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Marx e Engels: História e Economia Política. Aspectos gerais e considerações sobre um tema específico, relativo à Antiguidade Clássica: a circulação de mercadorias Ciro Flamarion Cardoso (CEIA-UFF) 1. Natureza “exterior” e sociedade humana: a historicidade da natureza humana É usual afirmar que, para os fundadores do marxismo, inexistiria uma natureza humana em si, stricto sensu. A natureza humana se configura, de um modo radicalmente histórico, num processo em que o ser humano socialmente organizado modifica a natureza do planeta mediante o trabalho e, ao fazê-lo, modifica a si mesmo: “ao mesmo tempo que age (...) sobre a natureza exterior e a modifica, ele modifica sua própria natureza e desenvolve as faculdades que nela estão adormecidas” (MARX, 1965-1967, I: 180. O tomo I de O Capital foi publicado, ao contrário dos outros dois tomos, em vida de Marx, em 1867). Se partirmos desta citação de Marx, parece ter razão Peter Singer ao dizer que, na visão teórica de Marx, “a natureza humana não está fixada de uma vez para sempre, mas sim, altera-se de acordo com as condições econômicas e sociais de cada período” (SINGER, 1980: 73). Ele está certo, sem dúvida. Mas esta constatação não exclui a possibilidade de uma natureza humana stricto sensu. Isto, por sua vez, não é problemático, já que, para Marx e Engels, a “natureza exterior” de que falava a passagem de Marx que citamos é, ela mesma, radicalmente histórica e mutável. Com efeito, os fundadores do marxismo consideravam − com razão − que a concepção antihistórica da natureza fora superada pelos progressos científicos, em especial os que haviam ocorrido, em processos ainda recentes quando escreviam, na cosmologia, na geologia e na biologia, mostrando que o sistema solar tem uma história, o que também ocorre mais especificamente com o planeta Terra, bem como com os seres vivos que nele se originaram e evoluíram (MARX; ENGELS, 1971, II: 372. Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, de Engels, foi escrito e publicado em 1886). Quando Marx afirma que a sociedade humana retém as forças produtivas novas que desenvolveu, para tanto mudando as relações de produção que aquelas tornaram ultrapassadas, está afirmando algo sobre a natureza humana biológica, geneticamente assentada (COHEN, 1978: 151-152; SHAW, 1978: 62; McCARNEY, 1990: 156). Em sua opinião, a herança genética humana consiste centralmente em garantir para os humanos um modo de ser e de agir radicalmente social e racional. Na retenção de forças produtivas superiores expressa-se o fato de ser o homem naturalmente racional. E, numa das teses sobre

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Conferência de abertura da I Jornada de Estudos do Niep-PréK: Desvendando a Anatomia do Macaco, o Pré-Capitalismo em Perspectiva.

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Marx e Engels: História e Economia Política. Aspectos gerais e considerações sobre um tema específico, relativo à Antiguidade Clássica: a circulação de mercadorias

Ciro Flamarion Cardoso (CEIA-UFF)

1. Natureza “exterior” e sociedade humana: a historicidade da natureza humana

É usual afirmar que, para os fundadores do marxismo, inexistiria uma natureza

humana em si, stricto sensu. A natureza humana se configura, de um modo radicalmente

histórico, num processo em que o ser humano socialmente organizado modifica a natureza do

planeta mediante o trabalho e, ao fazê-lo, modifica a si mesmo: “ao mesmo tempo que age

(...) sobre a natureza exterior e a modifica, ele modifica sua própria natureza e desenvolve as

faculdades que nela estão adormecidas” (MARX, 1965-1967, I: 180. O tomo I de O Capital

foi publicado, ao contrário dos outros dois tomos, em vida de Marx, em 1867). Se partirmos

desta citação de Marx, parece ter razão Peter Singer ao dizer que, na visão teórica de Marx, “a

natureza humana não está fixada de uma vez para sempre, mas sim, altera-se de acordo com

as condições econômicas e sociais de cada período” (SINGER, 1980: 73). Ele está certo, sem

dúvida. Mas esta constatação não exclui a possibilidade de uma natureza humana stricto

sensu. Isto, por sua vez, não é problemático, já que, para Marx e Engels, a “natureza exterior”

de que falava a passagem de Marx que citamos é, ela mesma, radicalmente histórica e

mutável. Com efeito, os fundadores do marxismo consideravam − com razão − que a

concepção antihistórica da natureza fora superada pelos progressos científicos, em especial os

que haviam ocorrido, em processos ainda recentes quando escreviam, na cosmologia, na

geologia e na biologia, mostrando que o sistema solar tem uma história, o que também ocorre

mais especificamente com o planeta Terra, bem como com os seres vivos que nele se

originaram e evoluíram (MARX; ENGELS, 1971, II: 372. Ludwig Feuerbach e o fim da

filosofia clássica alemã, de Engels, foi escrito e publicado em 1886).

Quando Marx afirma que a sociedade humana retém as forças produtivas novas que

desenvolveu, para tanto mudando as relações de produção que aquelas tornaram

ultrapassadas, está afirmando algo sobre a natureza humana biológica, geneticamente

assentada (COHEN, 1978: 151-152; SHAW, 1978: 62; McCARNEY, 1990: 156). Em sua

opinião, a herança genética humana consiste centralmente em garantir para os humanos um

modo de ser e de agir radicalmente social e racional. Na retenção de forças produtivas

superiores expressa-se o fato de ser o homem naturalmente racional. E, numa das teses sobre

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Feuerbach, Marx escreve que a “essência humana” não é algo abstrato “inerente a cada

indivíduo”: encarada “em sua realidade”, ela é idêntica ao “conjunto das relações sociais”

(MARX; ENGELS, 1971, II: 402. As Teses sobre Feuerbach, de Marx, são de 1845, mas o

texto respectivo só foi publicado, postumamente, em 1888).

Isto se expressa de modo mais detalhado nos manuscritos de 1844. Talvez seja este, de

fato, o texto mais claro − sem dúvida, é o mais detalhado − no sentido de mostrar que, no

raciocínio marxiano, a natureza humana tem um caráter natural (no sentido biológico) −

assentado em ser o homem eminentemente social −, sem deixar, porém, ao mesmo tempo, de

configurar-se como radicalmente histórica. Há, no texto mencionado, a insistência em serem

os humanos parte da natureza, seres naturais. A emancipação pretendida pelo marxismo tem

de ser, então, a do “homem real, dotado de um corpo, com seus pés firmemente assentados no

chão, do homem que exala e inspira todas as forças da natureza”. Tal emancipação será

também a de todos os sentidos e qualidades humanos. Para Marx, só assim a natureza dos

homens poderá tornar-se uma natureza verdadeiramente humana. A sociedade resultante da

emancipação revolucionária será aquela em que se dará a autêntica unidade do homem com a

natureza. Ao longo de toda a exposição, o caráter histórico da visão marxiana é consistente: “é

na história humana, na gênese da sociedade humana”, que se desenvolve a “natureza humana

real”. E “a própria história é uma parte real da história natural”. A necessidade que cada ser

humano sente de outro “como uma pessoa” tem uma base natural, em última análise,

biológica: o homem é um ser social num sentido muito profundo; e a auto-realização

individual só pode ser a que é própria de um ser eminentemente social. Entretanto, para

realizar-se adequadamente, ela depende do longuíssimo processo histórico que conduz à

emancipação (MARX; ENGELS, 1966: 80-91. Os Manuscritos econômico-filosóficos de

1844, de Marx, foram publicados, postumamente, em 1932).

De seu lado, Engels também é enfático: “por nossa carne, nosso sangue e nosso

cérebro, pertencemos à natureza, achamo-nos em seu seio”. Nosso domínio sobre ela consiste

em que, à diferença dos demais seres vivos terrestres, “somos capazes de conhecer suas leis e

de aplicá-las adequadamente”. Entretanto, a ação social, até agora, foi exercida sem

planejamento global, por conseguinte, sem atenção que fosse além de conseqüências e

interesses puramente imediatos. Na ação humana sobre a natureza exterior, tratando de

dominá-la e de fazer com que funcione de acordo com os interesses dos homens ativos, a

dominação exercida sobre tal natureza tem efeitos negativos − que hoje chamaríamos

ecológicos − a longo prazo em que não se havia pensado ao desencadear, mediante a ação,

processos imprevistos e indesejáveis:

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Os homens que, na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e em outras regiões cortaram as florestas para obter terra arável nem sequer podiam imaginar que, ao eliminar, com as florestas, os centros de acumulação e reserva de umidade, estavam assentando as bases da atual aridez dessas terras. Os italianos dos Alpes, que cortaram nas encostas meridionais os bosques de pinheiros, conservados com tanto zelo nas encostas setentrionais, não imaginavam que, deste modo, destruíam as raízes da produção de laticínios em sua região; menos ainda podiam prever que, assim agindo, deixavam sem água durante a maior parte do ano as suas fontes de montanha, levando destarte a que, chegado o período chuvoso, vomitassem com fúria aumentada as suas torrentes sobre a planície. (...) Assim, a cada passo, os fatos nos recordam que nosso domínio sobre a natureza não se parece em nada com o domínio de um conquistador sobre o povo conquistado, não é o domínio de alguém situado fora da natureza... (MARX; ENGELS, 1971, II: 83-84. O papel do trabalho na transformação do mono em homem, texto inacabado de Engels redigido em 1876, foi publicado em 1895-1896).

Marx e Engels julgavam existir, ao mesmo tempo, ruptura e continuidade entre a

história natural – a história do planeta Terra – e a história humana. O marxismo diferencia os

modos de produção pré-capitalistas – desenvolvimentos sempre locais e limitados – e o

capitalismo, historicamente vinculado à lenta constituição de uma história tendente a tornar-se

mundial, universal. O processo propriamente histórico é aquele que produz historicamente o

indivíduo, ao separar pouco a pouco o ser humano de um conjunto de circunstâncias

consideradas “naturais” − o fato de pertencer a grupos como família, tribo ou comunidade

rural, bem como a união dos humanos com as condições por meio das quais agiam sobre a

natureza (objetos e instrumentos de produção):

O que precisa de explicação, ou é resultado de um processo histórico, não é a unidade do homem vivo e ativo, por um lado, com as condições inorgânicas, naturais, de seu metabolismo com a natureza, por outro, e portanto a sua apropriação da natureza, mas sim, a separação entre estas condições inorgânicas da existência humana e esta existência ativa, uma separação que aparece plenamente pela primeira vez na relação entre trabalho assalariado e capital (MARX 1971: 449. As ênfases são de Marx. Os Elementos fundamentais para a crítica da economia política, de Marx, constituem texto redigido em 1857-1858 e publicado, postumamente, só em 1939. São mencionados correntemente, em forma resumida, como Grundrisse).

Unicamente com o capitalismo completar-se-ia o longo processo histórico que efetuou

em forma gradual a separação mencionada e, por conseguinte, o advento do ser humano como

indivíduo. Completou-se no século XVIII, embora na dependência de uma preparação

iniciada vários séculos antes.

As posições de Marx e Engels expostas primeiro − a crença numa natureza humana

muito genérica (no essencial, o caráter eminentemente social e racional dos humanos)

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originada num processo de evolução biológica e, ao mesmo tempo, a afirmação do caráter

mutável, histórico, da natureza humana quando examinada no detalhe, bem como a percepção

das conseqüências ecológicas daninhas decorrentes de um processo de domínio sobre a

“natureza exterior” efetuado sempre num contexto de imediatismo e ausência de planejamento

global − permanecem perfeitamente atuais. Pelo contrário, considerar as estruturas tribais das

comunidades primitivas e seus prolongamentos na Antiguidade, por exemplo, como

“naturais” − uma postura que o marxismo nascente partilhava com outras visões

evolucionistas do século XIX, como as de Lewis Morgan e Henry Maine (LOMBARD,

1998: 143-145) − é algo de todo insustentável na atualidade.

Marx apresenta indubitavelmente, quanto a este tema, ambigüidades e oscilações,

porquanto afirma com freqüência o caráter “natural” de certas configurações mas,

concomitantemente, concede que tal caráter já se encontrava modificado por um “processo

histórico”, mesmo ao discorrer sobre a Antiguidade. Se se quisesse separar claramente, nas

passagens marxianas acerca do pré-capitalismo, o que é “natural” daquilo que resulta do

“processo histórico”, acredito que surgiriam grandes dificuldades e dúvidas. Derivariam, em

parte, do caráter altamente abstrato e alusivo de muitas dessas passagens. Assim, no texto

conhecido como Grundrisse, lemos trechos como por exemplo os seguintes: (1) falando de

“todas as formas” das comunidades agrárias antigas, afirma que são “naturais em maior ou

menor grau, mas todas ao mesmo tempo resultantes, também, do processo histórico” (minha

ênfase); (2) tratando da emergência da propriedade privada nas condições da comunidade

antiga, diz que “A comunidade (...) já é neste caso um produto histórico, não só de fato como,

também, algo reconhecido como tal” (ênfase de Marx); (3) nas comunidades agrárias antigas,

por um lado a relação do indivíduo, membro da comunidade, com a terra aparece como “um

suposto de sua atividade, do mesmo modo que sua pele [e] seus órgãos dos sentidos”, por

outro, o comportamento do indivíduo para com o solo “está igualmente mediado pela

existência natural, em maior ou menor grau desenvolvida historicamente e modificada, do

indivíduo como membro de uma comunidade, ou seja, por su existência natural como membro

de uma tribo, etc.” (ênfase de Marx) (MARX, 1971: 457, 438, 445) A passagem do natural

para o histórico é, segundo o marxismo, gradual, como dissemos; e as comunidades asiática,

antiga e germânica aparecem, no modelo marxiano dos Grundrisse, como formas

transicionais decorrentes da dissolução crescente da comunidade primitiva (ver a respeito um

esquema pertinente em LAYTON, 1997: 16). Mesmo assim, as indicações textuais são

insuficientes para, em cada caso, separar com clareza, nas sociedades pré-capitalistas, aquilo

que, segundo Marx, depende, seja da “natureza”, seja do “processo histórico”.

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2. A concepção marxista da história: uma exposição sumária

A concepção marxista da história é bastante coerente. Entretanto, não há dúvida de

que, em diferentes épocas de sua elaboração nos escritos fundadores de Marx e Engels, as

ênfases em seus diferentes aspectos, bem como a própria formulação e definição desses

aspectos, podem variar bastante. Em função disto, as preferências e convicções dos marxistas

contemporâneos (pensamos em especial nos autores da segunda metade do século XX e deste

início do século XXI) levam-nos muitas vezes a adotar e reafirmar certas partes de tal

concepção que consideram mais válidas, ao mesmo tempo que descartam ou minimizam

outras, em sua opinião superadas − que, no entanto, não se pode negar estejam presentes em

escritos de Marx e Engels −, muitas vezes opondo Marx (com signo positivo) a Engels (com

signo negativo). Ao fazê-lo, entretanto, tais autores sempre são forçados a reconhecer que os

elementos que criticam, de algum modo e afinal de contas estão presentes também em escritos

de Marx, o que tratam de explicar de diferentes maneiras.

O marxismo participa de uma visão evolucionista das sociedades humanas. O estudo

dos Grundrisse, um texto de Marx redigido em 1858-1859 mas disponível somente depois de

1939, quando foi publicado pela primeira vez − e, na prática, bastante mais tarde em muitos

países, podendo dizer-se que sua difusão ampla entre os marxistas só ocorreu na década de

1960 −, demonstrou tratar-se de um evolucionismo complexo e multilinear. Também me

parece claro, mesmo em escritos conhecidos há muito, que o marxismo inicial não supunha

um movimento constantemente ascendente na evolução social: acreditava igualmente na

possibilidade da estagnação ou do retrocesso. Leiamos, por exemplo, uma passagem de O

papel do trabalho na transformação do mono em homem, texto redigido por Engels em 1876

e publicado em 1895-1896:

Quando o homem se separa definitivamente do mono, [o] desenvolvimento [do trabalho e da palavra], muito longe de cessar, continua, em diferentes graus e diferentes direções, entre os distintos povos e nas distintas épocas, sendo também interrompido, às vezes, por regressões de caráter local ou temporal, mas avançando no conjunto a grandes passos... (MARX; ENGELS, 1971, II: 78).

Escolhi, de propósito, uma passagem de Engels, pelo fato de, com maior freqüência do

que Marx, ser apresentado como responsável pelas visões evolucionistas unilineares e

simplificadas presentes no marxismo posterior: mas, como se pode ver no trecho reproduzido,

para ele, se bem que a evolução implique com maior freqüência um progresso

(desenvolvimento), este pode ser interrompido, no tempo ou no espaço, por retrocessos.

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Sob influência bastante direta dos estudos incentivados pela incorporação dos

Grundrisse ao corpus de escritos do primeiro marxismo, no final da década de 1960 formara-

se amplo consenso entre os marxistas em torno dos pontos seguintes: (1) a evolução social

deve ser estudada sem que se busque, necessariamente, uma continuidade espacial de suas

fases: percebem-se fases, mas não há razão alguma para esperar que, num espaço geográfico

dado, elas devam haver existido todas, uma depois da outra, ou que uma área crucial em

determinada etapa continue a ser crucial para transformações posteriores − que, entretanto,

sem dúvida pressupõem as etapas mais antigas, ao se tratar de sociedades em contato umas

com as outras; (2) são inviáveis os esquemas evolucionistas unilineares, ou os que enxergam

um progresso contínuo nas trajetórias humanas (PELLETIER; GOBLOT, 1969: 120-138).

Ilustrarei isto com o texto redigido em 1968 por Madeleine Rebérioux como comunicação

apresentada a um simpósio que tinha como tema o conceito de estrutura. A autora diz que

estudos recentes “chamaram a atenção para as diversidades, as heterogeneidades específicas, a

impossibilidade de praticar uma história cumulativa em que todas as sociedades fossem

consideradas complementares e vinculadas por filiação genética”; em contraste, com a

perspectiva evolucionista adequada, “passa-se da continuidade geográfica para um certo tipo

de continuidade temporal” e se aprende a “ver o contínuo no descontínuo” (REBÉRIOUX,

1969: 139, 143).

No conjunto das sociedades pré-capitalistas, a dominação dos proprietários sobre os

desprovidos de propriedade repousava sobre relações pessoais, sobre uma espécie de

comunidade, enquanto, sob o capitalismo, tal dominação adquiriu uma forma material ao

encarnar-se num terceiro termo, o dinheiro. Por tal motivo, as relações de produção não

assumiam a forma de relações entre coisas, como no caso do capitalismo; pela mesma razão, a

alienação, sob o pré-capitalismo, apresentava uma forma distinta, religiosa. Também as lutas

de classes eram muito diferentes. Sob o capitalismo, enfrentam-se uma classe dominante e

outra, explorada, ambas dotadas de consciência de classe (classes para si); na era pré-

capitalista, dado o caráter pouco desenvolvido das forças produtivas e da divisão do trabalho,

dadas em especial a economia maciçamente agrária, as condições em que se apresentavam a

difusão das idéias e as limitações dos transportes e comunicações, somente as classes

dominantes chegavam a atingir a coesão, a solidariedade de interesses e o grau de consciência

que faziam, delas, classes plenamente constituídas, classes para si; as classes dominadas não

passavam de classes em si, não podendo, por isso, formular uma alternativa à ordem vigente.

Daí que as revoluções sociais pré-capitalistas se dessem mediante a substituição de uma

minoria dominante por outra: a maioria (as classes exploradas) podia participar de tais

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revoluções, mas em última análise o fazia em proveito da minoria que passaria a dominar, a

qual se apresentava, pelo menos durante determinado período, como representante de toda a

sociedade.

Note-se que o que acabamos de expor representa, em nossa opinião, o ponto de vista

do marxismo maduro. Um bom exemplo é a passagem seguinte do Prólogo de Marx à edição

de 1869 de seu texto O dezoito brumário de Luís Bonaparte:

...na antiga Roma, a luta de classes só se dava no interior de uma minoria privilegiada, entre os livres ricos e os livres pobres, enquanto a grande massa produtiva da população, os escravos, formavam um pedestal puramente passivo para aqueles contrincantes (MARX, ENGELS, 1973-1974, I: 405-406; ver também O capital: MARX, 1965-1967, I: 141).

Em textos da década de 1840 há, indubitavelmente, passagens de Marx e Engels em

que este assunto aparece mais de acordo com o que depois veio a ser adotado na concepção

soviética sobre a história, que enxergava por exemplo a “contradição fundamental” do modo

de produção escravista antigo no antagonismo entre senhores de escravos e escravos. Não é,

porém, o que se lê − aliás, em variantes diversas (lutas entre livres pobres e ricos, entre

credores e devedores, em torno da propriedade da terra, etc.) − nos escritos de ambos os

autores a partir da década de 1850. A versão “oficial” foi reafirmada, com argumentos

bastante refinados e com forte insistência na “coação extra-econômica” como ponto central na

estruturação das classes sociais na Antiguidade escravista, por Geoffrey de Ste. Croix; e, de

maneira bem menos interessante a nosso ver, por Pierre Dockès (STE. CROIX, 1981: 31-111;

DOCKÈS, 1979: 304).

No marxismo posterior, foi provavelmente Antonio Gramsci quem trouxe

desenvolvimentos mais interessantes a respeito. Sua idéia principal é que as “classes

subalternas”, carecendo da experiência de converter-se em Estado e, assim, unificar-se,

apresentam uma história descontínua que contrasta com a continuidade característica da

trajetória das classes dominantes que, pelo contrário, conformaram Estados organizados

segundo suas respectivas consciências de classe. Nos casos em que de algum modo se

organizaram, as classes subalternas procuraram obter dos grupos dominantes o atendimento

de reivindicações parciais. Em suma:

A história dos grupos sociais subalternos é necessariamente desagregada e episódica. Não há dúvida de que, na atividade histórica destes grupos, exista uma tendência à unificação, embora seja em níveis provisórios; mas esta tendência se rompe constantemente pela iniciativa dos grupos dirigentes e, portanto, só é possível mostrar sua existência quando já se consumou o ciclo histórico, caso tal

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conclusão tenha tido êxito. Os grupos subalternos sofrem sempre a iniciativa dos grupos dominantes, inclusive quando se rebelam e se levantam. Na realidade, até quando parecem vitoriosos, acham-se numa situação de alarme defensivo (...). Por isto, todo indício de iniciativa autônoma dos grupos subalternos é de valor inestimável para o historiador integral. Do já dito deriva que uma história assim só possa ser tratada monograficamente − e que cada monografia exija um enorme acúmulo de materiais, amiúde difíceis de achar (GRAMSCI, 1970: 491-493).

Para o marxismo, a economia aparece como a articulação, numa totalidade integrada

(num sistema estruturado), de diversos “momentos”, ou elementos: produção, distribuição

social da riqueza produzida, trocas, consumo. Tais elementos atuam mutuamente uns sobre os

outros, sendo, porém, a produção o elemento mais determinante, estruturante, como lemos nos

Grundrisse:

Uma produção determinada, portanto, determina um consumo, uma distribuição, uma troca determinados, bem como relações recíprocas entre estes diferentes momentos. Na verdade, também a produção, vista em sua forma unilateral, aparece por sua vez determinada pelos outros elementos. (...) Entre os diferentes momentos ocorre uma ação recíproca: isto sempre ocorre em todos os conjuntos organizados (MARX, 1971: 20. As ênfases são de Marx).

Na análise da economia, importa considerar o processo de trabalho, definido no tomo I

d’O Capital como:

...a atividade cuja finalidade é a produção de valores de uso, a adequação dos objetos exteriores às necessidades. [Ele] é a condição geral das trocas materiais entre o homem e a natureza, uma necessidade física da vida humana, independente por isso mesmo de todas as suas formas sociais, ou antes, comum a todas elas (MARX, 1965-1967, I: 186).

O processo de trabalho compreende três fatores simples: (1) o próprio trabalho, que é

“a atividade adequada a um fim”; (2) o objeto de trabalho, aquilo sobre o qual se exerce o

trabalho humano; (3) o meio de trabalho, isto é, “aquele objeto ou conjunto de objetos que o

trabalhador interpõe entre ele mesmo e o objeto de trabalho, servindo-lhe para orientar sua

atividade em direção a tal objeto”. A natureza é ao mesmo tempo o objeto geral de trabalho e

o meio geral de trabalho para os homens. Terras, águas, madeiras, animais, etc. podem

constituir objetos de trabalho: mas estes últimos também podem ser algo já transformado por

um trabalho anterior, as chamadas matérias-primas (o fio que resultou da fiação da fibra

natural tirada do animal ou da planta e será utilizado na tecelagem, o combustível que

decorreu da destilação do petróleo bruto e será consumido por uma máquina, etc.). A natureza

é o meio geral de trabalho e pode prover diretamente os instrumentos que o homem, ao

trabalhar, interpõe entre si mesmo e o objeto de trabalho: um galho caído, por exemplo, pode

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servir de alavanca. Mas, desde tempos muito antigos da pré-história, apareceram igualmente

instrumentos de trabalho fabricados pelos seres humanos (ferramentas, máquinas). O

resultado do processo de trabalho é o produto, quer dizer, um valor de uso, “uma matéria

disposta pela natureza e adaptada às necessidades humanas mediante uma mudança de

forma”. Meios e objetos de trabalho constituem, no conjunto, os meios de produção. A

configuração da apropriação real sobre estes últimos, a qual desemboca em direitos

consuetudinários ou jurídicos formais (formas de propriedade coletiva ou privada), é o

elemento estruturante das relações de produção; na dependência, como veremos, da

configuração histórica das forças produtivas (MARX, 1965-1967, I: 180-187).

Modo de produção, um dos conceitos centrais do marxismo, é uma articulação

historicamente dada entre um nível e um tipo de organização definidos das forças produtivas,

e as relações de produção que lhes correspondem. Trata-se de conceito situado num patamar

bastante alto de abstração, resumindo os elementos comuns a numerosas sociedades

concretas, históricas, consideradas de um mesmo tipo, pertencentes a um mesmo estádio geral

de organização. Na prática, cada sociedade concreta costuma apresentar mais de um modo de

produção: para o estudo da articulação específica deles ao redor de um que é dominante,

convém utilizar o conceito de formação econômico-social (SERENI et alii, 1973). Temos

uma definição de relações de produção elaborada pelo próprio Marx: “...determinadas

relações necessárias, independentes de sua vontade”, nas quais os homens entram entre si “na

produção social de sua vida”; as quais “correspondem a uma determinada fase de

desenvolvimento de suas forças produtivas” (MARX, 1957: 4. Trata-se do Prefácio de Marx a

seu livro Contribuição à crítica da Economia Política, redigido em 1858-1859 e publicado

em 1859). No caso das forças produtivas, no entanto, carecemos de definição formal feita por

Marx ou por Engels. Eis aqui a definição das forças produtivas proposta pelo antropólogo

Maurice Godelier: “o conjunto dos fatores de produção, recursos, ferramentas, homens, que

caracterizam uma sociedade determinada e que é preciso combinar de maneira específica para

produzir os bens de que tal sociedade tem necessidade” (GODELIER, 1973: 188). Para Marx

e Engels, as forças produtivas – resultado das relações entre os seres humanos socialmente

organizados e a natureza (uma relação mútua, dialética: ao modificar a natureza, o homem

transforma a si mesmo) – determinam em última instância toda a história humana, da qual

constituem a base (Carta de Marx a Pavel Vassilievitch Annenkov, de 1846: MARX;

ENGELS, 1973-1974, I: 532; carta de Engels a H. Starkenburg, de 1894: MARX; ENGELS,

1971, II: 507). Quanto às relações de produção, em cada sociedade elas constituem, em seu

conjunto, a estrutura econômica.

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Sistematizemos, num esquema simples (que tem, no entanto, a desvantagem de parecer estático) os elementos constitutivos das forças produtivas, entendendo-se que seja sempre necessário estudá-los em sua dinâmica temporal e em sua inserção diferencial no espaço (CARDOSO, 1988: 49-50):

1. O ser humano como força produtiva 1.1. Aspecto “objetivo”: população (densidade, composição por sexo e idade,

estratificação sócio-profissional, tendências dinâmicas); cooperação; divisão do trabalho (social e técnica).

1.2. Aspecto “subjetivo”: processos de formação e socialização dos trabalhadores, envolvendo ensino/aprendizagem, representações sobre o mundo e o trabalho, etc.

2. Os objetos de trabalho como força produtiva: 2.1. Aspecto “objetivo”: energias naturais (eólia, hidráulica, animal, etc.), terras,

recursos naturais modificados (matérias-primas) ou não por um trabalho prévio. 2.2. Aspecto “subjetivo”: conhecimentos (seja empíricos, seja científicos) e

representações acerca da natureza, pertinentees para a apropriação e a utilização social dos objetos de trabalho.

3. As técnicas como força produtiva: 3.1. Aspecto “objetivo”: instrumentos de produção (ferramentas, máquinas, certos

edifícios, etc.), de transporte, instalações auxiliares, etc. 3.2. Aspecto “subjetivo”: os “modos de fazer”, isto é, de interpor os instrumentos de

trabalho entre o trabalhador e o objeto de trabalho, bem como de fabricar os próprios instrumentos (o que implica um plano e uma representação mentais completos das diversas operações a cumprir em tal fabricação).

Dado o conceito de modo de produção, é preciso agora considerar os de base (ou

infra-estrutura), superestrutura e determinação em última instância da superestrutura pela

base. Os pontos de partida podem ser as passagens seguintes:

O conjunto destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas determinadas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o ser social é que determina a consciência (MARX, 1957: 4; trata-se do Prefácio à Contribuição à crítica da Economia Política, 1859).

(...) Segundo a concepção materialista da história, o fator que em última instância determina a história é a produção e reprodução da vida real. Nem Marx nem eu afirmamos nunca mais do que isto. Se alguém tergiversa dizendo que o fator econômico é o único determinante, converterá aquela tese numa frase vazia, abstrata, absurda (carta de Engels a J. Bloch, de 1890: MARX; ENGELS, 1971, II: 490).

Em cartas escritas no final de sua vida, como a que contém a passagem citada acima,

Engels reconheceu que, devido ao contexto de sua elaboração – a luta ideológica sua e de

Marx contra as concepções idealistas –, muitos textos anteriores de ambos os fundadores do

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marxismo haviam sublinhado de forma excessivamente exclusiva, unilateral, a determinação

dos elementos superestruturais pela base econômica. Nas cartas de 1890 a 1894, Engels tratou

de corrigir o “economicismo” resultante mediante diversas precisões e nuances. Mesmo

assim, o conceito de determinação em última instância pelo econômico sempre foi um dos

pontos do marxismo mais visados pela crítica. Seja como for, o que hoje parece inadequado –

coisa que foi mostrada com grande clareza por Maurice Godelier (GODELIER, 1984: 9-39) –

é separar taxativamente, de um lado, os elementos materiais do social, do outro, os elementos

ideais: ideal e material na prática imbricam-se em todos os níveis do social, pelo qual os

conceitos de “base” (ou “infra-estrutura”) e “superestrutura” parecem, na atualidade,

metáforas inadequadas, vinculadas à visão de mundo do século XIX, marcada ainda pelo

mecanicismo newtoniano e anterior a descobertas como a do inconsciente e a das

programações sociais do comportamento e da percepção (fundamento dos estudos

semióticos). Nenhuma das tentativas de sínteses do marxismo com estas (e outras) novidades

essenciais surgidas no âmbito das ciências humanas e sociais posteriormente à atividade de

Marx e Engels resultou em formulações dotadas de amplo consenso.

Por fim, falemos agora brevemente de como explica o marxismo a dinâmica da

história. Partiremos, para tanto, de três passagens:

Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não passa da expressão jurídica disto, com as relações de propriedade no interior das quais se haviam desenvolvido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que eram, estas relações se convertem em entraves para elas. Abre-se, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura sobre ela erigida. (...) Nenhuma formação social desaparece antes de que se desenvolvam todas as forças produtivas que cabem dentro dela; e jamais aparecem novas e mais altas relações de produção antes de que as condições materiais para sua existência hajam amadurecido no seio da própria sociedade anterior. Por isso, a humanidade propõe-se sempre unicamente os objetivos que pode atingir, pois, vendo-se bem as coisas, verificamos que tais objetivos só brotam quando já se dão ou, pelo menos, já se estão gerando as condições materiais para a sua realização (MARX, 1957: 4-5. De novo o Prefácio de Marx à sua Contribuição à crítica da Economia Política, 1859).

...as contradições de classe e a luta de classes (...) constituem o conteúdo de toda a história escrita até nossos dias. (Engels, Prefácio à primeira edição, de 1884, de seu livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado: MARX; ENGELS, 1971, II: 169)

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Os homens fazem sua história, sejam quais forem os rumos dela, ao perseguir cada um seus fins próprios que se propôs conscientemente; e a resultante destas numerosas vontades, projetadas em diversas direções, e de sua múltipla influência sobre o mundo exterior, é precisamente a história. (...) ...as numerosas vontades individuais que agem na história produzem quase sempre resultados muito diferentes dos propostos – contrários mesmo, às vezes – e, portanto, seus objetivos têm também uma importância puramente secundária quanto ao resultado total. (...) Portanto, se se quiser investigar as forças motrizes que – consciente ou inconscientemente, com muita freqüência inconscientemente – estão por trás daqueles objetivos pelos quais agem os homens na história, as quais constituem as verdadeiras molas supremas da história, não se deveria prestar tanta atenção aos objetivos de homens isolados, por relevantes que sejam, mas, sim, àqueles que movem grandes massas, povos inteiros e, dentro de cada povo, classes inteiras; e não momentaneamente, em explosões rápidas como fugazes fogos de palha; mas, sim, em ações reiteradas que se traduzem em grandes mudanças históricas (Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, de 1886: MARX; ENGELS, 1971, II: 390-391).

As passagens reproduzidas apontam para três questões centrais: (1) a causalidade

última do movimento histórico, representada pela relação dialética entre as forças produtivas e

as relações de produção, aludida em texto curto que padece de grande esquematismo; (2) a

concepção famosa da luta de classes como “motor” da História (em se tratando de sociedades

de classes, pós-tribais); (3) o papel (secundário) do indivíduo na dinâmica histórica.

Duas formulações do historiador francês Pierre Vilar a respeito desses tópicos me

parecem apropriadas para introduzir uma curta discussão a respeito (para discussões mais

circunstanciadas, cfr. CARDOSO; PÉREZ BRIGNOLI, 1976: 363-387; CARDOSO; PÉREZ

BRIGNOLI, 1977; CARDOSO, 1988: 41-60). A primeira é a sua afirmação de que “as

contradições de classe são o motor da história, assim como a técnica e a economia estão na

origem dessas contradições” (VILAR, 1976: 144). A segunda é a seguinte:

A pesquisa histórica é o estudo dos mecanismos que vinculam a dinâmica das estruturas – isto é, as modificações espontâneas dos fatos sociais maciços – à sucessão dos acontecimentos: nesta última intervêm os indivíduos e o acaso, mas com uma eficácia que depende sempre, num prazo mais ou menos longo, da adequação entre tais fatos descontínuos e as tendências dos fatos maciços VILAR, 1980: 47).

Pierre Vilar, como se pode ver mediante estas duas passagens, está interessado em

preservar o que talvez seja a maior originalidade do marxismo como teoria da História:

pretender abarcar num mesmo sistema explicativo tanto os fatores estruturais maciços que, na

maioria dos casos e situações, apresentam uma inelasticidade suficiente para que coloquem

limites aos desenvolvimentos possíveis, como os fatores vinculados à ação voluntária

humana. Analogamente, as observações de Peter Burke que reproduzimos a seguir apontam

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para a importância dos fatores estruturais de tipo material quando a história é observada na

longa duração:

Em minha opinião, os novos historiadores − de Edward Thompson a Roger Chartier − tiveram bastante sucesso em revelar os aspectos inadequados das explicações materialistas e deterministas tradicionais do comportamento individual e coletivo na curta duração; e em mostrar que, tanto no dia-a-dia quanto em momentos de crise, a cultura é que conta. No entanto, pouco fizeram no sentido de desafiar a importância dos fatores materiais, do meio ambiente físico e de seus recursos, na longa duração. Ainda parece útil achar que tais fatores estabelecem o tema, os problemas aos quais os indivíduos, os grupos e, falando metaforicamente, as culturas procuram adaptar-se e reagir (BURKE, 1991: 18).

Ainda assim, e mesmo no interior do marxismo, houve muitas tentativas de

descaracterizar a unidade de ângulos de enfoque pretendida pelo marxismo, mediante o

exagero de um elemento “voluntarista” que leva a valorizar as relações de produção e

principalmente a luta de classes em detrimento das forças produtivas. É verdade que os que

assim fizeram partiram invariavelmente de uma visão distorcida do conceito de forças

produtivas, quase sempre reduzindo-o somente ao seu aspecto técnico. Eis aqui um exemplo,

comentando a manufatura moderna como ponto de partida da produção capitalista:

...não há aqui transformação no instrumental nem no método de produção, e sim na tecnologia da organização. O que não surge é o conflito entrre forças produtivas e relações sociais de produção previsto no Prefácio da Crítica da Economia Política. Na história das economias ocidentais, a mencionada transição foi prolongada e quase inadvertida. Outrossim, esteve ausente a transformação das forças produtivas materiais – condição indispensável no quadro exposto no Prefácio –, mas o fato histórico é que, mesmo sem essa transformação, as relações sociais de produção sofreram uma mudança tão importante que nela se situa (...) “o ponto de partida da produção capitalista” (BAGÚ, 1972: 19).

A primeira frase da passagem do historiador argentino Sergio Bagú reproduzida acima

é absurda, posto que a “tecnologia da organização” faz parte das forças produtivas, tanto

quanto o “instrumental” ou o “método de produção”. Isto posto, não há dúvida de que o texto

do Prefácio da Contribuição à crítica da Economia Política de Marx tem uma forte aparência

de “esquemão” simplificado, apenas esboçado, cabendo verificar em que sentido o próprio

autor o entendia. Alguns marxistas posteriores procuraram fazer isso, a meu ver de maneira

adequada, mediante o confronto de tais textos esquemáticos de aparência determinista com as

análises (infelizmente pouco numerosas) de conjunturas históricas concretas feitas pelo

próprio Marx.

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Domenico Losurdo, por exemplo, a partir de uma leitura de As lutas de classe na

França (série de artigos de Marx sobre a conjuntura revolucionária francesa de 1848-1850),

mostra que a noção de contradição entre forças produtivas e relações de produção fornece um

quadro extremamente amplo. Nem mesmo significa que a revolução social deva eclodir no

país onde tal contradição se apresente com maior intensidade. No núcleo principal do mundo

capitalista – no século XIX, a Inglaterra – há maiores possibilidades de um reequilíbrio, de tal

modo que as explosões violentas tenderiam a aparecer em áreas menos centrais (Losurdo

examina tanto o caso francês quanto o alemão, como Marx os caracterizou). Em suma, o

esquema presente no Prefácio da Contribuição à crítica da Economia Política deveria ser

encarado num largo contexto internacional e para o conjunto de uma época histórica também

examinada em um nível muito amplo ou genérico (LOSURDO, 2006: quarto ensaio).

De seu lado, Manuel Sacristán, que traduziu e comentou a série de artigos de Karl

Marx (e de Engels) sobre temas espanhóis, redigidos entre 1854 e 1873, em seu prólogo aos

mesmos, tem a declarar, num sentido bastante similar ao de Losurdo, no tocante aos artigos

escritos por Marx:

[Há] uma importante diferença entre o verdadeiro método de Marx e a imagem simplificadora dele que costuma aparecer em manuais ou em polêmicas. Mas o constraste parece ainda muito mais vivo quando se observa que a análise da peculiaridade espanhola se move principalmente no terreno superestrutural das instituições, da cultura, da psique popular e da política. Assim, por exemplo, quanto à história revolucionária espanhola, Marx concede um papel de certa importância a um fator tradicional constante que é a insurgência contra camarilhas isoladas. Para a interpretação da Constituição de 1812, apela tanto para fatores sociais básicos quanto para elementos da tradição jurídica e institucional, como os fueros e as Cortes medievais. Um fenômeno político-militar, a Reconquista, é interpretado por Marx como a causa primeira de um traço estrutural da sociedade espanhola que lhe parece decisivo: o isolamento local, a auto-suficiência e a independência das forças regionais. Com esta causa vem a entretecer-se segundo ele, no curso da história espanhola, outro fator político, isto é, a incapacidade da dinastia austríaca para criar um Estado moderno centralizado. Tudo isto redunda, por um lado, num anquilosamento cada vez mais manifesto do Estado e, por outro, no atraso em atingir as condições naturais da sociedade moderna (SACRISTÁN, 1970: 12-13).

Em suma, a análise marxiana relativa à Espanha (1854-1873) baseia-se no papel

dialético dos elementos superestruturais – tradição, cultura, instituições, política, religião – em

sua interação com os elementos estruturais básicos da vida social. Marx move-se de início

num terreno superestrutural; e só passa à infra-estrutura ao não poder deixar de levar em conta

as “condições sociais naturais”. Em outras palavras, ao se tratar por exemplo da análise

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explicativa de um fenômeno político, o autor só apela para o econômico-social quando já se

esgotaram todas as instâncias superestruturais possíveis na análise.

3. Um exemplo de aplicação do marxismo em sua fase inicial a um tema relativo à economia antiga: a circulação de mercadorias na Antiguidade greco-romana em escritos de Marx e Engels

Antes de iniciarmos a exposição deste tópico, convém deixar claro que, nele,

estaremos no plano, não de análises detalhadas de processos históricos específicos,

contemporâneos aos próprios fundadores do marxismo, como os que acabamos de mencionar,

mas sim, naquele – bem mais abstrato e generalizante – da Economia Política. Interessava a

Marx e Engels sobretudo o contraste elucidativo entre as características e estruturas do

capitalismo contemporâneo, dominado pelo valor de troca, e aquelas das economias antigas,

nas quais, apesar de múltiplas transformações, o valor de uso permaneceu fundamental,

segundo acreditavam.

No centro da análise de Marx acerca do capitalismo está a noção de que, em tal modo

de produção, capital e trabalho (neste caso específico, o trabalho livre) se vinculam

mediatamente – e, não, em forma imediata, como pelo contrário ocorria nos modos de

produção pré-capitalistas –, estando tal mediação constituída pelo dinheiro, pela

universalização da mercadoria, já que esta última categoria inclui, sob o capitalismo, a força

de trabalho que o operário vende ao capitalista.

Como já se observou, o mundo pré-capitalista se caracterizava por desenvolvimentos

limitados e locais – isto é, múltiplos, paralelos e extremamente diversos, num planeta que

carecia de unidade e estava dividido em blocos –, no seio do que o historiador francês Pierre

Chaunu chamou de “universos enclavados” (CHAUNU, 1974: 185-219). Outrossim, a

Antiguidade clássica se achava numa fase ainda muito incipiente no tocante à separação entre

os seres humanos e as condições inorgânicas de sua existência, assunto de que já tratamos.

Portanto, achava Marx não ser possível, no mundo antigo, uma economia unificada em torno

do capital e da mercadoria como nexos e mediações entre todos os elementos dela

constitutivos. No mundo antigo clássico, verifica-se pelo contrário existir uma divisão, uma

justaposição, uma ausência de unificação (e de abstração) dos vários elementos do processo e

do desenvolvimento econômicos: aspectos que correspondiam, seja a relações naturais, seja

ao resultado histórico do caráter limitado daquele desenvolvimento. Marx não elaborou uma

verdadeira teoria das economias pré-capitalistas, já que seu interesse precípuo se limitava ao

estudo do capitalismo contemporâneo, suas origens, suas características, sua superação

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histórica. Nas anotações dispersas que deixou sobre a economia da Antiguidade greco-

romana, a sociedade antiga aparece caracterizada pela justaposição de momentos econômicos

diversos, hierarquizada em sua disposição dos valores a partir do forte predomínio da

atividade rural e do valor de uso.

Entre os antigos, escreveu Marx nos Grundrisse, o valor de troca não era o nexo entre

as coisas. No entanto, o capital realizou momentos de unificação nas economias dos povos

comerciais: estes apareciam, porém, como entidades separadas do resto das comunidades e

economias do mundo antigo. A atividade daqueles povos – fenícios e cartagineses, por

exemplo – era a de intermediários, uma atividade separada da produção (que entre eles tinha

importância secundária). Tais povos comerciais viviam, na expressão de Marx, nos “poros”,

“interstícios” ou “espaços intermediários” do mundo antigo (MARX, 1971, I: 447). Ou seja, a

economia agrária dos povos clássicos e a economia mercantil dos “povos comerciais”

apareciam justapostas, separadas, não como partes de uma mesma economia integrada. Com

efeito, lemos o seguinte, ainda nos Grundrisse:

[O] processo da compra com intenção de venda, que constitui a forma característica do comércio, do capital como capital comercial, acha-se nas fases mais antigas do desenvolvimento econômico. Trata-se do primeiro movimento de que o valor de troca como tal constitui o conteúdo; não somente a forma, mas sua própria substância. Este movimento pode ocorrer no interior de povos ou entre povos, mesmo se o valor de troca não tenha chegado em forma alguma a ser o suposto da produção. O movimento afeta unicamente o excedente dessa produção (...). ...povos comerciantes inteiros da antiguidade (...) assumiram esta posição entre povos cujo modo de produção não estava condicionado pelo valor de troca como suposto básico. O capital comercial é meramente capital circulante e o capital circulante é a primeira forma do mesmo; nesta, o capital não chegou de maneira alguma a ser a base da produção (MARX, 1971, I: 192).

Na lógica do esquema marxiano, a pureza em que os povos comerciais antigos

(fenícios, cartagineses) se apresentavam no mundo da Antiguidade dependia do predomínio

dos povos agrícolas. O capital comercial aparece no seu maior grau de pureza ou abstração

precisamente onde o capital ainda não é o elemento dominante na produção social. Trata-se de

uma separação – espacial – entre povos, mas também entre atividades econômicas. O fato de

serem os exemplos de Marx quase sempre os fenícios e cartagineses mostra, também,

limitações dos conhecimentos da época em que escrevia: uma época que ainda não conhecia,

por exemplo, a civilização minóica ou cretense da Idade do Bronze.

No mundo capitalista, o valor de troca (a mercadoria) é tanto predominante quanto

unificador, estruturante. No mundo antigo, o valor de uso predomina – bem como a produção

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para consumo imediato, de tipo fundamentalmente agrário –, mas tal valor de uso não aparece

como elemento unificador: a produção de valores de uso, segundo Marx, ocorre, na

Antiguidade, tendo como pressuposto uma comunidade (já vimos que até certo ponto, para

Marx, tal comunidade era “natural” ou “espontânea” – termo que também utiliza) que

determina o caráter social do trabalho. Quanto ao valor de troca, embora existente na

Antiguidade clássica, era limitado: limitado à troca de excedentes e, outrossim, por aparecer

“ao lado” da produção, em lugar de determiná-la.

É verdade que, mesmo limitados, o processo de circulação de bens e o surgimento do

valor de troca modificam historicamente a própria organização da produção, sobre a qual

exercem uma ação desagregadora: mas, na Antiguidade, isto ocorre sem que a invadam

inteira, em profundidade, sem que cheguem a provocar a derrubada das relações econômicas

“naturais” e, portanto, a unificação completa da economia pela mercadoria. É interessante

notar que o aspecto de separação entre as formas econômicas no pré-capitalismo, que Marx

expressa mencionando os povos comerciantes, em Engels aparece exemplificado de outro

modo, ou seja, pela menção à formação de grupos sociais internos (possibilidade que Marx

não descartava mas desenvolveu menos freqüentemente que Engels) que se ocupam só do

momento da circulação na economia: “A civilização (...) gera uma classe que já não se ocupa

da produção mas, sim, unicamente da troca dos produtos, a dos mercadores” (Engels, A

origem da família, da propriedade privada e do Estado, de 1884: MARX; ENGELS, 1971, II:

313). No modelo de Marx, a separação física (espacial) que existe na origem entre

comunidades agrárias (consideradas “naturais”, originárias) e povos comerciais marginais

(situados “nos poros” ou “nos interstícios” das primeiras) não pode durar para sempre, se bem

que as transformações permaneçam incompletas. Isto é assim porque, com as trocas, a

diferenciação social acaba por atingir o interior das próprias comunidades “naturais”.

No Capital, esta idéia é retomada:

A troca das mercadorias começa onde as comunidades terminam, em seus pontos de contato com comunidades estrangeiras ou com membros destas últimas. Mas, na medida em que as coisas se tornem mercadorias na vida comum com o exterior, elas também se tornam mercadorias, por repercussão recíproca, na vida interior da comunidade. (...) A repetição constante da troca torna-a um assunto social regular e, com o tempo, uma parte pelo menos dos objetos úteis é produzida intencionalmente para a troca (MARX, 1965-1967, I: 98).

Em suma: o processo da troca de início aparece separado do da produção, mas acaba

tendo efeitos – só parciais, entretanto – sobre a própria produção (e sobre a comunidade

produtora). Em outros termos, a separação cede lugar a uma conjunção parcial, embriônica,

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entre valor de uso e valor de troca. Achava Marx que, de qualquer modo, mesmo ao ocorrer a

troca entre valores de uso, o valor de uso aparecia no início e no fim do processo (produto-

dinheiro-produto): o dinheiro servia só como mediador da troca de produtos. Na Antiguidade,

como em todo o período pré-capitalista, o capital comercial funciona como movimento

intermediário entre extremos que ele não domina e entre pressupostos que não cria. Sob o

modo de produção capitalista, o capital comercial perde sua existência autônoma, vendo-se

reduzido a um momento particular no investimento de capital em geral. Para Marx, por

conseguinte, o desenvolvimento autônomo e preponderante do capital como capital comercial,

sob o pré-capitalismo, aparece em relação inversa ao desenvolvimento econômico geral da

sociedade. O capital industrial unifica, sob o capitalismo, a realidade econômica completa:

nos modos de produção pré-capitalistas, o capital comercial pode ser predominante, mas não

tem efeito unificador semelhante.

Ainda assim, a comunidade antiga grega e romana significou, segundo Marx e Engels,

um progresso na divisão do trabalho e na complexidade social em relação à comunidade tribal

anterior. Na comunidade antiga,

...ao lado da propriedade da comunidade já se desenvolve a propriedade privada de bens móveis e em seguida também de bens imóveis, que no entanto é uma forma anormal, subordinada à propriedade da comunidade (MARX; ENGELS, 1972: 46. Temos aqui uma passagem da Ideologia alemã, texto redigido por Marx e Engels em 1845-1846 mas publicado só em 1932).

Marx e Engels percebiam, na Antiguidade clássica, a separação do trabalho artesanal e

comercial em relação ao agrícola; e, mesmo, o início de um antagonismo entre a cidade e o

campo. Achavam, porém, que tais coisas permaneciam embrionárias, muito longe de sua

realização cabal posterior sob o capitalismo. Isto, em parte porque percebiam a sociedade

clássica antiga como estando ainda muito próxima da comunidade natural: consideravam

natural a forma econômica nela maciçamente predominante, a agrária; as outras formas

econômicas (artesanais, comerciais) estavam a ela subordinadas e a ela se superpunham, num

conjunto que nunca aparecia totalmente integrado (como no caso do capitalismo) pelo capital,

pelo valor de troca e pela mercadoria. O caráter não automático, não unificado, das relações

entre momentos econômicos no mundo antigo tornava limitado o poder de dissolução –

sempre presente, entretanto – das trocas sobre a economia das comunidades antigas, já que os

efeitos de tal processo de dissolução dependiam, em última instância, da estrutura interna

daquelas comunidades:

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O comércio comporta (...) por toda parte uma ação mais ou menos dissolvente sobre as organizações existentes da produção que, em toda a diversidade de suas formas, sejam principalmente orientadas para o valor de uso. Mas a medida em que ele destrói o antigo sistema de produção depende antes de tudo da solidez e da estrutura interna de tal sistema. Não é do comércio, mas do caráter do antigo modo de produção que depende o resultado do processo de dissolução, isto é, o modo de produção novo que substituirá o antigo. No mundo antigo, a ação do comércio e o desenvolvimento do capital comercial conduzem sempre a uma economia escravista (...) (MARX, 1965-1967, VI: 340).

As observações de Marx acerca da escravidão antiga também estão marcadas por sua

concepção de uma economia próxima do “natural”. O escravo aparece como simples

instrumento do patrão, na execução dos serviços que este último lhe impõe, numa economia

cuja base fundamental nunca deixou de ser, ao longo de toda a Antiguidade, natural e agrária.

A escravidão aparece como trabalho compulsório imediato, à diferença do trabalho

assalariado capitalista, que é trabalho compulsório mediatizado pela troca (já que a força de

trabalho torna-se uma mercadoria entre outras). Estendem-se ao escravo os pressupostos antes

aplicados, por exemplo, à terra: o escravo é encarado pelos livres como mera condição

“inorgânica e natural” da reprodução da comunidade dos homens livres; ele não estabelece

relação alguma com as condições objetivas de seu trabalho, mas o próprio trabalho (e não a

“força de trabalho”, um conceito que não emerge na Antiguidade) é colocado como condição

inorgânica da produção juntamente com os outros seres “naturais” (ao lado do gado ou como

acessório da terra). (MARX, 1971, I: 449-450). Uma questão que interessou ao marxismo

inicial foi a da relação mantida pelo escravo com o desenvolvimento das formas do capital

comercial ou do artesanato. Neste ponto, Marx aparece influído por Aristóteles e pela

historiografia do século XIX, incluindo os historiadores do direito (Niebuhr em especial). De

modo análogo, o marxismo posterior refletiu, ao trabalhar sobre a economia antiga, tanto

opiniões “maximalistas” quanto “minimalistas” acerca das economias clássicas antigas que se

desenvolviam, nas diversas épocas, entre os historiadores não-marxistas. Neste texto

estivemos mais interessados no pensamento dos fundadores, Marx e Engels, do que nas

interpretações que, sobre os textos destes últimos e sobre a economia antiga em si mesma,

foram desenvolvidas no século XX. Algumas dessas interpretações foram de altíssimo nível e

merecem um estudo atento (cf. por exemplo: CAPOGROSSI et alii, orgs., 1978; VEGETTI,

org., 1977).

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