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    CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICAMOÇAMBIQUE

    Governação eIntegridade emMoçambique

    Problemas práticos e desafios reais

    Maputo, Dezembro de 2013

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    FICHA TÉCNICA

    Título: Governação e Integridade em Moçambique:Problemas práticos e desafios reais

    Editores: Adriano Nuvunga e Marc De Tollenaere

    Autores: André Cristiano José, Baltazar Jorge Fael, CarlosManuel Serra, Eduardo Chiziane, Ericino de Salema

    Gilles Cistac, João Carlos de Figueiredo Almeida,

     José Jaime Macuane, Marc De Tollenaere, Nobre

    Canhanga, Zefanias Matsimbe

    Propriedade: Centro de Integridade Pública (CIP)

    Design e Layout: Nelton GemoFotografia: Carlos Calado

    Impressão: MINITPRINT, Nelspruit, South Africa

    Tiragem: 1000 exemplares

    Maputo, Dezembro de 2013

    Rua Frente de Libertação de Moçambique, nº 354

    Caixa Postal: 3266 - Maputo - Moçambique

    Tel.: +258 21 492335, Cel.: +258 82 301 6391,

    Fax: 258 21 492340 - E-mail: [email protected]

    Website: www.cip.org.mz

    CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA (CIP)

    CENTER FOR PUBLIC INTEGRITY

    Boa Governação - Transparência - Integridade

    Good Governance - Transparency - Integrity

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    Agradecimentos

    O Centro de Integridade Pública agradece a todas as pessoas singulares ecolectivas que ajudaram directa ou indirectamente para que este relatórioganhasse forma: os autores que produziram os textos, os consultores quefizeram a revisão dos rascunhos, as pessoas e entidades estatais e não estataisque disponibilizaram informação, a todos os que acederam ao convite do CIP

    para partilharem as suas ideias sobre as variadas temáticas aqui tratadas.

     As matérias constantes neste RGIM 2013 podem ser livremente reproduzidas, mas éobrigatória a referência ao Centro de Integridade Pública como seu autor.

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    Abreviaturas e Acrónimos

    ACP África Caraíba e Pacífico

    AGIR Programa de Acção para uma Governação Inclusiva eResponsável

    AGO Apoio Geral ao Orçamento

    AOD Assistência Oficial ao Desenvolvimento

    AP Administração Pública

    APrv Autorização Provisória

    AR Assembleia da República

    CADHP Carta Africana dos Direitos Humanos e dos PovosCAF Cadastro de Agentes e Funcionários do Estado

    CAPJ Centro de Assistência e Práticas Jurídicas

    CAPPLCS Comissão da Administração Pública, Poder Local eComunicação social

    CCSCI Conselho Coordenador do Subsistema de Controlo Interno

    CDEs Comissões Distritais de Eleições

    CECs Comissões Eleitorais Cidades

    CEDSIF Centro de Desenvolvimento de Sistemas de Informação para asFinanças

    CGE Conta Geral do Estado

    CIP Centro de Integridade Pública

    CMH Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos

    CNE Comissão Nacional de Eleições

    CP Código Penal

    CPEs Comissões Provinciais de Eleições

    CPP Código de Processo Penal

    CRM Constituição da República de MoçambiqueCTV Centro Terra Viva

    CUT Conta Única do Tesouro

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    DFID Departamento de Desenvolvimento Internacional do ReinoUnido

    DUAT Direito de Uso e Aproveitamento de TerraDUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

    EAC Estratégia Anticorrupção

    e-CAF Aplicativo Eletrónico de Cadastro de Agentes e Funcionáriosdo Estado

    EGFAE Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado

    EMAN Estratégia de Melhoria do Ambiente de Negócios

    ENH Empresa Nacional de Hidrocarbonetos

    EPs Empresas PúblicasETPI Estatuto do Tribunal Penal Internacional

    FCA Fundo de Compensação Autárquica

    FDD Fundo Distrital de Desenvolvimento

    FFM Fundo de Fomento Mineiro

    FILL Fundo de Investimentos de Iniciativas Locais

    GCCC Gabinete Central de Combate a Corrupção

    GIFIM Gabinete de Informação Financeira de Moçambique

    GIRBI Grupo Interministerial para a Remoção das Barreiras aoInvestimento

    IFC  International Financial Corporation

    IGAE Inspecção-geral Administrativa do Estado

    IGAE Inspetor-geral da Administração do Estado

    IGF Inspecção-geral de Finanças

    INCM Instituto de Comunicações de Moçambique

    INP Instituto Nacional de Petróleos

    IOF Informação de Orçamento Familiar

    IPAJ Instituto do Patrocínio e assistência JurídicaJUE Janela Única Electrónica

    LDH Liga dos Direitos Humanos

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    LEBOA Lei de Bases da Organização e Funcionamento daAdministração Pública

    LOLE Lei sobre os Órgãos Locais do EstadoLOMP Lei Orgânica do Ministério Público

    LPA Lei de Procedimento Administrativo

    LPP Lei de Probidade Pública

    LT Lei de Terras

    MARP Mecanismo Africano de Revisão de Pares

    MASC Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil

    ME Memorandum de Entendimento

    MF Ministério das FinançasMICOA Ministério para a Coordenação Ambiental

    MINEC Ministério de Educação e Cultura

    MIREM Ministério dos Recursos Minerais

    MISA Instituto de Comunicação Social da África Austral

    MP Ministério Público

    MPD Ministério de Plano e Desenvolvimento

    OAM Ordem dos Advogados de Moçambique

    OCDE Organização para a Cooperação e DesenvolvimentoEconómico

    ODA Ajuda Pública ao Desenvolvimento

    ODAMOZ Official Development Assistance to Mozambique Database  

    OGE Órgão de Gestão Eleitoral

    OSC Organizações da Sociedade Civil

    PAMAN Plano de Acção para Melhoria do Ambiente de Negócios

    PARP Plano de Acção para a Redução da Pobreza

    PARPA II Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta – Fase II

    PCAs Presidentes dos Conselhos de Administração

    PCI Política de Cooperação Internacional

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    PED Política e Estratégias de Descentralização

    PGR Procurador-Geral da República

    PLAC Pacote Legislativo Anticorrupção

    PNT Política Nacional de Terras

    PPPs Parcerias Público-Privadas

    PR Presidente da República

    PRM Polícia da República de Moçambique

    RGIM Relatório de Governação e Integridade de Moçambique

    RLT Regulamento de Lei de Terras

    RM Rádio Moçambique

    SIDA Síndrome de Imunodeficiência AdquiridaSIGEDAP Sistema de Gestão de Desenvolvimento da Administração

    Pública

    SISA Imposto aplicável à Transações de Propriedade Imobiliárias

    SISTAFE Sistema de Administração Financeira do Estado

    SNAP Serviço Nacional de Alternativas Penais

    SNJ Sindicato Nacional de Jornalistas

    TA Tribunal Administrativo

    TDM Telecomunicações de MoçambiqueTPI Tribunal Penal Internacional

    TVM Televisão de Moçambique

    UE União Europeia

    UEM Universidade Eduardo Mondlane

    UFSA Unidade Funcional de Supervisão de Aquisições

    UGEAS Unidades Gestoras Executoras de Aquisições

    UNAC União Nacional dos Camponeses

    UTRESP Unidade Técnica do Sector Público

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    ÍNDICE

    Agradecimentos 1

    Abreviaturas e Acrónimos 2Introdução 11

    Capítulo 1 15

    Os Três Poderes do Estado 15

    Sobre as recomendações do relatório de 2008 15

    A situação actual em relação aos três poderes 16

    Os novos desafios que surgiram 19

    Capítulo 2 22

    Direitos Humanos e Liberdades Básicas 22

    Sobre as recomendações do Relatório de 2008 22

    Quadro legal e institucional: ponto de situação 23

    Novos desafios 26

    Novas Recomendações 28

    Capítulo 3 29

    Governação e Financiamento Eleitoral 29

    Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 30

    Problemas Práticos e Desafios Reais 33

    Áreas Prioritárias de Intervenção e Reforma 35

    Capítulo 4 37

    Governação Local e Relações Intergovernamentais 37

    Sobre as recomendações do RGIM 2008 37

    Ponto de situação do quadro legal, institucional e de políticaspúblicas

    38

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    Novos desafios e problemas práticos 40

    Áreas prioritárias de intervenção e reforma 44

    Capítulo 5 46

    Oversight e Corrupção 46

    Sobre as recomendações do RGIM 2008 46

    Ponto de situação do quadro legal, institucional e de políticaspúblicas

     47

    Problemas práticos e novos desafios 49

    Áreas prioritárias de intervenção e reforma 51

    Capítulo 6 53

    Sociedade Civil, Informação Pública e Comunicação Social 53

    Sobre as recomendações do RGIM 2008 53

    Ponto de situação do quadro legal, institucional e de políticaspúblicas

    54

    Problemas práticos e novos desafios 56

    Áreas prioritárias de intervenção e reforma 58

    Capítulo 7 60

    Ajuda Internacional, Dependência Externa e Governação 60

    Sobre as recomendações do RGIM 2008 60

    Ponto de situação do quadro legal, institucional e de políticaspúblicas

    61

    Problemas práticos e novos desafios 62

    Áreas prioritárias de intervenção e reforma 66

    Capítulo 8 67

    A Governação da Terra: Políticas, Realidade e Desafios 67

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    Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 67

    Problemas práticos e desafios reais 73

    Áreas prioritárias de intervenção e reforma 78

    Capítulo 9 81

    Governação Ambiental e Garimpo: Políticas, Realidade eDesafios

    81

    Quadro Legal, Institucional e de Políticas Públicas 81

    Problemas práticos e desafios reais 85

    Áreas prioritárias de intervenção e reforma 87

    Capítulo 10 91

    Sector Público 91

    Sobre as recomendações do RGIM 2008 91

    Ponto de Situação do Quadro Legal, Institucional e dePolíticas Públicas

    92

    Problemas práticos e novos desafios 97

    Áreas prioritárias de intervenção e reforma 105

    Considerações Finais 109

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    Introdução

     Adriano Nuvunga

    Em 2008, o Centro de IntegridadePública (CIP) publicou a primeiraedição do Relatório de Governa-ção e Integridade em Moçambique(RGIM) com o objectivo de fazer ummapeamento do estado da governa-ção e integridade em Moçambique,e de identificar áreas prioritárias de

    intervenção e reformas que, ao longodos anos, pudessem ser monitoradaspor actores da sociedade civil e pelacomunicação social, em permanentediálogo com o poder público. Nestaperspectiva, o RGIM é uma tentativade  contribuir, de forma construtiva ,para o debate sobre a governação emMoçambique, trazendo opiniões  eideias que possam informar o perfil

    de reformas tendentes ao aperfeiçoa-mento e consolidação da governaçãodemocrática em Moçambique.

    Cinco anos depois, o CIP publica asegunda edição do Relatório de Go-vernação e Integridade em Moçam- bique (abreviadamente designado porRGIM 2013) que avalia a evoluçãoda governação e integridade, desdea publicação da primeira edição doRGIM, em 2008, prestando particu-

    lar atenção à implementação, ou não,das principais recomendações pelopoder público, às tendências geraisna área de governação e integridade e

    aos novos desafios que apareceram. Aperiodicidade inicial do RGIM era dedois anos mas considerou-se que doisanos era pouco tempo, para uma efec-tiva implementação de reformas, porum lado, e para a captação dos efei-tos dessas mesmas reformas, por ou-tro lado. Por isso, a periodicidade doRGIM ficou fixada em quatro anos,embora esta segunda edição saia comum atraso de 1 ano.

    Como parte da metodologia doRGIM 2013, o CIP realizou, em

    2012, um estudo interno com osseguintes objectivos :

    ~ Identificação dos eventosmais importantes na área degovernação e integridade noperíodo 2008-2011;

    ~ Identificação de tendênciasgerais na área de governaçãoe integridade no período 2008-2011;

    ~ Identificação dos novos desa-fios que apareceram em tornodos conceitos de governação eintegridade;

    ~ Apresentação de temas departicular importância e rele-vância na área de governaçãoe integridade e

    ~ Análise do grau de implemen-tação das recomendações do

    RGIM 2008.A abordagem do RGIM 2013 reflecteos resultados apresentados por esteestudo interno. Primeiro, o estudo

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    indicou quais recomendações foramparcial e/ou integralmente imple-mentadas pelo poder público e quaisnão o foram. Assim, com base nestainformação, os autores dos capítulostinham que reflectir sobre a evoluçãohavida (melhorias, retrocessos e/ou estagnação), ao mesmo tempoque questionavam a actualidade dasrecomendações. Segundo, o estudoidentificou duas novas áreas que, pelasua importância estratégica para aárea de governação, incluindo a sua

    dimensão de modelo desenvolvimen-to económico, mereciam atençãopor parte do RGIM 2013. Portanto,para além da avaliação da evoluçãoda governação e integridade nas oitoáreas abordadas na primeira edição,o RGIM 2013 traz duas novas áreas,designadamente a ‘Governação daTerra’ e a ‘Governação Ambiental eGarimpo’.

    Em termos de organização, a

    estrutura dos capítulos que vêm doRGIM 2008 começa com uma breveavaliação da implementação dasrecomendações do RGIM de 2008.A seguir dá-se o ponto de situação doquadro legal e institucional, para logode seguida fazer-se uma avaliação dosnovos desafios e das recomendações.Os dois novos capítulos estãoestruturados em três partes principais,designadamente: (i) quadro legal,

    institucional e de políticas públicas;(ii) problemas práticos e desafios reais;e (iii) áreas prioritárias de intervençãoe reforma.

    O estudo realizado em 2012 e as váriasmesas redondas de reflexão havidaspara a discussão da abordagem doRGIM sugeriram que em cada ediçãose abordasse com mais profundidadeum dos temas tratados, em formade ‘tema de fundo’. O tema eleitopara esta edição é o ‘Sector Público’em torno do qual girou a EstratégiaGlobal da Reforma do Sector Público(2001-2011), que serviu de raison d’etre  para se perguntar pelos resultadosdesta reforma, numa altura em que

    abundam evidências de células dopartido Frelimo na AdministraçãoPública. Portanto, o tema ‘SectorPúblico’ não só passa em revista aevolução que houve desde 2008, comotambém amplia e aprofunda o debateda governação e integridade nestaárea. O RGIM 2013 traz, também,uma pequena conclusão que, sementrar em questões de substância,vai, de edição em edição, captar

    os avanços, recuos e estagnaçõesde reformas, tendo em conta anatureza das recomendações e o seuatendimento, ou não.

    Conceptualmente, o RGIM 2013 giraem torno dos mesmos conceitos es-truturantes do RGIM 2008, designa-damente Governação e Integridade.Resumidamente, Governação é rela-cionada com a forma como, com basenas regras e nos processos através dos

    quais os interesses se organizam, osrecursos são geridos e o poder é cons-tituído e exercido numa determinadasociedade. Por sua vez, a Integridade

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    Introdução

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    tem a ver com a existência de regrasclaras, nas instituições, de mecanis-mos para garantir o respeito e, sobre-tudo, a observância dessas regras. Aintegridade tem ainda a ver com acapacidade das instituições (públicase privadas) de promover o ‘Estado deDireito’, ou seja, com a existência eo respeito de regras justas e transpa-rentes, principalmente na gestão dacoisa pública, incluindo os recursoseconómicos geridos pelo Estado.

    Em diferentes perspectivas, a gover-

    nação e integridade em Moçambiquesão regularmente aferidas por váriosíndices comparativos internacionais.Para um melhor enquadramento dasreflexões avançadas pelo RGIM 2013,apresenta-se abaixo a forma comoMoçambique foi visto por estes índi-ces, ao longo dos últimos cinco anos.

    Índice Mo Ibrahim de

    Governação AfricanaEntre 2008 e 2012, houve uma li-geira melhoria na pontuação geralde Moçambique, que aumentou de51,9 para 54,8. Os dados subjacentesindicam melhorias na categoria de‘Desenvolvimento Humano’, incluin-do saúde e educação, e na categoriade ‘Oportunidades Económicas Sus-tentáveis’, onde os principais ganhos

    verificam-se na política fiscal e nasinfra-estruturas. Mas houve um agra-vamento nos dois principais sub-ín-dices na categoria de ‘Participação

    e Direitos Humanos’, compensadopela melhoria na igualdade de género.A pontuação para a categoria de ‘Se-gurança e Estado de Direito’ tambémreduziu, tendo-se registado uma gran-de redução no sub-índice de prestaçãode contas.

    http://www.moibrahimfoundation.org/iiag/ 

    Índice de Democracia daFreedom House (FH)

    A pontuação de Moçambique man-teve-se constante para as ‘LiberdadesCivis’ durante o período 2008-2013mas deteriorou-se para os ‘DireitosPolíticos’ entre 2009 e 2010, devido à“irregularidades significativas e à umafalta de transparência relativa ao re-gisto de candidatos e ao apuramentodos votos nas eleições presidenciais,legislativas e provinciais de 2009”.

    http://www.freedomhouse.org/report-types/freedom-world 

    Índice de Democracia daEconomist Intelligence Unit  (EIU)

    Entre 2008 e 2012, a pontuação deMoçambique reduziu de 5,49 para4,88, tendo descido do 92º para o 102ºlugar na classificação e mantendo-

    se na categoria de ‘regime híbrido’.Embora a pontuação de Moçambiquetenha agravado na maioria das catego-rias, grande parte deste agravamento

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    registou-se nas categorias de ‘Proces-sos eleitorais e pluralismo’ e ‘Funcio-namento do governo’.

    http://www.eiu.com/public/thankyou_download.aspx?activity=-download&campaignid=Democra-cyIndex12 

    Índice de Percepção deCorrupção

    Entre 2008 e 2012, a pontuação deMoçambique melhorou ligeiramente,

    tal como a sua classificação. Nenhumaexplicação foi apresentada.

    http://www.transparency.org/cpi2012/results 

    Indicadores Mundiais deGovernação

    Entre 2008 e 2012, as mudanças sãoinsignificantes na maioria das áreas,

    embora a tendência indique um ligeiroagravamento da situação, devido à di-minuição nas ‘categorias de ‘controloda corrupção’, ‘eficiência do governo’e ‘qualidade do marco regulatório’.

    http://data.worldbank.org/data-ca-talog/worldwide-governance-indica-tors

    Índice de Transformação

    BertelsmannEntre 2008 e 2012, Moçambique re-gistou um ligeiro agravamento do seu

    desempenho na categoria de ‘Demo-cracia’ e uma melhoria na categoriade ‘Economia de Mercado’.

    http://www.bti-project.de/?&L=1

    Em resumo, os indicadores de gover-nação mostram mudanças limitadasdurante o período de 2008 a 2012.As irregularidades no processo elei-toral de 2009 resultaram em algunsretrocessos nos indicadores de FH eEIU. De modo geral, os indicadores

    parecem indicar que, embora a gover-nação económica possa ter registadoalgumas melhorias, os aspectos po-líticos da governação e integridadeainda enfrentam desafios importan-tes. É dentro deste contexto que oRGIM 2013 apresenta a perspectivaMoçambicana sobre a evolução degovernação e integridade entre 2008e 2013.

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    Capítulo 1

    Os Três Poderes do Estado

    Professor Doutor Gilles Cistac

    Os três poderes do Estado compreendeuma análise em torno da Constituiçãocomo quadro estruturante do Estadode direito, dos órgãos do poderexecutivo, legislativo e judicial, das

    suas inter-relações e suas relações comos cidadãos através de mecanismosinstitucionais de captação e respostaaos assuntos e problemas que afectama população.

    Sobre as recomendações dorelatório de 2008

    O Relatório sobre Governação e Inte-

    gridade em Moçambique (RGIM) de2008 traçou as relações entre os trêspoderes do Estado e demonstrou osefeitos negativos do sistema presiden-cialista sobre o funcionamento dostrês poderes do Estado. Com vistaao aprofundamento da governaçãodemocrática, o RGIM 2008 reco-mendou a transição do actual regimepresidencialista para um regime par-lamentar racionalizado e o reforço dopapel do Parlamento, nomeadamen-te, através de um controlo acrescidosobre as actividades do Executivo e,

    em particular, sobre a execução dasleis.

    Apesar da dificuldade do exercício,uma oportunidade ímpar surgiu, em2010, com o processo de revisão daConstituição que podia caminharpara uma certa acomodação, pelomenos, da primeira recomendação.Contudo, o projecto do proponentenão reflectia esta via e apenas optoupelo conceito de “revisão não pro-funda”, ou seja, “revisão cosmética”.Esta opção (abandono do projectoinicial) é o resultado da oposição polí-tico-social à razão de ser da inicial re-visão constitucional que era, de facto,a introdução de um terceiro mandatoconsecutivo para o Presidente da Re-pública.

    Assim sendo, a revisão constitucionalperdeu o seu interesse e o atraso no seuprocessamento mostra, claramente,que não é mais uma prioridadepara o partido no poder que deve,finalmente, gerir uma situação acontra corrente dos seus interessesiniciais. Nestas circunstâncias, não sepode esperar muito da revisão actual.Contudo, o ponto positivo destarevisão constitucional “nebulosa”foi o papel da Sociedade Civil e dosacadémicos que, desde o princípio doprocesso, foram muito interventivos,

    acompanhando e continuando aacompanhar este processo moribundoe sem sabor.

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    No que concerne ao reforço do pa-pel do Parlamento, esta via não foifuncionalmente explorada; a preocu-pação dos deputados foi concentradano melhoramento do seu estatutoindividual em detrimento das activi-dades de fiscalização (real) do PoderExecutivo.

    Assim, deve-se admitir que nenhumadas recomendações estabelecidas noprimeiro relatório foi seguida.

    A situação actual em relaçãoaos três poderes

    Na perspectiva do CIP, Governaçãoestá relacionada com a forma, com asregras e os processos através dos quaisos interesses se organizam, os recur-sos são geridos e o poder é conquis-tado e exercido numa determinadasociedade. Enquanto Integridade tema ver com a existência de regras clarasnas instituições, de mecanismos paragarantir o respeito e, sobretudo, a ob-servância/adesão a essas regras. AIntegridade tem ainda a ver com a ca-pacidade de as instituições (públicas,privadas, etc.) promoverem o “Estadode Direito”, ou seja, com a existênciae o respeito de regras justas e trans-parentes, principalmente na gestão dacoisa pública, incluindo os recursos

    económicos geridos pelo Estado.Na perspectiva da Governação e Inte-gridade, a área dos três poderes piorou

    até atingir contornos preocupantes.Dentro de um mar de regressos nagovernação democrática (em particu-lar, devido, em parte, à manipulaçãoe minoração do papel da sociedadecivil), é o fenómeno da “captura” doEstado através do processo de parti-darização da Administração Públicaque domina devido à sua amplitudecom consequências negativas sobreo próprio funcionamento da mesmae do Estado no seu todo. Isto levantauma questão crucial: a da própria so-

     berania do Estado moçambicano, porum lado, e do afastamento dos requi-sitos constitucionalmente previstos(n° 1 do artigo 251 da Constituição)como condições de acesso à FunçãoPública, por outro lado.

    Um segundo aspecto, com ligação aoprimeiro, é a promiscuidade (negativa)entre o mundo do negócio e algunsmembros do partido no poder, que

    levanta o problema da manutençãono poder para garantir o acesso aosrecursos lato sensu. A partidarizaçãodas instituições públicas não é umfenómeno novo, mas existe desdea independência do país. Devido àcultura monopartidária, combinadacom a visão exclusivamente “super-estrutural” do Estado na gestãodas instituições públicas, o partido

    no poder tinha já estruturas beminstaladas nos diferentes aparelhosadministrativos centrais e locais. Foiapenas necessário reactivá-las, o que

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    foi feito com disciplina e organizaçãoa partir do primeiro mandato doactual Presidente da República.

    Tendo conseguido consolidar oprojecto de partidarização do regimepresidencialista, os arquitectos desteprocesso avançaram para outraetapa que consistiu na acentuação daformalização da “captura” do Estadopelo partido no poder. Este fenómenochoca com o próprio processo deformação de um Estado de DireitoDemocrático. A formalização da“captura” do Estado, está consagradano artigo 76 dos Estatutos da Frelimo1.Curiosamente, até hoje, ninguém sepreocupou com isso. Este preceito tempor objectivo responsabilizar os eleitose os executivos perante os órgãos dopartido do respectivo escalão. Nosmoldes em que se encontra redigido,este artigo 76 dos Estatutos da Frelimo,fere gravemente a Constituição. O

    princípio democrático está a ser postoem causa.

    A responsabilidade política num Es-tado Democrático tem mecanismos

    1 Artigo 76 dos Estatutos aprovados pelo X.°Congresso (o mesmo conteúdo encontra-seem versões anteriores dos mesmos Estatutos):

     Responsabilidade dos eleitos e dos executivos  (1) Oseleitos e os executivos coordenam a sua acçãocom os órgãos do Partido do respectivo escalãoe são perante este pessoal e colectivamenteresponsáveis pelo exercício de funções quedesempenham nos órgãos do Estado ouautárquicos. (2) Quando se trata de cargos deâmbito nacional, os eleitos e os executivos serãoresponsáveis perante a Comissão Política.

    próprios de efectivação. No caso deMoçambique, os mecanismos rela-cionam-se com a interdependência depoderes (artigo 134 da Constituição),a soberania do Povo (n.° 1 do artigo 2da Constituição) e daqueles que têmlegitimidade popular. Por exemplo,o Conselho de Ministros respondeperante o Presidente da República,eleito pelo Povo (artigo 207 da Cons-tituição), ou os membros do Conse-lho de Ministros respondem peranteo Presidente da República (artigo 208

    da Constituição).A Constituição ignora a responsabi-lidade dos eleitos perante os partidospolíticos porque a sua legitimidadevem do povo, e não de uma determi-nada formação política, a sua respon-sabilidade política é apenas perante oPovo ou aqueles que têm a legitimi-dade popular para isso e não os queapenas a têm por serem oriundos de

    uma formação política.A responsabilidade política não éexclusiva. Existem outras formas deresponsabilidades dos governantes,mas, em todo caso, essas outras formas,não se podem sobrepor e prevalecersobre a responsabilidade políticacomo estabelece, formalmente, oartigo 76 dos Estatutos da Frelimo,fazendo prevalecer a responsabilidade

    partidária sobre a política. Constituiuma negação à soberania do Povo,inaceitável num Estado de DireitoDemocrático.

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    Existe uma ligação estrutural entre oconstitucionalismo e a ideia de res-ponsabilidade política. Com efeito,a responsabilidade política constituiuma das conquistas maiores doconstitucionalismo moderno. A con-sequência da sua prática culmina coma perda do exercício do poder políticopela pessoa (por exemplo, ministro)ou grupo de pessoas (Conselho deMinistros) quando não gozam maisda confiança dos dirigentes supremosda Nação (por exemplo, Presidente

    da República) e, consequentemente,traça uma linha de separação entreditadura e democracia. Nessas cir-cunstâncias, como é que a ComissãoPolítica de um determinado partidopode responsabilizar um ministro ouo Presidente da República que é po-liticamente irresponsável de acordocom a Lei Fundamental?

    Além disso, o artigo 76 dos Estatutos

    da Frelimo viola também o princípioda soberania do Estado, na medidaem que estabelece, formalmente, umcontrolo sobre os agentes do Estadoe, consequentemente, põe os interes-ses do partido acima do Estado. Asoberania do Estado não se manifestaapenas no plano internacional (inde-pendência), mas, também, no planointerno. Nesta perspectiva, o Estado

    soberano tem o poder absoluto, istoé, detém e exerce o poder de criarlivremente (sem controlo, o direito) ede o impôr de forma coactiva. É neste

    sentido que o poder do Estado, noplano interno, é absoluto.

    Assim, como é que um partido polí-tico, que é uma pessoa privada, podesujeitar os órgãos do Estado soberanoàs suas directivas e responsabilizaros titulares dos órgãos de soberania?Uma vez mais, os Estatutos da Fre-limo, forjados em outros tempos,não acompanharam as evoluções doconstitucionalismo moderno. Resu-mindo, os Estatutos da Frelimo nãoacompanharam as mudanças profun-das e os progressos na formação econstrução de um Estado de DireitoDemocrático e o último Congresso(X) desta formação política perdeu aoportunidade de sintonizar as normaspartidárias com a Lei Fundamentalda República.

    A outra grande preocupação é a su- jeição dos órgãos de AdministraçãoPública ao partido no poder. O artigo249 da Constituição estabelece clara-mente que a Administração Públicaserve o interesse público e os órgãosda Administração Pública obedecemà Constituição e à lei. Nesta perspecti-va, como os órgãos da AdministraçãoPública podem obedecer a interessesexclusivamente partidários quandodevem defender o interesse públicoque pode ser diferente do interesse do

    partido? Este artigo viola o princípiode igualdade e fomenta situaçõesdiscriminatórias. Esta situação criae criará uma verdadeira confusão na

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    medida em que o servidor públicoficará sem saber se deve obediência àConstituição ou ao Estatuto do parti-do Frelimo.

    Finalmente, o artigo 76 dos Estatutosda Frelimo estabelece caminhos paraum sistema de pré-estado (regimeneo-patrimonial onde o Estadopassa a servir como instrumento oupatrimónio do partido no poder) queobstaculiza a construção de um Esta-do moderno e representa, consequen-temente, um grande retrocesso naconstrução de um Estado de DireitoDemocrático.

    Noutra vertente, a outra figura quedomina é a influência política paraa protecção de negócios particulares.Muitas das figuras que hoje dominama elite política estão envolvidas emgrandes interesses económicos.São negócios que só ganhamalguma sustentabilidade enquantoa influência política perdurar. Casocontrário, esses negócios deixam deser viáveis e, consequentemente, hánecessidade da parte dessas elites deos proteger. Não se deve esquecer doque se poderia baptizar ou chamarde “sindroma de Chiluba”. FrederickChiluba, ora falecido, foi presidenteda Zâmbia. Antes de chegar ao poder,militou no sindicalismo e defendeu

    a orientação socialista. Quandochegou ao poder virou “capitalista”.No poder, começou a fazer negócios.Apoderou-se do Estado para viabilizar

    os seus negócios. Depois disso, tentoualterar a Constituição para o terceiromandato e não conseguiu. Um outropresidente chegou ao poder – seupróprio Vice-Presidente - e começoua promover um processo-crime contrao seu antecessor. Nessas averiguações,descobriu-se que o Presidente Chilubatinha desviado cerca de 40 milhõesde Euros durante o seu mandatopresidencial. Infelizmente, Chilubamorreu antes do desfecho do processo.

    O império empresarial, que muitosdos nossos dirigentes têm, hoje ganhasustentabilidade por causa das suasinfluências políticas. Se as figuras quehoje dirigem grandes negócios perdeminfluência política, os seus negóciosficam sem sustentabilidade e essaselites não estão dispostas a passarpor essas situações e serem atingidaspelo “sindroma de Chiluba”. Nestaperspectiva, não se pode afastar a

    hipótese de ser do interesse de algunsmembros do partido no poder nãoverem repetida a história de Chiluba.Por isso, vêem-se obrigados adominar o jogo político para garantira sustentabilidade dos seus negócios.

    Os novos desafios quesurgiram

    Para além, dos desafios que foramexpostos no Relatório sobre Gover-nação e Integridade em Moçambique(RGIM) de 2008, desafios novos

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    surgiram, podendo ser divididos emduas categorias: os que surgiram noplano regional e os que surgiram noplano interno.

    No plano regional, na Cimeira deWindhoek, em Agosto de 2010, oPresidente do Zimbabué defendeuque a decisão do Tribunal da SADC2 violava a soberania do Zimbabué eesta “suspendeu” o Tribunal bemcomo decidiu lançar uma revisão doProtocolo sobre o Tribunal da SADC.Na Cimeira de Maputo, em Maiode 2011, os referidos Chefes de Es-tado e Governo voltaram a manter a“suspensão” do Tribunal por mais 12meses e, na última Cimeira de Mapu-to, a questão continua sem solução oque fez com que, hoje, a SADC estejasem mecanismos jurisdicionais deresolução de conflitos envolvendo oDireito Comunitário. Convém referirque a Cimeira dos Chefes de Estado

    e Governo da SADC “suspendeu”,sem nenhuma base legal para o fazer,o Tribunal da SADC por ter tomadouma decisão contra a República doZimbabué. Qual é a imagem dadafora da SADC aos defensores dosdireitos humanos e aos investidoresestrangeiros de uma organizaçãoregional que suspende ilegalmente o

    2 Tribunal da SADC, Case n.° 2/2007, MikeCampbell (Pvt) e outros Vs The Republic ofZimbabwe – 28 de Novembro de 2008, disponívelem: http://www.sadc-tribunal.org/docs/case022007.pdf , Acesso em: 19-10-2012

    seu próprio Tribunal para acomodaros interesses de alguém? O desafiopara Moçambique é de solucionareste problema, jogando um papeldecisivo na “reactivação” do Tribunalda SADC.

    No plano interno, a luta contra apartidarização da AdministraçãoPública constitui um dos maioresdesafios para uma melhorGovernação e Integridade. A Lei daProbidade Pública (Lei n.° 16/2012de 14 de Agosto) proíbe, duranteo horário de trabalho, actividadespartidárias e políticas e o uso de bens e equipamentos públicos paraassuntos distintos do trabalho oficial(artigos 27 e 28). Estes dispositivosdeveriam contribuir para atenuar apartidarização da AdministraçãoPública. Igualmente, o princípiosegundo o qual o titular ou membrode órgão público deve cumprir as

    suas funções de modo a satisfazer ointeresse público (e não o interessede um partido político) e a realizaro bem comum, (n.° 1 do artigo 30 en.° 2 do artigo 13:“no exercício das suas prerrogativas, o interesse público prevalece sempre sobre os interesses pessoais, políticos ou de qualquer natureza” )deveria orientar todos os servidorespúblicos para o que é a sua razão de

    ser. Como refere o n.° 2 do artigo 5 “Oexercício da função pública deve orientar- se para a satisfação do bem comum que é seu fim último e essencial” , e não para

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    a manutenção de uma determinadaformação política no poder. Sem ocumprimento escrupuloso dessesprincípios, qual é o grau de confiançaque inspirará o servidor público noscidadãos “para fortalecer a credibilidadeda instituição que serve e dos seus gestores”  (n.° 4 do artigo 5)?

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    Capítulo 2

    Direitos Humanos eLiberdades Básicas

     André Cristiano José

    Direitos Humanos e Liberdades Bá-sicas compreendem uma análise emtorno da definição dos mecanismosde garantia das liberdades básicas, do

    papel da polícia e dos tribunais, e dalegislação e adopção de convençõesinternacionais sobre direitos huma-nos.

    Sobre as recomendações doRelatório de 2008

    O RGIM 2008 fez recomendações aonível legal e ao nível institucional. No

    âmbito das prioridades na reformalegal sugeriu-se que o país aderisse eratificasse os pactos e protocolos adi-cionais ou facultativos relativos aosdireitos humanos, nomeadamenteo Pacto Internacional dos DireitosEconómicos, Sociais e Culturais,o Protocolo Facultativo do PactoInternacional sobre os Direitos Civise Políticos, o Protocolo Adicional àConvenção contra a Tortura e outrosTratamentos ou Penas Cruéis e oProtocolo Facultativo da Convençãosobre a Eliminação de Todas as

    Formas de Discriminação contraas Mulheres. O Governo aprovouo Pacto Internacional dos DireitosEconómicos, Sociais e Culturais e oProtocolo Adicional à Convençãocontra a Tortura e outros Tratamentosou Penas Cruéis em 2011, mas não seavançou para a assinatura e ratifica-ção dos mesmos. Da lista recomen-dada, só o Protocolo Facultativo daConvenção sobre a Eliminação deTodas as Formas de Discriminaçãocontra as Mulheres foi ratificado

    (2008). Além dos instrumentos suge-ridos no RGIM anterior, deve-se no-tar a adesão de Moçambique a duasoutras convenções internacionais:a Convenção das Nações Unidassobre os Direitos das Pessoas comDeficiência (e o Protocolo Opcional)em 2012 e a Convenção relativa aosTrabalhadores Migrantes (tambémem 2012).

    O Estatuto do Tribunal Penal Inter-nacional (ETPI) não foi ratificado.Várias organizações têm pressionadoa Assembleia da República para aratificação do ETPI (entre outras aOrdem dos Advogados de Moçambi-que e a Liga dos Direitos Humanos).Apesar dessa pressão, a Presidenteda Assembleia da República, DraVerónica Macamo, defendeu que

    Moçambique não vai ratificar aadesão ao TPI enquanto não foremacomodados certos aspectos legais1.

    1 Jornal O País  de 09/08/2011.

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    Em relação à adopção de uma políti-ca de valorização e ampliação das pe-nas alternativas à prisão, o Governosubmeteu à Assembleia da Repúblicauma proposta de alteração do CódigoPenal que contempla “penas alter-nativas à prisão”, sendo medidas epenas não privativas de liberdade, taiscomo as medidas sócio-educativas esocialmente úteis.

    A nível institucional, recomendou-sea adopção de medidas legislativasque permitam o acesso de entidadesindependentes (OSC) aos estabele-cimentos prisionais e às esquadrasda polícia, de modo a monitorarema situação dos cidadãos privados deliberdade. Nenhuma medida legis-lativa foi tomada. Contudo, existemalgumas medidas administrativas.

    Segundo a Dra. Augusta Eduardo,da LDH, “no início o acesso dasOSC aos estabelecimentos prisionaise esquadras era difícil. Havia poucaabertura dos gestores prisionais e deesquadras. Durante algum tempofuncionou-se com base na credencial.A partir de 2009, com a assinatura deum Memorandum de Entendimentoentre o Ministério da Justiça e a LDH,hoje o acesso às prisões melhorou,mas continua difícil nas esquadras.Os pedidos formulados às esquadras,

    regra geral, são indeferidos”. Porexemplo, a LDH teve o seu pedidoindeferido para aceder à esquadrade Bela Vista, em Maputo, onde

    se pretendia prestar assistência aimigrantes ilegais detidos.

    A institucionalização de mecanismosde cooperação entre o Estado (par-ticularmente o IPAJ), a Ordem dosAdvogados de Moçambique (OAM)e as organizações de defesa dos di-reitos humanos é uma recomendaçãoque foi parcialmente implementada,pois, foi assinado um Memorandumde Entendimento (ME) entre o IPAJa LDH e a Faculdade de Direito daUEM que, dentre várias coisas, visaa formação conjunta de para-legais,que iram assistir os casos relaciona-dos com os direitos humanos. Falta aintegração do OAM neste ME.

    Quadro legal e institucional:ponto de situação

    Não obstante a diversidade concep-tual em torno da “Boa Governação”

    e “Integridade” a nível internacional,é consensual a ideia de que aquelasdeverão estar ancoradas à necessida-de de promoção do desenvolvimentoe dos direitos humanos e liberdades básicas. Este é também o posiciona-mento do Governo de Moçambiquenalguns dos principais instrumentospolíticos, nomeadamente, o Progra-ma Quinquenal do Governo (2010-

    2014) e o Plano de Acção para aRedução da Pobreza (PARP). 2 

    2 O PARP foi aprovado na 15ª Sessão doConselho de Ministros, realizada no dia 03 de

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    No relatório anterior, elegemos duasformas complementares de análise

    das condições ou processos de efec-tivação dos direitos humanos e liber-dades, a saber: i) o quadro normativoe institucional; e ii) os problemaspráticos que deles decorrem.

    No que respeita ao quadro legal einstitucional, não houve mudançassignificativas. Por um lado, o Estadocontinua a dar primazia aos direitoscivis e políticos e aos direitos colec-tivos e difusos, descurando os direi-tos económicos e sociais. Por outrolado, permanece a lógica ou estraté-gia de selectividade na adesão aosinstrumentos normativos internacio-nais, não se vinculando àqueles queimplicariam uma responsabilizaçãodirecta do Estado e/ou do Governoperante as instituições internacionais,em caso de violação dos direitos hu-manos.

    O Ministério Público, enquanto de-fensor da legalidade, não tem recursoshumanos e condições de trabalho su-ficientes para acautelar ou reagir con-tra todos os casos de violação de di-reitos humanos que ocorrem no país.Uma limitação adicional importanteresidia no facto de os magistrados doMinistério Público, por vezes, seremimpedidos de cumprir as suas fun-

    ções, particularmente nas esquadras enos estabelecimentos prisionais.

    Maio de 2011.

    Não obstante os protocolos assinadosentre o Ministério da Justiça e as or-

    ganizações da sociedade civil (como,por exemplo, a Liga Moçambicanados Direitos Humanos), o acesso aosestabelecimentos prisionais continuadependente da vontade (ou sensibili-dade) de quem os dirige. O mais pro- blemático continua o acesso às esqua-dras da polícia, dado o característicofechamento do Ministério do Interior.Espera-se que a recente nomeação doProvedor de Justiça e dos membros

    da Comissão Nacional dos DireitosHumanos3 ajude a melhorar a moni-toria dos estabelecimentos prisionaise centros de detenção.

    Reconhecendo a importância das ex-periências de apoio jurídico aos cida-dãos e a necessidade de maximizá-lasem benefício do acesso à justiça, oIPAJ assinou acordos de cooperação,com o Centro de Assistência e Práti-

    cas Jurídicas (CAPJ) da UniversidadeApolitécnica, o Centro de PráticasJurídicas da Faculdade de Direito daUniversidade Eduardo Mondlane ea LDH. Esta iniciativa constitui umavanço importante no sentido de am-pliar as possibilidades de promoçãodo acesso ao direito e à justiça.

    Em 2012, o Governo submeteuà Assembleia da República uma

    3 A Comissão Nacional dos Direitos Humanosfoi criada pelo Decreto n.º 33/2009, de 22 deDezembro. Os membros da Comissão tomaramposse perante o Presidente da República em 2012.

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    proposta de alteração do CódigoPenal que contempla um regime

    de penas alternativas à prisão que,ultrapassando a tradicional penade multa, inclui determinadasmedidas sócio-educativas. É certoque a questão das prisões e daspenas alternativas tem sido encaradacomo uma das prioridades dosistema de administração da justiça,sendo um dos principais vectores deconcretização da política prisional.No entanto, o Código Penal, embora

    importante, não esgota as medidaslegislativas necessárias para efectivaro regime das penas alternativas. Jáa Lei Contra a Violência Doméstica(Lei n.º 29/2009, de 29 de Setembro)prevê a aplicação do trabalho a favorda comunidade como pena principalou como pena de substituição, mas,nem por isso essas medidas sãoaplicadas.

    As evidências indicam que houveestagnação quanto à situação dos di-reitos humanos e liberdades básicas.Por serem as recomendações desa-tendidas ou parcialmente cumpri-das, propicia-se a multiplicação dosproblemas práticos identificados noRGIM 2008, ainda que alguns reves-tidos de novos condimentos.

    As detenções ilegais, o uso abusivo da

    força e de armas de fogo por parte dapolícia (nalguns casos resultando emmortes) e as condições das cadeiassão alguns dos principais problemas

    que permanecem, reiteradamentereconhecidos, tanto pelas instituições

    estatais, como pelas organizaçõesda sociedade civil.4  Não obstante aConstituição da República reconhe-cer-lhe a “função de garantia da lei eordem, salvaguarda da segurança depessoas e bens, respeito pelo estadode direito democrático e observânciados direitos e liberdades fundamen-tais dos cidadãos”, a PRM continua,paradoxalmente, a ser associada aviolações de direitos humanos.

    Do mesmo modo, nas prisõescontinuam a chegar ao público relatosde violações de direitos humanosnos estabelecimentos prisionais. Ocaso recente e que foi mediatizadofoi a tortura de um prisioneiro até àmorte na cadeia distrital de Macanga,facto confirmado e repudiado peloMinistério da Justiça em comunicadooficial.5 

    No caso da polícia, o quadro torna-seainda mais alarmante quando ao ní-vel do Comandante-Geral da PRM seafirma, sem que daí resultem quais-quer responsabilidades, que “[nós

    4 Ver Informe Anual do Procurador-Geralda República à Assembleia da República de2010. Ver também a reportagem da visita doProcurador-Geral da República à cadeia demáxima segurança da Machava, publicada

    no Jornal Notícias  de 22 de Setembro de2012.; e, ainda, o Relatório Anual SobreDireitos Humanos 2009, publicado pela LigaMoçambicana dos Direitos Humanos.

    5 Ver Jornal O País  de 15 de Fevereiro de 2013.

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    polícias] não obedecemos a nenhum juiz, mas ao nosso regulamento”.6 Com estas palavras, o Comandante-Geral não pretende apenas afirmara autoridade da corporação, mastambém delimitar ou “instituir” umazona de excepção e de não-interven-ção do poder judiciário, contribuindo,deste modo, para a disseminaçãode uma cultura de não-aplicação daConstituição e demais leis do Estado.Os próprios membros da corporaçãoacabam por ser vítimas de violações

    de direitos humanos, como aconte-ceu com o caso mediatizado de umpolícia agredido fisicamente peloscolegas na 1ª Esquadra da PRM dacidade de Nampula, alegadamenteporque pediu dispensa para levar ofilho ao hospital.7

    Novos desafios

    O próprio Governo, ao identificar osprincipais desafios da área da gover-nação, afirma que “o respeito e pro-tecção dos direitos humanos requerdo Estado e da sociedade civil maioracutilância na consolidação dos me-canismos institucionais e informais,visando desencorajar actos de violên-cia de qualquer natureza, tráfico deseres humanos e todas as práticas que

    6  Declarações feitas a propósito do chamado“caso das armas de Nacala”. Sobre este caso, verJornal O País  de 01 de Maio de 2012.

    7 Jornal O País  de 21 de Agosto de 2012.

    contrariem os mais nobres valoreshumanos de solidariedade, igualdadee amor ao próximo” (PARP, 2011-2014).

    Em relação aos protocolos de coo-peração, insistimos na ideia de que aadopção de medidas legislativas nãoregule só o acesso aos estabelecimen-tos prisionais e centros de detençãopor parte de organizações da socieda-de civil credenciadas. O desafio resideem prever também sanções para oscasos de recusa infundada do acesso,assim contribuindo para o alargamen-to do serviço público de denúncia eencaminhamento das violações dedireitos humanos.

    Um outro desafio é a necessidade dealargar os protocolos para outras insti-tuições, incluindo as organizações dasociedade civil que actuam em áreasespecíficas, como a defesa dos direitoscolectivos e difusos (recursos natu-rais, ambiente, planeamento urbano,património cultural, consumo, etc.).Isto parece-nos importante sobretudono actual contexto da corrida aosrecursos naturais e minerais em queo reassentamento das comunidadesnem sempre acautela os respectivosdireitos económicos e sociais, comorevela o caso de Cateme (Moatize,Tete).

    Em relação às penas alternativas àprisão, é necessária a introdução demedidas legislativas e sócio-organiza-

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    na prevenção e combate aocrime, contribuindo, assim,

    para a apropriação popular doprograma.

    Novas Recomendações

    Dado que os avanços em relação àscondições ou pressupostos necessá-rios para fortalecer a protecção dosdireitos humanos e liberdades básicassão bastante limitados, não só reafir-mamos as recomendações avançadasno RGIM 2008, como acrescentamoscinco áreas prioritárias de interven-ção:

    i) Colocação de magistrados doministério público e de juízesda instrução (em regime deturnos, durante todo o dia) junto das esquadras de políciae outros centros de detençãode modo a evitar arbitrárias

    privações de liberdade, assimcomo para reduzir o tempoque separa a detenção da li- berdade provisória;

    ii) Formação continuada dosagentes policiais em matériarelativa aos direitos humanose liberdades básicas;

    iii) Incorporação de matérias re-lativas aos direitos humanos,

    liberdades básicas e penasalternativas à prisão na forma-ção de magistrados e outrosactores judiciários;

    iv) Assinatura de protocolos decooperação entre o IPAJ e

    organizações da sociedadecivil que lutam pela defesa dedireitos colectivos e difusos;

    v) Instituição de um regime de“arquivo aberto”, contendoinformação relevante sobrea estatística da actividade dapolícia (volume, tipologia edestino dos casos) e dos ór-gãos judiciários.

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    Capítulo 3

    Governação eFinanciamento Eleitoral

    Zefanias Matsimbe

    Em democracias multipartidárias, aintegridade, a transparência e a im-parcialidade são alguns dos princípios basilares em processos eleitorais paralíderes e representantes. Sem querer

    minimizar o papel dos outros inter-venientes em processos eleitorais, háque destacar o papel dos órgãos degestão eleitoral (OGE) na conduçãodos processos. Daí ser importante quemereçam a maior confiança para queproduzam resultados mais credíveis emenos conflituosos.

    O relatório de 2008 analisou a “go-vernação e financiamento eleitoral”

    com enfoque em três áreas-chave quepodem definir a legitimidade dos pro-cessos eleitorais, nomeadamente i) oquadro legal e institucional que regulaa institucionalização dos OGE, maisparticularmente a sua composiçãoe funcionamento; ii) o processo deapuramento dos resultados eleitorais;e iii) o financiamento eleitoral.

    Da análise dos problemas práticos

    e desafios reais constatados nas trêsáreas de governação eleitoral, o re-latório identificou as seguintes áreasprioritárias de intervenção:

    i) Designação dos membros dasociedade civil para a ComissãoNacional de Eleições (CNE)feita por uma comissão criadapela Assembleia da República(AR);

    ii) Revogação do artigo 186 (1) daLei 7/2007 sobre as condiçõesde nulidade de votação;

    iii) Promoção de amplo debate so- bre o processo de apuramentodos resultados eleitorais (re-dução de etapas e garantiasde transparência em todas asfases);

    iv) Introdução de um dispositivolegal que permita a reconta-gem de votos em caso de ne-cessidade;

    v) Revisão do artigo 35 (1) da Lei7/2007 sobre proibição ou li-mites de contribuição de cida-dãos estrangeiros e de ONGsestrangeiras a partidos políti-cos concorrentes e candidatospresidenciais;

    vi) Implementação rigorosa daobrigatoriedade de publicaçãode fontes de doações (tipo emontante) dos partidos políti-cos e criação de um organismoestatal específico para moni-torar actividades dos partidos,

    incluindo o financiamento po-lítico.

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    Como forma de dar continuidade aotrabalho iniciado na edição anterior,o presente capítulo analisa até queponto estas recomendações foramseriamente tomadas em conta, equais os novos problemas práticos edesafios reais que surgiram a seguirao primeiro relatório.

    Quadro Legal, Institucional ede Políticas Públicas

    O cumprimento das recomendações

    feitas no relatório de 2008 apresentaum quadro misto nas três áreas degovernação eleitoral em análise.

    Numa nota positiva, a Assembleia daRepública (AR) acolheu a recomen-dação da necessidade de mudançasno mecanismo de designação dosrepresentantes da sociedade civil paraos OGEs. Como fizemos referênciano relatório de 2008, a legislação

    anterior era omissa em relação ao me-canismo de designação dos membrosprovenientes da sociedade civil. À luzda nova Lei Nº 6/2013, recentementeaprovada, o processo de selecção dosrepresentantes da sociedade civil paraa CNE é conduzido por uma comis-são ad hoc   criada pela Assembleiada República. Mais ainda, contraria-mente à lei anterior que estabelecia

    que a indicação dos representantesda sociedade civil para as comissõesprovinciais de eleições (CPEs) e co-missões distritais de eleições (CDEs)

    ou comissões eleitorais de cidades(CECs) era por cooptação pelosmembros designados pelos partidospolíticos, a nova lei fixa que as pro-postas de candidaturas de membrosda sociedade civil para (CPEs) sãoapresentadas à CNE e para as CDEsou CECs à respectiva CPE. Portanto,houve algum avançou neste aspectoinstitucional.

    Aspecto preocupante é que a presençada sociedade civil na CNE reduziu de8 para 3 representantes. Se, no relató-rio anterior, dissemos que o facto de aCNE ser constituída maioritariamen-te por membros provenientes da socie-dade aumentava a confiabilidade dosOGE perante a sociedade moçambi-cana, este ganho não foi capitalizado.A persistente desconfiança entre osprincipais contendores políticos levoua este retrocesso. A CNE volta a serclaramente dominada por represen-

    tantes de partidos políticos, sendo 5da FRELIMO, 2 da RENAMO e 1do MDM. A grande novidade é a re-presentação do Conselho Superior daMagistratura Judicial por 1 Juiz, e doConselho Superior da Magistraturado Ministério Público por 1 Procura-dor, o que totaliza 13 vogais da CNE.Apesar de a lei ter sido aprovada, elaconstitui objecto de conflito entre a

    FRELIMO e a RENAMO, com estaúltima força a exigir paridade nadesignação dos membros dos doispartidos políticos. Dada esta falta de

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    trabalhos de apuramentos parcial,distrital ou de cidade, provincial e ge-ral. Inclusive, estes podem apresentarreclamações, protestos ou contra pro-testos sobre os quais a CDE ou CEC,CPE e CNE deliberam. Esta aberturaà observação inclui a fase de requalifi-cação, pela CNE, dos boletins de votoreclamados ou protestados, algo queera antes feito a portas fechadas.

    Comparativamente ao relatório an-terior, pelo menos no papel, houvegrandes mudanças com vista a garan-tir maior transparência nos processoseleitorais. A nova legislação eleitoral já obriga a CNE a publicar, no seusítio de Internet, os dados da suaactividade, deliberações, resoluções,estudos, dados do recenseamento evotação e outros que devam ser doconhecimento público1. No relatórioanterior, referimos que, em outrasdemocracias, os resultados parciaiseram disponibilizados pela Internet,como forma de garantir maior trans-

    parência e aumentar os níveis deconfiança no processo eleitoral.

    Sobre a terceira recomendação nestaárea, atinente à necessidade de esta- belecimento de um dispositivo legalque abra espaço para a recontagem devotos em casos de perda e/ou dúvi-das sobre a originalidade dos editais,nada foi feito.

    Financiamento EleitoralO relatório de 2008 referia que oquadro legal sobre o financiamento

    1  Artigo 68 da Lei 6/2013.

    eleitoral era permissivo. Desafiosapontados incluíam (i) o não estabele-cimento pela lei de limites de montan-tes que os partidos podem receber dedoações; (ii) a não declaração efectivapelos doadores e pelos recipientes dotipo e montante das doações recebi-das ou feitas; (iii) a falta de uma ins-tituição estatal específica para moni-torar o financiamento político; e (iv)o fraco mecanismo de prestação decontas do financiamento pelos parti-dos concorrentes e candidatos.

    Do último relatório até hoje pouco ouquase nada mudou. A nova legislaçãoeleitoral continua ainda silenciosaem vários dos problemas levantados.A nova legislação deixa ainda quasedesregulado o financiamento privado,uma vez que abre espaço para cidadãosnacionais e estrangeiros financiaremcampanhas de partidos políticos,sem nenhum limite de montantes.

    Os partidos políticos também podemusar todos os recursos ao seu disporpara fazerem campanha eleitoral semnenhum limite. Esta lacuna é graveporque, num país com mecanismosde controlo e prestação de contaspouco eficientes, abre espaço parafinanciamentos eleitorais de fontesilegais e até criminosas. E mais, aodeixar que cada partido gaste tudo

    o que pode, cria um desequilíbriona competição entre os partidos ecandidatos que têm mais e os que têmmenos.

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    Nada mudou para responder à reco-mendação do relatório anterior sobrea necessidade de publicação de fontesde receitas e doações. Esta fragilidadesignifica que o perigo de interligaçõespromíscuas entre partidos e candida-tos presidenciais e interesses empre-sariais, incluindo empresas públicas,mantém-se. O problema aqui não éa falta de legislação, mas sim a suadeficiente implementação.

    Do relatório anterior para cá, tambémnenhuma instituição estatal foi criadapara monitorar o financiamento po-lítico, incluindo a fiscalização para acorrecta utilização do financiamentopúblico, e a utilização indevida dosrecursos públicos. A CNE, órgãoencarregue de velar pela prestação decontas dos partidos e candidatos, temse mostrado permissiva. A recomen-dação colocada no relatório anteriorpara se criar uma instituição vocacio-

    nada para a fiscalização financeira foicompletamente ignorada pelo legisla-dor.

    Um único aspecto que indica algumamelhoria no financiamento eleitoral éo facto de a nova lei já fixar o prazopara o desembolso do financiamentoeleitoral. O prazo é de 21 dias antesdo início da campanha eleitoral, o quepermite melhor gestão deste financia-

    mento pelos receptores. Nas eleiçõesanteriores, por vezes, os fundos eramdisponibilizados mesmo depois de acampanha eleitoral ter iniciado.

    Problemas Práticos e DesafiosReais

    Engenharia Institucional

    Embora comparativamente aosresultados do primeiro relatório, onovo quadro legal e institucionalapresente algumas melhorias, aindapersistem fragilidades reportadas noprimeiro relatório que ainda têm opotencial de afectar a credibilidade eintegridade da governação eleitoral.

    A máquina eleitoral continua bas-tante pesada e onerosa. O legisladorignorou a proposta avançada pela so-ciedade civil de eliminação das CPEse de CDEs ou CECs e a sua substi-tuição por Delegados ou Comissáriosprovinciais e distritais da CNE. AsCPEs e CDEs ou CECs ainda coexis-tem com o STAE a nível provincial,distrital ou de cidade, o que não se justifica. O problema agrava-se aindapela falta de clareza sobre as funçõesdas CPES e de CDES ou CEC e osSTAE Provincial e de distrito ou cida-de. Este é o problema prático que exi-ge contínua reflexão, principalmentepelo legislador.

    A nova lei da CNE, a Lei 6/2013, emgrande parte representa um retrocessoaos alcances que organizações da so-ciedade civil nacional, comunidade in-ternacional e observação eleitoral ha-viam conseguido anteriormente paraque a CNE fosse maioritariamente

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    composta por membros provenientesda sociedade civil. No figurino actualdos 13 membros, apenas 3 serãoprovenientes da sociedade civil. Istotem implicações práticas muito im-portantes. Todo o clima de confiançaque se havia criado à volta dos OGEsficará comprometido e o nível de que-relas internas nos OGEs a todos osníveis vai agudizar-se. O Parlamentoignorou não só a proposta de despar-tidarização da CNE, mas também aredução do seu tamanho. O Instituto

    Eleitoral para Democracia Eleitoralem África (EISA), por exemplo,propunha a redução de membros daCNE de 13 para 5 a 7.

    Comparativamente à realidade de-tectada no relatório transacto, a novalegislação minimiza os problemasque caracterizavam o processo dedesignação dos membros da socie-dade civil para as CPES e CDEs por

    cooptação partidária, mas não retirapor completo a possível interferênciados partidos políticos, uma vez quea CNE e as CPEs são compostasmaioritariamente por membros pro-venientes de partidos políticos. Per-siste ainda o espectro de os partidospolíticos se infiltrarem na sociedadecivil para depois se candidatarem aosOGEs, como a situação exposta na

    edição anterior em que antigos parla-mentares e outras personalidades, que já haviam ocupados cargos político-partidários clamavam representar a

    sociedade civil. Acreditemos que, defacto, regredimos 20 anos para OGEspartidarizadas. Este é um problemaprático que certamente vai afectar ospróximos pleitos eleitorais.

    A nova lei mantém o artigo sobrea necessidade de recrutamento deelementos tecnicamente habilitados(principalmente em períodos de re-censeamento e eleições), com baseem concurso público de avaliaçãocurricular. Mas a preocupação reflec-tida no relatório anterior prevalece:até que ponto esta obrigação legalserá efectivamente cumprida paramaior credibilidade e transparênciados OGEs?

     Apuramento Eleitoral 

    Do relatório transacto para cá sãovisíveis as mudanças operadas paramelhorar a transparência e credibili-

    dade dos processos eleitorais e evitarfraude ou desconfianças. O problemaprático que se pode antever aqui é adeficiente implementação das medi-das tomadas.

    Em alguns aspectos, a nova legislaçãoainda apresenta lacunas. Por exem-plo, a Lei 6/2013 impele a CNE a pu- blicar toda a informação, mas deixaalguma ambiguidade ao dar à CNEo poder de decisão na definição deinformação pública. A implementa-ção efectiva desta medida está presaà vontade da CNE. Esta lacuna abreespaço para o habitual secretismo que

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    caracterizou as anteriores CNEs. Emais ainda, não há nada na lei queexija que a publicação de informaçãoconsiderada pública seja em tempoútil.

    Financiamento Eleitoral

    Como já foi anteriormente referido,esta parte do relatório é a que poucoregistou progressos. Todos os proble-mas levantados no relatório anteriorcontinuam prevalecentes.

    Queremos enfatizar aqui três proble-mas práticos que não foram levanta-dos no primeiro relatório: i) o facto dea CNE ser a entidade responsável peladefinição de critérios de distribuiçãode financiamento eleitoral público,e muito particularmente, ii) o factode a CNE ser a entidade responsávelpela prestação de contas pelos parti-dos concorrentes e candidatos. Este

    é ainda um grande problema que vaiafectar os processos eleitorais porquea CNE já se mostrou pouco efectiva.Para além de não ser uma instituiçãocom vocação para a gestão financei-ra, a CNE está mais preocupada comresultados eleitorais e menos com atransparência e prestação de contasdo fundo do Estado alocado aos par-tidos políticos e candidatos para finseleitorais.

    Áreas Prioritárias deIntervenção e Reforma

    Quadro Legal

    A nova legislação suprime aspectospreocupantes apresentados no pri-meiro relatório, como, por exemplo,a contrariedade sobre a nulidade devotação e a requalificação dos votos.Contudo, ainda deixa lacunas e váriosdesafios, incluindo a questão da com-posição da CNE e do financiamentodos partidos políticos. Por isso, nestaedição repisamos as seguintes reco-mendações:

     ~ A introdução no figurinoinstitucional eleitoral de ummecanismo que permita a re-contagem de votos em caso denecessidade, por exemplo, emcasos de perda de editais;

     ~ O financiamento privado devemerecer maior atenção. Osrecipientes de financiamentoprivado para fins eleitoraisdevem ser efectivamente com-pelidos a declarar publicamen-te as fontes e montantes definanciamento recebido, paraos desencorajar a usar fontesilegais que possam perigaruma competição democráticasaudável.

    Novas recomendações incluem:

     ~ A introdução de dispositivoslegais para obrigar os partidos

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    políticos a submeterem rela-tórios regulares de funciona-mento e contas elaboradaspor auditores independentesespecializados;

     ~ O estabelecimento de limitesde montantes que os partidosconcorrentes e candidatospodem gastar em campanhaseleitorais;

     ~ A clara definição da informa-ção que a CNE deve publicar,

    principalmente durante o apu-ramento, e também o períodoem que essa informação deveser publicada.

    Sobre o figurino institucional, real-çamos a recomendação levantada norelatório anterior para a necessidadede criar um organismo permanentepara a monitoria e fiscalização dofinanciamento político que liberte a

    CNE das responsabilidades de regu-lamentação e distribuição dos fundospúblicos e controle de prestação decontas pelos partidos políticos.

    Novas recomendações incluem:

     ~ A redução do tamanho daCNE para 7 vogais, seleccio-nados através de um concursopúblico, tendo como critérioas qualificações e experiência

    profissional;~ A redução do tamanho da má-

    quina dos OGEs. Para isso as

    CPEs, CDEs e CECs devemser substituídas por individua-lidades designadas pela CNEas quais fariam a supervisãodo trabalho do STAE a cadanível, podendo, em caso deimpedimento, delegar a res-ponsabilidade ao representan-te do STAE local (provincial,distrital ou cidade).

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    Capítulo 4

    GovernaçãoLocal e RelaçõesIntergovernamentais

    Nobre Canhanga

    Governação local e relações inter-governamentais compreende umaanálise em torno da organização doEstado a nível local, dos recursos e ca-pacidades existentes, das oportunida-des para a participação comunitária edos mecanismos de articulação com ogoverno central, incluindo um examedas relações com o governo centrale/ou provincial. Em Moçambique,o complexo cenário institucionaldos governos locais é influenciadopelo processo histórico, estrutural econstitucional e garante preferência

    política pelo controlo excessivo dosníveis locais.

    Sobre as recomendações doRGIM 2008

    Em 2008 mencionou-se a impor-tância da partilha de recursos comofactor essencial para o fortalecimentoda governação local e melhoria do

    equilíbrio das relações intergover-namentais. Na altura, as autarquiaslocais apresentavam uma situaçãofinanceira débil, devido à fraca base

    económica, associada à limitada ca-pacidade tributária, assim como ao re-duzido índice de transferências fiscaisdo Estado para as autarquias locais. Agrande preocupação prendia-se coma modificação das leis que regiam astransferências do governo central que,inicialmente, situava as transferênciasnum intervalo entre 1,5% a 3% paraum parâmetro de 1,5.

    O relatório recomendou o aprofun-damento, a celeridade e a promoçãoda descentralização fiscal. Reco-mendou a transferência de fundosdos sectores agrícola, das estradas,água, infra-estruturas educação,saúde, para os escalões provincial,distrital e autárquico. Instou-se quedeveriam ser transferidas funções erecursos para os governos locais, eque deveria haver harmonização dosimpostos nacionais e das autarquiaslocais, assim como a necessidade da

    capacitação das autarquias locais nasáreas de arrecadação e administraçãotributária.  Para isto, era necessáriomobilizar recursos locais, alargandoa base tributária e, ao mesmo tempo,elevar as transferências fiscais do nívelcentral para o local, transformando osdistritos em unidades orçamentais, oque daria ímpeto ao processo de des-centralização.

    Em que medida as recomendaçõesforam seguidas? Ao nível dos ór-gãos do poder local houve recuos eprogressos. Os dados reveladores de

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    que o Governo transfere para as au-tarquias locais um máximo anual de0,9%, e não 1,5% como previsto nalei, são indicadores de que existemrecuos no processo. Ainda se verificao descompasso entre a transferênciade recursos e competências dos níveiscentral para o local. O descompassoé interpretado como inobservânciado princípio estabelecido na teoria dadescentralização fiscal no qual a des-centralização de finanças só pode serconsolidada quando acompanhada

    da descentralização de funções.O RIGM 2008 recomendou a promo-ção, aceleração e aprofundamento dadescentralização fiscal, aumentandoo nível de transferências fiscais paraos governos locais, assim comoapoiando-os no aumento da sua capa-cidade de arrecadação de receitas. Aeste propósito, nota-se que o Governoprosseguiu com (i) a transferência

    para os municípios da consignação eda responsabilidade de cobrança doImposto sobre os Veículos (vulgo Ma-nifesto) e (ii) a previsão legal das re-ceitas municipais do Imposto PessoalAutárquico e sua actual cobrança.

    Também se recomendou o aperfeiçoa-mento das reformas de representaçãopolítica e dos sistemas e procedimen-tos eleitorais. Na área de planificação

    e participação comunitária, regista-ram-se progressos no que diz respeitoao estabelecimento e instituciona-lização dos Conselhos Consultivos

    Locais (CCL). Entretanto, estes  fora não se tornaram representativos eparticipativos. A lógica e as estruturasque perpetuam a centralização e aexclusão mantêm-se sempre presentesno seu funcionamento.

    As recomendações formuladas em2008 não foram atendidas. Uma pro-posta de Política e Estratégia de Des-centralização (PED) foi preparada eaprovada pelo Governo. Entretanto, aPED não trouxe aspectos inovadorese catalisadores da promoção de umacultura de governação inclusiva e co-laborativa entre os vários níveis admi-nistrativos.

    Ponto de situação do quadrolegal, institucional e depolíticas públicas

    A Lei 9/1996 institucionalizou o Po-

    der Local, e reafirmou a importânciados princípios da descentralizaçãoe desconcentração, no contexto dareorganização do Estado. A Lei2/1997 definiu o quadro jurídico paraa implementação da descentralizaçãopolítica. A Lei 8/2003 aperfeiçoou as bases institucionais para a materiali-zação da desconcentração. Nelas, sãoestabelecidos princípios e normas deorganização, competências e funcio-

    namento dos Órgãos de Poder Locale dos Órgãos Locais do Estado (Pro-víncia, Distrito, Posto Administrativoe Localidade).

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    2009 e a sua institucionalização ocor-reu nos princípios de 2010. Na teladas relações de poder institucional, asAssembleias Provinciais são órgãosde representação democrática, cujopoder deriva de um processo eleitoral baseado no princípio de representa-ção proporcional, e com um mandatode cinco anos2. Deste processo, pro-vém a legitimidade democrática, quea habilita a abençoar o orçamento eprograma do governo provincial evigiar as actividades desenvolvidas

    pelos respectivos governos provin-ciais. Entretanto, em termos efectivos,estas competências são anuladas nocontexto de uma frágil separação depoderes e excessiva partidarizaçãodas instituições públicas e do Estado.

    Para além dos instrumentos norma-tivos que configuraram as metamor-foses legais e da governação locale relações intergovernamentais em

    Moçambique, no âmbito da opera-cionalização dos Órgãos Locais doEstado, avanços foram verificadoscom a aprovação do Decreto 6/2006(que define a estrutura tipo da orgâni-ca do governo distrital e seu estatutoorgânico) e o Decreto 5/2006 (queatribui aos governadores provinciaise aos administradores distritais com-petências no âmbito da gestão de

    recursos humanos). Progressos foramdados também com as Resoluções3/2006, 4/2006, 5/2006 e 6/2006

    2  Cf: CRM, artigo 142 e artigo 1 da Lei 5/2005.

    que aprovaram os estatutos orgânicosdas secretarias provinciais, distritais eas dos gabinetes do governador e doadministrador. Entretanto, apesar dosavanços, existem enormes retrocessose desafios com os quais o processode governação local e as relações in-tergovernamentais terão de lidar nospróximos anos.

    Novos desafios e problemaspráticos

    Politica e Estratégia deDescentralização

    A Lei 8/2003 (LOLE) e o Decreto11/2005 que aprova o Regulamen-to da Lei dos Órgãos Locais do Es-tado, a Lei 1/2008, que aperfeiçoa osistema tributário autárquico, e de-mais políticas e estratégias demons-tram progressos no quadro legal que

    orienta a descentralização. Entretan-to, aqueles instrumentos normativos,não tocam com profundeza os secto-res fundamentais (emprego, transpor-te, vias de acesso, assistência social,mudanças climáticas e muitos outrosserviços importantes) que preocupama vida dos residentes nas sub-unida-des territoriais do país. Esta acanhadacapacidade de resposta na provisãode bens e serviços básicos estimula

    efeitos adversos na organização dosgovernos locais e excita a ocorrênciade movimentos de contestação nos

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    Governação Local e Relações Intergovernamentais

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    centros urbanos do país. As manifes-tações de 05 Fevereiro de 2008, de01 e 02 Setembro de 2010 e de 15 deNovembro de 2012, devem ser anali-sadas dentro do paradigma das rela-ções entre o espaço urbano e o rurale do crescente desequilíbrio entre ademanda agregada de bens e serviçospúblicos e uma carente capacidadede os governos locais responderem àprocura dos mesmos.

    A Lei 3/2008 garantiu que deznovas autarquias fossem instituídasem 2008, totalizando-se, assim, 43autarquias. O Plano Quinquenal doGoverno (2009-2014) antevê umaterceira geração de Autarquias Lo-cais, durante o mandato corrente. OMinistério da Administração Estatal,com apoio financeiro dos parceiros dedesenvolvimento, conduziu estudos.Uma proposta para 10 novas autar-quias foi submetida e aprovada na

    Assembleia da República. Entretanto,não existem metodologias profissio-nalmente elaboradas e cientificamen-te validadas para identificar novasautarquias. O artigo 5 da Lei 2/1997,apresenta quatro factores para a indi-cação e criação de novas autarquias,entre eles: a) factores geográficos,demográficos, económicos, sociais,culturais e administrativos; b) inte-

    resses de ordem nacional ou local; c)razões de ordem histórica e cultural; ed) avaliação da capacidade financeirapara a prossecução das atribuições

    que lhes estiverem cometidas. Estescritérios abstractos requerem maiorprofissionalização e uma maior basecientífica, que o Governo não temmelhorado nos últimos anos.

    Já em 2008, a falta de uma Política eEstratégia de Descentralização (PED)e, portanto, a não clarificação do pro-cesso evolutivo da descentralizaçãoem Moçambique, foi identificadacomo um dos maiores desafios dadescentralização. Por isso, alimenta-ram-se incertezas quanto à intençãodo Governo de prosseguir com a des-centralização de forma progressiva eestruturada. Por isso, reconhecia-se aimportância da vontade política paraa elaboração da PED, instrumentoque ajudaria a definir uma visão emissão de desenvolvimento dos go-vernos locais e aperfeiçoar as relaçõesintergovernamentais nas suas diversasdimensões (política, administrativa,

    fiscal, económica e social). O primei-ro e importante passo foi dado com aaprovação da Política e Estratégia deDescentralização pelo Governo, emDezembro de 2012. No entanto, paraalém da indefinição do instrumentale das abordagens metodológicas paraa sua implementação, a PED foielaborada sob forte pressão político-partidária e, em termos de conteúdo,

    não respondeu às recomendaçõesespecíficas de 2008.

    Nota-se na PED um défice no tra-tamento das questões relacionadas

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    Governação Local e Relações Intergovernamentais

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    totais, enquanto menos de 35% sãoalocados para despesas de capital (in-vestimento, serviços)3. A capacidadedos municípios de planificarem estra-tegicamente, adoptarem metodolo-gias para alargarem a base tributária(principalmente as receitas próprias),aumentarem a capacidade de mobi-lização de recursos ou controlarema gestão das receitas e despesas, nãomelhorou. O excessivo controlo dogoverno central sobre os níveis locaiscontinua. Por exemplo: o imposto

    autárquico de veículo automóvel e oimposto do SISA foram transferidospara os municípios, mas continuamsendo parcialmente cobrados pelogoverno central. Além disso, as trans-ferências do governo central (FCA,FIIL) constituem o grosso das recei-tas das autarquias (aproximadamente60% das receitas totais).

    Tutela AdministrativaO relatório de 2008 denunciava que atutela administrativa foi confundidacom a noção de controlo hierárquicoe interferência dos níveis centrais so- bre o governo local. A introdução dafigura do administrador distrital e re-presentante do Estado nas autarquiaslocais cujas circunscrições territoriaiscoincidem com os limites de cidade

    3 Bernhard Weimer (Ed.), 2012, Moçambique:Descentralizar o Centralismo. Economia Política,Recursos e Resultados.

    capital provincial (mais Nacala Portoe Maxixe - Decreto 52/2006) criavamuma situação de coabitação territoriale institucional.

    Uma análise global das relações inter-governamentais confronta-nos comvários retrocessos associados a umaforte politização dos governos locais.As autarquias locais ressentem-se deuma forte influência político-partidá-ria que esvazia o pressuposto legal eteórico da autonomia que elas devem,legalmente, gozar. Um caso inéditona administração moçambicana e queconstitui um desafio aos pressupostosteóricos da tutela administrativa e daautonomia das autarquias, verificou-se quando, em 2011, três presidentesde conselhos municipais (Quelimane,Pemba e Cuamba) viram-se forçadospelos seus partidos políticos, a renun-ciarem à posição que ocupavam. Asdinâmicas que anteciparam aquelas

    renúncias revelaram existir na tute-la administrativa moçambicana umnível de controlo hierárquico muitoelevado e alguma interferência dogoverno central (Ministério da Admi-nistração Estatal), do Governo Pro-vincial e do partido no poder sobreos governos locais. A interferência eo controlo do governo provincial nasassembleias municipais e as dificulda-

    des que os municípios da Beira e Que-limane (ambos sob gestão e liderançado MDM) têm na aprovação dos seusplanos de actividades e orçamentos

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    pelas respectivas assembleias muni-cipais, anunciam baixos níveis de de-mocracia e uma cultura institucionalfrágil apresso da tutela administrativamoçambicana.

    Áreas prioritárias deintervenção e reforma

    Política de descentralização

    Recomenda-se a necessidade de ex-plorar melhores formas de articular

    os conteúdos da PED com os demaisinstrumentos do nível macro no qualo Governo orienta as suas lógicas deactuação.

    Descentralização Fiscal 

    Recomenda-se a necessidade de ummaior compromisso do Governopara com as finanças locais. Um tal

    compromisso passa pelo reforço daautonomia local, alargamento da base tributária, quer nos distritos,quer nos municípios. Recomenda-se a correcção das distorções doprincípio estabelecido na teoria dadescentralização fiscal no qual adescentralização de finanças deve serconsolidada quando acompanhadade descentralização de funções4 .A exclusão política e económica,a politização dos processos devemmerecer mais atenção, evitando que

    4 Weimer, 2012.

    a descentralização fiscal comprometaas metas do combate à pobreza nopa�