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INSTITUTO MOREIRA SALLES | CINEMA | 19 A 26 DE MAIO DE 2011 O SOM DO SILÊNCIO OS CAVALEIROS DE FERRO | ALEXANDER NEVSKIY | DE SERGEI EISENSTEIN

Cinema do IMS-RJ - maio de 2011

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Programação de cinema do Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro (maio de 2011)

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INSTITUTO MOREIRA SALLES | CINEMA | 19 A 26 DE MAIO DE 2011

O SOM DO SILÊNCIO

OS CAVALEIROS DE FERRO | ALEXANDER NEVSKIY | DE SERGEI EISENSTEIN

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o soM Do sILÊNCIo

Duas breves citações de Eisenstein para lembrar o que o cinema, entre a me-tade da década de 1920 e a metade da década de 1930, fez para reinventar-se como expressão audiovisual: em torno de Os cavaleiros de ferro (Alexander Nevskiy, 1936), ele sugere que a imagem cinematográfica deve ser vista como uma partitura para ser lida adiante pelos músicos de uma orquestra: o princí-pio estrutural da imagem indica o princípio que irá comandar a estrutura da música – os não instrumentos musicais do filme como fonte de inspiração para o compositor –; em torno de O encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin, 1925), uma sugestão da música como imagem cinematográfica puramente so-nora, como um roteiro para a filmagem e a montagem de um filme: proce-dimentos musicais indicam a estrutura de montagem que vai tornar possível que uma imagem continue ressoando sobre as seguintes – as ondas que batem forte contra os rochedos no prólogo e a névoa no velório do marinheiro como exemplos de música feita exclusivamente para os olhos.

O cinema, então, era mesmo percebido como música para os olhos – bem de acordo com a definição proposta por Abel Gance entre a realização de A roda (La Roue, 1923) e Napoleão (Napoleon, 1927). Entre nós, por exemplo, dizia Octávio de Faria em O Fan que assim como a música fala ao espírito pelos ouvidos, “por uma linguagem especial toda feita de sons”, o cinema deveria falar ao espírito pelos olhos, “tem que fazer ver, compreender pelos olhos”, sem a necessidade de letreiros intermediários, numa linguagem essencialmen-te visual em que as imagens se relacionem assim como os sons que compõem uma melodia. Quase ao mesmo tempo, Paulo Benedetti afirmava que o futu-ro do cinema era o “filme cinematográfico musical”: não exatamente o filme sonoro, com a inclusão de falas e ruídos naturais, mas o aperfeiçoamento do sincronismo entre música e imagem “para corrigir a falta de harmonia que não poucas vezes observei entre a música que a orquestra toca e o filme que corre na tela”.

Por mais de uma década, Benedetti dedicou-se à invenção de um processo para musicar filmes mudos, a Cinemetrofonia (que chegou a ser usada com êxito em 1924 para sonorizar A gigolette, de Vittorio Verga), e para fazer filmes em cores. Para ele, o cinema poderia ter cor, deveria ter música, mas nenhum outro som, e deveria eliminar os diálogos intercalados em letreiros no meio das cenas. Benedetti defendia num folheto para apresentar a Cinemetrofonia aos

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exibidores que o cinema precisava de música, mas não de letreiros, e Octávio de Faria concordava nas páginas de O Fan: “Que o letreiro em si não é cinema, que nada mesmo tem de cinema, que enfim não é mais do que uma confissão de incapacidade do cenarista, é hoje coisa quase unanimemente admitida”.

Quase unânime ainda, entre a metade dos anos 1920 e a metade dos anos 1930, era a sensação de que o cinema deveria aprender a falar por meio da música. Não apenas se imaginava uma sincronização ideal entre a imagem e a música, mas um efetivo diálogo entre música e cinema.

Foi nesse mesmo período que Arnold Schönberg fez não uma trilha sonora para um filme, mas uma composição inspirada pelo cinema, a Música para acompanhar uma cena de cinema (Begleitungsmusik zu einer Lichtspielszene, 1930); que Silvestre Revueltas integrou-se a uma equipe de filmagem para, ao lado dos realizadores, Fred Zinnemann e Emilio Gómez Muriel, e do fotógra-fo Paul Strand, fazer a música de Redes (1936); que Virgil Thomson compôs ao vivo, improvisando ao piano durante a projeção de uma primeira versão da montagem, dois documentários de Pare Lorentz, The Plow That Broke the Plains (1936) e The River (1937); e que Heitor Villa-Lobos compôs O desco-brimento do Brasil para o filme de mesmo nome de Humberto Mauro (1936).

O cinema inspirava a música e vice-versa quando Eisenstein e Sergei Proko-fiev se reuniram para fazer Os cavaleiros de ferro – filme em que o diretor fi-nalmente colocava em prática o que havia planejado realizar em ¡Que viva México!, que filmou em 1931 e não pode montar: um contraponto orquestral de imagens visuais e sonoras.

Em “Forma e conteúdo: prática” (ou “Montagem vertical”), quarto capítulo de O sentido do filme, depois de esclarecer que existem em Os cavaleiros de ferro ce-nas em que a música foi escrita de acordo com a montagem final dos planos e cenas em que os planos foram montados de acordo com a música previamente gravada, Eisenstein conta que não conseguiu explicar a Prokofiev “o que de-veria ser visto na música” no momento em que os soldados vitoriosos tocam flautas e tambores. Diz então que mandou fabricar “instrumentos-adereços”. Filmou esses instrumentos “sendo tocados visualmente (sem som)” e projetou os resultados para Prokofiev, “que quase imediatamente entregou um exato equivalente musical daquela imagem visual de flautas e tambores que eu lhe

Os cavaleiros de ferro

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mostrara. De modo semelhante foram produzidos os sons das grandes trom-betas sopradas pelos teutônicos.” Do mesmo modo, “mas no sentido inverso”, acrescenta, “seções inteiras da partitura sugeriram soluções visuais plásticas que nem ele nem eu havíamos vislumbrado antes”, entre elas “uma grande parte da sequência dos cavaleiros galopando para o ataque”. Na verdade o que foi feito em Os cavaleiros de ferro e parece ter sido esboçado em ¡Que viva Mé-xico! começou de fato a ser experimentado antes, lembra o diretor em “Sobre a estrutura das coisas”, décimo capítulo de A forma do filme: “Meu primeiro tra-balho no cinema sonoro foi em 1926 (...), O encouraçado Potemkin, pelo menos em sua exibição no exterior, teve uma partitura especial para ele”.

Na estreia em Moscou, no Teatro Bolshoi, em 24 de dezembro de 1925, uma seleção musical feita pelos maestros Nikolai Golovanov, Leonid Sabaneev e Yuri Feier, com fragmentos de Beethovem (Egmont), Tchaikovsky (Francesca da Rimini) e Henry Charles Litolff (Maximilian Robespierre). Quando o filme estreou nos cinemas russos, a partir de 18 de janeiro de 1926, Eisenstein fez uma seleção de temas de Bach para acompanhar as projeções, diante da impos-sibilidade de contar com Prokofiev, então em Paris, “para compor uma sinfonia cinematográfica para o Potemkin”. Só três meses mais tarde, para a estreia em Berlim, o Encouraçado teve uma sinfonia cinematográfica feita especialmente para ele, composta por Edmund Meisel.

Como observa o diretor em “Sobre a estrutura das coisas”, “não há nada de par-ticularmente extraordinário neste fato – a história do cinema mudo está reple-ta de partituras especiais”. Particular “foi o modo como a partitura de Potemkin foi composta”, porque, fato inédito até então, músico e diretor trabalharam em estreita colaboração e imediatamente “concordaram em rejeitar a função puramente ilustrativa, comum ao acompanhamento musical da época (e não apenas daquela época!) e em ressaltar determinados efeitos, particularmente a música das máquinas da última bobina”, a sequência do encontro com a es-quadra. O trecho final de O encouraçado Potemkin é feito quase só de imagens das máquinas do encouraçado e “se baseia totalmente numa batida rítmica de percussão”. Nessa sequência em especial, sublinha o diretor, é possível perceber no que resultou da cooperação com Meisel mais do que “um filme mudo com ilustrações musicais”, uma antecipação: “um filme mudo que ensina ao filme sonoro uma lição (...) a música deve ser governada não apenas pelas mesmas imagens e temas, mas governada também, e principalmente, pelas mesmas leis e princípios básicos de construção que governam a obra como um todo”.

A última gargalhada

Paixão de Joana d’Arc

Vento e areia

Mãe

Terra

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A antecipação a que se refere Eisenstein talvez possa ser enunciada de outro modo: o filme mudo aprendeu a lição da música, aprendeu com ela, que se serve de uma linguagem de sons, a falar pelos olhos. E assim, ao aprender a trabalhar numa estrutura de natureza idêntica à da música, conseguiu produzir “uma imagem audiovisual unificada”. O diretor conclui “Sobre a estrutura das coisas” com a observação de que em seu primeiro filme verdadeiramente so-noro, Os cavaleiros de ferro, para realizar “a fusão de imagens musicais e visuais” pode finalmente contar com a colaboração do compositor que queria convidar para compor a Sinfonia cinematográfica Potemkin, Sergei Prokofiev.

No período que vai de Meisel e o Potemkin, 1926, a Prokofiev e Os cavaleiros de ferro, 1936, ou seja, entre os últimos anos do silencioso e os primeiros do sonoro, o cinema com frequência mostrou imagens com sugestões sonoras (primeiros planos de violinos, tambores, pianos e flautas, música de gestos, música de bocas abertas num grito silencioso), ou montou imagens numa or-dem puramente musical para, simultaneamente, estimular os músicos que so-norizavam as projeções e para aprender com a música como a falar e dar uma sonoridade e um ritmo poético às imagens.

Em estreita colaboração com o diretor, “apesar do pequeno espaço de tem-po que teve para compor e da brevidade de minha visita a Berlim”, Meisel compôs a música nas duas semanas anteriores à exibição de O encouraçado Potemkin no Apollo Theater de Berlim, em 29 de abril de 1926. Eisenstein não esteve presente à sessão. Ele havia chegado à cidade em 18 de março. Re-tornou a Moscou em 26 de abril. Entre abril e novembro de 1926, o filme teve cerca de 200 apresentações com música ao vivo em diferentes cidades alemãs. O cinema silencioso, que já há algum tempo dançava ao som da música por baixo da tela, começava então a se fazer ouvir com maior intensidade.

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É de manhã. Ele acorda e veste um traje de banho para mergulhar no rio pró-ximo de seu barraco. Corre até a margem e se atira como se estivesse diante de uma piscina. A profundidade da água é de apenas alguns centímetros e ele vai de cabeça ao fundo. Vira uma cambalhota, cai sentado no rio, tonto, desorien-tado, à procura da água que desapareceu como por encanto. Levanta-se, lento, torcido, e caminha trôpego de volta ao barraco.

A anedota é mais do que conhecida. Desenhos de humor, histórias em qua-drinhos, cenas de circo, quadros de teatro de revista, desenhos animados e inúmeras outras comédias cinematográficas (algumas anteriores, outras poste-riores a essa imagem de Tempos modernos / Modern Times, 1933) já contaram esta historieta. Muito provavelmente ela continuará a ser contada em outros

CarLItos No EsPELHo

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tantos desenhos e cenas de circo. O riso nasce do inesperado. O espectador ri porque participa da surpresa do personagem. Quando a cena começa, ele vê o que o personagem vê, um rio de águas aparentemente profundas. A cabeçada no fundo depois do mergulho na ilusão de óptica é inesperada.

É certo, hoje em dia, que essa anedota familiar pela repetição pode até se tor-nar um pouco menos engraçada – a surpresa já não é tão grande, o desfecho é adivinhado antes do final, ou, pelo menos, no final o espectador se reconhece diante de uma situação já conhecida. Mas em Chaplin, o conhecimento da cena não reduz o riso, porque a graça depende mesmo é do gesto. Não tanto do inesperado da situação quanto do seu jeito especial de dançar essa situação.

Rever essa anedota interpretada por Chaplin tem um sabor idêntico ao que se experimenta ao ouvir uma velha canção na voz de seu melhor intérprete. Letra e música são conhecidas, mas o jeito de interpretar revela a cada nota alguma coisa nova não observada anteriormente. A ação importa menos que o desempenho do intérprete. Engraçado não é propriamente o fato de um homem mergulhar de cabeça num rio quase sem água. Engraçado é ver como Carlitos mergulha neste mesmo rio sem água em que um sem número de mergulhadores já quebrou a cabeça.

O que importa são os gestos. Os filmes de Chaplin fazem rir pela habilidade de Chaplin como ator, um dos raros a acrescentar muitas coisas à mímica que substituía a fala das comédias do cinema mudo. O fácil mergulho do espec-tador em seus filmes nasce da simplicidade dos acontecimentos e da extrema complexidade de seu trabalho de intérprete, do incrível domínio de seu pró-prio corpo, usado a todo instante para acrescentar um sentimento ou infor-mação que os fatos em si mesmo não possuem. Mergulhar de cabeça num rio sem água é, num filme de Chaplin, um harmonioso passo de balé humorístico. Ao mergulhar num filme de Chaplin, o espectador encontra sempre um rio de águas profundas.

Uma mistura de mímico e equilibrista, a habilidade do ator Chaplin pode ser medida numa outra situação ligeira, aquela em que ele contracena com ele mesmo, com a imagem multiplicada por dez, por 20, por 100, na sala de espe-lhos em que ele se mete ao fugir, ao mesmo tempo, da polícia e de um batedor de carteiras no começo de O circo (The Circus). O mergulho frustrado é uma cena capaz de ser interpretada mesmo por comediantes de menor talento. Mas o rápido e complicado jogo de gestos em que ele dá uma cabeçada no espelho que parecia a porta de saída ou não consegue apanhar o chapéu no chão do

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espelho é uma dessas situações possíveis apenas para um ator que consiga, como ele, se expressar com o próprio corpo – talvez não exista outro. O en-frentamento do espelho logo se complica quando, com a entrada do batedor de carteiras e do policial na sala de espelhos, os muitos Chaplins e os muitos policiais e ladrões correm sem sair do lugar em busca da saída.

Essas duas anedotas são exemplos simples de uma técnica requintada e tornam possível uma análise que, aplicada em situações mais complexas, dificilmente consegue ser reduzida a uma expressão verbal. Por exemplo, talvez seja pos-sível descrever essa cena em que um sem número de Carlitos tenta atravessar uma multidão de policiais e batedores de carteira na sala de espelhos e em que nem ele nem o espectador sabem dizer com certeza o que é a pessoa de ver-dade e o que é figura no espelho. Mas, na verdade, nem resumir a ação, como na frase anterior, nem descrever a cena passo a passo podem dizer o que ela é. O cinema de Chaplin não cabe em palavras, é coisa feita para ser vista. Só mesmo num imaginário texto puramente cinematográfico seria possível ade-quadamente tentar uma análise.

Uma descrição mais ou menos fiel é possível, sem dúvida, mas contar em pa-lavras o que Chaplin consegue por meio dos gestos e do equilíbrio instável de seu corpo é praticamente impossível. E é na riqueza de sua expressão corporal que Chaplin faz cinema. As cenas são blocos mais ou menos independentes uns dos outros, agrupados em torno de um fio condutor simples. A histó-ria que une as várias cenas tem uma importância menor que o sentido de cada uma delas, cuja graça depende apenas em parte da evolução da narrativa. Depende principalmente do que o espectador recebe do contato vivo com o personagem. No cinema, é mais ou menos assim todo o tempo, mas em Cha-plin é radicalmente assim todo o tempo: o que vale não é a história contada pelas imagens, mas as imagens que contam a história, e nele vale ainda mais o intérprete que o personagem. No espelho, nos espelhos que se multiplicam ao infinito de O circo, talvez a melhor metáfora do cinema de Chaplin: mesmo sem espelho algum, mesmo num rio sem água, mesmo sozinho em cena, cada gesto de Carlitos, mesmo o menor deles, a dança do bigode quadrado debaixo do nariz, é uma figura de mil imagens.

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QUINta 19

17h30 : Lola Montès (Lola Montès) de Max Ophüls (França, Alemanha, Luxemburgo,1955. 116’)

20h00 : a cicatriz interior (La cicatrice intérieure) de Philippe Garrel (França, 1972. 60’) Dois filmes franceses exibidos em programa duplo organizado em parceria com a www.revistacinetica e seguido de debate com os críticos da revista.

SESSÃO DUPLA | LoLa MoNtès | a CICatrIZ INtErIor

Martine Carol, Lola Montès, de Max Ophüls

Philippe Garrel, A cicatriz interior, de Philippe Garrel

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Assim como A regra do jogo (La Règle du jeu, 1939), de Jean Renoir, e Ouro e maldição (Greed, 1924), de Eric von Stroheim, Lola Montès (Lola Montès, 1955) pertence àquele grupo seleto, entre as maiores obras-primas de uma determinada arte, que de alguma maneira previram sua própria tragédia. A derradeira e mais ambiciosa produção de Max Ophüls (foi o filme francês mais caro realizado até o ano de seu lançamento) encena e antecipa o drama de uma imagem que, de tão violentamente livre e bela, não pode ser suportada pelas estruturas sociais. O filme teve inúmeros problemas no seu lançamento, sofreu diversos cortes e sobrevive numa versão que foi possível ser recomposta algumas décadas depois de sua feitura. Lola Montès é como o diretor Ophüls: a figura da beleza absoluta, excessiva, que corrompe e dinamita os espaços preestabelecidos. O belo é o que instabiliza, o que cria movimento, atenção e tensão: isto ameaça o que quer conservar, permanecer, tornar estáticos os fluxos da vida no tempo. Na sua obra final, o cineasta alemão nos mostra a sua paixão própria: a narração da condição trágica de sua obra e de sua protago-nista, ao mesmo tempo – num duplo movimento, que é a sua assinatura mais característica.

Um procedimento é repetido pela câmera muitas vezes ao longo do filme: no início da cena, um movimento de câmera se realiza para um lado e, ao final da cena, o mesmo movimento é realizado no sentido oposto. Há aqui uma grande série de pares e de oposições além das direções dos movimentos de câmera: presente e passado, verdade e mentira, vida e aparência, espetáculo e essência, moralidade e amoralidade, amor e dinheiro. E a resposta de Ophüls é: Lola é aquela que transita, sua natureza é a do movimento, não se pode representá-la por nada que se fixe. Sua estrutura emana do circo, pois o modelo aqui é o das chamadas atrações, em que o efeito tem um valor em si: de movimento puro, de plasticidade que independe do referente ou do que se precede ou sucede. Atração é movimento em curso. Trata-se, então, de borrar todos esses limites. O circo invade a lembrança, e tudo se invade reciprocamente, erotizando, se-xualizando a mise-en-scène. O filme é todo ele povoado de véus e objetos que obliteram nossa visão, o que intensifica o mistério e o não visto em cada ima-gem, marcando sempre um não ver em cada ação, desfilando em cada situação as mais variadas possibilidades de opacidade. A abundância de ornamentos

SESSÃO DUPLA. 1. o MUNDo CoMo DaNça | FÁBIO ANDRADE

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sempre excede: ao quadro, à narrativa, ao picadeiro, há sempre mais a mostrar (próximo a Fellini e Visconti aqui). Todo mostrar trata também de esconder, essa é uma das reversões fundamentais de Lola Montès (de quem, ao final, pa-rece que sabemos ainda menos). Aqui se mostra muito e se esconde na mesma proporção.

O pomposo carrossel de Ophüls é uma espécie de corte que explora as diversas camadas dos acontecimentos para justamente mostrar sua falta de centro. Vai--se para um lado e para o outro. Nunca se avança. Sua forma é circular. Se Lola não sabe dançar, a narrativa dança por ela. Os vaivéns são a forma e a estrutura de Lola Montès, são seu movimento fundador. Essa forma é também trágica. O trajeto, a forma, já estão dados inicialmente, o que se seguirá é seu reverso. Cada ponto é também uma lembrança de seu contrário, e assim sucessivamen-te (não por acaso, é abundante a presença de espelhos no filme; seu funciona-mento é de fato uma reflexão infinita, como dois espelhos face a face).

Ophüls tece um tratado sobre a perfeição e sua inviabilidade diante do mundo à maneira como este se formou, e assim comenta seu trajeto como cineasta e o caminho tortuoso de sua obra máxima em um mundo que não a pode com-preender, pois a compreendia demais. Uma obra que compreendia em excesso o culto à imagem que só faz reforçar seu avesso, a verdade (dualidade bastante atual, como hoje age sob as noções de autenticidade e espontaneidade, por exemplo). O espelho perfeito talhado por Ophüls de um mundo que emergia, de uma forma de se relacionar com a imagem, era insuportável, pois este era justamente seu reflexo mais justo, e sem nos dar respostas fixas. A verdade, o belo, como algo que foge, por definição. Não há nada atrás das aparências. Não há essência que se opõe ao espetáculo. Há imagens, umas entre as outras, se combinando, variando em opacidade e legibilidade, em constante locomoção. Se há imagem, há mundo, essas dimensões não se negam, mas se afirmam. Aqui, Ophüls criou um mundo perfeito das formas, em sua rara exuberância, que narra sua própria destruição e fracasso, com a mesma magnitude. É jus-tamente essa intermitência, que invade e funda o filme, que caracteriza a rara forma de liberdade que nos é dada a ver do primeiro ao último fotograma de Lola Montès.

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“A grande força de Garrel está na retomada de uma ideia capital e maior do cinema: seu vampirismo. A imagem (a câmera) vampiriza o real. Em Garrel, essa vampirização se dá no nível da película. É a matéria película que vampiriza”. | Entrevista com Jean Douchet, O cinema autofágico de Philippe Garrel

Filme errante sobre a errância, travessia sonâmbula da noite branca: só a tau-tologia, esta figura retórica que designa a redundância do ser e do logos que o exprime, pode dar conta da vertiginosa celebração do invisível e do vazio a que nos convidam os “transeuntes” personagens de A cicatriz interior (La cicatrice intérieure, 1972): Nico mais gutural e enlutada do que nunca; Pierre Clémenti, entre Adão e Prometeu, fecundando um novo mundo ao entregar a tocha à criança; e um filho Peter Pan, que ora se desvanece no rastro da mãe, ora se concentra e cristaliza no regaço dos elementos. Como nos melhores filmes de Garrel, A cicatriz interior é uma errância circunscrita pelo perímetro de um romance das origens, da trindade desgarrada e por reconstituir: pai, mãe e a criança, arcanjo telúrico, meio de contato entre dois mundos: o negro, o branco, o calor, o frio, a autofagia masoquista de Nico, a dispersão hedonista do desbravador Clémenti.

A cicatriz interior é um home movie sobre ruptura e reconciliação-ruptura, mas transposto para o universo litúrgico das grandes construções míticas e de- miúrgicas (Parsifal, Pentesileia); a condensação e o deslocamento, mecanismos constituintes do processo de significação do sonho segundo Freud, são o meio alquímico que permite a Garrel esta síntese entre o lírico e o mítico, o banal e o majestoso, as atribulações matrimoniais e a gestação de um cosmo: assim, a longa e dolorosa trajetória de separação de um casal é figurada em uma única imagem recorrente (condensação), a dos travellings circulares, percorridos por Nico e Garrel (num curioso travesti de dândi a la Keaton); e as figuras paren-tais deste folhetim familiar – mãe, pai, filho, o novo pai – recuam para o fora de campo, e são substituídos em cena por arquétipos de um melodrama originário, que busca na soberania dos elementos – fogo, água, terra – e no tempo stacatto das sequências uma espécie de sublimação dos estigmas do trauma e da obses-são, das ruínas que toda demolição existencial e afetiva deixa atrás de si. Em A cicatriz interior, reminiscências viram efígies, crises histéricas, solilóquios, dueto sala e cozinha scherzi camerísticos a três vozes: Garrel recupera para o cinema, a última das artes, aquele assombro que a primeira – o teatro – um dia possuiu, e que nasceu pela analogia, estabelecida no imaginário por meio de suas origens miméticas, entre o homem e o mundo, a obra e o cosmo, o artista

SESSÃO DUPLA 2. | a INFÂNCIa Da artE | LUIz SOARES JúNIOR

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e o sacerdote. Essa propriedade divinatória reconquistada para a arte (não só por Garrel, como por muitos artistas da contracultura, inclusive os cineastas do grupo Zanzibar, ao qual este pertencia à época: A cicatriz interior daria um belo programa duplo com Heráclito / Héraclite, l ’obscur, de Patrick Deval, 1967) tem no contraponto da equação entre gesto, voz e posição o cadinho que assi-nala a performance como centro da mise-en-scène. O corpo, ontem templo, hoje tela, é também no cinema o contracampo da paisagem, este grande outro, a ser integrado ao universo humano pelo ritual. O território em que estamos é, evidentemente, o do sublime, e o sublime, deve-se ressaltar não pode ser con-fundido com o belo. Lyotard, com a elegância habitual, assinala:

“O sublime (...) é um prazer misturado com medo, um prazer que advém do medo. Medo diante da presença de um objeto absolutamente maior – um deserto, uma montanha, uma pirâmide – ou de um que se afigure absolutamente poderoso – um vulcão em erupção, uma tempestade no mar –, e que, como todo absoluto, pode apenas ser pensado, sem nenhuma intuição sensível correspondente pois, como uma ideia da razão, (...) a imaginação falha em providenciar uma representação correspondente a esse tipo de ideia. Este déficit na expressão dá origem a um terror, uma espécie de clivagem no sujeito entre o que pode ser concebi-do e o que pode ser imaginado ou representado. Mas esse medo engendra em consequên cia um prazer, um duplo prazer: (...) esse deslocamento das faculdades (da imaginação e da razão) dá origem a uma extrema tensão (Kant chama isso de agitação, excitação) que caracteriza o pathos do sublime, oposto nisso à serena percepção da beleza.”

Garrel, na bela expressão de Gérard Courant, abole a quarta parede do teatri-nho familiar; lança os personagens num décor selvagemente cinematográfico, o do sublime: a Viagem ao redor do meu quarto (novela de Xavier de Maistre, poderia servir de título para todos os seus filmes, confrontos com o espelho e seus fantasmas) não é abolida; de fato, permanecemos no romance familiar, mas transposto para uma arena cosmológica, mais adequada a seus propósitos alegóricos. O cinema de Garrel, talvez o grande herdeiro contemporâneo do Kammerspiel alemão – cinema intimista que correu paralelo ao expressionismo nos anos 1920 –, aqui sofre uma inflexão: reencontra o espectro de uma certa infância da arte (e do cinema: retomada do fondu e da pantomima), feita de música e de silêncio, de proximidade e distância; uma infância que, à semelhan-ça do que foi a nossa, recupera o vaticínio dos grandes espaços livres e virgens.

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O SOM DO SILÊNCIO

sEXta 20

13h30 : a roda (La Roue) de Abel Gance (França, 1923. 260’)

“Ouçamos, brevemente, o que diz Deleuze, sobre o enqua-dramento-angulação: ‘Abel Gance liberou sua câmera não só de seus trilhos terrestres (coisa que altera a captação da luz). mas até de suas relações com o homem que a carrega, para colocá-la sobre um cavalo, lançá-la como uma arma, fazê-la rolar como uma bola, fazê-la precipitar em hélice no mar, para dizer grande hélice espiritual que se manifesta di-retamente no movimento da câmera’ (...). Aqui relembro de novo Abel Gance, o sensível Abel Gance, e sua formulação, tão bela, tão breve, tão desejada e tão encoberta: ‘O cinema’, diz Gance, ‘é a música da luz’ (...). Penso que esse enunciado de Gance não foi plenamente alcançado nem realizado. A mim ele me ultrapassa: por que música da luz? A minha sugestão, que não está em Deleuze, é que a película, o foto-grama a que se reduz o filme, é transparente, branco, onde a luz, a sombra, grão a grão, organiza, configura, transfigura a imagem.”Júlio Bressane, “Cinema Deleuze” em Alguns, Imago, Rio de Janeiro, 1996.

18h30: o homem de aran (Man of Aran) de Robert Flaherty (Inglaterra, 1934. 74’. Música de John Greenwood)

“Conta-se que Flaherty vira os enormes caldeirões de ferro em que os ilhéus faziam outrora óleo da gordura de tubarões. Mas a indústria se extinguira. Procurando meios de dra-matizar a vida miserável dos pescadores de Aran, Flaherty decidiu reconstituir a pesca do tubarão. E um navio foi para a baía de Biscaia buscar um tubarão a reboque. O tubarão chegou às frias águas do mar da Irlanda mais morto do que vivo. As cenas foram filmadas, mas mesmo um grande di-retor não pode reviver um tubarão exausto e resfriado e o episódio não foi o mais feliz do filme. A Gaumont British decidiu, entretanto, que um tubarão que tinha viajado tanto não podia acabar o seu destino tão prosaicamente. Especia-listas empalharam o animal, encaixotaram-no e assim foi ele para Wardour Street. Infelizmente, as vitrinas da Gaumont não eram bastante grandes para conter o bicho, e tornou-se

necessário cortar um bom pedaço para encurtá-lo. Novos taxidermistas fizeram a operação. E eu, sempre que passava diante dessa vitrine, pensava que Flaherty tinha alguma coi-sa em comum com aquele peixe: grande demais para uma vitrine de Wardour Street, pertencente à gente da indústria do filme que tão mal o compreendia.”

Alberto Cavalcanti, fragmento de Filme e realidade Livraria Martins Editora, São Paulo, 1953.

20h00: a turba (The Crowd) de King Vidor (EUA, 1928. 98’. Cópia com legendas em espanhol)

“The Crowd, que de nenhum modo pode ser considerado como o modelo dos filmes dos nossos dias, é, no entanto, a etapa mais corajosa da elaboração do cinema. Esta obra formidável não pretendeu fundar uma escola nem caminhar para a forma pura de uma nova arte – veio nos dizer, com urna simplicidade emocionante, que não permanecêssemos eternamente no aperfeiçoamento de uma estética insegura; porque era errado pretendermos alcançar o filme perfeito, quando tínhamos todo um cinema a construir.”

Plínio Sussekind Rocha, em O Fan, 1929.

A turba

A roda

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sÁBaDo 21

14h30 : o encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin) de Sergei Eisenstein (URSS, 1925. 70’. Música de Edmund Meisel)

“Potemkin parece uma crônica (ou cinejornal) de um evento, mas funciona como um drama. O segredo reside no fato de que o andamento cronológico do evento se estrutura de acordo com uma composição rigorosamente trágica. E além do mais, uma composição trágica em sua forma mais canônica – a tragédia em cinco atos. Eventos considerados quase como fatos nus são divididos em cinco atos trágicos, sendo os fatos selecionados e arrumados em sequência, de modo que respondam às exigências impostas pela tragédia clássica. Um terceiro ato bastante diferente do segundo, um quinto diferente do primeiro, e assim por diante.”

Sergei Eisenstein, fragmento de “Sobre a estrutura das coisas”, em A forma do filme, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990.

16h00 : o circo (The Circus) de Charles Chaplin (EUA, 1928. 71’ . Música de Charles Chaplin)

“Último filme totalmente silencioso de Chaplin, O circo aparecia em 1928 em plena febre do cinema falado. Seu ritmo de pantomima, puramente gestual, conflitava com a expansão verbal dominante em Hollywood. Mas, embora o silêncio já pertencesse ao passado cinematográfico, The Cir-cus não parecia uma peça fora de moda: propunha a origina-lidade, com sua ausência de vozes e sua estrutura imagística, de um vanguardismo paradoxal.”

Walter da Silveira, fragmento de Imagem e roteiro de Charles Chaplin. Mensageiro da Fé, Salvador, 1970.

18h00: aurora (Sunrise: A Song of Two Humans) de Friedrich Wilhelm Murnau (EUA, 1927. 94’. Música de Hugo Riesenfeld)

“Tudo no cinema deve se tornar visível e se exprimir ela imagem, isto é: na luz e no silêncio. Murnau nos esclarece ainda mais. Diz ele: ‘Todo o nosso esforço deve tender a libertar os filmes de tudo quanto não lhes pertença, de tudo quanto é desnecessário e trivial e tirado de outras fontes’. E completa a ideia: ‘Damos a imagem, por exemplo, de um objeto, de uma coisa qualquer, e criamos um drama para os olhos, porque, pela maneira como a coisa estava disposta ou foi fotografada, por causa de sua relação com as outras pes-soas ou coisas do filme, ela realiza a melodia do filme’.”

Octávio de Faria, fragmento de “O cenário e o futuro do cinema”, em O Fan , 1928. incluído em Significacão do Far-west, Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1952.

20h00 : o encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin) de Sergei Eisenstein (URSS, 1925. 70’ . Música de Edmund Meisel)

“Primeiros planos saltam para planos gerais. Movimento caótico (da massa), para um movimento rítmico (dos sol-dados). Um tipo de movimento (pessoas correndo), para o próximo estágio do mesmo tema do movimento (carro do bebê rolando). Movimento para baixo, movimento para cima. Muitas saraivadas de muitos fuzis, para um tiro dos canhões do navio (…). Numa estrutura de composição idêntica ao comportamento humano arrebatado pelo pa-thos, a sequência das escadarias de Odessa é realizada por transferências a opostos: o caos é substituído por ritmo, a prosa pelo tratamento poético.”

Sergei Eisenstein, fragmento de “Sobre a estrutura das coisas”, em A forma do filme, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990.

Entre a terça-feira 2 e a quarta 18, e a partir da sexta-feira 27, a programação de maio conta com a parceria do Unibanco Arteplex.

O encouraçado Potemkin

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DoMINGo 22

14h00 : M, o vampiro de Düsseldorf (M – eine Stadt sucht einen Mörder) de Fritz Lang (Alemanha, 1931. 117’)

“Quando o assassino de M, que tem o hábito de assobiar alguns compassos de uma melodia de Grieg, é reconhecido por um cego, o som se torna um grande elemento no clímax do filme. Além de ter feito da melodia parte do enredo, Lang soube usá-la com tal senso de perspectiva que essa ária corriqueira se torna ameaçadora e se transforma no símbolo do personagem encarnado por Peter Lorre, de sua loucura, de seu sadismo. Um compasso ou dois de música! Não posso esquecer o final do filme, a intensidade dramática da música ouvida sem que se veja o assassino.”

Alberto Cavalcanti, fragmento de Filme e realidade Livraria Martins Editora, São Paulo, 1953.

16h00 : o circo (The Circus) de Charles Chaplin (EUA, 1928. 71’ . Música de Charles Chaplin)

“Um circo como outro qualquer. Os mesmos palhaços, os mesmos trapezistas, as mesmas meninas do arame, o mesmo diretor tirânico. Só a efêmera participação de Carlitos lhe destinara um traço de originalidade. No desfecho, quando o circo partia, o vagabundo ficava sozinho no círculo em que estivera o picadeiro. Metáfora evidente de que toda a importância dramática resumia-se à sua presença.”

Walter da Silveira, fragmento de Imagem e roteiro de Charles Chaplin. Mensageiro da Fé, Salvador, 1970.

18h00 : aurora (Sunrise: A Song of Two Humans) de Friedrich Wilhelm Murnau (EUA, 1927. 94’. Música de Hugo Riesenfeld)

“Tudo no cinema deve se tornar visível e se exprimir ela imagem, isto é: na luz e no silêncio. Murnau nos esclarece ainda mais. Diz ele: ‘Todo o nosso esforço deve tender a libertar os filmes de tudo quanto não lhes pertença, de tudo quanto é desnecessário e trivial’. E completa a ideia: ‘Com a imagem de um objeto, de uma coisa qualquer, criamos um drama para os olhos, porque, pela maneira como a coisa está fotografada, por causa de sua relação com as outras pessoas ou coisas do filme, ela realiza a melodia do filme’.”

Octávio de Faria, fragmento de “O cenário e o futuro do cinema”, O Fan , 1928; incluído em Significacão do Far-west, Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1952.

20h00 : Vento e areia (The Wind) de Victor Sjöström (EUA, 1928. 95’)

“Uma garrafa de cristal, um porta-retrato, um vaso de flores, uma bengala, uma campainha – valores mais ou menos des-conhecidos em literatura – adquirem no cinema bem com-preendido urna importância que cada dia cresce. A própria expressão do ator, essencial no teatro, cada dia mais se vai tornando secundária no cinema. Seus pés, suas mãos, já ex-primem tanto quanto sua cara. O cinema venceu uma nova etapa quando Frances Marion, no cenário de Vento e areia, conseguiu descrever só pelos pés dos heróis toda a drama-ticidade de uma cena (…). Em Vento e areia sucedem-se 94 imagens na tela (aproximadamente 10 minutos – uma parte, portanto) sem que um único letreiro venha perturbar a visão do filme. Será preciso citar, analisar uma a uma, cenas que somariam milhares e que se encontram por aí, dispersas nos grandes filmes – cenas em que nenhum letreiro esclarece situações complicadíssimas que, entretanto, se entendem perfeitamente ?” Octávio de Faria, fragmento de “O cenário e o futuro do cinema”, O Fan , 1928; incluído em Significacão do Far-west, Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1952.

Aurora

M, o vampiro de Dusseldorf

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tErça 24

14h30 : Berlim, sinfonia de uma metrópole(Berlin, die Sinfonie der Grosstadt) de Walther Ruttman (Alemanha, 1927. 67’. Música de Edmund Meisel)

“Continuidade e ritmo – eis que nos encontramos diante das duas grandes correntes do cinema nos nossos dias. É conveniente, porém, salientar que essas teorias não se excluem uma à outra. Ritmo e continuidade podem coexistir num filme – coexistem frequentemente. (…) Inteiramente visuais e perfeitamente rítmicas são as impressões que decorrem da visão de Berlim, que Walter Ruttman produziu. Aí encontramos urna sucessão de imagens, muitas imagens (tem, relativamente, o dobro de imagens de um filme comum) sem nenhum letreiro, nenhum enredo, havendo apenas uma ideia dirigente que é a de seguir o movimento da cidade do amanhecer ao anoitecer.”

Octávio de Faria, fragmento de “O cenário e o futuro do cinema”, O Fan , 1928; incluído em Significacão do Far-west, Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1952.

16h00 : Mãe (Mat) de Vsevolod Pudovkin (URSS, 1926. 89’)

“Me parece relativamente bem-sucedido o papel que inter-pretei no meu filme Mãe, o de um oficial, um rato da polícia, encarregado de invadir a casa de Pavel. Lembro que para esse trabalho, como de costume, me baseei principalmente na aparência. Comecei por cortar o cabelo para fazer mi-nha cara parecida com uma escova, deixei crescer um bi-gode e usei umas sobrancelhas postiças, para sublinhar o contraditório do caráter do personagem, na fronteira en-tre o arrogante e o viril e o frágil e o desconfiado. Recordo que, interiormente, procurei compor meu personagem num amargo mal-estar e numa espécie de doença para produzir no espectador uma impressão sutil do mecanismo da velha polícia russa. E ainda, todo meu trabalho de ator foi feito para se completar na montagem.”

Vsevolod Pudovkin, fragmento de texto escrito em 1934 para o livro O ator no cinema.

18h00 : os cavaleiros de ferro (Alexander Nevskiy) de Sergei Eisenstein (URSS, 1936. 112’)

“Na época do cinema mudo, falávamos de ‘orquestração’ de rostos (por exemplo, na produção da linha ascendente de tristeza, por meio de primeiros planos na sequência do velório do marinheiro Vakulinchuk, em O encouraçado Po-temkin). De modo semelhante, no cinema sonoro, surgem momentos como o mencionado acima: o abraço de adeus entre Vaska e Gravrilo Olexich em Os cavaleiros de ferro. Isto só poderia ocorrer em um momento preciso da parti-tura musical de Prokofiev. Do mesmo modo, os primeiros planos dos elmos dos cavaleiros alemães não podiam ser usados antes do momento em que o foram na sequência do ataque, porque apenas naquele momento a música muda de caráter, de um caráter que pode ser expresso por planos gerais e médios para um outro que demanda batidas visuais rítmicas, primeiros planos do galope e recursos semelhantes. (...) O aspecto audiovisual alcança sua mais completa fusão na sequência da batalha sobre o gelo (...). A espera ansio-sa que precede o início da batalha é resolvida por meio de quadros imóveis (...). Nos 12 planos e 17 compassos, uma completa correspondência entre o movimento da música e o movimento do olho sobre as linhas da composição plástica. Em outras palavras, exatamente o mesmo movimento está na base de ambas estruturas, a musical e a plástica.”

Sergei Eisenstein, fragmento de “Forma e conteúdo: prática” em O sentido do filme, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990.

20h00 : terra (zemlia) de Alexander Dovjenko (URSS, 1930. 75’)

“Dovjenko encontra fórmulas poéticas para associar a morte à infância ou ao nascimento. Na introdução do filme morre um velho camponês: morte sem agonia, conclusão serena de um ciclo inteiramente percorrido. Sua última vontade é comer uma maçã ucraniana. Dá duas ou três mordidas que saboreia longamente, cruza as mãos no peito e recosta-se sorridente na morte. Durante a cena, crianças de tenra idade brincam perto do velho. Um amigo do morto vai ao túmulo para tentar averiguar o que acontece do lado de lá; crianças escondidas divertem-se respondendo a suas perguntas”.Paulo Emílio Salles Gomes, fragmento de “A Gopak de Dovjenko” em Crítica de cinema no Suplemento Literário, volume 1. Embrafilme e Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1991.

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QUarta 25

14h00 : Berlim, sinfonia de uma metrópole(Berlin, die Sinfonie der Grosstadt) de Walther Ruttman (Alemanha, 1927. 67’. Música de Edmund Meisel)“Nenhum letreiro, nenhum enredo (...) o movimento da cidade do amanhecer ao anoitecer.”

Octávio de Faria, fragmento de “O cenário e o futuro do cinema”, em O Fan, 1928.

16h00 : turba (The Crowd) de King Vidor (EUA, 1928. 98’. Cópia com legendas em espanhol)“A etapa mais corajosa da elaboração do cinema.”

Plínio Sussekind Rocha, em O Fan, 1929.

18h00 : Paixão de Joana d’arc (La Passion de Jeanne d’Arc) de Carl Theodor Dreyer (França, 1928. 110’)“Enquanto eu filmava Yvette, nos estúdios de Billancourt, Dreyer realizava sua obra-prima. Jamais esquecerei a figura patética de Falconetti, naquela época. Ao amanhecer, ela chegava aos estúdios, desvairada, com os cabelos tosquiados pelo diretor, que, incontinente, mandava-a vestir o uniforme de soldado da santa e esperar ajoelhada o chamado para o set. A espera às vezes prolongava-se por quatro, cinco horas, e Falconetti representava as suas cenas histérica, soluçante. Anos depois, Falconetti, que voltara ao teatro, e nunca fez outro filme, confessava, sem amargura, que tinha pavor de voltar ao cinema, porque Dreyer tinha extraído dela todo o seu poder de emoção, preferindo continuar sua carreira no teatro, onde ela própria podia controlar sua arte”.

Alberto Cavalcanti, fragmento de Filme e realidade Livraria Martins Editora, São Paulo, 1953.

20h00 : a última gargalhada (Der letzte Mann) de Friedrich Wilhelm Murnau (Alemanha, 1928. 77’)“Letreiro é ou não é cinema? Já ficou dito que não. Portanto, é sacudi-los fora, custe o que custar (... a questão) é saber se já se conseguiu – em uma sequência que seja, com bastante ação – construir o cenário sem eles. Se isso já tiver sido pos-sível, o resto também o será. (...) Ora, a sequência exigida, já existe. Não existe uma, mas várias. Sentimentos os mais complexos foram expressos quer em A última gargalhada sem letreiros (...) tudo se sintetizando na conhecida afirma-ção de King Vidor: The story must be told by the camera.”

Octávio de Faria, fragmento de “O cenário e o futuro do cinema”, O Fan , 1928; incluído em Significacão do Far-west, Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1952.

QUINta 26

14h00 : o homem de aran (Man of Aran) de Robert Flaherty (Inglaterra, 1934. 74’. Música de John Greenwood)“Procurando meios de dramatizar a vida miserável dos pes-cadores de Aran, Flaherty decidiu reconstituir a pesca do tubarão. E um navio foi para a baía de Biscaia buscar um tubarão a reboque. ”

Alberto Cavalcanti, fragmento de Filme e realidade Livraria Martins Editora, São Paulo, 1953.

16h00 : os cavaleiros de ferro (Alexander Nevskiy) de Sergei Eisenstein (URSS, 1936. 112’) “O aspecto audiovisual de Os cavaleiros de ferro alcança sua mais completa fusão na sequência da batalha sobre o gelo (...) exatamente o mesmo movimento está na base de ambas estruturas, a musical e a plástica.”

Sergei Eisenstein, fragmento de “Forma e conteúdo: prática” em O sentido do filme, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2002

18h00: Vento e areia (The Wind) de Victor Sjöström (EUA, 1928. 95’) “Em Vento e areia sucedem-se 94 imagens na tela (aproximadamente 10 minutos – uma parte, portanto) sem que um único letreiro venha perturbar a visão do filme. ” Octávio de Faria, fragmento de “O cenário e o futuro do cinema”, O Fan , 1928; incluído em Significacão do Far-west, Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1952.

20h00 : o anjo azul (Der blaue Engel) de Josef von Sternberg (Alemanha, 1930. 124’)“(...) essa película nos atraía menos pelo nome do diretor do que pela fascinação exercida por uma estranha mulher de voz rouca e pálpebras frementes como asas de borboleta: Marlene Dietrich. Sternberg a descobrira num palco alemão, em 1929, e a transformara na Lola Lola de O anjo azul, o mais perfeito arquétipo da mulher fatal até então criado pela sétima arte. Com Sternberg o cinema fez-se gravura, fez-se desenho. A tela passou a ser uma prancha onde o crayon desse vienense inquieto e obcecado aprofundou luzes e sombras. ”

Francisco Luiz de Almeida Salles, fragmento de “O expresso de Xangai” em Cinema e verdade, Companhia das Letras, São Paulo, 1988.

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Instituto Moreira Salles Rua Marquês de São Vicente, 476. Gávea. Telefone: (21) 3284-7400

www.ims.com.br

De terça a sexta, das 13h às 20h. Sábados, domingos e feriados das 11h às 20hAcesso a portadores de necessidades especiais. Estacionamento gratuito no local. Café WiFi.

Como chegar: as seguintes linhas de ônibus passam em frente ao IMS:

158 – Central-Gávea (via praça Tiradentes, Flamengo, São Clemente)

170 – rodoviária-Gávea (via Rio Branco, largo do Machado, São Clemente)

592 – Leme-são Conrado (via Rio Sul, São Clemente)

593 – Leme-Gávea (via Prudente de Morais, Bartolomeu Mitre)

Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea

O programa de cinema do

Instituto Moreira Salles tem o apoio da

Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro,

e da Cinemateca da Embaixada da França.

E conta ainda com a parceria do

Unibanco Arteplex, da Videofilmes,

da Revista Cinética e da

Associação Brasileira de Cineastas.

Curadoria: José Carlos Avellar. Assessoria de programação: Eduardo Ades. Coordenação do IMS - RJ: Elizabeth Pessoa. Assessoria de coordenação: Bárbara Alves Rangel.

Capa : Os cavaleiros de ferro de Sergei Eisenstein.

Ingressos avulsos Os ingressos para a mostra O som do silêncio, e para a Sessão dupla, custam R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia). Passaporte O passaporte – no valor de R$ 15,00 – é válido para 10 sessões do mês de maio, da mostra O som do silêncio e para a Sessão dupla. O passaporte é pessoal e intransferível. Deve ser adquirido exclusivamente na bilheteria do Instituto. O portador deverá apresentá-lo até 15 minutos antes da sessão com documento de identidade para a retirada de uma senha. Capacidade da sala: 113 lugares. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Os ingressos das sessões de filmes do circuito comercial, feitas em parceria com o Unibanco Arteplex, custam de terça a quinta-feira: R$ 15,00 (inteira) e R$ 7,50 (meia); de sexta a domingo e nos feriados: R$ 17,00 (inteira) e R$ 8,50 (meia) Ingressos disponíveis também em www.ingresso.com

Quarta capa: O homem de Aran de Robert Flaherty e O circo de Charles Chaplin

O anjo azul

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O SOM DO SILÊNCIO

AURORA | SUNRISE: A SONG OF TWO HUMANS | DE FRIEDRICH W. MURNAU

O CIRCO | THE CIRCUS | DE CHARLES CHAPLIN