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Universidade Presbiteriana Mackenzie
CINEMA E PUBLICIDADE: ANÁLISE DO FILME "COMO ÁGUA PARA CHOCOLATE" SOB A ÓTICA DO APELO SENSORIAL DAS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS NO GÊNERO ALIMENTÍCIO.
Mariana Rufo Ferreira (IC) e Osvaldo Takaoki Hattori (Orientador)
Apoio:PIBIC Mackenzie
RESUMO
As campanhas publicitárias no gênero alimentício podem ser consideradas, no Brasil, as mais
criativas e mais presentes em mídias offline e online. Existem diversas abordagens usadas
para atrair o público-alvo que são, em sua maioria, apelos sensoriais. Esses apelos são
empregados com o intuito de transmitir, da forma mais precisa, os sentimentos de prazer,
felicidade e satisfação que um alimento pode proporcionar. O filme "Como água para
chocolate" exemplifica 5 como os apelos sensoriais foram explorados através do preparo dos
alimentos, por isso, será possível estabelecer algumas comparações com as estratégias que
a publicidade utiliza para estimular o consumo. O referencial teórico contou com as
abordagens de Cascudo (1983), Featherstone (1999), Fernandez-Armestro (2004), Malhotra
(2001), Martins (1999), Proust (1913), Vieira (1999), Vanoye, Goliot-Lété (2006).
Palavras-chave: alimentação. publicidade. cinema.
ABSTRACT
Advertising campaigns in the food genre are, in Brazil, the most creative and most
present on offline and online media. There are various approaches used to engage the target
audience, that are, mostly, sensory appeal. These appeals are used in order to transmit in the
most accurate way, the feelings of pleasure, happiness and satisfaction that a food brings. The
movie "Like water for chocolate" elucidates one of the sensory appeals explored in the movie,
therefore, when the movie is analyzed, it is possible to compare the strategies that advertising
uses to stimulate consuption. The theoretical reference had the approaches of Bertomeu
(2002), Cascudo (1983), Featherstone (1999), Fernandez-Armestro (2004), Malhotra (2001),
Martins (1999), Proust (1913), Vieira (1999), Vanoye, Goliot-Lété (2006).
Keywords: diet. advertising. cinema.
XIV Jornada de Iniciação Científica e VIII Mostra de Iniciação Tecnológica - 2018
1. INTRODUÇÃO
A primeira relação do filme "Como água para chocolate" com a pesquisadora deste
trabalho foi durante a graduação em uma de suas pesquisas acadêmicas. Em seu
desenvolvimento, notou-se a semelhança do longa-metragem com diversas campanhas
publicitárias de alimento no Brasil, e também com uma novela brasileira. Ao aprofundar-
se no tema, vemos que o conteúdo está intrínseco na cultura latino-americana de maneira
mais profunda do que apenas na abordagem de um filme.
Assim sendo, a proposta da pesquisa atual é refletir sobre a obra cinematográfica, na
tentativa de estabelecer conexões entre as personagens em suas relações com o alimento
e o modo como as campanhas publicitárias atualizam a temática a ponto de despertar o
consumo através do apelo sensorial.
Dada a força comunicativa que as mídias exercem para as questões alimentícias,
interessa nesta pesquisa investigar a tríade: alimentação, publicidade e cinema. O filme
“Como água para chocolate” será alvo da pesquisa por se tratar de um roteiro que
descreve a protagonista como detentora de sentimentos, os quais passa para o alimento
na medida em que os cozinha.
É interessante notar que, grosso modo, a mídia vem dando destaques e abrindo
espaços para que conteúdos relacionados à gastronomia sejam cada vez mais divulgados.
Esse aspecto pode estar relacionado ao crescente interesse da sociedade pelo assunto,
visto que a alimentação exerce um papel fundamental por ser um fator importante de
sociabilização. É interessante considerar que, culturalmente, há uma série de simbolismos
e rituais no ato de se alimentar. É uma ocasião em que há prazer, festa, comemoração e
outros eventos que vão além da simples nutrição do corpo.
O mercado vem sendo aquecido com o surgimento de novos produtos alimentícios, e
a audiência vem crescendo na medida que novas programações surgem. Nas redes
sociais ou em sites da internet, do mesmo modo, é possível verificar que receitas, lugares,
dicas, dentre outras ações, despertam o público das diferentes classes sociais e de
diferentes idades.
O longa-metragem aborda o gênero de ficção dramática, drama fantasioso, romance,
etc. envolvendo a personagem Tita (protagonista do filme) que nasceu na cozinha da casa
da família, quando sua mãe estava cortando cebolas. Logo em seguida, seu pai morreu
de um ataque cardíaco ao ter sua paternidade questionada. Por essa razão, Tita tornou-
se vítima de uma tradição local, que afirmava que a filha mais nova não poderia se casar
e, em vez disso, deveria dedicar-se a cuidar da mãe até a sua morte.
O filme é baseado na obra de Laura Beatriz Esquivel Valdes (1950) escritora política
mexicana que escreveu “Como água para chocolate” no ano de 1989. Esta obra literária
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foi traduzida em mais de 30 idiomas. No ano de 1992, o diretor mexicano Alfonso Arau
(1932) produziu o filme “Como água para chocolate” baseando-se neste livro e obteve
tanto sucesso que foi indicado ao BAFTA, Globo de Ouro, Prêmio Goya além de prêmios
de melhor atriz para Lumi Cavazoz e de melhor atriz coadjuvante para Claudette Maillé do
Festival de Gramado.
Ao crescer, Tita se apaixona por Pedro Muzquiz, que corresponde a seus sentimentos
e quer casar-se com ela. Entretanto, a mãe da moça proíbe o casamento, e sugere que
ele se case com Rosaura, a irmã dois anos mais velha de Tita. O rapaz aceita, pois esta
é a única maneira de se manter perto de sua verdadeira amada.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico desta pesquisa baseia-se em diversos estudiosos da área de
publicidade, cinema, antropologia e alimentação. Os principais são: Ensaio sobre a análise
fílmica, de Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, usado para embasar a análise do filme;
Num instante: o cinema e a filosofia da modernidade, de Le:o Charnay, empregado
também nesta pesquisa para amarrar a história local com o filme; Comida como narrativa
da memória social, de Denise Amon e Renata Menasche, onde apoiou-se o referencial da
comida e a história cultural; Além, obviamente, do livro Como água para chocolate, de
Laura Esquivel, e o filme homônimo, no qual esta pesquisa foi baseada.
3. METODOLOGIA
A pesquisa prevê uma metodologia de abordagem qualitativa, isto significa que foi utilizada
uma técnica, de acordo com Malhotra (2001, p. 155), de "[...] pesquisa não-estruturada,
exploratória, baseada em pequenas amostras, que proporciona insights e compreensão
do contexto do problema [...]" que está sendo estudado.
O tipo de pesquisa foi o estudo de caso em que se pretende fazer a análise do objeto
(filme “Como água para chocolate”) através da observação atenta às características que
se assemelham às campanhas escolhidas.
Foi possível realizar a fundamentação teórica com o aporte de autores como Vanoye
(2006) que propõe a análise do filme propriamente dito. Isto implica em descrever o filme
para compreender e interpretá-lo do ponto de vista de sua estrutura, conteúdo e poética
(composição, sonografia, contexto, discurso, significado, sentimentos, etc.).
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Nesse viés, poderemos perceber como as campanhas são elaboradas do ponto de vista
estratégico, a fim de persuadir o consumidor para o ato da compra.
Autores como Cascudo (1983) e Fernandez-Armestro (2004), auxiliaram no desvelamento
da história da gastronomia e o significado cultural do alimento, além de outros que serão
considerados durante a realização do estudo. Assim, a pesquisa bibliográfica pode
fornecer uma visão ampla de assuntos como publicidade e gastronomia.
4. RESULTADO E DISCUSSÃO
Parte-se da hipótese de que, em diferentes culturas, o alimento e a cocção fazem parte
do dia a dia e da socialização dos diferentes grupos. O ato do preparo do alimento é muitas
vezes passado de geração a geração. Vale destacar que o sentido de cultura nesta
pesquisa opõe-se à ideia de natureza cultivada (próprio das ciências biológicas) mas deve
ser entendido no campo da área da comunicação. Ou seja, a alimentação ou o ato culinário
estará associado ao conjunto de características humanas, portanto culturais, que não são
inatas e que se criam e se preservam ou se aprimoram através da comunicação e
cooperação entre indivíduos em sociedade.
A cultura, portanto, será entendida como resultado da produção e transmissão de
conhecimentos. No Cristianismo, por exemplo, existem diversas ocasiões em que a
comida é o elemento principal da comemoração: Sexta-Feira Santa, dia em que se
relembra a crucificação de Cristo. Nesta data, famílias cristãs juntam-se para realizar uma
refeição, na maioria das vezes um prato de bacalhau. No Islamismo, durante o Ramadã
(mês em que se pratica um jejum no período em que o sol está aparente), após o pôr do
sol, famílias preparam um banquete de alimentos típicos do Oriente Médio.
Assim, a culinária torna-se uma tradição que se integra aos hábitos de um povo e se
diferenciam em cada cultura. Devido à globalização e da comunicação em rede, uma
cultura consome o que vem de outra. Todavia, comumente nota-se o reconhecimento da
procedência ou da origem de determinado prato ou culinária. Essas características são
diferenciadas não apenas por ingredientes tipicamente regionais de cada cultura, mas
também como são preparadas, apresentadas e consumidas.
Ao consumir o alimento para a sobrevivência, o ser humano passa a compreender o
significado social que esse ato proporciona. Do sentar à mesa passa-se a comunhão de
uns para com os outros, dá-se o envolvimento afetivo. Em momentos com a família, por
exemplo, o alimento se torna memória, isto é, o que se prepara de maneira cuidadosa
deixa saudades, e mesmo que o tempo passe é possível resgatar a lembrança do sabor
de um alimento. As experiências saudosas com o alimento se tornam registro nos escritos
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Marcel Proust (1871-1922): “[...] Mas, quando nada subiste de um passado antigo, após
a morte dos seres, após a destruição das coisas, apenas o cheiro e o sabor, mais frágeis
mas vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, permanecem ainda por muito
tempo, como almas, a fazer-se lembradas, à espera sobre a ruína de tudo o resto, a
carregar sem vacilações sobre a sua gotinha quase impalpável o edifício imenso da
memória” (PROUST, 1913, p. 57).
É nesse sentido que “[...] a relação que se estabelece aqui entre a comida e a memória
está fundamentada na ideia de que a comida tem uma dimensão comunicativa” (AMON,
MENASCHE, 2008, p.4). Os produtos triviais como o alimento ganham status na cultura
capitalista e hoje se destacam enquanto bens simbólicos, o que significa que passam a
ser mais do que mera mercadoria. Estes produtos fazem parte da vida e do dia-a-dia como
uma forma de comemoração e como ligamento emocional de uma cultura a um indivíduo.
O universo da alimentação se destaca com imenso prestígio nas mídias. Estas, por
sua vez, lucram com a comunicação da gastronomia que é frequentemente marcada pela
manipulação das imagens, desenvolvidas pela publicidade. O apelo emocional associado
ao preparo dos alimentos e sua degustação determinam a constante motivação dos
desejos do consumidor em se parecer com o apresentador ou chefes que preparam e
manipulam os alimentos, ou mesmo os consomem.
Ao ter contato com a imagem, que passa a sensação de satisfação e prazer, o receptor
reativa seu sentimento de posse e, iludido com o simulacro da mensagem, crê e fantasia
a realidade e a vida cotidiana.
A cultura de consumo, por meio da publicidade, da mídia e das técnicas de exposição
das mercadorias, é capaz de desestabilizar a noção original de uso ou significado dos
bens e afixar neles imagens e signos novos, que podem evocar uma série de sentimentos
e desejos associados. (FEATHERSTONE, 1995, p. 160)
O consumo das imagens aguça os sentidos e desperta os desejos. Quando se inserem
no universo do sujeito que procura o espaço cinematográfico como entretenimento, faz
parecer que a comunicação é casual, longe de ser planejada estrategicamente. A
gastronomia enquanto símbolo de status e fator de distinção social se torna retratada nas
telas e a alimentação, muito mais do que uma simples necessidade básica, passa a ser
associada a uma série de simbolismos que estão estritamente interligados à cultura do
consumo.
No filme “Como água para chocolate” podemos notar que mesmo a tradição do
alimento estando presente, o preparo se evidencia como principal aspecto.
Ao tratar-se do longa-metragem “Como água para chocolate”, traz-se muito da cultura
mexicana e latino-americana para a análise. Somente o título do filme já mostra uma carga
cultural imensa: o título é um ditado mexicano, usado para explicar quando alguém tem
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um sentimento muito forte, pois, na cozinha mexicana, para misturar chocolate com água,
esta precisa estar muito quente, a ponto de fervura.
Por isso, quando alguém está demasiado triste, apaixonado ou irritado, diz-se que está
como água para chocolate. Sabe-se que “um filme jamais é isolado. Participa de um
movimento ou se vincula mais ou menos a uma tradição” (VANOYE, 2006, p. 22). Desse
modo, a obra se ancora em tradições latino-americanas, que são referência na arte e na
publicidade até hoje.
A seleção de algumas cenas poderá sumarizar questões relevantes. Neste caso, foram
escolhidas três cenas que apresentam, de forma mais clara e óbvia, o uso da transferência
de sentimentos para comida. A força comunicativa do filme evidencia essa “magia” que
pode ser uma analogia que também inspira campanhas publicitárias do gênero
alimentício.
A análise fílmica que se pretende, amplia outros aspectos da linguagem audiovisual como:
roteiro do filme, análise da história, técnica de filmagem e os elementos textuais e
extratextuais como luz, reação dos personagens, trilha e efeitos sonoros e composições
corporais, cenografia, figurino.
Algumas cenas servirão de exemplos de análise para fornecer o entendimento do
modo como o sentimento pode afetar positivamente ou negativamente, a culinária e
impregnar no alimento, determinada alteração dependendo de quem o faz.
É importante então descrever quais são os personagens do filme, pois são eles que
comunicam a mensagem.
Análise fílmica
Figura 1- (Arau Films International)
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Nesta cena selecionada, observa-se o preparo do bolo e o modo como ele é
manipulado pela protagonista que está muito triste por não ser ela a noiva e sim a irmã. O
diálogo dos personagens é estabelecido entre lágrimas que caem sobre a massa do bolo:
- Mama Helena: o bolo está pronto?
- Nacha: Não. Mas todo o resto está, senhora.
- Mama Helena: rápido. É meia-noite, e vocês têm que descansar antes da cerimônia. Já
vou dormir, até amanhã.
- Tita: até amanhã.
- Nacha, até amanhã, se Deus quiser (Tita chora).
- Nacha: solte suas lágrimas, menina (Nacha a abraça).
- Nacha: que amanhã não quero que ninguém a veja chorando, muito menos Rosaura. Eu
termino, vai dormir.
- Tita: Não, eu te ajudo, falta pouco
- Nacha: Vá dormir menina, eu me viro
- Nacha: só as panelas conhecem o ponto de fervura das sopas. Mas eu adivinho o seu.
(Tita deixa algumas lagrimas cair na massa).
- Nacha: e pare de chorar sobre a massa porque vai estragá-la. Anda, vá dormir (Tita tira
o avental, abraça Nacha e sai da cozinha. Assim que Tita sai da cozinha, Nacha prova a
massa do bolo e chora.)
A cena muda para menino cantando Ave-Maria em uma igreja no casamento de Pedro
e Rosaura e ouve-se uma conversa informal entre algumas mulheres:
-Mulher 1: pobre Tita. A irmã vai se casar com seu amado, comoveu-me, ver, um dia, na
missa
-Mulher 2: Pedro lhe passou uma carta de amor, perfumada e tudo.
-Mulher 1: E eu os vi de mãos dadas na praça. Estavam tão felizes. Dizem que morarão
na mesma casa. Se eu fosse Helena, não permitiria
A cerimônia de casamento começa e os sinos da igreja tocam enquanto Tita conversa
com alguns convidados e Pedro – o noivo se apresenta a Tita:
-Pedro: não vai me felicitar?
-Tita: Sim, como não? Que seja muito feliz.
-Pedro: Assim será, pois consegui, com este casamento, ficar perto de você, a mulher que
amo de verdade.
Uma convidada diz a Pedro: Felicidades, enquanto a Mama Helena se aproxima de Tita
iniciando uma reprimenda severa:
-Mama Helena: o que Pedro lhe disse?
-Tita: nada, mãe
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-Mama Helena: a mim não engana. Quando você vai, já estou voltando. Não se finja de
inocente. Pobre de você se eu a pegar de novo com o Pedro.
Após a cerimónia os convidados sentam-se à mesa e comem o banquete que havia
sido preparado e as conversas reforçam a alegria do ambiente nupcial.
-Está muito bom.
-Um pouco mais, por favor.
-Parabéns.
-Saúde, Pedro.
-Um brinde, saúde.
Todos aplaudiram os noivos e prepararam-se para um brinde, o bolo foi cortado e
servido aos convidados que passaram a chorar.
-Narradora fala: “o choro foi o primeiro sintoma de uma intoxicação estranha. Uma grande
melancolia e frustração apossou-se dos convidados fazendo-os procurar o pátio, os
estábulos e os banheiros. Com saudades do amor de suas vidas”.
Mama Helena levantou-se e entrou na casa a procura da foto de seu falecido marido
e todos os convidados se levantam, a narradora diz: “ninguém escapou do feitiço, só uns
afortunados conseguiram chegar aos banheiros, não participando assim, do acesso de
vômito que se deu em pleno rio”.
Rosaura correu pela ponte e Nacha faleceu durante a cerimônia. A Mama Helena
pergunta furiosa a Tita: que tipo de vomitivo pôs no bolo? Tita responde
indignada: vomitivo?
-Mama Helena diz: você e Nacha vão se arrepender de ter estragado o casamento (Mama
Helena levanta a mão para chicotear Tita) e Tita avisa: NACHA ESTÁ MORTA!
Descrição estética
Durante a primeira metade da cena, os enquadramentos atêm-se à primeiro plano,
plano médio e close ou plano detalhe, para dar mais ênfase nos sentimentos de Tita e
Nacha. Os planos detalhe mostram o rosto de Tita, suas lágrimas e a massa do bolo, com
uma tentativa de fazer o espectador perceber a conexão dos sentimentos e da comida.
A iluminação é fraca e indireta, o que torna as cores mais sóbrias e escuras,
destacando e acentuando a tristeza de Tita.
Na segunda metade da cena, os planos utilizados são o contra plano e plano médio.
Ao final da cena, vê-se planos gerais para mostrar a aflição de todos. Já na iluminação
dessa cena, como se passa em um pátio, a luz é natural e torna as cores mais claras,
porém sóbrias e frias. Isso pode ser atribuído ao diálogo entre Tita e Pedro após o
casamento, que esclareceu o intuito de Pedro em casar-se com Rosaura, porém, não
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deixa Tita mais feliz, muito menos, alivia sua aflição de ter uma de suas irmãs casadas
com o amor de sua vida.
O conteúdo fílmico revela a motivação das personagens no preparo do bolo da festa.
Vale destacar que o bolo é extremamente significativo em datas comemorativas e é a
principal iguaria nessa data festiva quando duas pessoas se unem em matrimônio. O
sentimento que a personagem sentiu de tristeza foi “transferido” para o bolo o que causou
náuseas nos que o comeram. Esse mito de transmitir sentimentos aos alimentos é muito
popular e para muitas pessoas, o simples fato de pensar em um prato favorito evoca
associações que combinam imagens, emoções, sentidos e memória numa mistura em que
é quase impossível separar os diferentes componentes.
Em campanhas publicitárias alimentícias, podemos notar esta mesma característica:
o alimento sendo preparado, e depois uma família desfrutando a refeição. A importância
que se dá em campanhas publicitárias à cocção do alimento e ao prazer e felicidade que
a comida oferece está em evidência nos detalhes destas campanhas: muitas vezes, a
maior parte de um comercial é destacado o cozimento, para depois, nos últimos frames,
apresentar a família desfrutando.
FIGURA.1 e 2- Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=u1AuPOFccjI
acesso em 20/05/2018
Não só na publicidade, mas no cinema e na televisão, o ato de como e porquê cozinhar
é abordado amplamente: na telenovela da emissora Globo “Chocolate com pimenta”
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(exibida em 2003), a personagem principal, em várias ocasiões, cozinha e diz que cozinhar
se faz “metade pela receita, metade pelo coração”. Esta telenovela também envolveu
extensamente o tema de o resultado final do preparo de um alimento ser influenciado por
aquele que o cozinha, ou mesmo pelos sentimentos que este carrega. Ana Francisca,
protagonista, baseia sua vida em um ditado familiar: "faça um bolo metade pela receita,
metade pelo coração". Com esse uso na cultura popular brasileira, trazemos a crença para
a publicidade.
Figura 3. (Globo Produções)
Ao tomar a categoria sentimento e afeto para despertar o paladar como princípio
motivador do consumo, os meios de comunicação promove inúmeras interpretações.
Desse modo, a publicidade alicerçada pelo apelo sensorial estimula o paladar e, assim, o
alimento distingue-se da necessidade da fome e passa a ser objeto de desejo.
Análise fílmica
Figura. 4 (Arau Films International)
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O filme "Como água para chocolate" aponta para Pedro que entra na cena com flores
nas mãos e para em frente a Tita e Rosaura e diz: “Tita, hoje faz um ano que está de
cozinheira do rancho. Por isso lhe trouxe essas rosas. (Rosaura se levanta e sai do recinto
e Mama Helena vai atrás dela).
A mãe se apresenta autoritária e diz para Tita jogar fora as rosas. Tita vai para a
cozinha e abraça as rosas com alegria e imagina a falecida Nacha que lhe diz em
pensamento: “não as jogue fora, menina. Pode preparar codornas ao molho de pétalas de
rosa”.
Tita coloca as rosas no balcão e sai para depenar as codornas, mantém um olhar feliz. Ao
som de uma música alegre e esperançosa, Tita prepara o molho de pétalas de rosa.
A comida ao ser provada, especialmente pela Mama Helena e Rosaura parecem não
acreditar em quão boa a comida está. O mais afetado pelo alimento é Pedro que ama a
comida deixando Rosaura e Mama Helena enfurecidas. A narradora: comenta o que
estava acontecendo e diz: “Parecia que, em um estranho fenômeno de alquimia, não só
do sangue de Tita, mas todo seu ser se havia dissolvido no molho de rosas, no corpo das
codornas e nos aromas da comida. Deste modo, penetrava no corpo de Pedro, voluptuosa,
calorosa e completamente sensual. Parecia que haviam descoberto um novo código de
comunicação em que Tita era a emissora, Pedro, o receptor, e Gertrudis, a afortunada em
que se sintetizava esta relação sexual através da comida.
Durante o monólogo da narradora, Tita e Pedro trocam olhares, enquanto Gertrudis
aproveita sua excitação. Mama Helena, sentindo o mesmo que Gertrudis, tenta
permanecer apática e esconder seus sentimentos.
Descrição estética
Esta cena caracteriza principalmente por um elemento específico: as rosas. As rosas
mudam de cor na mudança de cena, provavelmente um feito proposital. Ao analisar a
simbologia das rosas, vemos que rosas vermelhas são um símbolo de amor e paixão,
enquanto as rosas cor-de-rosa são consideradas um símbolo de gentileza. Por isso é
possível assumir que a mudança de cor das flores não foi acidental, pois as rosas dadas
a Tita por Pedro são de cor rosa, um presente gentil, e ao levá-las à cozinha, as flores
ficam vermelhas, mostrando que realmente o que Tita sente por Pedro.
A iluminação destas cenas é mais suave embora calorosa, que torna as cores quentes,
acolhedoras e amorosas. Os planos tentam mostrar, principalmente a reação das
personagens, por isso, são, em sua maioria, primeiríssimo plano.
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Análise fílmica
Figura. 5 - (Arau Films International)
Uma cena interessante é a do velório de Mama Helena, pois Rosaura começa a dar à
luz e Pedro e Tita aguardam na sala enquanto John faz o parto de Rosaura. É uma menina
que nasceu prematura e que iria precisar de muitos cuidados. A mãe Rosaura, teve um
parto muito complicado e não poderia mais ter filhos.
O casal pensou em dar a criança, o nome de Tita, visto que ela seria como a tia, destinada
a cuidar dos pais sem casar. Tita, sugeriu outro nome: Esperanza.
A criança chora muito no colo da mãe e prefere o da tia pois sente o cheiro do calor
da cozinha.
A narradora comenta: “para a menina ficar com Rosaura, tiveram que fazê-la crer que
estava na cozinha com a tia Tita”. O diálogo que segue entre os personagens mostra que
a mãe Rosaura quer manter a filha solteira para sempre e isso desagrada Tita.
-Filho do John: Papai, quero me casar com esta garotinha. Como você e Tita.
-Tita: Ainda não, você é muito jovem.
-Rosaura: Nunca. Essa menina precisa cuidar de mim. Ela nunca se casará.
-Filho de John: é verdade, pai? (Tita e Pedro parecem enfurecidos.)
Nesse momento Tita está cozinhando para Rosaura e a narradora diz: “Tita ficou tão
enojada com os planos de Rosaura para Esperanza que desejou com toda sua alma que
sua irmã nunca tivesse dito tão indecentes, repugnantes, malcheirosas e repelentes
palavras. Tita queria que ela as tivesse engolido ao fundo de suas entranhas para que os
vermes as comessem”.
Quando Pedro leva a comida a Rosaura, ela ao comer começa a ter gases e estranha.
Rosaura é afligida por gases até a sua morte, o que faz Pedro se afastar.
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Análise estética
Durante as cenas, a paleta de cores permanece a mesma, mas na cena em que Tita
está cozinhando, as cores ficam mais escuras e sombrias, exceto pelas panelas, o que
enfatiza o que Tita está fazendo. Na cena em que Rosaura come, as cores são monótonas
e entediantes.
Durante todo o filme, uma música angustiante, porém esperançosa domina as cenas
mais importantes. A música ajuda a dar o tom ao filme, trazer algum tipo de resposta a o
que o espectador deve esperar.
Tita muitas vezes é comparada a uma feiticeira e alquimista, sendo descrita por sua
sobrinha-bisneta, como muito mais que uma cozinheira.
De acordo com Charney (2000, p.34) "o cinema tornou-se a forma de arte definidora
da experiência temporal da modernidade" e a televisão, tornou-se também, por
associação. Pode-se dizer, portanto, que as campanhas em vídeo, para a televisão,
ajudam a definir e exemplificar de melhor forma a temática dos sentimentos e da culinária,
pois é um meio rico em detalhes. É importante notar que, se as campanhas fossem
traduzidas para um meio impresso, talvez não houvesse o mesmo entendimento e impacto
que os comerciais televisivos trazem.
Muitas marcas usam a temática de imprimir ao alimento os sentimentos do
protagonista, como apelo sensorial ao público-alvo, mas, neste artigo, duas campanhas
serão utilizadas como exemplo por usarem essa abordagem. São elas Sazón e
Bauducco.
1 – Sazón A Sazón é uma marca de temperos da empresa Ajinomoto presente no mercado a 30
anos. Desde seu lançamento, a comunicação da Sazón é virada principalmente para o
preparo do alimento com amor, com frases como “uma história de amor”, “há 30 anos
espalhando amor”, “quando tem Sazón, tem amor”, entre outras.
As campanhas criadas pela marca, usam explicitamente o sentimento da personagem
enquanto cozinha, principalmente em comerciais para televisão. Duas campanhas
XIV Jornada de Iniciação Científica e VIII Mostra de Iniciação Tecnológica - 2018
chamam mais atenção: intituladas "segredo" e "composição" criadas pela agência Dentsu.
E essas campanhas chamam atenção pelo texto:
Figura. 6 “Segredo”, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=4iPj4BGK-OQ
Acesso em 03/03/2018.
Na campanha "segredo", o locutor compara o tempero Sazón com o amor, assim,
mostrando que o tempero é o segredo, pois quem usa, passa amor para a comida. O
diálogo campanha "Segredo" apresenta Lili e Fá conversando na cozinha de Fá enquanto
ela prepara uma comida. Lili pergunta para Fá qual é o segredo da carne. Fá diz que não
tem segredo, o único segredo é o amor, enquanto mostra para Lili o pacote de tempero
Sazón. Fá: " Com ele a carne fica mais bonita, gostosa! Experimenta!"
Cena muda para Lili cozinhando e comendo com sua família. O marido de Lili a
pergunta qual é o segredo da carne deliciosa que ela preparou. Ela diz que o segredo é o
amor. Ao final do comercial, ouve-se o locutor: "Sazón. Descubra o segredo do sabor!"
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Figura. 7: "Composição" - Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=f4_NuOFPreA
Acesso em 03/03/2018
Na campanha "composição", Zezé di Camargo e Luciano tentam achar uma palavra
para sua música, e quando perguntam para sua mãe qual é o segredo da carne, e ela diz
"amor". Eles se inspiram e criam a música.
Zezé e Luciano estão discutindo para saber qual será a palavra inserida na sua
próxima música. Enquanto isso, sua mãe cozinha e usa temperos Sazón. Todos se
arrumam para almoçar e se sentam a mesa. Locutor: tempero Sazón é feito com
ingredientes cuidadosamente selecionados, que realçam o sabor.
Zezé, ao provar a carne que sua mãe cozinhou, comenta: "que delícia, mãe!" e ela
responde: "é o amor". Zezé e Luciano se inspiram na palavra de sua mãe e usam para
compor a música. O locutor finaliza: "tempero Sazón. O tempero do amor"
Descrição Estética campanhas Sazón As duas campanhas Sazón levam a mesma inspiração estética. Ambas usam as cores
do logo da Sazón: amarelo e vermelho. Assim como muitas marcas de alimentos, o uso
do vermelho nas campanhas serve para incitar a fome e criar um ambiente amoroso e
quente. O uso do amarelo também é usado para criar um ambiente acolhedor, mas alegre.
2 – Bauducco A Bauducco foi criada a partir de uma padaria familiar, chegada no Brasil em 1948,
que todos os anos na época de natal, fazia um pão doce com frutas cristalizadas chamado
Panettone. Em São Paulo, a fama do pão doce só cresceu, fazendo crescer assim, a
marca também.
A Bauducco, por sua vez, utiliza essa temática principalmente em campanhas
natalinas de panetone, que todo ano, trazem subtemas como amor, generosidade,
tradição, entre outros. A campanha intitulada "Exportação", a Bauducco usa a temática de
que o panetone é um alimento de Natal e tipicamente brasileiro, mesmo a receita sendo
italiana. Isso reforça o esforço da marca em se adaptar a cultura local.
XIV Jornada de Iniciação Científica e VIII Mostra de Iniciação Tecnológica - 2018
Figuras 8, 9 e 10 "Exportação" Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=lL-zgeEXx9U.
Acesso em 18/03/2018
Universidade Presbiteriana Mackenzie
A estética da campanha da Bauducco segue a linha das campanhas da Sazón. A
predominância de cores quentes é usada para criar um ambiente calmo, acolhedor. Neste
caso, as cores mais fechadas servem para dar enfoque total na preparação do alimento
que está sendo manipulado.
A diferença entre esta campanha e as campanhas da Sazón, é o enfoque total na
comida. O padeiro que a está preparando, faz com calma, dando atenção total à massa.
Ao analisar o filme “Como água para chocolate”, notamos algumas similaridades e
inúmeras diferenças com as campanhas que foram estudadas. O longa-metragem, assim
como os comerciais escolhidos aborda a comida de um jeito emocional, quase
transformando o ato de cozinhar em uma cerimônia. Porém a forma como a temática se
expõe é diferente: no filme, por exemplo, é entendido que Tita não sabe ou não entende
que cozinhar com um certo sentimento acaba refletindo no resultado final do prato. Já nas
campanhas, fica explícito que o cozinheiro ou cozinheira sabe que ao cozinhar com amor,
por exemplo, o prato espelha isso.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como realizou-se uma pesquisa qualitativa, pouco pode-se dizer de resultados sem
basear-se em uma análise pessoal. A América Latina, mesmo sendo rica e diversa em
culturas, histórias e costumes, possui tradições e questões sociais similares. Por isso, é
possível visualizar, além de alimentos, escolas e movimentos estéticos que se estendem do
México até o Rio Grande do Sul. Podemos comparar e aproximar culturas através da arte e
filmes: "é possível utilizar o filme como intuito de analisar uma sociedade” (Vanoye, 2006, p.
51). Baseando-se na mesma afirmação que podemos comparar um filme mexicano com
campanhas brasileiras.
Se partirmos do pressuposto que, na América Latina, a culinária atua como uma forte
fundação da cultura familiar, assim como foi estudado, podemos notar o quão intrínseca a
tradição da culinária é para estas sociedades. Além do desempenho principal da culinária, o
ato de cozinhar é também se vincula diretamente com tradições e transmissões familiares.
Espera-se que, com este estudo, seja possível compreender e prosseguir com
pesquisas sobre campanhas publicitárias no gênero alimentício, levando em conta mais do
que apenas conceitos criativos.
XIV Jornada de Iniciação Científica e VIII Mostra de Iniciação Tecnológica - 2018
6. REFERÊNCIAS
AMON, Denise; MENASCHE, Renata. COMIDA COMO NARRATIVA DA MEMÓRIA SOCIAL. 2008
CASCUDO, Luiz da Câmara. História da alimentação no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1983.
CHARNAY, Y. L. Num instante: o cinema e a filosofia da modernidade. São Paulo. Cosac
Naify. 2007
FEATHERSTONE, M. (Org.). Cultura global: nacionalismo, globalização e modernidade. 3.
ed. Trad. Attílio Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1999.
FERNANDEZ-Armestro, Felipe. Comida: uma história. Trad. Vera Joscelyn. Rio de Janeiro:
Record, 2004.
MALHOTRA, N. K. Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada. 3. ed. Porto Alegre:
Bookman, 2001.
MARTINS, Zeca. Propaganda É Isso Aí!. 2ª ed: São Paulo, Futura, 1999.
PROUST. Marcel. Em busca do tempo perdido. Marcel Prost do lado de Swann. Tradução de
Pedro Taman. Editora Digital Source: . 1913
VIEIRA, Stalimir. Raciocínio criativo na publicidade: uma proposta. São Paulo: Edições
Loyola, 1999.
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. 2ª ed. Paris. Trad.
Marina Appenzeller. Papirus, 2006
ESQUIVEL, Laura. Como água para chocolate. 7 ª ed. Cidade do México. Trad. Olga Savary.
Martins Fontes, 2014
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