CIÊNCIA POLÍTICA

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CINCIA POLTICA

Curso Superior de Bacharelado em Direito Professora: Gilmara Gomes da Silva Sarmento Perodo: 3 DIR 1 Bimestre Semestre: 1/2012

ALUNO(A): --------------------------------------------------------------

CINCIA POLTICA E DIREITO

Iniciaremos o curso de Cincia Poltica buscando compreender a importncia das reflexes as quais este campo do saber nos convida a realizar. A Cincia Poltica atravs de seus pensadores oferece um amplo conhecimento acerca da teoria e da ao poltica. O jurista e professor Darcy Azambuja, refere-se aos fatos e fenmenos polticos como sendo o principal objeto de estudo da Cincia Poltica. Querino e Sadek (2003) por sua vez, lembram que a grande questo que move o pensamento poltico desde o clssico at a atualidade justamente a busca pela compreenso do fenmeno dominao, ou nos termos das prprias autoras por que e para que? (...) em toda a parte, todo o tempo, homens dominaram homens (p.2).

Nesse sentido, pode-se notar que a Cincia Poltica se ocupa de estudar o fenmeno do poder, sua estrutura e suas mudanas ao longo do tempo e espao, fornecendo um referencial terico fundamental, seja para uma melhor compreenso dos fenmenos polticos e da sociedade em que se vive, quanto para guiar e ou influenciar os cidados a agir sobre determinada realidade, pois como argumenta Querino e Sadek (2003, p.02):

Qualquer teoria poltica a expresso do seu mundo e, necessariamente, traz em si mesma um convite ao. Ao que pode ser tanto no sentido de aceitar, preservar ou legalizar o status quo, como no de levar a revolta, transformao ou revoluo. Isto , toda ao poltica implica obrigatoriamente criar, transformar e conceder poder a algum.

A tentativa de entendimento acerca da dimenso poltica da existncia humana uma questo bastante antiga, levantada ainda pelos pensadores clssicos como Aristteles que v o homem como um animal poltico, aquele que possui no s a faculdade da linguagem, mas a acima de tudo a do discernimento. Isto , capaz de distinguir racionalmente o til do intil, o bem do mal, o verdadeiro do falso, a justia da injustia, e de chegar a um consenso quanto a essas noes (FURTADO, 2008, p.12).

Se por um lado imprescindvel compreender a dimenso poltica do homem, por outro no possvel pensla como algo dado ou natural, pois conforme Arendt (1999, p.23) no h uma essncia poltica no homem, pois a poltica surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos homens. (...) A poltica surge no intraespao e se estabelece como relao.

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No que se refere ao termo poltica, este normalmente descrito a partir da sua acepo clssica que origina-se da plis - cidade-estado grega caracterizada como uma unidade poltica autnoma, com governo prprio, independente. Com o tempo, a palavra teve seu sentido ampliado abrangendo tudo o que se refere cidade e, por extenso, ao que caracteriza o urbano, civil e pblico. Noberto Bobbio, jurista, professor e pesquisador italiano organizador da obra Dicionrio de Poltica e Teoria Geral da Poltica, descreve o termo como tudo o que se refere cidade e, conseqentemente, o que urbano, civil, pblico, e at mesmo socivel e social. Segundo especialistas, o termo se disseminou a partir da obra de Aristteles denominada Poltica. Obra que foi considerada o primeiro tratado sobre a natureza, as funes e diviso da Poltica, do Estado, e sobre as vrias formas de Governo.

Sendo assim, em resumo a Cincia Poltica busca luz da obra de pensadores de diferentes perodos histricos, interpretar a evoluo do exerccio do poder e a construo da cidadania. Todavia, como o mundo grego e romano considerado referncia para as sociedades ocidentais, e o seu legado porta de acesso para compreender o desenvolvimento da vida social, que envolve, inclusive, a evoluo do significado de poltica, de Estado e dos diferentes modos de exercer o poder, vamos iniciar a disciplina conhecendo um pouco sobre a influncia dessas civilizaes e do pensamento dos principais filsofos que iniciaram esse debate.

ESTADO E SOCIEDADE: GOVERNO E O PODER NA ANTIGUIDADE CLSSICA

A idia de Estado tem origem ainda no mundo antigo a partir da evoluo do Direito Privado e do surgimento das cidades-nao cujo elemento central era a famlia.

Na antiguidade clssica a famlia era a nica forma de sociedade. Dentro dela, a partir da religio domstica se desenvolveu o direito privado. Como funcionava? O pai, chefe da gens era tambm chefe do culto a determinada divindade e tinha plenos poderes sobre os filhos. A famlia era indivisvel, logo o lar, o tmulo e o patrimnio tambm o eram. As regras de transmisso patrimonial favoreciam o primognito, que passava a representar o elo entre os irmos e era responsvel por perpetuar o nome da famlia atravs dos sculos (pelo culto aos ancestrais e as divindades).

Entre os gregos e romanos a famlia (gens) era o elemento central da vida social, a partir do momento que esta se expandia, associando-se a outras gens formava a tribo, e a associao dessas tribos formava a cidade (a3

polis) ou cidade-estado, que possua na cultura e na religio os seus elementos aglutinadores (COULANGES, 1929: 195).

Se pegarmos uma cidade-estado grega como Atenas como exemplo, veremos que para o indivduo ser admitido na cidade, passava por um extenso ritual marcado por cerimnias que se iniciava com o nascimento, e findava entre os dezesseis aos dezoito anos, quando por um novo rito este jurava respeito religio da mesma. Isso significa que o cidado em Atenas s era considerado como tal a partir do momento que se comprometia com os valores fundamentais da polis, valores estes assentados em princpios religiosos. O conceito de cidado e de cidadania estava subordinado a idia de sujeio s condies imposta pela Natureza, vista como estrutura soberana, o que implicava a definio das condies de participao na vida da cidade. Ser cidado era no possuir individualidade e vida privada. O que significa que a sociedade prevalecia sobre o indivduo no existindo, portanto, a esfera social.

Pode-se dizer que na cidade-estado antiga a sociedade dividia-se apenas em duas esferas: a privada (a famlia) e a pblica (a poltica). A participao na vida da cidade era caracterizada por um lado pela igualdade poltica, e por outro, por uma profunda desigualdade familiar e social. Isso significa que enquanto a A POLIS Admitia apenas pessoas na mesma condio social, portanto a participao era igualitria, contudo a famlia era extremamente hierarquizada, dominada pelo chefe e no admitia liberdade.

Quem participava da polis? Aqueles capazes de deixar o lar e ingressar na esfera poltica, os que podiam se dedicar ao cio, as coisas do esprito, desenvolver as faculdades intelectuais em benefcio da coletividade. Nesse sentido a cidadania implicava

duas condies: nascimento e maturidade. Sendo assim, s eram cidados quem os deuses beneficiariam, fazendo-o nascer homem e no mulher, grego e no brbaro

e livre e no escravo. Participar da vida pblica significava a realizao verdadeira da natureza enquanto homem. Nesta concepo de poltica, vida pblica e cidade-estado o filsofo grego Aristteles (384 322 a.C.) produz seu pensamento, sendo, pois conhecido por afirmar que h uma natural dimenso social do homem que lhe predispunha a natural insero na vida social, isto , na vida da cidade.

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[...] O homem por natureza um animal social, e um homem que por natureza no fizesse parte de cidade alguma, seria desprezvel ou estaria acima da humanidade... e se poderia compar-lo a uma pea isolada do jogo de gamo...A caracterstica especfica do homem que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a famlia e a cidade (ARISTTELES, 1997, p.15).

Vimos atravs do excerto acima, que para Aristteles, os homens esto propensos a vida social e nortearem-se pelo bem comum e pela justia, supondo uma atuao tica do homem na vida e nas instituies da cidade, e a isto s era possvel chegar pela razo e discernimento. Se na teoria, o pensador observa que a finalidade da cidade e de suas instituies era o bem comum que deveria ser alcanado atravs da tica e do senso de justia na atuao pblica, como essa relao se dava na prtica?

Na prtica, a autoridade era baseada no desempenho da chefia do culto. O pai (chefe da gens) era sacerdote, intermediava a relao entre o homem e os deuses, e ao mesmo tempo era quem chefiava politicamente a comunidade, acumulando outras funes como a de magistrado, juiz e chefe militar. E esta tradio de autoridade como fundamento religioso, consequentemente a concentrao de poderes nas mos de um nico homem nasce a monarquia, forma de governo que se perpetuou durante sculos. Pelo fundamento religioso os sacerdotes tinham autoridade para designar magistrados, cnsules, etc. desse modo, o rei, assim como o chefe da famlia, era visto como o depositrio das coisas sagradas a quem os homens deviam obedincia. Esse carter sagrado que conferiu autoridade ao rei e garantiu a manuteno da tradio e da ordem social durante sculos.

Sendo assim, a equao: religio + autoridade + tradio=primeiras leis. As leis eram consideradas sagradas pelo povo, e assim transmitidas de pai para filho ao longo do tempo, constituindo o que conhecemos como direito consuetudinrio, o direito fundamentado nos costumes. Todavia, a expanso da sociedade, o surgimento de inmeras classes sociais e a relao entre elas impossibilitaram que tais leis orais fossem respeitadas, gerando inmeras interpretaes e conflitos, necessitando o registro escrito de tais leis.

As primeiras leis e os primeiros cdigos registrados por escrito foram uma conquista social da populao dominada contra a nobreza, depois de um longo processo de lutas e de enfrentamentos. Um exemplo disso a Lei das Doze Tbuas, de 450 a.C., escrita no perodo da repblica romana. A codificao das leis representou uma garantia contra os desmandos da nobreza e governantes que, conforme lhes interessava, interpretavam as normas consuetudinrias.5

As leis funcionavam da seguinte maneira, s possuam direitos ou eram protegidos pelas leis da cidade os indivduos considerados cidados. Ou seja, aqueles que haviam sido admitidos atravs dos rituais da cidade. Cada cidade tinha leis prprias as quais seus cidados estavam implicados, essas leis eram elaboradas e aplicadas pelos nobres e no alcanavam os no-cidados, isto , o estrangeiro e o escravo.

Essa dinmica do poder nas cidades pode ser vista no pensamento de Plato (428 348 a.C), em sua obra intitulada A Repblica (Politia), em que o pensador descreve dilogos retratando como deveria se constituir a organizao social, o governo e a qualidade dos governantes numa sociedade justa ou Estado ideal. Para Plato a polis se divide em trs classes sociais: a econmica (agricultores, comerciantes e artesos), a militar ou dos guerreiros e a legislativa ou dos magistrados (intelectuais). Para ele, um governo justo ou no resultava diretamente da forma assumida pelo governo e do papel que as trs classes desempenhavam nesse governo. Vejamos o que o autor revela a esse respeito:A classe econmica est encarregada da sobrevivncia da Cidade, suprindo as necessidades bsicas da vida. Como na alma, essa classe se caracteriza pela concupiscncia, pela sede de riqueza e de prazeres. Se ela governar (como acontece numa oligarquia, ou numa monarquia em que o rei vier dessa classe ou na democracia, em que essa classe participa do governo com mais poder do que as outras porque mais numerosa e conta com mais votos), a Cidade estar voltada para a acumulao de riquezas, para uma vida de luxos e prazeres e para lutas econmicas sem fim, aumentando o nmero de miserveis e reduzindo o nmero de abastados, A injustia evidente, pois a finalidade da Cidade confundida com a m atualizao da dnamis da classe econmica. A classe militar ou dos guerreiros, menos numerosa do que a primeira, est encarregada da proteo da Cidade. Porm, essa classe se caracteriza pela clera e pela temeridade, pelo gosto dos combates, pela inveno de perigos e para ter o prazer de lutar e buscar fama e glria. Se ela governar (como acontece nas oligarquias, aristocracias, e em monarquias em que o rei eleito entre os soldados ou numa democracia, em que essa classe participa das assemblias, e na tirania, cuja origem sempre militar), lanar a cidade em guerras interminveis, tanto externas quanto internas. A injustia evidente, pois a finalidade da Cidade est confundida com a m atualizao da dnamis dos guerreiros. A classe dos magistrados, de todas a menos numerosa, est encarregada de dar as leis e de faz-las cumprir pela Cidade. Porm, essa classe, que caracteriza pelo uso da razo, pode estar dominada pelas outras duas classes mais numerosas do que ela e dispondo de instrumentos para controlar os magistrados. A classe econmica os controla pela corrupo; a classe militar os controla pelo medo. Alm disso, se os magistrados no possurem a cincia da poltica e no conhecerem a idia da justia, qual h de ser a qualidade das leis e do governo? A injustia tambm evidente, pois a hierarquia das funes est embaralhada e a aret dos magistrados no consegue realizar-se. Se a justia (dke) e a virtude (Arete) existem somente quando a razo governa concupiscncia e a clera, ento a Cidade deve ser governada somente pelos magistrados (PLATO apud CHAU, 2002, p.306).

Ainda importante salientar que Plato considerava a educao das crianas um papel da sociedade, pois era condio fundamental para a construo de uma sociedade justa. O que no se confunde necessariamente com igualdade social, mas com a idia que todos deveriam seguir a natureza das coisas, isto , que cada um6

reconhecesse o seu lugar e apenas o ocupasse. Esse pensamento tem sido motivo de crticas ao longo da Histria. Entretanto, a repblica pensada por Plato pode ser vista como um projeto elitista de governo, mas que se preocupa tambm com o carter tico do Estado e a harmonia da sociedade. Segundo especialistas ele no estava preocupado nem com a democracia nem com a liberdade, mas com a harmonia e a eficincia. Plato foi ainda o precursor dos chamados filsofospolticos, abrindo caminho para outros pensadores como Aristteles, por exemplo. Atividade 1 a) Interpretar excerto acima: o que seria um governo justo para Plato? Relacione esse pensamento clssico com os modos de organizao poltica e de poder da atualidade. b) Voc concorda com a diviso de classes realizada pelo pensador? Justifique. c) Como poderamos comparar o processo pelo qual se tornavam cidados os gregos nas antigas cidades com o que torna o homem atual um cidado? A POLTICA E O PODER: NA TRANSIO DA IDADE MDIA PARA A IDADE MODERNA No se pode falar em Teoria Poltica sem compreender os conceitos de Poder e de Dominao que esto estreitamente relacionadas idia de poltica. Se consultarmos o dicionrio Aurlio de lngua portuguesa, veremos que PODER: Poder (do latim vulgar potere, calcado nas formas potes, potest e outras de posse) V.T 1.Ter a faculdade de; 2. Ter possibilidade de, ou autorizao para; 3. Estar arriscado ou exposto a; 4. Ter ocasio, ter oportunidade, meio de conseguir; 5. Ter fora para; 8. Ter o direito, a razo, o motivo de; 12. Dispor de fora ou autoridade, ter calma, pacincia para; ter possibilidade; dispor de fora ou autoridade; possuir fora fsica ou moral; ter influncia, valimento (HOLLANDA, 1986). Observe que o poder uma ao direta que exercida sobre outro ou que sofrida pelo outro. Sendo assim, denota duas possibilidades: a de exercer o poder ou de estar sujeito ao poder. Da antiguidade, Aristteles uma referncia bsica no estudo da teoria clssica sobre o poder, quando em um de seus escritos denominado tica a Nicmacos (referncia ao nome de seu pai) e Poltica, o autor o define a partir de trs formas: o poder paterno, o poder desptico e o poder poltico. Para ele, esses poderes se distinguem conforme o interesse daquele em benefcio de quem o poder exercido. Isto , o poder paterno7

atenderia aos interesses dos filhos, o desptico ao interesse do senhor e o poltico ao interesse de quem governa e de quem governado. Aristteles explica o poder paterno e real atravs da tradio e sua fundamentao religiosa:[...] cada um dita a lei aos filhos e s esposas... pois eles vivem dispersos. (assim se vivia antigamente). Por esta mesma razo todos os homens dizem que os deuses tinham um rei, pois uns ainda so e outros j foram governados por reis (como os homens imaginam os deuses sob forma humana, supem tambm que sua maneira de viver semelhante a deles) [...] Vemos que toda cidade uma espcie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as aes de todos os homens so praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e a comunidade poltica (ARISTTELES, 1997, p.13).

Como vimos acima, para Aristteles construo do bem era um princpio que deveria nortear todas as aes humanas e a vida nas comunidades, isto , na cidade denominada por ele como uma comunidade poltica. A atuao nesse espao deveria ser orientada para o bem comum e o exerccio do poder poltico deveria ter como meta a felicidade e o bem da comunidade. Considerando que os homens deveriam agir com vistas ao bem e felicidade, o objetivo da poltica, alm de propiciar o bem comum, se relacionaria com a criao de formas de governo e instituies que contribussem para tal fim. Aristteles defendeu ainda a existncia de trs formas puras ou perfeitas de governo: a Monarquia, o governo de um s, de carter hereditrio, que deveria visar o bem comum, fundamentado na obedincia s leis e s tradies; a Aristocracia, governo de um pequeno nmero de pessoas, os melhores homens; Governo Constitucional (politia), governo do povo, da maioria, que exerce o respeito s leis e beneficia a todos os cidados. Essas trs formas eram consideradas puras ou perfeitas porque teriam como objetivo o bem comum. Mas, conforme Aristteles, elas poderiam ser deturpadas ou corrompidas em sociedades viciadas, pois nelas o exerccio do poder atenderia e beneficiaria os interesses dos governantes em detrimento dos anseios de todos. Apontando como formas de governo corrompidas: a Tirania, forma distorcida da Monarquia, governo de um homem s que assume o poder por meios ilegais; Oligarquia, forma impura da Aristocracia, governo de um grupo economicamente poderoso, e Democracia, pois esta estaria sujeita aos demagogos que incitam o povo8

contra a classe rica, constrangendo-a e estimulando as revolues. Todavia, estas podem ser esmagadas por golpes em nome da ordem. Embora Aristteles demonstre sua preferncia pelo Governo Constitucional (Politia) em que o povo soberano, ele enfatiza a importncia das leis conferindo a elas os seguintes valores: a liberdade e a salvao, pois sem elas a vivencia numa sociedade em que tudo possvel transformaria a democracia uma tirania, e o bem comum substitudo pelo seu contrrio, o individualismo. Ento a verdadeira soberania do povo na democracia estaria no respeito s leis constitucionais, pois nelas estariam expressos os poderes coletivos, ou seja, do conjunto do povo que, portanto superior que o poder de cada indivduo em particular. Plato denominou j a sua poca os governantes como servidores da lei, pois de acordo com o pensamento do filsofo essa era uma qualidade da qual depende a salvao ou a runa da cidade:(...) onde a lei est submetida aos governantes e est privada de autoridade, vejo a pronta runa das cidades; onde, ao contrrio, a lei senhora dos governantes e os governantes so seus escravos, vejo a salvao das cidades e sobre elas o acumular-se de todos os bens que os deuses costumam conceder s cidades. (PLATO apud BOBBIO, 2000, P.207).

interessante notar que a lei desde a antiguidade analisada e defendida pelos estudiosos como algo fundamental para a vida coletiva e parmetro para a ao social/poltica. Aristteles questiona se mais conveniente sermos governados pelo melhor homem ou pelas melhores leis? e responde A lei no tem paixes que necessariamente se encontram em cada alma humana (ARISTTELES apud BOBBIO, 2000, p.207) De acordo com a filsofa brasileira, Marilena Chau, o pensamento grego clssico, de modo especial o de Aristteles fundamental na construo do que chamamos de pensamento poltico ocidental, porque destaca alguns princpios da vida e da prtica poltica que ainda hoje so tidos como referncia. No entanto, embora as teorias desses pensadores fossem fundamentais para a formatao das teorias da poltica e da ao poltica ocidental, estas foram marginalizadas durante um longo perodo da histria ocidental chamada de Idade Mdia (aproximadamente entre os sculos V ao XV), perodo caracterizado pela queda do Imprio Romano e a ascenso do cristianismo, fase da histria em que a doutrina religiosa penetrou e monopolizou todas as formas de conhecimento, inclusive guiando o comportamento social e poltico. A esta poca, a Europa passar a ser palco de intensas lutas pelo poder envolvendo dois lados, de um lado os descendentes dos antigos reis romanos e do outro, os representantes do cristianismo e da hierarquia da igreja9

catlica. Instaurando, portanto, o confronto entre o poder temporal e o poder espiritual. Nesse contexto de disputas, o homem comum ser alijado dessas disputas e um dos pensadores mais conhecidos que imprimiu seu pensamento na histria do perodo foi Santo Agostinho.

Como no possvel entender o pensamento poltico sem conhecer o contexto histrico que o relaciona, necessrio compreender que a ascenso do catolicismo e das idias ou dogmas dele provenientes repercutiu em decorrncia das mudanas no cenrio econmico social da poca. Ou seja, um cenrio de guerras e conflitos, doenas, etc. que culminou com um processo de ruralizao (isolamento econmico, poltico e social da populao da Europa) originando o feudalismo. Foi nesta sociedade isolada e dispersa que se disseminou o poder da Igreja. Com as obras do mundo clssico enclausuradas nos mosteiros e conventos, e as idias contidas nessas obras proibidas de serem difundidas, restou populao ter acesso ao conhecimento atravs dos pensadores da igreja. Santo Agostinho (354 a 430 d.C.), importante porta voz da igreja, do pensamento cristo da poca e para a constituio da filosofia patrstica, escreve uma de suas obras mais conhecidas A Cidade de Deus, datada de 413 a 426, onde possvel observar o tipo de argumentao que faz uso o filsofo, na fase inicial da Idade Mdia:Dois amores construram duas cidades: o amor de si levado at o desprezo de deus edificou a cidade terrestre, civitas terrena, o amor de Deus levado at o desprezo de si prprio ergueu a cidade celeste; uma rende glria a si, a outra ao senhor; uma busca uma glria vinda dos homens; para a outra, Deus, testemunha da conscincia a maior glria. (SANTO AGOSTINHO, apud ARANHA, 1996, p. 70).

A citao acima permite perceber a contraposio entre os mundos temporal e espiritual representados por Santo Agostinho como cidades opostas, sendo a primazia da cidade celeste justificada com elementos da doutrina crist. Esta argumentao associa-se fase inicial de justificativa do cristianismo, marcada pelo elogio aos fundamentos da Igreja e pela imposio da f como nica via de acesso verdade e felicidade ou pela filosofia crist, no dizer de Santo Agostinho.

Os escritos do filsofo cristo supracitado contriburam para o fortalecimento do cristianismo e para a afirmao do poder espiritual sobre o temporal, principal caracterstica do perodo medieval na Europa Ocidental. Assim como ele, outros filsofos religiosos atuaram no sentido de justificar, pelas Sagradas Escrituras e pela f o que seria o domnio da Igreja e o que deveria mobilizar os homens.

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Para eles a vida na cidade deveria, portanto, constituir vivncia dos preceitos das Sagradas Escrituras e constituir um caminho para se chegar a Deus. A obedincia aos preceitos e aos dogmas religiosos era a forma de se alcanar felicidade terrena. A obedincia aos preceitos e dogmas das Sagradas Escrituras era o que deveriam inspirar os homens e suas aes. Outro pensador catlico de grande relevncia da Idade Mdia foi So Tomas de Aquino, filsofo e telogo, que escreveu a Suma Teolgica considerada sua obra mais importante, onde ele exps os dogmas cristos. Para ele existiam duas fontes de conhecimento: a f crist transmitida pela Escritura, pelos pais e pela tradio da Igreja e as verdades adquiridas pela razo humana.

A valorizao da razo , portanto, uma peculiaridade do pensamento deste autor que aproxima seu pensamento ao de Plato e Aristteles. Assim como os demais autores que veremos no decorrer do curso, o pensamento de Toms de Aquino marcado pelo contexto social e poltico vivido por ele e retrata o momento cultural em que vivia a Europa. Que momento era esse? Trata-se da fase de estabelecimento das universidades e de retomada de estudos dos clssicos. Perodo de grandes embates entre aqueles que defendiam a supremacia da autoridade eclesistica e os defensores da autoridade laica. Momento de questionamentos acerca das verdades absolutas e do confronto entre essas duas linhas de pensamento. Contudo, deste embate surge ainda um terceiro grupo, o dos defensores da independncia recproca entre os dois poderes considerando-os, ambos, como emanaes da vontade divina.

Esta posio ganhou fora com as mudanas ocorridas a partir do sculo XII, principalmente aps o florescimento comercial entre Ocidente e Oriente que resultou no ressurgimento ou fortalecimento das comunas ou cidades, na afirmao da burguesia como classe social, uma vez que esta se coloca frente do processo e pretendia o governo de suas comunas ou cidades, e a expanso do movimento cultural que ficou conhecido como renascimento.

Do Renascimento (XII XVII) resultou, em primeiro momento, uma retomada das discusses dos autores clssicos salientando-se, entre eles, a obra de Aristteles e, na seqncia o movimento que se convencionou chamar de Renascimento Cientfico entre os sculos XVI e XVII. Da obra de Aquino importante salientar que o pensador procurou, a partir de seus estudos e reflexes e11

considerando as discusses da poca, realizar uma sntese do pensamento cristo com a leitura e o dilogo que estabeleceu com a obra de Aristteles, atividade conhecida como sntese tomista, em que pretendeu conciliar filosofia e teologia, razo e f.

A peculiaridade do pensamento de Aquino aparece em Suma Teolgica, quando o autor afirma que Deus quis que houvesse governo, porm a escolha deciso dos homens. Nesta obra, ele diferencia tambm o tirano a ttulo: aquele que usurpa o poder, do tirano ab exercitio, soberano cuja origem legtima, mas que, a posteriori, abusa de seu poder. Segundo Aquino, o tirano a ttulo pode legitimar sua atuao se governar em benefcio dos sditos e, em outra condio afirma, que quando a tirania se torna insuportvel, justifica-se a rebelio.

Ainda tratando da atividade poltica, Santo Toms distingue trs tipos de leis que dirigem a comunidade ao bem comum. O primeiro constitudo pela lei natural (conservao da vida, gerao dos filhos, desejo da verdade); o segundo inclui as leis humanas ou positivas, estabelecidas pelo homem com base na lei natural e dirigidas utilidade comum; finalmente, a lei divina guiaria o homem consecuo de seu fim sobrenatural (aperfeioamento de sua natureza), enquanto alma imortal. importante salientar que as idias e a obra de So Toms de Aquino que tratam das relaes entre o poder espiritual e o poder temporal revelam a procura de equilbrio entre as tendncias conflitantes da poca. O Estado (poder temporal) para ele uma instituio natural cuja finalidade assegurar o bem comum. A Igreja, por sua vez, seria uma instituio dotada fundamentalmente de fins sobrenaturais. Assim, o Estado no precisaria se subordinar Igreja como se ela fosse um Estado superior. A subordinao do Estado Igreja deveria limitar-se aos vnculos entre a ordem natural e a ordem sobrenatural, na medida em que esta aperfeioaria a primeira.

As idias de Aquino fortaleceram a escolstica (doutrina da igreja), porque se difundiu tanto nas universidades quanto no interior da prpria igreja catlica, mas por fim produziu o seguinte efeito no final da Idade Mdia, abriu precedentes para as discusses que contrapunha os integrantes de ordens religiosas e fundamentaram a contestao dos dogmas religiosos.

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Essas idias repercutem justamente em um momento de plenas mudanas na Europa Ocidental: florescimento do comrcio entre Ocidente e Oriente, transformaes na ordem feudal, surgimento e expanso dos burgos (os locais onde os burgueses concentravam as transaes comerciais e manufatureiras). Nesse lugar passou a se concentrar os burgueses, comerciantes que possuam dinheiro, adquiriram a liberdade para as terras que ocupavam tornando-as territrios independentes do poder dos senhores feudais e locais de atrao para todo aquele que queria ser livre. Com o tempo, esses burgos constituram-se em comunas com governos prprios liderados por chefes, que exerciam o governo em nome do grupo.

Em algumas cidades altamente prsperas como Gnova e Veneza, por exemplo, travaram-se embates entre o poder temporal (nas mos dos grandes comerciantes) e o poder espiritual, (representado pelos bispos e pelo poder papal). A ascenso dos governantes das cidades que procuravam afirmar seu poder e estender os territrios sob seu domnio abalou as estruturas de poder ligadas igreja.

Foi nesse contexto de embates e de florescimento das prsperas repblicas italianas que So Toms de Aquino escreveu suas obras. Inspirando-se no pensamento de Aristteles defendeu o equilbrio entre o Estado (poder temporal), considerado por ele como uma instituio natural voltada para a construo do bem comum, e a Igreja, (poder espiritual), dotada fundamentalmente de fins sobrenaturais.

A obra de So Toms de Aquino foi profundamente marcada pela fase de transio do mundo feudal para os tempos modernos. Aspecto que pode ser observado na forma como ele retomou o pensamento clssico, buscando conciliar razo e f, filosofia e teologia e, as relaes entre o poder espiritual e temporal, propondo o equilbrio entre os poderesAtividade 2 a)Tente estabelecer uma relao entre o pensamento Poltico de Aristteles com a poltica atual, identificando as semelhanas e diferenas entre o mundo clssico e nossa realidade contempornea. b) Encontre os pontos de semelhana e de diferena no pensamento dos dois filsofos religiosos: Santo Agostinho e So Toms de Aquino.

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A IDADE MODERNA: POLTICA, ESTADO, E GOVERNO NA OBRA DE NICOLAU MAQUIAVEL

Nicolau Maquiavel nasceu em Florena no ano de 1469, veio de uma famlia tradicional adepta do partido guelfo ou pontificial. Muitos membros de sua famlia exerceram cargos pblicos, inclusive seu pai, um jurisconsulto. Maquiavel seguiu a tradio ocupando o cargo de chanceler e secretrio no governo da repblica de Florena por aproximadamente catorze anos, perodo em que foi encarregado de vrias misses no exterior. Prestou servios para as mais poderosas famlias de Florena em sua poca, os Brgias e os Mdicis rivais na poltica. Sua obra mais conhecida O Prncipe, e atravs dela que vamos conhecer um pouco de suas idias e o contexto em que ele viveu.

Vimos que a poltica para ele se originou na experincia da vida familiar, se ampliando ao longo de sua experincia pessoal. Sua reflexo, como no poderia deixar de ser, marcada pelo contexto da poca, qual seja, os enfrentamentos entre o poder espiritual (disputas internas entre as maiores famlias na luta pelo papado) e os governantes representantes do poder laico (temporal: oriundos da poderosa burguesia da regio).

Maquiavel estudou histria e poesia e atuou na organizao poltica e militar de Florena propondo, inclusive na constituio de uma milcia nacional para substituir as tropas mercenrias. E foi sua atuao junto a Csar Brgia, chefe poltico conhecido pela violncia contra seus adversrios na luta pela criao de um novo estado, na regio central da pennsula itlica, que se constituram os fundamentos para a sua teoria poltica.

Segundo especialistas, Maquiavel dedicou O Prncipe a Lorenzo de Mdici, obra considerada um marco que revolucionou as idias sobre a poltica e instaurou as bases do pensamento poltico moderno. Embora os analistas de Maquiavel considerem que a grande questo da sua obra diz respeito a preocupao com a formao de um lder forte capaz de alcanar o poder e agir sagazmente para mant-lo, com finalidade de garantir a unidade e a prosperidade nos territrios dominados, Sadek (1999) afirma que filsofos como Rousseau contestou a tese que caracteriza Maquiavel como um astuto, perverso e traioeiro pensador cujo propsito o de ensinar o prncipe a conquistar e manter o poder a qualquer custo, pois segundo Sadek (1999, p.14), Rousseau revela em sua obra Do Contrato Social (livro 3, cap.IV) o seguinte: Maquiavel, fingindo dar lies aos Prncipes, deu grandes lies ao povo. Isso significa que para Rousseau, embora a leitura da obra14

de Maquiavel possa sugerir a opresso do povo pelo prncipe, na verdade ele deu importantes lies sobre a liberdade ao povo.

Maquiavel se caracteriza como pensador do Estado, no de um Estado ideal e imaginrio como fizerem pensadores como Plato, Aristteles e Santo Toms de Aquino que lhe antecederam, mas de um Estado real, por isso parte da realidade concreta vivenciado por ele na pennsula Itlica, ele substitui a teoria do dever ser (anterior) pela do ser. Sua grande questo como fazer reinar a ordem, como instaurar um Estado estvel?, no entanto de uma forma prtica e real rompendo com a idia de que a organizao do poder fruto de uma ordem natural ou sobrenatural (divina). Contrariando este princpio Maquiavel considera a ordem um produto indispensvel da poltica, portanto produzida de acordo com a ocasio e/ou circunstncia histrico-social. Sendo um produto da poltica a ordem deve ser construda pelos homens para se evitar o caos e a barbrie, e uma vez alcanada, ela no ser definitiva, pois h sempre, em germe, o seu trabalho em negativo, isto , a ameaa de que seja desfeita (SADEK, 1999, p. 18).

Ao problematizar a ao poltica partindo da realidade concreta1 e das possibilidades reais de manter a ordem e a unidade do Estado, o pensamento de Maquiavel torna-se peculiar consolidando-o como um clssico do pensamento poltico moderno. Para muitos, sua obra considerada tanto como um guia de ao poltica quanto um marco na produo da acepo moderna de Estado (como uma unidade poltica total).

Maquiavel foi um grande estudioso da histria e observando o passado traava consideraes para o presente e o porvir. Para Maquiavel o estudo da histria era uma fonte de ensinamento, uma vez que possvel se extrair dela os fatos suas causas e os meios utilizados para enfrent-lo. E a partir da observao da histria concluiu que em todos os tempos pode-se observar determinados traos imutveis no homem ou atributos negativos que o compelem para o conflito e a anarquia, pois so mecanismos para satisfazer suas paixes, esta concluso pode ser vista na sua obra quando afirma serem os homens ingratos, volveis, simuladores, covardes ante os perigos, vidos de lucro (MAQUIAVEL apud SADEK, 1999, p.19) ou como menciona Maquiavel em Discursos (livro, I, cap. XXXIX)

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Situaes de lutas que ocorreram na pennsula itlica que resultou na fragmentao do territrio e na consolidao gradativa do poder temporal na Europa Ocidental.

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Aquele que estudar cuidadosamente o passado pode prever os acontecimentos que se produziro em cada Estado e utilizar os mesmos meios empregados pelos antigos. Ou ento, se no h mais os remdios que j foram empregados, imaginar outros novos, segundo a semelhana dos acontecimentos.

Depreende-se do pensamento de Maquiavel que o poder poltico tem origem mundana, nasce desse instinto malfico do homem. uma via de conter o conflito e caos, porm transitrio. Sendo assim, a ao poltica uma forma de conter as paixes humanas e/ou de satisfaz-las, e esta ao pode ser entendida como a capacidade criadora do homem.

O pensador, v na busca pela satisfao das paixes humanas o fator preponderante para a instabilidade e caos e para a existncia, em todas as sociedades, de duas foras opostas: por um lado, o povo que no deseja ser oprimido e dominado pelos grandes e por outro, estes tentando dominar e oprimir o povo. Este por sua vez no deseja o domnio, ento a arena de lutas no se esgota com a vitria dos vencedores, pois h sempre uma correlao de foras que precisa ser estabilizada, e esta o problema poltico identificado por Sadek no pensamento de Maquiavel.

No que se refere forma institucional assumida pelo Estado, ou seja, o tipo de governo, Maquiavel acredita que vai depender do confronto entre as foras sociais e das situaes concretas, dividindo-o em Principado e Repblica. Sendo assim, quando a nao encontra-se ameaada de deteriorao, quando a corrupo alastrou-se, necessrio um governo forte, que crie e coloque seus instrumentos de poder para inibir a vitalidade das foras desagregadoras (SADEK, 1999, p.20). Este o principado, e Maquiavel se refere figura de um prncipe forte, fundador do Estado, instaurador da harmonia da sociedade. Contudo, quando a sociedade encontrou formas de equilbrio, o poder poltico cumpriu sua funo regeneradora e educadora, ela est preparada para a repblica. Para o pensador, este regime de governo s possvel em sociedades em que povo virtuoso, as instituies so estveis e contemplam a dinmica das relaes sociais. Os conflitos so fonte de vigor, sinal de uma cidadania ativa, e portanto so desejveis 2.

As diferentes formas de acesso ao poder e as qualidades do prncipe da perspectiva de Maquiavel

Maquiavel baseando-se no contexto a qual estava inserido descreveu o que na sua concepo deveria ser as vias de acesso ao poder e, resgata o conceito de virt como uma das qualidades imprescindveis que2

Ibid, p.21

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conformam o perfil do prncipe. Tal conceito no pensamento do autor refere-se ao sentido antigo, contrapondo a idia crist que associava a virt a bondade e o abandono das paixes mundanas, a virt para Maquiavel significa justamente a potncia, o poder, ou vontade de poder que englobava tambm a idia da fortuna (sorte) e a da occasione (oportunidade) que deveriam ser percebidas e aproveitadas pelo prncipe. Estes conceitos, incorporados na idia da virt, representariam qualidades que, segundo o autor, eram fundamentais para o sucesso da ao e da atuao poltica de um governante e constituiriam, portanto, o que poderamos hoje considerar como elementos de perfil do prncipe de Maquiavel. Este para ser bem sucedido no usa apenas da violncia para manter o poder, mas da sabedoria acerca do uso da fora. Pois embora o poder se fundamente na fora, ele no se mantm seno pela virt, pois ela que garante a manuteno do poder para o prncipe uma vez que favorece a conquista e conservao da glria, da honra e da fama para si e de segurana para seus governados. Sobre os principados, Maquiavel distingue-os em hereditrios e novos. Captulo VII - Dos principados novos que se conquistam com armas e virtudes de outrem Aqueles que somente por fortuna se tornam prncipes, pouco trabalho tm para isso, claro, mas se mantm muito penosamente. No tm nenhuma dificuldade em alcanar o posto, porque para a voam; surge, porm, toda sorte de dificuldades depois da chegada. quando o estado foi concedido aos que esto na dependncia exclusiva da vontade e boa fortuna de quem lhes concedeu o Estado, isto , de duas coisas extremamente volveis e instveis.

Capitulo VI - Dos principados novos que se conquistam pelas armas e nobremente Nos principados novos, governados por prncipes novos, na luta pela conservao da posse, as dificuldades esto na razo direta da capacidade de quem os conquistou. E porque o fato de levar-se algum a prncipe pressupe valor ou boa sorte, evidentemente qualquer destas razes tem a propriedade de mitigar muitas dificuldades.

Captulo IX - Do principado civil Mas analisando outro caso, quando um cidado, no por sua crueldade ou outra qualquer intolervel violncia, e sim pelo favor dos concidados se torna prncipe de sua ptria o que se pode chamar de principado civil (e para chegar a isto no necessrio grandes mritos nem muita sorte, mas antes uma astcia feliz). Digo que se17

chega a esse principado ou pelo favor do povo ou pelo favor dos poderosos. que em todas as cidades se encontram estas duas tendncias diversas e isto nasce do fato de que o povo no deseja ser governado nem oprimido pelos grandes e estes desejam governar e oprimir o povo.

Captulo XVIII - O exerccio do poder e o relacionamento com os sditos: dos que alcanaram o principado pelo crime - de notar-se, aqui, que, ao apoderar-se dum Estado, o conquistador deve determinar as injrias que precisa levar a efeito, e execut-las todas de uma vez, para no ter que renov-las dia a dia. Deste modo, poder incutir confiana nos homens e conquistar-lhes o apoio beneficiando-os [...] As injrias devem ser feitas todas de uma vez, a fim de que, tomando-se-lhe menos o gosto, ofendam menos. E os benefcios devem ser realizados pouco a pouco, para que sejam melhor saboreados. Voc pode perceber a permanncia desses pressupostos de atuao na prxis poltica recente? E quanto origem de alguns daqueles sentidos pejorativos atribudos obra de Maquiavel? Para finalizar nosso estudo sobre O Prncipe, citaremos um trecho bastante conhecido que apresenta a combinao de qualidades ou capacidades que o governante deveria combinar e a forma como ele deveria se comportar quanto aos compromissos assumidos, ou seja, a palavra dada.

De que forma os prncipes devem guardar a f da palavra dada Quanto seja louvvel a um prncipe manter a f e viver com integridade, no com astcia, todos o compreendem; contudo, observa-se, pela experincia, em nossos tempos, que houve prncipes que fizeram grandes coisas, mas em pouca conta tiveram a palavra dada, e souberam, pela astcia, transformar a cabea dos homens, superando, enfim, os que foram leais. Devem saber, portanto, que existem duas formas de se combater: uma, pelas leis, outra, pela fora. A primeira prpria do homem; a segunda, dos animais. Como, porm, muitas vezes, a primeira no seja suficiente, preciso recorrer segunda. Ao prncipe torna-se necessrio, porm, saber empregar convenientemente o animal e o homem. Isto foi ensinado socapa aos prncipes, pelos antigos escritores, que relatam o que aconteceu com Aquiles e outros prncipes antigos, entregues aos cuidados do centauro Quiron, que os educou. que isso (ter um preceptor metade animal e metade homem) significa que o prncipe sabe empregar uma e outra natureza. E uma sem a outra a origem da instabilidade. Sendo, portanto, um prncipe obrigado a bem servir-se da natureza da besta. Deve dela tirar as18

qualidades da raposa e do leo, pois este no tem defesa alguma contra os laos, e a raposa, contra os lobos. Precisa, pois, ser raposa para conhecer os laos e leo para aterrorizar os lobos... Por isso, um prncipe no deve guardar a palavra dada quando isso se lhe torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir.. Se os homens todos fossem bons, este preceito seria mau. Mas, do que so prfidos e que no a observariam a teu, tambm no s obrigado a cumpri-las para com eles. Como percebemos da leitura do excerto acima, Maquiavel considerava que a lealdade e a integridade eram qualidades louvveis no governante, mas ressaltava que a astcia tinha permitido a muitos o sucesso poltico e grandes realizaes. Saber combinar a lei e o emprego da fora, qualidades do perfil de homem e de animal, garantiria o poder ao prncipe. E quanto manuteno da palavra dada, ao cumprimento dos compromissos assumidos, o fundamental a ser considerado que revertesse em proveito do poder do prncipe. Importante destacar que, para Maquiavel, entre ser respeitado e temido, ao prncipe interessaria mais impor o temor entre os sditos.

Atividade 3 Identifique as principais lies, que podem ser consideradas modernas, no pensamento de Maquiavel. Atividade 4 Em que aspectos as idias de Maquiavel, no sculo XVI, podem ser referncias para a atuao poltica contempornea? Justifique.

O PENSAMENTO POLTICO DE TOMS MORUS E CAMPANELLA Enquanto Maquiavel realiza sua obra com base na experincia da pennsula Itlica, outra grande referncia em termos de Cincia poltica estava sendo elaborada no contexto da Inglaterra, a obra intitulada A Utopia de Toms Morus (sculo XVI). Nesta obra o autor aborda uma sociedade utpica contraponto sociedade inglesa da poca. Primeiro ele descreveu as condies de vida da sociedade inglesa do sculo XVI, em face das guerras civis e do processo conhecido como cercamento de terras. O cercamento caracterizado pela expulso da populao trabalhadora dos campos e da formao de um exrcito de miserveis nas cidades foi a conjuntura que inspirou o autor. Na segunda parte do livro ele narra vida numa suposta ilha chamada Utopia, descoberta por certo capito Rafael Hitlodeo que teria seguido o caminho de Vespcio. A palavra Utopia de origem grega e significava em lugar nenhum ou no lugar. Morus foi o precursor, na poca moderna, do gnero literrio caracterizado pelos projetos de sociedades ideais. Na ilha de Utopia, no havia propriedade privada da terra e os governantes eram eleitos pela populao que poderia destitu-los dos cargos caso pretendessem exercer a tirania, esse Estado ideal contrapunha as instituies polticas que imperavam na Inglaterra e com a centralizao do poder nas mos dos reis. Especialistas afirmam que Morus inspirou-se nos ideais do cristianismo primitivo, evanglico e asctico,19

defendendo um socialismo religioso, e que sua obra embora tivesecomo pano de fundo o contexto histrico da Inglaterra enveredou para a construo de uma sociedade imaginria, ideal, utpica, retomando a tradio clssica inaugurada pela obra A Repblica, de autoria de Plato; e possui grande proximidade com a Utopia da Cidade de Deus, de Santo Agostinho, escrita no incio da Idade Mdia. Outra obra poltica de cunho utpico foi A Cidade do Sol de Tommaso Campanella, pensador que viveu entre 1568 a 1639, perodo conturbado para a populao do campo, devido o desenvolvimento do comrcio e das cidades. Assim como Morus, Campanella trata de uma cidade fictcia idealizada que representa justamente o contraponto com a realidade vivenciada pelos camponeses da Europa. Na obra, o autor defende a partilha de todas as coisas, isto , a inexistncia da propriedade privada, o fim da servido, o trabalho apenas como forma de garantir a sobrevivncia, em resumo, uma sociedade harmnica baseada na bondade e discernimento dos homens. Essa obra foi extremamente criticada, pois surgiu no momento de desenvolvimento e consolidao da idia de propriedade privada, porm Campanella para defend-la dos crticos argumenta que A Cidade do Sol era obra de homens inspirados nas verdades do Evangelho. Analisando seus escritos percebe-se que o autor reprova as atitudes dos prncipes que na maioria das vezes defendiam apenas a manuteno de seu poder e de seus prprios interesses. Essa posio do autor com relao ao poder dos governantes e sua aproximao populao pobre da Calbria levaram Campanella a ser acusado de conspirador e condenado priso perptua sob a acusao de heresia, sendo posteriormente perdoado pelo papa e libertado. O plano do ideal foi forma como Campanella, assim como Tomas Morus encontraram para se contrapor ao fortalecimento do poder temporal (dos prncipes e de reis), poder esse que inevitavelmente se consolidou nos sculos seguintes.

O DIREITO DIVINO DOS REIS: JEAN BODIN E JACQUES BOSSUET Como vimos no incio das aulas, idia de autoridade emanada do poder de divindades remonta a antiguidade, no entanto com o desenvolvimento do comrcio e da burguesia e da sua conseqente busca para ganhar espao numa sociedade cujo poder centrava-se na posse da terra, levou esse grupo aproximar dos governantes com a finalidade de buscar seu apoio. Historicamente, dessa aliana, derivou o processo de centralizao do poder. Para se afirmar como regime, o absolutismo encontrou seus principais defensores na figura de Jean Bodin e Jacques Bossuet que buscaram justific-lo.20

Jean Bodin foi jurista e professor de Direito, grande defensor da moral religiosa crist, publicou sua obra em 1556 (sculo XVI) num perodo bastante crtico para a Igreja Catlica em decorrncia do avano do protestantismo. Bodin procura justificar e validar o poder ilimitado dos prncipes soberanos, pois os considerava uma representao divina na terra, cabendo a eles o governo dos outros homens que lhes deviam respeito, reverncia e obedincia. Por outro lado, Bodin se aproxima do pensamento de Plato na medida em que considera legtimo o governo reto e bem ordenado. Jacques Benigne Bossuet, por sua vez, bispo Francs (1627 a 1704) tambm defensor da teoria do direito divino dos reis, defende sua teoria num momento em que o poder dos reis franceses praticamente estava consolidado. Esse autor considera o direito do rei como um direito natural e hereditrio assentado na famlia, meio pelo qual era possvel garantir a continuidade do poder do grupo familiar frente do Estado. Segundo Bossuet, o amor do rei pela famlia naturalmente se estender pelo seu reino. E afirma que o trono do rei no trono de um homem, mas sim o trono de Deus, comparando-os com deuses, que no seu dizer, vem de mais longe e de mais alto devendo ser reverenciados e obedecidos, qualquer murmrio ou objeo ao poder real visto como sedio. Como pudemos ver, a obra desses autores devem ser entendidas no contexto de afirmao do poder dos reis sobre o restante da sociedade. Elas contriburam para legitimar uma forma de governo que alcanou seu ponto mais expressivo na Frana (o absolutismo), no sculo XVIII, com os soberanos Luiz XIV, que afirmou LEtat cest moi, (O Estado sou eu), ou seja, ele se considerava a encarnao do Estado, pensamento adotado tambm por seu sucessor, Luiz XVI que, todavia, no conseguiu manter poder e prestgio, pois viveu outro contexto histrico, o de contestao das idias absolutistas e foi guilhotinado durante a Revoluo Francesa.

O ABSOLUTISMO MONRQUICO

A transio da Idade Mdia para os tempos modernos foi marcada, entre outros fatores, pelo processo de concentrao do poder poltico, pela aliana entre os reis e burguesia. Essa aliana foi fundamental para a expanso martimo-comercial da Europa ocidental pelos Oceanos Atlntico, ndico e Pacfico e a conseqente explorao das regies atingidas entre sculo XV ao XVIII, bem como para a acumulao primitiva de capitais, permitindo o desenvolvimento da Revoluo Industrial, inicialmente na Inglaterra por volta de 1750 e que, posteriormente, estendeu-se para a Blgica, Frana e regies da Alemanha atual. Os reis enriqueciam junto com a burguesia, aumentando o seu poder poltico e prestgio social. Em21

decorrncia disso, o absolutismo atingiu seu auge na Frana no sculo XVIII, representado pela figura de Luiz XIV que se considerava a encarnao do prprio Estado e seus poderes com retrata a clebre frase atribuda ao referido rei: o Estado sou eu. Embora no Antigo Regime, o Parlamento existisse para assessorar, aconselhar e advertir o rei, no final das contas s decises eram realizadas conforme a sua vontade e seus interesses. Contudo, se na Frana do sculo XVIII, os monarcas concentravam em suas mos todo o poder, na Inglaterra, desde o sculo anterior, os reis haviam sido destitudos de muitos de seus poderes pelo Parlamento, inclusive do poder legislativo, fonte de constantes atritos entre soberano e Parlamento, fato que desencadeou as revolues liberais inglesas que derrubaram os reis, muitos deles foram executados no processo, e instauraram as bases do convvio entre monarca e Parlamento no Parlamentarismo ingls.

Atividade 4 a) identifique a principal diferena entre o pensamento de Maquiavel, o de Morus e o de Campanella. b) Identifique em que contexto socioeconmico se desenvolveu o absolutismo monrquico dissertando sobre ele e distinguindo como esta forma ou sistema de governo pode se distinguir de uma ditadura, por exemplo. Pense por exemplo forma de acesso ao poder, etc.

THOMAS HOBBES: O PACTO OU CONTRATO SOCIAL COMO FUNDAMENTO DO ESTADO MODERNO Thomas Hobbes, filsofo Ingls do sculo XVII (1588 -1679), que se constitui ainda hoje referncia recorrente nos estudos e anlises polticas, ficou conhecido o fundador do conceito de Estado. Sua obra de maior repercusso O Leviat, ou A Matria, a Forma e o Poder de um Estado Eclesistico e Civil, e a partir dela analisaremos as suas principais acerca da origem do poder.

Hobbes viveu num perodo muito agitado e de profundas discusses sobre a realeza, os direitos da conscincia individual e as diferentes interpretaes da Bblia. Essas agitaes no eram bem vistas por ele, pois em sua opinio elas debilitavam a Inglaterra, minava a autoridade pela base e preparava a guerra civil que era por ele condenada como a morte do Estado.

Em decorrncia das agitaes polticas da poca, Hobbes se exilou voluntariamente na Frana por mais de dez22

anos, no exlio escreveu sua obra de maior repercusso, o Leviat, publicada em 1651. Thomas Hobbes entendia o convvio social como uma situao de enfrentamento entre os homens. Para ele, os homens viviam em constante conflito no estado da natureza, isto , em estado permanente de guerra, pois de sua natureza lutar por suas paixes seja atravs da inteligncia seja atravs de alianas, ampliando assim suas foras.A natureza fez os homens to iguais, quanto s faculdades do corpo e do esprito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de esprito mais vivo do que o outro, mesmo assim, quando se considera tudo isso em conjunto, a diferena entre um e outro homem no suficientemente considervel para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefcio a que o outro no possa tambm aspirar, tal como ele. Porque quanto fora corporal o mais fraco tem fora suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinao, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaados pelo mesmo perigo. (HOBBES apud RIBEIRO, 1999, P.54)

Pode-se depreender do excerto acima que no estado da natureza o conceito de igualdade era pensado por Hobbes da seguinte maneira: o convvio social se caracterizava como uma situao de enfrentamento, pois os homens se igualavam em sua natureza, sendo assim todos so iguais no desejo de preservao e no esforo de afastar o indesejvel. Em razo disso, Hobbes considera que o homem o lobo do homem homo homini lupus, isto , todos eram inimigos de todos e por isso viviam numa insegurana generalizada, pois de acordo com Hobbes nenhum homem estava seguro a respeito dos desejos dos outros, sendo assim viviam de suposies acerca das atitudes de Ego, nesse contexto era racionalmente prudente atacar seja para vencer o outro, seja para evitar o seu ataque. Se no h um Estado controlando e reprimindo, fazer a guerra contra os outros e a atitude mais racional que eu posso adotar (RIBEIRO, 1999., p.55).[Da] igualdade quanto a capacidade deriva a igualdade quanto a esperana de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que impossvel ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que principalmente sua prpria preservao, e s vezes apenas seu deleite) esforam-se para se destruir ou subjugar um ao outro. E disto se segue que, quando um invasor nada tem mais a recear do que o poder de um nico outro homem, se algum planta, semeia, constri ou possui um lugar conveniente, provavelmente de esperar que outros venham preparados com fora conjugadas, para desaposs-lo e priv-lo, no apenas do fruto de seu trabalho, mas tambm de sua vida e de sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficar no mesmo perigo em relao aos outros. (HOBBES apud RIBEIRO, op. cit., p.55)

Para Hobbes pelo fato dos homens serem iguais na desconfiana em relao aos demais, o mais prudente a fazer era antecipar-se subjugando tantos quantos conseguisse com o propsito de aniquilar a possibilidade de outro poder suficientemente grande lhe ameaar. Em razo disso, o pensador chega afirmar que os homens no encontram prazer algum na companhia dos outros se no tiver um poder capaz de manter a todos em23

respeito, pois de acordo com ele, cada um espera que o outro atribua a si o mesmo valor que ele prprio se atribui, e assim ao menor sinal de desprezo ou de subestimao conflagra-se o conflito.

Hobbes atribui a discrdia entre os homens a trs aspectos da sua natureza: a competio, a desconfiana e a glria:A primeira, leva os homens a atacarem os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurana; e a terceira, a reputao. Os primeiros usam a violncia para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanho dos outros homens; os segundos, para defend-los; e os terceiros por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferena de opinio, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nao, sua profisso ou seu nome. (HOBBES apud RIBEIRO, op. cit., p.56)

Renato Janine Ribeiro salienta que Hobbes pe em questo a definio aristotlica do homem como animal social cuja natureza o predispe a viver em sociedade e que desenvolve todas as suas potencialidades dentro do Estado, para o filsofo brasileiro Hobbes v o homem aristotlico como um mito, uma vez que a afirmao de uma suposta natureza socivel impede de v-lo como realmente , impedindo ou dificultando identificar onde est o conflito e cont-lo. Sendo assim, Janine Ribeiro aponta que da teoria de Hobbes se depreende que a poltica s pode ser uma cincia se de fato apreendermos como o homem de fato, e com a cincia poltica construir Estados que se sustentem, ao invs de tornar permanente a guerra civil.

Sendo assim, os homens s procurariam o convvio com os demais por duas razes: por interesse ou por necessidade. Assim surgiria a sociedade poltica. Esta considerada uma criao artificial, fruto de um pacto voluntrio, que pressupe: Que um homem concorde, quando outros tambm o faam, e na medida em que tal considere necessrio para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se, em relao aos outros homens com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relao a si mesmo (HOBBES, apud RIBEIRO, op.cit., p. 60). O que significava que o estado de natureza tambm pressupe liberdade, mas que para criar a sociedade poltica necessria a concordncia em renunciar ao direito a ela em prol do convvio com os outros homens, este aspecto fundamental para a constituio do pacto ou contrato social. Desse pacto resultaria a constituio de uma instncia de poder que substituiria e representaria a vontade de todos. O Estado no24

elimina a luta competitiva entre os homens, mas a colocaria sob o domnio da lei e da ordem. Ento de que depende o contrato? Da concrdia e do consentimento. Ou seja, a unidade de todos numa s pessoa (representada pelo Leviat) e o reconhecimento de sua soberania para governar em prol da paz e da segurana de todos. Eu abdico e transfiro o direito de me governar a mim mesmo a este homem ou assemblia de homens e autorizo e reconheo todas as aes (WEFFORT, 1998).

Para Hobbes, a idia de pacto ou contrato entre os homens, fundamentou a criao do Estado e a passagem do homem do estado da natureza para o convvio em sociedade. O pacto para Hobbes justifica a transferncia do poder de deciso do indivduo para outra instncia, um homem ou uma assemblia de homens, reconhecendo e autorizando todas as suas aes. Na medida em que os homens estabelecem um pacto entre si e concordam em abrir mo do poder transferindo-o para outra instncia, representada por homem ou assemblia, esto reconhecendo a soberania de suas decises.

A partir da a prerrogativa do uso da fora passa para a instncia de poder que se coloca acima dos homens (exrcito/polcia), pois s o temor que essa idia provoca seria capaz de dirigir os homens a respeitar as leis de natureza (como a justia, a eqidade, a modstia, a piedade, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos faam) e que vo contra nossas paixes naturais. (HOBBES, apud WEFFORT, 1998). O terror que tal prerrogativa inspira seria capaz de dirigir a vontade de todos paz no interior e ao auxlio mutuo contra os inimigos do exterior (CHEVALLIER, 1993).

Ento para Hobbes a principal caracterstica do Estado a soberania. Por isso ele representa o Estado com a figura do Leviat, um gigante acima e dominando a cidade. O Estado no uma instituio natural, mas uma criao artificial (humana) produzidas pela arte e inteligncia do homem pensada para atuar em prol da defesa e proteo dos homens, mas que adota propores e fora que ultrapassam as do homem natural.

O Estado foi criado para defender e proteger os homens, e a sua principal funo promover a igualdade e observncia das leis. Da figura do Leviat, Hobbes extrai os seguintes significados: A soberania do Estado relacionada por Hobbes ao poder de mando que seria reconhecidamente um aspecto determinante para o funcionamento da vida social. A soberania , pois, a alma artificial do Leviat que d vida e movimento a todo25

o corpo e cuja proporo e fora sobrepujam os prprios homens. Os nervos do leviat (Estado) so representados pela vigilncia causa de recompensas/castigos. A fora do Leviat vem da opulncia e riqueza de todos (resultado da tutela de todos sob a tutela do Estado). A vontade artificial e razo do Leviat vm da equidade e das leis. A sade do Leviat depende da concrdia (o bom funcionamento do Estado). A doena do Leviat o conflito/sedio (agitaes, motins e revoltas). E a morte do Leviat, a guerra civil, pois de acordo com Hobbes o Estado perderia seu sentido e funo.

Ao analisar a formao da sociedade poltica ou do Estado, Hobbes tinha como inspirao a idia de pacto de submisso, retomando assim, a idia recorrente na Idade Mdia de que pelo pacto, os homens superariam o estado da natureza e renunciariam aos seus direitos naturais transferindo o Poder para uma instncia superior, cujo domnio se estenderia a toda a sociedade. As discusses acerca do pacto de submisso tinham como intuito, na poca, o de limitar o Poder e fundar racionalmente o Poder dos sditos, contexto determinante para que Hobbes construsse suas idias, pois este vivencia uma Inglaterra agitada por discusses religiosas e polticas e pelos enfrentamentos entre os reis e o Parlamento, situao que levou decapitao do rei Carlos I (1649) e Revoluo Gloriosa (1689) que estabeleceu a monarquia constitucional e a submisso da realeza ao Parlamento. As idias desenvolvidas por Hobbes caracterizaram o que o autor considerava a origem e caractersticas do Estado Moderno. O Leviat de Hobbes justifica o Estado forte capaz de garantir a paz e a segurana da sociedade. Esta obra foi bastante criticada, mas permaneceu como uma obra de referncia para o pensamento poltico ocidental.

Atividade 5 Extraia e sintetize a idia de igualdade, liberdade e de Estado no pensamento de a Hobbes. JOHN LOCKE O INDIVIDUALISMO LIBERAL I

A partir de agora vamos conhecer um pouquinho do pensamento de John Locke, conhecido como defensor do individualismo liberal. John Locke (1632 - 1704) foi opositor dos monarcas da dinastia Stuart na Inglaterra e viveu, parte de sua vida, exilado na Holanda. S regressou Inglaterra aps a Revoluo Gloriosa de 1688 e o estabelecimento da monarquia parlamentar. Vejamos as razes que tornou Locke o pai do individualismo e um dos principais representantes do26

jusnaturalismo (teoria dos direitos naturais). Primeiro, porque para ele a propriedade j existe no estado de natureza e, sendo uma instituio anterior sociedade civil, ou Estado, esta seria um direito natural do indivduo que no poderia ser violado pelo Estado.

Seu pensamento foi produzido em um momento de grande espoliao da classe trabalhadora na Europa que sofriam com os desmandos dos reis e da nobreza. E tambm da consolidao do Parlamento ingls. Essa foi inspirao para a exaltao ao individualismo e para fundamentar sua teoria sobre o contrato. Assim como Hobbes, Locke parte do princpio de precedncia do estado de natureza e sociedade, no entanto a grande novidade est na nfase dada ao conceito de liberdade em seu discurso.

Para ele, os homens so livres, independentes e iguais por natureza, discorda de Hobbes, pois para ele os homens no estariam vivendo segundo suas paixes, mas de acordo com a razo (mesmo no estado da natureza. O homem natural de Locke no se relaciona com a essncia imutvel do homem como em Hobbes, mas aquele que vivia em um estgio pr-social e pr-poltico em que impera a mais perfeita igualdade e liberdade. Para ele o estado da natureza uma situao historicamente dada, no prevalecia a guerra e a desconfiana (como em Hobbes), mas relativa paz e harmonia (MELLO, 1999, P.84).

Se para Hobbes a propriedade inexistia no estado da natureza e foi o Estado que a instituiu, portanto podia suprimi-la, Locke afirma que esta j existia e anterior sociedade, portanto um direito natural do individuo que no poderia ser violado pelo Estado. Locke acredita que o homem era naturalmente livre e proprietrio de sua pessoa e de seu trabalho. Assim, quando este homem transformava a matria bruta, a terra dada por Deus, pelo seu trabalho tornava-a sua propriedade privada, constituindo sobre ela um direito prprio do qual estavam excludos todos os outros homens. Para ele, o trabalho era o fundamento originrio da propriedade (MELLO, op.cit, p.85).

Para Locke, inicialmente o limite da propriedade era fixado pela capacidade de trabalho do ser humano. Com o aparecimento do dinheiro essa situao se alterou, possibilitando a troca de objetos (mesmo que perecveis), por algo duradouro (ouro e prata). Atravs do dinheiro surgiu o comrcio e tambm uma nova forma de aquisio da propriedade, agora o trabalho no exclusivamente a forma de adquirir propriedade, pois esta27

poderia ser adquirida pela compra. O uso da moeda gerou a concentrao da riqueza e a conseqente desigualdade na distribuio dos bens entre os homens. Para Locke, esse processo determinou a passagem da propriedade limitada, para a propriedade ilimitada.

O Contrato Social para Locke

Locke considera que no estado de natureza a passividade relativa, pois faltava lei estabelecida, juiz imparcial e fora coercitiva para impor a execuo das sentenas. Sendo assim, a violao da propriedade (vida, liberdade e bens), por exemplo, provocava um estado de guerra entre os indivduos. E ser justamente a necessidade de superar esses inconvenientes que unir, livremente, os homens para estabelecerem o contrato social. E ser o estabelecimento do contrato social que realizar a passagem do estado de natureza para a sociedade poltica ou civil.

Como se forma a sociedade poltica ou civil para Locke? Atravs do contrato social e formada por um corpo poltico nico, dotado de legislao, de judicatura e da fora concentrada da comunidade. Seu objetivo precpuo a preservao da propriedade e a proteo da comunidade tanto dos perigos internos quanto das invases estrangeiras.

Lembremos que para Hobbes o contrato social era um pacto de submisso realizado pelos homens visando preservao de suas vidas, enquanto para Locke, o contrato social um pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos que possuam originalmente no estado de natureza, pois no estado civil, os direitos naturais inalienveis do ser humano vida, liberdade e aos bens esto melhor protegidos sob o amparo da lei, do rbitro e da fora comum de um corpo poltico unitrio. Resende (2000) chama ateno para o fato de que embora Locke seja categrico na defesa dos direitos naturais a vida, a liberdade e a propriedade, e tenha defendido o pacto social como um contrato realizado entre homens livres e iguais, isso no significa que defendia a participao de todos os indivduos, pois o autor considera a existncia de desigualdades como inerentes as condies de existncia social e poltica. Sendo assim, os homens eram livres e iguais na medida em que tinham propriedades a zelar. Os proprietrios apenas da fora28

de trabalho no estavam aptos a pactuar, pois estes tiveram o direito ao voto e a participarem politicamente do governo elegendo seus representantes no final do sculo XIX inicio do sculo XX. Por outro lado, na teoria individualista de Locke a noo de propriedade supunha em primeira instancia a posse de si mesmo e a liberdade o que poria em condies de extrema desigualdade os trabalhadores frente os proprietrios de bens, Resende (2000) alerta que nesse sentido, o pensamento de Locke estabelece um conjunto de artifcios polticos para a proteo de determinados interesses em nome do interesse de todos. O poder poltico Locke afirma que a nica fonte de poder legtima o consentimento dos governados, para ele nem a tradio e a fora so fontes ilegtimas de poder. Para ele, o exerccio do poder poltico era autnomo e livre, sendo assim, rompe com a antiga noo em que tradio e sangue so qualidades inerentes aos governantes e prerrogativa para exercer o poder poltico, legitimando na teoria poltica o poder da burguesia. Locke formulava suas teses pensando na neutralizao do poder dos reis e na consolidao do parlamento, portanto valorizava-o justificando que o poder legislativo investido pela comunidade (que assim o consentiu atravs do pacto) representa as leis que regulam o convvio social, constituindo-se em poder supremo, sagrado e inaltervel. Isto , somente o consentimento da sociedade civil pode motivar alteraes legais, e esta pode entrar em estado de guerra caso os legisladores tentem tirar ou destruir a propriedade ou reduzi-la a escravido sob poder arbitrrio. A Sociedade Poltica ou civil Depois de estabelecido o estado civil, a comunidade escolhe uma determinada forma de governo. Agora, a unanimidade do contrato originrio cede lugar ao princpio da maioria, Isto , prevalece deciso majoritria e, simultaneamente, so respeitados os direitos da minoria. De acordo com a teoria aristotlica das formas de governo, a comunidade pode ser governada por um, por poucos ou por muitos, conforme escolha a monarquia, a oligarquia ou a democracia. A escolha pode recair ainda sobre o governo misto, como o existente na Inglaterra aps a Revoluo Gloriosa, onde a Coroa representava o princpio monrquico, a Cmara dos Lordes o oligrquico e a Cmara dos Comuns o democrtico. Para Locke, qualquer que fosse a forma de governo, a sua principal finalidade a conservao da propriedade. Seguindo as idias do pensador, aps definida a forma de governo, caberia tambm maioria escolher o poder29

legislativo, conferindo-lhe superioridade sobre os demais poderes (poder supremo). Ao legislativo se subordinaria tanto o poder executivo, confiado ao prncipe, como o poder federativo, encarregado das relaes exteriores (guerra, paz, alianas e tratados). Existe uma clara separao entre o poder legislativo, de um lado, e os poderes executivo e federativo, de outro lado, os dois ltimos podendo, inclusive, ser exercidos pelo mesmo magistrado. Em suma, o livre consentimento dos indivduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da comunidade para a formao do governo, a proteo dos direitos de propriedade pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade, so, para Locke, os principais fundamentos do estado civil. O direito de resistncia No que diz respeito s relaes entre o governo e a sociedade, Locke afirma que, quando o executivo ou o legislativo violam a lei estabelecida e atentam contra a propriedade, o governo deixa de cumprir o fim a que fora destinado, tornando-se ilegal e degenerando em tirania. O que define a tirania o exerccio do poder para alm do direito, visa o interesse prprio e no o bem pblico ou comum. Com efeito, a violao deliberada e sistemtica da propriedade (vida, liberdade e bens) e o uso contnuo da fora sem amparo legal colocam o governo em estado de guerra contra a sociedade e os governantes em rebelio contra os governados, conferindo ao povo o legtimo direito de resistncia opresso e tirania. O estado de guerra imposto ao povo pelo governo configura a dissoluo do estado civil e o retorno ao estado de natureza, onde a inexistncia de um rbitro comum faz de Deus o nico juiz, expresso utilizada por Locke para indicar que, esgotadas todas as alternativas, o impasse s pode ser decidido pela fora. Segundo Locke, a doutrina da legitimidade da resistncia ao exerccio ilegal do poder reconhece ao povo, quando este no tem outro recurso ou a quem apelar para sua proteo, o direito de recorrer fora para a deposio do governo rebelde. O direito do povo resistncia legtimo tanto para defender-se da opresso de um governo tirnico como para libertar-se do domnio de uma nao estrangeira. A doutrina do direito de resistncia no era recente e sua origem remontava s guerras de religio, quando os escritores polticos calvinistas, conclamavam o povo a resistir aos atos ilegais dos prncipes catlicos. Doutrina esta, resgatada e revalorizada por Locke no Segundo Tratado, e assim a doutrina do direito de resistncia transformou-se o fermento das revolues liberais que eclodiram depois na Europa e na Amrica.

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Atividade 6: a) Identifique os pontos do pensamento de Locke que o transformaram no pai do individualismo liberal. b) Estabelea duas ou trs diferenas primordiais entre o pensamento de Hobbes e de Locke em relao constituio do Estado ou da sociedade civil. c) Extraia e sintetize a idia de liberdade, igualdade e de direitos no pensamento de Locke.

PRINCIPAIS PONTOS DO PENSAMENTO DE MONTESQUIEU

Vamos conhecer agora algumas idias de Montesquieu em uma de suas obras mais importante denominada Do Esprito das Leis (1748). Seu nome era Charles Loms de Secondat, tambm conhecido como baro de Montesquieu, viveu na Frana entre 1689 a 1755. Conhecido autor iluminista, destacou-se pela oposio ao absolutismo na Frana, e por suas idias a respeito de sistemas polticos, governo e pela Teoria dos Trs Poderes.

Montesquieu escreveu num perodo marcado pela forte oposio ao poder dos reis absolutistas e por revolues que representaram duro golpe para seus representantes, como ocorrera posteriormente na Revoluo Francesa (1789 a 1799). O clima era de contestao, sobretudo na poltica e idias como as de Montesquieu desempenharam um papel de extrema importncia, pois propunha a valorizao do indivduo, a liberdade de pensamento e o predomnio da razo; revolucionando principalmente o pensamento cientfico da poca, afastando toda e qualquer vinculao das leis a uma ordem natural ou divina e adota o conceito de lei cientfica (leis positivas).

Montesquieu era admirador das idias de Locke sendo amplamente influenciado por elas, alm de simpatizante31

do movimento que limitou o poder dos reis ingleses estabelecendo a monarquia parlamentar. Na sua obra o Esprito das Leis, Montesquieu, discute as formas de governo e a natureza e o princpio de cada uma. Sendo a primeira definida como o que faz com que ele seja o que , e o segundo, o sentimento que anima os homens dentro de um tipo de governo a fim de que este funcione de forma harmnica.

Para ele o governo se distinguia em trs espcies: o republicano, o monrquico e o desptico. O republicano aquele em que o povo detm o poder soberano, o monrquico caracteriza-se como o exercido por uma s pessoa com base em leis fixas e estabelecidas e o governo desptico no possui limites para ao. Para ele existem trs sentimentos polticos fundamentais, cada um deles assegurando um tipo especfico de governo. A repblica depende da virtude, sendo esta no relacionada moral, mas a poltica, isto , consiste em respeito s leis e a renncia do indivduo a coletividade (aquele que manda executar a lei, sente que ele prprio est sujeito a elas, e obrigado a carregar seu fardo) A monarquia por sua vez depende da honra, esta ligada ao respeito de cada um ao que ele deve a sua posio na sociedade (quem dita a lei se julga acima dela). E o governo desptico depende do medo, considera que um regime baseado no medo essencialmente corrupto, quase a negao da poltica. Os sditos que obedecem movidos pelo medo quase j no so homens (ARON, 2003, p.12)

Para o autor era evidente necessidade de limitar o exerccio do poder, criando formas de conter os abusos. Essa preocupao era tpica de um pensador iluminista que viveu o auge do absolutismo monrquico na Frana. No entanto, mais do que julgar os governos e mostrar que se o monarca desrespeita e ultrapassa certos limites, o povo tem o direito de reagir, como fez Locke, Montesquieu se ocupa de estabelecer como se daria o equilbrio dos poderes sociais, condio da liberdade poltica, at mais do que estabelecer a separao dos poderes no sentido jurdico como afirma Aron (2003, p.23).

Montesquieu, como vimos, props a diviso das funes do Estado em trs poderes independentes, mas que deveriam se relacionar harmonicamente: o Legislativo, Executivo e o Judicial (ou Judicirio). No entanto,

defendia que cada poder deveria ter funes e competncias prprias, cabendo a um fazer as leis, ao outro, execut-las, e ao outro julgar. Essa diviso proposta por ele fundamentava-se na idia de que apenas o poder seria capaz de conter o poder, o que justificaria a autonomia de cada um dos poderes e a necessidade de serem compostos por diferentes grupos e pessoas.32

De acordo com a diviso estabelecida acima por Montesquieu, Aron (2003, p.11) afirma que no pensamento do filsofo:A natureza do governo no depende apenas do nmero dos que detm o poder soberano, mas tambm do modo como este exercido. Tanto a monarquia como o despotismo so regimes que implicam um s detentor do poder, mas no caso do regime monrquico esse detentor nico governa de acordo com leis fixas e estabelecidas, e no despotismo governa sem leis e sem regras

Atravs da obra de Montesquieu possvel perceber sua preferncia pelo regime monrquico e sua defesa quanto o papel diferenciado e diretivo que deveria ocupar a nobreza no governo e na elaborao das leis, dividindo com os representantes do povo, a tomada de decises. Para ele o poder Executivo deveria ser exercido por um monarca enquanto que o legislativo dividido em duas casas, separadas e independentes, uma cmara composta por representantes do povo (corpo dos comuns) e outra formada por nobres (corpo dos nobres), tendo esta ltima direito de veto sobre as decises do corpo dos comuns. Tem ainda um terceiro poder, o de julgar. Contudo, Montesquieu v o poder judicirio essencialmente como intrprete das leis, portanto, sua ao deve ter o mnimo de iniciativa e personalidade. No um poder de pessoas, mas o poder das leis, o que se tema a magistratura, no os magistrados (ARON, op. cit, p.22).

importante ressaltar que a teoria dos Trs Poderes, sugere a separao dos poderes como forma de aperfeioar o funcionamento do Estado, e coibir os abusos, em benefcio da sociedade. Teoria esta presente at os dias atuais, fundamentando a organizao de grande parte dos Estados contemporneos.

JEAN JACQUES ROUSSEAU: O CONTRATO SOCIAL

Nascido em Genebra, na Sua, no ano de 1712, Rousseau, era filho de pai calvinista, com quem iniciou sua formao. Dirigiu-se para a Frana, trabalhando e estudando naquele pas. L entrou em contato com Diderot, autor enciclopedista que, reconhecendo o talento de Rousseau, encomendou-lhe estudo para incluso na Enciclopdia. Durante toda sua vida foi conhecido como o Cidado de Genebra. As obras mais comentadas deste autor foram O Contrato Social e Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens (datado de 1755).

Diferentemente de Hobbes, Rousseau defende a natureza benfica do homem, vendo este como um ser33

naturalmente bom, porm corrompido pela socializao. Segundo ele, no estado de natureza, os indivduos eram livres e viviam de forma igualitria, pacificamente, isolados em florestas, at que houve o estabelecimento da propriedade privada e, em decorrncia dela, fundou-se a sociedade civil, estado em que predominou o conflito social (semelhante ao estado de natureza descrito por Hobbes). Para Rousseau o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou se de dizer: Isto meu, e encontrou pessoas bastante simples para cr-lo foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, mortes, quantas misrias e horrores no teria poupado ao gnero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes:

Guardai-vos de escutar este impostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos so para todos, e que a terra de ningum! Mas existe um grande indcio de que as coisas a j tivessem chegado ao ponto de no poderem mais continuar como estavam: pois esta idia de propriedade provindo de muitas idias anteriores, que no puderam nascer seno sucessivamente no se formou repentinamente no esprito humano: foi preciso fazer progressos, adquirir muito engenho e luzes, transmiti-los e aument-los de gerao para gerao, at chegar ao ltimo limite do estado de natureza (ROUSSEAU, 1954, p. 97).

A citao acima uma das mais conhecidas de Rousseau e uma crtica feroz ao direito propriedade privada. Era no estabelecimento da propriedade privada que Rousseau reconhecia a origem das desigualdades sociais. Idia polmica para a Frana de sua poca, motivo pelo qual foi perseguido tendo que refugiar-se em Genebra. Em sua obra tida como a mais importante, Do Contrato Social, Jean-Jacques Rousseau expe sua concepo de Pacto Social e de Contrato Social. Para ele, os homens abandonaram o estado de natureza (liberdade) para viverem aprisionados na sociedade em razo de convenes. Sendo assim, ordem social no natural. No decorrer de seus escritos Rousseau diferencia direito de fora, para ele o primeiro um conceito moral, baseado na razo, a fora apenas um poder fsico, ilegtimo. Ressalta ainda, que os indivduos no renunciariam a sua liberdade e nem aos seus direitos naturais, mas apenas, fariam um pacto para proteg-los. Os termos do contrato social preconizado por Rousseau consideravam que, ao associarem-se para somar foras, cada homem preservava sua liberdade e fora, no obedecendo seno a si mesmo e mantendo-se livres como antes. A manuteno da liberdade de cada um na associao foi o problema fundamental solucionado pelo Contrato Social. Outro aspecto importante, apontado como clusula bsica no contrato, consagrava que seria em nome da comunidade toda que se daria a alienao de cada associado com todos os seus direitos. O contrato de Rousseau previa, portanto, que cada um poria em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a34

direo de uma vontade geral; e cada um, obedecendo a essa vontade geral, obedeceria a si mesmo. A liberdade consistiria, em ltima instncia, em obedecer ao corpo ou coletivo social, que representaria a soma das vontades da maioria. O povo, como corpo social, assumiria o papel de soberano nico; a lei representaria a vontade do todo. Essas idias de Rousseau causaram grande impacto servindo de fundamento ideolgico para muitas revolues que tinham como bandeira a soberania popular, a liberdade e a igualdade entre os homens. Rousseau foi o grande defensor da liberdade e da igualdade de todos na comunidade e da soberania do povo que, segundo ele, era a melhor garantia para a liberdade individual, pois a liberdade era a obedincia s leis que expressavam a vontade geral. O autor foi precursor da crtica contundente propriedade privada e suas idias so associadas, freqentemente, s idias anticapitalistas e socialistas.

STUART MILL: POLTICA E ECONOMIA NO ESTADO MODERNO

"As aes a promover que tendem John Stuart Mill.

so a a

corretas na felicidade, promover

medida em erradas na o reverso

que tendem medida em da felicidade.

John Stuart Mill nasceu em Londres 1806 1873, em plena fase de industrializao da Inglaterra. Na poca em que Stuart Mill realizou seus escritos, o princpio da harmonia de interesses, um dos pilares do pensamento de Adam Smith, estava sendo amplamente questionado, pois a industrializao e o capitalismo consolidados evidenciavam a concentrao de renda que satisfaziam aos interesses individuais, mas no correspondia necessariamente satisfao dos interesses gerais. Sendo assim, as analises estavam se deslocando dos aspectos ligados produo para os aspectos relacionados distribuio da riqueza. E essa caracterstica marcar o pensamento de John Stuart Mill.

Suas principais idias e contribuies Embora as contribuies de Stuart Mill se apresentem em diversos campos do saber, tais como, no campo da Lgica, da Psicologia, do Direito, da Economia e da Poltica. Concentraremo-nos nas suas contribuies sobre Poltica e Economia. Uma das crticas a esse autor diz respeito diversidade de temas trabalhos e a descontinuidade de algumas delas, razo pela qual embora considerado por alguns como um dos principais35

expoentes da Economia, ignorado por outros, por no ter conseguido "amarrar" bem suas idias, que s foram aperfeioadas por economistas e pensadores de geraes posteriores. Stuart Mill, inspirado em Jeremy Bentham procurou combinar o utilitarismo com o socialismo, ressaltando o valor do altrusmo inspirado em Saint-Simon e Comte, como forma de superao do egosmo. O utilitarismo uma doutrina tica que prescreve a ao de forma a otimizar o bem-estar do conjunto, isto , um princpio tico que determina se uma deciso ou ao correta, em funo do benefcio intrnseco exercido coletividade, ou seja, quanto maior o benefcio, tanto melhor a deciso ou ao. Stuart Mill enfatizava que a busca da felicidade estava no princpio da utilidade. No seu ideal de desenvolvimento foi alm da democracia classificando-se sob a designao geral de socialismo. Considerava que o problema social do futuro seria como reunir a maior liberdade individual de ao com a propriedade comum das matrias-primas do globo e uma participao igualitria de todos nos benefcios do trabalho associado. Nessa tentativa de conciliao de idias socialistas com seus fundamentos utilitaristas ele fez uso de uma relao entre a religio e a moral, na qual admitiu que o aperfeioamento intelectual do homem serve de base ao desenvolvimento social. Da a principal crtica de Marx a esse tipo de ecletismo do qual Mill o melhor intrprete. Para Marx, isto prova inconteste de ingenuidade ou uma tentativa de "conciliao dos inconciliveis". Vejamos o trecho extrado dos Principles of Political Economy mostra as idias de Stuart Mill respeito da Revoluo Industrial, quase um sculo aps o seu incio [...] at agora se questiona se todas as invenes mecnicas j feitas aliviaram a luta do ser humano. Elas permitiram que maior populao vivesse a mesma vida de fadiga e aprisionamento e que maior nmero de manufatureiros e outros fizessem fortuna. No mbito da Poltica, o caminho seguido por Mill foi o de um liberalismo extremado, muito prximo do anarquismo. Sua preocupao com a influncia deletria do Estado fica clara no trecho que se segue, sobre Educao: Uma educao geral pelo Estado puro plano para moldar as pessoas de forma exatamente semelhante. E, como o molde em que so plasmadas o que agrada a fora dominante no governo, quer seja esta um monarca, um clero, uma aristocracia, quer a maioria da gerao existente, a educao pelo Estado, na medida em que eficaz e bem sucedida, estabelece um despotismo sobre o esprito, que, por uma tendncia natural, conduz a um despotismo sobre o corpo.36

Stuart Mill considerado por alguns estudiosos como um autor de transio entre o pensamento econmico antigo (que d maior nfase aos aspectos ligados produo da riqueza) e o pensamento econmico moderno (que enfatiza os aspectos ligados distribuio da riqueza)

A EVOLUO DO ESTADO MODERNO

O Estado Moderno emergiu progressivamente desde o sculo XV como forma especfica de dominao poltica. Ele se distingue do feudalismo por trs elementos principais. Em primeiro lugar, institui se a separao entre uma esfera pblica, dominada pela racionalidade burocrtica do Estado, e uma esfera privada sob o domnio dos interesses pessoais. Em segundo lugar, o Estado Moderno dissocia o poderio poltico (poder de dominao legitima legal-racional) do poderio econmico (posse dos meios de produo e de subsistncia), que se encontram reunidos no sistema feudal. E para terminar, o Estado Moderno realiza uma estrita separao entre as funes administrativas e polticas, tornando-se autnomo da sociedade civil. Tradicionalmente admite se que o Estado Moderno tomou duas formas principais: o Estado Liberal e o Estado Social. O primeiro emergiu com as revolues burguesas dos sculos XVIII e XIX; o segundo comeou a construir-se desde o final do sculo XIX at aproximadamente os anos 1970. Anos desde os quais se considera esse ltimo em crise. O Estado Moderno de tipo liberal tem acompanhado e tem favorecido o desenvolvimento da economia capitalista. O Liberalismo que lhe inspira est baseado sobre o princpio da limitao da interveno estatal, da liberdade do indivduo e da crena na superioridade da regulao espontnea (Hayek) da sociedade. O Estado Liberal se concebe como a garantia da proteo do indivduo contra a limitao de sua liberdade para qualquer forma de corporativismo (Lei Le Chapelier na Frana). Ele tem a imagem de um protetor dos direitos dos indivduos. Cumpre sua tarefa graas monopolizao dos meios de violncia fsica (exrcito, polcia) e do poder jurdico, (direito, justia). Ele s tem a legitimidade do uso da coao jurdica e fsica. Em contrapartida, o Estado renuncia a intervir nos campos econmicos e sociais que so de carter pu