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O CINEMA BRASILEIRO EM PORTUGAL Contexto e análise da crítica acerca de filmes brasileiros publicada na imprensa lisboeta (1960-1999) REGINA LÚCIA GOMES SOUZA E SILVA Universidade Nova de Lisboa 2005

Cinema Brasileiro Em Portugal

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Cinema Brasileiro Em Portugal, com varios artigos e indicações de bibliografia

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O CINEMA BRASILEIRO EM PORTUGAL

Contexto e análise da crítica acerca de filmes brasileiros publicada na imprensa lisboeta (1960-1999)

REGINA LÚCIA GOMES SOUZA E SILVA

Universidade Nova de Lisboa2005

Resumo

Este trabalho pretende refletir sobre a recepção do cinema brasileiro exibido em

Portugal nas últimas quatro décadas. Especificamente, a investigação se propõe

a analisar a crítica sobre filmes brasileiros publicada na imprensa de Lisboa

entre 1960 e 1999. A crítica de cinema é aqui considerada como objeto histórico

e retórico cuja importância é fundamental para a compreensão de problemas

vinculados à acolhida de uma cinematografia. O sistema teórico-metodológico da

pesquisa remete para a estética da recepção de Hans Robert Jauss, para a

retórica de Chaim Perelman, para a retórica na interpretação dos filmes de David

Bordwell, além de conduzir para a concepção de algumas categorias de análise

aqui denominadas de marcas retóricas e marcas contextuais. Nestes discursos

críticos impressos, verificamos que dois paradigmas, transformados em

verdadeiras convenções, nortearam a análise da crítica acerca do cinema

brasileiro em Portugal: o Cinema Novo e as telenovelas. Estes paradigmas foram

motivados por articulações históricas e reforçados por procedimentos retóricos

persuasivos que visavam à adesão dos leitores

O verdadeiro crítico, na realidade, deverá ser sempre sincero em sua devoção ao princípio da beleza, mas buscará a beleza em todas as épocas e em todas as escolas e jamais se deixará limitar a qualquer hábito fixo do pensamento ou a uma maneira estereotipada de ver as coisas. Se realizará a si mesmo em muitas formas e de mil maneiras distintas, e sempre sentirá curiosidade por novas sensações e pontos de vista. Através da mudança constante, e só através dela, logrará encontrar sua verdadeira unidade. Não consentirá em ser escravo de suas próprias opiniões. Porque, o que é o pensamento senão movimento na esfera intelectual? A essência do pensamento, como a essência da vida, é a evolução.

Oscar Wilde (O crítico como artista)

ÍNDICE

...................................................................................................................INTRODUÇÃO 7

..............PARTE 1 - A crítica de cinema na imprensa como objeto histórico e retórico 13

.......................................................................................A Estética da Recepção 15

.........................................................................Retórica, crítica e comunicação 45

.........................................................................A Retórica da crítica de cinema 59

..................................Considerações finais: por um horizonte interdisciplinar 87

.........................PARTE 2 - A crítica de cinema situada: cenários e relações históricas 92

...........................................................................................A crítica no contexto 93

...........................................................Um perfil das publicações portuguesas 111

..................................................Um cenário acolhedor aos filmes brasileiros 124

.........................................................................................Mudança de cenário 153

...............................................................................Alguns dados quantitativos 168

............................................PARTE 3 - As marcas nos discursos da crítica de cinema 184

......................................................................................Delimitação do corpus 185

.........................................................................................As marcas na crítica 196

...............................................................................................Marcas retóricas 199

...........................................................................................Marcas de contexto 249

....................................................................................Resultados das análises 274

..................................................Os condicionalismos da crítica sobre o leitor 282

.................................................................................................................CONCLUSÃO 286

............................................................................Dois paradigmas invariáveis 286

.............................................................................................................FILMOGRAFIA 291

............................................................................................................BIBLIOGRAFIA 293

Índice de Tabelas

Tabela 1: Filmes exibidos no 1o .................... Festival de Cinema Brasileiro – Anos 70 128Tabela 2: Filmes exibidos na 1a ..........Retrospectiva do Cinema Brasileiro – Anos 70 129Tabela 3: Filmes exibidos na 1a ................... Semana do Cinema Brasileiro – Anos 70 129

.....Tabela 4: Filmes brasileiros exibidos no Festival de Figueira da Foz – Anos 70/90 165......................Tabela 5: Filmes brasileiros exibidos no Festival de Tróia – Anos 80/90 167

...............Tabela 6: Filmes exibidos no Festival de Cinema Luso-Brasileiro – Anos 90 168..................Tabela 7: Filmes brasileiros exibidos na Fundação Gulbenkian – Anos 70 168

..........Tabela 8: Filmes brasileiros exibidos na Cinemateca Portuguesa – Anos 80/90 170Tabela 9: Filmes de Glauber Rocha exibidos na Cinemateca Portuguesa – Anos 80/90...................................................................................................................................... 172

...................Tabela 10: Filmes brasileiros exibidos no circuito comercial – Anos 60/90 173........................Tabela 11: Filmes brasileiros exibidos por distribuidoras – Anos 60/90 175

.............................Tabela 12: Filmes brasileiros exibidos por realizador – Anos 60/90 176............................Tabela 13: críticas a filmes brasileiros por publicação – Anos 60/90 178

....................................Tabela 14: Críticas a filmes brasileiros por autor – Anos 60/90 178

Índice de Figuras

.........................................................Figura 1: Total de críticas publicadas por década 186.....................................................Figura 2: Críticas publicadas por filme nos anos 60 187.....................................................Figura 3: Críticas publicadas por filme nos anos 70 188

..........................................Figura 4: Críticas publicadas por filme nos anos 70 (cont.) 189.....................................................Figura 5: Críticas publicadas por filme nos anos 80 190.....................................................Figura 6: Críticas publicadas por filme nos anos 90 190.....................................................Figura 7: Total de críticas selecionadas por década 191

INTRODUÇÃO

Duas importantes questões ambientam uma espécie de “crise” da crítica

atual1. A primeira delas remete ao cenário pós-moderno que trouxe consigo,

como já afirmava Lyotard, a crise dos paradigmas, a abolição de critérios e

hierarquias, o descentramento e o conceito de um mundo cada vez mais

fragmentado e crítico em relação aos cânones. A atividade crítica viu-se numa

situação delicada uma vez que julgar a qualidade de uma obra nova não requer

mais um cânone de referência, parâmetros confiáveis de valores estéticos.

Compondo este contexto, certos autores chegam, com exagero, a falar de uma

arte sem crítica, de um discurso anticrítico, sintoma da recusa de aceitação da

crítica como uma atividade independente, uma práxis ou uma profissão na área

das atividades culturais2. O constante exercício de revisão a que a arte

contemporânea obrigou a crítica pode tê-la tornado suspeita e mesmo

dispensável para uma tarefa opinativa uma vez que esta tarefa tem se

generalizado continuamente.

Curiosamente, I.C. Jarvie vai mais longe ao afirmar que este cânone

nunca existiu e que este é um problema que diz respeito não somente à crítica

1 Ver mais sobre este tema em: MARTINS, Maria Helena (org), Rumos da Crítica, São Paulo, Editora SENAC, 1999. Sintomaticamente, as palavras crítica e crise possuem a mesma etimologia que significa conflito, disputa; separação, decisão; juízo, sentença.

2 É o que Gustavo Rubim (1999) questiona na posição de alguns autores modernos em Juízos da Crítica. Na referência está implícita a crítica a uma visão estruturalista que vê a “arte pela arte”.

de cinema, mas à própria teoria do cinema: “Enquanto ao cinema faltar um

cânone, falta-lhe um importante elemento de uma saudável tradição na arte, uma

vez que lhe faltam os meios para se descrever a si próprio, se avaliar a si próprio

e si identificar a si próprio” (1996, p. 17). Para pensar o cinema em seu processo

histórico é inevitável, conforme o autor, o estabelecimento de padrões de

referência, ou seja, de juízos críticos estéticos o que, inclusive, levaria à

legitimação do cinema enquanto arte pois que as chamadas artes tradicionais já

possuem seus próprios cânones historicamente estruturados.

Ao assegurar que “a avaliação estética faz parte da experiência do

cinema” (Jarvie, 1996, p. 18), o autor parece contestar os excessos de

relativismo e a carência de uma fundamentação teórica baseada na tradição

histórica vigentes hoje na teoria do cinema, sobretudo no que diz respeito aos

juízos estéticos das obras. Naturalmente que isto é também visível nos domínios

de outras artes nas quais os critérios de julgamento das obras passam por

constantes revisões, caem no relativismo, e em alguns casos, nem sequer

querem existir.

Observamos ainda na crítica de cinema veiculada pela mídia, sobretudo a

impressa, paradoxalmente o abuso de critérios, alguns de natureza estritamente

pessoal, para a avaliação de filmes, o que revela a inexistência de um método de

referência de análise de filmes e a falta de um consenso compartilhado que

regule as atividades do setor. O problema do método está inevitavelmente ligado

ao estabelecimento de critérios para se proceder à análise de um filme e no caso

da crítica jornalística o que se tem visto é que cada um elege os seus de acordo

com as suas qualidades intrínsecas.

A segunda questão diz respeito ao mercado. Que o conceito de indústria

cultural já foi demasiado debatido todos sabem, e a pressão do mercado hoje é

verificada de forma ainda mais intensa na indústria cinematográfica. Os filmes

são também bens culturais dispostos a serem consumidos pelos públicos e a

empresa jornalística, dentro deste cenário, alimenta o jogo de interesses das

indústrias de cinema, que desqualifica como impopular ou elitista as críticas mais

analíticas. Em Portugal, este cenário de agressiva mercantilização da cultura não

está tão particularmente presente e os críticos lusos, de um modo geral, exibem

uma certa independência em relação aos seus textos e às empresas que

patrocinam os filmes. Por outro lado, já é possível notar uma metamorfose dos

meios, que tem provocado fenômenos como a distribuição, por parte das

empresas que gerem as salas de cinema, de material de divulgação em formato

de textos promocionais sobre os filmes em exibição. É notório também o

problema do agendamento nas editorias de cultura dos jornais portugueses3 que

seguem a lógica condicionada por critérios como atualidade e ineditismo

transformando o trabalho do crítico-jornalista numa rotina discursiva com pouca

ou nenhuma criatividade.

Como forma de contraponto a esta “crise”, verificamos nos dias atuais um

ascendente processo de descentralização do discurso da crítica para além dos

espaços tradicionais, em direção ao jornalismo opinativo, ao colunismo, aos

websites e aos chamados blogs pessoais, com um grau de intervenção muito

maior por parte dos leitores. A crítica de cinema pode aproveitar este tempo de

mudanças e tirar desta fase de redefinições algo positivo, ampliar seus espaços

institucionais de interlocução com o público e conviver com esta nova realidade

social de modo a que o velho clichê do divórcio entre crítica e público seja

superado.

Para além desta breve radiografia dos problemas que envolvem a crítica

de cinema hoje, direcionei minha atenção à prática desta mesma crítica

publicada na imprensa lisboeta, em especial aquela dirigida a filmes brasileiros

exibidos em salas portuguesas entre os anos de 1960 e 1999. Meu interesse

partiu de uma observação diante da qual uma pergunta parecia ser inevitável:

3 Ver mais sobre este tema no texto de Sérgio Luiz Gadini (2004) Tematização e agendamento cultural nas páginas dos diários portugueses.

como a crítica de cinema portuguesa tem, ao longo das últimas décadas,

analisado o cinema brasileiro?

A resposta não era simples. As pistas começaram a surgir com a leitura de

algumas resenhas recentes publicadas na grande imprensa nas quais era visível

a atribuição de juízos de valor mais negativos para os filmes brasileiros atuais. A

justificativa para tais juízos, de um modo geral, baseava-se na caracterização da

cinematografia brasileira como aquela que há muito deixou de ser interessante e

afirmativa e que agora escolhia o caminho comercial e acadêmico de realização.

Certamente as respostas de que precisava só apareceriam quando me

debruçasse efetivamente sobre as críticas e pudesse analisá-las através de

sinais ou marcas deixados como vestígios nestes discursos sobre valores

estéticos historicamente situados. Era necessário considerar, deste modo, as

resenhas críticas sobre cinema brasileiro como objetos históricos e retóricos,

dotados de força persuasiva para convencer os leitores de seu tempo. A análise

não poderia incidir exclusivamente nas particularidades internas ao texto, mas

também atender a demandas do contexto no qual estas críticas foram

produzidas.

Para concretizar esta ação dediquei-me ao estudo da estética da

recepção (que compreende ser impossível desvincular a obra de suas

condicionantes históricas), ao estudo da retórica (que, nos discursos, admite a

lógica do preferível em detrimento da lógica do verdadeiro) e finalmente ao

estudo da retórica da crítica de cinema (que avalia o poder de persuasão do

texto crítico). Uma perspectiva interdisciplinar, portanto, norteou a investigação,

conduzindo-a para a criação de algumas categorias de análise aqui

denominadas de marcas retóricas e marcas contextuais identificadas nas críticas

de cinema lusas.

Foi através do exame destas marcas que verifiquei como o contexto

histórico juntamente com a função retórica inerente a estes discursos críticos

moldou a recepção das obras cinematográficas brasileiras em Portugal. A cada

diferente contexto, ou década, novos “modos de ler” e novas “formas de

argumentar” acerca do cinema brasileiro e as diferentes configurações se

afirmavam no processo de interpretação dos filmes que nos anos 60/70 foram

vistos com o olhar-argumentativo acolhedor da crítica. Nas décadas de 80/90

este olhar passou a ser filtrado por um misto de decepção e desilusão. As novas

realidades dos anos 80 e 90 colocaram a crítica de cinema numa posição

desconfortável, de ruptura com o pacto anterior além de contradizer (ou pelo

menos reavaliar) suas concepções mais profundas influenciadas pela política

dos autores e pela defesa de um cinema de cauções artísticas que

manifestamente fosse crítico ao sistema industrial norte-americano.

Com efeito, nos anos 50, 60, até 70, parecia existir certa unidade na

produção da cinematografia mundial. Compreendiam-se as propostas da

Nouvelle Vague, do Cinema Novo, do Cinema Underground ou do Neo-realismo

italiano. E de certa forma as coisas se conectavam em várias partes do mundo.

Hoje, com os projetos assumidamente mais pessoais, a crítica tem mais

dificuldade em concentrar-se numa direção específica. Ela acabou por manter

seus referenciais, alguns os mesmos dos tempos cineclubistas, caindo no risco

da apreciação baseada tão somente nos padrões das décadas anteriores. A

pluralização do cinema moderno que abriga os mais variados tipos de direção,

estilos e de mistura de linguagens do audiovisual, às vezes até numa mesma

obra, impõe um certo desnorteamento às bases de reflexão da crítica de cinema

atual.

Optou-se por dividir o trabalho de investigação em três partes que

associavam interfaces dialógicas e melhor definiam o terreno dos agregados

temáticos da tese. Dessa forma, na Parte 1 busquei discutir os sistemas

conceituais da estética da recepção (Hans Robert Jauss), da retórica

(Aristóteles, Chaim Perelman) e de algumas teorias da recepção histórica no

cinema (David Bordwell). Aqui, foi proposto um horizonte interdisciplinar para a

abordagem das críticas de cinema publicadas na imprensa.

Na Parte 2, que recebeu o nome de A crítica de cinema situada: cenários

e relações históricas, a pesquisa se ocupou em articular elementos, cenários e

contextos que foram importantes, senão determinantes, para a boa acolhida da

crítica ao cinema brasileiro nos anos 60 até meados da década de 70 e que teve

como ponto chave a difusão do Cinema Novo brasileiro em Portugal. A idéia de

um cinema de terceiro mundo que proclamava que sua ética era a sua estética

foi muito bem recebida pela crítica de cinema lusa, que nesse momento também

vivia sua declaração de princípios. A pesquisa se ocupou ainda em identificar e

caracterizar o momento de mudança deste cenário e também mudança de

acolhida ocorrida em paralelo ao avanço da indústria de conteúdos culturais

brasileira em solo português a partir de finais da década de 70.

Finalmente, na Parte 3, chamada de As marcas nos discursos da crítica

de cinema, procedi à identificação e avaliação de sinais discursivos presentes

nas críticas que remetiam para os juízos de valor, as suas justificações e

estratégias de persuasão bem como para tempo e espaço onde estas críticas

foram produzidas. Ainda nesta parte, abordei a influência exercida pela crítica de

cinema e a inegável dimensão de seu efeito junto a seus leitores e potenciais

espectadores.

PARTE 1 - A crítica de cinema na imprensa como objeto histórico e retórico

As críticas de filmes produzidas pela grande imprensa, sobretudo pela

imprensa, devem ser representadas dentro de um contexto histórico específico e

decisivo para sua elaboração. Opondo-se a uma análise exclusivamente

imanente desses escritos críticos, nossa proposta de investigação parte de uma

poética histórica da recepção de filmes brasileiros exibidos em Portugal, capaz

de servir como sistema de referências conceituais de fundamental importância

para a análise e reflexão de um discurso assentado em juízos interpretativos e

de valor. Neste capítulo inicial procederemos ao exame dos pressupostos

teóricos da estética da recepção, corrente nascida na Escola de Konstanz,

Alemanha, e protagonizada por Hans Robert Jauss4, que pôs em evidência a

dimensão histórica dos textos para a compreensão de seu significado. Também o

estudo da retórica como outra importante diretriz conceitual, enriquecerá o

exame das críticas de filmes, sobretudo porque o discurso crítico, sendo

essencialmente argumentativo, utiliza claramente táticas e estratégias retóricas

para conseguir a adesão dos leitores. No campo da teoria do cinema,

destacamos o papel de David Bordwell, em sua investigação sobre a

institucionalização da crítica cinematográfica atual, que oferecerá reflexões

interessantes sobre qual tem sido o papel retórico e cognoscitivo desta atividade

4 Hans Robert Jauss, crítico literário alemão, é um dos fundadores da estética da recepção. Esta corrente nascida em finais da década de 60 na Alemanha preconizava uma reestruturação do pensamento literário e criticava o pólo imanentista das análises textuais, até então vigentes nos estudos literários, deslocando para o leitor o foco de atenção das análises. Suas maiores obras são: A história literária como desafio à ciência literária (1970), Pequena apologia da experiência estética (1972), Experiência estética e hermenêutica literária (1977).

discursiva. Em suma, pretende-se a clarificação de certos conceitos que servirão

de base sustentadora da reflexão sobre a prática discursiva da crítica de cinema,

em especial daquela feita aos filmes brasileiros nas últimas quatro décadas.

A Estética da Recepção

A história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete.

Hans Robert Jauss

A descoberta do leitor pela estética da recepção em finais dos anos 60

evidenciava a necessidade urgente de uma reavaliação do quadro teórico da

literatura (e não só) que até então tinha seus olhos voltados quase que

exclusivamente para o texto. A crítica de Hans Robert Jauss aos métodos

imanentes e intratextuais e em especial à ala francesa do estruturalismo,

revelou-se apropriada para a constituição de uma teoria que levasse em conta a

recepção. Neste contexto, era subjacente uma divisão entre um campo

menosprezado, o da comunicação e um outro privilegiado, o da textualidade.

Segundo Jauss, em A estética da recepção: colocações gerais, “das

funções vitais da arte, passou-se a considerar apenas o lado produtivo da

exper iênc ia es té t ica , raramente o recept ivo e quase nunca o

comunicativo” (1979a, p. 44). Jauss busca, então, aproximar-se deste contexto

relacional entre o leitor e a obra, lembrando que a teoria da recepção, desde os

seus primórdios, transformara-se numa teoria da comunicação literária (apud

Cascais, 1985, p. 79). Não convém nos estendermos aqui sobre o “real” sentido

do conceito de comunicação para a estética da recepção, já suficientemente

tratado por alguns autores, nomeadamente por Maria Tereza Cruz (1986, p. 62)

em A estética da recepção e a crítica da razão impura5. Contudo, há que se

reconhecer que a dimensão comunicativa da experiência propiciada pela obra de

arte é movida por ação dialógica que confere ao leitor um papel designadamente

ativo neste contexto relacional.

Foram muitas as influências6 e parcerias que Jauss recebeu a fim de

compor seu quadro teórico dando ênfase a uma estética da recepção. Entre

elas, destacam-se três nomes da tradição intelectual alemã que, sem dúvida,

deram um impulso fundamental ao seu trabalho: Hans Georg Gadamer, T. W.

Adorno e Wolfgang Iser. Com o primeiro, seu ex-professor na universidade de

Heidelberg, estabelece uma relação de parceria ao retirar seus pressupostos

metodológicos da hermenêutica filosófica gadameriana. Com o segundo

empreende um ruidoso, mas produtivo, debate acerca da negatividade da arte, o

que lhe garantirá a defesa da experiência estética. Já com o terceiro, Jauss

assume a defesa e os pressupostos de uma teoria da recepção e do efeito das

obras literárias. Neste momento, nos propomos a dissecar mais atenciosamente

cada uma destas influências, dada a relevância do debate para a nossa

investigação.

5 Maria Tereza Cruz prefere usar a expressão paradigma interacionista em relação à estética da recepção. Diz a autora: “Falar em paradigma comunicacional pode incorrer no perigo de evocar, autónomas e evidentes, as categorias que constam de um modelo ortodoxo da comunicação, enquanto que falar da interacção nos parece implicar mais, tanto o texto como o sujeito, num processo que põe precisamente em causa a autonomia de ambos.” (1986, p. 62).

6 Estamos nos referindo à semiologia da arte de Jan Mukarovsky, à teoria da concretização de Félix Vodicka, à arte como experiência de John Dewey, à definição da experiência estética a partir do conceito de aura de Walter Benjamin, à idéia de imaginação de Jean Starobinsk, ao estudo fenomenológico sobre o imaginário de Jean-Paul Sartre e a tantos outros autores que influenciaram sobremaneira a obra de Jauss.

1. Jauss e Iser: recepção e efeito

Como já tivemos oportunidade de ressaltar em outros ensaios7, o conceito

de leitor implícito, desenvolvido por Wolfgang Iser, representa uma conquista

importante para a estética da recepção. Ele parte da noção de concretização

traduzida em duas vertentes: a do horizonte implícito de expectativas, lançada

pela obra, de caráter intraliterário; isso configuraria o efeito (Wirkung),

predeterminado pelo texto, que transmite orientações prévias, inalteráveis sobre

certo aspecto, pois a obra mantém-se a mesma para cada leitor. De outro lado

temos a recepção (Rezeption), de cunho extraliterário, condicionada pelo leitor,

que colabora com suas experiências pessoais para fornecer vitalidade à obra e

manter com ela uma relação dialógica (Zilberman, 1989, p. 64-66).

Iser vai acentuar um dos pontos básicos na análise estética do efeito,

salientando que a obra é comunicativa desde a sua estrutura, pois necessita do

leitor para a constituição de seu sentido. O autor trabalha a idéia de “estruturas

de apelo do texto” (Appelstruktur der Texte), que orientam as reações do leitor.

Por causa dessas estruturas, o leitor converte-se num ponto chave da obra, que

só pode ser compreendida enquanto uma modalidade de comunicação

(Zilberman, 1989, p. 64). Os textos seriam, então, enunciados vazios que

exigiriam do leitor o seu preenchimento. Iser considera que: “Do mesmo modo,

são os vazios, a assimetria fundamental entre texto e leitor, que originam a

comunicação no processo de leitura” (1979, p. 88). Jauss poeticamente faz a

tradução desse caráter dialógico entre obra e leitor: “Ela [a obra literária] é,

antes, como uma partitura voltada para a ressonância sempre renovada de

leitura, libertando o texto da matéria das palavras e conferindo-lhe existência

atual” (1994, p. 25).

7 GOMES, Regina. O manual de instruções do filme: as estruturas de apelo dirigidas ao espectador. In NETO, João Antônio de Santana; org. Discursos e análises: coletâneas de trabalhos. Salvador : Universidade Católica do Salvador, 2001 e também GOMES, Regina. Elo vital: a interação espectador/ filme. VVAA. O sentido e a época: textos de comunicação e cultura contemporânea. Salvador : Universidade Federal da Bahia, 1995.

Umberto Eco (1986) dedicou-se a esse tema em sua obra Lector in

Fabula. Apresentando a noção de “leitor modelo”, Eco afirma que um texto

postula o seu próprio destinatário como condição imprescindível da

potencialidade de comunicação e de significação. Um texto é feito para que o

leitor o renove, embora não se criem expectativas de que esse leitor exista

empiricamente. O semioticista italiano define o texto (literário-narrativo) como

uma máquina preguiçosa elaborada de modo a solicitar ao leitor que execute a

tarefa de preencher os seus espaços em branco. Por outro lado, para que o leitor

assuma esse traço ativo, é preciso que o texto proponha uma imagem do leitor

modelo que ele prevê. Assim, o texto deve portar instruções pragmaticamente

orientadas, que permitam ao leitor realizar os atos inferenciais necessários. Em

outras palavras, a criação de uma obra traduz-se na elaboração de uma

estratégia de que fazem parte as previsões dos movimentos dos outros, ou seja,

um texto, desde a sua geração, deve prever as atitudes do seu leitor modelo.

O conceito de leitor modelo, defendido por Eco, e o de leitor implícito,

evocado pela estética da recepção, focalizam o leitor como constituinte do texto.

Fica claro que, nestes conceitos, não se trata de abordar empiricamente a

entidade leitor, mas de vê-lo como um ser virtual, imprescindível para dar

constituição e sentido à obra que, isolada, não possui significado algum, torna-se

inerte.

As estruturas de apelo do texto constituem-se de regras e instruções

predeterminadas, que auxiliam o leitor no processo de compreensão do texto.

Para ativar a leitura, essas estruturas dispõem de mecanismos de orientação,

instruções quanto aos “modos de usar”, que guiam o leitor à interpretação,

transformando o receptor numa peça básica, capaz de atribuir sentido à obra,

numa relação concebida como uma modalidade de comunicação.

Com efeito, é válido reconhecer que a estética da recepção contribui para

o esclarecimento de fenômenos comunicativos, na medida em que atribui ao

conceito de recepção uma dimensão produtiva, contrária às interpretações de

natureza instrumental, em que a comunicação seria uma conseqüência

mecânica de ações entre o emissor e o receptor. Esta visão mecanicista

constitutiva de práxis negativa servirá como provocação para Jauss aceder à

polêmica com o teórico da escola de Frankfurt, Theodor Adorno.

2. Jauss e Adorno: experiência estética e negatividade estética

Jauss empreende uma contenda acirrada contra T. W. Adorno, que

compõe sua teoria com base na idéia da negatividade da arte. Recusando-se a

levar em conta o aspecto comunicativo da obra de arte, Adorno qualifica-o de

sintoma de massificação, valorizando apenas o experimentalismo8. Para Jauss

(1986, p. 54), pensar que o objeto estético desempenha uma atividade

basicamente negativa, porque o contrário equivaleria a produzir uma arte de

consumo a serviço da classe dominante, não é reivindicar uma estética

revolucionária, mas é uma tentativa de restauração da estética burguesa através

do resgate da posição que defende a arte pela arte.

A constituição de uma “práxis estética negativa” por Adorno menospreza

toda a experiência estética, convertida pelo teórico de Frankfurt em signo de

satisfação manipulada das necessidades. Jauss (1986, p. 24) diz que esta

redução não é capaz de destruir a relação dialógica entre leitor e obra de arte e

que a produção e reprodução artísticas não podem determinar a recepção pois

esta não é um mero consumo passivo e sim uma atividade estética que é sujeita

de aprovação e de crítica e, portanto, fora do alcance da planificação de

mercado.

8 Sobre este debate entre os teóricos alemães ver também em: GOMES, Regina. O cinema como experiência catártica. In VALVERDE, Monclar., org. As formas do sentido. Rio de Janeiro : DP&A editora, 2003. p. 46-66.

Não se pode compreender a arte mediante categorias como “valor de

troca” ou “mais valia”, nem sua circulação explica-se pela fórmula “oferta-

demanda”. Jauss (1986, p. 24) corrobora a crítica de Hannelore Schlaffer, para

quem esta estética ideológico-crítica é sintoma de um pessimismo cultural de

base conservadora. Schlaffer acredita que a idéia clicherizada de ‘arte como

artigo de consumo’ respalda a interpretação idealista da arte, ao restaurar a obra

de arte aurática e sua contemplação solitária como medida da autenticidade

perdida para, desse modo, escapar da hipotética ‘relação de fascinação’ da

experiência estética atual.

Segundo a diretriz conceitual adorniana, pensar por exemplo, o cinema

enquanto “arte de massa” apenas põe em evidência o efeito desse meio, mas

não reflete sobre as transformações que atingem a fruição, além de depreciar a

capacidade compreensiva do espectador transformando-o num simples

consumidor. No cinema, tal como na literatura, deve-se entender o ato

comunicativo como uma efetiva partilha de sentido e não única e exclusivamente

como uma imagem atrofiada de relações economicamente concretizadas.

Pensando o cinema como uma arte da “distração” e da alienação, Adorno (1993,

p. 75) chega a dizer: “toda ida ao cinema me deixa, apesar da vigilância, pior ou

mais estúpido”.

Jauss nos fala de um prazer que a arte e a literatura suscitam, presente

nas três atividades simultâneas e complementares que configuram a experiência

estética, respectivamente com suas funções produtiva, receptiva e comunicativa:

a poíesis (poder de concretização), a aísthesis (efeito de renovação da

percepção do mundo circundante) e a katharsis (tradicionalmente o conceito

mesmo de experiência estética). O plano da catarse é aquele no qual ocorre o

processo de identificação que leva o leitor a assumir novas regras sociais e rever

suas idéias anteriores. E dessa experiência resulta um efeito provocador, pelo

qual o leitor não apenas sente prazer, como é motivado a agir, demonstrando o

caráter ativo da recepção. Esse aspecto salienta a função comunicacional da

arte que sempre depende do processo experienciado pelo receptor. Assim, a

catarse corresponderia à experiência comunicativa básica da arte (Zilberman,

1989, p. 54-58).

A valorização da experiência estética, para Jauss, funda-se na

importância atribuída ao processo de identificação que corresponde à realização

efetiva da função comunicativa da arte, envolvendo as respostas produtivas do

sujeito estético e os efeitos provocados pela obra. O processo de identificação é

provocado pela experiência estética e guia o sujeito à adoção de um modelo.

Não a adoção passiva de modelos pré-estabelecidos, mas “a realização de um

movimento de vaivém entre o observador, esteticamente liberado, e seu objeto

irreal” (Jauss, 1986, p. 161).

Baseado no conceito de identificação, Jauss desvia-se de Adorno,

observando que a experiência estética fica reduzida em sua função social

primária, no momento em que este a concebe a partir das categorias de

afirmação e negação e não põe em relação à negatividade constitutiva da obra

de arte com a identificação, que, para o teórico crítico, é seu antônimo estético-

receptivo. Para Adorno, a catarse é uma ação purificadora de emoção conforme

com a opressão e disposta com a defesa dos interesses do poder. Isso é

extralimitar-se, lembra Jauss (1986, p. 53-54), e não compreender a capacidade

comunicativa da arte no nível das identificações primárias (como a admiração,

emoção, etc.). Quando Adorno qualifica a experiência estética, impondo uma

barreira entre espectador e objeto e pensando a identificação como traição, ele

acaba por negar a função comunicativa da arte, além de cair em velhas

dicotomias como, arte ‘útil’ e arte ‘inútil’.

Negar a relação dialógica com a obra de arte é o mesmo que

desconsiderar a tradição que perpassa toda a criação artística. É o mesmo que

reduzir o papel da arte a uma ação determinista. Mais uma vez, se tomarmos o

espectador como exemplo, longe de ser apenas uma entidade empírica exterior,

ele manifesta-se no filme e este só pode ser compreendido e interpretado

levando em conta a recepção. Esta está implícita no próprio objeto estético, na

medida em que um filme só existe para uma platéia assim como o texto só existe

para o leitor. O filme, antes mesmo de ser visto, pressupõe a existência de

alguém a quem se dirigir. O espectador, desse modo, torna-se um cúmplice, um

parceiro do filme.

É certo que Adorno estava especialmente preocupado com os efeitos do

que os teóricos frankfurtianos chamaram de “indústria cultural” a qual associava

os mass media e o público ao governo do mercado capitalista. Os primeiros

promoveriam a manipulação e o segundo uma total comodificação. Mas isto

acabou por provocar prejuízos à investigação dos meios de comunicação de

massa, particularmente ao cinema9, dada a sua generalização: “A Escola de

Frankfurt estudou o cinema como sinédoque, como um emblema da “parte-pelo-

todo” da cultura de massa capitalista” (Stam, 2003, p. 87).

Mesmo trabalhando especificamente com a literatura, a estética da

recepção possui uma dimensão que se estende a textos não-verbais. Sobre as

novas condições técnicas da arte contemporânea, Jauss (1986, p. 118) revela

que o cinema “destaca dimensões desconhecidas e âmbitos de sentido, de

espaço e movimento, que amplia o espaço da experiência estética”.

Questionando uma vez mais os pressupostos de Adorno, Jauss afirma

que a identificação estética não implica uma atitude passiva frente a padrões

idealizados de conduta, mas, ao contrário, mostra que o receptor pode percorrer

um longo caminho de atitudes como o medo, a admiração, a compaixão, o riso, o

distanciamento e a reflexão. Para Jauss (1986, p. 161) a identificação liberta o

9 Refira-se que Adorno se dedicou mais inteiramente ao estudo da música, deixando às outras artes um papel secundário. No caso do cinema, sua maior contribuição foi o livro Composing for the films, escrito em co-autoria com Hans Eisler em 1947. Vale salientar também que ao destacarmos a Escola de Frankfurt não inserimos o nome de Walter Benjamin nesta visão. Para Benjamim (1992) como se sabe, esta “distração” da experiência cinematográfica não implicava passividade no espectador, em vez disso esta experiência poderia ser um processo de emancipação coletivo.

espectador de seus interesses práticos do mundo cotidiano. Esta seria a função

social da catarse.

O conceito de catarse encontra suas origens na Poética de Aristóteles e

parece significar depuração, purificação, purgação de humores. Na última parte

da definição aristotélica de tragédia, o autor refere-se a uma imitação que se

efetua “não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a

piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções”10.

Jauss revitaliza a concepção aristotélica de prazer catártico e constrói sua

própria definição de catarse: “O prazer que, nas próprias emoções, produzem a

oratória ou a poesia e podem levar o ouvinte ou o espectador a mudar de

critérios ou a liberar seu ânimo” (1986, p. 159).

O conceito aristotélico de catarse estética invoca no observador uma

dupla liberação: interna e externa. A identificação emocional do espectador com

o herói da tragédia provoca a liberação de seus interesses práticos, assim como

de seus próprios vínculos afetivos. O antigo conceito de catarse, diz Jauss,

“pressupõe a ficção de um objeto real, ou possível, no espectador que tem que

realizar a ‘purificação’ desejada” (1986, p. 163). Portanto, de uma forma mais

descompromissada que na vida cotidiana, o espectador da tragédia sente fortes

emoções e identifica-se com o herói, atingindo, desse modo, a purificação.

Jauss (1986, p. 165) acredita que a identificação estética do espectador

ou do ouvinte, que se desfruta a si mesmo no destino alheio, possibilita a

comunicação e a criação de novos modelos de conduta. Entretanto, ele também

pode destruir normas de conduta tradicionais, sendo essa, como já assinalamos,

a função social da catarse.

O receptor, nesse processo emancipatório, não constitui um mero

reprodutor de idéias ou normas vigentes, mas posiciona-se diante de um jogo

10 1449b 27ss. Utilizamos a seguinte edição da Poética de Aristóteles: Poética. CapVI. In Os Pensadores. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo : Abril S/A cultural e industrial, 1973. p. 447.

dialógico, podendo revisar e criar novas normas, numa ação intensamente ativa.

Reconhecendo em Adorno um adversário privilegiado que o instigou ao

papel de apologeta da experiência estética, Jauss lembra que o crítico alemão

nunca questiona o ato hermenêutico da interpretação, por o considerar desde já

definitivo e determinista. Não é difícil reconhecer o pessimismo da crítica

ideológica adorniana que tanto incomodou Jauss 11 : “(...) houve épocas no

passado em que a sujeição da arte tornava muito mais verossímeis os

prognósticos de sua decadência. A proibição de imagens, por exemplo, que

ressurgiu periodicamente durante o domínio da Igreja, por certo não era um

perigo menor à práxis estética do que a inundação de imagens através de

nossos mass media” (1979a, p. 59). Fica, então, evidente a crítica de Jauss ao

desprezo dos condicionantes emocionais envolvidos na pragmática da

comunicação que a teoria crítica postulava enquanto uma pedagogia.

Interessante notar, neste cenário de conflito intelectual disposto entre os

dois teóricos alemães, o que diz o crítico literário Luiz Costa Lima (1979, p. 15),

responsável pela introdução da estética da recepção ao público brasileiro em

1979. Advoga Costa Lima12, que tal como Adorno mostrou-se tributário do culto

idealista da arte, Jauss acaba por incorrer no mesmo erro ao justificar a idéia de

um caráter permanente de arte, o que a proibiria de ser manipulável pelas leis

mercadológicas.

Neste domínio em particular, reconhecemos certa pertinência na crítica a

11 E prossegue com: “E, no entanto, de cada fase de hostilidade à arte, a experiência estética emergiu numa forma nova e inesperada, seja esquivando-se da proibição, seja reinterpretando os cânones, seja descobrindo novos meios de expressão” (Jauss, 1979a, p. 59).

12 Todavia, como bem lembrou Eduardo Prado Coelho (1987, p. 166-169), Costa Lima parece ter tomado uma posição, de certo modo anacrônica com a arte ao tentar posteriormente numa obra de sua autoria, defender um rompimento entre a experiência estética e a prática crítica. Ao conceber o juízo como poder único e exclusivo dado às obras de arte pela crítica, Costa Lima desqualifica a experiência estética como um campo particular e parece esquecer os conceitos de “fruição compreensiva” e “compreensão fruidora”, base da estética da recepção de Jauss, ou, como nos afirma Prado Coelho (1987, p. 166), “trata-se de impor o poder da crítica contra a subversão da estética”.

Jauss, sobretudo por pensar que a arte, ou melhor, a experiência estética não

está fora do ambiente das experiências sociais; pelo contrário, há uma rede de

conexões que alimenta as duas instâncias. Como descreve o teórico da nova

estética alemã, Albrecht Wellmer, “falta acrescentar ao discurso da Estética uma

verdade de dimensão pragmática, capaz de reconstruir a interdependência entre

«síntese estética» e «síntese social» (...) a arte não deve ser vista como a

aparência ilusória de uma reconciliação: existem nela potenciais de uma efetiva

intersubjectividade social e psíquica, como desencadeadora de uma acção

simbólica ou comunicativa” (apud Cruz, 1991, p. 64). Por outro lado, isto não

exclui o discurso redutor a uma lógica exclusivamente sócio-mercadológica da

experiência estética como a sociologia adorniana pretendia implementar13. Foi

certamente contra a exclusividade desta lógica que Jauss se insurgiu.

A crítica de Jauss à práxis estética negativa de Adorno tem se revelado

como um dos debates mais produtivos para a área da comunicação nas últimas

décadas. A relevância desta discussão dá-se precisamente no aparecimento de

novas teorias da recepção não só no campo literário, mas em outras áreas,

nomeadamente no teatro, cinema, televisão e mais recentemente no âmbito das

novas tecnologias. O diálogo entre produção e recepção assumiu contornos nos

estudos sobre interatividade evidenciando o papel ativo do receptor, que deixou

de ser visto como mero dado empírico, embora ainda permaneçam visões

imanentistas e as macroinvestigações da Escola de Frankfurt continuem

aprisionando a experiência estética ao campo da racionalidade das leis

mercadológicas. Ao destacar o aspecto comunicativo dialogal da obra de arte, a

estética da recepção, por sua vez, não se exime de partilhar sua herança

comunicativa com a hermenêutica gadameriana e a conseqüente revalorização

da comunicação como condição de compreensão do sentido.

13 Ainda segundo Maria Tereza Cruz (1991, p. 58), “Se a experiência estética deverá procurar ainda hoje a sua especificidade, enquanto modo fundamental de acesso à experiência de nós e do mundo, não deverá contudo fazê-lo como utopia negativa ou figura gémea da perda de experiência”.

3. Gadamer e Jauss: da hermenêutica filosófica a hermenêutica literária

Em Experiência estética e hermenêutica literária, Jauss declara sua

certeza de que a “experiência relacionada com a arte não pode ser privilégio dos

especialistas e que a reflexão sobre as condições desta experiência tampouco

há de ser um tema exclusivo da hermenêutica filosófica ou teológica” (1986, p.

13). Referindo-se, então, ao seu projeto do bom emprego de uma hermenêutica

literária, Jauss procura compor um conjunto de princípios metodológicos

inseridos no quadro da experiência propiciada pela obra de arte.

Encontra, destarte, na hermenêutica filosófica de Hans Georg Gadamer e

na sua principal obra Verdade e método a segurança de uma parceria

metodológica que lhe garantirá o embasamento teórico necessário ao emprego

de conceitos fundamentais à estética da recepção.

Tais conceitos, ou melhor, princípios vêm ratificar que a recepção é um

fato histórico-social. A noção de horizonte de expectativas (resultante do

conhecimento acumulado do leitor) servirá para medir as possibilidades de

recepção revelando que o leitor possui respostas individuais, mas a recepção, o

alcance da obra propriamente dita, é um fenômeno social.

Como havia mencionado, ao ser consumida, a obra provoca um efeito

sobre o seu destinatário e por outro lado ela passa por um processo histórico

sendo recebida, vivida e atualizada no que constitui a sua recepção. Para Jauss,

é preciso estabelecer a comunicação entre os dois lados da relação texto e leitor

isto é, “entre o efeito, como o momento condicionado pelo texto, e a recepção

como o momento condicionado pelo destinatário, para a concretização do

sentido como duplo horizonte – o interno ao literário, implicado pela obra, e o

mundivivencial (lebensweltlich), trazido pelo leitor de uma determinada

sociedade” (1979a, p. 50). Esta diferenciação acabou por ser importante para

demarcar o alcance das pesquisas de Jauss e do seu colega Wolfgang Iser, cuja

investigação se ocupa mais dos efeitos da obra no leitor, enquanto que as

pesquisas de Jauss voltam-se mais para a recepção da obra no seu horizonte de

tempo14.

O processo de interpretação de um texto implica não somente a interação

de leis internas e externas ao texto, como também o contexto de experiência

anterior no qual a percepção estética se inscreve. Isso pressupõe dizer que uma

obra não se revela como pura originalidade, pois ela é fruto de um contexto

histórico, da tradição, e seu público, não isolado deste processo, já estaria

predisposto a um certo modo de recepção.

Não é possível, portanto, desvincular a obra de suas condicionantes

históricas. Cada texto só poderá ser entendido dentro de suas condições

histórico-sociais de leitura, de acordo com as quais deverá ser recebido e

julgado pelo leitor, segundo a sua experiência de vida e de leituras acumuladas.

O modo pelo qual o leitor recebe o texto e constrói o seu sentido é função de seu

lugar na sociedade.

O horizonte de expectativas demarca, assim, a compreensão da obra em

seu tempo e é tarefa do intérprete a sua reconstituição. Regina Zilberman lembra

que é por meio da noção de reconstrução do horizonte de expectativas que

Jauss esperava “resolver o problema aludido quando da crítica às histórias da

literatura: estas eram unilaterais, porque ou examinavam as relações das obras

com a época, não dando conta de sua natureza artística; ou centravam-se nesta,

esquecendo-se de confrontá-la a seu contexto histórico e social” (1989, p. 34).

Esta reconstrução do horizonte possibilita chegar às perguntas a que o

texto respondeu, implicando na descoberta de como o leitor pode perceber e

14 Conforme expõe Luiz Costa Lima (1979, p. 25): “Ao passo que Jauss está interessado na recepção da obra, na maneira como ela é (ou deveria ser) recebida, Iser concentra-se no efeito (wirkung) que causa, o que vale dizer, na ponte que se estabelece entre um texto possuidor de tais propriedades – o texto literário, com sua ênfase nos vazios, dotado pois de um horizonte aberto – e o leitor”.

compreender a obra, resgatando o processo comunicativo instalado. Conforme

expõe Jauss (1994, p. 35) “a reconstrução do horizonte de expectativa sob a

qual uma obra foi criada e recebida no passado possibilita, por outro lado, que se

apresentem as questões para as quais o texto constituiu uma resposta e que se

descortine, assim, a maneira pela qual o leitor de outrora terá encarado e

compreendido a obra”; “(...) além disso, [a reconstrução do horizonte] traz à luz a

diferença hermenêutica entre a compreensão passada e a presente de uma

obra”.

Sabemos que as compreensões variam no tempo, mas a estética da

recepção vale-se de outra categoria de Gadamer para mostrar como: a lógica da

pergunta e da resposta. Esta servirá de base para a compreensão do diálogo

entre o texto e sua época, ou entre o texto do passado e o leitor atual.

Em Verdade e método, Gadamer (1988, p. 448) resgata a idéia de R. G.

Collingwood da logic of question and answer, que diz: “só se pode entender um

texto quando se compreendeu a pergunta para a qual ele constitui uma

resposta”. Esta idéia levará Jauss a assumi-la como um de seus pressupostos

metodológicos concordando com seu ex-mestre para quem, contudo, “(...) uma

pergunta reconstruída não pode encontrar-se nunca em seu horizonte originário.

O horizonte histórico descrito na reconstrução não é um horizonte

verdadeiramente abrangente; este, na verdade, é fruto da síntese do horizonte

histórico do passado amalgamado com o do presente” (Gadamer, 1988, p. 452).

A este processo de interconexão dá-se o nome de fusão de horizontes. Com

efeito, quando se reconstitui a pergunta original recupera-se a tradição em que o

diálogo entre a obra e seu destinatário se configurou.

O projeto de constituição da hermenêutica literária de Jauss

(particularizada na reflexão sobre as propriedades estéticas da arte) utiliza como

medida o processo hermenêutico baseado na composição de três atividades

intelectuais: a compreensão, a interpretação e a aplicação. O “compreender algo

como resposta” equivale, para Jauss, a compreender um texto do passado na

sua alteridade, isto é, recuperar a pergunta para a qual ele foi resposta. O leitor,

nesta tarefa produtiva fundada na compreensão, dá voz ao texto que ressurge

neste processo dialogal. Jauss argumenta: “... também a tradição da arte

pressupõe uma relação dialógica do presente com o passado, relação esta em

decorrência da qual a obra do passado somente nos pode responder e «dizer

alguma coisa» se aquele que hoje a contempla houver colocado a pergunta que

a traz de volta de seu isolamento” (1994, p. 40).

Após a leitura compreensiva chega-se à leitura retrospectiva, quando

ocorre a interpretação e o sentido do texto é reconstituído no horizonte de

experiência do leitor. Nesta fase, é permitido fazer um retrospecto na leitura,

voltar do fim para o começo ou do todo ao particular, pressupondo, diga-se,

previamente, as significações que ocorreram como possíveis no horizonte da

leitura anterior. A seguir, a etapa da aplicação, é o momento da leitura histórica,

ou seja, do enquadramento de como a obra foi recebida ao longo do tempo. A

etapa da aplicação pode ser considerada como a mais difícil da hermenêutica

literária, na medida em que os textos literários, diferentes, por exemplo, dos

textos jurídicos, possibilitam uma multiplicidade de interpretações, o que

ocasiona o problema do filtro interpretativo ou de como declarar que algumas

das interpretações estão corretas e outras não.

Jauss vai expor a questão ao falar sobre a dupla tarefa da hermenêutica

literária: “diferençar metodicamente os dois modos de recepção. Ou seja, de um

lado aclarar o processo atual em que se concretizam o efeito e o significado do

texto para o leitor contemporâneo e, de outro, reconstruir o processo histórico

pelo qual o texto é sempre recebido e interpretado diferentemente, por leitores

de tempos diversos. A aplicação, portanto, deve ter por finalidade comparar o

efeito atual de uma obra de arte com o desenvolvimento histórico de sua

experiência e formar o juízo estético, com base nas duas instâncias de efeito e

recepção” (1979, p. 46).

Finalizando, uma obra é lida porque é compreendida, portanto tem sentido

para uma época, para um grupo social. Superando a clássica separação entre

história da literatura e estética, Jauss entende a permanência de uma obra

através do tempo em função da atuação do público sobre essa obra e não em

função dela mesma, por valores eternos e imutáveis contidos na obra. A estética

da recepção, assim colocada, concebe o texto como objeto histórico, sem deixar,

ele mesmo, de ser um objeto estético.

4. Críticas e polêmicas

Pelo seu caráter original e provocativo, a estética da recepção não se viu

à margem de críticas e polêmicas. Estas vislumbram discutir questões, entre

outras, como o conceito de leitor, a noção de texto literário e a problemática da

objetivação do horizonte de expectativas. Dentre esses críticos citamos o nome

de Luiz Costa Lima, Susan Suleiman, Hans Ulrich Gumbrecht e Robert Holub. O

primeiro argumenta que lógica da pergunta e da resposta não supõe a

participação do leitor concreto já que, para ele, Jauss trabalha exclusivamente

com a noção de leitor ideal (Lima, 1979, p. 9-36). Robert Holub, por sua vez,

questiona a possibilidade de objetivação do horizonte de expectativas: “Apesar

dos seus esforços para se subtrair a um paradigma positivista-historicista, Jauss,

ao adotar a objetividade como um princípio metodológico parece cair nos

mesmos erros que critica” (apud Cascais, 1985, p. 83).

Embora se reconheça o caráter enriquecedor, que dinamiza qualquer

ciência, proporcionado pelo debate livre e crítico, concordamos com Regina

Zilberman (1989, p. 106), que observa nestas críticas o predomínio da

perspectiva histórica e/ou sociológica sobre a estética no contexto da

determinação da recepção. O foco na experiência estética, o prazer que tal

experiência proporciona e sua defesa apaixonada da arte em contradito as

estéticas da negatividade, reafirmam o debate sobre a historicidade da arte e

sobre a atenção voltada à recepção das obras. E mesmo alertando para uma

banalização15 do discurso da teoria recepcional, Maria Tereza Cruz (1986, p. 60)

lembra: “Não é, porém, em virtude deste tipo de banalização que nos parece

justificado desqualificar o contributo de grande parte dos autores explicitamente

ligados a uma estética orientada para a recepção. Nos seus diversos contributos,

tais autores parecem-nos ter, fundamentalmente, o mérito de promover, no seio

da crítica literária, um momento de profundo criticismo, que obriga a investigar os

fundamentos dos discursos dos últimos decênios e a remexer nos pressupostos

da velha tradição hermenêutica”. E a remexer também, diga-se, na monótona

dicotomia a que pareciam condenados os estudos literários: análises imanentes

versus análises sociológicas.

Por fim, vale citar a pertinência da afirmação de Paulo Filipe Monteiro

(1996, p. 135): “(...) mas foi Hans Robert Jauss quem reivindicou uma ‘mudança

de paradigma’, que viria substituir o modelo de cientificidade do estruturalismo,

sobretudo ao rejeitar as premissas de um universo lingüístico fechado, auto-

reflexivo, sem referente, a favor da integração da obra no espaço da

comunicação humana”. Enfim, talvez a estética da recepção esteja pagando pela

sua proteção ao princípio da interdisciplinaridade.

5. Teoria da recepção, história e interpretação de filmes

No campo cinematográfico as teorias da recepção têm recentemente

merecido destaque, após um longo período de ostracismo no qual o espectador

era visto apenas e tão somente como um mero dado empírico. O desdém pelo

campo receptivo esteve presente nos estudos ligados ao universo

cinematográfico que priorizavam, quase que exclusivamente, fatores externos a

ele. A imposição de um olhar de inspiração estruturalista enclausurara o trabalho

artístico e a abordagem de seus próprios campos que, na verdade, são campos

15 Banalização esta reconhecida pelo próprio Jauss (1994, p. 75-76) quando se refere ao fato de “o conceito horizonte de expectativa ter sido acolhido pelo uso comum da língua, chegando até a reportagem futebolística: o horizonte de expectativa dos torcedores era grande”. Tradução da entrevista de Jauss ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine, Agosto de 1987.

da experiência. No entanto, mesmo a experiência de se assistir a um filme só

pode efetivamente ser considerada levando-se em conta a relação interativa

entre espectador e obra, ou seja, com base no seu aspecto comunicativo-

receptivo.

Em Film theory: an introduction, Robert Stam (2000, p. 227-234) expõe

que a história do cinema não é apenas a história dos filmes e cineastas mas a

história dos vários significados que os públicos têm atribuído aos filmes.

Preocupado com o papel do espectador na teoria do cinema, Stam contextualiza

os anos 80 e 90 como o período do crescimento do interesse pelo receptor e

pela experiência fílmica. Um dado a salientar é que, segundo Stam, tal interesse

foi influenciado pelas chamadas teorias da recepção na literatura associadas ao

reader response theory de Stanley Fish e Norman Holland e especialmente à

recepção estética de Jauss e Iser, produzida na Escola de Konstanz. O papel de

agente ativo no processo comunicacional dado ao leitor pela estética da

recepção pode ser transferido ao espectador de cinema que preenche as

“lacunas” do texto fílmico, no qual ele é obrigado a compensar certas ausências

(a falta da 3ª dimensão, por exemplo). O espectador transformara-se num agente

ativo e crítico e, a um só tempo, formador do texto e por ele formado. Stam

(2000, p. 227-234) como teórico vinculado aos Estudos Culturais, observa que

neste período a espectatorialidade tornou-se também objeto de investigação em

relação ao gênero, sexualidade, classe, raça, nação etc. O espectador passou a

ser visto como possuidor de um olhar que é sempre relacional: “As posições

espectatoriais são multiformes, fissuradas, esquizofrênicas, desigualmente

desenvolvidas, descontínuas dos pontos de vista cultural, discursivo e político,

formando parte de um território mutante de diferenças e contradições que se

ramif icam”. A natureza histórica e socialmente condicionada da

espectatorialidade irá ser reconhecida nos estudos de recepção como algo

imprescindível para entender o processo cinematográfico.

O espectador, historicamente situado, molda e é moldado pela experiência

cinematográfica, num processo dialógico sem fim. O conhecimento e a

interpretação do processo cinematográfico deve, sem dúvida, levar em conta

este diálogo que reconhece a participação concreta e ativa do espectador de

filmes. O filme é o lugar onde interagem autor e receptor e, de modo algum um

lugar fechado em si mesmo. Pelo contrário, este ambiente é recheado de

fissuras, janelas, e é dada ao espectador, a tarefa de cobri-las de sentido: “Ao

ver um filme, o receptor identifica certas indicações que o incitam a executar

numerosas atividades de inferência, que vão desde a atividade obrigatória e

rapidíssima de perceber o movimento aparente, passando pelo processo mais

penetrável do ponto de vista cognitivo, de construir, digamos, vínculos entre as

cenas, até ao processo ainda mais aberto de atribuir significados abstratos ao

filme. Na maioria dos casos o espectador aplica estruturas de conhecimento às

indicações que reconhece dentro do filme” (Bordwell, 1991, p. 3).

No texto Hermeneutics, reception aesthetics and film interpretation, Noel

King (1998, p. 212-221) produz um inventário das recentes abordagens teóricas

sobre o problema da interpretação de filmes. Citando autores como Janet

Staiger, David Bordwell, Dudley Andrew e Barbara Klinger, King direciona a

discussão sobre a leitura interpretativa de obras artísticas para o campo do

cinema16.

A pesquisadora Janet Staiger (1992) demarca a diferença entre os

estudos de textos e os estudos de recepção. Os primeiros ou as “análises

textuais” explicam o objeto gerando interpretações a partir dele (vê-se

claramente a crítica de Staiger ao sentido imanente do texto). Estas análises

retiram o texto - e a recepção por conseqüência - da história, ou seja, removem o

16 É importante fazer referência aos trabalhos de: STAIGER, Janet. Interpreting films: studies in the historical reception of american cinema. Princeton: Princeton University Press, 1992. BORDWELL, David.; THOMPSON ; Kristin ; STAIGER, Janet. The classical Hollywood cinema: film style & mode of production to 1960. New York : Columbia University Press, 1985. BORDWELL, David. Making meaning: inference and rhetoric in the interpretation o cinema. USA : Harvard University Press, 1991. ANDREW, Dudley. Film in the aura of art. Princeton: Princeton University Press, 1984. KLINGER, Barbara. Melodrama and meaning: history, culture and the films of Douglas Sirk. Bloomington: Indiana University Press, 1994.

texto de seu contexto. Por seu lado, os estudos de recepção, procuram

compreender os atos de interpretação como tantos outros eventos situados

histórica e culturalmente. Estes estudos receptivos representam uma

compreensão histórica das atividades interpretativas mais do que uma

interpretação de texto. Staiger (1992) ao delinear um quadro da contemporânea

teoria da recepção, subdivide a área em três vertentes: a - teorias ativadas pelo

texto; b - teorias ativadas pelo leitor; e c - teorias ativadas pelo contexto. Staiger

em Interpreting films vai, enfim, debruçar-se sobre um grande número de filmes

a fim de provar como o processo interpretativo é conformado historicamente.

As investigações de Janet Staiger inserem-se temporalmente em fins dos

anos 80, quando se verifica uma ascensão das teorias que se debruçam não

apenas sobre os efeitos textuais, mas sobre o momento de recepção da obra

fílmica como lugar de convergência entre texto, espectador e contexto. Boa parte

destas teorias reflete o recente desenvolvimento da psicologia cognitiva, da

filosofia analítica, da fenomenologia e dos estudos culturais, correntes

conectadas ao pensamento anglo-americano na teoria do cinema.

É fato que os anos 60 e 70 foram eclipsados pelos estudos semióticos e

psicanalíticos, pouco interessados no cinema como uma realidade dinâmica. A

ortodoxia destes estudos encobria o interesse mais analítico pelas investigações

históricas, como assinalou Francesco Casetti (1994, p. 319-334) em Teorias do

cinema. Com efeito, as histórias tradicionais do cinema possuíam graves

limitações e conforme Casetti (1994, p. 319): “Uma delas foi ter centrado sua

atenção no filme, quando o cinema é uma maquinaria muito mais complexa, em

que intervém fatores tecnológicos, econômicos e sociais, que não se resume a

cada uma das obras que produz”.

Será somente a partir dos anos 80 que as investigações tomam um rumo

que leva a abandonar a dimensão de mero arquivo dos textos fílmicos para

abordar a via da reconstrução conectada à interpretação desses textos. Neste

período, a parceria David Bordwell, Janet Staiger e Kristin Thompson propõe o

que Casetti (1994, p. 335) denomina de uma “estilística histórica”: o apurado

estudo sobre o cinema clássico americano de 1917 a 1960 centrado no

paralelismo entre os sistemas estilísticos e os modos de produção.

David Bordwell, já no início dos anos 90, assume o referencial conceitual

da filosofia analítica e da psicologia cognitiva e contesta alguns dogmas do

pensamento pós-estruturalista17 aplicado ao cinema. Para Fernão Ramos (1998,

p. 33-56), Bordwell (especialmente no texto Contemporary film studies and the

vicissitudes of grand theory) critica aquilo a que chama de “grande teoria” numa

clara remissão ao horizonte pós-estruturalista do cinema. Ou seja, Bordwell

contesta uma espécie de necessidade de uma “grande teoria” que tudo

explicasse e justificasse e que parece ter sido a estrela guia da teoria do cinema

nas últimas décadas. Estes grandes conceitos abstratos – como o de autor,

sutura, dispositivo, identificação, etc – teriam pouca concretude e pecariam por

sua generalização desnecessária. Avesso ao receituário pós-estruturalista,

Bordwell defende um rigor no conceitual analítico que sirva para enquadrar o

cinema em sua história e no relacionamento com o espectador, partindo da

particularidade do filme.

Neste caminho, Bordwell (1991) aponta para o fenômeno das

interpretações excessivas. Mais precisamente no campo da crítica

cinematográfica, Bordwell - ao qual nos reportaremos com mais atenção em

nossa discussão sobre a retórica da crítica - chega a ironicamente chamar de

Interpretação S.A. ao que se transformou os estudos acadêmicos sobre análises

de filmes a partir de finais dos anos 70. A aplicação mecânica de modelos

teóricos como a psicanálise ou a semiótica a análises de películas teria criado

17 O pós-estruturalismo no cinema teve suas origens ligadas especialmente na França, nos anos 60/70, às obras de filósofos como Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Michel Foucault, Felix Guattari e Jean Baudrillard, entre outros. Fernão Ramos (1998, p. 33-56) diz que a maneira quase barroca de desenvolver as proposições dos pós-estruturalistas franceses entrava em choque com as análises precisas e objetivas da filosofia analítica, desenvolvidas sobretudo nos países de língua inglesa.

uma indústria de interpretação nos ensaios acadêmicos. Conforme Bordwell

(1991), esses intérpretes esqueceram-se de algo precioso: “nos filmes, os

significados não são encontrados, mas, construídos”. Uma alternativa à “crítica

como interpretação” seria, para Bordwell, a construção de uma poética histórica

do cinema ou uma análise de “como, em determinadas circunstâncias, os filmes

são feitos, desempenham funções específicas e alcançam efeitos concretos”.

Bordwell se ressente das análises textuais por as considerar a-históricas uma

vez que estas não levam em conta nem a produção nem a recepção da

experiência cinematográfica, além de promover uma vigorosa crítica à

“rotinização” da leitura sintomática dos filmes produzida por estas análises.

Reconhecendo ser Making meaning sua obra mais polêmica, Bordwell irá

suscitar algumas críticas sobretudo no que concerne à questão da interpretação.

Robert Stam (2003, p. 216-224) questionará uma certa polarização estabelecida

por Bordwell, entre as suas idéias de poética histórica e a de interpretação, que

para Bordwell estariam integradas à atribuição de sentidos implícitos e

sintomáticos por grupos interpretativos ligados ao que chama de teoria SLAB

(Saussure, Lacan, Althusser, Barthes). Stam (2003, p. 219) dirá que “o oposto da

poética histórica não é a interpretação, mas uma poética a-histórica. Não há

razão porque a interpretação não possa ser historicizada”. Polêmicas à parte,

não acreditamos que Bordwell “repudia” a interpretação ou mesmo anuncia a

sua morte. Pelo contrário, Bordwell alerta para o caráter contextual da

interpretação ao propor uma investigação da crítica de cinema e do estilo

cinematográfico em um contexto que nunca poderia ser a-histórico. Por outro

lado, Stam tem razão quando ressalta o caráter histórico da interpretação. O

conjunto das interpretações ao longo do tempo forma aquilo que Jauss sempre

defendeu (a partir do conceito de hermenêutica de Gadamer) na concepção de

uma estética da recepção: a tradição. Estes modelos de análises textuais que

tanto incomodaram Bordwell estão situados historicamente e, portanto, estas

análises também são transmitidas e se conformam pela tradição. Isto não quer

dizer que estas análises fílmicas textuais não possam ser criticadas por não

levarem em conta as condições de produção e recepção do filme e por seu

excesso de relativismo e sintomatologia.

Em seu empreendimento a favor de uma poética histórica do cinema,

Bordwell contará com aliados respeitados. Além das pesquisas de Staiger18,

contará com Tom Gunning, André Gaudreault, Kristin Thompson, Noel Carrol,

entre outros, que têm produzido trabalhos significativos na área da recepção

histórica dos filmes. O processo de reconstrução histórica dos atos de

compreensão dos filmes permite a adoção de um ato hermenêutico, mais do que

uma metodologia, um ângulo de enfoque heurístico, um modo de perguntar, que

foge das tradicionais e repetitivas interpretações de modelos textuais.

O historiador Tom Gunning (1995), por exemplo, tem se destacado por

suas investigações ligadas ao cinema das origens e suas formas de produção,

exibição e fruição. Define este primeiro cinema como “cinema de atrações” no

qual a idéia de uma platéia hipnotizada e paralisada pelo poder ilusionista da

imagem cai por terra. Ao reconstruir o horizonte de expectativas da sociedade

européia do final do século XIX, percebe que o espanto do espectador deriva

muito mais da surpresa com a capacidade técnica do aparelho de reprodução do

que numa crença ingênua, que confundisse imagem e realidade.

Já a prática interpretativa de Dudley Andrew une o formalismo com a

fenomenologia no encontro da tradição com o novo. Andrew vê a crítica de filmes

como um tipo de “conversação cultural” na qual se estabelece um diálogo com

seu tempo e diz: “como todas as interpretações, meus ensaios são uma

conversação dentro da cultura, não um argumento sobre cultura” (apud King,

1998, p. 212-221). Andrew vai explicar sua “hermenêutica cultural” ao afirmar

que uma história cultural do cinema deve buscar uma reconstrução indireta das

condições de representação que permitiram que os filmes fossem feitos,

18 Janet Staiger mais recentemente amplia a discussão sobre a recepção histórica dos filmes ao lançar: Perverse spectators: the practices of film reception. New York : New York University Press, 2000.

compreendidos ou mesmo, mal compreendidos19.

Por sua vez, Bárbara Klinger (1994), adotando a noção de “formação de

leitura” de Tony Bennett20, identifica os variados modos de recepção dos filmes

de Douglas Sirk em diferentes contextos históricos, culturais e institucionais, dos

anos 50 aos anos 90. Estes estudos históricos de caso de determinados filmes

evidenciam que sob diferentes circunstâncias, os filmes adquirem diferentes

identidades e funções culturais, ou seja, um filme sempre é “culturalmente

ativado”, para usar a expressão de Tony Bennett.

A construção de uma poética interpretativa para pensar o campo

cinematográfico e sua recepção histórica tem contribuído para amplificar as

discussões sobre o cinema como um fenômeno cultural e, sobretudo, para

valorizar o papel do contexto no processo comunicacional estabelecido entre

espectadores, leitores e obra.

Em diálogo com a estética da recepção de Jauss, estes autores

questionaram uma espécie de determinismo textual vigente nas interpretações

de filmes e propuseram uma abertura da teoria às influências do contexto sobre

a recepção de obras fílmicas.

19Vale também citar o excelente trabalho de Dudley Andrew: The mayor film theories, traduzido para o português em 1989, por Jorge Zahar Editor.

20 BENNETT, Tony. Texts, readers and reading formations. London : Literature and History, 1983, p. 214-227. O autor diz que o que a história do discurso mostra é a variação de significados que pode ser dada a um texto, dependendo das diferentes circunstâncias históricas. Bennett propõe uma interação entre o texto “culturalmente ativado” e o leitor “culturalmente ativado”. Um diálogo estruturado pela teia material, social e ideológica dentro da qual tantos textos quanto leitores estão inevitavelmente inscritos.

6. A crítica de cinema como recepção histórica dos filmes

Deixem as obras e os leitores falarem. É este o brado da estética da

recepção, que abriu caminhos para pensar a obra literária sob um olhar mais

atento a percepção estética e as circunstâncias históricas inatas às próprias

obras. Seus méritos fizeram renascer o debate acerca da experiência com a

obra de arte que ultrapassa os limites do campo literário. No campo

cinematográfico, as teorias recepcionais já têm, como vimos, uma recente

tradição que busca pensar historicamente leitores e espectadores, baseada no

reconhecimento da ação de uma instância contextual no processo de recepção

fílmica. É neste território interdisciplinar e dialético que propomos fertilizar nossa

pesquisa.

Nossa proposta é pensar a crítica de cinema como experiência histórica e

estética. Crítica de cinema é aqui compreendida enquanto gênero jornalístico,

veiculada nos espaços reservados a ela em revistas, jornais, semanários, que

constituem o corpus de nossa pesquisa. Mais precisamente a crítica aos filmes

brasileiros vistos em Portugal, notadamente em Lisboa, no período

compreendido entre os anos de 1960 e 1999. A recepção, no presente contexto,

carrega o sentido do alcance histórico e estético que as películas brasileiras

encontraram no período acima descrito. Não há dúvida que a atividade crítica

opera como um rico registro das modalidades de recepção no cinema.

Dois vetores perpassam a nossa proposta de reflexão. Por um lado,

pensamos estes escritos críticos como constitutivos da recepção histórica. O

crítico, ele próprio um espectador, é testemunho de uma época. Não um mero

leitor de seu tempo, diga-se, mas produtor de uma leitura mais acurada,

atenciosa de uma obra desde já tida como objeto de análise seu21. A crítica aqui

21 Para Barthes (1978, p. 72-75), o crítico não pode, de todo, substituir-se ao leitor uma vez que ele produz seu discurso mediado pela escrita: “a escrita declara e nisso se constitui como escrita”, diz Barthes, para quem esta seria a separação entre a leitura e a crítica. E conclui: “Passar da leitura à crítica é mudar de desejo, é deixar de desejar a obra para desejar a própria linguagem”.

será vista como um elemento do alcance histórico dos filmes e, desta forma,

refletiremos sobre como os filmes brasileiros foram recebidos em Portugal neste

período.

Por outro lado, naturalmente que a crítica de cinema é também vista como

um objeto estético, um produto simbólico e até mesmo como uma construção

poética que evoca efeitos em seus destinatários e enquanto tal, torna-se objeto

de investigação a ser explorado. O estudo dos princípios conceituais da retórica

(que abordaremos com mais atenção em outro ponto de nossa pesquisa) definirá

este pathos compreendido e sentido pelos leitores das críticas.

É importante deixar claro, desde já, que pensamos nestes dois

movimentos como não excludentes: pelo contrário, há complementaridade entre

eles. Os textos críticos por si só serão tomados como objetos estéticos e como

luz para entender o diálogo entre o presente e o passado da recepção de filmes

brasileiros em Portugal.

A propósito deste intercâmbio, Maria Tereza Cruz ressalta que a estética

da recepção é, ao mesmo tempo, uma “poética da recepção”, pois o crítico

revela-se, simultaneamente, como um apreciador estético (ou um pedagogo do

prazer estético nas palavras de Jacques Aumont), assumindo aí seu papel de

receptor da obra, e como produtor artístico, ao ser intérprete e reinventar a obra

e até mesmo, recriá-la poeticamente. A crítica é uma atividade que se impõe

como prosseguimento natural da atividade criadora. Com efeito, não podemos

separar produção de recepção nem desqualificar a partilha, o diálogo que se

estabelece entre esta duas atividades produtivas da experiência estética. Será

dada, por conseguinte, uma atenção especial aos métodos de pensamento e

escritura dos críticos portugueses, criando-se uma espécie de poética histórica

das críticas a fim de saber que mecanismos de contexto produzem as

contradições que definem estes discursos.

Importa, tal como acentuou a estética da recepção, o exame de

condicionantes históricos e estéticos que levaram a uma boa ou má acolhida da

obra inserida em seu horizonte de expectativas. Assim, propõe-se saber como o

cinema brasileiro foi avaliado ao longo de sua trajetória na sociedade

portuguesa: a focalização dos filmes sob o olhar do público/crítica e suas

implicações enquanto prática discursiva, também formadora de opinião.

Igualmente, pretende-se analisar como esta recepção crítica acabou por

construir uma imagem específica do cinema brasileiro e qual seria esta imagem

derivada da interpretação da crítica. Os críticos de cinema portugueses são

leitores historicamente determinados pelo painel social, político, cultural e

ideológico de sua época e, por isso, representantes de um ambiente

comunicacional, de um diálogo entre a obra e seu tempo.

Consideremos, portanto, que os pressupostos teórico-metodológicos da

estética da recepção, as recentes teorias da recepção histórica no cinema e a

diretriz conceitual da retórica, nos acolherão em nossa investigação aqui

pretendida. Desse modo, será analisada a recepção de filmes brasileiros através

das críticas publicadas. Esta contextualização histórica não deve ser uma mera

reconstrução do horizonte original, como observada na interpretação

hermenêutica de Gadamer, antes uma fusão daquele horizonte com o horizonte

atual. Representante de uma práxis histórico-social e ao mesmo tempo sendo

objeto desta práxis far-se-á uma análise desta crítica ou se quisermos, sem cair

numa redundância, uma hermenêutica da crítica, ou sendo mais prudente, uma

poética da interpretação: a escritura dessas críticas está inevitavelmente imersa

no contexto que as produziu.

Para além de uma hermenêutica religiosa, na qual a decifração do texto

sagrado se efetuava na submissão e no respeito, o nosso processo interpretativo

corresponde aos compromissos de Jauss e Gadamer, baseados no horizonte do

perguntar, na lógica da pergunta e da resposta como instrumento hermenêutico

mais eficaz na compreensão do sentido na história.

Fazer uma mediação da experiência receptiva contemporânea e passada

do cinema brasileiro visto em Portugal a fim de perceber como a crítica vê hoje

um cinema que já foi considerado nos anos 60 como “revolucionário” e

atualmente assume sem pudor seus ideais mercadológicos, é uma tarefa

exploratória que se pretende, bem como pensar esta fusão de horizontes entre

os textos críticos do passado e do presente como comparativo de atualização da

dinâmica histórica. É óbvio que a crítica de filmes assume dimensões diferentes

à medida que o tempo passa e é necessário encontrar as razões para isto sem

cair num reducionismo historicista, por demais banalizado, de causa e efeito. Se

o cinema brasileiro mudou de 1960 para cá, estas mudanças foram, de certo

modo, atualizadas pela cumplicidade da crítica com o cinema.

Em síntese, têm-se como premissas centrais e interdependentes de

análise: a investigação das referidas críticas relacionando-as ao contexto que as

materializou, ou seja, mapear seus horizontes de expectativas; buscar os

condicionantes objetivos colocados pelos críticos em suas “situações de

interpretação”, e finalmente, pensar sobre as estratégias (textuais e retóricas)

utilizadas para definir seus propósitos.

O movimento do vaivém de pergunta e resposta permite que o texto

crítico, sempre enriquecido com a fusão de horizontes, seja motivado por uma

interpretação mais abrangente, já que o sentido não está congelado na obra e

nem o crítico, enquanto leitor ativo, terá o papel outrora atribuído a ele de

desocultar este suposto sentido. Regina Zilberman lembra que, no exercício da

hermenêutica literária, a etapa da aplicação é indispensável sobretudo porque,

neste momento, o intérprete “verifica seu lugar na cadeia temporal” e possibilita

“ao crítico ou ao historiador examinar seus próprios pré-juízos, segundo um

permanente vaivém que delimita a ambição totalitária e abarcante da

interpretação” (1989, p. 69). Dessa forma, a tarefa hermenêutica faz com que o

crítico, ao questionar a obra, deixe-se também interrogar por ela. E isto possui

uma relevância significativa dada o uso que alguns críticos fazem de sua

autoridade com suas propostas de interpretações totalizantes, sobretudo no

cinema.

É importante salientar, neste contexto, que o sistema de proteção evocado

pela hermenêutica questiona a vulnerabilidade da crítica, assumindo aqui dois

papéis: a proteção contra os excessos do analista de filmes e de seus

conseqüentes juízos sobre eles e, ao mesmo tempo, contra os nossos próprios

equívocos, enquanto pesquisadores, portanto também intérpretes de textos que

se configuram como o nosso objeto de investigação.

É que, conforme adverte Jauss (1994, p. 24), antes mesmo de ser capaz

de compreender uma obra, o crítico tem sempre de novamente fazer-se, ele

próprio, leitor. Por outras palavras, ele deve estar apto a fundamentar seu juízo

levando em consideração seu posicionamento na série histórica dos leitores.

Com efeito, é igualmente significativo pensar o crítico de cinema como um leitor

que, ao refletir sobre os filmes, o atualiza na cadeia histórica receptiva da obra.

Se a estética da recepção busca reconhecer o leitor e sua capacidade produtiva,

na crítica, vê-se a representação concreta do papel ativo conferido ao leitor.

Esta discussão torna-se especialmente importante dado o caráter

formador da crítica. Se o texto crítico jornalístico que objetivamente analisaremos

em nossa pesquisa documenta a história dos efeitos do filme, não se pode

deixar de relevar também a sua inserção no mesmo horizonte de expectativas do

filme, tendo naturalmente uma parcela de responsabilidade por estes mesmo

efeitos, enquanto texto formador de opinião. Isto significa dizer que este caráter

pedagógico da crítica de cinema, bem como de toda crítica, implica numa

discussão indissociável sobre os processos interpretativos do filme.

Como preconiza a estética da recepção e do efeito, o leitor insere-se em

dois percursos que se cruzam: como figura histórica (e, portanto, concreta) e ao

mesmo tempo como leitor pertencente ao texto, implícito, nas palavras de Iser.

Esta tensão dialética acaba por enriquecer a pesquisa que se preocupa com

este sujeito histórico, aqui representada pelos críticos portugueses como

operadores da recepção do filme e concomitantemente com os efeitos que seus

textos pretendiam produzir numa determinada audiência. Esta audiência, por sua

vez, também ela é inscrita em um processo historicamente determinado e é

implícita, uma vez que existe virtualmente no interior do texto. Como ela jamais

pode desvencilhar-se de seu entorno social, poderá até subvertê-lo, mas não

negá-lo. Este sujeito-leitor partilha com o texto seus segredos e cede aos seus

“encantos”, às suas manobras, convicto de que faz parte de um jogo, apesar de

ser ao mesmo tempo persuadido por ele.

No que diz respeito a esta questão, trabalharemos com os sistemas

conceituais da retórica indispensáveis para analisar o poder de convencimento e

persuasão que estes escritos críticos exerceram sobre seus destinatários. O

nosso próximo enquadramento teórico, portanto, será baseado nisto.

Retórica, crítica e comunicação

( . . . ) a retór ica é um aperfeiçoamento (Fortbilgund) dos artifícios já presentes na linguagem. Não existe de maneira nenhuma a «naturalidade» não-retórica da linguagem à qual se pudesse apelar: a linguagem ela mesma é o resultado de artes puramente retóricas. A força (Kraft) que Aristóteles chama de retórica, que é a força de deslindar e de fazer valer, para cada coisa, o que é eficaz e impressiona, essa força é ao mesmo tempo a essência da linguagem: esta reporta-se tão pouco como a retórica ao verdadeiro, à essência das coisas; não quer instruir (belehren), mas transmitir a outrem (auf Andere ubertragem) uma emoção e uma apreensão subjetivas.

Nietzsche – Da Retórica

Pensar em retórica é pensar em processos comunicativos. Assim,

desejamos iniciar nossas reflexões abordando a rica relação entre retórica e

comunicação. Trata-se de uma relação constituída por um diálogo partilhado

entre um produtor e um receptor, ou seja, aquele que argumenta sempre, por

princípio, dirigi seu discurso a alguém. Conforme observa Phillipe Breton (2001,

p. 12), um traço peculiar ao argumento “é o fato de se desenvolver numa

situação de interrelação”, reconhecendo a evidente natureza comunicativa da

retórica. Este processo dialético entre representação e público, que é, de fato, a

retórica, interessa-se, pois, por situações de comunicação intrínsecas à vida em

sociedade, embora seja bom lembrar que o domínio do conhecimento desses

processos comunicacionais é o do verossímil e não o da verdade.

O nome de Chaim Perelman é, sem dúvida, uma referência no campo

conceitual da retórica. Este filósofo polonês inscreve seu famoso Tratado da

argumentação: a nova retórica sob uma perspectiva comunicacional seja quando

sublinha o fato de que é “em função de um auditório que qualquer argumentação

se desenvolve”, seja quando reconhece que “o objetivo de uma argumentação

não é deduzir as conseqüências de certas premissas, mas provocar e reforçar a

adesão de um auditório às teses que são apresentadas ao seu

assentimento” (Perelman, 1996, p. 6). Com efeito, a idéia de adesão aos

espíritos de Perelman ratifica as trocas circulares entre texto e leitor, em

desacordo a uma visão mecanicista dos processos comunicacionais.

Isto posto, convém neste momento ressaltar que a retórica tem ampliado

seus campos de estudos, deixando reflexões não apenas à deliberação política

ou judicial como também ao chamado campo midiático. E, apesar da Nova

Retórica de Perelman não se ocupar particularmente deste terreno, notadamente

no diz respeito às chamadas retóricas visuais, suas contribuições são

incontestáveis para o campo comunicacional, designando, ele próprio, a retórica

como “teoria da comunicação persuasiva”22.

1. Um breve painel histórico

Desde quando Córax, no século V a.C., apregoou que qualquer discurso

deve ser organizado se pretende ser convincente, a retórica passou a ser um

importante objeto de investigação das sociedades humanas. Como se sabe, a

retórica está originalmente ligada à Grécia antiga, onde Platão promoveu seu

ataque irredutível aos sofistas, considerando-os nocivos pelo relativismo e pela

manipulação de discursos. A crítica de Platão, e também de Sócrates, contra os

demagogos das palavras e os mentirosos teve conseqüências significativas,

quando deixou marcas indeléveis na conotação pejorativa que o termo retórica

carregou e carrega nos ombros até hoje. O filósofo grego aspirava a que a

retórica fosse utilizada como “um instrumento intelectual ao serviço da busca da

22 Perelman (1993, p. 173) procura reforçar seu empenho em reabilitar a retórica apontando o interesse despertado, hoje, por esta, em quase todos os campos que remetem ao discurso.

verdade e não simplesmente uma técnica para convencer os indivíduos de

opiniões que se formam à margem dela” (Breton, 2001, p. 30). Com efeito, a

suspeita de submissão da retórica à opinião (doxa), ao abrigo da idéia de seu

mau uso, desqualificou a retórica como teoria da argumentação. Por outro lado,

é importante sublinhar que Platão teria sido o primeiro a nos chamar atenção

para o tema da manipulação dos discursos persuasivos, tão presentes hoje,

sobretudo no que diz respeito aos meios de comunicação de massa e suas

implicações éticas.

Anos mais tarde, porém, Aristóteles (1998) dizia: “O uso da argumentação

não pode ser em princípio condenável, porque, neste caso, deveríamos também

condenar os filósofos que procuram, graças à argumentação, convencer-nos do

bem fundado dos seus ataques contra a retórica”.

Respondendo às críticas de seus predecessores, Aristóteles, por sua vez,

já no século IV a.C., fornecerá os fundamentos de uma teoria da argumentação,

isto é, será ele quem sistematizará os conceitos, dando nome às diversas

técnicas utilizadas e percebendo a argumentação como um conjunto de

estratégias que organizam o discurso persuasivo. Contestará as críticas morais e

filosóficas, ao fazer da retórica uma técnica em que a questão moral não pode

ser estabelecida, uma vez que se trata de um mecanismo que pode ser utilizado

a serviço do bem ou do mal: “tão útil pode ser o seu justo emprego, como nocivo

ou injusto” (Aristóteles, 1998, p. 43). Quanto ao tema da verdade, Aristóteles

argumenta que o domínio da retórica é o do verossímil, e não o da falsidade,

excluindo, dessa forma, a presunção de verdade proposta por seu antigo mestre,

Platão.

Sem dúvida que os conhecimentos sistematizados apresentados por

Aristóteles vieram a contribuir muito para a recuperação da retórica, já muitos

séculos depois, com ajuda de Perelman. Vale notar que alguns autores lembram

que a teoria da argumentação de Aristóteles pode ser considerada como um

esboço de uma primeira teoria da recepção23. Este, refira-se, é um dado

interessante uma vez que para o filósofo grego o auditório é sempre o “fim” de

qualquer discurso.

Amplamente vinculada ao contexto histórico que a constituiu, a retórica,

neste período fundador, ganha uma importância formidável no debate público,

tornando-se, enquanto teoria da argumentação, num organismo plural conectado

à cultura da época que coloca o discurso para convencer no cerne da vida

social. Não poderíamos deixar de ressaltar que a teoria retórica clássica

forneceu uma espécie de cânone da arquitetura de um discurso persuasivo cuja

legitimidade permanece inalterada até os dias atuais. As cinco categorias na

produção de um discurso argumentativo, Invenção, Disposição, Elocução,

Memorização e Ação, estão presentes em qualquer discurso que se proponha

persuasivo. Daremos a elas uma atenção especial mais adiante em nossa

investigação.

Tal cenário de prestígio, entretanto, modificou-se após a queda do

Império romano, quando a retórica foi progressivamente perdendo status e,

mesmo sobrevivendo como prática, não sendo considerada enquanto objeto de

estudo. Segundo Philippe Breton (2001, p. 45-46) as razões deste declínio

apontam em duas direções. Uma interna: “no seio da retórica, as duas fases que

são a disposição e a elocução irão assumir progressivamente um papel

crescente num domínio novo – a expressão literária”. E a outra externa: “a

argumentação irá ser substituída pela demonstração racional, nomeadamente a

partir de Descartes, privando a retórica de toda essa parte essencial que é a

teoria da invenção”. Em outras palavras, a dimensão argumentativa da retórica é

totalmente desprezada quando esta se reduz a um mero exercício acadêmico.

O pensamento ocidental dos últimos três séculos, amplamente dominado

23 Estamos nos referindo, por exemplo, a Phillipe Breton para quem, “Barthes via no livro I da Retórica de Aristóteles «o livro do emissor», no livro III «o livro da própria mensagem» e no livro II «o livro do receptor da mensagem» (2001, p. 36).

pela concepção cartesiana, trouxe problemas inevitáveis. Com o

desenvolvimento do pensamento racional mecanicista e a concretização da

perspectiva hegemônica da ciência, os estudos dos meios de prova para

conseguir a adesão do auditório foram desqualificados pelos lógicos e teóricos

do conhecimento.

Enquanto a retórica, durante este longo período, ficou relegada ao plano

da prática mundana feita de artifícios e ornamentos, o racionalismo cartesiano

começou a ser questionado pela filosofia que imprimiu uma espécie de

reabilitação da retórica em meados do século XX.

Duas obras, publicadas coincidentemente no mesmo ano (1958), irão

marcar o rompimento com a tradição cartesiano-positivista e, ao mesmo tempo,

assinalar a renovação do empenho teórico na retórica: The uses of Argument de

Stephen Toulmin e Traité de l’argumentation: la nouvelle rhétorique de Chaim

Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca. Dado seu caráter de relevância conceitual

para as teorias da argumentação, estas obras ainda hoje funcionam como

sistemas de referências utilizados em muitas análises de discursos

argumentativos.

A obra de Toulmin “inscreve-se numa oposição a um certo logicismo (de

Aristóteles a Carnap) e numa vontade de reforma da lógica com o intuito de a

tornar mais aplicável às situações cotidianas da discussão racional”, destaca

Breton (2001, p. 50). A argumentação é um ato social que abarca toda atividade

que diz respeito a elaborar proposições, apoiá-las ou fundamentá-las com

razões. Toulmin (2001) introduzirá a noção de campos do argumento, indicando

que alguns aspectos do argumento são invariáveis, apesar dos contextos em

que eles são criados, e outros aspectos podem variar de contexto para contexto

sendo, assim, dependentes de seu campo. Por outras palavras, cada campo de

argumentação (o da política ou o da arte, por exemplo) possui seus próprios

critérios para construir e compreender os argumentos.

Os campos de argumentação ou contextualização da argumentação são o

sistema referencial mais importante e original de Toulmin. Com efeito, o contexto

em que o argumento é empregado fornecerá a estrutura em que a identificação

dos componentes do argumento se torna clara.

Também é importante salientar que Toulmin (2001) opõe-se

declaradamente ao positivismo e à formalização da lógica: “A teoria da

argumentação de Toulmin tem sido influente no campo da pesquisa sobre

argumentação, na medida em que significa uma ruptura com o rígido sujeito da

lógica formal e oferece uma forma básica e flexível, quase geométrica, de

análise de argumentação”, observa Miltos Liakopoulos (2002, p. 222).

É certo que este breve relato sobre a teoria da argumentação de Toulmin

tem um caráter puramente introdutório, uma vez que o interesse de nossa

pesquisa assentará suas bases na obra de Chaim Perelman.

2. A Nova Retórica de Perelman

Chaim Perelman, fundador daquilo a que foi denominado de Escola de

Bruxelas24, dispara suas críticas contra o racionalismo de Descartes, esforçando-

se por valorizar o verossímil e as opiniões por comparação com o fato.

Retomando a tradição aristotélica, rompe com a lógica demonstrativa e a

evidência cartesiana, ampliando as asas de uma lógica argumentativa não

formal. Como observa Tito Cardoso e Cunha (1998), este reatamento da tradição

grega e, ao mesmo tempo, esta ruptura com a tradição da modernidade, “trazem

quase uma premonição do que será a crítica pós-moderna da razão”. Este é um

dado significativo, haja vista a proliferação, hoje, de paradigmas que reclamam

pela probabilidade ou plausibilidade em contradito ao velho estatuto de verdade

24 Escreve Rui Alexandre Grácio (1993, p. 14): “O traço maior da chamada “Escola de Bruxelas” reside, sem dúvida, na convergência do movimento crítico que, no pensamento dos seus três mais destacados representantes – Eugène Dupréel, Chaim Perelman e Michel Meyer -, encontramos relativamente ao racionalismo clássico”.

racional da modernidade.

Por outro lado, como acentua Michel Meyer: “Hoje, o fim das grandes

explicações monolíticas, das ideologias e, mais profundamente, da racionalidade

cartesiana estribada num tema livre, absoluto e instaurador da realidade, e

mesmo de todo real, assinala o fim de uma certa concepção do logos. Este já

não tem fundamento indiscutível, o que deixou o pensamento entregue a um

cepticismo moderno, conhecido pelo nome de niilismo. (...) e entre o «tudo é

permitido» e «a racionalidade lógica e a própria racionalidade», surgiu a Nova

Retórica e, de um modo geral, toda a obra de Perelman” (1996, p. XX).

Tendo como seu interlocutor polêmico Descartes, assim como Jauss teve

o seu em Adorno, o filósofo de Bruxelas questiona a posição positivista que, ao

limitar o papel da lógica, do método científico à resolução de problemas de fundo

meramente teórico, abandona a solução dos problemas humanos à emoção. Um

juízo de valor será sempre um tema por demais controvertido, fora, portanto, da

lógica cartesiana de demonstração empírica dos fatos. A conseqüência deste

tipo de inferência é a desqualificação do método que regula os raciocínios

persuasivos que Perelman buscava defender.

É bom lembrar que esta atitude de questionamento à lógica formal não

retira a retórica uma racionalidade argumentativa, antes pode ser visto como

uma nova forma de conceber a razão. Mais uma vez as palavras de Michel

Meyer (1996, p. XX) vêm em nosso auxílio: “A retórica é esse espaço de razão,

onde a renúncia ao fundamento, tal como o concebeu a tradição, não se

identificará forçosamente a desrazão”.

É a esta “racionalidade argumentativa” promovida pela Nova Retórica de

Perelman que Rui Alexandre Grácio dedica sua obra com o mesmo nome. O

autor esclarece que Perelman propõe a “tematização de uma nova racionalidade

intrinsecamente pluralista” (1993, p. 14). Para Grácio, o privilégio dado ao

raciocínio prático - aquele que envolve valores e que não se pode dissociar de

seus efeitos - guiará o filósofo de Bruxelas à construção de uma teoria da

argumentação. O tema da procura de uma “lógica dos juízos de valor” preenche

as indagações de Perelman e revela-se interessante na medida em que este põe

em evidência as contingências históricas para identificar quais critérios seriam

válidos num determinado contexto. É a lógica do preferível em detrimento da

lógica do verdadeiro. É esta a lógica da retórica.

A atividade racional, portanto, não pertence exclusivamente ao campo

lógica formal, antes está também ligada à arte da persuasão, às técnicas

discursivas que visam obter a adesão de um auditório, à própria experiência do

auditório com o discurso produtor. Aliás, essas duas noções, auditório e adesão,

fundamentais na obra de Perelman, permitem, como já nos referimos,

caracterizar a argumentação pelo seu contexto comunicacional.

Reconhecendo, preventivamente, as dificuldades em definir o auditório a

partir de critérios puramente materiais, Perelman (1996, p. 22) aborda-o como “o

conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação”. Assim,

a relação dialógica orador/auditório é fundamental em todo e qualquer discurso

argumentativo. É bom salientar que Perelman dedica sua Nova Retórica ao

discurso argumentativo, exclusivamente escrito ou falado, daí o autor optar por

uma identificação entre retórica e argumentação.25

Segundo Tito Cardoso e Cunha (1998), há algo de problemático na

concepção de auditório de Perelman. Este problema diz respeito aos variados

tipos de auditórios existentes assim como as suas crenças e perfis. Perelman,

para Cardoso e Cunha, não consegue definir nem delimitar suficientemente

essas variações de auditório, nem quando procura fazer uma distinção entre

25 Segundo Rui Grácio (1993, p. 11) esta estratégia de identificação entre os dois termos de Perelman é aceitável em termos. Para o autor seria necessário uma distinção entre retórica e argumentação, baseado no seguinte critério: “identificar o termo argumentação com o termo retórica sempre que se trate de discurso, escrito ou falado. Desta forma, sempre que se escreve ou fala, também se argumenta e se faz retórica. Distinguir argumentação e retórica quando a acção comunicativa exercida sobre nós não depende exclusivamente do discurso: desta forma, há uma retórica das imagens, (...) uma retórica da moda, etc”. Nós, neste presente estudo, concordamos com Perelman e utilizamos os dois termos como partilhados.

“persuadir” e “convencer”, segundo a qual a persuasão se destina a um auditório

particular e o convencimento se dirige a um auditório universal. Cardoso e

Cunha (1998) ainda questiona se há alguma “técnica discursiva retórico-

argumentativa válida em todas as circunstâncias e independentemente da

variação dos auditórios”.

Sem dúvida que o conceito de auditório universal é a questão mais cara a

Perelman. Trata-se de uma idéia com pretensões totalizantes que mesmo

situando-a a um grau exclusivamente filosófico com intenções a universalidade,

não parece estar bem definida. Sobretudo quando Perelman estabelece uma

distinção entre os chamados auditórios individual e íntimo, ou seja, quando se

argumenta perante um único ouvinte ou até o caso particular quando uma

pessoa delibera consigo própria.

Por outro lado, e não podemos deixar de o reconhecer, a tese do auditório

seja como produtor de opinião seja como seu destinatário, guiará a retórica

perelminiana ao reconhecimento do papel da comunicação na produção dos

conhecimentos e da opinião. Este auditório é, para quem argumenta, “uma

construção mais ou menos sistematizada” (Perelman, 1996, p. 22). Com efeito,

uma condição prévia de qualquer argumentação eficiente é ter conhecimento, ou

mesmo traçar um perfil, daquele que se pretende seduzir, a fim de evitar uma

imagem inadequada desse mesmo auditório, isto é, “toda a argumentação tem

que ser construída a partir do que se definiu ser o seu destinatário, quer dizer, o

seu auditório” (Cunha, 1998).

Ora, esta discussão26 está diretamente ligada a certas problemáticas das

teorias da recepção, inclusive à própria estética da recepção e do efeito de

Jauss e Iser. Para Iser, o construtor do texto deve prever a recepção de sua

mensagem e integrá-la na própria concepção da mensagem, como já foi

abordado na nossa reflexão sobre a estética da recepção. Perelman, por sua

26 Discussão, cumpre ressaltar, que vem desde Aristóteles, quando este defende que só se argumenta a partir de opiniões pré-estabelecidas.

vez, também refletirá sobre a recepção do argumento ao afirmar, por exemplo,

que “a cultura própria de cada auditório transparece nos discursos que lhes são

destinados, de tal maneira que é, em larga medida, desses próprios discursos

que nos sentimos autorizados a extrair algumas informações acerca das

civilizações passadas” e sobretudo quando diz que “(...) é o movimento do

discurso, a adesão do ouvinte à forma de argumentação que ela favorece que

determinarão o gênero de discurso com o qual se lida” (apud Breton, 2001, p.

55).

O movimento de partilha entre orador e auditório ou entre texto e leitor é

produto de uma ação comunicativa, como ratifica Perelman (1993, p. 29): “Como

o fim de uma argumentação não é deduzir conseqüências de certas premissas,

mas provocar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que se

apresentam ao seu assentimento, ela não se desenvolve nunca no vazio.

Pressupõe, com efeito, um contato de espíritos entre o orador e o seu auditório:

é preciso que um discurso seja escutado, que um livro seja lido, pois, sem isso, a

sua ação seria nula”. Este contato de espíritos implicitamente pressupõe uma

troca estética, presente na experiência entre texto e leitor.

A idéia de auditório em Perelman está intimamente associada à idéia de

adesão e à de acordo, estes obtidos por intermédio da argumentação. Como se

sabe, toda argumentação visa obter a adesão dos espíritos; contudo, esta

adesão pode ser de uma intensidade variável, isto é, este assentimento pode ser

susceptível de uma maior ou menor intensidade e aí, é importante ressaltar, que

os argumentos e as técnicas utilizadas funcionam, no discurso argumentativo,

como meios de prova. Neste tema, Perelman claramente retoma a velha tradição

aristotélica das “provas retóricas”.

A argumentação age sobre um auditório com o objetivo de modificar suas

convicções ou disposições por meio de um discurso que visa seduzir o público

ao invés de impor a sua vontade pela violência. É um procedimento, uma rotina

discursiva legítima, claramente vista em textos persuasivos que intentam manter

contato com o público. E não podemos esquecer que a finalidade da

argumentação não é provar verdades como a lógica da demonstração, antes,

argumentar é preparar, expor uma tese ou uma opinião de uma determinada

forma. Nesse sentido, há a livre escolha do auditório em aderir ou não à

argumentação, ou, como afirma Rui Grácio, em relação à racionalidade

argumentativa perelmeniana: “vista a esta luz, a razão torna-se uma instância

histórica e dialógica reguladora das nossas crenças e convicções e da liberdade

que relativamente a elas possuímos” (1993, p. 8).

A renúncia à violência imposta pela argumentação assenta suas bases na

idéia de acordo. Este acordo entre o orador e o auditório baseia-se em

premissas, teses concedidas e admitidas mutuamente: “(...) do princípio ao fim, a

análise da argumentação versa sobre o que é presumidamente admitido pelos

ouvintes” (Perelman, 1996, p. 73). Todavia, a escolha e elaboração dessas

premissas dificilmente são isentas de valor argumentativo, o que já se configura

como um primeiro passo de uma ação persuasiva. Sendo os objetos do acordo

que podem servir de premissas em número quase incalculável, o filósofo belga,

com sua peculiar taxionomia, agrupa-os em duas categorias: “uma relativa ao

real que compreende os fatos, as verdades e as presunções e a outra relativa ao

preferível, que conteria os valores, as hierarquias e os lugares do

preferível” (Perelman, 1996, p. 74).

A primeira categoria diz respeito ao não-controverso, a sistemas

complexos que são dados e aceites por uma comunidade grande de espíritos, ou

seja, por uma pretensão de validade para o que Perelman chamou de auditório

universal. Se, como afirma Tito Cardoso e Cunha (1998) “não há qualquer

espécie de acordo sobre o que seja o “real”, dificilmente qualquer troca

argumentativa se torna possível de acontecer”. Portanto, por princípio, essas

premissas devem estar acordadas para que haja comunicação entre orador e

seu público-interlocutor.

A segunda categoria abarca as escolhas, não vinculadas a realidades

preexistentes, mas a um ponto de vista específico que seria identificado com o

de um auditório particular. O acordo sobre o “preferível” remete aos valores, a

uma atitude que temos perante as coisas, instituições, mundo.

O Tratado da argumentação de Perelman desenvolve-se ao redor das

“técnicas argumentativas”, as quais têm um papel fundamental na eficiência de

um discurso persuasivo. Estas “técnicas” funcionam com base em dois vetores:

por um lado o eixo do discurso, particularmente das estruturas argumentativas

utilizadas e, por outro lado, o do efeito desse discurso no destinatário.

Existem os argumentos de ligação que consistem basicamente em elos

entre as teses que se procuram promover e as teses já admitidas e podem ser

agrupados em três classes: os argumentos quase-lógicos, os argumentos

baseados na estrutura do real e os argumentos que fundam a estrutura do real.

Há também os argumentos de dissociação ou “técnicas de ruptura com o

objetivo de dissociar, de separar, de desunir elementos considerados um todo”,

como afirma Perelman (1996, p. 215).

Os argumentos quase-lógicos, em consonância com a tradição Aristotélica

do entimema, são aqueles cuja estrutura remete aos argumentos da lógica

demonstrativa, embora esta remissão não tenha valor conclusivo já que é

impossível extrair a ambigüidade da linguagem nem remover do argumento a

possibilidade de múltiplas interpretações. Por outro lado, os argumentos quase-

lógicos buscam sua força persuasiva nos princípios lógicos que servem de

suporte para esta mesma eficiência persuasiva.

Antes de qualquer coisa, convém salientar que o significado do “real” para

Perelman não é, naturalmente, o do sentido ontológico do termo, e sim o de uma

representação da realidade, ou proposições acerca dela. Assim, os argumentos

baseados na estrutura do real envolvem uma solidariedade, um laço entre os

diversos elementos do real que irá servir de base à argumentação. Como

assinala Philippe Breton (2001, p. 61): “o seu emprego consiste, pois, em

evidenciar uma ligação entre a causa que se pretende defender e um elemento

já aceite pelo auditório”. Estes argumentos subdividem-se em dois grupos: os

que se amparam numa ligação de sucessão, como a relação de causa e

conseqüência, e os que se apóiam numa ligação de coexistência, ou seja, “entre

uma essência e as suas manifestações” (Cunha, 1998), como por exemplo, o

argumento de autoridade, bastante utilizado em discursos persuasivos nos quais

uma opinião passa a ser valorizada porque uma autoridade, reconhecida como

tal pela audiência, a apóia.

Já os argumentos que fundamentam a estrutura do real são aqueles que

generalizam o que é tido como um caso particular ou transferem para um outro

domínio o que é admitido num domínio privado: quando, por exemplo, se propõe,

num discurso argumentativo, um elo entre elementos do real, aparentemente

desconectados, cabendo ao orador correr o risco de promover uma ligação

pertinente entre eles. Com efeito, Perelman apresentará dois tipos de ligações

que fundamentam a estrutura do real. O apelo ao caso particular – o exemplo, a

ilustração, o modelo – e o raciocínio por analogia – analogia e metáfora.

Em suma, as técnicas de dissociação têm o efeito de modificar um

sistema já estabelecido como unidade. No processo argumentativo é preciso

quebrar esta unidade e pôr em relevo as noções distintas que ela encobre. A

dissociação resulta da depreciação do que era até então um valor aceito e a sua

substituição por outro que esteja em conformidade com o valor original. Tal como

disse Perelman (1996, p. 217), os argumentos de dissociação “(...) visam menos

utilizar a linguagem aceita do que proceder a uma nova modelagem”.

Nos esquemas argumentativos que procuramos, superficialmente,

discernir devem ser sublinhados três aspectos tão importantes quanto

referenciais na obra de Perelman. O primeiro diz respeito à atuação destes

procedimentos argumentativos que não devem ser vistos como isolados uns dos

outros. Certos argumentos podem pertencer a vários esquemas sem que haja

uma relação de exclusão entre eles. Além disso, os argumentos devem ser

sempre contextualizados, inseridos na realidade histórica que os cerca.

O segundo aspecto remete à utilização dessas “técnicas argumentativas”.

Perelman, em sua obra, não buscou fazer um “manual” orientado para aqueles

que procuravam instruções mecânicas sobre “como construir um discurso

argumentativo de sucesso”. Antes, propôs discutir sobre os recursos discursivos

para obter o assentimento do auditório e, sobretudo, pensar a argumentação

como um campo de debates sobre a questão da formação das idéias e sua

circulação.

Por fim, o terceiro aspecto trata da recepção desses argumentos.

Perelman chama a atenção de que este modelo, tal como outros nas ciências

sociais, implicam riscos de interpretações truncadas, especialmente no discurso

oral, já que os textos persuasivos escritos, em geral, têm a vantagem de

apresentar os argumentos de forma mais simplificada ou estilizada sendo,

portanto, mais fácil o reconhecimento desses procedimentos retóricos. Por outro

lado, e dialeticamente, é valorizando estes procedimentos retóricos

argumentativos que se conseguirá perceber os efeitos práticos da

argumentação.

A Retórica da crítica de cinema

Parece-nos claro que a crítica de cinema possui uma função retórica.

Como gênero discursivo jornalístico, a crítica comum de cinema veiculada em

jornais, semanários e revistas dispõem de estratégias argumentativas a fim de

validar suas premissas e conseguir o apoio dos leitores. Como afirma Perelman

(1993, p. 172): “Desde que uma comunicação tenda a influenciar uma ou várias

pessoas, a orientar os seus pensamentos, a excitar ou apaziguar as emoções, a

dirigir uma ação, ela é do domínio da retórica”. O discurso da crítica de cinema é

também um discurso sobre valores e, como tal, “obriga a uma argumentação

fundamentada e persuasiva, fundamentada para ser persuasiva, e justificada do

valor, nomeadamente estético, da obra fílmica” (Cunha, 1996, p. 189).

Grande parte da crítica de cinema hoje responde a um tipo de jornalismo

massivo, com limitações de espaço cada vez maior e falta de tempo para a

análise mais atenta das películas. Este tipo de texto mais acelerado, portanto, já

faz parte do discurso retórico dos críticos atuais que sofrem com a intolerância à

exegese, fomentada pelos editores de jornais e revistas de grande circulação.

Alinhados a convenções ditadas pela própria instituição que os consagra,

esses escritos críticos obedecem a regras e convenções retóricas próprias de

qualquer discurso persuasivo. Com efeito, reclamar um pathos para evocar um

discurso emocionado sobre um filme faz parte desta rede comunicativa entre

críticos e leitores.

O discurso da crítica de filmes, enfim, remete a um tipo de comunicação

persuasiva, recheado de elementos prontos para provocar a aceitação “tanto

intelectual como emotiva”, nas palavras de Perelman, das audiências.

1. O significado do filme e a retórica dos críticos

O trabalho do teórico de cinema americano David Bordwell, Making

Meaning: inference and rhetoric in the interpretation of cinema, propõe uma

leitura atenta dos métodos de pensamento e escritura dos críticos de cinema.

Embora nesta obra o autor focalize suas análises para as críticas produzidas em

formatos acadêmicos, o chamado film criticism, Bordwell não deixa de revelar a

importância das convenções retóricas utilizadas pelos críticos de cinema

também em resenhas jornalísticas. A crítica de cinema, para Bordwell (1991) é

uma prática discursiva cognitiva e retórica que se molda pelas instituições que a

albergam, seja ela um ensaio acadêmico ou um resenha de jornal. Hoje, ela

estaria mais longe do ideal de interpretação tornando-se uma atividade

essencialmente rotineira, sem invenção ou criatividade.

Importante pelo apuro metodológico, pouco usual neste campo de

debates, a obra de Bordwell pode ser considerada como uma das pioneiras na

discussão sobre os métodos de interpretação da crítica de filmes. Chamar a

atenção para a análise desta prática discursiva já é um mérito, mesmo correndo-

se o risco de ser mal interpretado pelos seus pares que, por vezes, não vêm com

bons olhos a crítica da prática crítica.

Bordwell (1991, p. 34-40) está preocupado em analisar a lógica da

justificação do discurso da crítica cinematográfica. Um crítico, diferente de um

leitor comum, baseia-se em convenções estipuladas por instituições

interpretativas (como o jornal, por exemplo) e emprega habilidades na resolução

de problemas para chegar a uma interpretação do filme. Para o crítico, não é

suficiente construir os significados no filme mas também justificar a escolha

deles através de um discurso argumentativo público.

Assumindo seu diálogo com a retórica clássica de Aristóteles, Bordwell

(1991) define a retórica crítica como um mecanismo argumentativo de atração

para as audiências. Surpreende o fato de Bordwell não utilizar referências da

Nova Retórica de Perelman, já que este, entre outras contribuições, atualiza a

discussão aristotélica, sobretudo quando retoma a relação de convivência entre

a dialética e a retórica ou entre o raciocínio dialético e o raciocínio

argumentativo27. Pode-se argumentar que talvez, não estivesse no horizonte de

Bordwell uma discussão mais aprofundada sobre a retórica em si. Contudo,

tratando-se a crítica cinematográfica como um discurso que tem na função

retórica uma de suas principais funções, a obra de Perelman revela uma

contribuição que não se deve desconsiderar.

Aristóteles pensava na retórica como uma arte, arte sobre a capacidade

da linguagem para persuadir um auditório. Segundo António Lopes Eire (2001),

para quem Aristóteles é um filósofo “platônico-empírico”, três componentes

fazem parte do ideal retórico do filósofo: “o dialético, para argumentar com a

verdade, o psicológico-ético-político, para controlar a ação persuasiva que se

leva a cabo desde a alma do orador até a alma do ouvinte e, por último, os

componentes estilístico, estético-organizativo do discurso que o fará orgânico,

bem formado e perfeitamente organizado”. Digamos que estes três componentes

estão em permanente interface na prática persuasiva da crítica de cinema,

gênero de discurso que se ocupa da argumentação para exercer uma ação

persuasiva de forma organizada e agradável para os leitores.

Conforme a retórica clássica de Aristóteles (1998), são três os tipos de

“provas retóricas” utilizadas pelo discurso argumentativo: as provas éticas (o

ethos), fundamentadas na credibilidade ou caráter do autor, orador; as provas

27 Perelman (1993, p. 24) assume que sua Nova Retórica prolonga e amplifica a obra de Aristóteles, que nos Tópicos opunha retórica e dialética. Ao dizer que uma nova retórica (ou uma nova dialética) trata dos discursos dirigidos a todas as espécies de auditórios, Perelman não faz a distinção entre argumentos dirigidos a um único interlocutor (dialética) e aqueles direcionados a vários interlocutores (retórica), como considerava Aristóteles. Entretanto, foi a distinção entre raciocínios dialéticos (que incidem sobre a opinião, doxa) e raciocínios analíticos (que incidem sobre a verdade) que Perelman herdou de Aristóteles.

patéticas (o pathos), baseadas no apelo às emoções, paixões do auditório; e as

provas lógicas (o logos) que consistem no exame de como os argumentos

lógicos funcionam para nos convencer de sua validade.

Distinguia-se, então, uma estrutura composta por cinco cânones clássicos

que são “ao mesmo tempo, categorias prescritivas (como construir

concretamente um discurso e como o expor) e categorias de análise (como

funciona semelhante discurso)” (Breton, 2001, p. 43). São eles, a invenção que

está relacionada à origem dos argumentos ou como os oradores inventam

argumentos em relação a determinados objetivos; a disposição ou como dispor e

qual a melhor ordem dos argumentos num discurso; a elocução ou como se

apresenta o orador e como este tem em conta o auditório. Aqui, o estilo deve ser

considerado como algo intrínseco ao discurso, como uma dimensão complexa

entre forma e conteúdo. A memorização analisa o acesso que o orador possui ao

conteúdo de sua fala ou como ele mobiliza a sua memória e como se relaciona

com a memória do auditório e, por fim, a ação ou pronunciação investiga os

gêneros de discurso e os públicos destinados a eles ou o papel do contexto na

recepção dos argumentos. Dito de outro modo, para diferentes públicos,

diferentes discursos.

Não foi difícil, portanto, para Bordwell pensar nestes aspectos canônicos

da retórica a partir da retórica institucional dos críticos de cinema. Com efeito,

Bordwell revela como as categorias clássicas da retórica - inventio, dispositio e

elocutio - estão presentes no discurso institucional interpretativo dos críticos de

cinema e como é importante e necessária uma análise das interpretações para

observar as manobras argumentativas, organizativas e estilísticas características

da crítica cinematográfica.

As convenções das resenhas críticas de cinema são visíveis hoje no

jornalismo (sobretudo nos Estados Unidos) e constituem uma retórica

institucional. Como afirma Bordwell (1991, p. 35), “As resenhas de filmes são

parte dos meios de comunicação de massa e funcionam como uma ramificação

da publicidade da indústria cinematográfica: as críticas promovem o filme e

potencializam o costume de ir ao cinema. Como parte do jornalismo, a crítica de

cinema opera dentro da categoria discursiva da «notícia»; como ramificação da

publicidade, utiliza material dos discursos da indústria cinematográfica; como tipo

de crítica, baseia-se em certas formas conceituais e lingüísticas, especialmente

aquelas que implicam descrição e avaliação. E como retórica, utiliza as táticas e

estratégias tradicionais”.

A invenção trata de como os críticos elaboram os argumentos de

sustentação e inclui as provas clássicas baseadas no ethos que recorrem às

virtudes do crítico ou “os aspectos atrativos da atitude do crítico servirão como

garantia de seus juízos sobre o filme” (Bordwell, 1991, p. 35). Aqui o crítico pode

desempenhar um papel de conhecedor bem informado do filme, pode oferecer-

se ao leitor como um guia de consumo que fornece boas dicas sobre a película,

pode apresentar-se como um apaixonado por filmes clássicos, europeus,

alternativos, etc. O importante é a idéia de credibilidade passada ao leitor, pois

as apelações centradas no ethos criam o personagem do crítico, um partidário,

um juiz ou um analista que possui muitos atributos como o rigor, a justiça ou a

erudição.

As provas centradas no pathos são motivadas por um apelo as emoções

do público ou, como afirma Perelman (1996, p. 52), o discurso argumentativo

deve “excitar as paixões, emocionar seus ouvintes, de modo que se determine

uma adesão suficientemente intensa”. O crítico deve envolver o leitor pelo

discurso, destacar as qualidades ou defeitos do filme que, a seu juízo, devam

causar grande impacto junto ao público. Chamar a atenção para a excelente

interpretação de uma nova estrela, para o último filme de um grande astro, para

o valor do orçamento de uma película ou para a descrição arrebatadora de uma

seqüência e tantas outras estratégias conseguem produzir uma comunicação

efetiva com o público leitor. Como expõe Bordwell (1991, p. 36): “o crítico

apresentará suas descrições e julgamentos de modo que provoquem juízos

apaixonados, destacando as qualidades emotivas do filme ou demonstrando

drasticamente quão absurdo, pretensioso e tosco o filme é”.

Já as provas apoiadas no logos se dividem em exemplos e entimemas.

Os exemplos são argumentos indutivos que sustentam uma afirmação. O crítico

pode selecionar e descrever uma determinada seqüência do filme para servir de

exemplo ao que pretende demonstrar, como o bom ou mau desempenho de uma

atriz ou uma montagem bem feita. Bordwell afirma que, na crítica

cinematográfica, “este tipo de provas tende a não estar organizado como um

conjunto de conhecimentos coerentes; o gosto e a experiência do crítico guiam-

no de forma intuitiva para os exemplos apropriados” (1991, p. 37). O leitor de

uma crítica de cinema se deixa levar pela quantidade de detalhes e indicações

oferecidas pelos críticos que funcionam como dados purificados, algo para além

das palavras.

Não obstante, os exemplos não resultariam se não fossem sustentados

por crenças e idéias amplamente aceitas pelos leitores. Daí, os entimemas

serem argumentos dedutivos fundamentais neste tipo de discurso. Citando

Aristóteles nos Tópicos, Bordwell (1991, p. 37) observa que os entimemas são

também argumentos baseados em estereótipos em que muitas vezes o público

aceita sem questionar. De fato, é comum lermos em resenhas algumas máximas

como “filme hollywoodiano emburrece” ou “filme de arte é aquele que faz

pensar”, ou ainda “Glauber Rocha é indiscutivelmente o maior gênio do cinema

brasileiro” e coisas do tipo que os leitores incorporam já como crenças. Bordwell

(1991, p. 37) continua, afirmando que, na crítica cinematográfica, o entimema

modelo opera geralmente desta maneira:

“Um bom filme tem a propriedade p.

Este filme tem (ou carece de) propriedade p.

Este filme é bom (ou mau)”.

A questão é definir esta(s) propriedade(s). Isto quem estabelece é o crítico

numa espécie de pacto com o público: tem uma trama coerente ou um bom

roteiro, possui uma mensagem construtiva, usa a linguagem do cinema de forma

experimental, tem personagens interessantes, etc.

A atividade da crítica, portanto, utiliza manobras interpretativas

aparentemente lógicas, convertendo inferências em conclusões, modelos

heurísticos em premissas tácitas. No entanto, é necessário que o público admita

essas premissas como aceitáveis para o estabelecimento do acordo, como já

salientava Perelman.

Há também o bastante utilizado entimema de apelação à autoridade. A

apelação a nomes de escritores, diretores e teóricos respeitados é fundamental

para a coerência e a credibilidade do crítico que se torna, ele próprio, também

uma autoridade reconhecida pelos leitores. O crítico pode recorrer a

depoimentos de realizadores que funcionam muito bem como apoio retórico ou

prova de uma interpretação. Mesmo se o realizador já estiver morto, diz Bordwell

(1991, p. 209) “os críticos seguem celebrando sessões de espiritismo”.

Não obstante, como já nos referimos em relação ao que Perelman

chamou de argumentos quase-lógicos, o discurso da crítica é um discurso

retórico interpretativo e, portanto, fora do campo da “verdade”. Mais que tentar

impor uma visão única da realidade, o crítico propõe-se a convencer o público

amparado pela ambigüidade da linguagem.

A disposição do discurso crítico também é muito importante, uma vez que

este deve estar organizado de maneira atrativa para o leitor. Com efeito,

Bordwell (1991, p. 37-38) afirma que a crítica cinematográfica veiculada pelos

jornais compõe-se de quatro elementos básicos: “uma sinopse condensada,

destacando os momentos mais intensos, porém sem revelar o final do filme; um

corpo de informações sobre o filme (gênero, origem, diretor ou estrelas,

anedotas sobre a produção ou a recepção); uma série de argumentos

abreviados e um juízo a modo de resumo (bom/mau, boa tentativa/pretencioso

desastre, de uma a quatro estrelas, escala de um a dez) ou uma recomendação

(polegar para cima/polegar para baixo, veja/nem se aproxime)”. A ordem28 pode

variar mas, de um modo geral, abre-se o texto com um juízo rápido, depois uma

sinopse e uma série de argumentos sobre as interpretações, lógica da trama,

etc., conecta-se isto com as informações sobre o filme e, finalmente, faz-se uma

crítica reiterando seu juízo. Não é preciso ser um especialista no assunto para

rapidamente concordar com Bordwell quanto às limitações que este modelo

impõe, sobretudo porque, ratificando uma afirmação de Perelman (1993, p. 159),

“a ordem de apresentação dos argumentos modifica as condições de sua

aceitação”. Deste modo, a construção de um texto que fuja à linearidade da

narrativa ao adotar, por exemplo, um padrão de escrita desordenado, não linear,

pode evocar estranhamento ou até mesmo um corte na identificação do leitor

com o texto. O “lugar” e a força dos argumentos são extremamente importantes

e dependem da maneira como são recebidos.

Alguns poucos profissionais conseguem fugir desta rotina elaborando

textos que escapam ao padrão convencional descrito por Bordwell. Na maioria

das vezes, os que resistem a este modelo acabam por acentuar seu elocutio ou

estilo criando textos que marcam a sua personalidade e se destacam dos mais

comuns. Naturalmente, não queremos dizer que os outros escritos não tenham

estilo. Dizer tudo em poucas linhas ou produzir uma escrita telegráfica e ágil já

faz parte do modo estilístico do gênero cujo leitor se habituou a ler. Mas alguns

28 Segundo Perelman (1993, p. 161) três ordens dos argumentos foram preconizadas pela retórica clássica: “a ordem da força crescente, a ordem da força decrescente e a ordem nestoriana, em que se começa e acaba com os argumentos mais fortes, deixando os restantes no meio”.

críticos utilizam ironias, excessos de adjetivos, alguns são tempestuosos, outros

irascíveis, acentuando seu carimbo caligráfico reconhecível e, por vezes,

cultuado por diversos leitores. O estilo constitui um dos principais meios para o

crítico converter-se num personagem ou numa celebridade reconhecida pelos

leitores. Enfim, a crítica de cinema tem um discurso altamente estilizado

baseado em convenções que definem as fronteiras, tanto para a criação, como

para a recepção do discurso.

Em relação aos cânones da memorização e da ação Bordwell não se

manifesta, ausência justificada certamente pelo fato de esses cânones serem

mais adequados aos discursos orais. Poder-se-ia dizer que hoje a memória do

crítico assenta em seus imensos arquivos de filmes e publicações, disponíveis

especialmente na internet. A apresentação, pronunciação do discurso

argumentativo crítico, está inevitavelmente relacionada com diferentes contextos

e padrões de propagação. O texto das resenhas críticas de cinema de

publicação diária requer síntese, objetividade e atualização constante

condizentes com os padrões exigidos pela empresa jornalística que alberga este

discurso. Diferentemente, um texto crítico de formato ensaístico-acadêmico

solicita profundidade de análise e maior permanência temporal, obedecendo às

convenções de propagação das instituições acadêmicas.

Por fim, e em concordância com o que propunha Perelman, o argumento

retórico do crítico deve, sobretudo, se ajustar às preconcepções do público. O

crítico deve saber que tipo de comentário o leitor deseja e aceita e também que

grau de originalidade se requer de acordo com as circunstâncias institucionais

impostas. Pensamos que é a forma da comunicação (resenhas jornalísticas de

filmes) que determina os argumentos que devem ser utilizados.

Vale ressaltar, ademais, que o discurso argumentativo da crítica de

cinema vive, como outros discursos persuasivos, entre duas trilhas de

movimento: de um lado fornece instruções, manobras marcadas por uma

intencionalidade e por uma racionalidade e, por outro, de certo modo

dialeticamente, estes discursos não são fechados em si mesmos e levam a uma

polissemia, a uma não-intencionalidade, num jogo constante entre aquilo que

está materialmente inscrito e o que não está.

2. O Gênero discursivo da crítica cinematográfica

Aristóteles (1998, p. 56-58) distinguiu três tipos de discursos oratórios

para três tipos de ouvintes: o deliberativo, o judicial e o epidíctico. O primeiro

remete para a decisão política futura e tem como valores de apoio o que é útil ou

nocivo para os cidadãos; seu ouvinte será, assim, o juiz de uma ação futura. O

segundo está ligado à idéia mesma de julgamento, daquilo que é justo ou injusto

e seu auditório é um juiz de uma ação passada. Por fim, a natureza do discurso

epidíctico é o elogio ou a crítica, baseia-se em valores como o belo, a virtude e o

feio e seu ouvinte é um espectador de um discurso presente. Elogiar ou criticar,

julgar, deliberar para decidir: é este o espaço que Aristóteles crê pertinente para

a utilização da arte de convencer. Como sublinha Breton (2001, p. 35), este

espaço “não é pequeno e diz respeito a todo o espaço público”.

Parece-nos claro que a prática da crítica de cinema enquanto discurso

jornalístico aproxima-se mais daquilo a que Aristóteles chamou gênero

epidíctico. A atribuição de um juízo de valor é uma componente chave da

atividade crítica, embora o valor nem sempre esteja presente nesta atividade

discursiva. Entretanto, procuramos deixar claro em nossa investigação que

aquilo que tomamos como nosso objeto de estudo limita-se a críticas de filmes

brasileiros produzidas nos jornais, semanários e revistas especializadas.

Por outro lado, cabe, neste momento, relembrar a distinção feita por M.S.

Lourenço (1995, p. 171), o qual assinala que a palavra crítica, em português, é

utilizada tanto para designar recensão, o que na língua inglesa se chama review,

como para denotar a atividade que em inglês se chama literary criticism. A

primeira, segundo António M. Feijó29, é “tudo aquilo que surge ao gosto efêmero

do tempo” e a segunda “um corpo compósito e cumulativo de noções, conceitos,

que se transportam”. Ou seja, um film review pressupõe um texto rápido, pouco

denso e geralmente feito para publicações diárias ou semanais e o film criticism

já remete a um trabalho de pesquisa mais rigoroso, hoje, em sua maioria,

produzido dentro das universidades e em publicações especializadas.

Em A estética do filme, Michel Marie (1995, p. 9-13) classifica os escritos

sobre cinema sobretudo na França, em três categorias não “rigorosamente

estanques”. São elas: as publicações destinadas ao “grande público”, as obras

para cinéfilos e os escritos teóricos e estéticos. A primeira, difundida em larga

escala, é composta por revistas e livros que praticam uma espécie de colunismo

sobre a indústria do cinema e seus astros, cujo texto, representante de discurso

pouco analítico e de reforço aos mitos, apenas cumpre um papel de legenda

para as fotos. Nas publicações destinadas aos cinéfilos, quem reina é o diretor

de cinema. O discurso cinéfilo volta-se para o estudo dos grandes autores, dos

gêneros sob o ângulo da história das obras, geralmente a cargo dos críticos

especializados que produzem livros de entrevistas e revistas com textos

destinados à história do cinema. Por fim, os chamados escritos estéticos e

teóricos que se destinam a suprir as pesquisas sobre o fenômeno

cinematográfico enquanto linguagem. São ensaios, artigos e livros que propõem

a reflexão sobre a experiência fílmica e sobre a história das teorias

cinematográficas.

Importa salientar que, felizmente, Marie chama a atenção para a

flexibilidade desta tipologia, já que a ordem classificatória sempre implica

problemas. Uma revista como a Cahiers du Cinéma, por exemplo, estaria na

fronteira entre uma obra para cinéfilos e os escritos teóricos e estéticos, não

29 Em debate com M.S.Lourenço, “Mimese, a representação da realidade”, In A cultura da subtileza: aspectos da filosofia analítica, Lisboa, Gradiva, 1995, p. 171.

sendo possível uma demarcação tão rigorosa.

Por sua vez, vale a pena apresentar também a visão de David Bordwell

(1991, p. 19-20), que considera a crítica de filmes, assim como a crítica de artes

neste século, representada por três “macroinstituições”, a saber: o jornalismo, os

escritos ensaísticos e a crítica de formação acadêmica. A primeira das

instituições tem como formato de publicação os jornais diários, semanários,

revistas semanais, programas de rádio e televisão. A segunda é veiculada em

publicações mensais ou quadrimestrais mais especializadas e a última pode ser

vista em publicações acadêmicas variadas30. O autor observa que estas

“macroinstituições”, predominantes num ou noutro período, tiveram um papel

essencial para a formação do chamado film criticism e, tal como Michel Marie,

prefere falar em conjunto de princípios pragmáticos a regras rígidas e imutáveis.

Em Portugal, a crítica de cinema e suas instituições serão posteriormente

avaliadas (na Parte 2) levando em consideração as suas especificidades

sobretudo como instituição jornalística.

Alguns autores, como os franceses Jacques Aumont e Michel Marie

(1993a), assinalam a diferença entre o analista de filmes e o crítico de cinema. O

primeiro tem sua atividade ligada à precisão e ênfase dos aspectos formais, aos

elementos significantes da película. O analista tradicionalmente está vinculado à

metodologia da chamada análise textual que aposta na articulação entre a leitura

interpretativa e uma reflexão minuciosa dos elementos detectáveis no filme. O

crítico, por sua vez, vai se distinguir do analista, por expressar um juízo de valor

sobre a obra. O analista não tem nenhuma obrigação de criticar seu objeto de

estudo chegando a um julgamento, já para o crítico tal julgamento é constitutivo

30 Bordwell (1991) relata que estas macroinstituições possuem, cada uma delas, suas subinstituições características, ambas formais e informais. As instituições formais seriam as universidades, os institutos, as publicações de referência, galerias, museus, conferências e congressos (nos anos 40, a Columbia University, nos anos 60, o British Film Institute, os Cahiers du Cinema, a Screen, etc). As informais são chamadas de “universidades invisíveis” e formadas por redes de conhecidos, mentores e discípulos, enfim, grupos de participantes que compartilham uma mesma teoria ou método.

de sua atividade discursiva. Enfim, o crítico pode ser um analista, mas o analista

não pode ser um crítico. É este limite que define as funções de cada um.

Michel Marie, em entrevista a Fernão Ramos (2003), demarca esta

diferença: “A crítica de filme é em geral feita na imprensa diária, semanal ou

mensal, incidindo sobre filmes que estão sendo lançados. A análise fílmica não

sofre essa restrição, não incide sobre a lógica do mercado e da realização do

valor do filme em seu lançamento. A crítica deve fornecer ao espectador um

julgamento, que o incite a escolher, ou não, o filme para ver. Ela deve ser

bastante sintética. Em princípio, a análise não propõe julgamentos de valor. Ela

decompõe os elementos de significação, enriquecendo a leitura do filme, ao

fazer aparecer significados pouco evidentes”.

Historicamente esta diferenciação aparece no momento em que as

análises textuais recusavam o aporte valorativo da crítica de cinema tradicional

em favor de uma nova terminologia bebida na fonte da lingüística estrutural, da

narratologia, da psicanálise e sobretudo na diretriz conceitual de Christian Metz

de Linguagem e cinema em 1971. Robert Stam (2003, p. 212) esclarece que, ao

contrário da crítica jornalista, “os analistas citavam seus pressupostos teóricos e

intertextos críticos (muitas análises iniciavam-se com invocações quase-

ritualísticas de nomes como Metz, Barthes, Kristeva ou Heath)”.

Tal distinção, entretanto, não parece ser compartilhada por David Bordwell

(1991) ao colocar analistas e produtores de resenhas críticas sob a mesma

tutela, isto é, a de produção de discursos cognitivos e com justificações retóricas.

De acordo com Bordwell, não é tão relevante a aplicação do valor de julgamento

dado aos críticos como um fator de diferenciação das práticas discursivas.

Sobretudo hoje, quando a opinião valorativa está cada vez mais generalizada e

qualquer comentarista poder ser considerado como um crítico de cinema.

Segundo Bordwell, os críticos, sejam eles acadêmicos ou jornalistas, são todos

rhetorical creatures.

Num texto pertinente para essa discussão, Cinema, crítica e

argumentação, Tito Cardoso e Cunha (1996, p. 190) descreve como centrais e

inevitáveis três noções que permeiam o exercício da discursividade crítica no

cinema: Valor, Contexto e Significado que solicitam os atos de julgar, informar e

interpretar, respectivamente. O ideal seria que na crítica fossem visíveis a

utilização dos três atos e que o trabalho do crítico fosse o de assumir uma

posição avaliadora do filme, e que ao mesmo tempo, recorresse à informação

num processo descritivo, analítico e interpretativo. Mas sabemos que isto nem

sempre ocorre, especialmente no jornalismo diário.

No mesmo ensaio, Tito Cardoso e Cunha (1996, p. 190), ao fazer uma

remissão às funções canônicas do discurso do crítico literário descritas por

Habermas como um ofício do “árbitro das artes”, evoca as três funções desta

atividade, a saber, a pedagógica, com objetivo de “ensinar a ver, informar sobre

o que se vê, contextualizar, pôr as questões pertinentes, em suma, saber

interrogar a obra”, a hermenêutica para “interrogar a obra e extrair-lhe o sentido,

atribuir-lhe significações” e a função retórica a fim de “ajuizar do seu valor e

justificá-lo”.

Entendemos que, como parte da instituição “jornalismo”, a crítica

cinematográfica atua na categoria discursiva da notícia na qual a informação se

sobrepõe à observação analítica e é dessa maneira que o crítico, na maioria dos

casos, “forma” a opinião nos leitores - os quais, por sua vez, incorporam este tipo

de discurso formatado. Como uma análise mais especializada, a crítica revela

certas formas conceituais, particularmente as que envolvem processos

interpretativos de construção de significação na obra. Como retórica, a crítica,

que é experiência de juízo, utiliza táticas e estratégias argumentativas de

discurso a fim de obter a adesão do público. As três funções, portanto, moldam a

prática discursiva da crítica no cinema, embora nem sempre elas se

harmonizem, havendo prevalência de uma ou outra conforme o tipo de veículo

de comunicação ou destinatário.

Como já foi assinalado, o fundamento da retórica é a existência de um

método de natureza argumentativa cujo objetivo é o de persuadir uma

determinada audiência. Neste âmbito, os argumentos do crítico são

importantíssimos para se conseguir a adesão do público. Estes argumentos

podem estar relacionados a aspectos formais do filme, aspectos, digamos,

estilísticos da linguagem cinematográfica, como os movimentos de câmera, a

montagem, a trilha sonora, a mise-en-cène, etc, ou são invocados aspectos de

conteúdo, éticos, ideológicos, religiosos - o ponto de vista, como diria Christian

Metz.

Cabe, neste momento, fazer duas reflexões. A primeira no que diz respeito

às dificuldades em estabelecer limites para os argumentos, sendo estes, ao

mesmo tempo, necessários e imprescindíveis. Ou, até que ponto a retórica pode

legitimar o próprio ato da crítica? Vale citar Perelman (1993): “Existirão métodos

racionalmente aceitáveis para preferir permitir o bem ao mal, a justiça à injustiça,

a democracia à ditadura?”. A segunda endossa o clamor de Tito Cardoso e

Cunha31, quando diz “No entanto, a prática da discursividade crítica não se

esgota porventura aí [na retórica]. Enquanto discursividade ela também pode ser

lida, não já como retórica, mas como hermenêutica do filme. Ou seja, a crítica

como interpretação”.

Quanto à primeira reflexão, existem certas dificuldades em legitimar todos

os argumentos, sobretudo pelas questões éticas prementes hoje no exercício da

crítica. Sabe-se que a opinião persuasiva de um crítico pode ser decisiva na

carreira de alguns realizadores (particularmente os jovens e os desconhecidos

no país onde se encontram): especialmente nos Estados Unidos, não por acaso

a pátria da indústria cinematográfica, tornou-se praxe dispensar ao crítico o

tratamento de superstar. Assim, com a máxima de “quem vence é quem tem o

melhor argumento”, a crítica de cinema pode assumir-se como tradutora da

31 O autor recorre a Roland Barthes a fim de guiar sua assertiva de que a crítica como interpretação “faz significar” o filme. (Cunha, 1996, p. 193).

verdade, pode vestir-se no manto da narrativa de desocultação da obra, de

decodificação do sentido que supostamente estaria congelado no filme. É certo

que esta problemática diz respeito a toda crítica das artes e não apenas à crítica

cinematográfica. Eduardo Lourenço (apud Monteiro, 1996, p. 236) sublinha um

certo despotismo da crítica como se esta “fosse uma instância independente e

superior à própria criação artística”. Talvez, por isso hoje se postule uma crítica

da crítica32, ou uma metacrítica como preferem alguns teóricos, garantindo a

idéia de uma constante redefinição de suas premissas.

As dificuldades em estabelecer limites deslocam-se também para o

campo da interpretação. Se descrever um filme pode ser considerado como um

processo interpretativo, este processo é passível de limitações. Isto não impede

o desejo pela diversidade de leituras produzida por uma obra cujo mecanismo

interno se abre para diferentes abordagens e pelas leituras interpretativas que o

espectador possa vir a fazer sobre ela. Desse modo, é fundamental pensar o

crítico também como um sujeito espectador que, de alguma forma, realiza a obra

no ato da leitura.

Entretanto, como defendeu Umberto Eco em Os limites da interpretação,

há uma sobrevalorização dos direitos dos intérpretes: estes pecam por produzir,

por vezes, interpretações paranóides, pensamentos por analogias, o que o autor

chama de “derivação hermética” ou “habilidade incontrolada para deslizar de

significado para significado, de semelhança para semelhança, de uma conexão a

outra”33 (Eco, 1992, p. 370). Logo, a crítica como interpretação pressupõe muito

cuidado na análise de seu objeto, na proposição de conjecturas que possam ser

validadas tanto quanto possível. Com ironia, em O Pêndulo de Foucault, Eco

escreveu: “O critério é simples: suspeitar, suspeitar sempre. Pode-se ler nas

32 É exatamente o que David Bordwell faz em relação à crítica de cinema em seu trabalho já citado Making Meaning: inference and rhetoric in the interpretation of cinema. USA : Harvard University Press, 1991.

33 Ver os capítulos: Aspectos da semiose hermética e Semiose ilimitada e derivação. In ECO, Umberto. Os limites da interpretação. Lisboa: Difel, 1992.

entrelinhas até de uma placa de sentido proibido”.

Em Interpretação e sobreinterpretação34 um debate estimulante é travado

entre Umberto Eco e Richard Rorty acerca da interpretação e usos de um texto.

Eco defende com honestidade o esforço por uma interpretação razoável e

legítima em contraponto a uma outra excessiva e ilimitada. O grau possível de

abertura de uma obra de arte implica em certas restrições que se localizam entre

as intenções autorais, as intenções textuais e as intenções do leitor. Rorty rejeita

os sentidos imanentes das obras artísticas e afirma que nenhuma crítica poderá

descobrir aquilo que o texto “realmente é”. Contrariando Eco, Rorty assegura

que não há interpretações corretas de um texto mas “usos” deste mesmo texto.

A eficácia de uma obra é avaliada somente em função dos objetivos que

estabelecemos: “Deste modo, interpretar não conduz nunca ao conhecimento de

algo que pertence a um texto intrinsecamente, essencialmente. Qualquer texto é

sempre um objeto relacional, ou seja, dos objetivos e propósitos que com ele e

através dele se visam. Não há aqui nenhuma anterioridade de essência, nem

nenhuma prioridade de coerência. O que se diz sobre um texto é inseparável de

quem o diz, dos propósitos com que o faz e do momento em que tal

ocorre” (Rorty, 1993, p. 95).

Barthes (1978, p. 70) também mencionou a dupla ameaça que pairava

sobre a crítica: “(...) falar de uma obra pode efetivamente arriscar-se a verter

numa fala nula, quer verbosidade quer silêncio, ou numa fala reificante, que

imobiliza sob uma letra última, o significado que julga ter encontrado”.

A atividade interpretativa do crítico deve ser concebida como um devir, um

processo que sempre é relacional uma vez que depende de onde, quando e por

quem foi concebido. Paulo Filipe Monteiro (1996, p. 231) cita, a este respeito,

Eduardo Prado Coelho: “(...) Compreender será sempre construir sistemas de

34 Série de textos organizados por Stefan Collini. Os autores são Umberto Eco, Richard Rorty, Jonathan Culler e Christine Brooke-Rose. COLLINI, Stefan, org., Interpretação e sobreinterpretação. Lisboa : Presença, 1993.

leitura que põem elementos em relação. Ou, por outras palavras, procura-se

reduzir o arbitrário entre os componentes de um filme. Não há crítica que não

tenha este projeto: a redução máxima de um arbitrário. Mas perseguí-lo não leva

à ilusão de se vir a saber tudo. Bem pelo contrário, trata-se de circunscrever com

rigor os lugares do não saber”.

3. Crítica, retórica e hermenêutica

Esta problemática ligada à parcela interpretativa da crítica de cinema,

entretanto, pode ser mais bem estabelecida na discussão explorada por Tito

Cardoso e Cunha (1996, p. 190-194) sobre como conciliar os domínios da

retórica e da hermenêutica, domínios estes aparentemente dissonantes. Para o

autor, o próprio ato hermenêutico da crítica solicita uma argumentação retórica. A

experiência discursiva da crítica de cinema ocorre, como qualquer experiência

artística, sob a mediação da linguagem; daí a relação entre a atividade

discursiva e interpretativa do crítico. Mantendo um diálogo com Gadamer35 e

Bordwell, Tito Cunha (1996, p. 192) esclarece: “(...) enquanto interpretação, a

palavra crítica dissipa o enigma da obra e enquanto argumentação obtém o

assentimento do público”.

John Angus Campbell (1997, p. 113-137) salienta que Gadamer admite

que a natureza da retórica, isto é, o ato de convencer e persuadir, possui o

35 Gadamer (1988, p. 462) diz que a verdadeira problemática da compreensão e a intenção de levá-la ao domínio da arte (tema da hermenêutica) pertence tradicionalmente ao âmbito da gramática e da retórica. Acrescenta: “A linguagem é um meio em que se realiza o acordo entre os interlocutores e o consenso sobre a coisa”.

exame teórico dado a qualquer interpretação, que por sua vez não busca

estabelecer verdades, procura sim, reivindicar que a verdade que defende é

plausível. Por outras palavras, há uma forte relação entre retórica e

hermenêutica, relação estabelecida por um desejo de origem pelo processo de

compreensão da linguagem.

Vale também referir o papel interdisciplinar da retórica e da hermenêutica,

reconhecido por Manuel Alexandre Júnior ao afirmar que estes dois campos do

saber estão “intrinsecamente ligados à essência da práxis humana – produzir ou

criar, e interpretar, manipular ou domesticar o que se criou. De fato, todo o

discurso tem, no princípio como no fim, uma fase hermenêutica implícita: a

intelectio (compreensão do que se pretende dizer) e a hermeneia (compreensão

do que se disse)” (1998, p. 9). Por outras palavras, é impossível interpretar sem

fazer perguntas.

Esta discussão está diretamente ligada ao tipo de conhecimento que

ambos os campos produzem. Apesar de Bordwell (1991, p. 250) admitir que o

discurso da crítica de cinema tem se afastado de uma atividade verdadeiramente

interpretativa, aproximando-se mais de uma práxis, um ofício como o de um

carpinteiro, o autor não nega que estas disciplinas (retórica e hermenêutica)

estão muito mais próximas daquilo a que chamou de “conhecimento

procedimental” pautado pela verossimilhança e afastam-se do “conhecimento

proposicional” que busca estabelecer a verdade.

Em Crítica e verdade, Barthes (1978, p. 14) defendeu a existência de um

“verossímil crít ico” e acrescenta: “O verossímil não corresponde

necessariamente ao que foi dito (pois não pertence à história) nem ao que deve

ser (pois não pertence à ciência), mas simplesmente àquilo que o público julga

possível e que pode ser totalmente diferente do real histórico ou do possível

científico”.

Barthes (1971, p. 38-43) retoma este tema posteriormente quando parte

da idéia de que o verossímil, nos tempos modernos, estaria ligado a um realismo

no plano do discurso. As obras da modernidade caracterizam-se por um efeito de

real, pois é a categoria do real que é significada. Dessa forma, o verossímil

vincula-se a um realismo em que não se faria necessário levar em consideração

a verdade. A verdade seria muito mais discursiva: “são as regras genéricas do

discurso que fazem a lei”, diz Barthes.

Tal reflexão é também compartilhada por Eduardo Prado Coelho (1987, p.

168), ao defender uma interposição de um trabalho textual entre a prática crítica

e a experiência estética subjetiva do crítico. Vale lembrar que esta posição não

implica numa espécie de “vale tudo”, antes “é a própria textualidade que se

desloca do texto criticado para o texto crítico que surge neste como a melhor

garantia da sua validade”. Naturalmente que este trabalho textual é mediado

pela linguagem e a retórica tem aí um papel fundamental. Por sua vez, Tito

Cardoso e Cunha vê nesta demanda uma pergunta cuja pertinência não

poderíamos deixar de ressaltar: “Na sua vertente argumentativa, como dar conta

da crítica de cinema enquanto conhecimento procedimental?”. Por outras

palavras, que argumentos de justificação podem ser invocados numa crítica a

um filme?

Fizemos uma remissão anterior a este tema quando falávamos dos

aspectos formais e de conteúdo que podem ser analisados num filme. Estes

aspectos, contudo, muitas vezes não são suficientes para traduzir uma boa

argumentação da crítica. Sobretudo, eles devem ser vistos como sistemas

referenciais e não apontados como dogmas universais e enclausurados nas

teorias que os sustentam. Nada determina, por exemplo, que o enquadramento

correto é aquele que respeita as regras da perspectiva. Além disso, esses

critérios também estão situados historicamente e, portanto, não são fixos,

alterando-se conforme a época e o lugar onde estão sendo usados. Houve um

tempo em que a câmara lenta era bastante utilizada em cenas românticas, hoje,

todavia, pode revelar-se como um clichê de mau gosto sua utilização em cenas

do gênero. Por outro lado, se esta cena fosse concebida num país como a Índia

onde existe uma cinematografia popular feita com parcos recursos financeiros e

técnicos, certamente a leitura do crítico seria mais elogiosa.

Nesse sentido, o trabalho do crítico revela-se mais desafiante quando

exposto aos chamados filmes de vanguarda. Convém, a propósito, considerar a

digressão do crítico e teórico de cinema Jean-Claude Bernadet (1985, p. 39-42),

que sai em defesa de uma crítica ficcional, particularmente daqueles filmes que

produzem uma ruptura, que apontam para uma renovação da linguagem

cinematográfica. Segundo Bernadet, há uma inadequação do discurso crítico a

estes filmes e uma defasagem metodológica nestas análises. Sobretudo porque,

sendo filmes inovadores, os críticos assumem riscos juntamente com o cineasta

e falam “ao mesmo tempo de dentro e fora do projeto”. Desse modo, os escritos

dos críticos assumiriam um projeto mais experimental, inventivo e, ao limite,

produzir-se-ia uma crítica ficcional.

Em Ensaio sobre a análise fílmica, Francis Vanoye (1994, p. 14-19) nota

que, numa primeira fase, o analista (e nesse caso também o crítico) deve

decompor o filme em seus elementos constitutivos, descontruí-lo em camadas

de sentido que estão conectadas ao todo fílmico. Na fase posterior a análise

faria o movimento contrário, isto é, uma atividade de reconstrução, “de

estabelecer elos entre os elementos isolados, compreender como eles se

associam e se tornam cúmplices para fazer surgir o todo significante”. O crítico

analista, portanto, passa de uma instância descritivo-argumentativa para uma

interpretativa, até chegar a compor um juízo sobre o filme. Para isso ele deve

postular que elementos da linguagem cinematográfica (montagem, roteiro,

interpretação, etc) devem ter um valor muito mais indicativo e, deste modo, mais

baseados num conhecimento “procedimental” do que definidos como normas

invariáveis que podem ser utilizadas em qualquer argumentação crítica,

independentemente do contexto em que esta se insere.

Outra observação relevante levantada por Cardoso e Cunha trata da

noção de autor vinculada à teoria da argumentação de Perelman. Numa arte

essencialmente coletiva e impura de materiais como chamar para si o direito de

autor? O filme deve ser compreendido, em termos hermenêuticos, como um

todo, produto da soma das partes, mas, ao mesmo tempo ele será analisado,

escrutinado pelo olhar do crítico que, na maioria dos casos, argumenta levando

em consideração a bela fotografia ou os péssimos diálogos. De um modo geral o

discurso da crítica de cinema abriga-se na dicotomia forma/conteúdo,

privilegiando ou os aspectos narrativos da trama ou os aspectos formais,

ignorando o todo hermenêutico.

Perelman (1996, p. 333) chamará de ligação de coexistência aquela “que

relaciona uma essência com suas manifestações”. Esta ligação não é

certamente linear entre a pessoa e os seus atos, embora a busca de uma

determinada regularidade temática ou estilística seja um dos principais

componentes da dimensão da autoria. Esta marca de regularidade e estabilidade

identitária deve conviver com a marca de uma singularidade e instabilidade, fruto

da indisciplina do ato criativo. A marca identitária do autor é muitas vezes

utilizada pela crítica de cinema como recurso de apelação à autoridade e

portanto, como critério valorativo, como já verificamos antes. Um dos grandes

problemas da crítica centrada na noção de autor é o risco de cair numa

legitimação do nome do autor que não vê o filme como uma obra singular, mas

sempre e necessariamente como mais uma “maravilhosa” obra de Manoel de

Oliveira ou de Nelson Pereira dos Santos.

Classicamente discutida na teoria do cinema, a noção de autor

desenvolveu-se através da crítica fenomenológica de André Bazin como uma

“política”, a chamada “política dos autores”, consoante com o contexto pós-

guerra em que vivia a Europa, particularmente a França. Já nas décadas de 60 e

70 esta noção passa a ser posta em xeque, sobretudo a partir dos trabalhos de

Michel Foucault (O que é um autor?) e Roland Barthes (A morte do autor). O

retorno ao mito romântico do artista é visto paradoxalmente como a negação da

probabilidade autoral, tanto na escritura do texto fílmico quanto em sua

reconstituição pela análise crítica. A identificação do cinema de autor com a

liberdade de criação (muito discutida por Glauber Rocha no Cinema Novo) foi

talvez a idéia que mais prevaleceu meio cinematográfico e também no discurso

da crítica. Revista, esta noção hoje mantém um legado elitista mas que fertilizou

o debate teórico no cinema originado na crítica dos Cahiers du Cinéma.

Procuramos, ao assinalar estas questões, promover articulações teóricas

que permitem descrever os discursos que caracterizam a práxis crítica de filmes,

inseridos no chamado gênero jornalístico de texto. Agora, propomos refletir com

mais clareza sobre o público leitor dessas críticas.

4. O público-leitor: concreto e virtual

Parece-nos que a noção de auditório universal36, constituída por Perelman

na Nova Retórica, implica certas reservas passíveis de problemas quando

deslocadas para o universo do público leitor de críticas de cinema. Como já nos

referimos, mesmo associado à idéia da universalidade filosófica, o conceito de

auditório não deve ser descrito como algo totalizante e único. Compreendemos,

em nossa pesquisa, os leitores como aqueles a quem são destinados os textos

argumentativos, ou mais concretamente, os que lêem resenhas críticas de filmes

publicadas em jornais e revistas especializadas.

No século XVIII, no domínio daquilo a que Habermas chamou “esfera

pública burguesa”, o crítico era visto como o árbitro das artes, um mandatário ou

um porta-voz do público. Público este que “não é nem um pequeno grupo

conversacional e interativo, nem uma multidão massificada, relegada para a

36 No texto Mediação, persuasão e técnica, Tito Cardoso e Cunha (1999) já nos chamava atenção a respeito quando sugere uma espécie de estilhaçamento, hoje, da própria noção de auditório com o aparecimento das novas tecnologias e da consequente multilateralidade dos processos comunicacionais.

unidimensionalidade da incomunicação, mas antes, um público entendido e que

se entende como coletivo, disperso é certo, mas estável, reunido pelo interesse

comum no gênero e não abdicando de um juízo de gosto, do direito de julgar”.

(Cunha 1996, p. 190). Para Habermas, hoje, com a transformação deste espaço

público, este juízo é transferido a um especialista que põe seus argumentos a

um público silencioso e quase sempre sem ação interativa. O avanço das novas

tecnologias, entretanto, veio trazer um grau maior de interatividade e diálogo

entre críticos e leitores, cujos comentários disponibilizam-se em sites diversos de

crítica dedicada ao cinema.

Apresentar o perfil específico destes leitores é tarefa difícil, haja vista que

hoje se aponta para uma concepção volatilizada e plural, de existência de vários

públicos e não somente de um em particular. Quem efetivamente lê as críticas

publicadas nos veículos acima mencionados? Este terreno é difícil de ser

demarcado. Os discursos das resenhas críticas de filmes inserem-se no gênero

jornalístico (no chamado jornalismo cultural) o que, a princípio, requer um tipo de

leitor habituado à leitura de jornais diários e semanários e, mais ainda, à leitura

das editorias de cultura desses jornais. Já a leitura de críticas em revistas

especializadas solicita um público ainda mais especializado, integrante de um

universo cinéfilo pronto a disponibilizar uma certa quantia em dinheiro para obter

informações mais detalhadas, mas nem sempre de melhor qualidade, que as

eventualmente publicadas na imprensa generalista.

O fato, como aponta Bordwell (2001, p. 14) é que os leitores rapidamente

percebem as preferências da crítica e tendem a seguir aquelas em cujos gostos

eles confiam como se fossem os seus próprios. Na verdade, ninguém fica

indiferente às críticas de cinema. A sua dimensão retórica, sobretudo no que diz

respeito à mobilização das paixões, do pathos, está entrelaçada à experiência do

leitor que não apenas interpreta o texto, mas igualmente se envolve (e é

envolvido ao mesmo tempo) com ele, levando-o, em certos casos, à ação: o fato

de ir ou não assistir ao filme, ou até mesmo, de responder ao comentário de um

crítico irritado. Além disso, o discurso da crítica tem um peso condicionante no

processo interpretativo que o futuro espectador fará do filme.

Francesco Casetti (1994, p. 330) afirma que, sobretudo nos Estados

Unidos, são freqüentes as investigações sobre o consumo de filmes e seu

impacto cultural no que diz respeito aos diferentes públicos que vão às salas de

cinema, sua composição demográfica, sua situação sócio-econômica, seus

gostos, etc. Num outro interessante livro, El film y su espectador, Casetti (1989,

p. 17) afirma que quem escreve sobre os filme é uma testemunha ocular da

película e a realização deste ato o legitima (diríamos que retoricamente faz

legitimar a autoridade do crítico), para fornecer informações e juízos. Mas,

acresce Casetti, quem lê oferece uma prova do mesmo modo clara, uma vez que

é a lembrança de uma projeção ou simplesmente o desejo de se assistir a ela

que o faz tomar contato com uma crítica.

Alguns críticos37 acreditam que a influência da crítica sobre os filmes

chamados de “blockbusters” é muito pequena ou quase inexistente. Em

contrapartida, esta crítica é capaz de determinar o sucesso ou fracasso de

películas voltadas para públicos mais restritos, os chamados filmes

“alternativos”. A crítica seria, portanto, extremamente influente nos circuitos de

“arte” e bem menos nas superproduções. Este é o caso da cinematografia

brasileira em Portugal, cujo estatuto periférico lhe garante um espaço no circuito

alternativo e, também um perfil de receptor adequado a estas salas. Embora,

nos anos 70/80/90, a cinematografia brasileira ganhe também espaço no circuito

comercial.

Contudo, nos parece que esta realidade não corresponde tão eficazmente

37 Por exemplo, os críticos brasileiros dos jornais O Dia e Folha de São Paulo, respectivamente, Nelson Hoineff e Inácio Araújo, em entrevista publicada no site na revista de cinema eletrônica Contracampo nº 24 http://www.contracampo.he.com.br. É o que pensa também o crítico, exibidor e produtor espanhol Enrique González Macho: “Há determinado tipo de cinema em que a crítica tem pouca ou nenhuma influência, um cinema, por assim dizer, mais comercial. Há outro tipo em que a crítica não só tem importância como é fundamental, dentro deste cinema inclui-se o cinema estrangeiro, o cinema de autor e o cinema espanhol”. In Academia: revista del cine espanhol. Madrid : no 22 (Abril de 1998) 28.

à sociedade norte-americana, uma vez que este é o grande mercado exportador

das superproduções e, assim, um certo tipo de crítica, aquela essencialmente

publicitária, causa impacto na opinião pública.38 Mais uma vez é importante

salientar o vínculo que as instituições e suas publicações têm para cada tipo de

leitor específico. Desde meados dos anos 70, os grandes sucessos de bilheteria

de diretores como Steven Spielberg e George Lucas transformaram a

comercialização de películas norte-americanas e o grosso da produção de

Hollywood encontrou seu grande mercado no público adolescente. Sabe-se que

este público é dado a uma leitura de resenhas mais descritivas e publicitárias,

desprezando as análises detalhadas dos filmes. Certos críticos, por sua vez,

respondem às expectativas do público, produzindo material de “guia de

consumo”.

Além disso, a relação da crítica de cinema com o público está sujeita a

diferentes possibilidades contextuais. Muda-se o contexto, muda-se o público e o

próprio discurso dirigido a ele. No início da década de 60, quando o jornalismo

cultural tinha um padrão textual que não privilegiava os juízos estéticos das

obras, a crítica de cinema publicada nos diários era essencialmente descritiva e

publicitária. Este padrão, por sua vez, transformou-se por completo nos anos 70

e 80 na medida em que o contexto apontava para um quadro mais opinativo/

analítico das resenhas críticas. Por outro lado, é também nos anos 80 e 90

quando se verificam as grandes reformas gráficas empreendidas pelas

empresas jornalísticas, dando prioridade aos aspectos icônicos e imagéticos em

detrimento do texto, o que acaba por provocar a diminuição do espaço das

38 O jornal americano USA Today publicou o resultado de um recente estudo que fez sobre a relação significativa entre as arrecadações das bilheterias e as críticas da imprensa. Segundo a publicação, apesar de não ser possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre as resenhas e os lucros, não se trata de uma mera coincidência o fato de os filmes mais elogiados terem sido também os de maior bilheteria. A pesquisa foi feita com 140 grandes lançamentos de filmes no ano de 2003 (isto é, em cartaz em pelo menos 600 salas) e numa escala de 0 a 4 estrelas, cada meia estrela equivale a mais US$ 26,5 milhões nos lucros. Curiosamente, os resultados ainda revelaram que somente os filmes do gênero comédia e terror não se deixam influenciar pelas críticas, tendo sempre bons resultados. In: WLOSZCZYNA, Susan., DE BARROS, Anthony, Movie critics, fans follow surprisingly similar script; Reviewers and filmgoers go hand in hand when it comes to picking box office hits. USA Today (Feb 25, 2004) A01.

resenhas críticas e a queda da qualidade dos comentários. Ao mesmo tempo, o

leitor desse período solicita e vem solicitando, cada vez mais, textos curtos,

fragmentários e ágeis. Na efervescência pós-moderna, não há tempo nem

espaço para leituras populares mais atentas. O olhar contemporâneo privilegia a

imagem.

Em relação às revistas, este cenário é bem parecido, com notórias

alterações em seus aspectos gráfico-visuais. Até a bíblia deste setor, os Cahiers

du Cinéma, tem passado por modificações em seu formato, com o aumento na

fonte tipográfica, com as ilustrações que ganham mais espaço e as famosas

entrevistas que agora se estendem a várias páginas. Aqui em Portugal, sente-se

o mesmo ao analisarmos revistas como Celulóide e Plateia, que sobreviveram

até à década de 80.

Enfim, uma série de variáveis podem ser levantadas para compor a

definição de um público leitor de críticas de cinema. Num plano mais delineado,

o leitor da crítica de cinema deve ser visto, ainda, sob dois ângulos: como um ser

individual e como um ser coletivo. Ou seja, a leitura do texto pelo receptor é

materializada por um ente individual, concreto, que se encontra,

circunstancialmente, integrado numa coletividade em estado receptivo. E é

exatamente a presença virtual, implícita nas palavras de Wolfgang Iser, desse

ser coletivo que faz com que o crítico, desde o ato de concepção de seu

discurso, promova manobras argumentativas destinadas a ele. Por outro lado, é

importante deixar claro que não vemos este leitor de resenhas como alguém a

quem cabe unicamente efetuar escolhas predeterminadas, já previstas pelo

texto. Este leitor de críticas não pode ser pensado como uma entidade

meramente teórica e abstrata, mas como sujeito concreto, individual, imerso em

práticas que o distinguem e que compõem o cenário extratextual, cuja

importância é também fundamental.

Vale aqui uma observação de caráter metodológico. Pensamos no público

como uma instância para a qual convergem um sujeito socialmente construído e

um texto materialmente escrito (as resenhas de filmes), mas simultaneamente, e

não poderíamos deixar de o salientar, este processo de construção social do

público é feito através da lente subjetiva do pesquisador que constrói seu objeto

de estudo a partir de sua inserção no mundo social. Como nota Marialva

Barbosa (2000): “O público é um produto de uma subjetividade imanente e

desejável em qualquer análise. Além de ser inventado pelas obras e por suas

formas, é reinventado pelo olhar do pesquisador”.

Este filtro é, pois, inevitável, uma vez que, evidentemente, o investigador

não se porta como um “analista imparcial”, diante daquilo que se propõe a

analisar. Antes, também ele, é contextualizado, situado historicamente, possui

estratégias retóricas próprias, tal como o receptor que realiza o sentido do texto

num processo de partilha via leituras diferenciadas e plurais da obra.

Considerações finais: por um horizonte interdisciplinar

Nosso percurso pelas páginas anteriores propõe, sobretudo, um

enquadramento teórico que valide nossa percepção do discurso da crítica de

cinema como testemunho da recepção histórica dos filmes e, simultaneamente,

como processos argumentativos racionais que visam à adesão dos leitores. Esta

proposta de enquadramento, longe de ser algo fechado em si mesmo, revela-se

como uma tentativa de aproximação entre dois campos teóricos que se

complementam, a saber: a estética da recepção e a retórica. A “carta de

intenções” de nossa investigação traduz-se numa poética interpretativa dos

discursos escritos sobre o cinema brasileiro exibido em Portugal, discursos cuja

materialidade informa sobre o público-leitor, suas formas de leitura e sua época.

Nossa convicção é que estes dois campos se aproximam tanto no que diz

respeito ao exercício da atividade interpretativa (pensamos que contextualizar

um discurso é compreendê-lo e, logo, provê-lo de sentido) quanto na ênfase que

ambos dão à dimensão estético-comunicativa do discurso. Ao nosso ver, por trás

deste salutar encontro, está a tentativa de pensar o cinema enquanto

experiência e suas redes de discursos sociais como lugar de investigação desta

experiência.

Roland Barthes considerava que a retórica poderia ser definida em cinco

níveis aparentemente dissonantes mas que, ao mesmo tempo, revelam a

complexidade de seu escopo teórico. Para o autor, a retórica é simultaneamente,

uma técnica, uma disciplina, uma protociência, uma moral e uma prática social

(Breton, 2001, p. 42). Mais que sustentar dicotomias entre teoria e prática ou

entre ciência e técnica, devemos refletir o campo da retórica como uma zona de

fronteira, uma rede de conhecimentos na qual o discurso persuasivo é seu

principal objeto de investigação. O cada vez mais crescente interesse pela

argumentação traduz um esforço de reexame de seus princípios e

reconhecimento de um sistema conceitual que focaliza os discursos, seus modos

de transmissão e recepção.

No prefácio da tradução da Retórica de Aristóteles, Manuel Alexandre

Júnior expressa a recente tendência da crítica retórica de um texto assumir-se

como crítica cultural. Conforme o autor: “Enquanto técnica ou arte do discurso, a

retórica estuda-se hoje como um corpus de regras que se usam não só para

produzir textos de caráter mais ou menos persuasivo, mas também para analisar

os textos produzidos. Justifica-se e impõe-se, portanto como método de análise,

representando assim, na perspectiva científica moderna, um método de

compreensão textual pela atenção dada aos efeitos do texto como fenômenos

hermenêuticos de recepção” (1998, p. 8). Neste sentido, a retórica e a

hermenêutica mantêm um compromisso estimulante de contribuição mútua

baseado num empenho de permanente interface.

Ao analisarmos os discursos da crítica de cinema em Portugal, propomos

estabelecer os modelos de argumentação que lhe são inerentes. Estes modelos,

sobretudo aqueles dirigidos ao filmes de nacionalidade brasileira, pautam-se

pela utilização de determinadas ferramentas retóricas que fornecem a

plausibilidade de uma interpretação suficientemente persuasiva da crítica. Seja

através da apelação à autoridade do produtor do discurso, seja via um

dinamismo na composição textual, ou ainda na apresentação de uma engenhosa

articulação argumentativa, estes procedimentos de alegação visam, antes de

tudo, a adesão de seus leitores.

Valeria observar, ademais, que os argumentos utilizados pelos críticos

devem ser sempre julgados em relação ao contexto e à totalidade do discurso. A

atividade interpretativa não pode ser exclusivamente interna ao texto sob pena

de cairmos na falácia intencionista que Jauss tanto combateu. Pensamos nos

elementos circunstanciais ou contextuais como elementos de formação dos

juízos interpretativos. Elementos que, associados a uma investigação mais

particularizada das manobras retóricas, dizem muito sobre o leitor e seu tempo.

Com efeito, a dimensão temporal e espacial desses discursos não deve

ser menosprezada. Tempo, aqui, refere-se simultaneamente ao tempo interno do

texto persuasivo e ao tempo exterior, no horizonte em que ele se insere. A

dimensão espacial, do mesmo modo, remete tanto à arquitetura do texto

persuasivo como aos espaços institucionais onde eles são publicados. É

justamente nesta interrelação temporal e espacial, neste ambiente interior e

exterior, que procuramos fecundar nossa proposta de trabalho. O discurso da

crítica de cinema deve, como já nos referimos, ser tratado simultaneamente

como objeto estético, histórico, retórico e hermenêutico.

Entendemos ainda que, ao unirmos estes campos da experiência,

conseguimos escapar de uma visão idealizada e pouco ativa do público-leitor

como alguém que incondicionalmente segue as manobras argumentativas, sem

levar em consideração suas experiências pessoais, culturais, sociais e históricas.

E por outro lado, procuramos também fugir de um certo historicismo no qual o

excesso de contextualização histórica pode dificultar o contato adequado com

nosso objeto, gerando determinismos que enviesam a discussão em torno do

seu enquadramento mais particularizado.

Significativa também é a nossa crítica a uma bipolarização entre produção

e recepção uma vez que pensamos nestes campos como campos

intercambiáveis e mutuamente influenciáveis. Por isso não postulamos aqui uma

“medição” exata ou instrumentalizada dos efeitos retóricos e estéticos que esses

escritos poderiam causar ao seu público, uma tarefa certamente fadada ao

fracasso. Antes de tudo, buscamos pensar a comunicação como um campo

plural e aberto e sobretudo negar aquelas práticas que instrumentalizam os

processos comunicativos. Dito de outro modo, para além do texto e dos recursos

aí inscritos, deve-se considerar os interlocutores envoltos neste ambiente

comunicacional.

A interpretação de uma obra está ligada aos traços do contexto em que se

opera e ao espaço onde mensagem e sujeitos interagem. A inscrição concreta

desses discursos críticos acaba por dar sinais sobre a época, sobre o produtor

destes discursos e sobre o leitor nela inserido. Esta sinalização, inscrita na

própria obra e simultaneamente fora dela, deverá ser “reconhecida” - usando a

expressão no sentido de Paul Ricoeur, ou seja, de distinguir a permanência de

uma identidade – no universo desta pesquisa. Identificadas as marcas formais

desses discursos, pensa-se na sua apropriação pelo público-leitor que exige no

mínimo uma certa coerência interna, uma consistência de significado que se

constituirá em valor lógico argumentativo. No entanto, a relação entre o discurso

concreto e a realidade exterior é também fundamental para a compreensão - no

sentido hermenêutico do termo, de envolvimento e alcance a fim de fornecer

sentido – deste mesmo discurso já constituído de suas marcas formais.

Desde seu clássico ensaio sobre a obra de arte, Walter Benjamin (1992)

alerta para os condicionantes históricos envolvidos na relação entre cinema e

sociedade. As transformações sócio-históricas, sem dúvida, provocam mudanças

no modo de recepção das obras. As resenhas críticas portuguesas, também

representantes desta recepção, sofrem influências de seu tempo (e exercem

influências sobre ele), influências visíveis nos enunciados dos discursos da

crítica ou mesmo, visíveis naquilo que ela deixou de enunciar.

As teorias do cinema hoje acordaram para a necessidade de um olhar

mais atento à recepção histórica dos filmes. Certamente é um olhar que adota

múltiplos instrumentos mas que não tem pretensão de encontrar um meio único

e definitivo. Citando Casetti (1994, p. 322), este olhar deve ter um aporte de

história-problema e sobretudo, “uma história que sabe que o sentido dos fatos

depende do modo de abordá-los; que visa mais a reconstruir a realidade que a

restituí-la, ou melhor ainda, a constituí-la como objeto de seu discurso”.

O exame dos discursos da crítica cinematográfica, entre outros valores,

pode ser visto como uma contribuição à atividade interpretativa no cinema pois

que esta prática simbólica constitui um objeto de representação da sociedade

cujo sentido deve ser compreendido e partilhado. Sob uma perspectiva mais

restrita, nossa investigação pretende também contribuir para a história da

recepção dos filmes brasileiros em Portugal.

Um desejo profundo de identificar a natureza da obra cinematográfica e

seu impacto sobre o público poderiam estar por detrás destas pesquisas mais

recentes. Um horizonte de investigação sobre o texto e o contexto, de modo a

clarificar tanto a ação do primeiro como a densidade do segundo. O cinema,

como arte coletiva que é e com seu maquinário industrial e simbólico, depende

também de uma rede de discursos sociais – naturalmente que as resenhas

críticas estão aí incluídas – que promovem a obra e de certa forma reconstroem

o acolhimento do público ao filme.

Por fim, resta-nos ratificar que nossa proposta de pluralismo teórico-

conceitual está consoante com pensar a investigação desta prática discursiva de

modo interdisciplinar e enriquecedor para os estudos sobre a crítica de cinema

em Portugal. Os escritos críticos sobre o cinema brasileiro exibido em Portugal

são uma resposta a uma pergunta de seu tempo que procuramos recuperar.

Esta “recuperação” do horizonte histórico-contextual revela-se presente tanto no

ambiente exterior, nas articulações extratextuais, quanto no interior do texto, lá

onde as manobras argumentativas retóricas utilizadas para o leitor aceder à

experiência comunicativa encontram-se manifestas, lá onde o não dito do

enunciado pode revelar o dito.

PARTE 2 - A crítica de cinema situada: cenários e relações históricas

Nos capítulos que se seguem procuramos traçar o percurso da crítica de

cinema sobretudo em Portugal, tendo como principal objetivo promover um

diálogo histórico com o horizonte de expectativas de cada época. Será delineado

um perfil sobre as principais publicações e identificado o cenário de recepção

aos filmes brasileiros exibidos em Lisboa desde os anos 60 até a década de 90.

Em seguida será apresentado um quadro reflexivo acerca do Cinema

Novo e de sua representação no contexto da história do cinema brasileiro nas

décadas de 60 e 70. Ainda neste momento da pesquisa caracterizaremos o

cinema brasileiro dos anos 80 e 90 e sua progressiva queda na avaliação da

crítica portuguesa. Por fim, analisaremos o papel das telenovelas neste

enquadramento negativo aos filmes brasileiros e dedicaremos um capítulo à

apresentação de alguns dados quantitativos.

93

A crítica no contexto

O tempo é o horizonte de toda compreensão.

Heidegger

Foi já na Antiguidade que as obras de arte constituíram-se enquanto

objeto de juízos de valor e incorporadas como patrimônio cultural da sociedade,

o que acabou por fomentar a composição de uma espécie de crítica de variadas

naturezas: “cronístico ou memorialístico, teórico e preceitual, histórico-biográfico,

erudito e filológico, interpretativo ou de comentário” (Argan, 1988, p. 127).

Embora a crítica como instituição que determina valores e que se instalou no

campo das artes com a profissionalização dos artistas tenha tido lugar entre os

séculos XVII e, sobretudo, XVIII, quando a arte se “publicizou” e acabou por

formar artistas, público e, por conseqüência, críticos. Neste período, a crítica

tinha como função básica a codificação de um gosto de base consensual.

Segundo José Guilherme Merquior (1981, p. 142), com o advento do romantismo

há uma mudança significativa na função deste profissional, que passa a adquirir

um caráter de militância: o crítico torna-se um “orientador periódico do anônimo e

inseguro público burguês”. Na verdade, seria pertinente pensar o crítico de artes

da época como aquele que herda a velha tradição renascentista do apelo ao

gosto, ou melhor, ao bom gosto. Os enciclopedistas viam no crítico um avaliador

do gosto, um tradutor de mensagens artísticas e culturais que tinha ao seu cargo

a tarefa de decifrar o código secreto da obra. Era considerado, portanto, um guia

que poderia aferir maior ou menor qualidade à obra de arte, ou mesmo averiguar

seu caráter artístico de modo que isto implicitamente revelava a própria função

94

do crítico, isto é, ser um pedagogo da sensibilidade39.

Já no século XIX, artistas como Balzac, Mallarmé e Baudelaire

representam a personificação do movimento de exaltação a obras de arte e

espetáculos, publicando em jornais suas “crônicas críticas”. A crítica romântica

de Baudelaire pregará uma parcialidade apaixonada na qual a qualidade torna-

se sinônimo de atualidade. A arte romântica teria como característica a pertença

a seu tempo e à crítica cumpriria o papel de refletir sobre a obra inserida neste

tempo, sem abdicar de uma “excessiva” subjetividade (Argan, 1988).

Estes críticos pioneiros eram exegetas geralmente ligados à tradição

literária, preocupados em descobrir o sentido congelado nas obras num

processo de desocultamento que lhes garantia a posição de tradutores da

verdade. Etimologicamente (do verbo grego krino), a palavra crítica está ligada à

idéia de escolha, de separação, separar o “trigo do joio”, o belo do feio, o bom do

mau. Os críticos por sua vez, seriam operadores de tal caracterização, ajuizando

valores sobre a obra.

No início do séc. XX esta crítica se universaliza, apregoa uma natureza

mais analista e elitista, separada do leitor comum. Esta busca por uma maior

cientificidade levou a crítica a desqualificar a avaliação e os juízos sobre as

obras, uma vez que era importante privilegiar a análise e a interpretação. Por

outro lado, e também possivelmente em resposta à demanda deste leitor

comum, a afirmação e criação de um estilo jornalístico de crítica, já

evidenciavam a tentativa de estabelecer uma comunicação mais direta com o

público. A crítica assume sua função mediadora, de fornecer um elo entre os

artistas e o público, procurando definir seu território no campo da avaliação, da

explicação e da divulgação.

39 Segundo Diderot, um juiz das artes deve ter: “um grande amor a arte, um espírito fino e penetrante, um raciocínio sólido, uma alma cheia de sensibilidade e uma equidade rigorosa.” (apud Ribeiro, 1997, p. 71).

95

1. Crítica de cinema

A história da crítica cinematográfica finca raízes em nomes como Louis

Delluc, Riccioto Canudo, Siegfried Kracauer, Jean Epstein, Otis Ferguson ou

Grahan Greene, que durante o início do século passado escreviam para jornais e

outras publicações, algumas especialmente endereçadas aos cinéfilos. Neste

período, estes escritos críticos buscavam, sobretudo, definir o cinema como arte

e como linguagem visto que o próprio ainda começava a dar seus passos iniciais

em direção a um sistema de expressão específico da área fílmica (Bordwell,

1991, p. 21).

A novidade do cinema como arte ainda mal definida acabou por

ironicamente afastar deste primeiro cinema os “tiques de interpretação”, como

assinalou Susan Sontag (2004, p. 29-30), próprios de outras áreas artísticas. Os

filmes eram vistos exclusivamente como mero entretenimento, espetáculos da

cultura de massa em oposição à alta cultura e, uma vez assim, desprezados

pelos intelectuais. O lado ruim disso, diríamos, foi a carência de registros

escritos de análises mais apuradas sobre os primeiros filmes, ficando no campo

meramente da descrição do evento.

Posteriormente, quando o cinema ganhou certo respeito no campo das

artes, a atividade da crítica de filmes e a própria teoria do cinema se viram

vinculadas aos sistemas referenciais interpretativos das disciplinas humanísticas

sobretudo da literatura. Com efeito, em meados do século XX os múltiplos

enfoques dados aos estudos literários foram também transferidos para a crítica

de cinema e, diga-se, não somente para a chamada crítica acadêmica como

também para a crítica comum de filmes, naturalmente parte deste horizonte

histórico. Esta pluralidade de enfoques passava pelos estudos dos mitos, das

abordagens psicanalíticas, marxistas ou estruturalistas que converteu o filme

num “texto” pronto para ser dissecado.

Após a Segunda Guerra Mundial, há uma multiplicação de revistas de

cinema, especialmente na França (Cahiers du Cinéma, Positif e Cinéthique) na

Inglaterra, (Screen, Sequence, Sight and Sound, Movie) e nos Estados Unidos

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(Film Quartely, Film Culture e Artforum). Algumas destas publicações até hoje

permanecem como referenciais de textos de qualidade na análise da obra

cinematográfica. Além disso, e talvez o mais importante, é que estas revistas

acabaram por criar escolas, ao traduzir um modo ensaístico peculiar de fazer as

críticas, influenciando esta prática em diversos lugares do mundo,

particularmente em Portugal. Segundo Serge Toubiana40, a revista Cahiers du

Cinéma essencialmente formada por críticos-realizadores, representou, ao longo

de seu percurso como publicação destinada à crítica de cinema, uma luta

permanente entre, por um lado, a afirmação de um gosto e de uma estética,

predominante nos anos 50 até o início dos anos 60, de submeter os filmes a uma

certa análise por tema, por autor e gênero. Não por acaso, na efervescência

deste momento, nasce a Nouvelle Vague.41 Vale salientar que nesta altura, a

revista presta seu apoio às novas cinematografias de outros países como Itália

(Neo-realismo), Brasil (Cinema Novo) e Portugal (Novo Cinema). E por outro

lado, entre 1969 e 1975, a revista assume uma vocação mais política e teórica

centrada nas preocupações extracinematográficas que se afirmaram em

detrimento do gosto. São notórias, neste período, as influências da filosofia de

inspiração marxista althusseriana, da psicanálise e da semiologia.

Bordwell (1991, p. 43-48) chama a crítica produzida por estas publicações

de “crítica explicativa” ou “aquela que se baseia na crença de que o principal

objetivo da atividade crítica consiste em reconhecer significados implícitos dos

filmes”. Tendo André Bazin como o grande mentor, esta crítica explicativa foi

moldada por um cenário de pós-guerra que incluía o aparecimento de novos

filmes (sobretudo americanos e italianos) e, portanto, novos desafios

interpretativos para a crítica que teria de lidar ou criar novos modelos de análise,

40 Em entrevista a D’ÁVILA, António. A trajetória dos Cahiers du Cinéma. Revista Filme Cultura. Rio de Janeiro : Embrafilme, nº. 45 (Março de 1985).

41 Nas palavras de João Mário Grilo (1999, p. 229), os componentes da Nouvelle Vague tinham “uma nítida vontade de compreender o cinema na sua materialidade significante e no seu modo de fazer”. E conforme Michel Marie (1999, p. 66), “um dos primeiros critérios de pertença ao movimento é a experiência da crítica”. Vale salientar os nomes de André Bazin, Claude Chabrol, Jean Luc Godard, Eric Rohmer e François Truffaut, críticos-realizadores que fizeram parte do movimento da Nouvelle Vague, a exceção de André Bazin que permaneceu essencialmente como crítico e teórico do cinema.

97

além da idéia amplamente conhecida, como já assinalamos, da política dos

autores que para Bordwell deve ser entendida apenas como uma política e não

como um pressuposto teórico.

Contudo, é bom salientar, que esta veia interpretativa/explicativa

predominante nas revistas acima referidas não representava o universo dos

jornais e revistas populares da época, universo no qual um perfil mais intolerante

a análises detalhadas dos filmes era a rotina. A evolução deste tipo de crítica

jornalística liga-se às primeiras exibições de filmes para grandes audiências: era

a época do assim denominado por Tom Gunning, “cinema de atrações”. Entre

fins do século XIX e início do século XX estes espetáculos eram considerados

como “notícias de valor” e os repórteres tinham a função de cobri-los como

qualquer outra notícia. Na verdade, a então chamada crítica era um mistura de

reportagem que descrevia o evento em termos fatuais e de resenha que

aconselhava o leitor sobre o valor do filme. Segundo Bywater (1989, p. 5-6), a

ênfase era colocada na palavra valor uma vez que os resenhistas/jornalistas

deveriam informar se valeria ou não a pena gastar uma certa quantia de dinheiro

pelo visionamento da película, critério, aliás, vigente até os dias de hoje pelos

críticos.

Quando a popularidade dos filmes começa a crescer, um tipo de crítica

mais analítica também cresce sobretudo com a legitimação do filme como uma

peça artística impulsionando nomes como o de Otis Ferguson nos Estados

Unidos a produzir verdadeiras pérolas de escrita estilística42, embora as

chamadas resenhas continuassem dominando os espaços nos jornais diários,

especialmente a partir dos anos 30 com o desenvolvimento da indústria

cinematográfica hollywoodiana e o aparecimento do cinema falado (Bywater,

1989, p. 7-10).

42 Além de Ferguson, nomes como o de James Agee, Andrew Sarris e Pauline Kael nos EUA, figuram como grandes nomes da boa crítica de cinema. Esta última, crítica do The New Yorker desde meados dos anos 60, tinha um estilo pessoal inconfundível e acreditava na conexão do crítico com o público, escrevendo sempre em primeira pessoa. Ela será a primeira crítica jornalista a defender uma abordagem mais pessoal e emotiva dos escritos, hoje tão comum nesta prática (Bywater; Sobchack, 1989, p. 10-17).

98

Enfim, deste período para cá, a crítica cinematográfica passa por um

processo de expansão com o aparecimento de cursos superiores e o aumento

de publicações populares impressas, outras mais sofisticadas ligadas às

universidades, além dos filmes tornarem-se mais acessíveis para a análise43. O

interesse de nossa pesquisa volta-se para estes discursos, ou seja, tanto para

aqueles discursos mais imediatistas dos jornais quanto para aqueles outros

produzidos pelas revistas e semanários. Estes discursos têm em comum o fato

de serem vestígios de uma experiência estética que não apenas são reveladores

de uma relação entre autor-obra-público como constituem importante memória

para se entender o processo de recepção no cinema.

2. Brasil e Portugal

No Brasil, o crítico teatral Arthur Azevedo publica em 1897 no jornal O

Paiz aquilo que seria considerado o primeiro comentário sobre filmes, exibidos

ainda nesta época em casas teatrais. No início do século XX, a partir da

consolidação do setor exibidor nas principais cidades brasileiras, surgem as

primeiras publicações especializadas como as revistas O cinema (1913), A Fita

(1918) Palcos e Telas (1918), Selecta (1924), Cinearte (1926), O Fan (1928)

sendo que boa parte delas cobria com regularidade também o teatro. Críticos

como Plínio Sussekind Rocha, Adhemar Gonzaga, Pedro Lima, Moniz Viana,

Walter da Silveira, Paulo Emílio Salles Gomes, Alex Viany e o próprio Glauber

Rocha, exerceram suas atividades de crítica seja em periódicos ou em revistas

mais especializadas (Gardnier, 2002 e Ramos; Miranda, 2000, p. 455).

Tendo como sua fase mais marcante os anos 60 e 70, a resenha crítica de

cinema procurava definir seu espaço produzindo textos sobre películas

consideradas experimentais bem como sobre os grandes filmes comerciais.

Aliás, no interior da comunidade daqueles que escreviam e pensavam sobre

cinema, havia uma divisão entre os refletiam sobre a estética cinematográfica

43 Segundo Bordwell (1991, p. 22) o maior acesso às tecnologias dos meios de comunicação implicava as projeções de películas de 16 mm na década de 50, as mesas de edição Steenbeck nos anos 60 e o videocassete nos anos 70.

99

nacional e mundial (Paulo Emilio Salles Gomes), os considerados americanófilos

(Antônio Moniz Viana) e aqueles que reclamavam por uma crítica ao cinema

brasileiro (Walter da Silveira). Durante o Cinema Novo há uma fértil colaboração

entre crítica e cinema uma vez que os críticos sentiram-se estimulados diante de

um movimento energético e totalmente diferente daquilo a que eles estavam

habituados a ver nos filmes brasileiros. Era revelador a influência incontornável

da crítica francesa, seja através de uma inspiração política-militante (Positif),

seja via a ênfase dada aos aspectos formais do filme (Cahiers du Cinéma).

Já nos anos 80 uma boa parte desta comunidade culta de críticos deixa

os diários e migra para outros espaços como as revistas culturais (especialmente

a revista Filme Cultura) e para o ambiente universitário onde os textos ficam

mais ecléticos, subjetivos e dialogam com a análise textual (Moura, 2002). Não

muito diferente do que aconteceu em alguns países, notadamente os Estados

Unidos, nos anos 90 a informação e a divulgação ou promoção tornaram-se

funções essenciais da crítica de cinema jornalística deixando a análise para

publicações mais especializadas.

Em Portugal, a primeira publicação destinada à crítica cinematográfica

data de 1912 e era chamada de Cine-revista. Esta publicação originária da

cidade do Porto teve uma homônima em Lisboa no ano de 1917 dirigida por

Fernando Mendes. Recebendo títulos como O Foco (1913), Animatógrafo

(1919), Cinéfilo (1928), O Filme (1926), Plateia (1951) e Celulóide (1957), estas

numerosas publicações apontavam para a crescente importância dada ao

cinema como arte a constituir-se. Entretanto, à exceção das revistas Cinéfilo (11

anos), Plateia (28 anos) e Celulóide (29 anos), boa parte desta imprensa

cinematográfica teve uma vida efêmera e circulava, sobretudo, em Lisboa e no

Porto44.

Dentre os pioneiros da crítica de cinema lusa, destacam-se os nomes de

Reinaldo Ferreira, Felix Ribeiro, Alberto Armando Pereira, Roberto Nobre,

44 Conforme Fernando Duarte em Apontamentos para a história da imprensa especializada e da evolução da crítica cinematográfica em Portugal. Celulóide. No 281, Setembro de 1979, p. 1-209 -7-225.

100

António Lopes Ribeiro, este último considerado introdutor da crítica da imprensa

diária (em 1925, no Diário de Lisboa). Já nas décadas posteriores surgem

nomes como o de João Bénard da Costa, Manuel Machado da Luz, Lauro

António, Eduardo Prado Coelho, João César Monteiro, Eduardo Geada, José

Vaz Pereira, João Lopes, Afonso Cautela, Tito Lívio, José de Matos-Cruz, Jorge

Leitão Ramos, Mário Jorge Torres, António Cabrita, Manuel Cintra Ferreira e

tantos outros que abordaremos com a atenção devida no decorrer de nossa

investigação sobre seus escritos.

O cenário inicial da crítica de cinema na imprensa portuguesa parece

seguir a tendência mundial a partir da combinação ao qual se referia Bywater, de

reportagem fatual e resenha valorativa dos filmes. Em 1960 a resenha45 do filme

brasileiro Meus amores no Rio, publicada no jornal Diário de Notícias começava

deste modo: Esta noite registra-se um grande acontecimento no Odeon: a

estréia da maravilhosa comédia «Meus amores no Rio» que vai constituir uma

sensacional surpresa, não por constituir uma obra que enche de orgulho o

cinema brasileiro, mas também por reunir as condições de um espetáculo de

raro encanto e permanente diversão que só se deparam nas realizações de

grande classe. E as últimas frases dos textos são: Ao espetáculo desta noite

designam-se assistir o Sr. Embaixador do Brasil e outras altas personalidades da

embaixada. O caráter noticioso da resenha pautada na descrição factual do

evento, associado a um juízo elogioso do filme, parece ser uma marca registrada

da época. Embora, convém salientar, ainda hoje, em certas publicações

destinadas a crítica, uma espécie de crônica anedótica tem prevalecido como

evento mais importante a ser registrado pelo jornalista, superando mesmo a

análise do filme.

A questão da crítica com função de propaganda ou promoção dos filmes é

antiga e gerou debates em vários lugares do mundo. Sobretudo com o avanço

da indústria cinematográfica, as resenhas jornalísticas naturalmente começaram

45 Optamos por utilizar o itálico para demarcar todas as transcrições de textos publicados em periódicos. Para as citações de textos científicos, as aspas (ou comas duplas) constituem a regra. Diário de Notícias. 23.11.1960. p. 7. A resenha não está assinada.

101

a constituir-se como parte da rede de divulgação dos filmes. Havia aqueles que

deploravam a falta de isenção e análise dos críticos, especialmente nos

periódicos, e outros que se mantinham impassíveis perante o cumprimento da

agenda imposto pelas editorias dos jornais que, de um modo geral, seguiam as

referências dos boletins de divulgação cinematográficos norte-americanos

voltados para as atualidades dos espetáculos-negócio.

Este quadro de predomínio do modelo industrial americano a que

chamaremos factual-valorativo suscitou sentimentos de rejeição por parte de

alguns críticos portugueses como Fernando Duarte, diretor da revista Celulóide,

o que o levou a clamar em 1961 por um congresso da crítica cinematográfica em

Portugal. Duarte diz que durante anos adulterou-se a missão informativa e

analítica da crítica cinematográfica e continua foi a chamada grande imprensa

que mais amesquinhou a função do crítico, que mais contribuiu para o seu

descrédito, impondo-lhe uma total dependência da publicidade, do elogio de

favor, dos imperativos administrativos46.

Em verdade, o discurso de Duarte já refletia uma insatisfação dos

profissionais ligados ao universo cinematográfico (os críticos aí incluídos) contra

o cinema comercial e o clamor por uma crítica que fugisse do mero elogio do

filme. A partir de aproximadamente meados da década de 60 o discurso de

louvor da crítica de cinema passa a ser questionado por alguns críticos em

particular e até mesmo por publicações como a revista Plano que em Dezembro

de 1965 vociferava: a crítica de espetáculos que por cá se faz é aquilo que toda

gente sabe: ou não diz nada, ou é laudatária, ou é comprada ou é compassiva

(vivam as excepções). (apud Barroso, 2002, p. 1279).

Vejamos mais um exemplo de uma resenha47 que primava pelo elogio

superficial, sobretudo pelo fato do filme já ter sido aclamado no Festival de

46 Celulóide. No 43, Julho de 1961, p. 1. Assinado por Fernando Duarte.

47 Diário de Lisboa. 21.04.1963. p. 11. A resenha não está assinada. O fato de boa parte das resenhas deste período não estar assinadas e, quando estão, aparecer somente as iniciais, demonstra a falta de profissionalização na área de espetáculos. Segundo Bénard da Costa (1990, p. 254-255), “tratava-se de recensões elogiosas, assinada por iniciais, em que as ditas (iniciais) podiam dizer tudo, menos dizer mal”.

102

Cannes, condição a priori de aprovação crítica. A crítica ao filme O pagador de

promessas do realizador Anselmo Duarte foi publicada no jornal Diário de Lisboa

em 1963:

(...) O pagador de promessas foi a primeira obra em língua portuguesa

que teve as honras de um primeiro prêmio no último festival de Cannes e que

recebeu o troféu «Golden ate», tão cobiçado pelos cineastas de todo o mundo. E

no parágrafo posterior: Filme violento, sincero, verdadeiro, duro mesmo, coloca o

drama sob a luz dos projetores e a consciência do público, resultando numa obra

polêmica, para recordar e discutir, numa obra válida, que engrandece a

cinematografia do Brasil e patenteia a qualidade moral e profissional de seus

técnicos. Com um título já bastante significativo: O filme «O pagador de

promessas» constitui um acontecimento cinematográfico, o texto parece ter

acolhido o filme, antes mesmo de ele ter sido visto, uma vez que os prêmios

concedidos anteriormente já lhe deram o estatuto de um grande filme.

A exigência por uma crítica independente e que escapasse a

superficialidade do discurso era adequada a um cenário histórico do qual fazia

parte a reivindicação do Novo tanto na prática das resenhas jornalísticas como

no próprio cinema português. Para Barroso (2002, p. 1279-1280) duas condições

eram reclamadas nesta mudança de enfoque: a cientificidade e a independência:

“Cientificidade, identificada com a capacidade de dizer (e demonstrar) alguma

coisa, em contraponto à banalidade laudatória ou benevolente. Independência,

que se proclama na fidelidade a princípios inspirados na «justiça» e na refutação

do elogio a título caritativo (faltaria ainda defender a independência econômica

da publicação)”.

Mais tarde, uma grande virada remexe os velhos modelos de leitura do

filme: a influência da crítica francesa, associada ao fenômeno do cineclubismo

que irá promover uma renovação no discurso da crítica tanto nas revistas

especializadas como nos jornais diários sobretudo no que diz respeito ao

reconhecimento do cinema como arte digna de legitimação (Monteiro, 2000). A

crítica tornou-se mais culta e os espaços reservados a ela ampliaram-se para

103

suplementos de jornais e revistas culturais como O Tempo e o Modo.

O fato é que, atendendo a uma tendência mundial, a crítica de cinema

portuguesa incorporou os pressupostos defendidos pela crítica francesa: “A

influência dos Cahiers du Cinéma em Portugal foi muito significativa e ajudou,

também por cá, a deixar de lado uma suspeição que pairava sobre o cinema

americano. Trata-se, antes de mais, de uma influência crítica. Fez-se sentir nos

setores progressistas do pensamento católico, e através dos jovens

protagonistas da nova crítica emergente, que ocupavam posições nos

periódicos, envolvendo-se em polêmicas doutrinais e ideológicas” (Barroso,

2000, p. 228) 48. O essencialismo, de André Bazin, a defesa de autonomia autoral

dos diretores, de Truffaut, as experimentações estéticas, um cinema reflexivo de

narrativa difícil em lugar da linearidade clássica, enfim, o descompromisso com a

linguagem oficial do cinema acabou por formar as referências dos críticos de

cinema lusos49 que procuravam reconhecer nos filmes investigados, inclusive

claro, no próprio cinema português.

Não foi ademais, aleatório, o surgimento neste período dos primeiros

filmes do Novo Cinema português assinalado, de antemão, por um paradoxo e

analisado por Paulo Filipe Monteiro (2000) em sua tese de doutoramento sobre o

cinema português. Este movimento caracterizava-se pela forte presença de uma

estética vanguardista nas obras de seus realizadores, com a utilização de

recursos estilísticos sofisticados e uma primazia pela forma dos filmes, então

uma novidade para época dos anos 60 em Portugal. Por outro lado, aí vemos o

paradoxo, esta vanguarda era tolerada pelo conservadorismo político vigente,

que acatou e forneceu bolsas de estudos aos jovens cineastas para diversos

48 Barroso (2000, p. 134-137) igualmente afirmou que a crítica de cinema portuguesa deste período enfocava aspectos como a análise do estilo, do gênero, o impacto social da obra e a figura do realizador, ressalvando a forte influência da crítica francesa, especialmente naqueles críticos originários dos cineclubes, que, afinal, constituíam a sua maioria. Sobretudo a partir de meados dos anos 60, a essência da arquitetura argumentativa das críticas fundamentava-se na estética, na política e no público. Discutir sobre o conceito de “políticas dos autores” num embate acirrado contra o grande cinema comercial, defender a idéia e uma nova concepção estética para o cinema, além de refletir sobre a questão do público como bilheteira, eram temáticas constantemente presentes nos escritos dos críticos portugueses da época.

49 Bénard da Costa (1990, p. 256) diz que foi em 1955, quando descobriu os Cahiers du Cinéma que revira “tudo a outra e definitiva luz”.

104

centros cinematográficos europeus, como Londres, Paris e Roma. Esta

convivência foi decisiva para a manutenção do Novo Cinema que, por sua vez,

se eximia de temas mais politizados em suas películas e evitava, assim, a

famigerada censura do Estado Novo. Paulo Filipe Monteiro (2000) chama a esta

contradição interna ao movimento do Novo Cinema de “uma margem no centro”

e avança: “uma margem combativa contra o cinema industrial, mas no centro em

termos dos lugares de produzir, ensinar e criticar cinema em Portugal”.

É realmente muito importante este paradoxo peculiar ao movimento

cinemanovista português, uma vez que seus participantes tinham uma relação

muito próxima com a prática crítica de filmes e alguns realizadores eram também

críticos, como João César Monteiro e Fernando Lopes, diretor da revista Cinéfilo.

Há que se perceber, portanto, duas fortes influências que a crítica de

cinema jornalística portuguesa acalentou neste período. A primeira e mais antiga

através do cineclubismo50, da formação que estes centros de exibição e

discussão sobre filmes fornecia aos seus sócios, embora, seja importante

salientar que o Estado Novo salazarista vai promover uma perseguição contra o

que acreditavam ser da ordem do subversivo e do perigoso presente nas idéias

que circulavam nos cineclubes. Apesar do corte da censura, o cineclubismo

lançava publicações e tentava manter em funcionamento aquelas instituições

que conseguiram resistir aos ataques do Estado salazarista. Nomes como o de

Eduardo Geada, crítico, realizador e ex-dirigente do cineclube universitário de

Lisboa, e o de João Bénard da Costa, também ex-cineclubista, ilustram como

esta influência se fez presente na formação dos críticos de cinema que atuavam

nos jornais da cidade. Antigos militantes do movimento cineclubista, realizadores

e críticos foram despertados por estes espaços de iniciativas culturais onde era

possível exercitar na prática o gosto pelo cinema. Afirma Luís de Pina: “(...) boa

parte do que se escreveu sobre cinema português foi editado nas suas [dos

cineclubes] publicações, que os homens da cultura, os críticos ou os estudiosos

50 Conforme José-Augusto França (1995, p. 46), em 1947 nasceu o Círculo de Cinema de Lisboa que “a polícia política proibiu, por alegadas práticas conspiratórias, alargando-se a suspeita, então, a todo movimento nacional que em 1956 contava mais de 30 clubes pelo país fora, nomeadamente em Coimbra, e em Lisboa, no Universitário, no ABC, no Católico”.

105

provêm quase todos dos cineclubes” (1978, p. 76).

O peso dos cineclubes no desenvolvimento da crítica era um fenômeno

presente em várias partes do mundo51. Em 1961, Fernando Duarte ratificava o

valor de um intercâmbio cultural entre os cineclubes brasileiros e portugueses: O

movimento cultural do cine-clubismo desenvolveu-se com o mesmo ímpeto nas

duas pátrias distantes mas amigas, que o oceano separa mas que vínculos

eternos ligam fortemente Brasil e Portugal, uma comunidade, uma só língua,

uma fraternal compreensão pelos problemas de um lado e doutro52. Afora a

dimensão constitutiva que estes espaços tinham para pensar e discutir cinema, o

texto de Duarte já revela um olhar de cooperação cultural entre os dois países

com críticas positivas ao cinema brasileiro de então.

Após o 25 de Abril veio a liberdade de imprensa e os cineclubes

naturalmente tornaram-se mais politizados. Estes buscavam criar federações e

outros organismos que lhes dessem maior legitimação. Em Maio de 1974 a

revista O Tempo e o Modo53 publicava na íntegra as 14 teses do cineclube

universitário de Lisboa que antes tinham sido seriamente mutiladas pela censura

fascista. O grau de politização das teses se fazia presente na defesa do cinema

como manifestação de classe destinado a fornecer às massas uma visão crítica

e progressista. Os cineclubes teriam um papel importante neste processo de

conscientização das massas ao exibir e discutir filmes progressistas. Os críticos

igualmente se mobilizaram reivindicando a criação urgente de uma associação

também em Maio de 197454. Dentre suas posições defendiam a liberdade total

para o exercício crítico e sobretudo, a criação dum organismo independente -

51 Na França, Itália, Inglaterra ou EUA o peso foi o mesmo. Conforme Michel Chion (1996, p. 478-479) na França, já em 1920 Louis Delluc inventa a palavra cineclube lançando seu semanário que levava o mesmo nome cuja intenção era apoiar a arte cinematográfica organizando encontros entre cineastas e públicos. Ricioto Canudo, outro crítico pioneiro, também cria em Paris em 1921 o clube de amigos da sétima arte.

52 Celulóide. No 47, Novembro de 1961, p. 10.

53 O Tempo e o Modo. Nº 104, Maio de 1974, p. 26.

54 Diário Popular. 05.05.1974, p. 4. Assinavam o documento: Rui Afonso, João César Monteiro, Tito Lívio, António Cunha Telles, Fernando Lopes, José Camacho Costa, Manuel Carvalheiro, Eduardo Geada, João Lopes, Lauro António, Eduardo Prado Coelho e outros.

106

Associação de Críticos - que passe a visar à interferência na escolha e seleção

dos filmes a distribuir. Estes discursos apontavam para o quadro da recente

euforia que o país vivia após longos anos de ditadura.

Infelizmente, o movimento cineclubista português, já debilitado desde a

década de 50 pela censura salazarista, se enfraquece mais ainda na década de

7055 devido a uma série de fatores como a concorrência da televisão e dos

cinemas de estúdio. Além disso, outros aspectos são salientados: “a divisão

gerada entre as bases pelo partidarismo político, e as tentações do dirigismo, de

associativismo de cúpula, eventualmente no espírito das instâncias

superiores” (Pina, 1978, p. 76). De qualquer maneira, este fato não invalida a

influência do cineclubismo na formação de muitos dos críticos de cinema

portugueses.

Hoje, o lugar e o conceito de cinefilia56 têm passado por modificações

significativas. As salas pequenas e alternativas de Lisboa, como o Nimas, o

Quarteto, o King e, claro a Cinemateca Portuguesa, ocupam o espaço antes

destinado aos cineclubes, com a programação de ciclos e por vezes, algum

debate após a exibição dos filmes. Perdeu-se, contudo, para o bem e para o mal,

o grau de politização característica dos discursos cineclubistas, sobretudo

daqueles discursos pós 25 de Abril. Um espaço de discussão mais higiênico

politicamente, entretanto mais interativo com a crítica, vê-se presente nos

variados sites de periódicos disponíveis na Internet. Com efeito, a cinefilia hoje,

com as mudanças estruturais da sociedade urbano-industrial, levou a

acomodação ao espaço privado onde os DVD’s e os televisores de grande écran

estão cada vez mais baratos e acessíveis.

A segunda fonte de influência da crítica de cinema vincula-se à

55 Luís de Pina (1978, p. 75) afirma que: “(...) nos anos 70, até por virtude da concorrência da TV, de sessões especiais dos cinemas, dos cinemas de estúdio, da motorização da vida e dos fins-de-semana, o movimento cineclubista conheceu uma crise grave”.

56 Bénard da Costa (1998, p. 69) dirá que a partir de 1980, “os anos gordos da cinefilia ou de salas cheias (que, apesar de tudo, foram os anos 60-70, que culminaram com os grandiosos ciclos da Gulbenkian, versão correcta e aumentadíssima das 3as Feiras Clássicas de outrora) chegaram ao fim”.

107

contradição analisada por Paulo Filipe Monteiro de o Novo Cinema português

ser, ao mesmo tempo, vanguarda estética e despolitizado. A crítica de filmes,

indiscutivelmente membro deste cenário histórico, também ela tinha em seus

quadros nomes egressos deste movimento, o que acabou por ajudar na

formação de um tipo de escrita e preferências do crítico e de seus filmes. A

apreciação estética das obras feitas pelos realizadores-críticos do Novo Cinema

eram respeitadas e dignas de polêmicas clamorosas na imprensa diária. Havia,

portanto, uma mútua relação entre as propostas do Novo Cinema e as

reivindicações de uma nova crítica. Naturalmente que o discurso desta parcela

da crítica lusa privilegiava também os recursos formais e estilísticos do filme em

detrimento de seus aspectos ideológicos. Esta ênfase apostava em critérios

predominantemente estéticos ao ajuizar os filmes, critérios que acabaram por se

tornar verdadeiros cânones no modo de interpretar as películas.

Estas duas vozes de influência, na maioria das vezes dissonantes,

acabaram por traçar, tal como aconteceu entre os diretores do Novo Cinema

português, um cisma ideológico na crítica de filmes nos anos 60 e 70. Algumas

publicações, sobretudo as especializadas, seguiam as diretrizes dos Cahiers du

Cinéma (da primeira fase da revista 1950-1960) e da Nouvelle Vague, do

idealismo baziniano, de por em relevância os aspectos formais do filme, os

recursos estilísticos mais do que a “mensagem do autor”. Revistas como O

Tempo e o Modo e o Jornal de Letras e Artes, foram publicações emblemáticas

desta linha mais formalista que ideológica e os escritos críticos de João Bénard

da Costa são exemplos deste discurso digamos, mais despolitizado. Outras

publicações como Seara Nova e a maioria dos jornais diários se inclinavam para

o realismo crítico, o neo-realismo, para a politização dos conteúdos das películas

e de seus próprios discursos, influenciados por tendências marxistas (Barroso,

2000, p. 404-405).

O discurso estético sobre o cinema vivia uma espécie de fratura ocorrida

também em França com a nítida divisão ideológica entre as revistas Cahiers du

Cinéma e a Positif. A primeira, como dizíamos, seguia uma tendência de

valorização do formalismo estético e a segunda apresentava seu manifesto

108

político declarado. Em Portugal, este painel confirma a fratura. Sem querermos,

contudo, cair num maniqueísmo, havia aqueles que defendiam “um cinema

moral, um cinema de raízes democráticas, enquadrado na mais genuína

ortodoxia neo-realista” e outros que “proclamavam um cinema afim da Nouvelle

vague francesa e que se reclamam das teorias dos Cahiers du Cinéma e da

visão «auteurista» do cinema” (Costa, 1991, p. 114).

Quanto aos críticos, enquanto profissionais do jornalismo cinematográfico,

é difícil traçar um diagnóstico completo de sua atividade, quer pela falta de

fontes primárias sobre o assunto quer pela grande diversidade de profissionais

no período. Assim, foi com grande interesse que em Agosto de 1974 a revista

Plateia deu início a uma série de entrevistas com os principais críticos de cinema

portugueses, projeto estendido até o ano posterior. A idéia era fazer falar as

vozes mais representativas das distintas correntes teoréticas da crítica

portuguesa57. Coordenadas por José de Matos-Cruz, estas entrevistas são

reveladoras dos horizontes de expectativas porque partilhavam os críticos lusos

na época.

No que diz respeito à formação profissional, a maioria disse não ter tido

qualquer formação específica na área, que eram autodidatas e que o encontro

dos críticos com o ofício veio da proximidade desses com a cinefilia e com os

cineclubes. Muitos tinham outras profissões, eram também realizadores

(Eduardo Geada), professores (Afonso Cautela), jornalistas (Tito Lívio, Rui

Afonso), mas todos estavam, de alguma forma, envolvidos com as efervescentes

questões políticas, culturais e estéticas do período.

Os depoimentos dos críticos parecem confirmar a divisão de que

faláramos anteriormente. Há aqueles mais politizados e até contrários a

influência da crítica francesa58, como mostra este trecho de Afonso Cautela:

57 Plateia. No 708, Agosto de 1974, p. 56.

58 Um crítico da geração anterior como Alves Costa sintomaticamente referiu: Comecei a escrever umas coisas sobre cinema e sobre filmes, na altura em que aqueles que o faziam apenas se debruçavam no que tinham aprendido enquanto viam cinema, e não com as “muletas” dos Cahiers du Cinéma ou do Cinéthique. Plateia. No 720, 28 de Janeiro de 1975, p. 14.

109

Estamos de cócoras perante a crítica de cinema de Paris – e suas sequelas na

realização. Quando começaremos a pensar pela própria cabeça, quando nos

autodescolonizaremos como seres pensantes e livres, eis o que me inquieta

muitíssimo59; ou ainda este depoimento mais politizado de Rui Afonso, Acho que,

sendo o cinema um concreto fenômeno político, porque consequência de uma

indústria e de um comércio, deve ser prioritariamente analisado e criticado neste

contexto60. E outros que pensam o cinema sob a perspectiva da modernidade

estética, como alude Fernando Pernes: será a partir de Godard que se propõe a

revisão crítica de todo o cinema e o desenvolvimento de um “cinema novo”, mais

empenhado, simultaneamente no caráter específico da linguagem

cinematográfica e na contundência moral e política do seu discurso, do que na

eficácia comercial e ilusionística do espetáculo61.

Todos fizeram referências ao importante momento político vivido pela

sociedade portuguesa e, neste novo contexto democrático, refletiram sobre qual

seria o papel do cinema e da crítica. Questionado sobre as conseqüências da

abolição da censura, Manuel Machado Luz disse: Quanto à política de difusão,

creio que nada se adiantou. Mantém-se uma exibição de filmes completamente

dominada pelos princípios do lucro, até ao nível mais mesquinho e sórdido62.

Apesar do fim das restrições aos distribuidores e exibidores, as razões

comerciais continuavam comandando o mercado.

Por fim, nestas entrevistas era ainda visível a contestação a um tipo de

escrita chamada de elitista, burguesa e hermética praticada por alguns críticos,

sobretudo aqueles que se identificavam com a estética formalista. Em diálogo

com o cenário do pós 25 de Abril, cuja politização do discurso se acentuou, Tito

Lívio, Luís Machado, José Vaz Pereira, Lauro António e outros defendiam

simplicidade, objetividade e clareza na linguagem e atacavam os floreados

59 Plateia. No 708, 27 de Agosto de 1974, p. 58.

60 Plateia. No 722, 3 de Dezembro de 1974, p. 56.

61 Plateia. No 714, 8 de Outubro de 1974, p. 27.

62 Plateia. No 726, 31 de Dezembro de 1974, p. 13.

110

lingüísticos63 contrários a uma pedagogia de fácil leitura para as massas.

63 Plateia. No 743, 29 de Abril de 1975, p. 45.

111

Um perfil das publicações portuguesas

1. Os jornais

O contexto político-jornalístico, entre o ano de 1960 até à ruptura ocorrida

com 25 de Abril, foi naturalmente marcante para a vida da imprensa de

referência portuguesa. Os diários viviam sob o domínio da censura prévia, o que

garantia uma forçada harmonia entre as empresas jornalísticas e o Estado Novo.

A descrição da presença de autoridades nos locais das ante-estréias dos filmes

pode revelar um constante panegírico ao regime de Salazar.

Este horizonte, por certo, demarcava uma cumplicidade da imprensa com

o Estado em cujos jornais havia uma espécie de autocensura64. O matutino

Diário de Notícias, fundado em Lisboa em 1864, era considerado o porta-voz

oficial do governo, devidamente disciplinado para participar do jogo de interesses

via uma prática de obediência, acomodando-se aos constrangimentos impostos.

Nos anos 60, a seção dedicada aos espetáculos era chamada de Vida artística e

em meio a uma confusão de textos de variados gêneros, viam-se pequenos

comentários sobre os filmes em exibição, numa leitura factual das películas

geralmente sem qualquer tipo de menção aos aspectos políticos que a produção

poderia eventualmente ter.

Esta assepsia ideológica presente nas críticas era oposta ao momento

marcante politicamente na história de Portugal: as guerras coloniais na África.

Dirá João Bénard da Costa: “Em 1963, a guerra alargou-se a Guiné. Em 1964, a

Moçambique. 50.000 portugueses partiram para as colônias, «rapidamente e em

força». Em 1965, a Oposição reclamou a autodeterminação das colônias e

64 Para João L. De Moraes Rocha (1998, p. 37), a censura “vigorou como forma de criar uma mentalidade; efectivamente, o lápis azul (os censores assinalavam os cortes com lápis azul) originou a autocensura, a coibição da escrita por auto-reprovação e receio”.

112

Humberto Delgado foi assassinado em Badajoz”. Após a guerra colonial a

censura focou com mais rigor os filmes e alguns deles só podiam ser vistos no

estrangeiro: “Na década da nouvelle vague, só aqui chegaram borrifos de

Truffaut e de Chabrol ou o Pierrot Le Fou de Godard (À Bout de Souffle teve que

esperar pelo marcelismo). Dos outros «cinemas novos» nada vimos, como não

vimos La Dolce Vita de Fellini, Lolita de Kubrick ou Belle de Jour de Buñuel, para

já não falar de Viridiana” (Costa, 1998, p. 65). Acrescentamos que os

portugueses também foram impedidos de ver dois clássicos do Cinema Novo

latino-americano: António das Mortes e Deus e o diabo na terra do sol, ambos de

Glauber Rocha. O primeiro só será exibido em 1972 e conforme o crítico Lauro

António65 com cortes; já o segundo somente dez anos após seu lançamento no

Brasil, em 1974.

A censura66 não era muito simpática aos chamados “filmes

revolucionários”, o que em princípio implicava numa autocensura dos

distribuidores em relação aos filmes estrangeiros que se enquadrassem nesta

temática uma vez que isto significava um risco (sobretudo financeiro) a correr

dada a possibilidade do filme vir a ser censurado a posteriori. Alguns

distribuidores, contudo, faziam esforço pela liberação de filmes, como relata

Eduardo Geada: “O Cunha Telles, que então mantinha em esplendorosa

atividade a Distribuidora Animatógrafo, de vez em quando pedia-me para lhe

escrever uns recursos mais ou menos eruditos que, em nome da cultura e da

modernidade, lhe deixassem passar algumas obras-primas do cinema mundial

que se encontravam com pena suspensa, à espera de serem devolvidos aos

produtores estrangeiros depois de terem sido chumbados pela Censura. Lembro-

me de ter intercedido, com mais ou menos êxito, em favor de Eisenstein, de

65 Celulóide. Nº 197, Maio de 1974, p. 19.

66 Como nota Cândido de Azevedo (1999, p. 227) por determinação do diploma no 13 564, de 06.05.1927, era rigorosamente interdita “a exibição de fitas perniciosas para a educação do povo, de incitamento ao crime, atentatórias da moral e do regime político e social vigorantes” e aquelas fitas que exibissem cenas de: “Maus tratos a mulheres. Torturas a homens e animais. Personagens nuas. Bailes lascivos. Operações cirúrgicas. Execuções capitais. Casas de prostituição. Assassínios. Roubo com arrombamento ou violação de domicílio, em que pelos pormenores apresentados, se possa avaliar dos meios empregados para cometer tal delito. A glorificação do crime por meio de letreiros ou efeitos fotográficos”.

113

Oshima, de Bergman, de Jean Vigo e de Glauber Rocha” (apud Azevedo, 1999,

p. 236).

Luís de Pina expressa que este cenário de mutilação trouxe o atraso da

“independência” da crítica portuguesa: “(...) a falta de filmes básicos, proibidos

pela censura, e as dificuldades financeiras de estudo, trabalho e edição,

obrigaram o crítico a ser um pouco impressionista e superficial, trabalhando com

imaginação e originalidade, por vezes com notáveis intuições, mas sem uma

base porventura mais científica” (1978, p. 77).

A maioria dos outros principais jornais lisboetas seguia a tendência

disciplinadora, como o Diário Popular que, nestes anos de ditadura, era

“dedicado ao «fait-divers» e ao espetáculo” (Vieira, 1998, p. 273). O sugestivo

nome Depois das nove foi o nome dado à seção sobre espetáculos, sobretudo

de teatro e cinema nos anos 60 até meados da década de 70, onde Rui Afonso e

Tito Lívio atuavam como principais colaboradores críticos. Já o Diário de Lisboa

e o República procuravam uma certa independência política apesar das

circunstâncias adversas. O primeiro mantinha a seção Diversões (teatros e

cinemas) dedicada à crítica de filmes em exibição sinalizando uma pequena

carga de liberdade nas opiniões. Conforme Bérnad da Costa (1991, p. 134) em

1965 o Diário de Lisboa foi o “primeiro quotidiano a inaugurar – nesse ano – uma

prática crítica em que o cinema era abordado como as outras artes”. Também

neste período, os suplementos Êxito e Vida literária e artística assumiam o papel

de divulgadores das artes em Lisboa. No início da década de 70, Lauro António

será um dos críticos mais famosos do jornal, assim como Jorge Leitão Ramos

anos depois, quando o Diário de Lisboa tornou-se mais limpo e gráfico em

termos de programação visual. O vespertino República, que funcionou até 1975,

chamou Espectáculos sua página endereçada à crítica de artes. Em Janeiro de

1971, o diário lança o suplemento Jornal de crítica, em cujo(s) quadro(s)

figuravam nomes de críticos como Afonso Cautela, Armando Pereira da Silva,

Tito Lívio, Carlos Porto e Vasco Granja, entre outros. A proposta era a produção

de um jornal exclusivo para crítica de artes e letras, que privilegiasse a

independência de opinião de seus autores: “Só nos interessa tal [polêmica], ao

114

nível da teoria crítica: aí, sim, vamos à luta. Porque só a crítica (o instrumento

crítico) é susceptível de análise crítica pela crítica. Cair na asneira supina de

analisar obras de arte, não”, reclamam os editores do jornal num editorial que

rebate as críticas ao Jornal de crítica67.

A Capital, também um vespertino lisboeta, volta às bancas em 1968,

depois de sua edição ter sido interrompida em 1926. Conforme Joaquim Vieira

(1998, p. 275), este periódico é o que “mais se identificará com a época do

«marcelismo»”, observação feita, sobretudo pelo diário pertencer a um consórcio

financeiro-industrial, proposta do governo de Marcelo Caetano que defendia a

apropriação dos jornais por grupos econômicos. Com seus títulos garrafais, já

em 1970, sinalizava uma modernidade gráfica e visual em sua coluna Notas

críticas de espectáculos e possuía Eduardo Geada e José Vaz Pereira entre

seus comentadores de cinema. Durante certo tempo (início dos anos 70) havia

um suplemento cultural de cinema intitulado Cena sete que buscava um espaço

maior dedicado a análises dos filmes fugindo àquela crítica laudatária.

O Expresso, hoje o semanário de maior tiragem em Portugal, surge em

pleno período marcelista no ano de 1973. Caracterizado como liberal, “O

Expresso quer dizer o que os outros jornais não dizem, e o fato é que, de forma

explícita ou apenas sugerida, é um periódico que vai fazer a diferença” (Vieira,

1998, p. 275). Fazer a diferença também no que diz respeito ao espaço dedicado

às críticas de filmes. Por ser um semanário, seus diversos suplementos deram

um lugar significativo a análises das artes e sua equipe de colaboradores era

formada por respeitados nomes do jornalismo local. Ainda hoje, o suplemento

Actual é referência de bons comentários sobre os filmes exibidos na semana.

Como se vê pelo expressivo número de publicações, uma espécie de

fermentação cultural convivia com a adversidade da censura na sociedade

portuguesa de então. A censura era disciplinadora, mas pontual. Censuravam-se

alguns filmes, peças e textos jornalísticos, embora não se censurasse o cinema,

o teatro ou o jornal. É importante sublinhar que, de certa forma, o movimento do

67 República. 23.03.1971, p. 7.

115

Novo Cinema ganhou força neste ambiente de censura, por exemplo, com a

criação de cursos técnicos na área de cinema. Entre 1961 e 1964 organizou-se o

primeiro curso de cinema em termos profissionais pelo Estúdio Universitário de

Cinema Experimental no Centro Universitário de Lisboa, levando a renovação ao

setor (Pina, 1978, p. 44).

Sem dúvida, a Revolução dos Cravos será um divisor de águas na história

política e cultural do país. Com o desaparecimento da censura, os diários

lisboetas politizaram-se de tal forma que alguns deles dedicaram metade de

suas páginas às questões políticas. Como relata Joaquim Vieira (1998, p. 276):

“Os comunistas, com um setor de imprensa bem estruturado e organizado,

apoderam-se da linha editorial dos principais diários de Lisboa - «DN» e «O

Século» -, passando a controlar ainda o «Diário de Lisboa» e mantendo

considerável influência noutras redações, sobretudo na RTP”. Certamente que

este contexto irá também refletir-se no discurso da crítica de cinema e no próprio

Cinema português. Películas como O encouraçado Potemkine de Eisenstein e

Sofia e a educação sexual de Eduardo Geada encontram finalmente espaço

para sua livre exibição nas salas de Lisboa. Foram fervorosas as discussões

sobre novas leis no cinema e o papel do Estado neste processo, sobretudo por

conta das lutas partidárias inerentes ao período posterior à Revolução.

Um dado a salientar diz respeito a uma mudança na direção assumida

pela cinematografia portuguesa, dois anos após o 25 de Abril, com seu

distanciamento do filme comercial-popular. Segundo Luis de Pina (1978, p. 62):

“Foge-se deliberadamente ao filme «popular», acessível, comunicativo,

procurando fórmulas de interesse que vêm mais dos conteúdos culturais,

informativos ou polêmicos, procurando transformar o próprio público que,

progressivamente politizado, aceita propostas novas (caso de Deus, pátria e

autoridade, documentário de montagem) e estará em condições de aceitar um

cinema que lhe dê algo mais que o espectáculo de diversão a que

fundamentalmente o habituaram, como o vão habituando ao filme pornográfico e

erótico, que invadiu Portugal de roldão e acaba de ser limitado por decreto a

cinemas especiais, depois de sujeito a forte tributação em sua entrada”. Nota-se

116

a opção por um cinema como serviço público de intervenção em detrimento de

um cinema comercial e apelativo (sobretudo o cinema industrial americano) cada

vez mais criticado nas publicações especializadas e até mesmo nos periódicos,

como podemos observar neste trecho do comentário68 de Rui Afonso acerca do

filme São Bernardo de Leon Hirszman: Demasiadamente hermético, se não

mesmo com uma linguagem fora do acesso do espectador comum, o filme terá

de ser ilegível ao nível das grandes massas. O importante, todavia, é que

Hirszman utiliza o rigor histórico, a profundidade de análise, para que a realidade

social e política tratada seja uma demonstração de materialismo histórico e de

compromisso ideológico, com que o realizador levou o romance de Graciliano

Ramos para o cinema. Mais adiante, Rui Afonso mostrou-se indignado com o

pequeno número de espectadores na sala: (...) os espectadores presentes

contavam-se pelo número de sete. Sim, sete espectadores, para um dos

melhores filmes atualmente em exibição. Cinema político votado ao abandono,

enquanto obras execráveis como «O exorcista» esgotam lotações em três salas

ao mesmo tempo, apoiadas por uma campanha publicitária em forma.

Convém salientar que a crítica de cinema mais politizada, após o 25 de

Abril, clamava igualmente, por filmes populares (ou seja, filmes mais simples e

menos impenetráveis) discutindo a viabilidade de processos de produção e

exibição democráticos ao mesmo tempo em que reprovava o elitismo hermético

de certos filmes e da própria escrita da crítica. Nesta nova configuração política

de Portugal, o cinema deveria subordinar-se a um programa de educação

coletiva uma vez que, para os críticos, a “grande massa” não tinha condições

culturais para entender filmes mais complexos sendo necessário a produção de

obras que fossem mais facilmente compreensíveis. Entretanto, a contestação ao

cinema de vertente marcadamente comercial manteve-se. A questão era ser, ao

mesmo tempo, contra um cinema comercial rasteiro e apelativo (mas que

sempre foi bastante acessível) e a favor de um outro cinema engajado que, na

sua essência, fosse pró-comunicativo com o público.

68 Diário Popular. 18.11.1974, p. 4. Assinada por Rui Afonso.

117

Nesta fase, o afastamento e a crítica ao cinema comercial eram

respaldados pelas publicações francesas e inglesas que, por sua vez, também

defendiam um cinema mais “inteligente”, “reflexivo”, “artístico” para o espectador,

contrário àquele de mero entretenimento. O Cinema Novo brasileiro,

supostamente correspondia às expectativas da exigente crítica por ser

comprometido política e socialmente em desmistificar a exploração econômica

sofrida pelos povos, sobretudo aqueles que viviam nos países periféricos. A

experiência militante intrínseca a este cinema, apesar de certa resistência do

público, era bem acolhida pela crítica portuguesa: A presença, quase contínua,

em salas de Lisboa, de um tipo fílmico expressivamente marginal, e incidindo

sobre temáticas – à primeira vista – com valor documentarístico, porém

organizadas sob certa sequenciação que lhes confere força narrativa autônoma,

e um cunho mensagístico específico, não tem merecido, lamentavelmente, a

conveniente atenção do nosso público, malgrado as suas posições de

esclarecimento desejado e participação – aspectos que, inevitavelmente, hão-de

passar pelo cinema, sublinhava José de Matos-Cruz na revista Plateia69

referindo-se ao filme Os fuzis de Ruy Guerra. No mesmo comentário Matos-Cruz

acrescenta: Ora, tenho sabido que, pelo menos a nível de «exploradores» das

salas, na província, o que se pede para a capital é «fitas com mulheres nuas» e,

se possível, subtituladas com advertência de «cenas eventualmente

chocantes»...

Importante assinalar, ademais, que outra questão foi sinalizada tanto no

texto de Luis de Pina quanto no comentário de Matos-Cruz: a invasão do filme

pornográfico às salas de cinema lisboetas. Discussões férreas nas páginas das

revistas Plateia, Celulóide, Cinema 15 e também nos jornais, apontam para a

inclusão do tema na pauta do dia. Havia uma clara divisão entre aqueles

contrários a qualquer tipo de censura e outros favoráveis à definição de limites

entre o que seria erotismo ou pura pornografia. Entretanto, os críticos (mesmo

aqueles não favoráveis à censura) não reconheciam o cinema pornográfico

como digno de produção de resenhas críticas. Mais do que mero espetáculo,

69 Plateia. Nº 74, 29.04.1975, p. 63.

118

estes filmes não representavam a cultura cinematográfica para os críticos. O fato

foi que a freqüência às salas que exibiam este tipo de cinematografia aumentou

consideravelmente passando a questão também para o plano de mercado. Salas

como o Capitólio e o Olímpia especializaram-se no gênero que, até hoje,

curiosamente produz pouca ou nenhuma crítica.

2. Outras publicações de referência

O Jornal de Letras e Artes era exceção, pelo menos em termos de uma

literatura mais particularizada na área das artes. Publicação especializada na

divulgação literária e cultural, o JL funcionou durante os anos 60, depois disso só

retornando em 1981 (como Jornal de Letras, Artes e Idéias) com um sucesso de

vendas devido, sobretudo, à boa qualidade de seus textos e colaboradores como

Eduardo Prado Coelho e Eduardo Lourenço. As críticas e artigos (geralmente

adotando a forma de ensaio e crônica) sobre cinema davam mais atenção e

espaço para análise dos filmes em textos de Mário Jorge Torres, João Lopes,

Guilherme Ismael, Miguel Esteves Cardoso, entre outros. O fato é que nesta

publicação quinzenal, voltada para um público mais intelectualizado, abriu-se a

proposta de produção de idéias em todo o setor artístico. Neste sentido o jornal

era um grande formador de opinião para a sociedade lisboeta dos anos 80 e 90.

Sem dúvida, haviam outras publicações de importância significativa para a

cultura portuguesa desta época. Salientaremos, contudo, somente Seara Nova e

O Tempo e o Modo70, ambas agregadas normalmente à literatura, artes e ao

ensaísmo político-filosófico-histórico. Entretanto, “todas elas acabam por dedicar

significativas páginas ao cinema nacional e estrangeiro, alimentar críticas e

polêmicas de primeiro plano, sem as quais não se pode fazer um retrato fiel da

recepção ao cinema em Portugal” (Barroso, 2002, p. 1276).

3. As revistas especializadas

70 Vale citar que o crítico e futuro diretor da cinemateca portuguesa João Bénard da Costa foi diretor da O Tempo e o Modo que saiu de circulação em 1977.

119

Cinéfilo, Estúdio, Celulóide, Imagem, Filme, Plateia, Isto é Cinema, Isto é

Espectáculo, Cinema15, são títulos das variadas revistas especializadas em

cinema presentes em Portugal durante os anos 60 até aos anos 8071. As

publicações especializadas se distinguiam da crítica comum dos jornais, apesar

de alguns de seus críticos trabalharem também nos diários e semanários. De um

modo geral, estas publicações especializadas apresentavam textos que

misturavam juízos, análise e informação sobre os filmes e, juntamente com os

cineclubes, foram as primeiras em Portugal a aceitar a idéia do cinema enquanto

arte. Elas destinavam-se a um público mais restrito uma vez que, além de sua

tiragem ser menor, seus discursos solicitavam um conhecimento mais profundo

de seus leitores que não se satisfaziam apenas com a informação divulgada na

imprensa generalista. Alexandre Figueirôa ressalta que, embora partilhem o

mesmo suporte e espaço de divulgação, “as revistas especializadas diferem da

imprensa generalista pois são mediadoras que definem claramente seus

conteúdos e se dirigem a um setor específico e homogêneo do público” (2004, p.

84).

A imprensa especializada, de um modo geral, dá mais liberdade e

independência aos seus colaboradores críticos porquanto estes dispõem de

mais tempo e espaço para análise e não dependem tão fortemente dos editores

ou mesmo do órgão em que trabalham como os resenhistas dos periódicos de

grande circulação. Embora seja bom considerar que os críticos portugueses,

sejam os das revistas especializadas, sejam os dos jornais e semanários,

mantêm uma independência difícil de ser observada em outros centros urbanos

europeus ou norte-americanos. A Revolução dos Cravos foi um fator

essencialmente democrático para a construção dessa mentalidade independente

dos críticos. Nota-se isso pela pluralidade de opiniões visíveis nos textos, apesar

de certos traços retóricos serem os mesmos. Em todo o caso, é nas revistas

71 Durantes os anos 70, sobretudo após o 25 de Abril, o mercado editorial se expandiu com o surgimento de diversas revistas especializadas ou generalistas. Na década posterior o mercado se retrai e entra em crise com o encerramento de muitas publicações. (Perestrello; Amaro, 1993, p. 120).

120

especializadas72 onde os críticos exercem maior poder de manifestação na

escrita, na qual a informação, avaliação e opinião mesclam-se segundo critérios

mais bem definidos.

De acordo com Luís de Pina a imprensa cinematográfica portuguesa

dividia-se “entre as revistas «cinéfilas», que procuravam distinguir a forma, o

espectáculo, o gosto puro da imagem animada, e as revistas «culturais», que

defendiam um cinema mais culto, mais virado para a realidade do seu

culto” (1978, p. 76-77). No primeiro bloco podem ser inseridas a velha Imagem e

a Plateia. No segundo alinham-se as revistas Filme, Celulóide, Isto é cinema,

Cinéfilo. Pina salienta que ambas (cinéfilas ou culturais) tiveram um papel

marcante na cultura cinematográfica portuguesa, embora reconheça os pontos

fracos das publicações traduzidos numa “superficialidade de leitura” das

primeiras e na “falta de comunicação com o leitor” das segundas.

O fato é que as revistas Plateia e Celulóide foram as que mais se

destacaram tanto por seu longo tempo de existência como pela grande

tiragem73. A semanal Plateia tinha como diretor Baptista Rosa e seguia os

ditames comerciais hollywoodianos com apelo gráfico e textual bastante popular

e, como todas publicações, até 1974 era visada pela censura. Por isso mesmo,

cumpria bem seu papel de promoção dos filmes considerados não perigosos,

numa sociedade sem liberdade de expressão. A partir da liberação em meados

de 1974 a revista sofre duas grandes e aparentes transformações: primeiro a

aparição de fotos de mulheres seminuas, sobretudo artistas de cinema erótico e

pornográfico, na capa e nas páginas internas. O contexto, de fato, era de

liberação, e como dissemos acima, as salas de Lisboa viram-se cheias de filmes

do gênero numa espécie de efeito catártico após longos anos de ditadura. A

onda do “cine pornô” acompanhava também o cenário mundial, seja na França,

72 Vale observar que nas décadas de 80 e 90 com o recuo do mercado de revistas especializadas, o papel de fornecimento da análise mais apurada dos filmes foi transferido para publicações como JL e o semanário Expresso, que davam às editorias de cinema um lugar especial.

73 Plateia durou de 1951 até 1979 e em Julho de 1979 sua tiragem era de 25 mil exemplares. A Celulóide nasceu em 1957 e perdurou até 1986.

121

Itália ou no Brasil - a liberação sexual manifestava-se também no cinema. A

segunda mudança visível na Plateia está igualmente inserida no contexto da

segunda metade da década de 70: a forte presença da televisão e, sobretudo,

notícias relacionadas às telenovelas no espaço (inclusive publicitário) da

publicação tendo como conseqüência a drástica diminuição do espaço dedicado

ao cinema com a apresentação por vezes de apenas uma resenha crítica

concebida por José de Matos-Cruz. Outro detalhe é que no final da década a

revista faz uma reformulação gráfica e incorpora a fotonovela sobretudo com

artistas brasileiros. A veia popular-comercial da revista permanece até meados

dos anos 80, quando assume de vez seu cariz publicitário74.

Já a revista Celulóide, propriedade de Fernando Duarte, apresentava-se

como a “revista portuguesa de cinema” capaz de suprir a lacuna cultural no

jornalismo cinematográfico luso. Publicada mensalmente, seus textos discerniam

sobre teoria do cinema e crítica cujos comentários primavam por um discurso

híbrido que envolvia descrição, juízo, informação e análise dos filmes

confirmando uma aparente independência de seus críticos. Durante seu longo

tempo de vida a revista pequena no formato mas não no conteúdo teve que

conviver com a forte concorrência dos finais da década de 70. Em 1976,

Celulóide mudou de papel e diminuiu o número de páginas numa tentativa de

recuperação econômica apelando, no editorial, aos leitores por um maior número

de assinaturas 75 . Seu público leitor era mais homogêneo e a credibilidade da

revista a colocava na posição de formadora de opinião. Por isso mesmo, sofreu

também com o período da censura, apesar de manter a especialização na

abordagem do campo cinematográfico.

Enfim, estas publicações representavam a cultura cinematográfica

portuguesa traduzida por resenhas feitas para jornais, semanários ou revistas

especializadas que, ao mesmo tempo em que promoviam os filmes, funcionavam

74 Refere Luísa Perestrello e Aribal João Amaro (1993, p.120) que “(...) os 855 números de Plateia, repartida em duas séries, passam pouco a pouco do cinema ao espectáculo em geral, para terminar como uma publicação mais ou menos erótica”.

75 Celulóide. Nº 226, Junho de 1976, p. 1.

122

como uma fonte de influência para o leitor. Os anos que se seguiram a este

ambiente de produção editorial cinematográfica foram marcados por profundas

metamorfoses, com encerramento de alguns periódicos (Diário de Lisboa em

1990, Diário Popular em 1992) e de grande parte das revistas de cinema. Em

compensação, na década de noventa chegou ao mercado o jornal Público, que

veio amparado pelo cenário de maior profissionalização do setor jornalístico e de

grandes investimentos em grupos de mídia. A sua página dedicada à crítica de

cinema espelha-se na própria modernidade gráfica do jornal, com críticos mais

jovens como Vasco Câmara. Já quase no final da década, Lisboa recebe a

revista Première numa versão portuguesa da revista espanhola que por sua vez

é também uma versão da tradicional revista francesa de cinema, mas é

predominantemente nos jornais e semanários onde hoje se cultiva um jornalismo

cinematográfico em Portugal, sem esquecer, contudo, os sites de crítica

hospedados na internet.

Nos anos 80 e 90, a crítica de cinema lusa convive com estas mudanças

mais estruturais aliadas ao surgimento de alguns grupos de mídia que se

mostram cada vez mais fortes e concorrentes entre si. Um dado interessante a

nossa pesquisa é o fato de que o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias serão

adquiridos em 1992 pelo grupo Lusomundo originalmente vinculado à área de

distribuição cinematográfica e videográfica. Este dado poderia pressupor

questões éticas ligadas ao fato de como a crítica de cinema destes jornais lida

com a empresa que a contratou. Entretanto, apesar de muito interessantes,

estas questões estão fora do alcance de nossa investigação.

Quanto ao tipo de discurso da crítica, essas décadas representaram

(sobretudo a de 90 com o fim do sonho político comunista e a derrocada do muro

de Berlim) o remexer nas referências políticas e ideológicas daquela parcela da

crítica que via nos ideais do cinema realista a solução para “educar” os

espectadores. Por outro lado, grande parte da crítica que privilegiava os

aspectos estéticos, da linha da pesquisa formal da matéria fílmica, manteve-se

presente até dias atuais e mesmo preservando a independência de opinião

favorecida, em parte, pela pequena dimensão do mercado português, não quis

123

se desvincular de um passado ligado à crítica francesa e aos movimentos

cinematográficos referenciais da época.

124

Um cenário acolhedor aos filmes brasileiros

Este horizonte histórico que circundou a crítica de cinema em Portugal

teve efeitos na concepção ou imagem que os críticos portugueses perceberam

do cinema brasileiro da época, especialmente nos anos 60 e 70. Havia uma

espécie de boa configuração histórica para acolher esta cinematografia de modo

favorável, visto haver até mesmo familiaridade entre certas temáticas e

propostas do Cinema Novo brasileiro e aquilo que os críticos portugueses

defendiam. Mesmo com a existência de uma divisão evidenciada na crítica

portuguesa, especialmente nos anos 60 e 70, parece que o Cinema Novo

atendia aos dois lados da moeda uma vez que este movimento tanto defendia

uma intransigência política quanto estética.

Vivia-se numa atmosfera onde a receptividade aderente às novas

cinematografias era parte do caldo cultural que movia o discurso teórico do

cinema, sobretudo europeu, de então76. Após a Nouvelle Vague e o Neo-

Realismo, era o cinema do terceiro mundo que despertava as publicações

especializadas. Conforme Ismail Xavier (2003, p. 145): “No momento do alto

modernismo cinematográfico, digamos nos anos 60-70, qualquer proposta de um

cinema alternativo trazia um horizonte de mudanças que eram, ao mesmo

tempo, do cinema e da sociedade (e não era preciso vincular experimentos ou

vanguardas ao socialismo), pois fazer oposição e buscar o diferente era criar um

novo espaço institucional de discussão do cinema”. Em Portugal, o Novo Cinema

clamava por mudanças, por um cinema que defendesse suas raízes através de

pesquisa formal que valorizasse as experimentações da linguagem

cinematográfica. A forma era a matéria do cinema. Por outro lado, as questões

76 Ver mais sobre isto na obra de Alexandre Figueirôa Cinema Novo: a onda do jovem cinema e sua recepção na França. São Paulo : Papirus, 2004.

125

ideológicas estavam presentes nas discussões dos intelectuais, produto,

sobretudo, do contexto vivenciado pela sociedade portuguesa de então. Este

desdobramento de valorização estilística por um lado, e por outro, de

contestação política foi extremamente receptivo ao cinema brasileiro.

Como dissemos, as convenções institucionais das revistas especializadas

favoreciam a uma cobertura mais atenciosa do cinema em geral e do brasileiro

em particular, ao passo que os jornais, por limitações institucionais, não eram o

espaço mais adequado para a constituição de artigos ou dossiês sobre os

variados movimentos cinematográficos do mundo. Deste modo, as revistas

ocuparam um espaço mais permissivo a um tipo de discurso informativo e

argumentativo sobre as cinematografias em destaque na época (Figueirôa, 2004,

p.58-81). Consideremos, no caso da recepção ao cinema brasileiro, sobretudo

os textos generalistas das revistas Plateia, Celulóide e Seara Nova. A revista

Celulóide dava uma importância considerável ao cinema produzido no Brasil nas

décadas de 60, 70 e 80, inclusive com um corpo de colaboradores no qual se

destacava os nomes dos críticos Carlos Vieira e Adhemar Carvalhaes que

escreviam regularmente para a revista. Apesar de serem críticos brasileiros,

seus textos tinham uma dimensão informativa e por vezes de divulgação da

cinematografia brasileira para o público-leitor da revista portuguesa, sendo

assim, considerados relevantes em nossa investigação uma vez que estes

colaboradores mantinham o papel de promotores do cinema que se produzia

naquele país da América do sul. Foi dessa forma, então, que o leitor português

teve conhecimento das primeiras notícias sobre o movimento cinemanovista no

Brasil. Já em 1964, Jaime Rodrigues Teixeira escreve um artigo Uma abordagem

crítica do cinema novo brasileiro77 que, se por um lado contextualiza bem os

condicionantes externos e internos ao surgimento do Cinema Novo no Brasil,

não esclarece muita coisa a respeito das principais características e obras

daquele movimento, provavelmente porque na altura isto não estava bem

definido, uma vez que o movimento ainda ia a curso. Em todo caso, os leitores e

críticos portugueses travam contato com a nova experiência cinematográfica

77 Celulóide. Nº 84, Dezembro de 1964, p. 5-7.

126

brasileira ainda que um dos filmes mais representativos do movimento, Vidas

secas de Nelson Pereira dos Santos, só venha a ser exibido em 1966 aquando

do III Festival Internacional de Arte Cinematográfica de Lisboa. Somente um ano

mais tarde Vidas secas entra no circuito comercial.

Como já mencionamos, os textos generalistas dessas revistas não

seguiam um padrão homogêneo de escrita, cabendo a cada um de seus críticos

e colaboradores apresentarem critérios originais; mas, de um modo geral, estes

discursos agregavam informação e opinião. Em Junho de 1966 o editorial da

Celulóide78 clamava por um Cinema Novo luso-brasileiro. Com uma frase de

efeito persuasivo logo nas primeiras linhas: O Cinema Novo é um fenômeno

universal, o texto não só acolhe o Cinema Novo brasileiro, mas clama por uma

partilha entre este movimento e o Novo Cinema português: Em Portugal e no

Brasil, um Cinema Novo de língua portuguesa, fala uma linguagem universal e

vai, com certeza, vencer. Comparando Verdes anos de Paulo Rocha, Belarmino

de Fernando Lopes, Catembe de Faria de Almeida, Domingo à tarde de António

de Macedo com Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha, Os fuzis de

Ruy Guerra, ou Vidas secas de Nelson Pereira dos Santos, o editorial defende

um Cinema Novo Luso-Brasileiro e apela aos distribuidores por uma exibição

mútua de filmes portugueses no Brasil e brasileiros em Portugal. A identificação

(ainda que isto provoque questionamentos) e o acolhimento da cinematografia

brasileira pela revista revelam a boa imagem que o cinema brasileiro detinha em

território luso no período, além, naturalmente da proposta de promoção do

movimento cinemanovista.

Com uma coluna dedicada ao cinema brasileiro que se estendeu até os

anos 80, a Celulóide procurava fornecer panoramas de cinemas considerados

periféricos ao grande epicentro comercial hollywoodiano. A revista, através da

organização de seu discurso e de suas temáticas chamava a atenção de seus

leitores para estes cinemas revolucionários, de vanguarda política e estética cuja

afinidade com a nova cinematografia portuguesa era de se esperar. Esses textos

78 Celulóide. Nº 102, Junho de 1966, p. 1-2.

127

generalistas publicados na Celulóide foram fortemente marcados pelo contexto

que os cercavam seja na efervescência intelectual da reflexão sobre a

necessidade de um Novo tipo de cinema, seja na concepção de que este Novo

cinema poderia promover o despertar da consciência crítica da sociedade. Boa

parte da crítica lusa considerava o Cinema Novo um cinema político por

excelência, o que estava de acordo com a visão de resistência ideológica da

crítica, cuja politização fazia parte do mapa histórico europeu. A situação de

miséria e a exploração do homem no nordeste brasileiro, temas ligados aos mais

representativos filmes do Cinema Novo (Vidas secas, Os fuzis e Deus e o diabo

na terra do sol), foram emblemáticos para desconstruir a visão elitista, burguesa

e urbana dos filmes americanos.

É fato que os filmes brasileiros, não só neste período mas até os dias

atuais, são em sua grande maioria exibidos em festivais ou mostras

retrospectivas promovidas por instituições ligadas às artes e ao cinema em

particular. O crítico Francisco Perestrello expõe na Celulóide79 seu

descontentamento com a fraca exibição de filmes brasileiros no circuito

comercial das salas lusas: Há, portanto, que promover o cinema português e

brasileiro, os dois únicos da nossa língua, não tanto forçando e obrigando a sua

projeção - fórmula que beneficiará por igual bons e maus filmes – mas,

sobretudo, pela sua promoção através de iniciativas bem fundamentadas e

continuadas no tempo, capazes de resultar numa sã publicidade, atraindo a

atenção do público e centrando o seu interesse. Dados de nossa pesquisa

comprovam que, na década de 60, apenas seis filmes brasileiros entraram no

circuito comercial.

Entretanto, este clamor não deixava de elevar uma cinematografia que,

mesmo escassa em filmes exibidos comercialmente em território luso, já

conseguira sua “cidadania dentro da república do cinema”, nas palavras de

Ismail Xavier, já deixara sua marca em festivais nacionais e estrangeiros. E a

marca era boa, sobretudo, a do Cinema Novo e as figuras de Glauber Rocha,

79 Celulóide. Nº 196, Abril de 1974, p. 13.

128

Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra. Há aí uma idéia de que somente o

Cinema Novo representava o cinema brasileiro.

Ademais, este circuito de “cinema de arte” é muito eficiente em

interlocução com a cultura dos festivais e das mostras nas universidades e

cinematecas. No caso específico do Cinema Novo, os canais de divulgação

eram primordialmente estes em que participavam, sobretudo cinéfilos,

formadores de opinião e um público fiel com grande poder de legitimação dos

movimentos culturais. O 1º Festival do Cinema Brasileiro em Portugal, assim

como a 1ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro e a 1a Semana do Cinema

Brasileiro, atuaram como canais de disseminação e legitimação do cinema

brasileiro e que apesar de certos problemas, expunham, por vezes em primeira

mão, filmes já relativamente famosos mas desconhecidos do público português

(Tabelas 1, 2 e 3).

Tabela 1: Filmes exibidos no 1o Festival de Cinema Brasileiro – 17 a 24 de Março.

Φιλμε ΑνοA vida provisória 1971Antes, o verão 1971As amorosas 1971Copacabana me engana 1971Fome de amor 1971Juliana do amor perdido 1971Macunaíma 1971Memória de Helena 1971O diabo mora no sangue 1971Os cafajestes 1971Os deuses e os mortos 1971Panorama do cinema brasileiro 1971Proezas de satanás na vila de leva-e-traz 1971Senhores da terra 1971

Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa.

129

Tabela 2: Filmes exibidos na 1a Retrospectiva do Cinema Brasileiro – 08 a 22 de Março.

Φιλμε ΑνοA falecida 1972A grande cidade 1972A hora e a vez de Augusto Matraga 1972Asilo muito louco 1972Ganga Bruta 1972Macunaíma 1972Na garganta do diabo 1972O cangaceiro 1972António das mortes 1972São Paulo S.A. 1972Sinhá Moça 1972

Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa.

Tabela 3: Filmes exibidos na 1a Semana do Cinema Brasileiro – 10 a 14 de Dezembro.

Φιλμε ΑνοA compadecida 1973A selva 1973Missão: matar 1973Tati, a garota 1973Um anjo mau 1973

Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa.

Na ocorrência do 1o Festival realizado em Lisboa (cinemas Império e

Estúdio) entre 17 e 24 de Março de 1971, a repercussão foi marcada pela ampla

cobertura da imprensa e a avaliação de críticos sobre o evento organizado e

patrocinado pela embaixada do Brasil em Lisboa. Com salas sempre cheias, o

Festival pecou, segundo a crítica, sobretudo em dois pontos: por sua

desorganização no cumprimento da agenda dos filmes e pela ausência de obras

significativas do Cinema Novo brasileiro. Afonso Cautela registra este

descontentamento no Diário Popular: Em prosa publicada no último número de

«O Século Ilustrado», Fernando Dil escrevia que do programa do Festival de

Lisboa, apenas dois filmes, «Os Herdeiros» e «Macunaíma» se enquadravam na

130

linha do cinema novo brasileiro, e àqueles juntava, numa segunda linha, «Fome

de Amor», «Os Deuses e os Mortos», «Vida Provisória» e «Memória de

Helena»80. De fato, a ausência de importantes filmes do movimento e, sobretudo

de Glauber Rocha foi motivo de protesto neste festival. Por outro lado, e mesmo

com a ausência de obras significativas, a presença de filmes brasileiros inéditos

em território luso contribuiu para uma maior divulgação do Cinema Novo. No

Diário de Lisboa, o crítico Oliveira Pinto publicou vários artigos (um total de sete,

todos no mês de Março de 1971) sobre temas relacionados ao Festival, mas

sobretudo sobre o Cinema Novo, inclusive acompanhados por entrevistas com

realizadores participantes do movimento. Já o crítico Carlos Pina expressa que,

para lá da realidade sócio-política de um país heterogêneo, este primeiro festival

do cinema brasileiro poder-nos-á abrir diversos outros caminhos. A visão de um

Brasil «sui generis» (que a maior parte dos portugueses ainda possui) poderá

ser substituída agora pela percepção de algo muito forte que esse mesmo Brasil

já produziu ou (o que é mais importante), por aquilo que ainda tem para nos

dar81.

Um ano após este 1o Festival, outro evento marca a presença e promoção

do cinema brasileiro em Lisboa. Trata-se da 1a Retrospectiva do Cinema

Brasileiro realizada entre 8 e 22 de Março de 1972 na Cinemateca Nacional

(Palácio Foz), também organizada pela embaixada do Brasil em Lisboa. Tal

como o 1o Festival, esta Retrospectiva teve uma grande afluência de público:

Ontem aconteceu o que muita gente julgaria impossível. Às primeiras horas da

manhã, várias centenas de pessoas, sobretudo rapazes e raparigas, formavam

bichas que enchiam os passeios contíguos ao Palácio Foz, esperando conseguir

bilhetes para assistir a um filme admirável chamado «Macunaíma» (...)82, referiu

o crítico Carlos Pina. E, ao contrário do ano anterior, foi exibido pela primeira vez

em Portugal uma obra de Glauber Rocha: Antônio das Mortes, o que

efetivamente contribuiu para uma maior discussão acerca do Cinema Novo. Em

80 Diário Popular. 21.03.1971, p. 3. Assinada por Afonso Cautela.

81 Diário de Notícias. 17.03.1971, p. 8. Assinada por Carlos Pina.

82 Diário de Notícias. 18.03.1972, p. 8. Assinada por Carlos Pina.

131

1973, ainda realizou-se mais uma Semana do Cinema Brasileiro (entre 10 e 14

de Dezembro de 1973). Entretanto a tentativa de manter o evento na agenda

cultural não foi bem sucedida nos anos posteriores devido a diversos fatores

contextuais (como a reorganização do setor cinematográfico português no

período pós-Revolução de Abril), embora por outras vias, a presença de Glauber

Rocha em Lisboa, como adiante descreveremos, tenha reforçado o processo de

divulgação do movimento cinemanovista brasileiro.

Além dos festivais, os dossiês, prática comum em algumas revistas,

também cumpriam o papel de exposição dessas novas cinematografias. Em

1965 a Seara Nova83 publica Descoberta dos Cinemas da Fome, onde o Cinema

Novo brasileiro é encarado como uma verdadeira revolução, comparável à do

neo-realismo na Itália. O texto acentua o caráter de compromisso social e

autenticidade do movimento que busca defender as raízes nacionais e refletir

sobre o “cinema da fome”, numa clara alusão ao manifesto de Glauber Rocha.

Apesar de demonstrar certo desconhecimento nos dados apresentados (como

chamar Ruy Guerra de um realizador negro e afirmar que no Brasil há uma

ausência de preconceitos raciais) Michel Capdenac mostrou sua defesa de um

cinema contemporâneo, de vanguarda estética e política, cinema este que já

contrastava com o declínio artístico das cinematografias mais desenvolvidas, um

cinema da fome.

O artigo de Capdenac sinaliza a tendência da crítica de cinema européia,

em particular à francesa, em “descobrir” e apoiar cinematografias originárias do

terceiro mundo, num período em que os críticos franceses viam a Nouvelle

Vague como um movimento já em declínio (Figueirôa, 2004). O texto de

Capdenac sinaliza também um texto engajado favorável à onda de um cinema

militante que verá seu apogeu nos anos 70, consoante o perfil editorial da Seara

Nova de inclinação marxista.

A popular Plateia seguia também a tendência de boa acolhida para com o

83 Seara Nova. Nº 1437, Julho de 1964, p. 216-217. O texto parece ser a tradução de um artigo do crítico francês Michel Capdenac, aqui considerado pelo seu teor de divulgação do movimento cinemanovista em Portugal.

132

cinema brasileiro, sobretudo na década de 70. A publicação dedicou um espaço

ao cinema brasileiro em Portugal e a passagem de Glauber Rocha84 por Lisboa,

atraído pelo 25 de Abril, foi registrada pela revista que exibe um bilhete

manuscrito de Rocha com uma mensagem aos cineastas portugueses. A boa

recepção da crítica ao cineasta foi notória com a exibição de seu filme Terra em

transe, liberado após a queda da censura. Sem dúvida, como já enfatizamos,

após a Revolução dos Cravos as publicações abriram-se para os cinemas mais

politizados e a Plateia publicava diversos dossiês. Num deles85, a revista dedicou

13 páginas ao cinema brasileiro e apesar de mostrar as novas inclinações desta

cinematografia, como a comédia de costumes ou o cinema marginal, o fez

sempre comparando ao Cinema Novo. Teresa Barros Pinto, no artigo Uma

personalidade ímpar do cinema brasileiro86, reconheceu as dimensões não

somente políticas mas também estéticas visíveis nas obras de Glauber Rocha:

Mas, pretender confinar o filme de Glauber Rocha a uma leitura exclusivamente

política da realidade brasileira, seria ignorar toda a riqueza e imaginação do seu

cinema, e seria, certamente, deturpar a verdadeira dimensão do seu

pensamento e da sua prática cinematográfica. O Cinema Novo agradava a

gregos e troianos, à crítica militante e à crítica formalista, à Positif e aos Cahiers

du Cinéma, à Seara Nova e à Plateia.

As entrevistas com realizadores brasileiros também complementavam

este quadro de abertura e receptividade ao Cinema Novo. Encaixadas

geralmente no momento de estréia de algum filme, as entrevistas funcionavam

como canal de aproximação (também para aos críticos) não só das películas

propriamente ditas mas de toda a obra do realizador entrevistado. Refira-se que

os próprios realizadores através das entrevistas, ou mesmo por outra via de

84 Plateia. Nº 694, 18.05.1974, p. 24. A mensagem de Glauber: “Os cineastas portugueses devem superar as divisões provocadas por 50 anos de fascismo e atingir a unidade econômica e política que é o fator revolucionário fundamental. O grande mestre do cinema português é Manuel de Oliveira. E os jovens serão guiados por sua luz. Em Portugal nascerá o cinema novo dos anos 70”. Glauber Rocha, nesta mesma época, participa do filme coletivo As armas e o povo junto com uma série de realizadores portugueses como Fonseca e Costa, Eduardo Geada, João César Monteiro, Luís Galvão Telles, António-Pedro Vasconcelos e outros.

85 Plateia. Nº 748, 03.06.1975.

86 Plateia. Nº 748, 03.06.1975, p. 62.

133

contato com a crítica, operavam como amplificadores dos ideais deste Cinema

Novo. Glauber Rocha, certamente foi o maior deles a partir de seu manifesto A

Estética da Fome87. Glauber Rocha dava com certa frequência entrevistas a

revistas de cinema francesas e italianas com o objetivo de divulgar o seu

“cinema da fome” e pelo menos uma delas foi traduzida e publicada em Portugal

pelo crítico A. Roma Torres na coletânea Cinema, arte e ideologia, em 197588.

Estes realizadores e seus projetos conformavam-se com a política dos

autores ao mostrar unidade formal e agregações temáticas de suas obras. Para

Eduardo Geada (1987, p. 143), “Uma vez que a crítica procura desvendar e

valorizar o discurso pessoal do realizador, não é de estranhar que a maioria das

revistas da especialidade e da imprensa em geral reserve pelo menos tanto

espaço às entrevistas e as biofilmografias como à análise de filmes. Se a

entrevista assume um papel complementar da crítica nas seções especializadas

é precisamente porque ela permite ao crítico decifrar na origem as intenções do

autor caucionando deste modo as suas próprias opiniões”. Ou seja, o crítico, ao

dispor da entrevista, garante entre outras coisas, mais autoridade à sua fala.

Outros meios de comunicação como as antologias também serviram para

credibilizar e promover o Cinema Novo em Portugal. Um deles 89 traz a tradução

de um texto de Glauber Rocha publicado nos Cahiers du Cinéma, intitulado O

cinema tricontinental. Neste texto Glauber defende os cinemas da Ásia, África e

América Latina e procura explicar, à sua maneira barroca, o que é o Cinema

Novo entendido como um cinema cuja estética tem mais relações com a

ideologia do que com a técnica. Nesta mesma antologia, destaca-se o artigo A

batalha do novo cinema de Louis Marcorelles, crítico dos Cahiers du Cinéma que

87 Tese apresentada durante as discussões em torno do Cinema Novo, por ocasião da retrospectiva realizada na Resenha do Cinema Latino-Americano em Gênova, Janeiro de 1965.

88 Trata-se da entrevista intitulada “Estética de fome e cinema de arte”, tradução da entrevista que Glauber forneceu aos Cahiers du Cinéma, N. 214, Julho e Agosto de 1969 e que foi publicada em Portugal por Roma Torres (1975, p. 242-255).

89 Cadernos de Cinema: Novo Cinema, Cinema Novo. Lisboa : D. Quixote, 1968. p. 75-86.

134

mais promoveu, discutiu e “inventou” o Cinema Novo na França90. Marcorelles

chama a atenção da crítica para os jovens cinemas brasileiro, canadiano,

húngaro, tchecoslovaco, grego, etc. Estes teriam em comum um “orçamento

ridículo”, ambições políticas, contexto próprio fora de Hollywood, um estilo

desconcertante, uma desordem formal que não devia ser desprezada pelos

críticos mais tradicionais. É interessante perceber como estas publicações

avalizadas por seu apelativo corpo de colaboradores conferia autoridade à

informação sobre essas cinematografias. Esta autoridade (necessária, diga-se,

uma vez que o cinema buscava a dignidade da Literatura ou do Teatro) em

certos casos era respaldada por intelectuais portugueses como Eduardo

Lourenço, que escreve o ensaio O Cinema Novo e a mitologia brasileira91 por

ocasião da Semana do Cinema Brasileiro em Nice, em 1967.

Neste ensaio Eduardo Lourenço afirma que este jovem cinema possui um

traço marcante de “honestidade” e “impressiona antes de tudo por esse tom de

íntima comunhão com a matéria abordada, sertão ou realidade citadina, filhos de

uma autenticidade crítica e de uma seriedade junto das quais proezas de outro

gênero e de outro alcance chegam a parecer suspeitas. Sem dúvida o segredo

desta seriedade se deve à atitude ideológica e à crítica aprofundada a que esses

jovens cineastas submeteram o cinema brasileiro anterior enquanto elemento

alienante da visão brasileira de Brasil”. E mesmo reiterando a atitude crítico-

ideológica do movimento, Lourenço não deixa de evidenciar também uma

diversidade “ao nível estético decisivo, o da forma através do qual os singulares

elementos se revelam”. Este perfil original de composição formal e temática e a

criação de uma linguagem combinada com a carência de recursos financeiros

complementavam-se aos desejos do pensamento da crítica cinematográfica da

época.

Resta ratificarmos o pressuposto de como este horizonte contextual vivido

90 Ver mais sobre a importância de Louis Marcorelles na divulgação do Cinema Novo na França no livro de Alexandre Figueirôa. Cinema Novo: a onda do jovem cinema e sua recepção na França. São Paulo: Papirus, 2004.

91 Republicado em português no catálogo do ciclo do cinema brasileiro, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1978.

135

pela sociedade portuguesa foi favorável à boa recepção do Cinema Novo

brasileiro. As revistas especializadas tornaram-se um território de

reconhecimento e legitimação deste novo movimento cinematográfico, sobretudo

pela identificação com as idéias estéticas e políticas, transfiguradas numa crítica

livre que ora era engajada ora era formalista mas que partilhava a mesma

aversão ao cinema popular-comercial. A imprensa cinematográfica no pós 25 de

Abril abriu-se mais ainda a novas cinematografias e desempenhou um papel

considerável na aceitação e promoção do cinema de arte e de experimentação.

Convém lembrar, ademais, que foi nos anos 50 e 60 que a crítica mais sustentou

e alimentou a artisticidade do cinema, visto até então, pela maioria dos

espectadores como mera distração. E ainda que sua influência sobre o circuito

comercial de um filme tenha sido tímida, o valor desses textos discursivos foi

notável sobretudo para informação e difusão de um cinema até então pouco

conhecido.

A instauração de um “cinema moderno” punha em xeque o critério de

continuidade clássica e revelava seu descompromisso com a linguagem oficial e

com a lógica linear. Este instante de ruptura na história do cinema alimentava os

debates na crítica que, de um modo geral, acolhia a ebulição dos novos cinemas

os quais, pelo menos por um tempo, incorporavam esta linha moderna de

invenção.

O solo histórico-social em Portugal vivia sob a efervescência da mudança

de paradigmas e cabia aos jovens (cineastas) propor algo que desanuviasse o

desencanto que uma parcela da crítica teve em relação ao fim do Neo-realismo

italiano e ao vertiginoso crescimento do cinema comercial. A imprensa

cinematográfica como meio de circulação de informação respaldava a

necessidade pelo Novo e as novas cinematografias com suas propostas

intransigentes eram muito bem vindas. Com efeito, não era difícil verificar que os

filmes do movimento cinemanovista propunham transformações estéticas e

políticas e suas imagens reafirmavam a denúncia de uma realidade social

injusta. Foi neste contexto de produção que o discurso da crítica portuguesa se

pautou muitas vezes por uma descrição da realidade social brasileira baseada

136

no conteúdo dos filmes, privilegiando o elemento narrativo, como veremos

adiante na análise das resenhas.

No plano internacional, as circunstâncias foram também favoráveis com a

importância que a crítica francesa (dos Cahiers du Cinéma a Positif) dedicava

aos novos cinemas e a contestação cada vez mais feroz ao cinema mercantil

produzido em Hollywood, juntamente com a crescente politização dos

intelectuais europeus do período que viam no cinema de arte uma opção

pragmática de fazer valer a revolução social.

Convém adicionar que este leque contextual que circulava e formava o

horizonte de expectativas da crítica portuguesa e sua boa recepção aos filmes

brasileiros foi determinante na tentativa de compreensão da imagem do cinema

brasileiro em Portugal neste período. Imagem que certamente marcará toda a

sua história em solo português até os dias atuais.

Por fim, acreditamos ser necessária e essencial a reflexão sobre o que

efetivamente constituía e proclamava o Cinema Novo brasileiro. Sua forma

emblemática de ver o mundo política e esteticamente, carregada de simbolismos

e alegorias sobre o que seria um cinema militante do subdesenvolvimento é o

que propomos destacar no capítulo a seguir.

137

1. O Cinema Novo brasileiro: uma experiência moderna

Tupi or not tupi, that's the question.

Oswald de Andrade

Problemas, impasses e paradoxos. É este o contexto em que se insere o

Cinema Novo no Brasil nos anos 60. Problemas que o cinema brasileiro

carregava deste os anos precedentes, como a falta de financiamento para a

produção e distribuição das películas, impasses diante de um projeto de cultura

nacional-popular e o paradoxo da justaposição do arcaico com o moderno numa

cinematografia até então marcada essencialmente por convencionalismos.

Todavia, dentro deste mesmo contexto rico e tumultuado, a condição do Cinema

Novo é muito peculiar, fortemente assinalada pela postura de conscientização,

própria dos projetos da época.

O primeiro sinal de mudança veio em 1955 com Rio, 40 Graus de Nelson

Pereira dos Santos, considerado como o filme precursor e inspirador do

movimento. A história recheada de humanismo da vida cotidiana de uma favela

no estado do Rio de Janeiro era a representação possível da presença da

temática nacional com inspiração popular. A forma crua e realista com que

Nelson Pereira filmou, além da novidade em termos de produção - o sistema de

cotas92 que demonstrava a possibilidade de feitura de um filme fora dos

domínios dos grandes estúdios e das grandes produções - acarreta uma

contribuição imensa para o cinema brasileiro do período93.

92 O filme foi realizado em esquema de cooperativa por um grupo de jovens (atores, produtores e técnicos não profissionais) durante quase um ano e foi fortemente influenciado pelo cinema neo-realista de Rosselini e Cesare Zavattini.

93 O historiador do cinema brasileiro Fernão Ramos (1987, p. 306), em Os novos rumos do cinema brasileiro, diz que o que mais nos impressiona ao vermos o filme hoje é “a volúpia que a câmara sente pela imagem do popular, do favelado, de um universo que não era absolutamente o do diretor e da equipe, mas que exerce neles um fascínio doce e insistente. O filme é a exaltação e o deslumbramento de uma imagem ainda desconhecida e que fascinará de forma intensa mais de uma geração de cineastas brasileiros”.

138

Posteriormente, seguem-se outras produções importantes como Rio, Zona

Norte (1957) também de Nelson Pereira dos Santos e O grande momento (1958)

de Roberto Santos, obras que apostavam sobretudo na substituição do modelo

industrial dos estúdios (Vera Cruz) pela crença na produção independente de

filmes modestos. Nestas e noutras produções já eram visíveis os traços do Neo-

realismo italiano94.

Após uma série encontros e discussões teóricas nos cineclubes, nas

universidades e na imprensa especializada, surgiram os primeiros contatos não

muito regulares e sem propostas muito definidas, banhados pelo sucesso do

cinema Neo-realista na Itália e pelo engatinhar da Nouvelle Vague francesa.

Desses encontros, do qual participavam nomes como Nelson Pereira dos

Santos, Ruy Guerra, Glauber Rocha, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman,

Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e tantos outros, reclamava-se por

um cinema “legitimamente brasileiro” capaz de descobrir, conhecer, interpretar e

revelar a realidade social do país. O projeto era ambicioso, mas os resultados

mostraram ser possível a sua concretização. Pelo menos por um tempo.

Já no início da década de 60, películas com tônica documentarista cuja

precariedade dos meios de produção é vista, paradoxalmente, como uma de

suas principais qualidades, revelam imagens do nordeste brasileiro portadoras

de uma crueza incômoda, captadas por câmeras sem filtros que acentuavam a

clima solar do sertão nordestino. Arraial do cabo de Paulo César Saraceni e

Aruanda do diretor Linduarte Noronha, ambos concluídos em 1960, são

exemplos deste itinerário inicial de um movimento ainda indefinido mas que

acolhia a força da realidade capturada pela câmera destes diretores. Em 1963,

Glauber Rocha publica Revisão crítica do cinema brasileiro, obra na qual o autor

dispara críticas contundentes às formas de espetáculos convencionais

realizadas na cinematografia brasileira desde o início do século (poupando

94 Nelson Pereira dos Santos (apud Vianny, 1999, p. 483) confirma: “A grande influência que recebemos foi do Neo-realismo. A gente descobriu que podia fazer um cinema no Brasil sem estúdios gigantescos, sem grandes capitais, com equipamento leve. As histórias saíam da própria realidade, enfim todos aqueles ensinamentos. E principalmente a idéia de transformação social, que era o mais importante e que o Cinema Novo herdou e fez”.

139

somente Humberto Mauro), já vislumbrando os primeiros passos do Cinema

Novo, seus principais objetivos e princípios estéticos. Estes objetivos e princípios

ancoravam-se num projeto de cinema nacional, popular, com baixo orçamento

mas de elevado nível artístico e possuidor de uma expressão moderna,

integrado na realidade brasileira.

O projeto de Glauber a favor da nacionalização da expressão

cinematográfica brasileira vai guiar a estética cinemanovista da época: os

modelos da linguagem clássica do cinema, sobretudo do cinema norte-

americano de narrativa linear, deveriam ser quebrados e abandonados. Como se

viu posteriormente, não foi possível levar às últimas conseqüências a

concretização deste projeto, sendo esta talvez uma das maiores contradições do

movimento: um discurso anticinema clássico e uma prática não tão contrária à

linguagem deste cinema. Glauber Rocha foi certamente o que mais se

aproximou desta cisão ao buscar a descontinuidade e explicitar as fraturas

espaços-temporais da narrativa em seus filmes.

O horizonte social e histórico do Brasil neste período foi emblemático na

cristalização das potencialidades do movimento cinemanovista. Na década de 50

o país atravessava ideologicamente a euforia nacional-desenvolvimentista,

sobretudo em alguns setores da indústria brasileira: “A década de 1950 havia se

definido como o momento de maior vigor da chanchada e de enterro precoce de

um incipiente ‘cinema industrial’ brasileiro, num contexto em que se viu a

afirmação crescente de um projeto nacional popular, alimentado pela

esquerda” (Xavier, 2001, p. 27). Este período também é perpassado pela idéia

de subdesenvolvimento como opositora, mas presente, no projeto do nacional

desenvolvimentismo brasileiro. Sobretudo no cinema, o subdesenvolvimento

crônico que o crítico Paulo Emílio Salles Gomes teorizou, vinculado ao conceito

marxista de “alienação”, já era tema tratado pelo diretores no início dos anos 60.

Apesar de tudo, havia um otimismo em relação à criação de um modelo de

desenvolvimento do qual o cinema traduzia esse desejo de ser o canal de

expressão do povo brasileiro, de suas mitologias e culturas regionais.

140

Esta vontade positiva, entretanto, dá lugar a um desencanto com o golpe

militar ditatorial em 1964. Um golpe que atingiu o epicentro de um movimento

cultural em plena ascensão. Ao regime político conservador, autoritário e com

interesses multinacionais no mercado foi acrescentada uma ação censória que

envolvia os filmes, as peças de teatro, as artes plásticas e naturalmente a

imprensa. Tal como em Portugal na ditadura salazarista, foi instalado um clima

encorajador da autocensura culminando, após sucessivos atos institucionais,

com o total fechamento em 1968, ditado pelo Ato Institucional nº 5, o famigerado

AI-5, que atingiu uma grande fatia da produção independente de diretores

ligados ao chamado cinema marginal e adiou a circulação de vários filmes até

1979.

Ismail Xavier (2001, p. 57) resume bem o contexto sócio-econômico do

Brasil ao assinalar que a modernização conservadora instaurada pelos militares

uniu “expansão industrial e arrocho salarial, crescimento urbano e favelização,

alterou o perfil dos empregos, com maior presença na esfera administrativa e

das comunicações, combinou a deterioração da qualidade de vida na cidade e

no campo com a adaptação do capitalismo brasileiro à ordem internacional”. Por

outras palavras, alargou o paradoxo do Cinema Novo de retratar um país que

vivia (e ainda vive) a sobreposição do arcaico com o moderno.

Fernão Ramos (1987) aponta para aquilo que poderia ser a divisão em

fases do movimento cinemanovista no Brasil. São três momentos possuidores de

fortes discursos ideológicos e filmes emblemáticos com perfis comuns entre si.

Na primeira fase destacam-se os filmes Deus e o diabo na terra do sol (Glauber

Rocha, 1963), Os fuzis (Ruy Guerra, 1963) e Vidas secas (Nelson Pereira dos

Santos, 1963). Sobre esta fase declara Fernão Ramos: “A primeira trindade

correspondendo à produção de 1963, é marcada pela imagem realista do

nordeste seco e distante, do povo nordestino e sua condição de explorado, pela

ausência do habitat natural dos próprios cineastas (jovens de classe média

urbana) e pela presença de todo um questionamento do universo apresentado

através de um personagem que tem como função servir de correia transmissora

às angústias e dilemas do jovem urbano, sem que este apareça em si mesmo

141

como personagem dentro do universo ficcional” (1987, p. 348).

De fato, estas obras marcaram significativamente o Cinema Novo, não só

no Brasil, também no cenário internacional e talvez por isto estas obras são as

que mais representem o movimento no imaginário cultural nacional e

internacional. Em Portugal estas películas foram exibidas com certo atraso.

Vidas secas, ainda na década de 60, mas Deus o diabo e Os fuzis somente na

década posterior. Entretanto, elas já eram bem conhecidas pelos críticos uma

vez que já tinham sido premiadas em festivais internacionais, sobretudo em

Cannes, Veneza e Berlim. A representação de um Brasil remoto e ensolarado

onde se podiam prever conflitos políticos nunca tinha sido exibida de forma tão

contundente e franca como nestas obras. Esta “trilogia do sertão”, para Ismail

Xavier, inaugura uma fase extremamente original no cinema brasileiro, com

apropriação de elementos do cinema moderno “ocorrida em Vidas secas, com

sua ação rarefeita e sua escassez de som, notável, original; em Os fuzis, com

sua estrutura dramática estranha ao naturalismo; e em Deus e o diabo, forte

matriz de um cinema-ritual, reflexivo, ativado por uma câmera na mão, tensa e

em movimento, e por uma montagem de rupturas, desequilíbrios e

contrastes” (2001, p. 65). Nesta fase, a tese-manifesto de Glauber Rocha Uma

estética da fome vem ratificar a proposta do movimento de aliar o cultural ao

político, não apenas dentro de um cenário brasileiro mas num contexto do

subdesenvolvimento mundial. As metáforas do cinema político do terceiro mundo

deveriam constituir-se numa recusa do cinema dominante industrial. A violência

imposta, sobretudo no estilo, se mostrava “contra o paternalismo do europeu em

relação ao terceiro mundo”, que seria combatido pelo choque de imagens

preocupadas com a “verdade” sem exotismos nem folclore: “é preciso negar a

universalidade de uma técnica para afirmar um estilo em conflito com as

convenções vigentes; é preciso assumir a precariedade de recursos e inventar

uma linguagem que, no plano da cultura, seja uma negação revolucionária tão

legítima quanto a violência do oprimido na práxis histórica” (Xavier, 2001, p.

131).

A segunda fase assinalada por Ramos compõe-se dos filmes Terra em

142

transe (Glauber Rocha, 1967), O desafio (Paulo César Saraceni, 1965) e O

bravo guerreiro (Gustavo Dahl, 1968). Após o golpe militar de 1964, o dilema do

jovem de classe média diante de um contexto ideológico perverso passava a ser

a temática marcante deste período. As questões urbanas aparecem nas

narrativas dos filmes sempre envoltas de uma configuração política de

desencanto. Era necessário fazer um diagnóstico, expressar perplexidade face a

uma nova conjuntura da derrota das esquerdas. Foi a fase da autocrítica e do

mea culpa do Cinema Novo. Aliado a esta nova configuração, havia a ansiedade

da comunicação com o público. Infelizmente, esta preocupação com a fruição

dos filmes ficou mais como uma palavra de ordem nos textos do que uma

realidade visível nos filmes. A resposta do público não atendia (como até hoje

não atende) àquelas narrativas complexas e o espectador preferiu a linearidade

da linguagem convencional. Terra em transe é certamente o exemplo mais

emblemático desta fronteira comunicativa com o grande público. O filme foi um

choque até mesmo para os artistas e intelectuais de esquerda no Brasil: “A sua

crítica ao populismo como mascarada pseudodemocrática, como carnaval; sua

representação dos conflitos políticos, (...) sua figuração kitsch de espaços e

personagens simbólicos que representam uma identidade nacional dada a

excessos e histerias; seu desenho do intelectual-poeta-político como figura

contraditória, às vezes execrável; todo este painel exibido numa avalanche que

ultrapassava o espectador mais atento foi um espelho doloroso, rejeitável,

polêmico até onde um filme pode ser” (Xavier, 2001, p. 69-70). Se a idéia era

cativar o público pelo espetáculo este filme não era certamente um bom

exemplo. Nesta fase, o Cinema Novo redefiniu suas âncoras e se exibiu como

reflexão dramática do golpe militar cuja esperança foi substituída pelo

desencanto. Embora isto não elimine o movimento da experiência da

modernidade, garantida ainda pela procura de um cinema nacional vivido em

plena angústia existencial, sobretudo através do barroquismo de Glauber Rocha.

Já próximo do fim da década de 60, a luta pela manutenção de

intransigência ideológica e formal, assim como a preocupação em estabelecer a

comunicação com o grande público, continuam para o que seria a terceira fase

143

do movimento caracterizada pelos fortes traços alegóricos nos filmes: O dragão

da maldade contra o santo guerreiro também intitulado António das Mortes

(Glauber Rocha, 1969), Os herdeiros (Carlos Diegues, 1969), Macunaíma

(Joaquim Pedro de Andrade, 1969) e Os deuses e os mortos (Ruy Guerra,

1970). Além da tônica alegórica, estes filmes, conforme Fernão Ramos (1987, p.

373), “apresentam em geral uma narrativa fragmentada ao nível da intriga,

desenvolvimento de personagens desvinculados de motivações psicológicas e,

principalmente, uma forte atração pelo dilaceramento das emoções extremas, os

longos berros e movimentos convulsivos”. Com efeito, esses filmes propõem a

representação de um Brasil conotado de “brasilidade” em formas alegóricas que

passeiam pelo cordel, pelas questões revolucionárias no sertão brasileiro em

diálogo com os gêneros populares. Esta dimensão alegórico-nacional (discutida

sobretudo nos trabalhos de Ismail Xavier), ademais, perpassa todo o caminho do

Cinema Novo e, inserido num contexto maior, também o chamado cinema do

Terceiro Mundo. A respeito desta questão, Robert Stam (2003, p. 317) escreveu:

“A tendência alegórica disponível a todas as formas de arte é intensificada na

obra de cineastas intelectualizados profundamente marcados pelo discurso

nacionalista, que se sentem compelidos a falar pelo conjunto da nação e a

respeito de seus problemas, em um fenômeno que é ainda mais exacerbado no

contexto de regimes repressivos”. Não por acaso, Glauber Rocha admirava o

cinema de Pasolini, que em seus filmes realçava os traços míticos e épicos da

realidade, reclamava por uma simplificação da técnica cinematográfica e

envolvia a realidade periférica do terceiro-mundo.

As películas da terceira fase do movimento iriam, de igual modo, refletir o

tropicalismo. Movimento cultural ligado à arte brasileira, sobretudo na música,

que representou, entre outras coisas, a redefinição ideológica do fim dos anos

sessenta e a uma nova reflexão sobre a questão nacional no país. Macunaíma, o

filme de Joaquim Pedro, será aquele que melhor estabelece um diálogo com o

tropicalismo uma vez que se aproxima do manifesto modernista antropofágico de

Oswald de Andrade. Ao contrário da idéia de pureza mítica face à invasão da

cultura dominante estrangeira, Oswald de Andrade, já nos anos 20, afirmava que

144

a arte da periferia deveria “deglutir” esta cultura invasora em vez de negá-la por

completo. Macunaíma foi, ademais, o filme que mais se aproximou do projeto de

pró-comunicação com público do Cinema Novo, dando anuência de visibilidade

comercial aos anseios de uma produção mais requintada, mas sem as fórmulas

gastas da narrativa clássica. Mas, como dissemos, o filme era uma exceção no

movimento cinemanovista, que viu seu projeto de aproximação com o público

fracassado.

Para finalizar, ao nosso ver, uma palavra define toda a estética do Cinema

Novo brasileiro: convergência. Uma convergência entre a renovação da

linguagem, os filmes de baixo orçamento e a política dos autores, traços que

marcam, conforme expressou Ismail Xavier (2001, p. 14), “o cinema moderno,

por oposição ao clássico e mais plenamente industrial”. As obras de realizadores

que defenderam este projeto estavam presentes em diferentes regiões do

mundo. Estes realizadores tomaram o cinema como exercício de invenção, ao

quebrarem tabus e instaurarem uma nova maneira de ver os filmes. O jovem

cinema brasileiro, inserido nesta experiência de modernidade, traçou caminhos

paralelos ao cinema europeu e latino-americano mas também perseguiu seu

percurso peculiar. Este percurso implicava numa renovação da linguagem

baseada na descontinuidade, fruto de uma fragmentação narrativa exibida no

espaço e tempo diegéticos; na montagem complexa e descontínua entre os

planos; em diálogos cujo caráter discursivo supervalorizado ansiava pelo falar

nacional. E a despreocupação com o acabamento técnico industrial levou a que

as deficiências técnicas fossem incorporadas como opções estéticas, traduzidas

nas câmeras com ângulos que privilegiavam a paisagem humana e na

iluminação natural.

O Cinema Novo foi a “versão brasileira de uma política de autor que

procurou destruir o mito da técnica e da burocracia de produção”, como bem

salientou Xavier (2001, p. 63). A figura do autor, redefinida também pela ótica do

nacional, deve ter como condição necessária, a liberdade de criação e produção,

uma vez que, estando o cineasta-autor vinculado às imposições dos estúdios,

nunca viria a ter independência no seu exercício de criação cinematográfica. Por

145

outras palavras, Glauber Rocha defendia uma relação intrínseca entre autoria e

cinema independente.

2. Para além do Cinema Novo

É certo que o Cinema Novo marcou a cinematografia brasileira nas

décadas de 60 e 70. Este talvez seja o período mais rico esteticamente no

cinema brasileiro e, sem dúvida, esta marca simbólico-criativa permanecerá

ainda por muito tempo. Mas as exceções são também significativas e não devem

ser desprezadas nem esquecidas uma vez que estas também representavam o

cinema brasileiro e alguns filmes chegaram a ter presença forte nas salas de

cinema da Europa. Aqui vale ressaltar os trabalhos de Walter Hugo Khouri,

Roberto Farias e Anselmo Duarte, que, por opção estilística, produziam obras

cuja ação narrativa é disposta de modo clássico.

Exibindo uma obra de natureza essencialmente pessoal, Walter Hugo

Khouri destoa do cenário ideológico dominante da época apesar das suas

marcas de autoria. Em filmes como A ilha (1963), Khouri potencializa conflitos

pessoais e psicológicos de um grupo de burgueses numa ilha deserta e isolada.

Em 1964 dirige Noite Vazia, (apresentado em Cannes em 1965), um ano depois,

O corpo ardente e em 1967, As amorosas. Estas três obras marcam seu projeto

autoral de fazer um cinema mais próximo da narrativa moderna do cinema

europeu da época tanto estética como tematicamente. Com as preocupações

“existenciais” dos personagens, as angústias dos mesmos face à realidade que

os cerca, acompanhados por uma narrativa lenta e tendo, de um modo geral, o

urbano como cenário, os filmes do realizador destoavam das propostas do

Cinema Novo, que acusava Khouri de não aderir a uma “arte-participação” como

forma de transformar a sociedade. Khouri foi durante muito tempo um diretor

esquecido no panorama do cinema brasileiro, contudo revelou-se como um

“autor de estilo forte e pessoal e conseguiu manter uma produção com

características próprias quando todo o cinema brasileiro enveredava noutra

direção”. (Ramos, 1987, p. 369).

146

Os casos de Anselmo Duarte e Roberto Farias se assemelham neste

enquadramento de quem “pertencia ou não” ao movimento cinemanovista.

Glauber Rocha expressou suas críticas sobretudo ao filme O pagador de

promessas (Anselmo Duarte, 1962). A película ganha a Palma de Ouro no

Festival de Cannes tendo uma repercussão imediata na imprensa local e

internacional. O prêmio de melhor filme era a consagração do cinema brasileiro

que irá obter seguidos prêmios internacionais posteriormente. E apesar dos

temas, personagens e universo ficcional bem próximos do Cinema Novo, O

pagador de promessas mantinha distância com o movimento que via Anselmo

Duarte como cineasta oriundo da chanchada e dos estúdios da Vera Cruz e,

portanto, distante das propostas antiestúdio do Cinema Novo. Além disso,

Anselmo Duarte não estava preocupado com uma possível renovação da

linguagem do cinema, preferindo dispor um conteúdo temático (a questão da

opressão e do sofrimento popular) numa seqüência de planos de ordem linear

aproximando-se do cinema clássico. A obra Sertão mar de Ismail Xavier mostra

uma visão crítica desta proximidade temática de procedência clássica de alguns

filmes como O pagador de promessas, com o Cinema Novo.

A situação de Roberto Farias em Assalto ao trem pagador (1962) é

bastante similar. Considerado pelos cinemanovistas como parceiro do cinema-

espetáculo, o filme envolveu-se na grande polêmica da época entre radicalizar

na forma e no conteúdo ou renovar a temática embora mantendo a estrutura

narrativa clássica. O fato é que dentro desta opção estilística de Farias,

personagens e intriga se moldaram de forma competente num modelo de ação

do gênero policial nunca antes visto no cinema brasileiro. A temática social do

filme (as mudanças que o assalto provocou na vida dos favelados) envolve os

espectadores que se identificam com os eventos narrados. Enfim, Farias

produziu um filme comunicativo, mas fora dos ditames da intransigência formal

do Cinema Novo e por isso mesmo viu-se à margem do movimento.

O contributo que estes (e outros) diretores deram ao cinema brasileiro do

período está ainda por analisar, uma vez que há pouca reflexão sobre suas

obras em detrimento da abundância de textos sobre o Cinema Novo. Apesar

147

disso, estas obras foram apresentadas em festivais de cinema na Europa com os

filmes do Cinema Novo, motivo pelo qual muitas vezes a crítica européia os

considerava como pertencentes ao movimento cinemanovista.

Ainda neste período (1969/1973), outro movimento no cinema brasileiro

irá reivindicar sua distância em relação ao Cinema Novo, apesar da radicalidade

de suas propostas serem muito próximas. Trata-se do Cinema Marginal ou

cinema underground, formado por nomes como João Callegaro, Júlio Bressane,

Neville d’Almeida, Rogério Sganzerla, Jairo Lima e outros. Os “marginais” deste

cinema abandonam o quadro valorativo-intelectualizante da ética cinemanovista

e mantêm um diálogo com a narrativa clássica. Admiram a produção B do

cinema norte-americano e causam repulsa àqueles que têm uma ótica estranha

à intertextualidade no cinema. Filmes como O bandido da luz vermelha

(Sganzerla, 1968), Matou a família e foi ao cinema (Bressane, 1969), O

pornógrafo (Callegaro, 1970), Piranhas do asfalto (Neville d’Almeida, 1970) são

caracterizados por “um diálogo irônico e avacalhado com o cinema de gênero e

a narrativa clássica. A idéia é ir ao encontro dos gostos mais primários do público

e saciá-los (em particular com relação às expectativas eróticas) de forma

integral, sem nunca perder o lado avacalhado que exatamente exibe a fratura

intertextual” (Ramos, 1987, p. 383). Esta “terapia de choque” - visível mesmo

antes em filmes como Terra em transe de Rocha - irá enfrentar o absurdo da

cultura massificada com muita ironia e humor negro. O rótulo da “estética do

lixo”, cujo olhar se dirige ao grotesco, periférico e disforme, se contrapõe e

radicaliza a “estética da fome” do Cinema Novo com mais agressividade e

violência.

Talvez por isso a sua acolhida pela crítica (brasileira e internacional) não

tenha sido tão favorável quanto foi a do Cinema Novo. A estranheza que

causava e o propositado deboche aliado a uma rebeldia que “elimina qualquer

dimensão utópica e se desdobra na encenação escatológica, feita de vômitos,

gritos e sangue” (Xavier, 2001, p.76), fizeram do Cinema Marginal um caso de

repulsa moderna que nem toda crítica estava disposta a acolher.

148

3. O cinema brasileiro na Europa

Poderemos assinalar rapidamente que a presença do cinema brasileiro na

Europa começa a ganhar contornos de divulgação nos anos 6095. Antes disso,

muito pouco se promoveu sobre a cinematografia brasileira, seja em Portugal,

França96, Itália ou Inglaterra. Somente a partir dos anos 60 os filmes brasileiros

passam a ter uma certa visibilidade, especialmente através dos festivais

europeus, “os melhores divulgadores das cinematografias em desenvolvimento”.

Como já mencionado, os festivais e a imprensa cinematográfica foram os

grandes canais de divulgação do cinema brasileiro. Sobretudo entre 1962 e

1964, o cinema brasileiro impôs-se nos festivais europeus e as revistas

distinguiam esta participação. Assalto ao trem pagador foi apresentado em

Veneza, Os cafajestes e Os fuzis em Berlim, Vidas secas e Deus e o diabo na

terra do sol em Cannes. Em Lisboa, O pagador de promessas é visto pelo

público em 1963, Assalto ao trem pagador em 1965 e Vidas secas em 1967. Mas

será somente na década de 70 que como mencionamos, os festivais de cinema

brasileiro irão ter espaço na capital portuguesa, notadamente sob os auspícios

da embaixada brasileira (através do Instituto Nacional do Cinema do Brasil), que

por sua vez teve também um papel importante na divulgação do cinema

brasileiro em outros países europeus.

Sobre esta questão, Alexandre Figueirôa ressalta que o Ministério das

Relações Exteriores brasileiro auxiliava os realizadores (sobretudo do Cinema

Novo) na forma de concessão de bolsas de estudo e, algumas vezes, o

Ministério chegava a assumir a produção de certos filmes: “Os cineastas

estavam convencidos de que apenas o Cinema Novo apresentava elementos

95 Mas convém registrar que, em 1953, o filme O cangaceiro de Lima Barreto teve uma forte repercussão na Europa, sobretudo após ganhar o Festival de Cannes daquele ano. Entretanto, Glauber Rocha (2003, p.128) assinala a iniciante “marcha” do Cinema Novo na Europa em 1961: “Cinema Novo em marcha: volta da Europa Paulo César Saraceni, após ano e meio de trabalho com jovens realizadores italianos, contato técnico e vivência com o moderno cinema europeu, sucesso de três prêmios importantes para Arraial do Cabo, criação conjunta com Mário Carneiro [...] A descompostura intelectual do cinema brasileiro, sua falta de prestígio, seu abandono político e econômico, sua trágica destinação à demagogia, aventureirismo, teoria de algibeira, subitamente levanta a cabeça”.

96 Ver mais sobre o cinema brasileiro na França na obra de Alexandre Figueirôa: a onda do jovem cinema e sua recepção na França. São Paulo : Papirus, 2004.

149

para ser aceito na Europa. Eles confiavam no Ministério das Relações Exteriores

para enviar seus filmes aos festivais e depois procurar vendê-los no exterior,

tendo Paris como principal ponto de divulgação mundial” (2004, p. 42). Este

papel mais que diplomático do Ministério foi igualmente significativo em Lisboa97

acrescentando-se o fato de Brasil e Portugal estarem vinculados historicamente.

Assim, não obstante as dificuldades no âmbito da censura e da distribuição dos

filmes, o cinema brasileiro passou a ser bem mais conhecido em Portugal do que

antes. Pode-se dizer que esta conjuntura auxiliou e muito a crítica de cinema

lusa a ver o Cinema Novo como um modelo a ser até mesmo abraçado por

outras cinematografias nacionais. Para além disso, o cinema brasileiro, que

antes dos anos 60 era praticamente desconhecido dos críticos portugueses, irá

ser identificado quase que exclusivamente com o Cinema Novo.

É certo que o projeto cinemanovista era um projeto característico de sua

época e este fator ajudou a legitimação do movimento e por extensão sua

identificação com a totalidade do cinema brasileiro. Após a explosão neo-realista

e afirmação da Nouvelle Vague, sobretudo no chamado mundo subdesenvolvido,

as cinematografias procuravam afirmar-se e legitimar-se dentro e fora de seus

espaços nacionais. Como vimos, a crítica francesa recebe e autentica estas

cinematografias ao fornecer voz e espaço nas publicações especializadas. Os

festivais promovem-nas nos circuitos alternativos de exibição e em território luso

a repercussão não é diferente da França.

Neste mesmo período, o Novo Cinema português igualmente reclamava

por mudanças estéticas que buscavam romper com as convenções ditadas pelo

cinema clássico narrativo, cinema este, para os que reclamavam,

predominantemente afirmativo e que levava os espectadores a uma fruição

estética desinteressada e não reflexiva. A aproximação do Novo Cinema

97 Em Março de 1972, aquando da I Retrospectiva do Cinema Brasileiro, o jornal Diário de Notícias registrou a conferência de abertura do evento proferida pelo adido cultural da embaixada do Brasil em Lisboa, intitulada Brasil, trópico e cinema. Leandro Tocantins fez uma retrospectiva histórica do Cinema Novo e destacou seu poder de invenção e ênfase dada a realidade social do Brasil, num claro desejo de divulgação desta nova cinematografia brasileira em Portugal. Diário de Notícias. 08.03.1972, p. 8. Vale acrescentar que quase todos os jornais e também a revista Celulóide registraram a conferência do adido cultural.

150

português à política dos autores encarnava esta proposta de produção de um

cinema de expressão autoral e que valorizasse o primado estético da obra: o

cinema como arte. A crítica lusa seguia o mesmo caminho utilizando a política

dos autores como talvez o modelo ideal de argumentação em seus textos.

Esta conjugação de fatores acabou por favorecer a boa recepção do

Cinema Novo em Portugal, ainda que pesem algumas diferenças de propostas.

Estas diferenças pautam-se no que seria denominado de “Cinema Novo

brasileiro” e “Novo Cinema português” uma vez que o teor político definirá a linha

que demarca os dois movimentos. Paulo Filipe Monteiro (1995, p. 655) revela

que, na verdade, havia uma diferenciação entre os dois movimentos sendo que

no brasileiro “a possibilidade de afirmação de um cinema nacional está

intimamente ligada a um conteúdo político” e o movimento português “é mais

parente da «nova vaga» francesa, e da francesa política dos autores, em que a

liberdade de criação não aceita missões determinadas, exceto a de impor o

cinema como arte, e reconhecendo como única obrigação a de tudo subverter,

incluindo os conteúdos habituais do discurso «de esquerda»”.

Com efeito, certas singularidades demarcavam a distinção entre as

propostas dessas duas cinematografias. Apesar do tema ser encorajador, não

cabe aqui um estudo aprofundado destas peculiaridades e, por ora, procuramos

nos centrar na noção de cinema de autor, tão presente nos dois movimentos. No

Cinema Novo brasileiro a noção de cinema de autor é permeada pela questão da

liberdade de criação e neste sentido, o “mito da técnica e da burocracia da

produção” foi posto em xeque. O cinema de autor deveria afirmar o “ideário que

se traduziu na estética da fome em que a escassez de recursos se transformou

em força expressiva e o cinema encontrou a linguagem capaz de elaborar com

força dramática seus temas sociais, injetando a categoria do nacional no ideário

do cinema moderno que, na Europa, tematizava a questão da subjetividade no

ambiente industrial em outros termos” (Xavier, 2001, p. 28). No projeto do

Cinema Novo (em particular para Glauber Rocha), a autoria significava traços

que vão além da análise do estilo, da fidelidade temática e do antindustrialismo.

Ser autor de cinema significava ter postura crítica e engajamento político. Ser

151

autor de cinema significava ser ator da história.

O cinema português, como referiu Paulo Monteiro, aproxima-se da

francesa política dos autores, de Truffaut e seus companheiros, com a

valorização do percurso de criação pessoal, dos traços temáticos e estilísticos

que de modo recorrente definiriam o autor independentemente do jogo contratual

de produção, esteja ou não realizador-autor vinculado à indústria98. Na crítica de

cinema portuguesa, tal como nos Cahiers du Cinéma, a problemática do cinema

de autor esteve presente na exigência de total autonomia do cineasta que é

possuidor de uma “assinatura”. Marca de distinção conferida tanto a nomes

como Orson Welles, John Ford, Nicolas Ray, como a Rosselini, Antonioni,

Godard, Manoel Oliveira, João César Monteiro e Glauber Rocha. Se havia algum

“autor” no cinema brasileiro, este era Glauber Rocha, o principal elemento do

Cinema Novo brasileiro.

A aceitação do Cinema Novo brasileiro passa, então, pela comunicação

entre os dois movimentos, revestidos de intransigência estética e desejo de não

fazer concessões sobretudo (no caso brasileiro), de concessões políticas. Este

cinema de terceiro mundo, de ideário nacional-popular e alegórico por

expressão, não se aproximou do enfoque psicológico e subjetivo do cinema

europeu, mas sua estética foi inspiradora para o debate internacional ao nível de

produção e da renovação da própria linguagem do cinema. Isto favoreceu a boa

acolhida que este recebeu no velho continente com as alargadas discussões nos

festivais e espaços da crítica sobre o que seria o futuro do cinema longe do

monopólio norte-americano.

Está claro que quando falamos genericamente de cinema europeu não

pretendemos torná-lo homogêneo e compacto. As variadas cinematografias

européias nos mostram o quão diversificado e rico é o cinema europeu. Apenas

procuramos reconhecer traços que identificam certos cinemas europeus, traços

98 Eduardo Geada (1987, p. 143) assinala que o que mais caracterizou a noção de autor de cinema “foi justamente a defesa da subjectividade e da especificidade do trabalho do realizador no seio de uma máquina que tendia a recalcá-los. Assim, a tarefa do crítico consistiria prioritariamente em descobrir os autores onde eles eram menos visíveis, ou seja, no cinema espectáculo e no discurso do seu universo exponencial – Hollywood”.

152

marcados por um perfil de filmes intimistas nitidamente diferentes do caráter

alegórico latino-americano.

Em comum há a necessidade de mudança e o desconforto com a

linguagem clássica do cinema industrial americano, e a aceitação, mesmo que

em termos redefinidos, do cinema de autor. A técnica da câmera na mão é um

exemplo ilustrativo desta afinidade. Ela é um traço estilístico presente nos

cinemas novos dos anos 60 de Godard ao underground norte-americano e

também identificada com o Novo Cinema português. Esta técnica igualmente

marcou a cinematografia brasileira da época e se revelou como uma impressão

digital peculiar ao inconformismo cinematográfico moderno.

P o r f i m , a t u a n d o c o m o u m a r e s p o s t a à s c o n d i ç õ e s d e

subdesenvolvimento de produção, o Cinema Novo marcou aqueles projetos

modernos que queriam discutir a questão da identidade nacional sem contudo

deixar de revelar a importância da criação e da renovação da linguagem

daquelas cinematografias que não viam apenas a narrativa clássica como única

opção para a experiência cinematográfica.

Ser nacional sem deixar de ser universal e moderno. Esta era a grande

questão do cinema brasileiro nos anos 60 e 70.

153

Mudança de cenário

1. A aproximação com o mercado

O cinema brasileiro encontrou-se a partir de meados da década de 70

diante de um debate que polarizou o panorama cinematográfico e ainda hoje

causa reflexão: a opção por uma estética atenta ao que é admissível no mercado

ou a continuidade da estética de experimentação dos anos 60. Ainda durante o

regime militar, em 1974, a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S.A.)

amplia suas atividades e o Estado dá novo impulso à indústria cinematográfica,

acumulando atribuições agora nas áreas de co-produção, fiscalização,

distribuição, divulgação e exibição. Cresce significativamente o número de filmes

mais próximos desta visão de mercado como Dona Flor e seus dois maridos

(Bruno Barreto, 1976) considerado o “maior sucesso de bilheteria do cinema

brasileiro nas últimas décadas, alcançando um público superior a 11 milhões de

espectadores em sua carreira comercial” (Ramos; Miranda, 2000, p. 213) e, ao

mesmo tempo, não cessa, se bem que em menor escala, a produção de filmes

mais afinados com a estética da experimentação a exemplo de A lira do delírio

(Walter Lima Jr., 1978).

Na verdade, entre meados dos anos 70 e fins dos anos 80, não se pode

dizer que em termos estéticos havia aglutinação na cinematografia brasileira. A

diversidade de tendências incluía filmes históricos (Independência ou Morte de

Carlos Coimbra), as comédias eróticas (pornochanchadas largamente

produzidas na Boca do Lixo paulista), adaptações literárias (de textos de José de

Alencar, Jorge Amado, Nelson Rodrigues), o diálogo com o espetáculo (Xica da

Silva de Carlos Diegues), com o melodrama (os filmes de Arnaldo Jabor) e com

o filme policial-político (Pixote, a lei do mais fraco de Hector Babenco).

154

Em decorrência do processo de industrialização da produção cultural no

Brasil perpetuado paradoxalmente pelo Estado autoritário, o cinema marca sua

presença no mercado e expande sua produção. Filmes como Xica da Silva

(Carlos Diegues, 1976), Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (Hector Babenco,

1977), A dama do lotação (Neville d’Almeida, 1978) e Eu te amo (Arnaldo Jabor,

1980) estão entre os maiores êxitos de bilheteria no mercado cinematográfico

brasileiro entre 1970 e 1984 (Ramos, J. , 1987). Antigos e novos cineastas

buscavam a aproximação com o público e defendiam a dimensão mercadológica

do cinema e, além disso, atiçavam polêmicas sobre se o afastamento da tradição

instalada pelo Cinema Novo seria o mesmo que vender sua alma ao diabo, ou

melhor, ao mercado. Carlos Diegues, ele próprio um ex-integrante do movimento

cinemanovista, foi o mais provocativo como relata José Mário Ortiz Ramos: “O

cineasta [Diegues] partia para o ataque, tentando encurralar seus opositores

mais à esquerda, que ainda continuavam exigindo dos cinema-novistas a

sustentação de um projeto já desmontado. O tom de suas declarações, depois

repetidas com BYE BYE BRASIL, era de afastamento das antigas posições

assumidas enquanto intelectual politizado da década de 60. (...) O recado era

claríssimo: os antigos projetos totalizantes, com pretensões conscientizadoras,

estavam encerrados, tinham perdido atualidade” (1987, p. 422).

Alguns pesquisadores como Ismail Xavier (2001) e André Parente (1998)

lamentaram este distanciamento de uma herança moderna de cinema de

invenção mas reconhecem (sobretudo Xavier) que, ao questionar este cinema

para o grande público, não se está pressupondo que a “constelação moderna”

das décadas anteriores, com sua originalidade de estilo, deva se constituir uma

referência exclusiva para o cinema de hoje produzido no Brasil. Sobretudo a

partir dos anos 80, o cinema brasileiro que se destacou em festivais e debates

defendeu propostas adversas do cinema moderno no que diz respeito à “questão

nacional” e à “questão do mercado”. Xavier conclui: “(...) o novo cinema dos anos

80 afastou-se de seus temas e estilos, enterrou a estética da fome, afirmou a

técnica e a mentalidade profissional” (2001, p. 40).

Enfim, o percurso do cinema brasileiro neste período apresenta processos

155

de mudanças e de pluralidade de enfoques, tudo isso em diálogo com o

movimento geral da sociedade. Se estes anos de incremento à indústria cultural

apoiado pelo governo militar até o processo de abertura política e crise

econômica no final da década de 80 afetaram a configuração da cinematografia

brasileira, este quadro contextual certamente dialogará com a recepção desta

mesma cinematografia no estrangeiro.

A partir de 1975, a revista Plateia publica uma série de textos99 sobre o

cinema brasileiro, a maioria deles com nítidas tintas publicitárias condizentes

com a linha editorial da revista. Desde entrevistas com realizadores brasileiros

(Reginaldo Faria em Junho de 1975, Nelson Pereira dos Santos em Agosto de

1975, Bruno Barreto em Outubro de 1977) e com o diretor da Embrafilme,

(Roberto Farias em Novembro de 1975) até textos sobre filmes ainda não

estreados, até aquele momento, em Portugal (Xica de Silva de Carlos Diegues

em Outubro de 1976, mas o filme só chega às salas comerciais de Lisboa em

Abril de 1977). Neste mesmo ano a Plateia divulga um texto do crítico de teatro

brasileiro Sebastião Milaré intitulado O que resta do cinema novo brasileiro?100 E

segundo Milaré não restava muita coisa, uma vez que o Brasil vivia em plena

época de censura militar e o transe de Glauber Rocha não tinha lugar na

ideologia do novo sistema. Milaré contextualiza seu discurso ao reclamar, com

certo ar saudosista, do uso abusivo do sexo, violência e erotismo vulgar que

permeava os filmes nesta ocasião, levando ao cansaço e esgotamento o que

poderia ser uma crítica implícita ao regime militar brasileiro. Certo ou errado, o

fato é que os leitores portugueses agora dispunham de análises menos positivas

de uma cinematografia que até então era vista como exemplo possível de um

cinema inventivo. As mudanças temáticas e até mesmo espaço-geográfica de

filmes como Toda nudez será castigada de Arnaldo Jabor, apresentado em

Portugal em 1976, que tematizava sobre a hipocrisia sexual nas famílias de

classe média urbana, com um erotismo vulgar, comprometiam a continuidade do

99 Refiro-me às edições de Plateia de Nº 748, 03.06.1975, p. 65-67. Nº 759, 19.08.1975, p. 66-67. Nº 773, 25.11.1975, p. 25-26. Nº 795, 15.10.1976, p. 49-50. Nº 816, 01.10.1977, p. 19-21.

100 Plateia. Nº 803, 01.03.1977, p. 16-17.

156

projeto do Cinema Novo.

O marketing agressivo da Embrafilme atuou não só a nível nacional e a

empresa expandiu seu raio de ação até o mercado internacional, ao distribuir

filmes para os EUA, França, Itália, Alemanha, Portugal e principalmente para a

América Latina. A partir de 1978, “a estratégia usada foi a de instalar duas

representações no exterior, em Paris e Nova York, com uma forte inserção em

festivais internacionais cinematográficos” (Ramos; Miranda, 2000, p. 214). Em

Portugal chegam às salas de cinema, acompanhados por uma intensa

campanha publicitária, os filmes Xica da Silva (1977), Dona Flor e seus dois

maridos (1977), Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1979), Eu te amo (1981),

Bye Bye, Brasil (1982), Pixote, a lei do mais fraco (1982), O beijo da mulher

aranha (1986) e Ópera do malandro (1987).

Nesta nova configuração de forças históricas, a imagem do cinema

brasileiro muda e o surgimento de críticas mais ferozes, sobretudo àqueles

filmes que se distanciavam da proposta original do Cinema Novo, podia ser visto

tanto na imprensa generalista como na especializada.

A. Carvalhaes, que fazia a cobertura informativa-opinativa sobre o cinema

do e no Brasil na década de 70, traça um diagnóstico aos leitores da

Celulóide101, diagnóstico que paulatinamente vai perdendo o brilho atribuído

antes ao Cinema Novo. Para Carvalhaes a suposta “crise” porque passa a

cinematografia brasileira é acentuada, neste período, pela falta de liberdade de

expressão, mas sobretudo pelo atrofiamento dos temas importantes e/ou sérios

ultimamente abordados nos filmes, ou seja, no pobre – e cada vez mais pobre –

cinema brasileiro, onde o interesse em retratar o homem de corpo inteiro (que foi

a tônica do Cinema Novo nos anos 60) é substituído pela mera contemplação da

mulher do umbigo para baixo (a porno-chanchada dos anos 70). Segundo o

crítico, o avanço da pornochanchada levou o cinema brasileiro a uma queda de

qualidade de que talvez não fosse mais possível recuperar. Era uma forte

101 Revistas Celulóide, No 195, Março de 1974, p. 5-6, No 214, Agosto de 1975, p. 12-15 e No 209, Abril de 1975, p. 11-12.

157

sinalização da mudança no rumo do cinema brasileiro e no discurso crítico sobre

este mesmo cinema.

Significativamente, F. Gonçalves Lavrador, num artigo102 sobre o primeiro

festival de cinema luso-brasileiro de Tomar, aponta na mesma direção de

Carvalhaes ao salientar o perigo (do ponto de vista semiótico) em que a nova

gama de filmes brasileiros incorre, isto é, o perigo do expressionismo caricatural.

Filmes como Xica de Silva de Carlos Diegues e O casamento de Arnaldo Jabor

eram criticados pela possibilidade duma ausência de «medida» ou, talvez

melhor, de comedimento, de sobriedade, uma exuberância exagerada, um

ultrapassar das fronteiras que separam os fenômenos realmente estéticos da

fascinação gratuita, já não-estética, mas puramente epidérmica e superficial,

baseada em espalhafatosos jogos formais, fáceis e injustificados, em fogos-de-

vistas para espantar o espectador desprevenido. Sob forte influência do

estruturalismo o artigo de Lavrador era mais um a lamentar o afastamento do

cinema brasileiro de sua herança de crítica alegórica.

Nos diários e semanários, a manifesta desconfiança com este “nova

opção” do cinema brasileiro era igualmente visível e um filme como Eu te amo,

de Arnaldo Jabor, foi recebido com muitas restrições por parte da crítica, que

salientava que esta obra pouco tem a ver com o cinema de que gostamos103.

É fato que algumas opiniões dividem-se e certos setores da crítica

confirmavam uma resistência a temas mais citadinos de filmes como O desafio,

de Paulo Saraceni, ou às obras de Arnaldo Jabor, Bruno Barreto e Hector

Babenco, obras, para certa crítica, demasiado apelativas ao mercado e alheias à

tradição do Cinema Novo. Por outro lado, outros críticos reconheciam nestas

narrativas urbanas o amadurecimento do cinema brasileiro e sua tentativa de

aproximação com o público.

Em meio a este novo cenário do cinema brasileiro em Portugal, Glauber

102 Celulóide. Nos 257/258, Abril de 1978, p. 85-90.

103 Jornal de Letras Artes e Ideias. 08 a 21.12.1981, p. 30. Assinada por Guilherme Ismael.

158

Rocha resolve fixar residência em Sintra104 em Fevereiro de 1981, após ter

passado por Veneza e Paris para lançar com bastante polêmica seu último filme

A idade da terra. Em Abril do mesmo ano, a Cinemateca Portuguesa organizou

uma retrospectiva105 da obra de Glauber, e para ser incluída no catálogo da

Mostra, foi realizada por João Lopes “uma das mais lúcidas, sintéticas e serenas

entrevistas de toda sua vida”, segundo Sylvie Pierre (1996, p. 93)106. De fato,

nesta entrevista Glauber Rocha ressalta a relação entre a história do Cinema

Novo e o contexto político brasileiro durante o regime militar até à abertura

política e, como este contexto motivou rupturas necessárias ao projeto

cinemanovista que ele não considerava extinto em 1981, mesmo com a

diversidade de propostas existentes. Para Glauber, esta diversidade e

contradições entre autores eram “sinal de progresso e desenvolvimento: é como

se o movimento se tivesse dissolvido para se integrar em vários ramos do

cinema brasileiro, que é um cinema em formação porque o Brasil é um país que

vive uma fase de revelações em todos os seus aspectos” (Lopes, 1987, p. 140).

Infelizmente, Glauber Rocha adoeceu seriamente, vindo a falecer no

Brasil em 22 de Agosto de 1981, dois dias após ter saído do hospital da CUF em

Lisboa. A imprensa portuguesa deu ampla cobertura à morte trágica de Glauber.

O JL declarou: A morte de Glauber Rocha, o realizador que revolucionou o

cinema brasileiro, trouxe o seu nome para as manchetes dos jornais, quer pelo

que significa em si mesmo, quer pelas circunstâncias dramáticas e inesperadas

em que ocorreu107. O JL ainda publica algumas das últimas fotografias inéditas

de Glauber Rocha poucos dias antes de sua morte (fotos de Paula Gaitan,

104 É recebido por Manuel Carvalheiro, José Fonseca e Costa e Carlos Pinto. Reside alguns meses na antiga casa de Ferreira de Castro e depois vai para um grande casarão, propriedade de Carlos Pinto.

105 Retrospectiva que não se verificou devido a um incêndio da sala de projeções da Cinemateca que destruiu totalmente a obra de Glauber.

106 Sylvie Pierre que trabalhou nos Cahiers du Cinéma entre 1966 e 1971, era muito próxima de Glauber Rocha. Em 1987 publicou um livro sobre ele onde reproduz integralmente a última entrevista fornecida a João Lopes. Diz Pierre: “A entrevista concedida em Portugal em 1981, “À passagem das mitologias”, é uma entrevista clássica, e parece-me notável não somente por ter sido a última e verdadeira entrevista de importância concedida por Rocha a um jornalista, nos últimos meses de vida e durante uma das últimas remissões de sua doença” (1996, p. 191).

107 Jornal de Letras. Nº 14, de 01 a 14.09.1981, p. 8 e 9. Não assinado.

159

esposa de Glauber, e de Zélia Gattai, esposa de Jorge Amado) e uma crônica de

João Ubaldo Ribeiro endereçada ao realizador. Para a crítica, morria o mítico

diretor do Cinema Novo quando o cinema brasileiro já não mais representava o

inconformismo estético e político que tanto seduziu os europeus anos antes. O

luto era também pelo cinema brasileiro. Em 1987, no catálogo dedicado ao

cinema brasileiro editado pela Cinemateca Portuguesa, o crítico António

Rodrigues publica um texto sobre os anos Embrafilme e avalia: “Uma visão de

conjunto desses últimos doze anos [1974-1986] do cinema brasileiro deixa uma

impressão de academismo, quando os filmes são examinados, e de dirigismo,

quando são observados os fatos” (1987, p. 103).

O final dos anos oitenta já prenunciava que a boa fase financeira do

cinema brasileiro dos anos anteriores estava a ruir. Uma grave crise econômica

deixada pelos militares não ajudou em nada o processo de restauração

democrática com as eleições diretas de 1989. O novo presidente eleito Fernando

Collor de Mello extinguiu a Embrafilme, causando o colapso da produção de

títulos nacionais a ponto de, no princípio da década de 90, somente dois ou três

longas-metragens brasileiros conseguirem chegar às telas de cinema.

A perspectiva de mudança veio em meados da década com a Lei do

Audiovisual, a qual fornecia isenções fiscais para as empresas que investissem

nas artes e praticamente todo o cinema deste período foi financiado por este

dispositivo. Como marco de uma possível renovação, o destaque coube a

Carlota Joaquina, princesa do Brasil, de Carla Camurati, lançado em 1994. T a l

como na década de 80, “O cinema nacional dos anos 90 dificilmente poderia ser

enquadrado nos limites de um movimento estético. Não existe o que se poderia

chamar de uma escola do novo cinema brasileiro, uma linha diretriz que unifique

uma poética (no sentido amplo do termo) ou mesmo uma política. Num tempo de

ênfase no individualismo, a característica maior deste novo cinema é a

diversidade, tanto temática quanto estilística, refletindo os interesses pessoais

dos criadores” (Ramos; Miranda, 2000, p. 138). Desse modo, surgem filmes que

fazem releituras do ciclo do cangaço como Baile Perfumado (Paulo Caldas e

Lírio Ferreira, 1997), algumas comédias de costumes como Pequeno dicionário

160

amoroso (Sandra Wernweck, 1996), filmes políticos como O que é isto

companheiro? (Bruno Barreto, 1997), adaptações literárias como Amor & Cia

(Helvécio Ratton, 1999).

Esta variedade de gêneros e de estilos refletiu, conforme Luiz Zanin

Oricchio (2003, p. 30) “a típica fragmentação mental do homem dos anos 90.

Com o chamado “fim das utopias” cada qual se sentiu liberado para estabelecer

sua própria agenda de prioridades”. Com efeito, os projetos pessoais

prevaleceram e não havia mais preocupação em seguir escolas. Talvez por isso

este período foi marcado por um surpreendente número de novos cineastas.

Nesta fase, chamada por alguns de “Retomada” ou de “Novo Cinema”, o

cinema brasileiro tornou-se menos “inocente” e mais “pragmático”, voltado para a

constituição de um novo pólo de qualidade de produção (Ismail Xavier, 2001).

Este pólo tendeu para a descentralização da produção, uma vez que

começavam a surgir filmes fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, sobretudo nas

cidades de Porto Alegre, Fortaleza e Brasília. Convém observar que Xavier vê

neste cinema brasileiro dos anos 90 uma reaproximação, mesmo que em termos

bem tímidos e específicos, ao legado do Cinema Novo. Esta reaproximação dá-

se na incorporação de marcas do real e da experiência social vistas em alguns

filmes que procuram reafirmar seu desejo de ligação com o cinema anterior

através de utilização recorrente do sertão ou favela como espaços emblemáticos

e também pela via da caracterização de personagens envoltos em violência,

como o cangaceiro.

A quase inexistência de títulos presentes no mercado português no início

da década de 90 refletiu a conjuntura histórica de crise do cinema brasileiro.

Após alguns anos de quase total desaparecimento, conseguem chegar ao

circuito comercial português poucas películas brasileiras, como O quatrilho de

Fábio Barreto (1996), O escorpião escarlate de Ivan Cardoso (1999) e Central do

Brasil de Walter Salles (1999). A recepção crítica a estes filmes foi, como nos

anos 80, não muito calorosa. A imagem de um cinema antes visto como

revolucionário estava cada vez mais associada às fórmulas prontas feitas para o

161

mercado, uma cinematografia em crise crônica.

Em 1997, o Cineclube de Santa Maria da Feira organizou o 1º Festival de

Cinema Luso-Brasileiro, evento que terá continuidade até os dias atuais. A

proposta era a de intercâmbio entre as cinematografias dos dois países num

momento em que o cinema brasileiro estava restabelecendo seu fôlego de

produção. Em 1998 filmes como Central do Brasil e Traição são exibidos e Jorge

Henriques Bastos diz no Expresso: Para o simples cinéfilo apaixonado, o festival

de Santa Maria da Feira é um destino importante e necessário para que os

estereótipos sobre a produção cinematográfica do país irmão sejam encarados

com outros olhos108. O alerta era desejável numa ocasião em que as

circunstâncias históricas já não favoreciam mais a boa imagem (acolhida) do

cinema brasileiro em Portugal.

Neste horizonte de transformação, esta “mudança de direção” do cinema

brasileiro desde meados da década de 1970 veio amparada por um

acontecimento extremamente significativo para o universo audiovisual: a

chegada das telenovelas brasileiras a Portugal.

2. As telenovelas brasileiras em Portugal

Ao traçar um breve quadro da sociedade portuguesa no pós 25 de Abril,

descobrimos que o país foi afetado por uma forte turbulência não apenas nos

aspectos políticos, como era de se esperar, pela implantação dos processos

democráticos, mas também nos aspectos econômicos, pela escolha e

reordenação da economia, e sobretudo nas questões relacionadas ao campo

dos meios de comunicação. A televisão portuguesa surgiu na década de 50 mas

foi depois de 1974 que ela redefiniu seus rumos. Como monopólio do Estado,

enfrentou em 1977 graves problemas orçamentais causados em parte pela fuga

à taxa obrigatória. Este contexto levou a um processo de reestruturação de seus

quadros e a redefinição da grelha de atrações, apostando em novos formatos de

108 Expresso. 19.12.1998, p. 12.

162

programas. A compra da telenovela brasileira Gabriela, cravo e canela veio,

então, preencher esta aposta da RTP.

A imprensa portuguesa acata o lançamento de Gabriela e a revista Plateia

assegura uma intensa campanha de marketing desde a cobertura de um

espetáculo chamado de “noite brasileira” oferecida pela rede Globo no Hotel Ritz

(com participação de Vinicius de Moraes, Maria Creuza e Toquinho)109, até à

publicação de um inquérito onde o público dava sua opinião sobre o novo

folhetim110.

Conforme Isabel Ferin Cunha (2004a) o sucesso e aceitação da

telenovela Gabriela a transforma num prodígio de audiências e inaugura o

fenômeno da comunicação de massa centrada na televisão em Portugal. O

sucesso do folhetim provava também “a existência de uma indústria de

conteúdos em português, altamente desenvolvida, portadoras de lógicas próprias

de criação e divulgação, e do fascínio provocado nas audiências pelos seus

produtos”. De fato, a expansão da indústria cultural brasileira começou antes

mesmo de Gabriela mas teve um crescimento acentuado com chegada das

telenovelas.

Neste período já havia outros produtos culturais brasileiros circulando em

Portugal na área da música, literatura, teatro e cinema. No auge do

desenvolvimento da indústria cultural brasileira, bens simbólicos como os best-

sellers de Jorge Amado, as peças de Augusto Boal, as músicas de Chico

Buarque, os filmes de Carlos Diegues e Arnaldo Jabor, circulavam com boa

aceitação no mercado português111 (Isabel Ferin Cunha, 2004a). Entretanto, a

telenovela é o produto cultural brasileiro mais emblemático no mercado

109 Plateia. Nº 809, 01.07.1977, p. 7.

110 Plateia. Nº 810, 15.07.1977, p. 9-10.

111 Ainda que no caso do cinema, como mencionamos, a crítica não tenha recebido muito bem estes filmes. Jorge Leitão Ramos diz a propósito: “(...) Mas receio muito que a invasão (quase certa) de cinema brasileiro se faça pelo lado menos bom, da lágrima fácil e da pornochanchada, e sirva apenas para que a exibição ganhe muito dinheiro fácil e a gente, todos, fique um pouco mais estúpidos”. Diário de Lisboa. 23.09.1977, p. 13.

163

externo112.

Com a chegada dos anos 80, a política de privatizações em Portugal

atingiu as empresas jornalísticas, mas a televisão só verá mudança em seu

modelo de gestão no final da década, com uma revisão na Constituição e a

abertura aos grupos privados em 1992. Ainda na década de 80, as telenovelas

brasileiras dominam o espaço na televisão pública portuguesa e títulos como

Guerra dos sexos (1984) e Roque Santeiro (1987) garantem as boas audiências

da RTP1. João Bérnad da Costa (1998, p. 69) afirmou que na década de 80

“nem os maiores êxitos dos primeiros anos dela (E.T. de Spielberg, por exemplo,

ou o ciclo da Guerra das Estrelas) se aproximaram das audiências conseguidas

pelas telenovelas brasileiras, que, em Portugal, entraram a matar em 1977 com

a célebre Gabriela. A televisão a cores – chegada em 1980 – rematou e

arrematou”.

Já nos anos 90, este quadro pouco se modificou e o sistema telenovela-

telejornal-telenovela vai ser mantido, só que em 1992 a rede pública de televisão

tem que dividir seu produto cultural com a nova operadora privada (SIC), que

posteriormente assina um acordo de exclusividade com a rede Globo. Mas as

telenovelas continuam a angariar espectadores como salienta Jorge Paixão da

Costa (2003, p. 88): “Com o início da televisão privada, em 1992, assistiu-se a

um incremento gradual da exibição de telenovelas em Portugal. Esse aumento

significativo de emissões, que até aí tinham apresentado uma média de 2

telenovelas por ano, com 4 novelas exibidas no ano de arranque do primeiro

canal privado (SIC), teve seu auge nos anos de 1994 e 1995 com um total de 26

telenovelas exibidas pela RTP1, 20 na SIC, 10 na TVI e apenas 4 na RTP2 em

112 A produção de telenovelas no Brasil começa em 1963 mas somente dez anos mais tarde inaugura-se o comércio de exportação deste produto com O bem amado vendido para o Uruguai. O bem amado foi a primeira telenovela a cores que atendeu às exigências do mercado internacional da época. Em 2003 a rede Globo já vendia telenovelas para 130 países e seus melhores clientes estavam na Europa e no Oriente Médio. Ao lado de Terra Nostra, Escrava Isaura é um dos grandes fenômenos de vendas internacionais da emissora de TV (Jimenez, 2003).

164

1994”113.

Neste contexto de forte pressão da indústria cultural brasileira, traduzida

sobretudo nas telenovelas, dá-se um fenômeno que Isabel Ferin (2004b)

esclarece: “A relação entre os diversos produtos da indústria cultural, e de

conteúdos, com a telenovela é estabelecida constantemente, de diversas formas

e em diferentes níveis: entre literatura e a telenovela, entre o teatro, os actores e

a telenovela, entre a MPB e a telenovela, assim como entre o cinema, os actores

e a telenovela”. Se o cinema brasileiro já não recebia a calorosa acolhida dos

anos 60/70, após a presença das telenovelas a dominar o espaço das televisões

portuguesas, esta acolhida será bem pior. Ao contrário das “grandes massas de

espectadores”, os críticos de cinema114 não viam com bons olhos este tipo de

narrativa seriada, considerada como subproduto cultural. O estabelecimento de

relações, normalmente de semelhança, entre as telenovelas e o cinema

brasileiro vai alterar sobremaneira a imagem do cinema brasileiro em Portugal.

Esta alteração passa pelo olhar da crítica de cinema lusa sobre a perda de

qualidade dos filmes brasileiros, uma vez que, desde os atores inscritos numa

rede de sistema de estrelas já consagrados na televisão, até à adoção de

determinados efeitos estéticos como os fechados enquadramentos, serão, desde

1977, com Gabriela, associados ao cinema brasileiro como parte constituinte de

uma indústria de banalização estética e comercial.

Para a crítica, o cinema havia garantido seu lugar de arte conquistado

desde os anos 50/60 e não poderia ser confundido com a vulgarização comercial

113 É certo que nem todas as telenovelas eram brasileiras, mas sua grande maioria sim, sobretudo as exibidas na RTP1 e na SIC. Jorge Paixão (2003, p. 88) acrescenta que, em 1995, “as novelas exibidas na SIC foram, na sua esmagadora maioria, provenientes da Rede Globo de Televisão (56 títulos), excepto Tocaia Grande, que foi produzida pela Rede Manchete, Os Imigrantes da TV Bandeirantes e duas telenovelas venezuelanas da produtora Venevision Mulher Proibida e Por Amar-te Tanto”.

114 Recentemente, em crônica (A telenovela é o fascismo) publicada no Expresso on-line, o crítico de cinema Jorge Leitão Ramos dizia: “A telenovela é o desdém pelo espectador enquanto ser pensante – tudo está digerido. A telenovela é o anátema a tudo o que saia a nível rasteiro – a música de Mozart está proibida, a poesia é-lhe estranha, qualquer movimento de câmera significante é posto no índex. A telenovela é a expressão acabada do desprezo – do desprezo que eles, os que mandam, sentem por nós”. Disponível em: www.expresso.pt (Consult. 08.06.2004).

165

da televisão. Em diversas críticas115 aos filmes brasileiros do período e até nos

dias atuais, a relação estabelecida entre telenovela e cinema brasileiro é

recorrente e considerada critério de desqualificação dos filmes que agora estão

sujeitos e submissos a uma “estética televisiva” baseada na “visibilidade” da

intriga dessas narrativas seriadas e num modelo de interpretação dos atores que

privilegia dramaturgicamente o reduzido espaço da tela de TV116.

A guerra travada entre o cinema e a televisão tem raízes históricas que

remetem aos anos 50 nos países industrializados (sobretudo nos Estados

Unidos) quando o cinema começa a perder espectadores para a TV. As várias

questões que se impuseram com o desenvolvimento da nova mídia tenderam a

desvalorizar a TV, que ainda foi acusada de “roubar” os espectadores de cinema.

Eduardo Geada (1987, p. 128) comenta: “O hábito da televisão contribuiu em

parte para o processo de secularização do ritual cinematográfico, banalizando os

temas e os moldes da narrativa em imagens, tornando o espectador sedentário e

rotineiro”.

Em Portugal, esta crise de espectadores só chega em meados da década

de 70: “Entre 1974 e 1984 o cinema perdeu cerca de 15 milhões de

espectadores, isto é, o equivalente a 60% da totalidade de seu público, nesse

período, cabendo à zona de Lisboa uma fatia superior a seis milhões, apesar da

capital conservar as melhores salas”, como observa Eduardo Geada (1987, p.

138). Neste mesmo período, o número de aparelhos televisores cresce de 718

400 em 1975, para 1 571 301 em 1985 em Portugal continental, a maioria

obviamente concentrado nas cidades de Lisboa e Porto117. A grande “ameaça”

para o cinema, sobretudo naqueles países fora do circuito americano, deixara de

ser externa com a dominação do mercado por Hollywood e passara a ser

115 Exibiremos na Parte 3 de nossa investigação marcas identificadas nas resenhas desta relação recorrente entre telenovela e cinema brasileiro.

116 Segundo Bordwell (2001), o acting é um dos mais mencionados aspectos na crítica jornalística de filmes. No caso português não se configura como o aspecto mais citado nas críticas; mesmo assim, a interpretação tem um valor relevante na justificação do juízo sobre o filme.

117 Dados retirados do livro de Eduardo Geada. O Cinema espectáculo. Lisboa : edições 70, 1987, p. 140.

166

interna, representada pela televisão.

As más avaliações acerca de filmes como Dona Flor e seus dois maridos

em 1977, Lúcio Flávio em 1979, Ópera do malandro em 1987 e Central do Brasil

(1999) inserem-se nesta guerrilha entre cinema e TV. Estes e outros filmes foram

criticados por adotarem o modelo televisivo de feição populista e mercadológica.

Fora do tom mais apocalíptico deste conflito, autores como Arlindo

Machado (1997) recordam-nos o “diálogo entre cinema e vídeo” em cineastas-

autor como Jean-Luc Godard, que produziu séries para TV como six fois deux

(1976) e antes mesmo num filme como La chinoise (1967), em que “já explorava

a estética da televisão, tanto no enquadramento típico de telejornal ou de

programa de entrevistas, com o ator falando diretamente para a câmera, como

no tratamento de temas de atualidade, embaralhando as categorias de ficção e

da realidade” (Machado, 1997, p. 205). Além de Godard, outros tantos grandes

cineastas inventivos mantiveram um contato estreito com a televisão, valendo a

pena lembrar os nomes de Alfred Hitchcock, que entre 1955 e 1965 dirigiu várias

séries para a televisão norte-americana, Roberto Rosselini que nos anos 60 e 70

realizou diversos “filmes históricos” concebidos para serem veiculados na TV,

Kieslowski que produziu uma das grandes e memoráveis séries em dez

episódios denominada Dekalog em 1988, e o próprio Glauber Rocha, cujas

intervenções no inventivo programa Abertura ficaram marcadas na história da

televisão brasileira.

Este diálogo de que Arlindo Machado118 falara se estabelece cada vez

mais de forma recíproca, dado que a televisão também absorveu elementos (não

só realizadores) da estética cinematográfica numa relação de simbiose que

alguns hoje preferem chamar de “audiovisual”. A boa qualidade técnica das

telenovelas brasileiras se deve, em parte, ao fato de a maioria de seus técnicos

terem vindo da experiência anterior com o cinema.

118 Arlindo Machado também tem se dedicado a romper com os clichês, reproduzidos em muitos estudos de comunicação, sobre a demonização ingênua da televisão e das telenovelas sobretudo no livro A televisão levada a sério. O autor salienta que há, entre os críticos e acadêmicos, uma recusa intelectual à televisão (Machado, 2000).

167

O fato de admitirmos este diálogo não quer dizer que não reconheçamos

as especificidades de cada forma de expressão que, obviamente, tanto o cinema

como a telenovela enquanto um gênero televisivo, possuem. Buscamos, todavia,

refletir sobre como este confronto entre cinema e televisão exerceu (e tem

exercido) forte influência na avaliação das obras do cinema brasileiro desde os

tempos de Gabriela. Talvez a questão não esteja vinculada exclusivamente ao

mérito, ou seja, a avaliar de forma adequada ou não a relação entre as

telenovelas e o cinema brasileiro contemporâneo mas ao fato de estabelecer-se

um pré-juízo, geralmente desfavorável, a este mesmo cinema. Ademais, este

juízo incide e é mediado pela cultura e por todo contexto histórico que se

configurou tanto em Portugal como no Brasil desde finais dos anos 70.

168

Alguns dados quantitativos

A nossa pesquisa produziu uma série de dados e tabelas com o objetivo

de ampliar a compreensão do quadro histórico proposto. Estes dados dizem

respeito aos filmes brasileiros exibidos nos festivais, aos filmes apresentados

nos circuitos comerciais, às principais distribuidoras de filmes brasileiros, aos

realizadores brasileiros que mais exibiram filmes em Portugal, às publicações

portuguesas e seus críticos que ao longo das últimas décadas avaliaram o

cinema brasileiro.

1. O circuito não-comercial

A presença da cinematografia brasileira em Portugal passa

inevitavelmente pelo circuito alternativo (também chamado de “arte e ensaio”),

ou seja, por fora da rede de exibição e distribuição comercial. A maioria dos

filmes exibidos em território luso tem circulado sobretudo por festivais, ciclos e

mostras com atuação mais intensa a partir da década de 70. Após os primeiros

festivais (dedicados exclusivamente ao cinema brasileiro, ver Tabelas 1, 2 e 3

nas páginas 142 e 143) do início da década, o Festival Internacional de Cinema

de Figueira da Foz, um dos mais antigos do país (nascido em 1972), exibiu

filmes brasileiros como Deus e o diabo na terra do sol em 1974 e Toda nudez

será castigada em 1975, mantendo uma certa frequência de exibição até os dias

que correm (Tabela 4). Já a partir de meados da década de 80 é no Festival

Internacional de Cinema de Tróia onde também são exibidas muitas películas

brasileiras (Tabela 5). Nos anos 90, o destaque vai para a criação do Festival de

Cinema Luso-Brasileiro, localizado na cidade de Santa Maria da Feira (Tabela 6).

169

Tabela 4: Filmes brasileiros exibidos no Festival de Figueira da Foz – Anos 70/90

Φιλμε ΑνοDeus e o diabo na terra do sol 1974Iracema, uma transa amazônica 1975Toda nudez será castigada 1975Manhã cinzenta 1976A lenda de Ubirajara 1977Barra pesada 1977Tenda dos milagres 1977Chuvas de verão 1978A queda 1980A rainha do rádio 1980A idade da terra 1981O homem que virou suco 1981Maldita coincidência 1982Eles não usam black-tie 1982Prá frente, Brasil 1983Ao sul do meu corpo 1983O desafio 1983A casa assassinada 1983Anchieta, José do Brasil 1983A próxima vítima 1984Nasce uma mulher 1985Marvada carne 1985Cabra marcado para morrer 1985Noites do sertão 1985Prá frente Brasil 1985Bar esperança 1985Acto de violência 1985Gaijin, os caminhos da liberdade 1985Sargento Getúlio 1985Sete dias de agonia 1985Areias escaldantes 1986Tigipió, uma questão de honra 1986Os anjos do arrabalde 1987Rádio Pirata 1987Um trem para estrelas 1987Amor palavra prostituta 1987Chico rei 1988Natal da Portela 1988Eternamente Pagú 1988Ganga Zumba 1988Festa 1989

170

Primeiro de Abril Brasil 1989Romance 1989Quilombo 1990A saga do guerreiro alumioso 1993O caldeirão de santa cruz do deserto 1994Boi de prata 1994Tigipió, uma questão de honra 1994Césio 137 1996Corisco e Dadá 1996O guarani 1996O mandarim 1996Sombras de julho 1996Terra estrangeira 1996Yndio do Brasil 1996For all - o trampolim da vitória 1997O homem nú 1997Anahy de las missiones 1998Hans Staden - Lá vem nossa comida pulando 1999

Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa e no site do Festival F. Foz (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).

Tabela 5: Filmes brasileiros exibidos no Festival de Tróia – Anos 80/90

Φιλμε ΑνοAvaeté, semente da violência 1985Cabra marcado para morrer 1985Memórias do cárcere 1985Eu sei que vou te amar 1986A dama do cine shangai 1989A menina do lado 1989Das tripas coração 1992Mar de Rosas 1992Sonho de valsa 1992O fio da memória 1993A terceira margem do rio 1994Bang-bang 1994Minas Texas 1994O jogo da vida 1994O mágico e o delegado 1994Os monstros de babaloo 1994Sermões - a história de António Vieira 1994Vagas para moças de fino trato 1994Lamarca 1995

171

Bocage, o triunfo do amor 1998

Obs: Dados inconclusos coletados na Cinemateca Portuguesa – o acervo dos catálogos do Festival encontra-se incompleto (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).

Tabela 6: Filmes exibidos no Festival de Cinema Luso-Brasileiro – Anos 90

Φιλμε ΑνοAlma corsária 1997Pequeno dicionário amoroso 1997Quem matou Pixote? 1997Amores 1998Central do Brasil 1998Felicidade é... 1998Kenoma 1998Meia-noite 1998Traição 1998Ação entre amigos 1999Dois córregos 1999Hans Staden - Lá vem nossa comida pulando 1999O beijo no asfalto 1999Orfeu 1999Os sete gatinhos 1999Por trás do pano 1999Um copo de cólera 1999

Obs: Dados fornecidos pela organização do Festival (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).

Fora dos festivais, os ciclos e mostras sobre cinema brasileiro ganharam

ampla receptividade sobretudo a partir de 1978. Neste ano, a Fundação

Calouste Gulbenkian apresentou um grande Ciclo sobre o Cinema Brasileiro com

mais de vinte filmes exibidos, abarcando títulos desde a fase do cinema mudo,

passando pelo ciclo do cangaço e pelo Cinema Novo até chegar às últimas

obras da década do 70 como O amuleto de Ogun de Nelson Pereira dos Santos

(Tabela 7).

172

Tabela 7: Filmes brasileiros exibidos na Fundação Gulbenkian – Anos 70

Φιλμε ΑνοA casa assassinada 1978A hora e a vez de Augusto Matraga 1978Assalto ao trem pagador 1978Deus e o diabo na terra do sol 1978Lição de amor 1978Macunaíma 1978O amuleto de ogum 1978O bandido da luz vermelha 1978O cangaceiro 1978O caso dos irmãos Naves 1978O pagador de promessas 1978Os fuzis 1978Os herdeiros 1978Os inconfidentes 1978Pecado na sacristia 1978Perdida 1978Rio, 40 graus 1978Sangue mineiro 1978São Bernardo 1978Simão, o caolho 1978Toda nudez será castigada 1978Uirá, um índio em busca de Deus 1978Vidas secas 1978

Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa (curtas-metragens não incluídos).

Nos anos 80 e 90 foi a Cinemateca Portuguesa a promover vários ciclos e

mostras de filmes brasileiros, alguns dedicados exclusivamente a autores como

Glauber Rocha. Foi o caso de um grande ciclo que aconteceu entre Maio e

Junho 1987, quando foram exibidos vários filmes, alguns inéditos como Tabu de

Júlio Bressane e praticamente toda a obra de Glauber Rocha incluindo até os

curtas-metragens. Em Março de 1990, a Cinemateca apresentou no ciclo O

topus ilumina o opus? o também inédito comercialmente em Portugal A idade da

terra de Glauber Rocha. Em 1993 filmes como Vidas secas e São Bernardo

foram vistos no ciclo Imaginando Graciliano Ramos. Em 1998, uma significativa

mostra em homenagem aos Cem anos de cinema brasileiro apresentava

173

películas de Glauber Rocha, Hector Babenco, Leon Hirszan e outros. Por fim, já

em 1999, um ciclo dedicado a Ruy Guerra quando alguns títulos de sua

cinematografia foram oferecidos ao público (Tabela 8).

Tabela 8: Filmes brasileiros exibidos na Cinemateca Portuguesa – Anos 80/90

Φιλμε ΑνοA montanha dos sete ecos 1985A hora da estrela 1987A idade da terra 1987A lira do delírio 1987A noite 1987Anchieta, José do Brasil 1987Ato de violência 1987Barravento 1987Brás Cubas 1987Brasa dormida 1987Bye Bye, Brasil 1987Cabeças cortadas 1987Cabra marcado para morrer 1987Câncer 1987Chuvas de verão 1987Claro 1987Com licença, eu vou à luta 1987Das tripas coração 1987Deus e o diabo na terra do sol 1987Eu sei que vou te amar 1987História do Brasil 1987Lúcio Flávio, o passageiro da agonia 1987O leão de sete cabeças 1987O baiano fantasma 1987O beijo da mulher aranha 1987António das Mortes 1987O homem do pau-brasil 1987O homem que virou suco 1987O terceiro milênio 1987Sangue mineiro 1987Tabu 1987Terra em transe 1987Thesouro perdido 1987A idade da terra 1990Barravento 1990

174

Barravento 1991Pixote, a lei do mais fraco 1992A idade da terra 1993São Bernardo 1993Vidas secas 1993Imagens do inconsciente 1994Anjos do arrabalde 1996Deus e o diabo na terra do sol 1996Mil e uma 1996António das Mortes 1996Pixote, a lei do mais fraco 1996A hora e a vez de Augusto Matraga 1998A ostra e o vento 1998Aleluia, Gretchen 1998Assalto ao trem pagador 1998Carlota Joaquina, princesa do Brasil 1998Como ser solteiro 1998Deus e o diabo na terra do sol 1998Dona Flor e seus dois maridos 1998Eles não usam black-tie 1998Esta noite encarnarei no teu cadáver 1998Exorcismo negro 1998Iracema, uma transa amazônica 1998Macunaíma 1998O baile perfumado 1998O judeu 1998O quatrilho 1998Os fuzis 1998Pequeno dicionário amoroso 1998Pixote, a lei do mais fraco 1998Terra estrangeira 1998Uirá, um índio em busca de deus 1998A intrusa 1999A queda 1999Kuarup 1999Ópera do malandro 1999Os cafajestes 1999Os deuses e os mortos 1999

Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).

Convém assinalar que, na Cinemateca, antes da exibição das obras, os

175

espectadores recebiam119 um texto informativo-histórico de apreciação estética,

contendo também a ficha técnica do filme. Estes textos ou “Folhas” eram

produzidas por colaboradores da Cinemateca que tinha em seus quadros nomes

como Luís de Pina, Gil Abrunhosa, João Bérnad da Costa, Manuel Cintra

Ferreira, António Rodrigues e outros. Estes textos, apesar de muito

interessantes, não serviram como unidades de registros em nossa investigação

uma vez que fugiam do escopo de “críticas publicadas”.

Mais que fazer crítica ou servir de orientação de “como gastar bem seu

dinheiro no cinema”, estes circuitos de arte buscavam divulgar cinematografias

distantes do cenário declaradamente comercial, contavam com um público mais

restrito e especializado e, por isso mesmo, eram espaços onde se formava

opinião. A grande atenção dada a obras de Glauber Rocha e de outros nomes do

Cinema Novo brasileiro indica que também (e talvez principalmente) nestes

circuitos alternativos o Cinema Novo gozava de grande prestígio, reconhecido

sobretudo nos filmes do realizador baiano (Tabela 9).

Tabela 9: Filmes de Glauber Rocha exibidos na Cinemateca Portuguesa – Anos 80/90

Φιλμε ΑνοA idade da terra 1987António das Mortes 1987Barravento 1987Cabeças cortadas 1987Câncer 1987Claro 1987Deus e o diabo na terra do sol 1987O leão de sete cabeças 1987História do Brasil 1987Terra em transe 1987A idade da terra 1990Barravento 1990Barravento 1991A idade da terra 1993Deus e o diabo na terra do sol 1996

119 Ainda hoje a Cinemateca Portuguesa mantém esta prática de distribuição das “Folhas da Cinemateca”, prática que parece vir dos cineclubes.

176

António das Mortes 1996Deus e o diabo na terra do sol 1998

Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).

2. O circuito comercial

Entre 1960 e 1999, a exibição de filmes brasileiros nas salas comerciais

de Lisboa variou em termos de quantidade havendo uma predominância de

títulos na década de 70. De um modo geral, estas variações inseriram-se nas

experiências históricas vividas no Brasil e em Portugal (como já mencionamos),

embora outros fatores120 tivessem também contribuído para tal quadro. Com

efeito, nos anos 60 problemas ligados à distribuição e à censura dificultaram a

acessibilidade de filmes, problemas estes que perduraram até 1974. Após este

período há um crescimento significativo (em termos comparativos) de filmes que

só irá decair severamente em início dos anos 90 com o colapso da Embrafilme e

o consequente desmantelamento da produção cinematográfica brasileira. Em

meados da década de 90, o mercado volta a crescer ainda que em números

pequenos. Em 1999 o filme Central do Brasil ganha lançamento simultâneo em

11 salas de Lisboa. Importante observar que a cinematografia brasileira,

considerada periférica em termos de mercado de produção e distribuição, é

como a cinematografia chinesa ou iraniana, cujos filmes têm uma circulação

mais eficiente entre os festivais do que nos circuitos comerciais (Tabela 10).

Tabela 10: Filmes brasileiros exibidos no circuito comercial – Anos 60/90

Φιλμε ΑνοMeus amores no Rio 1960A morte comanda o cangaço 1962O pagador de promessas 1963Assalto ao trem pagador 1965Vidas secas 1967A fúria do cangaceiro 1970António das Mortes 1972

120 Fatores mais especificamente ligados ao mercado distribuidor e exibidor de filmes que não foram contemplados em nossa investigação.

177

O homem nú 1973Os herdeiros 1974São Bernardo 1974Terra em transe 1974Aladino e a lâmpada maravilhosa 1974António das mortes 1975Os paqueras 1975O leão das sete cabeças 1975Os fuzis 1975Os inconfidentes 1975Toda nudez será castigada 1976Macunaíma 1976Barravento 1976Cabeças cortadas 1976Câncer 1976Dona Flor e seus dois maridos 1977Xica da Silva 1977Deus e o diabo na terra do sol 1977O casamento 1977O casal 1977Gente fina é outra coisa 1978A dama do lotação 1978Lúcio Flávio, o passageiro da agonia 1979Eu te amo 1981Toda nudez será castigada 1981Bye Bye, Brasil 1982Pixote, a lei do mais fraco 1982Cassy Jones, o magnífico sedutor 1983O beijo da mulher aranha 1986Ópera do malandro 1987A turma da Mônica em a princesa e o robot 1989A turma da Mônica em o bicho-papão e outras histórias 1989

Mônica e a sereia do rio 1989Novas aventuras da turma da Mônica 1989Dias melhores virão 1990Gozo alucinante 1990O orgasmo sexual de miss James 1990A estrelinha mágica 1990O cangaceiro trapalhão 1995Gabriela, cravo e canela 1995O quatrilho 1996Bocage, o triunfo do amor 1999O escorpião escarlate 1999

178

Central do Brasil 1999Amor e Cia 1999O judeu 1999

Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa e na Hemeroteca de Lisboa (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).

3. As distribuidoras

A Animatógrafo foi, sem dúvida, a maior distribuidora de filmes brasileiros

em Lisboa. No auge de sua atividade nos anos 70, a Animatógrafo distribuiu em

Portugal quase todos os filmes de Glauber Rocha e também algumas fitas de

Ruy Guerra e Leon Hirszman. Estes filmes foram exibidos em salas como

Estúdio e Universal, sinalizando a via alternativa de circulação. Já a Castello

Lopes foi a distribuidora do Eu te amo de Arnaldo Jabor e do O beijo da mulher

aranha de Hector Babenco, ambos nos anos 80. A Doper distribuiu filmes como

Bye Bye, Brasil de Carlos Diegues e Ópera do Malandro de Ruy Guerra, ambos

exibidos no Estúdio 444. A Ecofilmes fez a distribuição dos filmes infantis de

Maurício de Sousa, como Novas aventuras da turma da Mônica. Por fim, a

Lusomundo, considerada a maior distribuidora de filmes brasileiros (e não só) da

década de 90, apresentou Central do Brasil de Walter Salles (Tabela 11).

Tabela 11: Filmes brasileiros exibidos por distribuidoras – Anos 60/90

Διστριβυιδορασ Νο Φιλμεσ

Animatógrafo 9Castello Lopes 6Doper 5Ecofilmes 5Distribuidora não identificada 5Lusomundo 4Filmes ocidente 3Imperial Filmes 3Vitória Filmes 3Rivus 2Saturno 2Atlanta 1Cinema Novo 1

179

Columbia 1Rank 1Sacil 1Sofilmes 1Τοταλ 53

Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa (distribuição no circuito comercial).

4. Os realizadores

Dentre os realizadores brasileiros, Glauber Rocha foi o que mais mostrou

seus filmes no circuito comercial lisboeta. Quase toda a sua cinematografia foi

exibida desde Barravento até O leão de 7 cabeças e apesar de tardia e sem

grandes campanhas de marketing, as exibições marcaram a passagem do

Cinema Novo em Portugal, sobretudo na década de 70. Curiosamente, após

Glauber Rocha o cartunista e criador de banda desenhada Maurício de Sousa

aparece como o segundo realizador que mais exibiu filmes comercialmente em

Lisboa. Os filmes infantis sobre As aventuras da turma Mônica tiveram boa

distribuição e exibição comercial na década de 80, embora não suscitassem

qualquer crítica. A seguir temos Carlos Diegues, Arnaldo Jabor, Hector Babenco

e Ruy Guerra, todos com um número de filmes exibidos bem abaixo de suas

cinematografias (Tabela 12).

Tabela 12: Filmes brasileiros exibidos no circuito comercial por realizador – Anos 60/90

RealizadoresΝο de filmes

Glauber Rocha 7Maurício de Sousa 5Carlos Diegues 4Arnaldo Jabor 3Hector Babenco 3Ruy Guerra 3Anselmo Duarte 2Bruno Barreto 2Daniel Filho 2Joaquim Pedro de Andrade 2Antônio Calmon 1

180

Carlos Coimbra 1Carlos Hugo Christensen 1Djalma Limongi Batista 1Fábio Barreto 1Helvécio Ratton 1Ivan Cardoso 1J. B. Tanko 1Jean Garret 1Jona Toby Azulay 1Leon Hirszman 1Luís Sérgio Person 1Nelson Pereira dos Santos 1Neville d'Almeida 1Reginaldo Faria 1Roberto Farias 1Roberto Santos 1Rubens Eleutério 1Stefan Wohl 1Walter Salles 1Τοταλ 53

Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa e Hemeroteca de Lisboa.

5. As publicações

No que concerne às publicações, foi nos diários lisboetas onde mais se

publicou críticas sobre filmes brasileiros entre os anos 60 e 90, notadamente no

Diário de Lisboa, Diário Popular e República, todos hoje fora de circulação do

mercado editorial português. Levando-se em consideração seu tempo de vida e

o fato de ter uma tiragem semanal, o jornal Expresso também produziu um

número razoável de resenhas. Já nas revistas especializadas, a Celulóide

dedicou muito mais atenção ao cinema brasileiro que a sua contemporânea

Plateia (Tabela 13).

Tabela 13: críticas a filmes brasileiros por publicação – Anos 60/90

Publicação Νο de críticasJornal Diário de Lisboa 38Jornal Diário Popular 37

181

Jornal República 29Jornal A Capital 27Revista Celulóide 25Jornal Diário de Notícias 24Jornal Expresso 17Revista Plateia 7Jornal de Letras 7Jornal Correio da Manhã 5Revista Isto é Espectáculo 3Jornal Público 3Revista O Tempo e o Modo 2Revista Isto é Cinema 2Revista Seara Nova 1Revista Filme 1Revista Estúdio 1Revista Cinema 15 1Τοταλ 230

Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa.

6. Os críticos

Lauro António foi o crítico que mais publicou resenhas sobre filmes

brasileiros exibidos em Lisboa. Um dos mais antigos críticos de Portugal, Lauro

António exerceu seu ofício sobretudo no Diário de Lisboa e no Diário de Notícias,

tendo assinado também algumas críticas na revista Celulóide. Além de Lauro

António, destaque para José Vaz Pereira, Fernando Duarte e Tito Lívio que

atuavam respectivamente no A Capital, na revista Celulóide e no Diário Popular.

Observamos também um número significativo de críticas não assinadas e outras

assinadas somente com as iniciais (Tabela 14).

Tabela 14: Críticas a filmes brasileiros por autor – Anos 60/90

Αutor Νο de críticasLauro António 31Não Assinada 27José Vaz Pereira 19Fernando Duarte 15Tito Lívio 15Afonso Cautela 12

182

Carlos Pina 11Jorge Leitão Ramos 10José de Matos-Cruz 7 Eduardo Prado Coelho 4João Lopes 4Vitoriano Rosa 4Avelino Dias 3Francisco Perestrello 3Rui Afonso 3Adelino Cardoso 2Alberto Seixas Santos 2Alberto Seixas Santos e Eduardo Geada 2António Cabrita 2Augusto M. Seabra 2Carlos Albino 2Eduardo Geada 2Eurico de Barros 2Guilherme Ismael 2Manuel Cintra Ferreira 2Manuel de Azevedo 2Manuel S. Fonseca 2Mário Jorge Torres 2Noberto Viana 2Oliveira Pinto 2Vasco Santos 2Alb. 1Carlos Mendes Leal 1D. A. 1D. S. 1E. M. 1E. P. 1Eduarda Ferreira 1F. 1Francisco Ferreira 1Helena Vaz da Silva 1I. O. 1João Bénard da Costa 1Joaquim Cavalheiro 1Jorge Pinho 1L. d' O. N. 1M. G. R. 1M. Machado Luz 1Maria Fernanda Reis 1Miguel Esteves Cardoso 1

183

Nuno de Bragança 1P. 1P. da C. 1P. de M. 1Pedro Borges 1R. 1Rodrigues da Silva 1Servais Tiago 1V. 1Vera Ferreira 1Vicente Jorge Silva 1Τοταλ 230

Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa

184

PARTE 3 - As marcas nos discursos da crítica de cinema

Propomos neste momento da investigação definir as questões

metodológicas ao tratar da delimitação do corpus da pesquisa e as opções feitas

para tal enquadramento. Em seguida nos debruçamos sobre as nossas unidades

de registros, as críticas sobre filmes brasileiros, com o objetivo de identificar

marcas retóricas e contextuais verificáveis nos textos de publicações de

jornalismo cinematográfico portuguesas ao longo das últimas quatro décadas.

Posteriormente, apresentamos uma avaliação dos resultados da análise

das resenhas sobre filmes brasileiros exibidos em Portugal. Por fim, dedicamos

um capítulo à reflexão acerca da influência exercida pela crítica sobre o leitor.

185

Delimitação do corpus

Demarcaremos o nosso corpus como o conjunto das resenhas críticas

publicadas na imprensa de Lisboa sobre filmes brasileiros entre 1960 e 1999

inclusive, privilegiando as análises dos filmes mais criticados por década, ou

seja, aquelas películas que mais foram motivo de avaliação nas principais

publicações do período.

Por cinema brasileiro entendemos aqueles filmes cuja “nacionalidade”

remete à identidade brasileira, embora em alguns casos seus realizadores nem

sempre sejam de origem brasileira (caso, por exemplo, de moçambicano-

brasileiro Ruy Guerra). Sabemos que o conceito de um “cinema nacional”, hoje

mais do que nunca, passa por transformações, sobretudo numa época onde a

chamada globalização evidencia o caráter multinacional de seus técnicos, de

suas locações e realizadores. Esta “desterritorialização” do cinema acirrou-se

com o advento das novas tecnologias da comunicação, que tem criado uma

nova cartografia simbólica devido a sua condição de transgredir fronteiras.

Todavia, apesar de reconhecer a delicadeza do problema (e assumirmos que

trabalhamos com conceitos não muito estáveis), ficamos com a definição de

Josep Lluís Fecé Gómez121 : “De uma forma geral, podemos dizer que uma

cinematografia nacional está composta por um amplo conjunto de filmes nos

quais podem observar-se elementos temáticos e formais suscetíveis de

configurar um «modelo». (...) Quer dizer, o investigador encontra uma certa

coerência entre um amplo número de filmes e assume que essa coerência tem

relação com a produção e recepção desses filmes dentro dos limites de um

Estado-Nação ou de uma nação sem Estado”. Por outras palavras, deve-se

121 GÓMEZ, Josep Lluís Fecé. El concepto de «cine nacional» en la era de la comunicación. Disponível na www: <URL: http:// www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras.

186

estabelecer uma relação entre as coerências «textuais» ou internas, com

aquelas «contextuais», o ambiente político, social e histórico. Assim, mesmo

algumas co-produções foram incluídas no que denominamos de cinema

brasileiro.

Podemos dizer o mesmo em relação àquilo a que chamamos crítica de

cinema “portuguesa”. Estabelecer uma identidade nacional para esta prática

discursiva é também um terreno assaz complicado e nos limitaremos a

reconhecê-los como discursos culturais produzidos por jornalistas ou não,

publicados nos espaços institucionais destinados à crítica de filmes. Procurou-

se, todavia, excluir as pequenas notas e os textos da chamada crônica social,

isto é, aqueles mais ligados aos boatos sobre os bastidores dos filmes ou sobre

a vida privada dos artistas, uma vez não se tratar da área de interesse de nossa

investigação.

O espaço geográfico de circulação das edições também foi por nós

delimitado posto que somente foram consultadas as publicações lisboetas, ou

melhor, os principais jornais, semanários e revistas da cidade de Lisboa.

Contamos, por certo, com pequeno um grau de falibilidade, apesar da coleta

exaustiva dos dados, uma vez que certos exemplares de jornais122 não existem

nos arquivos consultados, nomeadamente nos da Cinemateca Portuguesa e nos

da Hemeroteca Municipal de Lisboa. Contudo, acreditamos que muito pouco

ficou de fora, não comprometendo assim o rigor da recolha e da avaliação das

informações.

Buscamos, além disso, abarcar os filmes brasileiros (somente a título de

levantamento, uma vez que boa parte dessas películas não foi motivo de críticas

por parte da grande imprensa) exibidos no circuito dos principais festivais de

cinema em Portugal, a saber, o Festival Internacional de Cinema de Figueira da

Foz, o Festival Internacional de Tróia e o Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria

da Feira. Também foram levados em conta o 1º Festival do Cinema Brasileiro em

122 Refiro-me às edições dos jornais República (05.05.1974), Diário Popular (09.02.1975 e 21 e 23.02.1982), A Capital (24 e 25.04.1977, 21.02.1982 e 28.03.1982).

187

Portugal, assim como a 1ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro e finalmente a 1a

Semana do Cinema Brasileiro. Afora o 1º Festival do Cinema Brasileiro, que

recebeu uma boa cobertura pela imprensa e conseqüentemente uma grande

quantidade de resenhas dos filmes e a 1ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro,

que foi motivo de alguma repercussão, os outros festivais foram ignorados pela

crítica, talvez pela pouca disponibilidade na agenda do jornalismo cultural luso.

Todavia, as exibições dos filmes dos festivais foram por nós contabilizadas como

exibições no circuito não-comercial. Ademais, reconhecemos que o grande

mercado exibidor dos filmes brasileiros em Portugal tem sido os festivais, os

ciclos e as mostras retrospectivas realizadas na Cinemateca Portuguesa. Vale

salientar que o circuito dos festivais de cinema, no final das contas,

internacionalmente cumpre esta função de apresentar a um mercado mais

restrito os filmes aclamados como independentes.

Nosso enquadramento temporal obedeceu a critérios de importância

histórico-temática tanto para o cinema brasileiro como para a crítica portuguesa.

Os anos que vão de 1960 até 1999 compreendem cenários históricos e culturais

significativos para ambos os países, cenários estes sobre que procuramos

refletir na Parte 2 de nossa investigação. Não queríamos deixar de ressaltar que

os critérios na escolha da delimitação do tempo foram perspectivados a partir

das transformações substanciais, tanto estéticas como políticas, sociais e

históricas vividas nas duas nações que, naturalmente influenciaram na

composição de nosso corpus.

Por fim, quanto à nossas fontes, foram examinados os arquivos da

Cinemateca Portuguesa, que disponibilizou dados sobre os filmes brasileiros

apresentados naquele espaço cultural. Também foram consultados, na

Hemeroteca Municipal de Lisboa, os acervos de publicações, ou seja, as

editorias de cultura de jornais, semanários e revistas lisboetas entre 1960 e

1999. Nestas consultas recolhemos um total de 230 críticas acerca de filmes

brasileiros, assim divididas por década (Fig. 1):

188

Figura 1: Total de críticas publicadas por década

189

Após a recolha das resenhas, procedemos à identificação da quantidade

de críticas por filme exibido nas salas de Lisboa, também divididas por década

(Fig. 2, 3, 4, 5 e 6):

Figura 2: Críticas publicadas por filme nos anos 60

190

Figura 3: Críticas publicadas por filme nos anos 70

191

Figura 4: Críticas publicadas por filme nos anos 70 (cont.)

192

Figura 5: Críticas publicadas por filme nos anos 80

Figura 6: Críticas publicadas por filme nos anos 90

1. O recorte

Partindo deste corpus total de 230 críticas, delimitamos para o nosso

escopo de investigação o número de 112 resenhas. Esta seleção baseou-se

predominantemente na escolha dos filmes mais criticados nas quatro décadas,

com algumas exceções presentes na década de 70 e logo abaixo justificadas.

Quanto às publicações, nossa seleção privilegiou as principais revistas, diários e

semanários lisboetas do período e suas disponibilidades nos acervos da

193

Cinemateca Portuguesa e Hemeroteca Municipal de Lisboa. Infelizmente,

ficaram de fora importantes publicações como o jornal O Século, cuja coleção

completa estava indisponível devido a um processo de restauração dos jornais.

Certas revistas especializadas como Cinematógrafo, Revista de Cinema, Arte7 e

Já também foram excluídas da investigação seja pela sua efemeridade (edições

de apenas um ou dois números e que não incluíam críticas de filmes brasileiros),

seja igualmente pela indisponibilidade de seu acervo nas instituições citadas.

Assim, nossa unidade de amostragem compreendeu as edições dos

jornais (A Capital, Diário de Lisboa, Diário Popular, República, Diário de Notícias,

Correio da Manhã e Público), semanários (Expresso), revistas (especializadas:

Plateia, Filme, Celulóide, Estúdio, Cinema 15 e não especializadas: O Tempo e o

Modo e Seara Nova) e outros (Jornal de Letras) que contêm nossas unidades de

registros, ou seja, as críticas aos filmes brasileiros propriamente ditas. Este total

de 112 unidades subdividiu-se em 22 críticas (década de 60), 41 (década de 70),

32 (década de 80) e 17 (década de 90) conforme mostra o gráfico a seguir (Fig.

7):

Figura 7: Total de críticas selecionadas por década

Na década de 60, somente seis filmes brasileiros foram exibidos em

Portugal. Dentre eles, três marcaram uma importante presença quantitativa e

194

qualitativa no discurso da crítica de cinema, quer porque já tinham sido

premiados em festivais quer por apresentar uma visão diferenciada daquilo que

os críticos estavam habituados a ver na cinematografia brasileira. Desse modo,

nossa seleção da década de 60 foi formada por 22 críticas acerca de O pagador

de promessas (Anselmo Duarte) Assalto ao trem pagador (Roberto Farias) e

Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos).

Na década de 70, nossa seleção tornou-se mais complicada uma vez que

o universo de críticas cresceu significativamente e fez-se necessário uma outra

atitude diante das unidades de registros. Época marcada por um grande número

de festivais, a década de 70 ampliou a extensão da presença de filmes

brasileiros em território luso e 41 resenhas dos filmes A fúria do cangaceiro

(Anselmo Duarte), As amorosas (Walter Hugo Kouri), Macunaíma (Joaquim

Pedro de Andrade), António das Mortes (Glauber Rocha) O homem nu (Roberto

Santos), Terra em transe (Glauber Rocha), O leão de 7 cabeças (Glauber

Rocha), Toda nudez será castigada (Arnaldo Jabor), Dona Flor e seus dois

maridos (Bruno Barreto) e finalmente, Lúcio Flávio, o passageiro da agonia

(Hector Babenco) formaram nossa seleção da década de 70. Aqui, a seleção

privilegiou o critério dos filmes que sofreram mais críticas pela imprensa

cinematográfica, além de outros de ordem mais específica, como os filmes As

amorosas e Macunaíma, que foram exibidos durante o 1º Festival de Cinema

Brasileiro em 1971 - festival este que teve uma repercussão enorme junto ao

meio cinematográfico português - e receberam praticamente a mesma

quantidade de comentários que os outros 12 filmes apresentados no festival. O

motivo da escolha então, partiu da observação dos críticos do diário A Capital123

ao relatarem que o primeiro foi o filme mais repelente do Festival e o segundo foi

unânime quanto à sua importância, originalidade e honestidade.

Neste período também é quando os filmes de Glauber Rocha são

finalmente exibidos em salas portuguesas. As críticas aos filmes António das

Mortes, Terra em transe e O leão de sete cabeças foram selecionadas pela

123 A Capital. 27.03.1971. Cena Sete, p. 6. Os referidos críticos foram: Alberto Seixas Santos, Eduardo Geada e Eduardo Prado Coelho.

195

relevância que Glauber Rocha teve para o Cinema Novo e por este ser o

realizador brasileiro de maior prestígio junto da crítica em Portugal. Outros filmes

de Glauber Rocha124 foram também exibidos no período, mas não receberam

tanta atenção da crítica quanto estes.

Para as décadas de 80 e 90, nossa seleção seguiu o princípio geral das

resenhas dos filmes brasileiros mais criticados na imprensa. Desta maneira, as

32 críticas acerca de O beijo da mulher aranha (Hector Babenco), Eu te amo

(Arnaldo Jabor), Bye Bye, Brasil (Carlos Diegues), Pixote, a lei do mais fraco

(Hector Babenco) e Ópera do Malandro (Ruy Guerra) completam o nosso quadro

da década de 1980 e as 17 resenhas sobre Central do Brasil (Walter Salles),

Amor &Cia (Helvécio Ratton), O quatrilho (Fábio Barreto) e O escorpião

escarlate (Ivan Cardoso) constituíram a unidade da década de 1990.

124 Como Cabeças cortadas em 1976 e Deus e o diabo na terra do sol em 1977.

196

As marcas na crítica

O nosso referencial de codificação apresentado conforma-se com as

discussões teóricas propostas na Parte 1 desta tese. A definição das categorias

de análise (das críticas aos filmes brasileiros) pautou-se pela intenção de

construir uma pesquisa qualitativa que sustentasse com relevância, validez e

representatividade nossa investigação sobre esta prática discursiva. O discurso

efetivamente não é um meio neutro de descrever o mundo e as resenhas críticas

de cinema carregam marcas, sinais ou indícios que revelam, além de sua

historicidade, o grau de persuasão para com o público-leitor desses textos.

Assim, o que chamaremos de marcas retóricas e marcas de contexto são

vestígios presentes nos textos que apontam para a sua própria revelação. Ou

seja, as resenhas críticas, além de serem vestígios de uma experiência

persuasiva, são também ricos registros de memória de uma época com que

buscamos, como investigadores, dialogar.

As marcas retóricas aqui compreendidas subdividem-se em marcas de

valor, marcas de justificação de valor e marcas das estratégias de persuasão. As

marcas de valor são aqueles juízos comumente presentes nos textos da crítica

cultural jornalística, fruto da avaliação do crítico sobre a obra. Estes juízos de

valor podem ser positivos ou favoráveis ao filme, negativos ou desfavoráveis ao

filme ou ainda aquilo a que chamaremos de mistos, em que o produtor da crítica

faz sua avaliação pautada num juízo intermediário.

Já as marcas de justificação de valor são aqueles critérios argumentativos

de que a crítica se utiliza a fim de fornecer a justificativa de sua sentença.

Parece-nos clara a existência de diversos e variados critérios utilizados pela

crítica e não pretendemos superá-los. Procuramos, todavia, agrupá-los em dois

197

blocos generalistas definidores dos juízos sobre os filmes: os critérios de

conteúdo e os critérios de forma. Os primeiros valorizam os elementos ligados à

“mensagem” do filme, ao impacto social da obra, sejam estes elementos de

caráter ideológico, ético ou religioso. Já os critérios de forma destacam os

valores da estilística fílmica, do sistema estético-formal da película, como os

movimentos de câmera, angulações, fotografia, estrutura narrativa, o som, os

diálogos, etc.

Estas alegações de que o crítico necessita para fundamentar seu discurso

vêm acompanhadas de marcas de estratégias de persuasão que se baseiam nas

três categorias clássicas de Aristóteles e que foram repensadas por Bordwell no

campo da crítica cinematográfica. Procuraremos identificar nas resenhas os

traços de estratégias de invenção, organização e estilo que visam o

assentimento do leitor a esses discursos.

As marcas de contexto, por sua vez, subdividem-se em marcas de tempo

e marcas de espaço. As primeiras apontam os sinais de elementos presentes no

contexto da época em que a crítica foi publicada. O entorno do discurso

analisado como a evocação dos movimentos cinematográficos em voga, a

referência a métodos e a convenções interpretativas vigentes no período, as

indicações sobre a presença de fatos relevantes na sociedade portuguesa,

enfim, o tecido social e histórico que registra a época. As marcas de espaço

remetem para o posicionamento das resenhas nas editorias das instituições

(jornais, semanários e revistas especializadas em cinema) e também para

espaço dedicado às críticas no interior das páginas.

Convém salientar que estas marcas identificadas através de uma análise

detalhada dos textos funcionam como indicadores na recuperação do horizonte

de expectativas de cada época, além de operarem como parâmetros

mobilizadores básicos dos juízos de aceitação ou recusa dos filmes brasileiros

exibidos num dado período.

Nestas marcas também são evidenciadas convenções ou rituais de

interpretação dos filmes que, situadas historicamente, irão definir os limites do

198

ato produtor do discurso bem como da recepção do próprio discurso. Se o

objetivo da crítica é convencer os leitores da validade de suas observações, ela

deve seguir determinadas rotinas interpretativas e rotinas de organização do

texto a fim de que seus destinatários possam acolhê-la sem ruídos

comunicativos.

199

Marcas retóricas

1. As marcas de valor

Anos 60

Finalmente! O filme mais notável do ano, dizia o cartaz de promoção de O

pagador de promessas num claro apelo retórico aos espectadores lisboetas. Foi

somente em Abril de 1963 que o filme, premiado no Festival de Cannes no ano

anterior e dirigido por Anselmo Duarte, estreou-se em Portugal. O filme atraíra a

atenção da crítica por vários motivos: por tratar-se de uma co-produção (luso-

brasileira), por ter um ator português em seu elenco (Américo Coimbra), por

levantar uma polêmica religiosa ao se reportar ao tema do sincretismo religioso

brasileiro e, finalmente, por ter ganhado a palma de ouro em Cannes num

concurso em que disputavam Robert Bresson (O processo de Joana D’arc) e

Antonioni (O eclipse).

A imprensa cinematográfica portuguesa deu ampla cobertura à estréia do

filme, na qual estavam presentes a atriz brasileira Norma Benguel, o produtor

português Francisco de Castro e o ator Américo Coimbra. A maioria dos registros

críticos publicados fez uma apreciação bastante positiva do filme, apesar das

polêmicas que envolveram sua exibição. Assim, o filme foi celebrado como uma

obra singular da cinematografia brasileira. Adjetivos como notável, pungente e

escaldante, marco luminoso, poético sem melodramatismo e tantos outros foram

utilizados para qualificar a película e excitar o leitor para uma ida à sala de

cinema.

200

* * *

A mesma apreciação (com apenas uma exceção) pode ser dada a Assalto

ao trem pagador, dirigido por Roberto Farias e exibido pela primeira vez em

Portugal no II Festival Internacional de Arte Cinematográfica de Lisboa em

Fevereiro de 1965. Seis meses depois ganhou espaço no circuito comercial no

cinema Império. Recebeu o prêmio Caravela de Prata para Valores Humanos no

Festival e, segundo boa parte da crítica, o filme constituiu uma agradável

surpresa uma vez que esta esperava que o representante brasileiro no evento

fosse Vidas secas.

À exceção de José Vaz Pereira no JL que considerou Assalto ao trem

pagador, decepcionante, palavroso, retórico e não isento de demagogia125, o

filme ganhou uma boa recepção da imprensa cinematográfica expressa nas

marcas de valor visíveis nos comentários dos críticos: obra excepcional; obra

corajosa e digna; constituiu a primeira surpresa agradável do festival; filme pleno

de vida e de juventude, rico de conteúdo social126.

* * *

Já Vidas secas, filme de Nelson Pereira dos Santos, foi exibido em

Portugal pela primeira vez em Junho de 1966, à época do III Festival de

Internacional de Arte Cinematográfica de Lisboa, onde ganhou os prêmios da

Crítica e dos Cineclubes. Não foi com surpresa, então, que quando o filme

acedeu ao circuito comercial em Março de 1967, a crítica de cinema ofereceu-lhe

bons comentários. A marca de valor foi essencialmente positiva: O filme é um

fresco impressionante do Nordeste, um hino forte belo e solidário com o ser

humano. (...) Um filme terno e simultaneamente tenso, a que nenhum espectador

sensível pode ficar indiferente.127 O Diário Popular avalia: Vidas Secas surge-nos

como um filme sincero, verdadeiro e esse é o melhor aplauso que podemos lhe

125 Jornal de Letras e Artes. 01.09.1965, p. 12. Assinada por José Vaz Pereira.

126 Diário Popular. 16.02.1965, p. 11. Assinada com as iniciais D. A.

127 Diário de Lisboa. 31.03.1967, p. 6. Crítica não assinada.

201

tributar.128 E a revista Celulóide afirma: (...) É um filme que não tem, felizmente, o

pretenciosismo de umas tantas películas francesas e italianas, mas possui vida,

verdade e autenticidade. É uma das mais notáveis transposições duma obra

literária para uma obra cinematográfica.129

E mesmo aqueles críticos que tinham suas reservas em relação a certos

“problemas” (sobretudo técnicos) do filme130, se inclinaram mais por um juízo

positivo de Vidas secas, considerada pela maioria como uma grande obra do

cinema brasileiro.

Anos 70

A fúria do cangaceiro, realizado por Anselmo Duarte, foi o primeiro filme

brasileiro exibido comercialmente em Lisboa na década de 70. Nesta ocasião, a

crítica lusa ansiava com veemência pela exibição das “verdadeiras” obras do

Cinema Novo brasileiro, isto é, esperava pelos filmes de Glauber Rocha, Ruy

Guerra, Paulo César Saraceni, Nelson Pereira dos Santos e outros. O filme de

Duarte veio frustrar esta expectativa da crítica e talvez por isso, tenha recebido

comentários de valor hegemonicamente negativos131. Desse modo, o filme foi

considerado um melodrama simplista e folclórico132 possuidor de uma péssima

banda sonora metida a martelo e de um ar pretensamente denunciador133. O

julgamento da crítica foi impiedoso e perpassado por uma significativa afirmação:

128 Diário Popular. 31.06.1967, p. 3. Crítica não assinada.

129 Celulóide. Nº 102, Junho de 1966, p. 11. Assinada por Avelino Dias.

130 Como ficou registrado na crítica do República de 31.03.1967, p. 3 e assinada por Afonso Cautela: Com meios técnicos restritos, com erros da escrita, com intérpretes poucos expressivos, com um som deficiente, outras películas serão registadas; mas o que importa é fazer, porque no fazer pensando, no fazer dizendo, se constrói a perfeição que é feita de todos os erros admiráveis de quem cria: «erros» em rigoroso sentido etimológico, do homem que erra, que caminha, que pesquisa, que progride. Vale salientar que este tipo de negação para demonstrar isenção e credibilidade e depois afirmação da obra, é mais uma estratégia retórica usualmente utilizada pela crítica de cinema.

131 O único caso de apreciação positiva foi dado pelo Diário de Notícias que, na verdade, reproduziu o release da produtora do filme e, por isso, não foi classificado em nossa amostra como crítica de jornal.

132 A Capital. 28.11.1970, p. 19. Assinada por Eduardo Geada.

133 República. 27.11.1970, p. 3. Assinada por Tito Lívio.

202

Isto não é Cinema Novo.

* * *

Os comentários sobre As amorosas de Walter Hugo Khouri, película

exibida no 1º Festival de Cinema brasileiro em Portugal, foram permeados por

marcas de valor negativas e positivas. Os críticos Fernando Duarte (Celulóide) e

Afonso Cautela (República) tiveram uma boa impressão do filme a ponto de o

considerarem uma obra-prima do cinema, um dos grandes filmes de todos os

tempos134 ou ainda foi de longe a mais grata surpresa deste ingrato festival135. Já

os comentários de José Vaz Pereira (Diário Popular) e Lauro António (Diário de

Lisboa) apresentaram uma avaliação negativa do filme, que possuía um realismo

de pacotilha e algumas vezes roçando o grotesco, um filme falso de temática

além de palavroso e discursivo136.

* * *

Já as marcas de valor nas resenhas de Macunaíma de Joaquim Pedro de

Andrade, filme exibido no mesmo festival, foram predominantemente positivas. A

lotação esgotada (com generosos aplausos no final) nas sessões do Império e

do Estúdio demonstra que o filme foi, sem dúvida, o único que suscitou a

unanimidade do público e da crítica137. José Vaz Pereira considerou o filme uma

obra fora de série em qualquer parte do mundo138 e Lauro António referiu que

Macunaíma fica como um dos mais belos e frenéticos filmes que atravessaram

Lisboa nos últimos anos139. A única reserva veio da crítica de Afonso Cautela ao

relatar a falta de originalidade do roteiro: Macunaíma vive totalmente do romance

134 Celulóide. Nºs 166/167, Out-Nov de 1971, p. 33. Assinada por Fernando Duarte.

135 República. 27.03.1971, p. 6. Assinada por Afonso Cautela.

136 Diário de Lisboa. 24.03.1971, p. 5. Assinada por Lauro António.

137 A Capital. Cena Sete. 27.03.1971, p.7. Assinada por Eduardo Prado Coelho.

138 Diário Popular. 24.03.1971, p. 4. Assinada por José Vaz Pereira.

139 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.

203

e não admira fazer assim um figurão140.

* * *

Também as marcas de juízo percebidas nas resenhas sobre António das

Mortes foram hegemonicamente positivas. Primeiro filme de Glauber Rocha

comercialmente distribuído em Portugal em Outubro de 1972, três anos após o

diretor ter recebido a Palma de Ouro de melhor realizador em Cannes. A lotação

esgotada na estréia foi referida pela crítica, que recebeu o filme calorosamente:

«António das Mortes» aparece-nos como um dos mais surpreendentes filmes

ultimamente saídos dos estúdios brasileiros141 ou «António das Mortes» é uma

soberba obra épica, uma «colagem» plástica e sonora, uma combinação

exclusiva que repõe, em discussão, em termos de combate e de intervenção, o

futuro do cinema142 e ainda, A arte não tem pátria – assim se compreendendo

este notável trabalho do realizador brasileiro Glauber Rocha143.

* * *

Já as marcas de valor nos discursos sobre O homem nu do realizador

Roberto Santos indicam juízos mistos, ou seja, o filme foi considerado

interessante em alguns aspectos, sobretudo temáticos, mas pouco ousado

estilisticamente e por isso, avaliado como uma película mediana. A única

exceção veio da apreciação essencialmente negativa do crítico Tito Lívio, do

Diário Popular, que avaliou o filme como sensacionalista e acrítico e o realizador

como um cineasta com excessiva falta de imaginação, num cinema brasileiro

que já não pode ser chamado de «novo» e onde aquela falta abunda144.

140 República. 28.03.1971, p. 9. Assinada por Afonso Cautela.

141 Diário Popular. 16.10.1972, p. 4. Assinada com as iniciais P. da C.

142 Celulóide. Nºs 178/179, Out/Nov de 1972, p. 44. Assinada por Lauro António.

143 Plateia. Nº 612, 24.10.1972, p. 69. Assinada por Vasco Santos.

144 Diário Popular. 14.07.1973, p. 4. Assinada por Tito Lívio.

204

* * *

Terra em transe, segundo filme de Glauber Rocha a ser exibido

comercialmente em Portugal em Maio de 1974, contou com a presença do

realizador na sua estréia. Glauber Rocha viera a Lisboa logo após o 25 de Abril e

a imprensa deu ampla cobertura à sua visita. As marcas de juízo de valor da

crítica apontaram para a boa receptividade do filme que foi chamado de filme

político, filme poético, cântico revolucionário e lírico145 e sobretudo, um filme a

não perder146.

* * *

O leão de sete cabeças, também obra do realizador Glauber Rocha e que

foi apresentado comercialmente em Portugal em Fevereiro de 1975, recebeu

avaliações positivas da crítica lusa, embora com ressalvas de alguns críticos que

alertavam para o perigo de incomunicabilidade com o público que a obra

eventualmente poderia causar. Entretanto, o filme foi qualificado de importante,

polêmico, fascinante, atual e urgente por grande parte da crítica que acolheu

bem a obra de Rocha.

* * *

A exibição em 1976 de Toda nudez será castigada de Arnaldo Jabor

suscitou avaliações positivas de grande parte da crítica cinematográfica, à

exceção do comentário de Avelino Dias para a revista Celulóide. Para o

semanário Expresso, o filme é uma das melhores surpresas do cinema

brasileiro147. A crítica do A Capital considera-o uma obra mordaz e que merece

atenção148. A revista Cinema 15 avalia que o filme é feito com os requisitos

essenciais para agradar a uma vasta Plateia, mas sem resvalar para o mau

145 Diário de Lisboa. 07.05.1974, p. 6. Assinada por Lauro António.

146 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.

147 Expresso. Revista. 23.04.1976, p. 19. Assinada por Helena Vaz da Silva.

148 A Capital. 09.04.1976, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.

205

gosto, ou o gratuito149. Entretanto, a Celulóide150 conclui que o filme é uma

grande desilusão.

* * *

Grande sucesso de bilheteria em Portugal em 1977, o filme Dona Flor e

seus dois maridos de Bruno Barreto recebeu boas críticas da imprensa à

exceção da avaliação de Jorge Leitão Ramos no Diário de Lisboa, embora este

não desqualificasse a obra por inteiro. O Diário Popular refere que Bruno Barreto

transpõe para o écran com talento e paixão151 o romance de Jorge Amado. O

Diário de Notícias diz que no filme, Barreto usou imaginação, humor e um

espírito crítico desperto e atento ao ambiente social onde o filme decorre152. A

Celulóide assegura que Dona Flor é uma delícia de bom humor, de requinte e de

arte, de espectáculo153.

* * *

Acompanhado por uma forte campanha publicitária, o filme Lúcio Flávio, o

passageiro da agonia do diretor Hector Babenco foi recebido com ressalvas pela

imprensa cinematográfica lusa, ou seja, verificaram-se juízos mistos de valor.

Para Lauro António, a película é um testemunho vigoroso e apaixonante de uma

realidade, mas não é todavia, um filme perfeito154. José de Matos-Cruz avaliou a

obra como contundente, chocante, apesar de algumas discutíveis soluções ao

nível de acercamento visual e linearidade de linguagem155. E Jorge Leitão

Ramos apesar de reconhecer uma certa habilidade em Hector Babenco, julga

149 Cinema 15. Nº 8, Junho de 1976, p. 20. Não Assinada.

150 Celulóide. Nº 226, Junho de 1976, p. 17-18. Assinada por Avelino Dias.

151 Diário Popular. 19.09.1977, p. 18. Assinada por José de Matos-Cruz.

152 Diário de Notícias. 24.09.1977, p. 9. Assinada por Lauro António.

153 Celulóide. Nºs 234/235, Dezembro de 1976, p. 28. Assinada por Fernando Duarte.

154 Diário de Notícias. 30.05.1979, p. 14. Assinada por Lauro António.

155 Diário Popular. 26.05.1979, p. 29. Assinada por José de Matos-Cruz.

206

que o filme vende o espectáculo mais ou menos gratuito da violência. Procurar,

nele, outras propostas parece-me ser um inútil trabalho de mistificação156.

Anos 80

As avaliações acerca de Eu te amo do diretor Arnaldo Jabor foram

constituídas de juízos inclinadamente negativos da imprensa cinematográfica

lisboeta. O filme foi também acompanhado por uma forte campanha promocional

incluindo a presença do diretor e da atriz Sônia Braga na estréia em 1981.

Verificaram-se alguns comentários favoráveis (em menor número) como o de

Lauro António no Diário de Notícias, que achou o projeto do filme fascinante e

inteligente157 e José Vaz Pereira que refere a qualidade da linguagem158, quer

dizer, a qualidade da interpretação, dos diálogos, da fotografia e da música.

Entretanto, a maioria da crítica compartilha o juízo de Jorge Leitão Ramos que

avalia: o jogo de Eu te amo não é franco, embrulha-se em psicanálises de

pacotilha, «bocas» quanto à realidade brasileira, tiques de vídeo e memória

cinéfila, numa salada indigesta donde está ausente toda a verticalidade de

processos159. A crítica do Expresso argumenta se vale a pena escrever ou falar

sobre um filme mentiroso160 e a revista Celulóide161 interpela-se com o título

irônico: Filme de qualidade?.

* * *

Em 1982, a recepção crítica a Pixote, a lei do mais fraco de Hector

Babenco foi, de um modo geral, favorável ao filme, ainda que a crítica de alguns

periódicos questionasse certas opções estéticas do diretor. José Vaz Pereira

156 Diário de Lisboa. Sete.Sete. 1 a 7 de Junho de 1979, p. 3. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

157 Diário de Notícias. 08.11.1981, p. 36. Assinada por Lauro António.

158 A Capital. 09.11.1981, p. 23. Assinada por José Vaz Pereira.

159 Diário de Lisboa. 17.11.1981, p. 18. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

160 Expresso. Actual. 14.11.1981, p. 25. Assinada por João Lopes.

161 Celulóide. Nº 331, Janeiro de 1982, p.17-19. Assinada por Fernando Duarte.

207

avalia que desde já pode considerar-se «Pixote» como um dos grandes filmes de

1982162 e Lauro António julga que Hector Babenco oferece-nos um filme de um

impressionante realismo, admiravelmente conseguido na sua coerência e

consistência estilística e dramática163. Enquanto que Jorge Leitão Ramos

acredita que Pixote é um filme invulgar. Tem garra para nos prender mas não

nos convence164.

* * *

Lançado um mês após Pixote, Bye Bye, Brasil do diretor Carlos Diegues

foi recebido muito bem pela crítica lusa. A crítica do JL afirma que Bye Bye,

Brasil tem qualidade, é inteligente e também é um filme sutil que põe um país

como objeto de um olhar que tem tanto de raiva como de amor a guiá-lo165. José

de Matos-Cruz avalia que Bye Bye, Brasil relança a nossa estimulante

curiosidade pelo cinema brasileiro166. E Manuel S. Fonseca expressa que a fita é

uma tentativa de reinventar uma quase perdida magia, sem que isso implique

vender a alma ao diabo. (...) o filme de Diegues é o exemplo de um cinema que

atingiu a idade adulta167.

* * *

Filme do diretor Hector Babenco, O beijo da mulher aranha foi exibido

comercialmente em Portugal em 1986 e auferiu juízos mistos da crítica

jornalística. A maioria dos críticos avaliou que o filme possui méritos (sobretudo

na performance dos atores), mas a história desilude pois tinha potencialidades

162 A Capital. 26.02.1982, p. 27. Assinada por José Vaz Pereira.

163 Diário de Notícias. 02.03.1982, p. 22. Assinada por Lauro António.

164 Diário de Lisboa. 26.03.1982, p. 20. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

165 Jornal de Letras Artes e Ideias. No 30, 13 a 26.04.1982, p. 29. Assinada por Miguel Esteves Cardoso.

166 Diário Popular. 07.04.1982, p. 31. Assinada por José de Matos-Cruz.

167 Expresso. Revista. 03.04.1982, p. 31-R. Assinada por Manuel S. Fonseca.

208

que Hector Babenco não soube aproveitar168. A crítica do Expresso salienta que

algumas situações interessantes não chegam para fazer esquecer traços de

inudível mau gosto, desacertos na economia global do filme, intromissões

desnecessárias e uma presença desastrosa de Sônia Braga169. Por outro lado, o

Diário Popular assegura que Babenco consegue com grande verdade dar-nos o

drama humano destes dois homens [Willian Hurt e Raul Julia] com uma

dimensão fora do vulgar170.

* * *

Já Ópera do malandro de Ruy Guerra, apresentado em 1987, teve marcas

de valor predominantemente negativas, com exceção da resenha do Correio da

Manhã. Os principais diários e semanários lisboetas avaliaram que Ruy Guerra

perdeu o tom do filme171 e o crítico João Lopes acrescenta o falhanço do projeto

que se parece com um produto para exportação172. Augusto M. Seabra afirma

que apesar da co-produção franco-brasileira, Guerra não teve os meios, nem

sobretudo o talento de recriar a exuberância do musical173.

Anos 90

Após vários anos de retração, em 1996 O quatrilho de Fábio Barreto

finalmente estréia no circuito comercial português. As marcas de juízo deram um

valor médio para a película, considerando que, embora não sendo um grande

filme, é uma obra limpa, hábil no jogo dos sentimentos e das paixões, e que

apesar de receber uma nomeação para o Oscar, foi-lhe atribuído uma

168 A Capital. 06.03.1986, p. 25. Assinada por José Vaz Pereira.

169 Expresso. Revista. 01.03.1986, p. 4-R. Assinada por Eduardo Prado Coelho.

170 Diário Popular. Sábado Popular. 08.03.1986, p. 16-17. Assinada por Tito Lívio.

171 Jornal de Letras Artes e Ideias. N° 258, 15 a 21.06.1987, p. 27. Assinada por Pedro Borges.

172 Diário de Notícias. 17.06.1987, p. 60. Assinada por João Lopes.

173 Expresso. Revista. 13.06.1987, p. 6-R. Assinada por Augusto M. Seabra.

209

importância exagerada174. A crítica do A Capital corrobora ao afirmar que Não se

pode dizer que O Quatrilho seja um filme falhado, mas está longe de satisfazer

inteiramente um público cinéfilo mais exigente175.

* * *

Em 1999, as resenhas a propósito de Amor & Cia de Helvécio Ratton

apresentaram marcas de juízos com uma inclinação para a desaprovação do

filme. A crítica do Público comparou-o àqueles filmezinhos quase artesanais

destinados na essência, a públicos escolares (...)176. O crítico António Cabrita, no

Expresso, afirmou que estes projetos de co-produção (...) têm redundado em

objetos de nula qualidade estética (...)177.

* * *

Relativamente às resenhas a respeito de Central do Brasil, publicadas

também em 1999, o predomínio foi para a valoração negativa da película.

Lançado em Lisboa em várias salas simultaneamente e acompanhado por uma

forte campanha publicitária, o filme do diretor Walter Salles parece não ter

agradado à maioria da crítica de cinema dos jornais, com exceção das críticas

do A Capital e do Correio da Manhã. Mário Jorge Torres considera que o filme é

apenas um produto para exportar num dilúvio de falsas emoções, impregnadas

de lágrima fácil, muito muito longe da pretendida reincarnação do Cinema

Novo178. Eurico de Barros avalia Central do Brasil como um filme previsível,

imediatista e muito monótono179. Já Francisco Perestrello avança: Central do

Brasil tem como principal qualidade assumir as suas características muito

174 Expresso. Revista. 23.11.1996, p. 9. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.

175 A Capital. 26.11.1996, p. 40. Assinada por Francisco Perestrello.

176 Público. Artes e Ócios. 07.05.1999, p. 8. Assinado por Mário Jorge Torres.

177 Expresso. Cartaz. 08.05.1999, p.13. Assinada por António Cabrita.

178 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.

179 Diário de Noticias. Artes e Multimédia. 14.05.1999, p. 46. Assinada por Eurico de Barros.

210

próprias, o que o afasta do cinema que vemos correntemente180.

* * *

Por fim, alguns dias após a estréia de Central do Brasil, outro filme

brasileiro entra em cartaz em Lisboa. Trata-se de O escorpião escarlate do

diretor Ivan Cardoso e premiado com um “especial do júri” do Fantasporto de

1998. As marcas de valor exibidas nas poucas críticas ao filme foram positivas e,

segundo a resenha do Correio da Manhã, a película é uma inteligente e divertida

mistura de gêneros181. O filme foi visto como uma bem humorada caricatura de

vários aspectos dos anos 60 e uma obra de excessos182 que mistura humor e

terror.

2. As marcas de justificação de valor

Anos 60

Os argumentos que sustentaram o juízo positivo da crítica de O pagador

de promessas centraram-se predominantemente na escolha e “excelente”

adaptação da história original de Dias Gomes e no modo como Anselmo Duarte

conseguiu moldá-la para a linguagem do cinema. Observou-se que todas as

resenhas optaram por discutir primeiro os aspectos de enredo e conteúdo ao

narrar a história cuja ação gira em volta de um humilde caboclo dos sertões da

Baía que promete à imagem de Santa Bárbara, o percurso de 35 quilômetros

com uma cruz às costas, depondo-a depois a seus pés, se o seu burro Nicolau,

escapar de uma doença que o assaltara183. Algumas questões foram levantadas

pelos críticos como o porquê da dramática história de “Zé do Burro” ter chamado

a atenção de Cannes e a questão religiosa que envolveu sua “mensagem”. Por

outro lado, não há quaisquer referências ao aspecto político que envolvia o tema:

180 A Capital. 14.05.1999, p. 33. Assinada por Francisco Perestrello.

181 Correio da Manhã. 28.05.1999, p. 33. Assinada por Vitoriano Rosa.

182 A Capital. 28.05.1999, p. 57. Assinada por Francisco Perestrello.

183 República. 18.04.1963, p. 10. Assinada com as iniciais D. S.

211

(...) se compreende que um júri de um festival europeu tenha ficado

impressionado pela força dramática de um tema estranho, exótico e, ao mesmo

tempo, capaz de sugerir os costumes, crendices e pureza de reações da massa

popular baiana184. O sincretismo religioso baiano e o papel da igreja católica no

desenrolar do enredo foram citados pela crítica lusa e motivaram opiniões

acaloradas de alguns críticos. Mas o importante foi informar, com fundamentação

justificada, o leitor da época o quanto este tema foi bem tratado no filme a ponto

de sensibilizar os críticos da imprensa cinematográfica. E o tema era poético,

verdadeiro e humano, nada de temas arrevesados ou de realismos

especulativos, mas a linha fluente, límpida e cristalina de uma história simples,

pujante de força anímica, possível de revelar toda a gama de sentimentos latente

no coração de todos nós e, sobretudo, susceptível de ser compreendida e

interpretada através da inteligência e sensibilidade de cada indivíduo185. Afora o

apelo explícito às emoções do leitor, este trecho sinaliza outro elemento do filme

identificado pelos críticos como merecedor de uma apreciação positiva: a

comunicabilidade da história. De fato, em algumas resenhas são visíveis as

marcas de justificação de valor pela comunicabilidade que O pagador...

expressa186.

Ademais, alguns critérios de forma também foram apontados pela crítica.

Dentre eles, o fato de o realizador usar cenários naturais, traço evidente de uma

crítica que, atendendo às convenções interpretativas da época, questionava o

cinema de estúdio produzido em Hollywood: (...) O que não deixa de revelar

segurança e a capacidade, cada vez mais rara, dum diretor de cinema

abandonar a frieza do estúdio e vir para a rua com a câmara e os seus

184 Diário de Lisboa. 18.04.1963, p. 3. Assinada por Manuel de Azevedo.

185 Diário de Lisboa. 17.04.1963, p. 8 e Diário Popular. 17.04.1963. p. 9. Curiosamente, as resenhas são as mesmas nos dois jornais e foram publicadas no mesmo dia. Não estão assinadas mas devem ter sido feitas pelo mesmo crítico que trabalhava nas duas publicações.

186 Por exemplo, neste trecho da crítica de Servais Tiago: O pagador de promessas deve ser encarado como um filme invulgar, não só pelo que nele é expressão plástica, apontamento pictórico, mas sobretudo pela mensagem humana, pela impressiva comunicabilidade fílmica da sua linguagem. Plateia. Nº 148, 01.05.1963, p. 55.

212

colaboradores registrar e repetir os gestos e a fala do povo187. Outro dado que

merece ser ressaltado é que as marcas de aspectos formais presentes nas

críticas são mais visíveis nas resenhas da imprensa especializada, apesar de

seus enunciados mostrarem um uso abundante de adjetivos para fundamentar

os elementos técnicos como, por exemplo: Há que contar com a força e a

impressividade da narração (...) com a «souplesse» invejável da câmara, (...)

com a beleza e o acento poético de muitos ângulos, o sortilégio rítmico das

seqüências de conjunto, onde com audácia planos gerais se aliam a planos de

ângulo curto188. Evidentemente que a época (e o leitor) solicitava um texto com

tamanhos qualificativos para um movimento de câmara ou para um plano, mas a

idéia essencial - por sinal, bastante utilizada, com a devida atualização do

quadro de adjetivos, no discurso da crítica até os dias de hoje - é a transferência

de sentido. Para o leitor, um plano audacioso evoca a idéia de atrevimento e

coragem e, portanto, um plano digno de visualização189. Ainda em relação a uma

transferência de sentido, o uso de metáforas e analogias foi outro recurso

retórico utilizado pela crítica. Câmaras com agilidade da serpente, do pássaro190

ou um filme em que «subimos e descemos as escadas» com o protagonista191

ilustram bem a utilização desta linguagem figurativa num discurso que pretende

convencer o leitor.

* * *

Nas resenhas do filme Assalto ao trem pagador identificamos marcas de

justificação de valor positivo fundamentadas na “mensagem de crítica social” do

187 Jornal de Letras e Artes. 01.05.1963, p. 11. Assinada por José Vaz Pereira.

188 Plateia. Nº 148, 01.05.1963, p. 55. Assinada por Servais Tiago.

189 Outro exemplo colhido no Diário de Lisboa. 18.04.1963, p. 3 em crítica assinada por Manuel de Azevedo: Movimentos de câmara ousados, a par de uma ingénua panorâmica das massas populares contribuem em muito para a criação de um clima verista quase conseguido. O uso permanente de cenários naturais, uma montagem desembaraçada e ágil, a utilização subtil de uma simbologia religiosa, contribuem para dar às cenas uma significação que ultrapassa o valor simples da imagem.

190 Estúdio. Nº 10, 20.07.1962, p. 14. Crítica não assinada.

191 Jornal de Letras e Artes. 01.05.1963, p. 11. Assinada por José Vaz Pereira

213

filme, ou seja, nos aspectos de conteúdo que condicionaram as alegações,

revelando alguma independência na escrita num período de censura política em

Portugal: «Assalto ao trem pagador» é o reflexo de uma preocupação social,

uma quase condenação da existência das gentes do morro, essas favelas onde

a miséria germina, sem evitar os sonhos, a esperança de uma vida melhor192. O

fato de o filme ter sido baseado num caso verídico exaltou mais ainda seu

conteúdo de crítica social. Em algumas resenhas, a “mensagem implícita”

deixada pelo filme foi o grande trunfo do diretor. E a mensagem era de crítica a

uma sociedade dividida entre ricos e pobres, brancos e negros, moradores de

casas luxuosas e favelados, entre o bem e o mal: Farias constrói uma película

intencional, onde uma série de situações proporciona uma curiosa, lúcida e, até

certo ponto, profunda análise da realidade social brasileira, despida de clichês

mais ou menos batidos e de tonalidades mais ou menos adocicadas193.

Outro elemento já da ordem dos gêneros cinematográficos foi evocado

por grande parte da crítica: Assalto ao trem pagador teria nítidas referências do

chamado filme policial americano. Naturalmente que, sendo o filme produto de

uma cinematografia “periférica” e parca de recursos, a comparação foi comedida:

Certo, «Assalto ao trem pagador» não tem a sábia medida de uma obra

americana. Mas ainda bem, pois a essa irregularidade corresponde uma vivência

mais espontânea, uma violência mais fruto de um mundo real do que de uma

técnica aperfeiçoada194. Curiosamente, a justificação de valor neste caso foi

levantada pela associação da película a um gênero que, mesmo tendo modelos

técnicos e estéticos no cinema americano, revelou na sua deficiência, um sinal

de originalidade.

Alguns aspectos formais do filme foram evocados nas resenhas mas,

quando comparados com a força da proposta “humana” e “social” da película,

192 Diário Popular. 16.02.1965, p. 11. Assinada com as inicias D. A.

193 Plateia. Nº 215, 10.03.1965, p. 62. Assinada por Lauro António.

194 Diário de Lisboa. 16.02.1965, p. 5. Assinada por Manuel de Azevedo.

214

eles acabaram por desvalorizar-se. Há vários exemplos195 de ressalvas dos

críticos quanto às incorreções técnicas mas que não justificariam uma avaliação

desfavorável ao filme: «Assalto ao trem pagador» não será um filme de técnica

impecável: na montagem e na sonorização muitas irregularidades se notam. (...)

Mas apesar disso, a sua força expressiva é tanta, e tanta a sua verdade, que as

deficiências se atenuam e esquecem196. Era este conceito de verdade que se

fazia valer no pensamento da crítica da época. Uma verdade crítica, realista e

que atuava como força expressiva do filme.

* * *

Já as marcas de justificação de valor positivo observadas nas resenhas

sobre Vidas secas apresentaram um equilíbrio entre os critérios de forma e de

conteúdo. São ressaltadas as opções estilísticas presentes em Vidas secas

como na fotografia sabiamente baça, na aparência de rudeza do ritmo geral do

filme e até dos próprios enquadramentos, na propositada nudez da banda

sonora, como salientou o crítico Manuel Machado da Luz na revista Seara

Nova197. Como mencionamos antes, o emprego de expressões qualificativas visa

fornecer ao leitor uma associação de sentido que o conduza para a aceitação do

filme. Trata-se de um filme que “paralisa” por sua imagem realista, quase

documental, cujo sentido de duração parece acompanhar o tempo lento vivido

pelas populações no nordeste brasileiro. João Bénard da Costa discorre sobre

uma excessiva duração vista no filme, contudo revela: Nelson Pereira dos

Santos caminhou obstinadamente ao encontro dela [da excessiva duração] e

desse encontro só muito raros raramente são capazes198. O aparato estilístico do

filme foi, sem dúvida, motivo de grande impacto da apreciação positiva a que o

filme recebeu na revista O Tempo e o Modo e expõe uma análise influenciada

195 Como neste trecho da crítica de Lauro António na citada revista Plateia: O filme tem defeitos flagrantes. Sobretudo no que respeita à sua narrativa. Tem, todavia, muitas mais – e bem mais importantes – virtudes.

196 República. 26.08.1965, p. 3. Não assinada.

197 Seara Nova. Nº 1457, Março de 1967, p. 91. Assinada por M. Machado Luz.

198 O Tempo e o Modo. Nº 37, Abril de 1966, p. 538. Assinada por João Bérnad da Costa.

215

pela teoria essencialista de André Bazin.

Por outro lado, as questões de conteúdo foram também fundamentais

para um juízo favorável ao filme. Apesar do tema ser tratado com muita cautela,

o fato de a obra trazer uma temática que parte da exploração das classes

populares e, ao mesmo tempo, da realidade do nordeste brasileiro seco e

carenciado, foi destacado pela crítica como algo de vigoroso no filme.

Nas resenhas, são visíveis os destaques dados ao relato do filme com a

descrição do enredo baseado na adaptação da obra literária de mesmo nome do

escritor Graciliano Ramos, já conhecido e admirado em Portugal. O crítico da

revista Celulóide, Avelino Dias, constata: Não há bela sem senão, mas a

intensidade dramática do filme, o documento trágico (duma verdadeira tragédia e

não dessas de hotéis luxuosos, apartamentos riquíssimos, escritórios suntuosos,

etc) humano, ofusca-os. E quando a arte serve a vida, sem deixar de ser arte, a

obra tem a essência que lhe permite resistir ao tempo. Este é o valor porque se

pode aferir esta preciosa obra humana199.

O fato de o filme não retratar “apartamentos riquíssimos” (como nos filmes

norte-americanos) já depõe a favor dele e, na justificação de juízo, merece ser

visto pelo espectador. Além de estratégia de persuasão, subjaz no texto uma

outra convenção interpretativa presente na época: a crítica feroz ao cinema “do

telefone branco” produzido em Hollywood, onde a realidade parecia estar

sempre maquiada e limpa. No filme de Nelson Pereira dos Santos, pelo

contrário, Não é possível iludir a realidade quando a realidade é o sertão

brasileiro. (...) Por isso, o único autor deste filme é o Nordeste (...) para o qual

não são necessárias palavras nem qualquer jogo de retórica. O Nordeste é o

silêncio que fala.200

199 Celulóide. Nº 102, Junho de 1966, p. 11. Assinada por Avelino Dias.

200 República. 31.03.1967, p. 3. Assinada por Afonso Cautela.

216

Anos 70

As marcas negativas de valor presentes nos textos sobre A fúria do

cangaceiro foram justificadas com argumentos fundamentados, sobretudo, no

fato de o diretor preferir seguir o caminho da exibição em tons de folclore da

realidade brasileira, afastando-se, assim, por completo dos ideais do Cinema

Novo. Para a crítica, Anselmo Duarte se apropriou de temáticas presentes no

Cinema Novo – o fenômeno do cangaço e a miséria do nordeste brasileiro – mas

redefiniu suas pretensões de realismo crítico para um realismo de tonalidade

melodramática e sentimental. Lauro António, no Diário de Lisboa, questiona-se a

si próprio e ao leitor o que esta película tem a ver com o Cinema Novo e afirma:

«A fúria do cangaceiro» é antes, um amontoado de lugares-comuns sobre o

Cangaço, seu folclore, sua situação histórico-social. De um ponto de vista

cinematográfico, a película é um repositório de bilhetes postais destinados à

circulação no estrangeiro, para propaganda das belezas naturais do Brasil e de

suas nativas201. Tito Lívio no República apela às emoções do leitor ao dizer:

Quão longe estamos do novo cinema brasileiro, de «Deus e o diabo na terra do

sol», de «Vidas secas», de Nelson Pereira dos Santos, dos filmes de Lima

Barreto (autor do argumento) e de Ruy Guerra! Cinema, este sim de testemunho,

de denúncia, de lúcida presença202. A comparação com o Cinema Novo vai

estabelecer os parâmetros de critérios utilizados pela crítica para julgar o filme.

Por outras palavras, o Cinema Novo servirá de argumento para a apreciação do

filme: Anselmo Duarte (...) não tem nada a ver com os novos cineastas e é

perfeitamente abusivo assimilá-lo às intenções do Cinema Novo203.

As alegações para a avaliação negativa do filme fundamentaram-se

também nas suas “deficiências” estéticas. Em quase todos os comentários são

referidas a folclorização e assepsia da imagem fotográfica e a tentativa frustrada

do diretor em utilizar referências do gênero western e ainda: (...) um diálogo

201 Diário de Lisboa. 30.11.1970, p. 4. Assinada por Lauro António.

202 República. 27.11.1970, p. 3. Assinada por Tito Lívio.

203 A Capital. 28.11.1970, p. 19. Assinada por Eduardo Geada.

217

cheio de floreados literários, um fotografia que não recusa um único efeito

plástico, desde o nascer ao pôr do sol, passando por todo tipo de

enquadramentos arrevesados e de processos estilísticos gratuitos e

deslocados204. Estas incorreções foram comparadas com a “verdadeira”

estilística do Cinema Novo: Temos aqui o cangaço com fotografia bonitinha e

desodorizante de sovaco. Nada nos evoca o dramatismo do nordeste nos anos

30 (o que Nelson Pereira dos Santos conseguia, respeitando Graciliano Ramos,

na adaptação de «Vidas Secas»), mas antes nos lembramos dum «western» (e

de mau gosto) rodado no Brasil205.

Uma marca de justificação de valor que pela primeira vez aparece nas

resenhas está associada à dimensão, digamos, não-cinematográfica do filme,

onde estariam sendo utilizados recursos da foto-novela ou mesmo da televisão:

Mesmo no confronto de personalidades o filme por esse desenraizamento social

e político assume, por vezes, a dimensão da foto-novela com planos meramente

gratuitos (na cena de encontro entre Clemente e Maria do Carmo, o alternar dos

planos da cascata) ou rebuscados e pretensiosos (toda a parte final – os flash-

Backs minicromáticos e a solução final do filme)206. Marca visível também neste

trecho da crítica do Diário Popular: É uma produção para grande consumo (...)

em que o Nordeste seco e trágico se move ao som do samba, em que os

homens do sertão falam literariamente como locutores da TV com fumaças de

intelectuais e em que os cangaceiros e as suas moças, depois de léguas e

léguas de pó, pólvora e cavalos, parecem sempre impecáveis, como quem sai

do banho de espuma207.

* * *

Nas resenhas sobre As amorosas, de Walter Hugo Khouri, as justificações

204 Diário de Lisboa. 30.11.1970, p. 4. Assinada por Lauro António.

205 Diário Popular. 27.11.1970, p. 4. Assinada por José Vaz Pereira.

206 República. 27.11.1970, p. 3. Assinada por Tito Lívio.

207 Diário Popular. 27.11.1970, p. 4. Assinada por José Vaz Pereira.

218

de valor aliaram critérios estilísticos e de conteúdo, com predominância dos

últimos. A crítica desfavorável ao filme alegou sobretudo uma discrepância

temática da narrativa, uma vez que o realizador preferiu tratar de problemas

existenciais de uma sociedade que precisa primeiramente de resolver seus

problemas materiais: As amorosas documenta o métier indiscutível de cineasta

preocupado com os problemas do ser, quando os habitantes do Brasil ainda não

deixaram para trás o «reino das necessidades»208. A história de um jovem

universitário burguês que vivia atormentado por angústias e com visão niilista da

vida, não cabia como tema de um cinema latino americano revolucionário ao

sabor do Cinema Novo. A crítica de Lauro António foi reveladora desta

justificação de valor ao relatar que via o filme como uma obra deslocada no

tempo e no espaço209. O tempo presente (início dos anos 70) era o da

valorização e reconhecimento do Cinema Novo brasileiro e sua consequente

visão de um cinema empenhado nas propostas revolucionárias. O espaço da

temática da subjetividade humana era a Europa e não São Paulo, palco do

enredo do filme.

Às alegações de “intelectualismo” do filme juntam-se outras de caráter

mais estético: os seus personagens como bonecos articulados, surgindo

enquadrados em planos de gosto duvidoso para lançarem quase

radiofonicamente a ‘mensagem’210. Contudo, para a crítica do República o leitor

deve saber que o filme possui diálogos e personagens muito bem construídos:

capturados desde logo por um diálogo inteligente e de sutil espontaneidade e

frescura, a nossa sensibilidade mais do que a nossa atenção é solicitada para

participar de vivências e personagens que têm muito, muitíssimo a ver conosco e

com o nosso triste mas inquieto cotidiano211.

208 Diário de Lisboa. 24.03.1971, p. 5. Assinada por Lauro António.

209 Diário de Lisboa. 24.03.1971, p. 5. Assinada por Lauro António.

210 Diário Popular. 23.03.1971, p. 5. Assinada por José Vaz Pereira.

211 República. 27.03.1971, p. 6. Assinada por Afonso Cautela.

219

* * *

Já nas resenhas sobre Macunaíma, as marcas de justificação de valor

fundamentaram-se principalmente na valorização do enredo e da história de um

brasileiro que foi comido pelo Brasil, nas palavras do realizador Joaquim Pedro

de Andrade, citadas em diversas resenhas. Foi destacado o fato de o filme ser

produto de uma boa adaptação do romance de um dos líderes do movimento

modernista brasileiro, Mário de Andrade, e sobretudo a originalidade da

apresentação de uma temática carregada de alegorias sobre o povo brasileiro e

sobre o próprio Brasil: Admirável resulta a lição da história, da dupla personagem

e dos atores, apresentando-nos «Macunaíma» sem indulgência mas não sem

ternura, o brasileiro e todo um mundo complexo que o devora212. Em quase

todas as críticas, os critérios relacionados ao conteúdo da história prevaleceram

e a mensagem em forma de sátira do filme condicionou as resenhas: Universo

satírico e grotesco, «Macunaíma» mostra como os grandes comem os

pequenos, e de como estes, enquanto se aprestam para devorar os grandes, se

alimentam de si mesmos213. Além disso, para a crítica, a mensagem do filme se

conformava com as propostas do Cinema Novo (ainda que em sua fase

terminal), uma vez que Joaquim Pedro de Andrade foi um dos integrantes do

movimento.

Obra de proposta nacionalista, Macunaíma foi também apreciada pelo seu

lado estético e, se é um filme choque, adverte a crítica ao leitor, é porque se

inscreve numa dupla ruptura: ruptura com a lógica comum da estrutura ficcional

(que é uma lógica de causa-consequência ao longo de seqüência) e ruptura com

a moral dirigível através de um certo número de transgressões pela palavra e

pela imagem. (...) Mais pelo seu processo e pela sua desenvoltura do que pela

sua problemática específica, a obra de Joaquim Pedro de Andrade (seguindo

dum modo bastante fiel o texto de Mário de Andrade) caracteriza-se pela rejeição

de qualquer hipótese intelectualista (...) ou de qualquer hipótese esteticista para

212 Diário de Notícias. 24.07.1971, p. 8. Assinada por Carlos Pina.

213 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.

220

se situar num terreno insólito e desassombrado (...)214. A justificativa

condicionada a critérios formais da obra foi também reconhecida no comentário

de José Vaz Pereira: A utilização da cor e da música faz parte integrante da força

explosiva do filme. O comentário musical vai da narração ao sarcasmo, da

nostalgia à violência, do sentido de aventura ao lirismo215. Aliado à boa

desenvoltura técnica, a interpretação dos atores também foi mencionada:

Brilhante é a interpretação de Grande Otelo, Dina Sfat, Paulo José ou Jardel

Filho216.

* * *

As alegações para um juízo unanimemente positivo da crítica a António

das Mortes deveram-se à conjugação dos aspectos formais e de conteúdo que o

filme apresentara. Vasco Santos, na revista Plateia, resume bem o porquê da

atribuição positiva da crítica, ao afirmar que o filme é um Espectáculo insólito,

exótico e alucinante, de um lirismo macabro, panfletário, de enorme força

expressiva, numa linguagem eloqüente, implacável, em que todos os elementos

se conjugam, desde a encenação excepcional à contribuição musical, desde a

denúncia sóciopolítica à participação do povo. (...) desde a qualidade técnica

(belíssima fotografia) ao concurso de destros atores217. Nas resenhas verificou-

se que o enredo era carregado de alegorias e mitologias, marca dos filmes de

Glauber Rocha e do próprio Cinema Novo. Glauber Rocha, para os críticos,

conseguira produzir uma obra de moderna invenção com toques de vanguarda

estética e política. António das Mortes era, para a crítica, um exemplar de

cinema moderno de autor.

Verificou-se também que entre as alegações estava o fato de o filme já ter

sido bem recebido pela crítica internacional e seu diretor ter ganhado o prêmio

214 A Capital. Cena Sete. 27.03.1971, p. 7. Assinada por Eduardo Prado Coelho.

215 Diário Popular. 24.03.1971, p. 4. Assinada por José Vaz Pereira.

216 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.

217 Plateia. Nº 612, 24.10.1972, p. 69. Assinada por Vasco Santos.

221

de melhor realizador em Cannes, dado fundamental para convencer o leitor da

importância da obra.

Como critérios estéticos, foram destacados, sobretudo a fotografia de

Afonso Beato, de magnífico recorte e a banda sonora que constitui elemento

essencial e adequado da selvática rapsódia de imagens218. Lauro António, na

Celulóide, justifica sua apreciação da obra ao afirmar que António das Mortes é

um filme a não perder e lição fecunda para quem quiser praticar cinema com

alguma coerência ideológica e estética219.

* * *

Nas resenhas sobre o filme O homem nu, as justificações para um

parecer mediano fundamentaram-se na ineficácia do realizador em promover

uma narrativa que sustentasse a temática de crítica à burguesia citadina

brasileira. Por outro lado, são salientados outros aspectos mais positivos, como

o destacado por João Lopes no República: (...) parece-me necessário assinalar a

estreia de «O homem nu» como um caso que, apesar de sua fragilidade,

procura, de algum modo, afastar-se do convencionalismo do cinema vigente220.

As alegações pautaram-se preferencialmente pelo insólito da história (baseada

num conto de Fernando Sabino) de um homem nu que corria pelas ruas da

cidade do Rio de Janeiro, o homem tal como ele é no seu todo, esmiuçando as

suas imperfeições, as suas virtudes, o seu encontro consigo mesmo no dia a dia

da sua vivência221.

Em todas as resenhas, sobretudo na crítica contundente de Tito Lívio, fez-

se notar que um dos principais fios condutores das alegações foi o fato de O

homem nu não representar o “bom” cinema brasileiro: Do cinema «novo»

brasileiro, da década de 60, não resta mais que um rótulo, ou apenas as suas

218 Diário de Notícias. 14.10.1972, p. 5. Assinada com a inicial V.

219 Celulóide. Nºs 178/179, Out/Nov de 1972, p. 44. Assinada por Lauro António.

220 República. 13.07.1973, p. 6. Assinada por João Lopes.

221 Diário de Notícias. 14.07.1973, p. 8. Assinada por Alberto Seixas.

222

manifestações exteriores, como se encontra patente neste filme de Roberto

Santos, película rica em falsas pistas para atrair a atenção do espectador222.

Para a crítica, do Cinema Novo talvez restasse uma tímida idéia de crítica social

que a narrativa do filme tentou imprimir.

* * *

As alegações para a apreciação positiva de Terra em transe

fundamentaram-se sobretudo nos aspectos de conteúdo, isto é, na mensagem

político-ideológica da obra. A história é a de Paulo Martins, um poeta anarquista

que busca servir o movimento revolucionário de um qualquer país da América

Latina denominado eufemisticamente de Eldorado. Mas, Paulo Martins nunca se

consegue libertar da sua condição de artista burguês que vê o povo como uma

massa curiosa, sim, mas mal esclarecida, esfomeada e incapaz de servir de

base a qualquer transformação política radical223. O conteúdo revolucionário do

filme foi marcante para a avaliação da crítica, que justificou sua sentença: (...)

existe aqui como principal constante propositadamente marcada, a violência

exercida como forma de controle político, de neutralização dos elementos tidos

como potencialmente perigosos224. Lauro António, na crítica do Diário de Lisboa,

contudo, exprime uma ressalva que é também uma marca de tempo importante,

ao criticar certo “intelectualismo” do filme: (...) sendo uma análise correta de um

processo político e revolucionário acaba por se enredar num perigoso

intelectualismo de escrita que afasta o filme de um contato concreto com as

camadas populares que procura servir225.

Alguns aspectos estilísticos do filme foram também destacados nas

resenhas como a fotografia mas, principalmente a música, considerada elemento

fundamental do discurso e indispensável deste cinema da crueldade, onde nada

222 Diário Popular. 14.07.1973, p. 4. Assinada por Tito Lívio.

223 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.

224 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.

225 Diário de Lisboa. 07.05.1974, p. 6. Assinada por Lauro António.

223

fica de pé senão uma amarga e lúcida comprovação das realidades nacionais226.

* * *

Do mesmo modo, as marcas de justificação de valor nos comentários

sobre O leão das sete cabeças pautaram-se nos polêmicos aspectos de

conteúdo que o filme carregava. Para a crítica, era especialmente importante

que o leitor assistisse à obra de Glauber Rocha uma vez que esta exibia o

desmascaramento das alianças do imperialismo e sua cara-metade, a violência,

e os seus agentes mais devotados, com as facções instrumentos-fantoche do

poder econômico internacional227. Apesar de considerar a simbologia do filme

impenetrável para aqueles mais desatentos, José Vaz Pereira considera que O

leão das sete cabeças merece ser mostrado onde as populações ainda não

sabem o que é colonialismo, o que são mercenários, burguesia colaborante,

imperialismo, etc228.

As alegações também remetem a elementos estéticos. Lauro António

salienta que o filme traz de novo o cinema de Glauber Rocha ao primeiro plano

da discussão política e estética229 e refere às semelhanças entre os longos

planos-sequência do filme e os idênticos processos de Jean-Luc Godard. Outros

aspectos como o enquadramento e o realismo da imagem foram também

levantados: sob o aspecto visual, Rocha volta a demonstrar as suas qualidades

de homem que consegue impacto em cada imagem. Nenhum enquadramento

nos deixa indiferente, tanto mais que o cineasta brasileiro sabe aproveitar, duma

maneira humana e sensível, a fotogenia africana230.

226 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.

227 República. 12.02.1975, p. 5. Assinada por Eduarda Ferreira.

228 A Capital. 10.02.1975, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.

229 Diário de Lisboa. 25.02.1975, p. 6. Assinada por Lauro António.

230 A Capital. 10.02.1975, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.

224

* * *

As justificativas de valor nas recensões acerca de Toda nudez será

castigada enfatizaram os elementos de conteúdo e estéticos, ou seja, o modo

cáustico como Arnaldo Jabor trata a questão da moralidade sexual, utilizando as

estratégias do folhetim para alcançar a atenção dos espectadores: Jabor faz

Brecht com uma estrutura de folhetim, faz-nos rir com situações de melodrama,

faz cinema com um filme cem por cento teatral231, diz a crítica do Expresso.

Jorge Leitão Ramos argumenta que o filme trabalha com a idéia do absurdo e da

farsa: Estamos então em pleno reino da farsa, da farsa de costumes, e o

resultado é um filme ultradivertido onde ante os nossos olhos se desmancham

não só os fios da verosimilhança fotonovelesca como algumas das instituições

morais mais caras à burguesia232. A valorização estética da obra também foi

destacada no que diz respeito à interpretação dos atores, a fotografia, os

cenários e sobretudo aos diálogos.

Contudo, a crítica da Celulóide sustentou que o enredo (imbróglio) do

filme tinha um valor de descrédito e (...) se é o caminho que segue o novo (?)

cinema brasileiro, como parece inculcar o programa do 444 onde aquele foi

desembocar. Que desilusão233. Mais uma vez, aparecem marcas indicando que

o Cinema Novo servia de parâmetro para o julgamento do cinema brasileiro.

* * *

Já as marcas de justificação de valor presentes nos comentários sobre

Dona Flor e seus dois maridos remetem para a boa adaptação da história do

escritor Jorge Amado, além da excelente reconstituição de época promovida por

Bruno Barreto: Ele domina, como criador, todo o filme e dirige, com acerto todos

os artistas, sabendo tirar deles subtilezas e cambiantes e fazendo um retrato da

sociedade brasileira daqueles anos de 40, a Baía, o carnaval, a culinária, a

231 Expresso. Revista. 23.04.1976, p. 19. Assinada por Helena Vaz da Silva.

232 Diário de Lisboa. 13.04.1976, p. 15. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

233 Celulóide. Nos. 226, Junho de 1976, p. 17. Assinada por Avelino Dias.

225

boêmia e o jogo, os costumes, o comportamento das pessoas, a música da

época (...)234. A interpretação dos atores também foi usada como bom argumento

para a defesa do filme, sobretudo, Sônia Braga e José Wilker, à frente de um

elenco bem escolhido e de grande homogeneidade, confirmam a qualidade

interpretativa do actual cinema brasileiro235. A crítica de Jorge Leitão Ramos,

entretanto, vê com receio o alarde de marketing que envolveu o filme, que tinha

atores de Gabriela, telenovela em exibição no período de lançamento da obra, e

apesar de valorizar a trilha sonora (Chico Buarque e Francis Hime) e o humor

cáustico e lúcido da fita, menciona que a ausência de um qualquer processo

distanciador pode muito bem fazer o filme resvalar (no seu funcionamento com o

público) para os terrenos da fotonovela mais banal236. Aqui, pela segunda vez, as

marcas de justificação de valor baseadas em argumentos que comparam o

cinema brasileiro com a telenovela.

* * *

Os comentários sobre Lúcio Flávio, o passageiro da agonia apresentaram

marcas de justificação de valor sustentadas principalmente nos elementos

narrativos da história (baseada num caso verídico) de um famoso marginal que

se alinhou a uma força parapolicial - o Esquadrão da Morte – e acabou sendo

também vítima deste poder paralelo. Lauro António argumenta que Lúcio Flávio

é uma obra de grande densidade e vigor e acrescenta que é desta relacionação

entre marginais e homens da ordem institucionalizada pelo poder que resulta o

interesse maior desta película violenta e brutal que colhe diretamente do cinema

americano de fluência descamada e sincopada237. Entretanto, Jorge Leitão

Ramos avalia que o filme possui uma frágil fragilidade de um certo álibi político

(denúncia do Esquadrão da Morte). Para o crítico do Diário de Lisboa, devemos

tomar o filme como ele é, quer dizer, como uma «história de cafajeste» contada

234 Celulóide. Nos. 234/235, Dezembro de 1976, p. 28. Assinada por Fernando Duarte.

235 Diário de Notícias. 24.09.1977, p. 9. Assinada por Lauro António.

236 Diário de Lisboa. 23.09.1977, p. 13. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

237 Diário de Notícias. 30.05.1979, p. 14. Assinada por Lauro António.

226

com escorreiteza técnica mas sem grande coisa que a diferencie do vulgar

comércio da violência fílmica238. Tal como em Dona Flor, a crítica do Diário de

Lisboa vê com desconfiança a grande campanha de promoção do filme e o apelo

fácil de público.

Anos 80

A justificação do julgamento desfavorável para Eu te amo de Arnaldo

Jabor baseou-se nos elementos temático-estéticos apresentados no filme. A

crítica salientou a ênfase no nu comercial proposta pelo filme, que expõe o

enredo e os atores numa clara tentativa de apelar às grandes massas de

espectadores. Para a crítica do JL, a dupla proposta do filme de ter um carimbo

de qualidade e de modernidade é falsa, pois na verdade Eu te amo se utiliza de

uma gama completa de teclas rentáveis239. O Expresso alega que as falas no

filme são suficientemente vagas ou doseadamente panfletárias e as sugestões

sexuais são também admiráveis de cinismo240. E o Diário de Lisboa critica a

interpretação dos atores: Sônia Braga e Vera Fischer são belíssimas mas os

seus espasmos e trejeitos não está (sic) longe do vulgar macaquear do gozo que

qualquer filme do Olímpia canhestramente dá241. Por outro lado, uma pequena

parcela da crítica destacou a beleza da música de Tom Jobim e Chico Buarque,

que dá uma envolvência emocional e lírica ao filme, a fotografia notável que

criou um ambiente irreal, cheio de cores sensuais e por fim, a câmara acaricia os

corpos, fá-lo (sic) viver, sublinha a sua expressão. Ora arrebatado ora irônico, o

filme de Arnaldo Jabor vai ser uma das sensações da temporada242.

238 Diário de Lisboa. Sete.Sete. 1 a 7 de Junho de 1979, p. 3. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

239 Jornal de Letras Artes e Ideias. 08 a 21.12.1981, p. 30.Assinada por Guilherme Ismael

240 Expresso. Actual. 14.11.1981, p. 25. Assinada por João Lopes

241 Diário de Lisboa. 17.11.1981, p. 18. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

242 A Capital. 09.11.1981, p. 23. Assinada por José Vaz Pereira.

227

* * *

Já as alegações para uma avaliação favorável observada nas recensões

acerca de Pixote, a lei do mais fraco, remetem sobretudo para os elementos de

conteúdo da película. Em quase todas as resenhas, o modo como o diretor

tratou do tema da marginalidade, dos excluídos sociais e da falência dos

organismos que tratam da delinquência juvenil foram destacados e usados como

critério de juízo do filme. Maria Fernanda Reis argumenta que Pixote é, de fato, o

drama de uma criança marginalizada e um belo filme de crítica social243. A

resenha do JL declara: E a verdade é que Babenco parece querer-nos

convencer de que estamos no reino da sociologia e não nesse reino muito mais

delirante que é o do cinema244. Outras justificativas de juízo basearam-se na boa

atuação dos atores, sobretudo na protagonista admiravelmente interpretada por

Marília Pêra245 e também nas crianças-atores, todas elas sem experiência

anterior na área. O realismo do filme também foi destacado: «Pixote» prova

ainda que não é substituto para o décor real: nesse aspecto, o filme está perto

do neo-realismo, mas longe de seu esquematismo; claro que há carrascos e

vítimas mas o verdadeiro monstro é o sistema246. Mas, a crítica do Expresso

considera que não se pode esconder que o filme enferma da falta de um projeto

estético capaz de fazer ultrapassar a tipificação, projetando-o para a

universalidade247.

* * *

As marcas de justificação de valor positivo da crítica a propósito de Bye

Bye, Brasil fundamentaram-se primordialmente na temática do filme, embora

outros aspectos fossem também destacados, como a boa caracterização dos

243 Celulóide. No. 334, Abril de 1982, p.15-101. Assinada por Maria Fernanda Reis.

244 Jornal de Letras Artes e Ideias. No. 27, 2 a 5.03.1982, p. 35. Assinada por Guilherme Ismael.

245 Diário de Notícias. 02.03.1982, p. 22. Assinada por Lauro António.

246 A Capital. 26.02.1982, p. 27. Assinada por José Vaz Pereira.

247 Expresso. Revista. 27.02.1982, p. 3-R.

228

personagens e a trilha sonora. Lauro António argumenta que o filme é uma hábil

conjugação de documentário e ficção que se expressa essencialmente como

narrativa dramatizada, mas que colhe da escaldante realidade social e cultural

brasileira o cenário exato para uma viagem pelo seu interior248. Miguel Esteves

Cardoso expõe as razões que o levaram a um parecer favorável: a razão número

um, pois, é a qualidade de «Bye Bye Brasil». Não como filme «brasileiro», não

como filme «terceiro-mundista», não como grito do Ipiranga da cinematografia

sul-americana – mas apenas, como filme de cinema249. E José de Matos-Cruz

justifica que é através do perfil psicológico de seus protagonistas, denso e

enigmático, que encontramos um aliciante fio condutor, detectável na forma

como palmilham o destino, ou partilham emoções e sentimentos, sem

compromissos inibidores250.

* * *

Já nas resenhas acerca de O beijo da mulher aranha os argumentos para

os juízos mistos residiram sobretudo na adaptação simplificadora que Hector

Babenco fez da obra de Manuel Puig, uma adaptação infeliz sobretudo porque

houve a tentação de abrir o filme para outros cenários, anulando a intensidade

que se poderia conseguir com a unidade de décor251. A má atuação de Sônia

Braga foi também justificativa para a crítica: É evidente tudo o que de fácil há

neste filme, desde um populismo miserabilista até ao fracasso absoluto da tripla

presença de Sônia Braga252. Entretanto, em todas as resenhas a excelente

performance de Willian Hurt foi destacada como a melhor, senão única coisa

apreciável do filme, apesar da crítica do Diário de Lisboa ir além: Este filme não

é isento de falhas – longe disso – mas é miopia menosprezá-lo ou sequer reduzi-

248 Diário de Notícias. 06.04.1982, p. 24. Assinada por Lauro António.

249 Jornal de Letras Artes e Ideias. No. 30, 13 a 26.04.1982, p. 29. Assinada por Miguel Esteves Cardoso.

250 Diário Popular. 07.04.1982, p. 31. Assinada por José de Matos-Cruz.

251 Diário de Notícias. 01.03.1986, p. 40. Assinada por Lauro António.

252 Expresso. Revista. 15.03.1986, p. 4-R. Assinada por Augusto M. Seabra.

229

lo à corajosa e arrebatadora interpretação de Willian Hurt. (...) «O beijo da

mulher aranha» não é só Hurt: é um argumento cinematográfico muito bem

construído (...)253.

* * *

Nas resenhas acerca de Ópera do malandro, as alegações de valor

negativo da crítica residem em critérios temáticos (gênero) e estéticos. Ruy

Guerra falha na tentativa de fazer um musical enquanto gênero maior do cinema

americano, principalmente pela limitação de suas condições de produção,

argumenta a crítica do Expresso: por um lado o realizador fetichiza os meios de

produção espetacular (cenários sobretudo) mas, por outro lado, esses meios

estão sujeitos a comparações que realçam esta Ópera do Malandro como sendo

sobretudo a «Ópera do pobre»254. João Lopes avalia que o grande problema do

filme é que Ruy Guerra tenta fazer um musical que, de algum modo, se

«pareça» com o modelo clássico americano255. A construção e o tratamento

dado aos personagens foi também um elemento de justificação de valor

principalmente na crítica do JL: No fundo, o que faltou a Ruy Guerra foi a

passagem para o lado de dentro dos seus personagens, que a multiplicidade de

pontos de vista que o cinema pode adotar facilitaria, mas que a sisudez com que

parece ter encarado o projeto limitou256. Como pontos positivos, alguns críticos

salientaram a boa interpretação dos protagonistas (sobretudo Elba Ramalho) e

certas seqüências bem conseguidas, com coreografias e décor estilizados.

Anos 90

Nos comentários acerca de O quatrilho, as marcas de valor mediano

basearam-se, sobretudo, no “modelo” escolhido pelo diretor para contar sua

253 Diário de Lisboa. 16.04.1986, p. 19. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

254 Expresso. Revista. 13.06.1987, p. 6-R. Assinada por Augusto M. Seabra.

255 Diário de Notícias. 17.06.1987, p. 60. Assinada por João Lopes.

256 Jornal de Letras Artes e Ideias. N° 258, 15 a 21.06.1987, p. 27. Assinada por Pedro Borges.

230

história. Este modelo híbrido é o do telefilme de inspiração telenovelesca257. A

influência desde modelo foi considerada extremamente nociva para a obra

cinematográfica, principalmente ao nível do tratamento do argumento que

embora parta de um argumento interessante erra com os atores muito rodados

em telenovelas e já longe das estruturas de produção que eram asseguradas

pela velha Embrafilme, Fábio Barreto escolhe a via mais fácil, pondo em relevo

todos os rodriguinhos que se vão criando em torno da vida atribulada de dois

casais258. Enfim, a alegação de que o filme apela ao melodramatismo foi o

argumento mais significativo dos críticos para convencer o leitor. Fora isso, como

critério de valor favorável ao filme, o desempenho da atriz Glória Pires foi

salientado em todas as resenhas.

* * *

Em relação a Amor & Cia, a defesa de um juízo negativo sustentou-se em

critérios estéticos, sobretudo aqueles relacionados com a adaptação da história

de Eça de Queirós. Mário Jorge Torres argumenta: Ora, a visão desta adaptação,

agora rebatizada de “Amor & CIA” e geograficamente deslocada para além-

atlântico, perde o valor de sintoma social e sofre uma sobrecarga de

superficialidade decorativa259. Esta infeliz adaptação artesanal da obra literária

para o cinema foi também justificada pelo mesmo crítico na opção pelo modelo

televisivo adotado pelo diretor e no desempenho dos atores: E, no entanto, a

noção de teatro televisivo nunca sai dos nossos olhos, os cordelinhos de uma

representação compungida marcam todos os secundários e o registro forçado de

Alexandre Borges, num pouco credível galã. Também António Cabrita argumenta

na mesma linha: O problema é que Horácio Ratton não descola de uma certa

eficácia de seriado televisivo e limita-se a ilustrar a trama sem alcançar a

“intensidade” cinematográfica que legitima a passagem de uma linguagem para

257 Expresso. Revista. 23.11.1996, p. 9. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.

258 A Capital. 26.11.1996, p. 40. Assinada por Francisco Perestrello.

259 Público. Artes e Ócios. 07.05.1999, p. 8. Assinada por Mário Jorge Torres.

231

outra260.

* * *

Já as alegações para um julgamento desfavorável acerca de Central do

Brasil deveram-se tanto a elementos de ordem estética quanto àqueles de

ordem temática. Ou seja, para grande parte da crítica, há no filme uma

estetização da miséria no nordeste brasileiro onde o realizador explora o

infortúnio humano em forma de um arremedo de neo-realismo, sem nervo nem

intervenção social261. A crítica do Público também argumenta que o problema

fulcral de “Central do Brasil” resulta deste branqueamento temático e estilístico,

quer dizer, uma recusa de qualquer politização profunda das questões, o objetivo

é apelar à lágrima fácil (...)262.

Mas a valoração negativa fornecida à Central do Brasil baseou-se,

sobretudo, em dois pontos: primeiro não era aceitável comparar o filme de Walter

Salles às obras do Cinema Novo e segundo a influência do modelo de telenovela

é denunciada no filme. A crítica do Diário de Notícias avalia que é preciso ter o

sentido das proporções e não desatar a evocar o Cinema Novo dos anos 60 e

70. Nem Walter Salles é a reincarnação de um Glauber Rocha, nem Central do

Brasil é uma pedrada revolucionária na vitrina do ramerrão cinematográfico

brasileiro. (...) A história (...), funciona em parte à base dos mecanismos

narrativos e dramáticos da telenovela, em parte encarreira na tradição do

realismo de denúncia documental do cinema brasileiro263. Do mesmo modo, o

comentário do Expresso afirma que Walter Salles atualiza o modelo [de

exploração da miséria exótica] com métodos da telenovela264. Por outro lado,

uma pequena parte da crítica destacou a qualidade do argumento e a

260 Expresso. Cartaz. 08.05.1999, p. 13. Assinada por António Cabrita

261 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.

262 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.

263 Diário de Notícias. Artes e Multimédia. 14.05.1999, p. 46. Assinada por Eurico de Barros.

264 Expresso. Cartaz. 22.05.1999, p. 10. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.

232

interpretação dos atores (sobretudo Fernanda Montenegro), além de argumentar

que Central do Brasil é um filme que não rumina, de olhos postos na mira, que

não pratica o «concubinato das cozinhas» comum às telenovelas e não disfarça

dissabores, a sujidade dos dias; não encobre a maldade, mesquinha, tributária

das urbes brasileiras: favos de todas as desigualdades265.

* * *

Por fim, os argumentos para um julgamento positivo do filme O escorpião

escarlate de Ivan Cardoso residiram na narrativa, ou melhor, na forma bem

humorada que o realizador encontrou para contar a história dividida em duas

estruturas paralelas: Uma decorre no mundo real; a outra no entrecho da

radionovela. Entre os dois mundos cria-se um paralelismo total, de que a

montagem tira um partido muito especial, realçando os contrastes ao mesmo

tempo que atenua as seqüências de ligação. (...) O maior trunfo do filme reside

no humor que está implícito em cada caricatura apresentada. (...) Mesmo sem

provocar, em geral um riso aberto, tal humor tem resultados positivos e dá um

bom suporte ao desenvolvimento da ação266. A propositada mistura de gêneros

(terror e comédia) foi também justificativa para a avaliação do filme, mistura

considerada uma combinação originalíssima utilizando aliás a imensa graça e,

até, a beleza erótica da mulher brasileira, através de um jogo de atrizes que se

desdobram em caricaturas certeiras de gênero obviamente vulneráveis267.

3. As marcas de estratégias de persuasão

Anos 60

Em relação às questões de organização e estilo no filme O pagador de

promessas, as marcas indicam que houve a prevalência do resumo da história

do filme logo no primeiro parágrafo, seguido de uma apreciação e alegação

265 Expresso. Cartaz. 15.05.1999, p. 9. Assinada por António Cabrita.

266 A Capital. 28.05.1999, p. 57. Assinada por Francisco Perestrello.

267 Correio da Manhã. 28.05.1999, p. 33. Assinada por Vitoriano Rosa.

233

argumentativa, chegando à reafirmação do juízo favorável no final. Alguns

críticos tiveram tempo e espaço para contextualizar a própria situação narrada

no filme como também para traçar um painel sobre o Brasil ou sobre a

cinematografia brasileira, o que servia de fonte para o leitor ainda desinformado

sobre o cinema brasileiro no início dos anos 60 e, ao mesmo tempo, evidenciava

a “autoridade” do crítico, um conhecedor de cinematografias variadas.

Quanto ao estilo, percebeu-se uma variação traduzindo uma espécie de

“livre escrita”, presente nos textos da época. Sobretudo em alguns jornais (Diário

Popular e Diário de Lisboa) verificou-se um estilo de texto mais informativo e

factual no qual a cobertura do evento foi privilegiada em detrimento de uma

análise mais profunda da obra. Nas revistas, prevaleceu a escrita erudita com

maior liberdade na construção de um texto mais envolvente para o leitor. Como

traço comum à estilística do texto, o uso abundante de adjetivos permeou tanto

os comentários jornalísticos como o das revistas especializadas.

Ainda como marcas de estratégias utilizadas, verificamos que o discurso

da crítica de O pagador de promessas, sobretudo o da imprensa especializada,

procurou demonstrar um movimento retórico que tem por finalidade proteger-se

de um contra-argumento como “nenhuma obra é totalmente isenta de ressalvas”

e oferecer uma espécie de “leitura adequada”, indicando o modo como o seu

argumento deve ser interpretado pelo leitor. Vejamos um trecho de crítica

publicada no JL: Não procuramos afirmar que «O pagador de promessas» esteja

completamente isento de defeitos. Existem certas fragilidades da realização, na

direção dos atores, no deficiente recorte psicológico de algumas personagens,

até na fotografia. Mas nada disso chega para invalidar o alcance humano deste

filme, a sua originalidade e dignidade artística268.

* * *

As resenhas sobre Assalto ao trem pagador apresentaram marcas de

estilo bastante semelhantes às de O pagador de promessas. Também nos

268 Jornal de Letras e Artes. 01.05.1963, p. 11. Assinada por José Vaz Pereira.

234

jornais Diário Popular e Diário de Lisboa verificou-se um texto que privilegiava o

informativo e factual. Igualmente como traço comum à estilística do texto (tanto

nos jornais como na revista Plateia), a recorrência ao uso de adjetivos sobretudo

para qualificar positivamente o filme: (...) obra inflexível, dura, intransigente, e ao

mesmo tempo humana269; uma câmara atenta, uma fotografia de grande beleza

e sobriedade, intérpretes por vezes notáveis, a verdade, toda a verdade e só a

verdade270.

Na arquitetura do texto, as marcam indicam um certo padrão nas

resenhas, que procuraram situar historicamente o filme no contexto de sua

cinematografia, logo no primeiro parágrafo, para só depois apresentar a sinopse

do filme, seguida de juízo, argumentos de justificação e reiteração de juízo com

pequenas variações.

* * *

Em relação ao filme Vidas secas, marcas retóricas observadas em alguns

comentários revelaram-se na força persuasiva dos textos, desde a

demonstração de “erudição cinematográfica” compondo a natureza do Ethos dos

produtores do discurso, como se pode notar neste trecho: Vidas secas, de 1963,

é o filme mais significativo de Nelson Pereira dos Santos que é, por sua vez, o

mais significativo representante do Cinema Novo, que é por sua vez, a

expressão até agora de maior expansão mundial do novo Brasil, quero dizer, do

Brasil visto pelas suas mentalidades mais lúcidas271. O crítico já no primeiro

parágrafo exibe seu conhecimento do autor da obra e do Cinema Novo brasileiro

ainda pouco conhecido em Portugal. Neste novo cinema, o Brasil é apresentado

de forma mais lúcida sem o emblema do cartão-postal e, portanto, presta-se

mais a um cinema que garante sua identidade. Clamar ao leitor e futuro

espectador do filme, usando expressões como nenhum espectador sensível

269 Diário Popular. 16.02.1965, p. 11. Assinada com as inicias D. A.

270 República. 26.08.1965, p. 3. Não assinada.

271 República. 31.03.1967, p. 3. Assinada por Afonso Cautela.

235

pode ficar indiferente272 ou Algo de litânico transforma este filme imperfeito numa

apaixonante obra de cinema273, revela o apelo às emoções do público que adere

a este pathos discursivo.

Outro sinal exibido nas resenhas de Vidas secas é que não há uma

uniformização de estilo na escrita, apesar do emprego abundante de adjetivos

ser um fator comum. Mesmo entre as críticas publicadas nos jornais, as

diferenças são visíveis entre os estilos de um e outro crítico. É claro que

prevalecia o estilo ágil e objetivo da prática jornalística, mas as diferenças

podem ser observadas em alguns comentários inclinando-se mais para o rápido

descritivo e outros dedicando maior tempo à análise formal do filme. O Diário de

Lisboa, contudo, apresentou o estilo mais “conservador”, onde pode ser visto o

relato ou crônica social da estréia muito comum ao jornalismo até meados dos

anos 60274. O texto de João Bénard da Costa (O Tempo e o Modo) diferenciou-se

dos demais na composição de um estilo de escrita muita próxima do ensaio. Seu

comentário desliza para uma espécie de pensamento livre sobre o filme, o qual

certamente só foi possível por tratar-se de uma publicação voltada para o

pensamento e idéias.

Anos 70

Nas resenhas sobre A fúria do cangaceiro percebeu-se uma mudança na

estilística do texto crítico. Além de textos mais agressivos e contundentes, as

resenhas passam a afirmar o ethos do autor uma vez que agora os comentários

estão devidamente assinados, o que parece ser um passo para a

profissionalização do setor.

Foram verificadas marcas de estratégias de persuasão geradas a partir de

272 Diário de Lisboa. 31.03.1967, p. 6. Crítica não assinada.

273 O Tempo e o Modo. Nº 37, Abril de 1966, p. 538. Assinada por João Bérnad da Costa.

274 Como podemos observar neste trecho: A estreia de ontem assistiram numerosos membros da colónia brasileira, entre os quais o Dr. Odylo da Costa Filho, adido cultural à embaixada do Brasil, que muito contribuiu para ser possível a exibição entre nós deste belo exemplo do jovem cinema de além-Atlântico. Diário de Lisboa. 31.03.1967, p. 6. Vale salientar que outros jornais como o República já não apresentavam esse tom elogioso.

236

entimemas ou premissas dadas como já aceitas pelo leitor: (...) Anselmo Duarte

não é novo cinema brasileiro e «A fúria do cangaceiro» está muito longe de

constituir um filme de denúncia lúcida e consciente»275. Em quase todos os

comentários foi fundamental a preocupação em distinguir A fúria do cangaceiro

do Cinema Novo brasileiro. Esta distinção é dada como uma conclusão e não

como uma inferência, que o leitor é convencido a seguir.

O crítico Eduardo Geada, no jornal A Capital, apresentou um entimema de

apelação à autoridade para sustentar sua convicção (e a dos leitores) de que A

fúria do cangaceiro, além de não representar o “verdadeiro” Cinema Novo

brasileiro, possuía ingredientes falaciosos para agradar a determinado público,

ou seja, ao grande público. A apelação à autoridade de Glauber Rocha que

considerava estes ingredientes como «mentiras elaboradas da verdade (os

exotismos formais que vulgarizam problemas sociais) conseguiram-se comunicar

em termos quantitativos, provocando uma série de equívocos que não terminam

nos limites da arte, mas contaminam, sobretudo, o terreno geral do político»276. A

crítica lusa não só apreciava Glauber Rocha, conhecia também seus trabalhos

escritos e comungava com ele seus ideais de um cinema revolucionário, o que

reforçou sua autoridade e competência no processo de convencimento do leitor.

Outras marcas revelam que a organização do discurso nas resenhas de A

fúria do cangaceiro acompanhou o padrão dos anos 60, no qual os críticos

procuraram inicialmente fornecer informações acerca do novo cinema brasileiro,

emitiam um juízo do filme só que agora acrescido de uma comparação com o

Cinema Novo, depois apresentavam os argumentos para confirmar o julgamento

no final da resenha.

* * *

As marcas de estratégias de persuasão nas resenhas sobre o filme As

amorosas perpassam pela mesma “agressividade” de estilo da escrita. As

275 República. 27.11.1970, p. 3. Assinada por Tito Lívio.

276 Depoimento de Glauber Rocha citado por Eduardo Geada em A Capital. 28.11.1970, p. 19.

237

resenhas (à exceção da revista Celulóide) defendem com firmeza sua posição

perante o leitor. Textos mais incisivos demonstram um estilo de um princípio de

“tomada de posição”, de afirmação de um “lugar” dentro do cenário da crítica de

cinema. Nos jornais, uma escrita “forte”, capaz até mesmo de contestar colegas

de profissão, é mais uma forma de delimitar o terreno diante do leitor: Se ainda

não vimos que isto é cinema de alta voltagem, de fato mais valia mudar de

profissão. E de crítico ir para gerente de banco ou qualquer coisa assim rendosa,

das que exigem muita sensibilidade, inteligência e imaginação. Em cinema,

pelos vistos e ouvidos, não: quanto mais burro melhor277. Além dos

questionamentos sobre a profissionalização do setor, o crítico exerce seu pathos

para atrair a leitura mais emotiva e afirmar seu estilo.

Nas resenhas, sobretudo as que defendiam o filme, a comparação do

diretor a nomes consagrados da cinematografia mundial como Antonioni ou

Bergman serviu como mais uma estratégia de persuasão para legitimar o filme

enquanto obra de qualidade. Por outro lado, esta mesma comparação, utilizada

por aqueles críticos que julgaram o filme falso, funcionou com efeito contrário, ou

seja, As amorosas não passa de um pastiche mal feito de grandes nomes da

cinematografia européia.

Quanto à organização do discurso, não foram visíveis diferenças no

modelo desenhado nos anos 60: resumo e descrição do enredo, juízo,

argumentos, justificação e reafirmação de juízo.

* * *

Identificamos, desta vez nos comentários sobre Macunaíma, marcas de

um discurso para convencer o leitor através da demonstração do ethos do

crítico. Seu conhecimento e erudição cinematográfica informavam ao leitor a

história do movimento modernista brasileiro a fim de chegar aos argumentos

favoráveis ao filme: A antropofagia esteve na base do modernismo brasileiro

literário no Brasil. Nascido da «Semana de Arte Moderna» (Rio de Janeiro,

277 República. 27.03.2971, p.6. Assinada por Afonso Cautela.

238

1922), nele se salientaram dois escritores (Mário de Andrade, autor de

Macunaíma e Oswald de Andrade, autor do manifesto A Antropofagia), a pintora

Tarsila e o compositor Villa-Lobos. Joaquim Pedro de Andrade, 1970, vai

ressuscitar essa tradição «modernista» sob a égide do Antropofagismo e do

Autofagismo. (...) Macunaíma é a história de um aprendizado: de como devorar

para não ser devorado278. Neste trecho, percebe-se também a eloqüência do

discurso do crítico, traço, aliás, marcante em todas as resenhas colhidas de

jornais. Uma escrita notoriamente mais culta votada à interpretação das

mensagens ideológicas e à decifração de códigos estéticos do filme.

A Ilustração foi bastante utilizada nos comentários como prova de

sustentação dos argumentos: As referências à antropofagia são constantes,

desde o tempo de Macunaíma-menino (que pede de comer a um tio, o qual corta

um pedaço de carne da sua perna e lho dá, passando a chamar-lhe «carne da

minha perna», até ao monstruoso banquete do gigante Wenceslau Pietro Pietra

(uma monumental feijoada humana), passando pela não menos evidente

Antropofagia sexual da quase totalidade das heroínas com quem Macunaíma

‘brinca’279 .

Quanto à arquitetura do discurso, o quadro permaneceu sem alterações

significativas, apenas com a tentativa de fornecer ao leitor, sobretudo no início do

texto, uma espécie de “quadro de situação” sobre o movimento modernista

brasileiro.

* * *

As marcas de estratégias de persuasão nas resenhas sobre António das

Mortes fundamentaram-se na proposta de convencer o leitor de que se tratou de

um filme premiado em Cannes e pertencente ao grande representante do

Cinema Novo brasileiro, Glauber Rocha: (...) nos encontramos em presença de

uma obra-prima da moderna cinematografia, revelação portuguesa de um dos

278 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.

279 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.

239

mais notáveis cineastas brasileiros280, afirma Lauro António no primeiro

parágrafo de seu comentário. Podemos observar neste trecho da resenha

publicada no Diário Popular como o recurso à citação de outro crítico buscou a

aceitação do leitor: Um crítico estrangeiro, referindo-se ao realizador Glauber

Rocha, disse, com muita graça e alguma verdade, que ele é ‘um Pelé do cinema

que projetou o Brasil à escala internacional’281 .

Nos comentários sobre António das Mortes não houve alterações

perceptíveis quanto ao estilo da escrita, permanecendo as mesmas

características das resenhas da década. Entretanto, o texto de Lauro António

publicado na revista Celulóide revelou-se como o mais informativo e analítico. O

uso de adjetivos para qualificar quer o filme quer o realizador também

prevaleceu nos jornais, como podemos observar neste trecho divulgado no

Diário de Notícias: Obra extremamente insólita, fora das correntes rotineiras,

com enorme beleza plástica e fundo panfletário – residindo nesse complexo a

profunda impressão causada – coloca Glauber Rocha na galeria dos autores

importantes do cinema mundial282.

A organização do discurso nas resenhas também não sofreu alterações

permanecendo a seqüência (com variações aqui e ali) de sinopse, juízo,

argumentos e justificações e confirmação do juízo no final da crítica.

* * *

As marcas de estratégias de persuasão verificadas nos comentários sobre

O homem nu indicam o uso de textos que visam persuadir o leitor através da

afirmação do ethos, sobretudo regulado no conhecimento do crítico em relação à

cinematografia brasileira e aos seus realizadores. Nas resenhas, a marca de

autoridade da fala, transfigurada como premissa para o leitor, é bem visível e

contundente: Toda a gente medianamente interessada pelo cinema que se faz

280 Celulóide. Nos 178/179, Out/Nov de 1972, p. 44. Assinada por Lauro António.

281 Diário Popular. 16.10.1972, p. 4. Assinada com as iniciais P. da C.

282 Diário de Notícias. 14.10.1972, p. 5. Assinada com a inicial V.

240

no mundo sabe que o Brasil possui presentemente (ou possuiu, não há ainda

muito tempo) uma cinematografia das mais importantes e valiosas283.

Quanto à arquitetura do texto, verificou-se a presença, sempre nos

primeiros parágrafos, de um painel retrospectivo do cinema brasileiro com

ênfase no movimento do Cinema Novo, antes de ser introduzida a crítica

propriamente dita. Nos outros aspectos, os padrões de informação foram

mantidos: sinopse, avaliação, argumentos e justificações e reiteração do

julgamento.

Nas questões de estilo destacaram-se os textos de Lauro António e Tito

Lívio. O primeiro apresentou uma estratégia de descrever o enredo do filme ao

contar detalhes emblemáticos e “traduzi-los” de forma mais digestiva para o leitor

que se sentiu atraído pela história. O segundo utiliza a ironia e o sarcasmo para

convencer os leitores de que o filme não passa de um protótipo do Cinema

Novo.

* * *

Nos comentários sobre Terra em transe, as estratégias de persuasão

estruturam-se de modo a dar ao leitor informações atualizadas sobre Glauber

Rocha, sua cinematografia e sobretudo decodificar, com autoridade e juízo

crítico, o enredo do filme. A “tradução” dos simbolismos da história através de

exemplos mais clarificados para o leitor agiu como força persuasiva eficiente.

A ordem do texto não foi alterada, todavia percebe-se um aumento

considerável de expressões de ordem política como revolucionário, ditadura,

censura fascista e massas populares. O estilo de afirmação agressiva tornou-se

mais contundente tanto na crítica de Lauro António quanto na de Tito Lívio, que

utilizou adjetivos como demagógico e grotesco para qualificar um dos

personagens da história.

283 Diário de Lisboa. 17.07.1973, p. 7. Assinada por Lauro António.

241

* * *

Semelhantemente, nos comentários sobre O leão de sete cabeças, as

marcas de estratégias de persuasão da crítica indicam o modo de leitura da obra

mais clarificado para o leitor. Era necessário e até imprescindível saber algumas

informações sobre o filme, traduzir certas simbologias (desde o título composto

por palavras de várias línguas)284 antes de vê-lo.

A organização das informações no texto privilegiou o resumo do enredo,

oferecendo vários parágrafos a esta síntese em todas as resenhas. Nas

questões de estilo, permaneceu o discurso politizado e afirmativo de José Vaz

Pereira, Lauro António e Eduarda Ferreira. Esta última, crítica do jornal

República foi a mais incisiva na sua escrita: (...) o filme demonstra que a

«Cooperação» imperialista é um aperto de mão e uma rajada de metralhadora

nas costas e só o sangue e o trabalho dum povo espezinhado podem alimentar

as raízes das árvores das patacas285.

* * *

Este quadro de invenção e organização do discurso a fim de conseguir a

anuência dos leitores permaneceu mais ou menos o mesmo em 1976 nas

recensões sobre Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor. Contudo,

verificou-se muitas vezes nas resenhas a argumentação mediante exemplos,

para convencer o leitor das convicções do crítico em relação ao filme: Toda

nudez será castigada é um exemplo magnífico de como um brilhante autor

barroco, católico e reacionário, pode servir às mil maravilhas para fazer um filme

terrivelmente agressivo em relação à moralidade social vigente, à instituição

familiar, ao obscurantismo religioso, numa palavra, ser exatamente o contrário

daquilo que mostra, mantendo-se o mais fiel possível às situações criadas na

peça de que se inspira fazer a sua inversão crítica graças a uma qualidade que,

284 O filme tem como título original, Der Leone Have Sept Cabeças, numa remissão ao conjunto de nações imperialistas presentes no território africano.

285 República. 12.02.1975, p. 5. Assinada por Eduarda Ferreira.

242

depois de Lubitsh, Renoir, Cukor e pouco mais, se julgava perdida o tom. Além

da transferência de sentido por meio dos adjetivos, a crítica com autoridade de

conhecimento recorre a grandes nomes da cinematografia mundial para atribuir

qualidades à obra.

Também foi observada a utilização da descrição de cenas através da

ilustração como base de sustentação dos argumentos produzidos pelos críticos,

como vemos neste trecho de José Vaz Pereira: o trabalho dos atores e do

fotógrafo é sensacional, explorando as imagens de Lauro Escorel, as cores, não

só a rua (e a rua brasileira é inconfundível com as suas multidões, as suas

palmeiras, os seus «Volkswagens», as suas pedrinhas da calçada à portuguesa)

como os interiores onde arranca belos efeitos na imensa galeria, toda anos vinte,

que existe nas casas de passe286.

* * *

Nos comentários sobre Dona Flor e seus dois maridos percebe-se a

reiteração da estratégia de expor (predominantemente no primeiro parágrafo) ao

leitor a descrição do enredo como principal recurso para guiá-lo até uma sala de

cinema. Permanecem o uso de adjetivos, os exemplos e as ilustrações como

recursos argumentativos. A escrita de Jorge Leitão Ramos se destacou na forma

como o crítico, já na abertura do texto, tentou se aproximar do leitor revelando

uma intimidade e, ao mesmo tempo, delimitando seu território: Na minha casa,

como diria o Fernando Assis Pacheco, o «garrafão eletrônico» é coisa banida.

Não pertenço, por isso, à maioria da população deste país que diariamente,

segue a «Gabriela» televisiva como um caso pessoal287.

* * *

Já as marcas nas recensões sobre Lúcio Flávio, o passageiro da agonia

foram assinaladas pela forte publicidade que cercou a fita. Em quase todas as

286 A Capital. 09.04.1976, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.

287 Diário de Lisboa. 23.09.1977, p. 13. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

243

resenhas a referência ao sucesso de público que o filme teve no Brasil na altura

de seu lançamento em 1977 e a publicação de entrevistas com o diretor, anexas

aos comentários, tiveram força persuasiva sobre o leitor. Descrição de cenas

seja para ilustrar, seja para servir de exemplo e base a um argumento a

defender, foi também recurso persuasivo forte como na descrição que Lauro

António utiliza para delinear o jogo entre o crime e a ordem visível em duas

frases fundamentais no filme: É Moretti, o polícia corrupto, quem afirma

primeiramente que «polícia e bandido são duas faces de uma mesma medalha.

Faces que se encontram ligadas e que nada podem fazer uma sem a outra, por

isso se devem auxiliar». (...) Lúcio Flávio, no fim do filme, quando a sua morte se

aproxima e as algemas lhe prendem já para sempre os movimentos descobre o

erro e proclama-o: ‘Polícia é polícia. Bandido é bandido’288 . Nas questões de

estilo e organização de discurso nas resenhas, não foram percebidas alterações

significativas.

Anos 80

As primeiras marcas persuasivas presentes nas críticas sobre Eu te amo

remetem para o clima de sedução do filme de Arnaldo Jabor. As fotografias de

divulgação do filme presentes em quase todos os periódicos exibem os corpos

nus de Sônia Braga e Paulo César Pereio, que funcionam como um primeiro e

grande atrativo para o leitor. Entre as estratégias verificadas nos textos citam-se

os exemplos de cenas para sustentação de argumentos que, neste caso, eram

desfavoráveis ao filme, mas uma cena merecia destaque: A cena com o travesti

Vera Abelha (sem dúvida a mais conseguida do filme) é a única onde algo de

intenso percorre o écran, talvez por que aí a força dos fatos elimine totalmente o

requentado do discurso289. Além disso, a descrição pormenorizada do enredo foi

também usada como estratégia, sobretudo na crítica do Diário de Notícias.

Outros recursos foram também percebidos como a estratégia de aproximação

com o leitor através de questões interrogativas no texto (Diário de Lisboa).

288 Diário de Notícias. 30.05.1979, p. 14. Assinada por Lauro António.

289 Diário de Lisboa. 17.11.1981, p. 18. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

244

* * *

Nas resenhas acerca de Pixote, a lei do mais fraco, as marcas de

estratégias de persuasão revelaram a presença de informações (como a

quantidade de prêmios que o filme recebeu) usadas para valorizar a obra e

garantir o ethos do crítico perante o leitor. O uso de cenas para ilustrar a

justificação de argumentos continua e também a analogia como forma de

transferir sentido: É uma espécie de «Mundo Cão» da delinqüência juvenil

brasileira ou os «400 golpes» do subdesenvolvimento latino-americano? Nem

tanto ao mar nem tanto à terra290. Um tipo de texto mais ensaístico foi observado

na resenha do JL, onde o crítico Guilherme Ismael utiliza o filme para falar sobre

a marginalidade em seus diversos sentidos. Quanto às questões de organização,

as resenhas continuam mantendo o formato da década anterior com variações

aqui e ali e também sem diferenças na qualidade da informação entre a revista

(Celulóide) e os periódicos (A Capital, Diário de Lisboa, Diário de Notícias).

* * *

As marcas nos comentários de Bye Bye, Brasil não se diferenciaram muito

daquelas encontradas nas últimas resenhas: uso de grandes fotografias para a

aproximação inicial com o leitor e, de um modo geral o discurso permaneceu

organizado para cumprir sua função retórica. Contudo, as publicações Expresso

(Manuel S. Fonseca) e JL (Miguel Esteves Cardoso) indicaram um tipo de escrita

mais próxima do formato ensaio no primeiro caso e uma crônica no segundo.

Nesses textos, observa-se uma maior liberdade no “modo de leitura” do filme,

que foi tratado como emblema de uma viagem da inocência perdida.

Permanecem também a utilização de adjetivos e exemplos de cenas ou

seqüências para sustentar a argumentação da crítica, sobretudo nos jornais

(Diário de Lisboa, Diário Popular, Diário de Notícias e A Capital). A crítica da

revista Celulóide não apresentou diferença em relação à dos jornais, exibindo

um texto curto e ligeiro acerca do filme.

290 Diário de Lisboa. 26.03.1982, p. 20. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

245

* * *

Já no filme O beijo da mulher aranha, as marcas persuasivas mantiveram-

se na ação das imagens fotográficas ao lado de textos que, apesar das

ressalvas feitas ao filme, despertaram a curiosidade do leitor para a história, cuja

ação se passava predominantemente numa cela de prisão. A descrição da

história foi o grande fator de mobilização do leitor em três jornais (Diário de

Notícias, A Capital e Diário Popular). No Diário Popular também as informações

“acessórias” sobre a película (desde o convite do diretor aos atores até uma

crônica sobre os bastidores da produção) tiveram um papel importante nesta

adesão.

Na questão do estilo destaca-se mais uma vez o texto de Jorge Leitão

Ramos e sua “conversa” com o leitor através de perguntas: Já estou a ver meus

leitores mais atentos a interrogarem-se sobre a «entrada» deste texto: «bicha» é

termo que se use para designar um homossexual? Que racismo é este que, de

súbito, se introduziu no vocabulário do crítico? Não é racismo nenhum, é a

realidade do filme, é a sua história, o seu cerne, aquilo que de essencial lá

acontece (...).

* * *

Nos comentários sobre Ópera do malandro, as marcas verificadas

diferiram quanto ao estilo apresentado entre as publicações (JL e Expresso) e os

jornais diários (A Capital, Diário de Notícias e Correio da Manhã). Os textos do

JL e Expresso eram próximos do ensaio, enquanto os textos dos jornais

mantiveram a objetividade da análise. Enquanto nos textos dos primeiros foram

observadas expressões como dramaturgia «não-aristotélica»291 ou mitologia

figurativa292, nos textos dos diários o apelo ao pathos do leitor era declarado:

Edson Celulari (...) é um ator que pede meças a qualquer dos gigantes da

atualidade, compondo uma mescla de talentos em que entram um Robert De

291 Expresso. Revista. 13.06.1987, p. 6-R. Assinada por Augusto M. Seabra.

292 Jornal de Letras Artes e Ideias. N° 258, 15 a 21.06.1987, p. 27. Assinada por Pedro Borges.

246

Niro, um Dustin Hoffman ou um Al Pacino dando, cada um, um farto lote dos

seus múltiplos recursos293. São recorrentes as grandes fotos (sobretudo nos

diários) e também os exemplos e ilustrações de cenas ou seqüências do filme.

Anos 90

Relativamente ao filme O quatrilho não foram observadas mudanças nas

estratégias para convencer os leitores. As fotos mantêm-se como chamariz do

texto, que permaneceu organizado de modo a dar, sobretudo informações

“acessórias” ao leitor, como dados sobre o diretor e sua carreira no Brasil. A

descrição pormenorizada do enredo também foi verificada, traço comum a todos

os jornais.

* * *

Também se destaca nas marcas persuasivas sobre Amor & Cia o

predomínio de textos com elevadas informações “acessórias” ao leitor. Estas

informações, geralmente localizadas nos primeiros parágrafos, tratam sobre

assuntos relacionados à produção, distribuição bem como entrevistas com o

realizador e/ou atores do filme. O leitor inicialmente é satisfeito na sua

curiosidade sobre os bastidores da obra para depois se centrar na análise e juízo

acerca do filme. Permanecem as grandes fotos de divulgação e o apelo às

emoções do leitor, sobretudo nos diários: Que co-produção justifica transformar

uma novela portuguesa, situada na Lisboa oitocentista, numa história brasileira,

com atores brasileiros e técnicos brasileiros?294, exclamava a crítica do Público.

* * *

As marcas persuasivas presentes nas resenhas a respeito de Central do

Brasil caracterizam-se pela apresentação de discursos eloqüentes, afirmativos e

293 Correio da Manhã. 19.06.1987, p. 53. Assinada por Vitoriano Rosa.

294 Público. Artes e Ócios. 07.05.1999, p. 8. Assinado por Mário Jorge Torres.

247

por vezes, agressivos como forma de sustentação de argumentos. Destacam-se

os textos de Eurico de Barros e Mário Jorge Torres como estilos de escrita mais

incisivos e sarcásticos e com grande carga de utilização de adjetivos.

Expressões e frases como melodramazinho delicodoce295 ou pedrada

revolucionária na vitrina do ramerrão cinematográfico brasileiro296 são exemplos

deste tipo de escrita.

Outras marcas foram verificadas, como as informações acerca dos

prêmios recebidos (injustamente, para uma boa parte da crítica) e uma entrevista

com o diretor publicado no semanário Expresso, que funcionaram como

entimemas de apelação à autoridade útil para cativar o leitor. Além disso,

observaram-se também táticas comparativas como um forte recurso de

persuasão: Quando o filme está na cidade evita aflorar a aspereza da realidade,

ao contrário de Pixote de Hector Babenco297 ou O segredo de Central do Brasil é

apenas a de uma exploração muito pouco hábil (valha-nos isso!) do

miserabilismo que tem seu modelo acabado em O pagador de promessas, de

Anselmo Duarte298. Em relação à estrutura organizativa das resenhas, manteve-

se o padrão precedente de juízo, sinopse da história, argumentos, informações

acerca do filme e reiteração de juízo. Também permanecem as grandes

fotografias de promoção.

* * *

Por fim, as marcas persuasivas nos comentários sobre O escorpião

escarlate não diferem muito das marcas verificadas nas críticas precedentes.

Mantiveram-se as imagens de suporte, uma pormenorizada descrição do enredo

(A Capital), as informações “acessórias” sobre o diretor e prêmios e a

organização do discurso.

295 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.

296 Diário de Noticias. Artes e Multimédia. 14.05.1999, p. 46. Assinada por Eurico de Barros.

297 Expresso. Cartaz. 29.05.1999, p. 17. Assinada por Francisco Ferreira.

298 Expresso. Cartaz. 22.05.1999, p. 10. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.

248

249

Marcas de contexto

1. As marcas de tempo

Anos 60

Foram observadas como marcas de tempo nas resenhas sobre O pagador

de promessas uma certa despolitização no conteúdo dos textos. Marca de tempo

que reflete a censura à escrita da época, os comentários sobre o filme de

Anselmo Duarte publicados em Abril de 1963 concentraram-se primordialmente

na questão religiosa e os críticos abstiveram-se de provocar ou sugerir qualquer

temática política, apesar de o polêmico enredo do filme solicitar uma tal reflexão

ideológica.

Outras marcas temporais encontradas revelaram o conhecimento da

crítica lusa de uma grande mudança na cinematografia brasileira datada em

início dos anos 60. Diz o primeiro parágrafo da crítica do Diário popular: O que

distingue o moderno cinema brasileiro de outros cinemas de narrativa que

impuseram certa supremacia universal do espectáculo da tela e, sem dúvida, a

poderosa sensação de verdade que, desprovida de artifícios aparentes, nos

transmite os casos e as figuras que animam os seus melhores filmes. Na

verdade, colocando «a latere» tendências generalizadas procuraram criar um

novo estilo de espetáculo de cunho eminentemente mais profundo e humano e

que refletisse de forma cabal os dramas de nosso tempo299. Os dramas daquele

tempo permanecem até hoje, assim como a discussão em torno da sensação de

verdade da imagem cinematográfica, todavia a presença desta marca temporal

dialoga com uma época em que os debates sobre Neo-realismo italiano e

299 Diário Popular. 18.04.1963, p. 3. Assinada com as inicias P. de M.

250

mesmo sobre o cinema verité compunham a agenda da crítica de cinema.

Nestes debates, ficava subjacente a contestação ao cinema como espetáculo

industrial.

Nos comentários há também referências à juventude deste cinema, o que

pode vir a demonstrar um sinal de associação entre O pagador de promessas e

o jovem Cinema Novo brasileiro: Há, além disso, que se ter em conta, que se

trata de uma cinematografia jovem, que sai da mediocridade das produções

comerciais a golpes de audácia e persistência, desde a penosa experiência de

Cavalcanti e dos esforços pioneiros da Vera-cruz300. Estas referências temporais

também sinalizavam o quanto o cinema e mesmo a cultura brasileira estavam

presentes no jornalismo da época, ainda que se reclamasse contra o

desconhecimento do grande público em relação a esta nova cinematografia

brasileira. Em muitas críticas, foram mencionadas a literatura, a música e a

religião brasileiras, que funcionavam também como uma estratégia discursiva

cujo objetivo era a afirmação do ethos do produtor do discurso. Quanto maior o

conhecimento demonstrado pelo crítico sobre os diversos campos da cultura

brasileira, mais o leitor sente-se seguro com o texto.

Servais Tiago, na revista Plateia, apresenta o “quadro situacional” do

cinema (e do pensamento da crítica) no início dos anos 60 na Europa, ao relatar

que o gosto pelo exótico que já havia beneficiado o cinema japonês voltava

agora a acariciar os brasileiros. Para Tiago, os apologistas das escolas nacionais

autóctones discursam para premiar a rude espontaneidade desse cinema verde,

odoroso e turbulento que jorra fontes ainda muito próximas de uma expressão

popular direita, livre dos artifícios para-filosóficos e para-intelectuais de um

Bergman angustiado301. Marca de tempo bem delineada, o texto aponta para

uma temática presente na crítica dos anos 60, a saber, o aparecimento de

cinematografias nacionais que os críticos europeus viam com certo exotismo. As

300 Diário de Lisboa. 18.04.1963, p. 3. Manuel de Azevedo refere-se ao cineasta e produtor Alberto Cavalcanti que dirigiu uma das principais companhias cinematográfica brasileiras de cinema: a Vera Cruz, que veio a fechar em 1953.

301 Plateia. Nº 148, 01.05.1963, p. 55. Assinada por Servais Tiago

251

imagens eram diferentes porque eram “exóticas” com todo o sentido (diríamos

positivo e negativo) que esta palavra implica.

* * *

Em relação aos comentários sobre Assalto ao trem pagador (publicados

em 1965), as marcas de contexto exibem-se igualmente, nas alusões, mesmo

que bem pontuais, ao jovem cinema brasileiro que vinha ganhando espaço nos

festivais internacionais. Isto foi visível, sobretudo na resenha de Lauro Antônio

apresentada numa revista especializada302: O cinema brasileiro, quase

totalmente desconhecido de nosso público, adquiriu, durante os últimos anos

(sobretudo durante as presidências de Jânio Quadros e João Goulart), uma força

e um vigor, aliados a uma sinceridade e espontaneidade notáveis, que o

impõem, presentemente, nos festivais internacionais a que concorre,

conquistando para seu país os favores da crítica, do público e alguns galardões

merecidamente alcançados303. Com espaço e atenção maior para a análise do

filme, Lauro António mostra seu descontentamento pela falta de divulgação de

um cinema jovem que floresce em terras sul-americanas, mas, ao mesmo

tempo, reconhece que as referências a esta nova cinematografia têm crescido

bastante com a propagação dos festivais. A crítica da Plateia localiza também o

filme num contexto com outros diretores do cinema brasileiro: Aguardava-se,

pois, com muito interesse, a exibição de «O assalto ao trem pagador» de

Roberto Farias. Sabíamos que era um jovem, tal como Glander (sic) Rocha,

Nelson Pereira dos Santos ou Ruy Guerra. Sabíamos que usava o cinema como

meio de mostrar a todo o mundo a realidade social brasileira, descobrindo-lhe as

suas chagas, procurando assim encontrar a solução que se impõe. E o filme

resultou uma agradável surpresa!304. Os sinais exibidos neste trecho apontam

302 Mas não exclusivamente na revista, como pode ser observado também neste trecho de jornal: «Assalto ao trem pagador» que enfileira fundamentalmente no novo cinema brasileiro é uma demonstração inequívoca de possibilidades que nos diz não ser falso o apregoado incremento de qualidade patente no cinema praticado em terras de santa cruz. Diário Popular. 16.02.1965, p. 11. Assinada com as inicias D. A.

303 Plateia. Nº 215, 10.03.1965, p. 62. Assinada por Lauro António

304 Plateia. Nº 215, 10.03.1965, p. 62. Assinada por Lauro António.

252

para a crítica mais especializada, que se conformava com o ambiente intelectual

vivido e defendido pelas novas cinematografias nacionais surgidas em países

cinematograficamente periféricos. O crítico, ao concluir seu comentário ainda

propõe uma comparação ao leitor: Enquanto em França um esteticismo

decadente nos fala bem de coisas mortas, no Brasil, terra nascente, fala-se

ainda rudimentarmente, mas já de coisas vivas e atuais. Enquanto uns enterram

os mortos em ataúdes de filigrana, outros cuidam dos vivos com palavras cruas,

mas importantes305. Este traço comparativo é extremamente sintomático de uma

época em que a Nouvelle Vague era questionada e o desejo por cinematografias

mais “radicais” era defendido pelo pensamento de uma parte da crítica.

Os comentários de Lauro António revelaram também o início de uma certa

busca pela independência da crítica. Apesar da censura em vigor, o crítico da

Plateia já faz referências, mesmo que leves, à política brasileira refletida no novo

cinema brasileiro, embora não se perceba qualquer referência à política

portuguesa ou mesmo, ao Novo Cinema português.

* * *

Quanto às marcas de contexto nas resenhas sobre Vidas secas, as

referências ao Cinema Novo brasileiro também prevaleceram. Parece ter sido

fundamental informar ao leitor de 1967 as ligações do filme e do próprio diretor a

este movimento: É este o primeiro exemplo do hoje universalmente famoso

«cinema novo» brasileiro que chega às nossas telas, afirma M. Machado Luz em

seu comentário na revista Seara Nova306. Isto vem revelar, como mencionamos,

uma importante marca de tempo, uma vez que o Cinema Novo começava a ser

referido enquanto movimento cinematográfico (já relativamente conhecido na

França e Itália) de merecida atenção pelos leitores e cinéfilos portugueses. Outra

marca encontrada foi a referência à política dos autores como parte da

convenção de interpretação peculiar à crítica de cinema dos anos 60 e 70 (e que

305 Plateia. Nº 215, 10.03.1965, p. 62. Assinada por Lauro António.

306 Seara Nova. Nº 1457, Março de 1967, p. 91. Assinada por M. Machado Luz

253

parece estender-se até aos nossos dias). Em Nelson Pereira dos Santos já se

vislumbrava certas marcas de autoria, apesar de suas obras anteriores não

serem conhecidas em Portugal. Mais que o realizador era a realidade do

Nordeste o grande autor do Cinema Novo brasileiro. Relata a crítica do

República: É neste aspecto [a pungente realidade que documenta] que a «vaga»

brasileira se distingue das suas congêneres francesa e italiana. No Brasil os

próprios temas iriam ser os primeiros «autores» de filmes307.

Igualmente como marca de tempo, observou-se nos comentários sobre o

filme a busca por uma escrita menos impressionista e que, mesmo que de forma

sutil devido à censura, apresentasse um discurso baseado em critérios mais

definidos.

Anos 70

Em 1970, uma das mais significativas marcas de tempo observadas nas

resenhas sobre a Fúria do cangaceiro foi o discurso de revolta dos críticos

devido à pouca exibição em Portugal de filmes do Cinema Novo brasileiro,

sobretudo de filmes de Glauber Rocha. A solicitação e crítica não eram dirigidas

a alguém em particular e, em certos casos, dirigiam-se aos distribuidores e

exibidores. Entretanto, havia indícios implícitos de que a mensagem dos críticos

dirigia-se também ao governo que vetava a exibição de certos filmes

considerados “perigosos”.

Outras marcas de tempo identificadas nas resenhas igualmente foram

permeadas pelo enquadramento histórico do Cinema Novo brasileiro que,

segundo as convenções ou matrizes de referências da crítica, estava sendo

desrespeitado na película de Anselmo Duarte. O cinema brasileiro já era visto

como produtor de discursos críticos, como produtor de filmes de autor e A fúria

do cangaceiro teria uma gênese que não é social mas sentimental308.

307 República. 31.03.1967, p. 4. Assinada por Afonso Cautela.

308 Diário Popular. 27.11.1970, p. 4 . Assinada por José Vaz Pereira.

254

* * *

Nos comentários sobre o filme As amorosas destacam-se algumas

marcas temporais emblemáticas. Como mencionamos, o filme fora exibido em

1971 no circuito de um Festival do Cinema Brasileiro e a crítica portuguesa

ansiava por ver obras representativas deste cinema, em especial do Cinema

Novo e mais especificamente de Glauber Rocha. Os filmes de Glauber Rocha

não se fizeram presentes neste Festival e a insatisfação da crítica foi visível nos

comentários309. O fato do filme de Khouri não representar o Cinema Novo moveu

a desconfiança da crítica que, com convenções bem delineadas, esperava

menos intelectualismo e mais crítica social. Como mencionamos, Lauro António

vê o filme como fora de seu tempo e espaço. Fora, na verdade, das matrizes

sócio-políticas vigentes no pensamento da crítica cinematográfica no período.

Outra marca presente foi revelada na resenha que defendia o filme.

Afonso Cautela advoga que Walter Hugo Khouri produziu cinema de autor, com

tema e modo de feitura marcadamente pessoais, e que também por isso, As

amorosas justifica-se como uma das melhores obras exibidas durante o Festival:

Dir-se-á que os diálogos pecam e teimam em certo intelectualismo. Talvez, mas

logo neutralizado pela naturalidade dos outros, pelo calão sabiamente mesclado,

pelos silêncios, por uma conjugação diretiva de todos os elementos, síntese que

faz afinal a grande força de um autor e lhe dá marca, lhe imprime estilo, lhe

confere estatuto de tal: de autor310.

* * *

Nos comentários sobre Macunaíma, filme também exibido no Festival de

1971, as marcas temporais evidenciam um tempo em que a tomada de posição,

309 Como nos comentários dos críticos do suplemento Cena Sete, Alberto Seixas Santos, Eduardo Geada e Eduardo Prado Coelho ao relatarem que Glauber Rocha foi o grande ausente do Primeiro Festival do Cinema Brasileiro. Sobre o filme dizem eles: A pornografia mascarada com todos os tiques da modernidade intelectual de receita comercial garantida constituiu o prato forte do filme mais repelente do festival: «As amorosas» (Walter Hugo Khouri). A Capital. Cena Sete, 27.03.1971, p. 6. Assinada pelos três críticos acima citados.

310 República. 27.03.2971, p. 6. Assinada por Afonso Cautela.

255

seja ideológica (obviamente ainda encoberta por causa da censura) seja

estética, era mais visível e se acenava com mais clareza os “critérios” em que se

baseava o pensamento da crítica no período. Macunaíma foi apreciado por sua

originalidade temática e formal, um filme sem marcas de influências visíveis

(nem o Godard, nem o Fellini, nem o Antonioni, nem o Bergman) nem mesmo de

influência de grupo (Ruy Guerra retomando Glauber que se retoma a si mesmo)311 e até poderá marcar o nascimento de uma nova fase dentro do novo cinema

brasileiro312. A crítica já estava bem informada sobre as “fases” do Cinema Novo

antes mesmo dos filmes de Glauber Rocha estrearem-se em Portugal.

* * *

Em 1972, nas resenhas sobre António das Mortes, as marcas de tempo

revelam que o fato do filme apresentar de forma simbólica os conflitos sociais

brasileiros acabou por beneficiar a produção de um discurso menos politizado da

crítica que também devia explicações à censura, ainda que se percebesse uma

maior liberdade nas análises. O filme foi exibido com cortes313, mas nenhuma

referência a este fato foi vista nas críticas, denotando a ação da censura ainda

em vigor. As diversas solicitações para a exibição das obras do Cinema Novo no

circuito comercial revelavam que a crítica ainda se via privada dos filmes,

sobretudo das obras de Glauber Rocha: A apresentação deste filme do mais

famoso cineasta do cinema novo não satisfará a sede do espectador lisboeta

que pretende, ansiosamente, a comercialização de outras obras de valor que

conhece de ouvir falar e ler e advinha pelos ciclos efetuados, em dois anos

consecutivos, pela embaixada do Brasil314.

311 A Capital. Cena Sete. 27.03.1971, p.7. Assinada por Eduardo Prado Coelho.

312 Diário de Notícias. 24.03.1971, p. 8. Assinada por Carlos Pina.

313 O crítico Lauro António relata o caso na revista Celulóide anos depois: “De Glauber Rocha, um dos nomes mais importantes do Cinema Novo brasileiro, de quem os portugueses conhecem somente «António das Mortes» (que a censura fascista havia permitido com cortes e para ser exibido unicamente em sessões do cinema Estúdio, de Lisboa, e no Passos Manuel, do Porto”. Celulóide. Nº 197, Maio de 1974, p. 19.

314 A Capital. 22.03.1972. p. 16. Crítica não assinada.

256

Ainda nos comentários sobre António das Mortes, uma outra marca de

tempo aparente foi a valorização, característica do pensamento crítico da época,

do filme por sua coerência ideológica e estética315, exigida, sobretudo, nas

cinematografias que se propunham produzir cinema de invenção descolado da

imagem hollywoodiana.

* * *

As marcas de tempo presentes nas críticas sobre o homem nu evocam

primordialmente comparações entre o filme e o movimento do Cinema Novo

brasileiro. Como traço de uma crítica engajada, as resenhas publicadas em

Julho de 1973, indicaram que enquanto o Cinema Novo debruçava-se sobre a

realidade social, no filme de Roberto Santos esboça-se uma pálida e ingênua

tentativa de crítica à conduta de uma certa burguesia, (...) mas tudo isto tão leve

e acriticamente, tão permissivo e digestivo, que não fere, não choca, não colide,

não magoa, nada pondo em causa, apesar do «volte-face» final, que não é mais

do que um último recurso para salvar a face, ou remediar o irremediável316. Os

parâmetros engajados de avaliação do filme remetiam a que era necessário

afastar-se do “cinema vigente”, ou seja, ao falar de cinema vigente, devemos

entender, antes de mais, o cinema americano, na medida em que o «cinema

novo» representa primeiro que tudo a materialização da necessidade de por em

causa a linguagem e o conformismo alienantes dos filmes que, em maior

número, atingem o mercado brasileiro317.

Outra marca de tempo verificável nos comentários sobre o homem nu

remete, mais uma vez, à solicitação de uma maior exibição dos filmes do

Cinema Novo em Portugal. Lauro António declara no Diário de Lisboa: Em

Portugal além de uma dúzia de fitas vistas em festivais oficiais ou particulares

haverá que referir, em cerca de dez anos de exibição, a estreia de duas ou três

315 Afirma Lauro António na Celulóide. Nºs 178/179, Out/Nov de 1972, p. 44.

316 Diário Popular. 14.07.1973, p. 4. Assinada por Tito Lívio.

317 República. 13.07.1973, p. 6. Assinada por João Lopes.

257

obras decisivas: Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos e António das

Mortes de Glauber Rocha, sobretudo estas duas. De resto, mais nada que nos

fale desse cinema visceralmente brasileiro, integralmente sul-americano, feito

com raiva e fome318.

* * *

Importantes marcas temporais foram encontradas nas críticas a Terra em

transe. Publicadas pouco depois da Revolução de Abril, as resenhas evidenciam

o processo de queda da censura à liberdade de expressão ao exibir, por

exemplo, textos com um grau de politização acentuado. A crítica de Tito Lívio

afirma já no primeiro parágrafo: Glauber Rocha foi um dos construtores do novo

cinema brasileiro, que morreu no Brasil com a implantação da ditadura militar e o

regime censurial apertado que, desde então, ali se utilizou como instrumento de

opressão319. Além de atestar a morte do Cinema Novo, Tito Lívio utiliza

expressões que antes certamente seriam vetadas pela censura.

Outra marca revela-se no destaque da mensagem ideológica de Terra em

transe e, sobretudo, na crítica ao intelectualismo que afasta o filme de um

contato concreto com as camadas populares. Lauro António expõe ser esta

discussão extremamente proveitosa neste período da história portuguesa uma

vez que Terra em transe (onde se sente uma influência marcante da ópera e do

sinfonismo de Eisenstein) é, apesar disso (ou até por causa disso) um filme

importante e indispensável no momento actual320. E o momento era de

questionamento, de uma parcela da crítica, do cinema como instrumento de

educação para as massas.

* * *

Tal como nas críticas à Terra em transe, as resenhas sobre O leão de sete

318 Diário de Lisboa. 17.07.1973, p. 7. Assinada por Lauro António.

319 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.

320 Diário de Lisboa. 07.05.1974, p. 6. Assinada por Lauro António

258

cabeças apresentam marcas de tempo bem definidas. O carregado grau de

politização do discurso situava o filme de Glauber Rocha como uma obra de

conscientização política. Para Vaz Pereira, o filme corresponde à radicalização

de Glauber Rocha e há um óbvio paralelo entre as massas populares africanas e

os explorados do seu país321. Foi necessário e urgente para a época (1975)

situar que a fita fora rodada fora do Brasil, na condição de emigrante para a qual

Glauber Rocha foi compulsivamente enviado pelo governo militar que abortou a

experiência democrática de Gourlard (sic)322, escrevia Lauro António numa

referência ao golpe militar que tirou o presidente João Goulart do poder no

Brasil.

Outra marca de tempo significativa diz respeito à reiteração de Glauber

Rocha como autor que atendia às convenções estabelecidas pela crítica de

então. Lauro António ressalta um certo tropicalismo de expressão brasileira, à

semelhança com a estética de Jean-Luc Godard e a intransigência política e

estética, como elementos que compõem o estilo glauberiano. Alem disso, após o

25 de Abril o pensamento de boa parte da crítica portuguesa exigia a presença

de filmes politizados que destinassem alguma “mensagem” aos espectadores

comuns: Seria na verdade pena – como já temos escrito mais de uma vez – que

obras como esta se destinem apenas ao consumo da minoria formada pelas

classes ilustradas323, avaliou José Vaz Pereira.

* * *

As referências à censura do filme no Brasil foram as marcas de tempo

encontradas nas recensões sobre Toda nudez será castigada, estreado em Abril

de 1976 em Lisboa. As críticas do A Capital e do Expresso não deixaram de

assinalar o interdito da obra de Arnaldo Jabor: É possível que, com o

agravamento da censura, já não se possam fazer no Brasil os filmes que dantes

321 A Capital. 10.02.1975, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.

322 Diário de Lisboa. 25.02.1975, p. 6. Assinada por Lauro António.

323 A Capital. 10.02.1975, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.

259

víamos [os do cinema novo]. Mas «Toda nudez será castigada» prova que se

podem dizer coisas muito sérias brincando324. E ainda: O filme de Jabor, que foi

um dos maiores sucessos do cinema no Brasil até ao dia em que a senhora

censura se apercebeu do alcance e do perigo do filme e decidiu usar das

tesouras325.

* * *

Já as marcas de tempo presentes nas recensões sobre o filme Dona Flor

e seus dois maridos, exibido em Setembro de 1977, indicam pela primeira vez,

referências à telenovela brasileira para questionar uma aproximação com o

cinema. Jorge Leitão Ramos menciona que E se chamo para este texto a

«Gabriela» tal deve-se apenas ao fato deste filme estar, antecipadamente

condenado ao sucesso fácil em virtude deste parentesco de atores326, referindo-

se a Sônia Braga e José Wilker, pertencentes também ao quadro de elenco de

Gabriela. Entretanto, José de Matos-Cruz salienta que Também o público

português o aceitará, tácita e imaginativamente, fazendo de «Dona Flor» um

êxito, por muitas mais razões que o fato de ser com os atores de «Gabriela»327.

As alusões à grande campanha promocional que envolveu o filme foram também

uma marca de tempo evidente nas recensões.

* * *

Em Abril de 1979, nas críticas a Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, as

também constantes referências à campanha de divulgação da fita podem ser

consideradas como marcas temporais bem definidas. Jorge Leitão Ramos afirma

que quatro salas em Lisboa, para a estreia de um filme, é que, que eu saiba, um

recorde absoluto e diz ainda que a fita teve um lançamento até agora só

324 A Capital. 09.04.1976, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.

325 Expresso. Revista. 23.04.1976, p. 19. Assinada por Helena Vaz da Silva.

326 Diário de Lisboa. 23.09.1977, p. 13. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

327 Diário Popular. 19.09.1977, p. 18. Assinada por José de Matos-Cruz.

260

dispensado ao grande cinema comercial americano (anúncios largos nos jornais,

rádio e TV, estreia simultânea em Lisboa e Porto em múltiplas salas e até a

presença em Lisboa do realizador, fato bastante raro...); o que se prepara parece

não ser apenas o lançamento de um filme mas de uma cinematografia

comercialmente poderosa328. Neste período, a crítica de cinema já percebia a

presença da cinematografia brasileira de outra forma, ou seja, sua presença

estava agora mais associada à indústria de filmes comerciais e ao rompimento

com a estética do Cinema Novo. Além disso, a referência à telenovela brasileira

esteve presente nos comentários: (...) «Lúcio Flávio» merece bem a atenção do

público português, que, depois de conhecer parte da realidade brasileira através

das telenovelas da TV-Globo, deve também penetrar noutros meandros do

quadro carioca329.

Anos 80

As marcas temporais presentes nas resenhas de Eu te amo, exibido em

Lisboa em 1981, caracterizaram-se, tal como em Lúcio Flávio e Dona Flor, por

referências à intensa campanha de promoção da película. Mais uma vez, Jorge

Leitão Ramos assinala que a película tornou-se um acontecimento na cidade:

capas de jornais e revistas, cartazes no metro, vinda a Portugal de Sônia Braga

e Arnaldo Jabor, recepção na embaixada para as gentes do espectáculo,

presença de Sônia Braga na televisão, enfim, tudo o que um bom técnico de

marketing podia desejar330. O modo como o cinema brasileiro entrava neste

período no mercado português não deixava margem para dúvida e este quadro

estava associado a uma conseqüente visão de perda de qualidade dos filmes,

agora considerados pela crítica muito mais como produtos culturais do que como

obras de apreciação estética. Outras marcas de tempo foram as diversas

referências à televisão e à imagem-vídeo também presentes no interior da

película. João Lopes diz com ironia que os planos “ousados” utilizados por

328 Diário de Lisboa. Sete ponto Sete. 01.06.1979, p. 3. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

329 Diário de Notícias. 30.05.1979, p. 14. Assinada por Lauro António.

330 Diário de Lisboa. 17.11.1981, p. 18. Assinada por Jorge Leitão Ramos.

261

Arnaldo Jabor para supostamente garantir a modernidade da linguagem estão

inscritos em vídeo e acrescenta que isto é tanto mais curioso quanto o vídeo

permite favorecer a idéia de uma certa “modernidade” (está na moda falar de

vídeo, não é?), completamente vazia na sua formulação331. Já no início da

década de 80, os questionamentos sobre a imagem-vídeo e sua utilização no

cinema eram temas discutidos na agenda dos críticos na época.

* * *

As recensões acerca de Pixote, a lei do mais fraco em 1982 deixaram

marcas de tempo que seguem a esteira das marcas encontradas desde fins da

década de 70. Ou seja, o cinema brasileiro é visto agora num contexto de

tentativa de ampliação de mercado, com mais maturidade para alguns críticos e

para todos distante dos ideais do Cinema Novo: Com Pixote o cinema do Brasil

dá mais um passo indesmentível na conquista de mercados internacionais (...)332

afirma a crítica do Diário de Notícias. Jorge Leitão Ramos, no Diário de Lisboa,

expressa: Não é já a lição do cinema novo de Glauber, Guerra, Diegues. É

ainda, porém, uma estética da fome, urbana333.

* * *

As marcas temporais nos comentários acerca de Bye Bye, Brasil,

publicados também em 1982, indicam semelhantes referências feitas pelos

críticos em relação à “expressiva” presença de filmes brasileiros no circuito

comercial português e a busca desta mesma cinematografia pelo sucesso

comercial tanto a nível interno como no plano internacional. Esta busca não está

dissociada do novo espírito que os cineastas do novo cinema refletem,

afastando-se de um elitismo de propostas, excessivamente hermético na sua

331 Expresso. Actual. 14.11.1981, p. 25. Assinada por João Lopes.

332 Diário de Notícias. 02.03.1982, p. 22. Assinada por Lauro António

333 Diário de Lisboa. 26.03.1982, p. 20. Assinada por Jorge Leitão Ramos

262

formulação (...)334. Para alguns críticos, esta saída era um sinal de maturidade

de uma cinematografia que desejava ampliar seus mercados, mas para outros

revelava também o preço a pagar por esta aspiração: a perda de qualidade.

Manuel S. Fonseca afirma que, apesar da dominação dos filmes americanos no

mercado português, o cinema brasileiro vem, degrau a degrau, subindo as

escadarias (triunfais ou decrépitas?) da exibição em Portugal. (Por influência do

comum patrimônio lingüístico, dirão os paladinos da causa luso-brasileira, por

influência das discutidas (agora menos) telenovelas, pensarão os mais cépticos)335. Com dois títulos em cartaz no mesmo mês (Pixote e Bye Bye, Brasil), o

cinema brasileiro era visto de forma diferente, ainda que a relação com o Cinema

Novo fosse referida em algumas resenhas. Miguel Esteves Cardoso, no JL,

intitula sua crítica de Bye Bye Cinema Novo, alô alô Carlos Diegues. O mesmo

crítico questiona a convenção, um credo paternalista (e aflitivamente

etnocentrista) segundo o qual existem dois tipos de filmes bons: aqueles que são

realmente bons, e aqueles que são bons porque são «étnicos»336. O crítico

classifica o filme na primeira categoria, mas a visão de “exotismo” atribuída a

cinematografias do terceiro-mundo vigente desde os anos 60 parece ter se

mantido como convenção.

* * *

Em Março de 1986, nas recensões a propósito de O beijo da mulher

aranha, a tentativa de internacionalização do cinema brasileiro foi mais uma vez

destacada pela crítica na imprensa. João Lopes no Expresso comenta: Assinale-

se, porém, que este [O beijo da mulher aranha] é seguramente, um dos mais

importantes projectos para a projeção internacional do cinema brasileiro337.

Outra marca de tempo recorrente desde os anos anteriores, foi a referência à

334 Diário de Notícias. 06.04.1982, p. 24. Assinada por Lauro António.

335 Expresso. Revista. 03.04.1982, p. 31-R. Assinada por Manuel S. Fonseca.

336 Jornal de Letras Artes e Ideias. No 30, 13 a 26.04.1982, p. 29. Assinada por Miguel Esteves Cardoso.

337 Expresso. Revista. 08.03.1986, p. 4-R. Assinada por João Lopes.

263

atores da telenovela brasileira: Sônia Braga, popularíssima entre nós desde as

telenovelas «Gabriela», «Dancin’Days» é um dos nomes de cartaz de «O beijo

da mulher aranha», um filme dirigido por Hector Babenco, produzido por

americanos e que chega a nós envolto em grande fama338.

* * *

Não foram observadas muitas marcas de tempo nos comentários acerca

de Ópera do malandro, publicados em Junho de 1987. Entretanto, uma marca

bastante significativa foi visível na resenha de João Lopes e remetia para dois

indícios. O primeiro dizia respeito ao “olhar exótico” sobre o cinema brasileiro e o

segundo a decepção com o Ruy Guerra atual (de 1987), em comparação com o

Guerra participante do movimento do Cinema Novo: Ora, é difícil sustentar um

discurso coerente quando pouco mais se tenta do que imitar tal sistema [o do

musical americano], acrescentando-lhe umas pinceladas de exotismo brasileiro.

Estamos longe do melhor de Ruy Guerra, nomeadamente neste filme telúrico

que era Os Fuzis339.

Anos 90

Em 1996, importantes marcas de tempo foram observadas nas resenhas

sobre O quatrilho. Depois de vários anos sem exibições de filmes brasileiros em

Lisboa devido ao desastre da política cultural do governo do presidente

Fernando Collor no Brasil, o filme chega a Portugal com a marca de candidato

ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O crítico Manuel Cintra Ferreira registra

esta informação para os leitores: O Quatrilho (...) surge num momento especial,

numa altura em que a pouco e pouco o cinema brasileiro vai recuperando da

crise em que mergulhara (...). O sucesso de O Quatrilho e de outros poucos

filmes feitos em 1995 está na origem de um novo «boom» de cinema

338 A Capital. 06.03.1986, p. 25. Assinada por José Vaz Pereira.

339 Diário de Notícias. 17.06.1987, p. 60. Assinada por João Lopes.

264

brasileiro340. Mas a marca de tempo mais significativa foi a referência à influência

da estética telenovelesca do filme, traço comum em todas as resenhas: Antes de

mais refira-se que estamos perante uma obra genuinamente brasileira, mas que

pouco tem a ver com o cinema deste país nos áureos anos 60. Denunciando

uma forte influência da produção televisiva, cai em muitos dos processos desta

outra vertente de produção, sem, no entanto, se deixar afogar totalmente nos

efeitos mais característicos341. Ainda na crítica do jornal A Capital outro indício foi

deixado quando Francisco Perestrello diz que se vive um período de verdadeira

invasão das famigeradas telenovelas342. O retrato de um cinema de tez

comercial e influenciado pela televisão já estava fortemente colado ao cinema

brasileiro dos anos 90.

* * *

Três anos depois, em 1999, semelhantes marcas foram encontradas nas

resenhas a propósito de Amor & Cia. Permanecem as referências às telenovelas

enquanto modelo para a linguagem do novo cinema brasileiro e a imagem dos

atores associados ao folhetim: (...) e Patrícia Pilar em Ludovina, cuja

interpretação não se liberta das suas personagens de telenovela343. Outra marca

de tempo indicou a criação da FBF filmes, uma nova distribuidora com sede no

Porto que co-produziu o filme e foi vista pela crítica como uma tentativa de

romper o cerco monopolista das grandes distribuidoras num período de grande

expansão do mercado de salas de cinema em Portugal. Registra o crítico do

Público: No momento em que abrem cada vez mais salas, e com mais

sofisticadas meios técnicos, assistimos também, paradoxalmente, a um

afunilamento do mercado344, refere o crítico em relação à pouca exibição de

filmes não hollywoodianos em Portugal.

340 Expresso. Revista. 23.11.1996, p. 9-R. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.

341 A Capital. 26.11.1996, p. 40. Assinada por Francisco Perestrello.

342 A Capital. 26.11.1996, p. 40. Assinada por Francisco Perestrello.

343 Expresso. Cartaz. 08.05.1999, p.13. Assinada por António Cabrita.

344 Público. Artes e Ócios. 07.05.1999, p. 8. Assinado por Mário Jorge Torres.

265

* * *

Ainda em 1999, Central do Brasil estreou-se em várias salas antecedido

por uma intensa campanha de marketing que incluía a divulgação dos prêmios

ganhos em festivais internacionais. Importantes marcas de tempo foram

constatadas nas resenhas sobre o filme, dentre elas referências à atual situação

do cinema brasileiro e sua mudança de enfoque. Eurico de Barros registra a

crise e a origem de uma nova atitude no cinema brasileiro mas que nada tem a

ver com o Cinema Novo: Se é verdade que a produção de filmes no Brasil

regressou da vizinhança do reino dos mortos na segunda metade da década de

90, e que Central do Brasil é o exemplo de sucesso desse regresso, é também

preciso ter o sentido das proporções e não desatar a evocar o Cinema Novo dos

anos 60 e 70345. Outras alusões ao saudoso Cinema Novo dos anos 60 foram

referidas sempre em comparação ao filme de Walter Salles: Da força telúrica do

universo de Glauber nem sombra; do olhar acusador dos primeiros filmes de

Nelson Pereira dos Santos (como o perturbante “Vidas Secas”), ou de Ruy

Guerra (da crueza de “Os Fuzis” à ironia de “Os Deuses e os Mortos”) nem o

mais leve resquício346.

Outras marcas nas resenhas igualmente fizeram referências ao modelo de

“estética de telenovela” adotado no filme e mesmo aqueles que não viam

semelhança entre a estética do filme e a estética das telenovelas não deixaram

de fazer alusões ao tema, como Francisco Ferreira no Expresso: Este filme está

longe de ser uma telenovela mas partilha os mesmos compromissos daquela:

ser um objeto raso que possa espreitar todos os mercados347. E, sobretudo,

Francisco Perestrello, quando afirma que, Mas não haja ilusões; tal não

corresponde, felizmente, a qualquer aproximação à telenovela, fenômeno que

mais contribuiu para aniquilar o cinema brasileiro em Portugal348. Francisco

345 Diário de Noticias. Artes e Multimédia. 14.05.1999, p. 46. Assinada por Eurico de Barros.

346 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.

347 Expresso. Cartaz. 29.05.1999, p. 17. Assinada por Francisco Ferreira.

348 A Capital. 14,05.1999, p. 33. Assinada por Francisco Perestrello.

266

Perestrello também deixa registrada a má acolhida da crítica a Central do Brasil:

Em Portugal, pelo que se vai ouvindo, o filme arrisca-se a levar uma grande

«sova» de boa parte da crítica (...). Vai longe o tempo das grandes obras de

Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha e tantos outros que fizeram as

delícias dos jovens cineclubistas... que hoje são sexagenários349.

* * *

Por fim, foram verificadas poucas marcas de tempo nos comentários

sobre O Escorpião escarlate, exibido logo depois de Central do Brasil. Estes

vestígios indicam os registros da pequena vaga de cinema brasileiro a estrear

nas salas portuguesas em 1999350. De fato, num só mês de Maio estrearam-se

três filmes brasileiros, tendência interrompida nos meses seguintes. Outra

referência encontrada diz respeito à estréia do Canal Brasil, canal de TV a cabo

cuja programação incide essencialmente na divulgação do cinema brasileiro: (...)

mais quando cruzado com os filmes que habitualmente passam no nosso país

do que ser comparado com o cinema sul-americano, designadamente o

brasileiro, onde abundam as obras insólitas que agora podem ser conhecidas

pelo público em geral no Canal Brasil351.

2. As marcas de espaço

Anos 60

Os espaços internos destinados à escrita da crítica de O pagador de

promessas foram diferenciados nos espaços institucionais. As revistas

forneceram um ambiente amplo para a análise do filme, inclusive com exibição

de fotos, além de disponibilizar uma cobertura do festival de Cannes (caso da

349 A Capital. 14,05.1999, p. 33. Assinada por Francisco Perestrello.

350 A Capital. 28.05.1999, p. 57. Assinada por Francisco Perestrello.

351 A Capital. 28.05.1999, p. 57. Assinada por Francisco Perestrello

267

revista Filme). O Jornal de Letras e Artes também ofereceu um bom espaço para

a crítica de José Vaz Pereira. Já os jornais diários seguiam a regra da rapidez e

da objetividade da informação, dedicando poucos parágrafos em páginas mal

diagramadas e com excessos de textos sobre os mais diversos campos da

cultura como circo, música, rádio e teatro, com divisões pouco nítidas nas

colunas. Aliado a isto, grandes anúncios dos mais variados filmes preenchiam

por vezes quase todo o espaçamento da página nos jornais.

* * *

As marcas de espaço nas resenhas de Assalto ao trem pagador não

foram muito diferentes. Nos jornais a confusão visual da página permanece e os

anúncios, por vezes, crescem em tamanho. Os textos de crítica a produtos da

cultura mantém-se misturados com as seções internas embaralhadas. A revista

Plateia oferece crítica a quase todos os filmes do festival e oferece um espaço

razoável para Assalto ao trem pagador.

* * *

Com relação a Vidas secas, os jornais e revistas igualmente

apresentaram diferenças quanto ao tamanho disponibilizado para a escrita da

crítica. As revistas dedicaram um espaço maior para as críticas (incluindo

fotografias), ainda que a maior resenha tenha sido aquela publicada pelo jornal

República. Os outros jornais cumpriram a tarefa básica de fornecer espaço para

alguns parágrafos no mesmo ambiente de excesso de textos sobre outras

variadas críticas culturais.

Anos 70

Relativamente a A fúria do cangaceiro, já começa a ser visível o primeiro

sinal de mudança gráfica nas colunas dos jornais. O espaço permanece

pequeno, mas agora melhor delineado no contexto da página. As fontes das

letras aumentaram em tamanho, as seções estão mais bem divididas, facilitando

268

a leitura das críticas. As revistas também apresentam mudança no visual. No

caso da Plateia, o espaço dedicado às críticas de filmes tornou-se menor e as

resenhas ficaram encurraladas numa seção chamada Guia do espectador.

* * *

Não há uma alteração significativa em relação à análise das marcas de

espaço nas críticas sobre As amorosas. A exceção é que aparece um

suplemento semanal dedicado exclusivamente ao cinema, denominado Cena

Sete e apresentado pelo jornal A Capital. A revista Celulóide fez uma grande

cobertura do 1º Festival de Cinema Brasileiro, mas dedicou poucos parágrafos à

crítica do filme.

* * *

As mesmas observações podem ser ditas em relação ao posicionamento

das críticas nos jornais e revistas sobre Macunaíma, uma vez que as resenhas

foram publicadas no mesmo período e nos mesmos espaços institucionais das

As amorosas.

* * *

Já no que diz respeito às resenhas sobre António das Mortes, a revista

Plateia, apesar de manter um reduzido espaço para a coluna de críticas Guia do

espectador, fornece pela primeira vez o quadro de estrelinhas com suficiente (*),

bom (**) e ótimo (***), para os critérios argumento, realização e interpretação. O

filme recebe o somatório de oito estrelas, com valor de excelente. No quesito

espaço, nos jornais mantém-se o quadro da década.

* * *

Nos espaços de publicação das resenhas sobre o homem nu, verificou-se

um enquadramento gráfico mais definido no jornal Diário de Lisboa, agora com

269

uma coluna assinada (Lauro António) dedicada exclusivamente à crítica de

filmes, que antes era compartilhada com resenhas sobre outras artes. O diário

República também segue a mesma linha de mais espaço e melhor

empenhamento gráfico compartilhado com crítica de televisão. O Diário de

Notícias é o jornal onde o espaço dedicado às críticas, diminuto graficamente,

parece não ter sido alterado neste período.

* * *

Nas críticas sobre Terra em transe não foram visíveis mudanças

substanciais com relação ao seu posicionamento no espaço interno das

publicações. O Diário de Lisboa mantém sua coluna assinada por Lauro António

e o Diário Popular permanece com a seção Depois das nove, assinada por Tito

Lívio. No quesito revistas, a Celulóide dá um pequeno destaque espacial para

Duas estreias finalmente autorizadas: O Couraçado Potemkine e Terra em

transe352.

* * *

Nenhuma alteração nas publicações diárias sobre O leão das sete

cabeças. Entretanto, as críticas de cinema ganham espaço no semanário

Expresso ainda que de modo tímido no suplemento Expresso Revista, na coluna

Selecção crítica da semana assinada por José Vaz Pereira.

* * *

Em 1976, ano de publicação das recensões sobre Toda nudez será

castigada, a revista Celulóide muda de papel (passa para papel jornal) e diminui

o número de páginas, apesar de aumentar o tamanho delas. O Expresso Revista

continua com seu tímido espaço para as críticas, seção agora coordenada por

Helena Vaz da Silva. No que diz respeito a outras publicações (A Capital e Diário

352 Celulóide. Nº 197, Maio de 1974, p.19. A resenha sobre Terra em transe, também assinada por Lauro António, é rigorosamente igual à publicada pelo mesmo autor no Diário de Lisboa.

270

de Lisboa), o espaço de posicionamento interno das críticas permanece o

mesmo.

* * *

Relativamente à Dona Flor e seus dois maridos não foram verificadas

grandes alterações quanto ao espaçamento interno das críticas nas publicações

nem diferenças quanto ao espaço dedicado a elas entre a revista (Celulóide) e

os jornais (Diário de Lisboa, Diário Popular e Diário de Notícias).

* * *

Nos espaços dedicados às críticas sobre Lúcio Flávio, o passageiro da

agonia, a entrevista com o realizador ganhou relevância significativa nas páginas

de todos os jornais avaliados (Diário de Lisboa - suplemento semanal Sete ponto

Sete - Diário de Notícias e Diário Popular)353. Aliadas à promoção de lançamento

do filme, grandes fotos também ganharam destaque nas páginas das

publicações.

Anos 80

O destaque dado a grandes fotografias permaneceu nas publicações

diárias e semanais em 1981, sobretudo no jornal A Capital. Os títulos

sensacionalistas para as resenhas de Eu te amo como Festival Sônia Braga em

“Eu te amo”. Filme-choque vai impor de vez o cinema brasileiro?, assim como as

fotos, ocupavam o espaço maior da página em detrimento do texto. Por outro

lado, vimos no Expresso, o suplemento Actual passou a disponibilizar mais

linhas para a crítica de cinema.

353 Outros jornais como o Correio da Manhã e A Capital também deram destaque à entrevista, a ponto de não apresentarem a crítica do filme, somente a entrevista.

271

* * *

Não foram verificadas alterações em relação ao posicionamento das

resenhas acerca de Pixote, a lei do mais fraco nas páginas dos periódicos. A

revista Celulóide dedicou um espaço menor para análise do filme em

comparação com os principais jornais e o JL manteve seu espaço de uma

página para as críticas de filmes.

* * *

Em relação a Bye Bye, Brasil, percebe-se agora uma melhor disposição

do texto e das fotografias no espaço da página o que facilita a procura e

visualização da crítica pelo leitor. O Diário de Notícias manteve o seu

conservadorismo em termos de programação visual misturando crítica de

literatura, cinema, teatro e televisão numa só página. A revista Celulóide

conservou seu espaço reduzido enquanto que no JL e no Expresso o número de

linhas para as recensões foi bem maior.

* * *

1986, ano de exibição do O beijo da mulher aranha, o espaço dedicado às

críticas no Diário de Notícias ampliou-se e a programação visual do jornal

mudou, apresentando sinais de modernidade gráfica. O suplemento Sábado

Popular, publicado no Diário Popular, dedicou duas páginas inteiras à avaliação

do filme, embora uma página só com crônicas de bastidores. A Capital manteve

as grandes imagens fotográficas e os grandes títulos sensacionalistas: Sônia

Braga não chega para ajudar evasão!

* * *

O posicionamento da resenhas acerca de Ópera do malandro nos jornais

e semanários não mudou muito em relação aos anos anteriores. Vale salientar,

entretanto, que a programação visual da página (com pouco espaço para texto e

272

muito para as imagens) foi verificada, sobretudo nos diários Correio da Manhã e

A Capital. Já nos semanários, ocorreu o inverso e o Expresso (Cartaz) contou

também com um quadro de classificação por meio de estrelas: o filme em

questão recebeu uma (João Lopes) e duas (Augusto M. Seabra).

Anos 90

Em 1996, época da exibição de O quatrilho, as marcas de espaço

verificadas já indicam uma melhoria considerável na programação visual do

Diário de Notícias, cujas resenhas estão agora numa editoria intitulada Artes e

Multimédia. Em Novembro deste mesmo ano observa-se uma mudança radical

no padrão do jornal, que troca o formato standard pelo tablóide. Este formato

será predominante nos diários na década de 90, à exceção do semanário

Expresso que manteve o standard, ainda que as resenhas fossem publicadas no

suplemento (Actual) cujo modelo era o tablóide.

* * *

Em 1999, época da exibição de Amor & Cia, destaca-se a editoria Artes e

Ócios do jornal Público, reconhecido pelo seu bom gosto no grafismo. É dado

um espaço considerável (uma página com fotos) para crítica de cinema no diário.

Os outros periódicos mantêm o padrão da década de 90.

* * *

Nas páginas das publicações (Expresso, Público, A Capital, Diário de

Notícias e Correio da Manhã) acerca de Central do Brasil, as grandes imagens

fotográficas destacaram-se, ganhando por vezes mais espaço que os textos.

Todos os periódicos deram realce para a crítica do filme e utilizaram pelo menos

uma página para a resenha e as fotos. O Expresso também exibiu uma

entrevista com o realizador e dedicou duas páginas para a entrevista e crítica.

273

* * *

Por fim, em relação a O escorpião escarlate, não houve alterações

significativas nas páginas, uma vez que as resenhas foram publicadas uma

semana após as precedentes. Desse modo, manteve-se a composição de

espaço para fotografias aliadas a pequenos textos (A Capital e Correio da

Manhã).

274

Resultados das análises

Se Perelman (1996) expressa que os argumentos deveriam sempre ser

julgados em relação ao contexto em que se inserem, a observação

particularizada das marcas retóricas e contextuais nas resenhas sobre filmes

brasileiros só vem provar esta incontornável afirmativa. Durante a década de 60,

as marcas de valor identificadas nas resenhas de jornais e revistas portuguesas

indicam uma larga superioridade de juízos positivos acerca dos filmes

brasileiros. A boa recepção da crítica portuguesa aos filmes brasileiros só vem

confirmar nossa análise sobre como, na década de 60, os condicionantes

históricos vividos em Portugal e Brasil dialogaram com a crítica de cinema.

Estas avaliações favoráveis foram sustentadas predominantemente por

argumentos da ordem do conteúdo dos filmes, sobretudo nas resenhas

provindas dos jornais diários. Os critérios utilizados pelos críticos para tal juízo

privilegiaram os aspectos semânticos ou aquilo que os filmes deixaram como

“mensagem” para o espectador. E, apesar dos filmes brasileiros apresentados

nesta década evocarem mensagens de crítica social e política fortes, a crítica

lusa foi obrigada a optar pela precaução no texto devido à censura da escrita. A

identificação destas marcas tornou visíveis textos cujos discursos

argumentativos apoiaram-se preferencialmente em critérios de conteúdo. Mas,

ao mesmo tempo, por condicionantes históricos da época, tiveram que limitar

estes critérios através de uma linguagem politicamente mais cautelosa, embora

sem deixar de fazer referência ao extrato do tema.

As alegações da crítica de cinema na década de 60 não deixaram de

revelar a importância, ainda que em segundo plano, também dos critérios de

forma, pensados a partir de uma concepção realista da imagem. Os “novos”

275

filmes brasileiros usavam cenários naturais em contraste com o cinema de

estúdio, tinham uma duração mais lenta e buscavam explicitar a fragmentação

do espaço e tempo diegéticos. Eram diferentes, exóticos e críticos em relação à

continuidade e ao ilusionismo narrativo do cinema industrial. Ainda a salientar o

fato destes critérios formais serem mais visíveis nas publicações especializadas

do período.

Como conclusão sobre as marcas de estratégias de persuasão das

críticas dos anos 60, verificamos que vários elementos foram utilizados para

convencer ou mesmo mobilizar o leitor para a assistência ao filme tratado. A

composição da estrutura das resenhas atendeu ao quadro esquemático de

Bordwell354; os estilos de escrita variaram de acordo com as instituições

(especializadas e não especializadas), mas foi o emprego de adjetivos (neste

caso para qualificar positivamente os filmes) que causou maior impacto e

reclamou uma emotividade do leitor. A estrutura persuasiva dos discursos

mobilizou a atenção dos leitores para as novas películas brasileiras e ficou

registrada nas resenhas como marcas de um diálogo entre o texto, o leitor e a

época.

Em consonância com a época, as marcas encontradas remetem para

processos argumentativos que contextualizavam o Cinema Novo em Portugal,

quer através da introdução de informações sobre o novo movimento quer por via

da valorização de uma estética que privilegiava a sensação de “verdade” da

imagem cinematográfica. As marcas de contexto verificadas indicavam uma

preocupação dos críticos em situar historicamente esta nova cinematografia para

o leitor português, preocupação também associada à solicitação de mais filmes

do Cinema Novo no mercado luso. Foram observados vestígios de convenções

interpretativas que sinalizavam a valorização do cinema de autor e de

cinematografias nacionais consideradas “radicais”, “exóticas”, que se opusessem

à produção do tipo linha de montagem de fácil comunicação com o público vista

no cinema norte-americano.

354 Como referimos na primeira parte da tese, Bordwell traça uma sequência de ordem variável correspondente a sinopse - juízo – argumentação – reafirmação do juízo.

276

Paralelamente a isto, no plano do espaço onde as resenhas foram

publicadas, constatamos uma nítida divisão entre os espaços dedicados à crítica

entre revistas e jornais desta fase. Nas revistas (com fotografias) o espaço era

maior e a página recebia um melhor tratamento visual, enquanto nos jornais

eram dedicados poucos parágrafos em páginas com grandes anúncios (cartazes

de filmes) e muitos textos embaralhados por diversas seções que cobriam toda a

agenda cultural do periódico.

Nos anos 70, o cinema brasileiro ainda gozava de um certo prestígio, não

tão unânime quanto fora na década anterior, mas a avaliação da crítica

registrada nas resenhas continuava a ser bem positiva, sobretudo em relação

aos filmes de Glauber Rocha. Contudo, ficou marcada uma alteração na

apreciação das obras brasileiras que agora também contava com juízos de valor

negativos.

Verificamos, através da identificação das marcas, que esta alteração

derivou de condicionantes variados que atuaram na forma como o cinema

brasileiro foi visto pela crítica. Constatamos que as diversas justificações

argumentativas fornecidas para os julgamentos dos críticos continuaram sendo

sustentadas por aspectos relacionados ao conteúdo dos filmes, só que, nesta

fase, houve várias mudanças de enfoque condicionadas pelo horizonte de

expectativas da crítica em cada momento distinto. Assim, em vista desta

heterogeneidade podemos averiguar que a crítica alegou falta de compromisso

com a “mensagem” do Cinema Novo (para os juízos negativos e mistos) e

compromisso com a “mensagem” do Cinema Novo (para os juízos positivos). A

partir de 1974, o discurso da crítica politizou-se e as suas justificativas para

atribuição de valor dos filmes também. Os filmes de Glauber Rocha, todos com

apreciação positiva, foram elogiados por suas mensagens político-

revolucionárias capazes de levar consciência crítica para as massas, ainda que

se questionasse o “intelectualismo” das películas de Glauber.

Outra mudança verificada foi que a partir de 1977 a crítica argumentou

contra a modificação da temática dos filmes brasileiros, agora mais voltados para

277

o seu projeto de comunicação com o grande público. Os elementos estéticos

evocados preferencialmente nas resenhas remetem igualmente para as matrizes

de referências do Cinema Novo, como uma fotografia realista, o rompimento com

a lógica comum da ficção, o naturalismo na interpretação dos atores ou a

contribuição musical original. Após 1977, a investigação das marcas deixa clara

a influência (leia-se nociva) da estética televisiva no cinema brasileiro.

Constatamos também uma mudança nas estratégias de persuasão, ainda

que a organização dos discursos críticos e o apelo ao pathos do leitor pelo

emprego exagerado de adjetivos continuassem. As marcas indicaram o

surgimento de textos mais incisivos, eloqüentes, com forte personalidade,

eruditos e com o carimbo da assinatura que demonstrava maior carga de

autoridade para com o leitor. No período posterior a 1974, os discursos

mostraram-se carregados de uma “agressividade política” e a utilização de

expressões de sentido maniqueísta como ditadura x democracia, censura x

liberdade, consciência x alienação constituía o estilo da época. A recorrência a

exemplos e ilustrações, sobretudo através de descrição das cenas e diálogos

nos filmes, foi também outra marca retórica presente nas resenhas da década de

70. Averiguamos, com certa surpresa, que as diferenças de estilo nos espaços

institucionais (especializados e não especializados) não foram observadas nesta

fase e em alguns casos as publicações diárias revelaram uma escrita com maior

profundidade e análise do que as revistas (Celulóide e Plateia).

As marcas de contexto apontaram para uma censura ainda em ação no

início da década de 70, com várias referências nas resenhas de críticos exigindo

mais exibições de filmes do Cinema Novo brasileiro, sobretudo os de Glauber

Rocha, que só viriam efetivamente a ser apresentados a partir de 1972355. As

marcas indicaram também que as matrizes estéticas e políticas da crítica de

cinema continuavam fortemente sustentadas pelos critérios de defesa de um

cinema de autor que promovesse a importância cultural do cinema enquanto arte

cinematográfica. Para a crítica, os bons filmes deveriam ter coerência ideológica

355 O filme António das mortes foi exibido em 22.03.1972 na 1a Retrospectiva do Cinema Brasileiro em Lisboa e alguns meses depois, no circuito comercial em 13.10.1972.

278

e estética. Os registros de tempo no final da década remetem ainda para a

presença (cada vez mais incômoda) das telenovelas brasileiras e de filmes

acompanhados de grandes campanhas de publicidade que marcavam a sua

estréia no mercado português.

Verificamos, ainda nos anos 70, sinais de alterações gráficas nos jornais,

sobretudo a partir de 1974. Um espaço maior em número de parágrafos foi

reservado às resenhas que agora gozavam de seção específica dentro da

página. Este espaço era variável entre os jornais, semanários e revistas. Mas as

revistas, estranhamente dedicavam um número menor de parágrafos em relação

aos jornais. No final da década, as entrevistas e grandes fotografias ganharam

aspecto marcante nas editorias de cultura.

A investigação das resenhas nos anos 80 compreende já um decréscimo

significativo de juízos positivos acerca dos filmes brasileiros exibidos em Lisboa.

Seguindo a tendência do final dos anos 70, as avaliações da crítica traziam a

lume a nova atitude do cinema brasileiro, baseada na diversidade temática e no

rompimento com a tradição do Cinema Novo.

As marcas indicavam alegações de valor mistas, quer de conteúdo quer

estéticas, sobretudo com o reconhecimento da tônica comercial adotada nesta

fase da cinematografia brasileira, que apelou a grandes massas de espectadores

com temas que tratavam desde a hipocrisia moral com fortes tintas de sexo,

passando pela crítica social e marginalidade infantil até à ópera musical. Para a

crítica, as temáticas se distanciavam do Cinema Novo e as opções estéticas

adotadas pelos realizadores só eram bem avaliadas quando se aproximavam ou

dialogavam com a escaldante realidade sócio-cultural brasileira. Os registros dos

critérios de conteúdo e de forma utilizados na argumentação para atrair ou

afastar o leitor do filme demonstraram diferenças entre as instituições: os jornais

diários se inclinaram mais para uma apreciação positiva dos filmes, enquanto os

comentários do Expresso e do JL foram marcados por avaliações negativas.

Quanto às estratégias de persuasão, não constatamos grandes

alterações, particularmente em relação àquelas utilizadas em finais dos anos 70.

279

O discurso de adjetivação, o uso de exemplos e ilustrações para a descrição das

cenas e seqüências dos filmes visavam um forte poder de atração do leitor bem

como, principalmente a descrição pormenorizada da narrativa do filme, que por

vezes ocupava quase todo o espaço dedicado à crítica. Verificamos também,

neste período, uma visível diferença entre as resenhas publicadas nos jornais

diários e aquelas vistas no Expresso e JL. Estas últimas mantiveram um tipo de

escrita mais “erudita”, com os textos bem construídos aproximando-se do

formato do ensaio ou crônica, o que certamente revestia de autoridade os

produtores dos discursos e também definia o exercício de uma significativa

influência junto dos leitores especializados destas publicações.

Ainda nos anos 80, as marcas de tempo sinalizaram as transformações

vividas nos meios de comunicação portugueses, transfiguradas na presença de

uma indústria de bens culturais brasileira que atuava nas áreas cinematográfica

e televisiva. Os registros indicam certo desagrado da crítica com as intensas

campanhas de marketing associadas aos lançamentos de filmes brasileiros com

atores conhecidos das telenovelas. Constatamos que os elementos estéticos e

temáticos vistos nos filmes brasileiros desde o final da década de 70 já não se

coadunavam com as matrizes de referências preferenciais da crítica. Assim, a

imagem do cinema brasileiro distanciava-se cada vez mais do Cinema Novo e

aproximava-se da estética televisiva e dos folhetins.

Investigamos ainda nesta fase a preferência dada às grandes fotografias

ou reproduções de fotogramas de filmes em detrimento do texto propriamente

dedicado à crítica, sobretudo nos jornais diários, ao contrário do que pôde ser

examinado nas publicações como Expresso e JL. Já nessa década, vê-se

presente a ação mais intensa das assessorias, das distribuidoras, que conjugam

com o material de divulgação dos filmes as grandes entrevistas com realizadores

e atores.

Refletindo a crise que se abateu sobre o cinema brasileiro no início da

década de 90, pouquíssimos filmes foram apresentados no circuito comercial

português entre 1990 e 1995. A partir de 1996, época da chamada retomada do

280

cinema brasileiro, a produção volta, aos poucos, a crescer e os filmes retornam

ao mercado português. Neste período, a identificação das marcas de valor nas

resenhas aponta para avaliações predominantemente negativas da crítica lusa.

Os críticos estavam descontentes com o rumo tomado pelo cinema brasileiro nos

anos 80 e dos quatro filmes mais resenhados, apenas um (Bye Bye, Brasil) teve

boa acolhida da crítica.

Nas marcas justificativas de valor, verificamos argumentos sustentados

tanto nos aspectos estéticos como nos de conteúdo dos filmes, mas que

possuíam em comum o fato de estarem sempre relacionados à influência do

modelo das telenovelas no cinema brasileiro. O apelo ao melodrama, a

representação “televisiva” de atores já muito vistos em telenovelas, a

despolitização dos temas, os mecanismos narrativos que estetizam a miséria

vigente na sociedade e que se afastam da tradição cinemanovista, são

alegações recorrentes da crítica para atribuir juízos negativos às mais recentes

películas brasileiras. Os leitores se deparam nesta fase com críticas

contundentes a este cinema produzido no Brasil nos anos 90 e são levados a

refletir sobre o papel das telenovelas nesta avaliação negativa.

Constatamos também que neste período as estratégias de persuasão

ganham características como o fornecimento de informações “acessórias” para o

leitor, que acabam por ser incorporadas na própria prática da crítica de cinema.

Estas informações - extrínsecas à análise - são dados sobre o diretor e

protagonistas do filme, assuntos ligados à produção (montante investido e

produtoras envolvidas) e curiosidades sobre os bastidores da obra. Estes dados,

bastante utilizados nos dias atuais, cercam o leitor de estatísticas e informações

promocionais sobre os filmes. Manteve-se a grande carga de adjetivos, usados

de um modo geral para desqualificar as obras e convencer os leitores de que os

filmes brasileiros da década continuam a ser muito próximos das telenovelas e

muito distantes do Cinema Novo.

Em meados da década de 90, as marcas de tempo indicavam a

superação da crise em que o cinema brasileiro estava atolado, com referências

281

às indicações e prêmios ganhos em festivais internacionais. Não obstante, estas

referências vinham acompanhadas pelo retrato de uma cinematografia de teor

comercial e, como mencionamos, fortemente influenciada pela televisão. As

telenovelas tinham-se tornado um paradigma para a crítica e continuavam

demarcando o modelo de linguagem do novo cinema brasileiro. Nos registros

também ficou patente a expansão do mercado exibidor em Portugal, que

privilegiou sobremaneira os filmes da indústria de Hollywood em comparação

com os filmes de outras nacionalidades, até mesmo europeus.

Por fim, os vestígios dos espaços constituídos nas críticas remetem para

a mudança na programação visual dos jornais diários, a maioria deles adotando

o formato tablóide (seguindo a tendência do jornalismo europeu para conseguir

atingir públicos mais jovens), à exceção do Expresso que continuou com o

modelo Standard, embora nos suplementos que incluíam as críticas de cinema

(Cartaz e Actual), o formato tablóide fosse o dominante. O espaço dedicado à

crítica, entretanto, por vezes ficou menor uma vez que passou a ser disputado

com as grandes fotografias fornecidas pelas empresas de divulgação dos filmes.

A proposta de identificação de marcas retóricas e contextuais objetivou o

contato com o horizonte de expectativas da crítica de cinema lusa, contato este

secionado por décadas mas que não pretendeu uma divisão estanque, antes

aspirou a estabelecer um modo de leitura pragmático para a nossa investigação.

O exame das críticas por décadas permitiu a visualização temporal da evolução

do discurso da crítica de cinema, que teve como marco, sem dúvida, os meados

dos 60, quando parece ter sido superado o exclusivo impressionismo anedótico

vigente e os critérios de avaliação ficaram mais bem definidos. A análise das

marcas permitiu também compreender as transformações porque passou a

avaliação sobre o cinema brasileiro ao longo destas últimas quatro décadas e

suas implicações quanto aos juízos estéticos fornecidos pela crítica de cinema.

Ao examinarmos estas resenhas críticas comprovamos nossas hipóteses

já sinalizadas na Parte 2 desta tese, quando foi possível “recuperar” o horizonte

de expectativas da crítica e dos leitores/espectadores de filmes brasileiros

282

exibidos em Portugal. A análise particularizada das resenhas ao lado da

avaliação dos condicionantes históricos comportou a realização de uma

pesquisa interdisciplinar que valorizou os discursos da crítica de cinema

publicados na imprensa escrita como objetos históricos e retóricos e revelou a

trajetória da mudança no processo de julgamento da cinematografia brasileira.

Um maior esclarecimento sobre as condições de produção e recepção destas

resenhas é matéria de nosso próximo capítulo.

Os condicionalismos da crítica sobre o leitor

A questão que aqui se coloca trata da influência da crítica sobre seus

leitores. Não há dúvida de que a crítica exerce força persuasiva que condiciona

os leitores a um determinado modo de interpretação do filme que está sendo

avaliado. Vários fatores têm peso nesse processo e esta “influência” ou

“condicionamento” não transforma o leitor num mero boneco articulado e

passivo, mas situa-o numa perspectiva de “entre lugares”, entre a emancipação

e o condicionamento. Numa prática de leitura há que considerar conjuntamente a

liberdade irredutível do leitor e os condicionamentos que pretendem refreá-la,

estabelecidos numa tensão necessária e fundamental356.

Martine Joly (2003) afirma que os discursos jornalísticos ou “vulgares”

sobre cinema condicionam sutilmente nossa interpretação e nossas condições

de recepção de filmes, sobretudo através dos juízos implícitos que estes

discursos contêm. Esta forte carga indutiva da crítica começa, segundo Joly, pela

evocação da narrativa fílmica, ou seja, pela descrição do enredo do filme,

comum a quase todas as críticas de periódicos, desde jornais a semanários. De

356 Ver mais sobre esta questão nos trabalhos do historiador Roger Chartier, sobretudo no livro A história cultural: entre práticas e representações. Chartier (1988) acredita que para a compreensão do sentido da obra é de fundamental importância o tripé: Texto, Suporte e Prática de Leitura.

283

fato, em nossa investigação sobre a crítica aos filmes brasileiros encontramos o

resumo e descrição da narrativa como peça fundamental que compõe a

estratégia de persuasão e é certamente um fator de mobilização do leitor para a

aceitação ou não do filme. As recapitulações da história e do quadro de seus

principais personagens são reveladoras de determinado número de expectativas

do público-leitor, que deseja saber sobre a história. Mas não se deve expor

determinadas partes dela (um “constrangimento do gênero”) sob pena de o leitor

e futuro espectador ter seu interesse neutralizado antecipadamente. Esta história

“recontada” evoca sempre uma ligação com a realidade referencial, um mundo

reconhecível também para o leitor.

Além deste outros fatores atuam neste processo e para refletirmos sobre

eles é da maior relevância considerarmos a função retórico-argumentativa

destes textos, os processos de alegações das frases e o próprio contexto que

circunda estes discursos. Bordwell (1991) já havia ressaltado que a lógica da

crítica de cinema é predominantemente indutiva e, como em qualquer sistema

desta natureza, o observador, o crítico, está predisposto a encontrar dados que

confirmem ou neguem a sua hipótese original. O leitor, por sua vez, se confronta

com uma abordagem indutiva da crítica, sofre influências que são somadas às

suas próprias experiências mas também tem total liberdade para aderir ou não à

argumentação do crítico. A idéia de acordo (entre orador e auditório) de

Perelman (1996) fica aqui bastante visível.

Faz parte deste condicionamento consentido a evocação de cenas ou

sequências para servir como exemplo ou ilustração de um discurso crítico que

ambiciona a adesão dos leitores. A referência à realidade exterior, o

enquadramento histórico da cinematografia analisada, os depoimentos de

cineastas também se conformam numa abordagem indutiva. Um outro

importante indicador de influência pode ser visível no âmbito da justificação de

juízo de valor, que deve estar naturalmente amparado por argumentos

convincentes, articulações coerentes que constituirão uma espécie de sedimento

interpretativo que progressivamente condicionará o leitor/espectador na

abordagem posterior do filme. O juízo de valor de um crítico de cinema induz e

284

contamina o futuro julgamento até mesmo quando este juízo desemboca na

classificação ortodoxa das estrelinhas. Mas, como mencionamos, o espectador

pode negar este juízo após assistir ao filme357.

Em síntese, podemos afirmar que é na interação entre os processos de

avaliação, informação, juízo, contexto e invenção que este condicionamento se

desenvolve.

Se a crítica de cinema tem uma função mediadora entre a obra e o leitor,

ela aqui assume seu papel de informar e paralelamente de formar. Ramón

Carmona (2002) esclarece que a crítica torna legível, compreensível, aquele

conjunto de signos por vezes desordenados visto num filme e, desta forma,

impõe ao leitor/espectador uma maneira de mirar e em consequência de

entender e interpretar a obra. Ao “traduzir” o filme para o leitor, a crítica acaba

por contaminar o processo interpretativo que este mesmo leitor e potencial

espectador v i r ia a fazer da obra exper ienciada. A s igni f icação

“construída” (Bordwell, 1991) pela crítica através de um discurso plausível e

justificado convence e contamina a avaliação do leitor sobre o filme.

O que lemos sobre um filme, sobretudo numa crítica de cinema,

inevitavelmente influencia nossa abordagem que dele fazemos em seguida. Isto

ocorre também porque o leitor já está predisposto a uma determinada forma de

recepção da crítica derivada de um convencionalismo do gênero, ou por aquele

texto lhe parecer familiar e as expressões utilizadas serem adequadas, ou pelo

reconhecimento do nome do crítico, enfim, pelo modo como o crítico se dirige ao

leitor. Estas resenhas de filmes não se apresentam como novidade absoluta,

elas remetem a sinais implícitos ou explícitos e se conectam com uma série de

textos antecedentes.

Estes textos críticos, então, já influenciados pelas interpretações

357 Como os meios de comunicação da chamada mídia tradicional têm uma postura pouco interativa (ou unidirecional, para certos autores), é difícil perceber a negação ou contestação deste juízo instituído do crítico. Já com as novas tecnologias, o chamado jornalismo on-line abriu acesso para a crítica dos leitores, onde é possível verificar a discordância de certos leitores das avaliações da crítica sobre determinado filme.

285

precedentes instauradas na tradição, são também indutores de novos juízos e de

novos comportamentos, desenhando, dessa forma, o círculo hermenêutico

gadameriano. O que nos forma é a tradição, somos feitos de camadas de

horizontes, histórias e condicionamentos. O leitor da crítica de cinema alimenta-

se de um conjunto de interpretações situadas historicamente, das interpretações

indutivas das críticas e deixa-se contaminar pelo modo orgânico que o crítico

fornece em seus textos, sem contudo deixar de carregar suas experiências e

suas próprias interpretações.

Conforme Bordwell (1991), o horizonte de expectativas (tanto da crítica

quanto de seus leitores) é formado por convenções discursivas já estabelecidas

que se somam às atuais e que, por sua vez, formam uma espécie de horizonte

geral de convenções. Cada época possui seu horizonte geral de convenções que

pode transformar-se em verdadeiros cânones estéticos e políticos que definem o

modo de analisar um filme. O momento histórico pode também ser o de

rompimento com estas convenções, tornando, por vezes, este rompimento em

mais uma convenção.

As convenções da crítica de cinema, plasmadas pela época, estão

associadas às convenções também existentes na leitura das críticas. O leitor

português dos anos 60 e 70 certamente estava habituado ao modo como se

discutia e pensava o cinema no período. A frequência de certas palavras e os

antagonismos que se faziam perceber nos textos sobre cinema atendiam às

chamadas de leitores que desejavam suprir suas necessidades acerca dos

filmes em exibição. Enfim, convenções de escrita e de leitura instauram-se entre

as articulações históricas e os procedimentos retóricos.

286

CONCLUSÃODois paradigmas invariáveis

A crítica comum de cinema publicada principalmente na mídia impressa

faz deste discurso transitório, mas datado, um território de análise fértil para

investigar a recepção de obras cinematográficas. A acolhida histórica de uma

dada cinematografia pode suscitar expectativas favoráveis ou não nos leitores

influenciados por estes discursos, que funcionam como bússolas e ao mesmo

tempo como mediadores de leituras do filme.

Refletir sobre a questão do condicionamento de juízos da crítica de

cinema implica em compreendermos certos modelos ou paradigmas que podem

desaguar em estereotipias vinculadas a uma cinematografia. Estamos a nos

referir certamente aos resultados obtidos na nossa investigação sobre a leitura

da crítica de cinema portuguesa acerca do cinema brasileiro das últimas quatro

décadas. Ainda que reconheçamos a construção lógico-indutiva própria dos

discursos destas resenhas jornalísticas sobre filmes, devemos evitar que

inferências se transformem em conclusões ou premissas em resultados.

O fato de os argumentos avaliativos acerca do cinema brasileiro

287

basearem-se quase que exclusivamente nas matrizes do Cinema Novo e da

telenovela denotam a cristalização de um modelo de expressão monossêmica

que a crítica pode ter transformado em uma conclusão definitiva. É fato que os

estereótipos também fazem parte da tradição mas estamos lidando com

convenções que são repassadas para os leitores e que podem, por sua vez,

condicionar previamente sua recepção desta cinematografia.

É fato também que este é um problema situado historicamente e que

parte de nossa pesquisa foi a busca e localização das raízes deste modelo. O

contexto certamente tem um papel fundamental e interfere na recepção da obra,

na sua boa ou má aceitação. Todavia, isto não exclui uma reflexão sobre a

concepção de uma imagem do cinema brasileiro mais “adequada” para a crítica.

E esta imagem sempre esteve de acordo com uma espécie de “agenda estético-

politizada” da crítica. Queremos dizer com isto que a crítica produzida na

imprensa portuguesa desde meados dos anos 60 acatou as influências da crítica

francesa, seguiu o modernismo político-estético que dava aval ao Cinema Novo

e, desde fins dos anos 70, questionou a quebra de continuidade com este

movimento quando o cinema brasileiro não mais correspondia às expectativas

de um cinema periférico revolucionário.

O mesmo se passou com a idéia de “influência do modelo de telenovela”

na cinematografia brasileira, sobretudo a partir de finais dos anos 70, tornando-

se um exemplo invariável para analisar os filmes brasileiros desde então.

Pensamos que ainda hoje aquela velha contraposição entre a produção

hollywoodiana e o cinema modernista ou de vanguarda não só permanece como

se mantém viva no espaço da crítica cinematográfica na imprensa portuguesa

(sobretudo na avaliação de filmes brasileiros). Fernando Mascarello (2000)

defende que este legado modernista (diga-se que não só da crítica como

também da própria teoria do cinema) de expressão dicotômica (cinema/

contracinema, prazer/desprazer, produção de ideologia/produção de

conhecimento) baseou-se na ofensiva à produção comercial de massa e no

elogio e nostalgia pelo político. O autor afirma que este paradigma teórico

288

modernista firmou-se a partir de Maio de 1968 até meados da década de 70,

sobretudo no espaço editorial das revistas Cinéthique, Cahiers du Cinéma e da

inglesa Screen, que se sustentavam na “triangulação de semiótica, marxismo e

psicanálise que a um tempo oferece a crítica ao realismo clássico e a

sustentação a uma vanguarda revolucionária” (Mascarello, 2000, p.130)358.

A análise mais atenta às críticas publicadas na imprensa escrita

portuguesa parece comprovar tal influência do paradigma modernista presente

na defesa de valores pautados no realismo crítico do Cinema Novo e no ataque

ao ilusionismo da televisão, vigentes ainda hoje nas resenhas sobre filmes

brasileiros. Esta nostalgia por uma revolução formal e política talvez tenha feito

com que os critérios de avaliação dos filmes brasileiros se mantivessem

pautados neste protótipo, como se vê pelo recurso aos referidos temas como

uma constante nas resenhas analisadas. Estas também apresentavam outros

sistemas de oposição de conceitos e noções típicos deste paradigma como:

imagem realista × imagem maquiada, cenário natural × cenário de estúdio,

fruição crítica × fruição desinteressada, crítica social × melodrama, cinema fácil ×

cinema difícil.

Saliente-se que este enquadramento foi observado tanto nos jornais

diários quanto nas revistas e semanários, embora nestes últimos, ironicamente

publicações onde o rigor na análise das películas foi mais evidente, os juízos

negativos dados aos filmes brasileiros tenham sido dominantes. Além disso, os

semanários portugueses são tradicionalmente considerados como formadores

de opinião tanto do público-leitor como de outros jornais diários. É o que afirma

Manuel Carlos Chaparro: “Por causa da influência que exercem na opinião

pública e do jornalismo crítico que praticam, os semanários portugueses

representam um paradigma que provavelmente influencia todo o jornalismo

diário do país” (apud Leone, 2000, p. 106).

358 Esta questão estético-ideológica que norteou o cinema de pós 68 foi discutida por diversos autores. Entre eles destacamos Francesco Casetti (1994) que também analisa esta tendência em revistas italianas como Cinema nuovo, Filmcritica, Ombre rosse e Cinema e Film, além das já citadas revistas francesas.

289

O problema é que aqueles filmes que estão fora do círculo das “boas”

convenções acabam por receber tratamento qualitativo diferenciado, o que,

inevitavelmente, influenciará a interpretação dos leitores das críticas. Ademais,

não desejamos aqui imprimir um sentido de pura instrumentalidade no processo

comunicativo entre a crítica e seus leitores. Como afirmamos, os leitores

portugueses podem negar, corrigir, modificar ou simplesmente reproduzir este

modelo de apreciação, mas é inequívoca a dimensão de seu efeito. A crítica de

cinema deve refletir se quer continuar devota de parâmetros de avaliação que se

estabeleceram em outras épocas e em condições históricas bem diversas, sob

pena de pré-conceber e pré-julgar certos filmes de uma cinematografia. Sob

pena de cair na armadilha do saudosismo.

É notório que o atual cinema brasileiro corresponde a uma estética, de

certa forma, distante do modernismo político-estético de vanguarda dos anos 60.

A crítica não deve, então, repensar certos conceitos como os de ideologia, ética,

verdade ou estética à luz de uma realidade que já não é aquela que forneceu as

bases para o paradigma anterior? O crítico Luiz Zanin Oricchio (2003) chama o

cinema contemporâneo brasileiro de “cinema impuro” ou aquele que não recusa

diálogo com as diferentes linguagens, aquele que não abre mão dos recursos do

espetáculo em sua forma e aquele que mostra a corrosão de um cânone, político

e estético, materializado nos anos 60 pelo Cinema Novo. Como ocorre com os

movimentos de rupturas, o Cinema Novo “inventou” uma tradição, mas “uma

tradição deve inspirar, e não inibir. Cria-se a partir dela, talvez contra ela ou

apesar dela. O que é vital, desde que a não tenhamos como peça de museu,

fantasma assustador ou parâmetro inatingível em relação aos quais todas as

comparações são desfavoráveis” (Oricchio, 2003, p. 229).

Historicamente, a crítica de cinema da imprensa portuguesa compreendeu

o cinema brasileiro exclusivamente como o Cinema Novo e desde então moldou

seus parâmetros a partir deste movimento. E tendo a crítica também um papel

de transmissão histórica de sentido para um leitor, cabe a ela estar atenta para

evitar distorções e generalizações abusivas. O discurso da crítica de cinema

constitui um meio socialmente efetivo da acolhida dos filmes, acolhida histórica,

290

na acepção de Jauss, gerando expectativas favoráveis ou desfavoráveis no

espírito dos leitores. Os efeitos da história que inserem-se na tradição e o cerco

social da crítica de cinema recomendam cautela ao crítico, que somente pode

ser juiz enquanto intérprete (mesmo que esta vocação esteja cada vez mais rara

na crítica diária de cinema), ciente de que qualquer verdade alcançada, não sua,

mas do próprio filme, será por outro reavaliada ou mesmo negada.

Lidas como consenso estético e político, as obras clássicas do Cinema

Novo, em especial as de Glauber Rocha, demarcaram os parâmetros de

avaliação sobre o todo o cinema brasileiro desde os anos 60 até os dias atuais.

Lidas como subprodutos da cultura popular de massas, as telenovelas

delimitaram os padrões de rejeição ao cinema brasileiro desde finais da década

de 70.

291

FILMOGRAFIA

Lista dos filmes mais citados na pesquisa e exibidos em ordem

cronológica. Constam o título original e o título recebido em Portugal, o

realizador e o ano de produção.

O pagador de promessas – Anselmo Duarte, 1962

Assalto ao trem pagador – Roberto Farias, 1962

Vidas secas – Nelson Pereira dos Santos, 1963

Quelé do Pajeú (A fúria do cangaceiro) – Anselmo Duarte, 1969

As amorosas – Walter Hugo Kouri, 1968

Macunaíma – Joaquim Pedro de Andrade, 1968

O dragão da maldade contra o santo guerreiro (António das Mortes) – Glauber Rocha, 1968

O homem nu – Roberto Santos, 1967

Terra em transe – Glauber Rocha, 1967

O leão de sete cabeças – Glauber Rocha, 1970

Toda nudez será castigada – Arnaldo Jabor, 1973

Dona Flor e seus dois maridos – Bruno Barreto, 1976

Lúcio Flávio, o passageiro da agonia – Hector Babenco, 1977

Eu te amo – Arnaldo Jabor, 1980

Pixote, a lei do mais fraco – Hector Babenco, 1980

Bye Bye, Brasil – Carlos Diegues, 1979

O beijo da mulher aranha – Hector Babenco, 1984

Ópera do malandro – Ruy Guerra, 1985

292

O quatrilho – Fábio Barreto, 1995

Amor & Cia – Helvécio Ratton, 1999

Central do Brasil – Walter Salles, 1998

O escorpião escarlate – Ivan Cardoso, 1989-1991.

293

BIBLIOGRAFIA

Críticas em jornais, semanários e revistas

Lista das críticas sobre cinema brasileiro publicadas nos jornais,

semanários e revistas (especializadas e não especializadas). Entre as críticas,

há as que são citadas na investigação e as que foram simplesmente

consultadas. As críticas foram classificadas em ordem cronológica.

Jornais

Diário de Notícias

A maravilhosa comédia Meus amores no Rio. (23.11.1960), p. 7.

Esta noite no Tivoli A morte comanda o cangaço. (17.09.1962), p. 6.

PINA, Carlos. Os deuses e os mortos (Ruy Guerra). (19.03.1971), p. 8.

PINA, Carlos. Os senhores da terra (Paulo Thiago). (19.03.1971), p. 8.

PINA, Carlos. Proezas de satanás na vila de leva-e-traz. (22.03.1971), p. 6.

PINA, Carlos. A consagração do genuíno: Fome de amor. (24.03.1971), p. 8.

PINA, Carlos. A consagração do genuíno: Macunaíma. (24.03.1971), p. 8.

PINA, Carlos. Ganga bruta de Humberto Mauro inaugurou o certame. (09.03.1972), p. 8.

PINA, Carlos. O cangaceiro de Lima Barreto. (11.03.1972), p. 8.

PINA, Carlos. Sinhá moça de Tom Payne. (11.03.1972), p. 8.

294

PINA, Carlos. Na garganta do diabo de Walter Hugo Kouri. (12.03.1972), p. 8.

PINA, Carlos. São Paulo S. A., de Luis Sérgio Person. (14.03.1972), p. 8.

PINA, Carlos. Um asilo muito louco de Nelson Pereira dos Santos. (20.03.1972), p.17.

António das mortes. (14.10.1972), p. 5. (assinada com a inicial V.)

O homem nu. (14.07.1973), p. 8. (assinada com as iniciais ALB.)

ANTÓNIO, Lauro. Dona Flor e seus dois maridos. (24.09.1977), p. 9.

ANTÓNIO, Lauro. Lúcio Flávio, o filme. (30.05.1979), p. 14.

ANTÓNIO, Lauro. O desespero ao amor. (08.11.1981), p. 36.

ANTÓNIO, Lauro. O espelho de Pixote. (02.03.1982), p. 22.

ANTÓNIO, Lauro. Bye Bye, Brasil. (06.04.1982), p. 24.

ANTÓNIO, Lauro. Numa cela de prisão, na América Latina. (01.03.1986), p. 40.

LOPES, João. Os limites do exotismo. (17.06.1987), p. 60.

BARROS, Eurico de. Drama para quatro no Rio Grande do Sul. Artes e Multimédia. (22.11.1996), p. 39.

BARROS, Eurico de. Do Brasil para o mundo. Artes e Multimédia. (14.05.1999), p. 46.

A Capital

GEADA, Eduardo. A fúria do cangaceiro. (28.11.1970), p. 19.

SANTOS, Alberto Seixas. A vida provisória. Cena Sete. (27.03.1971), p. 8.

SANTOS, Alberto Seixas. Fome de amor. Cena Sete. (27.03.1971), p. 8

GEADA, Eduardo. Memória de Helena. Cena Sete. (27.03.1971), p. 7

COELHO, Eduardo Prado. Macunaíma. Cena Sete. (27.03.1971), p. 7

COELHO, Eduardo Prado. Os cafajestes. Cena Sete. (27.03.1971), p. 8

295

COELHO, Eduardo Prado. Os deuses e os mortos. Cena Sete. (27.03.1971), p. 8.

GEADA, Eduardo; SANTOS, Alberto Seixas. Cena Sete. Os deuses e os mortos. (27.03.1971), p. 9.

GEADA, Eduardo; SANTOS, Alberto Seixas. Os senhores da terra. Cena Sete. (27.03.1971), p. 9.

CAUTELA, Afonso. Ganga Bruta silencioso abre retrospectiva do cinema brasileiro. (08.03.1972), p. 15.

O cangaceiro de Barreto na retrospectiva brasileira. (09.03.1972), p. 15.

CAUTELA, Afonso. A falecida de Hirszman apresentado em Lisboa. (14.03.1972), p. 15.

Retrospectiva do cinema brasileiro. (15.03.1972), p. 15.

CAUTELA, Afonso. Asilo muito louco de Pereira dos Santos. (18.03.1972), p. 15.

António das Mortes de Glauber Rocha. (22.03.1972), p. 16.

PEREIRA, José Vaz. Perto de nós, longe de nós. (10.02.1975), p. 21.

PEREIRA, José Vaz. Latitudes do amor. (09.04.1976), p. 21.

PEREIRA, José Vaz. Filme choque vai impor de vez o cinema brasileiro. (09.11.1981), p. 23.

PEREIRA, José Vaz. Pixote, a lei do mais fraco. (26.02.1982), p. 27.

PEREIRA, José Vaz. Bye Bye Brasil, de Carlos Diegues. (29.03.1982), p. 29.

PEREIRA, José Vaz. Fantasia também é questão de talento. (06.03.1986), p. 25.

ANTÓNIO, Lauro. Um musical brasileiro. (22.06.1987), p. 23.

PERESTRELLO, Francisco. Paixões cruzadas. (26.11.1996), p. 40.

FERREIRA, Vera. Eça & Companhia. (07.05.1999). p. 32-33.

PERESTRELLO, Francisco. «Central» enfim em Portugal. (14.05.1999), p. 33.

PERESTRELLO, Francisco. Uma obra de excessos. (28.05.1999), p. 57.

296

PINHO, Jorge. Bocage, o triunfo do amor. (04.11.1999), p. 4.

República

Odeon - Meus amores no Rio. (24.11.1960), p. 14. (assinada com a inicial F.)

A morte comanda o cangaço. (18.09.1962), p. 3. (assinada com as iniciais E. M.)

No Condes e Roma - O pagador de promessas. (18.04.1963), p. 3 e 10. (assinada com as iniciais D. S.)

AFONSO, Rui. Corajosa Presença do Brasil. (16.02.1965), p. 9.

No Império - Assalto ao trem pagador. (26.08.1965), p. 3.

CAUTELA, Afonso. No Estúdio - Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos. (31.03.1967), p. 3 e 15.

LÍVIO, Tito. Eden - A fúria do cangaceiro. (27.11.1970), p. 3.

Desenvoltura e subdesenvolvimento. (19.03.1971), p. 6.

CAUTELA, Afonso. Copacabana me engana. (20.03.1971), p. 11.

CAUTELA, Afonso. David Neves: delicadeza e procura de tempo perdido. (20.03.1971), p. 6 e 11.

CAUTELA, Afonso. Didáctico e discursivo. (21.03.1971), p. 9.

CAUTELA, Afonso. Deserto a preto e branco. (22.03.1971), p. 11.

Copacabana me engana de António Fontoura. (24.03.1971), p. 8.

A vida provisória de Maurício Gomes Leite. (24.03.1971), p. 8.

Antes, o verão de Gerson Tavares. (24.03.1971), p. 8.

Juliana do amor perdido de Sérgio Ricardo. (24.03.1971), p. 8.

O diabo mora no sangue de Cecil Thiré. (24.03.1971), p. 8.

Proezas de satanás de Paulo Gil Soares. (24.03.1971), p. 8.

CAUTELA, Afonso. Fome de amor: das vidas secas às vidas regadas (com champanhe). (26.03.1971), p. 11.

297

LÍVIO, Tito. Memória de Helena. (26.03.1971). Jornal de crítica, p. 8.

LÍVIO, Tito. O Diabo mora no sangue. (26.03.1971). Jornal de crítica, p. 8.

LÍVIO, Tito. Os deuses e os mortos de Ruy Guerra. (26.03.1971). Jornal de crítica, p. 7 e 8.

LÍVIO, Tito. As Proezas de Satanás. (26.03.1971). Jornal de crítica, p. 7 e 8.

CAUTELA, Afonso. O fatal retorno a existência fetal. (27.03.1971), p. 6.

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LOPES, João. A nudez do absurdo. (13.07.1973), p. 6.

FERREIRA, Eduarda. Neocolonialismo, o monstro de sete cabeças. (12.02.1975), p. 5.

Diário de Lisboa

Meus amores no Rio, no Odeon. (24.11.1960), p. 3.

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AZEVEDO, Manuel de. O pagador de promessas. (18.04.1963), p. 3.

AZEVEDO, Manuel de. Um Assalto brasileiro de surpresa. (16.02.1965), p. 5.

Assalto ao trem pagador no Império. (26.08.1965), p. 7. (assinada com a inicial R.).

Vidas secas, no Estúdio. (31.03.1967), p. 6.

ANTÓNIO. Lauro. A fúria do cangaceiro. (30.11.1970), p. 4.

PINTO, Oliveira. Em memória de Helena. (17.03.1971), p. 3.

ANTÓNIO. Lauro. Os deuses e os mortos (Ruy Guerra). (18.03.1971), p.

298

4-5.

ANTÓNIO. Lauro. Memórias de Helena. (19.03.1971), p. 4.

ANTÓNIO. Lauro. Os senhores da terra. (20.03.1971), p. 4.

ANTÓNIO. Lauro. Antes o verão. (21.03.1971), p. 4.

ANTÓNIO. Lauro. Copacabana me engana. (21.03.1971), p. 5.

ANTÓNIO. Lauro. Os cafajestes. (21.03.1971), p. 4.

PINTO, Oliveira. Ruy Guerra e o realismo mágico de Os deuses e os mortos. (21.03.1971), p. 1.

ANTÓNIO. Lauro. A vida provisória. (22.03.1971), p. 5.

ANTÓNIO. Lauro. O diabo mora no sangue. (22.03.1971), p. 5.

ANTÓNIO. Lauro. Juliana do amor perdido. (23.03.1971), p. 4.

ANTÓNIO. Lauro. Panorama do cinema brasileiro. (23.03.1971), p. 4.

ANTÓNIO. Lauro. Proezas de satanás na vila de leva-e-traz. (24.03.1971), p. 5.

ANTÓNIO. Lauro. As amorosas. (24.03.1971), p. 5.

ANTÓNIO. Lauro. Macunaíma. (25.03.1971), p. 4.

ANTÓNIO. Lauro. Fome de amor. (27.03.1971), p. 6.

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RAMOS, Jorge Leitão. Cabeças cortadas de Glauber Rocha. (20.10.1975), p. 14.

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RAMOS, Jorge Leitão. Macunaíma, Joaquim P. de Andrade.

299

(10.11.1976), p. 17.

RAMOS, Jorge Leitão. Lúcio Flávio, o passageiro da agonia. (03.05.1977), p. 14.

RAMOS, Jorge Leitão. Xica da Silva de Carlos Diegues. (23.09.1977), p. 13.

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RAMOS, Jorge Leitão. O beijo da mulher aranha. (16.04.1986), p. 19.

Diário Popular

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Meus amores no Rio. (29.11.1960), p. 11.

Tivoli - A morte comanda o cangaço. (18.09.1962), p. 2. (assinada com as iniciais M. G. R.).

Um acontecimento cinematográfico. (17.04.1963), p. 9 e 15.

Roma e Condes - O pagador de promessas. (18.04.1963), p. 3-4. (assinada com as iniciais P. de M.).

Assalto ao trem pagador de Roberto Farias. (16.02.1965), p. 11. (assinada com as iniciais D. A.).

Império - O assalto ao trem pagador. (26.08.1965), p. 3-4. (assinada com as iniciais E. P.).

Vidas secas, no Estúdio. (31.03.1967), p. 2-3.

PEREIRA, José Vaz. A fúria do cangaceiro no Eden. (27.11.1970), p. 4.

LÍVIO, Tito. Os senhores da terra de Paulo Thiago. (19.03.1971), p. 5.

CARDOSO, Adelino. A vida provisória de Maurício Gomes Leite. (20.03.1971), p. 3.

LÍVIO, Tito. Os cafajestes de Ruy Guerra. (20.03.1971), p. 3.

300

PEREIRA, José Vaz. Antes, o verão. (21.03.1971), p. 3.

PEREIRA, José Vaz. As proezas de satanás na vila de leva e traz. (22.03.1971), p. 4.

LÍVIO, Tito. Juliana do amor perdido de Sérgio Ricardo. (22.03.1971), p. 4.

PEREIRA, José Vaz. As amorosas de Walter Hugo Khouri. (23.03.1971), p. 3.

PEREIRA, José Vaz. Panorama do cinema brasileiro. (23.03.1971), p. 3.

PEREIRA, José Vaz. Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade. (24.03.1971), p. 4.

CARDOSO, Adelino. Fome de amor de Nelson Pereira dos Santos. (26.03.1971), p. 3.

CAUTELA, Afonso. Uma amostra incompleta. (10.03.1972), p. 3.

António das Mortes no Estúdio. (16.10.1972), p. 4. (assinada com as iniciais P. da C.).

LÍVIO, Tito. O homem nu, no Estúdio 444. (14.07.1973),p. 4.

LÍVIO, Tito. Terra em transe, uma obra de Glauber Rocha. (06.05.1974), p. 4.

AFONSO, Rui. Os herdeiros. (06.08.1974), p. 4.

AFONSO, Rui. São Bernardo, de Leon Hirszman. (18.11.1974), p. 4.

MATOS-CRUZ, José de. Os galãs atacam. (31.07.1975), p. 3.

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LÍVIO, Tito. O casal. (27.04.1977), p. 26.

LÍVIO, Tito. Deus e diabo na terra do sol. (03.09.1977), p. 22.

MATOS-CRUZ, José de. Dona Flor e seus dois maridos. (19.09.1977), p. 18.

LÍVIO, Tito. A dama do lotação. (23.05.1978), 26.

MATOS-CRUZ, José de. Lúcio Flávio - o passageiro da agonia. (26.05.1979), p. 29.

301

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MATOS-CRUZ, José de. Bye Bye Brasil. (07.04.1982), p. 31.

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Correio da Manhã

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ROSA, Vitoriano. Amor & Cia. (07.05.1999), p. 34.

ROSA, Vitoriano. Central do Brasil. (14.05.1999), p. 34.

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Público

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Jornal de Letras e Artes

PEREIRA, José Vaz. O pagador de promessas. (01.05.1963), p. 11.

PEREIRA, José Vaz. O assalto ao trem pagador. (01.09.1965), p. 12.

302

Jornal de Letras, Artes e Idéias

ISMAEL, Guilherme. As teclas rentáveis. (de 08 a 21 de Dezembro de 1981), no 21, p. 30.

CARDOSO, Miguel Esteves. Bye Bye Cinema Novo, alô alô Carlos Diegues. (de 13 a 26 de Abril de 1982), no 30, p. 29.

ISMAEL, Guilherme. Um filme sobre a marginalidade. (de 02 a 05 de Março de 1982), no 27, p. 35.

BORGES, Pedro. A ópera do malandro. (de 15 a 21 de Junho de 1987), no 258, p. 27.

SILVA, Rodrigues da. Uma vergonha. (17 de Novembro de 1999), no 761.

Expresso

PEREIRA, José Vaz. São Bernardo. (16.11.1974). Revista, p. VIII.

PEREIRA, José Vaz. António das mortes. (01.02.1975). Revista, p. 4.

SILVA, Helena Vaz da. Toda nudez será castigada. (23.04.1976). Revista, p.19.

SILVA, Vicente Jorge. A dama do lotação. (27.05.1978). Revista, p. 27.

LOPES, João. Falar e não falar. (14.11.1981). Actual, p. 25.

FONSECA, Manuel S. Pixote, a lei do mais fraco. (27.02.1982). Revista, p. 3-R.

FONSECA, Manuel S. O lupanar e a inocência. (03.04.1982). Revista, p. 31-R.

COELHO, Eduardo Prado. O beijo da mulher aranha. (01.03.1986), Revista, p. 4-R.

LOPES, João. O beijo da mulher aranha. (08.03.1986), Revista, p. 4-R.

SEABRA, Augusto M. O beijo da mulher aranha. (15.03.1986), Revista, p. 4.

SEABRA, Augusto M. A ópera do pobre. (13.06.1987). Revista, p. 6-R.

FERREIRA, Manuel Cintra. Casais trocados. (23.11.1996), Revista, p. 8.

303

CABRITA, António. Amor & Cia. (08.05.1999). Cartaz, p. 13.

CABRITA, António. Carta de afectos. (15.05.1999). Cartaz, p. 8-9.

FERREIRA, Manuel Cintra. Central do Brasil. (22.05.1999). Cartaz, p. 10.

FERREIRA, Francisco. Central do Brasil. (29.05.1999). Cartaz, p. 17.

Escorpião escarlate. (29.05.1999). Cartaz, p. 15.

Revistas especializadas

Estúdio

O pagador de promessas. (20.07.1962), no 10, p. 14.

Filme

LEAL, Carlos Mendes. O pagador de promessas. (Julho de 1963), no 52, p. 32.

Cinema 15

Toda nudez será castigada. (Junho de 1976), no 8, p. 20.

Isto é Espectáculo

ANTÓNIO, Lauro. O casamento. (Setembro de 1976), no 1, p. 23

PEREIRA, José Vaz. O casamento. (Maio de 1977), no 6, p. 51.

PEREIRA, José Vaz. Xica da Silva de Carlos Diegues. (Maio de 1977), no 6, p. 50-51.

304

Isto é Cinema

CAVALHEIRO, Joaquim. A dama do lotação. (02.06.1978), no 19, p. 17.

Gente fina é outra coisa. (02.06.1978), no 19, p. 18.

Plateia

A morte comanda o cangaço. (01.10.1962), no 126, p. 39.

TIAGO, Servais. O pagador de promessas. (01.05.1963), no 148, p. 55.

ANTÓNIO, Lauro. O assalto ao trem pagador. (10.03.1965), no 215, p. 62.

SANTOS, Vasco. A fúria do cangaceiro. (08.12.1970), no 514, p. 54.

SANTOS, Vasco. António das Mortes. (24.10.1972), no 612, p. 69.

Deus e diabo na terra do sol. (01.10.1974), no 713, p. 63

MATOS-CRUZ, José de. A experiência militante. (29.04.1975), no 743, p. 64-65.

Celulóide

DIAS, Avelino. Menino de engenho. (Junho de 1966), no 102, p. 8-10.

DIAS, Avelino. Vidas secas. (Junho de 1966), no 102, p. 10-11.

DUARTE, Fernando. Antes, o verão. (Maio de 1971), no 161, p. 9-10.

DUARTE, Fernando. Copacabana me engana. (Maio de 1971), no 161, p. 7-8.

DUARTE, Fernando. Os cafajestes. (Maio de 1971), no 161, p. 8-9.

DUARTE, Fernando. Juliana do amor perdido. (Maio de 1971), no 161, p. 10-11.

DUARTE, Fernando. Panorama do cinema brasileiro. (Agosto de 1971), no 164, p. 17-18.

DUARTE, Fernando. Memória de Helena. (Setembro de 1971), no 165, p.

305

22-23.

DUARTE, Fernando. Os senhores da terra. (Setembro de 1971), no 165, p. 23-24.

DUARTE, Fernando. A vida provisória. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 28-30.

DUARTE, Fernando. As amorosas. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 31-33.

DUARTE, Fernando. Fome de amor. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 34-36.

DUARTE, Fernando. O diabo mora no sangue. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 30-31.

DUARTE, Fernando. Proezas de satanás na vila de leva-e-traz. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 30-31.

ANTÓNIO, Lauro. Terras sem pão. (Out. e Nov. de 1972), nos 178-179, p. 43-44.

ANTÓNIO, Lauro. Duas estreias finalmente autorizadas: O couraçado Potemkine e Terra em transe. (Maio de 1974), no 197, p. 18-19.

DIAS, Avelino. Toda nudez será castigada. (Junho de 1976), no 226, p. 17-18.

DUARTE, Fernando. Operação cinema brasileiro. (Dezembro de 1976), nos 234-235, p. 27-28.

DUARTE, Fernando. Brasil: cinema novo tem 25 anos. (Outubro de 1977), no 248, p. 105-106.

VIANA, Norberto. Dois filmes eróticos brasileiros. (Agosto de 1978), no 263, p. 186.

DUARTE, Fernando. Filme de qualidade?. (Janeiro de 1982), no 331, p. 17-19.

Brasil. (Fevereiro de 1982), no 332, p. 3-33-3-34.

REIS, Maria Fernanda. Pixote e a injustiça. (Abril de 1982), no 334, p. 15-101.

VIANA, Norberto. Digressão brasileira. (Julho de 1982), no 337, p. 19-193-20-194.

306

Revistas não-especializadas

Seara Nova

LUZ, Manuel Machado. Presença do cinema novo brasileiro: Vidas Secas. (Março de 1967), no 1457, p. 91.

O Tempo e o Modo

BRAGANÇA, Nuno. Menino de engenho. (Abril de 1966), no 37, p. 537-538.

COSTA, João Bénard. As exactas geometrias do destino. (Abril de 1966), no 37, p. 537-538.

Artigos, notas e entrevistas

Lista dos textos sobre o cinema brasileiro publicados nos jornais e revistas

especializadas e não-especializadas. Entre os textos encontram-se artigos,

notas, editoriais, dossiês, todos citados na investigação e apresentados aqui em

ordem cronológica. Há ainda a relação das entrevistas com críticos portugueses

publicadas na revista Plateia.

Jornais

Diário Popular

CAUTELA, Afonso. Uma jornada lamentável. (21.03.1971), p. 3.

VVAA. Associação de críticos. (05.05.1974), p. 4.

307

Diário de Lisboa

GRANJA, Vasco. A cultura cinematográfica no Brasil. Êxito. (16.04.1963), p. 3.

PINTO, Oliveira. Quem é quem no Cinema Novo brasileiro. (17.03.1971), p. 3.

PINTO, Oliveira. “O Cinema Novo é como que o espírito universal da cultura brasileira” - diz o ausente Carlos Diegues. (23.03.1971), p. 3 e 16.

PINTO, Oliveira. Um certo colonialismo cultural nos festivais de competição - advertência e lamento de Sérgio Ricardo. (24.03.1971), p. 3 e 22.

PINTO, Oliveira. O cinema é fundamentalmente arte e cultura (não indústria): posição mantida e assumida pelo Cinema Novo. (28.03.1971), p. 3.

Diário de Notícias

PINA, Carlos. A partir de hoje o importante é saber ver. (13 03.1971), p. 8.

PINA, Carlos. De surpresa em surpresa: Glauber Rocha encerra o festival. (18.03.1971), p. 8.

TOCANTINS, Leandro. Brasil, trópico e cinema (reprodução da conferência proferida pelo adido cultural da embaixada do Brasil em Lisboa). (08.03.1972), p. 8.

República

Críticas a “jornal de crítica”: e o critério, onde está? . (23.03.1971), p. 7.

Expresso

BASTOS, Jorge Henrique. Olhares distantes: uma semana preenchida com filmes brasileiros até hoje inéditos em Portugal. (19.12.1998), p.

308

12-13.

Jornal de Letras, Artes e Idéias

Na morte de um grande cineasta. (de 1 a 14 de Novembro de 1981), no 14, p. 8-9.

LOPES, João. Glauber sob luz plena. (de 1 a 14 de Novembro de 1981), no 14, p. 28.

Revistas

Plateia

Glauber Rocha em Portugal atraído pelo 25 de Abril. (18 de Maio de 1974), no 694, p. 24.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Afonso Cautela. (27 de Agosto de 1974), no 708, p. 56-61.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Lauro António. (3 de Setembro de 1974), no 709, p. 12-15.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com João Lopes. (17 de Setembro de 1974), no 711, p. 20-22.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Fernando Pernes. (8 de Outubro de 1974), no 714, p. 26-27.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Eduardo Geada. (15 de Outubro de 1974), no 715.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com José Vieira Marques. (29 de Outubro de 1974), no 717, p. 10-13.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Tito Lívio. (12 de Novembro de 1974), no 719, p. 24-27.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Rui Afonso. (3 de Dezembro de 1974), no 722, p. 16-18.

309

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Manuel Machado Luz. (31 de Dezembro de 1974), no 726, p. 12-14.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com José Vaz Pereira. (7 de Janeiro de 1975), no 727, p. 14-16.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Alves Costa. (28 de Janeiro de 1975), no 730, p. 11-15.

MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Luís Machado. (29 de Abril de 1975), no 743, p. 44-47.

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RAMOS, Luciano. “O Amuleto de Ogum” filme popular mas não comercial. Entrevista com Nelson Pereira dos Santos. (19 de Agosto de 1975), no 759, p. 66-67.

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MILARÉ, Sebastião. O que resta do Cinema Novo brasileiro? (01 de Março de 1977), no 803, p. 16-17.

CARDOZO, Ivo. Entrevista com Bruno Barreto. (01 de Outubro de 1977), no 816, p. 19-21.

Celulóide

DUARTE, Fernando. Congresso da crítica. (Julho de 1961), nº 43, p. 1.

DUARTE, Fernando. Cineclubismo: Brasil e Portugal. (Novembro de 1961) nº 47, p. 10.

VIEIRA, Carlos et al . Crítica cinematográfica brasileira. (Novembro de 1961) nº 47, p. 1-16.

310

VIEIRA, Carlos. As jornadas brasileiras de cine-clubes. (Julho de 1964) nº 79, p. 3-5.

TEIXEIRA, Jaime Rodrigues. Uma abordagem crítica ao cinema novo brasileiro. (Dezembro de 1964), no 84 , p. 5-7.

DUARTE, Fernando. Cinema Novo Luso-Brasileiro. (Junho de 1966), nº 102, p. 1-2.

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CARVALHAES, A. Cinema brasileiro em pé de guerra. (Agosto de 1971), no 164, p. 10-11.

CARVALHAES, A. Cinema brasileiro: 1971/72. (Setembro de 1972), no 177, p. 10-11.

CARVALHAES, A. Cinema brasileiro. (Março de 1974), no 195, p. 5-6.

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CARVALHAES, A. Cinema brasileiro: um filme digno de elogios. (Abril de 1975), no 209, p. 11-12.

CARVALHAES, A. Brasil, agora. (Agosto de 1975), no 214, p. 12-15.

DUARTE, Fernando. Editorial. (Junho de 1976), nº 226, p. 1.

LAVRADOR, F. Gonçalves. A propósito do primeiro festival Luso-Brasileiro de Tomar. (Abril de 1978), nos 257-258, p. 85-89.

DUARTE, Fernando. Apontamentos para a história da imprensa especializada e da evolução da crítica cinematográfica em Portugal. (Setembro de 1979), nº 281, p. 1-219-7-225.

Cinema 15

A pornografia, a vida e o cinema: documentos para uma análise que não pode ser arbitrária nem descuidada. (1 de Abril de 1976), nº 6, p. 6-9.

311

O Tempo e o Modo

Teses sobre o cineclubismo. (Maio de 1974), no 104, p. 26.

Seara Nova

CAPDENAC, Michel. Descobertas dos cinemas da fome. (Julho de 1964), no 1437, p. 216-217.

312

Referências científicas

Lista dos livros, capítulos de livros, teses, revistas científicas e

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