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O agregador do marketing. 32 Fevereiro de 2011 www.briefing.pt Cidades precisam de se vender Pode uma cidade ou região ser promovida e gerida como um pro- duto? Pode constituir uma marca e, como tal, ser detentora de atri- butos diferenciadores de outras cidades ou regiões? À luz das te- orias e práticas de marketing terri- torial a resposta às duas questões é afirmativa. A aplicação das técnicas de mar- keting a uma cidade ou região é ainda relativamente recente, mas a globalização tem vindo a impor novos comportamentos por parte de quem tem a responsabilidade da gestão. Na tese de mestrado em Ciências Empresariais, que defendeu em 2010 na Faculda- de de Economia da Universidade do Porto, Paulo Henrique Moreira acrescenta à globalização a na- tural limitação dos recursos para justificar uma crescente competi- ção entre os lugares. António Azevedo, Duarte Maga- lhães e Joaquim Pereira, autores de City Marketing – MyPlace in XXI, comungam este pensamen- to. E sustentam que os territórios se confrontam com a necessida- de imperiosa de desenvolverem estratégias de afirmação visando obter vantagens competitivas. Os lugares enfrentam actualmente um desafio, diz Paulo Moreira, que é o do fortalecimento das suas capa- cidades e competências com vista a serem capazes de se adaptarem rapidamente a uma envolvente em constante mudança, aproveitando as oportunidades para sustentar a sua competitividade perante a concorrência. Neste novo conceito de cidade empreendedora – o conceito pode estender-se a uma região ou ter- ritório – emerge uma ferramenta até há uns anos impensável na gestão municipal ou territorial: o marketing. E o marketing pressu- põe, naturalmente, a existência de um produto. Em City Marketing desenvolve-se a ideia de que esse produto é a cidade em si mesma, com todas as suas ofertas, bens e serviços que disponibiliza, a eco- nomia, as infra-estruturas de que dispõe, o valor arquitectónico dos edifícios, o valor paisagístico e a qualidade do meio ambiente, as vivências pela dinâmica das reali- zações que promove, a cultura, as tradições e os costumes das suas gentes, a educação, a ciência e Marketing Territorial Vitor Nascimento/Who As cidades competem entre si para atrair investidores, visitantes e mesmo residentes. Cada cidade precisa, portanto, de evidenciar as suas vantagens competitivas. Ou seja, precisa de se vender

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Cidades precisam de se vender

Pode uma cidade ou região ser promovida e gerida como um pro-duto? Pode constituir uma marca e, como tal, ser detentora de atri-butos diferenciadores de outras cidades ou regiões? À luz das te-orias e práticas de marketing terri-torial a resposta às duas questões é afirmativa. A aplicação das técnicas de mar- keting a uma cidade ou região é ainda relativamente recente, mas a globalização tem vindo a impor novos comportamentos por parte de quem tem a responsabilidade da gestão. Na tese de mestrado

em Ciências Empresariais, que defendeu em 2010 na Faculda-de de Economia da Universidade do Porto, Paulo Henrique Moreira acrescenta à globalização a na-tural limitação dos recursos para justificar uma crescente competi-ção entre os lugares.António Azevedo, Duarte Maga-lhães e Joaquim Pereira, autores de City Marketing – MyPlace in XXI, comungam este pensamen-to. E sustentam que os territórios se confrontam com a necessida-de imperiosa de desenvolverem estratégias de afirmação visando

obter vantagens competitivas. Os lugares enfrentam actualmente um desafio, diz Paulo Moreira, que é o do fortalecimento das suas capa-cidades e competências com vista a serem capazes de se adaptarem rapidamente a uma envolvente em constante mudança, aproveitando as oportunidades para sustentar a sua competitividade perante a concorrência. Neste novo conceito de cidade empreendedora – o conceito pode estender-se a uma região ou ter-ritório – emerge uma ferramenta até há uns anos impensável na

gestão municipal ou territorial: o marketing. E o marketing pressu-põe, naturalmente, a existência de um produto. Em City Marketing desenvolve-se a ideia de que esse produto é a cidade em si mesma, com todas as suas ofertas, bens e serviços que disponibiliza, a eco-nomia, as infra-estruturas de que dispõe, o valor arquitectónico dos edifícios, o valor paisagístico e a qualidade do meio ambiente, as vivências pela dinâmica das reali-zações que promove, a cultura, as tradições e os costumes das suas gentes, a educação, a ciência e

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As cidades competem entre si para atrair investidores, visitantes e mesmo residentes. Cada cidade precisa, portanto, de evidenciar as suas vantagens competitivas. Ou seja, precisa de se vender

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“Uma cidade é, por definição, uma marca”

“Quisemos provar que aqui no Alentejo o tempo

passa devagar e há ‘tempo para ser feliz’”

“Quem não conhece Badajoz? Mesmo Mérida e Cáceres? Mas quantos são os portugueses que

já se afoitaram mais além? Poucos”

“Não pode haver em Portugal alguém que não

saiba que Guimarães será em 2012 a Capital

Europeia da Cultura”

Maria João Vasconcelosbrand & behaviour advisor da ativism

Andrea Valentidirector unidade negócios Draftfcb

Teresa Rainhadirectora da delegação

da Extremadura em Lisboa

Cristina de Azevedopresidente da Fundação

Cidade de Guimarães

tecnologias, as acessibilidades…É, pois, um produto complexo que importa diferenciar: afinal, as cidades competem entre si para atrair investidores, visitantes e mesmo residentes. Cada cidade precisa, portanto, de evidenciar as suas vantagens competitivas. Ou seja, precisa de se vender. Para isso, precisa de uma estratégia de atractividade orientada para os seus diferentes públicos. Para que a diferença seja valori-zada, defende Paulo Moreira na sua tese, a cidade carece de uma identidade – de missão, visão e valores. Porque o que está em causa é influenciar positivamente os mapas mentais para gerar pri-meiro preferência e depois lealda-de dos públicos. Esse é o valor da marca. E a marca é, argumentam os auto-res de City Marketing, o ponto de partida para uma estratégia de marketing territorial. A mar-ca – confirma o mestre em Ciên-cias Empresariais que estudou o caso concreto da empresa Porto Turismo – é o facilitador da de-cisão. O processo de construção da marca começa na identifica-ção clara das razões por que um lugar necessita dela: a partir daí, o processo é dinâmico, assente numa relação directa com os pú-

blicos, em dois patamares – ra-cional e simbólico.Um logótipo não basta. O imedia-tismo de uma campanha promo-cional também não. Os vários au-tores são consensuais: uma marca territorial exige uma estratégia global e a longo prazo. Porque o que está em causa é reconstruir e redefinir a imagem de uma cida-de, conferindo-lhe uma identidade única e diferenciável. Competitiva.Maria João Vasconcelos, brand & behaviour advisor da ativism, leva à prática estes conceitos. À sua agência se deve a campanha de rebranding de Viana do Castelo. Desenvolvida com a convicção de que “uma cidade é, por definição, uma marca”. E é marca porque – explicou num testemunho ao Brie-fing — define um território e tudo o que nele acontece, porque tem uma identidade específica – a sua cultura, o seu carácter e a sua per-sonalidade, porque tem símbolos – a bandeira ou outros elementos que historicamente a definem – porque tem alma, os seus heróis, os seus mitos e os seus líderes.Tal como os autores de City Mar-keting e da tese de mestrado so-bre “Gestão da Marca Cidade”, defende que numa sociedade global, aberta e a funcionar como um grande mercado, os recursos

são escassos e todos têm de lutar para os conquistar, sejam pesso-as, investimentos ou turistas. E o marketing, enquanto ferramenta do mercado, é também aqui cha-mado a aplicar os seus princípios e as suas técnicas para “posicionar e promover a adesão dos alvos às promessas e aos objectivos”.Com duas diferenças substanciais em relação a outros produtos: a primeira é que as cidades ou ter-ritórios são um produto altamente compósito e diversificado e, mui-tas vezes, imprevisível; a segunda é que as promessas que irão dar corpo ao posicionamento da cida-de não são propriedade de alguns, são de todos, e por todos têm de ser suportadas e alimentadas.Foram estes conceitos que pre-sidiram ao reposicionamento de Viana do Castelo: colocar a cidade no mapa mental dos portugueses, dando-lhe visibilidade e notorie-dade, foi o objectivo, perseguido também no intuito de renovar o património identitário da cidade, para que fosse um elemento aglu-tinador das suas gentes e esfor-ços.“Viana fica no coração” foi a mar-ca encontrada para ir ao encontro destes objectivos. Uma marca a que a ativism chegou com “muito amor, suor e lágrimas” e que teve

como ponto de partida a “cultura do amor”, — há muito património de Viana. O mais “ousado” – re-corda Maria João Vasconcelos —foi assumir esse património e não ter medo (de possíveis interpreta-ções depreciativas).Foi preciso ousar em Viana, como no Alentejo. Havia aqui que mudar a percepção que existia em rela-ção a esta região, rompendo com a oferta antiquada e pouco atracti-va, promovendo a imagem de um destino moderno, com uma oferta turística diversificada e de quali-dade. Foi este o desafio assumido pela Draftfcb. Andrea Valenti, director de unida-de de negócios, não tem dúvidas de que a definição do posiciona-mento e do território de comunica-ção da marca são factores de su-cesso para o reconhecimento de qualquer destino turístico. Sendo o Alentejo um destino tão vasto, tão heterogéneo e com tantas va-lências, o grande desafio foi definir uma linha de comunicação, traba-lhando os conceitos de transver-salidade e autenticidade. Havia que promover o que de mais genuíno o Alentejo tem para ofere-cer. Nada melhor do que valorizar aquilo que é um activo único - “o vagar alentejano” – que está no ADN das gentes e da própria terra.

Marketing Territorial

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“Tempo para ser feliz” foi assim o grande eixo de comunicação: é – nas palavras de Valenti ao Briefing – uma frase simples que condensa em si uma promessa e potencia aquilo que é reconhecido como uma mais-valia do Alentejo. “Quisemos provar que aqui o tem-po passa devagar e há ‘tempo para ser feliz’”. Depois de identi-ficada a assinatura da comunica-ção, havia que desenvolver uma estratégia que proporcionasse ao turista uma perspectiva holística e actual da oferta da região. Um le-vantamento exaustivo das poten-cialidades turísticas do Alentejo, quer ao nível do território natural e do património cultural, social e gastronómico, quer ao nível dos equipamentos, permitiu definir

ofertas e segmentos de mercado para quem essas ofertas seriam atractivas.É este – resume o director de ne-gócios da Draftfcb – “o grande diferencial” face a outras campa-nhas de comunicação de destinos turísticos: foram definidos quatro grupos-alvo – namorados, famílias com filhos menores, seniores ac-tivos e (jovens), “mochileiros” – a pensar em promover aquele que é um dos destinos nacionais com maiores taxas de crescimento. Andrea Valenti assume que, mais do que criar uma marca, era “ur-gente” mudar a percepção do Alentejo. É também essa a ambi-ção da delegação da Extremadu-ra em Lisboa: mudar a percepção que os portugueses têm desta

região espanhola fronteiriça, mas não porque seja negativa, antes porque é ténue. Quem não conhece Badajoz? Mes-mo Mérida e Cáceres? Mas quan-tos são os portugueses que já se afoitaram mais além? Poucos, na perspectiva da directora da dele-gação extremenha, Teresa Rainha. Não se trata aqui de criar uma mar-ca, porque ela já existe. Trata-se de lhe conferir visibilidade. Projec-tando uma Extremadura moderna, que partilha com Portugal mais do que a linha de fronteira. Que é um acesso natural a Espanha. Uma porta aberta, receptiva: tanto que o fio condutor da comunicação é um convite – “Por favor, invadam- -nos!”. Em Portugal, a Extremadura quer

ser (re)conhecida como uma ter-ra de oportunidades, inovação, confiança e qualidade. Uma terra que quer partilhar com Portugal as suas valências. E que dá provas concretas desta intenção, com uma defesa inédita da língua por-tuguesa – é já a segunda língua estrangeira mais estudada nas escolas da região. E a ideia é que el portugués abre puertas, portas para que, juntos, espanhóis e por-tugueses cheguem a 800 milhões de pessoas em todo o mundo.Com uma delegação em Lisboa, desde meados de 2009, a Extre-madura quer aproveitar a proximi-dade geográfica para potenciar o triângulo estratégico Lisboa-Ma-drid-Sevilha e promover um turis-mo alternativo ao tradicional sol-e-

Marketing Territorial

Nada melhor do que valorizar aquilo que é um activo único - “o vagar alentejano”, que está no ADN das gentes e da própria terra.

“Tempo para ser feliz” foi assim o grande eixo de comunicação

“Viana fica no coração” foi a marca encontrada para ir ao encontro destes objectivos. Uma marca a que a ativism chegou com “muito amor, suor e lágrimas”

e que teve como ponto de partida a “cultura do amor”

VIANA DO CASTELO ALENTEJO

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-praia, em que a arte e o patrimó-nio ocupam lugar de relevo.A Extremadura quer abrir-se a Por-tugal, como se quer abrir ao mun-do. E aos demais espanhóis. Tere-sa Rainha reconhece que a região está um pouco esquecida em Es-panha, carecendo de ser reposicio-nada também dentro do território nacional como terra de potencial e futuro. Não é por acaso que uma cegonha em voo ascendente é o símbolo da marca.Os símbolos não surgem por acaso. O de Guimarães – Capital Europeia da Cultura 2012 – inspirou-se nas ameias do castelo da cidade e no elmo de D. Afonso Henriques para moldar um coração que é, ao mes-mo tempo, janela que se desdobra em múltiplas faces, porque pode

ser recriado e apropriado por cada um. É o logótipo a celebrar a diversida-de cultural de um evento concebi-do para atrair a Guimarães milhão e meio de visitantes. Foi esse o compromisso assumido na candi-datura, é para esse objectivo que trabalha a comunidade impulsio-nada pela Fundação Cidade de Guimarães. O que está em curso é – afirma a presidente da fundação, Cristina de Azevedo – um processo de transformação. “E tudo se transforma” é, precisa-mente, o conceito criativo estraté-gico, na convicção de que todos quantos forem tocados pelo evento sofrerão um processo de transfor-mação, de melhoria. Assim aconte-ce já com os cidadãos envolvidos

no projecto: muitos deles nunca tinham tido qualquer experiência artística. A cidade está ela própria a ser transformada fisicamente. São etapas de uma estratégia que se propõe criar mais uma camada de vida para Guimarães, uma ca-mada que não apaga as outras, antes as completa. E a cidade dife-rencia-se: a experiência em curso propõe-se aliar a tradição simbó-lica, de berço da nacionalidade, e a tradição industrial, com forte presença da produção têxtil, a um novo factor de atracção – a cultura.Cristina de Azevedo elogia em Guimarães a rica simbiose entre o passado e o futuro, mas acredita que a história não pode funcio-nar como um sofá, mas como um trampolim. Um trampolim para que

mude a atitude face à cidade, ge-rando maior curiosidade e expec-tativa, motivando a visita. Afinal, a matéria-prima – o simbolismo his-tórico – já está na cabeça de todos os portugueses… Ainda assim, há uma preocupação: não pode haver em Portugal alguém que não saiba que Guimarães será em 2012 a Ca-pital Europeia da Cultura. Todavia, este não é o fim: é o prin-cípio, o catalisador do desenvol-vimento da cidade. E não é o fim em Guimarães, como não é em Viana do Castelo, no Alentejo ou na Extremadura: em nenhum dos territórios a estratégia se resume a uma campanha. Não basta criar a marca, é preciso dinamizá-la. Não basta mudar as percepções, é preciso manter a atractividade.

Marketing Territorial

A Extremadura moderna apresenta-se como uma porta de entrada em Espanha, uma porta aberta, receptiva: tanto que o fio condutor

da comunicação é um convite – “Por favor, invadam-nos!”

Guimarães diferencia-se: a experiência em curso propõe-se aliar a tradição simbólica, de berço da nacionalidade, e a tradição industrial, com forte

presença da produção têxtil, a um novo factor de atracção – a cultura

EXTREMADURA GUIMARãES