language of Flowers46 demonstram a habilidade de Rovina Cai no que toca a

utilizar a cabeça humana como recipiente para outros elementos, neste caso flores.

Nesta mesma obra, a personagem apresenta-se com a cabeça separada em duas metades,

como um monstro, ou criatura grotesca, contudo, denota-se alguma delicadeza na

concretização da ilustração. No caso da obra Becoming47, Cai utiliza a silhueta humana,

provida de membros superiores e inferiores misturada com elementos de uma árvore,

resultando num monstro mais delicado e frágil, acabando por causar uma reação

completamente oposta ao medo, algo semelhante à admiração e contemplação.

44 Laurie Lipton formou-se na Carnegie-Mellon University com um curso de Belas-Artes em Desenho na Pensilvânia. É de mencionar que a artista consegue muita da sua inspiração devido à pintura flamenga. 45 Tanto a sua ilustração mencionada, Pandora’s Box como La Luz podem ser visualizadas na galeria online da artista em <URL: http://www.laurielipton.com/2011-present/> (consultado a 22 de janeiro de 2016). 46 A obra de Rovina Cai pode ser visualizada em <URL: http://www.rovinacai.com/portfolio/language-of-flowers/> (consultado a 22 de janeiro de 2016). 47 A ilustração da artista mencionada pode ser consultada em <URL: http://www.rovinacai.com/portfolio/becoming/> (consultado a 22 de janeiro de 2016).

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Iris Compiet e Dave Kendall48 são dois ilustradores que recorrem à personificação de

uma forma muito semelhante. Ambos os artistas criam as suas personagens através de

ocupações ou cargos ligados à religião e ao oculto. Quer-se dizer, em vez de ilustrarem

criaturas monstruosas que partem totalmente do imaginário no que toca à sua origem,

baseiam-se nos ideais de um vidente ou de uma freira, ou de um padre ou até mesmo de

um bruxo. Veja-se o exemplo de Iris Compiet com a ilustração de título

Misfortuneteller49 onde a ilustradora representa uma criatura que incorpora diversos

temas como cartas de Tarot, símbolos religiosos desenhados nas mãos, acessórios

religiosos, e moedas de ouro. Essa mesma criatura por sua vez tem a face constituída

por duas caveiras interligadas e com apenas um olho humano, tornando-a grotesca e

desconfortante. Dave Kendall, de forma semelhante, baseia-se no conceito de freira, ou

devota religiosa para criar The Hands50, que demonstra uma mulher nas suas

vestimentas tradicionais eclesiásticas, contudo apresenta mutações na boca e nas mãos

que lhe dão uma aparência monstruosa e assustadora, transmitindo desconforto e

repulsa à pessoa que interage com a ilustração pois consegue facilmente identificar e

associar o conceito base da ilustração a aspetos comuns da sua própria vida.

Por fim, quanto a ilustrações desconfortantes, pode analisar-se a ilustração de Kim

Myatt51, que através de uma paleta de cores simples e de um uso da personificação sem

grandes mutações grotescas, é capaz de criar ilustrações com um alto teor de apreensão

e horror. O exemplo que tende a sobressair mais de entre o trabalho da ilustradora é a

obra Fledgling52 onde Kim representa o conceito de vampiro através de uma mistura de

inocência da juventude com o horror contido nas poucas mutações da qual a artista se

serve, neste caso em particular, os olhos, que são totalmente modificados para que se

pareçam com os de uma criatura aterradora e bizarra.

48 Os trabalhos dos ilustradores foram encontrados na comunidade online DeviantArt pelo que não se conseguiu encontrar muito informação sobre os mesmos. 49 A ilustração da artista encontra-se disponível em <URL: http://eyeris.deviantart.com/art/Misfortuneteller-488972034> (consultado a 23 de janeiro de 2016). 50 A obra de Dave Kendall, The Hands, encontra-se online para consulta em <URL: http://dave-kendall.deviantart.com/art/The-Hands-362223631> (consultado a 23 de janeiro de 2016). 51 Kim Myatt, ilustradora, já expõs e realizou três publicações diferentes. A artista, nas suas obras, explora predominantemente os temas da morte, do sonho e da loucura. 52 A ilustração da artista pode ser vista em <URL: http://ysvyri.tumblr.com/page/3> (consultado a 23 de janeiro de 2016).

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É também de notar que apesar das poucas mutações da forma humana, Kim parece

concentrar-se nas mudanças que executa de uma forma bastante detalhada, conferindo à

ilustração um impacto bastante forte na pessoa que visualiza a obra.

Concluindo, pode observar-se que a representação do conceito de monstro pode surgir

das mais variadas formas, e através de inúmeras conjugações de técnicas. Contudo,

como se pôde ver desde o início, a ilustração grotesca e monstruosa que mais afeta o

visualizador é aquela que contém caraterísticas humanas ou próximas do ser humano,

pois oferece, instantaneamente, à obra uma ponte de ligação com o mundo exterior,

tornando a mensagem da ilustração fácil de interpretar e apreender.

2.4 Pintura

A pintura está repleta de exemplos claros de personificação em diferentes épocas,

aplicada desde pequenas partes de uma obra, e podendo chegar a ser utilizada na

totalidade da mesma. Alguns artistas serviam-se da personificação como meio para

atribuírem a conceitos ou entidades que não possuíssem corpo material, uma forma dos

mesmos se relacionarem com o público através de caraterísticas humanas. Outra das

utilizações da personificação, durante períodos específicos seria a de transmitir

mensagens através das personagens e das cenas representadas, que de outra forma

seriam proibídas.

Repare-se em A Primavera de Sandro Botticelli53, concretizada a 1481, pintura em que

“a cena desenrola-se da direita para a esquerda, começando com a figura mitológica de

Zéfiro, o deus do vento, mensageiro da Primavera, que transforma Clóris – a ninfa do

bosque – em Flora, símbolo da Primavera e da fertilidade.”54

Logo à partida, denota-se a personificação daquilo que é a estação primaveril através de

diversas personagens mitológicas, de entre as quais, para além das mencionadas no

parágrafo anterior, encontram-se Vénus, considerada a deusa do amor e uma das muitas

formas de personificar o próprio sentimento, e também a representação da castidade,

através das Três Graças. Assim, pode considerar-se que Botticelli utilizou a

personificação em dois patamares distintos, representando a estação da Primavera 53 Sandro Botticelli, nasceu a 1 de Março de 1445 e faleceu a 17 de Maio de 1510. Foi protegido pelos Médici, família política italiana de grande valor e posse, para quem frequentemente concretizava obras de caráter mitológico. 54 Blech, Benjamin; Doliner, Roy. (2009) Os Segredos da Capela Sistina. p.45.

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através de um conjunto de figuras humanas, ou de outra forma, personificou o todo

através de pequenas partes, e também conseguiu atribuir qualidades e corpos humanos a

conceitos como a fertilidade, o amor e a castidade através do simbolismo das

personagens demonstradas.

Na personificação é facultativa a utilização das caraterísticas e qualidades humanas,

pertencentes a qualquer plano, na sua plenitude. Acredita-se, portanto, ser possível

confirmar a utilização de apenas uma parte do corpo humano como forma de

personificação na pintura de Gustave Courbet55 intitulada de L’Origine du Monde,

criada a 1866. Na obra pode observar-se a representação dos genitais de uma mulher,

que podem ser facilmente associados à fertilidade e ao nascimento. Assim sendo, se se

traduzir o título da obra de Courbet, obtém-se A Origem do Mundo, título que acaba por

ser personificado pela parte genital da mulher devido às conotações que esta comporta

em si mesma, transmitindo a mensagem no seu total não recorrendo ao corpo feminino

no seu todo.

Também Frida Kahlo56 se serve da personificação como meio para representar ideias

abstratas, neste caso específico, a Morte. Na sua obra, Thinking about Death de 1943, a

artista representa-se a si própria num autorretrato em que no centro da sua testa pinta

uma circunferência que contém uma caveira e um osso. Neste caso, a caveira é um

ícone geralmente associado a algo letal ou perigoso, contudo, é também parte da

constituição óssea do ser humano.

Domenico Tintoretto57, nas suas pinturas alegóricas, como a Personificação da

Fidelidade, pintura realizada ente 1595 e 1599, também personifica a própria emoção

através de uma figura feminina, juntamente a símbolos próprios daquilo que é a

fidelidade, ou seja, dois cães.

Ambos os artistas apresentados anteriormente servem-se da figura humana como apoio

para símbolos que intensificam as ideias abstratas que se pretendem personificar. Como

consequência, estes mesmos símbolos, podendo ser ou não vivos, providenciam às

pinturas a facilidade de identificação com a mensagem que se quer passar.

55 Nascido a 10 de Junho de 1819, Courbet foi um pintor francês que se destacou no movimento artístico realista durante o século XIX. Faleceu a 31 de Dezembro de 1877. 56 Frida Kahlo foi uma pintora mexicana, nascida a 6 Julho de 1907 e é frequentemente reconhecida pelos seus autorretratos. A pintora faleceu a 13 de Julho de 1954. 57 Tintoretto, pintor italiano, nasceu a 1560 em Veneza. Crê-se que a sua maior contribuição para a pintura foram os seus retratos, pois costumava receber trabalhos por parte de figuras da realeza. Faleceu a 17 de Maio de 1635.

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3. A obra de Italo Calvino: “As Cidades Invisíveis” 3.1 Contextualização As Cidades Invisíveis, de título original Le città invisibili, foi publicado em 1972,

inicialmente em italiano, pela Giulio Einaudi Editore. O seu autor, Italo Calvino, nasceu

a 15 de Outubro de 1923, e faleceu a 19 de Setembro de 1985. Foi um jornalista e

escritor italiano com diversas obras publicadas, de entre as quais, se podem destacar, Il

visconte dimezzato, Il barone rampante e Il cavaliere inesistente, que integram a trilogia

I nostri antenati, ou Os Nossos Antepassados, publicada entre 1952 e 1959, Le

cosmicomiche, uma obra que contém pequenos contos, publicada em 1965, e, de maior

importância para esta dissertação, Le città invisibili.

É importante notar que Italo Calvino é considerado, até mesmo na atualidade, um dos

grandes escritores italianos, e diversos colunistas e autores literários europeus viram a

sua morte como uma perda de proporções catastróficas para o mundo da literatura, tal

como escreve Gore Vidal58 em The New York Review of Books.59

Relativamente à obra As Cidades Invisíveis, sobressai de imediato a base sobre a qual

foi construída e o seu forte caráter surrealista. O livro retrata uma conversa entre Marco

Polo e Kublai Khan60, em que a primeira personagem fala de cinquenta e cinco cidades

que supostamente terá visitado durante as suas viagens. Do ponto de vista do leitor,

percebe-se rapidamente que as cidades descritas por Polo são completamente

imaginárias, e inconcebíveis na realidade, pois desabariam em ruína devido a todos os

elementos díspares que as compõem. Cada cidade é descrita, em média, em uma ou

duas páginas. Em termos de estrutura, a obra apresenta-se dividida em cinquenta e cinco

pequenas histórias, cada uma referente a uma cidade diferente. Para além dos contos, o

livro está dividido em nove capítulos, que são antecedidos e precedidos de partes do

58 Gore Vidal foi um dramaturgo e autor literário americano, nascido a 3 de Outubro de 1925. Faleceu a 31 de Julho de 2012. As suas obras são consideradas controversas pelos temas que abrangem e foi candidato político por duas vezes. Para além disso, foi colunista e crítico político e literário. 59 The New York Review of Books é uma revista quinzenal, que se foca em artigos sobre economia, cultura, literatura e ciência. Foi também a revista para a qual Gore Vidal escreveu sobre Italo Calvino, na edição de 21 de Novembro de 1985, visível em: <URL: http://www.nybooks.com/articles/1985/11/21/on-italo-calvino/ > (consultado a 26 de janeiro de 2016). 60 Marco Polo e Kublai Khan são as duas personagens principais de As cidades invisíveis. Para além disso, são também duas entidades históricas. Marco Polo foi um mercador e viajante que ficou mais conhecido pelos seus relatos acerca do continente asiático, que inspiraram, consequentemente, exploradores como Cristóvão Colombo. Já Kublai Khan foi considerado o quinto Grande Khan do Império Mongol e o fundador da dinastia Yuan, que teve controlo sobre a maior parte da Ásia Oriental. Ambas as personagens encontram-se aquando da chegada de Polo, seu pai e o seu tio à corte de Khan.

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diálogo entre Marco Polo e Kublai Khan. Estes mesmos capítulos organizam-se de uma

forma simétrica, sendo que o primeiro e o nono capítulos, contêm dez contos, e os

restantes apenas incluem cinco cada um. Existem também onze temas, tendo cada tema

cinco cidades pertencentes que serão exploradas no capítulo seguinte.

É de grande importância para esta dissertação mencionar que todas as cidades são

dotadas de um nome feminino, o que já resultou em diversas teorias, sendo a mais

recorrente a de que Calvino, ao descrever as cidades, está na verdade a descrever

mulheres, ou personagens femininas fantásticas, como afirma Jorge Candeias, autor

literário e escritor jornalístico, no seu artigo para a revista E-nigma61, revista online de

ficção científica e literatura.

A análise que será realizada de seguida, constitui um grande peso pois evidencia o

assunto geral de cada tema da obra, bem como a personalidade de cada cidade. Com

isto, procura-se encontrar elos de ligação entre as caraterísticas apresentadas. Desta

forma, será possível personificar cada cidade, mantendo a mairo parte da sua mensagem

original, criando uma relação com o leitor e a obra em questão.

Outro dos pontos de vista que apresenta algum peso para os objetivos que se pretendem

atingir é o de Minna Proctor62 no seu texto para o The Literary Review63 onde defende

que As Cidades Invisíveis, não é uma história no seu todo, mas sim uma tentativa de

ordenar e compreender as repercussões emocionais e filosóficas da civilização, da

sociedade e dos limites da condição e mente humana. Proctor afirma ainda que cada

cidade representada no livro é onírica e concetual e que a obra no seu todo, desde o

diálogo entre Marco Polo e Kublai Khan até às cidades fictícias, pode ser vista como

um olhar sobre instituições e personagens que carregaram grande poder ao longo da

história, como os impérios, a política, as terras e os dialetos.

61 Jorge Candeias escreveu sobre Italo Calvino para a revista E-nigma na edição publicada a 8 de Fevereiro de 2002, e que voltou a ser publicada novamente a 20 de Julho de 2003. O artigo de Candeias está também disponível em <URL: http://ficcao.com.pt/E-nigma/criticas/cidadesinvisiveis.html> (consultado a 28 de janeiro de 2016). 62 Minna Proctor é a editora do The Literary Review e é também autora literária. É de referir que é professora do mestrado em Escrita Criativa da Fairleigh Dickinson University. 63 The Literary Review é uma revista americana, publicada internacionalmente pela Fairleigh Dickinson University, que se foca em demonstrar pequenas obras literárias de diversos países traduzidas em inglês. O artigo escrito por Minna Proctor sobre Italo Calvino, encontra-se também disponível em <URL: http://www.theliteraryreview.org/issue/invisible-cities/> (consultado a 28 de janeiro de 2016).

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Também Italo Calvino se pronuncia sobre a sua própria obra, apontando as múltiplas

possibilidades de interpretação possíveis sobre As Cidades Invisíveis, enquanto assegura

que as cidades descritas são na realidade, a estrutura mais complexa que encontrou para

transmitir as suas vivências e os seus ideais:

Um símbolo mais complexo, que me deu as maiores possibilidades de

exprimir a tensão entre a racionalidade geométrica e o emaranhado das

existências humanas, foi o da cidade. O livro em que creio que disse mais

coisas continua a ser Le città invisibili (As cidades invisíveis), porque

consegui concentrar num único símbolo todas as minhas reflexões,

experiências e conjecturas; e também porque construí uma estrutura

multifacetada em que cada texto curto está próximo dos outros numa

sucessão que não implica uma consequencialidade ou uma hierarquia, mas

sim uma rede dentro da qual se poderão traçar múltiplos percursos e extrair

conclusões plurais e ramificadas. 64 3.2 Tipos de cidades Como foi referido na contextualização sobre As cidades invisíveis, conduzida no

capítulo anterior, a obra está dividida em nove capítulos e onze temas, sendo os

mesmos, “As cidades e a memória”, “As cidades e o desejo”, “As cidades e os sinais”,

“As cidades subtis”, “As cidades e as trocas”, “As cidades e os olhos”, “As cidades e o

nome”, “As cidades e os mortos”, “As cidades e o céu”, “As cidades contínuas”, e por

fim, “As cidades ocultas”.

Pretende-se de seguida, realizar a análise dos onze tipos de cidades existentes para

conseguir compreender os elementos a partir dos quais estas cidades são erguidas nos

textos, a forma com que o leitor se pode relacionar com as cidades e de que forma será

possível enquadrar as caraterísticas de cada uma das cinquenta e cinco cidades nos

objetivos e ilustrações a que esta dissertação se propôs atingir.

Após a compreensão dos elementos apresentados em cada um dos textos de Calvino,

pode-se então prosseguir para a disposição dos mesmos, nas personagens que serão

criadas como representações das cidades. Entra então em vigor o processo de

personificação de cada cidade. Proporcionar-se-á a cada uma das cinquentas e cinco

64 Calvino, Italo. (1990). Seis propostas para o próximo milénio. p. 89.

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entidades um corpo, alterado no que toca à sua fisionomia e estrutura, vestuário e

objetos com que interage na ilustração, bem como a pose em que a personagem se

encontra, procurando sempre representar aquilo que se pensa ser a essência de cada

cidade.

3.2.1 As cidades e a memória A primeira cidade que surge perante o leitor em As Cidades Invisíveis, é Diomira, uma

das cinco cidades que se enquadra no tema da memória. Este mesmo tema alberga ainda

outras quatro cidades, sendo elas, Isidora, Zaira, Zora e Maurília.

Após a análise dos textos referentes às cidades integrantes do tema, sobressai as várias

descrições realizadas por Calvino, de forma a criar um espaço, tal como relata em

Diomira:

Partindo-se dali e andando três dias para levante, o homem encontra-se em

Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos

os deuses, ruas pavimentadas a estanho, um teatro de cristal e um galo de

ouro que canta no alto de uma torre todas as manhãs.65

Assim, pode obter-se a ideia de que as cidades que se encontram ligadas à memória,

manifestam a sua identidade e a sua substância através de espaços que sejam

memoráveis para a pessoa que por lá passa ou espaços que possam despoletar

significados, sejam eles quais forem, para o indivíduo.

Seguindo o exemplo anterior, crê-se poder distinguir duas formas de memória. A

primeira, a memória individual e pessoal, ou seja, a organização da cidade está

inteiramente dependente das vivências e experiências da pessoa que interage com a

mesma, e, devido aos diversos elementos que podem ser dispostos de diferentes formas

dentro da própria cidade, tais como, as “sessenta cúpulas de prata”, as “estátuas de

bronze de todos os deuses”, e as “ruas pavimentadas a estanho”, a identidade da cidade

pode adquirir diversas disposições conforme a interpretação da pessoa que interage com

a mesma.

Surge depois um segundo conceito de memória, a memória coletiva, ou seja, neste caso,

elementos da cidade que poderão ser reconhecidos por todas as entidades que por lá

65 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 15.

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passam, em qualquer que seja a organização da cidade, tal como se destaca o “teatro de

cristal” e o “galo de ouro que canta no alto de uma torre todas as manhãs”.

É de sublinhar o fato de que as noções de memória acima descritas aplicam-se também

a entidades vivas descritas nos textos de Calvino, visível em Zaira:

(...), mas sim das relações entre as medidas do seu espaço e os

acontecimentos do seu passado: a distância a que está do solo um lampião e

os pés a balançar de um usurpador enforcado; o fio estendido do lampião à

varanda da frente e os arcos que enfeitam o percurso do cortejo nupcial da

rainha; a altura daquela varanda e o salto do adúltero que a galgava de

madrugada (...)66

Apesar de se apresentarem personagens como um “usurpador enforcado” e um

“adúltero”, as mesmas são indefinidas o suficiente para serem organizadas conforme o

leitor preferir e em que quantidade se quiser. Já a “rainha” comporta em si mesma a

ideia de estatuto social alto e de líder, o que consequentemente, faz com que transforme

num elemento único da cidade.

É percetível uma sequência quanto à criação dos textos pertencentes a “As cidades e a

memória”. Subscreve-se, portanto, a teoria de Ana Carina Oliveira Silva, na sua

dissertação de mestrado67 onde afirma que, com o surgimento de cada uma das cidades,

o leitor obtém uma determinada ilusão, apenas para se desiludir imediatamente na

continuação da leitura.

Assim, ao surgir Diomira como primeira das cidades, o leitor nota uma sensação de

felicidade, talvez material, devido aos materiais mencionados no texto referente à

cidade, apenas para no final concluir que essa mesma sensação, não passa de um sonho.

A cidade seguinte, Isidora, serve-se do desejo anterior para dizer ao leitor que, na

realidade, esse desejo de uma cidade perfeita, já se tornou uma recordação; “Assim,

Isidora é a cidade dos seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada continha-o

jovem; a Isidora chega em idade tardia.”68

66 Idem, p. 18. 67 Cf. Silva, Ana Carina Oliveira. (2013) Para uma Cartografia Imaginária: Desfragmentação de “As Cidades Invisíveis” de Italo Calvino, dissertação de Mestrado em Arquitetura, Universidade de Minho – Escola de Arquitetura. 68 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 16.

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Calvino, através de Zaira, a terceira das cidades interligadas com a memória, apodera-se

das recordações para reproduzir a cidade, sendo que esta é transmitida através do seu

passado, que está embutido nos seus edifícios e nos habitantes da própria cidade.

Em Zora, o indivíduo encontra-se preso numa repetição constante dos elementos

constituintes da cidade, através de uma sequência. Isto é, na verdade, um mecanismo da

própria cidade para se manter na memória de quem a visita, transmitindo uma falsa

noção de dinamismo, quando na realidade, a cidade mantém-se sempre igual.

Por fim, com Maurília, a pessoa é convidada a entrar numa nostalgia ilusória, por

encontrar tentativas de demonstrar a cidade como ela teria sido no passado durante o seu

apogeu, através dos edifícios e objetos que encontra. Contudo, Maurília, é apenas uma

cidade como tantas outras, que procura manter a sua glória de outrora, sem obter

resultados que lhe sejam favoráveis.

3.2.2 As cidades e o desejo Analisemos agora o tema do desejo, em “As cidades e o desejo” que é constituído pelas

cidades denomidadas de Doroteia, Anastásia, Despina, Fedora e Zobaida. Tal como no

caso das cidades referentes à memória, pode-se destacar uma dicotomia de conceitos

nesta temática, sendo ela a contraposição do conceito de utopia e de distopia, presentes

nos textos de Calvino. Crê-se que os fatores decisivos para a construção destas cidades e

da sua personalidade são o sonho, a necessidade de atingir sempre um patamar mais alto

por parte do ser humano, e consequentemente o próprio desejo, levando a pessoa a

receber estímulos para que evolua criativamente.

Atente-se também nas ideias de Lewis Mumford69 na sua obra História das Utopias, em

que afirma que a pessoa vive em dois mundos distintos, sendo estes o mundo interior e

o mundo exterior. O autor apresenta o mundo interior segundo a palavra idolum, que

pode ser traduzida por “mundo das ideias”. Este mundo poderá ser visto na filosofia

como a subjetividade e na teologia como a espiritualidade. É também, o mundo interior

que importa para esta temática do desejo.

69 Lewis Mumford foi um autor e crítico literário, bem como um sociólogo e investigador na área da arquitetura. Nasceu a 19 de Outubro de 1895 e faleceu a 26 de Janeiro de 1990. Obteve reconhecimento no seu trabalho literário sobre o urbanismo, a tecnologia e a desumanização que esta representa para a sociedade.

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De uma forma diferente da sequência encontrada na temática anterior, “As cidades e o

desejo” não se criam alimentando-se do sentimento deixado pela cidade antecendente.

Existe um conceito principal, o de utopia, a criação de uma cidade ideal e perfeita, que

ao longo da leitura se torna num ideal negativo, ou de antiutopia.

A primeira leitura deste tema surge com a cidade de Doroteia, que leva o indivíduo a

encontrar o desejo de uma cidade perfeita, de uma vida completa, como se entende em

“Com o passar dos anos os meus olhos voltaram a contemplar as imensidões do deserto

e as pistas das caravanas; mas agora sei que este é só um dos muitos caminhos que se

abriam à minha frente nessa manhã em Doroteia.”.70 O leitor segue depois para

Anastásia, que rapidamente se torna na cidade que utiliza o desejo como meio

escravizante, levando a pessoa que a visita a contentar-se com uma falsa felicidade:

A cidade aparece-nos como um todo em que nenhum desejo se perde e de que

nós fazemos parte, e como ela goza de tudo de que nós não gozamos só nos

resta habitar este desejo e satisfazermo-nos com ele. Este poder, que

consideram ora maligno ora benigno, tem-no Anastásia, cidade enganadora:

se durante oito horas por dia trabalharmos como entalhadores de ágatas

ónixes crisoprásios, a nossa fadiga que dá forma ao desejo toma do desejo a

sua forma, e julgamos gozar por toda Anastásia enquanto afinal não

passamos de seus escravos.71

De Anastásia, segue-se para Despina em que, por se apresentar de formas diferentes

consoante a entrada da cidade, quer seja por mar ou por terra, traduz o desejo do

indivíduo por aquilo que não pode atingir ou que não tem, pois aqueles que se

aproximam da cidade por mar, visualizam-na como cidade terrestre, e aqueles que a

adentram, compreendem-na como uma cidade marítima.

Aparece, de seguida, Fedora, cidade que não obedece ao desejo do indivíduo, pois

enquanto o mesmo consome o seu tempo a desejar uma ideia perfeita da

cidade, Fedora já o ultrapassou e moldou-se às necessidades da sua população devido às

suas formas simples e primitivas. Finalmente, o leitor conhece Zobaida, que comporta

em si mesma, a transformação do desejo utópico em armadilha mortal, sendo descrita

como “esta feia cidade, esta ratoeira.”72

70 Calvino, Italo. (2011). As Cidades invisíveis. p. 17. 71 Idem, p. 20-21. 72 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 56.

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É nesta última cidade que o desejo e o sonho morrem, para dar lugar a uma vida

incompleta, pois atingir aquilo que se sonhou é irreal.

3.2.3 As cidades e os sinais

Os apólogos73 do tema “As cidades e os sinais” transmitem a noção de que existe uma

forma de comunicação entre as cidades e a pessoa que as visita. Esta comunicação é

realizada através dos sinais, ou signos que se encontram em cada uma das cidades e que

também lhes proporcionam individualidade e personalidade. Destacam-se então, as

cinco cidades integrantes deste tema: Tamara, Zirma, Zoé, Hipácia e Olívia.

Os mesmos sinais utlizados na comunicação entre as duas entidades, são também

aqueles que tornam possível a relação da pessoa com o espaço envolvente, e que

consequentemente a levam a desenvolver uma relação com o mesmo. Para a melhor

compreensão desta relação, é necessário compreender primeiro os sinais.

Segundo Charles W. Morris, filósofo, e adepto de semiótica, americano, estes sinais, ou

signos, podem ser analisados segundo três formas diferentes: semântica, ou seja, o

simbolismo do sinal perfaz toda a existência do mesmo, sintática, em que o sinal é

considerado compreensível enquanto estiver inserido dentro de uma sequência de sinais.

Por fim, a forma pragmática, onde, para confirmar e suportar a existência do sinal, é

necessário conhecer a sua origem, e também os vários significados que podem ser

obtidos do mesmo signo.

É também importante separar o conceito de sinal do conceito de código, para se

compreender as cidades deste tema. O sinal, é algo visível que comporta consigo uma

mensagem, que é depois compreendida de diferentes formas, por diferentes indivíduos.

Já o código traduz-se pelo processo que possibilita ao indivíduo relacionar diferentes

sinais.

A diferenciação entre sinal e código, importa principalmente à cidade de Tamara, a

primeira das cinco do tema dos sinais. Ao entrar em Tamara, os olhos do viajante “não

73 ([ɐˈpɔluɡu]. s. m. (Do lat. apolŏgus < gr. apólogos “narrativa”). Literat. Pequena história alegórica que encerra uma lição ou ensinamento moral.) Academia das Ciências de Lisboa. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Editorial Verbo, Volume I, Lisboa, 2001 p. 298).

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veem coisas, mas sim figuras de coisas que significam outras coisas”74, ou seja, o sinal

está completamente separado do código que lhe é correspondente, levando à confusão

da pessoa ao deixar a cidade.

Já em Zirma, a “memória é redundante: repete os sinais para que a cidade comece a

existir.”75 É assim que na mente da pessoa Zirma se desenvolve, a quantidade de sinais,

quer sejam iguais ou diferentes, que existem dentro da cidade varia conforme a mente

de cada indivíduo.

Passa-se depois para Zoé, a cidade em que a diferença entre sinais é inútil, pois todos os

espaços da cidade são idênticos, podendo-se realizar as mesmas tarefas e trabalhar nas

mesmas profissões em qualquer parte de Zoé, inutilizando o conceito de sinal, pois nada

muda de edifício para edifício.

Hipácia pode ser equiparada ao primeiro choque cultural aquando da mudança de país

por parte de uma pessoa, ou seja, não só existe uma barreira linguística, mas também se

ergue uma barreira entre o indivíduo e os sinais específicos, contudo recorrentes da

própria sociedade e cultura local. É de notar que os sinais e ícones apresentados não são

necessariamente estranhos a quem entra em contato com os mesmos, apenas não

parecem fazer sentido ao primeiro olhar.

Como fim deste tema, Calvino dá a conhecer Olívia, uma cidade que mascara os seus

signos mais obscuros, talvez com pouco sucesso:

Se houvesse uma Olívia realmente de janelas e pavões, de arreeiros e

tecelões de tapetes e canoas e estuários, seria um miserável buraco negro de

moscas, e para o descrever deveria recorrer às metáforas da fuligem, do

chiar das rodas, dos gestos repetidos, dos sarcasmos. A mentira não está no

discurso, está nas coisas.76

Parece então que Olívia apesar dos sinais ricos e ostensivos não consegue deixar de

mostrar as suas partes menos requintadas, deixando passar toda a malícia e podridão que

contém.

74 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 22. 75 Idem, p. 28. 76 Ibidem, p. 71.

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3.2.4 As cidades subtis Preste-se agora atenção às cidades consideradas subtis. Deste tema destacam-se cinco

das muitas cidades de Italo Calvino: Isaura, Zenóbia, Armila, Sofrónia e Otávia. Destas

cidades, pode-se entender desde o início da leitura que estão quase todas, de alguma

forma construídas na vertical, ou elevadas do solo.

Isaura encontra-se situada sobre um poço subterrâneo apresentando uma relação frágil

entre a superfície e a parte subterrânea da cidade. Pode-se então pensar na parte

subterrânea de Isaura, como condicionante da superfície, retirando-se daqui uma

alegoria ao interior e exterior do ser humano. Zenóbia é elevada a vários metros do solo

através de um sistema de grandes estacas de madeira, ou como são denominadas pelo

autor, palafitas, o que apresenta o ideal de beleza da contemporaneidade, ou seja, as

formas esguias e altas. Ainda assim, Zenóbia, por se suportar no alto através de um

sistema tão delicado corre grandes riscos de cair em destruição. Armila, por sua vez, é

apenas constituída das suas canalizações de aço e ferro que se erguem na vertical.

Sofrónia, a quarta cidade subtil, demonstra ao mesmo tempo, duas faces da cidade, que

desde logo são opostas. A cidade apresenta uma parte circense e que lembra os festivais,

as feiras e os parques de diversões, e uma segunda parte da cidade que é completamente

feita de mármore e cimento tornando-se assim uma cidade pesada e sem grande vida.

Curiosamente, é a parte cimentada de Sofrónia que desaparece e que é descartada, para

mais tarde se renovar. Otávia, pode ser compreendida como uma teia de aranha, pois

está suspensa entre duas montanhas, a centenas de metros do chão e é composta quase

toda por rede, pontes e casas suspensas.

Analisando estas cidades, acredita-se que Calvino procura transmitir a noção de leveza e

efemeridade, pois desde as palafitas de Zenóbia, às teias de Otávia, os sistemas de

suporte para as cidades subtis parecem ser, mesmo que seguros, um tanto frágeis. A

leveza e efemeridade das cidades subtis são desejadas também por Kublai Khan, que

sente que o seu império está debaixo de uma pressão imensa.

Ora muitos anos de abundância tinham atulhado os celeiros. Os rios

transbordantes arrastaram florestas de traves destinadas a suster tetos de

bronze de templos e palácios. Caravanas de escravos deslocaram montanhas

de mármore serpentino através do continente. O Grão Kan contempla um

império recoberto de cidades que têm peso sobre a terra e sobre os homens,

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a abarrotar de riquezas e de movimento, repleto de ornamentos e de

incumbências, complicado de mecanismos e de hierarquias, inchado, largo,

pesado.77

3.2.5 As cidades e as trocas Para criar relações entre indivíduos, ou mesmo entre um espaço e uma pessoa, é

necessária a existência de trocas, quer sejam físicas ou não. É sobre este tema que o

leitor reflete quando lê “As cidades e as trocas”. Como todos os outros temas,

descobrem-se cinco novas cidades, Eufémia, Cloé, Eutrópia, Ersília e Esmeraldina. Ao

longo desta temática, denota-se a relação que a pessoa pode ter com a cidade e com os

seus habitantes através do comércio, da rotina, dos itinerários que toma no seu dia-a-dia,

fazendo com que ao mesmo tempo, se conheça melhor o indivíduo e a cidade em que se

encontra.

Nesta temática, pode-se falar também de Marc Augé, autor literário, antropólogo e

etnólogo francês, que diferencia nas suas obras o termo não-lugar e lugar, este segundo

ligado à antropologia, ou seja, o estudo do homem e da humanidade. O primeiro termo,

o não-lugar, pode ser entendido como um espaço completamente desprovido de

personalidade e de simbolismo, ou seja, é um espaço com o qual a pessoa não possui

qualquer relação. O lugar, por outro lado, é o espaço que está repleto de simbolismos, e

com o qual a pessoa cria um elo de ligação, atendendo sempre às necessidades culturais

e sociais em que está inserida.

Após o entendimento daquilo que significa um não-lugar e um lugar, pode dar-se início

à reflexão sobre “As cidades e as trocas”. Ao analisar a primeira cidade, Eufémia, nota-

se que a população que as habita, ainda que de forma cautelosa, promove as relações

pessoais por diversos meios, como o ato de contar uma história a alguém, tornando a

própria cidade, num lugar, tal como definido por Augé.

Já a segunda cidade, Cloé e a terceira cidade, Eutrópia, não partilham da mesma visão

da cidade de Eufémia. Pelo contrário, promovem a necessidade de cada pessoa esconder

a sua vida, ou mudá-la constantemente, fazendo com que, no fim, o indivíduo não tenha

criado qualquer tipo de relação com aqueles que vivem perto de si, nem com a própria

cidade, tornando estas cidades em não-lugares.

77 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 83.

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A quarta cidade, Ersília, apresenta uma mistura de lugar e não-lugar, atribuindo a ambos

os conceitos um prazo de expiração, visto que a cidade sobressai devido às ligações que

cada pessoa faz com as demais através de linhas, que, após encherem a cidade, os

próprios habitantes de Ersília, tomam a decisão de deliberada de abandonar a cidade,

atribuindo-lhe caraterísticas de um não-lugar.

Esmeraldina, a última cidade constituinte deste tema apresenta-se de forma semelhante

a Ersília. A quinta cidade é nada mais, nada menos do que uma encruzilhada de

caminhos, o que proporciona aos seus cidadãos as duas realidades daquilo que é um

lugar e um não-lugar. Nesta cidade, o indivíduo depara-se com uma escolha, a de uma

vida de aventureiro, o que levará a um não-lugar, pois a cidade continuará a apresentar a

cada dia novos caminhos para tal indivíduo percorrer, ou a escolha de uma vida

rotineira, ou seja, a cidade não irá apresentar mudanças drásticas, o que leva a pessoa a

ver Esmeraldina como um lugar no qual pode criar relações duradouras:

Assim poupa-se o tédio de percorrer todos os dias as mesmas ruas aos

habitantes de Esmeraldina. (...)Combinando segmentos dos diferentes

trajetos aéreos ou à superfície, os habitantes dão-se todos os dias à distração

de um novo itinerário para ir ao mesmos lugares. As vidas mais rotineiras e

tranquilas em Esmeraldina decorrem sem se repetirem.78 3.2.6 As cidades e os olhos A temática dos olhos remete instantaneamente para a visão. Contudo, Calvino com as

cidades de Valdrada, Zemrude, Bauci, Fílias e Moriana não pretende apenas ver

baseado na visão de espetador. Com tal afirmação, pretende-se explicar que apesar do

ser humano utilizar os olhos para ver aquilo que o rodeia, a realidade é que essa mesma

visão está fortemente condicionada por diversos fatores que podem ou não ser

controlados, como o humor, a própria personalidade, as crenças e os ideais.

Ao conhecer a cidade de Valdrada o indivíduo é forçado a experimentar a cidade de

duas formas que não se separam. Com isto quer-se dizer que, o fato de Valdrada ser

constantemente refletida nas suas águas, produz nos seus habitantes a constante

necessidade de terem consciência dos seus próprios atos e palavras, pois a mesma

78 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 99.

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“proíbe-os de se abandonarem por um só instante ao acaso e ao esquecimento.”79

levando-os a viver assombrados pela preocupação daquilo que poderá ser refletido nas

águas que funcionam exatamente como um espelho.

Zemrude, a segunda cidade que se serve da visão para se mostrar ao leitor, mantém a

mesma ideia da existência de várias formas de experienciar a cidade, contudo, a mesma

depende exclusivamente do humor de quem entra em contato com Zemrude: “É o

humor de quem a olha que dá à cidade de Zemrude a sua forma.”80 O viajante que

percorre esta cidade de queixo erguido e com orgulho, vê a cidade de uma forma

iluminada, enquanto que aqueles que a percorrem com arrependimento vêem um lado

da cidade oculto e escuro.

Ao se chegar aos terrenos de Bauci, a cidade é invisível de certa forma. Na realidade

Bauci, é uma cidade escondida no meio das nuvens, pois os seus habitantes possuem

visões diferentes relativamente à vida no solo, o que leva o leitor a questionar-se sobre

as suas próprias ideias:

Três hipóteses se põem sobre os habitantes de Bauci: que odeiam a Terra;

que a respeitam a ponto de evitar qualquer contacto; que a amam tal como

ela era antes deles e com binóculos e telescópios apontados para baixo não

se cansam de passá-la em resenha, folha a folha, pedra a pedra, formiga por

formiga, contemplando fascinados a sua própria ausência.81

Com a quarta cidade, Fílias, a visão cansa-se, ou seja, tal como uma criança que ao

receber um brinquedo novo, sente-se entusiasmada, o viajante, quando olha para Fílias,

vê uma cidade, ao primeiro olhar, perfeita, contudo, tal como a criança, passado algum

tempo, que se cansa do brinquedo que outrora fora motivo de excitação, Fílias também

parece envelhecer, e cai numa monotonia interminável.

Finalmente, chega-se a Moriana e a cidade pode-se comparar a Valdrada, no sentido em

que ambas têm uma face oculta. Enquanto que as águas de Valdrada funcionam como

um espelho, Moriana pode ser compreendida como um cenário utilizado em teatro. A

cidade, à vista desarmada, parece ser bela e perfeita, contudo, quando o indivíduo

79 Calvino, Italo. (2011). As Cidades invisíveis. p. 63. 80 Idem, p. 76. 81 Ibidem, p. 87.

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encontra a parte traseira da cidade, apenas vê uma cidade morta e sem vida,

representada pelos materiais escuros e sujos que se encontram na cidade.

3.2.7 As cidades e o nome Quando se lê os textos de “As cidades e o nome”, é necessário que se compreenda a

identidade da cidade através do simbolismo que as palavras apresentam consoante os

habitantes. Conhecem-se então as cincos cidades, de nomes, Aglaura, Leandra, Pirra,

Clarice e Irene.

Estas cidades, apesar de só terem um nome, o que seria de esperar que fosse um fator

limitador da identidade da cidade, estão em constante mudança. Os espaços que

compõem a cidade são criados a partir dos vários estímulos que levam os habitantes a

criarem memórias, sonhos, desejos e ilusões sobre esses mesmos espaços.

Ao refletir sobre o conceito de lugar definido por Marc Augé, com o qual um indivíduo

cria uma ligação, não pode ser de forma alguma delimitado apenas pelo nome que lhe é

atribuído. Existem muitos mais fatores dentro da própria palavra “lugar”, que lhe

conferem uma definição mais vasta do que aquela que o nome lhe pode dar.

Analisando Aglaura, a primeira de “As cidades e o nome” há uma disparidade no

conceito da cidade como ela é comparado ao conceito que os seus habitantes

apresentam sobre a mesma. Aquilo que se diz de Aglaura não é aquilo que realmente a

cidade é. Contudo, as comparações e afirmações presentes nos discursos dos habitantes

desta cidade são, por vezes, mais impactantes do que a cidade propriamente dita,

podendo criar falácias em torno de Aglaura. Contudo, apesar da cidade não ter tanto

impacto quando os habitantes fazem crer, existem pequenas partes de Aglaura que, a

meio da monotonia e da sujidade sobressaem como pequenos momentos preciosos.

Leandra é um campo de batalha entre duas fações, os seus nativos, ou, “Lares” e os

habitantes passageiros, ou “Penates” como referidos por Italo Calvino na sua obra.

Dentro da cidade, ambos os lados discutem a titularidade da cidade, com os Penates a

defenderem que a cidade deve ser um espaço a ser utilizado como passagem, contudo

provido de memórias das suas famílias e dos seus antepassados, enquanto que os Lares

afirmam que Leandra deve ser uma cidade para famílias que durem longas gerações e

que passem os seus costumes de geração para geração.

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Pirra, é visualizada pelas pessoas que pensam nela como um determinado tipo de

cidade, com uma determinada disposição e com uma imagem extremamente nítida e

detalhada. Quando os mesmos indivíduos encontram a cidade que é realmente Pirra,

entram em choque, apenas pelo fato de que a verdadeira cidade não é em nada

semelhante àquilo que tinham premeditado nas suas mentes. Dá-se então um período de

desconforto na pessoa pois, a imagem criada previamente desmonora-se, dando lugar à

verdadeira cidade.

Chegando a Clarice, vê-se explícita a mudança constante ao longo do tempo na própria

cidade. Apesar de manter o nome de Clarice, as mudanças na simbologia, na população,

na localização, na sociedade e na sua cultura estão bastante presentes na cidade, levando

o nome que manteve desde sempre a sofrer mudanças na sua definição. Clarice pode

comparar-se então a uma borboleta, que renasce continuamente do seu casulo e que

guarda apenas pequenos pormenores daquilo que foi outrora como recordações.

A quinta cidade relacionada com o nome é Irene, a que Italo Calvino parece atribuir

alguma importância através de Marco Polo que afirma, “talvez eu já tenha falado de

Irene sob outros nomes; talvez não tenha falado senão de Irene.”82 Crê-se que a cidade

pode ser compreendida como um ideal do qual o ser humano tem medo, ou, o

desconhecido. Ao avistar Irene ao longe, a cidade é convidativa e mostra-se exuberante,

contudo, o indivíduo não pretende aproximar-se da cidade, pois tem noção de que a

cidade por dentro é completamente diferente da cidade que se apresenta por fora. Pode

então dizer-se que Irene veste uma máscara, nunca mostrando quem realmente é.

3.2.8 As cidades e os mortos Como o próprio tema indica, as cidades referentes à morte remetem para a análise

daquilo que é tido como o medo de morrer, a passagem para o desconhecido, a viagem

para aquilo que se conhece como o “além” e também a necessidade de se atingir a vida

eterna. Visitam-se nesta temática, cinco cidades que são chamadas por Melânia,

Adelma, Eusápia, Árgia e Laudomia.

Apesar de finito, o tempo que o ser humano vive proporciona-lhe oportunidades de

continuar o seu legado através daqueles que nascem depois dele. É com base nesse

conceito que Melânia existe. A primeira cidade fúnebre distingue-se não pelos seus

82 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 136.

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espaços, nem pela sua forma, mas sim pela sua população. Existem papéis definidos na

comunidade de Melânia, contudo não são representados eternamente pelas mesmas

pessoas. Os que morrem, dão lugar aos que nascem para representarem da melhor forma

que puderem. Passado algum tempo, os papéis sofrem também algumas mudanças, mas

a sua essência continua a mesma. Assim, Melânia descreve a morte como aliada da

continuidade através de uma peça de teatro que não tem fim.

Adelma, por outro lado, impõe-se com um ponto de vista diferente sobre a morte. A

cidade reflete algo semelhante ao que se chamaria de pesadelo. O sujeito, ao entrar em

Adelma, reconhece personagens que passaram pela sua vida e que agora estão mortas.

Encontram-se desde familiares, a amigos, a caras conhecidas, o que faz com que o

visitante sinta, não necessariamente a morte, mas a angústia inerente à mesma deixada

por aqueles que partiram.

As duas cidades anteriores descrevem pontos de vista diferentes sobre a morte. Eusápia,

ao contrário das cidades que lhe antecedem, traduz-se através de um ritual fúnebre que

pode ser equiparado à mumificação.83 Na realidade, Eusápia é composta por duas

cidades, a dos vivos e a dos mortos. Aquando da morte de alguém, o corpo é tratado

para resistir à passagem do tempo e é posteriormente levado para a cidade subterrânea

dos mortos, onde se procura

realizar as mesmas atividades da cidade dos vivos. Calvino, contudo, escreve sobre

Eusápia: Dizem que sempre que descem encontram qualquer coisa mudada na

Eusápia de baixo; os mortos trazem inovações à sua cidade; não muitas, mas

certamente fruto de reflexão ponderada e não de caprichos passageiros. De

um ano para o outro, dizem, a Eusápia dos mortos não se reconhece.84

Desta citação é possível indagar sobre dois fatores que parecem ser de grande

importância. O primeiro parece ser o reconhecimento da obra do ser humano depois da

sua morte, levando o leitor a pensar sobre os mestres dos mais diversos ofícios e artes

que apenas obtiveram o estatuto que têm na contemporaneidade após a sua morte.

Também se pode pensar sobre o fato de que devido ao tempo determinado e finito que a

pessoa tem para viver de forma completa até à sua morte, leva alguns a viverem a vida

83 Processo egípcio em que o corpo é destituído dos seus órgãos principais, fazendo com que o mesmo ganhe resistência à decomposição. O corpo é posteriormente enrolado em algodão ou linho. Por fim, o corpo é geralmente colocado num sarcófago. Este mesmo processo poderia demorar perto de dois meses. 84 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 120.

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de uma forma energética e irracional, conduzindo a uma vida mais propícia à morte

precoce.

Surge-nos depois Árgia, a quarta cidade mortuária, que simplesmente existe desprovida

de ar. Assim, a cidade está inteiramente submersa em terra, levando o leitor a pensar na

cidade como um cemitério desprovido de vida humana e onde apenas reinam os

parasitas e necrófagos.

Por fim, Laudomia reúne em si mesma, todos os conceitos apresentados nas cidades

anteriores. Procura-se a explicação para a morte, logo existe uma relação pessoal com a

mesma. Dá-se também o ritual de transporte dos mortos da cidade viva para a cidade

morta. Contudo, Laudomia, apresenta três espaços distintos, o mundo dos vivos, o

mundo dos mortos e o mundo dos não nascidos. Devido à existência desta tríade, dá-se

um crescimento descontrolado, ou seja, a Laudomia dos vivos cresce,

consequentemente, as vidas que acabam, adicionam-se aos números da Laudomia dos

mortos, e por fim, a Laudomia dos não nascidos provoca nas suas semelhantes algumas

inseguranças, pois não é uma cidade concreta, mas sim uma suposição das outras duas

de que existem multidões de seres ainda por nascer que tentarão usurpar a vida e a

glória após a morte das outras duas cidades.

3.2.9 As cidades e o céu Quando se pensa na palavra “céu” de um ponto de vista teológico, rapidamente se pensa

no conceito daquilo que é o paraíso, o espaço ideal e utópico, propício a uma vida

perfeita. Em “As cidades e o céu”, trata-se realmente do paraíso, contudo, alia-se o lugar

considerado perfeito àquele que é o seu antagonizante, o inferno, nomeadamente nas

cidades de Eudóxia e Bersabeia.

É visível também, nas cidades de Tecla e Períncia, a contraposição entre a construção da

própria cidade e a planificação e esboço da mesma, levando por fim, ao equilíbrio e à

harmonia na cidade de Andria.

Eudóxia, existe incorporada num longo tapete ornamentado e a sua verdadeira

identidade consegue passar despercebida facilmente. A cidade funciona como um

reflexo do céu, mesmo que alusivo à realeza é sujo e corrupto, acabando por se tornar

naquilo a que se pode denominar de inferno.

A cidade de Bersabeia que existe na terra tem dois exemplos a seguir, a Bersabeia

divina, que existe no céu e a Bersabeia infernal que existe no submundo. Os habitantes

da cidade terrena sonham com as riquezas da cidade celestial, contudo, esta última

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parece demonstrar as suas riquezas apenas para esconder a corrupção e a falta de

significado que tem. A cidade infernal, apesar de hedionda e destruída, é aquela que

parece conter a maior parte dos tesouros que realmente importam. Ainda assim, a

população da cidade terrena de Bersabeia, apenas atenta nos tesouros ilusórios da cidade

que vêem como celestial.

Na cidade de Tecla, apenas surgem as bases daquilo que seria uma cidade. Os seus

habitantes trabalham continuamente para erguer aquilo que será uma cidade. Contudo,

denota-se medo na população de Tecla, pois crêem que assim que terminarem a cidade,

a mesma desmoronar-se-á, visto que a sua construção é realizada sem qualquer tipo de

planificação ou esboço da cidade.

Períncia, pode ser entendida como uma cidade monstruosa. Ironicamente, a cidade foi

planificada até o mais pequeno dos pormenores, e após a sua construção, os cálculos e

medições através dos astros e das estrelas pareciam refletir a perfeição de Períncia.

A parte monstruosa de Períncia, não se demonstra na sua construção. Na superfície,

habitam cidadãos aparentemente normais. Por outro lado, nas cavernas e esgotos de

Períncia, a população já não é considerada normal. São aberrações, que sofreram

mutações genéticas e acabaram por nascer ou “com três cabeças ou com seis pernas.”85

Por fim, a cidade de Andria atende aos sonhos e desejos dos seus habitantes e os

mesmos construíram-na de forma a que permaneça eternamente em harmonia com o

céu. As mudanças que ocorrem no meio estrelar, ocorrem também, de alguma forma,

em Andria, e vice-versa, tornando-se esse o verdadeiro motivo pelo qual a cidade

apresenta um forte sentido de harmonia.

3.2.10 As cidades contínuas As cidades integrantes do décimo tema, “As cidades contínuas” remetem para assuntos

como a vida contemporânea e os ideais que se encontram presentes em algumas das

sociedades do presente. Destas cidades fazem parte, Leónia, Trude, Procópia, Cecília e

Pentesileia. Tratam-se então de assuntos como a evolução permanente das cidades e da

vida quotidiana, da necessidade de limpar os arrependimentos do passado e daquilo que

se sonha para o futuro. Ainda assim, Calvino, escreve sobre estas mesmas cidades numa

espécie de crítica à evolução que se dá na vida contemporânea.

85 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 154.

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Em Leónia, existe uma necessidade constante de se limpar a cidade dos resíduos

deixados pelo dia anterior. Acontece que, Leónia é a cidade detentora da produção em

massa, ou seja, todo o lixo que é criado, é transportado para os arredores da cidade,

sendo que em si mesma, a cidade é resplandecente e limpa, pois é livre do seu lixo, e os

seus habitantes usam produtos e roupas novas diariamente, talvez numa tentativa de

limparem o constante sentimento de culpa que têm.

Trude, a segunda das cidades contínuas, comporta em si a ideia de continuidade na

medida em que apenas se repete, sem nunca mudar. Devido a esta mesma repetição, a

cidade não possui caráter nem personalidade, apenas o mesmo esquema múltiplas vezes:

“(...), mas vais chegar a outra Trude, igual ponto por ponto, o mundo está coberto por

uma única Trude que não começa nem acaba, só muda o nome no aeroporto.”86

Procópia sofre o fenómeno de expansão em duas vertentes, na sua população, e na sua

dimensão. Tal como muitas cidades da atualidade, a população de Procópia está sempre

em constante crescimento, o que força a cidade a expandir-se também, de forma a que

consiga albergar todo o excesso de população que é gerado. No entanto, em Procópia a

pessoa acaba confinada a observar a cidade através de uma janela devido ao

crescimento acelerado da mesma cidade, pois não existe forma de viver do lado de fora

da cidade.

Cecília reflete o problema resultante da disparidade entre o meio rural e o meio citadino.

O autor retrata dentro de Cecília um pastor, que se encontra perdido pois não reconhece

a cidade e não sabe como sair de dentro dela. Aqui o pensamento é transportado para a

dificuldade de misturar os dois mundos, o ser humano habituado ao meio rural, poderá

não se sentir confortável com a cidade, e vice-versa. No entanto, Cecília representa

também a fusão de ambos os espaços, demonstrando a possibilidade de resultados

positivos dessa mesma fusão.

A encerrar esta temática da continuidade, fala-se de Pentesileia, onde a continuidade da

cidade é tão vasta que não é possível determinar onde é que a cidade começa e onde é

que a mesma termina. Os limites de Pentesileia, são, portanto, incertos podendo ser

comparada a um labirinto quando se está dentro dela, o suscita a necessidade de um

mapa como forma de navegação dentro da cidade.

86 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 139.

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3.2.11 As cidades ocultas O último tema a ser analisado na obra de Italo Calvino é chamado de “As cidades

ocultas”, e é composto pelas cidades de Olinda, Raissa, Marozia, Teodora e Berenice.

As cidades descritas nesta temática não podem ser vistas no sentido de que ao serem

ocultas, são forçosamente cidades que não se podem ver. No entanto, cada cidade

parece ter um fator escondido, quer seja na sua população, ou nas suas infrastruturas.

Pode-se também comparar as cidades ocultas a uma moeda com dois versos, em que um

dos versos é positivo e o outro é negativo.

A cidade de Olinda, com a evolução ao longo dos tempos, renova-se a si mesma,

seguindo os pensamentos dos seus habitantes, que pensam que ao renovarem a cidade

em que vivem, renovarão também as suas mentes e corpos. Assim, através das muralhas

por que é restrita, Olinda afasta da sua população tudo aquilo que é considerado antigo

ou velho, deixando apenas espaço para aquilo que é novo.

Em Raissa, à primeira vista, a vida é repleta de tristeza e desilusões. Contudo, após

algum tempo, percebe-se que a vida na cidade é na verdade momentaneamente feliz,

contudo nunca se torna percetível para quem lá vive:

Mesmo em Raissa, cidade triste, corre um fio invisível que liga um ser vivo a

outro por um instante e a seguir se desfaz, e depois torna a estender-se entre

pontos em movimento desenhando novas rápidas figuras de modo que a cada

segundo a cidade infeliz contém uma cidade feliz que nem sequer sabe que

existe.87

Dentro de Marozia, a população, sem se aperceber, sonha com a mudança da cidade.

Devido à necessidade da realização desse mesmo sonho, todos os movimentos são

calculados e mecânicos, o que resulta na concretização do desejo, mas não da forma

mais proveitosa, pois a população após ver a sua cidade mudada, cai nos hábitos antigos

e a cidade de Marozia que existia no passado volta a tomar o controlo. Contudo, há

ainda alguns habitantes que realizam gestos de bondande para com os outros, fazendo

com que a Marozia com que todos sonham apareça mesmo que só por um breve

instante.

87 Calvino, Italo. (2011). As Cidades Invisíveis. p. 159.

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Teodora, a quarta cidade oculta, apresenta o desejo por algo semelhante a um genocídio,

visto que a sua população visa exterminar toda e qualquer espécie que não se

enquadrasse nos parâmetros humanos. Após o sucesso dos habitantes de Teodora, outra

ameaça surge, mas desta vez, não se manifesta fisicamente, mas sim mentalmente, no

imaginário dos habitantes desta cidade através de criatura mitológicas aterradoras.

Por fim a última das cidades, Berenice, comporta duas partes diferentes dentro da sua

população. Uma das partes orgulha-se de ser justa, mostrando objetos forjados a ouro e

edifícios de grandes portes ornamentados e ostensivos. Contudo, a justiça desta primeira

parte é na verdade a injustiça para com a maior parte da população de Berenice, pois

esta segunda porção de habitantes procuram a justiça plena, mas vivem oprimidos à

semelhança de uma ditadura. Berenice é no seu todo um ciclo vicioso e corrupto, em

que aqueles que se acham justos, praticam a injustiça e aqueles que não possuem voz e

que procuram a verdadeira justiça, nada podem fazer para combater a corrupção.

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4. Relatório de Projeto

Após uma pesquisa aprofundada sobre a definição de personificação e das suas diversas

aplicações na arte, passou-se a um olhar minucioso sobre as cinquenta e cinco cidades

descritas na obra de Italo Calvino, As Cidades Invisíveis.

Deu-se então início ao processo prático que passou pela ilustração da obra de Calvino

com base na personificação, de forma a atingir a questão fulcral desta dissertação.

Durante a pesquisa e interpretação das cidades, destacaram-se símbolos e ícones

introduzidos nas respetivas ilustrações de forma a tornar a mensagem da cidade mais

clara, bem como proporcionar à mesma maior conteúdo e dimensão. É também de

referir que, apesar de alguns dos ícones representados pertencerem a diferentes épocas,

a grande maioria é de fácil reconhecimento, levando a que pessoa possa relacionar-se e

identificar-se com as cidades.

A ideia original para as ilustrações seria a de personificar as cidades de Calvino

exclusivamente através da cabeça humana, aliada aos elementos descritos nos textos da

obra. Contudo, percebeu-se que a utilização do resto do corpo humano forneceria

capacidades de representação mais amplas, pois para além dos símbolos e ícones, seria

possível utilizar a pose e as dimensões do próprio corpo da personagem para concretizar

uma personificação mais acertada.

Fig. 3 – Esboço inicial da cidade Armila (2016). Esboço a grafite sobre papel, original do autor.

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Fig. 4 – Esboço inicial da cidade Armila com o corpo na sua totalidade (2016). Esboço referente à ideia

final de utilizar o corpo da personagem na sua totalidade de forma a personificar cada cidade. Desenho a

grafite sobre papel, original do autor.

Inicialmente esboçaram-se as primeiras cidades de forma analógica, recorrendo à

grafite. Contudo, os esboços analógicos rapidamente passaram a ser concretizados

inteiramente de forma digital, não só devido a questões de conforto, mas também de

forma a agilizar o tempo de trabalho e melhorar a qualidade do mesmo.

Também se exploraram as possibilidades existentes entre o desenho final analógico,

aliado a algum tratamento digital, maioritariamente de limpeza da ilustração e de

equilíbrio de tonalidades de cor face à ilustração inteiramente realizada de forma digital.

Rapidamente se concluiu que o desenho digital oferece regalias, não só a nível de cor e

qualidade, mas também a nível da utilização de técnicas que de outra forma seriam

impossíveis ou extremamente difíceis de realizar por meio analógico.

Como software principal, utilizou-se o Adobe Photoshop, através do qual se criaram

todas as ilustrações das cinquenta e cinco cidades de Italo Calvino.

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Procedeu-se à criação de todos os esboços de forma a compreender como funcionariam

juntos, procurando harmonia entre as personagens criadas para que se enquadrassem

numa única coleção.

Seguidamente, por meio de layers, procurou-se dividir cada ilustração em partes para

que o preenchimento se tornasse mais fácil, delimitando cada parte constituinte de modo

a que não se sobrepusesse ou deformasse as demais. Do conjunto de todas as partes de

uma ilustração obteve-se a arte final de cada uma, processo que foi repetido para todas

as personificações de As Cidades Invisíveis.

Fig. 5 – Ilustração final da cidade Armila (2016). Arte final de uma das cidades da obra As Cidades

Invisíveis, de Italo Calvino.

Crê-se ser de extrema importância destacar as dicotomias presentes entre algumas das

ilustrações criadas, sendo que a primeira dicotomia surge entre ilustrações baseadas

exclusivamente em símbolos, como é o caso da vigésima sexta ilustração, a cidade de

nome Otávia, face a ilustrações em que o seu conteúdo está fortemento ligado à forma

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como a cidade se representa, ou como a vida dentro da cidade é descrita, onde se insere

a trigésima ilustração, Melânia.

Criaram-se estas duas formas de interpretação das cidades de Calvino devido ao fato de

que existem, na obra, cidades descritas através de objetos concretos, de uma forma

muito acentuada, ao passo que existem outras, ainda que em menor número, que são

retratadas através de valores, de estilos de vida dos próprios habitantes das cidades e até

mesmo das suas profissões.

A segunda dicotomia que se acredita ser merecedora de ser destacada apresenta-se entre

as ilustrações das cidades em que se utilizam o corpo humano na sua totalidade, que é

possível de se exemplificar através da décima sexta ilustração, Zobaida, face às

ilustrações em que apenas se utiliza uma parte do corpo humano como é possível de se

verificar na décima oitava ilustração, cidade de Armila.

De forma geral, procurou-se utilizar a figura humana na sua totalidade como forma de

suporte para as várias caraterísticas que dão caráter e personalidade à cidade em

questão. Por outro lado, a utilização de metade, ou de uma parte, do corpo humano nas

ilustrações contribuíram para a criação de personagens híbridas, criadas a partir de

diferentes materiais, pois tornou possível a mistura entre humano e qualquer outra

matéria presente nos textos, de uma forma harmoniosa.

Também na arte final de cada ilustração o fundo foi escolhido não só como forma de

complementar a imagem, mas também sob a preocupação de se proporcionar às

personagens maior dimensão no que toca à transmissão da mensagem.

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5. Conclusão A dissertação apresentada resultou de uma panóplia de focos de pesquisa dentro da área

da personificação associada à ilustração. Assim sendo, procurou-se conduzir em

primeiro lugar, uma pesquisa tendo em conta exemplos que se considerassem gerais o

suficiente de forma a que o seu reconhecimento fosse fácil e rápido. Como tal,

escolheram-se os quatros elementos naturais aceites pela cultura ocidental e os

conceitos de Bem e de Mal como alvos da primeira pesquisa.

Seguidamente, procurou-se comparar e analisar as obras de diversos ilustradores bem

como alguns exemplos da pintura contemporânea de forma a compreender como e de

que maneira é que a personificação é utilizada como meio para passar o conceito e

mensagem que representa de um modo concreto e claro.

Para além disso, a pesquisa foi conduzida também com o propósito de se descobrir se a

personificação pode ou não facilitar o nascimento de uma relação entre a ilustração e

quem interage com a mesma.

Assim, tiraram-se diferentes ilações sobre a personificação. Em primeiro lugar,

conseguiu-se chegar à definição deste recurso, que consiste em atribuir a qualquer ideia,

conceito, fator do plano emocional e imaginário ou ser irracional, inanimado ou

fantástico, caraterísticas humanas que são, na maior parte das situações, físicas.

A personificação pode ser concretizada com base nas mais diversas caraterísticas do

objeto que se pretende personificar, quer seja movimento, máteria de que é feito,

detalhes do objeto, cor ou até mesmo diversos simbolismos que possa conter dentro de

si próprio.

Compreendeu-se também que a personificação pode basear-se em apenas uma ou duas

qualidades humanas, não sendo necessário representar o corpo humano na sua totalidade

para que se compreenda a personagem ilustrada.

Após compreender de que forma é possível personificar um objeto ou criatura, tentou-se

compreender como é que se pode estabelecer uma ligação entre a ilustração e a pessoa

que interage com a mesma.

Descobriu-se que, no caso da ilustração infantil, apesar de formas mais simples e sem

grandes dimensões, encontram-se, de forma comum, caraterísticas humanas como

olhos, boca, nariz e membros superiores e inferiores, todos eles simplificados de forma

a que a criança se possa identificar com a ilustração que está perante si mesma.

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Já na representação de monstros concluiu-se que se utilizam ícones e símbolos próprios

associados ao conceito que se quer representar de forma a passar a mensagem

claramente. É de notar também que as caraterísticas humanas presentes na

personificação de monstros são, na maior parte dos casos, modificadas para se

parecerem grotescas.

A necessidade do monstro parecer grotesco e de certa forma causar repulsa naqueles

que entram em contato com a ilustração providencia a esta última uma ponte para a

criação de uma relação com a pessoa, quer seja de medo, rejeição ou até mesmo de

admiração e introspeção.

Após a definição do conceito-base do projeto, progrediu-se para a análise e

interpretação da obra As Cidades Invisíveis de Italo Calvino.

Começou-se por tentar compreender a mensagem de cada uma das cinquenta e cinco

cidades e procurou-se separar os ícones e símbolos mais proeminentes de forma a

realizar uma personificação precisa.

De seguida conseguiu-se esboçar uma coleção de todas as cidades que posteriormente

foram transformados em artes finais. Desta parte do projeto atingiram-se os maiores

progressos a nível prático pois conseguiu-se assimilar ao longo da dissertação novos

conhecimentos sobre a ilustração digital, nomeadamente na representação anatómica

humana, área de grande interesse para o mestrando.

Crê-se que a dissertação decorreu de uma forma extremamente positiva, não só a nível

cognitivo e de pesquisa, mas também a nível prático. Ainda assim, é importante

enaltecer as mudanças pelas quais o projeto passou.

No que toca à parte prática do projeto, tiveram lugar duas grandes alterações.

Inicialmente, pensou-se em realizar as cinquenta e cinco ilustrações restringidas à

cabeça humana tendo a sua anatomia como base para todos os elementos existentes na

cidade. No entanto, esta primeira ideia foi rapidamente modificada para que se utilizasse

o corpo na sua totalidade, caso fosse necessário, pois o mesmo oferece capacidades de

expressão a nível de movimento e de pose que a face humana não possui.

A segunda mudança, ocorreu no que toca à compilação das ilustrações, pois

inicialmente pretendeu-se realizar um livro em que existiria texto aliado de imagem.

Devido às poses utilizadas nas personificações das cidades, seria extremamente difícil

introduzir texto de forma a que ficasse graficamente correto. Devido a esta situação,

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preferiu-se transformar a ideia inicial na criação de uma coleção constituída apenas

pelas ilustrações das cidades de Calvino.

Por fim, vê-se nesta dissertação diferentes opções de investigação decorrentes do tema

abordado que podem ir desde trabalhos em design de personagens e concept art para

videojogos até à publicação da própria coleção, fruto deste projeto, ou a publicação de

outras coleções de ilustração.

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59

7. Apêndices Fig. 6 – Ideia inicial de ilustrar as cidades apenas através da cabeça humana (2016). Ilustração da cidade

Eutrópia. Esboço a grafite sobre papel, original do autor.

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60

Fig. 7 – Ilustração analógica final da cidade Anastásia (2016). Foi utilizada como meio de comparação

entre os resultos obtidos de forma analógica e os resultados conseguidos de forma digital, observados na

Fig. 11. Desenho a grafite sobre papel, original do autor.

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61

Fig. 8 – Arte final da cidade Diomira (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 9 – Arte final da cidade Isidora (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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62

Fig. 10 – Arte final da cidade Doroteia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Original do autor.

Fig. 11 – Arte final da cidade Zaira (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Original do autor.

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63

Fig. 12 – Arte final da cidade Anastásia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 13 – Arte final da cidade Tamara (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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64

Fig. 14 – Arte final da cidade Zora (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 15 – Arte final da cidade Despina (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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65

Fig. 16 – Arte final da cidade Zirma (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 17 – Arte final da cidade Isaura (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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66

Fig. 18 – Arte final da cidade Maurília (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 19 – Arte final da cidade Fedora (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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67

Fig. 20 – Arte final da cidade Zoé (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 21 – Arte final da cidade Zenóbia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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68

Fig. 22 – Arte final da cidade Eufémia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 23 – Arte final da cidade Zobaida (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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69

Fig. 24 – Arte final da cidade Hipácia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 25 – Arte final da cidade Armila (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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70

Fig. 26 – Arte final da cidade Cloé (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 27 – Arte final da cidade Valdrada (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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71

Fig. 28 – Arte final da cidade Olívia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 29 – Arte final da cidade Sofrónia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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72

Fig. 30 – Arte final da cidade Eutrópia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 31 – Arte final da cidade Zemrude (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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73

Fig. 32 – Arte final da cidade Aglaura (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 33 – Arte final da cidade Otávia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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74

Fig. 34 – Arte final da cidade Ersília (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 35 – Arte final da cidade Bauci (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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75

Fig. 36 – Arte final da cidade Leandra (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 37 – Arte final da cidade Melânia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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76

Fig. 38 – Arte final da cidade Esmeraldina (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.

Original do autor.

Fig. 39 – Arte final da cidade Fílias (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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77

Fig. 40 – Arte final da cidade Pirra (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 41 – Arte final da cidade Adelma (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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78

Fig. 42 – Arte final da cidade Eudóxia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 43 – Arte final da cidade Moriana (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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79

Fig. 44 – Arte final da cidade Clarice (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 45 – Arte final da cidade Eusápia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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80

Fig. 46 – Arte final da cidade Bersabeia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 47 – Arte final da cidade Leónia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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81

Fig. 48 – Arte final da cidade Irene (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 49 – Arte final da cidade Árgia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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82

Fig. 50 – Arte final da cidade Tecla (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 51 – Arte final da cidade Trude (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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83

Fig. 52 – Arte final da cidade Olinda (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 53 – Arte final da cidade Laudomia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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Fig. 54 – Arte final da cidade Períncia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 55 – Arte final da cidade Procópia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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Fig. 56 – Arte final da cidade Raissa (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 57 – Arte final da cidade Andria (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

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Fig. 58 – Arte final da cidade Cecília (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original do

autor.

Fig. 59 – Arte final da cidade Marozia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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Fig. 60 – Arte final da cidade Pentesileia (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

Fig. 61 – Arte final da cidade Teodora (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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Fig. 62 – Arte final da cidade Berenice (2016) da obra, As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino. Original

do autor.

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8. Anexos

Fig. 63 – Sandro Botticelli, A Primavera (1481), obra em que o pintor personifica a chegada da

Primavera por meio de um conjunto de personagens mitológicas e fantásticas.

Fig. 64 – Domenico Tintoretto, Personificação da Fidelidade (1595-1599), pintura em que o artista representa o conceito de fidelidade através de uma personagem feminina aliada a um dos grandes

símbolos representantes do mesmo conceito, o cão.

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Fig. 65 – Frida Kahlo, Thinking about death (1943), onde a artista representa a morte que se instala na mente humana por meio de uma caveira e um osso, elementos constituintes do esqueleto humano.

Fig. 66 – Gustave Courbet, L’origine du Monde (1866), obra em que Courbet representa os genitais de uma mulher, apenas uma arte do corpo feminino para personificar o nascimento e a origem do mundo.