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fazendo historia 8ª edição - Junho/2011 Revista digital de cinema da Jornalismo Júnior Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Dívidas, duelos e duetos O mundo do palhaço triste TOP 10: as vinganças mais fracassadas çç A moça que tem uma surpresa

Cinéfilos - 8ª Edição

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Revista de cinema da Jornalismo Júnior, empresa júnior de jornalismo da ECA-USP

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8ª edição - Junho/2011Revista digital de cinema da Jornalismo Júnior

Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de São Paulo

Dívidas, duelos e duetos

O mundo do palhaço triste

TOP 10: as vinganças mais fracassadas

A mocçça que tem uma surpre-A moça que tem uma surpresa

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Cinéfilos Revista Digital

8ª EdiçãoJunho/2011

Equipe Editor:Paulo FávariRepórteres:Gabriela Stocco, Henrique Balbi, Mariana Grazini, Paloma Rodrigues, Rodrigo Neves, Rafael Tannus

Diagramação e edição de arte:Editor:Ana Carolina MarquesDiagramadores:Ana Carolina Marques, Anna Caro-lina Papp, Bruna Romão, Guilherme Speranzini, Mariana Zito, Rosiane Siqueira

O Cinéfilos é um projeto daJornalismo Júnior | EmpresaJúnior de Jornalismo ECA/USPPresidente:Paula ZogbiVice-presidente:

Quem nunca sentiu aquele frio na barriga e aquela sen-sação de insegurança diante

de algo novo? Quem nunca ficou com medo de, num toque, numa pequena ação, por tudo a perder? É neste clima de corda bamba que a equipe do Cinéfilos se renova mais uma vez.

Mas esse é também um medo gostoso, que te põe às voltas, pensativo, planejando por diver-sas vezes como será aquela en-trevista, como escrever à altura dos profissionais. Até que vem o momento tão aguardado... e ab-solutamente nada do que se pre-viu acontece. O mundo te prega peças mais uma vez, como que quisesse dizer “é, você não pen-sou em tudo”.

Depois se vê que aquele bicho nem era tão feroz assim, e aque-la que parecia ser a pior gafe do mundo vira história de jornalista - pra contar aos amigos numa mesa de bar. O que fica é aquele brilho no olho, bobo, ao ver a matéria publicada e os cumprimentos re-cebidos. Aos novos Cinéfilos (e eu me incluo), muitos olhos brilhan-tes.

Por outro lado, e a despeito de toda a meiguice do começo deste editorial, esta oitava edição da re-vista é sobre vingança. A do prato frio, a que nunca é plena, a da arma em punhos, a do coração partido e as tantas outras.

Nas próximas páginas você, leitor, verá de tudo um pouco. Sangue, muito sangue; desonras; reparações; injustiças; amor. En-contrará até mesmo o que nem imaginava ver, acredite em mim.

Paulo Fávari

Início de temporada

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iceFazendo Historia

Letras na TelaCa Entre Nos

Vale a Pena VerPrincipal

Cine Trash

Top 10Cinetecetera

Personagem

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embaixador de escravos

Os registros históricos rela-cionados ao escravo Sparta-cus são escassos. Ainda que

contenha aspectos ficcionais, sua história tornou-se famosa a pon-to de resistir aos séculos e inspi-rar inúmeras pessoas nos últimos 2 mil anos. O próprio Karl Marx declarou admiração pela figura de Spartacus, descrevendo-o como o mais esplêndido indivíduo em toda a história antiga. O que se conhe-ce de sua vida é que liderou uma grande re-volta de escra-vos na Roma do século I a.C. e, de certa for-ma, abalou os pilares da já fragilizada república.

O escritor Howard Fast redigiu, no início dos anos 1950, um livro sobre o escravo rebelde, e em 1960 foi produzida a épica versão cine-matográfica, dirigida por um ainda iniciante Stanley Kubrick. Contudo, o filme tem grandes diferenças em relação ao romance, já que ganhou contornos bem distintos nas mãos do protagonista e produtor Kirk Douglas, do roteirista Dalton Trum-

bo e, claro, do próprio Kubrick.Ao contrário do que afirmam al-

guns registros históricos, o filme retrata um Spartacus filho e neto de escravos, o que não faz, toda-via, com que as características do personagem sejam muito distintas da ideia que se tem dele. Criado no trabalho compulsório e brutal, o escravo nutre um ódio visceral pelo sistema de produção da Roma antiga e, consequentemente, pelos

patrícios que nutriam tal sis-tema.

Após ser comprado por Lentulus Batia-tus (com inter-pretação me-

morável de Peter Ustinov), é levado para uma escola de formação de gladiadores, onde é treinado para se tornar um lutador, a fim de ser vendido e entreter a alta socieda-de. É nesse campo de treinamen-to que Spartacus conhece Varínia, uma outra escrava, com quem de-senvolve o romance da história, responsável por tirar a narrativa de uma restrição a batalhas e intrigas políticas.

Quando Spartacus se vê numa briga com um dos superiores, os outros es-cravos entram na ação e se desencadeia a revolta

Rafael Tannus

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embaixador de escravos

Além disso, esse é também o ce-nário do início da rebelião: quan-do Spartacus se vê numa briga com um dos superiores, os outros escravos entram na ação e se de-sencadeia a revolta. À medida que marcham pela península itálica, li-bertam outros escravos, os quais vão engrossando progressivamen-te o bando de rebeldes, que pas-sa a se configurar num exército de subversivos, aos olhos de Roma.

A trama também acompanha as manobras políticas que trans-correm no Senado, expondo com certa precisão as atitudes corrup-tas de ambiociosos senadores. O destaque recai sobre a conflituosa relação entre dois deles. De um lado, Gracus, defensor da repúbli-ca, ainda que corrupta, contra uma vislumbrada ditadura. E de outro, Crassus, um ambicioso general que anos depois integraria o primeiro Triunvirato, germe do Império.

Às cenas que retratam os ritu-ais e mimos dos ditos civilizados, contrapõem-se as atrocidades que reservavam à população espolia-da, o que revela a grande hipocri-sia social da época, não estranha à atualidade. Um dos comentaristas

do filme aponta que os escravos “eram uma pequena ilha de liber-dade no meio de um mundo que sempre experimentou, aceitou e apoiou a escravidão”.

Apesar de vítimas da exploração desumana imposta pelos romanos, os escravos, da forma como são mostrados, parecem carregar me-nos vontade de vingança do que um desejo de liberdade. Ainda que a própria atitude de insurgência cause grandes danos e temores à Roma, o que de certa forma vin-ga parte dos maus tratos recebidos por eles durante suas vidas, o ob-jetivo primordial da revolta seria o de se livrar da condição de cativos. Os efeitos do que se configuraria numa vingança dos escravos fun-dam-se não na cobiça a algum tipo de represália, mas na ânsia poru-ma condição humana, não coisifi-cados.

Mesmo que muito do romance e do filme tenham sido criações dos seus autores, a rebeldia de Sparta-cus e o fato de ter liderado milhares de outros escravos contra a grande força de Roma explicam o fascínio que essa história exerce desde que começou a ser contada. c

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Depois das horríveis adapta-ções para o cinema de suas graphic novels “Do Inferno”

(2001) e “A Liga Extraordinária” (2003), Allan Moore estava seden-to de vingança contra Hollywood. Não foi a toa que o renomado au-tor inglês rejeitou qualquer par-ticipação no filme V de Vingança (2006), outra adaptação dos seus aclamados quadrinhos pelo dire-tor James Mcteigue. Allan chegou até mesmo a pedir para que seu nome fosse retirado dos créditos do filme.

Moore possuia, é claro, bons argumentos. A graphic novel na qual o filme se baseia era longa e complexa demais para ser adap-tada fielmente. Isso resultou em grandes diferenças entre o filme e obra original, algumas até mesmo desnecessárias.

Tanto o filme como a graphic novel contam a história de V, um misterioso “justiceiro” mascarado, e sua luta contra um governo auto-ritário numa Inglaterra distópica – além de sua busca de vingança por seu aprisionamento num campo de concentração. Para isso, V con-ta com a ajuda, não tão voluntária assim, da jovem Evey, interpreta-da por Natalie Portman no filme.

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Rodrigo Neves

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melhanças entre as versões acabam por aí. Para comprimir a complexa história original em 132 minutos, os roteiristas “irmãos Wachowski”, di-retores de Matrix, tiveram que mu-dar e omitir personagens, modificar eventos do enredo e eliminar várias nuances e detalhes da obra de Alan Moore.

Várias diferenças são facilmente notadas, principalmente as mudan-ças na sequência de eventos do en-redo. Na história em quadrinhos, o Parlamento é destruído logo no co-meço, enquanto no filme a destrui-ção do Parlamento é objetivo de V durante todo o filme.

Modificou-se, também, a forma como as personagens e o conflito são retratados. No filme, Evey é sa-gaz e madura, V é um justiceiro ro-mântico e capaz de demonstrar arre-pendimento e o conflito é retratado de modo mais maniqueísta, com os lados do bem e do mal claramente demarcados. Na HQ, Evey é inocen-te e imatura, V é frio, obsessivo e calculista e o conflito é retratado de maneira subjetiva, pois os dois lados são capazes de atos maquiavélicos.

Mudança de alvoMas a modificação mais polêmica

e criticada encontra-se nos conte-údos políticos das obras. Na HQ, o partido Norsefire chegou legalmente ao poder após uma guerra nuclear,

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que devastou boa parte do mundo com a exceção do Reino Unido, gra-ças ao desinteresse do povo. No filme, o partido chegou ao poder clandestinamente, após o pânico causado por uma arma biológica, cuja culpa é atribuída erroneamen-te a terroristas.

Essa mudança não só alterou o enredo principal, como amenizou as críticas políticas presentes na novela gráfica. O quadrinho, escrito no auge da Guerra Fria e do gover-no neoliberal de Margaret Tatcher, critica a forma como um governo fascista poderia facilmente tomar o poder através da apatia geral da população. Além disso, no quadri-nho é destacado o embate entre as ideologias fascistas e anarquistas.

Já o filme foi produzido duran-te o governo Bush e tentou atua-lizar as críticas para o contexto da

época. O confronto ideológico entre anarquismo e fascismo, moto da graphic novel, foi descartado. Em seu lugar, vemos fracas críticas ao uso do pânico causado pelos aten-tados terroristas de 11/09 como forma de controle.

Não pense, porém, que as mu-danças tornam o filme ruim. Pelo contrário, a agilidade do filme, combinada com equilibradas dses de críticas políticas, romance e dra-ma, tornam V de Vingança um ex-celente filme, que não é esquecido facilmente. Mesmo assim, a leitura da graphic novel é altamente reco-mendada.

Enquanto isso, após a recente adaptação de Watchmen (2009) para o cinema, a fúria de Alan Mo-ore só cresce. Aguardemos seu ela-borado plano de vingança ser posto em ação. c

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Não é a toa que o filme preferido de V é uma outra adaptação: Conde de Monte Cristo (1934), dirigido Rowland V. Lee. As duas obras es-tão cheias de semelhanças.

Os filmes mostram as sagas de vingança de dois homens contra as pessoas que os aprisionaram in-justamente. Nos dois casos, quem castigou os protagonistas lucrou com o ato e acabou adquirindo cargos no alto escalão do governo, ao menos até o momento em que a vingança é realizada.

O fato de que o personagem principal encontra sua motivação durante seu aprisionamento tam-bém é compartilhado pelos dois filmes. V encontra sua vontade para se vingar pelas cartas da pri-sioneira da sala ao lado. Já Dantès

deve a restauração de seu desejo de vingança ao Abade Faria, que o mostrou como dominar sua raiva, ensinou-o tudo que sabia e o deu a fortuna necessária para colocar seus planos em prática.

Porém, há uma semelhança que aproxima ainda mais as duas per-sonagens. Ambas colocam sua von-tade de vingança muito acima de qualquer coisa, principalmente o amor. Em diversos momentos, os dois “heróis” deixam transparecer uma atitude fria e calculista.

É nessa característica que os protagonistas também se afastam. Dantès, ao menos no filme, con-segue transformar sua vontade de vingança em senso de justiça e ter-mina feliz com seu amor. V, entre-tanto, não tem mesma sorte.

“Nao existem coincidencias, apenas ilusoes de coincidencias “

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Abril Despedaçado, de Wal-ter Salles, é a crônica de uma tradição de vinganças

enraizada no conflito entre duas famílias e de seus resultados. O cenário é áspero e seco como em um Graciliano Ramos. A condução da história lembra tragédias clás-sicas, um Édipo encenado no in-terior da Bahia, com um homem tentando fugir do fardo fatal que paira sobre ele.

Tonho (Rodrigo Santoro) se vê obrigado a vingar a morte de seu irmão. Deve perseguir o assassino após o sangue tingido na camisa do mais velho amarelar e, se ti-ver sucesso, será também alvo do filho mais velho sobrevivente da outra família. O futuro assassino vê possibilidade de escapar do ci-clo de violência ao conhecer Clara (Flávia Marco Antônio) e seu circo itinerante. Contrasta-se a serie-dade do drama de Tonho com Pacu (Ravi Ramos Lacerda), seu irmão, e seus sonhos e brincadeiras: uma

brisa marinha na aridez do filme.O filme foi feito em 2001, se pas-

sa em 1910, mas a história forte e atemporal. O conflito pelo da per-sonagem de Rodrigo Santor, en-tre tradição e quebra de padrões, entre o destino que esperam dele e o que deseja construir, veio de um livro de Ismail Kadaré que se passa na Albânia rural dos anos 30, mas não se percebe qualquer irregularidade na adaptação.

Walter Salles saía do sucesso de Central do Brasil e iluminava um lado violento da realidade brasilei-ra. A história de vingança lhe deu

visibilidade e credibilidade para dirigir a adaptação de Diários de Motocicleta, com Gael Gar-cía Bernal, sobre as viagens de Che Guevara na América do Sul. O cineasta herdeiro do império do

Henrique Balbi

A crítica do filme mantém-se atual: continuam as mesmas desigualdades, miséria e violên-cia originadas do descaso com o nordeste.

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grupo Unibanco agora é sucesso, adaptando para as telas de cine-ma a obra-prima do escritor beat-nik e mochileiro Jack Kerouac, “On the Road”.

Por outro lado, Ravi Ramos Lac-erda, o oásis de tranqüilidade e es-perança de Abril Despedaçado, não teve tanta sorte. Sua carreira cinematográfica esvaíu-se, não fez nenhum outro trabalho de visi-bilidade no cinema, nem no círculo nacional, muito menos no exte-rior. Em seu currículo há algumas aparições em séries de TV, como episódios de “Queridos Amigos”, e um personagem em “Amazônia: De Galvez a Chico Mendes”, am-bas da Globo.

A carreira de Rodrigo Santoro, já brilhante em Bicho de Sete Cabeças, despontou com maior intensidade após a atuação nessa vingança familiar. Seus trabalhos internacionais são amplamente conhecidos, desde a aparição em “Lost”, e As Panteras Detonan-do até o rei persa e vilão Xerxes, em 300.

Outra história de sucesso é dos bastidores, a direção de fotogra-fia realizada por Walter Carvalho. O paraibano trabalhou no mesmo setor em outros filmes nacionais como Carandiru, Cazuza – O Tempo Não Pára, Crime Deli-cado, de Beto Brant, e A Erva do Rato, com Selton Mello.

Assim como a Ravi Ramos Lac-erda, à atriz Flávia Marco Antônio, vinda das artes circenses que faz no filme, também negaram ho-lofotes e flashes de paparazzi. Uma busca rápida na internet não revela nenhum outro trabalho; uma mais insistente revela tra-balhos teatrais sem destaque na mídia.

A crítica do filme mantém-se atual: continuam as mesmas desigualdades, miséria e violên-cia originadas do descaso com o nordeste. O enredo é expressivo, trágico e comovente, triste igual ao esquecimento de alguns dos principais responsáveis pela sin-gularidade que Abril Despeda-çado é no cinema nacional.

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Gabriela Stocco

Risos. Palhaços. Armas. Sangue. Vingança. Esse é o início para-doxal da trama espanhola de

Balada do Amor e do Ódio (2010) do diretor Álex de la Iglesia, que já apare-ceu nas páginas de Cinéfilos na edição 6, no Cinetrash. Balada conserva um pouco do nonsense do bizarro Crime Ferpeito, mas aborda as emoções como motores da ação humana.

A história começa durante a Guerra Civil Espanhola, que seguiu de 1936 a 1939. O conflito opôs republicanos, de inspiração socialista, a nacionalistas--fascistas. Javier é um garoto que as-siste a seu pai, um palhaço, quando o Exército Popular Republicano invade o circo e força “todos os que puderem carregar uma arma” a alistarem-se.

Desde essa cena o filme é violento, barroco e esteticamente belo. O pa-lhaço, com suas roupas coloridas e o rosto pintado, adere à causa. Mas, ao final, triunfaria a ditadura fascista de Franco, que durou até 1975. Portan-to o pai de Javier, o “palhaço tonto”, torna-se prisioneiro.

Anos depois, ao visitar o pai na pri-são, Javier é aconselhado por ele a torna-se um “palhaço triste” para ex-pressar a dor de nunca ter conhecido a mãe, e ver seu pai padecer na prisão. Ainda diz “Vingança, alivie sua dor com vingança” e grita enquanto guardas o levam. Adolescente e sozinho Javier

tenta vingar a prisão, mas ela fracas-sa e leva a morte de seu pai.

No entanto, a outra parte do pedi-do não é esquecida. Segue-se uma bela montagem da passagem de tempo - quase 40 anos desde a pri-são – com imagens das novidades: biquínis, Franco e Beatles. Javier, já adulto, emprega-se como palhaço triste em um circo, onde conhece-rá uma trapezista que será alvo de sangrentas disputas amorosas.

O filme recebeu quinze indicações ao Prêmio Goya, e levou – mereci-damente – dois deles: maquiagem e efeitos especiais. As deformações nos rostos dos personagens são bastante convincentes. Fotografia e direção artísticas são também lou-váveis e ajudam a incorporar o ele-mento mágico circense ao enredo trágico. As fantasias misturam-se ao sangue e, como sintetiza a cena final, o riso se funde ao pranto.

O filme é uma excelente repre-sentação de como sentimentos for-tes como amor, ódio e vingança, se levados ao seu máximo, acabam gerando loucura e desgraça. Há óti-mos filmes que mostram isso, mas poucos conseguem aliar essa força narrativa a uma estética tão bela e sombria, delicada e grosseira que por si só já bastaria como Balada do Amor e do Ódio.

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A vingança é um dos mais versáteis elementos do cinema por percorrer tanto os enredos mais complexos e densos como os descontraídos. Forma mais ru-dimentar de justiça, ela regeu as primeiras relações entre os homens. Mesmo

hoje com uma sociedade que crê ser mais civilizada a lei do “Olho por olho, den-te por dente” permanece arraigada no instinto humano. A linha tênue e forte da vingança perpassa as mais diversas caras do cinema, dando uma certa unidade a temas aparentemente tão distantes. Máfia, Faroeste e Amor finalmente ganham um ponto em comum.

Mariana Grazini, Paloma Rodrigues e Rafael Tannus

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l “Quando o personagem se vinga, nós nos identificamos com ele e toda as ações dele

viram nossas sem a necessidade de sairmos da cadeira do cinema”

Rafael Venancio

Num gênero cinematográfi-co em que dois parceiros, a exemplo de Jean-Paul Bel-

mondo e Alain Delon em Borsa-lino (1970), conhecem-se numa ferrenha troca de socos e chutes, antes mesmo de trocar uma pala-vra sequer, não é surpresa que a violência e a vingança sejam ele-mentos quase obrigatórios.

Os filmes de gângster ganham contornos mais bem definidos na década de 1930, com obras como Little Ceaser, de Mervyn LeRoy, e, especialmente, Scarface, de Howard Hawks. Como o cinema dialoga com a realidade, esse gê-nero relaciona-se ao contexto his-tórico dos Estados Unidos no qual estava inserido – a Lei Seca e seu papel na configuração e desenvol-vimento do crime organizado.

Tais filmes demonstram como o gênero pode se constituir com qualidade e estabelecem padrões a serem adotados por seus segui-dores, como a constante luta de grupos pelo poder e a ascensão de indivíduos em meio a esses conflitos.

Somam-se a isso as recorren-tes formas de vingança, que va-riam de crianças ateando fogo numa banca de jornal, passando pelo tradicional assassinato, até a inesquecível cabeça de um cavalo

de raça colocada na cama de seu dono.

Desde os precursores, aos clás-sicos das décadas de 1970 e 1980 e seus herdeiros contemporâne-os, os filmes que abordam a máfia e o crime organizado não perde-ram força, e esses dois elementos ainda são matéria-prima para o grande ecrã.

“Não ocorreu uma mudança elementar na representação do crime organizado, o que houve foi sua expansão” diz o professor da ECA-USP Rubens Rewald. Assim, em vez de um gênero essencial-mente americano, como quando foi criado, tornou-se universal, adotando os parâmetros de luta pelo poder e códigos de determi-nados grupos por exemplo.

Em termos de conteúdo e lin-guagem, portanto, não são tão estranhos ao Scarface de Hawks, mas expandem as possibilida-des, levando o estilo até à comé-dia, como é o caso de Máfia no Divã. Além de Gomorra, segun-do Rewald, os próprios Cidade de Deus e Oldboy, que tratam do crime organizado, seus conflitos e vinganças, são exemplos des-sa expansão, levando para outras direções os padrões fundados há cerca de 80 anos.

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“Quando o personagem se vinga, nós nos identificamos com ele e toda as ações dele

viram nossas sem a necessidade de sairmos da cadeira do cinema”

Rafael Venancio

O cinema western ou faro-este é lembrança recor-rente quando o assunto é

vingança. Com seus grandes clás-sicos pautados por protagonistas que seguem em busca de um ac-erto de contas, o gênero perpassa o imaginário do espectador com seus grandes heróis e justiceiros.

Segundo o professor de tec-nologia em produção audiovisual Rafael Venancio, do SENAC – SP, a vingança na tela gera uma inte-ração psíquica que leva o especta-dor a se identificar com o drama do personagem e a externaliza-ção de sua raiva na tela sacia a vontade de justiça do próprio es-pectador.

Ele cita como exemplo a trilogia d’O homem sem nome, composta pelos filmes Por um Punhado de Dólares, Por Alguns Dólares a Mais e Três Homens em Con-flito: “quando o personagem do Clint Eastwood se vinga (ou faz justiça), nós nos identificamos com ele e toda as ações dele vi-ram nossas sem a necessidade de sairmos da cadeira do cinema”.

Os filmes adotam um certo sus-pense característico, de modo que a motivação inicial das vin-ganças é revelada com o passar do enredo, o que prende o leitor e alimenta essa vontade de con-

cretização da vingança.O sentimento da vingança parece

ser uma importante força que molda os personagens no faroeste. Garan-te-lhes uma densidade psicológica fomentada pela amargura do dra-ma já vivido e pela perspectiva de continuar a passar por momentos dolorosos em vida. Essa aura é tão freqüente que pode ser creditada como uma característica-base dess-es filmes.

O professor acrescenta que de-vemos olhar para o cinema western não apenas como uma ação de bang-bang. Essa variação cinematográfica também atua como um importante registro histórico de um passado pouco documentado, que percorre o século XIX e vai até a Segunda Guerra Mundial.

As cenas que encerram os casos de vingança representam o ápice de diversas tramas, como em Era uma vez no Oeste e O homem que ma-tou o facínora, por exemplo.

Desfechos impactantes e inesper-ados certamente garantem a magia tão envolvente do gênero, que ape-sar de já fazer parte de um passado, ainda é constantemente relembrado por seus fãs fiéis, que não param de crescer.

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Entre faroeste, máfia e... amor. Sentimento geral-mente associado à pureza e

à grandeza o amor também é ca-paz de despertar as reações mais diversas no enredo de um filme. Como resposta, o personagem muitas vezes traído e enganado utiliza a vingança para compensar seu coração ferido.

Arthur Meucci, formado em fi-losofia e em psicanálise, também escreveu sobre os vieses da vin-gança e esclarece a contextualiza-ção desse tema em filmes român-ticos. Meucci distingue primeiro que as vinganças amorosas que contém violência são geralmente mais atraentes ao público mas-culino. Enquanto isso, os enredos mais leves e até estereotipados são preferidos pelas mulheres.

O efeito de catarse que a retalia-ção provoca explica seu sucesso entre espectadores, ainda mais quando são envolvidas questões frequentes e acessíveis à maioria, como os relacionamentos.

São comuns os filmes que li-dam com a vingança amorosa de maneira quase que banalizada, como são os casos das comédi-as-românticas. É o que acontece em Minha super ex-namora-da quando Jenny Johnson, que possui superpoderes, resolve se vingar e torna a vida de seu ex-

namorado caótica. Meucci expli-ca: “a principal razão do vínculo entre represália e banalização é a tentativa de amenizar a ten-são criada por uma conduta tão polêmica”. Em compensação, é possível encontrar longa-metra-gens, como Divã, que conciliam o humor, a sutileza e a complicação de ímpetos vingativos no âmbito amoroso.

Segundo o psicanalista, os ro-mances que apresentam a vin-gança em sua complexidade possuem um público alvo mais re-strito. Ligações perigosas, filme baseado no livro de Pierre Chorde-los de Laclos e que também virou uma peça de Christopher Hamp-ton, volta ao teatro, dessa vez na-cional, e exemplifica claramente uma trama mais intricada com a vingança da Marquesa de Merteuil a um antigo amante.

Enquanto que nos filmes de faro-este a vingança é a temática cen-tral e o que conduz todo o enredo, nas produções que envolvem a máfia ela é o plano de fundo para a abordagem de outras questões. Seguindo um rumo diferente, as vinganças nos filmes românticos são muito mais pessoais e geral-mente mais frustradas. De qual-quer forma, a vingança é atraente nos mais diversos gêneros.

“A principal razão do vínculo entre represália e banalização é a tentativa de

amenizar a tensão criada por uma conduta tão polêmica”

Arthur Meucci

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Dentro da produção artística, não é uma exclusividade do cinema tratar da vingança. A

literatura também já havia se en-carregado de buscar nela a fonte para diversos enredos conhecidos - afinal, quem não se lembra de Edmond Dantes na busca frenética pela reaquisição de seu passado em “O Conde de Monte Cristo”?

Levando em consideração o eixo da narrativa existente em qualquer obra literária, enunciado por Vladi-mir Propp no começo no século XX, podemos afirmar que a vingança é um item bastante recorrente na construção de qualquer história. Ou seja: o herói que, inicialmente, está em sua zona de conforto e passa a conviver com um conflito preenche as linhas da narrativa em busca de resolvê-lo. Em várias histórias que permeiam a literatura, essa res-olução se dá quando o protagonista passa a aceitar que a vingança será a única forma de executá-la.

É claro que, por uma questão de continuidade artística, a literatura e a narrativa influenciaram o cin-ema moderno enormemente. Con-sequentemente, uma das heran-ças recebidas pela sétima arte foi a utilização da narrativa em seus roteiros. Considerando ainda que

o cinema, desde sua criação pelos irmãos Lumière, perpassou os par-adigmas da arte, buscando refletir as crises e os males que afligem a alma humana, nada mais natu-ral que esse sentimento, que se faz presente mesmo nas relações mais equilibradas, fosse retratado pela sétima arte.

Em suas diversas manifesta-ções, a vingança imortalizou-se no cinema nas suas mais variadas vertentes. Está presente na rela-ção conturbada e mal resolvida de uma mãe e sua filha em Sonata de Outono; alimenta os impulsos revolucionários do personagem V contra um governo totalitário; con-duz as ações de um misterioso to-cador de gaita no Velho Oeste que perdeu seu irmão de forma brutal, e até leva um Corleone a ordenar o assassinato de seu próprio irmão.

Como sentimento humano ele-mentar, a vingança faz-se presente dos bares ilegais da Chicago de Al Capone às casas das famílias mais equilibradas (ou não). Mais ainda, às vezes se disfarça ou muda con-forme o olhar de cada um. “Essa é sua ideia de vingança?” – “Não”, responde Noodles ao final de Era Uma Vez Na América, “é só meu jeito de ver as coisas”.

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Vagina dentada. Nessas duas palavras, se resume prati-camente Teeth - A Vagina

Dentada inteiro e todo o apelo que ele traz. Talvez esse gancho assuste aqueles de espírito puro e estômago fraco, mas aos corajo-sos sem preconceitos e sem mui-tas expectativas – principalmente sem expectativas –, o filme pode render alguns bons momentos.

Dawn (Jess Weixler) é uma ado-lescente, estudante e participante de um grupo pró-abstinência se-xual, falando para públicos com-postos por outros adolescentes, estudantes e pró-abstinentes so-bre as vantagens dessa opção. Porém, ela tem uma ligeira dife-rença anatômica em relação a ou-tras mulheres.

Mas, vocês se perguntam, o tema da revista é vingança, será que é o que estou pensando, que horror! – sim, é exatamente isso. Na verdade, o principal do filme não é a vingança, mas a vida da protagonista e das complicações advindas da, hum, condição ex-cêntrica. Falar mais sobre a vin-gança estragaria um pouco a gra-ça da trama. Se é que há trama.

Heath Ledger, Meryl Streep, Johnny Depp, Natalie Portman, todos dariam qualquer coisa para ter uma atuação como as presen-

tes nesse filme. Se Jess Weixler teve aqui o papel de sua vida, é com medo que se olha o futuro de sua carreira, mas o mundo do cinema agradece: poucas vezes ri tanto quanto no momento em que Dawn e Tobey (Hale Appleman) trocam olhares apaixonados após uma palestra da moça. Quem não rir do absurdo no ginecologista então, realmente está ou estres-sado ou mal-humorado demais com a vida...

Se o trabalho dos atores foi de-cepcionante para quem prefere ti-ques e TOCs de shakespearianos convictos, a ironia do filme contor-na: colocar uma garota com uma vagina dentada adepta fervorosa da abstinência é fantástico.

Teeth não foi à lista de melho-res do ano de Roger Ebert; Jess Weixler não ganhou o Oscar de Melhor Atriz; não convidaram Mi-tchell Lichtenstein, o diretor, para o júri de Cannes; apesar de estre-ar no Sundance Film Festival, o fil-me não foi um Cães de Aluguel; mas, em meio a tantas cenas de gelar a espinha de homens, lésbi-cas e ginecologistas, há a possibi-lidade de risadas, principalmente daqueles dramas indies aqui pa-rodiados, talvez não intencional-mente, que tentam ganhar pres-tígio explorando excentricidades.

Henrique Balbi

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fracassadas

As vinganças fracassadas, certamente, são aquelas que garantem a maior surpresa com seu desenrolar. A desconstrução dos planos mais elaborados, arquitetados durante toda a trama, pode causar a raiva, o riso e a lagrima. Ou... Tudo junto de uma vez.

De anti-heróis solitários e amargurados, passando pelas animações com vilões fofinhos até atrapalhados golpistas, percorremos as mais peculiares histórias do cinema para encontrar os planos de vingança mais falhos e fadados ao fracasso.

Paloma Rodrigues

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to

p io Abandonada pelo rei Bastide,

a duquesa de Mertuil se une ao duque de Valmont, cuja

mulher se tornou amante do rei, e ambos iniciam uma jornada rumo à vingança que acreditam ser justa. Em uma trama que envolve jogos de luxúria e traição, o diretor Stephen Frears surpreende o público ao fazer o antagonista ceder ao encanto da mais nova pretendente do rei Bas-tide, o que gera um conflito entre Mertuil e Valmont, pondo fim a sua união.

LigacoesPerigosas (1988)

10O,

Depois de perder a mulher, vítima de um espancamento decorrente de um assalto, Paul Kersey decide fazer justiça. Passa

a combater por conta própria os criminosos de Nova York. Porém, sua postura muda de super herói para inimigo do Estado, quando a polícia o classifica como uma ameaça à população. Em uma perseguição, Paul é capturado e forçado a deixar a cidade, pondo fim de vez a sua mara-tona de vinganças contra o crime. Ao menos, neste primeiro filme da série.

O9 Desejo de matar (1974)

O8Em um mundo melhor (2010)

O filme dinamarquês conduz em paralelo os obstáculos impostos pela vida a um pai e um filho. Anton é um médico e pai dedicado, que tenta provar ao filho que violência não leva ninguém a lugar nenhum. Contudo, depois de ser agredido

desperta um sentimento de vingança no filho, Elias, muito mais pela motivação de um amigo que acredita no poder da “justiça”. Eles planejam explodir o carro do agressor, mas as coisas fogem do esperado e Elias se fere gravemente durante a explosão.

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to

p IoO clássico de Shakespeare teve várias

adaptações para o cinema. Tragé-dia mais conhecida do teatro, Ham-

let conta a vida do jovem que tenta vingar a morte do pai. Cláudio, depois de envenenar o irmão, casa-se com a cunhada para poder subir ao trono, aumentando a ira de Hamlet. Percebendo que o sobrinho poderia atrap-alhar seus planos, Cláudio tenta envenená-lo, mas acaba atingindo a mulher, mãe de Hamlet. O final da história é a mais profunda desintegração da família real dinamarquesa, fracasso para Hamlet também atingido pelas consequências de sua vingança.

HamIeT

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A ficção científica de 1927, de Fritz Lang, mostra uma metrópole tecnológica sustentada por uma massa trabalhadora escravizada. O inventor Rotwang cria uma máquina, sob a forma humana, para colocar os trabalhadores contra o administrador da cidade, Joh

Fredersen. O ódio por Fredersen surgiu quando este se casou com a amada de Rotwang, Hel. A tentativa de destruir Fredersen é frustrada porque o plano revela as condições sub-humanas em que vivem os trabalhadores e, então, sob a mediação de Freder Fredersen, filho de Jon, novas maneiras de conduzir a cidade começam a ser pensadas.

Metropolis

(1927)

Irmãos gêmeos separados ao nascer, pois a França necessitava de apenas um herdeiro ao trono. O filho re-

jeitado pelo rei ficou sob os cuidados de D’Artagnan e dos três mosqueteiros. O grupo planeja trocar os irmãos de lugar em um baile de máscaras. O plano é ex-ecutado com sucesso, mas os bons mo-dos de Phillipe denunciam que ele não era o verdadeiro rei. Ao perceber a far-ça, a guarda real trava uma luta com os mosqueteiros, que acarreta na morte de D”Artagnan.

O5O homem da mascara de ferro(1998)

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O filme se passa no ano de 2019 em uma Terra muito diferente da qual conhec-emos hoje. A evolução robótica permitiu a criação dos Replicantes, andróides criados para iniciar a colonização interplanetária e, assim, proibidos de viver

na Terra. Para garantir que nenhum replicante permanecesse no planeta ilegalmente, Unidades Caçadores de Andróides (Blade Runner Units) saiam à sua caça pelas ruas para realizar sua “retirada” da Terra. Isso gerou a revolta nos retirantes que decidi-ram destruir a corporação que os criou, bem como seus idealizadores. Contudo, a vingança falha graças a ação do caçador Deckard (Harrison Ford) que “retira” todos os andróides transgressores.

Blade Runner (1982)

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Na disputa pelo vilão mais fofinho do cinema, certamente, estaria Lotso, o urso de pelúcia rosa da terceira

parte da franquia Toy Story. Mas se en-gana quem pensa que este é mais um ursinho carinhoso, este é repleto de ama-rgura e revolta contra todas as crianças que se desfazem de seus brinquedos. Lot-so conhece os brinquedos de Andy quan-do estes vão parar por engano na creche Sunnyside e desenvolve uma antipatia in-stantânea por eles, pois não admite que brinquedos abandonados ainda acreditem no amor de seus donos. O urso tenta de todas as formas impedir que Woody tire seus amigos da creche, mas acaba caindo em suas próprias armadilhas e vai parar no lixão da cidade.

O4 Toy Story 3 (2010)

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Amadeus (1984)1A mais famosa vingança fracassada

do cinema é a que envolve os com-positores Antonio Salieri e Ama-

deus Mozart. Perturbado com a crescente aclamação do prodígio compositor recém chegado à Viena, Salieri trava uma batal-ha mascarada contra Mozart. Passando-se por seu amigo e interessado em promover sua arte, ele traça um plano para matar Mozart e roubar suas composições. Con-tudo, Mozart morre por complicações de saúde antes de completar a obra que trar-ia a glória para Salieri, que passa então o resto da vida sob a sombra do nome do jovem compositor de Salzburgo, Wolfgang Amadeus Mozart.

O filme nacional com a temática do cangaço ilustra uma série de tentativas de vingança - todas fracassadas. Os protagonistas se encaminham para o mesmo desfecho: o fim derradeiro, a morte, real ponto de partida da história.

Desde João Grilo que deseja se vingar dos patrões que o tratam pior do que a cachor-rinha da família, passando pelo cangaceiro Severino que tenta matar aqueles que lhe negaram ajuda, até o Diabo que busca quem levar para o inferno e acaba sendo atrapal-hado pelas artimanhas de João Grilo, todas as vinganças do filme enfrentam problemas na hora de sua execução, o que garante uma mágica graça para o filme.

2O auto da Compadecida (2000)

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OToy Story 3 (2010)

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Rodrigo Neves e Mariana Grazini

A Vinganca e

pop

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Batman, Spider-man, Lost, Sin City, Romeu e Julieta, Dom Casmurro, Fringe, Lobo So-

litário, Moby Dick, A Favorita, Max Payne, The Punisher. E esta só é uma minúscula lista das obras de cultura pop que possuem vingança em seu enredo. É inegável: a cultu-ra pop está infestada de narrativas e personagens vingativas, desde clássicos de Shakespeare até a no-vela das oito, passando por quadri-nhos e séries de TV. Por essa razão, é inevitável questionar a fama que a vingança possui ao abordar as mais diversas facetas do entreteni-mento e da cultura.

Professora titular no Departa-mento de Jornalismo e Editoração da USP Mayra Rodrigues Gomes desmistificou o sucesso que o fa-moso “dar o troco” produz. Do pon-to de vista teórico, as narrativas são movidas pelos nós, que são fraudes ou danos causados ao herói.

Para compensar esses chama-dos “nós da narrativa”, a professo-ra Mayra explica que o herói pode seguir dois caminhos: ser justo e tentar compensar o dano causado para restaurar o equilíbrio, como Frodo de Senhos dos Anéis, ou ser vingativo e castigar aqueles que o lesaram, como os anti-heróis de Sin City. Trata-se de uma escolha entre Harry Potter e Conde Monte-cristo. De um lado, o herói clássico que prefere a defesa ao ataque. Do outro, o protagonista que calcula

friamente seus passos para atingir quem o prejudicou.

Apesar da fama de Harry Potter, nem sempre a ação do herói clássi-co é tão acolhida pelo público, pois personagens moralizantes demais costumam irritar ou entediar. Como diz Mayra, “Nós, nesse mundo mo-derno, não temos mais paciência com isso”. Assim, o mundo colorido e idealizado é muitas vezes subs-tituído pela crescente popularidade de anti-heróis, mais próximos às imperfeições humanas.

O castigo ao causador do dano, aplicado por um personagem sem qualidades de herói, restabelece o equilíbrio no enredo. Além disso, serve como instrumento para que o leitor ou espectador também se sintam, em parte, vingados por as-pectos negativos de suas próprias vidas (quem não torceu por Naza-ré, em Senhora do Destino, ou Jack Bauer, em 24 horas?). A revanche discretamente desperta a coragem de partir para ação e tomar justiça nas mãos.

A vingança, então, é corriquei-ra, é irresistível, é incorreta, e, por isso, é tão próxima do ser humano. O toque final que faltava nos livros, jogos e quadrinhos ganha forma com a imoralidade dos heróis.

E ainda vale a regra: quanto maior a identificação com o injusti-çado, maior será o vínculo estabe-lecido com a obra, assim como sua notoriedade. Exemplos ao lado.

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popNão é surpreendente que exista vingança em uma HQ sobre a “Cidade do Pecado”. Escrita e desenhada por Frank Miller, ela possui não uma, mas várias histórias de vingança. Destaca-se “O assassino amarelo”, que mostra a tentativa de um policial de se vingar por um crime que não cometeu ao mesmo tempo em que protege uma stripper com que tem uma relaçãopróxi-ma a de pai e filha.

Com a primeira edição lançada em 2005, a série de video-games que retrata as aventuras de Kratos já ultrapassou mais de 9 milhões de cópias vendidas. Não é a toa, já que além de possuir ótima jogabilidade os jogos contam uma boa história de vingança. Em sua busca pessoal por justiça, Kratos é capaz de matar centenas de soldados, monstros mitológicos e até mesmo deuses do Olimpo.

Um dos mangás mais famosos no Ocidente, Lobo Soli-tário (Kozure Ōkami), de Kazuo Koike, conta uma história de vingança que se passa no Japão feudal. Após ser condenado injustamente por traição por um clã ri-val, Itto Ohgami é forçado a seguir o “Meifumado”, o caminho dos assassinos, junto com seu filho de três anos, enquanto procuram por vingança.

A prova de que a vingança está presente em todos os cantos, inclusive em território nacional e em nossas novelas. Cheia de reviravoltas em sua história, “A Fa-vorita” (2008) conta a história de como as ex-amigas e ex-dupla sertaneja Flora e Donatela tentam se vingar uma da outra, tudo por causa da inveja que Flora sentia por Donatela na infância.

Sin City

Lobo Solitário

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A Favorita

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Quando se fala de vingan-ça, nove entre dez cinéfilos pensam na aclamada Trilo-

gia da Vingança, composta por Sr. Vingança (2002), Old Boy (2003) e Lady Vingança (2005). Por isso, nada mais justo do que retratar nesta edição o responsável pela sé-rie, o diretor e roteirista Park Chan--wook.

Park nasceu na Coréia do Sul em 1963, onde mais tarde formou-se filosofia, direcionando seus estudos para a área do cinema, já que não conseguiu entrar na Faculdade de Estética de Seul. No começo da car-reira foi assistente de produção, até que conseguisse dinheiro para seu primeiro filme A Lua é o Sonho do Sol, que não fez sucesso nenhum. Depois disso, passou por uma fase difícil, em que escreveu críticas de cinema, trabalhou em programas de tv e como assistente de compras de um acervo de vídeos.

Aos poucos se recuperou, e pôde se dedicar à Trilogia, seu projeto pessoal e obra mais importante, que o tornou um dos nomes mais importantes do cinema coreano contemporâneo. Os três filmes re-fletem a tendência do diretor em retratar a tortura e temas obscuros e pesados, sob a estética da ultra-

Mestre vinganca

da,

Gabriela Stocco

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violência. Em Sr. Vingança, o trá-fico de órgãos é plano de fundo para uma série trágica de vinganças que parecem não ter fim. O fato de o personagem principal, Ryu, ser sur-do mudo traz mais intensidade as cenas.

O premiado Old Boy mostra a história de Oh Dae-su, um homem comum que é preso em um quarto por 15 anos, sem saber o motivo. Um dia amanhece livre e o homem que o libertou – e que mandou prendê-lo - lhe dá um prazo de 5 dias para descobrir porquê foi pre-so. O filme é baseado em um man-gá japonês homônimo, escrito por Garon Tsuchiya e ilustrado por No-buaki Minegishi. Com o Old Boy Chan-wook ganhou o Grand Prix no festival de Cannes.

O último, Lady Vingança, repe-te algo que aparece nos anteriores (e nas obras de Stanley Kubric): ce-nas violentas embaladas pela mais suave música clássica. Geum-ja é uma doce garota de 19 anos que é presa ao confessar o assassinato de um menino. Nos 13 anos de prisão, prepara um plano para se vingar de seu cúmplice e amante, que a tornou uma ‘pecadora’. Ao sair da prisão, corta os cabelos e passa a se maquiar com uma sombra ver-melha, se tornando uma vingadora sensual e poderosa sem jamais cair num clichê.

Nessas histórias contadas por Chan-wook, pessoas comuns se transformam na busca pela vingan-ça. No entanto, não há julgamen-tos morais. Todo tipo de violência – psicológica, sexual, moral, física – é justificado pela dor dos perso-nagens.

E enquanto polvos são comidos vivos e pessoas cortam seus dedos e línguas, há sempre o contraponto de um belo enquadramento ou um provérbio interessante. Cada cena de Chan-wook tem sua pitada de crueldade, beleza e simbolismo.

“Muitas vezes eu deito em mi-nha cama à noite e imagino a mais cruel tortura. Eu imagi-no a ruína mais miserável da vida de uma pessoa. Depois disso, eu posso dormir com um sorriso no rosto. Enquan-to estiver no campo da ima-ginação, quanto mais cruel, melhor – isto é saudável. Eu gostaria de recomendar isso para você também. Eu espero que meus filmes possam aju-dar de algum modo a tornar a sua imaginação pelo menos um pouco mais cruel.” Chan-wook Park

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