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34 PRESENÇA PEDAGÓGICA v.12 • n.72 • nov./dez. 2006 Ciências: atividades investigativas nas séries iniciais ELY MAUÉS * MARIA EMÍLIA CAIXETA DE CASTRO LIMA** * Professor da Faculdade Pitágoras e Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. ** Professora da Faculdade de Educação da UFMG.

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34 • PRESENÇA PEDAGÓGICA • v.12 • n.72 • nov./dez. 2006

Ciências:atividades investigativasnas séries iniciais

ELY MAUÉS *MARIA EMÍLIA CAIXETA DE CASTRO LIMA**

* Professor da Faculdade Pitágoras e Centro Universitário MetodistaIzabela Hendrix.

** Professora da Faculdade de Educação da UFMG.

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O ensino de ciências as séries iniciais tem um papel

importante no desenvolvimento, desde que possibilite

às crianças a oportunidade de expressarem seus modos

de pensar, de questionar e de explicar o mundo. O papel

do professor é o de um companheiro de viagem, mais

experiente nos caminhos, na leitura dos mapas, no

registro e na sistematização das experiências vividas.

S/t, Série Objetos para Oko-jumu, Martha Simões, s/d.

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NCiências: atividades investigativas nas séries iniciais

Neste texto revisitamos alguns velhos dilemas,incansavelmente apresentados nos círculos acadêmicos.São eles: Quem ensina ciências nas séries iniciais? O quese ensina? Que objetivos se atribuem ao ensino nesse seg-mento? Como se ensina? Retomamos essas questões afim de criar uma tensão no debate em um rumo umpouco diferente do que vem sendo apresentado. Issopoderá vir a enriquecer nossa compreensão sobre ensinarciências da natureza nos cursos de Pedagogia e nos espa-ços de formação continuada de professores de ciências.Além disso, acreditamos que a explicitação de nossacompreensão sobre essas questões pode suscitar em nos-sos colegas o desejo de dar continuidade ao debate.

Na nossa experiência como formadores dedocentes, percebemos que algumas professoras acredi-tam que não é necessário ensinar tão cedo tais conteú-dos. Outras não se sentem autorizadas a ensinar ciênciasnas séries iniciais. O ato de ensinar ciências gera umarelação de tensão em sala de aula, o que produz nas pro-fessoras sentimentos de angústia e aflição, de acordocom relatos delas mesmas. Na disciplina "Fundamentose Metodologias das Ciências Naturais" de um dos cursosde Pedagogia dos quais somos professores, é comum ter-mos afirmações como a que se segue:

...começo a me lembrar de fatos que surgiram nãosó no primeiro dia de aula, mas que foram questõespolêmicas discutidas durante o curso: grande parte daturma acreditava que para lecionar Ciências Físicasnecessitava primeiramente saber Ciências. É obvioque um professor precisa ter consciência do que deve-ria trabalhar com seus alunos, mas sinto que o pen-samento de nós, alunos do curso de Ciências Físicas,seguia a lógica (mesmo que de forma inconsciente) deque quem conhece ciências são os biólogos, os físicos,os químicos. Como nós, pessoas "leigas" ("nãoaptas"), poderemos ensinar essa disciplina?

Além dessa relutância básica dos professores emensinar ciências, outra constatação é a de que as estraté-gias predominantemente utilizadas são a exibição devídeos, a leitura de livros didáticos, o estudo dirigido, ouso de questionários e a escrita de resumos.

Muitos professores desenvolvem estratégiasdocentes que lhes proporcionam uma sensação de segu-rança que os faz pensar que ensinar ciências é fácil. Sãoos casos em que optam por:

• dar menos ênfase aos conteúdos ligados à áreade ciências da natureza;

• conteúdos que apresentam maior domínio,como são os tópicos relativos à saúde, alimen-tos e higiene (SILVA, 2003);

• seguir o livro didático passo a passo; dar aulasexpositivas em vez de fomentar o diálogo e oquestionamento das coisas e de seus porquês.

Raramente desenvolvem atividades experimen-tais e, quando o fazem, revelam que o objetivo dosexperimentos é o de clarear as explicações, motivar osalunos para o aprendizado e fixar conceitos. As ativida-des experimentais surgem como comprovação da teoria,instaurando um divórcio entre a teoria e a prática.

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As estratégias que as professoras

experientes utilizam para ensinar

um conteúdo que lhes é pouco

familiar são eficazes. Elas são

capazes de mobilizar saberes das

outras áreas de conhecimento para

desenvolver atividades

significativas.

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É comum encontrarmos professores que nãodominam conceitos básicos que ensinam, como as cau-sas do dia e da noite, as estações do ano e as fases da lua,o circuito e a corrente elétrica. Muitos acreditam que osplanetas só podem ser vistos através de telescópios; queos dinossauros viveram ao mesmo tempo em que vive-ram os homens das cavernas; que um prego pesa menosdo que o ferro utilizado como matéria-prima para fazê-lo; que a eletricidade é consumida no interior dos eletro-domésticos e que o norte aponta para o topo do mapa daAntártida. Enfim, apresentam explicações que estão emdesacordo com as explicações científicas e se aproximamdaquelas dadas por crianças de onze anos (WEBB, 1992;SCHOON e BOONE,1998).

O conhecimento precário de ciências influencia o ensino de forma crucial?

Existem pesquisas que indicam que não há dife-renças significativas na aprendizagem dos alunos deconceitos científicos ensinados por professores genera-listas e professores especialistas (ZUZOVSKY, TAMIRe CHEN, 1989). Decerto, temos que concordar queproblemas relativos ao domínio de conteúdos concei-tuais existem em todos os níveis, quer seja infantil, fun-damental, médio ou superior. Atualmente temos acom-panhado um grupo grande de professores de ciências dosegmento de 5a a 8a séries e de Física, Química eBiologia para o Ensino Médio no Cecimig – Centro deEnsino de Ciências e Matemática de Minas Gerais. Semsurpresa detectamos baixo domínio dos conteúdos con-ceituais reconhecidos como básicos pelo currículo doEstado de Minas Gerais, o que torna maior o nossodesafio como formadores.

Na outra ponta existem também pesquisas queevidenciam que, embora algumas professoras apresen-

tem conhecimento precário de conteúdo, elas conse-guem ensinar ciências satisfatoriamente, possibilitandoaos seus alunos uma aprendizagem significativa(MAUÉS, 2003; MAUÉS e VAZ, 2005). Essas pesqui-sas concluem que as estratégias que as professoras expe-rientes utilizam para ensinar um conteúdo que lhes épouco familiar são eficazes. Elas são capazes de mobilizarsaberes das outras áreas de conhecimento (matemática,alfabetização, conhecimentos pedagógicos gerais) paradesenvolver atividades significativas, estimulando a cria-tividade das crianças, favorecendo sua interação com omundo, ampliando seus conhecimentos prévios, levan-tando e confrontando os conhecimentos dos alunos.Assim, mesmo não tendo um domínio adequado doconteúdo de ciências, as professoras estabelecem umamediação de qualidade entre as crianças e os objetos deconhecimento.

Afinal, as professoras não dominam o quê?

Quando os pesquisadores e formadores de profes-sores afirmam que as professoras não dominam os con-teúdos da área de ciências, por certo, estão falando dosconteúdos conceituais. Sendo assim, só nos restaria con-cluir que as professoras não os tendo, não sabem ou nãopodem ensinar ciências para as crianças. Para avançar-mos nessa discussão é preciso ampliar nossa compreen-são do que se entende por conteúdos escolares e sobre oque significa ensinar ciências para as crianças.

Essas pesquisas e projetos de formação inicial econtinuada devem falar da primeira dimensão dos con-teúdos, isto é, a do domínio de conceitos científicos.Nesse caso, a visão que se tem sobre o papel do ensinode ciências nas séries iniciais está restrita ao de ensinarconceitos científicos. Assim, para ensinar, basta domi-nar os conceitos. Se estivermos de acordo que é precá-

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rio o conhecimento dosconteúdos conceituaisdas professoras sobreciências e que esse nívelde ensino deve se ocu-par em ensinar concei-tos científicos, o únicocaminho que nos restapara sanar tais dificulda-des é o de ensinar Física,Química, Biologia eAstronomia para as pro-fessoras, de modo que tenham um conhecimento espe-cializado sobre essas disciplinas.

Entendemos os conteúdos escolares, tal como estáapresentado nos PCNs (Parâmetros CurricularesNacionais), em suas dimensões conceituais, procedi-mentais e atitudinais. Os conteúdos conceituais se refe-rem à compreensão ou domínio dos conceitos científi-cos. Os conteúdos procedimentais são da ordem dosaber fazer, no caso das professoras, do saber ensinar oumediar a aprendizagem. Os conteúdos atitudinais sereferem ao saber ser "com" e "sobre" as crianças, isto é,compreender o universo infantil com seus interesses epossibilidades.

Considerando apenas as dimensões conceituaisdos conteúdos estaremos assumindo que o saber do pro-fessor pode ser compensado ou modificado apropriada-mente e que, depois disso, pode ser transferido para ascrianças. Nesse caso, estamos concordando que a apren-dizagem resulta da transmissão de conteúdos conceituaisdo professor para o aluno. Portanto, faz-se necessáriopesquisar o ensino de ciências para as séries iniciais e seusprofessores, recolocando o problema do que é ensinarciências nas séries iniciais. Quem são as crianças nessenível de ensino? E o que as professoras precisam saberpara mediar o aprendizado das crianças? Significa inver-

ter as perguntas, os referenciais teóricos e o foco do olharsobre as professoras. Em vez de investigar a falta e osuprimento de conceitos, torna-se necessário investigar oque as professoras sabem e precisam dominar de modomais amplo para lidar com as crianças. Quais são ossaberes que as professoras têm? Como esses saberes sãomobilizados quando ensinam ciências? Que saberes rele-vantes são esses a serem mobilizados nessas situações?Que sentido e importância isso guarda no desenvolvi-mento da criança?

Concluímos com Alves (2005) que o discursosobre os professores guarda uma crença equivocada deque as pesquisas sobre o domínio conceitual fornecemferramentas ou saberes para uma intervenção autorizadasobre o que se deve ensinar, ser e fazer com as crianças.Ao contrário disso, é preciso construir um outro olhar,de um outro lugar, para se compreender o fazer e a cons-tituição da professora das séries iniciais (p. 28):

O que esse tipo de pesquisa deixa passar desaperce-bido é que a formação de professores, embora possa sermediada e alavancada pelos formadores em seus cur-sos e palestras, trata-se de um processo de sujeitos queao se pensarem são formados, reformados e transfor-mados. Movimento interno mesmo das subjetividades.

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Ensino por investigaçãonas séries iniciais

O ensino de ciências nas séries iniciais tem umpapel importante no desenvolvimento, desde que possi-bilite às crianças a oportunidade de expressarem seusmodos de pensar, de questionar e de explicar o mundo.Nesse caso, o papel do professor é o de um companhei-ro de viagem, mais experiente nos caminhos, na leiturados mapas, no registro e na sistematização das experiên-cias vividas. Compartilhamos a idéia de que é possívelpensar o ensino de ciências nas séries iniciais como expe-riência compartilhada, em que a professora e as criançasvivem a cumplicidade de uma experiência conjunta,como na subida de uma montanha:

Antes de atingir os cumes, a ascensão passa porcaminhos muito praticáveis que proporcionam belospontos de vista, caminhos acessíveis tanto à criançaque o descobre como ao adulto que a acompanha. Ese este receia tê-los mais ou menos esquecidos ou se osencontram um pouco modificados, pode com prazerdescobri-los ao lado de um jovem companheiro(CHARPAK, 1996, p.63).

Nos primeiros encontros das crianças com aaprendizagem de ciências, a linguagem científica éintroduzida no plano social da sala de aula de modo quetodos possam usar as palavras e ir recheando-as de sen-tido próprio. No processo de formação e evolução con-ceitual das crianças, a professora não precisa ter umdomínio aprofundado do conceito em questão.Contudo, há que se ter disponibilidade e capacidade defazer propostas e orientar os alunos na aprendizagemdas idéias que se quer introduzir. Cabe a ela apresentaras idéias gerais a partir das quais um determinado pro-cesso de investigação possa se estabelecer, procurando

selecionar, organizar, hierarquizar e problematizar osconteúdos estudados.

As crianças têm grande curiosidade sobre omundo natural. Não se cansam de perguntar o porquê,mesmo que os adultos se mostrem impacientes em res-ponder às suas perguntas. Estão sempre disponíveis paratestar suas hipóteses e apresentam características impor-tantes para que sejam construídos novos conhecimentos.No entanto, é comum encontrarmos situações escolaresem que as crianças ficam entregues à sua própria sorte.São elas, em última instância, que têm que dar coerênciaao fluxo de informação que lhes chega pela interaçãocom o mundo ou proveniente das aulas transmissivas.

Argumentamos a favor de que o ensino de ciên-cias nas séries iniciais se constitua em um espaço rico devivências, disponibilizadas por meio de metodologiasprivilegiadas, que auxiliem a criança a construir e orga-nizar sua relação com o mundo material e a reconstruirsuas impressões do mundo real, e que lhes proporcioneo desenvolvimento de novos observáveis sobre aquiloque ela quer saber. É importante lembrar que, conformeestudos orientados por Carvalho (1999), as crianças dasséries iniciais podem ir além da observação e descriçãodos fenômenos. Elas são capazes de tomar consciência desuas ações e propor explicações causais.

A ciência adota métodos e teorias, processos eprodutos. Os processos da ciência provêem da formacomo os conceitos e teorias são construídos, enquantoque os produtos são seus conceitos, teorias e fatos.Assim, o conhecimento em ciências não pode ser atri-buído somente aos conhecimentos de seus conceitos efatos. É fundamental que as crianças, durante sua vidaescolar, desenvolvam gradativamente um entendimentoda natureza das explicações, modelos e teorias científi-cas, bem como das práticas utilizadas para gerar essesprodutos. Em outras palavras, todos os estudantes têmo direito de aprender estratégias para pensar cientifica-

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mente, para formar conceitos científicos. É importanteque, durante o processo de escolarização, aprendam adescrever objetos e eventos, levantar questões, planejar epropor soluções, coletar e analisar dados, estabelecerrelações entre explicações e evidências, aplicar e testaridéias científicas, construir e defender argumentos ecomunicar suas idéias.

Um ensino de ciências por investigação dá a opor-tunidade de os estudantes interagirem, explorarem eexperimentarem o mundo natural, mas isso precisa serfeito de modo que as crianças não fiquem abandonadasà própria sorte, nem restritas à manipulação ativista epuramente lúdica. A aprendizagem sobre a ciência,como investigação ou indagação do mundo, ao contrá-rio do que muitos acreditam, ultrapassa a mera execuçãode atividades em que a criança vai adquirindo conheci-mentos espontaneamente, quando possui capacidadeintelectual e interesse suficiente (ALVES, 2005).

Situações-problema, quando introduzidas ade-quadamente, guiam e acompanham todo o processo deinvestigação, o que permite a construção de novosconhecimentos do que está sendo investigado. Nessaperspectiva, o professor de ciências desempenha o papelde guia. Ele propõe e discute questões, contribui no pla-nejamento de investigação dos alunos, orienta no levan-tamento de evidências, auxilia no estabelecimento derelações entre evidências e explicações teóricas, possibili-ta a discussão e a argumentação entre os colegas, promo-ve a sistematização do conhecimento.Conseqüentemente, o professor dá ao aluno a oportuni-dade de vivenciar suas experiências com parcimônia, namedida em que a construção dos sentidos pessoais é per-manentemente confrontada com a significação social dasidéias em circulação. Tal confronto e regulação das idéiasdevem-se ao fato de o professor ter o papel de crítico dacomunidade científica e de responsável, em última ins-tância, pelas idéias em circulação.

Em síntese, ao conduzir atividades investigativaso professor precisa garantir um ambiente rico de trocasverbais em sala de aula por meio de um intenso e com-prometido trabalho colaborativo. Isso requer do profes-sor orientação intencionalmente planejada, de modoque permita a liberdade de inventar e propor, sem queisso gere na criança um sentimento de abandono ou deimpotência. Sendo assim, consideramos que as ativida-des investigativas podem desempenhar um importantepapel no desenvolvimento das crianças.

Investigando a água fora do copo

Com o objetivo de ilustrar nossas idéias sobre opapel das atividades investigativas no processo de ensinoe aprendizagem em ciências nas séries iniciais, discutimoso fenômeno do embaçamento de um copo ou garrafaretirados do refrigerador. Essa atividade vem sendo discu-tida e avaliada junto aos professores de ciências em pro-jetos de extensão e nas disciplinas de Metodologia deciências de cursos de Pedagogia em que atuamos.

Uma situação comumente vivenciada pelas criançasrefere-se ao fato de, ao colocar água gelada em copo de

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Em síntese, ao conduzir

atividades investigativas o

professor precisa garantir um

ambiente rico de trocas de modo

que permita a liberdade de

inventar e propor, sem que isso

gere na criança um sentimento

de abandono ou de impotência.

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vidro ou de alumínio, elas observarem que, depois de umcerto tempo, o copo fica embaçado. Ao passarmos o dedona superfície do copo notamos que ele está molhado. Surgedaí a seguinte questão: de onde veio a água que está nasuperfície externa do copo? Essa questão pode ser utilizadacomo exemplo em uma aula expositiva sobre a composiçãodo ar atmosférico. Por vezes, ela é apresentada comodemonstração do fenômeno de condensação da água. Nocaso de se propor o estudo da mesma situação por meio deatividade investigativa, é diferente o modo de apresentar oproblema e de conduzir os alunos na sua resolução.

Em grupo, os alunos são motivados a falar e escre-ver sobre o fenômeno. De onde veio a água? Ela se for-mou? Ela já existia? O copo deixa a água sair por meio depequenos orifíciosque não podemosenxergar? Por quea água não "passapara fora" do copoquando ela nãoestá gelada? Isso sóacontece com aágua ou com outroslíquidos também?Algumas criançasvão se lembrar de experiências semelhantes já observadasem garrafas e latas de refrigerante retiradas do refrigera-dor, em jarros de sucos colocados na mesa, no interior docarro quando chove e o vidro fica embaçado, na parededo banheiro de casa etc.

Como é que a gente pode fazer para investigaralgumas das hipóteses levantadas? É comum os alunosassociarem esse fenômeno ao vazamento do líquido dointerior do copo para o exterior. Se essa hipótese apare-cer na sala de aula, como podemos auxiliar os estudantesa testá-la? Supondo que a água esteja saindo do interiordo copo, é de se esperar que o volume de água no inte-

rior do copo diminua. Assim, uma idéia poderia ser a demedir o volume de água colocado no copo e ver se ele sealtera depois de ocorrer o suposto vazamento. Caso osestudantes não tenham essa idéia, a mediação da profes-sora é de suma importância. Para tal, a professora podeconduzir o pensamento das crianças sobre o que seria dese esperar sobre a quantidade de água no interior docopo decorrido algum tempo, caso a água esteja "vazan-do"? Para monitorar o volume de água no interior docopo pode-se usar uma fita de papel milimetrado e umacaneta para marcar as quantidades. Feito isso, as criançaspoderão concluir que a água não "vazou".

Caso alguns alunos digam que a origem da água éinterna, mas que não ocorre vazamento dela, mas uma pas-

sagem pela bocado copo, pois elaevapora (conheci-mento que muitostêm), essa hipótesepode ser testadabastando repetir oexperimento usan-do uma tampa depapel ou de outromaterial qualquer.

Assim, ao concluírem que a água não veio de den-tro do copo, podemos levar as crianças a admitirem que aágua que embaçou o copo seja proveniente do exterior, doar, do ambiente externo ao copo. Descartada então a hipó-tese inicial, outras idéias devem se apreciadas. No caso, aágua não estaria saindo do interior do copo, mas existin-do no seu exterior. Mas como estaria de fora se a gente nãopode vê-la no ar?

Podemos propor com as crianças um outro teste:analisar o que acontece com um copo sem água depoisde retirado do congelador? O copo também ficará emba-çado pelo vapor de água da atmosfera que se condensa

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S/t, Série A casa do sonhador, Martha Simões, s/d.

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Ciências: atividades investigativas nas séries iniciais

ao encontrar a superfície mais fria. Assim, é preciso aju-dar as crianças a darem o "pulo do gato", a sistematizaras idéias, a estabelecer relações entre evidências e expli-cações teóricas.

A temperatura do líquido teria alguma influênciana formação dessas gotículas? Como investigar isso?Nenhum teste empírico precisa ser feito neste caso.Basta os estudantes se lembrarem de que os vidros doscarros embaçam nos dias chuvosos e frios. O mesmofenômeno ocorre nas paredes de um banheiro quando aágua está muito mais quente do que as paredes. Ascrianças podem ser levadas a concluir que existe água noar, o que é razoável de se admitir se juntos trabalharmoscom elas as idéias de que a água dos rios e lagos evapo-ra e forma as nuvens que, por sua vez, se precipitam emforma de chuva.

O raciocínio lógico-abstrato vai sendo interpostoaos conceitos cotidianos e forçando os estudantes aadmitirem que, embora não se possa ver água na atmos-

fera, ela existe e, em determinadas situações, se manifes-ta na forma de gotículas.

Poderão ainda concluir que a formação dessasgotículas de água depende da diferença de temperatu-ra entre o ar atmosférico, rico em vapor de água, euma superfície qualquer. Assim, tanto a água geladaquanto a água quente, colocadas em um copo, podemprovocar a condensação de partículas de água que exis-tem, mesmo que os nossos olhos não possam vê-las.Admitir a existência de coisas que não se podem ver,propor e testar modos de inferir sobre a existênciadelas, especular e argumentar sobre os dados sensíveis,a partir do que não está imediatamente dado, significaproporcionar o aprendizado de conceitos científicos.Lembrem-se: investigação não significa, necessaria-mente, experimentação.

Conclusões

Acreditamos que, modificando nosso olhar para oensino de ciências nas séries iniciais, elencando e toman-do como referência os saberes dos professores que ensi-nam ciências, os pesquisadores e formadores de profes-sores estarão em melhores condições para compreendera realidade do ensino de ciências e para construíremcaminhos juntos.

A polivalência da professora das séries iniciaisnão consiste numa justaposição de especialidades, masna capacidade de situar cada disciplina, cada noção,cada conteúdo conceitual ensinado de modo a promo-ver e intensificar o desenvolvimento da criança.Parafraseando Paulo Freire, poderíamos afirmar que aespecialidade da professora das séries iniciais é saber nãoser um especialista. Essa característica da professora per-mite um olhar mais integrador, uma posição diante doconhecimento que, muitas vezes, supera o modelo dis-ciplinar. Ao contrário do que muitos acreditam, a pro-

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A polivalência da professora

das séries iniciais não consiste

numa justaposição de

especialidades, mas na

capacidade de situar cada

disciplina, cada noção, cada

conteúdo conceitual ensinado

de modo a promover e

intensificar o desenvolvimento

da criança.

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fessora não precisa ser especialista em vários ramos doconhecimento. O pleno domínio dos conteúdos concei-tuais, na verdade, não é possível e, no caso das séries ini-ciais, nem é necessário.

Para finalizar, é bom dizer que não quisemos,com este texto, retomar as velhas crenças da década de60, quando se acreditava que era importante estimularatitudes científicas nas crianças, com o intuito de apre-sentar a elas um modo seguro de se fazer ciência e umafalsa idéia de que as teorias emergem dos dados empíri-cos, do sensível e imediato. Essa foi uma década em quese acreditou que deveríamos formar cientistas e que issoocorreria praticando o tal método científico. Muito des-sas crenças ainda residem nos discursos dos professoresde todos os níveis de ensino. Não se trata disso, emabsoluto.

A investigação ou problematização do mundonão se restringe ao que pode ser experimentado e com-provado empiricamente. Investigação não é sinônimo deexperimentação, mas um modo de argüir o mundo. Issoé próprio da ciência e dos cientistas, o que aproxima aspessoas de um outro modo de pensar e de explicar, paraalém das crenças e dogmas. Daí a importância das pro-fessoras perceberem a importância de se introduzirematividades investigativas no plano social da sala de aula ede se ensinarem procedimentos relacionados à inventivi-dade científica, à emissão de hipóteses e à interpretaçãodos resultados, à argumentação lógico-abstrata e àcomunicação de idéias. Isso as professoras sabem epodem fazer.

Assim, o grande desafio para as professoras dasséries iniciais e para nós formadores é superar a crítica dodéficit conceitual, para as professoras acreditarem quepodem e sabem ensinar ciências para as crianças e, paranós, formadores, compreendermos melhor quem é acriança e o que significa ensinar ciência para ela.

Referências Sugestões de leituras

ALVES, Sheila. Ver o invisível: o olhar das professorassob uma experiência de ensinar e aprender com asatividades de conhecimento físico nos ciclos iniciais.Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte:FaE/UFMG, 2005.

CARVALHO, Ana Maria P.; GONÇALVES, Maria Elisaet al. Ciências no Ensino Fundamental: oconhecimento físico. São Paulo: Scipione, 1999.

CHARPAK, Georges. As ciências na escola primária:uma proposta de ação. Sintra/Portugal: Inquérito,1996.

MAUÉS, Ely. Ensino de ciências e conhecimentopedagógico de conteúdo: narrativas e práticas deprofessoras das séries iniciais. Dissertação deMestrado. Belo Horizonte: Faculdade de Educação daUFMG, 2003.

MAUÉS, Ely e VAZ, Arnaldo. Conhecimentopedagógico de conteúdo geral e o conhecimento deconteúdo de ciências das professoras das sériesiniciais. In: Encontro Nacional de Pesquisa emEducação em Ciências 5, Bauru. Anais e Cd. SãoPaulo, 2005.

SCHOON, Keneth e BOONE, William. Self-efficacyand alternative conceptions of science of preserviceelementary teachers. Science Education, v. 82, n. 5,1998. p. 553-568.

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WEBB, Paul. Primary Teachers’ Understanding ofEletric Current. . Int. J. SCI EDUC. v. 14, n.4, 1992.p. 423-429.

ZUZOVSKY, R.; TAMIR, P.; CHEN, C. Specializedscience teachers and general teachers and theirimpact on student outcomes. Teaching and teachereducation. v. 5, n. 3, 1989. p. 229-242.

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