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CINEMA E LITERATURA: O PRIMO BASÍLIO, A ADAPTAÇÃO COMO FORMA DE LEITURA Carlos Alberto Correia * RESUMO: Este artigo tem como finalidade discutir a adaptação de obras literárias para a linguagem audiovisual. Para tal, lançar-se-á mão da análise de uma adaptação brasileira para o audiovisual, de um clássico da literatura portuguesa: O primo Basílio, de Eça de Queirós. Quando se questiona a relação entre literatura e a sua transcodificação para outros códigos, como o do cinema cria-se muitas possibilidades de estudo, por exemplo, da alternativa de aspectos expressivos feitos pelas obras contemporâneas. O foco deste estudo recai, especialmente, na reelaboração de mecanismos para ajustar a história, ou até mesmo transportá-la do livro para tela apontando as opções do diretor ao lançar os recursos próprios da linguagem do cinema. ABSTRACT: This paper aims to discuss the adaptation of literary works for the audiovisual language. To do so, launch it will hand the analysis of a Brazilian adaptation to audiovisual, a classic of Portuguese literature: O primo Basílio, Eça de Queiros. When questioned the relationship between literature and its transcoding to other codes such as the movie opens up many possibilities for study, for example, the alternative of expressive aspects made by contemporary works. The focus of this study lies especially in the reconstruction of mechanisms to adjust the story, or even carry it in the book pointing to screen the options to the director's own resources to launch the language of cinema. PALAVRAS-CHAVES: Literatura; Adaptação; Linguagem cinematográfica. KEYWORDS: Literature; Adaptation; Language of cinema.                                                          INTRODUÇÃO O ato de relatar histórias passou, desde o surgimento da arte do Cinema, a integrar a gênese cinematográfica, correlacionando assim, cinema, televisão e literatura através do processo de adaptação de obras literárias para o meio audiovisual. Podemos constatar neste processo a forte valorização dos recursos visuais na sociedade contemporânea, que se vale da imagem para ilustrar quase tudo que nos cerca. Pensando nesta forte valorização dos recursos audiovisuais, este estudo lança mão da análise de uma adaptação fílmica de um clássico da literatura portuguesa O primo Basílio. Lembrando sempre, que essa versão audiovisual constitui uma nova produção que mantêm relações, em maior ou menor grau, com o texto original, entrelaçada pelo diálogo que se estabelece entre a cultura da palavra e da imagem.  O romance O primo Basílio (1878) é um clássico da literatura portuguesa, que apesar de decorridos mais de cento e trinta anos de sua publicação segue despertando interesse de público e de constantes estudos, possuindo assim uma vasta fortuna crítica que, no 

Cinema e Literatura: O Primo Basílio, a Adaptação como Forma de Leitura (Carlos Alberto Correia)

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Este artigo tem como finalidade discutir a adaptação de obras literárias para a linguagem audiovisual. Para tal, lançar-se-á mão da análise de uma adaptação brasileira para o audiovisual, de um clássico da literatura portuguesa: O primo Basílio, de Eça de Queirós. Quando se questiona a relação entre literatura e a sua transcodificação para outros códigos, como o do cinema cria-se muitas possibilidades de estudo, por exemplo, da alternativa de aspectos expressivos feitos pelas obras contemporâneas. O foco deste estudo recai, especialmente, na reelaboração de mecanismos para ajustar a história, ou até mesmo transportá -la do livro para tela apontando as opções do diretor ao lançar os recursos próprios da linguagem do cinema.

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CINEMA E LITERATURA: O PRIMO BASÍLIO, A ADAPTAÇÃO COMO FORMA DE LEITURA

Carlos Alberto Correia *

RESUMO:  Este  artigo   tem como  finalidade  discutir   a  adaptação  de  obras   literárias  para  a   linguagem audiovisual. Para tal, lançar­se­á mão da análise de uma adaptação brasileira para o audiovisual, de um  clássico da literatura portuguesa: O primo Basílio, de Eça de Queirós. Quando se questiona a relação entre  literatura e a sua transcodificação para outros códigos, como o do cinema cria­se muitas possibilidades de  estudo, por exemplo, da alternativa de aspectos expressivos feitos pelas obras contemporâneas. O foco  deste estudo recai, especialmente, na reelaboração de mecanismos para ajustar a história, ou até mesmo transportá­la do livro para tela apontando as opções do diretor ao lançar os recursos próprios da linguagem  do cinema. 

ABSTRACT: This paper aims to discuss the adaptation of literary works for the audiovisual language. To do  so, launch it will hand the analysis of a Brazilian adaptation to audiovisual, a classic of Portuguese literature:  O primo Basílio, Eça de Queiros. When questioned the relationship between literature and its transcoding to  other   codes  such  as   the  movie  opens  up  many  possibilities   for   study,   for  example,   the  alternative  of  expressive   aspects   made   by   contemporary   works.   The   focus   of   this   study   lies   especially   in   the  reconstruction of mechanisms to adjust the story, or even carry it in the book pointing to screen the options  to the director's own resources to launch the language of cinema.

PALAVRAS­CHAVES: Literatura; Adaptação; Linguagem cinematográfica.

KEYWORDS: Literature; Adaptation; Language of cinema.                                                         INTRODUÇÃOO ato de relatar histórias passou, desde o surgimento da arte do Cinema, a  integrar a gênese cinematográfica, correlacionando assim, cinema, televisão e literatura através do processo de adaptação de obras  literárias para o meio audiovisual. Podemos constatar neste processo a forte valorização dos recursos visuais na sociedade contemporânea, que se   vale   da   imagem   para   ilustrar   quase   tudo   que   nos   cerca.   Pensando   nesta   forte valorização dos recursos audiovisuais, este estudo lança mão da análise de uma adaptação fílmica de um clássico da literatura portuguesa O primo Basílio.  Lembrando sempre, que essa versão audiovisual constitui uma nova produção que mantêm relações, em maior ou menor grau, com o texto original, entrelaçada pelo diálogo que se estabelece entre a cultura da palavra e da imagem. O romance O primo Basílio (1878) é um clássico da literatura portuguesa, que apesar de decorridos mais de cento e trinta anos de sua publicação segue despertando interesse de público   e   de   constantes   estudos,   possuindo   assim   uma   vasta   fortuna   crítica   que,   no 

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entanto, não limita ou impede novas possibilidades de leitura e refacção desta obra. Uma das possibilidades de leitura desse romance é a transposição de sua narrativa para outro mecanismo de comunicação: a linguagem audiovisual, executada pela adaptação de obras literárias para audiovisual.  Nesse cenário,  apenas no Brasil,   já   foram produzidas duas adaptações que possuem o romance português como base. 

Sabe­se que toda adaptação deve necessariamente transformar o texto do qual faz parte, uma vez que se utiliza de signos e códigos diferentes em sua feitura, perpassando por um processo de releitura muito comum nas obras da atualidade. Por isso, este trabalho analisa a  produção  fílmica do   romance que  fora  deslocada de seu suporte  original.  As  obras audiovisuais de  O primo Basílio  se concentram em suportes diferenciados, sendo uma minissérie para televisão e um filme. Porém, o foco desse estudo será produção fílmica, que teve como diretor Daniel Filho, o mesmo que dirigira em 1988 a minissérie global.

O trabalho de transcodificação elaborado pelo adaptador e pelo próprio diretor pressupõe uma leitura crítica desse texto. A adaptação não só  efetua ampliações ou reduções na narrativa, como também mantém um diálogo com todo o universo da cultura, não apenas com a  obra   literária   que a  motivou,  mas  com  todo aparato  cultural  de  sua época.  O adaptador pode, ao conceber o  seu  texto,  dar­lhe novos significados, deslocar alguns, subverter outros. É nesse sentido que este artigo buscará discutir, em termos gerais, as relações dialógicas e intertextuais que se manifestam entre a literatura e o processo de adaptação na obra de Eça de Queirós. O enfoque recai, especialmente, na reelaboração de mecanismos   para   ajustar   a   história,   ou   até   mesmo   transportá­la   do   livro   para   tela, perpassando pelos diversos símbolos que foram concebidos para essa transposição, assim como as ampliações e jogos estabelecidos pela própria linguagem do cinema. 

1 ­ ADAPTAÇÕES: NOVAS LEITURAS, NOVOS PRODUTOSAssim como nos romances (CANDIDO, 2007), as adaptações audiovisuais ganham vida através do entrelaçamento entre personagens, ideias e enredo. Os personagens encenam ou representam ideologias; esses são concebidos a partir dos conceitos que levam consigo e apresentam aos seus telespectadores. São as  ideias a matéria da representação, de valores,   significados   presente   no   indivíduo   e   na   sociedade,   que   proporcionam  vida   e mobilizam os personagens, além dos diferentes enredos e histórias. O cinema e a literatura compartilham a  mesma  função:   transmitir   imagens através  de  palavras,   porém ambos diferem nos processos de produção e recepção das histórias que revelam. Essa é uma questão que desperta opiniões contrastantes acerca dos olhares envolvidos em uma leitura cinematográfica/audiovisual de uma obra literária. Ao se tratar da linguagem do cinema, Marcel Martin (2005), esclarece que:  

[...] o que distingue o cinema de todos os outros meios de expressão culturais é o poder excepcional que lhe advém do fato de a sua linguagem funcionar a partir da reprodução fotográfica da realidade. Com efeito, com ele, são os próprios seres e as próprias coisas que 

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aparecem, dirigem­se aos sentidos e falam a imaginação: a uma primeira abordagem parece que  qualquer   representação   (o   significante)   coincide   de   forma   exata   e   unívoca   com  a informação conceptual que veicula (O significado). (MARTIN, 2005. p. 24) 

Estudos recentes, advindos da teoria da comunicação, constatam diferentes abordagens em relação à adaptação de obras literárias para a linguagem audiovisual. A primeira, com enfoque específico na obra tem intuito de preservar sua integridade original; a outra opta por adaptar qualquer texto de forma livre, criando, assim, uma nova concepção sobre a obra, um novo olhar, uma nova expressão artística. É válido salientar que em ambos os caminhos escolhidos pelo cineasta o fator determinante para a abordagem audiovisual da obra literária estará diretamente relacionada ao olhar, ou à leitura que ele fizer dessa obra. Ao apontar  essa perspectiva,  Marcel  Martin   (2005)  assinala  a   individualidade de cada cineasta como um grande elemento diferenciador, pois, para ele, o cinema possui “uma escrita própria, que se encarna em cada realizador sob a forma de um estilo” (2005. p. 22). 

Em um texto literário tem­se a possibilidade de imaginar coisas que não estão nele, nossa imaginação está livre para criar ambientes e climas, enquanto o cinema não trabalha com a possibilidade   de   indeterminação;   mas   sim,   com  a   determinação  de   uma  imagem que possibilita a  reflexão através da  identificação e associação com o cotidiano do próprio espectador; o cinema que comove e desperta sensações lúdicas. O requisito necessário para uma maior apreciação de livro e sua adaptação para o cinema ou televisão, é  ter consciência que estamos lidando com obras independentes que utilizam artifícios típicos e linguagens dos meios nos quais  estão  inseridos,  para  despertar   sensações e  atrair   a empatia  e  a   identificação do público com os universos apresentados.  A  relação entre literatura   e   cinema,   sob   o   olhar   da   adaptação   de   obras   literárias   para   linguagem cinematográfica, sugere a transcodificação (transformação da palavra literária em imagem cinematográfica através da transposição de um código ao outro) da narrativa em imagem para o meio audiovisual. 

O  cinema possui   o   roteiro   como matéria   literária   imbuída de   imagens que habitam o universo audiovisual, e a literatura, a livre criação, tanto pelo leitor como pelo escritor, de símbolos   mentais   que   proporcionam  a   transformação   do   texto   escrito   em   imagem;   a transcodificação busca dar  uma nova posição ao conteúdo expresso.  Contemplando a relação de diálogos entre diferentes suportes, os atos de criar e de enunciar geram novas formas expressivas, possibilitando a criação de novos produtos. Seguindo os  conceitos da cultura midiática,  a  qual   se  apropria de vários mecanismos expressivos, a enunciação em um produto pode proporcionar­lhe novo corpo e forma. É o caso do  texto analisado, que parte de uma matriz,  o  livro,  e a partir  de sua  forma de enunciação e de criação reelabora a narrativa adaptando­a a outros suportes, no caso o audiovisual,   transformando­a,   assim,   em   um   novo   produto.   Portanto,   como   obras 

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independentes, e com linguagens específicas, a obra literária e sua adaptação audiovisual, percorrem caminhos que apenas convergem no sentido geral  denominado  “espírito  da obra”. Via Christopher Orr, Ballogh (2005) afirma que: “uma adaptação fílmica é um produto de sua própria cultura em um dado momento da História na qual é produzida, e também, da visão de um autor/ diretor sobre aquilo que vê em sua época” (ORR apud BALLOGH, 2005. p.52). 

No caso de uma adaptação literária para outro suporte, como já salientado anteriormente, podem­se escolher dois percursos referentes à fidelidade em relação a obra original, sendo: a  adaptação baseada no  livro,  que mantêm o “espírito da obra”  e  seu curso narrativo básico; e, ou a livre adaptação que mantêm a situação narrativa central e propõe uma nova concepção para obra. No contexto da crítica textual, a partir  de  leituras de teóricos da comunicação, tais como: Ballogh (2005), Pellegrini (2003), Xavier (2003), Nagamini (2003), Fiske (1987), Guimarães (2003) entendemos o vocábulo “baseado”, como um termo que explicíta uma modernização narrativa que mantenha algum compromisso com a autoridade narrativa da obra em questão; e por “livre adaptação” entende­se a contemporanização da estrutura narrativa textual sem o compromisso com a fidelidade narrativo­literária da obra. Talvez, por  isso que ao se  falar em fidelidade na adaptação, alguns  termos apareçam constantemente,   como é  o  caso de:  deslocamento geográfico da   trama, deslocamento cultural, contemporanização dos fatos, e outros, tudo isso para aproximar a linguagem e a trama de sua sociedade atual. Dentro dessa concepção a adaptação em análise estrutura­se   pela   livre   criação,   que   apesar   de   manter   a   narrativa   do   romance,   o   desloca   e   o resignifica propondo assim, novos valores e novas expressões de sentido ao novo produto.

2 – O MÚLTIPLO: O PRIMO BASÍLIO.   Ao se falar em O primo Basílio podemos considerar a produção de duas obras significativas para  esse  estudo:   o   romance e   o   filme,   entretanto   cada produção usa   seus próprios recursos. A linguagem literária, por exemplo, é uma arte que trabalha essencialmente com recursos   da   imaginação,   pois   depende   principalmente   do   potencial   de   seu   autor,   na elaboração de sua narrativa,  dos personagens,  das ações e   tramas.  Tem como apoio fundamental a figura de um leitor que, com sua capacidade de conectar­se a esse universo criativo, acrescenta­lhe de maneira particular o seu mundo e comunga desta linguagem com suas próprias experiências.O produtor que  trabalha com o audiovisual, além da  linguagem verbal, escrita ou oral, dispõe de outros meios de expressão,  tais como a música e a imagem visual. Tem­se, portanto, a arte do cinema que transforma palavras em imagens a partir da visão de um roteirista,   da   manipulação   do   diretor,   o   que   propicia   uma   atmosfera   mágica,   que   se aproxima da literatura, por meio de um jogo, concretizado por linguagens, que seduz, e envolve seu espectador.  

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Ana Belline em ­ Roteiro de Leitura: O primo Basílio de Eça de Queirós ­ problematiza como essa   obra   datada   pode   servir   como  trama   para   outros   veículos   de   comunicação.   Ao responder este questionamento, a autora afirma que o equilíbrio entre o histórico e o atual faz com que a obra de Eça, atinja grande repercussão, pois apesar de se ler  O primo Basílio como uma fiel crônica de costumes do fim do século XIX, também pode ser ler este enredo, por meio de sua temática, por perspectivas atuais, fato este que o aproxima e o renova com os mais variados públicos leitores. Outro aspecto levantado por Belline é o equilíbrio existente na obra entre o local e o universal. Por local, Belline entende a temática especificamente portuguesa proposta pelo livro, como a típica paisagem, a geográfica, a população. Já por Universal, a autora afirma ser a obra artística que pode ser realizada ou compreendida em qualquer outro país. Segundo a autora (1997), “O primo Basílio, apesar de intensamente português, possui uma história que poderia ter ocorrido em qualquer outra parte do mundo ocidental” (BELLINE, 1997, p.84). 

Publicado em 1878,  O primo Basílio  é  uma obra  fundamental do Realismo naturalismo português. O livro inova a criação literária da época, oferecendo uma crítica demolidora e sarcástica dos costumes da pequena burguesia de Lisboa. Desde sua publicação várias críticas  foram atribuídas a essa obra. A célebre crítica de Machado de Assis  (1878) a respeito do livro e seu fracasso ao empreitar uma ação moralizante, com seu enredo vazio e personagens títeres. Camilo Castelo Branco (1878), que diferente de Machado de Assis atribui ao livro alto teor moralizante e doutrinador; Além de Silviano Santiago (2000) que ao comparar o  romance português ao de Flaubert,  o engrandece,  já  que para Santiago o romance eciano ampliasse diante do romance francês. Para tal o autor afirma que:

[...] as relações entre Madame Bovary e o Primo Basílio, e como de certa forma poderia ela explicitar o mistério da criação no romancista português, ao mesmo tempo  que   deixa  clara,   não  sua  dívida  para   Flaubert,  mas  o  enriquecimento suplementar   que   ele   trouxe   para   o   romance   de   Emma   Bovary,   se   não enriquecimento,  pelo  menos  como  Madame Bovary   se  apresenta  mais  pobre diante da variedade de O primo Basílio. (SANTIAGO, 2000, p.52)  

Como se pode ver, os posicionamentos dos críticos sobre a obra eciana são variados e muitas vezes divergentes, propostos em diferentes épocas de produção e enfoques. Assim, com opiniões díspares a respeito do romance, o texto de Eça passa a ser consumido por gerações diferentes de leitores que atribuem novos significados a signos presentes na obra.

3 – ADAPTAÇÃO FÍLMICA: LINGUAGEM, RECRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃOA narrativa fílmica inicia­se em um ambiente luxuoso, o Teatro Municipal de São Paulo, local frequentado pela alta sociedade, já que a narrativa se passa na própria cidade de São Paulo, no ano de 1958. Além da alta sociedade paulistana estão presentes neste salão o casal Luisa e Jorge e o amigo da família, Sebastião; todos a fim de prestigiar a ópera Fausto. Em um intervalo da ópera, Luísa, ao regressar do banheiro, reencontra­se com o seu primo,  parente que estivera ausente por   longo período e  que  retorna ao Brasil  a 

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trabalho. Ambos cumprimentam­se, Luísa esclarece que está  casada e o convida para visita­lá. É assim que adaptação analisada introduz ao telespectador o universo eciano, e ilustra o encontro e notificação da presença de Basílio no Brasil. Desse modo o enredo fílmico desloca­se para o Brasil, mais precisamente para São Paulo, “a terra da garoa”, em finais da década de 1950.

A cena de abertura do filme ilustra com precisão a cidade de São Paulo e seu glamour através do Teatro Municipal. O  jogo de câmera  lançado pelo diretor para retratar esse primeiro ato fílmico é muito importante para situar ao espectador o novo universo em que a adaptação fílmica atuará. Para essa adaptação, o diretor fará o uso frequente de recursos diversos da câmera. Esse recurso será, na maioria das vezes, o uso de dois movimentos denominados:   panorâmica  e   travelling;   além de   recorrer   diversas   vezes   aos   planos  e enquadramentos. Para entender como articulam­se esses movimentos, recorre­se a Costa (1987) que explica que o movimento panorâmico trata­se de um movimento giratório da câmera que pode ser horizontal, ou também à direita ou à esquerda, e se a rotação for completa, panorâmica de 360º; tem­se também a panorâmica vertical de cima para baixo ou vice­versa, além da oblíqua. Ampliando essas informações sobre os recursos propiciados pela panorâmica, podemos também subdividi­las em três funções: a descritiva, a expressiva e   a   dramática.   Já   o   movimento   de   travelling,   segundo   Costa   (1987)   compreende   o deslocamento de olhar propiciado por uma câmera que mesmo fixa em um carro move­se para captar toda dimensão da cena.

A partir  da abertura do  filme, pode­se perceber que o diretor  lança mão dos  recursos possibilitados pelas câmeras para indicar a ideia de luxo e grandiosidade do cenário a ser apresentado. A primeira cena fílmica trata­se da exposição do Teatro Municipal de São Paulo. Nesta sequência é possível observar que o diretor recorre ao aspecto descritivo de uma tomada em panorâmica vertical, pois se faz um apanhado de todo teatro; a imagem inicia­se pela parte superior do prédio regido pelo movimento de câmera que compreende o ato de cima para abaixo, realizando uma espécie de descrição daquele luxuoso ambiente1, o que propicia destaque, ênfase, ao espaço selecionado. É nesse espaço luxuoso que se dá o reencontro, pela primeira vez, de Luísa e Basílio. A atmosfera lírica proposta pelo livro é   mantida   pela   adaptação,   pois   Luisa,   ao   ver   seu   primo,   espanta­se   admirada,   pela grandiloquência de sua presença. 

Basílio?!­ Prima?! Como estás Mudada!­ Velha?!­ Linda...­ Eu casei.­ Não acredito que você tenha feito isso comigo.­ Me conta, fazendo o que na terra da garoa?

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­ Vim conferir se São Paulo não pode mesmo parar. E morrer de desgosto por ter perdido você. A verdade é que meu coração nunca saiu daqui. (diálogo retirado do filme)

Ao analisar esta cena, percebe­se que o diretor mantém Basílio em um plano superior ao de Luísa, este fato indica de forma simbólica a “superioridade” do homem, na figura do primo, em relação à mulher, com isso retrata­se a fraqueza e fragilidade da prima. Nota­se uma considerável distância entre os primos, distância esta, que passa a ser lida nesse trabalho como uma forma de empecilho entre o casal, pois a prima, Luísa, encontrasse casada2. Essa cena tem um importante papel para compreensão da narrativa, pois é  através da fisionomia  de  Luisa,   do  diálogo  entre   os  primos,   do  olhar   por   debaixo  da  escada de Sebastião e Jorge3, que o filme recupera do livro a sensação de envolvimento dos parentes. Envolvimento este  que será   confirmado ao  longo da narrativa  por  conversas entre  os próprios primos, e entre Luisa e sua amiga Leonor.

Para ilustrar essas significações, o jogo de câmera será um importante recurso para propor ressignificações e sensações à  obra; por meio de um  travelling, Luisa desloca­se pela escada, e então a câmera a acompanha, atenta aos seus movimentos como se fossem os próprios olhos dos telespectadores4. Desse modo, a câmera articula­se como um interprete da situação, pois guiará  e orientará  o  telespectador na cena. Marcel Martin  (2005), ao abordar o jogo estabelecido pela câmera, afirma que esse instrumento deixou de ser, muito cedo, apenas um registrador passivo, abandonando a função extremamente objetiva dos acontecimentos “para se tornar a sua testemunha ativa e a sua  interprete...,  isto é, um processo  através   do  qual   o   olho  da   câmara   se   identifica  ao   olho   do  espectador   por intermédio do herói.” (MARTIN, 2005. p.41). No romance, é a partir da voz enternecida de Luísa que nos é apresentado à chegada à Portugal do personagem que nomeia o romance, Basílio de Brito:

— Ah! – Fez Luisa de repente, toda admirada para o jornal, sorrindo. —Que é?— É o primo Basílio que chega! E leu alto, logo: “Deve chegar por estes dias a Lisboa, vindo de Bordéus, o Sr. Basílio de Brito, bem conhecido de nossa sociedade. S. Ex. que, como é  sabido,  tinha partido para o Brasil, onde se diz reconstituíra a sua fortuna com um honrado trabalho anda viajando pela Europa desde o começo do ano passado. A sua volta à capital é um verdadeiro júbilo para os amigos de S. Exª. Que são numerosos”— E são! –disse Luisa, muito convencida. (QUEIRÓS, 1997, p.14)

O desencadeamento da narrativa cinematográfica acompanha o romance, pois Eça começa o seu livro praticamente no meio da história, quando Jorge e Luísa já estão casados, de modo que o passado de ambos vai sendo revelado aos poucos com o auxílio de objetos, retratos,  móveis.  Esse é  um  recurso que se  vale  a adaptação audiovisual  que se  fez 

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presente nos escritores realistas do século XIX. Tânia Pellegrini confirma essa posição, pois segundo a autora:

Os escritores realistas, grosso modo, podem ser vistos como alguém que usava uma câmera, como dissemos; todavia, quando nos carregam com eles da praça para a rua, da rua para a casa e daí para os cômodos específicos onde vivem as personagens, fazem isso com a quantidade e a qualidade da sugestão verbal que,   por   meio   da   leitura,   traduzimos   em   imagens   mentais.   Os   cômodos,   os objetos, as personagens e o próprio movimento são parte de uma espécie de ‘olho   da   mente’   que   pertence   ao   mesmo   tempo   ao   autor   e   ao   leitor. (PELLEGRINI, 2003, p.25)

De acordo com o enredo, o marido de Luísa precisa se ausentar de casa. Uma alternativa do diretor foi requisitar o  jovem engenheiro para coordenar a construção em Brasília, a futura capital brasileira. Este recurso é utilizado pelo roteirista para justificar a ausência de Jorge, que no livro viaja ao Alentejo. Para isso, o roteirista lança mão de um evento que realmente ocorreu no Brasil. Esse recurso aumenta a verossimilhança e contextualiza a obra. Segundo Hélio Guimarães,                                Trata­se de uma conjunção curiosa: ao mesmo tempo em que a referência à história e à  

nação imprimem relevância à ficção, são as personagens ficcionais que legitimam a dimensão factual dos relatos históricos, sentimentalizados e transformados em ficção. Os  fatos históricos  referidos pelas personagens ficcionais  são em tese verdadeiros, mas tornam­se mais verossímeis por meio de ficção, que reforça a ilusão de realidade histórica. (GUIMARÃES 2003. p.103)

No  filme,  as   tramas secundárias do   romance desaparecem,  restando apenas a  amiga adúltera de Luísa que passa a se chamar Leonor, e o amigo da família Sebastião. Leonor tem as mesmas características de Leopoldina, possui amantes, fuma, bebe, é difamada por “toda” São Paulo, sendo conhecida como “a maçaneta”. Sebastião é o amigo fiel de Jorge, que tenta encobrir as saídas de Luísa para que a mesma não seja mal vista. Ele é  o ajudante,  o  personagem que auxilia  a   recuperar  as  provas do adultério  e   livrar­se  de Juliana. Essas modificações, esse enxugamento, ajuda a condensar a trama narrativa. A morte   de   Juliana,   por   exemplo,   foi   modificada.   No   filme,   a   empregada   é   morta   por atropelamento, fato esse que colabora para atualização da história, enquanto no livro ela sofre um infarto. Observe a passagem que aborda a morte da empregada no romance, quando a mesma vê­se desempregada e com seu futuro corrompido, pois as cartas que a mantinham esperançosa foram retiradas por Sebastião:

— Vá, ponha o chapéu, e pra rua!Juliana então alucinada da raiva, com os olhos saídos das orbitas, veio para ele e cuspiu­lhe na cara! Mas   de   repente   a   boca   abriu­se­lhe   desmedidamente,   arqueou­se   para   trás, levou com ânsia as mãos ambas ao coração, e caiu para o lado, com um som mole, como um fardo de roupa. Sebastião abaixou­se, sacudiu­a; estava hirta, uma escuma roxa aparecia­lhe aos cantos da boca. (QUEIRÓS, 1997. p. 393 ­ 394)

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A partir das modificações manifestadas pelos recortes, supressões e acréscimos, inferi­se a importância do contexto sócio­histórico­cultural no processo de transcriação para a tela de obras provenientes do universo literário.Por esse viés, na trama fílmica os personagens Leonor, antes Leopoldina, e Sebastião adquiram novas projeções. Por exemplo, Leonor ao saber da doença e do estado grave no qual se encontrava sua amiga Luísa, resolve visitá­la no hospital. A jovem enferma ao se deparar com Leonor a afugenta aos gritos, proferindo insultos e xingamentos a personagem. Essa cena no filme adquire maior proporção do que no   livro,   talvez   pela   opção   do   jogo   de   câmera,   dos   enquadramentos,   dos   planos   de filmagem, além do close­up na fisionomia das personagens5. Filmado em planos médios as cenas em close da visita  de Leonor ao hospital,   captam o   rosto de Leonor e  a  raiva expressa por Luisa. Para maior significação a cena foi registrada em plano contra plano, isto é, elas são mostradas alternadamente, ora sentimento de ódio de Luísa, ora a tristeza de Leonor devido à reação da amiga. Já a Sebastião coube a morte de Juliana, pois é ele que dirige o carro que atropela a empregada. No livro, esse caráter “carregado” não faz parte do personagem.

A adaptação fílmica retoma um dos recursos utilizados pela minissérie, produzida pela rede Globo de televisão em 1988: o olhar através dos espelhos. Em algumas cenas de Luísa com Basílio, o diretor lança mão de diálogos travados através de espelhos. O reflexo da protagonista está em primeiro plano enquanto ambos conversam. Esse recurso ilustra o caráter de Luísa, que quanto está com seu primo torna­se, por assim dizer, outra mulher. 

Tal qual o livro, um dado importante para a trama também é ressaltado pelo filme: a tensão entre Juliana e Luísa. A obra audiovisual encena a fala da empregada proposta no livro, que ilustra a disputa de classe, e a visão de Juliana como personificação da exploração do proletariado. O recurso lançado para essa personificação é o jogo de câmera que guiará o telespectador   e   definirá   as   personalidades  das  personagens.  Ao   focalizar   Juliana,   por exemplo, o seu quarto, sua rotina, seu figurino, propiciará ao público conhecer e entender o porquê daquela revolta. Assim como no livro, o filme mantém o plano exterior em evidência sobre   o   plano   interior.   O   exagero   descritivo   dos   ambientes   reforça   e   complementa   a fragilidade psicológica daqueles personagens, que nada possuem de admiráveis. Emoções, sensações, desejos, revoltas surgem no texto como ações externas ao personagem, como é o caso de Juliana que não aceita as ordens de suas patroas, e o pouco caso com que é tratada: “Olha que propósito, irem duas mulheres sós por aí a fora, numa tipóia! E se uma criada então se demora na  rua mais meia hora,  credo que alarido! Que cabras, duas bêbadas! ( QUEIRÓS, 1997.  p. 89).

Para ilustrar bem essa disputa de classe e a ascensão da empregada frente à patroa, o diretor  recorre aos enquadramentos e aos planos,  frequentemente: médio e americano. 

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Pode­se perceber o uso desses planos ao analisar a cena na qual Juliana adverte Luísa sobre as reclamações de Jorge. A empregada encontra­se em degraus mais alto da escada indicando, com isso, um ar de superioridade6.  Nesta cena Juliana é retratada em plano médio, todo o seu corpo está à mostra, em evidência, o que sugere um ato de dominação, enquanto a  imagem de Luisa não é   integral, está  de costas, submissa. Em seguida, a câmera filma pela perspectiva da empregada o rosto de Luísa, que agora encontrasse no mesmo degrau da escada que Juliana. A empregada frisa novamente suas ordens para deixar   evidente   de   quem   é   o   comando   naquela   residência7.   Nesse   processo   ocorre realmente a reconfiguração de papéis, a empregada passa a ser a dominante e a patroa a dominada. O trecho a seguir pontua a postura de Juliana perante os serviços realizados pela patroa:         

Luisa começou a completar  todas as manhãs os arranjos. Juliana percebendo logo; e muito tranquilamente decidiu­se a deixar­lhe cada vez mais com que se entreter. Ora não varria, depois não fazia a cama, enfim pela manhã não vazava as águas sujas. Luísa foi espreitar no corredor que Joana não descesse, não a visse e fez ela mesmos os despejos! (QUEIRÓS, 1997. p.314)8

Para Juliana, as tarefas domésticas não eram mais suas obrigações e qualquer objeto que lhe  lembrasse o serviço de casa tinha para o personagem outra significação. Por  isso, Juliana enfrenta a patroa ao se negar em encher de água um bule. Na frente do marido, amedrontada, Luísa chama a atenção da empregada que sairá mais uma vez e deixará toda atividade por fazer:                                     —Então que desaforo é esse, sair e deixar tudo por arrumar?                                        Disse Luísa logo, erguendo­se.                                                                               —Não lhe torne a acontecer semelhante coisa, ouviu? A sua obrigação é estar em cassa pela 

manhã. Mas o olhar de Juliana que se cravava nela terrivelmente, emudeceu­a. Agarrou no bule   com   as   mãos   tremulas:   —Deite   água   nesse   bule,   vá!   Juliana   não   se   mexeu. (QUEIRÓS, 1997. p.365)

Nesse contexto o bule passa a ter novo significado, o da submissão, ao afrontar a ordem da patroa, a empregada deixa claro de quem é  a ordem de comando naquela residência. Portanto,  um objeto doméstico passa a  ter  novo significado nesta situação, pois  lhe é atribuído outro valor simbólico. Sobre esse prisma Marcel Martin comenta,

[...] a força e a eficácia do símbolo serão tanto maiores quanto menos visível ele for de início, quanto menos fabricado e artificial ele parecer. É evidente, porém, que as possibilidades da expressão simbólica dependem do estilo e do contexto (...)   o   processo   normal   do   símbolo   é   sempre   fazer   surgir   uma   significação secundária e latente sob o conteúdo imediato e evidente da imagem. (MARTIN, 2005. p. 105)

A transcodificação de uma obra literária, ou seja, a transposição desta para outro código só é   possível   porque cada  obra   literária  oferece múltiplas  possibilidades de  interpretação (função poética,   artística,   estética  da   linguagem,  função  social).  Balogh  (2005)   tece  o seguinte comentário ao dissertar sobre adaptação e transmutação: “O filme adaptado deve 

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preservar em primeiro lugar a sua autonomia fílmica, ou seja, deve­se sustentar como obra fílmica,   antes   mesmo   de   ser   objeto   de   análise   como   adaptação”   (p.85).   A   autora complementa afirmando que “na prática, se reconhece como adaptado o filme que conta a mesma história do livro no qual se inspirou, ou seja, a existência de uma mesma história é o que possibilita o ‘reconhecimento’ da adaptação por parte do destinatário” (p.86). É o que acontece com a película em apreciação, que lança mão de uma narrativa propiciada em um livro, que apesar de algumas modificações se mantém interligada ao original. 

4   ­   OS   ELEMENTOS   ACESSÓRIOS:   A   CONTRIBUIÇÃO  DE   ALGUNS   OBJETOS   E SITUAÇÕES PRÉ­ANUNCIADAS PARA O DESENROLAR E DESFECHO DA NARRATIVAAo analisar a lógica intrincada do enredo de O primo Basílio (1878) pode­se perceber por inúmeras situações que o destino de alguns personagens são determinados pelo acaso, isto é,  por algum aspecto ou acontecimento sob o qual não se pode exercer qualquer controle ou determinação. Dentre esses elementos configuram­se a partida de Jorge para o Alantejo e a chegada de Basílio justamente nesse período. Além da morte pré­anunciada de Juliana   que   no   livro   aparece   constantemente   com  a   saúde   debilitada   e   aspectos   de amarelidão, indícios de sua morte por infarte. Além da morte de Luisa pré­anunciada no livro no desfecho de “Honra e paixão”, peça de Ernestinho Ledesma. Outros elementos que podem ser  incorporados nessa configuração são as cartas de amor de Luísa e Basílio, elemento esse que determina o desfecho da narrativa. 

Na   adaptação   audiovisual,   esses   elementos   são   introduzidos   de   forma   decisiva   na estruturação   da   narrativa.   Para   efeito   ambientação   Jorge   continua   engenheiro   e   é convocado para construção de Brasília. A personagem Juliana,  tal como o livro,  inspira cuidados médico constantemente. Porém, o grande elemento acessório preservado pela adaptação são as cartas e os bilhetes trocados entre os amantes. Desse modo, em um primeiro momento  tem­se na narrativa  fílmica o bilhete escrito por Basílio a sua prima desculpando­se da atitude imprudente que cometerá ao tentar beijá­la e marcando com ela uma nova visita. Logo em seguida, Basílio envia outro bilhete comemorando o entrelace amoroso que teve com a prima. Ao receber o papel a jovem Luisa corre para escritório para responder ao seu novo amado9. A cena audiovisual aproximasse muito da relatada pelo romance, o qual aponta que  

[...] tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava­se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia­lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações! (QUEIRÓS, 1997, p.72) 

A atuação desses elementos, com sua simbologia e força de persuasão é mantida de forma significativa na  adaptação,   o  que possibilita   várias   leituras que a  narrativa  audiovisual 

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conseguiu preservar,   respeitando, como se pode constatar,  características  inerentes ao discurso queirosiano. A simbologia atribuída ao cesto de lixo do escritório de Jorge é outro elemento, pois ilustra essa relação de significados. Uma vez que, Luísa toda feliz com seu amante, volta­lhe  trocar carícias via bilhetes, e em um desses bilhetes, quase em seu findar, é atirado ao cesto de lixo, pois Dona Felicidade, uma amiga da família, chega de forma   inesperada.   Ao   concretizar­se   essa   passagem,   percebe­se   um   exemplo   de plurissignificação da linguagem de O Primo Basílio, que segundo Aniceta Mendonça, “é desta caixa de papéis que Juliana irá furtar o rascunho da carta de Luísa para Basílio. Uma caixa que deveria ser o caixão de um segredo e é  afinal o  lugar onde  jaz a morte da tranqüilidade do amor adúltero”. E assim que de posse dessas cartas, principal aparato da chantagem, que Juliana adquire o controle da casa. Além de ser por meio de uma carta endereçada a Luisa pelo amante que Jorge descobre a traição da esposa. Há, portanto, vários   aspectos   que   permitem  à   carta   enquanto,   “elemento   acessório”,   constituir   fator determinante no enredo,   tanto  ligado ao desenrolar  da  intriga quanto à   construção da personagem. 

Desse   modo,   ao   tratar   da   primeira   carta   recebida   por   Luisa,   o   diretor   opta   pelo enquadramento em plano  fechado,  o  que possibilita  maior  detalhe do objeto a   fim de informar o espectador a respeito do conteúdo escrito: “Meu amado Basílio, nunca pensei que tivesse coragem, mas teu beijo me trouxe todas as [...]”. No enquadramento proposto pelo filme, o bilhete aparece em destaque, uma vez que seu conteúdo é o mais importante. Para tal outros elementos são anulados ou contribuem com a cena. A escrivaninha não qual Luisa apóia para escrita do bilhete é escura, o que possibilita maior visualização ao papel. A própria personagem Luisa nessa cena fica em “segundo plano”, seu cabelo, corpo passa a não ter tanta definição, o destaque recai sobre o bilhete 10

A carta enviada por Basílio a Luísa é outro elemento decisivo para o desfecho da narrativa. Nesta carta o primo explica o porquê não respondeu a carta da amante e esclarece que sua saída de Portugal  foi  puramente veiculada a negócios.  Insiste em relembrar os tempos passados ao lado de Luísa e espera vê­la quando retornar a Portugal. O conteúdo dessa carta tem destaque especial na adaptação fílmica, uma vez que o marido de Luísa, Jorge, tem acesso a ela e a lê. Essa cena é realizada no filme por meio de um enquadramento em primeiro plano, o que propicia maior destaque ao rosto de Jorge e consequentemente a sua tristeza e sofrimento11.   Esse recurso possibilita ao espectador acompanhar a  leitura do conteúdo escrito ao mesmo tempo em que acompanha a reação do personagem ao tomar conhecimento da traição da esposa. A importância do primeiro plano nesta cena evidencia os conflitos interiores e as emoções das personagens é ressaltada pelas palavras de Marcel Martin (2005): Sem dúvida, é no primeiro plano do rosto humano que se manifesta melhor o poder de significação psicológico e dramático do filme. (MARTIN, 2005 p.37). Acompanhe a adaptação da carta utilizada pelo filme:

Paris, 29 de outubro de 1958

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Luísa, meu amor, Só hoje, ao chegar de Frankfurt, foi que recebi tua carta de um mês atrás. Você já deve ter resolvido o caso da empregada chantagista. Caso contrário, manda um telegrama que a gente vê o que se pode fazer. Não há dias que não me lembre de nossas tardes deliciosas no paraíso, nossos corpos entrelaçados, nossos beijos...  Teu, sempre, Basílio. (fragmento retirado do filme Primo Basílio)

A leitura da carta por Jorge passa a ser regida por uma tomada trágica; seu texto perpassa por toda a cena, como a simbolizar que o conteúdo dessa carta passara por toda a cabeça de Jorge. O personagem, estático, o ambiente sombrio, triste, escuro, tudo propiciado pelo jogo de câmera escolhido pelo diretor. A respeito desse mecanismo, Marcel Martin, afirma: 

Verifica­se a importância do movimento da câmara: densifica­se, se assim se pode dizer, conferindo ao espaço uma presença sensível (o que a montagem não faz, pois corta o espaço), a íntima coexistência dos seres na totalidade. Ao contrário da planificação, restitui a presença indivisível do mundo, o encadear dos destinos, a sua fusão no determinismo universal. A segunda função essencial do movimento da câmara é  a  expressão da  tensão mental  de uma personagem. Nesse caso,  os movimentos valem por si próprios; ainda que tenham também por finalidade trazer para   o   campo   um   elementos   importante   para   a   continuidade   da   ação,   o   seu interesse  provem principalmente  do   fato  de  materializarem a   tensão  mental  da personagem por conta da qual são colocadas (MARTIN,2005. p. 205) 

Desse modo, os elementos acessórios permanecem na adaptação audiovisual como no romance, e até na linguagem fílmica adquirem uma nova caracterização, como é o caso das cartas, por exemplo, que além de retratar o conteúdo e a expressão do adultério, também adquire função simbólica propiciada pela edição e jogos de câmeras lançado pelo diretor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: O filme em apreciação, apesar da transposição de época, manteve a atmosfera lírica e a ironia presentes no romance de Eça. A abordagem de Daniel Filho propiciou à película uma cadência e um ritmo que comungam com o romance. Esse efeito só foi possível porque algumas das alterações recriadas pelo diretor compreenderam o campo em que literatura e cinema se interceptam, encontrando, assim, uma esfera comum de operações que pode ser descrita com as mesmas noções e devidas aproximações entre essas linguagens.

Quando se analisa uma produção fílmica que tem como ponto de partida uma obra literária, vários   aspectos   devem   ser   considerados,   pois   a   transcodificação   dessas   linguagens resultou  em  transformações   inevitáveis   diante   da  mudança  de   suporte,   além da  nova abordagem ocasionada por contextos e modos diferentes de produção, revelando assim, que  a  nova obra   tornou­se  autônoma,   sujeita   então a   comparações e   críticas,   porém mantendo constantes vínculos e referências com o texto que lhe serviu de base. Ao se estudar   os   diferentes   suportes   da   comunicação,   é   preciso   compreender   que   estamos lidando com obras independentes que utilizam artifícios típicos dos meios nos quais estão 

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inseridos, para despertar sensações e atrair a empatia e a identificação do público com os universos apresentados.

Desse modo, este artigo procurou salientar as  interfaces de uma mesma narrativa em mídias diferentes, dando ênfase à obra cinematográfica, buscando apresentar os recursos técnicos utilizados para transpor a narrativa da linguagem literária para a linguagem fílmica. Para isso, buscou­se explorar algumas cenas presentes na adaptação audiovisual, assim como seus efeitos e recursos cinematográficos, como o  jogo de câmera, as noções de planos, símbologias, dentre outros recursos específicos da linguagem do cinema. Assim, observa­se que ao se estudar adaptações, não se pode reconhecê­las como simples cópias ou tentativas de reprodução de um texto, uma vez que cada mecanismo de comunicação possui suas especificidades, e a relação intertexto se constrói sempre entre diversos textos e texturas sociais, num constante fluxo de ideologia, manifestações e criação.

NOTAS:    1­  No anexo encontra­se dois fotogramas que ilustram as tomadas de panorâmica referente ao Teatro Municipal de São Paulo – (Figuras 1. e 1.1).2­  Em   anexo   o   fotograma   representa   a   distância   entre   os   primos   –   Luisa   e   Jorge   encontram­se   nas escadarias do Teatro Municipal. Esse fotograma encontra­se em anexo (Figura 2).3­ Sebastião e Jorge olham Luísa e o primo no alto da escada. A câmera retrata a perspectiva dos amigos. Lê­se esse fotograma no anexo por figura 3.4­ No anexo encontra­se o fotograma que indica o uso de travelling: Luísa caminha pela escada e a câmera a acompanha como se fossem os olhos dos espectadores. (Figura 4).5­ Em anexo, figura 5, rosto de Leonor carregado pela tristeza e angústia em relação ao desprezo de Luísa.6­ O fotograma da figura de número 6 corresponde a essa passagem, observar no anexo. 7­ Em anexo, essa passagem está assinalada no fotograma da figura de número 7.8­Luísa  começa  a   fazer   os   serviços   domésticos  da  casa.  Uma  das  cenas  do   filme  que   ilustram  essa transformação está representada no fotograma em anexo correspondente a figura 8.9­ Em anexo, Luísa sobre a escada admirando as flores e o bilhete de Basílio. Fotograma representado na figura 9.10­ Fotograma em anexo representado na figura 10.11­  Sequência de fotogramas que representam o momento que Jorge descobre a traição da esposa. No anexo encontra­se os fotogramas representados pelas figuras de número 11; 11.1; 11.2.  

*  Carlos Alberto Correia é  mestrando em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal   de  Mato  Grosso  do   Sul.   Especialista   pelo   Centro   Universitário   da  Grande Dourados (2008). Graduado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Penápolis (2005). Professor da Rede Pública de Ensino Estadual e Municipal de Mato Grosso do Sul. 

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Anexo: Os fotogramas abaixo representados fazem parte do trabalho e ilustram os pressupostos acima indicados nas notas acima. 

Figura ­ 1 Figura – 1.1

Figura – 2. Figura – 3.

Figura – 4. Figura – 5.

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Figura – 6. Figura – 7.

Figura – 8. Figura ­ 9.

Figura – 10. Figura – 11.

Figura ­ 11.1 Figura ­ 11.2

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Filmografia:O PRIMO BASÍLIO. Direção: Daniel Filho. São Paulo: Lereby produções. Distribuído pela Buena Filmes, 2007. 1 DVD (104 min).