Ciencia Uma Visao Geral Apolinario 1

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    M E T O D O L O G I A D AF i l o s o f i ae P ra t i c a

    d a P e s q u i s ad i a o r c v i s ta

    a t u a l i z a d a

    F i l o s o f i ae P ra tic a

    d a P es q u is a

    .A. c iencra2~ edi~ao rev ista

    a t lJ a t i z a d a

    E m M e to d a /a g io d o a e nc t o: l i/ as a Ji a e p r6 ti ca d a p es qu is a a l ei te r e n ro n tr ar a l im aa bo rd ag em d a m e to do lo gi a c ie nt if ic a q ue p riv lle gi a ta nt o o s a s pe cto s t e o r i c o s ef il os o fi co s d a c ie n ci a q u an to s eu s a sp e ct os p ra tl to s . E s ta s eg u nd a e d i, ao t ra z r en o va ro e se m r e la , ao a e d i, ao a n te ri or , c o m o atual i zatces d as n or ma s d a A B N T e a lnt lusao da sn o rm a s d e V a n co u ve r p a ra a B i bl io g ra fi a.E sc ri to d ef or m a c la ra e c om u m a s eq ue nc ia log ica, e sta o br a e urn g u i a "p asse a p a s so "p ar a a produtao d e t ra b al ho s c ie n tf fi co s, d e sd e 0 p la ne ja me nt o e a e l abo r acao dein st r um e nt as d e c ol eta d e d ad os a te a a na li se d os r es ul ta do s e c o n c lu s d es ,T ra ta -s e d e u m te xt o d id at ic o s im p le s e c on ci so , f ru to d e a no s d e e xp er ie nc ia e m s al a d ea ul a n o e ns in o d e m e to do lo gi a c ie nt ff ic a p ar a a lu no s d os m a is d iv er so s r ur so s e a re asd o c o n he c im e n t o.

    A P l l ( A ~ i i E So br a de dk ao a a a lu no s d e g ra du ac ao e p os -g ra du ac ao e m E co no m i a , D ir e ito ,A d rn in is tr at an , M e d ic in a , E n fe rm a g em , E n ge n ha ri a, P e da g og ia , F fs ic a e d e m ai s c u rs esu nl vc rs it ar lo s q ue c on te m pl em a e la bo ra ca o d e u m tr ab al ho c ie nt l fi co q ue e xi ja aa p re se nt ar ao d a s p a rt es e ss en c ia is d e u rn r el at or io d e p e sq u is a.

    ~. # CENGAGE... Learning-Para s ue s s ot uc ce s d e c ur se e a prendi za do ,visite www.cengage.com.br

    ISBN: 978-85-221-1177-0ISBN 10:85-221-1177-4

    1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 19 788522 111770

    http://www.cengage.com.br/http://www.cengage.com.br/
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    Dados lnternacionais de Cataloga~ao na publica~ao (ClP)(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Appollnario, FabioMe to dal og ia d a cl .en ci a f ilo so fi a e pratica da

    pesquisa / Fabio A pp ol in ar io . - - 2. ed. -- Sa o PauloC en ga ge L ea rn in g, 2 01 2.

    Bibliografia.ISBN 978-85-221-1177-0

    1. Cie nc ia - F ilo so fi a 2 . ci en ci a - Metodologia3 ~ Pe aqu is a - Metodologia I. Titulo.

    11-06288 CDD-OOL 42indices para catalogo sistematico:

    1. Cie nc ia : Metodologia 001.422 . Pes qu is a : Me to do la gia 0 01. 42

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    Ciencio:Umo Visco Geral

    Assim como casas sao Feitos de pedras, a ciencia e leita de latos. Mosuma pi/ha de pedras noo e umo coso e umo colecco de fotos noo e ,

    necessatiomente, ciencia.Jules Henri Poincare

    A ciencia talvez seja 0mais novo dos ernpreendimentos intelectuais huma-nos, se considerarmos que, em sell formate atual, surgiu apenas no seculoXVII.Todavia, encontrarno-nos hoje totalmente imersos em suas referenciase subprodutos (os artefatos tecnologicos), Compreender a ciencia significacompreender urn pouco do nosso mundo conternporaneo ~ inc1uindo ai suasubjetividade inerente.

    Muito embora a maioria de nos nao pretenda se transformar em urn cien-tista propriamente dito, consideramos fundamental compreender minimamentecomo essa forma de conhecimento funciona e como influencia nossa vida coti-diana. 0 objetivo deste capitulo e buscar uma primeira aproximacao com0con-ceito e 0 universo da ciencia, em suas diversas acepcoes.

    A Melhor Calc;a Jeans do BrasilImagine a seguinte situacao: voce deseja cornprar uma calca jeans nova. Masvoce decide utilizar urn procedimento cientifico, ja que pretende alcancar

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    4 METODOLOGlA DA CIENClA

    o resultado rnais preciso e correto possivel. Bern, para que isso se concreti-ze, primeiro precisarernos de dinheiro - algo em torno de R$ 350 mil s6 paracomecar (toda pesquisa cientiflca deve ter urn orcarnento).o primeiro passo sera descobrirmos, por meio de urn levantarnento demercado, os rnodelos e fabricantes disponiveis, para que possarnos efetuarcornparacoes. Assim que soubermos quantos modelos vamos testar, podemosplanejar as fases seguintes da nossa pesquisa. Digamos que concluirnos, ap6surn levantarnento que durou 30 elias, que ha 600 modelos diferentes de ca1-cas, inc1uindo ai todas as variacoes de lavagens, tecidos, modelagens e fabri-cantes. 0 pr6ximo passo sera adquirirrnos, preferencialmente pelo menorpreco possivel, urn exemplar de cada modelo - nao nos esquecendo de ano-tar 0preco e os dados basicos dos fornecedores em uma planilha, para ana-lise futura.

    Teremos, entao, de submeter essas 600 calcas a uma serie de testes. Porexernplo: 0teste do "caimento". Vamos convidar cinco especialistas ern moda-tres estilistase dois jornalistas especializados - para que possam avaliar esse que-sito, atribuindo-lhe uma nota de zero a dez, enquanto voce desfila elegantemen-te em uma passarela, corn cada um dos 600 modelos, e claro. Com uma mediade 40 modelos por dia, essa etapa levara cerca de 15 dias para ser completaela.

    Depois, pass amos ao segundo teste: montamos um laborat6rio com 60maquinas de lavar e 60 secaeloras de roupa. Lavamos e secamos continuamen-te cada peca pelo menos 20 vezes. Analisarnos dois itens nessa etapa: a taxade desbotarnento da tintura (a cada lavagem) e a taxa de desagregacao pro-gressiva do tecido, quando analisado por meio de microscopies. Considerandoum tempo (estimado) de uma nora para lavar, 40 minutes para secar e umahora e 20 minutos para analisar cada pe

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    CIENOA: UMA v rsxo GERAL 5

    final de aproximadarnente dez meses, chegamos a conclusao perfeitamentecientifica de que a melhor calca jeans do Brasil e a. .. Bern, nao vamos revelaressa mforrnacao confidencial de altissimo valor comercial.

    Muito bern. A essa altura, voce deve estar pensando: e inviavel tentar resol-ver todos os problemas por meio de procedimentos "cientificos". No caso danossa calca, talvez 0melhor mesmo seja consultar aquela nossa amiga que jatern opiniao formada sobre 0 assunto e, entao, baseando-nos em sua experien-cia, podemos concluir alguma coisa sobre 0, tema - s6 que de forma rapida egratuita. A esse segundo procedimento damos 0 nome de sensa comum.

    o senso comum talvez seja a primeira forma de conhecimento a ter surgi-do sobre a face da Terra, juntamente com 0Homo sapiens, hi cerca de 40 milanos. E essa forma de conhecer 0mundo e extrema mente importante: sem ela,nao poderiarnos resolver os problemas mais banais do nosso dia a dia - comoo problema de descobrir a melhor calca jeans entre todas as que existem nomercado brasileiro. A todo instante precisamos tomar decisoes: a melhor marcade creme dental, a melhor combinacao de cores para a roupa que vamos usafem uma entrevista de emprego, 0aparelho celular que devemos comprar (etambern qual operadora de telefonia celular e plano de assinatura sao osmelhores para n6s) etc.

    Baseando-se no exemplo da calca, voce ja imaginou se f6ssemos nos me-ter a utilizar procedimentos cientificos para cada decisao dessas? E 6bvio quenao podemos fazer isso, pois nao teriamos nem 0tempo nem os recursos neces-sarios para tanto. E e precisamente por isso que 0 sensa comum e muito valio-so: ele nos permite tomar centenas de decisoes diariamente, sem que tenha-mos de mover "ceus e tetras".

    POl' outro lado, acreclitamos ter se tornado perfeitamente 6bvio tarnbem queo conhecimento adquirido por meio de um "rnetodo cientifico" parece ser bemmais preciso que 0 obtido por meio do senso comum. No caso do nosso exern-plo, pode ate ser que os dois processos conduzissem as mesmas conclusoes(ernbora isso seja improvavel), porem 0 processo cientffico e rnuito rnais dignode confianca.

    Assim, podemos estabelecer as bases para uma primeira cornparacao en-tre os dois processos:

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    6 METODOLOGIA DA CIENClA

    Quadro 1.1 Conhecimento cientffico e senso comumConhecimento obtldo a partir

    do senso eemum

    Objetivo e impessoal: e simples, direto e factual.Tende a ser rnais isenro, dependendo menosdos nossos [uizos e disposicoes pessoais

    Conhecimento obtido ,apartirde processos cientificos

    Asslstematico e desorganizado Sistematico e organizadoAmet6dico: frequentemente depende do acaso Met6dico: e produzido a partir de uma serlede procedimentos especificos e bem-definidosSubjetivo: depende de nossos [ulzos edlsposlcoes pessoais

    E muito importante compreender que uma forma de conhecimento nao esuperior a outra. De fato, sao complementares muitas vezes, 0 conhecimen-to cientifico depende e se origina de indagacoes oriundas do senso comum, 0que pode acabar resultando em alguma descoberta cientiflca importante. Porexernplo: a estrutura para a camera de bolhas utilizada para a deteccao de par-ticulas subatornicas ocorreu ao cientista Donald Glaser (Premio Nobel de Pisicaem 1960) quando ele olhava distraidamente para urn copo de cerveja, e a estru-tura quimica do benzene surgiu na mente de Friedrich Kekule enquanto ele dor-mitava em frente a lareira.

    Mas, afinal, 0que e exatamente 0 conhecimento cientifico? Podemos pen-sar assim: e 0 conhecimento produzido pelos cientistas (isso e uma tautologia'muito.interessante). E 0 que seria um cientista? Se perguntarmos a uma crianca,provavelmente ela nos did que se trata de uma pessoa de oculos, vestida comum jaleco branco, em meio a urn laborat6rio repleto de tubos de ensaio com Ii-quidos coloridos fumegantes e de diversos aparelhos interessantes com peque-nas luzes piscando. Provavelmente urn cientista social ficaria urn tanto incomo-dado com essa imagem, de forma que teriamos de buscar uma conceituacao maisgeraLAlgo como: "individuo que busca gerar conhecimentos novos por meio deum metodo especifico, denominado metoda cientifico".

    Nao ha uma maneira rapida e facil para definir 0 que seja exatamente 0metoda cientffico. Alias, 0 objetivo principal deste livro e de que 0 leiter, aofinal da obra, possa ter compreendido melhor esse conceito-chave. Mas, mesmoassim, vamos nos antecipar e adiantar algumas ideias. Vejamosa palavra metoda,que vem do grego metbodos, que, por sua vez, deriva da composicao das pala-vras meta (atraves de) e hod6s (carninho), ou seja, "atraves de um caminho"

    Raciocinio circular, tentativa de demonstracao de uma tese, repetindo-a com palavras diferentes.

    :

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    CIENCIA: UMA VIsAo GERAL 7

    Portanto, urn rnetodo e urn procedimento ou urn conjunto de pass os que se deverealizar para atingir determinado objetivo, Nesse sentido, podemos encontrar 0rnetodo na culinaria (0 rnetodo para produzir urn delicioso pave de chocolateesta especificado em sua receita), na arte (os diversos rnetodos para produziruma escultura ou urna pintura tambern sao bern-definidos) e ate mesmo na reli-giao (ha metodos, por exernplo, para a realizacao de cerimonias religiosas, ora-coes etc.).

    Como vemos, 0metodo, como processo organizado, logico e sistematico,esta presente em todos os ambitos da experiencia hurnana. 0 metodo cientffi-co seria, portanto, apenas um caso particular dos diversos tipos de rnetodos econsistiria de algumas etapas bem-definidas, como: identificacao de urn feno-meno no universo que pe

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    8 METODOLOGIA DA CI.ENCIA

    prime ira parte deste livro, vamos investigar em detalhes sua historia e prin-cipais conceitos. Mas, por ora, vejamos a etimologia da palavra: ciencia vemdo latim scientia (ou episteme, em grego), que, por sua vez, tern sua origemno termo scire, cujo significado e "aprender, conhecer" (APPOLINARIO,2004). Vejamos 0 que dizem alguns autores importantes sobre a cienciaQuadro 1.2 Algumas definir;6es de ciencia

    Ander-Egg Mar,x;A KiUlx Karl Popper Newtonda Costa"Conjunto de conhe- "Atividade pela "Um clentista, seja "A ciencia consistecimentos racionais, qual os homens adqui- teorlco ou experimen- essencialmente em sis-certos ou provaveis, rem um conhecimento tal, formula enuncia- temas de conhecimen-obtidos metodicamente, ordenado dos fen6- dos ou sistemas de tos alcancados porsistematizados e menos naturais, traba- enunciados e veriflca- caminho raclonal, Seuverific:iveis,que fazem Ihando com uma -os um a um. No propos ito:0conheci-referencia a objetos metodologia particular campo das cienclas mento cientffico, istode uma mesma (observacao controla- empiricas, ele formula e, uma serie de cren-natureza" (ANDER- da e analise) e um hip6teses e subrnete- cas verdadeiras e justi-EGG, 1978, p. 15). con junto de atitudes -as a testes, confron- ficadas, dentro das

    (ceticismo, obietivida- tando-as com a expe- fronteiras da racionali-de etc.)" (MARX; riencla, atraves de dade (...) poder-se-iaHILLlX,1978,p. 19). recursos de observa- dizer que a razao sozi-

    c;ao e experimenta- nha conduz, em princl-cao" (POPPER, 1974, pio, as cienclas for-p.27). mais; razao mais expe-riencla, as reais"

    (COSTA, 1999,p.41).

    Como se pode observar por meio dessas definicoes, a ciencia parece pos-suir algumas caracteristicas particulares especiais que a diferenciam deoutras formas de conhecimento, como a arte, a religiao, a filosofia e, e claro,o senso cornum. Sim, caro leitor, existem mesmo diversas formas de conhe-cimento. Vejamos cada uma delas com mais detalhes.

    o Conhecimento Religioso (ou Teoloqico)Desde os primordios da civilizacao, existe a crenca em uma forca superior,divina, que rege os destinos do universo. Essa crenca, produto da fe e datranscendencia, permitiu ao ser humane explicar e organizar uma realidademuitas vezes arneacadora e perigosa. Por exemplo: quando perdemos umente querido, a ciencia nao pode nos consolar, mas as matrizes explicativasreligiosas nos trazem conforto enos ajudarn a suportar melhor a perda. A

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    (lENeTA, UMA V1.5l1.0 GERM 9

    maioria de n6s ja se sentiu ligada, de alguma forma, a essa forca divina que,em cada religiao em particular, assume uma manifestacao espedfica, comoBuda para os budistas, Jesus Cristo para as cristaos ou 0 deus Ra para as anti-gos egipcios.o conhecimento religioso, em seu sentido mais amplo, refere-se a qualquer

    conhecimento que nao possa ser questionado ou testado, adquirindo, portan-to, um carater dogrnatico. 0 dogma e uma afirmacao que nao po de ser con-testada e, por 1SS0, acaba se constituindo na base da maioria das religioes, Porexemplo. se voce for catolico apost6lico romano, deve, necessariamente, acre-ditar no "dogma da infalibilidade papal", que afianca ser impossivel que 0 papase engane sobre qualquer assunto, uma vez que ele seria, supostamente, 0 legi-timo representante de Deus na Terra.

    Outra caracteristica interessante do conhecimento religioso refere-se ao seucarater pessoal: a fe de uma pessoa nao pode ser comunicada totalmente as ou-tras. Ou seja, a "experiencia religiosa" e muito pessoal, e essa "reconexao" (a pala-vra religiao e derivada do termo latino religare - ligar novamente, ou seja, re-conectar algo que ja foi ligado em eras passadas: Deus e a homem) pode sedar tanto em uma cerimonia religiosa como em outras situacoes inusitadas -na observacao de um linda par do sol, por exemplo. Dessa forma, 0"rneu"Deus nao e e nunca sed. igual ao "seu" Deus.

    o Conhecimento Artisticoo conhecimento artistico e embasado na emocao e na intuicao. Quando entra-mos em contato com uma obra de arte, seia ela uma pintura, uma escultura,uma musica 01.1 uma poesia, por exemplo, muitas vezes nao conseguimos "colo-car em palavras" 0que estamos experienciando. Isso ocorre porque a informa-r;ao veiculada pela manifestacao artistica e preponderantemente de naturezaemocional. Observamos um quadro e ele nos "suscita" algo: uma irritacao, umasensacao de paz, uma alegria indefinivel etc.

    E uma forma de conhecimento essencialmente nao racional e dificil de sercapturada pela 16gica. Alias,0conhecimento artistico pode ou nao assumir umal6gica similar ao senso comum e a ciencia, A arte pode, na realidade, assumirqualquer forma, uma vez que 0que vale e a relacao especial que se estabele-ce entre 0 observador e 0 fenomeno observado. Por exemplo: podemos olharpara uma equacao escrita em urn quadro-negro e pensa-la sob a 6tica da mate-matica (ciencia) ou da estetica (0 equilibria dos termos, a cor do giz, a sono-ridade de seus elementos etc.).

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    10 METODOLOGIA DA ClENeIA

    Outras duas caracterfsticas importantes do conhecimento artisticosao: primei-ra, essa forma de conhecimento e inesgotavel, ou seja, a informacao estetica con-tida em uma obra de arte sera encarada de forma diferente por varias pessoas etambern de varies modos por uma iinica pessoa, em momentos diferentes.Certamente voce ja teve a experiencia de ler varias vezes um livro ou assistirdiver-sas vezes ao mesmo filme, sempre observando elementos novos e tendo insightsdiferentes acerca c la obra. Segunda, a informacao estetica nao pode ser traduzidapara outras linguagens sem perda de inforrnacao re1evante.POI' exemplo: tente des-crever em palavras a obra Mona Lisa, de Leonardo c ia Vinci,para uma pessoa quejamais a tenha visto e voce entendera 0que estamos dizendo.

    o Conhecimento Filos6ficoPitagoras (seculo VI a.Ci), por seus enormes conhecimentos, era frequente-mente chama do de "sabio" por seus discipulos. Quando isso acontecia, eleretrucava: "Minhaunica sabedoria consiste em reconhecer minha pr6pria igno-rancia. Assim, nao devo ser chamado de sabio, mas antes de amante da sabe-doria". E e exatamente isso 0que significa a palavrafilosofia, juncao dos ter-mos gregos philos (amor) e sofia (sabedoria).

    Tentar definir em termos absolutos essa grandiosa area do conhecimentohumane seria, no minimo, urn ate arrogante e destituido de proposito. Vamosfazer diferente: ao explorarmos urn pouco 0 conceito, pelo menos caminhare-mos na direcao de uma compreensao aproximada acerca das diferencas fun-damentais entre essa forma de conhecimento e as outras. Para isso, pediremosauxilio a urn dos maiores pensaclores do seculo XX, 0 filosofo britanicoBertrand Russell (1872-1970):

    A /lfilosofia", no meu entender, e algo intermeduuio entre a religiao ea ciencia. Semelhantemente a religiao, a filosofia consisie de

    especolccoes sobre assunios, com respeito aos quais nao foi aindapossivel obter conhecimento definido. Mas semelhantemenle a ciencia,a filosoFia apela a rozdo humana, e nao a uma autoridade, seio esso a

    outoridode da tradir;:aoou da revelocao. Todo conhecimento definido, e atese que defendo, pertence a ciencia; todo dogma a respeito daquilo que

    faz alem do conhecimento derinido pertence a religiBo. Mas entre areligiao e a ciencia ha umo terra de ninguem que esla aberta a alaques

    de ambos os lados: essa terra de ninguem e a filosofia.IR U SSE L L, 1 9 45 ]

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    ClENeIA: UlvIAvrsxo GERAL 11

    Podemos dizer, entao, que urn dos mais fortes componentes presentes nafilosofia e a razao. Naturalmente isso tambem ocorre na ciencia, mas a dife-renca basica entre elas parece resiclir no metodo para a producao do conhe-cimento: a filosofia baseia-se fundamentalmente na razao, tanto como a cien-cia, mas, ao buscar comprovacoes empiricas acerca dos fatos, a ciencia produzconhecirnentos verificaveis, 0 fil6sofo norte-americano Richard. Rorty disse algomuito elucidativoa esse respeito: "A filosofia e a disciplina por meio da qualse busca 0 conhecimento, porern s6 se obtem a opiniao'' (RORTY, 1982, p. 57).

    Comparando as Formas de ConhecimentoPodemos considerar, a guisa de conclusao, que no mundo conternporaneo to-das essas formas de conhecimento coexistem. Quando entramos em contato comurn fen6meno qualquer, par exemplo, poclemos pensa-Io par meio dessas cincomatrizes de compreensao. Assim, dependendo do ponto de vista, construirernossignificados diferentes, dependendo da matriz de compreensao escolhida.

    Digamos, por exemplo, que, enquanto voce esta aguardando 0semafo-ro abrir, observa do seu autom6vel a seguinte cena: uma pessoa, ao tentaratravessar distraidamente a rna, por pouco nao e atropelada por urn carro queconsegue frear a tempo. Apesar do enorme susto, ela escapa ilesa e levantaas maos para cima, gesticulando e murmurando alguma coisa que voce naoconsegue ouvir.Ao refletir posteriorrnente sobre essa cena, voce pode pensa-la sob diversosangulos:

    Deus deve ter dado outra chance aquela pessoa. Parece que 0 "recado"foi bern compreendido, pois ela agradeceu, comovicla, peIa protecao con-cedida pelos designios divinos [conhecimento religiosol,

    e impressionante como as pessoas andam cada vez rnais distraidas hojeem dia: quem nao sabe que se deve olhar para as dois lados da via an-tes de atravessar? [conhecimento de sensa comuml,

    de fato, se os pneus nao estivessem novos e calibrados e 0 autom6ve!nao contasse com freios ABS, nao teria side possivel frea-lo a velocida-de de 60 km/h a uma distancia de 20 m, como 0motorista fez [conhe-cimento cientffico],

    a vida e realmente urn fen6meno efemero. Se e verdade que todos pode-mos morrer a qualquer hora, nao convern perder tempo com futilidades(conhecimento filosofico];

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    12 METODOLOGJA DA CrENCLA

    foi uma cena dantesca. 0 ruido do freio, 0grito da mulher - aquela ima-gem produziu em mim uma ernocao devastadora (conhecimento artisti-col.

    Esta certo, concordamos plenamente que nao e tao facilassim isolar as for-mas de conhecimento urnas das outras. Nas frases citadas, nota-se claramentea dificuldade em estabelecer a diferenca entre 0 conhecimento filosofico e 0 desenso comum, por exemplo. Mas observe com cuidado. no primeiro caso, exis-te urn raciocinio logico ("se a vida e efernera, todos vamos morrer urn dia, por-tanto nao devemos gastar nosso tempo com bobagens"), enquanto, no segun-do, hi uma afirmacao de carater ernpfrico e pessoal ("as pessoas andam cadavez mais distraidas hoje em dia"). .

    No universo do discurso, simultanearnente produzimos e consumimos co-nhecimento em todas essas forrnas. De fato, dificilmente podemos isolar umaforma de conhecimento da outra, urna vez que todas estao arnalgamadas emnossa atividade linguistica. POl' exernplo: 0 cientista tambern tem sua dimensaoreligiosa, espiritual. Alern disso, ele nao vai utilizar 0 raciocinio cientificodurante as 24 horas do dia, pois, como qualquer ser humano comum, tarnbemlida com problemas e situacoes cotidianas que lhe exigem decis6es baseadasno senso cornum, na Iogica filosofica, na estetica etc.

    De qualquer forma, como podemos observar no Quadro 1.3,0 conheci-mento cientifico difere das outras formas de conhecimento em alguns aspec-tos, porern assernelha-se em outros. Mas, para efeitos desta introducao, vamosa sua essencia: trata-se de urn conhecimento concreto, real (vem dos fates),organizado e sistematizado, obtido por meio de um processo bem-definido(rnetodo cientifico) e que pode ser replicado (outros pesquisadores, em qual-quer parte do mundo, se repetirem as mesmas experiencias e observacoes, de-vem chegar as rnesrnas conclusoes do estudo original). Possui, ainda, duas ca-racteristicas fundamentais, que serao anaUsadas nos pr6ximos capfrulos: averificabilidade (para ser cientifico, 0conhecimento deve ser passivel decomprovacao) e a falseabilidade (nao se trata de um conhecimento definiti-vo: sen/pre pode vir a ser contestado no futuro, em funcao de novas pesqui-sas e descobertas).

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    CIENClA: UMAVISJi.O GERAL 13

    Quadro 1.3 Cornparacao entre as diversas formas de conhecimentoFormas de conhecimento I

    Caracteristicas Senso Artistico Religioso Filosofico CientificocomumVinculacao com Valoratlvo Valorativo Valorativo Valorativo Factuala realidade

    Tradicao oral, Observa

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    14 METODOLOGIA DA CJENCrA

    o objetivo deste capitulo foi apresentar ao leitor uma ideia geral introdu-toria do campo cientifico. Nos proxirnos capitulos, veremos como se deu 0 de-senvolvimento da concepcao cientifica acerca do mundo e do universe e parque ela e tao importante nos dias atuais.

    CienciaMetodoMetodo ciervtlficoSense comum

    Conhecimento filos6ficoCcnhecirnentorellgiosoConhecimento artisticoCiencias formals

    Ciencias naturalsCiencias socials

    ALVES,R . Filosofia d o c ie n c ia : introducao ao jogo e s u a s regras. Sao Paulo: Loyola, 2000.Escrevendo de forma espirituosa, Rubem Alves nos conduz pelo mundo do raciodnio cientfflco e da filosofiada ciencia de urna maneira ao mesmo tempo sistematica e agradavel, Repleta . de exemplos e citacoes de auto-res consagrados da ciencia e da filosofia, a obra explora com propriedade critica as fronteiras entre 0 conhe-cimento cientlf lco e as outras formas de conhecimento.SAGAN, CO m unda a ss om bra do pela s derncmos.a ciencla vista como uma vela no escuro, Sao Paulo: Companhiadas Letras, I997..Nessa excelente obra, 0astronorno Carl Sagan faz uma defesa apaixonada da ciencia, denuncia.ndo 0virus doanalfabetismo cientifico que assola a cabeca da maioria das pessoas e desfazendo mal-entendidos comuns acer-ea do que seja ou nao ciencia,