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Cinema Brasileiro Em Portugal, com varios artigos e indicações de bibliografia
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O CINEMA BRASILEIRO EM PORTUGAL
Contexto e análise da crítica acerca de filmes brasileiros publicada na imprensa lisboeta (1960-1999)
REGINA LÚCIA GOMES SOUZA E SILVA
Universidade Nova de Lisboa2005
Resumo
Este trabalho pretende refletir sobre a recepção do cinema brasileiro exibido em
Portugal nas últimas quatro décadas. Especificamente, a investigação se propõe
a analisar a crítica sobre filmes brasileiros publicada na imprensa de Lisboa
entre 1960 e 1999. A crítica de cinema é aqui considerada como objeto histórico
e retórico cuja importância é fundamental para a compreensão de problemas
vinculados à acolhida de uma cinematografia. O sistema teórico-metodológico da
pesquisa remete para a estética da recepção de Hans Robert Jauss, para a
retórica de Chaim Perelman, para a retórica na interpretação dos filmes de David
Bordwell, além de conduzir para a concepção de algumas categorias de análise
aqui denominadas de marcas retóricas e marcas contextuais. Nestes discursos
críticos impressos, verificamos que dois paradigmas, transformados em
verdadeiras convenções, nortearam a análise da crítica acerca do cinema
brasileiro em Portugal: o Cinema Novo e as telenovelas. Estes paradigmas foram
motivados por articulações históricas e reforçados por procedimentos retóricos
persuasivos que visavam à adesão dos leitores
O verdadeiro crítico, na realidade, deverá ser sempre sincero em sua devoção ao princípio da beleza, mas buscará a beleza em todas as épocas e em todas as escolas e jamais se deixará limitar a qualquer hábito fixo do pensamento ou a uma maneira estereotipada de ver as coisas. Se realizará a si mesmo em muitas formas e de mil maneiras distintas, e sempre sentirá curiosidade por novas sensações e pontos de vista. Através da mudança constante, e só através dela, logrará encontrar sua verdadeira unidade. Não consentirá em ser escravo de suas próprias opiniões. Porque, o que é o pensamento senão movimento na esfera intelectual? A essência do pensamento, como a essência da vida, é a evolução.
Oscar Wilde (O crítico como artista)
ÍNDICE
...................................................................................................................INTRODUÇÃO 7
..............PARTE 1 - A crítica de cinema na imprensa como objeto histórico e retórico 13
.......................................................................................A Estética da Recepção 15
.........................................................................Retórica, crítica e comunicação 45
.........................................................................A Retórica da crítica de cinema 59
..................................Considerações finais: por um horizonte interdisciplinar 87
.........................PARTE 2 - A crítica de cinema situada: cenários e relações históricas 92
...........................................................................................A crítica no contexto 93
...........................................................Um perfil das publicações portuguesas 111
..................................................Um cenário acolhedor aos filmes brasileiros 124
.........................................................................................Mudança de cenário 153
...............................................................................Alguns dados quantitativos 168
............................................PARTE 3 - As marcas nos discursos da crítica de cinema 184
......................................................................................Delimitação do corpus 185
.........................................................................................As marcas na crítica 196
...............................................................................................Marcas retóricas 199
...........................................................................................Marcas de contexto 249
....................................................................................Resultados das análises 274
..................................................Os condicionalismos da crítica sobre o leitor 282
.................................................................................................................CONCLUSÃO 286
............................................................................Dois paradigmas invariáveis 286
.............................................................................................................FILMOGRAFIA 291
............................................................................................................BIBLIOGRAFIA 293
Índice de Tabelas
Tabela 1: Filmes exibidos no 1o .................... Festival de Cinema Brasileiro – Anos 70 128Tabela 2: Filmes exibidos na 1a ..........Retrospectiva do Cinema Brasileiro – Anos 70 129Tabela 3: Filmes exibidos na 1a ................... Semana do Cinema Brasileiro – Anos 70 129
.....Tabela 4: Filmes brasileiros exibidos no Festival de Figueira da Foz – Anos 70/90 165......................Tabela 5: Filmes brasileiros exibidos no Festival de Tróia – Anos 80/90 167
...............Tabela 6: Filmes exibidos no Festival de Cinema Luso-Brasileiro – Anos 90 168..................Tabela 7: Filmes brasileiros exibidos na Fundação Gulbenkian – Anos 70 168
..........Tabela 8: Filmes brasileiros exibidos na Cinemateca Portuguesa – Anos 80/90 170Tabela 9: Filmes de Glauber Rocha exibidos na Cinemateca Portuguesa – Anos 80/90...................................................................................................................................... 172
...................Tabela 10: Filmes brasileiros exibidos no circuito comercial – Anos 60/90 173........................Tabela 11: Filmes brasileiros exibidos por distribuidoras – Anos 60/90 175
.............................Tabela 12: Filmes brasileiros exibidos por realizador – Anos 60/90 176............................Tabela 13: críticas a filmes brasileiros por publicação – Anos 60/90 178
....................................Tabela 14: Críticas a filmes brasileiros por autor – Anos 60/90 178
Índice de Figuras
.........................................................Figura 1: Total de críticas publicadas por década 186.....................................................Figura 2: Críticas publicadas por filme nos anos 60 187.....................................................Figura 3: Críticas publicadas por filme nos anos 70 188
..........................................Figura 4: Críticas publicadas por filme nos anos 70 (cont.) 189.....................................................Figura 5: Críticas publicadas por filme nos anos 80 190.....................................................Figura 6: Críticas publicadas por filme nos anos 90 190.....................................................Figura 7: Total de críticas selecionadas por década 191
INTRODUÇÃO
Duas importantes questões ambientam uma espécie de “crise” da crítica
atual1. A primeira delas remete ao cenário pós-moderno que trouxe consigo,
como já afirmava Lyotard, a crise dos paradigmas, a abolição de critérios e
hierarquias, o descentramento e o conceito de um mundo cada vez mais
fragmentado e crítico em relação aos cânones. A atividade crítica viu-se numa
situação delicada uma vez que julgar a qualidade de uma obra nova não requer
mais um cânone de referência, parâmetros confiáveis de valores estéticos.
Compondo este contexto, certos autores chegam, com exagero, a falar de uma
arte sem crítica, de um discurso anticrítico, sintoma da recusa de aceitação da
crítica como uma atividade independente, uma práxis ou uma profissão na área
das atividades culturais2. O constante exercício de revisão a que a arte
contemporânea obrigou a crítica pode tê-la tornado suspeita e mesmo
dispensável para uma tarefa opinativa uma vez que esta tarefa tem se
generalizado continuamente.
Curiosamente, I.C. Jarvie vai mais longe ao afirmar que este cânone
nunca existiu e que este é um problema que diz respeito não somente à crítica
1 Ver mais sobre este tema em: MARTINS, Maria Helena (org), Rumos da Crítica, São Paulo, Editora SENAC, 1999. Sintomaticamente, as palavras crítica e crise possuem a mesma etimologia que significa conflito, disputa; separação, decisão; juízo, sentença.
2 É o que Gustavo Rubim (1999) questiona na posição de alguns autores modernos em Juízos da Crítica. Na referência está implícita a crítica a uma visão estruturalista que vê a “arte pela arte”.
de cinema, mas à própria teoria do cinema: “Enquanto ao cinema faltar um
cânone, falta-lhe um importante elemento de uma saudável tradição na arte, uma
vez que lhe faltam os meios para se descrever a si próprio, se avaliar a si próprio
e si identificar a si próprio” (1996, p. 17). Para pensar o cinema em seu processo
histórico é inevitável, conforme o autor, o estabelecimento de padrões de
referência, ou seja, de juízos críticos estéticos o que, inclusive, levaria à
legitimação do cinema enquanto arte pois que as chamadas artes tradicionais já
possuem seus próprios cânones historicamente estruturados.
Ao assegurar que “a avaliação estética faz parte da experiência do
cinema” (Jarvie, 1996, p. 18), o autor parece contestar os excessos de
relativismo e a carência de uma fundamentação teórica baseada na tradição
histórica vigentes hoje na teoria do cinema, sobretudo no que diz respeito aos
juízos estéticos das obras. Naturalmente que isto é também visível nos domínios
de outras artes nas quais os critérios de julgamento das obras passam por
constantes revisões, caem no relativismo, e em alguns casos, nem sequer
querem existir.
Observamos ainda na crítica de cinema veiculada pela mídia, sobretudo a
impressa, paradoxalmente o abuso de critérios, alguns de natureza estritamente
pessoal, para a avaliação de filmes, o que revela a inexistência de um método de
referência de análise de filmes e a falta de um consenso compartilhado que
regule as atividades do setor. O problema do método está inevitavelmente ligado
ao estabelecimento de critérios para se proceder à análise de um filme e no caso
da crítica jornalística o que se tem visto é que cada um elege os seus de acordo
com as suas qualidades intrínsecas.
A segunda questão diz respeito ao mercado. Que o conceito de indústria
cultural já foi demasiado debatido todos sabem, e a pressão do mercado hoje é
verificada de forma ainda mais intensa na indústria cinematográfica. Os filmes
são também bens culturais dispostos a serem consumidos pelos públicos e a
empresa jornalística, dentro deste cenário, alimenta o jogo de interesses das
indústrias de cinema, que desqualifica como impopular ou elitista as críticas mais
analíticas. Em Portugal, este cenário de agressiva mercantilização da cultura não
está tão particularmente presente e os críticos lusos, de um modo geral, exibem
uma certa independência em relação aos seus textos e às empresas que
patrocinam os filmes. Por outro lado, já é possível notar uma metamorfose dos
meios, que tem provocado fenômenos como a distribuição, por parte das
empresas que gerem as salas de cinema, de material de divulgação em formato
de textos promocionais sobre os filmes em exibição. É notório também o
problema do agendamento nas editorias de cultura dos jornais portugueses3 que
seguem a lógica condicionada por critérios como atualidade e ineditismo
transformando o trabalho do crítico-jornalista numa rotina discursiva com pouca
ou nenhuma criatividade.
Como forma de contraponto a esta “crise”, verificamos nos dias atuais um
ascendente processo de descentralização do discurso da crítica para além dos
espaços tradicionais, em direção ao jornalismo opinativo, ao colunismo, aos
websites e aos chamados blogs pessoais, com um grau de intervenção muito
maior por parte dos leitores. A crítica de cinema pode aproveitar este tempo de
mudanças e tirar desta fase de redefinições algo positivo, ampliar seus espaços
institucionais de interlocução com o público e conviver com esta nova realidade
social de modo a que o velho clichê do divórcio entre crítica e público seja
superado.
Para além desta breve radiografia dos problemas que envolvem a crítica
de cinema hoje, direcionei minha atenção à prática desta mesma crítica
publicada na imprensa lisboeta, em especial aquela dirigida a filmes brasileiros
exibidos em salas portuguesas entre os anos de 1960 e 1999. Meu interesse
partiu de uma observação diante da qual uma pergunta parecia ser inevitável:
3 Ver mais sobre este tema no texto de Sérgio Luiz Gadini (2004) Tematização e agendamento cultural nas páginas dos diários portugueses.
como a crítica de cinema portuguesa tem, ao longo das últimas décadas,
analisado o cinema brasileiro?
A resposta não era simples. As pistas começaram a surgir com a leitura de
algumas resenhas recentes publicadas na grande imprensa nas quais era visível
a atribuição de juízos de valor mais negativos para os filmes brasileiros atuais. A
justificativa para tais juízos, de um modo geral, baseava-se na caracterização da
cinematografia brasileira como aquela que há muito deixou de ser interessante e
afirmativa e que agora escolhia o caminho comercial e acadêmico de realização.
Certamente as respostas de que precisava só apareceriam quando me
debruçasse efetivamente sobre as críticas e pudesse analisá-las através de
sinais ou marcas deixados como vestígios nestes discursos sobre valores
estéticos historicamente situados. Era necessário considerar, deste modo, as
resenhas críticas sobre cinema brasileiro como objetos históricos e retóricos,
dotados de força persuasiva para convencer os leitores de seu tempo. A análise
não poderia incidir exclusivamente nas particularidades internas ao texto, mas
também atender a demandas do contexto no qual estas críticas foram
produzidas.
Para concretizar esta ação dediquei-me ao estudo da estética da
recepção (que compreende ser impossível desvincular a obra de suas
condicionantes históricas), ao estudo da retórica (que, nos discursos, admite a
lógica do preferível em detrimento da lógica do verdadeiro) e finalmente ao
estudo da retórica da crítica de cinema (que avalia o poder de persuasão do
texto crítico). Uma perspectiva interdisciplinar, portanto, norteou a investigação,
conduzindo-a para a criação de algumas categorias de análise aqui
denominadas de marcas retóricas e marcas contextuais identificadas nas críticas
de cinema lusas.
Foi através do exame destas marcas que verifiquei como o contexto
histórico juntamente com a função retórica inerente a estes discursos críticos
moldou a recepção das obras cinematográficas brasileiras em Portugal. A cada
diferente contexto, ou década, novos “modos de ler” e novas “formas de
argumentar” acerca do cinema brasileiro e as diferentes configurações se
afirmavam no processo de interpretação dos filmes que nos anos 60/70 foram
vistos com o olhar-argumentativo acolhedor da crítica. Nas décadas de 80/90
este olhar passou a ser filtrado por um misto de decepção e desilusão. As novas
realidades dos anos 80 e 90 colocaram a crítica de cinema numa posição
desconfortável, de ruptura com o pacto anterior além de contradizer (ou pelo
menos reavaliar) suas concepções mais profundas influenciadas pela política
dos autores e pela defesa de um cinema de cauções artísticas que
manifestamente fosse crítico ao sistema industrial norte-americano.
Com efeito, nos anos 50, 60, até 70, parecia existir certa unidade na
produção da cinematografia mundial. Compreendiam-se as propostas da
Nouvelle Vague, do Cinema Novo, do Cinema Underground ou do Neo-realismo
italiano. E de certa forma as coisas se conectavam em várias partes do mundo.
Hoje, com os projetos assumidamente mais pessoais, a crítica tem mais
dificuldade em concentrar-se numa direção específica. Ela acabou por manter
seus referenciais, alguns os mesmos dos tempos cineclubistas, caindo no risco
da apreciação baseada tão somente nos padrões das décadas anteriores. A
pluralização do cinema moderno que abriga os mais variados tipos de direção,
estilos e de mistura de linguagens do audiovisual, às vezes até numa mesma
obra, impõe um certo desnorteamento às bases de reflexão da crítica de cinema
atual.
Optou-se por dividir o trabalho de investigação em três partes que
associavam interfaces dialógicas e melhor definiam o terreno dos agregados
temáticos da tese. Dessa forma, na Parte 1 busquei discutir os sistemas
conceituais da estética da recepção (Hans Robert Jauss), da retórica
(Aristóteles, Chaim Perelman) e de algumas teorias da recepção histórica no
cinema (David Bordwell). Aqui, foi proposto um horizonte interdisciplinar para a
abordagem das críticas de cinema publicadas na imprensa.
Na Parte 2, que recebeu o nome de A crítica de cinema situada: cenários
e relações históricas, a pesquisa se ocupou em articular elementos, cenários e
contextos que foram importantes, senão determinantes, para a boa acolhida da
crítica ao cinema brasileiro nos anos 60 até meados da década de 70 e que teve
como ponto chave a difusão do Cinema Novo brasileiro em Portugal. A idéia de
um cinema de terceiro mundo que proclamava que sua ética era a sua estética
foi muito bem recebida pela crítica de cinema lusa, que nesse momento também
vivia sua declaração de princípios. A pesquisa se ocupou ainda em identificar e
caracterizar o momento de mudança deste cenário e também mudança de
acolhida ocorrida em paralelo ao avanço da indústria de conteúdos culturais
brasileira em solo português a partir de finais da década de 70.
Finalmente, na Parte 3, chamada de As marcas nos discursos da crítica
de cinema, procedi à identificação e avaliação de sinais discursivos presentes
nas críticas que remetiam para os juízos de valor, as suas justificações e
estratégias de persuasão bem como para tempo e espaço onde estas críticas
foram produzidas. Ainda nesta parte, abordei a influência exercida pela crítica de
cinema e a inegável dimensão de seu efeito junto a seus leitores e potenciais
espectadores.
PARTE 1 - A crítica de cinema na imprensa como objeto histórico e retórico
As críticas de filmes produzidas pela grande imprensa, sobretudo pela
imprensa, devem ser representadas dentro de um contexto histórico específico e
decisivo para sua elaboração. Opondo-se a uma análise exclusivamente
imanente desses escritos críticos, nossa proposta de investigação parte de uma
poética histórica da recepção de filmes brasileiros exibidos em Portugal, capaz
de servir como sistema de referências conceituais de fundamental importância
para a análise e reflexão de um discurso assentado em juízos interpretativos e
de valor. Neste capítulo inicial procederemos ao exame dos pressupostos
teóricos da estética da recepção, corrente nascida na Escola de Konstanz,
Alemanha, e protagonizada por Hans Robert Jauss4, que pôs em evidência a
dimensão histórica dos textos para a compreensão de seu significado. Também o
estudo da retórica como outra importante diretriz conceitual, enriquecerá o
exame das críticas de filmes, sobretudo porque o discurso crítico, sendo
essencialmente argumentativo, utiliza claramente táticas e estratégias retóricas
para conseguir a adesão dos leitores. No campo da teoria do cinema,
destacamos o papel de David Bordwell, em sua investigação sobre a
institucionalização da crítica cinematográfica atual, que oferecerá reflexões
interessantes sobre qual tem sido o papel retórico e cognoscitivo desta atividade
4 Hans Robert Jauss, crítico literário alemão, é um dos fundadores da estética da recepção. Esta corrente nascida em finais da década de 60 na Alemanha preconizava uma reestruturação do pensamento literário e criticava o pólo imanentista das análises textuais, até então vigentes nos estudos literários, deslocando para o leitor o foco de atenção das análises. Suas maiores obras são: A história literária como desafio à ciência literária (1970), Pequena apologia da experiência estética (1972), Experiência estética e hermenêutica literária (1977).
discursiva. Em suma, pretende-se a clarificação de certos conceitos que servirão
de base sustentadora da reflexão sobre a prática discursiva da crítica de cinema,
em especial daquela feita aos filmes brasileiros nas últimas quatro décadas.
A Estética da Recepção
A história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete.
Hans Robert Jauss
A descoberta do leitor pela estética da recepção em finais dos anos 60
evidenciava a necessidade urgente de uma reavaliação do quadro teórico da
literatura (e não só) que até então tinha seus olhos voltados quase que
exclusivamente para o texto. A crítica de Hans Robert Jauss aos métodos
imanentes e intratextuais e em especial à ala francesa do estruturalismo,
revelou-se apropriada para a constituição de uma teoria que levasse em conta a
recepção. Neste contexto, era subjacente uma divisão entre um campo
menosprezado, o da comunicação e um outro privilegiado, o da textualidade.
Segundo Jauss, em A estética da recepção: colocações gerais, “das
funções vitais da arte, passou-se a considerar apenas o lado produtivo da
exper iênc ia es té t ica , raramente o recept ivo e quase nunca o
comunicativo” (1979a, p. 44). Jauss busca, então, aproximar-se deste contexto
relacional entre o leitor e a obra, lembrando que a teoria da recepção, desde os
seus primórdios, transformara-se numa teoria da comunicação literária (apud
Cascais, 1985, p. 79). Não convém nos estendermos aqui sobre o “real” sentido
do conceito de comunicação para a estética da recepção, já suficientemente
tratado por alguns autores, nomeadamente por Maria Tereza Cruz (1986, p. 62)
em A estética da recepção e a crítica da razão impura5. Contudo, há que se
reconhecer que a dimensão comunicativa da experiência propiciada pela obra de
arte é movida por ação dialógica que confere ao leitor um papel designadamente
ativo neste contexto relacional.
Foram muitas as influências6 e parcerias que Jauss recebeu a fim de
compor seu quadro teórico dando ênfase a uma estética da recepção. Entre
elas, destacam-se três nomes da tradição intelectual alemã que, sem dúvida,
deram um impulso fundamental ao seu trabalho: Hans Georg Gadamer, T. W.
Adorno e Wolfgang Iser. Com o primeiro, seu ex-professor na universidade de
Heidelberg, estabelece uma relação de parceria ao retirar seus pressupostos
metodológicos da hermenêutica filosófica gadameriana. Com o segundo
empreende um ruidoso, mas produtivo, debate acerca da negatividade da arte, o
que lhe garantirá a defesa da experiência estética. Já com o terceiro, Jauss
assume a defesa e os pressupostos de uma teoria da recepção e do efeito das
obras literárias. Neste momento, nos propomos a dissecar mais atenciosamente
cada uma destas influências, dada a relevância do debate para a nossa
investigação.
5 Maria Tereza Cruz prefere usar a expressão paradigma interacionista em relação à estética da recepção. Diz a autora: “Falar em paradigma comunicacional pode incorrer no perigo de evocar, autónomas e evidentes, as categorias que constam de um modelo ortodoxo da comunicação, enquanto que falar da interacção nos parece implicar mais, tanto o texto como o sujeito, num processo que põe precisamente em causa a autonomia de ambos.” (1986, p. 62).
6 Estamos nos referindo à semiologia da arte de Jan Mukarovsky, à teoria da concretização de Félix Vodicka, à arte como experiência de John Dewey, à definição da experiência estética a partir do conceito de aura de Walter Benjamin, à idéia de imaginação de Jean Starobinsk, ao estudo fenomenológico sobre o imaginário de Jean-Paul Sartre e a tantos outros autores que influenciaram sobremaneira a obra de Jauss.
1. Jauss e Iser: recepção e efeito
Como já tivemos oportunidade de ressaltar em outros ensaios7, o conceito
de leitor implícito, desenvolvido por Wolfgang Iser, representa uma conquista
importante para a estética da recepção. Ele parte da noção de concretização
traduzida em duas vertentes: a do horizonte implícito de expectativas, lançada
pela obra, de caráter intraliterário; isso configuraria o efeito (Wirkung),
predeterminado pelo texto, que transmite orientações prévias, inalteráveis sobre
certo aspecto, pois a obra mantém-se a mesma para cada leitor. De outro lado
temos a recepção (Rezeption), de cunho extraliterário, condicionada pelo leitor,
que colabora com suas experiências pessoais para fornecer vitalidade à obra e
manter com ela uma relação dialógica (Zilberman, 1989, p. 64-66).
Iser vai acentuar um dos pontos básicos na análise estética do efeito,
salientando que a obra é comunicativa desde a sua estrutura, pois necessita do
leitor para a constituição de seu sentido. O autor trabalha a idéia de “estruturas
de apelo do texto” (Appelstruktur der Texte), que orientam as reações do leitor.
Por causa dessas estruturas, o leitor converte-se num ponto chave da obra, que
só pode ser compreendida enquanto uma modalidade de comunicação
(Zilberman, 1989, p. 64). Os textos seriam, então, enunciados vazios que
exigiriam do leitor o seu preenchimento. Iser considera que: “Do mesmo modo,
são os vazios, a assimetria fundamental entre texto e leitor, que originam a
comunicação no processo de leitura” (1979, p. 88). Jauss poeticamente faz a
tradução desse caráter dialógico entre obra e leitor: “Ela [a obra literária] é,
antes, como uma partitura voltada para a ressonância sempre renovada de
leitura, libertando o texto da matéria das palavras e conferindo-lhe existência
atual” (1994, p. 25).
7 GOMES, Regina. O manual de instruções do filme: as estruturas de apelo dirigidas ao espectador. In NETO, João Antônio de Santana; org. Discursos e análises: coletâneas de trabalhos. Salvador : Universidade Católica do Salvador, 2001 e também GOMES, Regina. Elo vital: a interação espectador/ filme. VVAA. O sentido e a época: textos de comunicação e cultura contemporânea. Salvador : Universidade Federal da Bahia, 1995.
Umberto Eco (1986) dedicou-se a esse tema em sua obra Lector in
Fabula. Apresentando a noção de “leitor modelo”, Eco afirma que um texto
postula o seu próprio destinatário como condição imprescindível da
potencialidade de comunicação e de significação. Um texto é feito para que o
leitor o renove, embora não se criem expectativas de que esse leitor exista
empiricamente. O semioticista italiano define o texto (literário-narrativo) como
uma máquina preguiçosa elaborada de modo a solicitar ao leitor que execute a
tarefa de preencher os seus espaços em branco. Por outro lado, para que o leitor
assuma esse traço ativo, é preciso que o texto proponha uma imagem do leitor
modelo que ele prevê. Assim, o texto deve portar instruções pragmaticamente
orientadas, que permitam ao leitor realizar os atos inferenciais necessários. Em
outras palavras, a criação de uma obra traduz-se na elaboração de uma
estratégia de que fazem parte as previsões dos movimentos dos outros, ou seja,
um texto, desde a sua geração, deve prever as atitudes do seu leitor modelo.
O conceito de leitor modelo, defendido por Eco, e o de leitor implícito,
evocado pela estética da recepção, focalizam o leitor como constituinte do texto.
Fica claro que, nestes conceitos, não se trata de abordar empiricamente a
entidade leitor, mas de vê-lo como um ser virtual, imprescindível para dar
constituição e sentido à obra que, isolada, não possui significado algum, torna-se
inerte.
As estruturas de apelo do texto constituem-se de regras e instruções
predeterminadas, que auxiliam o leitor no processo de compreensão do texto.
Para ativar a leitura, essas estruturas dispõem de mecanismos de orientação,
instruções quanto aos “modos de usar”, que guiam o leitor à interpretação,
transformando o receptor numa peça básica, capaz de atribuir sentido à obra,
numa relação concebida como uma modalidade de comunicação.
Com efeito, é válido reconhecer que a estética da recepção contribui para
o esclarecimento de fenômenos comunicativos, na medida em que atribui ao
conceito de recepção uma dimensão produtiva, contrária às interpretações de
natureza instrumental, em que a comunicação seria uma conseqüência
mecânica de ações entre o emissor e o receptor. Esta visão mecanicista
constitutiva de práxis negativa servirá como provocação para Jauss aceder à
polêmica com o teórico da escola de Frankfurt, Theodor Adorno.
2. Jauss e Adorno: experiência estética e negatividade estética
Jauss empreende uma contenda acirrada contra T. W. Adorno, que
compõe sua teoria com base na idéia da negatividade da arte. Recusando-se a
levar em conta o aspecto comunicativo da obra de arte, Adorno qualifica-o de
sintoma de massificação, valorizando apenas o experimentalismo8. Para Jauss
(1986, p. 54), pensar que o objeto estético desempenha uma atividade
basicamente negativa, porque o contrário equivaleria a produzir uma arte de
consumo a serviço da classe dominante, não é reivindicar uma estética
revolucionária, mas é uma tentativa de restauração da estética burguesa através
do resgate da posição que defende a arte pela arte.
A constituição de uma “práxis estética negativa” por Adorno menospreza
toda a experiência estética, convertida pelo teórico de Frankfurt em signo de
satisfação manipulada das necessidades. Jauss (1986, p. 24) diz que esta
redução não é capaz de destruir a relação dialógica entre leitor e obra de arte e
que a produção e reprodução artísticas não podem determinar a recepção pois
esta não é um mero consumo passivo e sim uma atividade estética que é sujeita
de aprovação e de crítica e, portanto, fora do alcance da planificação de
mercado.
8 Sobre este debate entre os teóricos alemães ver também em: GOMES, Regina. O cinema como experiência catártica. In VALVERDE, Monclar., org. As formas do sentido. Rio de Janeiro : DP&A editora, 2003. p. 46-66.
Não se pode compreender a arte mediante categorias como “valor de
troca” ou “mais valia”, nem sua circulação explica-se pela fórmula “oferta-
demanda”. Jauss (1986, p. 24) corrobora a crítica de Hannelore Schlaffer, para
quem esta estética ideológico-crítica é sintoma de um pessimismo cultural de
base conservadora. Schlaffer acredita que a idéia clicherizada de ‘arte como
artigo de consumo’ respalda a interpretação idealista da arte, ao restaurar a obra
de arte aurática e sua contemplação solitária como medida da autenticidade
perdida para, desse modo, escapar da hipotética ‘relação de fascinação’ da
experiência estética atual.
Segundo a diretriz conceitual adorniana, pensar por exemplo, o cinema
enquanto “arte de massa” apenas põe em evidência o efeito desse meio, mas
não reflete sobre as transformações que atingem a fruição, além de depreciar a
capacidade compreensiva do espectador transformando-o num simples
consumidor. No cinema, tal como na literatura, deve-se entender o ato
comunicativo como uma efetiva partilha de sentido e não única e exclusivamente
como uma imagem atrofiada de relações economicamente concretizadas.
Pensando o cinema como uma arte da “distração” e da alienação, Adorno (1993,
p. 75) chega a dizer: “toda ida ao cinema me deixa, apesar da vigilância, pior ou
mais estúpido”.
Jauss nos fala de um prazer que a arte e a literatura suscitam, presente
nas três atividades simultâneas e complementares que configuram a experiência
estética, respectivamente com suas funções produtiva, receptiva e comunicativa:
a poíesis (poder de concretização), a aísthesis (efeito de renovação da
percepção do mundo circundante) e a katharsis (tradicionalmente o conceito
mesmo de experiência estética). O plano da catarse é aquele no qual ocorre o
processo de identificação que leva o leitor a assumir novas regras sociais e rever
suas idéias anteriores. E dessa experiência resulta um efeito provocador, pelo
qual o leitor não apenas sente prazer, como é motivado a agir, demonstrando o
caráter ativo da recepção. Esse aspecto salienta a função comunicacional da
arte que sempre depende do processo experienciado pelo receptor. Assim, a
catarse corresponderia à experiência comunicativa básica da arte (Zilberman,
1989, p. 54-58).
A valorização da experiência estética, para Jauss, funda-se na
importância atribuída ao processo de identificação que corresponde à realização
efetiva da função comunicativa da arte, envolvendo as respostas produtivas do
sujeito estético e os efeitos provocados pela obra. O processo de identificação é
provocado pela experiência estética e guia o sujeito à adoção de um modelo.
Não a adoção passiva de modelos pré-estabelecidos, mas “a realização de um
movimento de vaivém entre o observador, esteticamente liberado, e seu objeto
irreal” (Jauss, 1986, p. 161).
Baseado no conceito de identificação, Jauss desvia-se de Adorno,
observando que a experiência estética fica reduzida em sua função social
primária, no momento em que este a concebe a partir das categorias de
afirmação e negação e não põe em relação à negatividade constitutiva da obra
de arte com a identificação, que, para o teórico crítico, é seu antônimo estético-
receptivo. Para Adorno, a catarse é uma ação purificadora de emoção conforme
com a opressão e disposta com a defesa dos interesses do poder. Isso é
extralimitar-se, lembra Jauss (1986, p. 53-54), e não compreender a capacidade
comunicativa da arte no nível das identificações primárias (como a admiração,
emoção, etc.). Quando Adorno qualifica a experiência estética, impondo uma
barreira entre espectador e objeto e pensando a identificação como traição, ele
acaba por negar a função comunicativa da arte, além de cair em velhas
dicotomias como, arte ‘útil’ e arte ‘inútil’.
Negar a relação dialógica com a obra de arte é o mesmo que
desconsiderar a tradição que perpassa toda a criação artística. É o mesmo que
reduzir o papel da arte a uma ação determinista. Mais uma vez, se tomarmos o
espectador como exemplo, longe de ser apenas uma entidade empírica exterior,
ele manifesta-se no filme e este só pode ser compreendido e interpretado
levando em conta a recepção. Esta está implícita no próprio objeto estético, na
medida em que um filme só existe para uma platéia assim como o texto só existe
para o leitor. O filme, antes mesmo de ser visto, pressupõe a existência de
alguém a quem se dirigir. O espectador, desse modo, torna-se um cúmplice, um
parceiro do filme.
É certo que Adorno estava especialmente preocupado com os efeitos do
que os teóricos frankfurtianos chamaram de “indústria cultural” a qual associava
os mass media e o público ao governo do mercado capitalista. Os primeiros
promoveriam a manipulação e o segundo uma total comodificação. Mas isto
acabou por provocar prejuízos à investigação dos meios de comunicação de
massa, particularmente ao cinema9, dada a sua generalização: “A Escola de
Frankfurt estudou o cinema como sinédoque, como um emblema da “parte-pelo-
todo” da cultura de massa capitalista” (Stam, 2003, p. 87).
Mesmo trabalhando especificamente com a literatura, a estética da
recepção possui uma dimensão que se estende a textos não-verbais. Sobre as
novas condições técnicas da arte contemporânea, Jauss (1986, p. 118) revela
que o cinema “destaca dimensões desconhecidas e âmbitos de sentido, de
espaço e movimento, que amplia o espaço da experiência estética”.
Questionando uma vez mais os pressupostos de Adorno, Jauss afirma
que a identificação estética não implica uma atitude passiva frente a padrões
idealizados de conduta, mas, ao contrário, mostra que o receptor pode percorrer
um longo caminho de atitudes como o medo, a admiração, a compaixão, o riso, o
distanciamento e a reflexão. Para Jauss (1986, p. 161) a identificação liberta o
9 Refira-se que Adorno se dedicou mais inteiramente ao estudo da música, deixando às outras artes um papel secundário. No caso do cinema, sua maior contribuição foi o livro Composing for the films, escrito em co-autoria com Hans Eisler em 1947. Vale salientar também que ao destacarmos a Escola de Frankfurt não inserimos o nome de Walter Benjamin nesta visão. Para Benjamim (1992) como se sabe, esta “distração” da experiência cinematográfica não implicava passividade no espectador, em vez disso esta experiência poderia ser um processo de emancipação coletivo.
espectador de seus interesses práticos do mundo cotidiano. Esta seria a função
social da catarse.
O conceito de catarse encontra suas origens na Poética de Aristóteles e
parece significar depuração, purificação, purgação de humores. Na última parte
da definição aristotélica de tragédia, o autor refere-se a uma imitação que se
efetua “não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a
piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções”10.
Jauss revitaliza a concepção aristotélica de prazer catártico e constrói sua
própria definição de catarse: “O prazer que, nas próprias emoções, produzem a
oratória ou a poesia e podem levar o ouvinte ou o espectador a mudar de
critérios ou a liberar seu ânimo” (1986, p. 159).
O conceito aristotélico de catarse estética invoca no observador uma
dupla liberação: interna e externa. A identificação emocional do espectador com
o herói da tragédia provoca a liberação de seus interesses práticos, assim como
de seus próprios vínculos afetivos. O antigo conceito de catarse, diz Jauss,
“pressupõe a ficção de um objeto real, ou possível, no espectador que tem que
realizar a ‘purificação’ desejada” (1986, p. 163). Portanto, de uma forma mais
descompromissada que na vida cotidiana, o espectador da tragédia sente fortes
emoções e identifica-se com o herói, atingindo, desse modo, a purificação.
Jauss (1986, p. 165) acredita que a identificação estética do espectador
ou do ouvinte, que se desfruta a si mesmo no destino alheio, possibilita a
comunicação e a criação de novos modelos de conduta. Entretanto, ele também
pode destruir normas de conduta tradicionais, sendo essa, como já assinalamos,
a função social da catarse.
O receptor, nesse processo emancipatório, não constitui um mero
reprodutor de idéias ou normas vigentes, mas posiciona-se diante de um jogo
10 1449b 27ss. Utilizamos a seguinte edição da Poética de Aristóteles: Poética. CapVI. In Os Pensadores. Trad. Eudoro de Souza. São Paulo : Abril S/A cultural e industrial, 1973. p. 447.
dialógico, podendo revisar e criar novas normas, numa ação intensamente ativa.
Reconhecendo em Adorno um adversário privilegiado que o instigou ao
papel de apologeta da experiência estética, Jauss lembra que o crítico alemão
nunca questiona o ato hermenêutico da interpretação, por o considerar desde já
definitivo e determinista. Não é difícil reconhecer o pessimismo da crítica
ideológica adorniana que tanto incomodou Jauss 11 : “(...) houve épocas no
passado em que a sujeição da arte tornava muito mais verossímeis os
prognósticos de sua decadência. A proibição de imagens, por exemplo, que
ressurgiu periodicamente durante o domínio da Igreja, por certo não era um
perigo menor à práxis estética do que a inundação de imagens através de
nossos mass media” (1979a, p. 59). Fica, então, evidente a crítica de Jauss ao
desprezo dos condicionantes emocionais envolvidos na pragmática da
comunicação que a teoria crítica postulava enquanto uma pedagogia.
Interessante notar, neste cenário de conflito intelectual disposto entre os
dois teóricos alemães, o que diz o crítico literário Luiz Costa Lima (1979, p. 15),
responsável pela introdução da estética da recepção ao público brasileiro em
1979. Advoga Costa Lima12, que tal como Adorno mostrou-se tributário do culto
idealista da arte, Jauss acaba por incorrer no mesmo erro ao justificar a idéia de
um caráter permanente de arte, o que a proibiria de ser manipulável pelas leis
mercadológicas.
Neste domínio em particular, reconhecemos certa pertinência na crítica a
11 E prossegue com: “E, no entanto, de cada fase de hostilidade à arte, a experiência estética emergiu numa forma nova e inesperada, seja esquivando-se da proibição, seja reinterpretando os cânones, seja descobrindo novos meios de expressão” (Jauss, 1979a, p. 59).
12 Todavia, como bem lembrou Eduardo Prado Coelho (1987, p. 166-169), Costa Lima parece ter tomado uma posição, de certo modo anacrônica com a arte ao tentar posteriormente numa obra de sua autoria, defender um rompimento entre a experiência estética e a prática crítica. Ao conceber o juízo como poder único e exclusivo dado às obras de arte pela crítica, Costa Lima desqualifica a experiência estética como um campo particular e parece esquecer os conceitos de “fruição compreensiva” e “compreensão fruidora”, base da estética da recepção de Jauss, ou, como nos afirma Prado Coelho (1987, p. 166), “trata-se de impor o poder da crítica contra a subversão da estética”.
Jauss, sobretudo por pensar que a arte, ou melhor, a experiência estética não
está fora do ambiente das experiências sociais; pelo contrário, há uma rede de
conexões que alimenta as duas instâncias. Como descreve o teórico da nova
estética alemã, Albrecht Wellmer, “falta acrescentar ao discurso da Estética uma
verdade de dimensão pragmática, capaz de reconstruir a interdependência entre
«síntese estética» e «síntese social» (...) a arte não deve ser vista como a
aparência ilusória de uma reconciliação: existem nela potenciais de uma efetiva
intersubjectividade social e psíquica, como desencadeadora de uma acção
simbólica ou comunicativa” (apud Cruz, 1991, p. 64). Por outro lado, isto não
exclui o discurso redutor a uma lógica exclusivamente sócio-mercadológica da
experiência estética como a sociologia adorniana pretendia implementar13. Foi
certamente contra a exclusividade desta lógica que Jauss se insurgiu.
A crítica de Jauss à práxis estética negativa de Adorno tem se revelado
como um dos debates mais produtivos para a área da comunicação nas últimas
décadas. A relevância desta discussão dá-se precisamente no aparecimento de
novas teorias da recepção não só no campo literário, mas em outras áreas,
nomeadamente no teatro, cinema, televisão e mais recentemente no âmbito das
novas tecnologias. O diálogo entre produção e recepção assumiu contornos nos
estudos sobre interatividade evidenciando o papel ativo do receptor, que deixou
de ser visto como mero dado empírico, embora ainda permaneçam visões
imanentistas e as macroinvestigações da Escola de Frankfurt continuem
aprisionando a experiência estética ao campo da racionalidade das leis
mercadológicas. Ao destacar o aspecto comunicativo dialogal da obra de arte, a
estética da recepção, por sua vez, não se exime de partilhar sua herança
comunicativa com a hermenêutica gadameriana e a conseqüente revalorização
da comunicação como condição de compreensão do sentido.
13 Ainda segundo Maria Tereza Cruz (1991, p. 58), “Se a experiência estética deverá procurar ainda hoje a sua especificidade, enquanto modo fundamental de acesso à experiência de nós e do mundo, não deverá contudo fazê-lo como utopia negativa ou figura gémea da perda de experiência”.
3. Gadamer e Jauss: da hermenêutica filosófica a hermenêutica literária
Em Experiência estética e hermenêutica literária, Jauss declara sua
certeza de que a “experiência relacionada com a arte não pode ser privilégio dos
especialistas e que a reflexão sobre as condições desta experiência tampouco
há de ser um tema exclusivo da hermenêutica filosófica ou teológica” (1986, p.
13). Referindo-se, então, ao seu projeto do bom emprego de uma hermenêutica
literária, Jauss procura compor um conjunto de princípios metodológicos
inseridos no quadro da experiência propiciada pela obra de arte.
Encontra, destarte, na hermenêutica filosófica de Hans Georg Gadamer e
na sua principal obra Verdade e método a segurança de uma parceria
metodológica que lhe garantirá o embasamento teórico necessário ao emprego
de conceitos fundamentais à estética da recepção.
Tais conceitos, ou melhor, princípios vêm ratificar que a recepção é um
fato histórico-social. A noção de horizonte de expectativas (resultante do
conhecimento acumulado do leitor) servirá para medir as possibilidades de
recepção revelando que o leitor possui respostas individuais, mas a recepção, o
alcance da obra propriamente dita, é um fenômeno social.
Como havia mencionado, ao ser consumida, a obra provoca um efeito
sobre o seu destinatário e por outro lado ela passa por um processo histórico
sendo recebida, vivida e atualizada no que constitui a sua recepção. Para Jauss,
é preciso estabelecer a comunicação entre os dois lados da relação texto e leitor
isto é, “entre o efeito, como o momento condicionado pelo texto, e a recepção
como o momento condicionado pelo destinatário, para a concretização do
sentido como duplo horizonte – o interno ao literário, implicado pela obra, e o
mundivivencial (lebensweltlich), trazido pelo leitor de uma determinada
sociedade” (1979a, p. 50). Esta diferenciação acabou por ser importante para
demarcar o alcance das pesquisas de Jauss e do seu colega Wolfgang Iser, cuja
investigação se ocupa mais dos efeitos da obra no leitor, enquanto que as
pesquisas de Jauss voltam-se mais para a recepção da obra no seu horizonte de
tempo14.
O processo de interpretação de um texto implica não somente a interação
de leis internas e externas ao texto, como também o contexto de experiência
anterior no qual a percepção estética se inscreve. Isso pressupõe dizer que uma
obra não se revela como pura originalidade, pois ela é fruto de um contexto
histórico, da tradição, e seu público, não isolado deste processo, já estaria
predisposto a um certo modo de recepção.
Não é possível, portanto, desvincular a obra de suas condicionantes
históricas. Cada texto só poderá ser entendido dentro de suas condições
histórico-sociais de leitura, de acordo com as quais deverá ser recebido e
julgado pelo leitor, segundo a sua experiência de vida e de leituras acumuladas.
O modo pelo qual o leitor recebe o texto e constrói o seu sentido é função de seu
lugar na sociedade.
O horizonte de expectativas demarca, assim, a compreensão da obra em
seu tempo e é tarefa do intérprete a sua reconstituição. Regina Zilberman lembra
que é por meio da noção de reconstrução do horizonte de expectativas que
Jauss esperava “resolver o problema aludido quando da crítica às histórias da
literatura: estas eram unilaterais, porque ou examinavam as relações das obras
com a época, não dando conta de sua natureza artística; ou centravam-se nesta,
esquecendo-se de confrontá-la a seu contexto histórico e social” (1989, p. 34).
Esta reconstrução do horizonte possibilita chegar às perguntas a que o
texto respondeu, implicando na descoberta de como o leitor pode perceber e
14 Conforme expõe Luiz Costa Lima (1979, p. 25): “Ao passo que Jauss está interessado na recepção da obra, na maneira como ela é (ou deveria ser) recebida, Iser concentra-se no efeito (wirkung) que causa, o que vale dizer, na ponte que se estabelece entre um texto possuidor de tais propriedades – o texto literário, com sua ênfase nos vazios, dotado pois de um horizonte aberto – e o leitor”.
compreender a obra, resgatando o processo comunicativo instalado. Conforme
expõe Jauss (1994, p. 35) “a reconstrução do horizonte de expectativa sob a
qual uma obra foi criada e recebida no passado possibilita, por outro lado, que se
apresentem as questões para as quais o texto constituiu uma resposta e que se
descortine, assim, a maneira pela qual o leitor de outrora terá encarado e
compreendido a obra”; “(...) além disso, [a reconstrução do horizonte] traz à luz a
diferença hermenêutica entre a compreensão passada e a presente de uma
obra”.
Sabemos que as compreensões variam no tempo, mas a estética da
recepção vale-se de outra categoria de Gadamer para mostrar como: a lógica da
pergunta e da resposta. Esta servirá de base para a compreensão do diálogo
entre o texto e sua época, ou entre o texto do passado e o leitor atual.
Em Verdade e método, Gadamer (1988, p. 448) resgata a idéia de R. G.
Collingwood da logic of question and answer, que diz: “só se pode entender um
texto quando se compreendeu a pergunta para a qual ele constitui uma
resposta”. Esta idéia levará Jauss a assumi-la como um de seus pressupostos
metodológicos concordando com seu ex-mestre para quem, contudo, “(...) uma
pergunta reconstruída não pode encontrar-se nunca em seu horizonte originário.
O horizonte histórico descrito na reconstrução não é um horizonte
verdadeiramente abrangente; este, na verdade, é fruto da síntese do horizonte
histórico do passado amalgamado com o do presente” (Gadamer, 1988, p. 452).
A este processo de interconexão dá-se o nome de fusão de horizontes. Com
efeito, quando se reconstitui a pergunta original recupera-se a tradição em que o
diálogo entre a obra e seu destinatário se configurou.
O projeto de constituição da hermenêutica literária de Jauss
(particularizada na reflexão sobre as propriedades estéticas da arte) utiliza como
medida o processo hermenêutico baseado na composição de três atividades
intelectuais: a compreensão, a interpretação e a aplicação. O “compreender algo
como resposta” equivale, para Jauss, a compreender um texto do passado na
sua alteridade, isto é, recuperar a pergunta para a qual ele foi resposta. O leitor,
nesta tarefa produtiva fundada na compreensão, dá voz ao texto que ressurge
neste processo dialogal. Jauss argumenta: “... também a tradição da arte
pressupõe uma relação dialógica do presente com o passado, relação esta em
decorrência da qual a obra do passado somente nos pode responder e «dizer
alguma coisa» se aquele que hoje a contempla houver colocado a pergunta que
a traz de volta de seu isolamento” (1994, p. 40).
Após a leitura compreensiva chega-se à leitura retrospectiva, quando
ocorre a interpretação e o sentido do texto é reconstituído no horizonte de
experiência do leitor. Nesta fase, é permitido fazer um retrospecto na leitura,
voltar do fim para o começo ou do todo ao particular, pressupondo, diga-se,
previamente, as significações que ocorreram como possíveis no horizonte da
leitura anterior. A seguir, a etapa da aplicação, é o momento da leitura histórica,
ou seja, do enquadramento de como a obra foi recebida ao longo do tempo. A
etapa da aplicação pode ser considerada como a mais difícil da hermenêutica
literária, na medida em que os textos literários, diferentes, por exemplo, dos
textos jurídicos, possibilitam uma multiplicidade de interpretações, o que
ocasiona o problema do filtro interpretativo ou de como declarar que algumas
das interpretações estão corretas e outras não.
Jauss vai expor a questão ao falar sobre a dupla tarefa da hermenêutica
literária: “diferençar metodicamente os dois modos de recepção. Ou seja, de um
lado aclarar o processo atual em que se concretizam o efeito e o significado do
texto para o leitor contemporâneo e, de outro, reconstruir o processo histórico
pelo qual o texto é sempre recebido e interpretado diferentemente, por leitores
de tempos diversos. A aplicação, portanto, deve ter por finalidade comparar o
efeito atual de uma obra de arte com o desenvolvimento histórico de sua
experiência e formar o juízo estético, com base nas duas instâncias de efeito e
recepção” (1979, p. 46).
Finalizando, uma obra é lida porque é compreendida, portanto tem sentido
para uma época, para um grupo social. Superando a clássica separação entre
história da literatura e estética, Jauss entende a permanência de uma obra
através do tempo em função da atuação do público sobre essa obra e não em
função dela mesma, por valores eternos e imutáveis contidos na obra. A estética
da recepção, assim colocada, concebe o texto como objeto histórico, sem deixar,
ele mesmo, de ser um objeto estético.
4. Críticas e polêmicas
Pelo seu caráter original e provocativo, a estética da recepção não se viu
à margem de críticas e polêmicas. Estas vislumbram discutir questões, entre
outras, como o conceito de leitor, a noção de texto literário e a problemática da
objetivação do horizonte de expectativas. Dentre esses críticos citamos o nome
de Luiz Costa Lima, Susan Suleiman, Hans Ulrich Gumbrecht e Robert Holub. O
primeiro argumenta que lógica da pergunta e da resposta não supõe a
participação do leitor concreto já que, para ele, Jauss trabalha exclusivamente
com a noção de leitor ideal (Lima, 1979, p. 9-36). Robert Holub, por sua vez,
questiona a possibilidade de objetivação do horizonte de expectativas: “Apesar
dos seus esforços para se subtrair a um paradigma positivista-historicista, Jauss,
ao adotar a objetividade como um princípio metodológico parece cair nos
mesmos erros que critica” (apud Cascais, 1985, p. 83).
Embora se reconheça o caráter enriquecedor, que dinamiza qualquer
ciência, proporcionado pelo debate livre e crítico, concordamos com Regina
Zilberman (1989, p. 106), que observa nestas críticas o predomínio da
perspectiva histórica e/ou sociológica sobre a estética no contexto da
determinação da recepção. O foco na experiência estética, o prazer que tal
experiência proporciona e sua defesa apaixonada da arte em contradito as
estéticas da negatividade, reafirmam o debate sobre a historicidade da arte e
sobre a atenção voltada à recepção das obras. E mesmo alertando para uma
banalização15 do discurso da teoria recepcional, Maria Tereza Cruz (1986, p. 60)
lembra: “Não é, porém, em virtude deste tipo de banalização que nos parece
justificado desqualificar o contributo de grande parte dos autores explicitamente
ligados a uma estética orientada para a recepção. Nos seus diversos contributos,
tais autores parecem-nos ter, fundamentalmente, o mérito de promover, no seio
da crítica literária, um momento de profundo criticismo, que obriga a investigar os
fundamentos dos discursos dos últimos decênios e a remexer nos pressupostos
da velha tradição hermenêutica”. E a remexer também, diga-se, na monótona
dicotomia a que pareciam condenados os estudos literários: análises imanentes
versus análises sociológicas.
Por fim, vale citar a pertinência da afirmação de Paulo Filipe Monteiro
(1996, p. 135): “(...) mas foi Hans Robert Jauss quem reivindicou uma ‘mudança
de paradigma’, que viria substituir o modelo de cientificidade do estruturalismo,
sobretudo ao rejeitar as premissas de um universo lingüístico fechado, auto-
reflexivo, sem referente, a favor da integração da obra no espaço da
comunicação humana”. Enfim, talvez a estética da recepção esteja pagando pela
sua proteção ao princípio da interdisciplinaridade.
5. Teoria da recepção, história e interpretação de filmes
No campo cinematográfico as teorias da recepção têm recentemente
merecido destaque, após um longo período de ostracismo no qual o espectador
era visto apenas e tão somente como um mero dado empírico. O desdém pelo
campo receptivo esteve presente nos estudos ligados ao universo
cinematográfico que priorizavam, quase que exclusivamente, fatores externos a
ele. A imposição de um olhar de inspiração estruturalista enclausurara o trabalho
artístico e a abordagem de seus próprios campos que, na verdade, são campos
15 Banalização esta reconhecida pelo próprio Jauss (1994, p. 75-76) quando se refere ao fato de “o conceito horizonte de expectativa ter sido acolhido pelo uso comum da língua, chegando até a reportagem futebolística: o horizonte de expectativa dos torcedores era grande”. Tradução da entrevista de Jauss ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine, Agosto de 1987.
da experiência. No entanto, mesmo a experiência de se assistir a um filme só
pode efetivamente ser considerada levando-se em conta a relação interativa
entre espectador e obra, ou seja, com base no seu aspecto comunicativo-
receptivo.
Em Film theory: an introduction, Robert Stam (2000, p. 227-234) expõe
que a história do cinema não é apenas a história dos filmes e cineastas mas a
história dos vários significados que os públicos têm atribuído aos filmes.
Preocupado com o papel do espectador na teoria do cinema, Stam contextualiza
os anos 80 e 90 como o período do crescimento do interesse pelo receptor e
pela experiência fílmica. Um dado a salientar é que, segundo Stam, tal interesse
foi influenciado pelas chamadas teorias da recepção na literatura associadas ao
reader response theory de Stanley Fish e Norman Holland e especialmente à
recepção estética de Jauss e Iser, produzida na Escola de Konstanz. O papel de
agente ativo no processo comunicacional dado ao leitor pela estética da
recepção pode ser transferido ao espectador de cinema que preenche as
“lacunas” do texto fílmico, no qual ele é obrigado a compensar certas ausências
(a falta da 3ª dimensão, por exemplo). O espectador transformara-se num agente
ativo e crítico e, a um só tempo, formador do texto e por ele formado. Stam
(2000, p. 227-234) como teórico vinculado aos Estudos Culturais, observa que
neste período a espectatorialidade tornou-se também objeto de investigação em
relação ao gênero, sexualidade, classe, raça, nação etc. O espectador passou a
ser visto como possuidor de um olhar que é sempre relacional: “As posições
espectatoriais são multiformes, fissuradas, esquizofrênicas, desigualmente
desenvolvidas, descontínuas dos pontos de vista cultural, discursivo e político,
formando parte de um território mutante de diferenças e contradições que se
ramif icam”. A natureza histórica e socialmente condicionada da
espectatorialidade irá ser reconhecida nos estudos de recepção como algo
imprescindível para entender o processo cinematográfico.
O espectador, historicamente situado, molda e é moldado pela experiência
cinematográfica, num processo dialógico sem fim. O conhecimento e a
interpretação do processo cinematográfico deve, sem dúvida, levar em conta
este diálogo que reconhece a participação concreta e ativa do espectador de
filmes. O filme é o lugar onde interagem autor e receptor e, de modo algum um
lugar fechado em si mesmo. Pelo contrário, este ambiente é recheado de
fissuras, janelas, e é dada ao espectador, a tarefa de cobri-las de sentido: “Ao
ver um filme, o receptor identifica certas indicações que o incitam a executar
numerosas atividades de inferência, que vão desde a atividade obrigatória e
rapidíssima de perceber o movimento aparente, passando pelo processo mais
penetrável do ponto de vista cognitivo, de construir, digamos, vínculos entre as
cenas, até ao processo ainda mais aberto de atribuir significados abstratos ao
filme. Na maioria dos casos o espectador aplica estruturas de conhecimento às
indicações que reconhece dentro do filme” (Bordwell, 1991, p. 3).
No texto Hermeneutics, reception aesthetics and film interpretation, Noel
King (1998, p. 212-221) produz um inventário das recentes abordagens teóricas
sobre o problema da interpretação de filmes. Citando autores como Janet
Staiger, David Bordwell, Dudley Andrew e Barbara Klinger, King direciona a
discussão sobre a leitura interpretativa de obras artísticas para o campo do
cinema16.
A pesquisadora Janet Staiger (1992) demarca a diferença entre os
estudos de textos e os estudos de recepção. Os primeiros ou as “análises
textuais” explicam o objeto gerando interpretações a partir dele (vê-se
claramente a crítica de Staiger ao sentido imanente do texto). Estas análises
retiram o texto - e a recepção por conseqüência - da história, ou seja, removem o
16 É importante fazer referência aos trabalhos de: STAIGER, Janet. Interpreting films: studies in the historical reception of american cinema. Princeton: Princeton University Press, 1992. BORDWELL, David.; THOMPSON ; Kristin ; STAIGER, Janet. The classical Hollywood cinema: film style & mode of production to 1960. New York : Columbia University Press, 1985. BORDWELL, David. Making meaning: inference and rhetoric in the interpretation o cinema. USA : Harvard University Press, 1991. ANDREW, Dudley. Film in the aura of art. Princeton: Princeton University Press, 1984. KLINGER, Barbara. Melodrama and meaning: history, culture and the films of Douglas Sirk. Bloomington: Indiana University Press, 1994.
texto de seu contexto. Por seu lado, os estudos de recepção, procuram
compreender os atos de interpretação como tantos outros eventos situados
histórica e culturalmente. Estes estudos receptivos representam uma
compreensão histórica das atividades interpretativas mais do que uma
interpretação de texto. Staiger (1992) ao delinear um quadro da contemporânea
teoria da recepção, subdivide a área em três vertentes: a - teorias ativadas pelo
texto; b - teorias ativadas pelo leitor; e c - teorias ativadas pelo contexto. Staiger
em Interpreting films vai, enfim, debruçar-se sobre um grande número de filmes
a fim de provar como o processo interpretativo é conformado historicamente.
As investigações de Janet Staiger inserem-se temporalmente em fins dos
anos 80, quando se verifica uma ascensão das teorias que se debruçam não
apenas sobre os efeitos textuais, mas sobre o momento de recepção da obra
fílmica como lugar de convergência entre texto, espectador e contexto. Boa parte
destas teorias reflete o recente desenvolvimento da psicologia cognitiva, da
filosofia analítica, da fenomenologia e dos estudos culturais, correntes
conectadas ao pensamento anglo-americano na teoria do cinema.
É fato que os anos 60 e 70 foram eclipsados pelos estudos semióticos e
psicanalíticos, pouco interessados no cinema como uma realidade dinâmica. A
ortodoxia destes estudos encobria o interesse mais analítico pelas investigações
históricas, como assinalou Francesco Casetti (1994, p. 319-334) em Teorias do
cinema. Com efeito, as histórias tradicionais do cinema possuíam graves
limitações e conforme Casetti (1994, p. 319): “Uma delas foi ter centrado sua
atenção no filme, quando o cinema é uma maquinaria muito mais complexa, em
que intervém fatores tecnológicos, econômicos e sociais, que não se resume a
cada uma das obras que produz”.
Será somente a partir dos anos 80 que as investigações tomam um rumo
que leva a abandonar a dimensão de mero arquivo dos textos fílmicos para
abordar a via da reconstrução conectada à interpretação desses textos. Neste
período, a parceria David Bordwell, Janet Staiger e Kristin Thompson propõe o
que Casetti (1994, p. 335) denomina de uma “estilística histórica”: o apurado
estudo sobre o cinema clássico americano de 1917 a 1960 centrado no
paralelismo entre os sistemas estilísticos e os modos de produção.
David Bordwell, já no início dos anos 90, assume o referencial conceitual
da filosofia analítica e da psicologia cognitiva e contesta alguns dogmas do
pensamento pós-estruturalista17 aplicado ao cinema. Para Fernão Ramos (1998,
p. 33-56), Bordwell (especialmente no texto Contemporary film studies and the
vicissitudes of grand theory) critica aquilo a que chama de “grande teoria” numa
clara remissão ao horizonte pós-estruturalista do cinema. Ou seja, Bordwell
contesta uma espécie de necessidade de uma “grande teoria” que tudo
explicasse e justificasse e que parece ter sido a estrela guia da teoria do cinema
nas últimas décadas. Estes grandes conceitos abstratos – como o de autor,
sutura, dispositivo, identificação, etc – teriam pouca concretude e pecariam por
sua generalização desnecessária. Avesso ao receituário pós-estruturalista,
Bordwell defende um rigor no conceitual analítico que sirva para enquadrar o
cinema em sua história e no relacionamento com o espectador, partindo da
particularidade do filme.
Neste caminho, Bordwell (1991) aponta para o fenômeno das
interpretações excessivas. Mais precisamente no campo da crítica
cinematográfica, Bordwell - ao qual nos reportaremos com mais atenção em
nossa discussão sobre a retórica da crítica - chega a ironicamente chamar de
Interpretação S.A. ao que se transformou os estudos acadêmicos sobre análises
de filmes a partir de finais dos anos 70. A aplicação mecânica de modelos
teóricos como a psicanálise ou a semiótica a análises de películas teria criado
17 O pós-estruturalismo no cinema teve suas origens ligadas especialmente na França, nos anos 60/70, às obras de filósofos como Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Michel Foucault, Felix Guattari e Jean Baudrillard, entre outros. Fernão Ramos (1998, p. 33-56) diz que a maneira quase barroca de desenvolver as proposições dos pós-estruturalistas franceses entrava em choque com as análises precisas e objetivas da filosofia analítica, desenvolvidas sobretudo nos países de língua inglesa.
uma indústria de interpretação nos ensaios acadêmicos. Conforme Bordwell
(1991), esses intérpretes esqueceram-se de algo precioso: “nos filmes, os
significados não são encontrados, mas, construídos”. Uma alternativa à “crítica
como interpretação” seria, para Bordwell, a construção de uma poética histórica
do cinema ou uma análise de “como, em determinadas circunstâncias, os filmes
são feitos, desempenham funções específicas e alcançam efeitos concretos”.
Bordwell se ressente das análises textuais por as considerar a-históricas uma
vez que estas não levam em conta nem a produção nem a recepção da
experiência cinematográfica, além de promover uma vigorosa crítica à
“rotinização” da leitura sintomática dos filmes produzida por estas análises.
Reconhecendo ser Making meaning sua obra mais polêmica, Bordwell irá
suscitar algumas críticas sobretudo no que concerne à questão da interpretação.
Robert Stam (2003, p. 216-224) questionará uma certa polarização estabelecida
por Bordwell, entre as suas idéias de poética histórica e a de interpretação, que
para Bordwell estariam integradas à atribuição de sentidos implícitos e
sintomáticos por grupos interpretativos ligados ao que chama de teoria SLAB
(Saussure, Lacan, Althusser, Barthes). Stam (2003, p. 219) dirá que “o oposto da
poética histórica não é a interpretação, mas uma poética a-histórica. Não há
razão porque a interpretação não possa ser historicizada”. Polêmicas à parte,
não acreditamos que Bordwell “repudia” a interpretação ou mesmo anuncia a
sua morte. Pelo contrário, Bordwell alerta para o caráter contextual da
interpretação ao propor uma investigação da crítica de cinema e do estilo
cinematográfico em um contexto que nunca poderia ser a-histórico. Por outro
lado, Stam tem razão quando ressalta o caráter histórico da interpretação. O
conjunto das interpretações ao longo do tempo forma aquilo que Jauss sempre
defendeu (a partir do conceito de hermenêutica de Gadamer) na concepção de
uma estética da recepção: a tradição. Estes modelos de análises textuais que
tanto incomodaram Bordwell estão situados historicamente e, portanto, estas
análises também são transmitidas e se conformam pela tradição. Isto não quer
dizer que estas análises fílmicas textuais não possam ser criticadas por não
levarem em conta as condições de produção e recepção do filme e por seu
excesso de relativismo e sintomatologia.
Em seu empreendimento a favor de uma poética histórica do cinema,
Bordwell contará com aliados respeitados. Além das pesquisas de Staiger18,
contará com Tom Gunning, André Gaudreault, Kristin Thompson, Noel Carrol,
entre outros, que têm produzido trabalhos significativos na área da recepção
histórica dos filmes. O processo de reconstrução histórica dos atos de
compreensão dos filmes permite a adoção de um ato hermenêutico, mais do que
uma metodologia, um ângulo de enfoque heurístico, um modo de perguntar, que
foge das tradicionais e repetitivas interpretações de modelos textuais.
O historiador Tom Gunning (1995), por exemplo, tem se destacado por
suas investigações ligadas ao cinema das origens e suas formas de produção,
exibição e fruição. Define este primeiro cinema como “cinema de atrações” no
qual a idéia de uma platéia hipnotizada e paralisada pelo poder ilusionista da
imagem cai por terra. Ao reconstruir o horizonte de expectativas da sociedade
européia do final do século XIX, percebe que o espanto do espectador deriva
muito mais da surpresa com a capacidade técnica do aparelho de reprodução do
que numa crença ingênua, que confundisse imagem e realidade.
Já a prática interpretativa de Dudley Andrew une o formalismo com a
fenomenologia no encontro da tradição com o novo. Andrew vê a crítica de filmes
como um tipo de “conversação cultural” na qual se estabelece um diálogo com
seu tempo e diz: “como todas as interpretações, meus ensaios são uma
conversação dentro da cultura, não um argumento sobre cultura” (apud King,
1998, p. 212-221). Andrew vai explicar sua “hermenêutica cultural” ao afirmar
que uma história cultural do cinema deve buscar uma reconstrução indireta das
condições de representação que permitiram que os filmes fossem feitos,
18 Janet Staiger mais recentemente amplia a discussão sobre a recepção histórica dos filmes ao lançar: Perverse spectators: the practices of film reception. New York : New York University Press, 2000.
compreendidos ou mesmo, mal compreendidos19.
Por sua vez, Bárbara Klinger (1994), adotando a noção de “formação de
leitura” de Tony Bennett20, identifica os variados modos de recepção dos filmes
de Douglas Sirk em diferentes contextos históricos, culturais e institucionais, dos
anos 50 aos anos 90. Estes estudos históricos de caso de determinados filmes
evidenciam que sob diferentes circunstâncias, os filmes adquirem diferentes
identidades e funções culturais, ou seja, um filme sempre é “culturalmente
ativado”, para usar a expressão de Tony Bennett.
A construção de uma poética interpretativa para pensar o campo
cinematográfico e sua recepção histórica tem contribuído para amplificar as
discussões sobre o cinema como um fenômeno cultural e, sobretudo, para
valorizar o papel do contexto no processo comunicacional estabelecido entre
espectadores, leitores e obra.
Em diálogo com a estética da recepção de Jauss, estes autores
questionaram uma espécie de determinismo textual vigente nas interpretações
de filmes e propuseram uma abertura da teoria às influências do contexto sobre
a recepção de obras fílmicas.
19Vale também citar o excelente trabalho de Dudley Andrew: The mayor film theories, traduzido para o português em 1989, por Jorge Zahar Editor.
20 BENNETT, Tony. Texts, readers and reading formations. London : Literature and History, 1983, p. 214-227. O autor diz que o que a história do discurso mostra é a variação de significados que pode ser dada a um texto, dependendo das diferentes circunstâncias históricas. Bennett propõe uma interação entre o texto “culturalmente ativado” e o leitor “culturalmente ativado”. Um diálogo estruturado pela teia material, social e ideológica dentro da qual tantos textos quanto leitores estão inevitavelmente inscritos.
6. A crítica de cinema como recepção histórica dos filmes
Deixem as obras e os leitores falarem. É este o brado da estética da
recepção, que abriu caminhos para pensar a obra literária sob um olhar mais
atento a percepção estética e as circunstâncias históricas inatas às próprias
obras. Seus méritos fizeram renascer o debate acerca da experiência com a
obra de arte que ultrapassa os limites do campo literário. No campo
cinematográfico, as teorias recepcionais já têm, como vimos, uma recente
tradição que busca pensar historicamente leitores e espectadores, baseada no
reconhecimento da ação de uma instância contextual no processo de recepção
fílmica. É neste território interdisciplinar e dialético que propomos fertilizar nossa
pesquisa.
Nossa proposta é pensar a crítica de cinema como experiência histórica e
estética. Crítica de cinema é aqui compreendida enquanto gênero jornalístico,
veiculada nos espaços reservados a ela em revistas, jornais, semanários, que
constituem o corpus de nossa pesquisa. Mais precisamente a crítica aos filmes
brasileiros vistos em Portugal, notadamente em Lisboa, no período
compreendido entre os anos de 1960 e 1999. A recepção, no presente contexto,
carrega o sentido do alcance histórico e estético que as películas brasileiras
encontraram no período acima descrito. Não há dúvida que a atividade crítica
opera como um rico registro das modalidades de recepção no cinema.
Dois vetores perpassam a nossa proposta de reflexão. Por um lado,
pensamos estes escritos críticos como constitutivos da recepção histórica. O
crítico, ele próprio um espectador, é testemunho de uma época. Não um mero
leitor de seu tempo, diga-se, mas produtor de uma leitura mais acurada,
atenciosa de uma obra desde já tida como objeto de análise seu21. A crítica aqui
21 Para Barthes (1978, p. 72-75), o crítico não pode, de todo, substituir-se ao leitor uma vez que ele produz seu discurso mediado pela escrita: “a escrita declara e nisso se constitui como escrita”, diz Barthes, para quem esta seria a separação entre a leitura e a crítica. E conclui: “Passar da leitura à crítica é mudar de desejo, é deixar de desejar a obra para desejar a própria linguagem”.
será vista como um elemento do alcance histórico dos filmes e, desta forma,
refletiremos sobre como os filmes brasileiros foram recebidos em Portugal neste
período.
Por outro lado, naturalmente que a crítica de cinema é também vista como
um objeto estético, um produto simbólico e até mesmo como uma construção
poética que evoca efeitos em seus destinatários e enquanto tal, torna-se objeto
de investigação a ser explorado. O estudo dos princípios conceituais da retórica
(que abordaremos com mais atenção em outro ponto de nossa pesquisa) definirá
este pathos compreendido e sentido pelos leitores das críticas.
É importante deixar claro, desde já, que pensamos nestes dois
movimentos como não excludentes: pelo contrário, há complementaridade entre
eles. Os textos críticos por si só serão tomados como objetos estéticos e como
luz para entender o diálogo entre o presente e o passado da recepção de filmes
brasileiros em Portugal.
A propósito deste intercâmbio, Maria Tereza Cruz ressalta que a estética
da recepção é, ao mesmo tempo, uma “poética da recepção”, pois o crítico
revela-se, simultaneamente, como um apreciador estético (ou um pedagogo do
prazer estético nas palavras de Jacques Aumont), assumindo aí seu papel de
receptor da obra, e como produtor artístico, ao ser intérprete e reinventar a obra
e até mesmo, recriá-la poeticamente. A crítica é uma atividade que se impõe
como prosseguimento natural da atividade criadora. Com efeito, não podemos
separar produção de recepção nem desqualificar a partilha, o diálogo que se
estabelece entre esta duas atividades produtivas da experiência estética. Será
dada, por conseguinte, uma atenção especial aos métodos de pensamento e
escritura dos críticos portugueses, criando-se uma espécie de poética histórica
das críticas a fim de saber que mecanismos de contexto produzem as
contradições que definem estes discursos.
Importa, tal como acentuou a estética da recepção, o exame de
condicionantes históricos e estéticos que levaram a uma boa ou má acolhida da
obra inserida em seu horizonte de expectativas. Assim, propõe-se saber como o
cinema brasileiro foi avaliado ao longo de sua trajetória na sociedade
portuguesa: a focalização dos filmes sob o olhar do público/crítica e suas
implicações enquanto prática discursiva, também formadora de opinião.
Igualmente, pretende-se analisar como esta recepção crítica acabou por
construir uma imagem específica do cinema brasileiro e qual seria esta imagem
derivada da interpretação da crítica. Os críticos de cinema portugueses são
leitores historicamente determinados pelo painel social, político, cultural e
ideológico de sua época e, por isso, representantes de um ambiente
comunicacional, de um diálogo entre a obra e seu tempo.
Consideremos, portanto, que os pressupostos teórico-metodológicos da
estética da recepção, as recentes teorias da recepção histórica no cinema e a
diretriz conceitual da retórica, nos acolherão em nossa investigação aqui
pretendida. Desse modo, será analisada a recepção de filmes brasileiros através
das críticas publicadas. Esta contextualização histórica não deve ser uma mera
reconstrução do horizonte original, como observada na interpretação
hermenêutica de Gadamer, antes uma fusão daquele horizonte com o horizonte
atual. Representante de uma práxis histórico-social e ao mesmo tempo sendo
objeto desta práxis far-se-á uma análise desta crítica ou se quisermos, sem cair
numa redundância, uma hermenêutica da crítica, ou sendo mais prudente, uma
poética da interpretação: a escritura dessas críticas está inevitavelmente imersa
no contexto que as produziu.
Para além de uma hermenêutica religiosa, na qual a decifração do texto
sagrado se efetuava na submissão e no respeito, o nosso processo interpretativo
corresponde aos compromissos de Jauss e Gadamer, baseados no horizonte do
perguntar, na lógica da pergunta e da resposta como instrumento hermenêutico
mais eficaz na compreensão do sentido na história.
Fazer uma mediação da experiência receptiva contemporânea e passada
do cinema brasileiro visto em Portugal a fim de perceber como a crítica vê hoje
um cinema que já foi considerado nos anos 60 como “revolucionário” e
atualmente assume sem pudor seus ideais mercadológicos, é uma tarefa
exploratória que se pretende, bem como pensar esta fusão de horizontes entre
os textos críticos do passado e do presente como comparativo de atualização da
dinâmica histórica. É óbvio que a crítica de filmes assume dimensões diferentes
à medida que o tempo passa e é necessário encontrar as razões para isto sem
cair num reducionismo historicista, por demais banalizado, de causa e efeito. Se
o cinema brasileiro mudou de 1960 para cá, estas mudanças foram, de certo
modo, atualizadas pela cumplicidade da crítica com o cinema.
Em síntese, têm-se como premissas centrais e interdependentes de
análise: a investigação das referidas críticas relacionando-as ao contexto que as
materializou, ou seja, mapear seus horizontes de expectativas; buscar os
condicionantes objetivos colocados pelos críticos em suas “situações de
interpretação”, e finalmente, pensar sobre as estratégias (textuais e retóricas)
utilizadas para definir seus propósitos.
O movimento do vaivém de pergunta e resposta permite que o texto
crítico, sempre enriquecido com a fusão de horizontes, seja motivado por uma
interpretação mais abrangente, já que o sentido não está congelado na obra e
nem o crítico, enquanto leitor ativo, terá o papel outrora atribuído a ele de
desocultar este suposto sentido. Regina Zilberman lembra que, no exercício da
hermenêutica literária, a etapa da aplicação é indispensável sobretudo porque,
neste momento, o intérprete “verifica seu lugar na cadeia temporal” e possibilita
“ao crítico ou ao historiador examinar seus próprios pré-juízos, segundo um
permanente vaivém que delimita a ambição totalitária e abarcante da
interpretação” (1989, p. 69). Dessa forma, a tarefa hermenêutica faz com que o
crítico, ao questionar a obra, deixe-se também interrogar por ela. E isto possui
uma relevância significativa dada o uso que alguns críticos fazem de sua
autoridade com suas propostas de interpretações totalizantes, sobretudo no
cinema.
É importante salientar, neste contexto, que o sistema de proteção evocado
pela hermenêutica questiona a vulnerabilidade da crítica, assumindo aqui dois
papéis: a proteção contra os excessos do analista de filmes e de seus
conseqüentes juízos sobre eles e, ao mesmo tempo, contra os nossos próprios
equívocos, enquanto pesquisadores, portanto também intérpretes de textos que
se configuram como o nosso objeto de investigação.
É que, conforme adverte Jauss (1994, p. 24), antes mesmo de ser capaz
de compreender uma obra, o crítico tem sempre de novamente fazer-se, ele
próprio, leitor. Por outras palavras, ele deve estar apto a fundamentar seu juízo
levando em consideração seu posicionamento na série histórica dos leitores.
Com efeito, é igualmente significativo pensar o crítico de cinema como um leitor
que, ao refletir sobre os filmes, o atualiza na cadeia histórica receptiva da obra.
Se a estética da recepção busca reconhecer o leitor e sua capacidade produtiva,
na crítica, vê-se a representação concreta do papel ativo conferido ao leitor.
Esta discussão torna-se especialmente importante dado o caráter
formador da crítica. Se o texto crítico jornalístico que objetivamente analisaremos
em nossa pesquisa documenta a história dos efeitos do filme, não se pode
deixar de relevar também a sua inserção no mesmo horizonte de expectativas do
filme, tendo naturalmente uma parcela de responsabilidade por estes mesmo
efeitos, enquanto texto formador de opinião. Isto significa dizer que este caráter
pedagógico da crítica de cinema, bem como de toda crítica, implica numa
discussão indissociável sobre os processos interpretativos do filme.
Como preconiza a estética da recepção e do efeito, o leitor insere-se em
dois percursos que se cruzam: como figura histórica (e, portanto, concreta) e ao
mesmo tempo como leitor pertencente ao texto, implícito, nas palavras de Iser.
Esta tensão dialética acaba por enriquecer a pesquisa que se preocupa com
este sujeito histórico, aqui representada pelos críticos portugueses como
operadores da recepção do filme e concomitantemente com os efeitos que seus
textos pretendiam produzir numa determinada audiência. Esta audiência, por sua
vez, também ela é inscrita em um processo historicamente determinado e é
implícita, uma vez que existe virtualmente no interior do texto. Como ela jamais
pode desvencilhar-se de seu entorno social, poderá até subvertê-lo, mas não
negá-lo. Este sujeito-leitor partilha com o texto seus segredos e cede aos seus
“encantos”, às suas manobras, convicto de que faz parte de um jogo, apesar de
ser ao mesmo tempo persuadido por ele.
No que diz respeito a esta questão, trabalharemos com os sistemas
conceituais da retórica indispensáveis para analisar o poder de convencimento e
persuasão que estes escritos críticos exerceram sobre seus destinatários. O
nosso próximo enquadramento teórico, portanto, será baseado nisto.
Retórica, crítica e comunicação
( . . . ) a retór ica é um aperfeiçoamento (Fortbilgund) dos artifícios já presentes na linguagem. Não existe de maneira nenhuma a «naturalidade» não-retórica da linguagem à qual se pudesse apelar: a linguagem ela mesma é o resultado de artes puramente retóricas. A força (Kraft) que Aristóteles chama de retórica, que é a força de deslindar e de fazer valer, para cada coisa, o que é eficaz e impressiona, essa força é ao mesmo tempo a essência da linguagem: esta reporta-se tão pouco como a retórica ao verdadeiro, à essência das coisas; não quer instruir (belehren), mas transmitir a outrem (auf Andere ubertragem) uma emoção e uma apreensão subjetivas.
Nietzsche – Da Retórica
Pensar em retórica é pensar em processos comunicativos. Assim,
desejamos iniciar nossas reflexões abordando a rica relação entre retórica e
comunicação. Trata-se de uma relação constituída por um diálogo partilhado
entre um produtor e um receptor, ou seja, aquele que argumenta sempre, por
princípio, dirigi seu discurso a alguém. Conforme observa Phillipe Breton (2001,
p. 12), um traço peculiar ao argumento “é o fato de se desenvolver numa
situação de interrelação”, reconhecendo a evidente natureza comunicativa da
retórica. Este processo dialético entre representação e público, que é, de fato, a
retórica, interessa-se, pois, por situações de comunicação intrínsecas à vida em
sociedade, embora seja bom lembrar que o domínio do conhecimento desses
processos comunicacionais é o do verossímil e não o da verdade.
O nome de Chaim Perelman é, sem dúvida, uma referência no campo
conceitual da retórica. Este filósofo polonês inscreve seu famoso Tratado da
argumentação: a nova retórica sob uma perspectiva comunicacional seja quando
sublinha o fato de que é “em função de um auditório que qualquer argumentação
se desenvolve”, seja quando reconhece que “o objetivo de uma argumentação
não é deduzir as conseqüências de certas premissas, mas provocar e reforçar a
adesão de um auditório às teses que são apresentadas ao seu
assentimento” (Perelman, 1996, p. 6). Com efeito, a idéia de adesão aos
espíritos de Perelman ratifica as trocas circulares entre texto e leitor, em
desacordo a uma visão mecanicista dos processos comunicacionais.
Isto posto, convém neste momento ressaltar que a retórica tem ampliado
seus campos de estudos, deixando reflexões não apenas à deliberação política
ou judicial como também ao chamado campo midiático. E, apesar da Nova
Retórica de Perelman não se ocupar particularmente deste terreno, notadamente
no diz respeito às chamadas retóricas visuais, suas contribuições são
incontestáveis para o campo comunicacional, designando, ele próprio, a retórica
como “teoria da comunicação persuasiva”22.
1. Um breve painel histórico
Desde quando Córax, no século V a.C., apregoou que qualquer discurso
deve ser organizado se pretende ser convincente, a retórica passou a ser um
importante objeto de investigação das sociedades humanas. Como se sabe, a
retórica está originalmente ligada à Grécia antiga, onde Platão promoveu seu
ataque irredutível aos sofistas, considerando-os nocivos pelo relativismo e pela
manipulação de discursos. A crítica de Platão, e também de Sócrates, contra os
demagogos das palavras e os mentirosos teve conseqüências significativas,
quando deixou marcas indeléveis na conotação pejorativa que o termo retórica
carregou e carrega nos ombros até hoje. O filósofo grego aspirava a que a
retórica fosse utilizada como “um instrumento intelectual ao serviço da busca da
22 Perelman (1993, p. 173) procura reforçar seu empenho em reabilitar a retórica apontando o interesse despertado, hoje, por esta, em quase todos os campos que remetem ao discurso.
verdade e não simplesmente uma técnica para convencer os indivíduos de
opiniões que se formam à margem dela” (Breton, 2001, p. 30). Com efeito, a
suspeita de submissão da retórica à opinião (doxa), ao abrigo da idéia de seu
mau uso, desqualificou a retórica como teoria da argumentação. Por outro lado,
é importante sublinhar que Platão teria sido o primeiro a nos chamar atenção
para o tema da manipulação dos discursos persuasivos, tão presentes hoje,
sobretudo no que diz respeito aos meios de comunicação de massa e suas
implicações éticas.
Anos mais tarde, porém, Aristóteles (1998) dizia: “O uso da argumentação
não pode ser em princípio condenável, porque, neste caso, deveríamos também
condenar os filósofos que procuram, graças à argumentação, convencer-nos do
bem fundado dos seus ataques contra a retórica”.
Respondendo às críticas de seus predecessores, Aristóteles, por sua vez,
já no século IV a.C., fornecerá os fundamentos de uma teoria da argumentação,
isto é, será ele quem sistematizará os conceitos, dando nome às diversas
técnicas utilizadas e percebendo a argumentação como um conjunto de
estratégias que organizam o discurso persuasivo. Contestará as críticas morais e
filosóficas, ao fazer da retórica uma técnica em que a questão moral não pode
ser estabelecida, uma vez que se trata de um mecanismo que pode ser utilizado
a serviço do bem ou do mal: “tão útil pode ser o seu justo emprego, como nocivo
ou injusto” (Aristóteles, 1998, p. 43). Quanto ao tema da verdade, Aristóteles
argumenta que o domínio da retórica é o do verossímil, e não o da falsidade,
excluindo, dessa forma, a presunção de verdade proposta por seu antigo mestre,
Platão.
Sem dúvida que os conhecimentos sistematizados apresentados por
Aristóteles vieram a contribuir muito para a recuperação da retórica, já muitos
séculos depois, com ajuda de Perelman. Vale notar que alguns autores lembram
que a teoria da argumentação de Aristóteles pode ser considerada como um
esboço de uma primeira teoria da recepção23. Este, refira-se, é um dado
interessante uma vez que para o filósofo grego o auditório é sempre o “fim” de
qualquer discurso.
Amplamente vinculada ao contexto histórico que a constituiu, a retórica,
neste período fundador, ganha uma importância formidável no debate público,
tornando-se, enquanto teoria da argumentação, num organismo plural conectado
à cultura da época que coloca o discurso para convencer no cerne da vida
social. Não poderíamos deixar de ressaltar que a teoria retórica clássica
forneceu uma espécie de cânone da arquitetura de um discurso persuasivo cuja
legitimidade permanece inalterada até os dias atuais. As cinco categorias na
produção de um discurso argumentativo, Invenção, Disposição, Elocução,
Memorização e Ação, estão presentes em qualquer discurso que se proponha
persuasivo. Daremos a elas uma atenção especial mais adiante em nossa
investigação.
Tal cenário de prestígio, entretanto, modificou-se após a queda do
Império romano, quando a retórica foi progressivamente perdendo status e,
mesmo sobrevivendo como prática, não sendo considerada enquanto objeto de
estudo. Segundo Philippe Breton (2001, p. 45-46) as razões deste declínio
apontam em duas direções. Uma interna: “no seio da retórica, as duas fases que
são a disposição e a elocução irão assumir progressivamente um papel
crescente num domínio novo – a expressão literária”. E a outra externa: “a
argumentação irá ser substituída pela demonstração racional, nomeadamente a
partir de Descartes, privando a retórica de toda essa parte essencial que é a
teoria da invenção”. Em outras palavras, a dimensão argumentativa da retórica é
totalmente desprezada quando esta se reduz a um mero exercício acadêmico.
O pensamento ocidental dos últimos três séculos, amplamente dominado
23 Estamos nos referindo, por exemplo, a Phillipe Breton para quem, “Barthes via no livro I da Retórica de Aristóteles «o livro do emissor», no livro III «o livro da própria mensagem» e no livro II «o livro do receptor da mensagem» (2001, p. 36).
pela concepção cartesiana, trouxe problemas inevitáveis. Com o
desenvolvimento do pensamento racional mecanicista e a concretização da
perspectiva hegemônica da ciência, os estudos dos meios de prova para
conseguir a adesão do auditório foram desqualificados pelos lógicos e teóricos
do conhecimento.
Enquanto a retórica, durante este longo período, ficou relegada ao plano
da prática mundana feita de artifícios e ornamentos, o racionalismo cartesiano
começou a ser questionado pela filosofia que imprimiu uma espécie de
reabilitação da retórica em meados do século XX.
Duas obras, publicadas coincidentemente no mesmo ano (1958), irão
marcar o rompimento com a tradição cartesiano-positivista e, ao mesmo tempo,
assinalar a renovação do empenho teórico na retórica: The uses of Argument de
Stephen Toulmin e Traité de l’argumentation: la nouvelle rhétorique de Chaim
Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca. Dado seu caráter de relevância conceitual
para as teorias da argumentação, estas obras ainda hoje funcionam como
sistemas de referências utilizados em muitas análises de discursos
argumentativos.
A obra de Toulmin “inscreve-se numa oposição a um certo logicismo (de
Aristóteles a Carnap) e numa vontade de reforma da lógica com o intuito de a
tornar mais aplicável às situações cotidianas da discussão racional”, destaca
Breton (2001, p. 50). A argumentação é um ato social que abarca toda atividade
que diz respeito a elaborar proposições, apoiá-las ou fundamentá-las com
razões. Toulmin (2001) introduzirá a noção de campos do argumento, indicando
que alguns aspectos do argumento são invariáveis, apesar dos contextos em
que eles são criados, e outros aspectos podem variar de contexto para contexto
sendo, assim, dependentes de seu campo. Por outras palavras, cada campo de
argumentação (o da política ou o da arte, por exemplo) possui seus próprios
critérios para construir e compreender os argumentos.
Os campos de argumentação ou contextualização da argumentação são o
sistema referencial mais importante e original de Toulmin. Com efeito, o contexto
em que o argumento é empregado fornecerá a estrutura em que a identificação
dos componentes do argumento se torna clara.
Também é importante salientar que Toulmin (2001) opõe-se
declaradamente ao positivismo e à formalização da lógica: “A teoria da
argumentação de Toulmin tem sido influente no campo da pesquisa sobre
argumentação, na medida em que significa uma ruptura com o rígido sujeito da
lógica formal e oferece uma forma básica e flexível, quase geométrica, de
análise de argumentação”, observa Miltos Liakopoulos (2002, p. 222).
É certo que este breve relato sobre a teoria da argumentação de Toulmin
tem um caráter puramente introdutório, uma vez que o interesse de nossa
pesquisa assentará suas bases na obra de Chaim Perelman.
2. A Nova Retórica de Perelman
Chaim Perelman, fundador daquilo a que foi denominado de Escola de
Bruxelas24, dispara suas críticas contra o racionalismo de Descartes, esforçando-
se por valorizar o verossímil e as opiniões por comparação com o fato.
Retomando a tradição aristotélica, rompe com a lógica demonstrativa e a
evidência cartesiana, ampliando as asas de uma lógica argumentativa não
formal. Como observa Tito Cardoso e Cunha (1998), este reatamento da tradição
grega e, ao mesmo tempo, esta ruptura com a tradição da modernidade, “trazem
quase uma premonição do que será a crítica pós-moderna da razão”. Este é um
dado significativo, haja vista a proliferação, hoje, de paradigmas que reclamam
pela probabilidade ou plausibilidade em contradito ao velho estatuto de verdade
24 Escreve Rui Alexandre Grácio (1993, p. 14): “O traço maior da chamada “Escola de Bruxelas” reside, sem dúvida, na convergência do movimento crítico que, no pensamento dos seus três mais destacados representantes – Eugène Dupréel, Chaim Perelman e Michel Meyer -, encontramos relativamente ao racionalismo clássico”.
racional da modernidade.
Por outro lado, como acentua Michel Meyer: “Hoje, o fim das grandes
explicações monolíticas, das ideologias e, mais profundamente, da racionalidade
cartesiana estribada num tema livre, absoluto e instaurador da realidade, e
mesmo de todo real, assinala o fim de uma certa concepção do logos. Este já
não tem fundamento indiscutível, o que deixou o pensamento entregue a um
cepticismo moderno, conhecido pelo nome de niilismo. (...) e entre o «tudo é
permitido» e «a racionalidade lógica e a própria racionalidade», surgiu a Nova
Retórica e, de um modo geral, toda a obra de Perelman” (1996, p. XX).
Tendo como seu interlocutor polêmico Descartes, assim como Jauss teve
o seu em Adorno, o filósofo de Bruxelas questiona a posição positivista que, ao
limitar o papel da lógica, do método científico à resolução de problemas de fundo
meramente teórico, abandona a solução dos problemas humanos à emoção. Um
juízo de valor será sempre um tema por demais controvertido, fora, portanto, da
lógica cartesiana de demonstração empírica dos fatos. A conseqüência deste
tipo de inferência é a desqualificação do método que regula os raciocínios
persuasivos que Perelman buscava defender.
É bom lembrar que esta atitude de questionamento à lógica formal não
retira a retórica uma racionalidade argumentativa, antes pode ser visto como
uma nova forma de conceber a razão. Mais uma vez as palavras de Michel
Meyer (1996, p. XX) vêm em nosso auxílio: “A retórica é esse espaço de razão,
onde a renúncia ao fundamento, tal como o concebeu a tradição, não se
identificará forçosamente a desrazão”.
É a esta “racionalidade argumentativa” promovida pela Nova Retórica de
Perelman que Rui Alexandre Grácio dedica sua obra com o mesmo nome. O
autor esclarece que Perelman propõe a “tematização de uma nova racionalidade
intrinsecamente pluralista” (1993, p. 14). Para Grácio, o privilégio dado ao
raciocínio prático - aquele que envolve valores e que não se pode dissociar de
seus efeitos - guiará o filósofo de Bruxelas à construção de uma teoria da
argumentação. O tema da procura de uma “lógica dos juízos de valor” preenche
as indagações de Perelman e revela-se interessante na medida em que este põe
em evidência as contingências históricas para identificar quais critérios seriam
válidos num determinado contexto. É a lógica do preferível em detrimento da
lógica do verdadeiro. É esta a lógica da retórica.
A atividade racional, portanto, não pertence exclusivamente ao campo
lógica formal, antes está também ligada à arte da persuasão, às técnicas
discursivas que visam obter a adesão de um auditório, à própria experiência do
auditório com o discurso produtor. Aliás, essas duas noções, auditório e adesão,
fundamentais na obra de Perelman, permitem, como já nos referimos,
caracterizar a argumentação pelo seu contexto comunicacional.
Reconhecendo, preventivamente, as dificuldades em definir o auditório a
partir de critérios puramente materiais, Perelman (1996, p. 22) aborda-o como “o
conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação”. Assim,
a relação dialógica orador/auditório é fundamental em todo e qualquer discurso
argumentativo. É bom salientar que Perelman dedica sua Nova Retórica ao
discurso argumentativo, exclusivamente escrito ou falado, daí o autor optar por
uma identificação entre retórica e argumentação.25
Segundo Tito Cardoso e Cunha (1998), há algo de problemático na
concepção de auditório de Perelman. Este problema diz respeito aos variados
tipos de auditórios existentes assim como as suas crenças e perfis. Perelman,
para Cardoso e Cunha, não consegue definir nem delimitar suficientemente
essas variações de auditório, nem quando procura fazer uma distinção entre
25 Segundo Rui Grácio (1993, p. 11) esta estratégia de identificação entre os dois termos de Perelman é aceitável em termos. Para o autor seria necessário uma distinção entre retórica e argumentação, baseado no seguinte critério: “identificar o termo argumentação com o termo retórica sempre que se trate de discurso, escrito ou falado. Desta forma, sempre que se escreve ou fala, também se argumenta e se faz retórica. Distinguir argumentação e retórica quando a acção comunicativa exercida sobre nós não depende exclusivamente do discurso: desta forma, há uma retórica das imagens, (...) uma retórica da moda, etc”. Nós, neste presente estudo, concordamos com Perelman e utilizamos os dois termos como partilhados.
“persuadir” e “convencer”, segundo a qual a persuasão se destina a um auditório
particular e o convencimento se dirige a um auditório universal. Cardoso e
Cunha (1998) ainda questiona se há alguma “técnica discursiva retórico-
argumentativa válida em todas as circunstâncias e independentemente da
variação dos auditórios”.
Sem dúvida que o conceito de auditório universal é a questão mais cara a
Perelman. Trata-se de uma idéia com pretensões totalizantes que mesmo
situando-a a um grau exclusivamente filosófico com intenções a universalidade,
não parece estar bem definida. Sobretudo quando Perelman estabelece uma
distinção entre os chamados auditórios individual e íntimo, ou seja, quando se
argumenta perante um único ouvinte ou até o caso particular quando uma
pessoa delibera consigo própria.
Por outro lado, e não podemos deixar de o reconhecer, a tese do auditório
seja como produtor de opinião seja como seu destinatário, guiará a retórica
perelminiana ao reconhecimento do papel da comunicação na produção dos
conhecimentos e da opinião. Este auditório é, para quem argumenta, “uma
construção mais ou menos sistematizada” (Perelman, 1996, p. 22). Com efeito,
uma condição prévia de qualquer argumentação eficiente é ter conhecimento, ou
mesmo traçar um perfil, daquele que se pretende seduzir, a fim de evitar uma
imagem inadequada desse mesmo auditório, isto é, “toda a argumentação tem
que ser construída a partir do que se definiu ser o seu destinatário, quer dizer, o
seu auditório” (Cunha, 1998).
Ora, esta discussão26 está diretamente ligada a certas problemáticas das
teorias da recepção, inclusive à própria estética da recepção e do efeito de
Jauss e Iser. Para Iser, o construtor do texto deve prever a recepção de sua
mensagem e integrá-la na própria concepção da mensagem, como já foi
abordado na nossa reflexão sobre a estética da recepção. Perelman, por sua
26 Discussão, cumpre ressaltar, que vem desde Aristóteles, quando este defende que só se argumenta a partir de opiniões pré-estabelecidas.
vez, também refletirá sobre a recepção do argumento ao afirmar, por exemplo,
que “a cultura própria de cada auditório transparece nos discursos que lhes são
destinados, de tal maneira que é, em larga medida, desses próprios discursos
que nos sentimos autorizados a extrair algumas informações acerca das
civilizações passadas” e sobretudo quando diz que “(...) é o movimento do
discurso, a adesão do ouvinte à forma de argumentação que ela favorece que
determinarão o gênero de discurso com o qual se lida” (apud Breton, 2001, p.
55).
O movimento de partilha entre orador e auditório ou entre texto e leitor é
produto de uma ação comunicativa, como ratifica Perelman (1993, p. 29): “Como
o fim de uma argumentação não é deduzir conseqüências de certas premissas,
mas provocar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que se
apresentam ao seu assentimento, ela não se desenvolve nunca no vazio.
Pressupõe, com efeito, um contato de espíritos entre o orador e o seu auditório:
é preciso que um discurso seja escutado, que um livro seja lido, pois, sem isso, a
sua ação seria nula”. Este contato de espíritos implicitamente pressupõe uma
troca estética, presente na experiência entre texto e leitor.
A idéia de auditório em Perelman está intimamente associada à idéia de
adesão e à de acordo, estes obtidos por intermédio da argumentação. Como se
sabe, toda argumentação visa obter a adesão dos espíritos; contudo, esta
adesão pode ser de uma intensidade variável, isto é, este assentimento pode ser
susceptível de uma maior ou menor intensidade e aí, é importante ressaltar, que
os argumentos e as técnicas utilizadas funcionam, no discurso argumentativo,
como meios de prova. Neste tema, Perelman claramente retoma a velha tradição
aristotélica das “provas retóricas”.
A argumentação age sobre um auditório com o objetivo de modificar suas
convicções ou disposições por meio de um discurso que visa seduzir o público
ao invés de impor a sua vontade pela violência. É um procedimento, uma rotina
discursiva legítima, claramente vista em textos persuasivos que intentam manter
contato com o público. E não podemos esquecer que a finalidade da
argumentação não é provar verdades como a lógica da demonstração, antes,
argumentar é preparar, expor uma tese ou uma opinião de uma determinada
forma. Nesse sentido, há a livre escolha do auditório em aderir ou não à
argumentação, ou, como afirma Rui Grácio, em relação à racionalidade
argumentativa perelmeniana: “vista a esta luz, a razão torna-se uma instância
histórica e dialógica reguladora das nossas crenças e convicções e da liberdade
que relativamente a elas possuímos” (1993, p. 8).
A renúncia à violência imposta pela argumentação assenta suas bases na
idéia de acordo. Este acordo entre o orador e o auditório baseia-se em
premissas, teses concedidas e admitidas mutuamente: “(...) do princípio ao fim, a
análise da argumentação versa sobre o que é presumidamente admitido pelos
ouvintes” (Perelman, 1996, p. 73). Todavia, a escolha e elaboração dessas
premissas dificilmente são isentas de valor argumentativo, o que já se configura
como um primeiro passo de uma ação persuasiva. Sendo os objetos do acordo
que podem servir de premissas em número quase incalculável, o filósofo belga,
com sua peculiar taxionomia, agrupa-os em duas categorias: “uma relativa ao
real que compreende os fatos, as verdades e as presunções e a outra relativa ao
preferível, que conteria os valores, as hierarquias e os lugares do
preferível” (Perelman, 1996, p. 74).
A primeira categoria diz respeito ao não-controverso, a sistemas
complexos que são dados e aceites por uma comunidade grande de espíritos, ou
seja, por uma pretensão de validade para o que Perelman chamou de auditório
universal. Se, como afirma Tito Cardoso e Cunha (1998) “não há qualquer
espécie de acordo sobre o que seja o “real”, dificilmente qualquer troca
argumentativa se torna possível de acontecer”. Portanto, por princípio, essas
premissas devem estar acordadas para que haja comunicação entre orador e
seu público-interlocutor.
A segunda categoria abarca as escolhas, não vinculadas a realidades
preexistentes, mas a um ponto de vista específico que seria identificado com o
de um auditório particular. O acordo sobre o “preferível” remete aos valores, a
uma atitude que temos perante as coisas, instituições, mundo.
O Tratado da argumentação de Perelman desenvolve-se ao redor das
“técnicas argumentativas”, as quais têm um papel fundamental na eficiência de
um discurso persuasivo. Estas “técnicas” funcionam com base em dois vetores:
por um lado o eixo do discurso, particularmente das estruturas argumentativas
utilizadas e, por outro lado, o do efeito desse discurso no destinatário.
Existem os argumentos de ligação que consistem basicamente em elos
entre as teses que se procuram promover e as teses já admitidas e podem ser
agrupados em três classes: os argumentos quase-lógicos, os argumentos
baseados na estrutura do real e os argumentos que fundam a estrutura do real.
Há também os argumentos de dissociação ou “técnicas de ruptura com o
objetivo de dissociar, de separar, de desunir elementos considerados um todo”,
como afirma Perelman (1996, p. 215).
Os argumentos quase-lógicos, em consonância com a tradição Aristotélica
do entimema, são aqueles cuja estrutura remete aos argumentos da lógica
demonstrativa, embora esta remissão não tenha valor conclusivo já que é
impossível extrair a ambigüidade da linguagem nem remover do argumento a
possibilidade de múltiplas interpretações. Por outro lado, os argumentos quase-
lógicos buscam sua força persuasiva nos princípios lógicos que servem de
suporte para esta mesma eficiência persuasiva.
Antes de qualquer coisa, convém salientar que o significado do “real” para
Perelman não é, naturalmente, o do sentido ontológico do termo, e sim o de uma
representação da realidade, ou proposições acerca dela. Assim, os argumentos
baseados na estrutura do real envolvem uma solidariedade, um laço entre os
diversos elementos do real que irá servir de base à argumentação. Como
assinala Philippe Breton (2001, p. 61): “o seu emprego consiste, pois, em
evidenciar uma ligação entre a causa que se pretende defender e um elemento
já aceite pelo auditório”. Estes argumentos subdividem-se em dois grupos: os
que se amparam numa ligação de sucessão, como a relação de causa e
conseqüência, e os que se apóiam numa ligação de coexistência, ou seja, “entre
uma essência e as suas manifestações” (Cunha, 1998), como por exemplo, o
argumento de autoridade, bastante utilizado em discursos persuasivos nos quais
uma opinião passa a ser valorizada porque uma autoridade, reconhecida como
tal pela audiência, a apóia.
Já os argumentos que fundamentam a estrutura do real são aqueles que
generalizam o que é tido como um caso particular ou transferem para um outro
domínio o que é admitido num domínio privado: quando, por exemplo, se propõe,
num discurso argumentativo, um elo entre elementos do real, aparentemente
desconectados, cabendo ao orador correr o risco de promover uma ligação
pertinente entre eles. Com efeito, Perelman apresentará dois tipos de ligações
que fundamentam a estrutura do real. O apelo ao caso particular – o exemplo, a
ilustração, o modelo – e o raciocínio por analogia – analogia e metáfora.
Em suma, as técnicas de dissociação têm o efeito de modificar um
sistema já estabelecido como unidade. No processo argumentativo é preciso
quebrar esta unidade e pôr em relevo as noções distintas que ela encobre. A
dissociação resulta da depreciação do que era até então um valor aceito e a sua
substituição por outro que esteja em conformidade com o valor original. Tal como
disse Perelman (1996, p. 217), os argumentos de dissociação “(...) visam menos
utilizar a linguagem aceita do que proceder a uma nova modelagem”.
Nos esquemas argumentativos que procuramos, superficialmente,
discernir devem ser sublinhados três aspectos tão importantes quanto
referenciais na obra de Perelman. O primeiro diz respeito à atuação destes
procedimentos argumentativos que não devem ser vistos como isolados uns dos
outros. Certos argumentos podem pertencer a vários esquemas sem que haja
uma relação de exclusão entre eles. Além disso, os argumentos devem ser
sempre contextualizados, inseridos na realidade histórica que os cerca.
O segundo aspecto remete à utilização dessas “técnicas argumentativas”.
Perelman, em sua obra, não buscou fazer um “manual” orientado para aqueles
que procuravam instruções mecânicas sobre “como construir um discurso
argumentativo de sucesso”. Antes, propôs discutir sobre os recursos discursivos
para obter o assentimento do auditório e, sobretudo, pensar a argumentação
como um campo de debates sobre a questão da formação das idéias e sua
circulação.
Por fim, o terceiro aspecto trata da recepção desses argumentos.
Perelman chama a atenção de que este modelo, tal como outros nas ciências
sociais, implicam riscos de interpretações truncadas, especialmente no discurso
oral, já que os textos persuasivos escritos, em geral, têm a vantagem de
apresentar os argumentos de forma mais simplificada ou estilizada sendo,
portanto, mais fácil o reconhecimento desses procedimentos retóricos. Por outro
lado, e dialeticamente, é valorizando estes procedimentos retóricos
argumentativos que se conseguirá perceber os efeitos práticos da
argumentação.
A Retórica da crítica de cinema
Parece-nos claro que a crítica de cinema possui uma função retórica.
Como gênero discursivo jornalístico, a crítica comum de cinema veiculada em
jornais, semanários e revistas dispõem de estratégias argumentativas a fim de
validar suas premissas e conseguir o apoio dos leitores. Como afirma Perelman
(1993, p. 172): “Desde que uma comunicação tenda a influenciar uma ou várias
pessoas, a orientar os seus pensamentos, a excitar ou apaziguar as emoções, a
dirigir uma ação, ela é do domínio da retórica”. O discurso da crítica de cinema é
também um discurso sobre valores e, como tal, “obriga a uma argumentação
fundamentada e persuasiva, fundamentada para ser persuasiva, e justificada do
valor, nomeadamente estético, da obra fílmica” (Cunha, 1996, p. 189).
Grande parte da crítica de cinema hoje responde a um tipo de jornalismo
massivo, com limitações de espaço cada vez maior e falta de tempo para a
análise mais atenta das películas. Este tipo de texto mais acelerado, portanto, já
faz parte do discurso retórico dos críticos atuais que sofrem com a intolerância à
exegese, fomentada pelos editores de jornais e revistas de grande circulação.
Alinhados a convenções ditadas pela própria instituição que os consagra,
esses escritos críticos obedecem a regras e convenções retóricas próprias de
qualquer discurso persuasivo. Com efeito, reclamar um pathos para evocar um
discurso emocionado sobre um filme faz parte desta rede comunicativa entre
críticos e leitores.
O discurso da crítica de filmes, enfim, remete a um tipo de comunicação
persuasiva, recheado de elementos prontos para provocar a aceitação “tanto
intelectual como emotiva”, nas palavras de Perelman, das audiências.
1. O significado do filme e a retórica dos críticos
O trabalho do teórico de cinema americano David Bordwell, Making
Meaning: inference and rhetoric in the interpretation of cinema, propõe uma
leitura atenta dos métodos de pensamento e escritura dos críticos de cinema.
Embora nesta obra o autor focalize suas análises para as críticas produzidas em
formatos acadêmicos, o chamado film criticism, Bordwell não deixa de revelar a
importância das convenções retóricas utilizadas pelos críticos de cinema
também em resenhas jornalísticas. A crítica de cinema, para Bordwell (1991) é
uma prática discursiva cognitiva e retórica que se molda pelas instituições que a
albergam, seja ela um ensaio acadêmico ou um resenha de jornal. Hoje, ela
estaria mais longe do ideal de interpretação tornando-se uma atividade
essencialmente rotineira, sem invenção ou criatividade.
Importante pelo apuro metodológico, pouco usual neste campo de
debates, a obra de Bordwell pode ser considerada como uma das pioneiras na
discussão sobre os métodos de interpretação da crítica de filmes. Chamar a
atenção para a análise desta prática discursiva já é um mérito, mesmo correndo-
se o risco de ser mal interpretado pelos seus pares que, por vezes, não vêm com
bons olhos a crítica da prática crítica.
Bordwell (1991, p. 34-40) está preocupado em analisar a lógica da
justificação do discurso da crítica cinematográfica. Um crítico, diferente de um
leitor comum, baseia-se em convenções estipuladas por instituições
interpretativas (como o jornal, por exemplo) e emprega habilidades na resolução
de problemas para chegar a uma interpretação do filme. Para o crítico, não é
suficiente construir os significados no filme mas também justificar a escolha
deles através de um discurso argumentativo público.
Assumindo seu diálogo com a retórica clássica de Aristóteles, Bordwell
(1991) define a retórica crítica como um mecanismo argumentativo de atração
para as audiências. Surpreende o fato de Bordwell não utilizar referências da
Nova Retórica de Perelman, já que este, entre outras contribuições, atualiza a
discussão aristotélica, sobretudo quando retoma a relação de convivência entre
a dialética e a retórica ou entre o raciocínio dialético e o raciocínio
argumentativo27. Pode-se argumentar que talvez, não estivesse no horizonte de
Bordwell uma discussão mais aprofundada sobre a retórica em si. Contudo,
tratando-se a crítica cinematográfica como um discurso que tem na função
retórica uma de suas principais funções, a obra de Perelman revela uma
contribuição que não se deve desconsiderar.
Aristóteles pensava na retórica como uma arte, arte sobre a capacidade
da linguagem para persuadir um auditório. Segundo António Lopes Eire (2001),
para quem Aristóteles é um filósofo “platônico-empírico”, três componentes
fazem parte do ideal retórico do filósofo: “o dialético, para argumentar com a
verdade, o psicológico-ético-político, para controlar a ação persuasiva que se
leva a cabo desde a alma do orador até a alma do ouvinte e, por último, os
componentes estilístico, estético-organizativo do discurso que o fará orgânico,
bem formado e perfeitamente organizado”. Digamos que estes três componentes
estão em permanente interface na prática persuasiva da crítica de cinema,
gênero de discurso que se ocupa da argumentação para exercer uma ação
persuasiva de forma organizada e agradável para os leitores.
Conforme a retórica clássica de Aristóteles (1998), são três os tipos de
“provas retóricas” utilizadas pelo discurso argumentativo: as provas éticas (o
ethos), fundamentadas na credibilidade ou caráter do autor, orador; as provas
27 Perelman (1993, p. 24) assume que sua Nova Retórica prolonga e amplifica a obra de Aristóteles, que nos Tópicos opunha retórica e dialética. Ao dizer que uma nova retórica (ou uma nova dialética) trata dos discursos dirigidos a todas as espécies de auditórios, Perelman não faz a distinção entre argumentos dirigidos a um único interlocutor (dialética) e aqueles direcionados a vários interlocutores (retórica), como considerava Aristóteles. Entretanto, foi a distinção entre raciocínios dialéticos (que incidem sobre a opinião, doxa) e raciocínios analíticos (que incidem sobre a verdade) que Perelman herdou de Aristóteles.
patéticas (o pathos), baseadas no apelo às emoções, paixões do auditório; e as
provas lógicas (o logos) que consistem no exame de como os argumentos
lógicos funcionam para nos convencer de sua validade.
Distinguia-se, então, uma estrutura composta por cinco cânones clássicos
que são “ao mesmo tempo, categorias prescritivas (como construir
concretamente um discurso e como o expor) e categorias de análise (como
funciona semelhante discurso)” (Breton, 2001, p. 43). São eles, a invenção que
está relacionada à origem dos argumentos ou como os oradores inventam
argumentos em relação a determinados objetivos; a disposição ou como dispor e
qual a melhor ordem dos argumentos num discurso; a elocução ou como se
apresenta o orador e como este tem em conta o auditório. Aqui, o estilo deve ser
considerado como algo intrínseco ao discurso, como uma dimensão complexa
entre forma e conteúdo. A memorização analisa o acesso que o orador possui ao
conteúdo de sua fala ou como ele mobiliza a sua memória e como se relaciona
com a memória do auditório e, por fim, a ação ou pronunciação investiga os
gêneros de discurso e os públicos destinados a eles ou o papel do contexto na
recepção dos argumentos. Dito de outro modo, para diferentes públicos,
diferentes discursos.
Não foi difícil, portanto, para Bordwell pensar nestes aspectos canônicos
da retórica a partir da retórica institucional dos críticos de cinema. Com efeito,
Bordwell revela como as categorias clássicas da retórica - inventio, dispositio e
elocutio - estão presentes no discurso institucional interpretativo dos críticos de
cinema e como é importante e necessária uma análise das interpretações para
observar as manobras argumentativas, organizativas e estilísticas características
da crítica cinematográfica.
As convenções das resenhas críticas de cinema são visíveis hoje no
jornalismo (sobretudo nos Estados Unidos) e constituem uma retórica
institucional. Como afirma Bordwell (1991, p. 35), “As resenhas de filmes são
parte dos meios de comunicação de massa e funcionam como uma ramificação
da publicidade da indústria cinematográfica: as críticas promovem o filme e
potencializam o costume de ir ao cinema. Como parte do jornalismo, a crítica de
cinema opera dentro da categoria discursiva da «notícia»; como ramificação da
publicidade, utiliza material dos discursos da indústria cinematográfica; como tipo
de crítica, baseia-se em certas formas conceituais e lingüísticas, especialmente
aquelas que implicam descrição e avaliação. E como retórica, utiliza as táticas e
estratégias tradicionais”.
A invenção trata de como os críticos elaboram os argumentos de
sustentação e inclui as provas clássicas baseadas no ethos que recorrem às
virtudes do crítico ou “os aspectos atrativos da atitude do crítico servirão como
garantia de seus juízos sobre o filme” (Bordwell, 1991, p. 35). Aqui o crítico pode
desempenhar um papel de conhecedor bem informado do filme, pode oferecer-
se ao leitor como um guia de consumo que fornece boas dicas sobre a película,
pode apresentar-se como um apaixonado por filmes clássicos, europeus,
alternativos, etc. O importante é a idéia de credibilidade passada ao leitor, pois
as apelações centradas no ethos criam o personagem do crítico, um partidário,
um juiz ou um analista que possui muitos atributos como o rigor, a justiça ou a
erudição.
As provas centradas no pathos são motivadas por um apelo as emoções
do público ou, como afirma Perelman (1996, p. 52), o discurso argumentativo
deve “excitar as paixões, emocionar seus ouvintes, de modo que se determine
uma adesão suficientemente intensa”. O crítico deve envolver o leitor pelo
discurso, destacar as qualidades ou defeitos do filme que, a seu juízo, devam
causar grande impacto junto ao público. Chamar a atenção para a excelente
interpretação de uma nova estrela, para o último filme de um grande astro, para
o valor do orçamento de uma película ou para a descrição arrebatadora de uma
seqüência e tantas outras estratégias conseguem produzir uma comunicação
efetiva com o público leitor. Como expõe Bordwell (1991, p. 36): “o crítico
apresentará suas descrições e julgamentos de modo que provoquem juízos
apaixonados, destacando as qualidades emotivas do filme ou demonstrando
drasticamente quão absurdo, pretensioso e tosco o filme é”.
Já as provas apoiadas no logos se dividem em exemplos e entimemas.
Os exemplos são argumentos indutivos que sustentam uma afirmação. O crítico
pode selecionar e descrever uma determinada seqüência do filme para servir de
exemplo ao que pretende demonstrar, como o bom ou mau desempenho de uma
atriz ou uma montagem bem feita. Bordwell afirma que, na crítica
cinematográfica, “este tipo de provas tende a não estar organizado como um
conjunto de conhecimentos coerentes; o gosto e a experiência do crítico guiam-
no de forma intuitiva para os exemplos apropriados” (1991, p. 37). O leitor de
uma crítica de cinema se deixa levar pela quantidade de detalhes e indicações
oferecidas pelos críticos que funcionam como dados purificados, algo para além
das palavras.
Não obstante, os exemplos não resultariam se não fossem sustentados
por crenças e idéias amplamente aceitas pelos leitores. Daí, os entimemas
serem argumentos dedutivos fundamentais neste tipo de discurso. Citando
Aristóteles nos Tópicos, Bordwell (1991, p. 37) observa que os entimemas são
também argumentos baseados em estereótipos em que muitas vezes o público
aceita sem questionar. De fato, é comum lermos em resenhas algumas máximas
como “filme hollywoodiano emburrece” ou “filme de arte é aquele que faz
pensar”, ou ainda “Glauber Rocha é indiscutivelmente o maior gênio do cinema
brasileiro” e coisas do tipo que os leitores incorporam já como crenças. Bordwell
(1991, p. 37) continua, afirmando que, na crítica cinematográfica, o entimema
modelo opera geralmente desta maneira:
“Um bom filme tem a propriedade p.
Este filme tem (ou carece de) propriedade p.
Este filme é bom (ou mau)”.
A questão é definir esta(s) propriedade(s). Isto quem estabelece é o crítico
numa espécie de pacto com o público: tem uma trama coerente ou um bom
roteiro, possui uma mensagem construtiva, usa a linguagem do cinema de forma
experimental, tem personagens interessantes, etc.
A atividade da crítica, portanto, utiliza manobras interpretativas
aparentemente lógicas, convertendo inferências em conclusões, modelos
heurísticos em premissas tácitas. No entanto, é necessário que o público admita
essas premissas como aceitáveis para o estabelecimento do acordo, como já
salientava Perelman.
Há também o bastante utilizado entimema de apelação à autoridade. A
apelação a nomes de escritores, diretores e teóricos respeitados é fundamental
para a coerência e a credibilidade do crítico que se torna, ele próprio, também
uma autoridade reconhecida pelos leitores. O crítico pode recorrer a
depoimentos de realizadores que funcionam muito bem como apoio retórico ou
prova de uma interpretação. Mesmo se o realizador já estiver morto, diz Bordwell
(1991, p. 209) “os críticos seguem celebrando sessões de espiritismo”.
Não obstante, como já nos referimos em relação ao que Perelman
chamou de argumentos quase-lógicos, o discurso da crítica é um discurso
retórico interpretativo e, portanto, fora do campo da “verdade”. Mais que tentar
impor uma visão única da realidade, o crítico propõe-se a convencer o público
amparado pela ambigüidade da linguagem.
A disposição do discurso crítico também é muito importante, uma vez que
este deve estar organizado de maneira atrativa para o leitor. Com efeito,
Bordwell (1991, p. 37-38) afirma que a crítica cinematográfica veiculada pelos
jornais compõe-se de quatro elementos básicos: “uma sinopse condensada,
destacando os momentos mais intensos, porém sem revelar o final do filme; um
corpo de informações sobre o filme (gênero, origem, diretor ou estrelas,
anedotas sobre a produção ou a recepção); uma série de argumentos
abreviados e um juízo a modo de resumo (bom/mau, boa tentativa/pretencioso
desastre, de uma a quatro estrelas, escala de um a dez) ou uma recomendação
(polegar para cima/polegar para baixo, veja/nem se aproxime)”. A ordem28 pode
variar mas, de um modo geral, abre-se o texto com um juízo rápido, depois uma
sinopse e uma série de argumentos sobre as interpretações, lógica da trama,
etc., conecta-se isto com as informações sobre o filme e, finalmente, faz-se uma
crítica reiterando seu juízo. Não é preciso ser um especialista no assunto para
rapidamente concordar com Bordwell quanto às limitações que este modelo
impõe, sobretudo porque, ratificando uma afirmação de Perelman (1993, p. 159),
“a ordem de apresentação dos argumentos modifica as condições de sua
aceitação”. Deste modo, a construção de um texto que fuja à linearidade da
narrativa ao adotar, por exemplo, um padrão de escrita desordenado, não linear,
pode evocar estranhamento ou até mesmo um corte na identificação do leitor
com o texto. O “lugar” e a força dos argumentos são extremamente importantes
e dependem da maneira como são recebidos.
Alguns poucos profissionais conseguem fugir desta rotina elaborando
textos que escapam ao padrão convencional descrito por Bordwell. Na maioria
das vezes, os que resistem a este modelo acabam por acentuar seu elocutio ou
estilo criando textos que marcam a sua personalidade e se destacam dos mais
comuns. Naturalmente, não queremos dizer que os outros escritos não tenham
estilo. Dizer tudo em poucas linhas ou produzir uma escrita telegráfica e ágil já
faz parte do modo estilístico do gênero cujo leitor se habituou a ler. Mas alguns
28 Segundo Perelman (1993, p. 161) três ordens dos argumentos foram preconizadas pela retórica clássica: “a ordem da força crescente, a ordem da força decrescente e a ordem nestoriana, em que se começa e acaba com os argumentos mais fortes, deixando os restantes no meio”.
críticos utilizam ironias, excessos de adjetivos, alguns são tempestuosos, outros
irascíveis, acentuando seu carimbo caligráfico reconhecível e, por vezes,
cultuado por diversos leitores. O estilo constitui um dos principais meios para o
crítico converter-se num personagem ou numa celebridade reconhecida pelos
leitores. Enfim, a crítica de cinema tem um discurso altamente estilizado
baseado em convenções que definem as fronteiras, tanto para a criação, como
para a recepção do discurso.
Em relação aos cânones da memorização e da ação Bordwell não se
manifesta, ausência justificada certamente pelo fato de esses cânones serem
mais adequados aos discursos orais. Poder-se-ia dizer que hoje a memória do
crítico assenta em seus imensos arquivos de filmes e publicações, disponíveis
especialmente na internet. A apresentação, pronunciação do discurso
argumentativo crítico, está inevitavelmente relacionada com diferentes contextos
e padrões de propagação. O texto das resenhas críticas de cinema de
publicação diária requer síntese, objetividade e atualização constante
condizentes com os padrões exigidos pela empresa jornalística que alberga este
discurso. Diferentemente, um texto crítico de formato ensaístico-acadêmico
solicita profundidade de análise e maior permanência temporal, obedecendo às
convenções de propagação das instituições acadêmicas.
Por fim, e em concordância com o que propunha Perelman, o argumento
retórico do crítico deve, sobretudo, se ajustar às preconcepções do público. O
crítico deve saber que tipo de comentário o leitor deseja e aceita e também que
grau de originalidade se requer de acordo com as circunstâncias institucionais
impostas. Pensamos que é a forma da comunicação (resenhas jornalísticas de
filmes) que determina os argumentos que devem ser utilizados.
Vale ressaltar, ademais, que o discurso argumentativo da crítica de
cinema vive, como outros discursos persuasivos, entre duas trilhas de
movimento: de um lado fornece instruções, manobras marcadas por uma
intencionalidade e por uma racionalidade e, por outro, de certo modo
dialeticamente, estes discursos não são fechados em si mesmos e levam a uma
polissemia, a uma não-intencionalidade, num jogo constante entre aquilo que
está materialmente inscrito e o que não está.
2. O Gênero discursivo da crítica cinematográfica
Aristóteles (1998, p. 56-58) distinguiu três tipos de discursos oratórios
para três tipos de ouvintes: o deliberativo, o judicial e o epidíctico. O primeiro
remete para a decisão política futura e tem como valores de apoio o que é útil ou
nocivo para os cidadãos; seu ouvinte será, assim, o juiz de uma ação futura. O
segundo está ligado à idéia mesma de julgamento, daquilo que é justo ou injusto
e seu auditório é um juiz de uma ação passada. Por fim, a natureza do discurso
epidíctico é o elogio ou a crítica, baseia-se em valores como o belo, a virtude e o
feio e seu ouvinte é um espectador de um discurso presente. Elogiar ou criticar,
julgar, deliberar para decidir: é este o espaço que Aristóteles crê pertinente para
a utilização da arte de convencer. Como sublinha Breton (2001, p. 35), este
espaço “não é pequeno e diz respeito a todo o espaço público”.
Parece-nos claro que a prática da crítica de cinema enquanto discurso
jornalístico aproxima-se mais daquilo a que Aristóteles chamou gênero
epidíctico. A atribuição de um juízo de valor é uma componente chave da
atividade crítica, embora o valor nem sempre esteja presente nesta atividade
discursiva. Entretanto, procuramos deixar claro em nossa investigação que
aquilo que tomamos como nosso objeto de estudo limita-se a críticas de filmes
brasileiros produzidas nos jornais, semanários e revistas especializadas.
Por outro lado, cabe, neste momento, relembrar a distinção feita por M.S.
Lourenço (1995, p. 171), o qual assinala que a palavra crítica, em português, é
utilizada tanto para designar recensão, o que na língua inglesa se chama review,
como para denotar a atividade que em inglês se chama literary criticism. A
primeira, segundo António M. Feijó29, é “tudo aquilo que surge ao gosto efêmero
do tempo” e a segunda “um corpo compósito e cumulativo de noções, conceitos,
que se transportam”. Ou seja, um film review pressupõe um texto rápido, pouco
denso e geralmente feito para publicações diárias ou semanais e o film criticism
já remete a um trabalho de pesquisa mais rigoroso, hoje, em sua maioria,
produzido dentro das universidades e em publicações especializadas.
Em A estética do filme, Michel Marie (1995, p. 9-13) classifica os escritos
sobre cinema sobretudo na França, em três categorias não “rigorosamente
estanques”. São elas: as publicações destinadas ao “grande público”, as obras
para cinéfilos e os escritos teóricos e estéticos. A primeira, difundida em larga
escala, é composta por revistas e livros que praticam uma espécie de colunismo
sobre a indústria do cinema e seus astros, cujo texto, representante de discurso
pouco analítico e de reforço aos mitos, apenas cumpre um papel de legenda
para as fotos. Nas publicações destinadas aos cinéfilos, quem reina é o diretor
de cinema. O discurso cinéfilo volta-se para o estudo dos grandes autores, dos
gêneros sob o ângulo da história das obras, geralmente a cargo dos críticos
especializados que produzem livros de entrevistas e revistas com textos
destinados à história do cinema. Por fim, os chamados escritos estéticos e
teóricos que se destinam a suprir as pesquisas sobre o fenômeno
cinematográfico enquanto linguagem. São ensaios, artigos e livros que propõem
a reflexão sobre a experiência fílmica e sobre a história das teorias
cinematográficas.
Importa salientar que, felizmente, Marie chama a atenção para a
flexibilidade desta tipologia, já que a ordem classificatória sempre implica
problemas. Uma revista como a Cahiers du Cinéma, por exemplo, estaria na
fronteira entre uma obra para cinéfilos e os escritos teóricos e estéticos, não
29 Em debate com M.S.Lourenço, “Mimese, a representação da realidade”, In A cultura da subtileza: aspectos da filosofia analítica, Lisboa, Gradiva, 1995, p. 171.
sendo possível uma demarcação tão rigorosa.
Por sua vez, vale a pena apresentar também a visão de David Bordwell
(1991, p. 19-20), que considera a crítica de filmes, assim como a crítica de artes
neste século, representada por três “macroinstituições”, a saber: o jornalismo, os
escritos ensaísticos e a crítica de formação acadêmica. A primeira das
instituições tem como formato de publicação os jornais diários, semanários,
revistas semanais, programas de rádio e televisão. A segunda é veiculada em
publicações mensais ou quadrimestrais mais especializadas e a última pode ser
vista em publicações acadêmicas variadas30. O autor observa que estas
“macroinstituições”, predominantes num ou noutro período, tiveram um papel
essencial para a formação do chamado film criticism e, tal como Michel Marie,
prefere falar em conjunto de princípios pragmáticos a regras rígidas e imutáveis.
Em Portugal, a crítica de cinema e suas instituições serão posteriormente
avaliadas (na Parte 2) levando em consideração as suas especificidades
sobretudo como instituição jornalística.
Alguns autores, como os franceses Jacques Aumont e Michel Marie
(1993a), assinalam a diferença entre o analista de filmes e o crítico de cinema. O
primeiro tem sua atividade ligada à precisão e ênfase dos aspectos formais, aos
elementos significantes da película. O analista tradicionalmente está vinculado à
metodologia da chamada análise textual que aposta na articulação entre a leitura
interpretativa e uma reflexão minuciosa dos elementos detectáveis no filme. O
crítico, por sua vez, vai se distinguir do analista, por expressar um juízo de valor
sobre a obra. O analista não tem nenhuma obrigação de criticar seu objeto de
estudo chegando a um julgamento, já para o crítico tal julgamento é constitutivo
30 Bordwell (1991) relata que estas macroinstituições possuem, cada uma delas, suas subinstituições características, ambas formais e informais. As instituições formais seriam as universidades, os institutos, as publicações de referência, galerias, museus, conferências e congressos (nos anos 40, a Columbia University, nos anos 60, o British Film Institute, os Cahiers du Cinema, a Screen, etc). As informais são chamadas de “universidades invisíveis” e formadas por redes de conhecidos, mentores e discípulos, enfim, grupos de participantes que compartilham uma mesma teoria ou método.
de sua atividade discursiva. Enfim, o crítico pode ser um analista, mas o analista
não pode ser um crítico. É este limite que define as funções de cada um.
Michel Marie, em entrevista a Fernão Ramos (2003), demarca esta
diferença: “A crítica de filme é em geral feita na imprensa diária, semanal ou
mensal, incidindo sobre filmes que estão sendo lançados. A análise fílmica não
sofre essa restrição, não incide sobre a lógica do mercado e da realização do
valor do filme em seu lançamento. A crítica deve fornecer ao espectador um
julgamento, que o incite a escolher, ou não, o filme para ver. Ela deve ser
bastante sintética. Em princípio, a análise não propõe julgamentos de valor. Ela
decompõe os elementos de significação, enriquecendo a leitura do filme, ao
fazer aparecer significados pouco evidentes”.
Historicamente esta diferenciação aparece no momento em que as
análises textuais recusavam o aporte valorativo da crítica de cinema tradicional
em favor de uma nova terminologia bebida na fonte da lingüística estrutural, da
narratologia, da psicanálise e sobretudo na diretriz conceitual de Christian Metz
de Linguagem e cinema em 1971. Robert Stam (2003, p. 212) esclarece que, ao
contrário da crítica jornalista, “os analistas citavam seus pressupostos teóricos e
intertextos críticos (muitas análises iniciavam-se com invocações quase-
ritualísticas de nomes como Metz, Barthes, Kristeva ou Heath)”.
Tal distinção, entretanto, não parece ser compartilhada por David Bordwell
(1991) ao colocar analistas e produtores de resenhas críticas sob a mesma
tutela, isto é, a de produção de discursos cognitivos e com justificações retóricas.
De acordo com Bordwell, não é tão relevante a aplicação do valor de julgamento
dado aos críticos como um fator de diferenciação das práticas discursivas.
Sobretudo hoje, quando a opinião valorativa está cada vez mais generalizada e
qualquer comentarista poder ser considerado como um crítico de cinema.
Segundo Bordwell, os críticos, sejam eles acadêmicos ou jornalistas, são todos
rhetorical creatures.
Num texto pertinente para essa discussão, Cinema, crítica e
argumentação, Tito Cardoso e Cunha (1996, p. 190) descreve como centrais e
inevitáveis três noções que permeiam o exercício da discursividade crítica no
cinema: Valor, Contexto e Significado que solicitam os atos de julgar, informar e
interpretar, respectivamente. O ideal seria que na crítica fossem visíveis a
utilização dos três atos e que o trabalho do crítico fosse o de assumir uma
posição avaliadora do filme, e que ao mesmo tempo, recorresse à informação
num processo descritivo, analítico e interpretativo. Mas sabemos que isto nem
sempre ocorre, especialmente no jornalismo diário.
No mesmo ensaio, Tito Cardoso e Cunha (1996, p. 190), ao fazer uma
remissão às funções canônicas do discurso do crítico literário descritas por
Habermas como um ofício do “árbitro das artes”, evoca as três funções desta
atividade, a saber, a pedagógica, com objetivo de “ensinar a ver, informar sobre
o que se vê, contextualizar, pôr as questões pertinentes, em suma, saber
interrogar a obra”, a hermenêutica para “interrogar a obra e extrair-lhe o sentido,
atribuir-lhe significações” e a função retórica a fim de “ajuizar do seu valor e
justificá-lo”.
Entendemos que, como parte da instituição “jornalismo”, a crítica
cinematográfica atua na categoria discursiva da notícia na qual a informação se
sobrepõe à observação analítica e é dessa maneira que o crítico, na maioria dos
casos, “forma” a opinião nos leitores - os quais, por sua vez, incorporam este tipo
de discurso formatado. Como uma análise mais especializada, a crítica revela
certas formas conceituais, particularmente as que envolvem processos
interpretativos de construção de significação na obra. Como retórica, a crítica,
que é experiência de juízo, utiliza táticas e estratégias argumentativas de
discurso a fim de obter a adesão do público. As três funções, portanto, moldam a
prática discursiva da crítica no cinema, embora nem sempre elas se
harmonizem, havendo prevalência de uma ou outra conforme o tipo de veículo
de comunicação ou destinatário.
Como já foi assinalado, o fundamento da retórica é a existência de um
método de natureza argumentativa cujo objetivo é o de persuadir uma
determinada audiência. Neste âmbito, os argumentos do crítico são
importantíssimos para se conseguir a adesão do público. Estes argumentos
podem estar relacionados a aspectos formais do filme, aspectos, digamos,
estilísticos da linguagem cinematográfica, como os movimentos de câmera, a
montagem, a trilha sonora, a mise-en-cène, etc, ou são invocados aspectos de
conteúdo, éticos, ideológicos, religiosos - o ponto de vista, como diria Christian
Metz.
Cabe, neste momento, fazer duas reflexões. A primeira no que diz respeito
às dificuldades em estabelecer limites para os argumentos, sendo estes, ao
mesmo tempo, necessários e imprescindíveis. Ou, até que ponto a retórica pode
legitimar o próprio ato da crítica? Vale citar Perelman (1993): “Existirão métodos
racionalmente aceitáveis para preferir permitir o bem ao mal, a justiça à injustiça,
a democracia à ditadura?”. A segunda endossa o clamor de Tito Cardoso e
Cunha31, quando diz “No entanto, a prática da discursividade crítica não se
esgota porventura aí [na retórica]. Enquanto discursividade ela também pode ser
lida, não já como retórica, mas como hermenêutica do filme. Ou seja, a crítica
como interpretação”.
Quanto à primeira reflexão, existem certas dificuldades em legitimar todos
os argumentos, sobretudo pelas questões éticas prementes hoje no exercício da
crítica. Sabe-se que a opinião persuasiva de um crítico pode ser decisiva na
carreira de alguns realizadores (particularmente os jovens e os desconhecidos
no país onde se encontram): especialmente nos Estados Unidos, não por acaso
a pátria da indústria cinematográfica, tornou-se praxe dispensar ao crítico o
tratamento de superstar. Assim, com a máxima de “quem vence é quem tem o
melhor argumento”, a crítica de cinema pode assumir-se como tradutora da
31 O autor recorre a Roland Barthes a fim de guiar sua assertiva de que a crítica como interpretação “faz significar” o filme. (Cunha, 1996, p. 193).
verdade, pode vestir-se no manto da narrativa de desocultação da obra, de
decodificação do sentido que supostamente estaria congelado no filme. É certo
que esta problemática diz respeito a toda crítica das artes e não apenas à crítica
cinematográfica. Eduardo Lourenço (apud Monteiro, 1996, p. 236) sublinha um
certo despotismo da crítica como se esta “fosse uma instância independente e
superior à própria criação artística”. Talvez, por isso hoje se postule uma crítica
da crítica32, ou uma metacrítica como preferem alguns teóricos, garantindo a
idéia de uma constante redefinição de suas premissas.
As dificuldades em estabelecer limites deslocam-se também para o
campo da interpretação. Se descrever um filme pode ser considerado como um
processo interpretativo, este processo é passível de limitações. Isto não impede
o desejo pela diversidade de leituras produzida por uma obra cujo mecanismo
interno se abre para diferentes abordagens e pelas leituras interpretativas que o
espectador possa vir a fazer sobre ela. Desse modo, é fundamental pensar o
crítico também como um sujeito espectador que, de alguma forma, realiza a obra
no ato da leitura.
Entretanto, como defendeu Umberto Eco em Os limites da interpretação,
há uma sobrevalorização dos direitos dos intérpretes: estes pecam por produzir,
por vezes, interpretações paranóides, pensamentos por analogias, o que o autor
chama de “derivação hermética” ou “habilidade incontrolada para deslizar de
significado para significado, de semelhança para semelhança, de uma conexão a
outra”33 (Eco, 1992, p. 370). Logo, a crítica como interpretação pressupõe muito
cuidado na análise de seu objeto, na proposição de conjecturas que possam ser
validadas tanto quanto possível. Com ironia, em O Pêndulo de Foucault, Eco
escreveu: “O critério é simples: suspeitar, suspeitar sempre. Pode-se ler nas
32 É exatamente o que David Bordwell faz em relação à crítica de cinema em seu trabalho já citado Making Meaning: inference and rhetoric in the interpretation of cinema. USA : Harvard University Press, 1991.
33 Ver os capítulos: Aspectos da semiose hermética e Semiose ilimitada e derivação. In ECO, Umberto. Os limites da interpretação. Lisboa: Difel, 1992.
entrelinhas até de uma placa de sentido proibido”.
Em Interpretação e sobreinterpretação34 um debate estimulante é travado
entre Umberto Eco e Richard Rorty acerca da interpretação e usos de um texto.
Eco defende com honestidade o esforço por uma interpretação razoável e
legítima em contraponto a uma outra excessiva e ilimitada. O grau possível de
abertura de uma obra de arte implica em certas restrições que se localizam entre
as intenções autorais, as intenções textuais e as intenções do leitor. Rorty rejeita
os sentidos imanentes das obras artísticas e afirma que nenhuma crítica poderá
descobrir aquilo que o texto “realmente é”. Contrariando Eco, Rorty assegura
que não há interpretações corretas de um texto mas “usos” deste mesmo texto.
A eficácia de uma obra é avaliada somente em função dos objetivos que
estabelecemos: “Deste modo, interpretar não conduz nunca ao conhecimento de
algo que pertence a um texto intrinsecamente, essencialmente. Qualquer texto é
sempre um objeto relacional, ou seja, dos objetivos e propósitos que com ele e
através dele se visam. Não há aqui nenhuma anterioridade de essência, nem
nenhuma prioridade de coerência. O que se diz sobre um texto é inseparável de
quem o diz, dos propósitos com que o faz e do momento em que tal
ocorre” (Rorty, 1993, p. 95).
Barthes (1978, p. 70) também mencionou a dupla ameaça que pairava
sobre a crítica: “(...) falar de uma obra pode efetivamente arriscar-se a verter
numa fala nula, quer verbosidade quer silêncio, ou numa fala reificante, que
imobiliza sob uma letra última, o significado que julga ter encontrado”.
A atividade interpretativa do crítico deve ser concebida como um devir, um
processo que sempre é relacional uma vez que depende de onde, quando e por
quem foi concebido. Paulo Filipe Monteiro (1996, p. 231) cita, a este respeito,
Eduardo Prado Coelho: “(...) Compreender será sempre construir sistemas de
34 Série de textos organizados por Stefan Collini. Os autores são Umberto Eco, Richard Rorty, Jonathan Culler e Christine Brooke-Rose. COLLINI, Stefan, org., Interpretação e sobreinterpretação. Lisboa : Presença, 1993.
leitura que põem elementos em relação. Ou, por outras palavras, procura-se
reduzir o arbitrário entre os componentes de um filme. Não há crítica que não
tenha este projeto: a redução máxima de um arbitrário. Mas perseguí-lo não leva
à ilusão de se vir a saber tudo. Bem pelo contrário, trata-se de circunscrever com
rigor os lugares do não saber”.
3. Crítica, retórica e hermenêutica
Esta problemática ligada à parcela interpretativa da crítica de cinema,
entretanto, pode ser mais bem estabelecida na discussão explorada por Tito
Cardoso e Cunha (1996, p. 190-194) sobre como conciliar os domínios da
retórica e da hermenêutica, domínios estes aparentemente dissonantes. Para o
autor, o próprio ato hermenêutico da crítica solicita uma argumentação retórica. A
experiência discursiva da crítica de cinema ocorre, como qualquer experiência
artística, sob a mediação da linguagem; daí a relação entre a atividade
discursiva e interpretativa do crítico. Mantendo um diálogo com Gadamer35 e
Bordwell, Tito Cunha (1996, p. 192) esclarece: “(...) enquanto interpretação, a
palavra crítica dissipa o enigma da obra e enquanto argumentação obtém o
assentimento do público”.
John Angus Campbell (1997, p. 113-137) salienta que Gadamer admite
que a natureza da retórica, isto é, o ato de convencer e persuadir, possui o
35 Gadamer (1988, p. 462) diz que a verdadeira problemática da compreensão e a intenção de levá-la ao domínio da arte (tema da hermenêutica) pertence tradicionalmente ao âmbito da gramática e da retórica. Acrescenta: “A linguagem é um meio em que se realiza o acordo entre os interlocutores e o consenso sobre a coisa”.
exame teórico dado a qualquer interpretação, que por sua vez não busca
estabelecer verdades, procura sim, reivindicar que a verdade que defende é
plausível. Por outras palavras, há uma forte relação entre retórica e
hermenêutica, relação estabelecida por um desejo de origem pelo processo de
compreensão da linguagem.
Vale também referir o papel interdisciplinar da retórica e da hermenêutica,
reconhecido por Manuel Alexandre Júnior ao afirmar que estes dois campos do
saber estão “intrinsecamente ligados à essência da práxis humana – produzir ou
criar, e interpretar, manipular ou domesticar o que se criou. De fato, todo o
discurso tem, no princípio como no fim, uma fase hermenêutica implícita: a
intelectio (compreensão do que se pretende dizer) e a hermeneia (compreensão
do que se disse)” (1998, p. 9). Por outras palavras, é impossível interpretar sem
fazer perguntas.
Esta discussão está diretamente ligada ao tipo de conhecimento que
ambos os campos produzem. Apesar de Bordwell (1991, p. 250) admitir que o
discurso da crítica de cinema tem se afastado de uma atividade verdadeiramente
interpretativa, aproximando-se mais de uma práxis, um ofício como o de um
carpinteiro, o autor não nega que estas disciplinas (retórica e hermenêutica)
estão muito mais próximas daquilo a que chamou de “conhecimento
procedimental” pautado pela verossimilhança e afastam-se do “conhecimento
proposicional” que busca estabelecer a verdade.
Em Crítica e verdade, Barthes (1978, p. 14) defendeu a existência de um
“verossímil crít ico” e acrescenta: “O verossímil não corresponde
necessariamente ao que foi dito (pois não pertence à história) nem ao que deve
ser (pois não pertence à ciência), mas simplesmente àquilo que o público julga
possível e que pode ser totalmente diferente do real histórico ou do possível
científico”.
Barthes (1971, p. 38-43) retoma este tema posteriormente quando parte
da idéia de que o verossímil, nos tempos modernos, estaria ligado a um realismo
no plano do discurso. As obras da modernidade caracterizam-se por um efeito de
real, pois é a categoria do real que é significada. Dessa forma, o verossímil
vincula-se a um realismo em que não se faria necessário levar em consideração
a verdade. A verdade seria muito mais discursiva: “são as regras genéricas do
discurso que fazem a lei”, diz Barthes.
Tal reflexão é também compartilhada por Eduardo Prado Coelho (1987, p.
168), ao defender uma interposição de um trabalho textual entre a prática crítica
e a experiência estética subjetiva do crítico. Vale lembrar que esta posição não
implica numa espécie de “vale tudo”, antes “é a própria textualidade que se
desloca do texto criticado para o texto crítico que surge neste como a melhor
garantia da sua validade”. Naturalmente que este trabalho textual é mediado
pela linguagem e a retórica tem aí um papel fundamental. Por sua vez, Tito
Cardoso e Cunha vê nesta demanda uma pergunta cuja pertinência não
poderíamos deixar de ressaltar: “Na sua vertente argumentativa, como dar conta
da crítica de cinema enquanto conhecimento procedimental?”. Por outras
palavras, que argumentos de justificação podem ser invocados numa crítica a
um filme?
Fizemos uma remissão anterior a este tema quando falávamos dos
aspectos formais e de conteúdo que podem ser analisados num filme. Estes
aspectos, contudo, muitas vezes não são suficientes para traduzir uma boa
argumentação da crítica. Sobretudo, eles devem ser vistos como sistemas
referenciais e não apontados como dogmas universais e enclausurados nas
teorias que os sustentam. Nada determina, por exemplo, que o enquadramento
correto é aquele que respeita as regras da perspectiva. Além disso, esses
critérios também estão situados historicamente e, portanto, não são fixos,
alterando-se conforme a época e o lugar onde estão sendo usados. Houve um
tempo em que a câmara lenta era bastante utilizada em cenas românticas, hoje,
todavia, pode revelar-se como um clichê de mau gosto sua utilização em cenas
do gênero. Por outro lado, se esta cena fosse concebida num país como a Índia
onde existe uma cinematografia popular feita com parcos recursos financeiros e
técnicos, certamente a leitura do crítico seria mais elogiosa.
Nesse sentido, o trabalho do crítico revela-se mais desafiante quando
exposto aos chamados filmes de vanguarda. Convém, a propósito, considerar a
digressão do crítico e teórico de cinema Jean-Claude Bernadet (1985, p. 39-42),
que sai em defesa de uma crítica ficcional, particularmente daqueles filmes que
produzem uma ruptura, que apontam para uma renovação da linguagem
cinematográfica. Segundo Bernadet, há uma inadequação do discurso crítico a
estes filmes e uma defasagem metodológica nestas análises. Sobretudo porque,
sendo filmes inovadores, os críticos assumem riscos juntamente com o cineasta
e falam “ao mesmo tempo de dentro e fora do projeto”. Desse modo, os escritos
dos críticos assumiriam um projeto mais experimental, inventivo e, ao limite,
produzir-se-ia uma crítica ficcional.
Em Ensaio sobre a análise fílmica, Francis Vanoye (1994, p. 14-19) nota
que, numa primeira fase, o analista (e nesse caso também o crítico) deve
decompor o filme em seus elementos constitutivos, descontruí-lo em camadas
de sentido que estão conectadas ao todo fílmico. Na fase posterior a análise
faria o movimento contrário, isto é, uma atividade de reconstrução, “de
estabelecer elos entre os elementos isolados, compreender como eles se
associam e se tornam cúmplices para fazer surgir o todo significante”. O crítico
analista, portanto, passa de uma instância descritivo-argumentativa para uma
interpretativa, até chegar a compor um juízo sobre o filme. Para isso ele deve
postular que elementos da linguagem cinematográfica (montagem, roteiro,
interpretação, etc) devem ter um valor muito mais indicativo e, deste modo, mais
baseados num conhecimento “procedimental” do que definidos como normas
invariáveis que podem ser utilizadas em qualquer argumentação crítica,
independentemente do contexto em que esta se insere.
Outra observação relevante levantada por Cardoso e Cunha trata da
noção de autor vinculada à teoria da argumentação de Perelman. Numa arte
essencialmente coletiva e impura de materiais como chamar para si o direito de
autor? O filme deve ser compreendido, em termos hermenêuticos, como um
todo, produto da soma das partes, mas, ao mesmo tempo ele será analisado,
escrutinado pelo olhar do crítico que, na maioria dos casos, argumenta levando
em consideração a bela fotografia ou os péssimos diálogos. De um modo geral o
discurso da crítica de cinema abriga-se na dicotomia forma/conteúdo,
privilegiando ou os aspectos narrativos da trama ou os aspectos formais,
ignorando o todo hermenêutico.
Perelman (1996, p. 333) chamará de ligação de coexistência aquela “que
relaciona uma essência com suas manifestações”. Esta ligação não é
certamente linear entre a pessoa e os seus atos, embora a busca de uma
determinada regularidade temática ou estilística seja um dos principais
componentes da dimensão da autoria. Esta marca de regularidade e estabilidade
identitária deve conviver com a marca de uma singularidade e instabilidade, fruto
da indisciplina do ato criativo. A marca identitária do autor é muitas vezes
utilizada pela crítica de cinema como recurso de apelação à autoridade e
portanto, como critério valorativo, como já verificamos antes. Um dos grandes
problemas da crítica centrada na noção de autor é o risco de cair numa
legitimação do nome do autor que não vê o filme como uma obra singular, mas
sempre e necessariamente como mais uma “maravilhosa” obra de Manoel de
Oliveira ou de Nelson Pereira dos Santos.
Classicamente discutida na teoria do cinema, a noção de autor
desenvolveu-se através da crítica fenomenológica de André Bazin como uma
“política”, a chamada “política dos autores”, consoante com o contexto pós-
guerra em que vivia a Europa, particularmente a França. Já nas décadas de 60 e
70 esta noção passa a ser posta em xeque, sobretudo a partir dos trabalhos de
Michel Foucault (O que é um autor?) e Roland Barthes (A morte do autor). O
retorno ao mito romântico do artista é visto paradoxalmente como a negação da
probabilidade autoral, tanto na escritura do texto fílmico quanto em sua
reconstituição pela análise crítica. A identificação do cinema de autor com a
liberdade de criação (muito discutida por Glauber Rocha no Cinema Novo) foi
talvez a idéia que mais prevaleceu meio cinematográfico e também no discurso
da crítica. Revista, esta noção hoje mantém um legado elitista mas que fertilizou
o debate teórico no cinema originado na crítica dos Cahiers du Cinéma.
Procuramos, ao assinalar estas questões, promover articulações teóricas
que permitem descrever os discursos que caracterizam a práxis crítica de filmes,
inseridos no chamado gênero jornalístico de texto. Agora, propomos refletir com
mais clareza sobre o público leitor dessas críticas.
4. O público-leitor: concreto e virtual
Parece-nos que a noção de auditório universal36, constituída por Perelman
na Nova Retórica, implica certas reservas passíveis de problemas quando
deslocadas para o universo do público leitor de críticas de cinema. Como já nos
referimos, mesmo associado à idéia da universalidade filosófica, o conceito de
auditório não deve ser descrito como algo totalizante e único. Compreendemos,
em nossa pesquisa, os leitores como aqueles a quem são destinados os textos
argumentativos, ou mais concretamente, os que lêem resenhas críticas de filmes
publicadas em jornais e revistas especializadas.
No século XVIII, no domínio daquilo a que Habermas chamou “esfera
pública burguesa”, o crítico era visto como o árbitro das artes, um mandatário ou
um porta-voz do público. Público este que “não é nem um pequeno grupo
conversacional e interativo, nem uma multidão massificada, relegada para a
36 No texto Mediação, persuasão e técnica, Tito Cardoso e Cunha (1999) já nos chamava atenção a respeito quando sugere uma espécie de estilhaçamento, hoje, da própria noção de auditório com o aparecimento das novas tecnologias e da consequente multilateralidade dos processos comunicacionais.
unidimensionalidade da incomunicação, mas antes, um público entendido e que
se entende como coletivo, disperso é certo, mas estável, reunido pelo interesse
comum no gênero e não abdicando de um juízo de gosto, do direito de julgar”.
(Cunha 1996, p. 190). Para Habermas, hoje, com a transformação deste espaço
público, este juízo é transferido a um especialista que põe seus argumentos a
um público silencioso e quase sempre sem ação interativa. O avanço das novas
tecnologias, entretanto, veio trazer um grau maior de interatividade e diálogo
entre críticos e leitores, cujos comentários disponibilizam-se em sites diversos de
crítica dedicada ao cinema.
Apresentar o perfil específico destes leitores é tarefa difícil, haja vista que
hoje se aponta para uma concepção volatilizada e plural, de existência de vários
públicos e não somente de um em particular. Quem efetivamente lê as críticas
publicadas nos veículos acima mencionados? Este terreno é difícil de ser
demarcado. Os discursos das resenhas críticas de filmes inserem-se no gênero
jornalístico (no chamado jornalismo cultural) o que, a princípio, requer um tipo de
leitor habituado à leitura de jornais diários e semanários e, mais ainda, à leitura
das editorias de cultura desses jornais. Já a leitura de críticas em revistas
especializadas solicita um público ainda mais especializado, integrante de um
universo cinéfilo pronto a disponibilizar uma certa quantia em dinheiro para obter
informações mais detalhadas, mas nem sempre de melhor qualidade, que as
eventualmente publicadas na imprensa generalista.
O fato, como aponta Bordwell (2001, p. 14) é que os leitores rapidamente
percebem as preferências da crítica e tendem a seguir aquelas em cujos gostos
eles confiam como se fossem os seus próprios. Na verdade, ninguém fica
indiferente às críticas de cinema. A sua dimensão retórica, sobretudo no que diz
respeito à mobilização das paixões, do pathos, está entrelaçada à experiência do
leitor que não apenas interpreta o texto, mas igualmente se envolve (e é
envolvido ao mesmo tempo) com ele, levando-o, em certos casos, à ação: o fato
de ir ou não assistir ao filme, ou até mesmo, de responder ao comentário de um
crítico irritado. Além disso, o discurso da crítica tem um peso condicionante no
processo interpretativo que o futuro espectador fará do filme.
Francesco Casetti (1994, p. 330) afirma que, sobretudo nos Estados
Unidos, são freqüentes as investigações sobre o consumo de filmes e seu
impacto cultural no que diz respeito aos diferentes públicos que vão às salas de
cinema, sua composição demográfica, sua situação sócio-econômica, seus
gostos, etc. Num outro interessante livro, El film y su espectador, Casetti (1989,
p. 17) afirma que quem escreve sobre os filme é uma testemunha ocular da
película e a realização deste ato o legitima (diríamos que retoricamente faz
legitimar a autoridade do crítico), para fornecer informações e juízos. Mas,
acresce Casetti, quem lê oferece uma prova do mesmo modo clara, uma vez que
é a lembrança de uma projeção ou simplesmente o desejo de se assistir a ela
que o faz tomar contato com uma crítica.
Alguns críticos37 acreditam que a influência da crítica sobre os filmes
chamados de “blockbusters” é muito pequena ou quase inexistente. Em
contrapartida, esta crítica é capaz de determinar o sucesso ou fracasso de
películas voltadas para públicos mais restritos, os chamados filmes
“alternativos”. A crítica seria, portanto, extremamente influente nos circuitos de
“arte” e bem menos nas superproduções. Este é o caso da cinematografia
brasileira em Portugal, cujo estatuto periférico lhe garante um espaço no circuito
alternativo e, também um perfil de receptor adequado a estas salas. Embora,
nos anos 70/80/90, a cinematografia brasileira ganhe também espaço no circuito
comercial.
Contudo, nos parece que esta realidade não corresponde tão eficazmente
37 Por exemplo, os críticos brasileiros dos jornais O Dia e Folha de São Paulo, respectivamente, Nelson Hoineff e Inácio Araújo, em entrevista publicada no site na revista de cinema eletrônica Contracampo nº 24 http://www.contracampo.he.com.br. É o que pensa também o crítico, exibidor e produtor espanhol Enrique González Macho: “Há determinado tipo de cinema em que a crítica tem pouca ou nenhuma influência, um cinema, por assim dizer, mais comercial. Há outro tipo em que a crítica não só tem importância como é fundamental, dentro deste cinema inclui-se o cinema estrangeiro, o cinema de autor e o cinema espanhol”. In Academia: revista del cine espanhol. Madrid : no 22 (Abril de 1998) 28.
à sociedade norte-americana, uma vez que este é o grande mercado exportador
das superproduções e, assim, um certo tipo de crítica, aquela essencialmente
publicitária, causa impacto na opinião pública.38 Mais uma vez é importante
salientar o vínculo que as instituições e suas publicações têm para cada tipo de
leitor específico. Desde meados dos anos 70, os grandes sucessos de bilheteria
de diretores como Steven Spielberg e George Lucas transformaram a
comercialização de películas norte-americanas e o grosso da produção de
Hollywood encontrou seu grande mercado no público adolescente. Sabe-se que
este público é dado a uma leitura de resenhas mais descritivas e publicitárias,
desprezando as análises detalhadas dos filmes. Certos críticos, por sua vez,
respondem às expectativas do público, produzindo material de “guia de
consumo”.
Além disso, a relação da crítica de cinema com o público está sujeita a
diferentes possibilidades contextuais. Muda-se o contexto, muda-se o público e o
próprio discurso dirigido a ele. No início da década de 60, quando o jornalismo
cultural tinha um padrão textual que não privilegiava os juízos estéticos das
obras, a crítica de cinema publicada nos diários era essencialmente descritiva e
publicitária. Este padrão, por sua vez, transformou-se por completo nos anos 70
e 80 na medida em que o contexto apontava para um quadro mais opinativo/
analítico das resenhas críticas. Por outro lado, é também nos anos 80 e 90
quando se verificam as grandes reformas gráficas empreendidas pelas
empresas jornalísticas, dando prioridade aos aspectos icônicos e imagéticos em
detrimento do texto, o que acaba por provocar a diminuição do espaço das
38 O jornal americano USA Today publicou o resultado de um recente estudo que fez sobre a relação significativa entre as arrecadações das bilheterias e as críticas da imprensa. Segundo a publicação, apesar de não ser possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre as resenhas e os lucros, não se trata de uma mera coincidência o fato de os filmes mais elogiados terem sido também os de maior bilheteria. A pesquisa foi feita com 140 grandes lançamentos de filmes no ano de 2003 (isto é, em cartaz em pelo menos 600 salas) e numa escala de 0 a 4 estrelas, cada meia estrela equivale a mais US$ 26,5 milhões nos lucros. Curiosamente, os resultados ainda revelaram que somente os filmes do gênero comédia e terror não se deixam influenciar pelas críticas, tendo sempre bons resultados. In: WLOSZCZYNA, Susan., DE BARROS, Anthony, Movie critics, fans follow surprisingly similar script; Reviewers and filmgoers go hand in hand when it comes to picking box office hits. USA Today (Feb 25, 2004) A01.
resenhas críticas e a queda da qualidade dos comentários. Ao mesmo tempo, o
leitor desse período solicita e vem solicitando, cada vez mais, textos curtos,
fragmentários e ágeis. Na efervescência pós-moderna, não há tempo nem
espaço para leituras populares mais atentas. O olhar contemporâneo privilegia a
imagem.
Em relação às revistas, este cenário é bem parecido, com notórias
alterações em seus aspectos gráfico-visuais. Até a bíblia deste setor, os Cahiers
du Cinéma, tem passado por modificações em seu formato, com o aumento na
fonte tipográfica, com as ilustrações que ganham mais espaço e as famosas
entrevistas que agora se estendem a várias páginas. Aqui em Portugal, sente-se
o mesmo ao analisarmos revistas como Celulóide e Plateia, que sobreviveram
até à década de 80.
Enfim, uma série de variáveis podem ser levantadas para compor a
definição de um público leitor de críticas de cinema. Num plano mais delineado,
o leitor da crítica de cinema deve ser visto, ainda, sob dois ângulos: como um ser
individual e como um ser coletivo. Ou seja, a leitura do texto pelo receptor é
materializada por um ente individual, concreto, que se encontra,
circunstancialmente, integrado numa coletividade em estado receptivo. E é
exatamente a presença virtual, implícita nas palavras de Wolfgang Iser, desse
ser coletivo que faz com que o crítico, desde o ato de concepção de seu
discurso, promova manobras argumentativas destinadas a ele. Por outro lado, é
importante deixar claro que não vemos este leitor de resenhas como alguém a
quem cabe unicamente efetuar escolhas predeterminadas, já previstas pelo
texto. Este leitor de críticas não pode ser pensado como uma entidade
meramente teórica e abstrata, mas como sujeito concreto, individual, imerso em
práticas que o distinguem e que compõem o cenário extratextual, cuja
importância é também fundamental.
Vale aqui uma observação de caráter metodológico. Pensamos no público
como uma instância para a qual convergem um sujeito socialmente construído e
um texto materialmente escrito (as resenhas de filmes), mas simultaneamente, e
não poderíamos deixar de o salientar, este processo de construção social do
público é feito através da lente subjetiva do pesquisador que constrói seu objeto
de estudo a partir de sua inserção no mundo social. Como nota Marialva
Barbosa (2000): “O público é um produto de uma subjetividade imanente e
desejável em qualquer análise. Além de ser inventado pelas obras e por suas
formas, é reinventado pelo olhar do pesquisador”.
Este filtro é, pois, inevitável, uma vez que, evidentemente, o investigador
não se porta como um “analista imparcial”, diante daquilo que se propõe a
analisar. Antes, também ele, é contextualizado, situado historicamente, possui
estratégias retóricas próprias, tal como o receptor que realiza o sentido do texto
num processo de partilha via leituras diferenciadas e plurais da obra.
Considerações finais: por um horizonte interdisciplinar
Nosso percurso pelas páginas anteriores propõe, sobretudo, um
enquadramento teórico que valide nossa percepção do discurso da crítica de
cinema como testemunho da recepção histórica dos filmes e, simultaneamente,
como processos argumentativos racionais que visam à adesão dos leitores. Esta
proposta de enquadramento, longe de ser algo fechado em si mesmo, revela-se
como uma tentativa de aproximação entre dois campos teóricos que se
complementam, a saber: a estética da recepção e a retórica. A “carta de
intenções” de nossa investigação traduz-se numa poética interpretativa dos
discursos escritos sobre o cinema brasileiro exibido em Portugal, discursos cuja
materialidade informa sobre o público-leitor, suas formas de leitura e sua época.
Nossa convicção é que estes dois campos se aproximam tanto no que diz
respeito ao exercício da atividade interpretativa (pensamos que contextualizar
um discurso é compreendê-lo e, logo, provê-lo de sentido) quanto na ênfase que
ambos dão à dimensão estético-comunicativa do discurso. Ao nosso ver, por trás
deste salutar encontro, está a tentativa de pensar o cinema enquanto
experiência e suas redes de discursos sociais como lugar de investigação desta
experiência.
Roland Barthes considerava que a retórica poderia ser definida em cinco
níveis aparentemente dissonantes mas que, ao mesmo tempo, revelam a
complexidade de seu escopo teórico. Para o autor, a retórica é simultaneamente,
uma técnica, uma disciplina, uma protociência, uma moral e uma prática social
(Breton, 2001, p. 42). Mais que sustentar dicotomias entre teoria e prática ou
entre ciência e técnica, devemos refletir o campo da retórica como uma zona de
fronteira, uma rede de conhecimentos na qual o discurso persuasivo é seu
principal objeto de investigação. O cada vez mais crescente interesse pela
argumentação traduz um esforço de reexame de seus princípios e
reconhecimento de um sistema conceitual que focaliza os discursos, seus modos
de transmissão e recepção.
No prefácio da tradução da Retórica de Aristóteles, Manuel Alexandre
Júnior expressa a recente tendência da crítica retórica de um texto assumir-se
como crítica cultural. Conforme o autor: “Enquanto técnica ou arte do discurso, a
retórica estuda-se hoje como um corpus de regras que se usam não só para
produzir textos de caráter mais ou menos persuasivo, mas também para analisar
os textos produzidos. Justifica-se e impõe-se, portanto como método de análise,
representando assim, na perspectiva científica moderna, um método de
compreensão textual pela atenção dada aos efeitos do texto como fenômenos
hermenêuticos de recepção” (1998, p. 8). Neste sentido, a retórica e a
hermenêutica mantêm um compromisso estimulante de contribuição mútua
baseado num empenho de permanente interface.
Ao analisarmos os discursos da crítica de cinema em Portugal, propomos
estabelecer os modelos de argumentação que lhe são inerentes. Estes modelos,
sobretudo aqueles dirigidos ao filmes de nacionalidade brasileira, pautam-se
pela utilização de determinadas ferramentas retóricas que fornecem a
plausibilidade de uma interpretação suficientemente persuasiva da crítica. Seja
através da apelação à autoridade do produtor do discurso, seja via um
dinamismo na composição textual, ou ainda na apresentação de uma engenhosa
articulação argumentativa, estes procedimentos de alegação visam, antes de
tudo, a adesão de seus leitores.
Valeria observar, ademais, que os argumentos utilizados pelos críticos
devem ser sempre julgados em relação ao contexto e à totalidade do discurso. A
atividade interpretativa não pode ser exclusivamente interna ao texto sob pena
de cairmos na falácia intencionista que Jauss tanto combateu. Pensamos nos
elementos circunstanciais ou contextuais como elementos de formação dos
juízos interpretativos. Elementos que, associados a uma investigação mais
particularizada das manobras retóricas, dizem muito sobre o leitor e seu tempo.
Com efeito, a dimensão temporal e espacial desses discursos não deve
ser menosprezada. Tempo, aqui, refere-se simultaneamente ao tempo interno do
texto persuasivo e ao tempo exterior, no horizonte em que ele se insere. A
dimensão espacial, do mesmo modo, remete tanto à arquitetura do texto
persuasivo como aos espaços institucionais onde eles são publicados. É
justamente nesta interrelação temporal e espacial, neste ambiente interior e
exterior, que procuramos fecundar nossa proposta de trabalho. O discurso da
crítica de cinema deve, como já nos referimos, ser tratado simultaneamente
como objeto estético, histórico, retórico e hermenêutico.
Entendemos ainda que, ao unirmos estes campos da experiência,
conseguimos escapar de uma visão idealizada e pouco ativa do público-leitor
como alguém que incondicionalmente segue as manobras argumentativas, sem
levar em consideração suas experiências pessoais, culturais, sociais e históricas.
E por outro lado, procuramos também fugir de um certo historicismo no qual o
excesso de contextualização histórica pode dificultar o contato adequado com
nosso objeto, gerando determinismos que enviesam a discussão em torno do
seu enquadramento mais particularizado.
Significativa também é a nossa crítica a uma bipolarização entre produção
e recepção uma vez que pensamos nestes campos como campos
intercambiáveis e mutuamente influenciáveis. Por isso não postulamos aqui uma
“medição” exata ou instrumentalizada dos efeitos retóricos e estéticos que esses
escritos poderiam causar ao seu público, uma tarefa certamente fadada ao
fracasso. Antes de tudo, buscamos pensar a comunicação como um campo
plural e aberto e sobretudo negar aquelas práticas que instrumentalizam os
processos comunicativos. Dito de outro modo, para além do texto e dos recursos
aí inscritos, deve-se considerar os interlocutores envoltos neste ambiente
comunicacional.
A interpretação de uma obra está ligada aos traços do contexto em que se
opera e ao espaço onde mensagem e sujeitos interagem. A inscrição concreta
desses discursos críticos acaba por dar sinais sobre a época, sobre o produtor
destes discursos e sobre o leitor nela inserido. Esta sinalização, inscrita na
própria obra e simultaneamente fora dela, deverá ser “reconhecida” - usando a
expressão no sentido de Paul Ricoeur, ou seja, de distinguir a permanência de
uma identidade – no universo desta pesquisa. Identificadas as marcas formais
desses discursos, pensa-se na sua apropriação pelo público-leitor que exige no
mínimo uma certa coerência interna, uma consistência de significado que se
constituirá em valor lógico argumentativo. No entanto, a relação entre o discurso
concreto e a realidade exterior é também fundamental para a compreensão - no
sentido hermenêutico do termo, de envolvimento e alcance a fim de fornecer
sentido – deste mesmo discurso já constituído de suas marcas formais.
Desde seu clássico ensaio sobre a obra de arte, Walter Benjamin (1992)
alerta para os condicionantes históricos envolvidos na relação entre cinema e
sociedade. As transformações sócio-históricas, sem dúvida, provocam mudanças
no modo de recepção das obras. As resenhas críticas portuguesas, também
representantes desta recepção, sofrem influências de seu tempo (e exercem
influências sobre ele), influências visíveis nos enunciados dos discursos da
crítica ou mesmo, visíveis naquilo que ela deixou de enunciar.
As teorias do cinema hoje acordaram para a necessidade de um olhar
mais atento à recepção histórica dos filmes. Certamente é um olhar que adota
múltiplos instrumentos mas que não tem pretensão de encontrar um meio único
e definitivo. Citando Casetti (1994, p. 322), este olhar deve ter um aporte de
história-problema e sobretudo, “uma história que sabe que o sentido dos fatos
depende do modo de abordá-los; que visa mais a reconstruir a realidade que a
restituí-la, ou melhor ainda, a constituí-la como objeto de seu discurso”.
O exame dos discursos da crítica cinematográfica, entre outros valores,
pode ser visto como uma contribuição à atividade interpretativa no cinema pois
que esta prática simbólica constitui um objeto de representação da sociedade
cujo sentido deve ser compreendido e partilhado. Sob uma perspectiva mais
restrita, nossa investigação pretende também contribuir para a história da
recepção dos filmes brasileiros em Portugal.
Um desejo profundo de identificar a natureza da obra cinematográfica e
seu impacto sobre o público poderiam estar por detrás destas pesquisas mais
recentes. Um horizonte de investigação sobre o texto e o contexto, de modo a
clarificar tanto a ação do primeiro como a densidade do segundo. O cinema,
como arte coletiva que é e com seu maquinário industrial e simbólico, depende
também de uma rede de discursos sociais – naturalmente que as resenhas
críticas estão aí incluídas – que promovem a obra e de certa forma reconstroem
o acolhimento do público ao filme.
Por fim, resta-nos ratificar que nossa proposta de pluralismo teórico-
conceitual está consoante com pensar a investigação desta prática discursiva de
modo interdisciplinar e enriquecedor para os estudos sobre a crítica de cinema
em Portugal. Os escritos críticos sobre o cinema brasileiro exibido em Portugal
são uma resposta a uma pergunta de seu tempo que procuramos recuperar.
Esta “recuperação” do horizonte histórico-contextual revela-se presente tanto no
ambiente exterior, nas articulações extratextuais, quanto no interior do texto, lá
onde as manobras argumentativas retóricas utilizadas para o leitor aceder à
experiência comunicativa encontram-se manifestas, lá onde o não dito do
enunciado pode revelar o dito.
PARTE 2 - A crítica de cinema situada: cenários e relações históricas
Nos capítulos que se seguem procuramos traçar o percurso da crítica de
cinema sobretudo em Portugal, tendo como principal objetivo promover um
diálogo histórico com o horizonte de expectativas de cada época. Será delineado
um perfil sobre as principais publicações e identificado o cenário de recepção
aos filmes brasileiros exibidos em Lisboa desde os anos 60 até a década de 90.
Em seguida será apresentado um quadro reflexivo acerca do Cinema
Novo e de sua representação no contexto da história do cinema brasileiro nas
décadas de 60 e 70. Ainda neste momento da pesquisa caracterizaremos o
cinema brasileiro dos anos 80 e 90 e sua progressiva queda na avaliação da
crítica portuguesa. Por fim, analisaremos o papel das telenovelas neste
enquadramento negativo aos filmes brasileiros e dedicaremos um capítulo à
apresentação de alguns dados quantitativos.
93
A crítica no contexto
O tempo é o horizonte de toda compreensão.
Heidegger
Foi já na Antiguidade que as obras de arte constituíram-se enquanto
objeto de juízos de valor e incorporadas como patrimônio cultural da sociedade,
o que acabou por fomentar a composição de uma espécie de crítica de variadas
naturezas: “cronístico ou memorialístico, teórico e preceitual, histórico-biográfico,
erudito e filológico, interpretativo ou de comentário” (Argan, 1988, p. 127).
Embora a crítica como instituição que determina valores e que se instalou no
campo das artes com a profissionalização dos artistas tenha tido lugar entre os
séculos XVII e, sobretudo, XVIII, quando a arte se “publicizou” e acabou por
formar artistas, público e, por conseqüência, críticos. Neste período, a crítica
tinha como função básica a codificação de um gosto de base consensual.
Segundo José Guilherme Merquior (1981, p. 142), com o advento do romantismo
há uma mudança significativa na função deste profissional, que passa a adquirir
um caráter de militância: o crítico torna-se um “orientador periódico do anônimo e
inseguro público burguês”. Na verdade, seria pertinente pensar o crítico de artes
da época como aquele que herda a velha tradição renascentista do apelo ao
gosto, ou melhor, ao bom gosto. Os enciclopedistas viam no crítico um avaliador
do gosto, um tradutor de mensagens artísticas e culturais que tinha ao seu cargo
a tarefa de decifrar o código secreto da obra. Era considerado, portanto, um guia
que poderia aferir maior ou menor qualidade à obra de arte, ou mesmo averiguar
seu caráter artístico de modo que isto implicitamente revelava a própria função
94
do crítico, isto é, ser um pedagogo da sensibilidade39.
Já no século XIX, artistas como Balzac, Mallarmé e Baudelaire
representam a personificação do movimento de exaltação a obras de arte e
espetáculos, publicando em jornais suas “crônicas críticas”. A crítica romântica
de Baudelaire pregará uma parcialidade apaixonada na qual a qualidade torna-
se sinônimo de atualidade. A arte romântica teria como característica a pertença
a seu tempo e à crítica cumpriria o papel de refletir sobre a obra inserida neste
tempo, sem abdicar de uma “excessiva” subjetividade (Argan, 1988).
Estes críticos pioneiros eram exegetas geralmente ligados à tradição
literária, preocupados em descobrir o sentido congelado nas obras num
processo de desocultamento que lhes garantia a posição de tradutores da
verdade. Etimologicamente (do verbo grego krino), a palavra crítica está ligada à
idéia de escolha, de separação, separar o “trigo do joio”, o belo do feio, o bom do
mau. Os críticos por sua vez, seriam operadores de tal caracterização, ajuizando
valores sobre a obra.
No início do séc. XX esta crítica se universaliza, apregoa uma natureza
mais analista e elitista, separada do leitor comum. Esta busca por uma maior
cientificidade levou a crítica a desqualificar a avaliação e os juízos sobre as
obras, uma vez que era importante privilegiar a análise e a interpretação. Por
outro lado, e também possivelmente em resposta à demanda deste leitor
comum, a afirmação e criação de um estilo jornalístico de crítica, já
evidenciavam a tentativa de estabelecer uma comunicação mais direta com o
público. A crítica assume sua função mediadora, de fornecer um elo entre os
artistas e o público, procurando definir seu território no campo da avaliação, da
explicação e da divulgação.
39 Segundo Diderot, um juiz das artes deve ter: “um grande amor a arte, um espírito fino e penetrante, um raciocínio sólido, uma alma cheia de sensibilidade e uma equidade rigorosa.” (apud Ribeiro, 1997, p. 71).
95
1. Crítica de cinema
A história da crítica cinematográfica finca raízes em nomes como Louis
Delluc, Riccioto Canudo, Siegfried Kracauer, Jean Epstein, Otis Ferguson ou
Grahan Greene, que durante o início do século passado escreviam para jornais e
outras publicações, algumas especialmente endereçadas aos cinéfilos. Neste
período, estes escritos críticos buscavam, sobretudo, definir o cinema como arte
e como linguagem visto que o próprio ainda começava a dar seus passos iniciais
em direção a um sistema de expressão específico da área fílmica (Bordwell,
1991, p. 21).
A novidade do cinema como arte ainda mal definida acabou por
ironicamente afastar deste primeiro cinema os “tiques de interpretação”, como
assinalou Susan Sontag (2004, p. 29-30), próprios de outras áreas artísticas. Os
filmes eram vistos exclusivamente como mero entretenimento, espetáculos da
cultura de massa em oposição à alta cultura e, uma vez assim, desprezados
pelos intelectuais. O lado ruim disso, diríamos, foi a carência de registros
escritos de análises mais apuradas sobre os primeiros filmes, ficando no campo
meramente da descrição do evento.
Posteriormente, quando o cinema ganhou certo respeito no campo das
artes, a atividade da crítica de filmes e a própria teoria do cinema se viram
vinculadas aos sistemas referenciais interpretativos das disciplinas humanísticas
sobretudo da literatura. Com efeito, em meados do século XX os múltiplos
enfoques dados aos estudos literários foram também transferidos para a crítica
de cinema e, diga-se, não somente para a chamada crítica acadêmica como
também para a crítica comum de filmes, naturalmente parte deste horizonte
histórico. Esta pluralidade de enfoques passava pelos estudos dos mitos, das
abordagens psicanalíticas, marxistas ou estruturalistas que converteu o filme
num “texto” pronto para ser dissecado.
Após a Segunda Guerra Mundial, há uma multiplicação de revistas de
cinema, especialmente na França (Cahiers du Cinéma, Positif e Cinéthique) na
Inglaterra, (Screen, Sequence, Sight and Sound, Movie) e nos Estados Unidos
96
(Film Quartely, Film Culture e Artforum). Algumas destas publicações até hoje
permanecem como referenciais de textos de qualidade na análise da obra
cinematográfica. Além disso, e talvez o mais importante, é que estas revistas
acabaram por criar escolas, ao traduzir um modo ensaístico peculiar de fazer as
críticas, influenciando esta prática em diversos lugares do mundo,
particularmente em Portugal. Segundo Serge Toubiana40, a revista Cahiers du
Cinéma essencialmente formada por críticos-realizadores, representou, ao longo
de seu percurso como publicação destinada à crítica de cinema, uma luta
permanente entre, por um lado, a afirmação de um gosto e de uma estética,
predominante nos anos 50 até o início dos anos 60, de submeter os filmes a uma
certa análise por tema, por autor e gênero. Não por acaso, na efervescência
deste momento, nasce a Nouvelle Vague.41 Vale salientar que nesta altura, a
revista presta seu apoio às novas cinematografias de outros países como Itália
(Neo-realismo), Brasil (Cinema Novo) e Portugal (Novo Cinema). E por outro
lado, entre 1969 e 1975, a revista assume uma vocação mais política e teórica
centrada nas preocupações extracinematográficas que se afirmaram em
detrimento do gosto. São notórias, neste período, as influências da filosofia de
inspiração marxista althusseriana, da psicanálise e da semiologia.
Bordwell (1991, p. 43-48) chama a crítica produzida por estas publicações
de “crítica explicativa” ou “aquela que se baseia na crença de que o principal
objetivo da atividade crítica consiste em reconhecer significados implícitos dos
filmes”. Tendo André Bazin como o grande mentor, esta crítica explicativa foi
moldada por um cenário de pós-guerra que incluía o aparecimento de novos
filmes (sobretudo americanos e italianos) e, portanto, novos desafios
interpretativos para a crítica que teria de lidar ou criar novos modelos de análise,
40 Em entrevista a D’ÁVILA, António. A trajetória dos Cahiers du Cinéma. Revista Filme Cultura. Rio de Janeiro : Embrafilme, nº. 45 (Março de 1985).
41 Nas palavras de João Mário Grilo (1999, p. 229), os componentes da Nouvelle Vague tinham “uma nítida vontade de compreender o cinema na sua materialidade significante e no seu modo de fazer”. E conforme Michel Marie (1999, p. 66), “um dos primeiros critérios de pertença ao movimento é a experiência da crítica”. Vale salientar os nomes de André Bazin, Claude Chabrol, Jean Luc Godard, Eric Rohmer e François Truffaut, críticos-realizadores que fizeram parte do movimento da Nouvelle Vague, a exceção de André Bazin que permaneceu essencialmente como crítico e teórico do cinema.
97
além da idéia amplamente conhecida, como já assinalamos, da política dos
autores que para Bordwell deve ser entendida apenas como uma política e não
como um pressuposto teórico.
Contudo, é bom salientar, que esta veia interpretativa/explicativa
predominante nas revistas acima referidas não representava o universo dos
jornais e revistas populares da época, universo no qual um perfil mais intolerante
a análises detalhadas dos filmes era a rotina. A evolução deste tipo de crítica
jornalística liga-se às primeiras exibições de filmes para grandes audiências: era
a época do assim denominado por Tom Gunning, “cinema de atrações”. Entre
fins do século XIX e início do século XX estes espetáculos eram considerados
como “notícias de valor” e os repórteres tinham a função de cobri-los como
qualquer outra notícia. Na verdade, a então chamada crítica era um mistura de
reportagem que descrevia o evento em termos fatuais e de resenha que
aconselhava o leitor sobre o valor do filme. Segundo Bywater (1989, p. 5-6), a
ênfase era colocada na palavra valor uma vez que os resenhistas/jornalistas
deveriam informar se valeria ou não a pena gastar uma certa quantia de dinheiro
pelo visionamento da película, critério, aliás, vigente até os dias de hoje pelos
críticos.
Quando a popularidade dos filmes começa a crescer, um tipo de crítica
mais analítica também cresce sobretudo com a legitimação do filme como uma
peça artística impulsionando nomes como o de Otis Ferguson nos Estados
Unidos a produzir verdadeiras pérolas de escrita estilística42, embora as
chamadas resenhas continuassem dominando os espaços nos jornais diários,
especialmente a partir dos anos 30 com o desenvolvimento da indústria
cinematográfica hollywoodiana e o aparecimento do cinema falado (Bywater,
1989, p. 7-10).
42 Além de Ferguson, nomes como o de James Agee, Andrew Sarris e Pauline Kael nos EUA, figuram como grandes nomes da boa crítica de cinema. Esta última, crítica do The New Yorker desde meados dos anos 60, tinha um estilo pessoal inconfundível e acreditava na conexão do crítico com o público, escrevendo sempre em primeira pessoa. Ela será a primeira crítica jornalista a defender uma abordagem mais pessoal e emotiva dos escritos, hoje tão comum nesta prática (Bywater; Sobchack, 1989, p. 10-17).
98
Enfim, deste período para cá, a crítica cinematográfica passa por um
processo de expansão com o aparecimento de cursos superiores e o aumento
de publicações populares impressas, outras mais sofisticadas ligadas às
universidades, além dos filmes tornarem-se mais acessíveis para a análise43. O
interesse de nossa pesquisa volta-se para estes discursos, ou seja, tanto para
aqueles discursos mais imediatistas dos jornais quanto para aqueles outros
produzidos pelas revistas e semanários. Estes discursos têm em comum o fato
de serem vestígios de uma experiência estética que não apenas são reveladores
de uma relação entre autor-obra-público como constituem importante memória
para se entender o processo de recepção no cinema.
2. Brasil e Portugal
No Brasil, o crítico teatral Arthur Azevedo publica em 1897 no jornal O
Paiz aquilo que seria considerado o primeiro comentário sobre filmes, exibidos
ainda nesta época em casas teatrais. No início do século XX, a partir da
consolidação do setor exibidor nas principais cidades brasileiras, surgem as
primeiras publicações especializadas como as revistas O cinema (1913), A Fita
(1918) Palcos e Telas (1918), Selecta (1924), Cinearte (1926), O Fan (1928)
sendo que boa parte delas cobria com regularidade também o teatro. Críticos
como Plínio Sussekind Rocha, Adhemar Gonzaga, Pedro Lima, Moniz Viana,
Walter da Silveira, Paulo Emílio Salles Gomes, Alex Viany e o próprio Glauber
Rocha, exerceram suas atividades de crítica seja em periódicos ou em revistas
mais especializadas (Gardnier, 2002 e Ramos; Miranda, 2000, p. 455).
Tendo como sua fase mais marcante os anos 60 e 70, a resenha crítica de
cinema procurava definir seu espaço produzindo textos sobre películas
consideradas experimentais bem como sobre os grandes filmes comerciais.
Aliás, no interior da comunidade daqueles que escreviam e pensavam sobre
cinema, havia uma divisão entre os refletiam sobre a estética cinematográfica
43 Segundo Bordwell (1991, p. 22) o maior acesso às tecnologias dos meios de comunicação implicava as projeções de películas de 16 mm na década de 50, as mesas de edição Steenbeck nos anos 60 e o videocassete nos anos 70.
99
nacional e mundial (Paulo Emilio Salles Gomes), os considerados americanófilos
(Antônio Moniz Viana) e aqueles que reclamavam por uma crítica ao cinema
brasileiro (Walter da Silveira). Durante o Cinema Novo há uma fértil colaboração
entre crítica e cinema uma vez que os críticos sentiram-se estimulados diante de
um movimento energético e totalmente diferente daquilo a que eles estavam
habituados a ver nos filmes brasileiros. Era revelador a influência incontornável
da crítica francesa, seja através de uma inspiração política-militante (Positif),
seja via a ênfase dada aos aspectos formais do filme (Cahiers du Cinéma).
Já nos anos 80 uma boa parte desta comunidade culta de críticos deixa
os diários e migra para outros espaços como as revistas culturais (especialmente
a revista Filme Cultura) e para o ambiente universitário onde os textos ficam
mais ecléticos, subjetivos e dialogam com a análise textual (Moura, 2002). Não
muito diferente do que aconteceu em alguns países, notadamente os Estados
Unidos, nos anos 90 a informação e a divulgação ou promoção tornaram-se
funções essenciais da crítica de cinema jornalística deixando a análise para
publicações mais especializadas.
Em Portugal, a primeira publicação destinada à crítica cinematográfica
data de 1912 e era chamada de Cine-revista. Esta publicação originária da
cidade do Porto teve uma homônima em Lisboa no ano de 1917 dirigida por
Fernando Mendes. Recebendo títulos como O Foco (1913), Animatógrafo
(1919), Cinéfilo (1928), O Filme (1926), Plateia (1951) e Celulóide (1957), estas
numerosas publicações apontavam para a crescente importância dada ao
cinema como arte a constituir-se. Entretanto, à exceção das revistas Cinéfilo (11
anos), Plateia (28 anos) e Celulóide (29 anos), boa parte desta imprensa
cinematográfica teve uma vida efêmera e circulava, sobretudo, em Lisboa e no
Porto44.
Dentre os pioneiros da crítica de cinema lusa, destacam-se os nomes de
Reinaldo Ferreira, Felix Ribeiro, Alberto Armando Pereira, Roberto Nobre,
44 Conforme Fernando Duarte em Apontamentos para a história da imprensa especializada e da evolução da crítica cinematográfica em Portugal. Celulóide. No 281, Setembro de 1979, p. 1-209 -7-225.
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António Lopes Ribeiro, este último considerado introdutor da crítica da imprensa
diária (em 1925, no Diário de Lisboa). Já nas décadas posteriores surgem
nomes como o de João Bénard da Costa, Manuel Machado da Luz, Lauro
António, Eduardo Prado Coelho, João César Monteiro, Eduardo Geada, José
Vaz Pereira, João Lopes, Afonso Cautela, Tito Lívio, José de Matos-Cruz, Jorge
Leitão Ramos, Mário Jorge Torres, António Cabrita, Manuel Cintra Ferreira e
tantos outros que abordaremos com a atenção devida no decorrer de nossa
investigação sobre seus escritos.
O cenário inicial da crítica de cinema na imprensa portuguesa parece
seguir a tendência mundial a partir da combinação ao qual se referia Bywater, de
reportagem fatual e resenha valorativa dos filmes. Em 1960 a resenha45 do filme
brasileiro Meus amores no Rio, publicada no jornal Diário de Notícias começava
deste modo: Esta noite registra-se um grande acontecimento no Odeon: a
estréia da maravilhosa comédia «Meus amores no Rio» que vai constituir uma
sensacional surpresa, não por constituir uma obra que enche de orgulho o
cinema brasileiro, mas também por reunir as condições de um espetáculo de
raro encanto e permanente diversão que só se deparam nas realizações de
grande classe. E as últimas frases dos textos são: Ao espetáculo desta noite
designam-se assistir o Sr. Embaixador do Brasil e outras altas personalidades da
embaixada. O caráter noticioso da resenha pautada na descrição factual do
evento, associado a um juízo elogioso do filme, parece ser uma marca registrada
da época. Embora, convém salientar, ainda hoje, em certas publicações
destinadas a crítica, uma espécie de crônica anedótica tem prevalecido como
evento mais importante a ser registrado pelo jornalista, superando mesmo a
análise do filme.
A questão da crítica com função de propaganda ou promoção dos filmes é
antiga e gerou debates em vários lugares do mundo. Sobretudo com o avanço
da indústria cinematográfica, as resenhas jornalísticas naturalmente começaram
45 Optamos por utilizar o itálico para demarcar todas as transcrições de textos publicados em periódicos. Para as citações de textos científicos, as aspas (ou comas duplas) constituem a regra. Diário de Notícias. 23.11.1960. p. 7. A resenha não está assinada.
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a constituir-se como parte da rede de divulgação dos filmes. Havia aqueles que
deploravam a falta de isenção e análise dos críticos, especialmente nos
periódicos, e outros que se mantinham impassíveis perante o cumprimento da
agenda imposto pelas editorias dos jornais que, de um modo geral, seguiam as
referências dos boletins de divulgação cinematográficos norte-americanos
voltados para as atualidades dos espetáculos-negócio.
Este quadro de predomínio do modelo industrial americano a que
chamaremos factual-valorativo suscitou sentimentos de rejeição por parte de
alguns críticos portugueses como Fernando Duarte, diretor da revista Celulóide,
o que o levou a clamar em 1961 por um congresso da crítica cinematográfica em
Portugal. Duarte diz que durante anos adulterou-se a missão informativa e
analítica da crítica cinematográfica e continua foi a chamada grande imprensa
que mais amesquinhou a função do crítico, que mais contribuiu para o seu
descrédito, impondo-lhe uma total dependência da publicidade, do elogio de
favor, dos imperativos administrativos46.
Em verdade, o discurso de Duarte já refletia uma insatisfação dos
profissionais ligados ao universo cinematográfico (os críticos aí incluídos) contra
o cinema comercial e o clamor por uma crítica que fugisse do mero elogio do
filme. A partir de aproximadamente meados da década de 60 o discurso de
louvor da crítica de cinema passa a ser questionado por alguns críticos em
particular e até mesmo por publicações como a revista Plano que em Dezembro
de 1965 vociferava: a crítica de espetáculos que por cá se faz é aquilo que toda
gente sabe: ou não diz nada, ou é laudatária, ou é comprada ou é compassiva
(vivam as excepções). (apud Barroso, 2002, p. 1279).
Vejamos mais um exemplo de uma resenha47 que primava pelo elogio
superficial, sobretudo pelo fato do filme já ter sido aclamado no Festival de
46 Celulóide. No 43, Julho de 1961, p. 1. Assinado por Fernando Duarte.
47 Diário de Lisboa. 21.04.1963. p. 11. A resenha não está assinada. O fato de boa parte das resenhas deste período não estar assinadas e, quando estão, aparecer somente as iniciais, demonstra a falta de profissionalização na área de espetáculos. Segundo Bénard da Costa (1990, p. 254-255), “tratava-se de recensões elogiosas, assinada por iniciais, em que as ditas (iniciais) podiam dizer tudo, menos dizer mal”.
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Cannes, condição a priori de aprovação crítica. A crítica ao filme O pagador de
promessas do realizador Anselmo Duarte foi publicada no jornal Diário de Lisboa
em 1963:
(...) O pagador de promessas foi a primeira obra em língua portuguesa
que teve as honras de um primeiro prêmio no último festival de Cannes e que
recebeu o troféu «Golden ate», tão cobiçado pelos cineastas de todo o mundo. E
no parágrafo posterior: Filme violento, sincero, verdadeiro, duro mesmo, coloca o
drama sob a luz dos projetores e a consciência do público, resultando numa obra
polêmica, para recordar e discutir, numa obra válida, que engrandece a
cinematografia do Brasil e patenteia a qualidade moral e profissional de seus
técnicos. Com um título já bastante significativo: O filme «O pagador de
promessas» constitui um acontecimento cinematográfico, o texto parece ter
acolhido o filme, antes mesmo de ele ter sido visto, uma vez que os prêmios
concedidos anteriormente já lhe deram o estatuto de um grande filme.
A exigência por uma crítica independente e que escapasse a
superficialidade do discurso era adequada a um cenário histórico do qual fazia
parte a reivindicação do Novo tanto na prática das resenhas jornalísticas como
no próprio cinema português. Para Barroso (2002, p. 1279-1280) duas condições
eram reclamadas nesta mudança de enfoque: a cientificidade e a independência:
“Cientificidade, identificada com a capacidade de dizer (e demonstrar) alguma
coisa, em contraponto à banalidade laudatória ou benevolente. Independência,
que se proclama na fidelidade a princípios inspirados na «justiça» e na refutação
do elogio a título caritativo (faltaria ainda defender a independência econômica
da publicação)”.
Mais tarde, uma grande virada remexe os velhos modelos de leitura do
filme: a influência da crítica francesa, associada ao fenômeno do cineclubismo
que irá promover uma renovação no discurso da crítica tanto nas revistas
especializadas como nos jornais diários sobretudo no que diz respeito ao
reconhecimento do cinema como arte digna de legitimação (Monteiro, 2000). A
crítica tornou-se mais culta e os espaços reservados a ela ampliaram-se para
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suplementos de jornais e revistas culturais como O Tempo e o Modo.
O fato é que, atendendo a uma tendência mundial, a crítica de cinema
portuguesa incorporou os pressupostos defendidos pela crítica francesa: “A
influência dos Cahiers du Cinéma em Portugal foi muito significativa e ajudou,
também por cá, a deixar de lado uma suspeição que pairava sobre o cinema
americano. Trata-se, antes de mais, de uma influência crítica. Fez-se sentir nos
setores progressistas do pensamento católico, e através dos jovens
protagonistas da nova crítica emergente, que ocupavam posições nos
periódicos, envolvendo-se em polêmicas doutrinais e ideológicas” (Barroso,
2000, p. 228) 48. O essencialismo, de André Bazin, a defesa de autonomia autoral
dos diretores, de Truffaut, as experimentações estéticas, um cinema reflexivo de
narrativa difícil em lugar da linearidade clássica, enfim, o descompromisso com a
linguagem oficial do cinema acabou por formar as referências dos críticos de
cinema lusos49 que procuravam reconhecer nos filmes investigados, inclusive
claro, no próprio cinema português.
Não foi ademais, aleatório, o surgimento neste período dos primeiros
filmes do Novo Cinema português assinalado, de antemão, por um paradoxo e
analisado por Paulo Filipe Monteiro (2000) em sua tese de doutoramento sobre o
cinema português. Este movimento caracterizava-se pela forte presença de uma
estética vanguardista nas obras de seus realizadores, com a utilização de
recursos estilísticos sofisticados e uma primazia pela forma dos filmes, então
uma novidade para época dos anos 60 em Portugal. Por outro lado, aí vemos o
paradoxo, esta vanguarda era tolerada pelo conservadorismo político vigente,
que acatou e forneceu bolsas de estudos aos jovens cineastas para diversos
48 Barroso (2000, p. 134-137) igualmente afirmou que a crítica de cinema portuguesa deste período enfocava aspectos como a análise do estilo, do gênero, o impacto social da obra e a figura do realizador, ressalvando a forte influência da crítica francesa, especialmente naqueles críticos originários dos cineclubes, que, afinal, constituíam a sua maioria. Sobretudo a partir de meados dos anos 60, a essência da arquitetura argumentativa das críticas fundamentava-se na estética, na política e no público. Discutir sobre o conceito de “políticas dos autores” num embate acirrado contra o grande cinema comercial, defender a idéia e uma nova concepção estética para o cinema, além de refletir sobre a questão do público como bilheteira, eram temáticas constantemente presentes nos escritos dos críticos portugueses da época.
49 Bénard da Costa (1990, p. 256) diz que foi em 1955, quando descobriu os Cahiers du Cinéma que revira “tudo a outra e definitiva luz”.
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centros cinematográficos europeus, como Londres, Paris e Roma. Esta
convivência foi decisiva para a manutenção do Novo Cinema que, por sua vez,
se eximia de temas mais politizados em suas películas e evitava, assim, a
famigerada censura do Estado Novo. Paulo Filipe Monteiro (2000) chama a esta
contradição interna ao movimento do Novo Cinema de “uma margem no centro”
e avança: “uma margem combativa contra o cinema industrial, mas no centro em
termos dos lugares de produzir, ensinar e criticar cinema em Portugal”.
É realmente muito importante este paradoxo peculiar ao movimento
cinemanovista português, uma vez que seus participantes tinham uma relação
muito próxima com a prática crítica de filmes e alguns realizadores eram também
críticos, como João César Monteiro e Fernando Lopes, diretor da revista Cinéfilo.
Há que se perceber, portanto, duas fortes influências que a crítica de
cinema jornalística portuguesa acalentou neste período. A primeira e mais antiga
através do cineclubismo50, da formação que estes centros de exibição e
discussão sobre filmes fornecia aos seus sócios, embora, seja importante
salientar que o Estado Novo salazarista vai promover uma perseguição contra o
que acreditavam ser da ordem do subversivo e do perigoso presente nas idéias
que circulavam nos cineclubes. Apesar do corte da censura, o cineclubismo
lançava publicações e tentava manter em funcionamento aquelas instituições
que conseguiram resistir aos ataques do Estado salazarista. Nomes como o de
Eduardo Geada, crítico, realizador e ex-dirigente do cineclube universitário de
Lisboa, e o de João Bénard da Costa, também ex-cineclubista, ilustram como
esta influência se fez presente na formação dos críticos de cinema que atuavam
nos jornais da cidade. Antigos militantes do movimento cineclubista, realizadores
e críticos foram despertados por estes espaços de iniciativas culturais onde era
possível exercitar na prática o gosto pelo cinema. Afirma Luís de Pina: “(...) boa
parte do que se escreveu sobre cinema português foi editado nas suas [dos
cineclubes] publicações, que os homens da cultura, os críticos ou os estudiosos
50 Conforme José-Augusto França (1995, p. 46), em 1947 nasceu o Círculo de Cinema de Lisboa que “a polícia política proibiu, por alegadas práticas conspiratórias, alargando-se a suspeita, então, a todo movimento nacional que em 1956 contava mais de 30 clubes pelo país fora, nomeadamente em Coimbra, e em Lisboa, no Universitário, no ABC, no Católico”.
105
provêm quase todos dos cineclubes” (1978, p. 76).
O peso dos cineclubes no desenvolvimento da crítica era um fenômeno
presente em várias partes do mundo51. Em 1961, Fernando Duarte ratificava o
valor de um intercâmbio cultural entre os cineclubes brasileiros e portugueses: O
movimento cultural do cine-clubismo desenvolveu-se com o mesmo ímpeto nas
duas pátrias distantes mas amigas, que o oceano separa mas que vínculos
eternos ligam fortemente Brasil e Portugal, uma comunidade, uma só língua,
uma fraternal compreensão pelos problemas de um lado e doutro52. Afora a
dimensão constitutiva que estes espaços tinham para pensar e discutir cinema, o
texto de Duarte já revela um olhar de cooperação cultural entre os dois países
com críticas positivas ao cinema brasileiro de então.
Após o 25 de Abril veio a liberdade de imprensa e os cineclubes
naturalmente tornaram-se mais politizados. Estes buscavam criar federações e
outros organismos que lhes dessem maior legitimação. Em Maio de 1974 a
revista O Tempo e o Modo53 publicava na íntegra as 14 teses do cineclube
universitário de Lisboa que antes tinham sido seriamente mutiladas pela censura
fascista. O grau de politização das teses se fazia presente na defesa do cinema
como manifestação de classe destinado a fornecer às massas uma visão crítica
e progressista. Os cineclubes teriam um papel importante neste processo de
conscientização das massas ao exibir e discutir filmes progressistas. Os críticos
igualmente se mobilizaram reivindicando a criação urgente de uma associação
também em Maio de 197454. Dentre suas posições defendiam a liberdade total
para o exercício crítico e sobretudo, a criação dum organismo independente -
51 Na França, Itália, Inglaterra ou EUA o peso foi o mesmo. Conforme Michel Chion (1996, p. 478-479) na França, já em 1920 Louis Delluc inventa a palavra cineclube lançando seu semanário que levava o mesmo nome cuja intenção era apoiar a arte cinematográfica organizando encontros entre cineastas e públicos. Ricioto Canudo, outro crítico pioneiro, também cria em Paris em 1921 o clube de amigos da sétima arte.
52 Celulóide. No 47, Novembro de 1961, p. 10.
53 O Tempo e o Modo. Nº 104, Maio de 1974, p. 26.
54 Diário Popular. 05.05.1974, p. 4. Assinavam o documento: Rui Afonso, João César Monteiro, Tito Lívio, António Cunha Telles, Fernando Lopes, José Camacho Costa, Manuel Carvalheiro, Eduardo Geada, João Lopes, Lauro António, Eduardo Prado Coelho e outros.
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Associação de Críticos - que passe a visar à interferência na escolha e seleção
dos filmes a distribuir. Estes discursos apontavam para o quadro da recente
euforia que o país vivia após longos anos de ditadura.
Infelizmente, o movimento cineclubista português, já debilitado desde a
década de 50 pela censura salazarista, se enfraquece mais ainda na década de
7055 devido a uma série de fatores como a concorrência da televisão e dos
cinemas de estúdio. Além disso, outros aspectos são salientados: “a divisão
gerada entre as bases pelo partidarismo político, e as tentações do dirigismo, de
associativismo de cúpula, eventualmente no espírito das instâncias
superiores” (Pina, 1978, p. 76). De qualquer maneira, este fato não invalida a
influência do cineclubismo na formação de muitos dos críticos de cinema
portugueses.
Hoje, o lugar e o conceito de cinefilia56 têm passado por modificações
significativas. As salas pequenas e alternativas de Lisboa, como o Nimas, o
Quarteto, o King e, claro a Cinemateca Portuguesa, ocupam o espaço antes
destinado aos cineclubes, com a programação de ciclos e por vezes, algum
debate após a exibição dos filmes. Perdeu-se, contudo, para o bem e para o mal,
o grau de politização característica dos discursos cineclubistas, sobretudo
daqueles discursos pós 25 de Abril. Um espaço de discussão mais higiênico
politicamente, entretanto mais interativo com a crítica, vê-se presente nos
variados sites de periódicos disponíveis na Internet. Com efeito, a cinefilia hoje,
com as mudanças estruturais da sociedade urbano-industrial, levou a
acomodação ao espaço privado onde os DVD’s e os televisores de grande écran
estão cada vez mais baratos e acessíveis.
A segunda fonte de influência da crítica de cinema vincula-se à
55 Luís de Pina (1978, p. 75) afirma que: “(...) nos anos 70, até por virtude da concorrência da TV, de sessões especiais dos cinemas, dos cinemas de estúdio, da motorização da vida e dos fins-de-semana, o movimento cineclubista conheceu uma crise grave”.
56 Bénard da Costa (1998, p. 69) dirá que a partir de 1980, “os anos gordos da cinefilia ou de salas cheias (que, apesar de tudo, foram os anos 60-70, que culminaram com os grandiosos ciclos da Gulbenkian, versão correcta e aumentadíssima das 3as Feiras Clássicas de outrora) chegaram ao fim”.
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contradição analisada por Paulo Filipe Monteiro de o Novo Cinema português
ser, ao mesmo tempo, vanguarda estética e despolitizado. A crítica de filmes,
indiscutivelmente membro deste cenário histórico, também ela tinha em seus
quadros nomes egressos deste movimento, o que acabou por ajudar na
formação de um tipo de escrita e preferências do crítico e de seus filmes. A
apreciação estética das obras feitas pelos realizadores-críticos do Novo Cinema
eram respeitadas e dignas de polêmicas clamorosas na imprensa diária. Havia,
portanto, uma mútua relação entre as propostas do Novo Cinema e as
reivindicações de uma nova crítica. Naturalmente que o discurso desta parcela
da crítica lusa privilegiava também os recursos formais e estilísticos do filme em
detrimento de seus aspectos ideológicos. Esta ênfase apostava em critérios
predominantemente estéticos ao ajuizar os filmes, critérios que acabaram por se
tornar verdadeiros cânones no modo de interpretar as películas.
Estas duas vozes de influência, na maioria das vezes dissonantes,
acabaram por traçar, tal como aconteceu entre os diretores do Novo Cinema
português, um cisma ideológico na crítica de filmes nos anos 60 e 70. Algumas
publicações, sobretudo as especializadas, seguiam as diretrizes dos Cahiers du
Cinéma (da primeira fase da revista 1950-1960) e da Nouvelle Vague, do
idealismo baziniano, de por em relevância os aspectos formais do filme, os
recursos estilísticos mais do que a “mensagem do autor”. Revistas como O
Tempo e o Modo e o Jornal de Letras e Artes, foram publicações emblemáticas
desta linha mais formalista que ideológica e os escritos críticos de João Bénard
da Costa são exemplos deste discurso digamos, mais despolitizado. Outras
publicações como Seara Nova e a maioria dos jornais diários se inclinavam para
o realismo crítico, o neo-realismo, para a politização dos conteúdos das películas
e de seus próprios discursos, influenciados por tendências marxistas (Barroso,
2000, p. 404-405).
O discurso estético sobre o cinema vivia uma espécie de fratura ocorrida
também em França com a nítida divisão ideológica entre as revistas Cahiers du
Cinéma e a Positif. A primeira, como dizíamos, seguia uma tendência de
valorização do formalismo estético e a segunda apresentava seu manifesto
108
político declarado. Em Portugal, este painel confirma a fratura. Sem querermos,
contudo, cair num maniqueísmo, havia aqueles que defendiam “um cinema
moral, um cinema de raízes democráticas, enquadrado na mais genuína
ortodoxia neo-realista” e outros que “proclamavam um cinema afim da Nouvelle
vague francesa e que se reclamam das teorias dos Cahiers du Cinéma e da
visão «auteurista» do cinema” (Costa, 1991, p. 114).
Quanto aos críticos, enquanto profissionais do jornalismo cinematográfico,
é difícil traçar um diagnóstico completo de sua atividade, quer pela falta de
fontes primárias sobre o assunto quer pela grande diversidade de profissionais
no período. Assim, foi com grande interesse que em Agosto de 1974 a revista
Plateia deu início a uma série de entrevistas com os principais críticos de cinema
portugueses, projeto estendido até o ano posterior. A idéia era fazer falar as
vozes mais representativas das distintas correntes teoréticas da crítica
portuguesa57. Coordenadas por José de Matos-Cruz, estas entrevistas são
reveladoras dos horizontes de expectativas porque partilhavam os críticos lusos
na época.
No que diz respeito à formação profissional, a maioria disse não ter tido
qualquer formação específica na área, que eram autodidatas e que o encontro
dos críticos com o ofício veio da proximidade desses com a cinefilia e com os
cineclubes. Muitos tinham outras profissões, eram também realizadores
(Eduardo Geada), professores (Afonso Cautela), jornalistas (Tito Lívio, Rui
Afonso), mas todos estavam, de alguma forma, envolvidos com as efervescentes
questões políticas, culturais e estéticas do período.
Os depoimentos dos críticos parecem confirmar a divisão de que
faláramos anteriormente. Há aqueles mais politizados e até contrários a
influência da crítica francesa58, como mostra este trecho de Afonso Cautela:
57 Plateia. No 708, Agosto de 1974, p. 56.
58 Um crítico da geração anterior como Alves Costa sintomaticamente referiu: Comecei a escrever umas coisas sobre cinema e sobre filmes, na altura em que aqueles que o faziam apenas se debruçavam no que tinham aprendido enquanto viam cinema, e não com as “muletas” dos Cahiers du Cinéma ou do Cinéthique. Plateia. No 720, 28 de Janeiro de 1975, p. 14.
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Estamos de cócoras perante a crítica de cinema de Paris – e suas sequelas na
realização. Quando começaremos a pensar pela própria cabeça, quando nos
autodescolonizaremos como seres pensantes e livres, eis o que me inquieta
muitíssimo59; ou ainda este depoimento mais politizado de Rui Afonso, Acho que,
sendo o cinema um concreto fenômeno político, porque consequência de uma
indústria e de um comércio, deve ser prioritariamente analisado e criticado neste
contexto60. E outros que pensam o cinema sob a perspectiva da modernidade
estética, como alude Fernando Pernes: será a partir de Godard que se propõe a
revisão crítica de todo o cinema e o desenvolvimento de um “cinema novo”, mais
empenhado, simultaneamente no caráter específico da linguagem
cinematográfica e na contundência moral e política do seu discurso, do que na
eficácia comercial e ilusionística do espetáculo61.
Todos fizeram referências ao importante momento político vivido pela
sociedade portuguesa e, neste novo contexto democrático, refletiram sobre qual
seria o papel do cinema e da crítica. Questionado sobre as conseqüências da
abolição da censura, Manuel Machado Luz disse: Quanto à política de difusão,
creio que nada se adiantou. Mantém-se uma exibição de filmes completamente
dominada pelos princípios do lucro, até ao nível mais mesquinho e sórdido62.
Apesar do fim das restrições aos distribuidores e exibidores, as razões
comerciais continuavam comandando o mercado.
Por fim, nestas entrevistas era ainda visível a contestação a um tipo de
escrita chamada de elitista, burguesa e hermética praticada por alguns críticos,
sobretudo aqueles que se identificavam com a estética formalista. Em diálogo
com o cenário do pós 25 de Abril, cuja politização do discurso se acentuou, Tito
Lívio, Luís Machado, José Vaz Pereira, Lauro António e outros defendiam
simplicidade, objetividade e clareza na linguagem e atacavam os floreados
59 Plateia. No 708, 27 de Agosto de 1974, p. 58.
60 Plateia. No 722, 3 de Dezembro de 1974, p. 56.
61 Plateia. No 714, 8 de Outubro de 1974, p. 27.
62 Plateia. No 726, 31 de Dezembro de 1974, p. 13.
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lingüísticos63 contrários a uma pedagogia de fácil leitura para as massas.
63 Plateia. No 743, 29 de Abril de 1975, p. 45.
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Um perfil das publicações portuguesas
1. Os jornais
O contexto político-jornalístico, entre o ano de 1960 até à ruptura ocorrida
com 25 de Abril, foi naturalmente marcante para a vida da imprensa de
referência portuguesa. Os diários viviam sob o domínio da censura prévia, o que
garantia uma forçada harmonia entre as empresas jornalísticas e o Estado Novo.
A descrição da presença de autoridades nos locais das ante-estréias dos filmes
pode revelar um constante panegírico ao regime de Salazar.
Este horizonte, por certo, demarcava uma cumplicidade da imprensa com
o Estado em cujos jornais havia uma espécie de autocensura64. O matutino
Diário de Notícias, fundado em Lisboa em 1864, era considerado o porta-voz
oficial do governo, devidamente disciplinado para participar do jogo de interesses
via uma prática de obediência, acomodando-se aos constrangimentos impostos.
Nos anos 60, a seção dedicada aos espetáculos era chamada de Vida artística e
em meio a uma confusão de textos de variados gêneros, viam-se pequenos
comentários sobre os filmes em exibição, numa leitura factual das películas
geralmente sem qualquer tipo de menção aos aspectos políticos que a produção
poderia eventualmente ter.
Esta assepsia ideológica presente nas críticas era oposta ao momento
marcante politicamente na história de Portugal: as guerras coloniais na África.
Dirá João Bénard da Costa: “Em 1963, a guerra alargou-se a Guiné. Em 1964, a
Moçambique. 50.000 portugueses partiram para as colônias, «rapidamente e em
força». Em 1965, a Oposição reclamou a autodeterminação das colônias e
64 Para João L. De Moraes Rocha (1998, p. 37), a censura “vigorou como forma de criar uma mentalidade; efectivamente, o lápis azul (os censores assinalavam os cortes com lápis azul) originou a autocensura, a coibição da escrita por auto-reprovação e receio”.
112
Humberto Delgado foi assassinado em Badajoz”. Após a guerra colonial a
censura focou com mais rigor os filmes e alguns deles só podiam ser vistos no
estrangeiro: “Na década da nouvelle vague, só aqui chegaram borrifos de
Truffaut e de Chabrol ou o Pierrot Le Fou de Godard (À Bout de Souffle teve que
esperar pelo marcelismo). Dos outros «cinemas novos» nada vimos, como não
vimos La Dolce Vita de Fellini, Lolita de Kubrick ou Belle de Jour de Buñuel, para
já não falar de Viridiana” (Costa, 1998, p. 65). Acrescentamos que os
portugueses também foram impedidos de ver dois clássicos do Cinema Novo
latino-americano: António das Mortes e Deus e o diabo na terra do sol, ambos de
Glauber Rocha. O primeiro só será exibido em 1972 e conforme o crítico Lauro
António65 com cortes; já o segundo somente dez anos após seu lançamento no
Brasil, em 1974.
A censura66 não era muito simpática aos chamados “filmes
revolucionários”, o que em princípio implicava numa autocensura dos
distribuidores em relação aos filmes estrangeiros que se enquadrassem nesta
temática uma vez que isto significava um risco (sobretudo financeiro) a correr
dada a possibilidade do filme vir a ser censurado a posteriori. Alguns
distribuidores, contudo, faziam esforço pela liberação de filmes, como relata
Eduardo Geada: “O Cunha Telles, que então mantinha em esplendorosa
atividade a Distribuidora Animatógrafo, de vez em quando pedia-me para lhe
escrever uns recursos mais ou menos eruditos que, em nome da cultura e da
modernidade, lhe deixassem passar algumas obras-primas do cinema mundial
que se encontravam com pena suspensa, à espera de serem devolvidos aos
produtores estrangeiros depois de terem sido chumbados pela Censura. Lembro-
me de ter intercedido, com mais ou menos êxito, em favor de Eisenstein, de
65 Celulóide. Nº 197, Maio de 1974, p. 19.
66 Como nota Cândido de Azevedo (1999, p. 227) por determinação do diploma no 13 564, de 06.05.1927, era rigorosamente interdita “a exibição de fitas perniciosas para a educação do povo, de incitamento ao crime, atentatórias da moral e do regime político e social vigorantes” e aquelas fitas que exibissem cenas de: “Maus tratos a mulheres. Torturas a homens e animais. Personagens nuas. Bailes lascivos. Operações cirúrgicas. Execuções capitais. Casas de prostituição. Assassínios. Roubo com arrombamento ou violação de domicílio, em que pelos pormenores apresentados, se possa avaliar dos meios empregados para cometer tal delito. A glorificação do crime por meio de letreiros ou efeitos fotográficos”.
113
Oshima, de Bergman, de Jean Vigo e de Glauber Rocha” (apud Azevedo, 1999,
p. 236).
Luís de Pina expressa que este cenário de mutilação trouxe o atraso da
“independência” da crítica portuguesa: “(...) a falta de filmes básicos, proibidos
pela censura, e as dificuldades financeiras de estudo, trabalho e edição,
obrigaram o crítico a ser um pouco impressionista e superficial, trabalhando com
imaginação e originalidade, por vezes com notáveis intuições, mas sem uma
base porventura mais científica” (1978, p. 77).
A maioria dos outros principais jornais lisboetas seguia a tendência
disciplinadora, como o Diário Popular que, nestes anos de ditadura, era
“dedicado ao «fait-divers» e ao espetáculo” (Vieira, 1998, p. 273). O sugestivo
nome Depois das nove foi o nome dado à seção sobre espetáculos, sobretudo
de teatro e cinema nos anos 60 até meados da década de 70, onde Rui Afonso e
Tito Lívio atuavam como principais colaboradores críticos. Já o Diário de Lisboa
e o República procuravam uma certa independência política apesar das
circunstâncias adversas. O primeiro mantinha a seção Diversões (teatros e
cinemas) dedicada à crítica de filmes em exibição sinalizando uma pequena
carga de liberdade nas opiniões. Conforme Bérnad da Costa (1991, p. 134) em
1965 o Diário de Lisboa foi o “primeiro quotidiano a inaugurar – nesse ano – uma
prática crítica em que o cinema era abordado como as outras artes”. Também
neste período, os suplementos Êxito e Vida literária e artística assumiam o papel
de divulgadores das artes em Lisboa. No início da década de 70, Lauro António
será um dos críticos mais famosos do jornal, assim como Jorge Leitão Ramos
anos depois, quando o Diário de Lisboa tornou-se mais limpo e gráfico em
termos de programação visual. O vespertino República, que funcionou até 1975,
chamou Espectáculos sua página endereçada à crítica de artes. Em Janeiro de
1971, o diário lança o suplemento Jornal de crítica, em cujo(s) quadro(s)
figuravam nomes de críticos como Afonso Cautela, Armando Pereira da Silva,
Tito Lívio, Carlos Porto e Vasco Granja, entre outros. A proposta era a produção
de um jornal exclusivo para crítica de artes e letras, que privilegiasse a
independência de opinião de seus autores: “Só nos interessa tal [polêmica], ao
114
nível da teoria crítica: aí, sim, vamos à luta. Porque só a crítica (o instrumento
crítico) é susceptível de análise crítica pela crítica. Cair na asneira supina de
analisar obras de arte, não”, reclamam os editores do jornal num editorial que
rebate as críticas ao Jornal de crítica67.
A Capital, também um vespertino lisboeta, volta às bancas em 1968,
depois de sua edição ter sido interrompida em 1926. Conforme Joaquim Vieira
(1998, p. 275), este periódico é o que “mais se identificará com a época do
«marcelismo»”, observação feita, sobretudo pelo diário pertencer a um consórcio
financeiro-industrial, proposta do governo de Marcelo Caetano que defendia a
apropriação dos jornais por grupos econômicos. Com seus títulos garrafais, já
em 1970, sinalizava uma modernidade gráfica e visual em sua coluna Notas
críticas de espectáculos e possuía Eduardo Geada e José Vaz Pereira entre
seus comentadores de cinema. Durante certo tempo (início dos anos 70) havia
um suplemento cultural de cinema intitulado Cena sete que buscava um espaço
maior dedicado a análises dos filmes fugindo àquela crítica laudatária.
O Expresso, hoje o semanário de maior tiragem em Portugal, surge em
pleno período marcelista no ano de 1973. Caracterizado como liberal, “O
Expresso quer dizer o que os outros jornais não dizem, e o fato é que, de forma
explícita ou apenas sugerida, é um periódico que vai fazer a diferença” (Vieira,
1998, p. 275). Fazer a diferença também no que diz respeito ao espaço dedicado
às críticas de filmes. Por ser um semanário, seus diversos suplementos deram
um lugar significativo a análises das artes e sua equipe de colaboradores era
formada por respeitados nomes do jornalismo local. Ainda hoje, o suplemento
Actual é referência de bons comentários sobre os filmes exibidos na semana.
Como se vê pelo expressivo número de publicações, uma espécie de
fermentação cultural convivia com a adversidade da censura na sociedade
portuguesa de então. A censura era disciplinadora, mas pontual. Censuravam-se
alguns filmes, peças e textos jornalísticos, embora não se censurasse o cinema,
o teatro ou o jornal. É importante sublinhar que, de certa forma, o movimento do
67 República. 23.03.1971, p. 7.
115
Novo Cinema ganhou força neste ambiente de censura, por exemplo, com a
criação de cursos técnicos na área de cinema. Entre 1961 e 1964 organizou-se o
primeiro curso de cinema em termos profissionais pelo Estúdio Universitário de
Cinema Experimental no Centro Universitário de Lisboa, levando a renovação ao
setor (Pina, 1978, p. 44).
Sem dúvida, a Revolução dos Cravos será um divisor de águas na história
política e cultural do país. Com o desaparecimento da censura, os diários
lisboetas politizaram-se de tal forma que alguns deles dedicaram metade de
suas páginas às questões políticas. Como relata Joaquim Vieira (1998, p. 276):
“Os comunistas, com um setor de imprensa bem estruturado e organizado,
apoderam-se da linha editorial dos principais diários de Lisboa - «DN» e «O
Século» -, passando a controlar ainda o «Diário de Lisboa» e mantendo
considerável influência noutras redações, sobretudo na RTP”. Certamente que
este contexto irá também refletir-se no discurso da crítica de cinema e no próprio
Cinema português. Películas como O encouraçado Potemkine de Eisenstein e
Sofia e a educação sexual de Eduardo Geada encontram finalmente espaço
para sua livre exibição nas salas de Lisboa. Foram fervorosas as discussões
sobre novas leis no cinema e o papel do Estado neste processo, sobretudo por
conta das lutas partidárias inerentes ao período posterior à Revolução.
Um dado a salientar diz respeito a uma mudança na direção assumida
pela cinematografia portuguesa, dois anos após o 25 de Abril, com seu
distanciamento do filme comercial-popular. Segundo Luis de Pina (1978, p. 62):
“Foge-se deliberadamente ao filme «popular», acessível, comunicativo,
procurando fórmulas de interesse que vêm mais dos conteúdos culturais,
informativos ou polêmicos, procurando transformar o próprio público que,
progressivamente politizado, aceita propostas novas (caso de Deus, pátria e
autoridade, documentário de montagem) e estará em condições de aceitar um
cinema que lhe dê algo mais que o espectáculo de diversão a que
fundamentalmente o habituaram, como o vão habituando ao filme pornográfico e
erótico, que invadiu Portugal de roldão e acaba de ser limitado por decreto a
cinemas especiais, depois de sujeito a forte tributação em sua entrada”. Nota-se
116
a opção por um cinema como serviço público de intervenção em detrimento de
um cinema comercial e apelativo (sobretudo o cinema industrial americano) cada
vez mais criticado nas publicações especializadas e até mesmo nos periódicos,
como podemos observar neste trecho do comentário68 de Rui Afonso acerca do
filme São Bernardo de Leon Hirszman: Demasiadamente hermético, se não
mesmo com uma linguagem fora do acesso do espectador comum, o filme terá
de ser ilegível ao nível das grandes massas. O importante, todavia, é que
Hirszman utiliza o rigor histórico, a profundidade de análise, para que a realidade
social e política tratada seja uma demonstração de materialismo histórico e de
compromisso ideológico, com que o realizador levou o romance de Graciliano
Ramos para o cinema. Mais adiante, Rui Afonso mostrou-se indignado com o
pequeno número de espectadores na sala: (...) os espectadores presentes
contavam-se pelo número de sete. Sim, sete espectadores, para um dos
melhores filmes atualmente em exibição. Cinema político votado ao abandono,
enquanto obras execráveis como «O exorcista» esgotam lotações em três salas
ao mesmo tempo, apoiadas por uma campanha publicitária em forma.
Convém salientar que a crítica de cinema mais politizada, após o 25 de
Abril, clamava igualmente, por filmes populares (ou seja, filmes mais simples e
menos impenetráveis) discutindo a viabilidade de processos de produção e
exibição democráticos ao mesmo tempo em que reprovava o elitismo hermético
de certos filmes e da própria escrita da crítica. Nesta nova configuração política
de Portugal, o cinema deveria subordinar-se a um programa de educação
coletiva uma vez que, para os críticos, a “grande massa” não tinha condições
culturais para entender filmes mais complexos sendo necessário a produção de
obras que fossem mais facilmente compreensíveis. Entretanto, a contestação ao
cinema de vertente marcadamente comercial manteve-se. A questão era ser, ao
mesmo tempo, contra um cinema comercial rasteiro e apelativo (mas que
sempre foi bastante acessível) e a favor de um outro cinema engajado que, na
sua essência, fosse pró-comunicativo com o público.
68 Diário Popular. 18.11.1974, p. 4. Assinada por Rui Afonso.
117
Nesta fase, o afastamento e a crítica ao cinema comercial eram
respaldados pelas publicações francesas e inglesas que, por sua vez, também
defendiam um cinema mais “inteligente”, “reflexivo”, “artístico” para o espectador,
contrário àquele de mero entretenimento. O Cinema Novo brasileiro,
supostamente correspondia às expectativas da exigente crítica por ser
comprometido política e socialmente em desmistificar a exploração econômica
sofrida pelos povos, sobretudo aqueles que viviam nos países periféricos. A
experiência militante intrínseca a este cinema, apesar de certa resistência do
público, era bem acolhida pela crítica portuguesa: A presença, quase contínua,
em salas de Lisboa, de um tipo fílmico expressivamente marginal, e incidindo
sobre temáticas – à primeira vista – com valor documentarístico, porém
organizadas sob certa sequenciação que lhes confere força narrativa autônoma,
e um cunho mensagístico específico, não tem merecido, lamentavelmente, a
conveniente atenção do nosso público, malgrado as suas posições de
esclarecimento desejado e participação – aspectos que, inevitavelmente, hão-de
passar pelo cinema, sublinhava José de Matos-Cruz na revista Plateia69
referindo-se ao filme Os fuzis de Ruy Guerra. No mesmo comentário Matos-Cruz
acrescenta: Ora, tenho sabido que, pelo menos a nível de «exploradores» das
salas, na província, o que se pede para a capital é «fitas com mulheres nuas» e,
se possível, subtituladas com advertência de «cenas eventualmente
chocantes»...
Importante assinalar, ademais, que outra questão foi sinalizada tanto no
texto de Luis de Pina quanto no comentário de Matos-Cruz: a invasão do filme
pornográfico às salas de cinema lisboetas. Discussões férreas nas páginas das
revistas Plateia, Celulóide, Cinema 15 e também nos jornais, apontam para a
inclusão do tema na pauta do dia. Havia uma clara divisão entre aqueles
contrários a qualquer tipo de censura e outros favoráveis à definição de limites
entre o que seria erotismo ou pura pornografia. Entretanto, os críticos (mesmo
aqueles não favoráveis à censura) não reconheciam o cinema pornográfico
como digno de produção de resenhas críticas. Mais do que mero espetáculo,
69 Plateia. Nº 74, 29.04.1975, p. 63.
118
estes filmes não representavam a cultura cinematográfica para os críticos. O fato
foi que a freqüência às salas que exibiam este tipo de cinematografia aumentou
consideravelmente passando a questão também para o plano de mercado. Salas
como o Capitólio e o Olímpia especializaram-se no gênero que, até hoje,
curiosamente produz pouca ou nenhuma crítica.
2. Outras publicações de referência
O Jornal de Letras e Artes era exceção, pelo menos em termos de uma
literatura mais particularizada na área das artes. Publicação especializada na
divulgação literária e cultural, o JL funcionou durante os anos 60, depois disso só
retornando em 1981 (como Jornal de Letras, Artes e Idéias) com um sucesso de
vendas devido, sobretudo, à boa qualidade de seus textos e colaboradores como
Eduardo Prado Coelho e Eduardo Lourenço. As críticas e artigos (geralmente
adotando a forma de ensaio e crônica) sobre cinema davam mais atenção e
espaço para análise dos filmes em textos de Mário Jorge Torres, João Lopes,
Guilherme Ismael, Miguel Esteves Cardoso, entre outros. O fato é que nesta
publicação quinzenal, voltada para um público mais intelectualizado, abriu-se a
proposta de produção de idéias em todo o setor artístico. Neste sentido o jornal
era um grande formador de opinião para a sociedade lisboeta dos anos 80 e 90.
Sem dúvida, haviam outras publicações de importância significativa para a
cultura portuguesa desta época. Salientaremos, contudo, somente Seara Nova e
O Tempo e o Modo70, ambas agregadas normalmente à literatura, artes e ao
ensaísmo político-filosófico-histórico. Entretanto, “todas elas acabam por dedicar
significativas páginas ao cinema nacional e estrangeiro, alimentar críticas e
polêmicas de primeiro plano, sem as quais não se pode fazer um retrato fiel da
recepção ao cinema em Portugal” (Barroso, 2002, p. 1276).
3. As revistas especializadas
70 Vale citar que o crítico e futuro diretor da cinemateca portuguesa João Bénard da Costa foi diretor da O Tempo e o Modo que saiu de circulação em 1977.
119
Cinéfilo, Estúdio, Celulóide, Imagem, Filme, Plateia, Isto é Cinema, Isto é
Espectáculo, Cinema15, são títulos das variadas revistas especializadas em
cinema presentes em Portugal durante os anos 60 até aos anos 8071. As
publicações especializadas se distinguiam da crítica comum dos jornais, apesar
de alguns de seus críticos trabalharem também nos diários e semanários. De um
modo geral, estas publicações especializadas apresentavam textos que
misturavam juízos, análise e informação sobre os filmes e, juntamente com os
cineclubes, foram as primeiras em Portugal a aceitar a idéia do cinema enquanto
arte. Elas destinavam-se a um público mais restrito uma vez que, além de sua
tiragem ser menor, seus discursos solicitavam um conhecimento mais profundo
de seus leitores que não se satisfaziam apenas com a informação divulgada na
imprensa generalista. Alexandre Figueirôa ressalta que, embora partilhem o
mesmo suporte e espaço de divulgação, “as revistas especializadas diferem da
imprensa generalista pois são mediadoras que definem claramente seus
conteúdos e se dirigem a um setor específico e homogêneo do público” (2004, p.
84).
A imprensa especializada, de um modo geral, dá mais liberdade e
independência aos seus colaboradores críticos porquanto estes dispõem de
mais tempo e espaço para análise e não dependem tão fortemente dos editores
ou mesmo do órgão em que trabalham como os resenhistas dos periódicos de
grande circulação. Embora seja bom considerar que os críticos portugueses,
sejam os das revistas especializadas, sejam os dos jornais e semanários,
mantêm uma independência difícil de ser observada em outros centros urbanos
europeus ou norte-americanos. A Revolução dos Cravos foi um fator
essencialmente democrático para a construção dessa mentalidade independente
dos críticos. Nota-se isso pela pluralidade de opiniões visíveis nos textos, apesar
de certos traços retóricos serem os mesmos. Em todo o caso, é nas revistas
71 Durantes os anos 70, sobretudo após o 25 de Abril, o mercado editorial se expandiu com o surgimento de diversas revistas especializadas ou generalistas. Na década posterior o mercado se retrai e entra em crise com o encerramento de muitas publicações. (Perestrello; Amaro, 1993, p. 120).
120
especializadas72 onde os críticos exercem maior poder de manifestação na
escrita, na qual a informação, avaliação e opinião mesclam-se segundo critérios
mais bem definidos.
De acordo com Luís de Pina a imprensa cinematográfica portuguesa
dividia-se “entre as revistas «cinéfilas», que procuravam distinguir a forma, o
espectáculo, o gosto puro da imagem animada, e as revistas «culturais», que
defendiam um cinema mais culto, mais virado para a realidade do seu
culto” (1978, p. 76-77). No primeiro bloco podem ser inseridas a velha Imagem e
a Plateia. No segundo alinham-se as revistas Filme, Celulóide, Isto é cinema,
Cinéfilo. Pina salienta que ambas (cinéfilas ou culturais) tiveram um papel
marcante na cultura cinematográfica portuguesa, embora reconheça os pontos
fracos das publicações traduzidos numa “superficialidade de leitura” das
primeiras e na “falta de comunicação com o leitor” das segundas.
O fato é que as revistas Plateia e Celulóide foram as que mais se
destacaram tanto por seu longo tempo de existência como pela grande
tiragem73. A semanal Plateia tinha como diretor Baptista Rosa e seguia os
ditames comerciais hollywoodianos com apelo gráfico e textual bastante popular
e, como todas publicações, até 1974 era visada pela censura. Por isso mesmo,
cumpria bem seu papel de promoção dos filmes considerados não perigosos,
numa sociedade sem liberdade de expressão. A partir da liberação em meados
de 1974 a revista sofre duas grandes e aparentes transformações: primeiro a
aparição de fotos de mulheres seminuas, sobretudo artistas de cinema erótico e
pornográfico, na capa e nas páginas internas. O contexto, de fato, era de
liberação, e como dissemos acima, as salas de Lisboa viram-se cheias de filmes
do gênero numa espécie de efeito catártico após longos anos de ditadura. A
onda do “cine pornô” acompanhava também o cenário mundial, seja na França,
72 Vale observar que nas décadas de 80 e 90 com o recuo do mercado de revistas especializadas, o papel de fornecimento da análise mais apurada dos filmes foi transferido para publicações como JL e o semanário Expresso, que davam às editorias de cinema um lugar especial.
73 Plateia durou de 1951 até 1979 e em Julho de 1979 sua tiragem era de 25 mil exemplares. A Celulóide nasceu em 1957 e perdurou até 1986.
121
Itália ou no Brasil - a liberação sexual manifestava-se também no cinema. A
segunda mudança visível na Plateia está igualmente inserida no contexto da
segunda metade da década de 70: a forte presença da televisão e, sobretudo,
notícias relacionadas às telenovelas no espaço (inclusive publicitário) da
publicação tendo como conseqüência a drástica diminuição do espaço dedicado
ao cinema com a apresentação por vezes de apenas uma resenha crítica
concebida por José de Matos-Cruz. Outro detalhe é que no final da década a
revista faz uma reformulação gráfica e incorpora a fotonovela sobretudo com
artistas brasileiros. A veia popular-comercial da revista permanece até meados
dos anos 80, quando assume de vez seu cariz publicitário74.
Já a revista Celulóide, propriedade de Fernando Duarte, apresentava-se
como a “revista portuguesa de cinema” capaz de suprir a lacuna cultural no
jornalismo cinematográfico luso. Publicada mensalmente, seus textos discerniam
sobre teoria do cinema e crítica cujos comentários primavam por um discurso
híbrido que envolvia descrição, juízo, informação e análise dos filmes
confirmando uma aparente independência de seus críticos. Durante seu longo
tempo de vida a revista pequena no formato mas não no conteúdo teve que
conviver com a forte concorrência dos finais da década de 70. Em 1976,
Celulóide mudou de papel e diminuiu o número de páginas numa tentativa de
recuperação econômica apelando, no editorial, aos leitores por um maior número
de assinaturas 75 . Seu público leitor era mais homogêneo e a credibilidade da
revista a colocava na posição de formadora de opinião. Por isso mesmo, sofreu
também com o período da censura, apesar de manter a especialização na
abordagem do campo cinematográfico.
Enfim, estas publicações representavam a cultura cinematográfica
portuguesa traduzida por resenhas feitas para jornais, semanários ou revistas
especializadas que, ao mesmo tempo em que promoviam os filmes, funcionavam
74 Refere Luísa Perestrello e Aribal João Amaro (1993, p.120) que “(...) os 855 números de Plateia, repartida em duas séries, passam pouco a pouco do cinema ao espectáculo em geral, para terminar como uma publicação mais ou menos erótica”.
75 Celulóide. Nº 226, Junho de 1976, p. 1.
122
como uma fonte de influência para o leitor. Os anos que se seguiram a este
ambiente de produção editorial cinematográfica foram marcados por profundas
metamorfoses, com encerramento de alguns periódicos (Diário de Lisboa em
1990, Diário Popular em 1992) e de grande parte das revistas de cinema. Em
compensação, na década de noventa chegou ao mercado o jornal Público, que
veio amparado pelo cenário de maior profissionalização do setor jornalístico e de
grandes investimentos em grupos de mídia. A sua página dedicada à crítica de
cinema espelha-se na própria modernidade gráfica do jornal, com críticos mais
jovens como Vasco Câmara. Já quase no final da década, Lisboa recebe a
revista Première numa versão portuguesa da revista espanhola que por sua vez
é também uma versão da tradicional revista francesa de cinema, mas é
predominantemente nos jornais e semanários onde hoje se cultiva um jornalismo
cinematográfico em Portugal, sem esquecer, contudo, os sites de crítica
hospedados na internet.
Nos anos 80 e 90, a crítica de cinema lusa convive com estas mudanças
mais estruturais aliadas ao surgimento de alguns grupos de mídia que se
mostram cada vez mais fortes e concorrentes entre si. Um dado interessante a
nossa pesquisa é o fato de que o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias serão
adquiridos em 1992 pelo grupo Lusomundo originalmente vinculado à área de
distribuição cinematográfica e videográfica. Este dado poderia pressupor
questões éticas ligadas ao fato de como a crítica de cinema destes jornais lida
com a empresa que a contratou. Entretanto, apesar de muito interessantes,
estas questões estão fora do alcance de nossa investigação.
Quanto ao tipo de discurso da crítica, essas décadas representaram
(sobretudo a de 90 com o fim do sonho político comunista e a derrocada do muro
de Berlim) o remexer nas referências políticas e ideológicas daquela parcela da
crítica que via nos ideais do cinema realista a solução para “educar” os
espectadores. Por outro lado, grande parte da crítica que privilegiava os
aspectos estéticos, da linha da pesquisa formal da matéria fílmica, manteve-se
presente até dias atuais e mesmo preservando a independência de opinião
favorecida, em parte, pela pequena dimensão do mercado português, não quis
123
se desvincular de um passado ligado à crítica francesa e aos movimentos
cinematográficos referenciais da época.
124
Um cenário acolhedor aos filmes brasileiros
Este horizonte histórico que circundou a crítica de cinema em Portugal
teve efeitos na concepção ou imagem que os críticos portugueses perceberam
do cinema brasileiro da época, especialmente nos anos 60 e 70. Havia uma
espécie de boa configuração histórica para acolher esta cinematografia de modo
favorável, visto haver até mesmo familiaridade entre certas temáticas e
propostas do Cinema Novo brasileiro e aquilo que os críticos portugueses
defendiam. Mesmo com a existência de uma divisão evidenciada na crítica
portuguesa, especialmente nos anos 60 e 70, parece que o Cinema Novo
atendia aos dois lados da moeda uma vez que este movimento tanto defendia
uma intransigência política quanto estética.
Vivia-se numa atmosfera onde a receptividade aderente às novas
cinematografias era parte do caldo cultural que movia o discurso teórico do
cinema, sobretudo europeu, de então76. Após a Nouvelle Vague e o Neo-
Realismo, era o cinema do terceiro mundo que despertava as publicações
especializadas. Conforme Ismail Xavier (2003, p. 145): “No momento do alto
modernismo cinematográfico, digamos nos anos 60-70, qualquer proposta de um
cinema alternativo trazia um horizonte de mudanças que eram, ao mesmo
tempo, do cinema e da sociedade (e não era preciso vincular experimentos ou
vanguardas ao socialismo), pois fazer oposição e buscar o diferente era criar um
novo espaço institucional de discussão do cinema”. Em Portugal, o Novo Cinema
clamava por mudanças, por um cinema que defendesse suas raízes através de
pesquisa formal que valorizasse as experimentações da linguagem
cinematográfica. A forma era a matéria do cinema. Por outro lado, as questões
76 Ver mais sobre isto na obra de Alexandre Figueirôa Cinema Novo: a onda do jovem cinema e sua recepção na França. São Paulo : Papirus, 2004.
125
ideológicas estavam presentes nas discussões dos intelectuais, produto,
sobretudo, do contexto vivenciado pela sociedade portuguesa de então. Este
desdobramento de valorização estilística por um lado, e por outro, de
contestação política foi extremamente receptivo ao cinema brasileiro.
Como dissemos, as convenções institucionais das revistas especializadas
favoreciam a uma cobertura mais atenciosa do cinema em geral e do brasileiro
em particular, ao passo que os jornais, por limitações institucionais, não eram o
espaço mais adequado para a constituição de artigos ou dossiês sobre os
variados movimentos cinematográficos do mundo. Deste modo, as revistas
ocuparam um espaço mais permissivo a um tipo de discurso informativo e
argumentativo sobre as cinematografias em destaque na época (Figueirôa, 2004,
p.58-81). Consideremos, no caso da recepção ao cinema brasileiro, sobretudo
os textos generalistas das revistas Plateia, Celulóide e Seara Nova. A revista
Celulóide dava uma importância considerável ao cinema produzido no Brasil nas
décadas de 60, 70 e 80, inclusive com um corpo de colaboradores no qual se
destacava os nomes dos críticos Carlos Vieira e Adhemar Carvalhaes que
escreviam regularmente para a revista. Apesar de serem críticos brasileiros,
seus textos tinham uma dimensão informativa e por vezes de divulgação da
cinematografia brasileira para o público-leitor da revista portuguesa, sendo
assim, considerados relevantes em nossa investigação uma vez que estes
colaboradores mantinham o papel de promotores do cinema que se produzia
naquele país da América do sul. Foi dessa forma, então, que o leitor português
teve conhecimento das primeiras notícias sobre o movimento cinemanovista no
Brasil. Já em 1964, Jaime Rodrigues Teixeira escreve um artigo Uma abordagem
crítica do cinema novo brasileiro77 que, se por um lado contextualiza bem os
condicionantes externos e internos ao surgimento do Cinema Novo no Brasil,
não esclarece muita coisa a respeito das principais características e obras
daquele movimento, provavelmente porque na altura isto não estava bem
definido, uma vez que o movimento ainda ia a curso. Em todo caso, os leitores e
críticos portugueses travam contato com a nova experiência cinematográfica
77 Celulóide. Nº 84, Dezembro de 1964, p. 5-7.
126
brasileira ainda que um dos filmes mais representativos do movimento, Vidas
secas de Nelson Pereira dos Santos, só venha a ser exibido em 1966 aquando
do III Festival Internacional de Arte Cinematográfica de Lisboa. Somente um ano
mais tarde Vidas secas entra no circuito comercial.
Como já mencionamos, os textos generalistas dessas revistas não
seguiam um padrão homogêneo de escrita, cabendo a cada um de seus críticos
e colaboradores apresentarem critérios originais; mas, de um modo geral, estes
discursos agregavam informação e opinião. Em Junho de 1966 o editorial da
Celulóide78 clamava por um Cinema Novo luso-brasileiro. Com uma frase de
efeito persuasivo logo nas primeiras linhas: O Cinema Novo é um fenômeno
universal, o texto não só acolhe o Cinema Novo brasileiro, mas clama por uma
partilha entre este movimento e o Novo Cinema português: Em Portugal e no
Brasil, um Cinema Novo de língua portuguesa, fala uma linguagem universal e
vai, com certeza, vencer. Comparando Verdes anos de Paulo Rocha, Belarmino
de Fernando Lopes, Catembe de Faria de Almeida, Domingo à tarde de António
de Macedo com Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha, Os fuzis de
Ruy Guerra, ou Vidas secas de Nelson Pereira dos Santos, o editorial defende
um Cinema Novo Luso-Brasileiro e apela aos distribuidores por uma exibição
mútua de filmes portugueses no Brasil e brasileiros em Portugal. A identificação
(ainda que isto provoque questionamentos) e o acolhimento da cinematografia
brasileira pela revista revelam a boa imagem que o cinema brasileiro detinha em
território luso no período, além, naturalmente da proposta de promoção do
movimento cinemanovista.
Com uma coluna dedicada ao cinema brasileiro que se estendeu até os
anos 80, a Celulóide procurava fornecer panoramas de cinemas considerados
periféricos ao grande epicentro comercial hollywoodiano. A revista, através da
organização de seu discurso e de suas temáticas chamava a atenção de seus
leitores para estes cinemas revolucionários, de vanguarda política e estética cuja
afinidade com a nova cinematografia portuguesa era de se esperar. Esses textos
78 Celulóide. Nº 102, Junho de 1966, p. 1-2.
127
generalistas publicados na Celulóide foram fortemente marcados pelo contexto
que os cercavam seja na efervescência intelectual da reflexão sobre a
necessidade de um Novo tipo de cinema, seja na concepção de que este Novo
cinema poderia promover o despertar da consciência crítica da sociedade. Boa
parte da crítica lusa considerava o Cinema Novo um cinema político por
excelência, o que estava de acordo com a visão de resistência ideológica da
crítica, cuja politização fazia parte do mapa histórico europeu. A situação de
miséria e a exploração do homem no nordeste brasileiro, temas ligados aos mais
representativos filmes do Cinema Novo (Vidas secas, Os fuzis e Deus e o diabo
na terra do sol), foram emblemáticos para desconstruir a visão elitista, burguesa
e urbana dos filmes americanos.
É fato que os filmes brasileiros, não só neste período mas até os dias
atuais, são em sua grande maioria exibidos em festivais ou mostras
retrospectivas promovidas por instituições ligadas às artes e ao cinema em
particular. O crítico Francisco Perestrello expõe na Celulóide79 seu
descontentamento com a fraca exibição de filmes brasileiros no circuito
comercial das salas lusas: Há, portanto, que promover o cinema português e
brasileiro, os dois únicos da nossa língua, não tanto forçando e obrigando a sua
projeção - fórmula que beneficiará por igual bons e maus filmes – mas,
sobretudo, pela sua promoção através de iniciativas bem fundamentadas e
continuadas no tempo, capazes de resultar numa sã publicidade, atraindo a
atenção do público e centrando o seu interesse. Dados de nossa pesquisa
comprovam que, na década de 60, apenas seis filmes brasileiros entraram no
circuito comercial.
Entretanto, este clamor não deixava de elevar uma cinematografia que,
mesmo escassa em filmes exibidos comercialmente em território luso, já
conseguira sua “cidadania dentro da república do cinema”, nas palavras de
Ismail Xavier, já deixara sua marca em festivais nacionais e estrangeiros. E a
marca era boa, sobretudo, a do Cinema Novo e as figuras de Glauber Rocha,
79 Celulóide. Nº 196, Abril de 1974, p. 13.
128
Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra. Há aí uma idéia de que somente o
Cinema Novo representava o cinema brasileiro.
Ademais, este circuito de “cinema de arte” é muito eficiente em
interlocução com a cultura dos festivais e das mostras nas universidades e
cinematecas. No caso específico do Cinema Novo, os canais de divulgação
eram primordialmente estes em que participavam, sobretudo cinéfilos,
formadores de opinião e um público fiel com grande poder de legitimação dos
movimentos culturais. O 1º Festival do Cinema Brasileiro em Portugal, assim
como a 1ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro e a 1a Semana do Cinema
Brasileiro, atuaram como canais de disseminação e legitimação do cinema
brasileiro e que apesar de certos problemas, expunham, por vezes em primeira
mão, filmes já relativamente famosos mas desconhecidos do público português
(Tabelas 1, 2 e 3).
Tabela 1: Filmes exibidos no 1o Festival de Cinema Brasileiro – 17 a 24 de Março.
Φιλμε ΑνοA vida provisória 1971Antes, o verão 1971As amorosas 1971Copacabana me engana 1971Fome de amor 1971Juliana do amor perdido 1971Macunaíma 1971Memória de Helena 1971O diabo mora no sangue 1971Os cafajestes 1971Os deuses e os mortos 1971Panorama do cinema brasileiro 1971Proezas de satanás na vila de leva-e-traz 1971Senhores da terra 1971
Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa.
129
Tabela 2: Filmes exibidos na 1a Retrospectiva do Cinema Brasileiro – 08 a 22 de Março.
Φιλμε ΑνοA falecida 1972A grande cidade 1972A hora e a vez de Augusto Matraga 1972Asilo muito louco 1972Ganga Bruta 1972Macunaíma 1972Na garganta do diabo 1972O cangaceiro 1972António das mortes 1972São Paulo S.A. 1972Sinhá Moça 1972
Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa.
Tabela 3: Filmes exibidos na 1a Semana do Cinema Brasileiro – 10 a 14 de Dezembro.
Φιλμε ΑνοA compadecida 1973A selva 1973Missão: matar 1973Tati, a garota 1973Um anjo mau 1973
Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa.
Na ocorrência do 1o Festival realizado em Lisboa (cinemas Império e
Estúdio) entre 17 e 24 de Março de 1971, a repercussão foi marcada pela ampla
cobertura da imprensa e a avaliação de críticos sobre o evento organizado e
patrocinado pela embaixada do Brasil em Lisboa. Com salas sempre cheias, o
Festival pecou, segundo a crítica, sobretudo em dois pontos: por sua
desorganização no cumprimento da agenda dos filmes e pela ausência de obras
significativas do Cinema Novo brasileiro. Afonso Cautela registra este
descontentamento no Diário Popular: Em prosa publicada no último número de
«O Século Ilustrado», Fernando Dil escrevia que do programa do Festival de
Lisboa, apenas dois filmes, «Os Herdeiros» e «Macunaíma» se enquadravam na
130
linha do cinema novo brasileiro, e àqueles juntava, numa segunda linha, «Fome
de Amor», «Os Deuses e os Mortos», «Vida Provisória» e «Memória de
Helena»80. De fato, a ausência de importantes filmes do movimento e, sobretudo
de Glauber Rocha foi motivo de protesto neste festival. Por outro lado, e mesmo
com a ausência de obras significativas, a presença de filmes brasileiros inéditos
em território luso contribuiu para uma maior divulgação do Cinema Novo. No
Diário de Lisboa, o crítico Oliveira Pinto publicou vários artigos (um total de sete,
todos no mês de Março de 1971) sobre temas relacionados ao Festival, mas
sobretudo sobre o Cinema Novo, inclusive acompanhados por entrevistas com
realizadores participantes do movimento. Já o crítico Carlos Pina expressa que,
para lá da realidade sócio-política de um país heterogêneo, este primeiro festival
do cinema brasileiro poder-nos-á abrir diversos outros caminhos. A visão de um
Brasil «sui generis» (que a maior parte dos portugueses ainda possui) poderá
ser substituída agora pela percepção de algo muito forte que esse mesmo Brasil
já produziu ou (o que é mais importante), por aquilo que ainda tem para nos
dar81.
Um ano após este 1o Festival, outro evento marca a presença e promoção
do cinema brasileiro em Lisboa. Trata-se da 1a Retrospectiva do Cinema
Brasileiro realizada entre 8 e 22 de Março de 1972 na Cinemateca Nacional
(Palácio Foz), também organizada pela embaixada do Brasil em Lisboa. Tal
como o 1o Festival, esta Retrospectiva teve uma grande afluência de público:
Ontem aconteceu o que muita gente julgaria impossível. Às primeiras horas da
manhã, várias centenas de pessoas, sobretudo rapazes e raparigas, formavam
bichas que enchiam os passeios contíguos ao Palácio Foz, esperando conseguir
bilhetes para assistir a um filme admirável chamado «Macunaíma» (...)82, referiu
o crítico Carlos Pina. E, ao contrário do ano anterior, foi exibido pela primeira vez
em Portugal uma obra de Glauber Rocha: Antônio das Mortes, o que
efetivamente contribuiu para uma maior discussão acerca do Cinema Novo. Em
80 Diário Popular. 21.03.1971, p. 3. Assinada por Afonso Cautela.
81 Diário de Notícias. 17.03.1971, p. 8. Assinada por Carlos Pina.
82 Diário de Notícias. 18.03.1972, p. 8. Assinada por Carlos Pina.
131
1973, ainda realizou-se mais uma Semana do Cinema Brasileiro (entre 10 e 14
de Dezembro de 1973). Entretanto a tentativa de manter o evento na agenda
cultural não foi bem sucedida nos anos posteriores devido a diversos fatores
contextuais (como a reorganização do setor cinematográfico português no
período pós-Revolução de Abril), embora por outras vias, a presença de Glauber
Rocha em Lisboa, como adiante descreveremos, tenha reforçado o processo de
divulgação do movimento cinemanovista brasileiro.
Além dos festivais, os dossiês, prática comum em algumas revistas,
também cumpriam o papel de exposição dessas novas cinematografias. Em
1965 a Seara Nova83 publica Descoberta dos Cinemas da Fome, onde o Cinema
Novo brasileiro é encarado como uma verdadeira revolução, comparável à do
neo-realismo na Itália. O texto acentua o caráter de compromisso social e
autenticidade do movimento que busca defender as raízes nacionais e refletir
sobre o “cinema da fome”, numa clara alusão ao manifesto de Glauber Rocha.
Apesar de demonstrar certo desconhecimento nos dados apresentados (como
chamar Ruy Guerra de um realizador negro e afirmar que no Brasil há uma
ausência de preconceitos raciais) Michel Capdenac mostrou sua defesa de um
cinema contemporâneo, de vanguarda estética e política, cinema este que já
contrastava com o declínio artístico das cinematografias mais desenvolvidas, um
cinema da fome.
O artigo de Capdenac sinaliza a tendência da crítica de cinema européia,
em particular à francesa, em “descobrir” e apoiar cinematografias originárias do
terceiro mundo, num período em que os críticos franceses viam a Nouvelle
Vague como um movimento já em declínio (Figueirôa, 2004). O texto de
Capdenac sinaliza também um texto engajado favorável à onda de um cinema
militante que verá seu apogeu nos anos 70, consoante o perfil editorial da Seara
Nova de inclinação marxista.
A popular Plateia seguia também a tendência de boa acolhida para com o
83 Seara Nova. Nº 1437, Julho de 1964, p. 216-217. O texto parece ser a tradução de um artigo do crítico francês Michel Capdenac, aqui considerado pelo seu teor de divulgação do movimento cinemanovista em Portugal.
132
cinema brasileiro, sobretudo na década de 70. A publicação dedicou um espaço
ao cinema brasileiro em Portugal e a passagem de Glauber Rocha84 por Lisboa,
atraído pelo 25 de Abril, foi registrada pela revista que exibe um bilhete
manuscrito de Rocha com uma mensagem aos cineastas portugueses. A boa
recepção da crítica ao cineasta foi notória com a exibição de seu filme Terra em
transe, liberado após a queda da censura. Sem dúvida, como já enfatizamos,
após a Revolução dos Cravos as publicações abriram-se para os cinemas mais
politizados e a Plateia publicava diversos dossiês. Num deles85, a revista dedicou
13 páginas ao cinema brasileiro e apesar de mostrar as novas inclinações desta
cinematografia, como a comédia de costumes ou o cinema marginal, o fez
sempre comparando ao Cinema Novo. Teresa Barros Pinto, no artigo Uma
personalidade ímpar do cinema brasileiro86, reconheceu as dimensões não
somente políticas mas também estéticas visíveis nas obras de Glauber Rocha:
Mas, pretender confinar o filme de Glauber Rocha a uma leitura exclusivamente
política da realidade brasileira, seria ignorar toda a riqueza e imaginação do seu
cinema, e seria, certamente, deturpar a verdadeira dimensão do seu
pensamento e da sua prática cinematográfica. O Cinema Novo agradava a
gregos e troianos, à crítica militante e à crítica formalista, à Positif e aos Cahiers
du Cinéma, à Seara Nova e à Plateia.
As entrevistas com realizadores brasileiros também complementavam
este quadro de abertura e receptividade ao Cinema Novo. Encaixadas
geralmente no momento de estréia de algum filme, as entrevistas funcionavam
como canal de aproximação (também para aos críticos) não só das películas
propriamente ditas mas de toda a obra do realizador entrevistado. Refira-se que
os próprios realizadores através das entrevistas, ou mesmo por outra via de
84 Plateia. Nº 694, 18.05.1974, p. 24. A mensagem de Glauber: “Os cineastas portugueses devem superar as divisões provocadas por 50 anos de fascismo e atingir a unidade econômica e política que é o fator revolucionário fundamental. O grande mestre do cinema português é Manuel de Oliveira. E os jovens serão guiados por sua luz. Em Portugal nascerá o cinema novo dos anos 70”. Glauber Rocha, nesta mesma época, participa do filme coletivo As armas e o povo junto com uma série de realizadores portugueses como Fonseca e Costa, Eduardo Geada, João César Monteiro, Luís Galvão Telles, António-Pedro Vasconcelos e outros.
85 Plateia. Nº 748, 03.06.1975.
86 Plateia. Nº 748, 03.06.1975, p. 62.
133
contato com a crítica, operavam como amplificadores dos ideais deste Cinema
Novo. Glauber Rocha, certamente foi o maior deles a partir de seu manifesto A
Estética da Fome87. Glauber Rocha dava com certa frequência entrevistas a
revistas de cinema francesas e italianas com o objetivo de divulgar o seu
“cinema da fome” e pelo menos uma delas foi traduzida e publicada em Portugal
pelo crítico A. Roma Torres na coletânea Cinema, arte e ideologia, em 197588.
Estes realizadores e seus projetos conformavam-se com a política dos
autores ao mostrar unidade formal e agregações temáticas de suas obras. Para
Eduardo Geada (1987, p. 143), “Uma vez que a crítica procura desvendar e
valorizar o discurso pessoal do realizador, não é de estranhar que a maioria das
revistas da especialidade e da imprensa em geral reserve pelo menos tanto
espaço às entrevistas e as biofilmografias como à análise de filmes. Se a
entrevista assume um papel complementar da crítica nas seções especializadas
é precisamente porque ela permite ao crítico decifrar na origem as intenções do
autor caucionando deste modo as suas próprias opiniões”. Ou seja, o crítico, ao
dispor da entrevista, garante entre outras coisas, mais autoridade à sua fala.
Outros meios de comunicação como as antologias também serviram para
credibilizar e promover o Cinema Novo em Portugal. Um deles 89 traz a tradução
de um texto de Glauber Rocha publicado nos Cahiers du Cinéma, intitulado O
cinema tricontinental. Neste texto Glauber defende os cinemas da Ásia, África e
América Latina e procura explicar, à sua maneira barroca, o que é o Cinema
Novo entendido como um cinema cuja estética tem mais relações com a
ideologia do que com a técnica. Nesta mesma antologia, destaca-se o artigo A
batalha do novo cinema de Louis Marcorelles, crítico dos Cahiers du Cinéma que
87 Tese apresentada durante as discussões em torno do Cinema Novo, por ocasião da retrospectiva realizada na Resenha do Cinema Latino-Americano em Gênova, Janeiro de 1965.
88 Trata-se da entrevista intitulada “Estética de fome e cinema de arte”, tradução da entrevista que Glauber forneceu aos Cahiers du Cinéma, N. 214, Julho e Agosto de 1969 e que foi publicada em Portugal por Roma Torres (1975, p. 242-255).
89 Cadernos de Cinema: Novo Cinema, Cinema Novo. Lisboa : D. Quixote, 1968. p. 75-86.
134
mais promoveu, discutiu e “inventou” o Cinema Novo na França90. Marcorelles
chama a atenção da crítica para os jovens cinemas brasileiro, canadiano,
húngaro, tchecoslovaco, grego, etc. Estes teriam em comum um “orçamento
ridículo”, ambições políticas, contexto próprio fora de Hollywood, um estilo
desconcertante, uma desordem formal que não devia ser desprezada pelos
críticos mais tradicionais. É interessante perceber como estas publicações
avalizadas por seu apelativo corpo de colaboradores conferia autoridade à
informação sobre essas cinematografias. Esta autoridade (necessária, diga-se,
uma vez que o cinema buscava a dignidade da Literatura ou do Teatro) em
certos casos era respaldada por intelectuais portugueses como Eduardo
Lourenço, que escreve o ensaio O Cinema Novo e a mitologia brasileira91 por
ocasião da Semana do Cinema Brasileiro em Nice, em 1967.
Neste ensaio Eduardo Lourenço afirma que este jovem cinema possui um
traço marcante de “honestidade” e “impressiona antes de tudo por esse tom de
íntima comunhão com a matéria abordada, sertão ou realidade citadina, filhos de
uma autenticidade crítica e de uma seriedade junto das quais proezas de outro
gênero e de outro alcance chegam a parecer suspeitas. Sem dúvida o segredo
desta seriedade se deve à atitude ideológica e à crítica aprofundada a que esses
jovens cineastas submeteram o cinema brasileiro anterior enquanto elemento
alienante da visão brasileira de Brasil”. E mesmo reiterando a atitude crítico-
ideológica do movimento, Lourenço não deixa de evidenciar também uma
diversidade “ao nível estético decisivo, o da forma através do qual os singulares
elementos se revelam”. Este perfil original de composição formal e temática e a
criação de uma linguagem combinada com a carência de recursos financeiros
complementavam-se aos desejos do pensamento da crítica cinematográfica da
época.
Resta ratificarmos o pressuposto de como este horizonte contextual vivido
90 Ver mais sobre a importância de Louis Marcorelles na divulgação do Cinema Novo na França no livro de Alexandre Figueirôa. Cinema Novo: a onda do jovem cinema e sua recepção na França. São Paulo: Papirus, 2004.
91 Republicado em português no catálogo do ciclo do cinema brasileiro, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1978.
135
pela sociedade portuguesa foi favorável à boa recepção do Cinema Novo
brasileiro. As revistas especializadas tornaram-se um território de
reconhecimento e legitimação deste novo movimento cinematográfico, sobretudo
pela identificação com as idéias estéticas e políticas, transfiguradas numa crítica
livre que ora era engajada ora era formalista mas que partilhava a mesma
aversão ao cinema popular-comercial. A imprensa cinematográfica no pós 25 de
Abril abriu-se mais ainda a novas cinematografias e desempenhou um papel
considerável na aceitação e promoção do cinema de arte e de experimentação.
Convém lembrar, ademais, que foi nos anos 50 e 60 que a crítica mais sustentou
e alimentou a artisticidade do cinema, visto até então, pela maioria dos
espectadores como mera distração. E ainda que sua influência sobre o circuito
comercial de um filme tenha sido tímida, o valor desses textos discursivos foi
notável sobretudo para informação e difusão de um cinema até então pouco
conhecido.
A instauração de um “cinema moderno” punha em xeque o critério de
continuidade clássica e revelava seu descompromisso com a linguagem oficial e
com a lógica linear. Este instante de ruptura na história do cinema alimentava os
debates na crítica que, de um modo geral, acolhia a ebulição dos novos cinemas
os quais, pelo menos por um tempo, incorporavam esta linha moderna de
invenção.
O solo histórico-social em Portugal vivia sob a efervescência da mudança
de paradigmas e cabia aos jovens (cineastas) propor algo que desanuviasse o
desencanto que uma parcela da crítica teve em relação ao fim do Neo-realismo
italiano e ao vertiginoso crescimento do cinema comercial. A imprensa
cinematográfica como meio de circulação de informação respaldava a
necessidade pelo Novo e as novas cinematografias com suas propostas
intransigentes eram muito bem vindas. Com efeito, não era difícil verificar que os
filmes do movimento cinemanovista propunham transformações estéticas e
políticas e suas imagens reafirmavam a denúncia de uma realidade social
injusta. Foi neste contexto de produção que o discurso da crítica portuguesa se
pautou muitas vezes por uma descrição da realidade social brasileira baseada
136
no conteúdo dos filmes, privilegiando o elemento narrativo, como veremos
adiante na análise das resenhas.
No plano internacional, as circunstâncias foram também favoráveis com a
importância que a crítica francesa (dos Cahiers du Cinéma a Positif) dedicava
aos novos cinemas e a contestação cada vez mais feroz ao cinema mercantil
produzido em Hollywood, juntamente com a crescente politização dos
intelectuais europeus do período que viam no cinema de arte uma opção
pragmática de fazer valer a revolução social.
Convém adicionar que este leque contextual que circulava e formava o
horizonte de expectativas da crítica portuguesa e sua boa recepção aos filmes
brasileiros foi determinante na tentativa de compreensão da imagem do cinema
brasileiro em Portugal neste período. Imagem que certamente marcará toda a
sua história em solo português até os dias atuais.
Por fim, acreditamos ser necessária e essencial a reflexão sobre o que
efetivamente constituía e proclamava o Cinema Novo brasileiro. Sua forma
emblemática de ver o mundo política e esteticamente, carregada de simbolismos
e alegorias sobre o que seria um cinema militante do subdesenvolvimento é o
que propomos destacar no capítulo a seguir.
137
1. O Cinema Novo brasileiro: uma experiência moderna
Tupi or not tupi, that's the question.
Oswald de Andrade
Problemas, impasses e paradoxos. É este o contexto em que se insere o
Cinema Novo no Brasil nos anos 60. Problemas que o cinema brasileiro
carregava deste os anos precedentes, como a falta de financiamento para a
produção e distribuição das películas, impasses diante de um projeto de cultura
nacional-popular e o paradoxo da justaposição do arcaico com o moderno numa
cinematografia até então marcada essencialmente por convencionalismos.
Todavia, dentro deste mesmo contexto rico e tumultuado, a condição do Cinema
Novo é muito peculiar, fortemente assinalada pela postura de conscientização,
própria dos projetos da época.
O primeiro sinal de mudança veio em 1955 com Rio, 40 Graus de Nelson
Pereira dos Santos, considerado como o filme precursor e inspirador do
movimento. A história recheada de humanismo da vida cotidiana de uma favela
no estado do Rio de Janeiro era a representação possível da presença da
temática nacional com inspiração popular. A forma crua e realista com que
Nelson Pereira filmou, além da novidade em termos de produção - o sistema de
cotas92 que demonstrava a possibilidade de feitura de um filme fora dos
domínios dos grandes estúdios e das grandes produções - acarreta uma
contribuição imensa para o cinema brasileiro do período93.
92 O filme foi realizado em esquema de cooperativa por um grupo de jovens (atores, produtores e técnicos não profissionais) durante quase um ano e foi fortemente influenciado pelo cinema neo-realista de Rosselini e Cesare Zavattini.
93 O historiador do cinema brasileiro Fernão Ramos (1987, p. 306), em Os novos rumos do cinema brasileiro, diz que o que mais nos impressiona ao vermos o filme hoje é “a volúpia que a câmara sente pela imagem do popular, do favelado, de um universo que não era absolutamente o do diretor e da equipe, mas que exerce neles um fascínio doce e insistente. O filme é a exaltação e o deslumbramento de uma imagem ainda desconhecida e que fascinará de forma intensa mais de uma geração de cineastas brasileiros”.
138
Posteriormente, seguem-se outras produções importantes como Rio, Zona
Norte (1957) também de Nelson Pereira dos Santos e O grande momento (1958)
de Roberto Santos, obras que apostavam sobretudo na substituição do modelo
industrial dos estúdios (Vera Cruz) pela crença na produção independente de
filmes modestos. Nestas e noutras produções já eram visíveis os traços do Neo-
realismo italiano94.
Após uma série encontros e discussões teóricas nos cineclubes, nas
universidades e na imprensa especializada, surgiram os primeiros contatos não
muito regulares e sem propostas muito definidas, banhados pelo sucesso do
cinema Neo-realista na Itália e pelo engatinhar da Nouvelle Vague francesa.
Desses encontros, do qual participavam nomes como Nelson Pereira dos
Santos, Ruy Guerra, Glauber Rocha, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman,
Carlos Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e tantos outros, reclamava-se por
um cinema “legitimamente brasileiro” capaz de descobrir, conhecer, interpretar e
revelar a realidade social do país. O projeto era ambicioso, mas os resultados
mostraram ser possível a sua concretização. Pelo menos por um tempo.
Já no início da década de 60, películas com tônica documentarista cuja
precariedade dos meios de produção é vista, paradoxalmente, como uma de
suas principais qualidades, revelam imagens do nordeste brasileiro portadoras
de uma crueza incômoda, captadas por câmeras sem filtros que acentuavam a
clima solar do sertão nordestino. Arraial do cabo de Paulo César Saraceni e
Aruanda do diretor Linduarte Noronha, ambos concluídos em 1960, são
exemplos deste itinerário inicial de um movimento ainda indefinido mas que
acolhia a força da realidade capturada pela câmera destes diretores. Em 1963,
Glauber Rocha publica Revisão crítica do cinema brasileiro, obra na qual o autor
dispara críticas contundentes às formas de espetáculos convencionais
realizadas na cinematografia brasileira desde o início do século (poupando
94 Nelson Pereira dos Santos (apud Vianny, 1999, p. 483) confirma: “A grande influência que recebemos foi do Neo-realismo. A gente descobriu que podia fazer um cinema no Brasil sem estúdios gigantescos, sem grandes capitais, com equipamento leve. As histórias saíam da própria realidade, enfim todos aqueles ensinamentos. E principalmente a idéia de transformação social, que era o mais importante e que o Cinema Novo herdou e fez”.
139
somente Humberto Mauro), já vislumbrando os primeiros passos do Cinema
Novo, seus principais objetivos e princípios estéticos. Estes objetivos e princípios
ancoravam-se num projeto de cinema nacional, popular, com baixo orçamento
mas de elevado nível artístico e possuidor de uma expressão moderna,
integrado na realidade brasileira.
O projeto de Glauber a favor da nacionalização da expressão
cinematográfica brasileira vai guiar a estética cinemanovista da época: os
modelos da linguagem clássica do cinema, sobretudo do cinema norte-
americano de narrativa linear, deveriam ser quebrados e abandonados. Como se
viu posteriormente, não foi possível levar às últimas conseqüências a
concretização deste projeto, sendo esta talvez uma das maiores contradições do
movimento: um discurso anticinema clássico e uma prática não tão contrária à
linguagem deste cinema. Glauber Rocha foi certamente o que mais se
aproximou desta cisão ao buscar a descontinuidade e explicitar as fraturas
espaços-temporais da narrativa em seus filmes.
O horizonte social e histórico do Brasil neste período foi emblemático na
cristalização das potencialidades do movimento cinemanovista. Na década de 50
o país atravessava ideologicamente a euforia nacional-desenvolvimentista,
sobretudo em alguns setores da indústria brasileira: “A década de 1950 havia se
definido como o momento de maior vigor da chanchada e de enterro precoce de
um incipiente ‘cinema industrial’ brasileiro, num contexto em que se viu a
afirmação crescente de um projeto nacional popular, alimentado pela
esquerda” (Xavier, 2001, p. 27). Este período também é perpassado pela idéia
de subdesenvolvimento como opositora, mas presente, no projeto do nacional
desenvolvimentismo brasileiro. Sobretudo no cinema, o subdesenvolvimento
crônico que o crítico Paulo Emílio Salles Gomes teorizou, vinculado ao conceito
marxista de “alienação”, já era tema tratado pelo diretores no início dos anos 60.
Apesar de tudo, havia um otimismo em relação à criação de um modelo de
desenvolvimento do qual o cinema traduzia esse desejo de ser o canal de
expressão do povo brasileiro, de suas mitologias e culturas regionais.
140
Esta vontade positiva, entretanto, dá lugar a um desencanto com o golpe
militar ditatorial em 1964. Um golpe que atingiu o epicentro de um movimento
cultural em plena ascensão. Ao regime político conservador, autoritário e com
interesses multinacionais no mercado foi acrescentada uma ação censória que
envolvia os filmes, as peças de teatro, as artes plásticas e naturalmente a
imprensa. Tal como em Portugal na ditadura salazarista, foi instalado um clima
encorajador da autocensura culminando, após sucessivos atos institucionais,
com o total fechamento em 1968, ditado pelo Ato Institucional nº 5, o famigerado
AI-5, que atingiu uma grande fatia da produção independente de diretores
ligados ao chamado cinema marginal e adiou a circulação de vários filmes até
1979.
Ismail Xavier (2001, p. 57) resume bem o contexto sócio-econômico do
Brasil ao assinalar que a modernização conservadora instaurada pelos militares
uniu “expansão industrial e arrocho salarial, crescimento urbano e favelização,
alterou o perfil dos empregos, com maior presença na esfera administrativa e
das comunicações, combinou a deterioração da qualidade de vida na cidade e
no campo com a adaptação do capitalismo brasileiro à ordem internacional”. Por
outras palavras, alargou o paradoxo do Cinema Novo de retratar um país que
vivia (e ainda vive) a sobreposição do arcaico com o moderno.
Fernão Ramos (1987) aponta para aquilo que poderia ser a divisão em
fases do movimento cinemanovista no Brasil. São três momentos possuidores de
fortes discursos ideológicos e filmes emblemáticos com perfis comuns entre si.
Na primeira fase destacam-se os filmes Deus e o diabo na terra do sol (Glauber
Rocha, 1963), Os fuzis (Ruy Guerra, 1963) e Vidas secas (Nelson Pereira dos
Santos, 1963). Sobre esta fase declara Fernão Ramos: “A primeira trindade
correspondendo à produção de 1963, é marcada pela imagem realista do
nordeste seco e distante, do povo nordestino e sua condição de explorado, pela
ausência do habitat natural dos próprios cineastas (jovens de classe média
urbana) e pela presença de todo um questionamento do universo apresentado
através de um personagem que tem como função servir de correia transmissora
às angústias e dilemas do jovem urbano, sem que este apareça em si mesmo
141
como personagem dentro do universo ficcional” (1987, p. 348).
De fato, estas obras marcaram significativamente o Cinema Novo, não só
no Brasil, também no cenário internacional e talvez por isto estas obras são as
que mais representem o movimento no imaginário cultural nacional e
internacional. Em Portugal estas películas foram exibidas com certo atraso.
Vidas secas, ainda na década de 60, mas Deus o diabo e Os fuzis somente na
década posterior. Entretanto, elas já eram bem conhecidas pelos críticos uma
vez que já tinham sido premiadas em festivais internacionais, sobretudo em
Cannes, Veneza e Berlim. A representação de um Brasil remoto e ensolarado
onde se podiam prever conflitos políticos nunca tinha sido exibida de forma tão
contundente e franca como nestas obras. Esta “trilogia do sertão”, para Ismail
Xavier, inaugura uma fase extremamente original no cinema brasileiro, com
apropriação de elementos do cinema moderno “ocorrida em Vidas secas, com
sua ação rarefeita e sua escassez de som, notável, original; em Os fuzis, com
sua estrutura dramática estranha ao naturalismo; e em Deus e o diabo, forte
matriz de um cinema-ritual, reflexivo, ativado por uma câmera na mão, tensa e
em movimento, e por uma montagem de rupturas, desequilíbrios e
contrastes” (2001, p. 65). Nesta fase, a tese-manifesto de Glauber Rocha Uma
estética da fome vem ratificar a proposta do movimento de aliar o cultural ao
político, não apenas dentro de um cenário brasileiro mas num contexto do
subdesenvolvimento mundial. As metáforas do cinema político do terceiro mundo
deveriam constituir-se numa recusa do cinema dominante industrial. A violência
imposta, sobretudo no estilo, se mostrava “contra o paternalismo do europeu em
relação ao terceiro mundo”, que seria combatido pelo choque de imagens
preocupadas com a “verdade” sem exotismos nem folclore: “é preciso negar a
universalidade de uma técnica para afirmar um estilo em conflito com as
convenções vigentes; é preciso assumir a precariedade de recursos e inventar
uma linguagem que, no plano da cultura, seja uma negação revolucionária tão
legítima quanto a violência do oprimido na práxis histórica” (Xavier, 2001, p.
131).
A segunda fase assinalada por Ramos compõe-se dos filmes Terra em
142
transe (Glauber Rocha, 1967), O desafio (Paulo César Saraceni, 1965) e O
bravo guerreiro (Gustavo Dahl, 1968). Após o golpe militar de 1964, o dilema do
jovem de classe média diante de um contexto ideológico perverso passava a ser
a temática marcante deste período. As questões urbanas aparecem nas
narrativas dos filmes sempre envoltas de uma configuração política de
desencanto. Era necessário fazer um diagnóstico, expressar perplexidade face a
uma nova conjuntura da derrota das esquerdas. Foi a fase da autocrítica e do
mea culpa do Cinema Novo. Aliado a esta nova configuração, havia a ansiedade
da comunicação com o público. Infelizmente, esta preocupação com a fruição
dos filmes ficou mais como uma palavra de ordem nos textos do que uma
realidade visível nos filmes. A resposta do público não atendia (como até hoje
não atende) àquelas narrativas complexas e o espectador preferiu a linearidade
da linguagem convencional. Terra em transe é certamente o exemplo mais
emblemático desta fronteira comunicativa com o grande público. O filme foi um
choque até mesmo para os artistas e intelectuais de esquerda no Brasil: “A sua
crítica ao populismo como mascarada pseudodemocrática, como carnaval; sua
representação dos conflitos políticos, (...) sua figuração kitsch de espaços e
personagens simbólicos que representam uma identidade nacional dada a
excessos e histerias; seu desenho do intelectual-poeta-político como figura
contraditória, às vezes execrável; todo este painel exibido numa avalanche que
ultrapassava o espectador mais atento foi um espelho doloroso, rejeitável,
polêmico até onde um filme pode ser” (Xavier, 2001, p. 69-70). Se a idéia era
cativar o público pelo espetáculo este filme não era certamente um bom
exemplo. Nesta fase, o Cinema Novo redefiniu suas âncoras e se exibiu como
reflexão dramática do golpe militar cuja esperança foi substituída pelo
desencanto. Embora isto não elimine o movimento da experiência da
modernidade, garantida ainda pela procura de um cinema nacional vivido em
plena angústia existencial, sobretudo através do barroquismo de Glauber Rocha.
Já próximo do fim da década de 60, a luta pela manutenção de
intransigência ideológica e formal, assim como a preocupação em estabelecer a
comunicação com o grande público, continuam para o que seria a terceira fase
143
do movimento caracterizada pelos fortes traços alegóricos nos filmes: O dragão
da maldade contra o santo guerreiro também intitulado António das Mortes
(Glauber Rocha, 1969), Os herdeiros (Carlos Diegues, 1969), Macunaíma
(Joaquim Pedro de Andrade, 1969) e Os deuses e os mortos (Ruy Guerra,
1970). Além da tônica alegórica, estes filmes, conforme Fernão Ramos (1987, p.
373), “apresentam em geral uma narrativa fragmentada ao nível da intriga,
desenvolvimento de personagens desvinculados de motivações psicológicas e,
principalmente, uma forte atração pelo dilaceramento das emoções extremas, os
longos berros e movimentos convulsivos”. Com efeito, esses filmes propõem a
representação de um Brasil conotado de “brasilidade” em formas alegóricas que
passeiam pelo cordel, pelas questões revolucionárias no sertão brasileiro em
diálogo com os gêneros populares. Esta dimensão alegórico-nacional (discutida
sobretudo nos trabalhos de Ismail Xavier), ademais, perpassa todo o caminho do
Cinema Novo e, inserido num contexto maior, também o chamado cinema do
Terceiro Mundo. A respeito desta questão, Robert Stam (2003, p. 317) escreveu:
“A tendência alegórica disponível a todas as formas de arte é intensificada na
obra de cineastas intelectualizados profundamente marcados pelo discurso
nacionalista, que se sentem compelidos a falar pelo conjunto da nação e a
respeito de seus problemas, em um fenômeno que é ainda mais exacerbado no
contexto de regimes repressivos”. Não por acaso, Glauber Rocha admirava o
cinema de Pasolini, que em seus filmes realçava os traços míticos e épicos da
realidade, reclamava por uma simplificação da técnica cinematográfica e
envolvia a realidade periférica do terceiro-mundo.
As películas da terceira fase do movimento iriam, de igual modo, refletir o
tropicalismo. Movimento cultural ligado à arte brasileira, sobretudo na música,
que representou, entre outras coisas, a redefinição ideológica do fim dos anos
sessenta e a uma nova reflexão sobre a questão nacional no país. Macunaíma, o
filme de Joaquim Pedro, será aquele que melhor estabelece um diálogo com o
tropicalismo uma vez que se aproxima do manifesto modernista antropofágico de
Oswald de Andrade. Ao contrário da idéia de pureza mítica face à invasão da
cultura dominante estrangeira, Oswald de Andrade, já nos anos 20, afirmava que
144
a arte da periferia deveria “deglutir” esta cultura invasora em vez de negá-la por
completo. Macunaíma foi, ademais, o filme que mais se aproximou do projeto de
pró-comunicação com público do Cinema Novo, dando anuência de visibilidade
comercial aos anseios de uma produção mais requintada, mas sem as fórmulas
gastas da narrativa clássica. Mas, como dissemos, o filme era uma exceção no
movimento cinemanovista, que viu seu projeto de aproximação com o público
fracassado.
Para finalizar, ao nosso ver, uma palavra define toda a estética do Cinema
Novo brasileiro: convergência. Uma convergência entre a renovação da
linguagem, os filmes de baixo orçamento e a política dos autores, traços que
marcam, conforme expressou Ismail Xavier (2001, p. 14), “o cinema moderno,
por oposição ao clássico e mais plenamente industrial”. As obras de realizadores
que defenderam este projeto estavam presentes em diferentes regiões do
mundo. Estes realizadores tomaram o cinema como exercício de invenção, ao
quebrarem tabus e instaurarem uma nova maneira de ver os filmes. O jovem
cinema brasileiro, inserido nesta experiência de modernidade, traçou caminhos
paralelos ao cinema europeu e latino-americano mas também perseguiu seu
percurso peculiar. Este percurso implicava numa renovação da linguagem
baseada na descontinuidade, fruto de uma fragmentação narrativa exibida no
espaço e tempo diegéticos; na montagem complexa e descontínua entre os
planos; em diálogos cujo caráter discursivo supervalorizado ansiava pelo falar
nacional. E a despreocupação com o acabamento técnico industrial levou a que
as deficiências técnicas fossem incorporadas como opções estéticas, traduzidas
nas câmeras com ângulos que privilegiavam a paisagem humana e na
iluminação natural.
O Cinema Novo foi a “versão brasileira de uma política de autor que
procurou destruir o mito da técnica e da burocracia de produção”, como bem
salientou Xavier (2001, p. 63). A figura do autor, redefinida também pela ótica do
nacional, deve ter como condição necessária, a liberdade de criação e produção,
uma vez que, estando o cineasta-autor vinculado às imposições dos estúdios,
nunca viria a ter independência no seu exercício de criação cinematográfica. Por
145
outras palavras, Glauber Rocha defendia uma relação intrínseca entre autoria e
cinema independente.
2. Para além do Cinema Novo
É certo que o Cinema Novo marcou a cinematografia brasileira nas
décadas de 60 e 70. Este talvez seja o período mais rico esteticamente no
cinema brasileiro e, sem dúvida, esta marca simbólico-criativa permanecerá
ainda por muito tempo. Mas as exceções são também significativas e não devem
ser desprezadas nem esquecidas uma vez que estas também representavam o
cinema brasileiro e alguns filmes chegaram a ter presença forte nas salas de
cinema da Europa. Aqui vale ressaltar os trabalhos de Walter Hugo Khouri,
Roberto Farias e Anselmo Duarte, que, por opção estilística, produziam obras
cuja ação narrativa é disposta de modo clássico.
Exibindo uma obra de natureza essencialmente pessoal, Walter Hugo
Khouri destoa do cenário ideológico dominante da época apesar das suas
marcas de autoria. Em filmes como A ilha (1963), Khouri potencializa conflitos
pessoais e psicológicos de um grupo de burgueses numa ilha deserta e isolada.
Em 1964 dirige Noite Vazia, (apresentado em Cannes em 1965), um ano depois,
O corpo ardente e em 1967, As amorosas. Estas três obras marcam seu projeto
autoral de fazer um cinema mais próximo da narrativa moderna do cinema
europeu da época tanto estética como tematicamente. Com as preocupações
“existenciais” dos personagens, as angústias dos mesmos face à realidade que
os cerca, acompanhados por uma narrativa lenta e tendo, de um modo geral, o
urbano como cenário, os filmes do realizador destoavam das propostas do
Cinema Novo, que acusava Khouri de não aderir a uma “arte-participação” como
forma de transformar a sociedade. Khouri foi durante muito tempo um diretor
esquecido no panorama do cinema brasileiro, contudo revelou-se como um
“autor de estilo forte e pessoal e conseguiu manter uma produção com
características próprias quando todo o cinema brasileiro enveredava noutra
direção”. (Ramos, 1987, p. 369).
146
Os casos de Anselmo Duarte e Roberto Farias se assemelham neste
enquadramento de quem “pertencia ou não” ao movimento cinemanovista.
Glauber Rocha expressou suas críticas sobretudo ao filme O pagador de
promessas (Anselmo Duarte, 1962). A película ganha a Palma de Ouro no
Festival de Cannes tendo uma repercussão imediata na imprensa local e
internacional. O prêmio de melhor filme era a consagração do cinema brasileiro
que irá obter seguidos prêmios internacionais posteriormente. E apesar dos
temas, personagens e universo ficcional bem próximos do Cinema Novo, O
pagador de promessas mantinha distância com o movimento que via Anselmo
Duarte como cineasta oriundo da chanchada e dos estúdios da Vera Cruz e,
portanto, distante das propostas antiestúdio do Cinema Novo. Além disso,
Anselmo Duarte não estava preocupado com uma possível renovação da
linguagem do cinema, preferindo dispor um conteúdo temático (a questão da
opressão e do sofrimento popular) numa seqüência de planos de ordem linear
aproximando-se do cinema clássico. A obra Sertão mar de Ismail Xavier mostra
uma visão crítica desta proximidade temática de procedência clássica de alguns
filmes como O pagador de promessas, com o Cinema Novo.
A situação de Roberto Farias em Assalto ao trem pagador (1962) é
bastante similar. Considerado pelos cinemanovistas como parceiro do cinema-
espetáculo, o filme envolveu-se na grande polêmica da época entre radicalizar
na forma e no conteúdo ou renovar a temática embora mantendo a estrutura
narrativa clássica. O fato é que dentro desta opção estilística de Farias,
personagens e intriga se moldaram de forma competente num modelo de ação
do gênero policial nunca antes visto no cinema brasileiro. A temática social do
filme (as mudanças que o assalto provocou na vida dos favelados) envolve os
espectadores que se identificam com os eventos narrados. Enfim, Farias
produziu um filme comunicativo, mas fora dos ditames da intransigência formal
do Cinema Novo e por isso mesmo viu-se à margem do movimento.
O contributo que estes (e outros) diretores deram ao cinema brasileiro do
período está ainda por analisar, uma vez que há pouca reflexão sobre suas
obras em detrimento da abundância de textos sobre o Cinema Novo. Apesar
147
disso, estas obras foram apresentadas em festivais de cinema na Europa com os
filmes do Cinema Novo, motivo pelo qual muitas vezes a crítica européia os
considerava como pertencentes ao movimento cinemanovista.
Ainda neste período (1969/1973), outro movimento no cinema brasileiro
irá reivindicar sua distância em relação ao Cinema Novo, apesar da radicalidade
de suas propostas serem muito próximas. Trata-se do Cinema Marginal ou
cinema underground, formado por nomes como João Callegaro, Júlio Bressane,
Neville d’Almeida, Rogério Sganzerla, Jairo Lima e outros. Os “marginais” deste
cinema abandonam o quadro valorativo-intelectualizante da ética cinemanovista
e mantêm um diálogo com a narrativa clássica. Admiram a produção B do
cinema norte-americano e causam repulsa àqueles que têm uma ótica estranha
à intertextualidade no cinema. Filmes como O bandido da luz vermelha
(Sganzerla, 1968), Matou a família e foi ao cinema (Bressane, 1969), O
pornógrafo (Callegaro, 1970), Piranhas do asfalto (Neville d’Almeida, 1970) são
caracterizados por “um diálogo irônico e avacalhado com o cinema de gênero e
a narrativa clássica. A idéia é ir ao encontro dos gostos mais primários do público
e saciá-los (em particular com relação às expectativas eróticas) de forma
integral, sem nunca perder o lado avacalhado que exatamente exibe a fratura
intertextual” (Ramos, 1987, p. 383). Esta “terapia de choque” - visível mesmo
antes em filmes como Terra em transe de Rocha - irá enfrentar o absurdo da
cultura massificada com muita ironia e humor negro. O rótulo da “estética do
lixo”, cujo olhar se dirige ao grotesco, periférico e disforme, se contrapõe e
radicaliza a “estética da fome” do Cinema Novo com mais agressividade e
violência.
Talvez por isso a sua acolhida pela crítica (brasileira e internacional) não
tenha sido tão favorável quanto foi a do Cinema Novo. A estranheza que
causava e o propositado deboche aliado a uma rebeldia que “elimina qualquer
dimensão utópica e se desdobra na encenação escatológica, feita de vômitos,
gritos e sangue” (Xavier, 2001, p.76), fizeram do Cinema Marginal um caso de
repulsa moderna que nem toda crítica estava disposta a acolher.
148
3. O cinema brasileiro na Europa
Poderemos assinalar rapidamente que a presença do cinema brasileiro na
Europa começa a ganhar contornos de divulgação nos anos 6095. Antes disso,
muito pouco se promoveu sobre a cinematografia brasileira, seja em Portugal,
França96, Itália ou Inglaterra. Somente a partir dos anos 60 os filmes brasileiros
passam a ter uma certa visibilidade, especialmente através dos festivais
europeus, “os melhores divulgadores das cinematografias em desenvolvimento”.
Como já mencionado, os festivais e a imprensa cinematográfica foram os
grandes canais de divulgação do cinema brasileiro. Sobretudo entre 1962 e
1964, o cinema brasileiro impôs-se nos festivais europeus e as revistas
distinguiam esta participação. Assalto ao trem pagador foi apresentado em
Veneza, Os cafajestes e Os fuzis em Berlim, Vidas secas e Deus e o diabo na
terra do sol em Cannes. Em Lisboa, O pagador de promessas é visto pelo
público em 1963, Assalto ao trem pagador em 1965 e Vidas secas em 1967. Mas
será somente na década de 70 que como mencionamos, os festivais de cinema
brasileiro irão ter espaço na capital portuguesa, notadamente sob os auspícios
da embaixada brasileira (através do Instituto Nacional do Cinema do Brasil), que
por sua vez teve também um papel importante na divulgação do cinema
brasileiro em outros países europeus.
Sobre esta questão, Alexandre Figueirôa ressalta que o Ministério das
Relações Exteriores brasileiro auxiliava os realizadores (sobretudo do Cinema
Novo) na forma de concessão de bolsas de estudo e, algumas vezes, o
Ministério chegava a assumir a produção de certos filmes: “Os cineastas
estavam convencidos de que apenas o Cinema Novo apresentava elementos
95 Mas convém registrar que, em 1953, o filme O cangaceiro de Lima Barreto teve uma forte repercussão na Europa, sobretudo após ganhar o Festival de Cannes daquele ano. Entretanto, Glauber Rocha (2003, p.128) assinala a iniciante “marcha” do Cinema Novo na Europa em 1961: “Cinema Novo em marcha: volta da Europa Paulo César Saraceni, após ano e meio de trabalho com jovens realizadores italianos, contato técnico e vivência com o moderno cinema europeu, sucesso de três prêmios importantes para Arraial do Cabo, criação conjunta com Mário Carneiro [...] A descompostura intelectual do cinema brasileiro, sua falta de prestígio, seu abandono político e econômico, sua trágica destinação à demagogia, aventureirismo, teoria de algibeira, subitamente levanta a cabeça”.
96 Ver mais sobre o cinema brasileiro na França na obra de Alexandre Figueirôa: a onda do jovem cinema e sua recepção na França. São Paulo : Papirus, 2004.
149
para ser aceito na Europa. Eles confiavam no Ministério das Relações Exteriores
para enviar seus filmes aos festivais e depois procurar vendê-los no exterior,
tendo Paris como principal ponto de divulgação mundial” (2004, p. 42). Este
papel mais que diplomático do Ministério foi igualmente significativo em Lisboa97
acrescentando-se o fato de Brasil e Portugal estarem vinculados historicamente.
Assim, não obstante as dificuldades no âmbito da censura e da distribuição dos
filmes, o cinema brasileiro passou a ser bem mais conhecido em Portugal do que
antes. Pode-se dizer que esta conjuntura auxiliou e muito a crítica de cinema
lusa a ver o Cinema Novo como um modelo a ser até mesmo abraçado por
outras cinematografias nacionais. Para além disso, o cinema brasileiro, que
antes dos anos 60 era praticamente desconhecido dos críticos portugueses, irá
ser identificado quase que exclusivamente com o Cinema Novo.
É certo que o projeto cinemanovista era um projeto característico de sua
época e este fator ajudou a legitimação do movimento e por extensão sua
identificação com a totalidade do cinema brasileiro. Após a explosão neo-realista
e afirmação da Nouvelle Vague, sobretudo no chamado mundo subdesenvolvido,
as cinematografias procuravam afirmar-se e legitimar-se dentro e fora de seus
espaços nacionais. Como vimos, a crítica francesa recebe e autentica estas
cinematografias ao fornecer voz e espaço nas publicações especializadas. Os
festivais promovem-nas nos circuitos alternativos de exibição e em território luso
a repercussão não é diferente da França.
Neste mesmo período, o Novo Cinema português igualmente reclamava
por mudanças estéticas que buscavam romper com as convenções ditadas pelo
cinema clássico narrativo, cinema este, para os que reclamavam,
predominantemente afirmativo e que levava os espectadores a uma fruição
estética desinteressada e não reflexiva. A aproximação do Novo Cinema
97 Em Março de 1972, aquando da I Retrospectiva do Cinema Brasileiro, o jornal Diário de Notícias registrou a conferência de abertura do evento proferida pelo adido cultural da embaixada do Brasil em Lisboa, intitulada Brasil, trópico e cinema. Leandro Tocantins fez uma retrospectiva histórica do Cinema Novo e destacou seu poder de invenção e ênfase dada a realidade social do Brasil, num claro desejo de divulgação desta nova cinematografia brasileira em Portugal. Diário de Notícias. 08.03.1972, p. 8. Vale acrescentar que quase todos os jornais e também a revista Celulóide registraram a conferência do adido cultural.
150
português à política dos autores encarnava esta proposta de produção de um
cinema de expressão autoral e que valorizasse o primado estético da obra: o
cinema como arte. A crítica lusa seguia o mesmo caminho utilizando a política
dos autores como talvez o modelo ideal de argumentação em seus textos.
Esta conjugação de fatores acabou por favorecer a boa recepção do
Cinema Novo em Portugal, ainda que pesem algumas diferenças de propostas.
Estas diferenças pautam-se no que seria denominado de “Cinema Novo
brasileiro” e “Novo Cinema português” uma vez que o teor político definirá a linha
que demarca os dois movimentos. Paulo Filipe Monteiro (1995, p. 655) revela
que, na verdade, havia uma diferenciação entre os dois movimentos sendo que
no brasileiro “a possibilidade de afirmação de um cinema nacional está
intimamente ligada a um conteúdo político” e o movimento português “é mais
parente da «nova vaga» francesa, e da francesa política dos autores, em que a
liberdade de criação não aceita missões determinadas, exceto a de impor o
cinema como arte, e reconhecendo como única obrigação a de tudo subverter,
incluindo os conteúdos habituais do discurso «de esquerda»”.
Com efeito, certas singularidades demarcavam a distinção entre as
propostas dessas duas cinematografias. Apesar do tema ser encorajador, não
cabe aqui um estudo aprofundado destas peculiaridades e, por ora, procuramos
nos centrar na noção de cinema de autor, tão presente nos dois movimentos. No
Cinema Novo brasileiro a noção de cinema de autor é permeada pela questão da
liberdade de criação e neste sentido, o “mito da técnica e da burocracia da
produção” foi posto em xeque. O cinema de autor deveria afirmar o “ideário que
se traduziu na estética da fome em que a escassez de recursos se transformou
em força expressiva e o cinema encontrou a linguagem capaz de elaborar com
força dramática seus temas sociais, injetando a categoria do nacional no ideário
do cinema moderno que, na Europa, tematizava a questão da subjetividade no
ambiente industrial em outros termos” (Xavier, 2001, p. 28). No projeto do
Cinema Novo (em particular para Glauber Rocha), a autoria significava traços
que vão além da análise do estilo, da fidelidade temática e do antindustrialismo.
Ser autor de cinema significava ter postura crítica e engajamento político. Ser
151
autor de cinema significava ser ator da história.
O cinema português, como referiu Paulo Monteiro, aproxima-se da
francesa política dos autores, de Truffaut e seus companheiros, com a
valorização do percurso de criação pessoal, dos traços temáticos e estilísticos
que de modo recorrente definiriam o autor independentemente do jogo contratual
de produção, esteja ou não realizador-autor vinculado à indústria98. Na crítica de
cinema portuguesa, tal como nos Cahiers du Cinéma, a problemática do cinema
de autor esteve presente na exigência de total autonomia do cineasta que é
possuidor de uma “assinatura”. Marca de distinção conferida tanto a nomes
como Orson Welles, John Ford, Nicolas Ray, como a Rosselini, Antonioni,
Godard, Manoel Oliveira, João César Monteiro e Glauber Rocha. Se havia algum
“autor” no cinema brasileiro, este era Glauber Rocha, o principal elemento do
Cinema Novo brasileiro.
A aceitação do Cinema Novo brasileiro passa, então, pela comunicação
entre os dois movimentos, revestidos de intransigência estética e desejo de não
fazer concessões sobretudo (no caso brasileiro), de concessões políticas. Este
cinema de terceiro mundo, de ideário nacional-popular e alegórico por
expressão, não se aproximou do enfoque psicológico e subjetivo do cinema
europeu, mas sua estética foi inspiradora para o debate internacional ao nível de
produção e da renovação da própria linguagem do cinema. Isto favoreceu a boa
acolhida que este recebeu no velho continente com as alargadas discussões nos
festivais e espaços da crítica sobre o que seria o futuro do cinema longe do
monopólio norte-americano.
Está claro que quando falamos genericamente de cinema europeu não
pretendemos torná-lo homogêneo e compacto. As variadas cinematografias
européias nos mostram o quão diversificado e rico é o cinema europeu. Apenas
procuramos reconhecer traços que identificam certos cinemas europeus, traços
98 Eduardo Geada (1987, p. 143) assinala que o que mais caracterizou a noção de autor de cinema “foi justamente a defesa da subjectividade e da especificidade do trabalho do realizador no seio de uma máquina que tendia a recalcá-los. Assim, a tarefa do crítico consistiria prioritariamente em descobrir os autores onde eles eram menos visíveis, ou seja, no cinema espectáculo e no discurso do seu universo exponencial – Hollywood”.
152
marcados por um perfil de filmes intimistas nitidamente diferentes do caráter
alegórico latino-americano.
Em comum há a necessidade de mudança e o desconforto com a
linguagem clássica do cinema industrial americano, e a aceitação, mesmo que
em termos redefinidos, do cinema de autor. A técnica da câmera na mão é um
exemplo ilustrativo desta afinidade. Ela é um traço estilístico presente nos
cinemas novos dos anos 60 de Godard ao underground norte-americano e
também identificada com o Novo Cinema português. Esta técnica igualmente
marcou a cinematografia brasileira da época e se revelou como uma impressão
digital peculiar ao inconformismo cinematográfico moderno.
P o r f i m , a t u a n d o c o m o u m a r e s p o s t a à s c o n d i ç õ e s d e
subdesenvolvimento de produção, o Cinema Novo marcou aqueles projetos
modernos que queriam discutir a questão da identidade nacional sem contudo
deixar de revelar a importância da criação e da renovação da linguagem
daquelas cinematografias que não viam apenas a narrativa clássica como única
opção para a experiência cinematográfica.
Ser nacional sem deixar de ser universal e moderno. Esta era a grande
questão do cinema brasileiro nos anos 60 e 70.
153
Mudança de cenário
1. A aproximação com o mercado
O cinema brasileiro encontrou-se a partir de meados da década de 70
diante de um debate que polarizou o panorama cinematográfico e ainda hoje
causa reflexão: a opção por uma estética atenta ao que é admissível no mercado
ou a continuidade da estética de experimentação dos anos 60. Ainda durante o
regime militar, em 1974, a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S.A.)
amplia suas atividades e o Estado dá novo impulso à indústria cinematográfica,
acumulando atribuições agora nas áreas de co-produção, fiscalização,
distribuição, divulgação e exibição. Cresce significativamente o número de filmes
mais próximos desta visão de mercado como Dona Flor e seus dois maridos
(Bruno Barreto, 1976) considerado o “maior sucesso de bilheteria do cinema
brasileiro nas últimas décadas, alcançando um público superior a 11 milhões de
espectadores em sua carreira comercial” (Ramos; Miranda, 2000, p. 213) e, ao
mesmo tempo, não cessa, se bem que em menor escala, a produção de filmes
mais afinados com a estética da experimentação a exemplo de A lira do delírio
(Walter Lima Jr., 1978).
Na verdade, entre meados dos anos 70 e fins dos anos 80, não se pode
dizer que em termos estéticos havia aglutinação na cinematografia brasileira. A
diversidade de tendências incluía filmes históricos (Independência ou Morte de
Carlos Coimbra), as comédias eróticas (pornochanchadas largamente
produzidas na Boca do Lixo paulista), adaptações literárias (de textos de José de
Alencar, Jorge Amado, Nelson Rodrigues), o diálogo com o espetáculo (Xica da
Silva de Carlos Diegues), com o melodrama (os filmes de Arnaldo Jabor) e com
o filme policial-político (Pixote, a lei do mais fraco de Hector Babenco).
154
Em decorrência do processo de industrialização da produção cultural no
Brasil perpetuado paradoxalmente pelo Estado autoritário, o cinema marca sua
presença no mercado e expande sua produção. Filmes como Xica da Silva
(Carlos Diegues, 1976), Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (Hector Babenco,
1977), A dama do lotação (Neville d’Almeida, 1978) e Eu te amo (Arnaldo Jabor,
1980) estão entre os maiores êxitos de bilheteria no mercado cinematográfico
brasileiro entre 1970 e 1984 (Ramos, J. , 1987). Antigos e novos cineastas
buscavam a aproximação com o público e defendiam a dimensão mercadológica
do cinema e, além disso, atiçavam polêmicas sobre se o afastamento da tradição
instalada pelo Cinema Novo seria o mesmo que vender sua alma ao diabo, ou
melhor, ao mercado. Carlos Diegues, ele próprio um ex-integrante do movimento
cinemanovista, foi o mais provocativo como relata José Mário Ortiz Ramos: “O
cineasta [Diegues] partia para o ataque, tentando encurralar seus opositores
mais à esquerda, que ainda continuavam exigindo dos cinema-novistas a
sustentação de um projeto já desmontado. O tom de suas declarações, depois
repetidas com BYE BYE BRASIL, era de afastamento das antigas posições
assumidas enquanto intelectual politizado da década de 60. (...) O recado era
claríssimo: os antigos projetos totalizantes, com pretensões conscientizadoras,
estavam encerrados, tinham perdido atualidade” (1987, p. 422).
Alguns pesquisadores como Ismail Xavier (2001) e André Parente (1998)
lamentaram este distanciamento de uma herança moderna de cinema de
invenção mas reconhecem (sobretudo Xavier) que, ao questionar este cinema
para o grande público, não se está pressupondo que a “constelação moderna”
das décadas anteriores, com sua originalidade de estilo, deva se constituir uma
referência exclusiva para o cinema de hoje produzido no Brasil. Sobretudo a
partir dos anos 80, o cinema brasileiro que se destacou em festivais e debates
defendeu propostas adversas do cinema moderno no que diz respeito à “questão
nacional” e à “questão do mercado”. Xavier conclui: “(...) o novo cinema dos anos
80 afastou-se de seus temas e estilos, enterrou a estética da fome, afirmou a
técnica e a mentalidade profissional” (2001, p. 40).
Enfim, o percurso do cinema brasileiro neste período apresenta processos
155
de mudanças e de pluralidade de enfoques, tudo isso em diálogo com o
movimento geral da sociedade. Se estes anos de incremento à indústria cultural
apoiado pelo governo militar até o processo de abertura política e crise
econômica no final da década de 80 afetaram a configuração da cinematografia
brasileira, este quadro contextual certamente dialogará com a recepção desta
mesma cinematografia no estrangeiro.
A partir de 1975, a revista Plateia publica uma série de textos99 sobre o
cinema brasileiro, a maioria deles com nítidas tintas publicitárias condizentes
com a linha editorial da revista. Desde entrevistas com realizadores brasileiros
(Reginaldo Faria em Junho de 1975, Nelson Pereira dos Santos em Agosto de
1975, Bruno Barreto em Outubro de 1977) e com o diretor da Embrafilme,
(Roberto Farias em Novembro de 1975) até textos sobre filmes ainda não
estreados, até aquele momento, em Portugal (Xica de Silva de Carlos Diegues
em Outubro de 1976, mas o filme só chega às salas comerciais de Lisboa em
Abril de 1977). Neste mesmo ano a Plateia divulga um texto do crítico de teatro
brasileiro Sebastião Milaré intitulado O que resta do cinema novo brasileiro?100 E
segundo Milaré não restava muita coisa, uma vez que o Brasil vivia em plena
época de censura militar e o transe de Glauber Rocha não tinha lugar na
ideologia do novo sistema. Milaré contextualiza seu discurso ao reclamar, com
certo ar saudosista, do uso abusivo do sexo, violência e erotismo vulgar que
permeava os filmes nesta ocasião, levando ao cansaço e esgotamento o que
poderia ser uma crítica implícita ao regime militar brasileiro. Certo ou errado, o
fato é que os leitores portugueses agora dispunham de análises menos positivas
de uma cinematografia que até então era vista como exemplo possível de um
cinema inventivo. As mudanças temáticas e até mesmo espaço-geográfica de
filmes como Toda nudez será castigada de Arnaldo Jabor, apresentado em
Portugal em 1976, que tematizava sobre a hipocrisia sexual nas famílias de
classe média urbana, com um erotismo vulgar, comprometiam a continuidade do
99 Refiro-me às edições de Plateia de Nº 748, 03.06.1975, p. 65-67. Nº 759, 19.08.1975, p. 66-67. Nº 773, 25.11.1975, p. 25-26. Nº 795, 15.10.1976, p. 49-50. Nº 816, 01.10.1977, p. 19-21.
100 Plateia. Nº 803, 01.03.1977, p. 16-17.
156
projeto do Cinema Novo.
O marketing agressivo da Embrafilme atuou não só a nível nacional e a
empresa expandiu seu raio de ação até o mercado internacional, ao distribuir
filmes para os EUA, França, Itália, Alemanha, Portugal e principalmente para a
América Latina. A partir de 1978, “a estratégia usada foi a de instalar duas
representações no exterior, em Paris e Nova York, com uma forte inserção em
festivais internacionais cinematográficos” (Ramos; Miranda, 2000, p. 214). Em
Portugal chegam às salas de cinema, acompanhados por uma intensa
campanha publicitária, os filmes Xica da Silva (1977), Dona Flor e seus dois
maridos (1977), Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1979), Eu te amo (1981),
Bye Bye, Brasil (1982), Pixote, a lei do mais fraco (1982), O beijo da mulher
aranha (1986) e Ópera do malandro (1987).
Nesta nova configuração de forças históricas, a imagem do cinema
brasileiro muda e o surgimento de críticas mais ferozes, sobretudo àqueles
filmes que se distanciavam da proposta original do Cinema Novo, podia ser visto
tanto na imprensa generalista como na especializada.
A. Carvalhaes, que fazia a cobertura informativa-opinativa sobre o cinema
do e no Brasil na década de 70, traça um diagnóstico aos leitores da
Celulóide101, diagnóstico que paulatinamente vai perdendo o brilho atribuído
antes ao Cinema Novo. Para Carvalhaes a suposta “crise” porque passa a
cinematografia brasileira é acentuada, neste período, pela falta de liberdade de
expressão, mas sobretudo pelo atrofiamento dos temas importantes e/ou sérios
ultimamente abordados nos filmes, ou seja, no pobre – e cada vez mais pobre –
cinema brasileiro, onde o interesse em retratar o homem de corpo inteiro (que foi
a tônica do Cinema Novo nos anos 60) é substituído pela mera contemplação da
mulher do umbigo para baixo (a porno-chanchada dos anos 70). Segundo o
crítico, o avanço da pornochanchada levou o cinema brasileiro a uma queda de
qualidade de que talvez não fosse mais possível recuperar. Era uma forte
101 Revistas Celulóide, No 195, Março de 1974, p. 5-6, No 214, Agosto de 1975, p. 12-15 e No 209, Abril de 1975, p. 11-12.
157
sinalização da mudança no rumo do cinema brasileiro e no discurso crítico sobre
este mesmo cinema.
Significativamente, F. Gonçalves Lavrador, num artigo102 sobre o primeiro
festival de cinema luso-brasileiro de Tomar, aponta na mesma direção de
Carvalhaes ao salientar o perigo (do ponto de vista semiótico) em que a nova
gama de filmes brasileiros incorre, isto é, o perigo do expressionismo caricatural.
Filmes como Xica de Silva de Carlos Diegues e O casamento de Arnaldo Jabor
eram criticados pela possibilidade duma ausência de «medida» ou, talvez
melhor, de comedimento, de sobriedade, uma exuberância exagerada, um
ultrapassar das fronteiras que separam os fenômenos realmente estéticos da
fascinação gratuita, já não-estética, mas puramente epidérmica e superficial,
baseada em espalhafatosos jogos formais, fáceis e injustificados, em fogos-de-
vistas para espantar o espectador desprevenido. Sob forte influência do
estruturalismo o artigo de Lavrador era mais um a lamentar o afastamento do
cinema brasileiro de sua herança de crítica alegórica.
Nos diários e semanários, a manifesta desconfiança com este “nova
opção” do cinema brasileiro era igualmente visível e um filme como Eu te amo,
de Arnaldo Jabor, foi recebido com muitas restrições por parte da crítica, que
salientava que esta obra pouco tem a ver com o cinema de que gostamos103.
É fato que algumas opiniões dividem-se e certos setores da crítica
confirmavam uma resistência a temas mais citadinos de filmes como O desafio,
de Paulo Saraceni, ou às obras de Arnaldo Jabor, Bruno Barreto e Hector
Babenco, obras, para certa crítica, demasiado apelativas ao mercado e alheias à
tradição do Cinema Novo. Por outro lado, outros críticos reconheciam nestas
narrativas urbanas o amadurecimento do cinema brasileiro e sua tentativa de
aproximação com o público.
Em meio a este novo cenário do cinema brasileiro em Portugal, Glauber
102 Celulóide. Nos 257/258, Abril de 1978, p. 85-90.
103 Jornal de Letras Artes e Ideias. 08 a 21.12.1981, p. 30. Assinada por Guilherme Ismael.
158
Rocha resolve fixar residência em Sintra104 em Fevereiro de 1981, após ter
passado por Veneza e Paris para lançar com bastante polêmica seu último filme
A idade da terra. Em Abril do mesmo ano, a Cinemateca Portuguesa organizou
uma retrospectiva105 da obra de Glauber, e para ser incluída no catálogo da
Mostra, foi realizada por João Lopes “uma das mais lúcidas, sintéticas e serenas
entrevistas de toda sua vida”, segundo Sylvie Pierre (1996, p. 93)106. De fato,
nesta entrevista Glauber Rocha ressalta a relação entre a história do Cinema
Novo e o contexto político brasileiro durante o regime militar até à abertura
política e, como este contexto motivou rupturas necessárias ao projeto
cinemanovista que ele não considerava extinto em 1981, mesmo com a
diversidade de propostas existentes. Para Glauber, esta diversidade e
contradições entre autores eram “sinal de progresso e desenvolvimento: é como
se o movimento se tivesse dissolvido para se integrar em vários ramos do
cinema brasileiro, que é um cinema em formação porque o Brasil é um país que
vive uma fase de revelações em todos os seus aspectos” (Lopes, 1987, p. 140).
Infelizmente, Glauber Rocha adoeceu seriamente, vindo a falecer no
Brasil em 22 de Agosto de 1981, dois dias após ter saído do hospital da CUF em
Lisboa. A imprensa portuguesa deu ampla cobertura à morte trágica de Glauber.
O JL declarou: A morte de Glauber Rocha, o realizador que revolucionou o
cinema brasileiro, trouxe o seu nome para as manchetes dos jornais, quer pelo
que significa em si mesmo, quer pelas circunstâncias dramáticas e inesperadas
em que ocorreu107. O JL ainda publica algumas das últimas fotografias inéditas
de Glauber Rocha poucos dias antes de sua morte (fotos de Paula Gaitan,
104 É recebido por Manuel Carvalheiro, José Fonseca e Costa e Carlos Pinto. Reside alguns meses na antiga casa de Ferreira de Castro e depois vai para um grande casarão, propriedade de Carlos Pinto.
105 Retrospectiva que não se verificou devido a um incêndio da sala de projeções da Cinemateca que destruiu totalmente a obra de Glauber.
106 Sylvie Pierre que trabalhou nos Cahiers du Cinéma entre 1966 e 1971, era muito próxima de Glauber Rocha. Em 1987 publicou um livro sobre ele onde reproduz integralmente a última entrevista fornecida a João Lopes. Diz Pierre: “A entrevista concedida em Portugal em 1981, “À passagem das mitologias”, é uma entrevista clássica, e parece-me notável não somente por ter sido a última e verdadeira entrevista de importância concedida por Rocha a um jornalista, nos últimos meses de vida e durante uma das últimas remissões de sua doença” (1996, p. 191).
107 Jornal de Letras. Nº 14, de 01 a 14.09.1981, p. 8 e 9. Não assinado.
159
esposa de Glauber, e de Zélia Gattai, esposa de Jorge Amado) e uma crônica de
João Ubaldo Ribeiro endereçada ao realizador. Para a crítica, morria o mítico
diretor do Cinema Novo quando o cinema brasileiro já não mais representava o
inconformismo estético e político que tanto seduziu os europeus anos antes. O
luto era também pelo cinema brasileiro. Em 1987, no catálogo dedicado ao
cinema brasileiro editado pela Cinemateca Portuguesa, o crítico António
Rodrigues publica um texto sobre os anos Embrafilme e avalia: “Uma visão de
conjunto desses últimos doze anos [1974-1986] do cinema brasileiro deixa uma
impressão de academismo, quando os filmes são examinados, e de dirigismo,
quando são observados os fatos” (1987, p. 103).
O final dos anos oitenta já prenunciava que a boa fase financeira do
cinema brasileiro dos anos anteriores estava a ruir. Uma grave crise econômica
deixada pelos militares não ajudou em nada o processo de restauração
democrática com as eleições diretas de 1989. O novo presidente eleito Fernando
Collor de Mello extinguiu a Embrafilme, causando o colapso da produção de
títulos nacionais a ponto de, no princípio da década de 90, somente dois ou três
longas-metragens brasileiros conseguirem chegar às telas de cinema.
A perspectiva de mudança veio em meados da década com a Lei do
Audiovisual, a qual fornecia isenções fiscais para as empresas que investissem
nas artes e praticamente todo o cinema deste período foi financiado por este
dispositivo. Como marco de uma possível renovação, o destaque coube a
Carlota Joaquina, princesa do Brasil, de Carla Camurati, lançado em 1994. T a l
como na década de 80, “O cinema nacional dos anos 90 dificilmente poderia ser
enquadrado nos limites de um movimento estético. Não existe o que se poderia
chamar de uma escola do novo cinema brasileiro, uma linha diretriz que unifique
uma poética (no sentido amplo do termo) ou mesmo uma política. Num tempo de
ênfase no individualismo, a característica maior deste novo cinema é a
diversidade, tanto temática quanto estilística, refletindo os interesses pessoais
dos criadores” (Ramos; Miranda, 2000, p. 138). Desse modo, surgem filmes que
fazem releituras do ciclo do cangaço como Baile Perfumado (Paulo Caldas e
Lírio Ferreira, 1997), algumas comédias de costumes como Pequeno dicionário
160
amoroso (Sandra Wernweck, 1996), filmes políticos como O que é isto
companheiro? (Bruno Barreto, 1997), adaptações literárias como Amor & Cia
(Helvécio Ratton, 1999).
Esta variedade de gêneros e de estilos refletiu, conforme Luiz Zanin
Oricchio (2003, p. 30) “a típica fragmentação mental do homem dos anos 90.
Com o chamado “fim das utopias” cada qual se sentiu liberado para estabelecer
sua própria agenda de prioridades”. Com efeito, os projetos pessoais
prevaleceram e não havia mais preocupação em seguir escolas. Talvez por isso
este período foi marcado por um surpreendente número de novos cineastas.
Nesta fase, chamada por alguns de “Retomada” ou de “Novo Cinema”, o
cinema brasileiro tornou-se menos “inocente” e mais “pragmático”, voltado para a
constituição de um novo pólo de qualidade de produção (Ismail Xavier, 2001).
Este pólo tendeu para a descentralização da produção, uma vez que
começavam a surgir filmes fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, sobretudo nas
cidades de Porto Alegre, Fortaleza e Brasília. Convém observar que Xavier vê
neste cinema brasileiro dos anos 90 uma reaproximação, mesmo que em termos
bem tímidos e específicos, ao legado do Cinema Novo. Esta reaproximação dá-
se na incorporação de marcas do real e da experiência social vistas em alguns
filmes que procuram reafirmar seu desejo de ligação com o cinema anterior
através de utilização recorrente do sertão ou favela como espaços emblemáticos
e também pela via da caracterização de personagens envoltos em violência,
como o cangaceiro.
A quase inexistência de títulos presentes no mercado português no início
da década de 90 refletiu a conjuntura histórica de crise do cinema brasileiro.
Após alguns anos de quase total desaparecimento, conseguem chegar ao
circuito comercial português poucas películas brasileiras, como O quatrilho de
Fábio Barreto (1996), O escorpião escarlate de Ivan Cardoso (1999) e Central do
Brasil de Walter Salles (1999). A recepção crítica a estes filmes foi, como nos
anos 80, não muito calorosa. A imagem de um cinema antes visto como
revolucionário estava cada vez mais associada às fórmulas prontas feitas para o
161
mercado, uma cinematografia em crise crônica.
Em 1997, o Cineclube de Santa Maria da Feira organizou o 1º Festival de
Cinema Luso-Brasileiro, evento que terá continuidade até os dias atuais. A
proposta era a de intercâmbio entre as cinematografias dos dois países num
momento em que o cinema brasileiro estava restabelecendo seu fôlego de
produção. Em 1998 filmes como Central do Brasil e Traição são exibidos e Jorge
Henriques Bastos diz no Expresso: Para o simples cinéfilo apaixonado, o festival
de Santa Maria da Feira é um destino importante e necessário para que os
estereótipos sobre a produção cinematográfica do país irmão sejam encarados
com outros olhos108. O alerta era desejável numa ocasião em que as
circunstâncias históricas já não favoreciam mais a boa imagem (acolhida) do
cinema brasileiro em Portugal.
Neste horizonte de transformação, esta “mudança de direção” do cinema
brasileiro desde meados da década de 1970 veio amparada por um
acontecimento extremamente significativo para o universo audiovisual: a
chegada das telenovelas brasileiras a Portugal.
2. As telenovelas brasileiras em Portugal
Ao traçar um breve quadro da sociedade portuguesa no pós 25 de Abril,
descobrimos que o país foi afetado por uma forte turbulência não apenas nos
aspectos políticos, como era de se esperar, pela implantação dos processos
democráticos, mas também nos aspectos econômicos, pela escolha e
reordenação da economia, e sobretudo nas questões relacionadas ao campo
dos meios de comunicação. A televisão portuguesa surgiu na década de 50 mas
foi depois de 1974 que ela redefiniu seus rumos. Como monopólio do Estado,
enfrentou em 1977 graves problemas orçamentais causados em parte pela fuga
à taxa obrigatória. Este contexto levou a um processo de reestruturação de seus
quadros e a redefinição da grelha de atrações, apostando em novos formatos de
108 Expresso. 19.12.1998, p. 12.
162
programas. A compra da telenovela brasileira Gabriela, cravo e canela veio,
então, preencher esta aposta da RTP.
A imprensa portuguesa acata o lançamento de Gabriela e a revista Plateia
assegura uma intensa campanha de marketing desde a cobertura de um
espetáculo chamado de “noite brasileira” oferecida pela rede Globo no Hotel Ritz
(com participação de Vinicius de Moraes, Maria Creuza e Toquinho)109, até à
publicação de um inquérito onde o público dava sua opinião sobre o novo
folhetim110.
Conforme Isabel Ferin Cunha (2004a) o sucesso e aceitação da
telenovela Gabriela a transforma num prodígio de audiências e inaugura o
fenômeno da comunicação de massa centrada na televisão em Portugal. O
sucesso do folhetim provava também “a existência de uma indústria de
conteúdos em português, altamente desenvolvida, portadoras de lógicas próprias
de criação e divulgação, e do fascínio provocado nas audiências pelos seus
produtos”. De fato, a expansão da indústria cultural brasileira começou antes
mesmo de Gabriela mas teve um crescimento acentuado com chegada das
telenovelas.
Neste período já havia outros produtos culturais brasileiros circulando em
Portugal na área da música, literatura, teatro e cinema. No auge do
desenvolvimento da indústria cultural brasileira, bens simbólicos como os best-
sellers de Jorge Amado, as peças de Augusto Boal, as músicas de Chico
Buarque, os filmes de Carlos Diegues e Arnaldo Jabor, circulavam com boa
aceitação no mercado português111 (Isabel Ferin Cunha, 2004a). Entretanto, a
telenovela é o produto cultural brasileiro mais emblemático no mercado
109 Plateia. Nº 809, 01.07.1977, p. 7.
110 Plateia. Nº 810, 15.07.1977, p. 9-10.
111 Ainda que no caso do cinema, como mencionamos, a crítica não tenha recebido muito bem estes filmes. Jorge Leitão Ramos diz a propósito: “(...) Mas receio muito que a invasão (quase certa) de cinema brasileiro se faça pelo lado menos bom, da lágrima fácil e da pornochanchada, e sirva apenas para que a exibição ganhe muito dinheiro fácil e a gente, todos, fique um pouco mais estúpidos”. Diário de Lisboa. 23.09.1977, p. 13.
163
externo112.
Com a chegada dos anos 80, a política de privatizações em Portugal
atingiu as empresas jornalísticas, mas a televisão só verá mudança em seu
modelo de gestão no final da década, com uma revisão na Constituição e a
abertura aos grupos privados em 1992. Ainda na década de 80, as telenovelas
brasileiras dominam o espaço na televisão pública portuguesa e títulos como
Guerra dos sexos (1984) e Roque Santeiro (1987) garantem as boas audiências
da RTP1. João Bérnad da Costa (1998, p. 69) afirmou que na década de 80
“nem os maiores êxitos dos primeiros anos dela (E.T. de Spielberg, por exemplo,
ou o ciclo da Guerra das Estrelas) se aproximaram das audiências conseguidas
pelas telenovelas brasileiras, que, em Portugal, entraram a matar em 1977 com
a célebre Gabriela. A televisão a cores – chegada em 1980 – rematou e
arrematou”.
Já nos anos 90, este quadro pouco se modificou e o sistema telenovela-
telejornal-telenovela vai ser mantido, só que em 1992 a rede pública de televisão
tem que dividir seu produto cultural com a nova operadora privada (SIC), que
posteriormente assina um acordo de exclusividade com a rede Globo. Mas as
telenovelas continuam a angariar espectadores como salienta Jorge Paixão da
Costa (2003, p. 88): “Com o início da televisão privada, em 1992, assistiu-se a
um incremento gradual da exibição de telenovelas em Portugal. Esse aumento
significativo de emissões, que até aí tinham apresentado uma média de 2
telenovelas por ano, com 4 novelas exibidas no ano de arranque do primeiro
canal privado (SIC), teve seu auge nos anos de 1994 e 1995 com um total de 26
telenovelas exibidas pela RTP1, 20 na SIC, 10 na TVI e apenas 4 na RTP2 em
112 A produção de telenovelas no Brasil começa em 1963 mas somente dez anos mais tarde inaugura-se o comércio de exportação deste produto com O bem amado vendido para o Uruguai. O bem amado foi a primeira telenovela a cores que atendeu às exigências do mercado internacional da época. Em 2003 a rede Globo já vendia telenovelas para 130 países e seus melhores clientes estavam na Europa e no Oriente Médio. Ao lado de Terra Nostra, Escrava Isaura é um dos grandes fenômenos de vendas internacionais da emissora de TV (Jimenez, 2003).
164
1994”113.
Neste contexto de forte pressão da indústria cultural brasileira, traduzida
sobretudo nas telenovelas, dá-se um fenômeno que Isabel Ferin (2004b)
esclarece: “A relação entre os diversos produtos da indústria cultural, e de
conteúdos, com a telenovela é estabelecida constantemente, de diversas formas
e em diferentes níveis: entre literatura e a telenovela, entre o teatro, os actores e
a telenovela, entre a MPB e a telenovela, assim como entre o cinema, os actores
e a telenovela”. Se o cinema brasileiro já não recebia a calorosa acolhida dos
anos 60/70, após a presença das telenovelas a dominar o espaço das televisões
portuguesas, esta acolhida será bem pior. Ao contrário das “grandes massas de
espectadores”, os críticos de cinema114 não viam com bons olhos este tipo de
narrativa seriada, considerada como subproduto cultural. O estabelecimento de
relações, normalmente de semelhança, entre as telenovelas e o cinema
brasileiro vai alterar sobremaneira a imagem do cinema brasileiro em Portugal.
Esta alteração passa pelo olhar da crítica de cinema lusa sobre a perda de
qualidade dos filmes brasileiros, uma vez que, desde os atores inscritos numa
rede de sistema de estrelas já consagrados na televisão, até à adoção de
determinados efeitos estéticos como os fechados enquadramentos, serão, desde
1977, com Gabriela, associados ao cinema brasileiro como parte constituinte de
uma indústria de banalização estética e comercial.
Para a crítica, o cinema havia garantido seu lugar de arte conquistado
desde os anos 50/60 e não poderia ser confundido com a vulgarização comercial
113 É certo que nem todas as telenovelas eram brasileiras, mas sua grande maioria sim, sobretudo as exibidas na RTP1 e na SIC. Jorge Paixão (2003, p. 88) acrescenta que, em 1995, “as novelas exibidas na SIC foram, na sua esmagadora maioria, provenientes da Rede Globo de Televisão (56 títulos), excepto Tocaia Grande, que foi produzida pela Rede Manchete, Os Imigrantes da TV Bandeirantes e duas telenovelas venezuelanas da produtora Venevision Mulher Proibida e Por Amar-te Tanto”.
114 Recentemente, em crônica (A telenovela é o fascismo) publicada no Expresso on-line, o crítico de cinema Jorge Leitão Ramos dizia: “A telenovela é o desdém pelo espectador enquanto ser pensante – tudo está digerido. A telenovela é o anátema a tudo o que saia a nível rasteiro – a música de Mozart está proibida, a poesia é-lhe estranha, qualquer movimento de câmera significante é posto no índex. A telenovela é a expressão acabada do desprezo – do desprezo que eles, os que mandam, sentem por nós”. Disponível em: www.expresso.pt (Consult. 08.06.2004).
165
da televisão. Em diversas críticas115 aos filmes brasileiros do período e até nos
dias atuais, a relação estabelecida entre telenovela e cinema brasileiro é
recorrente e considerada critério de desqualificação dos filmes que agora estão
sujeitos e submissos a uma “estética televisiva” baseada na “visibilidade” da
intriga dessas narrativas seriadas e num modelo de interpretação dos atores que
privilegia dramaturgicamente o reduzido espaço da tela de TV116.
A guerra travada entre o cinema e a televisão tem raízes históricas que
remetem aos anos 50 nos países industrializados (sobretudo nos Estados
Unidos) quando o cinema começa a perder espectadores para a TV. As várias
questões que se impuseram com o desenvolvimento da nova mídia tenderam a
desvalorizar a TV, que ainda foi acusada de “roubar” os espectadores de cinema.
Eduardo Geada (1987, p. 128) comenta: “O hábito da televisão contribuiu em
parte para o processo de secularização do ritual cinematográfico, banalizando os
temas e os moldes da narrativa em imagens, tornando o espectador sedentário e
rotineiro”.
Em Portugal, esta crise de espectadores só chega em meados da década
de 70: “Entre 1974 e 1984 o cinema perdeu cerca de 15 milhões de
espectadores, isto é, o equivalente a 60% da totalidade de seu público, nesse
período, cabendo à zona de Lisboa uma fatia superior a seis milhões, apesar da
capital conservar as melhores salas”, como observa Eduardo Geada (1987, p.
138). Neste mesmo período, o número de aparelhos televisores cresce de 718
400 em 1975, para 1 571 301 em 1985 em Portugal continental, a maioria
obviamente concentrado nas cidades de Lisboa e Porto117. A grande “ameaça”
para o cinema, sobretudo naqueles países fora do circuito americano, deixara de
ser externa com a dominação do mercado por Hollywood e passara a ser
115 Exibiremos na Parte 3 de nossa investigação marcas identificadas nas resenhas desta relação recorrente entre telenovela e cinema brasileiro.
116 Segundo Bordwell (2001), o acting é um dos mais mencionados aspectos na crítica jornalística de filmes. No caso português não se configura como o aspecto mais citado nas críticas; mesmo assim, a interpretação tem um valor relevante na justificação do juízo sobre o filme.
117 Dados retirados do livro de Eduardo Geada. O Cinema espectáculo. Lisboa : edições 70, 1987, p. 140.
166
interna, representada pela televisão.
As más avaliações acerca de filmes como Dona Flor e seus dois maridos
em 1977, Lúcio Flávio em 1979, Ópera do malandro em 1987 e Central do Brasil
(1999) inserem-se nesta guerrilha entre cinema e TV. Estes e outros filmes foram
criticados por adotarem o modelo televisivo de feição populista e mercadológica.
Fora do tom mais apocalíptico deste conflito, autores como Arlindo
Machado (1997) recordam-nos o “diálogo entre cinema e vídeo” em cineastas-
autor como Jean-Luc Godard, que produziu séries para TV como six fois deux
(1976) e antes mesmo num filme como La chinoise (1967), em que “já explorava
a estética da televisão, tanto no enquadramento típico de telejornal ou de
programa de entrevistas, com o ator falando diretamente para a câmera, como
no tratamento de temas de atualidade, embaralhando as categorias de ficção e
da realidade” (Machado, 1997, p. 205). Além de Godard, outros tantos grandes
cineastas inventivos mantiveram um contato estreito com a televisão, valendo a
pena lembrar os nomes de Alfred Hitchcock, que entre 1955 e 1965 dirigiu várias
séries para a televisão norte-americana, Roberto Rosselini que nos anos 60 e 70
realizou diversos “filmes históricos” concebidos para serem veiculados na TV,
Kieslowski que produziu uma das grandes e memoráveis séries em dez
episódios denominada Dekalog em 1988, e o próprio Glauber Rocha, cujas
intervenções no inventivo programa Abertura ficaram marcadas na história da
televisão brasileira.
Este diálogo de que Arlindo Machado118 falara se estabelece cada vez
mais de forma recíproca, dado que a televisão também absorveu elementos (não
só realizadores) da estética cinematográfica numa relação de simbiose que
alguns hoje preferem chamar de “audiovisual”. A boa qualidade técnica das
telenovelas brasileiras se deve, em parte, ao fato de a maioria de seus técnicos
terem vindo da experiência anterior com o cinema.
118 Arlindo Machado também tem se dedicado a romper com os clichês, reproduzidos em muitos estudos de comunicação, sobre a demonização ingênua da televisão e das telenovelas sobretudo no livro A televisão levada a sério. O autor salienta que há, entre os críticos e acadêmicos, uma recusa intelectual à televisão (Machado, 2000).
167
O fato de admitirmos este diálogo não quer dizer que não reconheçamos
as especificidades de cada forma de expressão que, obviamente, tanto o cinema
como a telenovela enquanto um gênero televisivo, possuem. Buscamos, todavia,
refletir sobre como este confronto entre cinema e televisão exerceu (e tem
exercido) forte influência na avaliação das obras do cinema brasileiro desde os
tempos de Gabriela. Talvez a questão não esteja vinculada exclusivamente ao
mérito, ou seja, a avaliar de forma adequada ou não a relação entre as
telenovelas e o cinema brasileiro contemporâneo mas ao fato de estabelecer-se
um pré-juízo, geralmente desfavorável, a este mesmo cinema. Ademais, este
juízo incide e é mediado pela cultura e por todo contexto histórico que se
configurou tanto em Portugal como no Brasil desde finais dos anos 70.
168
Alguns dados quantitativos
A nossa pesquisa produziu uma série de dados e tabelas com o objetivo
de ampliar a compreensão do quadro histórico proposto. Estes dados dizem
respeito aos filmes brasileiros exibidos nos festivais, aos filmes apresentados
nos circuitos comerciais, às principais distribuidoras de filmes brasileiros, aos
realizadores brasileiros que mais exibiram filmes em Portugal, às publicações
portuguesas e seus críticos que ao longo das últimas décadas avaliaram o
cinema brasileiro.
1. O circuito não-comercial
A presença da cinematografia brasileira em Portugal passa
inevitavelmente pelo circuito alternativo (também chamado de “arte e ensaio”),
ou seja, por fora da rede de exibição e distribuição comercial. A maioria dos
filmes exibidos em território luso tem circulado sobretudo por festivais, ciclos e
mostras com atuação mais intensa a partir da década de 70. Após os primeiros
festivais (dedicados exclusivamente ao cinema brasileiro, ver Tabelas 1, 2 e 3
nas páginas 142 e 143) do início da década, o Festival Internacional de Cinema
de Figueira da Foz, um dos mais antigos do país (nascido em 1972), exibiu
filmes brasileiros como Deus e o diabo na terra do sol em 1974 e Toda nudez
será castigada em 1975, mantendo uma certa frequência de exibição até os dias
que correm (Tabela 4). Já a partir de meados da década de 80 é no Festival
Internacional de Cinema de Tróia onde também são exibidas muitas películas
brasileiras (Tabela 5). Nos anos 90, o destaque vai para a criação do Festival de
Cinema Luso-Brasileiro, localizado na cidade de Santa Maria da Feira (Tabela 6).
169
Tabela 4: Filmes brasileiros exibidos no Festival de Figueira da Foz – Anos 70/90
Φιλμε ΑνοDeus e o diabo na terra do sol 1974Iracema, uma transa amazônica 1975Toda nudez será castigada 1975Manhã cinzenta 1976A lenda de Ubirajara 1977Barra pesada 1977Tenda dos milagres 1977Chuvas de verão 1978A queda 1980A rainha do rádio 1980A idade da terra 1981O homem que virou suco 1981Maldita coincidência 1982Eles não usam black-tie 1982Prá frente, Brasil 1983Ao sul do meu corpo 1983O desafio 1983A casa assassinada 1983Anchieta, José do Brasil 1983A próxima vítima 1984Nasce uma mulher 1985Marvada carne 1985Cabra marcado para morrer 1985Noites do sertão 1985Prá frente Brasil 1985Bar esperança 1985Acto de violência 1985Gaijin, os caminhos da liberdade 1985Sargento Getúlio 1985Sete dias de agonia 1985Areias escaldantes 1986Tigipió, uma questão de honra 1986Os anjos do arrabalde 1987Rádio Pirata 1987Um trem para estrelas 1987Amor palavra prostituta 1987Chico rei 1988Natal da Portela 1988Eternamente Pagú 1988Ganga Zumba 1988Festa 1989
170
Primeiro de Abril Brasil 1989Romance 1989Quilombo 1990A saga do guerreiro alumioso 1993O caldeirão de santa cruz do deserto 1994Boi de prata 1994Tigipió, uma questão de honra 1994Césio 137 1996Corisco e Dadá 1996O guarani 1996O mandarim 1996Sombras de julho 1996Terra estrangeira 1996Yndio do Brasil 1996For all - o trampolim da vitória 1997O homem nú 1997Anahy de las missiones 1998Hans Staden - Lá vem nossa comida pulando 1999
Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa e no site do Festival F. Foz (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).
Tabela 5: Filmes brasileiros exibidos no Festival de Tróia – Anos 80/90
Φιλμε ΑνοAvaeté, semente da violência 1985Cabra marcado para morrer 1985Memórias do cárcere 1985Eu sei que vou te amar 1986A dama do cine shangai 1989A menina do lado 1989Das tripas coração 1992Mar de Rosas 1992Sonho de valsa 1992O fio da memória 1993A terceira margem do rio 1994Bang-bang 1994Minas Texas 1994O jogo da vida 1994O mágico e o delegado 1994Os monstros de babaloo 1994Sermões - a história de António Vieira 1994Vagas para moças de fino trato 1994Lamarca 1995
171
Bocage, o triunfo do amor 1998
Obs: Dados inconclusos coletados na Cinemateca Portuguesa – o acervo dos catálogos do Festival encontra-se incompleto (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).
Tabela 6: Filmes exibidos no Festival de Cinema Luso-Brasileiro – Anos 90
Φιλμε ΑνοAlma corsária 1997Pequeno dicionário amoroso 1997Quem matou Pixote? 1997Amores 1998Central do Brasil 1998Felicidade é... 1998Kenoma 1998Meia-noite 1998Traição 1998Ação entre amigos 1999Dois córregos 1999Hans Staden - Lá vem nossa comida pulando 1999O beijo no asfalto 1999Orfeu 1999Os sete gatinhos 1999Por trás do pano 1999Um copo de cólera 1999
Obs: Dados fornecidos pela organização do Festival (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).
Fora dos festivais, os ciclos e mostras sobre cinema brasileiro ganharam
ampla receptividade sobretudo a partir de 1978. Neste ano, a Fundação
Calouste Gulbenkian apresentou um grande Ciclo sobre o Cinema Brasileiro com
mais de vinte filmes exibidos, abarcando títulos desde a fase do cinema mudo,
passando pelo ciclo do cangaço e pelo Cinema Novo até chegar às últimas
obras da década do 70 como O amuleto de Ogun de Nelson Pereira dos Santos
(Tabela 7).
172
Tabela 7: Filmes brasileiros exibidos na Fundação Gulbenkian – Anos 70
Φιλμε ΑνοA casa assassinada 1978A hora e a vez de Augusto Matraga 1978Assalto ao trem pagador 1978Deus e o diabo na terra do sol 1978Lição de amor 1978Macunaíma 1978O amuleto de ogum 1978O bandido da luz vermelha 1978O cangaceiro 1978O caso dos irmãos Naves 1978O pagador de promessas 1978Os fuzis 1978Os herdeiros 1978Os inconfidentes 1978Pecado na sacristia 1978Perdida 1978Rio, 40 graus 1978Sangue mineiro 1978São Bernardo 1978Simão, o caolho 1978Toda nudez será castigada 1978Uirá, um índio em busca de Deus 1978Vidas secas 1978
Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa (curtas-metragens não incluídos).
Nos anos 80 e 90 foi a Cinemateca Portuguesa a promover vários ciclos e
mostras de filmes brasileiros, alguns dedicados exclusivamente a autores como
Glauber Rocha. Foi o caso de um grande ciclo que aconteceu entre Maio e
Junho 1987, quando foram exibidos vários filmes, alguns inéditos como Tabu de
Júlio Bressane e praticamente toda a obra de Glauber Rocha incluindo até os
curtas-metragens. Em Março de 1990, a Cinemateca apresentou no ciclo O
topus ilumina o opus? o também inédito comercialmente em Portugal A idade da
terra de Glauber Rocha. Em 1993 filmes como Vidas secas e São Bernardo
foram vistos no ciclo Imaginando Graciliano Ramos. Em 1998, uma significativa
mostra em homenagem aos Cem anos de cinema brasileiro apresentava
173
películas de Glauber Rocha, Hector Babenco, Leon Hirszan e outros. Por fim, já
em 1999, um ciclo dedicado a Ruy Guerra quando alguns títulos de sua
cinematografia foram oferecidos ao público (Tabela 8).
Tabela 8: Filmes brasileiros exibidos na Cinemateca Portuguesa – Anos 80/90
Φιλμε ΑνοA montanha dos sete ecos 1985A hora da estrela 1987A idade da terra 1987A lira do delírio 1987A noite 1987Anchieta, José do Brasil 1987Ato de violência 1987Barravento 1987Brás Cubas 1987Brasa dormida 1987Bye Bye, Brasil 1987Cabeças cortadas 1987Cabra marcado para morrer 1987Câncer 1987Chuvas de verão 1987Claro 1987Com licença, eu vou à luta 1987Das tripas coração 1987Deus e o diabo na terra do sol 1987Eu sei que vou te amar 1987História do Brasil 1987Lúcio Flávio, o passageiro da agonia 1987O leão de sete cabeças 1987O baiano fantasma 1987O beijo da mulher aranha 1987António das Mortes 1987O homem do pau-brasil 1987O homem que virou suco 1987O terceiro milênio 1987Sangue mineiro 1987Tabu 1987Terra em transe 1987Thesouro perdido 1987A idade da terra 1990Barravento 1990
174
Barravento 1991Pixote, a lei do mais fraco 1992A idade da terra 1993São Bernardo 1993Vidas secas 1993Imagens do inconsciente 1994Anjos do arrabalde 1996Deus e o diabo na terra do sol 1996Mil e uma 1996António das Mortes 1996Pixote, a lei do mais fraco 1996A hora e a vez de Augusto Matraga 1998A ostra e o vento 1998Aleluia, Gretchen 1998Assalto ao trem pagador 1998Carlota Joaquina, princesa do Brasil 1998Como ser solteiro 1998Deus e o diabo na terra do sol 1998Dona Flor e seus dois maridos 1998Eles não usam black-tie 1998Esta noite encarnarei no teu cadáver 1998Exorcismo negro 1998Iracema, uma transa amazônica 1998Macunaíma 1998O baile perfumado 1998O judeu 1998O quatrilho 1998Os fuzis 1998Pequeno dicionário amoroso 1998Pixote, a lei do mais fraco 1998Terra estrangeira 1998Uirá, um índio em busca de deus 1998A intrusa 1999A queda 1999Kuarup 1999Ópera do malandro 1999Os cafajestes 1999Os deuses e os mortos 1999
Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).
Convém assinalar que, na Cinemateca, antes da exibição das obras, os
175
espectadores recebiam119 um texto informativo-histórico de apreciação estética,
contendo também a ficha técnica do filme. Estes textos ou “Folhas” eram
produzidas por colaboradores da Cinemateca que tinha em seus quadros nomes
como Luís de Pina, Gil Abrunhosa, João Bérnad da Costa, Manuel Cintra
Ferreira, António Rodrigues e outros. Estes textos, apesar de muito
interessantes, não serviram como unidades de registros em nossa investigação
uma vez que fugiam do escopo de “críticas publicadas”.
Mais que fazer crítica ou servir de orientação de “como gastar bem seu
dinheiro no cinema”, estes circuitos de arte buscavam divulgar cinematografias
distantes do cenário declaradamente comercial, contavam com um público mais
restrito e especializado e, por isso mesmo, eram espaços onde se formava
opinião. A grande atenção dada a obras de Glauber Rocha e de outros nomes do
Cinema Novo brasileiro indica que também (e talvez principalmente) nestes
circuitos alternativos o Cinema Novo gozava de grande prestígio, reconhecido
sobretudo nos filmes do realizador baiano (Tabela 9).
Tabela 9: Filmes de Glauber Rocha exibidos na Cinemateca Portuguesa – Anos 80/90
Φιλμε ΑνοA idade da terra 1987António das Mortes 1987Barravento 1987Cabeças cortadas 1987Câncer 1987Claro 1987Deus e o diabo na terra do sol 1987O leão de sete cabeças 1987História do Brasil 1987Terra em transe 1987A idade da terra 1990Barravento 1990Barravento 1991A idade da terra 1993Deus e o diabo na terra do sol 1996
119 Ainda hoje a Cinemateca Portuguesa mantém esta prática de distribuição das “Folhas da Cinemateca”, prática que parece vir dos cineclubes.
176
António das Mortes 1996Deus e o diabo na terra do sol 1998
Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).
2. O circuito comercial
Entre 1960 e 1999, a exibição de filmes brasileiros nas salas comerciais
de Lisboa variou em termos de quantidade havendo uma predominância de
títulos na década de 70. De um modo geral, estas variações inseriram-se nas
experiências históricas vividas no Brasil e em Portugal (como já mencionamos),
embora outros fatores120 tivessem também contribuído para tal quadro. Com
efeito, nos anos 60 problemas ligados à distribuição e à censura dificultaram a
acessibilidade de filmes, problemas estes que perduraram até 1974. Após este
período há um crescimento significativo (em termos comparativos) de filmes que
só irá decair severamente em início dos anos 90 com o colapso da Embrafilme e
o consequente desmantelamento da produção cinematográfica brasileira. Em
meados da década de 90, o mercado volta a crescer ainda que em números
pequenos. Em 1999 o filme Central do Brasil ganha lançamento simultâneo em
11 salas de Lisboa. Importante observar que a cinematografia brasileira,
considerada periférica em termos de mercado de produção e distribuição, é
como a cinematografia chinesa ou iraniana, cujos filmes têm uma circulação
mais eficiente entre os festivais do que nos circuitos comerciais (Tabela 10).
Tabela 10: Filmes brasileiros exibidos no circuito comercial – Anos 60/90
Φιλμε ΑνοMeus amores no Rio 1960A morte comanda o cangaço 1962O pagador de promessas 1963Assalto ao trem pagador 1965Vidas secas 1967A fúria do cangaceiro 1970António das Mortes 1972
120 Fatores mais especificamente ligados ao mercado distribuidor e exibidor de filmes que não foram contemplados em nossa investigação.
177
O homem nú 1973Os herdeiros 1974São Bernardo 1974Terra em transe 1974Aladino e a lâmpada maravilhosa 1974António das mortes 1975Os paqueras 1975O leão das sete cabeças 1975Os fuzis 1975Os inconfidentes 1975Toda nudez será castigada 1976Macunaíma 1976Barravento 1976Cabeças cortadas 1976Câncer 1976Dona Flor e seus dois maridos 1977Xica da Silva 1977Deus e o diabo na terra do sol 1977O casamento 1977O casal 1977Gente fina é outra coisa 1978A dama do lotação 1978Lúcio Flávio, o passageiro da agonia 1979Eu te amo 1981Toda nudez será castigada 1981Bye Bye, Brasil 1982Pixote, a lei do mais fraco 1982Cassy Jones, o magnífico sedutor 1983O beijo da mulher aranha 1986Ópera do malandro 1987A turma da Mônica em a princesa e o robot 1989A turma da Mônica em o bicho-papão e outras histórias 1989
Mônica e a sereia do rio 1989Novas aventuras da turma da Mônica 1989Dias melhores virão 1990Gozo alucinante 1990O orgasmo sexual de miss James 1990A estrelinha mágica 1990O cangaceiro trapalhão 1995Gabriela, cravo e canela 1995O quatrilho 1996Bocage, o triunfo do amor 1999O escorpião escarlate 1999
178
Central do Brasil 1999Amor e Cia 1999O judeu 1999
Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa e na Hemeroteca de Lisboa (documentários, médias e curtas-metragens não incluídos).
3. As distribuidoras
A Animatógrafo foi, sem dúvida, a maior distribuidora de filmes brasileiros
em Lisboa. No auge de sua atividade nos anos 70, a Animatógrafo distribuiu em
Portugal quase todos os filmes de Glauber Rocha e também algumas fitas de
Ruy Guerra e Leon Hirszman. Estes filmes foram exibidos em salas como
Estúdio e Universal, sinalizando a via alternativa de circulação. Já a Castello
Lopes foi a distribuidora do Eu te amo de Arnaldo Jabor e do O beijo da mulher
aranha de Hector Babenco, ambos nos anos 80. A Doper distribuiu filmes como
Bye Bye, Brasil de Carlos Diegues e Ópera do Malandro de Ruy Guerra, ambos
exibidos no Estúdio 444. A Ecofilmes fez a distribuição dos filmes infantis de
Maurício de Sousa, como Novas aventuras da turma da Mônica. Por fim, a
Lusomundo, considerada a maior distribuidora de filmes brasileiros (e não só) da
década de 90, apresentou Central do Brasil de Walter Salles (Tabela 11).
Tabela 11: Filmes brasileiros exibidos por distribuidoras – Anos 60/90
Διστριβυιδορασ Νο Φιλμεσ
Animatógrafo 9Castello Lopes 6Doper 5Ecofilmes 5Distribuidora não identificada 5Lusomundo 4Filmes ocidente 3Imperial Filmes 3Vitória Filmes 3Rivus 2Saturno 2Atlanta 1Cinema Novo 1
179
Columbia 1Rank 1Sacil 1Sofilmes 1Τοταλ 53
Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa (distribuição no circuito comercial).
4. Os realizadores
Dentre os realizadores brasileiros, Glauber Rocha foi o que mais mostrou
seus filmes no circuito comercial lisboeta. Quase toda a sua cinematografia foi
exibida desde Barravento até O leão de 7 cabeças e apesar de tardia e sem
grandes campanhas de marketing, as exibições marcaram a passagem do
Cinema Novo em Portugal, sobretudo na década de 70. Curiosamente, após
Glauber Rocha o cartunista e criador de banda desenhada Maurício de Sousa
aparece como o segundo realizador que mais exibiu filmes comercialmente em
Lisboa. Os filmes infantis sobre As aventuras da turma Mônica tiveram boa
distribuição e exibição comercial na década de 80, embora não suscitassem
qualquer crítica. A seguir temos Carlos Diegues, Arnaldo Jabor, Hector Babenco
e Ruy Guerra, todos com um número de filmes exibidos bem abaixo de suas
cinematografias (Tabela 12).
Tabela 12: Filmes brasileiros exibidos no circuito comercial por realizador – Anos 60/90
RealizadoresΝο de filmes
Glauber Rocha 7Maurício de Sousa 5Carlos Diegues 4Arnaldo Jabor 3Hector Babenco 3Ruy Guerra 3Anselmo Duarte 2Bruno Barreto 2Daniel Filho 2Joaquim Pedro de Andrade 2Antônio Calmon 1
180
Carlos Coimbra 1Carlos Hugo Christensen 1Djalma Limongi Batista 1Fábio Barreto 1Helvécio Ratton 1Ivan Cardoso 1J. B. Tanko 1Jean Garret 1Jona Toby Azulay 1Leon Hirszman 1Luís Sérgio Person 1Nelson Pereira dos Santos 1Neville d'Almeida 1Reginaldo Faria 1Roberto Farias 1Roberto Santos 1Rubens Eleutério 1Stefan Wohl 1Walter Salles 1Τοταλ 53
Obs: Dados coletados na Cinemateca Portuguesa e Hemeroteca de Lisboa.
5. As publicações
No que concerne às publicações, foi nos diários lisboetas onde mais se
publicou críticas sobre filmes brasileiros entre os anos 60 e 90, notadamente no
Diário de Lisboa, Diário Popular e República, todos hoje fora de circulação do
mercado editorial português. Levando-se em consideração seu tempo de vida e
o fato de ter uma tiragem semanal, o jornal Expresso também produziu um
número razoável de resenhas. Já nas revistas especializadas, a Celulóide
dedicou muito mais atenção ao cinema brasileiro que a sua contemporânea
Plateia (Tabela 13).
Tabela 13: críticas a filmes brasileiros por publicação – Anos 60/90
Publicação Νο de críticasJornal Diário de Lisboa 38Jornal Diário Popular 37
181
Jornal República 29Jornal A Capital 27Revista Celulóide 25Jornal Diário de Notícias 24Jornal Expresso 17Revista Plateia 7Jornal de Letras 7Jornal Correio da Manhã 5Revista Isto é Espectáculo 3Jornal Público 3Revista O Tempo e o Modo 2Revista Isto é Cinema 2Revista Seara Nova 1Revista Filme 1Revista Estúdio 1Revista Cinema 15 1Τοταλ 230
Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa.
6. Os críticos
Lauro António foi o crítico que mais publicou resenhas sobre filmes
brasileiros exibidos em Lisboa. Um dos mais antigos críticos de Portugal, Lauro
António exerceu seu ofício sobretudo no Diário de Lisboa e no Diário de Notícias,
tendo assinado também algumas críticas na revista Celulóide. Além de Lauro
António, destaque para José Vaz Pereira, Fernando Duarte e Tito Lívio que
atuavam respectivamente no A Capital, na revista Celulóide e no Diário Popular.
Observamos também um número significativo de críticas não assinadas e outras
assinadas somente com as iniciais (Tabela 14).
Tabela 14: Críticas a filmes brasileiros por autor – Anos 60/90
Αutor Νο de críticasLauro António 31Não Assinada 27José Vaz Pereira 19Fernando Duarte 15Tito Lívio 15Afonso Cautela 12
182
Carlos Pina 11Jorge Leitão Ramos 10José de Matos-Cruz 7 Eduardo Prado Coelho 4João Lopes 4Vitoriano Rosa 4Avelino Dias 3Francisco Perestrello 3Rui Afonso 3Adelino Cardoso 2Alberto Seixas Santos 2Alberto Seixas Santos e Eduardo Geada 2António Cabrita 2Augusto M. Seabra 2Carlos Albino 2Eduardo Geada 2Eurico de Barros 2Guilherme Ismael 2Manuel Cintra Ferreira 2Manuel de Azevedo 2Manuel S. Fonseca 2Mário Jorge Torres 2Noberto Viana 2Oliveira Pinto 2Vasco Santos 2Alb. 1Carlos Mendes Leal 1D. A. 1D. S. 1E. M. 1E. P. 1Eduarda Ferreira 1F. 1Francisco Ferreira 1Helena Vaz da Silva 1I. O. 1João Bénard da Costa 1Joaquim Cavalheiro 1Jorge Pinho 1L. d' O. N. 1M. G. R. 1M. Machado Luz 1Maria Fernanda Reis 1Miguel Esteves Cardoso 1
183
Nuno de Bragança 1P. 1P. da C. 1P. de M. 1Pedro Borges 1R. 1Rodrigues da Silva 1Servais Tiago 1V. 1Vera Ferreira 1Vicente Jorge Silva 1Τοταλ 230
Obs: Dados coletados na Hemeroteca de Lisboa
184
PARTE 3 - As marcas nos discursos da crítica de cinema
Propomos neste momento da investigação definir as questões
metodológicas ao tratar da delimitação do corpus da pesquisa e as opções feitas
para tal enquadramento. Em seguida nos debruçamos sobre as nossas unidades
de registros, as críticas sobre filmes brasileiros, com o objetivo de identificar
marcas retóricas e contextuais verificáveis nos textos de publicações de
jornalismo cinematográfico portuguesas ao longo das últimas quatro décadas.
Posteriormente, apresentamos uma avaliação dos resultados da análise
das resenhas sobre filmes brasileiros exibidos em Portugal. Por fim, dedicamos
um capítulo à reflexão acerca da influência exercida pela crítica sobre o leitor.
185
Delimitação do corpus
Demarcaremos o nosso corpus como o conjunto das resenhas críticas
publicadas na imprensa de Lisboa sobre filmes brasileiros entre 1960 e 1999
inclusive, privilegiando as análises dos filmes mais criticados por década, ou
seja, aquelas películas que mais foram motivo de avaliação nas principais
publicações do período.
Por cinema brasileiro entendemos aqueles filmes cuja “nacionalidade”
remete à identidade brasileira, embora em alguns casos seus realizadores nem
sempre sejam de origem brasileira (caso, por exemplo, de moçambicano-
brasileiro Ruy Guerra). Sabemos que o conceito de um “cinema nacional”, hoje
mais do que nunca, passa por transformações, sobretudo numa época onde a
chamada globalização evidencia o caráter multinacional de seus técnicos, de
suas locações e realizadores. Esta “desterritorialização” do cinema acirrou-se
com o advento das novas tecnologias da comunicação, que tem criado uma
nova cartografia simbólica devido a sua condição de transgredir fronteiras.
Todavia, apesar de reconhecer a delicadeza do problema (e assumirmos que
trabalhamos com conceitos não muito estáveis), ficamos com a definição de
Josep Lluís Fecé Gómez121 : “De uma forma geral, podemos dizer que uma
cinematografia nacional está composta por um amplo conjunto de filmes nos
quais podem observar-se elementos temáticos e formais suscetíveis de
configurar um «modelo». (...) Quer dizer, o investigador encontra uma certa
coerência entre um amplo número de filmes e assume que essa coerência tem
relação com a produção e recepção desses filmes dentro dos limites de um
Estado-Nação ou de uma nação sem Estado”. Por outras palavras, deve-se
121 GÓMEZ, Josep Lluís Fecé. El concepto de «cine nacional» en la era de la comunicación. Disponível na www: <URL: http:// www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras.
186
estabelecer uma relação entre as coerências «textuais» ou internas, com
aquelas «contextuais», o ambiente político, social e histórico. Assim, mesmo
algumas co-produções foram incluídas no que denominamos de cinema
brasileiro.
Podemos dizer o mesmo em relação àquilo a que chamamos crítica de
cinema “portuguesa”. Estabelecer uma identidade nacional para esta prática
discursiva é também um terreno assaz complicado e nos limitaremos a
reconhecê-los como discursos culturais produzidos por jornalistas ou não,
publicados nos espaços institucionais destinados à crítica de filmes. Procurou-
se, todavia, excluir as pequenas notas e os textos da chamada crônica social,
isto é, aqueles mais ligados aos boatos sobre os bastidores dos filmes ou sobre
a vida privada dos artistas, uma vez não se tratar da área de interesse de nossa
investigação.
O espaço geográfico de circulação das edições também foi por nós
delimitado posto que somente foram consultadas as publicações lisboetas, ou
melhor, os principais jornais, semanários e revistas da cidade de Lisboa.
Contamos, por certo, com pequeno um grau de falibilidade, apesar da coleta
exaustiva dos dados, uma vez que certos exemplares de jornais122 não existem
nos arquivos consultados, nomeadamente nos da Cinemateca Portuguesa e nos
da Hemeroteca Municipal de Lisboa. Contudo, acreditamos que muito pouco
ficou de fora, não comprometendo assim o rigor da recolha e da avaliação das
informações.
Buscamos, além disso, abarcar os filmes brasileiros (somente a título de
levantamento, uma vez que boa parte dessas películas não foi motivo de críticas
por parte da grande imprensa) exibidos no circuito dos principais festivais de
cinema em Portugal, a saber, o Festival Internacional de Cinema de Figueira da
Foz, o Festival Internacional de Tróia e o Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria
da Feira. Também foram levados em conta o 1º Festival do Cinema Brasileiro em
122 Refiro-me às edições dos jornais República (05.05.1974), Diário Popular (09.02.1975 e 21 e 23.02.1982), A Capital (24 e 25.04.1977, 21.02.1982 e 28.03.1982).
187
Portugal, assim como a 1ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro e finalmente a 1a
Semana do Cinema Brasileiro. Afora o 1º Festival do Cinema Brasileiro, que
recebeu uma boa cobertura pela imprensa e conseqüentemente uma grande
quantidade de resenhas dos filmes e a 1ª Retrospectiva do Cinema Brasileiro,
que foi motivo de alguma repercussão, os outros festivais foram ignorados pela
crítica, talvez pela pouca disponibilidade na agenda do jornalismo cultural luso.
Todavia, as exibições dos filmes dos festivais foram por nós contabilizadas como
exibições no circuito não-comercial. Ademais, reconhecemos que o grande
mercado exibidor dos filmes brasileiros em Portugal tem sido os festivais, os
ciclos e as mostras retrospectivas realizadas na Cinemateca Portuguesa. Vale
salientar que o circuito dos festivais de cinema, no final das contas,
internacionalmente cumpre esta função de apresentar a um mercado mais
restrito os filmes aclamados como independentes.
Nosso enquadramento temporal obedeceu a critérios de importância
histórico-temática tanto para o cinema brasileiro como para a crítica portuguesa.
Os anos que vão de 1960 até 1999 compreendem cenários históricos e culturais
significativos para ambos os países, cenários estes sobre que procuramos
refletir na Parte 2 de nossa investigação. Não queríamos deixar de ressaltar que
os critérios na escolha da delimitação do tempo foram perspectivados a partir
das transformações substanciais, tanto estéticas como políticas, sociais e
históricas vividas nas duas nações que, naturalmente influenciaram na
composição de nosso corpus.
Por fim, quanto à nossas fontes, foram examinados os arquivos da
Cinemateca Portuguesa, que disponibilizou dados sobre os filmes brasileiros
apresentados naquele espaço cultural. Também foram consultados, na
Hemeroteca Municipal de Lisboa, os acervos de publicações, ou seja, as
editorias de cultura de jornais, semanários e revistas lisboetas entre 1960 e
1999. Nestas consultas recolhemos um total de 230 críticas acerca de filmes
brasileiros, assim divididas por década (Fig. 1):
189
Após a recolha das resenhas, procedemos à identificação da quantidade
de críticas por filme exibido nas salas de Lisboa, também divididas por década
(Fig. 2, 3, 4, 5 e 6):
Figura 2: Críticas publicadas por filme nos anos 60
192
Figura 5: Críticas publicadas por filme nos anos 80
Figura 6: Críticas publicadas por filme nos anos 90
1. O recorte
Partindo deste corpus total de 230 críticas, delimitamos para o nosso
escopo de investigação o número de 112 resenhas. Esta seleção baseou-se
predominantemente na escolha dos filmes mais criticados nas quatro décadas,
com algumas exceções presentes na década de 70 e logo abaixo justificadas.
Quanto às publicações, nossa seleção privilegiou as principais revistas, diários e
semanários lisboetas do período e suas disponibilidades nos acervos da
193
Cinemateca Portuguesa e Hemeroteca Municipal de Lisboa. Infelizmente,
ficaram de fora importantes publicações como o jornal O Século, cuja coleção
completa estava indisponível devido a um processo de restauração dos jornais.
Certas revistas especializadas como Cinematógrafo, Revista de Cinema, Arte7 e
Já também foram excluídas da investigação seja pela sua efemeridade (edições
de apenas um ou dois números e que não incluíam críticas de filmes brasileiros),
seja igualmente pela indisponibilidade de seu acervo nas instituições citadas.
Assim, nossa unidade de amostragem compreendeu as edições dos
jornais (A Capital, Diário de Lisboa, Diário Popular, República, Diário de Notícias,
Correio da Manhã e Público), semanários (Expresso), revistas (especializadas:
Plateia, Filme, Celulóide, Estúdio, Cinema 15 e não especializadas: O Tempo e o
Modo e Seara Nova) e outros (Jornal de Letras) que contêm nossas unidades de
registros, ou seja, as críticas aos filmes brasileiros propriamente ditas. Este total
de 112 unidades subdividiu-se em 22 críticas (década de 60), 41 (década de 70),
32 (década de 80) e 17 (década de 90) conforme mostra o gráfico a seguir (Fig.
7):
Figura 7: Total de críticas selecionadas por década
Na década de 60, somente seis filmes brasileiros foram exibidos em
Portugal. Dentre eles, três marcaram uma importante presença quantitativa e
194
qualitativa no discurso da crítica de cinema, quer porque já tinham sido
premiados em festivais quer por apresentar uma visão diferenciada daquilo que
os críticos estavam habituados a ver na cinematografia brasileira. Desse modo,
nossa seleção da década de 60 foi formada por 22 críticas acerca de O pagador
de promessas (Anselmo Duarte) Assalto ao trem pagador (Roberto Farias) e
Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos).
Na década de 70, nossa seleção tornou-se mais complicada uma vez que
o universo de críticas cresceu significativamente e fez-se necessário uma outra
atitude diante das unidades de registros. Época marcada por um grande número
de festivais, a década de 70 ampliou a extensão da presença de filmes
brasileiros em território luso e 41 resenhas dos filmes A fúria do cangaceiro
(Anselmo Duarte), As amorosas (Walter Hugo Kouri), Macunaíma (Joaquim
Pedro de Andrade), António das Mortes (Glauber Rocha) O homem nu (Roberto
Santos), Terra em transe (Glauber Rocha), O leão de 7 cabeças (Glauber
Rocha), Toda nudez será castigada (Arnaldo Jabor), Dona Flor e seus dois
maridos (Bruno Barreto) e finalmente, Lúcio Flávio, o passageiro da agonia
(Hector Babenco) formaram nossa seleção da década de 70. Aqui, a seleção
privilegiou o critério dos filmes que sofreram mais críticas pela imprensa
cinematográfica, além de outros de ordem mais específica, como os filmes As
amorosas e Macunaíma, que foram exibidos durante o 1º Festival de Cinema
Brasileiro em 1971 - festival este que teve uma repercussão enorme junto ao
meio cinematográfico português - e receberam praticamente a mesma
quantidade de comentários que os outros 12 filmes apresentados no festival. O
motivo da escolha então, partiu da observação dos críticos do diário A Capital123
ao relatarem que o primeiro foi o filme mais repelente do Festival e o segundo foi
unânime quanto à sua importância, originalidade e honestidade.
Neste período também é quando os filmes de Glauber Rocha são
finalmente exibidos em salas portuguesas. As críticas aos filmes António das
Mortes, Terra em transe e O leão de sete cabeças foram selecionadas pela
123 A Capital. 27.03.1971. Cena Sete, p. 6. Os referidos críticos foram: Alberto Seixas Santos, Eduardo Geada e Eduardo Prado Coelho.
195
relevância que Glauber Rocha teve para o Cinema Novo e por este ser o
realizador brasileiro de maior prestígio junto da crítica em Portugal. Outros filmes
de Glauber Rocha124 foram também exibidos no período, mas não receberam
tanta atenção da crítica quanto estes.
Para as décadas de 80 e 90, nossa seleção seguiu o princípio geral das
resenhas dos filmes brasileiros mais criticados na imprensa. Desta maneira, as
32 críticas acerca de O beijo da mulher aranha (Hector Babenco), Eu te amo
(Arnaldo Jabor), Bye Bye, Brasil (Carlos Diegues), Pixote, a lei do mais fraco
(Hector Babenco) e Ópera do Malandro (Ruy Guerra) completam o nosso quadro
da década de 1980 e as 17 resenhas sobre Central do Brasil (Walter Salles),
Amor &Cia (Helvécio Ratton), O quatrilho (Fábio Barreto) e O escorpião
escarlate (Ivan Cardoso) constituíram a unidade da década de 1990.
124 Como Cabeças cortadas em 1976 e Deus e o diabo na terra do sol em 1977.
196
As marcas na crítica
O nosso referencial de codificação apresentado conforma-se com as
discussões teóricas propostas na Parte 1 desta tese. A definição das categorias
de análise (das críticas aos filmes brasileiros) pautou-se pela intenção de
construir uma pesquisa qualitativa que sustentasse com relevância, validez e
representatividade nossa investigação sobre esta prática discursiva. O discurso
efetivamente não é um meio neutro de descrever o mundo e as resenhas críticas
de cinema carregam marcas, sinais ou indícios que revelam, além de sua
historicidade, o grau de persuasão para com o público-leitor desses textos.
Assim, o que chamaremos de marcas retóricas e marcas de contexto são
vestígios presentes nos textos que apontam para a sua própria revelação. Ou
seja, as resenhas críticas, além de serem vestígios de uma experiência
persuasiva, são também ricos registros de memória de uma época com que
buscamos, como investigadores, dialogar.
As marcas retóricas aqui compreendidas subdividem-se em marcas de
valor, marcas de justificação de valor e marcas das estratégias de persuasão. As
marcas de valor são aqueles juízos comumente presentes nos textos da crítica
cultural jornalística, fruto da avaliação do crítico sobre a obra. Estes juízos de
valor podem ser positivos ou favoráveis ao filme, negativos ou desfavoráveis ao
filme ou ainda aquilo a que chamaremos de mistos, em que o produtor da crítica
faz sua avaliação pautada num juízo intermediário.
Já as marcas de justificação de valor são aqueles critérios argumentativos
de que a crítica se utiliza a fim de fornecer a justificativa de sua sentença.
Parece-nos clara a existência de diversos e variados critérios utilizados pela
crítica e não pretendemos superá-los. Procuramos, todavia, agrupá-los em dois
197
blocos generalistas definidores dos juízos sobre os filmes: os critérios de
conteúdo e os critérios de forma. Os primeiros valorizam os elementos ligados à
“mensagem” do filme, ao impacto social da obra, sejam estes elementos de
caráter ideológico, ético ou religioso. Já os critérios de forma destacam os
valores da estilística fílmica, do sistema estético-formal da película, como os
movimentos de câmera, angulações, fotografia, estrutura narrativa, o som, os
diálogos, etc.
Estas alegações de que o crítico necessita para fundamentar seu discurso
vêm acompanhadas de marcas de estratégias de persuasão que se baseiam nas
três categorias clássicas de Aristóteles e que foram repensadas por Bordwell no
campo da crítica cinematográfica. Procuraremos identificar nas resenhas os
traços de estratégias de invenção, organização e estilo que visam o
assentimento do leitor a esses discursos.
As marcas de contexto, por sua vez, subdividem-se em marcas de tempo
e marcas de espaço. As primeiras apontam os sinais de elementos presentes no
contexto da época em que a crítica foi publicada. O entorno do discurso
analisado como a evocação dos movimentos cinematográficos em voga, a
referência a métodos e a convenções interpretativas vigentes no período, as
indicações sobre a presença de fatos relevantes na sociedade portuguesa,
enfim, o tecido social e histórico que registra a época. As marcas de espaço
remetem para o posicionamento das resenhas nas editorias das instituições
(jornais, semanários e revistas especializadas em cinema) e também para
espaço dedicado às críticas no interior das páginas.
Convém salientar que estas marcas identificadas através de uma análise
detalhada dos textos funcionam como indicadores na recuperação do horizonte
de expectativas de cada época, além de operarem como parâmetros
mobilizadores básicos dos juízos de aceitação ou recusa dos filmes brasileiros
exibidos num dado período.
Nestas marcas também são evidenciadas convenções ou rituais de
interpretação dos filmes que, situadas historicamente, irão definir os limites do
198
ato produtor do discurso bem como da recepção do próprio discurso. Se o
objetivo da crítica é convencer os leitores da validade de suas observações, ela
deve seguir determinadas rotinas interpretativas e rotinas de organização do
texto a fim de que seus destinatários possam acolhê-la sem ruídos
comunicativos.
199
Marcas retóricas
1. As marcas de valor
Anos 60
Finalmente! O filme mais notável do ano, dizia o cartaz de promoção de O
pagador de promessas num claro apelo retórico aos espectadores lisboetas. Foi
somente em Abril de 1963 que o filme, premiado no Festival de Cannes no ano
anterior e dirigido por Anselmo Duarte, estreou-se em Portugal. O filme atraíra a
atenção da crítica por vários motivos: por tratar-se de uma co-produção (luso-
brasileira), por ter um ator português em seu elenco (Américo Coimbra), por
levantar uma polêmica religiosa ao se reportar ao tema do sincretismo religioso
brasileiro e, finalmente, por ter ganhado a palma de ouro em Cannes num
concurso em que disputavam Robert Bresson (O processo de Joana D’arc) e
Antonioni (O eclipse).
A imprensa cinematográfica portuguesa deu ampla cobertura à estréia do
filme, na qual estavam presentes a atriz brasileira Norma Benguel, o produtor
português Francisco de Castro e o ator Américo Coimbra. A maioria dos registros
críticos publicados fez uma apreciação bastante positiva do filme, apesar das
polêmicas que envolveram sua exibição. Assim, o filme foi celebrado como uma
obra singular da cinematografia brasileira. Adjetivos como notável, pungente e
escaldante, marco luminoso, poético sem melodramatismo e tantos outros foram
utilizados para qualificar a película e excitar o leitor para uma ida à sala de
cinema.
200
* * *
A mesma apreciação (com apenas uma exceção) pode ser dada a Assalto
ao trem pagador, dirigido por Roberto Farias e exibido pela primeira vez em
Portugal no II Festival Internacional de Arte Cinematográfica de Lisboa em
Fevereiro de 1965. Seis meses depois ganhou espaço no circuito comercial no
cinema Império. Recebeu o prêmio Caravela de Prata para Valores Humanos no
Festival e, segundo boa parte da crítica, o filme constituiu uma agradável
surpresa uma vez que esta esperava que o representante brasileiro no evento
fosse Vidas secas.
À exceção de José Vaz Pereira no JL que considerou Assalto ao trem
pagador, decepcionante, palavroso, retórico e não isento de demagogia125, o
filme ganhou uma boa recepção da imprensa cinematográfica expressa nas
marcas de valor visíveis nos comentários dos críticos: obra excepcional; obra
corajosa e digna; constituiu a primeira surpresa agradável do festival; filme pleno
de vida e de juventude, rico de conteúdo social126.
* * *
Já Vidas secas, filme de Nelson Pereira dos Santos, foi exibido em
Portugal pela primeira vez em Junho de 1966, à época do III Festival de
Internacional de Arte Cinematográfica de Lisboa, onde ganhou os prêmios da
Crítica e dos Cineclubes. Não foi com surpresa, então, que quando o filme
acedeu ao circuito comercial em Março de 1967, a crítica de cinema ofereceu-lhe
bons comentários. A marca de valor foi essencialmente positiva: O filme é um
fresco impressionante do Nordeste, um hino forte belo e solidário com o ser
humano. (...) Um filme terno e simultaneamente tenso, a que nenhum espectador
sensível pode ficar indiferente.127 O Diário Popular avalia: Vidas Secas surge-nos
como um filme sincero, verdadeiro e esse é o melhor aplauso que podemos lhe
125 Jornal de Letras e Artes. 01.09.1965, p. 12. Assinada por José Vaz Pereira.
126 Diário Popular. 16.02.1965, p. 11. Assinada com as iniciais D. A.
127 Diário de Lisboa. 31.03.1967, p. 6. Crítica não assinada.
201
tributar.128 E a revista Celulóide afirma: (...) É um filme que não tem, felizmente, o
pretenciosismo de umas tantas películas francesas e italianas, mas possui vida,
verdade e autenticidade. É uma das mais notáveis transposições duma obra
literária para uma obra cinematográfica.129
E mesmo aqueles críticos que tinham suas reservas em relação a certos
“problemas” (sobretudo técnicos) do filme130, se inclinaram mais por um juízo
positivo de Vidas secas, considerada pela maioria como uma grande obra do
cinema brasileiro.
Anos 70
A fúria do cangaceiro, realizado por Anselmo Duarte, foi o primeiro filme
brasileiro exibido comercialmente em Lisboa na década de 70. Nesta ocasião, a
crítica lusa ansiava com veemência pela exibição das “verdadeiras” obras do
Cinema Novo brasileiro, isto é, esperava pelos filmes de Glauber Rocha, Ruy
Guerra, Paulo César Saraceni, Nelson Pereira dos Santos e outros. O filme de
Duarte veio frustrar esta expectativa da crítica e talvez por isso, tenha recebido
comentários de valor hegemonicamente negativos131. Desse modo, o filme foi
considerado um melodrama simplista e folclórico132 possuidor de uma péssima
banda sonora metida a martelo e de um ar pretensamente denunciador133. O
julgamento da crítica foi impiedoso e perpassado por uma significativa afirmação:
128 Diário Popular. 31.06.1967, p. 3. Crítica não assinada.
129 Celulóide. Nº 102, Junho de 1966, p. 11. Assinada por Avelino Dias.
130 Como ficou registrado na crítica do República de 31.03.1967, p. 3 e assinada por Afonso Cautela: Com meios técnicos restritos, com erros da escrita, com intérpretes poucos expressivos, com um som deficiente, outras películas serão registadas; mas o que importa é fazer, porque no fazer pensando, no fazer dizendo, se constrói a perfeição que é feita de todos os erros admiráveis de quem cria: «erros» em rigoroso sentido etimológico, do homem que erra, que caminha, que pesquisa, que progride. Vale salientar que este tipo de negação para demonstrar isenção e credibilidade e depois afirmação da obra, é mais uma estratégia retórica usualmente utilizada pela crítica de cinema.
131 O único caso de apreciação positiva foi dado pelo Diário de Notícias que, na verdade, reproduziu o release da produtora do filme e, por isso, não foi classificado em nossa amostra como crítica de jornal.
132 A Capital. 28.11.1970, p. 19. Assinada por Eduardo Geada.
133 República. 27.11.1970, p. 3. Assinada por Tito Lívio.
202
Isto não é Cinema Novo.
* * *
Os comentários sobre As amorosas de Walter Hugo Khouri, película
exibida no 1º Festival de Cinema brasileiro em Portugal, foram permeados por
marcas de valor negativas e positivas. Os críticos Fernando Duarte (Celulóide) e
Afonso Cautela (República) tiveram uma boa impressão do filme a ponto de o
considerarem uma obra-prima do cinema, um dos grandes filmes de todos os
tempos134 ou ainda foi de longe a mais grata surpresa deste ingrato festival135. Já
os comentários de José Vaz Pereira (Diário Popular) e Lauro António (Diário de
Lisboa) apresentaram uma avaliação negativa do filme, que possuía um realismo
de pacotilha e algumas vezes roçando o grotesco, um filme falso de temática
além de palavroso e discursivo136.
* * *
Já as marcas de valor nas resenhas de Macunaíma de Joaquim Pedro de
Andrade, filme exibido no mesmo festival, foram predominantemente positivas. A
lotação esgotada (com generosos aplausos no final) nas sessões do Império e
do Estúdio demonstra que o filme foi, sem dúvida, o único que suscitou a
unanimidade do público e da crítica137. José Vaz Pereira considerou o filme uma
obra fora de série em qualquer parte do mundo138 e Lauro António referiu que
Macunaíma fica como um dos mais belos e frenéticos filmes que atravessaram
Lisboa nos últimos anos139. A única reserva veio da crítica de Afonso Cautela ao
relatar a falta de originalidade do roteiro: Macunaíma vive totalmente do romance
134 Celulóide. Nºs 166/167, Out-Nov de 1971, p. 33. Assinada por Fernando Duarte.
135 República. 27.03.1971, p. 6. Assinada por Afonso Cautela.
136 Diário de Lisboa. 24.03.1971, p. 5. Assinada por Lauro António.
137 A Capital. Cena Sete. 27.03.1971, p.7. Assinada por Eduardo Prado Coelho.
138 Diário Popular. 24.03.1971, p. 4. Assinada por José Vaz Pereira.
139 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.
203
e não admira fazer assim um figurão140.
* * *
Também as marcas de juízo percebidas nas resenhas sobre António das
Mortes foram hegemonicamente positivas. Primeiro filme de Glauber Rocha
comercialmente distribuído em Portugal em Outubro de 1972, três anos após o
diretor ter recebido a Palma de Ouro de melhor realizador em Cannes. A lotação
esgotada na estréia foi referida pela crítica, que recebeu o filme calorosamente:
«António das Mortes» aparece-nos como um dos mais surpreendentes filmes
ultimamente saídos dos estúdios brasileiros141 ou «António das Mortes» é uma
soberba obra épica, uma «colagem» plástica e sonora, uma combinação
exclusiva que repõe, em discussão, em termos de combate e de intervenção, o
futuro do cinema142 e ainda, A arte não tem pátria – assim se compreendendo
este notável trabalho do realizador brasileiro Glauber Rocha143.
* * *
Já as marcas de valor nos discursos sobre O homem nu do realizador
Roberto Santos indicam juízos mistos, ou seja, o filme foi considerado
interessante em alguns aspectos, sobretudo temáticos, mas pouco ousado
estilisticamente e por isso, avaliado como uma película mediana. A única
exceção veio da apreciação essencialmente negativa do crítico Tito Lívio, do
Diário Popular, que avaliou o filme como sensacionalista e acrítico e o realizador
como um cineasta com excessiva falta de imaginação, num cinema brasileiro
que já não pode ser chamado de «novo» e onde aquela falta abunda144.
140 República. 28.03.1971, p. 9. Assinada por Afonso Cautela.
141 Diário Popular. 16.10.1972, p. 4. Assinada com as iniciais P. da C.
142 Celulóide. Nºs 178/179, Out/Nov de 1972, p. 44. Assinada por Lauro António.
143 Plateia. Nº 612, 24.10.1972, p. 69. Assinada por Vasco Santos.
144 Diário Popular. 14.07.1973, p. 4. Assinada por Tito Lívio.
204
* * *
Terra em transe, segundo filme de Glauber Rocha a ser exibido
comercialmente em Portugal em Maio de 1974, contou com a presença do
realizador na sua estréia. Glauber Rocha viera a Lisboa logo após o 25 de Abril e
a imprensa deu ampla cobertura à sua visita. As marcas de juízo de valor da
crítica apontaram para a boa receptividade do filme que foi chamado de filme
político, filme poético, cântico revolucionário e lírico145 e sobretudo, um filme a
não perder146.
* * *
O leão de sete cabeças, também obra do realizador Glauber Rocha e que
foi apresentado comercialmente em Portugal em Fevereiro de 1975, recebeu
avaliações positivas da crítica lusa, embora com ressalvas de alguns críticos que
alertavam para o perigo de incomunicabilidade com o público que a obra
eventualmente poderia causar. Entretanto, o filme foi qualificado de importante,
polêmico, fascinante, atual e urgente por grande parte da crítica que acolheu
bem a obra de Rocha.
* * *
A exibição em 1976 de Toda nudez será castigada de Arnaldo Jabor
suscitou avaliações positivas de grande parte da crítica cinematográfica, à
exceção do comentário de Avelino Dias para a revista Celulóide. Para o
semanário Expresso, o filme é uma das melhores surpresas do cinema
brasileiro147. A crítica do A Capital considera-o uma obra mordaz e que merece
atenção148. A revista Cinema 15 avalia que o filme é feito com os requisitos
essenciais para agradar a uma vasta Plateia, mas sem resvalar para o mau
145 Diário de Lisboa. 07.05.1974, p. 6. Assinada por Lauro António.
146 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.
147 Expresso. Revista. 23.04.1976, p. 19. Assinada por Helena Vaz da Silva.
148 A Capital. 09.04.1976, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.
205
gosto, ou o gratuito149. Entretanto, a Celulóide150 conclui que o filme é uma
grande desilusão.
* * *
Grande sucesso de bilheteria em Portugal em 1977, o filme Dona Flor e
seus dois maridos de Bruno Barreto recebeu boas críticas da imprensa à
exceção da avaliação de Jorge Leitão Ramos no Diário de Lisboa, embora este
não desqualificasse a obra por inteiro. O Diário Popular refere que Bruno Barreto
transpõe para o écran com talento e paixão151 o romance de Jorge Amado. O
Diário de Notícias diz que no filme, Barreto usou imaginação, humor e um
espírito crítico desperto e atento ao ambiente social onde o filme decorre152. A
Celulóide assegura que Dona Flor é uma delícia de bom humor, de requinte e de
arte, de espectáculo153.
* * *
Acompanhado por uma forte campanha publicitária, o filme Lúcio Flávio, o
passageiro da agonia do diretor Hector Babenco foi recebido com ressalvas pela
imprensa cinematográfica lusa, ou seja, verificaram-se juízos mistos de valor.
Para Lauro António, a película é um testemunho vigoroso e apaixonante de uma
realidade, mas não é todavia, um filme perfeito154. José de Matos-Cruz avaliou a
obra como contundente, chocante, apesar de algumas discutíveis soluções ao
nível de acercamento visual e linearidade de linguagem155. E Jorge Leitão
Ramos apesar de reconhecer uma certa habilidade em Hector Babenco, julga
149 Cinema 15. Nº 8, Junho de 1976, p. 20. Não Assinada.
150 Celulóide. Nº 226, Junho de 1976, p. 17-18. Assinada por Avelino Dias.
151 Diário Popular. 19.09.1977, p. 18. Assinada por José de Matos-Cruz.
152 Diário de Notícias. 24.09.1977, p. 9. Assinada por Lauro António.
153 Celulóide. Nºs 234/235, Dezembro de 1976, p. 28. Assinada por Fernando Duarte.
154 Diário de Notícias. 30.05.1979, p. 14. Assinada por Lauro António.
155 Diário Popular. 26.05.1979, p. 29. Assinada por José de Matos-Cruz.
206
que o filme vende o espectáculo mais ou menos gratuito da violência. Procurar,
nele, outras propostas parece-me ser um inútil trabalho de mistificação156.
Anos 80
As avaliações acerca de Eu te amo do diretor Arnaldo Jabor foram
constituídas de juízos inclinadamente negativos da imprensa cinematográfica
lisboeta. O filme foi também acompanhado por uma forte campanha promocional
incluindo a presença do diretor e da atriz Sônia Braga na estréia em 1981.
Verificaram-se alguns comentários favoráveis (em menor número) como o de
Lauro António no Diário de Notícias, que achou o projeto do filme fascinante e
inteligente157 e José Vaz Pereira que refere a qualidade da linguagem158, quer
dizer, a qualidade da interpretação, dos diálogos, da fotografia e da música.
Entretanto, a maioria da crítica compartilha o juízo de Jorge Leitão Ramos que
avalia: o jogo de Eu te amo não é franco, embrulha-se em psicanálises de
pacotilha, «bocas» quanto à realidade brasileira, tiques de vídeo e memória
cinéfila, numa salada indigesta donde está ausente toda a verticalidade de
processos159. A crítica do Expresso argumenta se vale a pena escrever ou falar
sobre um filme mentiroso160 e a revista Celulóide161 interpela-se com o título
irônico: Filme de qualidade?.
* * *
Em 1982, a recepção crítica a Pixote, a lei do mais fraco de Hector
Babenco foi, de um modo geral, favorável ao filme, ainda que a crítica de alguns
periódicos questionasse certas opções estéticas do diretor. José Vaz Pereira
156 Diário de Lisboa. Sete.Sete. 1 a 7 de Junho de 1979, p. 3. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
157 Diário de Notícias. 08.11.1981, p. 36. Assinada por Lauro António.
158 A Capital. 09.11.1981, p. 23. Assinada por José Vaz Pereira.
159 Diário de Lisboa. 17.11.1981, p. 18. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
160 Expresso. Actual. 14.11.1981, p. 25. Assinada por João Lopes.
161 Celulóide. Nº 331, Janeiro de 1982, p.17-19. Assinada por Fernando Duarte.
207
avalia que desde já pode considerar-se «Pixote» como um dos grandes filmes de
1982162 e Lauro António julga que Hector Babenco oferece-nos um filme de um
impressionante realismo, admiravelmente conseguido na sua coerência e
consistência estilística e dramática163. Enquanto que Jorge Leitão Ramos
acredita que Pixote é um filme invulgar. Tem garra para nos prender mas não
nos convence164.
* * *
Lançado um mês após Pixote, Bye Bye, Brasil do diretor Carlos Diegues
foi recebido muito bem pela crítica lusa. A crítica do JL afirma que Bye Bye,
Brasil tem qualidade, é inteligente e também é um filme sutil que põe um país
como objeto de um olhar que tem tanto de raiva como de amor a guiá-lo165. José
de Matos-Cruz avalia que Bye Bye, Brasil relança a nossa estimulante
curiosidade pelo cinema brasileiro166. E Manuel S. Fonseca expressa que a fita é
uma tentativa de reinventar uma quase perdida magia, sem que isso implique
vender a alma ao diabo. (...) o filme de Diegues é o exemplo de um cinema que
atingiu a idade adulta167.
* * *
Filme do diretor Hector Babenco, O beijo da mulher aranha foi exibido
comercialmente em Portugal em 1986 e auferiu juízos mistos da crítica
jornalística. A maioria dos críticos avaliou que o filme possui méritos (sobretudo
na performance dos atores), mas a história desilude pois tinha potencialidades
162 A Capital. 26.02.1982, p. 27. Assinada por José Vaz Pereira.
163 Diário de Notícias. 02.03.1982, p. 22. Assinada por Lauro António.
164 Diário de Lisboa. 26.03.1982, p. 20. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
165 Jornal de Letras Artes e Ideias. No 30, 13 a 26.04.1982, p. 29. Assinada por Miguel Esteves Cardoso.
166 Diário Popular. 07.04.1982, p. 31. Assinada por José de Matos-Cruz.
167 Expresso. Revista. 03.04.1982, p. 31-R. Assinada por Manuel S. Fonseca.
208
que Hector Babenco não soube aproveitar168. A crítica do Expresso salienta que
algumas situações interessantes não chegam para fazer esquecer traços de
inudível mau gosto, desacertos na economia global do filme, intromissões
desnecessárias e uma presença desastrosa de Sônia Braga169. Por outro lado, o
Diário Popular assegura que Babenco consegue com grande verdade dar-nos o
drama humano destes dois homens [Willian Hurt e Raul Julia] com uma
dimensão fora do vulgar170.
* * *
Já Ópera do malandro de Ruy Guerra, apresentado em 1987, teve marcas
de valor predominantemente negativas, com exceção da resenha do Correio da
Manhã. Os principais diários e semanários lisboetas avaliaram que Ruy Guerra
perdeu o tom do filme171 e o crítico João Lopes acrescenta o falhanço do projeto
que se parece com um produto para exportação172. Augusto M. Seabra afirma
que apesar da co-produção franco-brasileira, Guerra não teve os meios, nem
sobretudo o talento de recriar a exuberância do musical173.
Anos 90
Após vários anos de retração, em 1996 O quatrilho de Fábio Barreto
finalmente estréia no circuito comercial português. As marcas de juízo deram um
valor médio para a película, considerando que, embora não sendo um grande
filme, é uma obra limpa, hábil no jogo dos sentimentos e das paixões, e que
apesar de receber uma nomeação para o Oscar, foi-lhe atribuído uma
168 A Capital. 06.03.1986, p. 25. Assinada por José Vaz Pereira.
169 Expresso. Revista. 01.03.1986, p. 4-R. Assinada por Eduardo Prado Coelho.
170 Diário Popular. Sábado Popular. 08.03.1986, p. 16-17. Assinada por Tito Lívio.
171 Jornal de Letras Artes e Ideias. N° 258, 15 a 21.06.1987, p. 27. Assinada por Pedro Borges.
172 Diário de Notícias. 17.06.1987, p. 60. Assinada por João Lopes.
173 Expresso. Revista. 13.06.1987, p. 6-R. Assinada por Augusto M. Seabra.
209
importância exagerada174. A crítica do A Capital corrobora ao afirmar que Não se
pode dizer que O Quatrilho seja um filme falhado, mas está longe de satisfazer
inteiramente um público cinéfilo mais exigente175.
* * *
Em 1999, as resenhas a propósito de Amor & Cia de Helvécio Ratton
apresentaram marcas de juízos com uma inclinação para a desaprovação do
filme. A crítica do Público comparou-o àqueles filmezinhos quase artesanais
destinados na essência, a públicos escolares (...)176. O crítico António Cabrita, no
Expresso, afirmou que estes projetos de co-produção (...) têm redundado em
objetos de nula qualidade estética (...)177.
* * *
Relativamente às resenhas a respeito de Central do Brasil, publicadas
também em 1999, o predomínio foi para a valoração negativa da película.
Lançado em Lisboa em várias salas simultaneamente e acompanhado por uma
forte campanha publicitária, o filme do diretor Walter Salles parece não ter
agradado à maioria da crítica de cinema dos jornais, com exceção das críticas
do A Capital e do Correio da Manhã. Mário Jorge Torres considera que o filme é
apenas um produto para exportar num dilúvio de falsas emoções, impregnadas
de lágrima fácil, muito muito longe da pretendida reincarnação do Cinema
Novo178. Eurico de Barros avalia Central do Brasil como um filme previsível,
imediatista e muito monótono179. Já Francisco Perestrello avança: Central do
Brasil tem como principal qualidade assumir as suas características muito
174 Expresso. Revista. 23.11.1996, p. 9. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.
175 A Capital. 26.11.1996, p. 40. Assinada por Francisco Perestrello.
176 Público. Artes e Ócios. 07.05.1999, p. 8. Assinado por Mário Jorge Torres.
177 Expresso. Cartaz. 08.05.1999, p.13. Assinada por António Cabrita.
178 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.
179 Diário de Noticias. Artes e Multimédia. 14.05.1999, p. 46. Assinada por Eurico de Barros.
210
próprias, o que o afasta do cinema que vemos correntemente180.
* * *
Por fim, alguns dias após a estréia de Central do Brasil, outro filme
brasileiro entra em cartaz em Lisboa. Trata-se de O escorpião escarlate do
diretor Ivan Cardoso e premiado com um “especial do júri” do Fantasporto de
1998. As marcas de valor exibidas nas poucas críticas ao filme foram positivas e,
segundo a resenha do Correio da Manhã, a película é uma inteligente e divertida
mistura de gêneros181. O filme foi visto como uma bem humorada caricatura de
vários aspectos dos anos 60 e uma obra de excessos182 que mistura humor e
terror.
2. As marcas de justificação de valor
Anos 60
Os argumentos que sustentaram o juízo positivo da crítica de O pagador
de promessas centraram-se predominantemente na escolha e “excelente”
adaptação da história original de Dias Gomes e no modo como Anselmo Duarte
conseguiu moldá-la para a linguagem do cinema. Observou-se que todas as
resenhas optaram por discutir primeiro os aspectos de enredo e conteúdo ao
narrar a história cuja ação gira em volta de um humilde caboclo dos sertões da
Baía que promete à imagem de Santa Bárbara, o percurso de 35 quilômetros
com uma cruz às costas, depondo-a depois a seus pés, se o seu burro Nicolau,
escapar de uma doença que o assaltara183. Algumas questões foram levantadas
pelos críticos como o porquê da dramática história de “Zé do Burro” ter chamado
a atenção de Cannes e a questão religiosa que envolveu sua “mensagem”. Por
outro lado, não há quaisquer referências ao aspecto político que envolvia o tema:
180 A Capital. 14.05.1999, p. 33. Assinada por Francisco Perestrello.
181 Correio da Manhã. 28.05.1999, p. 33. Assinada por Vitoriano Rosa.
182 A Capital. 28.05.1999, p. 57. Assinada por Francisco Perestrello.
183 República. 18.04.1963, p. 10. Assinada com as iniciais D. S.
211
(...) se compreende que um júri de um festival europeu tenha ficado
impressionado pela força dramática de um tema estranho, exótico e, ao mesmo
tempo, capaz de sugerir os costumes, crendices e pureza de reações da massa
popular baiana184. O sincretismo religioso baiano e o papel da igreja católica no
desenrolar do enredo foram citados pela crítica lusa e motivaram opiniões
acaloradas de alguns críticos. Mas o importante foi informar, com fundamentação
justificada, o leitor da época o quanto este tema foi bem tratado no filme a ponto
de sensibilizar os críticos da imprensa cinematográfica. E o tema era poético,
verdadeiro e humano, nada de temas arrevesados ou de realismos
especulativos, mas a linha fluente, límpida e cristalina de uma história simples,
pujante de força anímica, possível de revelar toda a gama de sentimentos latente
no coração de todos nós e, sobretudo, susceptível de ser compreendida e
interpretada através da inteligência e sensibilidade de cada indivíduo185. Afora o
apelo explícito às emoções do leitor, este trecho sinaliza outro elemento do filme
identificado pelos críticos como merecedor de uma apreciação positiva: a
comunicabilidade da história. De fato, em algumas resenhas são visíveis as
marcas de justificação de valor pela comunicabilidade que O pagador...
expressa186.
Ademais, alguns critérios de forma também foram apontados pela crítica.
Dentre eles, o fato de o realizador usar cenários naturais, traço evidente de uma
crítica que, atendendo às convenções interpretativas da época, questionava o
cinema de estúdio produzido em Hollywood: (...) O que não deixa de revelar
segurança e a capacidade, cada vez mais rara, dum diretor de cinema
abandonar a frieza do estúdio e vir para a rua com a câmara e os seus
184 Diário de Lisboa. 18.04.1963, p. 3. Assinada por Manuel de Azevedo.
185 Diário de Lisboa. 17.04.1963, p. 8 e Diário Popular. 17.04.1963. p. 9. Curiosamente, as resenhas são as mesmas nos dois jornais e foram publicadas no mesmo dia. Não estão assinadas mas devem ter sido feitas pelo mesmo crítico que trabalhava nas duas publicações.
186 Por exemplo, neste trecho da crítica de Servais Tiago: O pagador de promessas deve ser encarado como um filme invulgar, não só pelo que nele é expressão plástica, apontamento pictórico, mas sobretudo pela mensagem humana, pela impressiva comunicabilidade fílmica da sua linguagem. Plateia. Nº 148, 01.05.1963, p. 55.
212
colaboradores registrar e repetir os gestos e a fala do povo187. Outro dado que
merece ser ressaltado é que as marcas de aspectos formais presentes nas
críticas são mais visíveis nas resenhas da imprensa especializada, apesar de
seus enunciados mostrarem um uso abundante de adjetivos para fundamentar
os elementos técnicos como, por exemplo: Há que contar com a força e a
impressividade da narração (...) com a «souplesse» invejável da câmara, (...)
com a beleza e o acento poético de muitos ângulos, o sortilégio rítmico das
seqüências de conjunto, onde com audácia planos gerais se aliam a planos de
ângulo curto188. Evidentemente que a época (e o leitor) solicitava um texto com
tamanhos qualificativos para um movimento de câmara ou para um plano, mas a
idéia essencial - por sinal, bastante utilizada, com a devida atualização do
quadro de adjetivos, no discurso da crítica até os dias de hoje - é a transferência
de sentido. Para o leitor, um plano audacioso evoca a idéia de atrevimento e
coragem e, portanto, um plano digno de visualização189. Ainda em relação a uma
transferência de sentido, o uso de metáforas e analogias foi outro recurso
retórico utilizado pela crítica. Câmaras com agilidade da serpente, do pássaro190
ou um filme em que «subimos e descemos as escadas» com o protagonista191
ilustram bem a utilização desta linguagem figurativa num discurso que pretende
convencer o leitor.
* * *
Nas resenhas do filme Assalto ao trem pagador identificamos marcas de
justificação de valor positivo fundamentadas na “mensagem de crítica social” do
187 Jornal de Letras e Artes. 01.05.1963, p. 11. Assinada por José Vaz Pereira.
188 Plateia. Nº 148, 01.05.1963, p. 55. Assinada por Servais Tiago.
189 Outro exemplo colhido no Diário de Lisboa. 18.04.1963, p. 3 em crítica assinada por Manuel de Azevedo: Movimentos de câmara ousados, a par de uma ingénua panorâmica das massas populares contribuem em muito para a criação de um clima verista quase conseguido. O uso permanente de cenários naturais, uma montagem desembaraçada e ágil, a utilização subtil de uma simbologia religiosa, contribuem para dar às cenas uma significação que ultrapassa o valor simples da imagem.
190 Estúdio. Nº 10, 20.07.1962, p. 14. Crítica não assinada.
191 Jornal de Letras e Artes. 01.05.1963, p. 11. Assinada por José Vaz Pereira
213
filme, ou seja, nos aspectos de conteúdo que condicionaram as alegações,
revelando alguma independência na escrita num período de censura política em
Portugal: «Assalto ao trem pagador» é o reflexo de uma preocupação social,
uma quase condenação da existência das gentes do morro, essas favelas onde
a miséria germina, sem evitar os sonhos, a esperança de uma vida melhor192. O
fato de o filme ter sido baseado num caso verídico exaltou mais ainda seu
conteúdo de crítica social. Em algumas resenhas, a “mensagem implícita”
deixada pelo filme foi o grande trunfo do diretor. E a mensagem era de crítica a
uma sociedade dividida entre ricos e pobres, brancos e negros, moradores de
casas luxuosas e favelados, entre o bem e o mal: Farias constrói uma película
intencional, onde uma série de situações proporciona uma curiosa, lúcida e, até
certo ponto, profunda análise da realidade social brasileira, despida de clichês
mais ou menos batidos e de tonalidades mais ou menos adocicadas193.
Outro elemento já da ordem dos gêneros cinematográficos foi evocado
por grande parte da crítica: Assalto ao trem pagador teria nítidas referências do
chamado filme policial americano. Naturalmente que, sendo o filme produto de
uma cinematografia “periférica” e parca de recursos, a comparação foi comedida:
Certo, «Assalto ao trem pagador» não tem a sábia medida de uma obra
americana. Mas ainda bem, pois a essa irregularidade corresponde uma vivência
mais espontânea, uma violência mais fruto de um mundo real do que de uma
técnica aperfeiçoada194. Curiosamente, a justificação de valor neste caso foi
levantada pela associação da película a um gênero que, mesmo tendo modelos
técnicos e estéticos no cinema americano, revelou na sua deficiência, um sinal
de originalidade.
Alguns aspectos formais do filme foram evocados nas resenhas mas,
quando comparados com a força da proposta “humana” e “social” da película,
192 Diário Popular. 16.02.1965, p. 11. Assinada com as inicias D. A.
193 Plateia. Nº 215, 10.03.1965, p. 62. Assinada por Lauro António.
194 Diário de Lisboa. 16.02.1965, p. 5. Assinada por Manuel de Azevedo.
214
eles acabaram por desvalorizar-se. Há vários exemplos195 de ressalvas dos
críticos quanto às incorreções técnicas mas que não justificariam uma avaliação
desfavorável ao filme: «Assalto ao trem pagador» não será um filme de técnica
impecável: na montagem e na sonorização muitas irregularidades se notam. (...)
Mas apesar disso, a sua força expressiva é tanta, e tanta a sua verdade, que as
deficiências se atenuam e esquecem196. Era este conceito de verdade que se
fazia valer no pensamento da crítica da época. Uma verdade crítica, realista e
que atuava como força expressiva do filme.
* * *
Já as marcas de justificação de valor positivo observadas nas resenhas
sobre Vidas secas apresentaram um equilíbrio entre os critérios de forma e de
conteúdo. São ressaltadas as opções estilísticas presentes em Vidas secas
como na fotografia sabiamente baça, na aparência de rudeza do ritmo geral do
filme e até dos próprios enquadramentos, na propositada nudez da banda
sonora, como salientou o crítico Manuel Machado da Luz na revista Seara
Nova197. Como mencionamos antes, o emprego de expressões qualificativas visa
fornecer ao leitor uma associação de sentido que o conduza para a aceitação do
filme. Trata-se de um filme que “paralisa” por sua imagem realista, quase
documental, cujo sentido de duração parece acompanhar o tempo lento vivido
pelas populações no nordeste brasileiro. João Bénard da Costa discorre sobre
uma excessiva duração vista no filme, contudo revela: Nelson Pereira dos
Santos caminhou obstinadamente ao encontro dela [da excessiva duração] e
desse encontro só muito raros raramente são capazes198. O aparato estilístico do
filme foi, sem dúvida, motivo de grande impacto da apreciação positiva a que o
filme recebeu na revista O Tempo e o Modo e expõe uma análise influenciada
195 Como neste trecho da crítica de Lauro António na citada revista Plateia: O filme tem defeitos flagrantes. Sobretudo no que respeita à sua narrativa. Tem, todavia, muitas mais – e bem mais importantes – virtudes.
196 República. 26.08.1965, p. 3. Não assinada.
197 Seara Nova. Nº 1457, Março de 1967, p. 91. Assinada por M. Machado Luz.
198 O Tempo e o Modo. Nº 37, Abril de 1966, p. 538. Assinada por João Bérnad da Costa.
215
pela teoria essencialista de André Bazin.
Por outro lado, as questões de conteúdo foram também fundamentais
para um juízo favorável ao filme. Apesar do tema ser tratado com muita cautela,
o fato de a obra trazer uma temática que parte da exploração das classes
populares e, ao mesmo tempo, da realidade do nordeste brasileiro seco e
carenciado, foi destacado pela crítica como algo de vigoroso no filme.
Nas resenhas, são visíveis os destaques dados ao relato do filme com a
descrição do enredo baseado na adaptação da obra literária de mesmo nome do
escritor Graciliano Ramos, já conhecido e admirado em Portugal. O crítico da
revista Celulóide, Avelino Dias, constata: Não há bela sem senão, mas a
intensidade dramática do filme, o documento trágico (duma verdadeira tragédia e
não dessas de hotéis luxuosos, apartamentos riquíssimos, escritórios suntuosos,
etc) humano, ofusca-os. E quando a arte serve a vida, sem deixar de ser arte, a
obra tem a essência que lhe permite resistir ao tempo. Este é o valor porque se
pode aferir esta preciosa obra humana199.
O fato de o filme não retratar “apartamentos riquíssimos” (como nos filmes
norte-americanos) já depõe a favor dele e, na justificação de juízo, merece ser
visto pelo espectador. Além de estratégia de persuasão, subjaz no texto uma
outra convenção interpretativa presente na época: a crítica feroz ao cinema “do
telefone branco” produzido em Hollywood, onde a realidade parecia estar
sempre maquiada e limpa. No filme de Nelson Pereira dos Santos, pelo
contrário, Não é possível iludir a realidade quando a realidade é o sertão
brasileiro. (...) Por isso, o único autor deste filme é o Nordeste (...) para o qual
não são necessárias palavras nem qualquer jogo de retórica. O Nordeste é o
silêncio que fala.200
199 Celulóide. Nº 102, Junho de 1966, p. 11. Assinada por Avelino Dias.
200 República. 31.03.1967, p. 3. Assinada por Afonso Cautela.
216
Anos 70
As marcas negativas de valor presentes nos textos sobre A fúria do
cangaceiro foram justificadas com argumentos fundamentados, sobretudo, no
fato de o diretor preferir seguir o caminho da exibição em tons de folclore da
realidade brasileira, afastando-se, assim, por completo dos ideais do Cinema
Novo. Para a crítica, Anselmo Duarte se apropriou de temáticas presentes no
Cinema Novo – o fenômeno do cangaço e a miséria do nordeste brasileiro – mas
redefiniu suas pretensões de realismo crítico para um realismo de tonalidade
melodramática e sentimental. Lauro António, no Diário de Lisboa, questiona-se a
si próprio e ao leitor o que esta película tem a ver com o Cinema Novo e afirma:
«A fúria do cangaceiro» é antes, um amontoado de lugares-comuns sobre o
Cangaço, seu folclore, sua situação histórico-social. De um ponto de vista
cinematográfico, a película é um repositório de bilhetes postais destinados à
circulação no estrangeiro, para propaganda das belezas naturais do Brasil e de
suas nativas201. Tito Lívio no República apela às emoções do leitor ao dizer:
Quão longe estamos do novo cinema brasileiro, de «Deus e o diabo na terra do
sol», de «Vidas secas», de Nelson Pereira dos Santos, dos filmes de Lima
Barreto (autor do argumento) e de Ruy Guerra! Cinema, este sim de testemunho,
de denúncia, de lúcida presença202. A comparação com o Cinema Novo vai
estabelecer os parâmetros de critérios utilizados pela crítica para julgar o filme.
Por outras palavras, o Cinema Novo servirá de argumento para a apreciação do
filme: Anselmo Duarte (...) não tem nada a ver com os novos cineastas e é
perfeitamente abusivo assimilá-lo às intenções do Cinema Novo203.
As alegações para a avaliação negativa do filme fundamentaram-se
também nas suas “deficiências” estéticas. Em quase todos os comentários são
referidas a folclorização e assepsia da imagem fotográfica e a tentativa frustrada
do diretor em utilizar referências do gênero western e ainda: (...) um diálogo
201 Diário de Lisboa. 30.11.1970, p. 4. Assinada por Lauro António.
202 República. 27.11.1970, p. 3. Assinada por Tito Lívio.
203 A Capital. 28.11.1970, p. 19. Assinada por Eduardo Geada.
217
cheio de floreados literários, um fotografia que não recusa um único efeito
plástico, desde o nascer ao pôr do sol, passando por todo tipo de
enquadramentos arrevesados e de processos estilísticos gratuitos e
deslocados204. Estas incorreções foram comparadas com a “verdadeira”
estilística do Cinema Novo: Temos aqui o cangaço com fotografia bonitinha e
desodorizante de sovaco. Nada nos evoca o dramatismo do nordeste nos anos
30 (o que Nelson Pereira dos Santos conseguia, respeitando Graciliano Ramos,
na adaptação de «Vidas Secas»), mas antes nos lembramos dum «western» (e
de mau gosto) rodado no Brasil205.
Uma marca de justificação de valor que pela primeira vez aparece nas
resenhas está associada à dimensão, digamos, não-cinematográfica do filme,
onde estariam sendo utilizados recursos da foto-novela ou mesmo da televisão:
Mesmo no confronto de personalidades o filme por esse desenraizamento social
e político assume, por vezes, a dimensão da foto-novela com planos meramente
gratuitos (na cena de encontro entre Clemente e Maria do Carmo, o alternar dos
planos da cascata) ou rebuscados e pretensiosos (toda a parte final – os flash-
Backs minicromáticos e a solução final do filme)206. Marca visível também neste
trecho da crítica do Diário Popular: É uma produção para grande consumo (...)
em que o Nordeste seco e trágico se move ao som do samba, em que os
homens do sertão falam literariamente como locutores da TV com fumaças de
intelectuais e em que os cangaceiros e as suas moças, depois de léguas e
léguas de pó, pólvora e cavalos, parecem sempre impecáveis, como quem sai
do banho de espuma207.
* * *
Nas resenhas sobre As amorosas, de Walter Hugo Khouri, as justificações
204 Diário de Lisboa. 30.11.1970, p. 4. Assinada por Lauro António.
205 Diário Popular. 27.11.1970, p. 4. Assinada por José Vaz Pereira.
206 República. 27.11.1970, p. 3. Assinada por Tito Lívio.
207 Diário Popular. 27.11.1970, p. 4. Assinada por José Vaz Pereira.
218
de valor aliaram critérios estilísticos e de conteúdo, com predominância dos
últimos. A crítica desfavorável ao filme alegou sobretudo uma discrepância
temática da narrativa, uma vez que o realizador preferiu tratar de problemas
existenciais de uma sociedade que precisa primeiramente de resolver seus
problemas materiais: As amorosas documenta o métier indiscutível de cineasta
preocupado com os problemas do ser, quando os habitantes do Brasil ainda não
deixaram para trás o «reino das necessidades»208. A história de um jovem
universitário burguês que vivia atormentado por angústias e com visão niilista da
vida, não cabia como tema de um cinema latino americano revolucionário ao
sabor do Cinema Novo. A crítica de Lauro António foi reveladora desta
justificação de valor ao relatar que via o filme como uma obra deslocada no
tempo e no espaço209. O tempo presente (início dos anos 70) era o da
valorização e reconhecimento do Cinema Novo brasileiro e sua consequente
visão de um cinema empenhado nas propostas revolucionárias. O espaço da
temática da subjetividade humana era a Europa e não São Paulo, palco do
enredo do filme.
Às alegações de “intelectualismo” do filme juntam-se outras de caráter
mais estético: os seus personagens como bonecos articulados, surgindo
enquadrados em planos de gosto duvidoso para lançarem quase
radiofonicamente a ‘mensagem’210. Contudo, para a crítica do República o leitor
deve saber que o filme possui diálogos e personagens muito bem construídos:
capturados desde logo por um diálogo inteligente e de sutil espontaneidade e
frescura, a nossa sensibilidade mais do que a nossa atenção é solicitada para
participar de vivências e personagens que têm muito, muitíssimo a ver conosco e
com o nosso triste mas inquieto cotidiano211.
208 Diário de Lisboa. 24.03.1971, p. 5. Assinada por Lauro António.
209 Diário de Lisboa. 24.03.1971, p. 5. Assinada por Lauro António.
210 Diário Popular. 23.03.1971, p. 5. Assinada por José Vaz Pereira.
211 República. 27.03.1971, p. 6. Assinada por Afonso Cautela.
219
* * *
Já nas resenhas sobre Macunaíma, as marcas de justificação de valor
fundamentaram-se principalmente na valorização do enredo e da história de um
brasileiro que foi comido pelo Brasil, nas palavras do realizador Joaquim Pedro
de Andrade, citadas em diversas resenhas. Foi destacado o fato de o filme ser
produto de uma boa adaptação do romance de um dos líderes do movimento
modernista brasileiro, Mário de Andrade, e sobretudo a originalidade da
apresentação de uma temática carregada de alegorias sobre o povo brasileiro e
sobre o próprio Brasil: Admirável resulta a lição da história, da dupla personagem
e dos atores, apresentando-nos «Macunaíma» sem indulgência mas não sem
ternura, o brasileiro e todo um mundo complexo que o devora212. Em quase
todas as críticas, os critérios relacionados ao conteúdo da história prevaleceram
e a mensagem em forma de sátira do filme condicionou as resenhas: Universo
satírico e grotesco, «Macunaíma» mostra como os grandes comem os
pequenos, e de como estes, enquanto se aprestam para devorar os grandes, se
alimentam de si mesmos213. Além disso, para a crítica, a mensagem do filme se
conformava com as propostas do Cinema Novo (ainda que em sua fase
terminal), uma vez que Joaquim Pedro de Andrade foi um dos integrantes do
movimento.
Obra de proposta nacionalista, Macunaíma foi também apreciada pelo seu
lado estético e, se é um filme choque, adverte a crítica ao leitor, é porque se
inscreve numa dupla ruptura: ruptura com a lógica comum da estrutura ficcional
(que é uma lógica de causa-consequência ao longo de seqüência) e ruptura com
a moral dirigível através de um certo número de transgressões pela palavra e
pela imagem. (...) Mais pelo seu processo e pela sua desenvoltura do que pela
sua problemática específica, a obra de Joaquim Pedro de Andrade (seguindo
dum modo bastante fiel o texto de Mário de Andrade) caracteriza-se pela rejeição
de qualquer hipótese intelectualista (...) ou de qualquer hipótese esteticista para
212 Diário de Notícias. 24.07.1971, p. 8. Assinada por Carlos Pina.
213 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.
220
se situar num terreno insólito e desassombrado (...)214. A justificativa
condicionada a critérios formais da obra foi também reconhecida no comentário
de José Vaz Pereira: A utilização da cor e da música faz parte integrante da força
explosiva do filme. O comentário musical vai da narração ao sarcasmo, da
nostalgia à violência, do sentido de aventura ao lirismo215. Aliado à boa
desenvoltura técnica, a interpretação dos atores também foi mencionada:
Brilhante é a interpretação de Grande Otelo, Dina Sfat, Paulo José ou Jardel
Filho216.
* * *
As alegações para um juízo unanimemente positivo da crítica a António
das Mortes deveram-se à conjugação dos aspectos formais e de conteúdo que o
filme apresentara. Vasco Santos, na revista Plateia, resume bem o porquê da
atribuição positiva da crítica, ao afirmar que o filme é um Espectáculo insólito,
exótico e alucinante, de um lirismo macabro, panfletário, de enorme força
expressiva, numa linguagem eloqüente, implacável, em que todos os elementos
se conjugam, desde a encenação excepcional à contribuição musical, desde a
denúncia sóciopolítica à participação do povo. (...) desde a qualidade técnica
(belíssima fotografia) ao concurso de destros atores217. Nas resenhas verificou-
se que o enredo era carregado de alegorias e mitologias, marca dos filmes de
Glauber Rocha e do próprio Cinema Novo. Glauber Rocha, para os críticos,
conseguira produzir uma obra de moderna invenção com toques de vanguarda
estética e política. António das Mortes era, para a crítica, um exemplar de
cinema moderno de autor.
Verificou-se também que entre as alegações estava o fato de o filme já ter
sido bem recebido pela crítica internacional e seu diretor ter ganhado o prêmio
214 A Capital. Cena Sete. 27.03.1971, p. 7. Assinada por Eduardo Prado Coelho.
215 Diário Popular. 24.03.1971, p. 4. Assinada por José Vaz Pereira.
216 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.
217 Plateia. Nº 612, 24.10.1972, p. 69. Assinada por Vasco Santos.
221
de melhor realizador em Cannes, dado fundamental para convencer o leitor da
importância da obra.
Como critérios estéticos, foram destacados, sobretudo a fotografia de
Afonso Beato, de magnífico recorte e a banda sonora que constitui elemento
essencial e adequado da selvática rapsódia de imagens218. Lauro António, na
Celulóide, justifica sua apreciação da obra ao afirmar que António das Mortes é
um filme a não perder e lição fecunda para quem quiser praticar cinema com
alguma coerência ideológica e estética219.
* * *
Nas resenhas sobre o filme O homem nu, as justificações para um
parecer mediano fundamentaram-se na ineficácia do realizador em promover
uma narrativa que sustentasse a temática de crítica à burguesia citadina
brasileira. Por outro lado, são salientados outros aspectos mais positivos, como
o destacado por João Lopes no República: (...) parece-me necessário assinalar a
estreia de «O homem nu» como um caso que, apesar de sua fragilidade,
procura, de algum modo, afastar-se do convencionalismo do cinema vigente220.
As alegações pautaram-se preferencialmente pelo insólito da história (baseada
num conto de Fernando Sabino) de um homem nu que corria pelas ruas da
cidade do Rio de Janeiro, o homem tal como ele é no seu todo, esmiuçando as
suas imperfeições, as suas virtudes, o seu encontro consigo mesmo no dia a dia
da sua vivência221.
Em todas as resenhas, sobretudo na crítica contundente de Tito Lívio, fez-
se notar que um dos principais fios condutores das alegações foi o fato de O
homem nu não representar o “bom” cinema brasileiro: Do cinema «novo»
brasileiro, da década de 60, não resta mais que um rótulo, ou apenas as suas
218 Diário de Notícias. 14.10.1972, p. 5. Assinada com a inicial V.
219 Celulóide. Nºs 178/179, Out/Nov de 1972, p. 44. Assinada por Lauro António.
220 República. 13.07.1973, p. 6. Assinada por João Lopes.
221 Diário de Notícias. 14.07.1973, p. 8. Assinada por Alberto Seixas.
222
manifestações exteriores, como se encontra patente neste filme de Roberto
Santos, película rica em falsas pistas para atrair a atenção do espectador222.
Para a crítica, do Cinema Novo talvez restasse uma tímida idéia de crítica social
que a narrativa do filme tentou imprimir.
* * *
As alegações para a apreciação positiva de Terra em transe
fundamentaram-se sobretudo nos aspectos de conteúdo, isto é, na mensagem
político-ideológica da obra. A história é a de Paulo Martins, um poeta anarquista
que busca servir o movimento revolucionário de um qualquer país da América
Latina denominado eufemisticamente de Eldorado. Mas, Paulo Martins nunca se
consegue libertar da sua condição de artista burguês que vê o povo como uma
massa curiosa, sim, mas mal esclarecida, esfomeada e incapaz de servir de
base a qualquer transformação política radical223. O conteúdo revolucionário do
filme foi marcante para a avaliação da crítica, que justificou sua sentença: (...)
existe aqui como principal constante propositadamente marcada, a violência
exercida como forma de controle político, de neutralização dos elementos tidos
como potencialmente perigosos224. Lauro António, na crítica do Diário de Lisboa,
contudo, exprime uma ressalva que é também uma marca de tempo importante,
ao criticar certo “intelectualismo” do filme: (...) sendo uma análise correta de um
processo político e revolucionário acaba por se enredar num perigoso
intelectualismo de escrita que afasta o filme de um contato concreto com as
camadas populares que procura servir225.
Alguns aspectos estilísticos do filme foram também destacados nas
resenhas como a fotografia mas, principalmente a música, considerada elemento
fundamental do discurso e indispensável deste cinema da crueldade, onde nada
222 Diário Popular. 14.07.1973, p. 4. Assinada por Tito Lívio.
223 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.
224 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.
225 Diário de Lisboa. 07.05.1974, p. 6. Assinada por Lauro António.
223
fica de pé senão uma amarga e lúcida comprovação das realidades nacionais226.
* * *
Do mesmo modo, as marcas de justificação de valor nos comentários
sobre O leão das sete cabeças pautaram-se nos polêmicos aspectos de
conteúdo que o filme carregava. Para a crítica, era especialmente importante
que o leitor assistisse à obra de Glauber Rocha uma vez que esta exibia o
desmascaramento das alianças do imperialismo e sua cara-metade, a violência,
e os seus agentes mais devotados, com as facções instrumentos-fantoche do
poder econômico internacional227. Apesar de considerar a simbologia do filme
impenetrável para aqueles mais desatentos, José Vaz Pereira considera que O
leão das sete cabeças merece ser mostrado onde as populações ainda não
sabem o que é colonialismo, o que são mercenários, burguesia colaborante,
imperialismo, etc228.
As alegações também remetem a elementos estéticos. Lauro António
salienta que o filme traz de novo o cinema de Glauber Rocha ao primeiro plano
da discussão política e estética229 e refere às semelhanças entre os longos
planos-sequência do filme e os idênticos processos de Jean-Luc Godard. Outros
aspectos como o enquadramento e o realismo da imagem foram também
levantados: sob o aspecto visual, Rocha volta a demonstrar as suas qualidades
de homem que consegue impacto em cada imagem. Nenhum enquadramento
nos deixa indiferente, tanto mais que o cineasta brasileiro sabe aproveitar, duma
maneira humana e sensível, a fotogenia africana230.
226 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.
227 República. 12.02.1975, p. 5. Assinada por Eduarda Ferreira.
228 A Capital. 10.02.1975, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.
229 Diário de Lisboa. 25.02.1975, p. 6. Assinada por Lauro António.
230 A Capital. 10.02.1975, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.
224
* * *
As justificativas de valor nas recensões acerca de Toda nudez será
castigada enfatizaram os elementos de conteúdo e estéticos, ou seja, o modo
cáustico como Arnaldo Jabor trata a questão da moralidade sexual, utilizando as
estratégias do folhetim para alcançar a atenção dos espectadores: Jabor faz
Brecht com uma estrutura de folhetim, faz-nos rir com situações de melodrama,
faz cinema com um filme cem por cento teatral231, diz a crítica do Expresso.
Jorge Leitão Ramos argumenta que o filme trabalha com a idéia do absurdo e da
farsa: Estamos então em pleno reino da farsa, da farsa de costumes, e o
resultado é um filme ultradivertido onde ante os nossos olhos se desmancham
não só os fios da verosimilhança fotonovelesca como algumas das instituições
morais mais caras à burguesia232. A valorização estética da obra também foi
destacada no que diz respeito à interpretação dos atores, a fotografia, os
cenários e sobretudo aos diálogos.
Contudo, a crítica da Celulóide sustentou que o enredo (imbróglio) do
filme tinha um valor de descrédito e (...) se é o caminho que segue o novo (?)
cinema brasileiro, como parece inculcar o programa do 444 onde aquele foi
desembocar. Que desilusão233. Mais uma vez, aparecem marcas indicando que
o Cinema Novo servia de parâmetro para o julgamento do cinema brasileiro.
* * *
Já as marcas de justificação de valor presentes nos comentários sobre
Dona Flor e seus dois maridos remetem para a boa adaptação da história do
escritor Jorge Amado, além da excelente reconstituição de época promovida por
Bruno Barreto: Ele domina, como criador, todo o filme e dirige, com acerto todos
os artistas, sabendo tirar deles subtilezas e cambiantes e fazendo um retrato da
sociedade brasileira daqueles anos de 40, a Baía, o carnaval, a culinária, a
231 Expresso. Revista. 23.04.1976, p. 19. Assinada por Helena Vaz da Silva.
232 Diário de Lisboa. 13.04.1976, p. 15. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
233 Celulóide. Nos. 226, Junho de 1976, p. 17. Assinada por Avelino Dias.
225
boêmia e o jogo, os costumes, o comportamento das pessoas, a música da
época (...)234. A interpretação dos atores também foi usada como bom argumento
para a defesa do filme, sobretudo, Sônia Braga e José Wilker, à frente de um
elenco bem escolhido e de grande homogeneidade, confirmam a qualidade
interpretativa do actual cinema brasileiro235. A crítica de Jorge Leitão Ramos,
entretanto, vê com receio o alarde de marketing que envolveu o filme, que tinha
atores de Gabriela, telenovela em exibição no período de lançamento da obra, e
apesar de valorizar a trilha sonora (Chico Buarque e Francis Hime) e o humor
cáustico e lúcido da fita, menciona que a ausência de um qualquer processo
distanciador pode muito bem fazer o filme resvalar (no seu funcionamento com o
público) para os terrenos da fotonovela mais banal236. Aqui, pela segunda vez, as
marcas de justificação de valor baseadas em argumentos que comparam o
cinema brasileiro com a telenovela.
* * *
Os comentários sobre Lúcio Flávio, o passageiro da agonia apresentaram
marcas de justificação de valor sustentadas principalmente nos elementos
narrativos da história (baseada num caso verídico) de um famoso marginal que
se alinhou a uma força parapolicial - o Esquadrão da Morte – e acabou sendo
também vítima deste poder paralelo. Lauro António argumenta que Lúcio Flávio
é uma obra de grande densidade e vigor e acrescenta que é desta relacionação
entre marginais e homens da ordem institucionalizada pelo poder que resulta o
interesse maior desta película violenta e brutal que colhe diretamente do cinema
americano de fluência descamada e sincopada237. Entretanto, Jorge Leitão
Ramos avalia que o filme possui uma frágil fragilidade de um certo álibi político
(denúncia do Esquadrão da Morte). Para o crítico do Diário de Lisboa, devemos
tomar o filme como ele é, quer dizer, como uma «história de cafajeste» contada
234 Celulóide. Nos. 234/235, Dezembro de 1976, p. 28. Assinada por Fernando Duarte.
235 Diário de Notícias. 24.09.1977, p. 9. Assinada por Lauro António.
236 Diário de Lisboa. 23.09.1977, p. 13. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
237 Diário de Notícias. 30.05.1979, p. 14. Assinada por Lauro António.
226
com escorreiteza técnica mas sem grande coisa que a diferencie do vulgar
comércio da violência fílmica238. Tal como em Dona Flor, a crítica do Diário de
Lisboa vê com desconfiança a grande campanha de promoção do filme e o apelo
fácil de público.
Anos 80
A justificação do julgamento desfavorável para Eu te amo de Arnaldo
Jabor baseou-se nos elementos temático-estéticos apresentados no filme. A
crítica salientou a ênfase no nu comercial proposta pelo filme, que expõe o
enredo e os atores numa clara tentativa de apelar às grandes massas de
espectadores. Para a crítica do JL, a dupla proposta do filme de ter um carimbo
de qualidade e de modernidade é falsa, pois na verdade Eu te amo se utiliza de
uma gama completa de teclas rentáveis239. O Expresso alega que as falas no
filme são suficientemente vagas ou doseadamente panfletárias e as sugestões
sexuais são também admiráveis de cinismo240. E o Diário de Lisboa critica a
interpretação dos atores: Sônia Braga e Vera Fischer são belíssimas mas os
seus espasmos e trejeitos não está (sic) longe do vulgar macaquear do gozo que
qualquer filme do Olímpia canhestramente dá241. Por outro lado, uma pequena
parcela da crítica destacou a beleza da música de Tom Jobim e Chico Buarque,
que dá uma envolvência emocional e lírica ao filme, a fotografia notável que
criou um ambiente irreal, cheio de cores sensuais e por fim, a câmara acaricia os
corpos, fá-lo (sic) viver, sublinha a sua expressão. Ora arrebatado ora irônico, o
filme de Arnaldo Jabor vai ser uma das sensações da temporada242.
238 Diário de Lisboa. Sete.Sete. 1 a 7 de Junho de 1979, p. 3. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
239 Jornal de Letras Artes e Ideias. 08 a 21.12.1981, p. 30.Assinada por Guilherme Ismael
240 Expresso. Actual. 14.11.1981, p. 25. Assinada por João Lopes
241 Diário de Lisboa. 17.11.1981, p. 18. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
242 A Capital. 09.11.1981, p. 23. Assinada por José Vaz Pereira.
227
* * *
Já as alegações para uma avaliação favorável observada nas recensões
acerca de Pixote, a lei do mais fraco, remetem sobretudo para os elementos de
conteúdo da película. Em quase todas as resenhas, o modo como o diretor
tratou do tema da marginalidade, dos excluídos sociais e da falência dos
organismos que tratam da delinquência juvenil foram destacados e usados como
critério de juízo do filme. Maria Fernanda Reis argumenta que Pixote é, de fato, o
drama de uma criança marginalizada e um belo filme de crítica social243. A
resenha do JL declara: E a verdade é que Babenco parece querer-nos
convencer de que estamos no reino da sociologia e não nesse reino muito mais
delirante que é o do cinema244. Outras justificativas de juízo basearam-se na boa
atuação dos atores, sobretudo na protagonista admiravelmente interpretada por
Marília Pêra245 e também nas crianças-atores, todas elas sem experiência
anterior na área. O realismo do filme também foi destacado: «Pixote» prova
ainda que não é substituto para o décor real: nesse aspecto, o filme está perto
do neo-realismo, mas longe de seu esquematismo; claro que há carrascos e
vítimas mas o verdadeiro monstro é o sistema246. Mas, a crítica do Expresso
considera que não se pode esconder que o filme enferma da falta de um projeto
estético capaz de fazer ultrapassar a tipificação, projetando-o para a
universalidade247.
* * *
As marcas de justificação de valor positivo da crítica a propósito de Bye
Bye, Brasil fundamentaram-se primordialmente na temática do filme, embora
outros aspectos fossem também destacados, como a boa caracterização dos
243 Celulóide. No. 334, Abril de 1982, p.15-101. Assinada por Maria Fernanda Reis.
244 Jornal de Letras Artes e Ideias. No. 27, 2 a 5.03.1982, p. 35. Assinada por Guilherme Ismael.
245 Diário de Notícias. 02.03.1982, p. 22. Assinada por Lauro António.
246 A Capital. 26.02.1982, p. 27. Assinada por José Vaz Pereira.
247 Expresso. Revista. 27.02.1982, p. 3-R.
228
personagens e a trilha sonora. Lauro António argumenta que o filme é uma hábil
conjugação de documentário e ficção que se expressa essencialmente como
narrativa dramatizada, mas que colhe da escaldante realidade social e cultural
brasileira o cenário exato para uma viagem pelo seu interior248. Miguel Esteves
Cardoso expõe as razões que o levaram a um parecer favorável: a razão número
um, pois, é a qualidade de «Bye Bye Brasil». Não como filme «brasileiro», não
como filme «terceiro-mundista», não como grito do Ipiranga da cinematografia
sul-americana – mas apenas, como filme de cinema249. E José de Matos-Cruz
justifica que é através do perfil psicológico de seus protagonistas, denso e
enigmático, que encontramos um aliciante fio condutor, detectável na forma
como palmilham o destino, ou partilham emoções e sentimentos, sem
compromissos inibidores250.
* * *
Já nas resenhas acerca de O beijo da mulher aranha os argumentos para
os juízos mistos residiram sobretudo na adaptação simplificadora que Hector
Babenco fez da obra de Manuel Puig, uma adaptação infeliz sobretudo porque
houve a tentação de abrir o filme para outros cenários, anulando a intensidade
que se poderia conseguir com a unidade de décor251. A má atuação de Sônia
Braga foi também justificativa para a crítica: É evidente tudo o que de fácil há
neste filme, desde um populismo miserabilista até ao fracasso absoluto da tripla
presença de Sônia Braga252. Entretanto, em todas as resenhas a excelente
performance de Willian Hurt foi destacada como a melhor, senão única coisa
apreciável do filme, apesar da crítica do Diário de Lisboa ir além: Este filme não
é isento de falhas – longe disso – mas é miopia menosprezá-lo ou sequer reduzi-
248 Diário de Notícias. 06.04.1982, p. 24. Assinada por Lauro António.
249 Jornal de Letras Artes e Ideias. No. 30, 13 a 26.04.1982, p. 29. Assinada por Miguel Esteves Cardoso.
250 Diário Popular. 07.04.1982, p. 31. Assinada por José de Matos-Cruz.
251 Diário de Notícias. 01.03.1986, p. 40. Assinada por Lauro António.
252 Expresso. Revista. 15.03.1986, p. 4-R. Assinada por Augusto M. Seabra.
229
lo à corajosa e arrebatadora interpretação de Willian Hurt. (...) «O beijo da
mulher aranha» não é só Hurt: é um argumento cinematográfico muito bem
construído (...)253.
* * *
Nas resenhas acerca de Ópera do malandro, as alegações de valor
negativo da crítica residem em critérios temáticos (gênero) e estéticos. Ruy
Guerra falha na tentativa de fazer um musical enquanto gênero maior do cinema
americano, principalmente pela limitação de suas condições de produção,
argumenta a crítica do Expresso: por um lado o realizador fetichiza os meios de
produção espetacular (cenários sobretudo) mas, por outro lado, esses meios
estão sujeitos a comparações que realçam esta Ópera do Malandro como sendo
sobretudo a «Ópera do pobre»254. João Lopes avalia que o grande problema do
filme é que Ruy Guerra tenta fazer um musical que, de algum modo, se
«pareça» com o modelo clássico americano255. A construção e o tratamento
dado aos personagens foi também um elemento de justificação de valor
principalmente na crítica do JL: No fundo, o que faltou a Ruy Guerra foi a
passagem para o lado de dentro dos seus personagens, que a multiplicidade de
pontos de vista que o cinema pode adotar facilitaria, mas que a sisudez com que
parece ter encarado o projeto limitou256. Como pontos positivos, alguns críticos
salientaram a boa interpretação dos protagonistas (sobretudo Elba Ramalho) e
certas seqüências bem conseguidas, com coreografias e décor estilizados.
Anos 90
Nos comentários acerca de O quatrilho, as marcas de valor mediano
basearam-se, sobretudo, no “modelo” escolhido pelo diretor para contar sua
253 Diário de Lisboa. 16.04.1986, p. 19. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
254 Expresso. Revista. 13.06.1987, p. 6-R. Assinada por Augusto M. Seabra.
255 Diário de Notícias. 17.06.1987, p. 60. Assinada por João Lopes.
256 Jornal de Letras Artes e Ideias. N° 258, 15 a 21.06.1987, p. 27. Assinada por Pedro Borges.
230
história. Este modelo híbrido é o do telefilme de inspiração telenovelesca257. A
influência desde modelo foi considerada extremamente nociva para a obra
cinematográfica, principalmente ao nível do tratamento do argumento que
embora parta de um argumento interessante erra com os atores muito rodados
em telenovelas e já longe das estruturas de produção que eram asseguradas
pela velha Embrafilme, Fábio Barreto escolhe a via mais fácil, pondo em relevo
todos os rodriguinhos que se vão criando em torno da vida atribulada de dois
casais258. Enfim, a alegação de que o filme apela ao melodramatismo foi o
argumento mais significativo dos críticos para convencer o leitor. Fora isso, como
critério de valor favorável ao filme, o desempenho da atriz Glória Pires foi
salientado em todas as resenhas.
* * *
Em relação a Amor & Cia, a defesa de um juízo negativo sustentou-se em
critérios estéticos, sobretudo aqueles relacionados com a adaptação da história
de Eça de Queirós. Mário Jorge Torres argumenta: Ora, a visão desta adaptação,
agora rebatizada de “Amor & CIA” e geograficamente deslocada para além-
atlântico, perde o valor de sintoma social e sofre uma sobrecarga de
superficialidade decorativa259. Esta infeliz adaptação artesanal da obra literária
para o cinema foi também justificada pelo mesmo crítico na opção pelo modelo
televisivo adotado pelo diretor e no desempenho dos atores: E, no entanto, a
noção de teatro televisivo nunca sai dos nossos olhos, os cordelinhos de uma
representação compungida marcam todos os secundários e o registro forçado de
Alexandre Borges, num pouco credível galã. Também António Cabrita argumenta
na mesma linha: O problema é que Horácio Ratton não descola de uma certa
eficácia de seriado televisivo e limita-se a ilustrar a trama sem alcançar a
“intensidade” cinematográfica que legitima a passagem de uma linguagem para
257 Expresso. Revista. 23.11.1996, p. 9. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.
258 A Capital. 26.11.1996, p. 40. Assinada por Francisco Perestrello.
259 Público. Artes e Ócios. 07.05.1999, p. 8. Assinada por Mário Jorge Torres.
231
outra260.
* * *
Já as alegações para um julgamento desfavorável acerca de Central do
Brasil deveram-se tanto a elementos de ordem estética quanto àqueles de
ordem temática. Ou seja, para grande parte da crítica, há no filme uma
estetização da miséria no nordeste brasileiro onde o realizador explora o
infortúnio humano em forma de um arremedo de neo-realismo, sem nervo nem
intervenção social261. A crítica do Público também argumenta que o problema
fulcral de “Central do Brasil” resulta deste branqueamento temático e estilístico,
quer dizer, uma recusa de qualquer politização profunda das questões, o objetivo
é apelar à lágrima fácil (...)262.
Mas a valoração negativa fornecida à Central do Brasil baseou-se,
sobretudo, em dois pontos: primeiro não era aceitável comparar o filme de Walter
Salles às obras do Cinema Novo e segundo a influência do modelo de telenovela
é denunciada no filme. A crítica do Diário de Notícias avalia que é preciso ter o
sentido das proporções e não desatar a evocar o Cinema Novo dos anos 60 e
70. Nem Walter Salles é a reincarnação de um Glauber Rocha, nem Central do
Brasil é uma pedrada revolucionária na vitrina do ramerrão cinematográfico
brasileiro. (...) A história (...), funciona em parte à base dos mecanismos
narrativos e dramáticos da telenovela, em parte encarreira na tradição do
realismo de denúncia documental do cinema brasileiro263. Do mesmo modo, o
comentário do Expresso afirma que Walter Salles atualiza o modelo [de
exploração da miséria exótica] com métodos da telenovela264. Por outro lado,
uma pequena parte da crítica destacou a qualidade do argumento e a
260 Expresso. Cartaz. 08.05.1999, p. 13. Assinada por António Cabrita
261 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.
262 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.
263 Diário de Notícias. Artes e Multimédia. 14.05.1999, p. 46. Assinada por Eurico de Barros.
264 Expresso. Cartaz. 22.05.1999, p. 10. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.
232
interpretação dos atores (sobretudo Fernanda Montenegro), além de argumentar
que Central do Brasil é um filme que não rumina, de olhos postos na mira, que
não pratica o «concubinato das cozinhas» comum às telenovelas e não disfarça
dissabores, a sujidade dos dias; não encobre a maldade, mesquinha, tributária
das urbes brasileiras: favos de todas as desigualdades265.
* * *
Por fim, os argumentos para um julgamento positivo do filme O escorpião
escarlate de Ivan Cardoso residiram na narrativa, ou melhor, na forma bem
humorada que o realizador encontrou para contar a história dividida em duas
estruturas paralelas: Uma decorre no mundo real; a outra no entrecho da
radionovela. Entre os dois mundos cria-se um paralelismo total, de que a
montagem tira um partido muito especial, realçando os contrastes ao mesmo
tempo que atenua as seqüências de ligação. (...) O maior trunfo do filme reside
no humor que está implícito em cada caricatura apresentada. (...) Mesmo sem
provocar, em geral um riso aberto, tal humor tem resultados positivos e dá um
bom suporte ao desenvolvimento da ação266. A propositada mistura de gêneros
(terror e comédia) foi também justificativa para a avaliação do filme, mistura
considerada uma combinação originalíssima utilizando aliás a imensa graça e,
até, a beleza erótica da mulher brasileira, através de um jogo de atrizes que se
desdobram em caricaturas certeiras de gênero obviamente vulneráveis267.
3. As marcas de estratégias de persuasão
Anos 60
Em relação às questões de organização e estilo no filme O pagador de
promessas, as marcas indicam que houve a prevalência do resumo da história
do filme logo no primeiro parágrafo, seguido de uma apreciação e alegação
265 Expresso. Cartaz. 15.05.1999, p. 9. Assinada por António Cabrita.
266 A Capital. 28.05.1999, p. 57. Assinada por Francisco Perestrello.
267 Correio da Manhã. 28.05.1999, p. 33. Assinada por Vitoriano Rosa.
233
argumentativa, chegando à reafirmação do juízo favorável no final. Alguns
críticos tiveram tempo e espaço para contextualizar a própria situação narrada
no filme como também para traçar um painel sobre o Brasil ou sobre a
cinematografia brasileira, o que servia de fonte para o leitor ainda desinformado
sobre o cinema brasileiro no início dos anos 60 e, ao mesmo tempo, evidenciava
a “autoridade” do crítico, um conhecedor de cinematografias variadas.
Quanto ao estilo, percebeu-se uma variação traduzindo uma espécie de
“livre escrita”, presente nos textos da época. Sobretudo em alguns jornais (Diário
Popular e Diário de Lisboa) verificou-se um estilo de texto mais informativo e
factual no qual a cobertura do evento foi privilegiada em detrimento de uma
análise mais profunda da obra. Nas revistas, prevaleceu a escrita erudita com
maior liberdade na construção de um texto mais envolvente para o leitor. Como
traço comum à estilística do texto, o uso abundante de adjetivos permeou tanto
os comentários jornalísticos como o das revistas especializadas.
Ainda como marcas de estratégias utilizadas, verificamos que o discurso
da crítica de O pagador de promessas, sobretudo o da imprensa especializada,
procurou demonstrar um movimento retórico que tem por finalidade proteger-se
de um contra-argumento como “nenhuma obra é totalmente isenta de ressalvas”
e oferecer uma espécie de “leitura adequada”, indicando o modo como o seu
argumento deve ser interpretado pelo leitor. Vejamos um trecho de crítica
publicada no JL: Não procuramos afirmar que «O pagador de promessas» esteja
completamente isento de defeitos. Existem certas fragilidades da realização, na
direção dos atores, no deficiente recorte psicológico de algumas personagens,
até na fotografia. Mas nada disso chega para invalidar o alcance humano deste
filme, a sua originalidade e dignidade artística268.
* * *
As resenhas sobre Assalto ao trem pagador apresentaram marcas de
estilo bastante semelhantes às de O pagador de promessas. Também nos
268 Jornal de Letras e Artes. 01.05.1963, p. 11. Assinada por José Vaz Pereira.
234
jornais Diário Popular e Diário de Lisboa verificou-se um texto que privilegiava o
informativo e factual. Igualmente como traço comum à estilística do texto (tanto
nos jornais como na revista Plateia), a recorrência ao uso de adjetivos sobretudo
para qualificar positivamente o filme: (...) obra inflexível, dura, intransigente, e ao
mesmo tempo humana269; uma câmara atenta, uma fotografia de grande beleza
e sobriedade, intérpretes por vezes notáveis, a verdade, toda a verdade e só a
verdade270.
Na arquitetura do texto, as marcam indicam um certo padrão nas
resenhas, que procuraram situar historicamente o filme no contexto de sua
cinematografia, logo no primeiro parágrafo, para só depois apresentar a sinopse
do filme, seguida de juízo, argumentos de justificação e reiteração de juízo com
pequenas variações.
* * *
Em relação ao filme Vidas secas, marcas retóricas observadas em alguns
comentários revelaram-se na força persuasiva dos textos, desde a
demonstração de “erudição cinematográfica” compondo a natureza do Ethos dos
produtores do discurso, como se pode notar neste trecho: Vidas secas, de 1963,
é o filme mais significativo de Nelson Pereira dos Santos que é, por sua vez, o
mais significativo representante do Cinema Novo, que é por sua vez, a
expressão até agora de maior expansão mundial do novo Brasil, quero dizer, do
Brasil visto pelas suas mentalidades mais lúcidas271. O crítico já no primeiro
parágrafo exibe seu conhecimento do autor da obra e do Cinema Novo brasileiro
ainda pouco conhecido em Portugal. Neste novo cinema, o Brasil é apresentado
de forma mais lúcida sem o emblema do cartão-postal e, portanto, presta-se
mais a um cinema que garante sua identidade. Clamar ao leitor e futuro
espectador do filme, usando expressões como nenhum espectador sensível
269 Diário Popular. 16.02.1965, p. 11. Assinada com as inicias D. A.
270 República. 26.08.1965, p. 3. Não assinada.
271 República. 31.03.1967, p. 3. Assinada por Afonso Cautela.
235
pode ficar indiferente272 ou Algo de litânico transforma este filme imperfeito numa
apaixonante obra de cinema273, revela o apelo às emoções do público que adere
a este pathos discursivo.
Outro sinal exibido nas resenhas de Vidas secas é que não há uma
uniformização de estilo na escrita, apesar do emprego abundante de adjetivos
ser um fator comum. Mesmo entre as críticas publicadas nos jornais, as
diferenças são visíveis entre os estilos de um e outro crítico. É claro que
prevalecia o estilo ágil e objetivo da prática jornalística, mas as diferenças
podem ser observadas em alguns comentários inclinando-se mais para o rápido
descritivo e outros dedicando maior tempo à análise formal do filme. O Diário de
Lisboa, contudo, apresentou o estilo mais “conservador”, onde pode ser visto o
relato ou crônica social da estréia muito comum ao jornalismo até meados dos
anos 60274. O texto de João Bénard da Costa (O Tempo e o Modo) diferenciou-se
dos demais na composição de um estilo de escrita muita próxima do ensaio. Seu
comentário desliza para uma espécie de pensamento livre sobre o filme, o qual
certamente só foi possível por tratar-se de uma publicação voltada para o
pensamento e idéias.
Anos 70
Nas resenhas sobre A fúria do cangaceiro percebeu-se uma mudança na
estilística do texto crítico. Além de textos mais agressivos e contundentes, as
resenhas passam a afirmar o ethos do autor uma vez que agora os comentários
estão devidamente assinados, o que parece ser um passo para a
profissionalização do setor.
Foram verificadas marcas de estratégias de persuasão geradas a partir de
272 Diário de Lisboa. 31.03.1967, p. 6. Crítica não assinada.
273 O Tempo e o Modo. Nº 37, Abril de 1966, p. 538. Assinada por João Bérnad da Costa.
274 Como podemos observar neste trecho: A estreia de ontem assistiram numerosos membros da colónia brasileira, entre os quais o Dr. Odylo da Costa Filho, adido cultural à embaixada do Brasil, que muito contribuiu para ser possível a exibição entre nós deste belo exemplo do jovem cinema de além-Atlântico. Diário de Lisboa. 31.03.1967, p. 6. Vale salientar que outros jornais como o República já não apresentavam esse tom elogioso.
236
entimemas ou premissas dadas como já aceitas pelo leitor: (...) Anselmo Duarte
não é novo cinema brasileiro e «A fúria do cangaceiro» está muito longe de
constituir um filme de denúncia lúcida e consciente»275. Em quase todos os
comentários foi fundamental a preocupação em distinguir A fúria do cangaceiro
do Cinema Novo brasileiro. Esta distinção é dada como uma conclusão e não
como uma inferência, que o leitor é convencido a seguir.
O crítico Eduardo Geada, no jornal A Capital, apresentou um entimema de
apelação à autoridade para sustentar sua convicção (e a dos leitores) de que A
fúria do cangaceiro, além de não representar o “verdadeiro” Cinema Novo
brasileiro, possuía ingredientes falaciosos para agradar a determinado público,
ou seja, ao grande público. A apelação à autoridade de Glauber Rocha que
considerava estes ingredientes como «mentiras elaboradas da verdade (os
exotismos formais que vulgarizam problemas sociais) conseguiram-se comunicar
em termos quantitativos, provocando uma série de equívocos que não terminam
nos limites da arte, mas contaminam, sobretudo, o terreno geral do político»276. A
crítica lusa não só apreciava Glauber Rocha, conhecia também seus trabalhos
escritos e comungava com ele seus ideais de um cinema revolucionário, o que
reforçou sua autoridade e competência no processo de convencimento do leitor.
Outras marcas revelam que a organização do discurso nas resenhas de A
fúria do cangaceiro acompanhou o padrão dos anos 60, no qual os críticos
procuraram inicialmente fornecer informações acerca do novo cinema brasileiro,
emitiam um juízo do filme só que agora acrescido de uma comparação com o
Cinema Novo, depois apresentavam os argumentos para confirmar o julgamento
no final da resenha.
* * *
As marcas de estratégias de persuasão nas resenhas sobre o filme As
amorosas perpassam pela mesma “agressividade” de estilo da escrita. As
275 República. 27.11.1970, p. 3. Assinada por Tito Lívio.
276 Depoimento de Glauber Rocha citado por Eduardo Geada em A Capital. 28.11.1970, p. 19.
237
resenhas (à exceção da revista Celulóide) defendem com firmeza sua posição
perante o leitor. Textos mais incisivos demonstram um estilo de um princípio de
“tomada de posição”, de afirmação de um “lugar” dentro do cenário da crítica de
cinema. Nos jornais, uma escrita “forte”, capaz até mesmo de contestar colegas
de profissão, é mais uma forma de delimitar o terreno diante do leitor: Se ainda
não vimos que isto é cinema de alta voltagem, de fato mais valia mudar de
profissão. E de crítico ir para gerente de banco ou qualquer coisa assim rendosa,
das que exigem muita sensibilidade, inteligência e imaginação. Em cinema,
pelos vistos e ouvidos, não: quanto mais burro melhor277. Além dos
questionamentos sobre a profissionalização do setor, o crítico exerce seu pathos
para atrair a leitura mais emotiva e afirmar seu estilo.
Nas resenhas, sobretudo as que defendiam o filme, a comparação do
diretor a nomes consagrados da cinematografia mundial como Antonioni ou
Bergman serviu como mais uma estratégia de persuasão para legitimar o filme
enquanto obra de qualidade. Por outro lado, esta mesma comparação, utilizada
por aqueles críticos que julgaram o filme falso, funcionou com efeito contrário, ou
seja, As amorosas não passa de um pastiche mal feito de grandes nomes da
cinematografia européia.
Quanto à organização do discurso, não foram visíveis diferenças no
modelo desenhado nos anos 60: resumo e descrição do enredo, juízo,
argumentos, justificação e reafirmação de juízo.
* * *
Identificamos, desta vez nos comentários sobre Macunaíma, marcas de
um discurso para convencer o leitor através da demonstração do ethos do
crítico. Seu conhecimento e erudição cinematográfica informavam ao leitor a
história do movimento modernista brasileiro a fim de chegar aos argumentos
favoráveis ao filme: A antropofagia esteve na base do modernismo brasileiro
literário no Brasil. Nascido da «Semana de Arte Moderna» (Rio de Janeiro,
277 República. 27.03.2971, p.6. Assinada por Afonso Cautela.
238
1922), nele se salientaram dois escritores (Mário de Andrade, autor de
Macunaíma e Oswald de Andrade, autor do manifesto A Antropofagia), a pintora
Tarsila e o compositor Villa-Lobos. Joaquim Pedro de Andrade, 1970, vai
ressuscitar essa tradição «modernista» sob a égide do Antropofagismo e do
Autofagismo. (...) Macunaíma é a história de um aprendizado: de como devorar
para não ser devorado278. Neste trecho, percebe-se também a eloqüência do
discurso do crítico, traço, aliás, marcante em todas as resenhas colhidas de
jornais. Uma escrita notoriamente mais culta votada à interpretação das
mensagens ideológicas e à decifração de códigos estéticos do filme.
A Ilustração foi bastante utilizada nos comentários como prova de
sustentação dos argumentos: As referências à antropofagia são constantes,
desde o tempo de Macunaíma-menino (que pede de comer a um tio, o qual corta
um pedaço de carne da sua perna e lho dá, passando a chamar-lhe «carne da
minha perna», até ao monstruoso banquete do gigante Wenceslau Pietro Pietra
(uma monumental feijoada humana), passando pela não menos evidente
Antropofagia sexual da quase totalidade das heroínas com quem Macunaíma
‘brinca’279 .
Quanto à arquitetura do discurso, o quadro permaneceu sem alterações
significativas, apenas com a tentativa de fornecer ao leitor, sobretudo no início do
texto, uma espécie de “quadro de situação” sobre o movimento modernista
brasileiro.
* * *
As marcas de estratégias de persuasão nas resenhas sobre António das
Mortes fundamentaram-se na proposta de convencer o leitor de que se tratou de
um filme premiado em Cannes e pertencente ao grande representante do
Cinema Novo brasileiro, Glauber Rocha: (...) nos encontramos em presença de
uma obra-prima da moderna cinematografia, revelação portuguesa de um dos
278 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.
279 Diário de Lisboa. 25.03.1971, p. 4. Assinada por Lauro António.
239
mais notáveis cineastas brasileiros280, afirma Lauro António no primeiro
parágrafo de seu comentário. Podemos observar neste trecho da resenha
publicada no Diário Popular como o recurso à citação de outro crítico buscou a
aceitação do leitor: Um crítico estrangeiro, referindo-se ao realizador Glauber
Rocha, disse, com muita graça e alguma verdade, que ele é ‘um Pelé do cinema
que projetou o Brasil à escala internacional’281 .
Nos comentários sobre António das Mortes não houve alterações
perceptíveis quanto ao estilo da escrita, permanecendo as mesmas
características das resenhas da década. Entretanto, o texto de Lauro António
publicado na revista Celulóide revelou-se como o mais informativo e analítico. O
uso de adjetivos para qualificar quer o filme quer o realizador também
prevaleceu nos jornais, como podemos observar neste trecho divulgado no
Diário de Notícias: Obra extremamente insólita, fora das correntes rotineiras,
com enorme beleza plástica e fundo panfletário – residindo nesse complexo a
profunda impressão causada – coloca Glauber Rocha na galeria dos autores
importantes do cinema mundial282.
A organização do discurso nas resenhas também não sofreu alterações
permanecendo a seqüência (com variações aqui e ali) de sinopse, juízo,
argumentos e justificações e confirmação do juízo no final da crítica.
* * *
As marcas de estratégias de persuasão verificadas nos comentários sobre
O homem nu indicam o uso de textos que visam persuadir o leitor através da
afirmação do ethos, sobretudo regulado no conhecimento do crítico em relação à
cinematografia brasileira e aos seus realizadores. Nas resenhas, a marca de
autoridade da fala, transfigurada como premissa para o leitor, é bem visível e
contundente: Toda a gente medianamente interessada pelo cinema que se faz
280 Celulóide. Nos 178/179, Out/Nov de 1972, p. 44. Assinada por Lauro António.
281 Diário Popular. 16.10.1972, p. 4. Assinada com as iniciais P. da C.
282 Diário de Notícias. 14.10.1972, p. 5. Assinada com a inicial V.
240
no mundo sabe que o Brasil possui presentemente (ou possuiu, não há ainda
muito tempo) uma cinematografia das mais importantes e valiosas283.
Quanto à arquitetura do texto, verificou-se a presença, sempre nos
primeiros parágrafos, de um painel retrospectivo do cinema brasileiro com
ênfase no movimento do Cinema Novo, antes de ser introduzida a crítica
propriamente dita. Nos outros aspectos, os padrões de informação foram
mantidos: sinopse, avaliação, argumentos e justificações e reiteração do
julgamento.
Nas questões de estilo destacaram-se os textos de Lauro António e Tito
Lívio. O primeiro apresentou uma estratégia de descrever o enredo do filme ao
contar detalhes emblemáticos e “traduzi-los” de forma mais digestiva para o leitor
que se sentiu atraído pela história. O segundo utiliza a ironia e o sarcasmo para
convencer os leitores de que o filme não passa de um protótipo do Cinema
Novo.
* * *
Nos comentários sobre Terra em transe, as estratégias de persuasão
estruturam-se de modo a dar ao leitor informações atualizadas sobre Glauber
Rocha, sua cinematografia e sobretudo decodificar, com autoridade e juízo
crítico, o enredo do filme. A “tradução” dos simbolismos da história através de
exemplos mais clarificados para o leitor agiu como força persuasiva eficiente.
A ordem do texto não foi alterada, todavia percebe-se um aumento
considerável de expressões de ordem política como revolucionário, ditadura,
censura fascista e massas populares. O estilo de afirmação agressiva tornou-se
mais contundente tanto na crítica de Lauro António quanto na de Tito Lívio, que
utilizou adjetivos como demagógico e grotesco para qualificar um dos
personagens da história.
283 Diário de Lisboa. 17.07.1973, p. 7. Assinada por Lauro António.
241
* * *
Semelhantemente, nos comentários sobre O leão de sete cabeças, as
marcas de estratégias de persuasão da crítica indicam o modo de leitura da obra
mais clarificado para o leitor. Era necessário e até imprescindível saber algumas
informações sobre o filme, traduzir certas simbologias (desde o título composto
por palavras de várias línguas)284 antes de vê-lo.
A organização das informações no texto privilegiou o resumo do enredo,
oferecendo vários parágrafos a esta síntese em todas as resenhas. Nas
questões de estilo, permaneceu o discurso politizado e afirmativo de José Vaz
Pereira, Lauro António e Eduarda Ferreira. Esta última, crítica do jornal
República foi a mais incisiva na sua escrita: (...) o filme demonstra que a
«Cooperação» imperialista é um aperto de mão e uma rajada de metralhadora
nas costas e só o sangue e o trabalho dum povo espezinhado podem alimentar
as raízes das árvores das patacas285.
* * *
Este quadro de invenção e organização do discurso a fim de conseguir a
anuência dos leitores permaneceu mais ou menos o mesmo em 1976 nas
recensões sobre Toda nudez será castigada, de Arnaldo Jabor. Contudo,
verificou-se muitas vezes nas resenhas a argumentação mediante exemplos,
para convencer o leitor das convicções do crítico em relação ao filme: Toda
nudez será castigada é um exemplo magnífico de como um brilhante autor
barroco, católico e reacionário, pode servir às mil maravilhas para fazer um filme
terrivelmente agressivo em relação à moralidade social vigente, à instituição
familiar, ao obscurantismo religioso, numa palavra, ser exatamente o contrário
daquilo que mostra, mantendo-se o mais fiel possível às situações criadas na
peça de que se inspira fazer a sua inversão crítica graças a uma qualidade que,
284 O filme tem como título original, Der Leone Have Sept Cabeças, numa remissão ao conjunto de nações imperialistas presentes no território africano.
285 República. 12.02.1975, p. 5. Assinada por Eduarda Ferreira.
242
depois de Lubitsh, Renoir, Cukor e pouco mais, se julgava perdida o tom. Além
da transferência de sentido por meio dos adjetivos, a crítica com autoridade de
conhecimento recorre a grandes nomes da cinematografia mundial para atribuir
qualidades à obra.
Também foi observada a utilização da descrição de cenas através da
ilustração como base de sustentação dos argumentos produzidos pelos críticos,
como vemos neste trecho de José Vaz Pereira: o trabalho dos atores e do
fotógrafo é sensacional, explorando as imagens de Lauro Escorel, as cores, não
só a rua (e a rua brasileira é inconfundível com as suas multidões, as suas
palmeiras, os seus «Volkswagens», as suas pedrinhas da calçada à portuguesa)
como os interiores onde arranca belos efeitos na imensa galeria, toda anos vinte,
que existe nas casas de passe286.
* * *
Nos comentários sobre Dona Flor e seus dois maridos percebe-se a
reiteração da estratégia de expor (predominantemente no primeiro parágrafo) ao
leitor a descrição do enredo como principal recurso para guiá-lo até uma sala de
cinema. Permanecem o uso de adjetivos, os exemplos e as ilustrações como
recursos argumentativos. A escrita de Jorge Leitão Ramos se destacou na forma
como o crítico, já na abertura do texto, tentou se aproximar do leitor revelando
uma intimidade e, ao mesmo tempo, delimitando seu território: Na minha casa,
como diria o Fernando Assis Pacheco, o «garrafão eletrônico» é coisa banida.
Não pertenço, por isso, à maioria da população deste país que diariamente,
segue a «Gabriela» televisiva como um caso pessoal287.
* * *
Já as marcas nas recensões sobre Lúcio Flávio, o passageiro da agonia
foram assinaladas pela forte publicidade que cercou a fita. Em quase todas as
286 A Capital. 09.04.1976, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.
287 Diário de Lisboa. 23.09.1977, p. 13. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
243
resenhas a referência ao sucesso de público que o filme teve no Brasil na altura
de seu lançamento em 1977 e a publicação de entrevistas com o diretor, anexas
aos comentários, tiveram força persuasiva sobre o leitor. Descrição de cenas
seja para ilustrar, seja para servir de exemplo e base a um argumento a
defender, foi também recurso persuasivo forte como na descrição que Lauro
António utiliza para delinear o jogo entre o crime e a ordem visível em duas
frases fundamentais no filme: É Moretti, o polícia corrupto, quem afirma
primeiramente que «polícia e bandido são duas faces de uma mesma medalha.
Faces que se encontram ligadas e que nada podem fazer uma sem a outra, por
isso se devem auxiliar». (...) Lúcio Flávio, no fim do filme, quando a sua morte se
aproxima e as algemas lhe prendem já para sempre os movimentos descobre o
erro e proclama-o: ‘Polícia é polícia. Bandido é bandido’288 . Nas questões de
estilo e organização de discurso nas resenhas, não foram percebidas alterações
significativas.
Anos 80
As primeiras marcas persuasivas presentes nas críticas sobre Eu te amo
remetem para o clima de sedução do filme de Arnaldo Jabor. As fotografias de
divulgação do filme presentes em quase todos os periódicos exibem os corpos
nus de Sônia Braga e Paulo César Pereio, que funcionam como um primeiro e
grande atrativo para o leitor. Entre as estratégias verificadas nos textos citam-se
os exemplos de cenas para sustentação de argumentos que, neste caso, eram
desfavoráveis ao filme, mas uma cena merecia destaque: A cena com o travesti
Vera Abelha (sem dúvida a mais conseguida do filme) é a única onde algo de
intenso percorre o écran, talvez por que aí a força dos fatos elimine totalmente o
requentado do discurso289. Além disso, a descrição pormenorizada do enredo foi
também usada como estratégia, sobretudo na crítica do Diário de Notícias.
Outros recursos foram também percebidos como a estratégia de aproximação
com o leitor através de questões interrogativas no texto (Diário de Lisboa).
288 Diário de Notícias. 30.05.1979, p. 14. Assinada por Lauro António.
289 Diário de Lisboa. 17.11.1981, p. 18. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
244
* * *
Nas resenhas acerca de Pixote, a lei do mais fraco, as marcas de
estratégias de persuasão revelaram a presença de informações (como a
quantidade de prêmios que o filme recebeu) usadas para valorizar a obra e
garantir o ethos do crítico perante o leitor. O uso de cenas para ilustrar a
justificação de argumentos continua e também a analogia como forma de
transferir sentido: É uma espécie de «Mundo Cão» da delinqüência juvenil
brasileira ou os «400 golpes» do subdesenvolvimento latino-americano? Nem
tanto ao mar nem tanto à terra290. Um tipo de texto mais ensaístico foi observado
na resenha do JL, onde o crítico Guilherme Ismael utiliza o filme para falar sobre
a marginalidade em seus diversos sentidos. Quanto às questões de organização,
as resenhas continuam mantendo o formato da década anterior com variações
aqui e ali e também sem diferenças na qualidade da informação entre a revista
(Celulóide) e os periódicos (A Capital, Diário de Lisboa, Diário de Notícias).
* * *
As marcas nos comentários de Bye Bye, Brasil não se diferenciaram muito
daquelas encontradas nas últimas resenhas: uso de grandes fotografias para a
aproximação inicial com o leitor e, de um modo geral o discurso permaneceu
organizado para cumprir sua função retórica. Contudo, as publicações Expresso
(Manuel S. Fonseca) e JL (Miguel Esteves Cardoso) indicaram um tipo de escrita
mais próxima do formato ensaio no primeiro caso e uma crônica no segundo.
Nesses textos, observa-se uma maior liberdade no “modo de leitura” do filme,
que foi tratado como emblema de uma viagem da inocência perdida.
Permanecem também a utilização de adjetivos e exemplos de cenas ou
seqüências para sustentar a argumentação da crítica, sobretudo nos jornais
(Diário de Lisboa, Diário Popular, Diário de Notícias e A Capital). A crítica da
revista Celulóide não apresentou diferença em relação à dos jornais, exibindo
um texto curto e ligeiro acerca do filme.
290 Diário de Lisboa. 26.03.1982, p. 20. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
245
* * *
Já no filme O beijo da mulher aranha, as marcas persuasivas mantiveram-
se na ação das imagens fotográficas ao lado de textos que, apesar das
ressalvas feitas ao filme, despertaram a curiosidade do leitor para a história, cuja
ação se passava predominantemente numa cela de prisão. A descrição da
história foi o grande fator de mobilização do leitor em três jornais (Diário de
Notícias, A Capital e Diário Popular). No Diário Popular também as informações
“acessórias” sobre a película (desde o convite do diretor aos atores até uma
crônica sobre os bastidores da produção) tiveram um papel importante nesta
adesão.
Na questão do estilo destaca-se mais uma vez o texto de Jorge Leitão
Ramos e sua “conversa” com o leitor através de perguntas: Já estou a ver meus
leitores mais atentos a interrogarem-se sobre a «entrada» deste texto: «bicha» é
termo que se use para designar um homossexual? Que racismo é este que, de
súbito, se introduziu no vocabulário do crítico? Não é racismo nenhum, é a
realidade do filme, é a sua história, o seu cerne, aquilo que de essencial lá
acontece (...).
* * *
Nos comentários sobre Ópera do malandro, as marcas verificadas
diferiram quanto ao estilo apresentado entre as publicações (JL e Expresso) e os
jornais diários (A Capital, Diário de Notícias e Correio da Manhã). Os textos do
JL e Expresso eram próximos do ensaio, enquanto os textos dos jornais
mantiveram a objetividade da análise. Enquanto nos textos dos primeiros foram
observadas expressões como dramaturgia «não-aristotélica»291 ou mitologia
figurativa292, nos textos dos diários o apelo ao pathos do leitor era declarado:
Edson Celulari (...) é um ator que pede meças a qualquer dos gigantes da
atualidade, compondo uma mescla de talentos em que entram um Robert De
291 Expresso. Revista. 13.06.1987, p. 6-R. Assinada por Augusto M. Seabra.
292 Jornal de Letras Artes e Ideias. N° 258, 15 a 21.06.1987, p. 27. Assinada por Pedro Borges.
246
Niro, um Dustin Hoffman ou um Al Pacino dando, cada um, um farto lote dos
seus múltiplos recursos293. São recorrentes as grandes fotos (sobretudo nos
diários) e também os exemplos e ilustrações de cenas ou seqüências do filme.
Anos 90
Relativamente ao filme O quatrilho não foram observadas mudanças nas
estratégias para convencer os leitores. As fotos mantêm-se como chamariz do
texto, que permaneceu organizado de modo a dar, sobretudo informações
“acessórias” ao leitor, como dados sobre o diretor e sua carreira no Brasil. A
descrição pormenorizada do enredo também foi verificada, traço comum a todos
os jornais.
* * *
Também se destaca nas marcas persuasivas sobre Amor & Cia o
predomínio de textos com elevadas informações “acessórias” ao leitor. Estas
informações, geralmente localizadas nos primeiros parágrafos, tratam sobre
assuntos relacionados à produção, distribuição bem como entrevistas com o
realizador e/ou atores do filme. O leitor inicialmente é satisfeito na sua
curiosidade sobre os bastidores da obra para depois se centrar na análise e juízo
acerca do filme. Permanecem as grandes fotos de divulgação e o apelo às
emoções do leitor, sobretudo nos diários: Que co-produção justifica transformar
uma novela portuguesa, situada na Lisboa oitocentista, numa história brasileira,
com atores brasileiros e técnicos brasileiros?294, exclamava a crítica do Público.
* * *
As marcas persuasivas presentes nas resenhas a respeito de Central do
Brasil caracterizam-se pela apresentação de discursos eloqüentes, afirmativos e
293 Correio da Manhã. 19.06.1987, p. 53. Assinada por Vitoriano Rosa.
294 Público. Artes e Ócios. 07.05.1999, p. 8. Assinado por Mário Jorge Torres.
247
por vezes, agressivos como forma de sustentação de argumentos. Destacam-se
os textos de Eurico de Barros e Mário Jorge Torres como estilos de escrita mais
incisivos e sarcásticos e com grande carga de utilização de adjetivos.
Expressões e frases como melodramazinho delicodoce295 ou pedrada
revolucionária na vitrina do ramerrão cinematográfico brasileiro296 são exemplos
deste tipo de escrita.
Outras marcas foram verificadas, como as informações acerca dos
prêmios recebidos (injustamente, para uma boa parte da crítica) e uma entrevista
com o diretor publicado no semanário Expresso, que funcionaram como
entimemas de apelação à autoridade útil para cativar o leitor. Além disso,
observaram-se também táticas comparativas como um forte recurso de
persuasão: Quando o filme está na cidade evita aflorar a aspereza da realidade,
ao contrário de Pixote de Hector Babenco297 ou O segredo de Central do Brasil é
apenas a de uma exploração muito pouco hábil (valha-nos isso!) do
miserabilismo que tem seu modelo acabado em O pagador de promessas, de
Anselmo Duarte298. Em relação à estrutura organizativa das resenhas, manteve-
se o padrão precedente de juízo, sinopse da história, argumentos, informações
acerca do filme e reiteração de juízo. Também permanecem as grandes
fotografias de promoção.
* * *
Por fim, as marcas persuasivas nos comentários sobre O escorpião
escarlate não diferem muito das marcas verificadas nas críticas precedentes.
Mantiveram-se as imagens de suporte, uma pormenorizada descrição do enredo
(A Capital), as informações “acessórias” sobre o diretor e prêmios e a
organização do discurso.
295 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.
296 Diário de Noticias. Artes e Multimédia. 14.05.1999, p. 46. Assinada por Eurico de Barros.
297 Expresso. Cartaz. 29.05.1999, p. 17. Assinada por Francisco Ferreira.
298 Expresso. Cartaz. 22.05.1999, p. 10. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.
249
Marcas de contexto
1. As marcas de tempo
Anos 60
Foram observadas como marcas de tempo nas resenhas sobre O pagador
de promessas uma certa despolitização no conteúdo dos textos. Marca de tempo
que reflete a censura à escrita da época, os comentários sobre o filme de
Anselmo Duarte publicados em Abril de 1963 concentraram-se primordialmente
na questão religiosa e os críticos abstiveram-se de provocar ou sugerir qualquer
temática política, apesar de o polêmico enredo do filme solicitar uma tal reflexão
ideológica.
Outras marcas temporais encontradas revelaram o conhecimento da
crítica lusa de uma grande mudança na cinematografia brasileira datada em
início dos anos 60. Diz o primeiro parágrafo da crítica do Diário popular: O que
distingue o moderno cinema brasileiro de outros cinemas de narrativa que
impuseram certa supremacia universal do espectáculo da tela e, sem dúvida, a
poderosa sensação de verdade que, desprovida de artifícios aparentes, nos
transmite os casos e as figuras que animam os seus melhores filmes. Na
verdade, colocando «a latere» tendências generalizadas procuraram criar um
novo estilo de espetáculo de cunho eminentemente mais profundo e humano e
que refletisse de forma cabal os dramas de nosso tempo299. Os dramas daquele
tempo permanecem até hoje, assim como a discussão em torno da sensação de
verdade da imagem cinematográfica, todavia a presença desta marca temporal
dialoga com uma época em que os debates sobre Neo-realismo italiano e
299 Diário Popular. 18.04.1963, p. 3. Assinada com as inicias P. de M.
250
mesmo sobre o cinema verité compunham a agenda da crítica de cinema.
Nestes debates, ficava subjacente a contestação ao cinema como espetáculo
industrial.
Nos comentários há também referências à juventude deste cinema, o que
pode vir a demonstrar um sinal de associação entre O pagador de promessas e
o jovem Cinema Novo brasileiro: Há, além disso, que se ter em conta, que se
trata de uma cinematografia jovem, que sai da mediocridade das produções
comerciais a golpes de audácia e persistência, desde a penosa experiência de
Cavalcanti e dos esforços pioneiros da Vera-cruz300. Estas referências temporais
também sinalizavam o quanto o cinema e mesmo a cultura brasileira estavam
presentes no jornalismo da época, ainda que se reclamasse contra o
desconhecimento do grande público em relação a esta nova cinematografia
brasileira. Em muitas críticas, foram mencionadas a literatura, a música e a
religião brasileiras, que funcionavam também como uma estratégia discursiva
cujo objetivo era a afirmação do ethos do produtor do discurso. Quanto maior o
conhecimento demonstrado pelo crítico sobre os diversos campos da cultura
brasileira, mais o leitor sente-se seguro com o texto.
Servais Tiago, na revista Plateia, apresenta o “quadro situacional” do
cinema (e do pensamento da crítica) no início dos anos 60 na Europa, ao relatar
que o gosto pelo exótico que já havia beneficiado o cinema japonês voltava
agora a acariciar os brasileiros. Para Tiago, os apologistas das escolas nacionais
autóctones discursam para premiar a rude espontaneidade desse cinema verde,
odoroso e turbulento que jorra fontes ainda muito próximas de uma expressão
popular direita, livre dos artifícios para-filosóficos e para-intelectuais de um
Bergman angustiado301. Marca de tempo bem delineada, o texto aponta para
uma temática presente na crítica dos anos 60, a saber, o aparecimento de
cinematografias nacionais que os críticos europeus viam com certo exotismo. As
300 Diário de Lisboa. 18.04.1963, p. 3. Manuel de Azevedo refere-se ao cineasta e produtor Alberto Cavalcanti que dirigiu uma das principais companhias cinematográfica brasileiras de cinema: a Vera Cruz, que veio a fechar em 1953.
301 Plateia. Nº 148, 01.05.1963, p. 55. Assinada por Servais Tiago
251
imagens eram diferentes porque eram “exóticas” com todo o sentido (diríamos
positivo e negativo) que esta palavra implica.
* * *
Em relação aos comentários sobre Assalto ao trem pagador (publicados
em 1965), as marcas de contexto exibem-se igualmente, nas alusões, mesmo
que bem pontuais, ao jovem cinema brasileiro que vinha ganhando espaço nos
festivais internacionais. Isto foi visível, sobretudo na resenha de Lauro Antônio
apresentada numa revista especializada302: O cinema brasileiro, quase
totalmente desconhecido de nosso público, adquiriu, durante os últimos anos
(sobretudo durante as presidências de Jânio Quadros e João Goulart), uma força
e um vigor, aliados a uma sinceridade e espontaneidade notáveis, que o
impõem, presentemente, nos festivais internacionais a que concorre,
conquistando para seu país os favores da crítica, do público e alguns galardões
merecidamente alcançados303. Com espaço e atenção maior para a análise do
filme, Lauro António mostra seu descontentamento pela falta de divulgação de
um cinema jovem que floresce em terras sul-americanas, mas, ao mesmo
tempo, reconhece que as referências a esta nova cinematografia têm crescido
bastante com a propagação dos festivais. A crítica da Plateia localiza também o
filme num contexto com outros diretores do cinema brasileiro: Aguardava-se,
pois, com muito interesse, a exibição de «O assalto ao trem pagador» de
Roberto Farias. Sabíamos que era um jovem, tal como Glander (sic) Rocha,
Nelson Pereira dos Santos ou Ruy Guerra. Sabíamos que usava o cinema como
meio de mostrar a todo o mundo a realidade social brasileira, descobrindo-lhe as
suas chagas, procurando assim encontrar a solução que se impõe. E o filme
resultou uma agradável surpresa!304. Os sinais exibidos neste trecho apontam
302 Mas não exclusivamente na revista, como pode ser observado também neste trecho de jornal: «Assalto ao trem pagador» que enfileira fundamentalmente no novo cinema brasileiro é uma demonstração inequívoca de possibilidades que nos diz não ser falso o apregoado incremento de qualidade patente no cinema praticado em terras de santa cruz. Diário Popular. 16.02.1965, p. 11. Assinada com as inicias D. A.
303 Plateia. Nº 215, 10.03.1965, p. 62. Assinada por Lauro António
304 Plateia. Nº 215, 10.03.1965, p. 62. Assinada por Lauro António.
252
para a crítica mais especializada, que se conformava com o ambiente intelectual
vivido e defendido pelas novas cinematografias nacionais surgidas em países
cinematograficamente periféricos. O crítico, ao concluir seu comentário ainda
propõe uma comparação ao leitor: Enquanto em França um esteticismo
decadente nos fala bem de coisas mortas, no Brasil, terra nascente, fala-se
ainda rudimentarmente, mas já de coisas vivas e atuais. Enquanto uns enterram
os mortos em ataúdes de filigrana, outros cuidam dos vivos com palavras cruas,
mas importantes305. Este traço comparativo é extremamente sintomático de uma
época em que a Nouvelle Vague era questionada e o desejo por cinematografias
mais “radicais” era defendido pelo pensamento de uma parte da crítica.
Os comentários de Lauro António revelaram também o início de uma certa
busca pela independência da crítica. Apesar da censura em vigor, o crítico da
Plateia já faz referências, mesmo que leves, à política brasileira refletida no novo
cinema brasileiro, embora não se perceba qualquer referência à política
portuguesa ou mesmo, ao Novo Cinema português.
* * *
Quanto às marcas de contexto nas resenhas sobre Vidas secas, as
referências ao Cinema Novo brasileiro também prevaleceram. Parece ter sido
fundamental informar ao leitor de 1967 as ligações do filme e do próprio diretor a
este movimento: É este o primeiro exemplo do hoje universalmente famoso
«cinema novo» brasileiro que chega às nossas telas, afirma M. Machado Luz em
seu comentário na revista Seara Nova306. Isto vem revelar, como mencionamos,
uma importante marca de tempo, uma vez que o Cinema Novo começava a ser
referido enquanto movimento cinematográfico (já relativamente conhecido na
França e Itália) de merecida atenção pelos leitores e cinéfilos portugueses. Outra
marca encontrada foi a referência à política dos autores como parte da
convenção de interpretação peculiar à crítica de cinema dos anos 60 e 70 (e que
305 Plateia. Nº 215, 10.03.1965, p. 62. Assinada por Lauro António.
306 Seara Nova. Nº 1457, Março de 1967, p. 91. Assinada por M. Machado Luz
253
parece estender-se até aos nossos dias). Em Nelson Pereira dos Santos já se
vislumbrava certas marcas de autoria, apesar de suas obras anteriores não
serem conhecidas em Portugal. Mais que o realizador era a realidade do
Nordeste o grande autor do Cinema Novo brasileiro. Relata a crítica do
República: É neste aspecto [a pungente realidade que documenta] que a «vaga»
brasileira se distingue das suas congêneres francesa e italiana. No Brasil os
próprios temas iriam ser os primeiros «autores» de filmes307.
Igualmente como marca de tempo, observou-se nos comentários sobre o
filme a busca por uma escrita menos impressionista e que, mesmo que de forma
sutil devido à censura, apresentasse um discurso baseado em critérios mais
definidos.
Anos 70
Em 1970, uma das mais significativas marcas de tempo observadas nas
resenhas sobre a Fúria do cangaceiro foi o discurso de revolta dos críticos
devido à pouca exibição em Portugal de filmes do Cinema Novo brasileiro,
sobretudo de filmes de Glauber Rocha. A solicitação e crítica não eram dirigidas
a alguém em particular e, em certos casos, dirigiam-se aos distribuidores e
exibidores. Entretanto, havia indícios implícitos de que a mensagem dos críticos
dirigia-se também ao governo que vetava a exibição de certos filmes
considerados “perigosos”.
Outras marcas de tempo identificadas nas resenhas igualmente foram
permeadas pelo enquadramento histórico do Cinema Novo brasileiro que,
segundo as convenções ou matrizes de referências da crítica, estava sendo
desrespeitado na película de Anselmo Duarte. O cinema brasileiro já era visto
como produtor de discursos críticos, como produtor de filmes de autor e A fúria
do cangaceiro teria uma gênese que não é social mas sentimental308.
307 República. 31.03.1967, p. 4. Assinada por Afonso Cautela.
308 Diário Popular. 27.11.1970, p. 4 . Assinada por José Vaz Pereira.
254
* * *
Nos comentários sobre o filme As amorosas destacam-se algumas
marcas temporais emblemáticas. Como mencionamos, o filme fora exibido em
1971 no circuito de um Festival do Cinema Brasileiro e a crítica portuguesa
ansiava por ver obras representativas deste cinema, em especial do Cinema
Novo e mais especificamente de Glauber Rocha. Os filmes de Glauber Rocha
não se fizeram presentes neste Festival e a insatisfação da crítica foi visível nos
comentários309. O fato do filme de Khouri não representar o Cinema Novo moveu
a desconfiança da crítica que, com convenções bem delineadas, esperava
menos intelectualismo e mais crítica social. Como mencionamos, Lauro António
vê o filme como fora de seu tempo e espaço. Fora, na verdade, das matrizes
sócio-políticas vigentes no pensamento da crítica cinematográfica no período.
Outra marca presente foi revelada na resenha que defendia o filme.
Afonso Cautela advoga que Walter Hugo Khouri produziu cinema de autor, com
tema e modo de feitura marcadamente pessoais, e que também por isso, As
amorosas justifica-se como uma das melhores obras exibidas durante o Festival:
Dir-se-á que os diálogos pecam e teimam em certo intelectualismo. Talvez, mas
logo neutralizado pela naturalidade dos outros, pelo calão sabiamente mesclado,
pelos silêncios, por uma conjugação diretiva de todos os elementos, síntese que
faz afinal a grande força de um autor e lhe dá marca, lhe imprime estilo, lhe
confere estatuto de tal: de autor310.
* * *
Nos comentários sobre Macunaíma, filme também exibido no Festival de
1971, as marcas temporais evidenciam um tempo em que a tomada de posição,
309 Como nos comentários dos críticos do suplemento Cena Sete, Alberto Seixas Santos, Eduardo Geada e Eduardo Prado Coelho ao relatarem que Glauber Rocha foi o grande ausente do Primeiro Festival do Cinema Brasileiro. Sobre o filme dizem eles: A pornografia mascarada com todos os tiques da modernidade intelectual de receita comercial garantida constituiu o prato forte do filme mais repelente do festival: «As amorosas» (Walter Hugo Khouri). A Capital. Cena Sete, 27.03.1971, p. 6. Assinada pelos três críticos acima citados.
310 República. 27.03.2971, p. 6. Assinada por Afonso Cautela.
255
seja ideológica (obviamente ainda encoberta por causa da censura) seja
estética, era mais visível e se acenava com mais clareza os “critérios” em que se
baseava o pensamento da crítica no período. Macunaíma foi apreciado por sua
originalidade temática e formal, um filme sem marcas de influências visíveis
(nem o Godard, nem o Fellini, nem o Antonioni, nem o Bergman) nem mesmo de
influência de grupo (Ruy Guerra retomando Glauber que se retoma a si mesmo)311 e até poderá marcar o nascimento de uma nova fase dentro do novo cinema
brasileiro312. A crítica já estava bem informada sobre as “fases” do Cinema Novo
antes mesmo dos filmes de Glauber Rocha estrearem-se em Portugal.
* * *
Em 1972, nas resenhas sobre António das Mortes, as marcas de tempo
revelam que o fato do filme apresentar de forma simbólica os conflitos sociais
brasileiros acabou por beneficiar a produção de um discurso menos politizado da
crítica que também devia explicações à censura, ainda que se percebesse uma
maior liberdade nas análises. O filme foi exibido com cortes313, mas nenhuma
referência a este fato foi vista nas críticas, denotando a ação da censura ainda
em vigor. As diversas solicitações para a exibição das obras do Cinema Novo no
circuito comercial revelavam que a crítica ainda se via privada dos filmes,
sobretudo das obras de Glauber Rocha: A apresentação deste filme do mais
famoso cineasta do cinema novo não satisfará a sede do espectador lisboeta
que pretende, ansiosamente, a comercialização de outras obras de valor que
conhece de ouvir falar e ler e advinha pelos ciclos efetuados, em dois anos
consecutivos, pela embaixada do Brasil314.
311 A Capital. Cena Sete. 27.03.1971, p.7. Assinada por Eduardo Prado Coelho.
312 Diário de Notícias. 24.03.1971, p. 8. Assinada por Carlos Pina.
313 O crítico Lauro António relata o caso na revista Celulóide anos depois: “De Glauber Rocha, um dos nomes mais importantes do Cinema Novo brasileiro, de quem os portugueses conhecem somente «António das Mortes» (que a censura fascista havia permitido com cortes e para ser exibido unicamente em sessões do cinema Estúdio, de Lisboa, e no Passos Manuel, do Porto”. Celulóide. Nº 197, Maio de 1974, p. 19.
314 A Capital. 22.03.1972. p. 16. Crítica não assinada.
256
Ainda nos comentários sobre António das Mortes, uma outra marca de
tempo aparente foi a valorização, característica do pensamento crítico da época,
do filme por sua coerência ideológica e estética315, exigida, sobretudo, nas
cinematografias que se propunham produzir cinema de invenção descolado da
imagem hollywoodiana.
* * *
As marcas de tempo presentes nas críticas sobre o homem nu evocam
primordialmente comparações entre o filme e o movimento do Cinema Novo
brasileiro. Como traço de uma crítica engajada, as resenhas publicadas em
Julho de 1973, indicaram que enquanto o Cinema Novo debruçava-se sobre a
realidade social, no filme de Roberto Santos esboça-se uma pálida e ingênua
tentativa de crítica à conduta de uma certa burguesia, (...) mas tudo isto tão leve
e acriticamente, tão permissivo e digestivo, que não fere, não choca, não colide,
não magoa, nada pondo em causa, apesar do «volte-face» final, que não é mais
do que um último recurso para salvar a face, ou remediar o irremediável316. Os
parâmetros engajados de avaliação do filme remetiam a que era necessário
afastar-se do “cinema vigente”, ou seja, ao falar de cinema vigente, devemos
entender, antes de mais, o cinema americano, na medida em que o «cinema
novo» representa primeiro que tudo a materialização da necessidade de por em
causa a linguagem e o conformismo alienantes dos filmes que, em maior
número, atingem o mercado brasileiro317.
Outra marca de tempo verificável nos comentários sobre o homem nu
remete, mais uma vez, à solicitação de uma maior exibição dos filmes do
Cinema Novo em Portugal. Lauro António declara no Diário de Lisboa: Em
Portugal além de uma dúzia de fitas vistas em festivais oficiais ou particulares
haverá que referir, em cerca de dez anos de exibição, a estreia de duas ou três
315 Afirma Lauro António na Celulóide. Nºs 178/179, Out/Nov de 1972, p. 44.
316 Diário Popular. 14.07.1973, p. 4. Assinada por Tito Lívio.
317 República. 13.07.1973, p. 6. Assinada por João Lopes.
257
obras decisivas: Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos e António das
Mortes de Glauber Rocha, sobretudo estas duas. De resto, mais nada que nos
fale desse cinema visceralmente brasileiro, integralmente sul-americano, feito
com raiva e fome318.
* * *
Importantes marcas temporais foram encontradas nas críticas a Terra em
transe. Publicadas pouco depois da Revolução de Abril, as resenhas evidenciam
o processo de queda da censura à liberdade de expressão ao exibir, por
exemplo, textos com um grau de politização acentuado. A crítica de Tito Lívio
afirma já no primeiro parágrafo: Glauber Rocha foi um dos construtores do novo
cinema brasileiro, que morreu no Brasil com a implantação da ditadura militar e o
regime censurial apertado que, desde então, ali se utilizou como instrumento de
opressão319. Além de atestar a morte do Cinema Novo, Tito Lívio utiliza
expressões que antes certamente seriam vetadas pela censura.
Outra marca revela-se no destaque da mensagem ideológica de Terra em
transe e, sobretudo, na crítica ao intelectualismo que afasta o filme de um
contato concreto com as camadas populares. Lauro António expõe ser esta
discussão extremamente proveitosa neste período da história portuguesa uma
vez que Terra em transe (onde se sente uma influência marcante da ópera e do
sinfonismo de Eisenstein) é, apesar disso (ou até por causa disso) um filme
importante e indispensável no momento actual320. E o momento era de
questionamento, de uma parcela da crítica, do cinema como instrumento de
educação para as massas.
* * *
Tal como nas críticas à Terra em transe, as resenhas sobre O leão de sete
318 Diário de Lisboa. 17.07.1973, p. 7. Assinada por Lauro António.
319 Diário Popular. 06.05.1974, p. 4. Assinada por Tito Lívio.
320 Diário de Lisboa. 07.05.1974, p. 6. Assinada por Lauro António
258
cabeças apresentam marcas de tempo bem definidas. O carregado grau de
politização do discurso situava o filme de Glauber Rocha como uma obra de
conscientização política. Para Vaz Pereira, o filme corresponde à radicalização
de Glauber Rocha e há um óbvio paralelo entre as massas populares africanas e
os explorados do seu país321. Foi necessário e urgente para a época (1975)
situar que a fita fora rodada fora do Brasil, na condição de emigrante para a qual
Glauber Rocha foi compulsivamente enviado pelo governo militar que abortou a
experiência democrática de Gourlard (sic)322, escrevia Lauro António numa
referência ao golpe militar que tirou o presidente João Goulart do poder no
Brasil.
Outra marca de tempo significativa diz respeito à reiteração de Glauber
Rocha como autor que atendia às convenções estabelecidas pela crítica de
então. Lauro António ressalta um certo tropicalismo de expressão brasileira, à
semelhança com a estética de Jean-Luc Godard e a intransigência política e
estética, como elementos que compõem o estilo glauberiano. Alem disso, após o
25 de Abril o pensamento de boa parte da crítica portuguesa exigia a presença
de filmes politizados que destinassem alguma “mensagem” aos espectadores
comuns: Seria na verdade pena – como já temos escrito mais de uma vez – que
obras como esta se destinem apenas ao consumo da minoria formada pelas
classes ilustradas323, avaliou José Vaz Pereira.
* * *
As referências à censura do filme no Brasil foram as marcas de tempo
encontradas nas recensões sobre Toda nudez será castigada, estreado em Abril
de 1976 em Lisboa. As críticas do A Capital e do Expresso não deixaram de
assinalar o interdito da obra de Arnaldo Jabor: É possível que, com o
agravamento da censura, já não se possam fazer no Brasil os filmes que dantes
321 A Capital. 10.02.1975, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.
322 Diário de Lisboa. 25.02.1975, p. 6. Assinada por Lauro António.
323 A Capital. 10.02.1975, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.
259
víamos [os do cinema novo]. Mas «Toda nudez será castigada» prova que se
podem dizer coisas muito sérias brincando324. E ainda: O filme de Jabor, que foi
um dos maiores sucessos do cinema no Brasil até ao dia em que a senhora
censura se apercebeu do alcance e do perigo do filme e decidiu usar das
tesouras325.
* * *
Já as marcas de tempo presentes nas recensões sobre o filme Dona Flor
e seus dois maridos, exibido em Setembro de 1977, indicam pela primeira vez,
referências à telenovela brasileira para questionar uma aproximação com o
cinema. Jorge Leitão Ramos menciona que E se chamo para este texto a
«Gabriela» tal deve-se apenas ao fato deste filme estar, antecipadamente
condenado ao sucesso fácil em virtude deste parentesco de atores326, referindo-
se a Sônia Braga e José Wilker, pertencentes também ao quadro de elenco de
Gabriela. Entretanto, José de Matos-Cruz salienta que Também o público
português o aceitará, tácita e imaginativamente, fazendo de «Dona Flor» um
êxito, por muitas mais razões que o fato de ser com os atores de «Gabriela»327.
As alusões à grande campanha promocional que envolveu o filme foram também
uma marca de tempo evidente nas recensões.
* * *
Em Abril de 1979, nas críticas a Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, as
também constantes referências à campanha de divulgação da fita podem ser
consideradas como marcas temporais bem definidas. Jorge Leitão Ramos afirma
que quatro salas em Lisboa, para a estreia de um filme, é que, que eu saiba, um
recorde absoluto e diz ainda que a fita teve um lançamento até agora só
324 A Capital. 09.04.1976, p. 21. Assinada por José Vaz Pereira.
325 Expresso. Revista. 23.04.1976, p. 19. Assinada por Helena Vaz da Silva.
326 Diário de Lisboa. 23.09.1977, p. 13. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
327 Diário Popular. 19.09.1977, p. 18. Assinada por José de Matos-Cruz.
260
dispensado ao grande cinema comercial americano (anúncios largos nos jornais,
rádio e TV, estreia simultânea em Lisboa e Porto em múltiplas salas e até a
presença em Lisboa do realizador, fato bastante raro...); o que se prepara parece
não ser apenas o lançamento de um filme mas de uma cinematografia
comercialmente poderosa328. Neste período, a crítica de cinema já percebia a
presença da cinematografia brasileira de outra forma, ou seja, sua presença
estava agora mais associada à indústria de filmes comerciais e ao rompimento
com a estética do Cinema Novo. Além disso, a referência à telenovela brasileira
esteve presente nos comentários: (...) «Lúcio Flávio» merece bem a atenção do
público português, que, depois de conhecer parte da realidade brasileira através
das telenovelas da TV-Globo, deve também penetrar noutros meandros do
quadro carioca329.
Anos 80
As marcas temporais presentes nas resenhas de Eu te amo, exibido em
Lisboa em 1981, caracterizaram-se, tal como em Lúcio Flávio e Dona Flor, por
referências à intensa campanha de promoção da película. Mais uma vez, Jorge
Leitão Ramos assinala que a película tornou-se um acontecimento na cidade:
capas de jornais e revistas, cartazes no metro, vinda a Portugal de Sônia Braga
e Arnaldo Jabor, recepção na embaixada para as gentes do espectáculo,
presença de Sônia Braga na televisão, enfim, tudo o que um bom técnico de
marketing podia desejar330. O modo como o cinema brasileiro entrava neste
período no mercado português não deixava margem para dúvida e este quadro
estava associado a uma conseqüente visão de perda de qualidade dos filmes,
agora considerados pela crítica muito mais como produtos culturais do que como
obras de apreciação estética. Outras marcas de tempo foram as diversas
referências à televisão e à imagem-vídeo também presentes no interior da
película. João Lopes diz com ironia que os planos “ousados” utilizados por
328 Diário de Lisboa. Sete ponto Sete. 01.06.1979, p. 3. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
329 Diário de Notícias. 30.05.1979, p. 14. Assinada por Lauro António.
330 Diário de Lisboa. 17.11.1981, p. 18. Assinada por Jorge Leitão Ramos.
261
Arnaldo Jabor para supostamente garantir a modernidade da linguagem estão
inscritos em vídeo e acrescenta que isto é tanto mais curioso quanto o vídeo
permite favorecer a idéia de uma certa “modernidade” (está na moda falar de
vídeo, não é?), completamente vazia na sua formulação331. Já no início da
década de 80, os questionamentos sobre a imagem-vídeo e sua utilização no
cinema eram temas discutidos na agenda dos críticos na época.
* * *
As recensões acerca de Pixote, a lei do mais fraco em 1982 deixaram
marcas de tempo que seguem a esteira das marcas encontradas desde fins da
década de 70. Ou seja, o cinema brasileiro é visto agora num contexto de
tentativa de ampliação de mercado, com mais maturidade para alguns críticos e
para todos distante dos ideais do Cinema Novo: Com Pixote o cinema do Brasil
dá mais um passo indesmentível na conquista de mercados internacionais (...)332
afirma a crítica do Diário de Notícias. Jorge Leitão Ramos, no Diário de Lisboa,
expressa: Não é já a lição do cinema novo de Glauber, Guerra, Diegues. É
ainda, porém, uma estética da fome, urbana333.
* * *
As marcas temporais nos comentários acerca de Bye Bye, Brasil,
publicados também em 1982, indicam semelhantes referências feitas pelos
críticos em relação à “expressiva” presença de filmes brasileiros no circuito
comercial português e a busca desta mesma cinematografia pelo sucesso
comercial tanto a nível interno como no plano internacional. Esta busca não está
dissociada do novo espírito que os cineastas do novo cinema refletem,
afastando-se de um elitismo de propostas, excessivamente hermético na sua
331 Expresso. Actual. 14.11.1981, p. 25. Assinada por João Lopes.
332 Diário de Notícias. 02.03.1982, p. 22. Assinada por Lauro António
333 Diário de Lisboa. 26.03.1982, p. 20. Assinada por Jorge Leitão Ramos
262
formulação (...)334. Para alguns críticos, esta saída era um sinal de maturidade
de uma cinematografia que desejava ampliar seus mercados, mas para outros
revelava também o preço a pagar por esta aspiração: a perda de qualidade.
Manuel S. Fonseca afirma que, apesar da dominação dos filmes americanos no
mercado português, o cinema brasileiro vem, degrau a degrau, subindo as
escadarias (triunfais ou decrépitas?) da exibição em Portugal. (Por influência do
comum patrimônio lingüístico, dirão os paladinos da causa luso-brasileira, por
influência das discutidas (agora menos) telenovelas, pensarão os mais cépticos)335. Com dois títulos em cartaz no mesmo mês (Pixote e Bye Bye, Brasil), o
cinema brasileiro era visto de forma diferente, ainda que a relação com o Cinema
Novo fosse referida em algumas resenhas. Miguel Esteves Cardoso, no JL,
intitula sua crítica de Bye Bye Cinema Novo, alô alô Carlos Diegues. O mesmo
crítico questiona a convenção, um credo paternalista (e aflitivamente
etnocentrista) segundo o qual existem dois tipos de filmes bons: aqueles que são
realmente bons, e aqueles que são bons porque são «étnicos»336. O crítico
classifica o filme na primeira categoria, mas a visão de “exotismo” atribuída a
cinematografias do terceiro-mundo vigente desde os anos 60 parece ter se
mantido como convenção.
* * *
Em Março de 1986, nas recensões a propósito de O beijo da mulher
aranha, a tentativa de internacionalização do cinema brasileiro foi mais uma vez
destacada pela crítica na imprensa. João Lopes no Expresso comenta: Assinale-
se, porém, que este [O beijo da mulher aranha] é seguramente, um dos mais
importantes projectos para a projeção internacional do cinema brasileiro337.
Outra marca de tempo recorrente desde os anos anteriores, foi a referência à
334 Diário de Notícias. 06.04.1982, p. 24. Assinada por Lauro António.
335 Expresso. Revista. 03.04.1982, p. 31-R. Assinada por Manuel S. Fonseca.
336 Jornal de Letras Artes e Ideias. No 30, 13 a 26.04.1982, p. 29. Assinada por Miguel Esteves Cardoso.
337 Expresso. Revista. 08.03.1986, p. 4-R. Assinada por João Lopes.
263
atores da telenovela brasileira: Sônia Braga, popularíssima entre nós desde as
telenovelas «Gabriela», «Dancin’Days» é um dos nomes de cartaz de «O beijo
da mulher aranha», um filme dirigido por Hector Babenco, produzido por
americanos e que chega a nós envolto em grande fama338.
* * *
Não foram observadas muitas marcas de tempo nos comentários acerca
de Ópera do malandro, publicados em Junho de 1987. Entretanto, uma marca
bastante significativa foi visível na resenha de João Lopes e remetia para dois
indícios. O primeiro dizia respeito ao “olhar exótico” sobre o cinema brasileiro e o
segundo a decepção com o Ruy Guerra atual (de 1987), em comparação com o
Guerra participante do movimento do Cinema Novo: Ora, é difícil sustentar um
discurso coerente quando pouco mais se tenta do que imitar tal sistema [o do
musical americano], acrescentando-lhe umas pinceladas de exotismo brasileiro.
Estamos longe do melhor de Ruy Guerra, nomeadamente neste filme telúrico
que era Os Fuzis339.
Anos 90
Em 1996, importantes marcas de tempo foram observadas nas resenhas
sobre O quatrilho. Depois de vários anos sem exibições de filmes brasileiros em
Lisboa devido ao desastre da política cultural do governo do presidente
Fernando Collor no Brasil, o filme chega a Portugal com a marca de candidato
ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O crítico Manuel Cintra Ferreira registra
esta informação para os leitores: O Quatrilho (...) surge num momento especial,
numa altura em que a pouco e pouco o cinema brasileiro vai recuperando da
crise em que mergulhara (...). O sucesso de O Quatrilho e de outros poucos
filmes feitos em 1995 está na origem de um novo «boom» de cinema
338 A Capital. 06.03.1986, p. 25. Assinada por José Vaz Pereira.
339 Diário de Notícias. 17.06.1987, p. 60. Assinada por João Lopes.
264
brasileiro340. Mas a marca de tempo mais significativa foi a referência à influência
da estética telenovelesca do filme, traço comum em todas as resenhas: Antes de
mais refira-se que estamos perante uma obra genuinamente brasileira, mas que
pouco tem a ver com o cinema deste país nos áureos anos 60. Denunciando
uma forte influência da produção televisiva, cai em muitos dos processos desta
outra vertente de produção, sem, no entanto, se deixar afogar totalmente nos
efeitos mais característicos341. Ainda na crítica do jornal A Capital outro indício foi
deixado quando Francisco Perestrello diz que se vive um período de verdadeira
invasão das famigeradas telenovelas342. O retrato de um cinema de tez
comercial e influenciado pela televisão já estava fortemente colado ao cinema
brasileiro dos anos 90.
* * *
Três anos depois, em 1999, semelhantes marcas foram encontradas nas
resenhas a propósito de Amor & Cia. Permanecem as referências às telenovelas
enquanto modelo para a linguagem do novo cinema brasileiro e a imagem dos
atores associados ao folhetim: (...) e Patrícia Pilar em Ludovina, cuja
interpretação não se liberta das suas personagens de telenovela343. Outra marca
de tempo indicou a criação da FBF filmes, uma nova distribuidora com sede no
Porto que co-produziu o filme e foi vista pela crítica como uma tentativa de
romper o cerco monopolista das grandes distribuidoras num período de grande
expansão do mercado de salas de cinema em Portugal. Registra o crítico do
Público: No momento em que abrem cada vez mais salas, e com mais
sofisticadas meios técnicos, assistimos também, paradoxalmente, a um
afunilamento do mercado344, refere o crítico em relação à pouca exibição de
filmes não hollywoodianos em Portugal.
340 Expresso. Revista. 23.11.1996, p. 9-R. Assinada por Manuel Cintra Ferreira.
341 A Capital. 26.11.1996, p. 40. Assinada por Francisco Perestrello.
342 A Capital. 26.11.1996, p. 40. Assinada por Francisco Perestrello.
343 Expresso. Cartaz. 08.05.1999, p.13. Assinada por António Cabrita.
344 Público. Artes e Ócios. 07.05.1999, p. 8. Assinado por Mário Jorge Torres.
265
* * *
Ainda em 1999, Central do Brasil estreou-se em várias salas antecedido
por uma intensa campanha de marketing que incluía a divulgação dos prêmios
ganhos em festivais internacionais. Importantes marcas de tempo foram
constatadas nas resenhas sobre o filme, dentre elas referências à atual situação
do cinema brasileiro e sua mudança de enfoque. Eurico de Barros registra a
crise e a origem de uma nova atitude no cinema brasileiro mas que nada tem a
ver com o Cinema Novo: Se é verdade que a produção de filmes no Brasil
regressou da vizinhança do reino dos mortos na segunda metade da década de
90, e que Central do Brasil é o exemplo de sucesso desse regresso, é também
preciso ter o sentido das proporções e não desatar a evocar o Cinema Novo dos
anos 60 e 70345. Outras alusões ao saudoso Cinema Novo dos anos 60 foram
referidas sempre em comparação ao filme de Walter Salles: Da força telúrica do
universo de Glauber nem sombra; do olhar acusador dos primeiros filmes de
Nelson Pereira dos Santos (como o perturbante “Vidas Secas”), ou de Ruy
Guerra (da crueza de “Os Fuzis” à ironia de “Os Deuses e os Mortos”) nem o
mais leve resquício346.
Outras marcas nas resenhas igualmente fizeram referências ao modelo de
“estética de telenovela” adotado no filme e mesmo aqueles que não viam
semelhança entre a estética do filme e a estética das telenovelas não deixaram
de fazer alusões ao tema, como Francisco Ferreira no Expresso: Este filme está
longe de ser uma telenovela mas partilha os mesmos compromissos daquela:
ser um objeto raso que possa espreitar todos os mercados347. E, sobretudo,
Francisco Perestrello, quando afirma que, Mas não haja ilusões; tal não
corresponde, felizmente, a qualquer aproximação à telenovela, fenômeno que
mais contribuiu para aniquilar o cinema brasileiro em Portugal348. Francisco
345 Diário de Noticias. Artes e Multimédia. 14.05.1999, p. 46. Assinada por Eurico de Barros.
346 Público. Artes e Ócios. 14.05.1999, p. 6. Assinada por Mário Jorge Torres.
347 Expresso. Cartaz. 29.05.1999, p. 17. Assinada por Francisco Ferreira.
348 A Capital. 14,05.1999, p. 33. Assinada por Francisco Perestrello.
266
Perestrello também deixa registrada a má acolhida da crítica a Central do Brasil:
Em Portugal, pelo que se vai ouvindo, o filme arrisca-se a levar uma grande
«sova» de boa parte da crítica (...). Vai longe o tempo das grandes obras de
Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha e tantos outros que fizeram as
delícias dos jovens cineclubistas... que hoje são sexagenários349.
* * *
Por fim, foram verificadas poucas marcas de tempo nos comentários
sobre O Escorpião escarlate, exibido logo depois de Central do Brasil. Estes
vestígios indicam os registros da pequena vaga de cinema brasileiro a estrear
nas salas portuguesas em 1999350. De fato, num só mês de Maio estrearam-se
três filmes brasileiros, tendência interrompida nos meses seguintes. Outra
referência encontrada diz respeito à estréia do Canal Brasil, canal de TV a cabo
cuja programação incide essencialmente na divulgação do cinema brasileiro: (...)
mais quando cruzado com os filmes que habitualmente passam no nosso país
do que ser comparado com o cinema sul-americano, designadamente o
brasileiro, onde abundam as obras insólitas que agora podem ser conhecidas
pelo público em geral no Canal Brasil351.
2. As marcas de espaço
Anos 60
Os espaços internos destinados à escrita da crítica de O pagador de
promessas foram diferenciados nos espaços institucionais. As revistas
forneceram um ambiente amplo para a análise do filme, inclusive com exibição
de fotos, além de disponibilizar uma cobertura do festival de Cannes (caso da
349 A Capital. 14,05.1999, p. 33. Assinada por Francisco Perestrello.
350 A Capital. 28.05.1999, p. 57. Assinada por Francisco Perestrello.
351 A Capital. 28.05.1999, p. 57. Assinada por Francisco Perestrello
267
revista Filme). O Jornal de Letras e Artes também ofereceu um bom espaço para
a crítica de José Vaz Pereira. Já os jornais diários seguiam a regra da rapidez e
da objetividade da informação, dedicando poucos parágrafos em páginas mal
diagramadas e com excessos de textos sobre os mais diversos campos da
cultura como circo, música, rádio e teatro, com divisões pouco nítidas nas
colunas. Aliado a isto, grandes anúncios dos mais variados filmes preenchiam
por vezes quase todo o espaçamento da página nos jornais.
* * *
As marcas de espaço nas resenhas de Assalto ao trem pagador não
foram muito diferentes. Nos jornais a confusão visual da página permanece e os
anúncios, por vezes, crescem em tamanho. Os textos de crítica a produtos da
cultura mantém-se misturados com as seções internas embaralhadas. A revista
Plateia oferece crítica a quase todos os filmes do festival e oferece um espaço
razoável para Assalto ao trem pagador.
* * *
Com relação a Vidas secas, os jornais e revistas igualmente
apresentaram diferenças quanto ao tamanho disponibilizado para a escrita da
crítica. As revistas dedicaram um espaço maior para as críticas (incluindo
fotografias), ainda que a maior resenha tenha sido aquela publicada pelo jornal
República. Os outros jornais cumpriram a tarefa básica de fornecer espaço para
alguns parágrafos no mesmo ambiente de excesso de textos sobre outras
variadas críticas culturais.
Anos 70
Relativamente a A fúria do cangaceiro, já começa a ser visível o primeiro
sinal de mudança gráfica nas colunas dos jornais. O espaço permanece
pequeno, mas agora melhor delineado no contexto da página. As fontes das
letras aumentaram em tamanho, as seções estão mais bem divididas, facilitando
268
a leitura das críticas. As revistas também apresentam mudança no visual. No
caso da Plateia, o espaço dedicado às críticas de filmes tornou-se menor e as
resenhas ficaram encurraladas numa seção chamada Guia do espectador.
* * *
Não há uma alteração significativa em relação à análise das marcas de
espaço nas críticas sobre As amorosas. A exceção é que aparece um
suplemento semanal dedicado exclusivamente ao cinema, denominado Cena
Sete e apresentado pelo jornal A Capital. A revista Celulóide fez uma grande
cobertura do 1º Festival de Cinema Brasileiro, mas dedicou poucos parágrafos à
crítica do filme.
* * *
As mesmas observações podem ser ditas em relação ao posicionamento
das críticas nos jornais e revistas sobre Macunaíma, uma vez que as resenhas
foram publicadas no mesmo período e nos mesmos espaços institucionais das
As amorosas.
* * *
Já no que diz respeito às resenhas sobre António das Mortes, a revista
Plateia, apesar de manter um reduzido espaço para a coluna de críticas Guia do
espectador, fornece pela primeira vez o quadro de estrelinhas com suficiente (*),
bom (**) e ótimo (***), para os critérios argumento, realização e interpretação. O
filme recebe o somatório de oito estrelas, com valor de excelente. No quesito
espaço, nos jornais mantém-se o quadro da década.
* * *
Nos espaços de publicação das resenhas sobre o homem nu, verificou-se
um enquadramento gráfico mais definido no jornal Diário de Lisboa, agora com
269
uma coluna assinada (Lauro António) dedicada exclusivamente à crítica de
filmes, que antes era compartilhada com resenhas sobre outras artes. O diário
República também segue a mesma linha de mais espaço e melhor
empenhamento gráfico compartilhado com crítica de televisão. O Diário de
Notícias é o jornal onde o espaço dedicado às críticas, diminuto graficamente,
parece não ter sido alterado neste período.
* * *
Nas críticas sobre Terra em transe não foram visíveis mudanças
substanciais com relação ao seu posicionamento no espaço interno das
publicações. O Diário de Lisboa mantém sua coluna assinada por Lauro António
e o Diário Popular permanece com a seção Depois das nove, assinada por Tito
Lívio. No quesito revistas, a Celulóide dá um pequeno destaque espacial para
Duas estreias finalmente autorizadas: O Couraçado Potemkine e Terra em
transe352.
* * *
Nenhuma alteração nas publicações diárias sobre O leão das sete
cabeças. Entretanto, as críticas de cinema ganham espaço no semanário
Expresso ainda que de modo tímido no suplemento Expresso Revista, na coluna
Selecção crítica da semana assinada por José Vaz Pereira.
* * *
Em 1976, ano de publicação das recensões sobre Toda nudez será
castigada, a revista Celulóide muda de papel (passa para papel jornal) e diminui
o número de páginas, apesar de aumentar o tamanho delas. O Expresso Revista
continua com seu tímido espaço para as críticas, seção agora coordenada por
Helena Vaz da Silva. No que diz respeito a outras publicações (A Capital e Diário
352 Celulóide. Nº 197, Maio de 1974, p.19. A resenha sobre Terra em transe, também assinada por Lauro António, é rigorosamente igual à publicada pelo mesmo autor no Diário de Lisboa.
270
de Lisboa), o espaço de posicionamento interno das críticas permanece o
mesmo.
* * *
Relativamente à Dona Flor e seus dois maridos não foram verificadas
grandes alterações quanto ao espaçamento interno das críticas nas publicações
nem diferenças quanto ao espaço dedicado a elas entre a revista (Celulóide) e
os jornais (Diário de Lisboa, Diário Popular e Diário de Notícias).
* * *
Nos espaços dedicados às críticas sobre Lúcio Flávio, o passageiro da
agonia, a entrevista com o realizador ganhou relevância significativa nas páginas
de todos os jornais avaliados (Diário de Lisboa - suplemento semanal Sete ponto
Sete - Diário de Notícias e Diário Popular)353. Aliadas à promoção de lançamento
do filme, grandes fotos também ganharam destaque nas páginas das
publicações.
Anos 80
O destaque dado a grandes fotografias permaneceu nas publicações
diárias e semanais em 1981, sobretudo no jornal A Capital. Os títulos
sensacionalistas para as resenhas de Eu te amo como Festival Sônia Braga em
“Eu te amo”. Filme-choque vai impor de vez o cinema brasileiro?, assim como as
fotos, ocupavam o espaço maior da página em detrimento do texto. Por outro
lado, vimos no Expresso, o suplemento Actual passou a disponibilizar mais
linhas para a crítica de cinema.
353 Outros jornais como o Correio da Manhã e A Capital também deram destaque à entrevista, a ponto de não apresentarem a crítica do filme, somente a entrevista.
271
* * *
Não foram verificadas alterações em relação ao posicionamento das
resenhas acerca de Pixote, a lei do mais fraco nas páginas dos periódicos. A
revista Celulóide dedicou um espaço menor para análise do filme em
comparação com os principais jornais e o JL manteve seu espaço de uma
página para as críticas de filmes.
* * *
Em relação a Bye Bye, Brasil, percebe-se agora uma melhor disposição
do texto e das fotografias no espaço da página o que facilita a procura e
visualização da crítica pelo leitor. O Diário de Notícias manteve o seu
conservadorismo em termos de programação visual misturando crítica de
literatura, cinema, teatro e televisão numa só página. A revista Celulóide
conservou seu espaço reduzido enquanto que no JL e no Expresso o número de
linhas para as recensões foi bem maior.
* * *
1986, ano de exibição do O beijo da mulher aranha, o espaço dedicado às
críticas no Diário de Notícias ampliou-se e a programação visual do jornal
mudou, apresentando sinais de modernidade gráfica. O suplemento Sábado
Popular, publicado no Diário Popular, dedicou duas páginas inteiras à avaliação
do filme, embora uma página só com crônicas de bastidores. A Capital manteve
as grandes imagens fotográficas e os grandes títulos sensacionalistas: Sônia
Braga não chega para ajudar evasão!
* * *
O posicionamento da resenhas acerca de Ópera do malandro nos jornais
e semanários não mudou muito em relação aos anos anteriores. Vale salientar,
entretanto, que a programação visual da página (com pouco espaço para texto e
272
muito para as imagens) foi verificada, sobretudo nos diários Correio da Manhã e
A Capital. Já nos semanários, ocorreu o inverso e o Expresso (Cartaz) contou
também com um quadro de classificação por meio de estrelas: o filme em
questão recebeu uma (João Lopes) e duas (Augusto M. Seabra).
Anos 90
Em 1996, época da exibição de O quatrilho, as marcas de espaço
verificadas já indicam uma melhoria considerável na programação visual do
Diário de Notícias, cujas resenhas estão agora numa editoria intitulada Artes e
Multimédia. Em Novembro deste mesmo ano observa-se uma mudança radical
no padrão do jornal, que troca o formato standard pelo tablóide. Este formato
será predominante nos diários na década de 90, à exceção do semanário
Expresso que manteve o standard, ainda que as resenhas fossem publicadas no
suplemento (Actual) cujo modelo era o tablóide.
* * *
Em 1999, época da exibição de Amor & Cia, destaca-se a editoria Artes e
Ócios do jornal Público, reconhecido pelo seu bom gosto no grafismo. É dado
um espaço considerável (uma página com fotos) para crítica de cinema no diário.
Os outros periódicos mantêm o padrão da década de 90.
* * *
Nas páginas das publicações (Expresso, Público, A Capital, Diário de
Notícias e Correio da Manhã) acerca de Central do Brasil, as grandes imagens
fotográficas destacaram-se, ganhando por vezes mais espaço que os textos.
Todos os periódicos deram realce para a crítica do filme e utilizaram pelo menos
uma página para a resenha e as fotos. O Expresso também exibiu uma
entrevista com o realizador e dedicou duas páginas para a entrevista e crítica.
273
* * *
Por fim, em relação a O escorpião escarlate, não houve alterações
significativas nas páginas, uma vez que as resenhas foram publicadas uma
semana após as precedentes. Desse modo, manteve-se a composição de
espaço para fotografias aliadas a pequenos textos (A Capital e Correio da
Manhã).
274
Resultados das análises
Se Perelman (1996) expressa que os argumentos deveriam sempre ser
julgados em relação ao contexto em que se inserem, a observação
particularizada das marcas retóricas e contextuais nas resenhas sobre filmes
brasileiros só vem provar esta incontornável afirmativa. Durante a década de 60,
as marcas de valor identificadas nas resenhas de jornais e revistas portuguesas
indicam uma larga superioridade de juízos positivos acerca dos filmes
brasileiros. A boa recepção da crítica portuguesa aos filmes brasileiros só vem
confirmar nossa análise sobre como, na década de 60, os condicionantes
históricos vividos em Portugal e Brasil dialogaram com a crítica de cinema.
Estas avaliações favoráveis foram sustentadas predominantemente por
argumentos da ordem do conteúdo dos filmes, sobretudo nas resenhas
provindas dos jornais diários. Os critérios utilizados pelos críticos para tal juízo
privilegiaram os aspectos semânticos ou aquilo que os filmes deixaram como
“mensagem” para o espectador. E, apesar dos filmes brasileiros apresentados
nesta década evocarem mensagens de crítica social e política fortes, a crítica
lusa foi obrigada a optar pela precaução no texto devido à censura da escrita. A
identificação destas marcas tornou visíveis textos cujos discursos
argumentativos apoiaram-se preferencialmente em critérios de conteúdo. Mas,
ao mesmo tempo, por condicionantes históricos da época, tiveram que limitar
estes critérios através de uma linguagem politicamente mais cautelosa, embora
sem deixar de fazer referência ao extrato do tema.
As alegações da crítica de cinema na década de 60 não deixaram de
revelar a importância, ainda que em segundo plano, também dos critérios de
forma, pensados a partir de uma concepção realista da imagem. Os “novos”
275
filmes brasileiros usavam cenários naturais em contraste com o cinema de
estúdio, tinham uma duração mais lenta e buscavam explicitar a fragmentação
do espaço e tempo diegéticos. Eram diferentes, exóticos e críticos em relação à
continuidade e ao ilusionismo narrativo do cinema industrial. Ainda a salientar o
fato destes critérios formais serem mais visíveis nas publicações especializadas
do período.
Como conclusão sobre as marcas de estratégias de persuasão das
críticas dos anos 60, verificamos que vários elementos foram utilizados para
convencer ou mesmo mobilizar o leitor para a assistência ao filme tratado. A
composição da estrutura das resenhas atendeu ao quadro esquemático de
Bordwell354; os estilos de escrita variaram de acordo com as instituições
(especializadas e não especializadas), mas foi o emprego de adjetivos (neste
caso para qualificar positivamente os filmes) que causou maior impacto e
reclamou uma emotividade do leitor. A estrutura persuasiva dos discursos
mobilizou a atenção dos leitores para as novas películas brasileiras e ficou
registrada nas resenhas como marcas de um diálogo entre o texto, o leitor e a
época.
Em consonância com a época, as marcas encontradas remetem para
processos argumentativos que contextualizavam o Cinema Novo em Portugal,
quer através da introdução de informações sobre o novo movimento quer por via
da valorização de uma estética que privilegiava a sensação de “verdade” da
imagem cinematográfica. As marcas de contexto verificadas indicavam uma
preocupação dos críticos em situar historicamente esta nova cinematografia para
o leitor português, preocupação também associada à solicitação de mais filmes
do Cinema Novo no mercado luso. Foram observados vestígios de convenções
interpretativas que sinalizavam a valorização do cinema de autor e de
cinematografias nacionais consideradas “radicais”, “exóticas”, que se opusessem
à produção do tipo linha de montagem de fácil comunicação com o público vista
no cinema norte-americano.
354 Como referimos na primeira parte da tese, Bordwell traça uma sequência de ordem variável correspondente a sinopse - juízo – argumentação – reafirmação do juízo.
276
Paralelamente a isto, no plano do espaço onde as resenhas foram
publicadas, constatamos uma nítida divisão entre os espaços dedicados à crítica
entre revistas e jornais desta fase. Nas revistas (com fotografias) o espaço era
maior e a página recebia um melhor tratamento visual, enquanto nos jornais
eram dedicados poucos parágrafos em páginas com grandes anúncios (cartazes
de filmes) e muitos textos embaralhados por diversas seções que cobriam toda a
agenda cultural do periódico.
Nos anos 70, o cinema brasileiro ainda gozava de um certo prestígio, não
tão unânime quanto fora na década anterior, mas a avaliação da crítica
registrada nas resenhas continuava a ser bem positiva, sobretudo em relação
aos filmes de Glauber Rocha. Contudo, ficou marcada uma alteração na
apreciação das obras brasileiras que agora também contava com juízos de valor
negativos.
Verificamos, através da identificação das marcas, que esta alteração
derivou de condicionantes variados que atuaram na forma como o cinema
brasileiro foi visto pela crítica. Constatamos que as diversas justificações
argumentativas fornecidas para os julgamentos dos críticos continuaram sendo
sustentadas por aspectos relacionados ao conteúdo dos filmes, só que, nesta
fase, houve várias mudanças de enfoque condicionadas pelo horizonte de
expectativas da crítica em cada momento distinto. Assim, em vista desta
heterogeneidade podemos averiguar que a crítica alegou falta de compromisso
com a “mensagem” do Cinema Novo (para os juízos negativos e mistos) e
compromisso com a “mensagem” do Cinema Novo (para os juízos positivos). A
partir de 1974, o discurso da crítica politizou-se e as suas justificativas para
atribuição de valor dos filmes também. Os filmes de Glauber Rocha, todos com
apreciação positiva, foram elogiados por suas mensagens político-
revolucionárias capazes de levar consciência crítica para as massas, ainda que
se questionasse o “intelectualismo” das películas de Glauber.
Outra mudança verificada foi que a partir de 1977 a crítica argumentou
contra a modificação da temática dos filmes brasileiros, agora mais voltados para
277
o seu projeto de comunicação com o grande público. Os elementos estéticos
evocados preferencialmente nas resenhas remetem igualmente para as matrizes
de referências do Cinema Novo, como uma fotografia realista, o rompimento com
a lógica comum da ficção, o naturalismo na interpretação dos atores ou a
contribuição musical original. Após 1977, a investigação das marcas deixa clara
a influência (leia-se nociva) da estética televisiva no cinema brasileiro.
Constatamos também uma mudança nas estratégias de persuasão, ainda
que a organização dos discursos críticos e o apelo ao pathos do leitor pelo
emprego exagerado de adjetivos continuassem. As marcas indicaram o
surgimento de textos mais incisivos, eloqüentes, com forte personalidade,
eruditos e com o carimbo da assinatura que demonstrava maior carga de
autoridade para com o leitor. No período posterior a 1974, os discursos
mostraram-se carregados de uma “agressividade política” e a utilização de
expressões de sentido maniqueísta como ditadura x democracia, censura x
liberdade, consciência x alienação constituía o estilo da época. A recorrência a
exemplos e ilustrações, sobretudo através de descrição das cenas e diálogos
nos filmes, foi também outra marca retórica presente nas resenhas da década de
70. Averiguamos, com certa surpresa, que as diferenças de estilo nos espaços
institucionais (especializados e não especializados) não foram observadas nesta
fase e em alguns casos as publicações diárias revelaram uma escrita com maior
profundidade e análise do que as revistas (Celulóide e Plateia).
As marcas de contexto apontaram para uma censura ainda em ação no
início da década de 70, com várias referências nas resenhas de críticos exigindo
mais exibições de filmes do Cinema Novo brasileiro, sobretudo os de Glauber
Rocha, que só viriam efetivamente a ser apresentados a partir de 1972355. As
marcas indicaram também que as matrizes estéticas e políticas da crítica de
cinema continuavam fortemente sustentadas pelos critérios de defesa de um
cinema de autor que promovesse a importância cultural do cinema enquanto arte
cinematográfica. Para a crítica, os bons filmes deveriam ter coerência ideológica
355 O filme António das mortes foi exibido em 22.03.1972 na 1a Retrospectiva do Cinema Brasileiro em Lisboa e alguns meses depois, no circuito comercial em 13.10.1972.
278
e estética. Os registros de tempo no final da década remetem ainda para a
presença (cada vez mais incômoda) das telenovelas brasileiras e de filmes
acompanhados de grandes campanhas de publicidade que marcavam a sua
estréia no mercado português.
Verificamos, ainda nos anos 70, sinais de alterações gráficas nos jornais,
sobretudo a partir de 1974. Um espaço maior em número de parágrafos foi
reservado às resenhas que agora gozavam de seção específica dentro da
página. Este espaço era variável entre os jornais, semanários e revistas. Mas as
revistas, estranhamente dedicavam um número menor de parágrafos em relação
aos jornais. No final da década, as entrevistas e grandes fotografias ganharam
aspecto marcante nas editorias de cultura.
A investigação das resenhas nos anos 80 compreende já um decréscimo
significativo de juízos positivos acerca dos filmes brasileiros exibidos em Lisboa.
Seguindo a tendência do final dos anos 70, as avaliações da crítica traziam a
lume a nova atitude do cinema brasileiro, baseada na diversidade temática e no
rompimento com a tradição do Cinema Novo.
As marcas indicavam alegações de valor mistas, quer de conteúdo quer
estéticas, sobretudo com o reconhecimento da tônica comercial adotada nesta
fase da cinematografia brasileira, que apelou a grandes massas de espectadores
com temas que tratavam desde a hipocrisia moral com fortes tintas de sexo,
passando pela crítica social e marginalidade infantil até à ópera musical. Para a
crítica, as temáticas se distanciavam do Cinema Novo e as opções estéticas
adotadas pelos realizadores só eram bem avaliadas quando se aproximavam ou
dialogavam com a escaldante realidade sócio-cultural brasileira. Os registros dos
critérios de conteúdo e de forma utilizados na argumentação para atrair ou
afastar o leitor do filme demonstraram diferenças entre as instituições: os jornais
diários se inclinaram mais para uma apreciação positiva dos filmes, enquanto os
comentários do Expresso e do JL foram marcados por avaliações negativas.
Quanto às estratégias de persuasão, não constatamos grandes
alterações, particularmente em relação àquelas utilizadas em finais dos anos 70.
279
O discurso de adjetivação, o uso de exemplos e ilustrações para a descrição das
cenas e seqüências dos filmes visavam um forte poder de atração do leitor bem
como, principalmente a descrição pormenorizada da narrativa do filme, que por
vezes ocupava quase todo o espaço dedicado à crítica. Verificamos também,
neste período, uma visível diferença entre as resenhas publicadas nos jornais
diários e aquelas vistas no Expresso e JL. Estas últimas mantiveram um tipo de
escrita mais “erudita”, com os textos bem construídos aproximando-se do
formato do ensaio ou crônica, o que certamente revestia de autoridade os
produtores dos discursos e também definia o exercício de uma significativa
influência junto dos leitores especializados destas publicações.
Ainda nos anos 80, as marcas de tempo sinalizaram as transformações
vividas nos meios de comunicação portugueses, transfiguradas na presença de
uma indústria de bens culturais brasileira que atuava nas áreas cinematográfica
e televisiva. Os registros indicam certo desagrado da crítica com as intensas
campanhas de marketing associadas aos lançamentos de filmes brasileiros com
atores conhecidos das telenovelas. Constatamos que os elementos estéticos e
temáticos vistos nos filmes brasileiros desde o final da década de 70 já não se
coadunavam com as matrizes de referências preferenciais da crítica. Assim, a
imagem do cinema brasileiro distanciava-se cada vez mais do Cinema Novo e
aproximava-se da estética televisiva e dos folhetins.
Investigamos ainda nesta fase a preferência dada às grandes fotografias
ou reproduções de fotogramas de filmes em detrimento do texto propriamente
dedicado à crítica, sobretudo nos jornais diários, ao contrário do que pôde ser
examinado nas publicações como Expresso e JL. Já nessa década, vê-se
presente a ação mais intensa das assessorias, das distribuidoras, que conjugam
com o material de divulgação dos filmes as grandes entrevistas com realizadores
e atores.
Refletindo a crise que se abateu sobre o cinema brasileiro no início da
década de 90, pouquíssimos filmes foram apresentados no circuito comercial
português entre 1990 e 1995. A partir de 1996, época da chamada retomada do
280
cinema brasileiro, a produção volta, aos poucos, a crescer e os filmes retornam
ao mercado português. Neste período, a identificação das marcas de valor nas
resenhas aponta para avaliações predominantemente negativas da crítica lusa.
Os críticos estavam descontentes com o rumo tomado pelo cinema brasileiro nos
anos 80 e dos quatro filmes mais resenhados, apenas um (Bye Bye, Brasil) teve
boa acolhida da crítica.
Nas marcas justificativas de valor, verificamos argumentos sustentados
tanto nos aspectos estéticos como nos de conteúdo dos filmes, mas que
possuíam em comum o fato de estarem sempre relacionados à influência do
modelo das telenovelas no cinema brasileiro. O apelo ao melodrama, a
representação “televisiva” de atores já muito vistos em telenovelas, a
despolitização dos temas, os mecanismos narrativos que estetizam a miséria
vigente na sociedade e que se afastam da tradição cinemanovista, são
alegações recorrentes da crítica para atribuir juízos negativos às mais recentes
películas brasileiras. Os leitores se deparam nesta fase com críticas
contundentes a este cinema produzido no Brasil nos anos 90 e são levados a
refletir sobre o papel das telenovelas nesta avaliação negativa.
Constatamos também que neste período as estratégias de persuasão
ganham características como o fornecimento de informações “acessórias” para o
leitor, que acabam por ser incorporadas na própria prática da crítica de cinema.
Estas informações - extrínsecas à análise - são dados sobre o diretor e
protagonistas do filme, assuntos ligados à produção (montante investido e
produtoras envolvidas) e curiosidades sobre os bastidores da obra. Estes dados,
bastante utilizados nos dias atuais, cercam o leitor de estatísticas e informações
promocionais sobre os filmes. Manteve-se a grande carga de adjetivos, usados
de um modo geral para desqualificar as obras e convencer os leitores de que os
filmes brasileiros da década continuam a ser muito próximos das telenovelas e
muito distantes do Cinema Novo.
Em meados da década de 90, as marcas de tempo indicavam a
superação da crise em que o cinema brasileiro estava atolado, com referências
281
às indicações e prêmios ganhos em festivais internacionais. Não obstante, estas
referências vinham acompanhadas pelo retrato de uma cinematografia de teor
comercial e, como mencionamos, fortemente influenciada pela televisão. As
telenovelas tinham-se tornado um paradigma para a crítica e continuavam
demarcando o modelo de linguagem do novo cinema brasileiro. Nos registros
também ficou patente a expansão do mercado exibidor em Portugal, que
privilegiou sobremaneira os filmes da indústria de Hollywood em comparação
com os filmes de outras nacionalidades, até mesmo europeus.
Por fim, os vestígios dos espaços constituídos nas críticas remetem para
a mudança na programação visual dos jornais diários, a maioria deles adotando
o formato tablóide (seguindo a tendência do jornalismo europeu para conseguir
atingir públicos mais jovens), à exceção do Expresso que continuou com o
modelo Standard, embora nos suplementos que incluíam as críticas de cinema
(Cartaz e Actual), o formato tablóide fosse o dominante. O espaço dedicado à
crítica, entretanto, por vezes ficou menor uma vez que passou a ser disputado
com as grandes fotografias fornecidas pelas empresas de divulgação dos filmes.
A proposta de identificação de marcas retóricas e contextuais objetivou o
contato com o horizonte de expectativas da crítica de cinema lusa, contato este
secionado por décadas mas que não pretendeu uma divisão estanque, antes
aspirou a estabelecer um modo de leitura pragmático para a nossa investigação.
O exame das críticas por décadas permitiu a visualização temporal da evolução
do discurso da crítica de cinema, que teve como marco, sem dúvida, os meados
dos 60, quando parece ter sido superado o exclusivo impressionismo anedótico
vigente e os critérios de avaliação ficaram mais bem definidos. A análise das
marcas permitiu também compreender as transformações porque passou a
avaliação sobre o cinema brasileiro ao longo destas últimas quatro décadas e
suas implicações quanto aos juízos estéticos fornecidos pela crítica de cinema.
Ao examinarmos estas resenhas críticas comprovamos nossas hipóteses
já sinalizadas na Parte 2 desta tese, quando foi possível “recuperar” o horizonte
de expectativas da crítica e dos leitores/espectadores de filmes brasileiros
282
exibidos em Portugal. A análise particularizada das resenhas ao lado da
avaliação dos condicionantes históricos comportou a realização de uma
pesquisa interdisciplinar que valorizou os discursos da crítica de cinema
publicados na imprensa escrita como objetos históricos e retóricos e revelou a
trajetória da mudança no processo de julgamento da cinematografia brasileira.
Um maior esclarecimento sobre as condições de produção e recepção destas
resenhas é matéria de nosso próximo capítulo.
Os condicionalismos da crítica sobre o leitor
A questão que aqui se coloca trata da influência da crítica sobre seus
leitores. Não há dúvida de que a crítica exerce força persuasiva que condiciona
os leitores a um determinado modo de interpretação do filme que está sendo
avaliado. Vários fatores têm peso nesse processo e esta “influência” ou
“condicionamento” não transforma o leitor num mero boneco articulado e
passivo, mas situa-o numa perspectiva de “entre lugares”, entre a emancipação
e o condicionamento. Numa prática de leitura há que considerar conjuntamente a
liberdade irredutível do leitor e os condicionamentos que pretendem refreá-la,
estabelecidos numa tensão necessária e fundamental356.
Martine Joly (2003) afirma que os discursos jornalísticos ou “vulgares”
sobre cinema condicionam sutilmente nossa interpretação e nossas condições
de recepção de filmes, sobretudo através dos juízos implícitos que estes
discursos contêm. Esta forte carga indutiva da crítica começa, segundo Joly, pela
evocação da narrativa fílmica, ou seja, pela descrição do enredo do filme,
comum a quase todas as críticas de periódicos, desde jornais a semanários. De
356 Ver mais sobre esta questão nos trabalhos do historiador Roger Chartier, sobretudo no livro A história cultural: entre práticas e representações. Chartier (1988) acredita que para a compreensão do sentido da obra é de fundamental importância o tripé: Texto, Suporte e Prática de Leitura.
283
fato, em nossa investigação sobre a crítica aos filmes brasileiros encontramos o
resumo e descrição da narrativa como peça fundamental que compõe a
estratégia de persuasão e é certamente um fator de mobilização do leitor para a
aceitação ou não do filme. As recapitulações da história e do quadro de seus
principais personagens são reveladoras de determinado número de expectativas
do público-leitor, que deseja saber sobre a história. Mas não se deve expor
determinadas partes dela (um “constrangimento do gênero”) sob pena de o leitor
e futuro espectador ter seu interesse neutralizado antecipadamente. Esta história
“recontada” evoca sempre uma ligação com a realidade referencial, um mundo
reconhecível também para o leitor.
Além deste outros fatores atuam neste processo e para refletirmos sobre
eles é da maior relevância considerarmos a função retórico-argumentativa
destes textos, os processos de alegações das frases e o próprio contexto que
circunda estes discursos. Bordwell (1991) já havia ressaltado que a lógica da
crítica de cinema é predominantemente indutiva e, como em qualquer sistema
desta natureza, o observador, o crítico, está predisposto a encontrar dados que
confirmem ou neguem a sua hipótese original. O leitor, por sua vez, se confronta
com uma abordagem indutiva da crítica, sofre influências que são somadas às
suas próprias experiências mas também tem total liberdade para aderir ou não à
argumentação do crítico. A idéia de acordo (entre orador e auditório) de
Perelman (1996) fica aqui bastante visível.
Faz parte deste condicionamento consentido a evocação de cenas ou
sequências para servir como exemplo ou ilustração de um discurso crítico que
ambiciona a adesão dos leitores. A referência à realidade exterior, o
enquadramento histórico da cinematografia analisada, os depoimentos de
cineastas também se conformam numa abordagem indutiva. Um outro
importante indicador de influência pode ser visível no âmbito da justificação de
juízo de valor, que deve estar naturalmente amparado por argumentos
convincentes, articulações coerentes que constituirão uma espécie de sedimento
interpretativo que progressivamente condicionará o leitor/espectador na
abordagem posterior do filme. O juízo de valor de um crítico de cinema induz e
284
contamina o futuro julgamento até mesmo quando este juízo desemboca na
classificação ortodoxa das estrelinhas. Mas, como mencionamos, o espectador
pode negar este juízo após assistir ao filme357.
Em síntese, podemos afirmar que é na interação entre os processos de
avaliação, informação, juízo, contexto e invenção que este condicionamento se
desenvolve.
Se a crítica de cinema tem uma função mediadora entre a obra e o leitor,
ela aqui assume seu papel de informar e paralelamente de formar. Ramón
Carmona (2002) esclarece que a crítica torna legível, compreensível, aquele
conjunto de signos por vezes desordenados visto num filme e, desta forma,
impõe ao leitor/espectador uma maneira de mirar e em consequência de
entender e interpretar a obra. Ao “traduzir” o filme para o leitor, a crítica acaba
por contaminar o processo interpretativo que este mesmo leitor e potencial
espectador v i r ia a fazer da obra exper ienciada. A s igni f icação
“construída” (Bordwell, 1991) pela crítica através de um discurso plausível e
justificado convence e contamina a avaliação do leitor sobre o filme.
O que lemos sobre um filme, sobretudo numa crítica de cinema,
inevitavelmente influencia nossa abordagem que dele fazemos em seguida. Isto
ocorre também porque o leitor já está predisposto a uma determinada forma de
recepção da crítica derivada de um convencionalismo do gênero, ou por aquele
texto lhe parecer familiar e as expressões utilizadas serem adequadas, ou pelo
reconhecimento do nome do crítico, enfim, pelo modo como o crítico se dirige ao
leitor. Estas resenhas de filmes não se apresentam como novidade absoluta,
elas remetem a sinais implícitos ou explícitos e se conectam com uma série de
textos antecedentes.
Estes textos críticos, então, já influenciados pelas interpretações
357 Como os meios de comunicação da chamada mídia tradicional têm uma postura pouco interativa (ou unidirecional, para certos autores), é difícil perceber a negação ou contestação deste juízo instituído do crítico. Já com as novas tecnologias, o chamado jornalismo on-line abriu acesso para a crítica dos leitores, onde é possível verificar a discordância de certos leitores das avaliações da crítica sobre determinado filme.
285
precedentes instauradas na tradição, são também indutores de novos juízos e de
novos comportamentos, desenhando, dessa forma, o círculo hermenêutico
gadameriano. O que nos forma é a tradição, somos feitos de camadas de
horizontes, histórias e condicionamentos. O leitor da crítica de cinema alimenta-
se de um conjunto de interpretações situadas historicamente, das interpretações
indutivas das críticas e deixa-se contaminar pelo modo orgânico que o crítico
fornece em seus textos, sem contudo deixar de carregar suas experiências e
suas próprias interpretações.
Conforme Bordwell (1991), o horizonte de expectativas (tanto da crítica
quanto de seus leitores) é formado por convenções discursivas já estabelecidas
que se somam às atuais e que, por sua vez, formam uma espécie de horizonte
geral de convenções. Cada época possui seu horizonte geral de convenções que
pode transformar-se em verdadeiros cânones estéticos e políticos que definem o
modo de analisar um filme. O momento histórico pode também ser o de
rompimento com estas convenções, tornando, por vezes, este rompimento em
mais uma convenção.
As convenções da crítica de cinema, plasmadas pela época, estão
associadas às convenções também existentes na leitura das críticas. O leitor
português dos anos 60 e 70 certamente estava habituado ao modo como se
discutia e pensava o cinema no período. A frequência de certas palavras e os
antagonismos que se faziam perceber nos textos sobre cinema atendiam às
chamadas de leitores que desejavam suprir suas necessidades acerca dos
filmes em exibição. Enfim, convenções de escrita e de leitura instauram-se entre
as articulações históricas e os procedimentos retóricos.
286
CONCLUSÃODois paradigmas invariáveis
A crítica comum de cinema publicada principalmente na mídia impressa
faz deste discurso transitório, mas datado, um território de análise fértil para
investigar a recepção de obras cinematográficas. A acolhida histórica de uma
dada cinematografia pode suscitar expectativas favoráveis ou não nos leitores
influenciados por estes discursos, que funcionam como bússolas e ao mesmo
tempo como mediadores de leituras do filme.
Refletir sobre a questão do condicionamento de juízos da crítica de
cinema implica em compreendermos certos modelos ou paradigmas que podem
desaguar em estereotipias vinculadas a uma cinematografia. Estamos a nos
referir certamente aos resultados obtidos na nossa investigação sobre a leitura
da crítica de cinema portuguesa acerca do cinema brasileiro das últimas quatro
décadas. Ainda que reconheçamos a construção lógico-indutiva própria dos
discursos destas resenhas jornalísticas sobre filmes, devemos evitar que
inferências se transformem em conclusões ou premissas em resultados.
O fato de os argumentos avaliativos acerca do cinema brasileiro
287
basearem-se quase que exclusivamente nas matrizes do Cinema Novo e da
telenovela denotam a cristalização de um modelo de expressão monossêmica
que a crítica pode ter transformado em uma conclusão definitiva. É fato que os
estereótipos também fazem parte da tradição mas estamos lidando com
convenções que são repassadas para os leitores e que podem, por sua vez,
condicionar previamente sua recepção desta cinematografia.
É fato também que este é um problema situado historicamente e que
parte de nossa pesquisa foi a busca e localização das raízes deste modelo. O
contexto certamente tem um papel fundamental e interfere na recepção da obra,
na sua boa ou má aceitação. Todavia, isto não exclui uma reflexão sobre a
concepção de uma imagem do cinema brasileiro mais “adequada” para a crítica.
E esta imagem sempre esteve de acordo com uma espécie de “agenda estético-
politizada” da crítica. Queremos dizer com isto que a crítica produzida na
imprensa portuguesa desde meados dos anos 60 acatou as influências da crítica
francesa, seguiu o modernismo político-estético que dava aval ao Cinema Novo
e, desde fins dos anos 70, questionou a quebra de continuidade com este
movimento quando o cinema brasileiro não mais correspondia às expectativas
de um cinema periférico revolucionário.
O mesmo se passou com a idéia de “influência do modelo de telenovela”
na cinematografia brasileira, sobretudo a partir de finais dos anos 70, tornando-
se um exemplo invariável para analisar os filmes brasileiros desde então.
Pensamos que ainda hoje aquela velha contraposição entre a produção
hollywoodiana e o cinema modernista ou de vanguarda não só permanece como
se mantém viva no espaço da crítica cinematográfica na imprensa portuguesa
(sobretudo na avaliação de filmes brasileiros). Fernando Mascarello (2000)
defende que este legado modernista (diga-se que não só da crítica como
também da própria teoria do cinema) de expressão dicotômica (cinema/
contracinema, prazer/desprazer, produção de ideologia/produção de
conhecimento) baseou-se na ofensiva à produção comercial de massa e no
elogio e nostalgia pelo político. O autor afirma que este paradigma teórico
288
modernista firmou-se a partir de Maio de 1968 até meados da década de 70,
sobretudo no espaço editorial das revistas Cinéthique, Cahiers du Cinéma e da
inglesa Screen, que se sustentavam na “triangulação de semiótica, marxismo e
psicanálise que a um tempo oferece a crítica ao realismo clássico e a
sustentação a uma vanguarda revolucionária” (Mascarello, 2000, p.130)358.
A análise mais atenta às críticas publicadas na imprensa escrita
portuguesa parece comprovar tal influência do paradigma modernista presente
na defesa de valores pautados no realismo crítico do Cinema Novo e no ataque
ao ilusionismo da televisão, vigentes ainda hoje nas resenhas sobre filmes
brasileiros. Esta nostalgia por uma revolução formal e política talvez tenha feito
com que os critérios de avaliação dos filmes brasileiros se mantivessem
pautados neste protótipo, como se vê pelo recurso aos referidos temas como
uma constante nas resenhas analisadas. Estas também apresentavam outros
sistemas de oposição de conceitos e noções típicos deste paradigma como:
imagem realista × imagem maquiada, cenário natural × cenário de estúdio,
fruição crítica × fruição desinteressada, crítica social × melodrama, cinema fácil ×
cinema difícil.
Saliente-se que este enquadramento foi observado tanto nos jornais
diários quanto nas revistas e semanários, embora nestes últimos, ironicamente
publicações onde o rigor na análise das películas foi mais evidente, os juízos
negativos dados aos filmes brasileiros tenham sido dominantes. Além disso, os
semanários portugueses são tradicionalmente considerados como formadores
de opinião tanto do público-leitor como de outros jornais diários. É o que afirma
Manuel Carlos Chaparro: “Por causa da influência que exercem na opinião
pública e do jornalismo crítico que praticam, os semanários portugueses
representam um paradigma que provavelmente influencia todo o jornalismo
diário do país” (apud Leone, 2000, p. 106).
358 Esta questão estético-ideológica que norteou o cinema de pós 68 foi discutida por diversos autores. Entre eles destacamos Francesco Casetti (1994) que também analisa esta tendência em revistas italianas como Cinema nuovo, Filmcritica, Ombre rosse e Cinema e Film, além das já citadas revistas francesas.
289
O problema é que aqueles filmes que estão fora do círculo das “boas”
convenções acabam por receber tratamento qualitativo diferenciado, o que,
inevitavelmente, influenciará a interpretação dos leitores das críticas. Ademais,
não desejamos aqui imprimir um sentido de pura instrumentalidade no processo
comunicativo entre a crítica e seus leitores. Como afirmamos, os leitores
portugueses podem negar, corrigir, modificar ou simplesmente reproduzir este
modelo de apreciação, mas é inequívoca a dimensão de seu efeito. A crítica de
cinema deve refletir se quer continuar devota de parâmetros de avaliação que se
estabeleceram em outras épocas e em condições históricas bem diversas, sob
pena de pré-conceber e pré-julgar certos filmes de uma cinematografia. Sob
pena de cair na armadilha do saudosismo.
É notório que o atual cinema brasileiro corresponde a uma estética, de
certa forma, distante do modernismo político-estético de vanguarda dos anos 60.
A crítica não deve, então, repensar certos conceitos como os de ideologia, ética,
verdade ou estética à luz de uma realidade que já não é aquela que forneceu as
bases para o paradigma anterior? O crítico Luiz Zanin Oricchio (2003) chama o
cinema contemporâneo brasileiro de “cinema impuro” ou aquele que não recusa
diálogo com as diferentes linguagens, aquele que não abre mão dos recursos do
espetáculo em sua forma e aquele que mostra a corrosão de um cânone, político
e estético, materializado nos anos 60 pelo Cinema Novo. Como ocorre com os
movimentos de rupturas, o Cinema Novo “inventou” uma tradição, mas “uma
tradição deve inspirar, e não inibir. Cria-se a partir dela, talvez contra ela ou
apesar dela. O que é vital, desde que a não tenhamos como peça de museu,
fantasma assustador ou parâmetro inatingível em relação aos quais todas as
comparações são desfavoráveis” (Oricchio, 2003, p. 229).
Historicamente, a crítica de cinema da imprensa portuguesa compreendeu
o cinema brasileiro exclusivamente como o Cinema Novo e desde então moldou
seus parâmetros a partir deste movimento. E tendo a crítica também um papel
de transmissão histórica de sentido para um leitor, cabe a ela estar atenta para
evitar distorções e generalizações abusivas. O discurso da crítica de cinema
constitui um meio socialmente efetivo da acolhida dos filmes, acolhida histórica,
290
na acepção de Jauss, gerando expectativas favoráveis ou desfavoráveis no
espírito dos leitores. Os efeitos da história que inserem-se na tradição e o cerco
social da crítica de cinema recomendam cautela ao crítico, que somente pode
ser juiz enquanto intérprete (mesmo que esta vocação esteja cada vez mais rara
na crítica diária de cinema), ciente de que qualquer verdade alcançada, não sua,
mas do próprio filme, será por outro reavaliada ou mesmo negada.
Lidas como consenso estético e político, as obras clássicas do Cinema
Novo, em especial as de Glauber Rocha, demarcaram os parâmetros de
avaliação sobre o todo o cinema brasileiro desde os anos 60 até os dias atuais.
Lidas como subprodutos da cultura popular de massas, as telenovelas
delimitaram os padrões de rejeição ao cinema brasileiro desde finais da década
de 70.
291
FILMOGRAFIA
Lista dos filmes mais citados na pesquisa e exibidos em ordem
cronológica. Constam o título original e o título recebido em Portugal, o
realizador e o ano de produção.
O pagador de promessas – Anselmo Duarte, 1962
Assalto ao trem pagador – Roberto Farias, 1962
Vidas secas – Nelson Pereira dos Santos, 1963
Quelé do Pajeú (A fúria do cangaceiro) – Anselmo Duarte, 1969
As amorosas – Walter Hugo Kouri, 1968
Macunaíma – Joaquim Pedro de Andrade, 1968
O dragão da maldade contra o santo guerreiro (António das Mortes) – Glauber Rocha, 1968
O homem nu – Roberto Santos, 1967
Terra em transe – Glauber Rocha, 1967
O leão de sete cabeças – Glauber Rocha, 1970
Toda nudez será castigada – Arnaldo Jabor, 1973
Dona Flor e seus dois maridos – Bruno Barreto, 1976
Lúcio Flávio, o passageiro da agonia – Hector Babenco, 1977
Eu te amo – Arnaldo Jabor, 1980
Pixote, a lei do mais fraco – Hector Babenco, 1980
Bye Bye, Brasil – Carlos Diegues, 1979
O beijo da mulher aranha – Hector Babenco, 1984
Ópera do malandro – Ruy Guerra, 1985
292
O quatrilho – Fábio Barreto, 1995
Amor & Cia – Helvécio Ratton, 1999
Central do Brasil – Walter Salles, 1998
O escorpião escarlate – Ivan Cardoso, 1989-1991.
293
BIBLIOGRAFIA
Críticas em jornais, semanários e revistas
Lista das críticas sobre cinema brasileiro publicadas nos jornais,
semanários e revistas (especializadas e não especializadas). Entre as críticas,
há as que são citadas na investigação e as que foram simplesmente
consultadas. As críticas foram classificadas em ordem cronológica.
Jornais
Diário de Notícias
A maravilhosa comédia Meus amores no Rio. (23.11.1960), p. 7.
Esta noite no Tivoli A morte comanda o cangaço. (17.09.1962), p. 6.
PINA, Carlos. Os deuses e os mortos (Ruy Guerra). (19.03.1971), p. 8.
PINA, Carlos. Os senhores da terra (Paulo Thiago). (19.03.1971), p. 8.
PINA, Carlos. Proezas de satanás na vila de leva-e-traz. (22.03.1971), p. 6.
PINA, Carlos. A consagração do genuíno: Fome de amor. (24.03.1971), p. 8.
PINA, Carlos. A consagração do genuíno: Macunaíma. (24.03.1971), p. 8.
PINA, Carlos. Ganga bruta de Humberto Mauro inaugurou o certame. (09.03.1972), p. 8.
PINA, Carlos. O cangaceiro de Lima Barreto. (11.03.1972), p. 8.
PINA, Carlos. Sinhá moça de Tom Payne. (11.03.1972), p. 8.
294
PINA, Carlos. Na garganta do diabo de Walter Hugo Kouri. (12.03.1972), p. 8.
PINA, Carlos. São Paulo S. A., de Luis Sérgio Person. (14.03.1972), p. 8.
PINA, Carlos. Um asilo muito louco de Nelson Pereira dos Santos. (20.03.1972), p.17.
António das mortes. (14.10.1972), p. 5. (assinada com a inicial V.)
O homem nu. (14.07.1973), p. 8. (assinada com as iniciais ALB.)
ANTÓNIO, Lauro. Dona Flor e seus dois maridos. (24.09.1977), p. 9.
ANTÓNIO, Lauro. Lúcio Flávio, o filme. (30.05.1979), p. 14.
ANTÓNIO, Lauro. O desespero ao amor. (08.11.1981), p. 36.
ANTÓNIO, Lauro. O espelho de Pixote. (02.03.1982), p. 22.
ANTÓNIO, Lauro. Bye Bye, Brasil. (06.04.1982), p. 24.
ANTÓNIO, Lauro. Numa cela de prisão, na América Latina. (01.03.1986), p. 40.
LOPES, João. Os limites do exotismo. (17.06.1987), p. 60.
BARROS, Eurico de. Drama para quatro no Rio Grande do Sul. Artes e Multimédia. (22.11.1996), p. 39.
BARROS, Eurico de. Do Brasil para o mundo. Artes e Multimédia. (14.05.1999), p. 46.
A Capital
GEADA, Eduardo. A fúria do cangaceiro. (28.11.1970), p. 19.
SANTOS, Alberto Seixas. A vida provisória. Cena Sete. (27.03.1971), p. 8.
SANTOS, Alberto Seixas. Fome de amor. Cena Sete. (27.03.1971), p. 8
GEADA, Eduardo. Memória de Helena. Cena Sete. (27.03.1971), p. 7
COELHO, Eduardo Prado. Macunaíma. Cena Sete. (27.03.1971), p. 7
COELHO, Eduardo Prado. Os cafajestes. Cena Sete. (27.03.1971), p. 8
295
COELHO, Eduardo Prado. Os deuses e os mortos. Cena Sete. (27.03.1971), p. 8.
GEADA, Eduardo; SANTOS, Alberto Seixas. Cena Sete. Os deuses e os mortos. (27.03.1971), p. 9.
GEADA, Eduardo; SANTOS, Alberto Seixas. Os senhores da terra. Cena Sete. (27.03.1971), p. 9.
CAUTELA, Afonso. Ganga Bruta silencioso abre retrospectiva do cinema brasileiro. (08.03.1972), p. 15.
O cangaceiro de Barreto na retrospectiva brasileira. (09.03.1972), p. 15.
CAUTELA, Afonso. A falecida de Hirszman apresentado em Lisboa. (14.03.1972), p. 15.
Retrospectiva do cinema brasileiro. (15.03.1972), p. 15.
CAUTELA, Afonso. Asilo muito louco de Pereira dos Santos. (18.03.1972), p. 15.
António das Mortes de Glauber Rocha. (22.03.1972), p. 16.
PEREIRA, José Vaz. Perto de nós, longe de nós. (10.02.1975), p. 21.
PEREIRA, José Vaz. Latitudes do amor. (09.04.1976), p. 21.
PEREIRA, José Vaz. Filme choque vai impor de vez o cinema brasileiro. (09.11.1981), p. 23.
PEREIRA, José Vaz. Pixote, a lei do mais fraco. (26.02.1982), p. 27.
PEREIRA, José Vaz. Bye Bye Brasil, de Carlos Diegues. (29.03.1982), p. 29.
PEREIRA, José Vaz. Fantasia também é questão de talento. (06.03.1986), p. 25.
ANTÓNIO, Lauro. Um musical brasileiro. (22.06.1987), p. 23.
PERESTRELLO, Francisco. Paixões cruzadas. (26.11.1996), p. 40.
FERREIRA, Vera. Eça & Companhia. (07.05.1999). p. 32-33.
PERESTRELLO, Francisco. «Central» enfim em Portugal. (14.05.1999), p. 33.
PERESTRELLO, Francisco. Uma obra de excessos. (28.05.1999), p. 57.
296
PINHO, Jorge. Bocage, o triunfo do amor. (04.11.1999), p. 4.
República
Odeon - Meus amores no Rio. (24.11.1960), p. 14. (assinada com a inicial F.)
A morte comanda o cangaço. (18.09.1962), p. 3. (assinada com as iniciais E. M.)
No Condes e Roma - O pagador de promessas. (18.04.1963), p. 3 e 10. (assinada com as iniciais D. S.)
AFONSO, Rui. Corajosa Presença do Brasil. (16.02.1965), p. 9.
No Império - Assalto ao trem pagador. (26.08.1965), p. 3.
CAUTELA, Afonso. No Estúdio - Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos. (31.03.1967), p. 3 e 15.
LÍVIO, Tito. Eden - A fúria do cangaceiro. (27.11.1970), p. 3.
Desenvoltura e subdesenvolvimento. (19.03.1971), p. 6.
CAUTELA, Afonso. Copacabana me engana. (20.03.1971), p. 11.
CAUTELA, Afonso. David Neves: delicadeza e procura de tempo perdido. (20.03.1971), p. 6 e 11.
CAUTELA, Afonso. Didáctico e discursivo. (21.03.1971), p. 9.
CAUTELA, Afonso. Deserto a preto e branco. (22.03.1971), p. 11.
Copacabana me engana de António Fontoura. (24.03.1971), p. 8.
A vida provisória de Maurício Gomes Leite. (24.03.1971), p. 8.
Antes, o verão de Gerson Tavares. (24.03.1971), p. 8.
Juliana do amor perdido de Sérgio Ricardo. (24.03.1971), p. 8.
O diabo mora no sangue de Cecil Thiré. (24.03.1971), p. 8.
Proezas de satanás de Paulo Gil Soares. (24.03.1971), p. 8.
CAUTELA, Afonso. Fome de amor: das vidas secas às vidas regadas (com champanhe). (26.03.1971), p. 11.
297
LÍVIO, Tito. Memória de Helena. (26.03.1971). Jornal de crítica, p. 8.
LÍVIO, Tito. O Diabo mora no sangue. (26.03.1971). Jornal de crítica, p. 8.
LÍVIO, Tito. Os deuses e os mortos de Ruy Guerra. (26.03.1971). Jornal de crítica, p. 7 e 8.
LÍVIO, Tito. As Proezas de Satanás. (26.03.1971). Jornal de crítica, p. 7 e 8.
CAUTELA, Afonso. O fatal retorno a existência fetal. (27.03.1971), p. 6.
CAUTELA, Afonso. Macunaíma: um surrealismo visceral. (28.03.1971), p. 9.
ALBINO, Carlos. Cangaceiros sem fisionomia. (11.03.1972), p. 3.
ALBINO, Carlos. São Paulo S. A. (14.03.1972), p. 3.
LOPES, João. A nudez do absurdo. (13.07.1973), p. 6.
FERREIRA, Eduarda. Neocolonialismo, o monstro de sete cabeças. (12.02.1975), p. 5.
Diário de Lisboa
Meus amores no Rio, no Odeon. (24.11.1960), p. 3.
A morte comanda o cangaço no Tivoli. (18.09.1962), p. 3 e 5. (assinada com as iniciais L. D’O. N.).
AZEVEDO, Manuel de. O pagador de promessas. (18.04.1963), p. 3.
AZEVEDO, Manuel de. Um Assalto brasileiro de surpresa. (16.02.1965), p. 5.
Assalto ao trem pagador no Império. (26.08.1965), p. 7. (assinada com a inicial R.).
Vidas secas, no Estúdio. (31.03.1967), p. 6.
ANTÓNIO. Lauro. A fúria do cangaceiro. (30.11.1970), p. 4.
PINTO, Oliveira. Em memória de Helena. (17.03.1971), p. 3.
ANTÓNIO. Lauro. Os deuses e os mortos (Ruy Guerra). (18.03.1971), p.
298
4-5.
ANTÓNIO. Lauro. Memórias de Helena. (19.03.1971), p. 4.
ANTÓNIO. Lauro. Os senhores da terra. (20.03.1971), p. 4.
ANTÓNIO. Lauro. Antes o verão. (21.03.1971), p. 4.
ANTÓNIO. Lauro. Copacabana me engana. (21.03.1971), p. 5.
ANTÓNIO. Lauro. Os cafajestes. (21.03.1971), p. 4.
PINTO, Oliveira. Ruy Guerra e o realismo mágico de Os deuses e os mortos. (21.03.1971), p. 1.
ANTÓNIO. Lauro. A vida provisória. (22.03.1971), p. 5.
ANTÓNIO. Lauro. O diabo mora no sangue. (22.03.1971), p. 5.
ANTÓNIO. Lauro. Juliana do amor perdido. (23.03.1971), p. 4.
ANTÓNIO. Lauro. Panorama do cinema brasileiro. (23.03.1971), p. 4.
ANTÓNIO. Lauro. Proezas de satanás na vila de leva-e-traz. (24.03.1971), p. 5.
ANTÓNIO. Lauro. As amorosas. (24.03.1971), p. 5.
ANTÓNIO. Lauro. Macunaíma. (25.03.1971), p. 4.
ANTÓNIO. Lauro. Fome de amor. (27.03.1971), p. 6.
ANTÓNIO. Lauro. Um homem nu nas ruas da cidade. (17.07.1973), p. 7.
ANTÓNIO. Lauro. O colonialismo tem sete cabeças e vários idiomas. (07.05.1974), p. 6.
ANTÓNIO. Lauro. Terra em transe. (18.11.1974), p. 6.
ANTÓNIO. Lauro. Os cafajestes, finalmente... (25.02.1975), p. 6.
RAMOS, Jorge Leitão. Cabeças cortadas de Glauber Rocha. (20.10.1975), p. 14.
RAMOS, Jorge Leitão. Dona Flor e seus dois maridos. (13.04.1976), p. 15.
RAMOS, Jorge Leitão. Toda nudez será castigada de Arnaldo Jabor. (24.06.1976), p. 14.
RAMOS, Jorge Leitão. Macunaíma, Joaquim P. de Andrade.
299
(10.11.1976), p. 17.
RAMOS, Jorge Leitão. Lúcio Flávio, o passageiro da agonia. (03.05.1977), p. 14.
RAMOS, Jorge Leitão. Xica da Silva de Carlos Diegues. (23.09.1977), p. 13.
RAMOS, Jorge Leitão. Eu te amo. (01.06.1979). Sete.Sete, p. 3.
RAMOS, Jorge Leitão. Pixote, de Hector Babenco. (26.03.1982), p. 20.
RAMOS, Jorge Leitão. Bye Bye Brasil, de Carlos Diegues. (06.04.1982), p. 16.
RAMOS, Jorge Leitão. O beijo da mulher aranha. (16.04.1986), p. 19.
Diário Popular
Meus amores no Rio. (24.11.1960), p. 4-5. (assinada com a inicial P.).
Meus amores no Rio. (29.11.1960), p. 11.
Tivoli - A morte comanda o cangaço. (18.09.1962), p. 2. (assinada com as iniciais M. G. R.).
Um acontecimento cinematográfico. (17.04.1963), p. 9 e 15.
Roma e Condes - O pagador de promessas. (18.04.1963), p. 3-4. (assinada com as iniciais P. de M.).
Assalto ao trem pagador de Roberto Farias. (16.02.1965), p. 11. (assinada com as iniciais D. A.).
Império - O assalto ao trem pagador. (26.08.1965), p. 3-4. (assinada com as iniciais E. P.).
Vidas secas, no Estúdio. (31.03.1967), p. 2-3.
PEREIRA, José Vaz. A fúria do cangaceiro no Eden. (27.11.1970), p. 4.
LÍVIO, Tito. Os senhores da terra de Paulo Thiago. (19.03.1971), p. 5.
CARDOSO, Adelino. A vida provisória de Maurício Gomes Leite. (20.03.1971), p. 3.
LÍVIO, Tito. Os cafajestes de Ruy Guerra. (20.03.1971), p. 3.
300
PEREIRA, José Vaz. Antes, o verão. (21.03.1971), p. 3.
PEREIRA, José Vaz. As proezas de satanás na vila de leva e traz. (22.03.1971), p. 4.
LÍVIO, Tito. Juliana do amor perdido de Sérgio Ricardo. (22.03.1971), p. 4.
PEREIRA, José Vaz. As amorosas de Walter Hugo Khouri. (23.03.1971), p. 3.
PEREIRA, José Vaz. Panorama do cinema brasileiro. (23.03.1971), p. 3.
PEREIRA, José Vaz. Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade. (24.03.1971), p. 4.
CARDOSO, Adelino. Fome de amor de Nelson Pereira dos Santos. (26.03.1971), p. 3.
CAUTELA, Afonso. Uma amostra incompleta. (10.03.1972), p. 3.
António das Mortes no Estúdio. (16.10.1972), p. 4. (assinada com as iniciais P. da C.).
LÍVIO, Tito. O homem nu, no Estúdio 444. (14.07.1973),p. 4.
LÍVIO, Tito. Terra em transe, uma obra de Glauber Rocha. (06.05.1974), p. 4.
AFONSO, Rui. Os herdeiros. (06.08.1974), p. 4.
AFONSO, Rui. São Bernardo, de Leon Hirszman. (18.11.1974), p. 4.
MATOS-CRUZ, José de. Os galãs atacam. (31.07.1975), p. 3.
MATOS-CRUZ, José de. A grande força de Iracema. (08.09.1975), p. 4.
LÍVIO, Tito. Os inconfidentes. (21.11.1975), p. 23.
LÍVIO, Tito. O casal. (27.04.1977), p. 26.
LÍVIO, Tito. Deus e diabo na terra do sol. (03.09.1977), p. 22.
MATOS-CRUZ, José de. Dona Flor e seus dois maridos. (19.09.1977), p. 18.
LÍVIO, Tito. A dama do lotação. (23.05.1978), 26.
MATOS-CRUZ, José de. Lúcio Flávio - o passageiro da agonia. (26.05.1979), p. 29.
301
MATOS-CRUZ, José de. Eu te amo. (05.11.1981), p. 23.
MATOS-CRUZ, José de. Bye Bye Brasil. (07.04.1982), p. 31.
LÍVIO, Tito. A difícil aceitação do Outro. (08.03.1986). Sábado Popular, p. 16-17.
Correio da Manhã
ROSA, Vitoriano. Ópera do Malandro: um trunfo de magia. (19.06.1987), p. 53.
Nosso tipo de humor é dirigido às crianças. (05.06.1995), p. 38-39. (assinada com as iniciais I. O.).
ROSA, Vitoriano. Amor & Cia. (07.05.1999), p. 34.
ROSA, Vitoriano. Central do Brasil. (14.05.1999), p. 34.
ROSA, Vitoriano. O escorpião escarlate. (28.05.1999), p. 33.
Público
TORRES, Mário Jorge. Exibição e simpatia. (07.05.1999). Artes e Ócios, p. 8.
TORRES, Mário Jorge. Vidas molhadas. (14.05.1999). Artes e Ócios, p. 6-7.
Vida de Bocage em filme. (29.10.1999).
Jornal de Letras e Artes
PEREIRA, José Vaz. O pagador de promessas. (01.05.1963), p. 11.
PEREIRA, José Vaz. O assalto ao trem pagador. (01.09.1965), p. 12.
302
Jornal de Letras, Artes e Idéias
ISMAEL, Guilherme. As teclas rentáveis. (de 08 a 21 de Dezembro de 1981), no 21, p. 30.
CARDOSO, Miguel Esteves. Bye Bye Cinema Novo, alô alô Carlos Diegues. (de 13 a 26 de Abril de 1982), no 30, p. 29.
ISMAEL, Guilherme. Um filme sobre a marginalidade. (de 02 a 05 de Março de 1982), no 27, p. 35.
BORGES, Pedro. A ópera do malandro. (de 15 a 21 de Junho de 1987), no 258, p. 27.
SILVA, Rodrigues da. Uma vergonha. (17 de Novembro de 1999), no 761.
Expresso
PEREIRA, José Vaz. São Bernardo. (16.11.1974). Revista, p. VIII.
PEREIRA, José Vaz. António das mortes. (01.02.1975). Revista, p. 4.
SILVA, Helena Vaz da. Toda nudez será castigada. (23.04.1976). Revista, p.19.
SILVA, Vicente Jorge. A dama do lotação. (27.05.1978). Revista, p. 27.
LOPES, João. Falar e não falar. (14.11.1981). Actual, p. 25.
FONSECA, Manuel S. Pixote, a lei do mais fraco. (27.02.1982). Revista, p. 3-R.
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COELHO, Eduardo Prado. O beijo da mulher aranha. (01.03.1986), Revista, p. 4-R.
LOPES, João. O beijo da mulher aranha. (08.03.1986), Revista, p. 4-R.
SEABRA, Augusto M. O beijo da mulher aranha. (15.03.1986), Revista, p. 4.
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FERREIRA, Manuel Cintra. Casais trocados. (23.11.1996), Revista, p. 8.
303
CABRITA, António. Amor & Cia. (08.05.1999). Cartaz, p. 13.
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FERREIRA, Manuel Cintra. Central do Brasil. (22.05.1999). Cartaz, p. 10.
FERREIRA, Francisco. Central do Brasil. (29.05.1999). Cartaz, p. 17.
Escorpião escarlate. (29.05.1999). Cartaz, p. 15.
Revistas especializadas
Estúdio
O pagador de promessas. (20.07.1962), no 10, p. 14.
Filme
LEAL, Carlos Mendes. O pagador de promessas. (Julho de 1963), no 52, p. 32.
Cinema 15
Toda nudez será castigada. (Junho de 1976), no 8, p. 20.
Isto é Espectáculo
ANTÓNIO, Lauro. O casamento. (Setembro de 1976), no 1, p. 23
PEREIRA, José Vaz. O casamento. (Maio de 1977), no 6, p. 51.
PEREIRA, José Vaz. Xica da Silva de Carlos Diegues. (Maio de 1977), no 6, p. 50-51.
304
Isto é Cinema
CAVALHEIRO, Joaquim. A dama do lotação. (02.06.1978), no 19, p. 17.
Gente fina é outra coisa. (02.06.1978), no 19, p. 18.
Plateia
A morte comanda o cangaço. (01.10.1962), no 126, p. 39.
TIAGO, Servais. O pagador de promessas. (01.05.1963), no 148, p. 55.
ANTÓNIO, Lauro. O assalto ao trem pagador. (10.03.1965), no 215, p. 62.
SANTOS, Vasco. A fúria do cangaceiro. (08.12.1970), no 514, p. 54.
SANTOS, Vasco. António das Mortes. (24.10.1972), no 612, p. 69.
Deus e diabo na terra do sol. (01.10.1974), no 713, p. 63
MATOS-CRUZ, José de. A experiência militante. (29.04.1975), no 743, p. 64-65.
Celulóide
DIAS, Avelino. Menino de engenho. (Junho de 1966), no 102, p. 8-10.
DIAS, Avelino. Vidas secas. (Junho de 1966), no 102, p. 10-11.
DUARTE, Fernando. Antes, o verão. (Maio de 1971), no 161, p. 9-10.
DUARTE, Fernando. Copacabana me engana. (Maio de 1971), no 161, p. 7-8.
DUARTE, Fernando. Os cafajestes. (Maio de 1971), no 161, p. 8-9.
DUARTE, Fernando. Juliana do amor perdido. (Maio de 1971), no 161, p. 10-11.
DUARTE, Fernando. Panorama do cinema brasileiro. (Agosto de 1971), no 164, p. 17-18.
DUARTE, Fernando. Memória de Helena. (Setembro de 1971), no 165, p.
305
22-23.
DUARTE, Fernando. Os senhores da terra. (Setembro de 1971), no 165, p. 23-24.
DUARTE, Fernando. A vida provisória. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 28-30.
DUARTE, Fernando. As amorosas. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 31-33.
DUARTE, Fernando. Fome de amor. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 34-36.
DUARTE, Fernando. O diabo mora no sangue. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 30-31.
DUARTE, Fernando. Proezas de satanás na vila de leva-e-traz. (Out. e Nov. de 1971), nos 166-167, p. 30-31.
ANTÓNIO, Lauro. Terras sem pão. (Out. e Nov. de 1972), nos 178-179, p. 43-44.
ANTÓNIO, Lauro. Duas estreias finalmente autorizadas: O couraçado Potemkine e Terra em transe. (Maio de 1974), no 197, p. 18-19.
DIAS, Avelino. Toda nudez será castigada. (Junho de 1976), no 226, p. 17-18.
DUARTE, Fernando. Operação cinema brasileiro. (Dezembro de 1976), nos 234-235, p. 27-28.
DUARTE, Fernando. Brasil: cinema novo tem 25 anos. (Outubro de 1977), no 248, p. 105-106.
VIANA, Norberto. Dois filmes eróticos brasileiros. (Agosto de 1978), no 263, p. 186.
DUARTE, Fernando. Filme de qualidade?. (Janeiro de 1982), no 331, p. 17-19.
Brasil. (Fevereiro de 1982), no 332, p. 3-33-3-34.
REIS, Maria Fernanda. Pixote e a injustiça. (Abril de 1982), no 334, p. 15-101.
VIANA, Norberto. Digressão brasileira. (Julho de 1982), no 337, p. 19-193-20-194.
306
Revistas não-especializadas
Seara Nova
LUZ, Manuel Machado. Presença do cinema novo brasileiro: Vidas Secas. (Março de 1967), no 1457, p. 91.
O Tempo e o Modo
BRAGANÇA, Nuno. Menino de engenho. (Abril de 1966), no 37, p. 537-538.
COSTA, João Bénard. As exactas geometrias do destino. (Abril de 1966), no 37, p. 537-538.
Artigos, notas e entrevistas
Lista dos textos sobre o cinema brasileiro publicados nos jornais e revistas
especializadas e não-especializadas. Entre os textos encontram-se artigos,
notas, editoriais, dossiês, todos citados na investigação e apresentados aqui em
ordem cronológica. Há ainda a relação das entrevistas com críticos portugueses
publicadas na revista Plateia.
Jornais
Diário Popular
CAUTELA, Afonso. Uma jornada lamentável. (21.03.1971), p. 3.
VVAA. Associação de críticos. (05.05.1974), p. 4.
307
Diário de Lisboa
GRANJA, Vasco. A cultura cinematográfica no Brasil. Êxito. (16.04.1963), p. 3.
PINTO, Oliveira. Quem é quem no Cinema Novo brasileiro. (17.03.1971), p. 3.
PINTO, Oliveira. “O Cinema Novo é como que o espírito universal da cultura brasileira” - diz o ausente Carlos Diegues. (23.03.1971), p. 3 e 16.
PINTO, Oliveira. Um certo colonialismo cultural nos festivais de competição - advertência e lamento de Sérgio Ricardo. (24.03.1971), p. 3 e 22.
PINTO, Oliveira. O cinema é fundamentalmente arte e cultura (não indústria): posição mantida e assumida pelo Cinema Novo. (28.03.1971), p. 3.
Diário de Notícias
PINA, Carlos. A partir de hoje o importante é saber ver. (13 03.1971), p. 8.
PINA, Carlos. De surpresa em surpresa: Glauber Rocha encerra o festival. (18.03.1971), p. 8.
TOCANTINS, Leandro. Brasil, trópico e cinema (reprodução da conferência proferida pelo adido cultural da embaixada do Brasil em Lisboa). (08.03.1972), p. 8.
República
Críticas a “jornal de crítica”: e o critério, onde está? . (23.03.1971), p. 7.
Expresso
BASTOS, Jorge Henrique. Olhares distantes: uma semana preenchida com filmes brasileiros até hoje inéditos em Portugal. (19.12.1998), p.
308
12-13.
Jornal de Letras, Artes e Idéias
Na morte de um grande cineasta. (de 1 a 14 de Novembro de 1981), no 14, p. 8-9.
LOPES, João. Glauber sob luz plena. (de 1 a 14 de Novembro de 1981), no 14, p. 28.
Revistas
Plateia
Glauber Rocha em Portugal atraído pelo 25 de Abril. (18 de Maio de 1974), no 694, p. 24.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Afonso Cautela. (27 de Agosto de 1974), no 708, p. 56-61.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Lauro António. (3 de Setembro de 1974), no 709, p. 12-15.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com João Lopes. (17 de Setembro de 1974), no 711, p. 20-22.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Fernando Pernes. (8 de Outubro de 1974), no 714, p. 26-27.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Eduardo Geada. (15 de Outubro de 1974), no 715.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com José Vieira Marques. (29 de Outubro de 1974), no 717, p. 10-13.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Tito Lívio. (12 de Novembro de 1974), no 719, p. 24-27.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Rui Afonso. (3 de Dezembro de 1974), no 722, p. 16-18.
309
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Manuel Machado Luz. (31 de Dezembro de 1974), no 726, p. 12-14.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com José Vaz Pereira. (7 de Janeiro de 1975), no 727, p. 14-16.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Alves Costa. (28 de Janeiro de 1975), no 730, p. 11-15.
MATOS-CRUZ, José. Entrevista com Luís Machado. (29 de Abril de 1975), no 743, p. 44-47.
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RAMOS, Luciano. “O Amuleto de Ogum” filme popular mas não comercial. Entrevista com Nelson Pereira dos Santos. (19 de Agosto de 1975), no 759, p. 66-67.
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DUARTE, Fernando. Cineclubismo: Brasil e Portugal. (Novembro de 1961) nº 47, p. 10.
VIEIRA, Carlos et al . Crítica cinematográfica brasileira. (Novembro de 1961) nº 47, p. 1-16.
310
VIEIRA, Carlos. As jornadas brasileiras de cine-clubes. (Julho de 1964) nº 79, p. 3-5.
TEIXEIRA, Jaime Rodrigues. Uma abordagem crítica ao cinema novo brasileiro. (Dezembro de 1964), no 84 , p. 5-7.
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PERESTRELLO, Francisco. Cinema de língua portuguesa... em Portugal. (Abril de 1974), no 196, p. 11-13.
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CARVALHAES, A. Cinema brasileiro: um filme digno de elogios. (Abril de 1975), no 209, p. 11-12.
CARVALHAES, A. Brasil, agora. (Agosto de 1975), no 214, p. 12-15.
DUARTE, Fernando. Editorial. (Junho de 1976), nº 226, p. 1.
LAVRADOR, F. Gonçalves. A propósito do primeiro festival Luso-Brasileiro de Tomar. (Abril de 1978), nos 257-258, p. 85-89.
DUARTE, Fernando. Apontamentos para a história da imprensa especializada e da evolução da crítica cinematográfica em Portugal. (Setembro de 1979), nº 281, p. 1-219-7-225.
Cinema 15
A pornografia, a vida e o cinema: documentos para uma análise que não pode ser arbitrária nem descuidada. (1 de Abril de 1976), nº 6, p. 6-9.
311
O Tempo e o Modo
Teses sobre o cineclubismo. (Maio de 1974), no 104, p. 26.
Seara Nova
CAPDENAC, Michel. Descobertas dos cinemas da fome. (Julho de 1964), no 1437, p. 216-217.
312
Referências científicas
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