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Data: 02/09/08 Aula 01 Meu nome é Fabrício Carvalho, sou Procurador do Estado, sou mestre em Direito Civil pela UERJ. Nós teremos 30 encontros de 3 horas, vamos ter 90 horas e a proposta é abranger parte geral, obrigações, contratos, reais e responsabilidade civil. O tema é bastante árduo, bastante extenso, então vamos nos dedicar com afinco. Em relação à referência bibliográfica não há um autor que resolva todos os problemas. Na verdade, no direito civil contemporâneo vamos ver que verdades absolutas são muito poucas. Então, vou indicar algumas opções. Algumas boas referências: Carlos Alberto Gonçalves, o curso de direito civil e não as sinopses. Também é boa obra a do Cristiano Chaves de Farias que escreve em parceria com o Nelson Rosenvald. Para parte geral há outra obra também interessante que é do Francisco Amaral. Dentre os clássicos, talvez o mais interessante seja o Caio Mário, até porque a atualizadora é a Maria Celina Bodin de Moraes que é uma autora que está bem atualizada com vários temas. Claro que a atualizadora acaba sofrendo algum tipo de restrição, pois não pode alterar a substância da obra, então... Enfim, dos clássicos talvez o Caio Mário. Há quem goste do Venosa e assim sucessivamente. Como segunda leitura, em uma perspectiva um pouco mais aprofundada e mais polêmica, como vamos perceber no decorrer do curso, temos o Gustavo Tepedino. Não aconselho como primeira, porque o Tepedino é muito polêmico. Nós veremos que ele tem posicionamentos extremamente minoritários, mas talvez seja o diferencial hoje no direito civil. Não dá mais para estudar direito civil sem consultarmos os enunciados do Conselho da Justiça Federal. Se colocarmos no Google “Conselho da Justiça Federal”, é o primeiro site que aparece. Claro que os objetivos aqui são múltiplos, nem todo mundo quer só concurso público, mas falando na realidade de concurso talvez se fizermos uma estatística pós código civil em vigor, 80% das questões de prova encontram resposta nesses enunciados. Mas não podemos levar esses enunciados para as provas, então quem pensa em concurso tem que ler e vamos fazer remissão aqui, acolá, fazendo colas lícitas em nossos códigos. 1Módulo de Direito Civil – Fabrício Carvalho

CIVIL Fabricio Carvalho

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Data: 02/09/08

Aula 01

Meu nome é Fabrício Carvalho, sou Procurador do Estado, sou mestre em Direito Civil pela UERJ.

Nós teremos 30 encontros de 3 horas, vamos ter 90 horas e a proposta é abranger parte geral, obrigações, contratos, reais e responsabilidade civil. O tema é bastante árduo, bastante extenso, então vamos nos dedicar com afinco.

Em relação à referência bibliográfica não há um autor que resolva todos os problemas. Na verdade, no direito civil contemporâneo vamos ver que verdades absolutas são muito poucas. Então, vou indicar algumas opções.

Algumas boas referências:

Carlos Alberto Gonçalves, o curso de direito civil e não as sinopses. Também é boa obra a do Cristiano Chaves de Farias que escreve em parceria com o Nelson Rosenvald.

Para parte geral há outra obra também interessante que é do Francisco Amaral.

Dentre os clássicos, talvez o mais interessante seja o Caio Mário, até porque a atualizadora é a Maria Celina Bodin de Moraes que é uma autora que está bem atualizada com vários temas. Claro que a atualizadora acaba sofrendo algum tipo de restrição, pois não pode alterar a substância da obra, então... Enfim, dos clássicos talvez o Caio Mário.

Há quem goste do Venosa e assim sucessivamente.

Como segunda leitura, em uma perspectiva um pouco mais aprofundada e mais polêmica, como vamos perceber no decorrer do curso, temos o Gustavo Tepedino. Não aconselho como primeira, porque o Tepedino é muito polêmico. Nós veremos que ele tem posicionamentos extremamente minoritários, mas talvez seja o diferencial hoje no direito civil.

Não dá mais para estudar direito civil sem consultarmos os enunciados do Conselho da Justiça Federal. Se colocarmos no Google “Conselho da Justiça Federal”, é o primeiro site que aparece.

Claro que os objetivos aqui são múltiplos, nem todo mundo quer só concurso público, mas falando na realidade de concurso talvez se fizermos uma estatística pós código civil em vigor, 80% das questões de prova encontram resposta nesses enunciados. Mas não podemos levar esses enunciados para as provas, então quem pensa em concurso tem que ler e vamos fazer remissão aqui, acolá, fazendo colas lícitas em nossos códigos.

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1. Constitucionalização do Direito Civil

Antes de começarmos especificamente a tratar do código civil, vamos fazer uma breve introdução acerca da questão da constitucionalização do direito civil.

É um tema que está em voga... Na verdade percebemos que toda a tendência do direito civil é de ser interpretado à luz da Constituição.

O Código Civil de 1916, o código civil revogado foi extremamente inspirado pelo Código Civil francês, pelo Código Civil Napoleônico. Toda codificação da época foram extremamente influenciados pelo Código Civil da Revolução Francesa. É a chamada codificação oitocentista... Código elaborado na época sob o influxo do Código Civil Napoleônico.

Como todos seguramente já sabem, há três postulados básicos na Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Só que a perspectiva de igualdade da Revolução Francesa correspondia a idéia da igualdade meramente formal, isonomia formal e no ambiente de isonomia formal todos são tidos como efetivamente iguais.

Essa questão da isonomia formal que é tão difundida no direito constitucional trouxe um reflexo decisivo para o direito civil, porque em um ambiente em que todos são tidos como efetivamente iguais, desnecessária é a intervenção do Estado nas relações privadas. Se sou tido como absolutamente igual a IBM ou qualquer outra grande empresa, é desnecessária a intervenção do Estado nessa relação jurídica porque se todos são efetivamente iguais cada um melhor tutelará os seus respectivos interesses.

Então, naquele contexto era tido como desnecessária a intervenção estatal nas relações privadas.

Obviamente que esse contexto de isonomia formal interessava a classe econômica dominante, a burguesia que em um ambiente em que o Estado não intervém nas relações privadas o interesse econômico sempre prepondera.

Nós sabemos que esse sistema de isonomia formal caiu por terra, não resistiu a realidade dos fatos, grandes guerras, crack da Bolsa de Nova Iorque e hoje nós conhecemos o sistema de isonomia material, isonomia substancial.

Então, percebam bem... O que aconteceu no direito brasileiro resumidamente? Nós tínhamos um Código Civil de 1916 extremamente apegado ao ideal da Revolução Francesa, um Código Civil que não prezava pela intervenção do Estado nas relações privadas. Por outro lado, nós tínhamos uma realidade sócio-econômica que impunha a intervenção estatal nas relações privadas de direito civil.

Como foi a areação do legislador a esse descompasso entre o Código Civil e essa nova realidade social? Foi o surgimento dos chamados microssistemas. É o que a doutrina chama de movimento de descodificação, é o chamado movimento de descodificação.

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Poupo a pouco o Código Civil de 1916 foi perdendo a centralidade do sistema porque diversas leis extravagantes, esses chamados microssistemas começaram a cada vez mais a regulamentar determinados setores da vida privada. Nós temos hoje diversos microssistemas: estatuto da terra, locação, consumidor, meio ambiente, inúmeras situações envolvendo a questão dos microssistemas.

Qual o grande cuidado que é preciso tomar? Essa expressão microssistemas ela não pode ser levada ao pé da letra, porque se interpretarmos literal mente a expressão microssistemas, o que essa expressa parece sugerir? Que nós temos diversos sistemas jurídicos, quando na verdade, por razões óbvias, o sistema jurídico é apenas um. O que garante a unidade do sistema jurídico? É a Constituição. Quer dizer, o papel preponderante da Constituição Federal é garantir a unidade do sistema jurídico.

Então, claro que dentro dessa perspectiva de garantir a unidade do sistema, o direito civil necessariamente precisa ser interpretado em harmonia com os valores e princípios constitucionais. Aquela pirâmide do Kelsen me parece que ilustra bem essa perspectiva.

Percebam que isto vem em harmonia inclusive com a tendência de pós positivismo. Dentro da lógica de que o direito positivo é válido, a regra escrita é válida, mas desde que interpretada e aplicada em harmonia com os valores do sistema.

Não há dúvida alguma não há hierarquia entre normas e princípios constitucionais. No direito brasileiro sempre prevaleceu o chamado princípio da unidade hierárquico-normativa. O direito brasileiro nunca admitiu aquela teoria das normas constitucionais inconstitucionais. O Otto Bachof defendia a existência de hierarquia ente normas, entre princípios constitucionais, mas isso nunca valeu... Princípio da unidade hierárquico-normativa.

Cá entre nós, eu costumo dizer que os constitucionalistas não nos ouçam, mas há um princípio constitucional que ganha um papel de maior realce no direito civil como veremos que é o princípio da dignidade da pessoa humana.

A Maria Celina Bodin de Moraes preconiza que o princípio da dignidade da pessoa humana comporta quatro subprincípios. Nós teríamos quatro subprincípios decorrentes da dignidade da pessoa humana. Quais sejam: liberdade, igualdade, integridade psicofísica e solidariedade.

Princípio constitucional da solidariedade nós utilizaremos bastante aqui no decorrer do nosso curso contemplado no artigo 3º, inciso I da CF. Lembrando que a dignidade da pessoa humana está no artigo 1º, inciso III da CF.

Art. 3º da CF: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

Art. 1º da CF: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

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III - a dignidade da pessoa humana;

A grosso modo, é claro vamos precisar avançar um pouco no direito civil para percebermos os efeitos mais práticos decorrentes dessa nova perspectiva, mas é justamente por conta do que nós estamos começando a delinear que modernamente a doutrina costuma salientar a questão da despatrimonialização do direito civil. É justamente a dignidade da pessoa humana aplicada ao direito civil que gera a chamada despatrimonialização do direito civil.

Para não viajarmos demais, qual é a síntese da despatrimonialização do direito civil? Quando há um conflito entre o interesse patrimonial e o interesse existencial há de preponderar o interesse existencial.

Basicamente a doutrina costuma dizer o seguinte: em um ambiente anterior a preocupação central do ordenamento jurídico para o direito civil se focava no contratante e no proprietário, a preocupação central envolvia o contratante e o proprietário dentro de uma conotação patrimonial.

No direito civil contemporâneo a preocupação central deixa de ser o contratante e o proprietário e passa a ser a pessoa humana.

O que já dá para perceber claramente aqui? No contexto atual, ocorre uma mitigação na dicotomia direito público e direito privado. Estamos vivendo em um ambiente em que ocorre a mitigação da dicotomia direito público e direito privado. Não há um rompimento dessa dicotomia, mas há uma mitigação, uma atenuação dessa dicotomia.

Há algum tempo atrás era muito fácil separarmos o direito público do direito privado. O que se dizia? Direito público, interesse público e direito privado, interesse particular. Vejam que essa afirmativa infelizmente que encontramos em alguns manuais, ela fazia todo sentido em uma época em que o Estado não intervinha nas relações privadas, naquele ambiente o direito civil era direito privado e o interesse era meramente particular, mas no contexto atual nós passamos a ter também interesse público nas relações privadas.

Tem algumas expressões que às vezes ainda encontramos em alguns manuais que na verdade precisam ser revisitados. É muito comum ouvirmos o seguinte: essa norma é de direito patrimonial e, portanto disponível... Isso é um equívoco, fazia sentido em uma época em que o Estado não intervinha nas relações privadas, mas no contexto atual o fato de uma norma envolver direito patrimonial não significa necessariamente dizer que ela é uma regra disponível.

Veremos no decorrer do nosso curso a boa-fé objetiva, a função social dos contratos, enfim uma série de aspectos que demonstram o interesse público nas relações privadas.

Cláusulas Gerais

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Antes de começarmos no código especificamente, vamos nos ater a uma definição muito importante que diz respeito às chamadas cláusulas gerais, um tema bastante atual. Cláusulas Gerais.

Uma das características do Código de 16, que também se espelhava no Código Napoleônico, era chamada a pretensão de concretude. O Código de 16 tinha a chamada pretensão de concretude. Como o próprio nome já sugere, o Código de 16 tinha pretensão de regulamentar casuisticamente todos os potenciais conflitos de interesses.

É claro e evidente que essa pretensão é absolutamente incompatível com a dinâmica das relações privadas. É lógico que o legislador da época não era ingênuo, é óbvio que os legisladores da época já anteviam essa impossibilidade, mas percebam bem: a Revolução Francesa acabou instaurando um novo modelo, na verdade se buscava a quebra de paradigmas antes estabelecidos pelo sistema feudal e os magistrados na época da Revolução Francesa ainda se encontravam atrelados ao regime anterior, ao modelo de pensamento anterior.

Então, vejam que a idéia de que o Código francês era completo tinha que objetivo? Tinha o objetivo de atribuir ao julgador a missão de resolver os conflitos de interesses como se houvesse uma mera receita de bolo. Quer dizer, o código era completo e, portanto não havia qualquer margem de liberdade para o julgador solucionar os conflitos de interesses, não havia muito espaço para que o julgador pudesse imprimir seus respectivos valores na resolução dos conflitos. Daí aquela máxima: “dá-me os fatos, que eu te darei a norma”, como se fosse muito fácil a solução de todos os conflitos.

Como superar esse envelhecimento precoce da legislação? Porque, na verdade um conjunto de regras casuísticas, novos fatos surgem e esses fatos não encontram solução nesse conjunto de regras casuísticas. Daí a importância das chamadas cláusulas gerais.

É justamente nesse contexto que entram as cláusulas gerais, pelo seguinte: as cláusulas gerais representam uma nova técnica legislativa. Na verdade, as clausula gerais são normas dotadas de maior vagueza, maior abstração. Por isso é comum ouvirmos que as cláusulas gerais têm uma vocação expansionista, por quê? Porque essas cláusulas gerais, justamente por serem vagas, por serem normas elásticas elas têm uma potencial aplicação em diversas situações fáticas.

Isso é muito importante porque o nosso código atual usa e abusa da técnica de cláusulas gerais, é uma marcante do nosso código atual... Boa fé objetiva, função social do contrato.

O artigo 11 do Código Civil, que veremos já na próxima aula, só para termos uma idéia o artigo 11 diz lado: com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária.

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Art. 11 do CC: Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Direitos da personalidade, cláusula geral. Quantas situações práticas nós não podemos enquadrar aqui no artigo 11 do Código Civil?! Enfim, é uma marcante do código atual.

Então, o grande mérito das cláusulas gerais qual é? É viabilizar que novas situações práticas possam vir a ser dirimidas, possam vir a ser enfrentadas à luz dessas regras que tem uma maior elasticidade, uma maior capacidade de absorção.

Qual é a grande crítica as cláusulas gerais? Insegurança jurídica. A grande crítica é a insegurança jurídica. Sem dúvida alguma, isso é inegável, as cláusulas gerais conferem uma maior dose de discricionariedade ao julgador.

Qual é o contra argumento? Como vamos defender as cláusulas gerais diante dessa crítica? O contra argumento é o seguinte: sem dúvida alguma as cláusulas gerais conferem maior liberdade ao julgador, porém essa liberdade não é uma liberdade absoluta. O que limita a aplicação e interpretação das cláusulas gerais? Princípios constitucionais. Que dizer, os princípios e valores constitucionalmente tutelados representam uma limitação a aplicação e interpretação das cláusulas gerais.

O tema é importante primeiro porque o código usa muito essa técnica como percebemos, também porque as cláusulas gerais também vêm de uma conexão com a perspectiva da constitucionalização do direito civil.

2. Personalidade Jurídica

Vista essa parte mais introdutória, vamos começar com o código especificamente, começando com a idéia de personalidade jurídica.

Definição tradicional, definição majoritária: é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.

Vamos seguir nessa perspectiva tradicional e depois veremos uma nova perspectiva.

Então, personalidade jurídica é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. O que a doutrina amplamente majoritária sustenta? A princípio, para ser titular de direitos e obrigações é preciso que se tenha personalidade jurídica, mas nós temos algumas exceções, são os chamados entes despersonalizados, que Pontes de Miranda chama de pessoas formais.

Os exemplos aqui são os exemplos clássicos: a massa falida, o espólio, a sociedade de fato e tradicionalmente também se coloca o condomínio. Em relação ao condomínio, é preciso registrar que há uma forte tendência doutrinária no sentido de se sustentar que o condomínio edilício tem personalidade jurídica. Nesse sentido, Enunciado nº 246 combinado com o Enunciado nº 90 do Conselho da Justiça Federal.

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Enunciado nº 90: Art. 1.331: Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse. (Alterado pelo En. 246 – III Jornada)

Enunciado nº 246: Art. 1.331: Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: “nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse”. Prevalece o texto: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”.

Quando falamos em Enunciado do Conselho da Justiça Federal parece que são Enunciados firmados em caráter jurisprudencial, não é nada disso. Esses Enunciados foram firmados por estudiosos do direito civil. O Gustavo Tepedino, por exemplo, teve uma participação decisiva e expressiva na elaboração dos enunciados. Então, é na verdade uma interpretação trazida pelos estudiosos do tema, não há nenhum vínculo com o entendimento da jurisprudência da Justiça Federal especificamente.

Além desses denunciados, nós temos a Maria Helena Diniz e o Marco Aurélio, atualmente examinador da Defensoria pública.

Na verdade, o condomínio edilício celebra uma série de contratos, ele tem empregados, enfim... Há uma magnitude tal de obrigações contraídas pelo condomínio edilício que vêm fazendo com que a doutrina se incline em favor de personalidade jurídica para o condomínio edilício.

Antes de mais nada, vamos ressaltar aqui o seguinte: esses entes despersonalizados eles não têm essa aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, mas por uma razão política legislativa o ordenamento jurídico atribui a esses entes despersonalizados a possibilidade do exercício de alguns direitos e obrigações. A questão dos entes despersonalizados é uma questão de política legislativa.

Na verdade, esses entes despersonalizados têm inclusive capacidade processual, o CPC prevê capacidade processual para tais entes despersonalizados.

Essa é a perspectiva clássica, a perspectiva majoritária. Já criando polêmica, discorda dessa posição o Gustavo Tepedino. O Tepedino não é isolado aqui diga-se de passagem, por exemplo, a Giselda Hironaka acompanha essa posição do Tepedino.

Qual é a segunda perspectiva? A segunda perspectiva vem no sentido de que a personalidade jurídica é um valor que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana. Dentro desse contexto percebam bem: só tem personalidade jurídica a pessoa física, só pessoa física teria personalidade jurídica.

O Tepedino ressalta seguinte: não podemos confundir personalidade jurídica com subjetividade. A subjetividade seria essa a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Então, na verdade a pessoa jurídica, por exemplo, não teria personalidade jurídica, ela seria dotada de subjetividade, os entes despersonalizados também teriam subjetividade.

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Percebam que o Tepedino ressalta que personalidade jurídica não é sinônimo de capacidade de direito. A idéia de capacidade de direito não é essa aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações? A doutrina clássica costuma afirmar que personalidade jurídica e capacidade de direito seriam sinônimos. O Tepedino diz que não é nada disso, personalidade jurídica só tem pessoa física e a capacidade de direito abrange não só pessoa física, mas também a pessoa jurídica e os entes despersonalizados.

Com isso, o que o Tepedino defende é que todos os desdobramentos da dignidade da pessoa humana, toda a tutela especial envolvendo direitos da personalidade, por exemplo, são privativos da pessoa física.

Vamos discutir mais adiante a questão do dano moral em favor de pessoa jurídica, a maioria da doutrina entende pelo cabimento dano moral, e isso tem até súmula do STJ que a súmula 227, e o Tepedino discorda, para ele não cabe dano moral em favor de pessoa jurídica, justamente porque o dano moral decorre da dignidade da pessoa humana, o dano moral seria privativo da pessoa física. Essa posição é minoritária.

Súmula nº 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Início da Personalidade

Em relação ao início da personalidade jurídica, nós temos aquelas teorias clássicas. A primeira teoria tradicional é a chamada teoria natalista. Pela teoria natalista a personalidade jurídica se inicia com o nascimento com vida, no momento da primeira respiração. Tem até um exame que se faz para aferir se houve ou não respiração, é a chamada docimasia hidrostática de galeno. Mergulha-se o pulmão na água e se verifica se há ou não ar nos pulmões.

Cuidado, pois há uma posição isolada do Washington de Barros no sentido de que a personalidade jurídica se iniciaria quando do rompimento do cordão umbilical. Posição isolada.

Na verdade, a teoria natalista decorre inclusive da interpretação, na verdade não é nem da interpretação e sim da letra fria do artigo 2º, primeira parte do Código Civil que diz que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida.

Art. 2o do CC: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Nesse sentido, nós temos a maioria da doutrina, só a título de exemplificação o próprio Gustavo Tepedino que é polêmico em vários temas, ele defende a teoria natalista, o Arnaldo Rizzardo, o Venosa, o Caio Mário...

A segunda posição no é a chamada teoria concepcionista, também chamada teoria conceptualista. Essa teoria defende que a personalidade jurídica se iniciaria desde a concepção e, portanto o nascituro seria dotado de personalidade jurídica.

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Argumentos utilizados por essa segunda perspectiva: a redação do artigo 2º, parte final do Código Civil, o mesmo artigo 2º na parte final. A parte final diz assim: mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.

Art. 2o do CC: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

O código usa a expressão “direitos do nascituro” e, na verdade, para se ter direitos é preciso personalidade jurídica.

Outro argumento: o nascituro pode ser donatário, artigo 542; pode ser o herdeiro, artigo 1798; pode haver reconhecimento de paternidade do nascituro, artigo 26 parágrafo único do ECA e artigo 1609 parágrafo único do Código Civil; o nascituro tem direito a gestação saudável, realização de exames de pré-natal, artigo 7º do ECA.

Art. 542 do CC: A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.

Art. 1.798 do CC: Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Art. 26, Parágrafo único do ECA: O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou suceder-lhe ao falecimento, se deixar descendentes.

Art. 1.609, Parágrafo único do CC: O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

Art. 7º do ECA: A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Tradicionalmente são defensores dessa posição o Leoni, Francisco Amaral, Teixeira de Freitas, tem alguns clássicos defendendo a teoria concepcionista, a Silmara ??? Almeida... Essa é inclusive a perspectiva do direito francês, o direito francês segue a teoria concepcionista.

O que há de novo aqui é o seguinte: essa dicotomia teoria natalista versus teoria concepcionista é uma dicotomia antiga. Agora, o que vem surgindo de novo aí é o seguinte: nós temos alguns autores defendendo que o nascituro teria personalidade jurídica para práticas de atos de natureza existencial, para o exercício de situações existenciais, ou seja, para o exercício de direitos da personalidade, mas não teria para exercício de direitos estritamente patrimoniais.

Uma das autoras que inclusive defende essa posição, uma delas nós veremos que é a Maria Helena Diniz, ela costuma dizer o seguinte: o nascituro tem personalidade jurídica para o exercício dos direitos da personalidade, para situações existenciais. Ela chama essa personalidade jurídica de personalidade jurídica formal, estaria atrelado ao exercício de direitos da personalidade, mas o nascituro não teria personalidade jurídica para o exercício de direitos patrimoniais que ela chama de personalidade jurídica material. Quem acompanha essa expressão da Maria Helena Diniz é o Flávio Tartuce que também tem uma boa obra, uma coleção nova.

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É dentro desse cenário, desse novo cenário trazido por vários autores é que o nascituro, por exemplo, ele tem personalidade jurídica para pleitear investigação de paternidade, estamos falando de um direito à identidade pessoal. Toda discussão envolvendo a possibilidade do nascituro pleitear alimentos, a questão dos alimentos, pois os alimentos estão atrelados a subsistência, a dignidade da pessoa humana.

Questão recente decidida pelo STJ, no informativo 360 STJ, Resp 931 556 que diz respeito à questão do dano moral em favor do nascituro pelo falecimento do genitor. Depois vale a pena dar uma olhada no julgado.

Informativo nº 360 do STJ – Terceira Turma

ACIDENTE DE TRABALHO. PENSÃO MENSAL. NASCITURO. DANO MORAL.

Prosseguindo o julgamento, a Turma decidiu ser incabível a redução da indenização por danos morais fixada em relação a nascituro filho de vítima de acidente fatal de trabalho, considerando, sobretudo, a impossibilidade de mensurar-se o sofrimento daquele que, muito mais que os outros irmãos vivos, foi privado do carinho, assim como de qualquer lembrança ou contato, ainda que remoto, de quem lhe proporcionou a vida. A dor, mesmo de nascituro, não pode ser mensurada, conforme os argumentos da ré, para diminuir o valor a pagar em relação aos irmãos vivos. REsp 931.556-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/6/2008.

Houve um acidente do trabalho, o sujeito faleceu em razão do acidente do trabalho. Foi demonstrada a culpa do empregador, o falecido tinha filhos vivos e nascituro. O STJ condenou o empregador em dano moral não apenas em favor dos filhos vivos, mas também favor do nascituro e, diversamente do que ocorria anteriormente, o STJ ressaltou que o valor devido ao nascituro deveria ser o mesmo daquele devido aos outros filhos vivos.

Em uma perspectiva clássica se dizia que pode até caber dano moral, esse sujeito nem conheceu o pai, então valor do dano moral seria reduzido. Só que em uma perspectiva tradicional que valoriza a dignidade da pessoa humana, se sustenta que talvez justamente o fato de não haver sequer a oportunidade do nascituro conhecer o pai, talvez o dano moral seria mais intenso do que em relação aos outros filhos vivos.

Então, o STJ veio nessa perspectiva de reconhecer ser devido dano moral, inclusive um valor idêntico pela dor suportada pelo nascituro de sequer ter tido a oportunidade de conhecer o pai.

Quem quiser até fazer um contraste com a perspectiva anterior, eu cheguei a ver um julgado anterior que vinha contra essa tendência e dizendo que o valor seria diferente. Resp 399028. Esse último julgado vai na perspectiva de que o valor seria diferente.

Resp 399028 / SP

RECURSO ESPECIAL 2001/0147319-0

DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃOFÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO. PRESCRIÇÃO

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INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DATURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO.FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTEPROVIDO.

I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum.II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.III - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.

Tem a questão, por exemplo, do dano moral por deformações sofridas durante o processo gestacional por ato de terceiros, quer dizer, por falha do médico que dá o medicamento inadequado e o sujeito nasce com algum tipo de deficiência. Se discute se o nascituro teria ou não possibilidade de pleitear dano moral em face daquele que teria supostamente causado aquela deficiência.

Nesse contexto, vale a pena ressaltar o Enunciado 01 do CJF que vai até um pouco além, diga-se de passagem.

Enunciado nº 01 do CJF: Art. 2º: A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.

Esse enunciado diz assim: a proteção que o código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade tais como nome, a imagem e sepultura. Mesmo o natimorto teria proteção de direitos da personalidade e aqui, na verdade, o enunciado implicitamente acaba reconhecendo a existência de direitos da personalidade em favor do nascituro.

Vejam que isso vai contra a perspectiva clássica que sempre afirmou que ou o sujeito tem personalidade jurídica ou não tem. Não existe esse negócio de o sujeito ter personalidade jurídica em parte. Nessa nova perspectiva, o nascituro teria personalidade jurídica apenas para concretização de situações existenciais.

Como se justifica o fato, por exemplo, de o nascituro poder ser donatário? A teoria natalista vai dizer que, na verdade, o nascituro tem um direito sujeito a condição suspensiva, é a lógica da condição suspensiva que é utilizada para refutar a idéia de personalidade jurídica do nascituro.

Há uma terceira e última teoria, teoria desprestigiada no direito brasileiro sem dúvida alguma que é a chamada teoria da personalidade condicionada. Essa teoria desprestigiada defende o seguinte: o nascituro teria personalidade jurídica sujeita a condição suspensiva. Quando, na verdade, colocamos condição suspensiva a personalidade condicionada acaba se equiparando a própria teoria natalista. Quem

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defende essa posição é o Washington de Barros Monteiro, Arnold Wald e Serpa Lopes.

Só a título de curiosidade, no Brasil pela teoria natalista bastam nascimento com vida. Nós temos situações no direito comparado que divorciam um pouco dessa regra, por exemplo, há legislações, o Código Civil espanhol exige que haja a sobrevida com 24h, se exige a forma humana, enfim situações não exigidas no direito brasileiro.

Término da Personalidade

Em relação ao término da personalidade jurídica, não há muita dúvida que o término ser dá com morte. Lembrando, inclusive, que para fins de transplante o que prevalece a é a perspectiva da morte cerebral ou morte encefálica, está no artigo 3º da lei 9434/97.

Art. 3º da Lei 9434: A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

O que a doutrina é uníssona ao afirmar, não há dúvida realmente, é de que no contexto atual não mais se admite a figura da morte civil. A figura da morte civil era adotada, por exemplo, no Direito Romano em relação aos escravos, aos religiosos, aos desertores de guerra, quer dizer, no plano jurídico eles eram tidos como falecidos e, na verdade, não teriam personalidade jurídica.

O Venosa e a Maria Helena Diniz defendem que há um resquício da questão da morte civil no direito brasileiro no caso da exclusão do sucessor por indignidade, haveria um resquício da morte civil no direito brasileiro em relação à exclusão dos sucessores por indignidade.

Na verdade, no caso da exclusão por indignidade os descendentes do sucessor excluído ele sucedem como se tivesse falecido o excluído. E isto está no artigo 1816: são pessoais os efeitos da exclusão, os descendentes do herdeiro excluído sucedem como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.

Art. 1.816 do CC: São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.

O próprio artigo 1816 diz "como se morto fosse antes da abertura da sucessão", seria um mero resquício aqui obviamente.

Quais são alguns dos efeitos da morte? Claro que um rol meramente e exemplificativo. Como alguns dos efeitos da morte nós teremos a transferência da propriedade, artigo 1784, prevê a teoria da saisine, inclusive é uma das exceções àquela lógica geral de que a propriedade de móveis se transfere com tradição e o imóvel com o registro, por ficção jurídica pelo simples falecimento já há a imediata

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transferência da propriedade. É uma das poucas hipóteses que veremos em que o registro imobiliário tem natureza meramente declaratória.

Art. 1.784 do CC: Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Outro efeito: a extinção do poder familiar, a extinção do vínculo conjugal e a extinção de contratos personalíssimos.

Um aspecto que relevante é o seguinte: com a morte nós sabemos que termina a personalidade jurídica e terminando a personalidade jurídica cessam os mecanismos gerais de proteção do indivíduo, mas percebam que excepcionalmente se admite a chamada proteção post mortem de alguns direitos da personalidade. Nós veremos, inclusive, que o artigo 12 parágrafo único e artigo 20 parágrafo único do Código Civil contemplam a questão da legitimação, a questão da legitimidade, ou seja, a quem compete pleitear o dano moral pela violação ao direito a personalidade do morto.

Art. 12, Parágrafo único do CC: Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 20, Parágrafo único do CC: Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

O que justifica a proteção post mortem dos direitos da personalidade? Sem dúvida é uma situação excepcional, porque já está cessada a personalidade jurídica, mas o que justifica é o princípio da dignidade da pessoa humana. Os exemplos clássicos de proteção pos mortem de direitos da personalidade são: a imagem e os direitos morais do autor.

O Francisco Amaral chega a defender isoladamente que haveria personalidade jurídica post mortem por conta dos direitos da personalidade, o que na verdade a doutrina afirma é que cessa a personalidade jurídica, mas excepcionalmente se confere uma proteção post mortem a direitos da personalidade em que pese o término da personalidade jurídica, seria uma situação de exceção decorrente da dignidade da pessoa humana.

O código prevê a questão da morte no artigo 6º e no artigo 7º.

Art. 6o do CC: A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

Art. 7o do CC: Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

O artigo 6º não traz nada de novo, o artigo 6º diz lá: a existência da pessoa natural termina com a morte, presume-se esta quanto aos ausentes nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva.

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Quer dizer, na primeira parte o artigo 6º prevê a morte real e na segunda parte o artigo 6º prevê a morte presumida... Morte presumida que pressupõe, como o próprio código diz, os elementos necessários para abertura da sucessão definitiva do ausente.

Esses elementos, façam remissão do artigo 6º parte final combinado com os artigos 37 e 38.

Art. 6o do CC: A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva. Ver artigo 37 e artigo 38

Art. 37 do CC: Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas.

Art. 38 do CC: Pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele.

O artigo 7º traz uma novidade. No Código de 16 só se admitia morte presumida no caso de ausência, o artigo 7º traz aí uma exceção. Diz o artigo 7º que pode ser declarada a morte presumida sem decretação de ausência e aí vem o inciso I e diz: e for extremamente improvável a morte de quem estava em perigo de vida e inciso II: se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro não foi encontrado até dois anos após o término da guerra.

A maioria da doutrina diz que o código traz aí uma nova modalidade de morte presumida que independe de decretação de ausência. Aliás, diga-se de passagem, que isso não chega a ser tão novo assim porque já havia uma hipótese em que se admitia a morte presumida independentemente de ausência no artigo 88 da lei 6015/73, lei de registros públicos.

Art. 88 da Lei 60615: Poderão os Juízes togados admitir justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame. (Renumerado do art. 89 pela Lei nº 6.216, de 1975).

Parágrafo único. Será também admitida a justificação no caso de desaparecimento em campanha, provados a impossibilidade de ter sido feito o registro nos termos do artigo 85 e os fatos que convençam da ocorrência do óbito.

A lei de registros públicos prevê como premissa para essa decretação da morte presumida a observância daquele procedimento de justificação do CPC em que há, entre aspas, uma documentação da prova testemunhal. Para quem quiser registrar: artigo 861 a artigo 866 do CPC.

O Cristiano Chaves de Farias, por exemplo, que escrevem em parceria com Nelson Rosenvald não gosta dessa expressão morte presumida... O Nelson Rosenvald e o Christiano Chaves não gostam dessa expressão morte presumida porque para eles a situação do artigo sétimo é absolutamente diferente da do artigo 6º, porque vejam no artigo 6º, na parte final a única certeza que há é em relação ao desaparecimento, quer dizer, a ausência apenas ressalta o desaparecimento, não há uma perspectiva de efetivo falecimento com a decretação de ausência.

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Já o artigo 7º pressupõe hipóteses em que a morte é extremamente provável. Eles, inclusive, ao invés de usar a expressão morte presumida do artigo 7º eles costumam usar a expressão presunção de morte. Quer dizer, no artigo 7º não haveria uma morte presumida, seria uma presunção de morte.

Na verdade, o artigo 7º traria a idéia de prova indireta do falecimento, que não haveria aqui no artigo 6º.

Tem uma questão que não há ainda uma resposta clara, a doutrina também não vem enfrentando, é mais um dos problemas em que nós percebemos que não há ainda uma solução clara. O que acontece no caso de reaparecimento de sujeito no caso do artigo 7º, por exemplo? Esse é um problema que o código não sistematizou, não regulamentou.

Vamos primeira abordar uma questão principiológica aqui... Em uma perspectiva tradicional a tendência no caso de reaparecimento desse sujeito seria a proteção de seus respectivos interesses, então o interesse daquele que reapareceu. Só que nós veremos que um dos princípios que marca do nosso Código Civil é o princípio da boa-fé objetiva e um dos desdobramentos do princípio da boa-fé objetiva é justamente o princípio da confiança.

Na verdade, uma síntese aqui: o princípio da confiança busca o quê? A proteção da legítima expectativa. O Código Civil atual, todo nosso ordenamento jurídico ele deixa de priorizar a proteção do declarante e passa a conferir maior proteção ao declaratário... A preocupação central se desloca do declarante e vai para o declaratário, ou seja, para aqueles que em tese receberiam algum tipo de proteção, algum tipo de interesse em decorrência de uma determinada declaração de vontade. Aqui no nosso caso a tendência vem no sentido de proteger a legítima expectativa de terceiros.

Nós veremos que o Código Civil atual tem uma preocupação central em proteger a legítima expectativa de terceiros, justamente sobre o influxo, em homenagem ao princípio da confiança, proteção da legítima expectativa.

Todo mundo lembra que a nulidade absoluta atinge interesse público. O que a doutrina clássica sempre afirmou? Se a nulidade absoluta atinge interesse público, não se protege interesse de terceiros no caso de nulidade, porque o interesse público prevalece sobre eventual interesse de terceiros.

Todo mundo sabe que agora a simulação passa a ser causa de nulidade absoluta, está lá no artigo 167 e olha o que diz o §2º do artigo 167: ressalvam-se os direitos de terceiros de boa fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Art. 167 do CC: É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Quer dizer, mesmo a simulação sendo uma causa de nulidade absoluta, o artigo 67 protege os interesses de terceiros, por quê? Porque a proteção aos interesses

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de terceiros passa a ser também matéria de ordem pública, porque a proteção aos interesses de terceiros decorre do princípio da confiança, boa fé objetiva, ela tem uma tendência de proteção a legítima expectativa de terceiros.

É só uma síntese, vamos ver isso com mais calma, mas é uma mudança aqui na reflexão do direito privado.

Como situação de morte presumida nós temos a lei 9140/95 que envolve os desaparecidos políticos a época do regime militar.

Comoriência

Artigo 8º do CC.

Art. 8o do CC: Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.

Todos se lembram da comoriência: se duas ou mais pessoas falecem em um único evento, no direito brasileiro desde o Código 16, sempre houve que a presunção relativa de falecimento simultâneo. Isso de vez em quando vem em prova objetiva.

Presunção relativa, nem precisamos ler o Código, porque obviamente se for possível constatar a efetiva precedência de falecimentos a gente vai se valer aí da primazia da realidade, da verdade real.

Em outros ordenamentos temos alguns jogos de presunções jamais adotamos aqui, por exemplo, alguns países há presunção que as mulheres falecem antes que os homens, por ser o suposto sexo frágil, os mais velhos falecem antes dos jovens e as crianças antes dos adultos. Quer dizer, uma série de presunções que o nosso ordenamento jurídico nunca adotou. Para nós presunção relativa de simultaneidade.

Aí um cuidado aqui é o seguinte, o artigo 8º diz que se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se alguns dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.

Falecerem na mesma ocasião. A doutrina é bastante segura aqui no sentido de afirmar que essa expressão “mesma ocasião” não deve ser interpretada restritivamente.

Vamos imaginar dois atentados terroristas simultâneos em locais distintos, em ocasiões diferentes. Pela letra fria do Código, por uma interpretação restritiva seria inaplicável a comoriência, mas a doutrina é unânime em afirmar que a regra do artigo 8º se aplicaria em tal circunstância.

Não é necessário que o evento seja único, o que importa é que haja a efetiva simultaneidade, a dificuldade em se apurar a efetiva precedência de falecimentos.

O efeito prático disso aqui vai para o âmbito do direito sucessório, porque se há presunção de simultaneidade o efeito é a não transmissão de direitos sucessórios entre comorientes.

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3. Capacidade

Vamos para a capacidade. Ela pode ser de direito ou de fato. Capacidade de direito é sinônimo de capacidade de gozo ou ainda capacidade de fruição.

Capacidade de Direito

Capacidade de direito seria na verdade aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, o que leva inclusive boa parte da doutrina a afirmar que capacidade de direito seria sinônimo de personalidade jurídica.

Já sabemos que aquela perspectiva do Tepedino desafia essa afirmativa porque pela visão do Tepedino apenas a pessoa física teria personalidade jurídica. Mesmo fora dessa posição do Tepedino, há quem defenda que personalidade jurídica não seria exatamente uma definição idêntica de personalidade jurídica.

Para o Tepedino são institutos bastante diferentes, mas há quem defenda que, por exemplo, a personalidade jurídica ela seria ilimitada. Já a capacidade de direito comportaria determinadas restrições.

O exemplo que se costuma trazer é o seguinte: pessoa jurídica, pela visão amplamente dominante, tem personalidade jurídica de maneira ilimitada. Mas a pessoa jurídica apesar de ter personalidade jurídica ela não teria capacidade de direito para a prática dos chamados atos de direito de família puros, atos puros do direito de família. Porque os chamados atos puros do direito de família seriam incompatíveis com a própria finalidade que envolve a pessoa jurídica.

Por exemplo, o chamado dever de coabitação, o dever de fidelidade recíproca, são os chamados direitos de família puros porque na verdade são direitos de família que não tem qualquer repercussão patrimonial.

O Tepedino traz aqui uma ponderação que parece interessante, ele diz o seguinte: por exemplo, artigo 1618: só a pessoa maior de 18 anos pode adotar. Quando o sujeito atinge os 16 ele já atinge a incapacidade relativa e, em tese, ele pode praticar os atos da vida civil através da assistência.

Art. 1.618 do CC: Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.

Se há a incapacidade relativa de fato, a assistência supre essa incapacidade relativa de fato. Essa limitação aqui, a capacidade de adotar 18 anos, ela pode ser suprida por assistência, maior de 16 pode adotar através da assistência? Não. Então, o Tepedino deixa claro aqui que não estamos falando aqui de incapacidade de fato porque se fosse incapacidade de fato a assistência supriria.

Na verdade, o sujeito menor de 18 anos não tem capacidade de direito para adotar, seria um equívoco falar em incapacidade de fato porque incapacidade de fato, se for relativa ela se supre através da assistência. Na verdade, não há como suprir essa limitação desse artigo 1618 através da assistência, haveria aqui um limite a capacidade de direito.

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Só para registro, tem uma posição que é minoritária do Arnaldo Rizzardo, no sentido de que a personalidade jurídica estaria atrelada ao exercício dos direitos da personalidade. Ele usa a expressão “direitos fundamentais”. Já a capacidade de direito estaria atrelada aos exercícios dos atos civis, dos atos da vida civil, trazendo aí portanto uma perspectiva patrimonial. Posição aí do Arnaldo Rizzardo que é isolada.

Sintetizando, para ficar claro, posição de vários autores, talvez posição majoritária no sentido de que capacidade de direito seja sinônimo de personalidade jurídica. Alguns dizem na verdade é quase a mesma coisa, a diferença é que a capacidade de direito pode sofrer determinadas restrições, é possível se falar em gradação a capacidade de direito.

E a posição do Tepedino que é radicalmente diversa. Para ele, personalidade jurídica é dignidade humana, capacidade de direito abrangeria pessoas físicas e entes personalizados.

Capacidade de Fato

Vamos para a capacidade de fato que aí sim nós temos vários aspectos, até polêmicos aqui, de modo até menos abstrato.

Capacidade de fato é sinônimo de capacidade de exercício que é sinônimo de capacidade de ação. A doutrina aqui não diverge. Basicamente, a capacidade de fato representaria aptidão para pessoalmente praticar atos da vida civil.

Aqui a diferença é bem clara, porque é claro que um garoto de cinco anos pode ser proprietário porque tem personalidade jurídica, tem capacidade de direito, mas ele não pode alienar sozinho um imóvel porque ele não tem capacidade de fato.

A idéia de capacidade de fato está intimamente atrelada a idéia de discernimento, aqueles que não têm nenhum discernimento são qualificados como absolutamente incapazes.

Como nós sabemos absolutamente incapazes tem que ser representados sob pena de nulidade absoluta, artigo 166, I.

Art. 166 do CC: É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

Aqueles que têm discernimento reduzido são os relativamente incapazes, precisam ser assistidos sob pena de anulabilidade artigo 171, I do Código Civil.

Art. 171 do CC: Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

Lembrando que a diferença básica entre representação e assistência é que na representação vale apenas a vontade do representante. Justamente porque o representado não tem nenhum discernimento e como ele não tem nenhum discernimento a vontade do representado é em regra, amos ver que há exceções, mas em regra ela é desimportante.

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Já na assistência, o assistente é um coadjuvante do assistido, quer dizer, a vontade do assistido há de ser levada em consideração porque na verdade é apenas uma redução no grau do discernimento.

Metaforicamente é claro, a representação seria um pai atravessando a rua com o filho no colo e a assistência seria o pai atravessando a rua com o filho pela mão.

Está claro e evidente que o objetivo da incapacidade qual é? Proteção. Isso vai ser decisivo em alguns pontos mais adiante, por exemplo, quando discutirmos se o incapaz pode usucapir? O incapaz mora lá sozinho há muito tempo, exerce a posse, preenche todos os requisitos como veremos mais adiante, a dúvida é se ele pode ou não usucapir?

E vejam, se o objetivo da incapacidade é a proteção, haveria uma incoerência em privar o incapaz da usucapião. Quer dizer, seria inaplicável, em tese, a teoria geral das incapacidades para privar o incapaz da usucapião, porque nós não estaríamos protegendo o incapaz e sim punindo. Nós veremos essas e outras circunstancias em que vai ser importante essa perspectiva.

Bom, o fato é que os absolutamente incapazes estão elencados no artigo 3º do Código Civil e logo no inciso I o código diz que são absolutamente incapazes os menores de 16 anos. Presunção absoluta, é o chamado critério biológico.

Art. 3o do CC: São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Então, por razões de segurança jurídica não adianta o garoto de 15 anos tentar provar que tem discernimento porque ele é absolutamente incapaz.

Tem uma questão importante, que pela letra fria do Código todo ato praticado por um absolutamente incapaz, por um menor de 16 sem estar devidamente representado conduziria a nulidade absoluta. Só que vejam, não é muito comum um garoto de 15 anos ou até muito menos, por exemplo, celebrar um contrato de transporte sozinho e ir para a escola. Ele chega na escola e celebra um contrato de compra e venda da merenda.

Enfim, nós temos alguns atos socialmente aceitos que são efetivamente praticados por menores de 16 anos sem que ninguém suscite a nulidade de tais atos. Para essas hipóteses não previstas em lei, surge a chamada teoria do ato fato.

Teoria do ato fato, essa é a expressão mais usada, mas como sinônimo nós teríamos a idéia de autorização presumida e o Leoni usa expressão autonomia, seria a expressão utilizada lá no Direito alemão. No Brasil, a expressão mais utilizada seria a teoria do ato fato.

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Qual o objetivo básico da teoria do ato fato? A teoria do ato fato busca estabelecer critérios que venham a conferir validade a determinados atos praticados por incapazes independentemente de representação ou assistência.

Eu já joguei representação e assistência porque é claro que se a teoria do ato fato se aplica aos menores de 16, com muito mais razão entre 16 e 18.

Quais são os critérios? São requisitos cumulativos e não alternativos. Primeiro: atos de pouca expressão econômica. Segundo: atos que venham a atender aos interesses imediatos e cotidianos do incapaz. E por último (terceiro), que tais atos usualmente sejam praticados por recursos destinados pelo próprio representante ou assistente.

A teoria do ato fato é sem dúvida uma construção doutrinária e jurisprudencial não prevista pelo Código Civil.

O inciso II prevê incapacidade absoluta por deficiência mental e o inciso III, vamos fazer uma análise conjunta, o inciso III diz lá que mesmo por causa transitória não puder exprimir a sua vontade.

A diferença do inciso II para o III é que no inciso III a privação do discernimento decorre de uma causa transitória. Se a deficiência mental tem o cunho de permanência, obviamente vamos aplicar o inciso II. Situações, por exemplo, de coma, de depressão profunda, hipnose, abrangeria o inciso III.

Tem um exemplo extremamente polêmico do Arnaldo Rizzardo, está lá no livro dele “tensão pré-menstrual” entraria no inciso III.

Uma questão aqui que agora estava resolvida no Código atual, é a seguinte: no Código de 16 os ausentes estavam no rol dos absolutamente incapazes. A doutrina já criticava muito o Código anterior por isso, porque o ausente a princípio é aquele que abandona o seu domicílio sem deixar um administrador para seus interesses e o absolutamente incapaz é aquele que não tem nenhum discernimento. Quer dizer, o fato de alguém abandonar seu domicílio sem deixar um administrador para os seus interesses não significa que o sujeito é totalmente desprovido de discernimento.

Então, muitos autores, contra legem, já defendiam eu o ausente era capaz. Isso caiu uma vez em uma prova específica do MP uma questão em que o ausente na Bahia vendeu um imóvel sem estar representado ou assistido e se indagava se aquela alienação era válida ou não.

A época do Código de 16 o examinador queria que se defendesse a validade da compra e venda sob esse argumento. Na verdade, não haveria uma incapacidade absoluta propriamente para o ausente diversamente do que previa o Código.

Esta questão está resolvida porque o Código não mais traz o ausente no rol dos absolutamente incapazes. Quer dizer, esse aparente equívoco do Código de 16 foi corrigido pelo legislador do Código em vigor.

Intervalo...

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Data: 02/09/08

Aula 01 – Parte 02

Que é a chamada sentença de interdição e aí tem até aquela discussão sobre a natureza jurídica da sentença de interdição, alguns defendendo que a sentença de interdição teria natureza meramente declaratória. Porque na verdade a sentença de interdição ela não cria ausência de discernimento, ela apenas reconhece uma ausência de discernimento pré-existente.

Tem autores importantes aí defendendo essa posição, o próprio Carlos Roberto Gonçalves, o Paulo Nader e o Fábio Ulhoa Coelho.

Essa posição, na verdade ela vem sendo revista, porque a sentença de interdição não cria ausência de discernimento, a ausência de discernimento é pré-existente. Mas na verdade a sentença de interdição cria um novo estado jurídico, ou seja, o estado jurídico de incapaz.

Toda sentença constitutiva ou condenatória ela traz uma carga de declaração, ela pressupõe uma declaração, quer dizer, sentença para constituir ou condenar ela precisa declarar algo pré-existente. Então, o simples fato da sentença reconhecer a ausência de discernimento não a qualifica como sendo declaratória. Tanto é que os autores contemporâneos usam a expressão “sentença meramente declaratória”, apenas quando ela não traz efeitos constitutivos ou negativos.

Então, a tendência hoje vem sendo no sentido de se entender que a sentença de interdição tem natureza constitutiva, tese inclusive defendida pelo Barbosa Moreira.

Há quem defenda, acho que essa não é uma posição que ganhe repercussão no direito processual, porque na verdade essa discussão aqui ela tem natureza processual, mas há quem defenda que a sentença tem natureza híbrida. Ela seria híbrida, ela seria heterogênea porque na verdade essa sentença ela seria declaratória em relação a ausência de discernimento e constitutiva em relação ao estado de incapaz.

O Leoni, por exemplo, defende essa posição que talvez não agrade os processualistas porque, como nós ressaltamos, toda sentença constitutiva pressupõe uma carga de declaração.

Bom, só que há um ponto aqui muito importante que é o seguinte: se o incapaz ele pratica um ato sem está representado ou assistido, após a sentença haverá a invalidação do ato, nulidade se for absolutamente incapaz e anulabilidade se for relativamente incapaz.

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A questão tormentosa é a seguinte: vamos supor que haja um reconhecimento hoje da interdição e uma semana antes aquele agora interditado praticou atos significativos de disposição patrimonial, ele vendeu imóveis, por exemplo.

Percebam que nós não podemos falar em efeitos ex tunc da sentença de interdição. Quer dizer, em relação aos maiores de idade há uma presunção de capacidade, ninguém é obrigado a exigir atestado médico para ninguém quando se celebra um contrato. As relações contratuais inclusive são cada vez mais impessoais, nós celebramos hoje contrato pela internet sem nunca ter visto o outro contratante. Então, cogitar de efeitos ex tunc, abalaria a segurança jurídica.

Talvez numa visão mais atual, acho que já temos que acostumar a essa nova dogmática, ao invés de falar em segurança jurídica acho que devemos começar a falar em princípio da confiança. Na verdade, o princípio da confiança busca a proteção da legítima expectativa, seria como que uma nova leitura da antiga segurança jurídica, traduzida através da boa fé objetiva.

Só que ao mesmo tempo uma semana antes é claro que o sujeito era ausente, desprovido de discernimento. Para essas situações se aplica o que a doutrina chama de incapacidade natural.

Para não precisarmos decorar a expressão, por que incapacidade natural? Porque haveria aqui uma suposta incapacidade no plano naturalístico, mas não reconhecida no âmbito jurídico e, por isso a expressão incapacidade natural.

Pergunta do aluno.

Resposta: na verdade o CPC tem uma regrinha explícita dizendo que a sentença de interdição ela produz efeitos desde a sua prolação. Agora, claro que até essa própria regra do CPC e essa afirmativa que estamos trazendo a luz do princípio da confiança acaba se inclinando em favor da natureza constitutiva da sentença.

Numa perspectiva atual, sem dúvida a sentença tem natureza constitutiva. É preciso só ressaltar, porque nós temos alguns autores clássicos que ainda defendem inversamente. Quer dizer, a gente pode até fazer uma conexão aqui, os processualistas talvez não façam, mas a natureza constitutiva da sentença como decorrente do próprio princípio da confiança, decorrente da boa fé objetiva.

Então, vejam bem, a incapacidade natural busca o que? Estabelecer requisitos que permitam atingir a validade de atos praticados antes da sentença de interdição. Requisitos, mais uma vez, cumulativos.

Primeiro: haverá o ônus de se demonstrar a efetiva ausência de discernimento a época do ato. Esse ônus não haverá em relação a atos posteriores.

Segundo: efetivo prejuízo.

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Terceiro: mais importante, me parece. Em uma visão clássica, o que alguns autores afirmam como terceiro e último requisito? Se exigiria a má fé do outro contratante.

O Venosa, o Silvio Rodrigues, por exemplo, explicitamente usam essa expressão “má fé”, com o objetivo de resguardar a segurança jurídica.

Só que vamos perceber aqui o seguinte: quando falamos em má fé, estamos falando da hipótese em que o outro contratante sabia da ausência de discernimento.

Então, a idéia de má fé se contrapõe a boa fé subjetiva, porque quando se fala em má fé, o que estamos dizendo? O outro contratante sabia e a boa fé subjetiva representa justamente o desconhecimento do vício ou da ilicitude, elemento subjetivo.

Só que vejam bem, o contexto atual que estamos vivendo, na verdade é primordialmente o princípio da boa fé objetiva e todo mundo sabe que uma das conseqüências da boa fé objetiva são os chamados deveres anexos. E dentre os deveres anexos, nós temos o dever anexo de cuidado, de diligência.

Então, sobre o influxo da boa fé objetiva o que modernamente vem se sustentando? Que como último requisito não se exigiria necessariamente a má fé do outro contratante. O que se exige é que a ausência de discernimento fosse perceptível ao outro contratante.

Então, quando se fala em perceptível o que estamos dizendo? Se o outro contratante não sabia, mas deveria saber, ele está agindo de acordo com a boa fé subjetiva, mas em desarmonia com a boa fé objetiva. Ou seja, o que se exige aqui, a bem da verdade, é a teoria da aparência, o que se exige é que a ausência de discernimento fosse aparente, fosse perceptível.

Enfim, a doutrina é unânime em admitir a incapacidade natural, entendimento consolidado. O STJ já chegou a aplicar essa idéia de incapacidade natural, Resp 255271.

Resp 255271 / GORECURSO ESPECIAL 2000/0036843-1 CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FUNDAMENTAÇÃO. PROVA. INTERDIÇÃO.

Somente a ausência de fundamentação, não ocorrente na espécie, é que enseja a decretação de nulidade da sentença com base no art. 458, II, não a fundamentação sucinta. Sendo o processo anulado por motivo não referente à prova, esta pode ser utilizada, no mesmo feito, desde que ratificada, em respeito ao princípio da economia processual.

Os atos praticados pelo interditado anteriores à interdição podem ser anulados, desde que provada a existência de anomalia psíquica - causa da incapacidade - já no momento em que se praticou o ato que se quer anular. Recurso não conhecido.

E a doutrina praticamente unânime aqui, a exceção da Maria Helena Diniz, vem no sentido de que a incapacidade natural deve ser reconhecida através de ação

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autônoma. Quer dizer, o processo de interdição ele não se presta ao reconhecimento da incapacidade natural, toda a dilação probatória no processo de interdição busca a constatação da incapacidade a partir da prolação da sentença.

Outra questão importante aqui é Enunciado nº 138 do CJF.

Enunciado nº 138 do CJF: Art. 3º: A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto.

É o seguinte: nós já vimos que os menores de 16 são absolutamente incapazes e, como absolutamente incapazes, a vontade dos menores de 16 ela é desimportante, porque eles não têm nenhum discernimento.

Aí, o Enunciado nº 138 diz assim: a vontade dos absolutamente incapazes na hipótese do inciso I, do artigo 3º é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes desde que demonstrem discernimento bastante para tanto.

Quer dizer, o enunciado 138 diz que excepcionalmente a vontade dos menores de 16 deve ser levada em conta para situações existenciais, ou seja, situações de natureza extrapatrimonial.

Isso talvez nos lembre diretamente a questão da guarda, questão da adoção. O próprio artigo 47, §5º do ECA prevê lá a necessidade da oitiva da opinião do adotando. A participação no processo educacional.

Art. 47, § 5º do ECA: A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do prenome.

Querem ver uma questão tormentosa que tem a ver com isso? Tem uma regra do Código que a gente vai ver com calma mais adiante que é o artigo 15 que diz: ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.

Art. 15 do CC: Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Pela lógica dos direitos patrimoniais é muito fácil, quem se manifesta ao representante e o representado tem que seguir, agora a dúvida é: será que o representante ele tem disponibilidade para assumir riscos em relação a própria vida do representado? Quer dizer, a lógica da representação é toda voltada para a lógica dos direitos patrimoniais.

Na verdade, o Código foi omisso em relação a lógica da representação em relação a situações de natureza existencial. Então, obviamente que a lógica é totalmente diferente e, portanto nesse caso é plenamente aplicável pelo Enunciado nº 138.

Isso é importante por quê? O Enunciado nº 138 traz uma sistemática peculiar a representação, no caso dos absolutamente incapazes, por conta do princípio da

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dignidade da pessoa humana. Quer dizer, na verdade o princípio constitucional da pessoa humana que traz aí essa peculiaridade do Enunciado nº 138.

Outra questão que a doutrina sempre ressalta é a questão dos intervalos de lucidez. Quer dizer, há uma sentença, interdição, reconhece a deficiência mental, só que a deficiência mental é intermitente, ela vai e volta. E aí a dúvida é se o sujeito pode tentar comprovar em juízo que quando da prática do ato ele estava no momento de lucidez.

O direito brasileiro já admitiu, isso antes do Código de 16, quando valiam aqui as Ordenações de Portugal, as Ordenações Filipinas, Ordenações Manuelinas, Ordenações Afonsinas, elas admitiam alegações dos intervalos de lucidez. Mas desde o Código de 16, entendimento consolidado na doutrina e jurisprudência no sentido de não se admitir a alegação de intervalo de lucidez para convalidar o negócio jurídico.

Tradicionalmente o que sempre se afirmou? Que essa possibilidade de alegação dos intervalos de lucidez abalaria a segurança jurídica. Modernamente fica mais interessante usarmos aqui, mais uma vez, o princípio da confiança.

Outra questão importante, não confundir incapacidade com impedimento. Impedimento é sinônimo de falta de legitimação e incapacidade resulta da ausência de discernimento.

Então, a incapacidade ela é genérica para os atos da vida civil. Já o impedimento é casuístico, é episódico, tecnicamente os autores afirmam o seguinte: o impedimento decorre de uma circunstancia especial que determinado indivíduo ocupa em relação a certos interesses.

O exemplo mais claro é o seguinte: o tutor é capaz, mas ele é impedido de comprar bens para o tutelado, artigo 497, I. A hipótese não é de incapacidade, é de impedimento, resulta dessa natureza especial decorrente da relação entre tutor e tutelado.

Art. 497 do CC: Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;

Tem o artigo 496, lembram daquela história da venda de descendente para ascendente que pressupõe o consentimento dos outros descendentes e também em regra do cônjuge? Também teríamos ali uma hipótese de impedimento, de fala de legitimação.

Art. 496 do CC: É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Última questão envolvendo incapacidade absoluta. O código atual não mais previu o surdo-mudo como absolutamente incapaz. Na verdade, o surdo-mudo pode tanto ser tanto capaz, quanto absolutamente incapaz, quanto relativamente incapaz.

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Dados os avanços, o chamado surdo-mudo hoje tem condições de expressar a sua vontade, agora se ele padece de algum tipo de deficiência mental, enfim, ou de qualquer outro tipo de situação previstas nos artigos 3º ou 4º, ele vai ser erigido ao status de incapaz. Mas a simples existência da “surdo-mudez” não conduz necessariamente a incapacidade.

Bom, os relativamente incapazes estão no artigo 4º.

Art. 4o do CC: São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos.

O inciso I já prevê: maiores de 16 e menores de 18. Para não sermos repetitivos, se aplica aqui a teoria do ato fato, tudo que vimos lá vale para cá.

Vale a pena registrar o seguinte: regra geral - maior de 16 menor de 18 tem que ser assistidos, exceções:

Primeira: maior de 16 e menores de 18 não dependem de assistência para ser mandatário, artigo 666.

Art. 666 do CC: O maior de dezesseis e menor de dezoito anos não emancipado pode ser mandatário, mas o mandante não tem ação contra ele senão de conformidade com as regras gerais, aplicáveis às obrigações contraídas por menores.

Segunda: pode ser testemunha, art. 228, I e ainda pode testar, art. 1858 combinado com o art. 1860,§ único.

Art. 228 do CC: Não podem ser admitidos como testemunhas:

I - os menores de dezesseis anos;

Art. 1.858 do CC: O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo.

Art. 1.869, Parágrafo único do CC: Podem testar os maiores de dezesseis anos.

Vale a pena fazer algum tipo de referencia para o artigo 180 do Código Civil, é uma peculiaridade envolvendo maior de 16 e menor de 18.

Art. 180 do CC: O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.

Lembra aquela história do maior de 16 e menor de 18 que quando oculta a sua própria idade acaba assumindo as obrigações daí decorrentes? É uma peculiaridade também atrelada ao artigo 4º, inciso I.

A doutrina costuma afirmar que o artigo 180 decorre do princípio geral de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. Não está errado, está certo, mas numa

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leitura atual podemos afirmar que o artigo 180 decorre da boa fé objetiva através de um tema que veremos mais adiante, que é a idéia da (24’30’’). Boa fé objetiva através da (24’35’’).

Só para não ficar no ar vou falar de maneira bem resumida. Qual é a idéia básica aqui da (24’58’’)? Se eu violo uma determinada regra X, eu não posso exigir que outrem cumpra aquela mesma regra X que eu estou transgredindo. A idéia básica é essa, quer dizer, se eu descumpro uma determinada regra X eu não posso exigir que outrem cumpra a quela regra X que eu estou violando.

Isso não tem a ver com exceção de contrato não cumprido, por exemplo? Enquanto não cumpro minha prestação não posso exigir o cumprimento da prestação oposta. Isso não tem a ver com o dolo recíproco do artigo 150? Se ambas as partes agem dolosamente, nenhuma delas pode alegar o dolo em face da outra.

Art. 150 do CC: Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

Quer dizer, o código ali no artigo 180 foi feliz ao restringir essa sistemática entre o 16 e 18 anos porque antes dos 16 o sujeito é absolutamente incapaz. A hipótese é de nulidade absoluta, ou seja, interesse público. Vamos ver com calma que não de aplica (26’11’’) em detrimento de interesse público.

Aqui, o inciso II do artigo 4º, traz para o Código situações que antes eram previstas por leis extravagantes. O Código fala em ébrio, habitual, viciados em tóxicos e os que por deficiência mental tenham o discernimento reduzido.

A deficiência mental ela pode conduzir tanto a incapacidade absoluta quanto a incapacidade relativa, vai depender do grau, do comprometimento do discernimento.

Olha aqui um cuidado, o Código no inciso II diz “ébrio habitual”. Se o ébrio habitual for um deficiente mental e, com isso não tiver discernimento, é claro que ele vai ser absolutamente incapaz. É uma mera presunção relativa de que o ébrio habitual é relativamente incapaz.

Vejam, se o sujeito quando pratica o ato, ele não tem discernimento por conta de uma embriaguez que não é constante, quer dizer, ele não é ébrio habitual, mas estava absolutamente bêbado quando celebrou o negócio jurídico, vejam que o argumento aí a ser utilizado por muitos de agora em diante, vai ser o artigo 3º, III. Quando o sujeito não tem discernimento por uma causa transitória é alegável o artigo 3º, III.

Art. 3o do CC: São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Então, na verdade é possível que a embriaguez não seja habitual, mas o sujeito não tenha nenhum discernimento para a prática do ato por uma circunstancia transitória e, nesse caso, pode ser aplicado o artigo 3º, III se ele quiser demonstrar efetiva ausência de discernimento.

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E o inciso IV prevê aqui a questão dos pródigos como relativamente incapazes e aí basicamente o prodigo é aquele que não tem condição de administrar os seus próprios recursos.

Na verdade, o pródigo em geral até tem discernimento dos atos da vida civil, o problema do pródigo envolve atos de disposição patrimonial, ele padece de falta de discernimento para atos que envolvam disposição patrimonial.

Quer dizer, o pródigo seria um perdulário, justamente por isso aí a remissão é importante, o artigo 1782 prevê que a incapacidade relativa do pródigo se restringe aos atos de disposição patrimonial.

Art. 1.782 do CC: A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

Há uma questão importante que é a seguinte: vamos ver mais adiante a questão da responsabilidade civil indireta, que é a questão da responsabilidade civil por fato de outrem. Lembram daquela história de que os pais respondem pelos atos dos filhos menores? O Curador também responde pelos atos do curatelado, está lá no artigo 932, II.

Art. 932 do CC: São também responsáveis pela reparação civil:

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

Só que o pródigo é relativamente incapaz apenas para os atos que envolvam disposição patrimonial, nos atos que não envolvam disposição patrimonial o pródigo é capaz.

Então, o que se sustenta é que o curador do pródigo só responde indiretamente pelos danos causados pelo pródigo em atos que envolvam disposição patrimonial.

Se um pródigo causa um dano a outrem num ato que não envolva disposição patrimonial, para esse ato o prodigo é capaz e não há como se cogitar de responsabilidade civil indireta do curador.

Acidente de trânsito, por exemplo. O pródigo causa um dano a outrem num acidente de trânsito, qual é a tese defensiva do curador do pródigo? Não há responsabilidade civil indireta porque aquele dano foi causado por um ato do pródigo que não envolvia disposição patrimonial e, portanto não envolvia responsabilidade civil indireta.

Qual a remissão que eu já faria aí? Artigo 4º, IV combinado com o artigo 1782 para o artigo 932, II. Vamos lembrar o que? O pródigo é relativamente incapaz, mas só para os atos de disposição patrimonial e a responsabilidade civil indireta tem que ser interpretada à luz do artigo 1782.

Art. 4o do CC: São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

IV - os pródigos. Ver art. 1.782, CC e art. 932, II, CC

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Art. 1.782 do CC: A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração. Ver art. 4º, IV, CC e art. 932, II, CC

Art. 932 do CC: São também responsáveis pela reparação civil:

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; Ver art. 4º, IV, CC e art. 1.782, CC

Outra coisa importante é o seguinte: no Código de 16 a legitimidade para suscitar a incapacidade relativa do pródigo era apenas do cônjuge, do ascendente e do descendente. Então, se o pródigo não tivesse cônjuge, ascendente e descendente pouco importava para o ordenamento jurídico que ele dilapidasse todo o seu patrimônio. Quer dizer, o objetivo da prodigalidade, o objetivo da incapacidade relativa do pródigo era a proteção do patrimônio familiar, perspectiva patrimonialista.

A doutrina já vinha criticando, o CPC nos artigos 1177 e 1178 passou a atribuir legitimação ao MP para requerer a interdição do pródigo. O Código atual vem sintonia prevendo também legitimação ao MP no artigo 1767, V, artigo 1768 e artigo 1769.

Art. 1.177 do CPC: A interdição pode ser promovida:

III - pelo órgão do Ministério Público.

Art. 1.178 do CPC: O órgão do Ministério Público só requererá a interdição:

I - no caso de anomalia psíquica;

II - se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas no artigo antecedente, ns. I e II;

III - se, existindo, forem menores ou incapazes.

Art. 1.767 do CC: Estão sujeitos a curatela:

V - os pródigos.

Art. 1.768 do CC: A interdição deve ser promovida:

I - pelos pais ou tutores;

II - pelo cônjuge, ou por qualquer parente;

III - pelo Ministério Público.

Art. 1.769 do CC: O Ministério Público só promoverá interdição:

I - em caso de doença mental grave;

II - se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos incisos I e II do artigo antecedente;

III - se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas no inciso antecedente.

O que se pode afirmar aqui com clareza? Que essa legitimação atribuída ao MP vem em harmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana porque, na verdade, é insuficiente nós afirmarmos que o objetivo da incapacidade relativa do pródigo é proteção apenas do patrimônio. A luz da dignidade humana o objetivo é a proteção da pessoa do pródigo.

Por último, só ressaltar aí, em relação à incapacidade relativa, §único do artigo 4º que é o seguinte: o Código anterior dizia que o silvícola era relativamente incapaz.

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Art. 4º, §único do CC: A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.

O §único do artigo4º do código civil diz o seguinte: a capacidade dos índios será regulada por regulação especial. Quer dizer, remeteu para a legislação especial e, ao invés de usar a expressão silvícola, usou a expressão índio.

Muitos afirmam que a mudança na expressão foi extremamente infeliz porque o silvícola é o indivíduo nascido e criado na selva e talvez por isso padeça de falta de discernimento. Índio é raça, o sujeito pode ser um índio nascido e criado em Ipanema. Então na verdade essa mudança na expressão parece colidir com a própria idéia de isonomia material, “tratar desigualmente os desiguais”

E o Código remete para a legislação especial. Essa lei especial é a lei 6001/73. Basicamente, a lei prevê que o negócio praticado entre um índio não acautelado e um terceiro estranho a tribo é presumidamente nulo, salvo se demonstrar que o índio tinha efetivo discernimento.

O Carlos Roberto Gonçalves diz, e com toda razão, que na verdade o Código não trouxe nada de novo, porque o Código de 16 dizia que o silvícola era relativamente incapaz, só que a lei 6001/73 é lei posterior e, portanto a lei 6001/73 já havia revogado tacitamente o Código Civil quando definiu o silvícola como relativamente incapaz. O Código apenas se adaptou a uma revogação tácita que a lei 6001 já havia provocado.

Outra questão aqui é a seguinte: no Direito brasileiro se admite o benefício de restituição? Vamos ver primeiro o que é benefício de restituição para enfrentarmos a pergunta.

Pelo benefício de restituição, o incapaz pode suscitar a invalidade de um ato legitimamente praticado ou licitamente praticado com a simples alegação de prejuízo.

Qual seria a hipótese aí do benefício de restituição? Vamos supor que um garoto tenha praticado um ato devidamente assistido ou representado (alienou um imóvel), intervenção do MP, autorização judicial, quer dizer, o ato foi formal e materialmente devidamente praticado, preço de mercado a época era o preço justo, enfim tudo adequado.

Só que uma semana depois dessa alienação há o anúncio de uma obra faraônica na localidade e aquele imóvel que valia 100 e foi vendido a 100 na época passa a valer trezentos. Pelo benefício de restituição, o incapaz poderia suscitar a invalidade daquele ato com a simples alegação de prejuízo. Quer dizer, só se deve falar em benefício de restituição se o ato foi validamente praticado.

Antes do Código de 16, como nós sabemos, valiam aqui as Ordenações de Portugal e a época das Ordenações de Portugal se admitia o benefício de restituição.

O artigo 8º do Código de 16, explicitamente passou a refutar o benefício de restituição, só que o Código atual é omisso. E apesar da omissão do Código, os autores

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que enfrentam o tema, e não são todos obviamente, ressaltam que não se admite benefício de restituição no Direito brasileiro.

Art. 8o do CC: Na proteção que o Código Civil confere aos incapazes não se compreende o benefício de restituição.

Primeiro, por uma razão da tradicional segurança jurídica e aí talvez uma leitura mais atualizada, como nós vimos, princípio da confiança que é a proteção da legítima expectativa.

Sabe o que dá para aplicar aqui? Lembram da teoria da contradição com a própria conduta? É a chamada venire contra factum proprium. Está no Enunciado nº 362 do CJF.

Enunciado nº 362 do CJF: Art. 422: A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.

O que essa teoria a grosso modo busca limitar? Condutas contraditórias que venham a atingir uma legítima expectativa.

Além da legítima expectativa, a boa fé objetiva e até a venire aqui, não nos esqueçamos do artigo 2º, §3º da LICC: salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei reguladora perdido a vigência.

Art. 2º, § 3o da LICC: Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

É pela presunção de que não há efeito repristinatório no Direito brasileiro, quer dizer, o fato do Código ao qual ter revogado o Código 16 não restaura a vigência das Ordenações de Portugal.

Emancipação

Vamos tratar de emancipação. Artigo 5º, §único que traz as hipóteses de emancipação.

Art. 5º, §único do CC: Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Basicamente, a emancipação é o instituto que permite o atingimento da capacidade de fato antes do prazo ordinariamente previsto em lei, antes dos 18 anos.

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As hipóteses de emancipação estão lá no artigo 5º, §único e no inciso I 1ª parte o legislador traz a chamada emancipação voluntária que é aquela emancipação concedida pelos pais.

Ela é chamada de voluntária justamente porque essa emancipação tem natureza extrajudicial e o Código agora enfrenta uma questão (cuidado na prova objetiva) ele passa a exigir explicitamente no inciso I instrumento público. Havia uma divergência anteriormente e o inciso I explicitamente exige instrumento público.

Só para não precisarmos decorar, por que o Código atual passou a exigir explicitamente instrumento público quando toda a tendência do direito civil vem cada vez mais no sentido de flexibilizar a forma e, aqui, o Código acabou aumentando o rigor formal?

Essa exigência de instrumento público busca justamente compensar o caráter extrajudicial da emancipação, quer dizer, o objetivo é conferir o mínimo de segurança considerando o caráter de extrajudicialidade da emancipação

E aí, no caso de divergência entre pais, se admite o suprimento judicial. Artigo 1631, §único. E aí tem uma questão importante também que é a seguinte: nós vimos que os pais respondem indiretamente pelos atos dos filhos, artigo 932, I.

Art. 1.631 do CC: Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Art. 932 do CC: São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

Vejam bem, em tese, com a emancipação cessa o poder familiar e em cessando o poder familiar, em tese, não haveria mais a responsabilidade civil indireta, mas no nosso inciso I 1ª parte seria muito fácil para os pais, emancipação voluntária com o objetivo de se esquivar de eventual responsabilidade civil

Então, o entendimento já consolidado, isso está inclusive no Enunciado nº 41 do CJF, no sentido de que a emancipação voluntária não elide, não afasta a responsabilidade civil dos pais.

Enunciado nº 41 do CJF: Art. 928: A única hipótese em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil.

Vamos ver mais adiante que, em regra, a responsabilidade civil do incapaz passou a ser subsidiária, está no artigo 928 do Código Civil, ele prevê a responsabilidade civil subsidiária do incapaz.

Art. 928 do CC: O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Então, primeiro tem que buscar no patrimônio dos pais e se não achar bens no patrimônio dos pais aí sim vai para o patrimônio dos incapazes. Só que com a

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emancipação cessa a incapacidade e a premissa do artigo 928 é que quem responde subsidiariamente é o incapaz.

Se com a emancipação cessou a incapacidade, não mais se aplica o artigo 928 e aí o Enunciado nº 41 diz que com a emancipação voluntária haverá responsabilidade civil solidária entre o emancipado e os pais.

Pergunta do aluno.

Resposta: tem uma regrinha especial lá no artigo 934 que diz que a regra geral é de que o responsável indireto quando indeniza tem o direito de regresso contra o direto, a exceção é quando o responsável direto é um descendente seu. Então, excepcionalmente nós teríamos aqui um regime de solidariedade passiva em que não haveria um direito de regresso dos pais em relação ao filho.

Art. 934 do CC: Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Teria uma regra especial aqui que aniquilaria esse direito de regresso que era próprio do regime de solidariedade passiva como veremos mais adiante. Não haveria aquelas relações internas do regime de solidariedade passiva.

O Arnaldo Rizzardo defende aqui inclusive que essa mesma lógica da responsabilidade civil se aplicaria aos alimentos, quer dizer, a emancipação n ao excluiria por si só o dever de prestar alimentos.

Vamos nos lembrar que a emancipação, inclusive a voluntária, ela é irrevogável, uma das características da emancipação, inclusive a voluntária, é a irrevogabilidade. Só cuidado com o seguinte: a emancipação é irrevogável, mas ela pode ser anulada, são situações diferentes. Porque a idéia da irrevogabilidade diz respeito a que? Os pais não podem voltar atrás, ou seja, por ato discricionário dos pais não cabe o retorno ao status quo ante.

A anulação é cabível se for comprovada que aquela emancipação não atingia, não vinha em harmonia com os interesses do emancipado e aí essa hipótese seria de invalidação da emancipação.

O inciso I parte final prevê a emancipação judicial que é na hipótese de tutela. Aqui claro tem que ter intervenção do MP e a questão do curador especial porque há potencial conflito entre os interesses do tutor e do tutelado.

A tendência aqui é de que com a emancipação judicial cessa a responsabilidade civil do tutor. A uma, porque essa emancipação em caso de tutela pressupõe sentença. Então, há controle jurisdicional sobre a emancipação, ela não depende da mera iniciativa do tutor. E mais, a tutela é um múnus público, então a tendência é no sentido de não se tratar o tutor com tanto rigor quanto aos pais.

Os incisos II a V tratam de emancipação legal. Então, a doutrina sempre traz essa classificação: emancipação pode ser voluntária, judicial ou legal.

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A emancipação legal é um gênero que comporta aí as espécies dos incisos de II a V.

No inciso II o legislador prevê o casamento. Assim que vemos uma regra sobre casamento o que a gente logo se indaga: “se aplica a união estável?” Cuidado que normalmente quando enfrentamos essa questão o que a gente faz? A gente usa o artigo 226 da Constituição e equipara todo mundo. União estável também é modalidade de família... Só que aqui precisamos tomar certo cuidado. A posição prevalecente é no sentido de não se admitir a emancipação no caso união estável.

Não é unânime, mas é a posição majoritária. Não há unanimidade aqui. A uma, porque a união estável ela independe da autorização dos pais, diferentemente do ocorre no casamento. Quer dizer, a união estável é um ato não solene, não depende da autorização dos pais.

Quando se fala em emancipação, a gente tende a pensar em prêmio, o sujeito está emancipado, mas vamos perceber o seguinte: o intuito da incapacidade é proteção. E quando falamos de emancipação estamos falando da cessação dessa proteção. Então, tecnicamente essa emancipação representa o término dessa proteção que o ordenamento jurídico confere ao incapaz.

Então, em se tratando de término da proteção conferida aos incapazes o que a doutrina afirma aqui? Que o elenco do artigo 5º, §único envolve rol taxativo, numerus clausus.

Lembrando que numerus clausus, rol taxativo se contrapõe ao rol exemplificativo que seria numerus apertus.

Contra essa posição, o argumento é simples. Para entender que a união estável emancipa, o que vamos dizer? Por que o casamento emancipa? Porque é incompatível o sujeito constituir uma nova família e continuar submetido a ingerência dos pais. E se a união estável é uma nova modalidade de família, a Constituição assim prevê, essa mesma incompatibilidade ocorreria no caso da união estável.

O Paulo Nader até defende a possibilidade, por exemplo, dessa emancipação por união estável, mas o Paulo Nader defende que seria pressuposto a essa emancipação que haja na verdade uma sentença declaratória de união estável. A sentença declaratória de união estável seria pressuposto a emancipação, de acordo com a posição do Paulo Nader.

Outra questão importante aqui é a seguinte: idade mínima para casar 16 anos, artigo 1552.

Art. 1.552 do CC: A anulação do casamento dos menores de dezesseis anos será requerida:

I - pelo próprio cônjuge menor;

II - por seus representantes legais;

III - por seus ascendentes.

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Só que o Código admite o casamento por menores de 16 anos para evitar pena criminal ou gravidez, está no artigo 1521.

Art. 1.551 do CC: Não se anulará, por motivo de idade, o casamento de que resultou gravidez.

Essa questão da pena criminal parece ter sido revogada pelo Código Penal, porque não há aqui mais aquela excludente de inimputabilidade, mas subsiste a possibilidade do casamento antes dos 16 no caso de gravidez.

A dúvida é a seguinte: vamos supor que eles se casem aos 13 anos de idade por causa de gravidez. Estão emancipados aos 13 anos? A maioria da doutrina entende que sim, Silvio Rodrigues, Carlos Roberto Gonçalves, Pablo Stolze.

Quem tem interesse em área trabalhista, por exemplo, o livro do Pablo Stolze é muito interessante, porque o Pablo Stolze escreve em parceria com o Rodolfo Pamplona que é Juiz do Trabalho. Então, a grande peculiaridade dessa obra do Pablo Stolze é que há um inter facie entre Direito Civil e Direito do Trabalho.

Então, o argumento qual é? O Código autoriza a emancipação pelo casamento, está lá no artigo 5º, §único, II. Se a legislação específica admite casamento aos 13 haveria a causa de emancipação, quer dizer, o inciso II não restringe, diz apenas que o casamento emancipa e ponto final.

Contra essa posição: José Acir Lessa Giordani. Ele invoca como argumento aqui a redação do artigo 1560, §1º: extingue-se em 180 dias o direito de anular o casamento dos menores de 16 anos contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade, quer dizer, o prazo para anular o casamento pelo menor de 16 só começa a fluir quando ele atinge os 16, por quê? Porque o código entendeu que só a partir dos 16 ele tenha discernimento suficiente para isso.

Art. 1.560, § 1o do CC: Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade; e da data do casamento, para seus representantes legais ou ascendentes.

Aí o José Acir diz que haveria uma incompatibilidade, porque se ele não tem discernimento para provocar a própria anulação do casamento ele não pode ter discernimento para os atos em geral da vida civil. Em uma interpretação sistemática o José Acir discorda da posição majoritária.

Parece fazer sentido essa posição do José Acir.

O inciso III do artigo 5º, § único, traz uma regra em total desuso, prevê emancipação aqui pelo exercício de emprego público efetivo.

Aqui, além de estar em desuso, o Código parece ter usado mal a expressão porque emprego público estaria em tese atrelado a empresa pública e sociedade economia mista. Os próprios civilistas quando comentam a questão a maioria diz o seguinte: só para o caso de Administração Direta, autarquias e fundações que são pessoas jurídicas de direito público. Então, o Código uso mal, de maneira atécnica a expressão emprego público.

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Na verdade, toda essa divergência se aplica ou não a empresa pública e sociedade de economia mista, além de ter esvaziado a aplicação prática, parece ter caído totalmente por terra com a novidade trazida pelo inciso V do § único.

Essa novidade sim é importante, o inciso V passa a prever que a relação de emprego que propicia a economia própria passa a ser causa de emancipação.

Pergunta do aluno.

Resposta: em tese sim, tem até uma inter facie interessante que é a seguinte: economia própria, salário mínimo é economia própria? O garoto ganha um salário mínimo, será que ele emancipou? Pela Constituição sim.

Qual é a tendência aqui? A tendência é se afirmar que essa economia própria é deve ser interpretada de acordo com a situação sócio-econômica em que a pessoa se encontre inserida.

Talvez para um garoto carente, pobre, o salário mínimo represente economia própria e talvez para um garoto abastado, rico, o salário mínimo não represente economia própria.

Por isso, até o Pablo Stolze diz que dificilmente essa regra vai ser aplicada no caso de aprendiz e no caso de jornada a tempo parcial. Nessas hipóteses se admite a percepção de salário inferior ao mínimo legal, quer dizer, no caso de aprendiz, no caso de jornada a tempo parcial.

Só para fechar aqui, uma última questão que é a seguinte: o Pablo Stolze defende que se por ventura houver a emancipação pela relação de emprego deixam de ser aplicadas regras específicas de proteção aos incapazes da legislação trabalhista.

Por exemplo, o artigo 439 da CLT diz que o menor de 18 tem que estar devidamente assistido para lavratura lá do tempo de rescisão.

Art. 439 da CLT: É lícito ao menor firmar recibo pelo pagamento dos salários. Tratando-se, porém, de rescisão do contrato de trabalho, é vedado ao menor de 18 (dezoito) anos dar, sem assistência dos seus responsáveis legais, quitação ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida.

O Pablo Stolze diz que não faz nenhum sentido o sujeito ter sido emancipado pela própria relação de emprego e ter que ser assistido para a lavratura do termo de rescisão. Quer dizer que essa emancipação do Direito Civil projetaria para as relações de Direito de Trabalho.

Contra essa posição, a última polêmica de hoje, José Afonso Dallegrave Neto, extremamente influente na prova do MPT, já foi inclusive da Banca. Ele repudia essa afirmativa, primeiro pelo artigo 8º da CLT que diz que o Direito Civil tem aplicação meramente subsidiária no Direito do Trabalho.

Art. 8º, §único da CLT: O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

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Mais, essa interpretação colidiria com o princípio protetivo do Direito do Trabalho e invoca por último o princípio da especialidade. Quer dizer, pelo principio da especialidade a emancipação no âmbito do Direito Civil não necessariamente produz reflexos no Direito do Trabalho.

Fim da aula.

Data: 09/09/08

Aula 02

4. Direitos da Personalidade

Na aula passada paramos em emancipação. Vamos então retomar tratando dos direitos da personalidade, matéria agora disciplinada nos artigos 11 a 21 do Código Civil.

Vamos fazer uma análise de alguns aspectos gerais relevantes envolvendo o tema.

Antes de mais nada, uma definição básica de direitos da personalidade: conjunto de caracteres e atributos da pessoa humana que dizem respeito ao seu desenvolvimento físico e espiritual. Em outras palavras, os direitos da personalidade são aqueles direitos de natureza extrapatrimonial e, portanto insuscetíveis de mensuração econômica imediata.

Tentando minimamente sistematizar o tema, a doutrina em geral adota a chamada classificação tripartida dos direitos da personalidade.

Dentro dessa chamada classificação tripartida, a doutrina ressalta que os direitos da personalidade envolvem a integridade física e dentro da integridade física, como exemplos de direitos da personalidade, nós teríamos o direito a vida, a saúde e aos alimentos.

Além da integridade física, nós teríamos ainda a chamada integridade intelectual e dentro da integridade intelectual teríamos a liberdade de pensamento e os direitos morais do autor.

Teríamos ainda a chamada integridade moral e dentro da integridade moral teríamos a honra, o recato e a identidade pessoal.

Essa classificação norteia autores como Venosa, Arnaldo Rizzardo, Pablo Stolze, enfim um consenso doutrinário em torno dessa classificação.

Agora, apenas é preciso ressaltar, antes de mais nada, o seguinte: evidentemente que essa classificação não encerra o rol taxativo, obviamente estamos

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diante de um rol exemplificativo, ou seja, numerus apertus que se contrapõe a numerus clausus.

Por que o rol aí é meramente exemplificativo? Porque uma das grandes novidades do Código atual é a inserção de um capítulo próprio, específico, tratando dos direitos da personalidade.

Só que a doutrina é unânime na afirmativa de que esse rol é meramente exemplificativo. Pelo que vimos na primeira aula me parece claro que esse rol é meramente exemplificativo porque os direitos da personalidade têm como cláusula geral o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, nós temos inclusive o Enunciado 274, 1ª parte do Conselho da Justiça Federal que diz: os direitos da personalidade regulados de maneira não exaustiva pelo Código Civil são as expressões das causas gerais de tutela da pessoa humana contida no artigo 1º, III da Constituição.

Características Gerais

Primeira: os direitos da personalidade são vitalícios obviamente no sentido de que eles se projetam por toda a vida. Só que nesse ponto há uma peculiaridade, porque o primeiro efeito da morte é o término da personalidade jurídica e, com isso cessa aquela aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, ou seja, cessa a proteção do ordenamento jurídico.

Só que nós inclusive ressaltamos na aula passada que excepcionalmente se concebe a existência de proteção post mortem a alguns direitos da personalidade. Então, sem dúvida os direitos da personalidade são vitalícios como regra, mas em algumas situações é possível que venhamos nos deparar com a chamada proteção post mortem dos direitos da personalidade.

Quando se fala na proteção post mortem dos direitos da personalidade, a doutrina sempre traz como exemplos a questão do direito a imagem e os direitos morais do autor.

Nós veremos daqui a pouco que o Código atual inclusive contempla explicitamente essa proteção post mortem nos artigos 12, § único e 20, §único que tratam da legitimação para a proteção dos direitos da personalidade do falecido.

Art. 12, Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 20, Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Segunda: os direitos da personalidade são absolutos. Obviamente não por serem ilimitados, na verdade são absolutos por terem oponibilidade erga omnes. Lembrando que na verdade os direitos da personalidade representam um ambiente muito propício a aplicação da chamada técnica de ponderação de interesses.

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Nós temos, por exemplo, aspectos envolvendo intimidade X direito a informação, então direitos da personalidade representam um ambiente muito propício a técnica de ponderação de interesses.

Quando falamos em ponderação, nós estamos automaticamente excluindo o caráter ilimitado. Nesse sentido, Enunciado 274, parte final que diz: em caso de colisão entre direitos da personalidade como nenhum pode sobrelevar as demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

Outra característica: de acordo com o artigo 11, os direitos da personalidade são irrenunciáveis, sinônimo de indisponíveis.

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Desde que entrou em vigor o Código, a doutrina começou a refutar a literalidade do artigo 11 porque se os direitos da personalidade fossem efetivamente indisponíveis, efetivamente irrenunciáveis ninguém poderia posar nu, lutar boxe... Na verdade, o que a doutrina afirma é que os direitos da personalidade são relativamente indisponíveis.

Nesse sentido, Enunciados 04 e 139 do CJF. O Enunciado 04 diz: o exercício do direito da personalidade pode sofrer limitação voluntária desde que não seja permanente nem geral.

Enunciado 139 do CJF: Art. 11: Os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.

O que não se admite é a chamada renuncia a direitos da personalidade sem qualquer tipo de restrição e sem qualquer tipo de limitação temporal.

Então, por exemplo, o Flávio Tartuce trabalha bem com isso... O Flávio Tartuce ressalta, por exemplo, contrato vitalício de imagem o que acontece em relação a alguns atletas, quer dizer, a cessão vitalícia de imagem parece colidir com a indisponibilidade dos direitos da personalidade. Quer dizer, a qualquer momento o sujeito pode voltar atrás no que tange a cessão da imagem.

Contratos inclusive envolvendo a Globo com integrantes do Big Brother Brasil. Esses contratos normalmente afirmam que os integrantes renunciam por completo qualquer possibilidade de pleitear dano moral pela edição das imagens.

Claro que a simples edição da imagem não configura dano moral, mas a forma pela qual a edição possa vir a ser exteriorizada ao público pode sim configurar dano moral. Quer dizer, não se admite uma renúncia irrestrita aos direitos da personalidade, é isso que quer dizer o Enunciado 04 do CJF.

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Em relação a esse tema, talvez seja interessante a conexão com o artigo 852: é vedado o compromisso para a solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outros que não tenham caráter estritamente patrimonial.

Quer dizer, o artigo 852 veda o compromisso para a solução de questões envolvendo direitos da personalidade.

Outra característica: os direitos da personalidade são impenhoráveis.

Curioso lembrar que quando se fala na questão do bem de família legal, todos se lembram está na lei 8009/90, aquela questão do único imóvel residencial, enfim... Há uma forte tendência da jurisprudência do STJ em afirmar que se aplica a impenhorabilidade do bem de família ainda que o titular do imóvel nele não resida, exigência esta explicitamente prevista na lei 8009/90 que exige que haja residência no imóvel.

O STJ há muito vem superando a literalidade da lei 8009/90 e no último Informativo (informativo nº 365) há um julgado que basicamente afirma que se aplica a impenhorabilidade da lei 8009 ainda que o sujeito não resida no imóvel, porém, desde que demonstrado que o recurso obtido com o aluguel do bem é indispensável a sua subsistência.

PENHORA. BEM DE FAMÍLIA ÚNICO. LOCAÇÃO.

Faz jus aos benefícios da Lei n. 8.009/1990 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar, considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família. Precedentes citados: AgRg no Ag 385.692-RS, DJ 19/8/2002, e REsp 315.979-RJ, DJ 15/3/2004. REsp 243.285-RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 26/8/2008.

Na verdade, o que fundamenta a impenhorabilidade do bem de família legal é o princípio da dignidade da pessoa humana atrelado claro a questão do direito social a moradia.

Tem uma alteração recente aqui que vale a pena ressaltar no CPC. O artigo 649, X prevê que são absolutamente impenhoráveis até o limite de 40 salários mínimos a quantia depositada em caderneta de poupança. Quer dizer, a impenhorabilidade de até 40 salários mínimos em caderneta de poupança evidencia que a regra inspira no princípio da dignidade da pessoa humana.

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

Outra característica: os direitos da personalidade são imprescritíveis. Quando a doutrina ressalta a imprescritibilidade dos direitos da personalidade o que se afirma é que os direitos da personalidade podem ser exercidos a qualquer tempo.

Uma questão tormentosa é a seguinte: e os reflexos patrimoniais decorrentes dos direitos da personalidade? Será que esses reflexos patrimoniais se sujeitam a prescrição?

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A posição predominante é no sentido de que os reflexos patrimoniais dos direitos da personalidade prescrevem, tem até uma Súmula antiga do STF que sempre é trazida a colação sempre que se discute esse tema que é a Súmula 149 do STF que basicamente diz que é imprescritível a investigação de paternidade, mas não é a petição de herança.

Súmula nº 149, STF: É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.

A ação de investigação de paternidade é imprescritível por se tratar de um direito a identidade pessoal, direito de natureza extrapatrimonial, direito da personalidade. A herança seria um reflexo patrimonial decorrente de tal direito da personalidade.

Também, por isso, entendimento majoritaríssimo na doutrina e na jurisprudência no sentido de que prescreve a ação por dano moral, porque na verdade o dano moral seria um reflexo patrimonial oriundo da lesão ao direito a personalidade, como reflexo patrimonial se sujeita a prescrição.

Discordando especificamente da prescrição por dano moral, especificamente acerca do dano moral, há uma posição defendida por Gustavo Tepedino, ele discorda da prescritibilidade da reparação por dano moral.

O que o Tepedino defende é o seguinte: quando é que se inicia o prazo de prescrição em geral? Quando se consuma a lesão ao direito se inicia o prazo prescricional. Quer dizer, se eu tenho um crédito que vence no dia 05 no dia 06 se inicia o prazo prescricional caso o devedor não venha a cumprir a prestação. Então, o prazo prescricional se inicia a partir da lesão ao direito.

O que o Tepedino afirma é se nós estivermos diante de um direito patrimonial é muito simples se constatar o momento em que a lesão se consuma. Entretanto, defende o Tepedino, a lesão a dignidade dessa pessoa humana não se consuma em um único ato, que dizer, o que o Tepedino sustenta é que a lesão a dignidade humana ela se prolonga no tempo. E, portanto se a lesão a dignidade humana se protrai no tempo, se ela não se consuma, nós não teríamos a premissa necessária ao início do prazo prescricional. Por que a premissa necessária ao início do prazo prescricional qual é? A consumação da lesão ao direito.

Essa posição do Tepedino é minoritaríssima, mas cuidado porque o Tepedino é um autor muito prestigiado e está em algumas bancas examinadoras para quem pretende concurso público. Nem a Justiça do Trabalho adota esse entendimento, ela que é extremamente protetiva, o entendimento consolidado lá TST é de que a prescrição se dá em dois anos para reparação por dano moral.

Inclusive é discutível essa posição do TST porque eles usam prazo de dois anos invocando a emenda constitucional 45 que atraiu a competência para apreciar dano moral para a Justiça do Trabalho e os créditos trabalhistas tem prescrição total em dois anos.

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Na verdade, parece haver uma confusão entre a questão da competência e a natureza do direito envolvido, quer dizer, o fato da competência ter sido atraída para a Justiça do Trabalho não necessariamente significa dano moral é um crédito de natureza essencialmente trabalhista, um tema discutível.

Pergunta do aluno.

Resposta: a doutrina majoritária que defende a prescritibilidade, defende a aplicação do prazo de 03 anos do artigo 206, §3º, V. Isso valeria para o dano moral.

Art. 206, § 3o do CC: Em três anos:

V - a pretensão de reparação civil;

O que muitos discordam em relação a perspectiva até da Justiça Trabalhista é que na verdade o dano moral seria uma reparação civil cuja competência teria sido atraída para a Justiça do Trabalho, mas isso não alteraria a natureza do prazo.

Pergunta do aluno.

Resposta: dentro da ótica do Tepedino a situação não seria propriamente a mesma. Na verdade, nas obrigações de trato sucessivo a lesão ela vai se renovando a cada circunstancia em que há o vencimento da prestação. Quer dizer, a cada vencimento se consumaria uma nova lesão, mas a consumação da nova lesão não desnatura a consumação já ocorrida em relação a prestação anterior.

O que o Tepedino defende é que na verdade aquela única conduta não permitiria a consumação da lesão porque na obrigação de trato sucessivo nós temos a consumação da lesão, só que nós temos consumações sucessivas.

O que o Tepedino defende é que dentro da ótica do dano moral não haveria consumação da lesão, portanto não haveria sequer o início do prazo prescricional.

Contra essa posição, quer dizer, o que a maioria da doutrina afirma é o que? Os reflexos patrimoniais prescrevem. O Tepedino não desmente isso, ele apenas refuta a questão envolvendo dano moral.

A segunda corrente vai defender que os reflexos patrimoniais também são imprescritíveis.

Tem alguns julgados, vou colocar só os números de todos os recursos especiais, está certo? RESP 379414, 462840, 602237, 816209 que saiu inclusive no Informativo nº 316 do STJ.

Informativo nº 316 do STJ – Primeira Turma

PRESCRIÇÃO. AÇÃO. TORTURA. REGIME MILITAR.

Discutiu-se acerca da prescritibilidade da ação tendente a reparar a violação dos direitos humanos ou dos direitos fundamentais da pessoa humana (indenização lastreada no art. 8º, § 3º, do ADCT da CF/1988) causada pela prisão e tortura por delito de opinião durante o regime militar de exceção, se aplicável o prazo prescricional qüinqüenal do art. 1º do Dec. n. 20.910/1932, tal como entendeu o juízo singular. Quanto a isso, ao prosseguir o julgamento, a Turma, por maioria, firmou que a proteção da dignidade da pessoa humana (direito inato, universal, absoluto, inalienável e imprescritível, conforme a doutrina), como

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corroborado pelas cláusulas pétreas constitucionais, perdura enquanto subsistente a própria República Federativa, pois se cuida de seu fundamento, de um de seus pilares, e, como tal, não há que se falar em prescrição da pretensão tendente a implementá-la, quanto mais se a Constituição Federal não estipulou lapso prescricional ao direito de agir correspondente àquele direito à dignidade. Asseverou que o art. 14 da Lei n. 9.140/1995 previu ação condenatória correspondente a essas violações da dignidade humana durante o período de supressão das liberdades públicas, mas não previu prazo prescricional para o caso. Assim, concluiu que a lex specialis convive com a lex generalis, arredada a aplicação analógica do Código Civil ou do Decreto n. 20.910/1932 ao caso. Por fim, determinou o retorno dos autos à origem para que se dê prosseguimento ao feito, obstado pela decretação da prescrição. Precedentes citados do STF: HC 70.389-SP, DJ 10/8/2001; HC 80.031-RS, DJ 14/12/2001; do STJ: REsp 529.804-PR, DJ 24/5/2004; REsp 449.000-PE, DJ 3/6/2003, e REsp 379.414-PR, DJ 17/2/2003. REsp 816.209-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10/4/2007.

Essa segunda posição, que tem como um dos seus defensores o próprio Flávio Tartuce, invoca precisamente a questão da constitucionalização do direito civil. Quer dizer, apesar de estarmos diante de um crédito de natureza patrimonial, trata-se de um crédito de natureza patrimonial que decorre da violação a dignidade da pessoa humana.

Em havendo na origem a lesão à dignidade da pessoa humana, a segunda posição defende que esse crédito de natureza patrimonial merece uma tutela privilegiada e um dos mecanismos de tutela privilegiada se traduziria na imprescritibilidade. Posição minoritária.

Gerações de Direitos da Personalidade

Na verdade, os direitos da personalidade foram se constituindo, se sistematizando dentro dessas gerações, na verdade nós temos ondas de direito da personalidade, como diriam lá os processualistas.

A 1ª geração dos direitos da personalidade tinha a preocupação central de impor a obrigação de não fazer ao Estado e, dentro dessa 1ª geração que busca a imposição da obrigação de não fazer ao Estado, surgem questões como a integridade física e moral e a questão do sigilo de correspondência.

Na verdade, o que se constata é que nessa 1ª geração o objetivo primordial dos direitos da personalidade era estabelecer algum tipo de reação a Estados Totalitários, quer dizer, impor limites da atuação estatal em detrimento dos indivíduos.

A 2ª geração tinha como aspecto central a imposição de obrigações de fazer ao Estado, e aí vem a tona questões como direito a saúde, a educação e o acesso ao trabalho.

A 3ª geração prima basicamente pela qualidade de vida e aí, nesse ambiente da 3ª geração, surgem questões como proteção ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, artístico e cultural.

Na 4ª geração surgem as questões envolvendo os direitos das minorias que a professora Maria Celina sintetiza dizendo o seguinte: é o direito de ser diferente e aí

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vem a tona questões como proteção aos índios, homossexuais, aborto e assim por diante.

Há quem defenda aqui que, além dessas quatro gerações clássicas, tradicionais, nós teríamos uma nova geração envolvendo questões atinentes ao patrimônio genético e a intimidade virtual.

Quem defende essa posição é o Flávio Tartuce, inclusive sua obra especificamente sobre direitos da personalidade é bastante interessante e atual.

Essa questão do patrimônio genético traz uma série de desdobramentos extremamente delicados, por exemplo, com os avanços da medicina preventiva hoje é possível através de exames constatar a pré disposição para se adquirir determinadas doenças. Quer dizer, na verdade os direitos da personalidade, no sentido contemporâneo, acabam abrangendo a necessidade de proteção a essas informações.

Quer dizer, a proteção a essas informações acabam ingressando na nova perspectiva da privacidade por que a idéia tradicional da privacidade qual era? A idéia de recato, o direito de estar só, mas idéia de privacidade hoje acaba ganhando um novo contexto diante dos avanços tecnológicos.

Outra questão aqui importante, antes de entrarmos no Código especificamente, tem uma discussão na doutrina que é a seguinte: qual seria o fundamento na proteção dos direitos da personalidade? Em outras palavras, qual seria a fonte dos direitos da personalidade?

A posição amplamente dominante é no sentido de que os direitos da personalidade são inerentes a pessoa humana. Então, na verdade, a fonte dos direitos da personalidade seria os valores sociais, na verdade seria o jusnaturalismo, o próprio direito natural representaria a fonte por excelência dos direitos da personalidade. Quer dizer, dentro dessa perspectiva, os direitos da personalidade pré existem ao ordenamento jurídico, são pré-existentes ao ordenamento jurídico. Posição majoritária na doutrina.

A título de exemplo: Caio Mário, Pablo Stolze e Carlos Alberto Bittar que tem um livro específico sobre direitos da personalidade.

O que essa corrente defende é que não caberia ao Estado definir os direitos da personalidade, na verdade eles seriam pré-existentes ao ordenamento jurídico.

A segunda corrente é defendida pelo Christiano Chaves de Farias que escreve em parceria com o Nelson Rosenvald e é também defendida pelo Gustavo Tepedino.

A segunda corrente defende que a fonte dos direitos da personalidade é o ordenamento jurídico e defendem inclusive que a idéia de que os direitos da personalidade decorrem do ordenamento jurídico melhor propicia sua respectiva tutela, para uma melhor proteção dos direitos da personalidade.

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Essa segunda corrente afirma que o jusnaturalismo desenvolveu um papel importante historicamente, na verdade ele foi decisivo como instrumento de reação aos Estados totalitários. Quer dizer, num ambiente de Estados totalitários o ordenamento jurídico não reconhecia a existência de direitos da personalidade, o jusnaturalismo foi um importante instrumento de reação.

Só que no contexto atual, a idéia de que os direitos da personalidade decorrem do ordenamento jurídico estabelece uma melhor proteção até mesmo com o objetivo de se evitar eventuais abusos cometidos no passado com base em interesses aparentemente humanísticos.

A idéia de que os direitos da personalidade decorrem do ordenamento jurídico essencialmente afastaria a possibilidade de violação a direitos da personalidade com base em supostos interesses metaindividuais, com base em supostos direitos maiores.

Imaginem questões envolvendo experimentações científicas em seres humanos de maneira inconsentida, com o objetivo de supostamente melhor promoção da saúde pública. Quer dizer, se nós não estivermos com uma proteção dos direitos da personalidade fincada no ordenamento jurídico, o jusnaturalismo poderia fazer o que?

Poderia aniquilar os direitos da personalidade diante de um suposto interesse público maior. A Maria Celina afirma aqui o seguinte: um dos efeitos práticos do princípio da dignidade humana é permitir que em algumas situações o direito individual concernente ao caráter individual do indivíduo, concernente a um direito da personalidade se sobreponha ao interesse público.

Como argumento ainda, a segunda corrente diz o seguinte: como explicar então a existência dos chamados direitos morais do autor? Será que os direitos morais do autor decorrem do direito natural?

Não, decorrem do ordenamento jurídico, quer dizer, a simples concepção dos direitos morais do autor como direitos da personalidade evidenciam que o ordenamento jurídico é que é a fonte de tais direitos.

Questões envolvendo, por exemplo, penas corporais impostas em determinados países evidenciam que a proteção aos direitos da personalidade não decorrem do jusnaturalismo e sim do ordenamento jurídico.

Enfim, uma série de situações potencialmente fáticas, linchamentos socialmente aceitos, se deixarmos a proteção dos direitos da personalidade a luz do jusnaturalismo a tendência sem duvida alguma é no sentido de uma menor proteção a tais direitos.

E o grande risco, na verdade, qual seria de a gente entender que os direitos da personalidade decorrem do ordenamento jurídico?

O grande risco seria o engessamento da proteção aos direitos da personalidade, o engessamento por parte da atuação estatal. Poderia o legislador então restringir o alcance da proteção dos direitos a personalidade, esse seria o grande risco.

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Só que esse risco, no que diz respeito ao engessamento da proteção aos direitos da personalidade, é mitigado por quê? Mitigado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, quer dizer, na medida em que os direitos da personalidade decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana é incontroverso que uma das características dos direitos da personalidade é a atipicidade. Quer dizer, o princípio da dignidade da pessoa humana teria o condão de propiciar o alargamento da proteção dos direitos da personalidade dentro do ordenamento jurídico.

Vamos para o Código Civil, vamos ao artigo 12 diz: pode-se exigir que cesse a ameaça ou a lesão a direito da personalidade e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Quer dizer, a primeira parte prevê a tutela preventiva dos direitos da personalidade. Quando o Código afirma “pode-se exigir que cesse a ameaça ou a lesão”, tutela preventiva.

Em eventual prova dissertativa, numa sustentação num caso concreto, talvez seja interessante afirmar o seguinte: qual é a lógica tradicional da proteção dos direitos patrimoniais? A lógica tradicional dos direitos patrimoniais é a lógica da tutela repressiva, reparatória, é a lógica tradicional.

Numa perspectiva clássica, tradicional o sujeito tem que aguardar a consumação a lesão ao direito e uma vez consumada a lesão ao direito se vale do aparato estatal para reprimir, para reparar aquela lesão já consumada.

Há exceções e muitas, mas em regra se eu tenho um crédito que vence no dia 5, eu tenho que esperar o dia 5 para exigir a prestação correspondente.

Só que essa lógica da tutela repressiva, da tutela reparatória é insuficiente para a proteção da dignidade da proteção da pessoa humana.

Então, dentro daquela perspectiva que vimos na aula passada da constitucionalização do direito civil, da despatrimonialização do direito civil a prioridade do ordenamento jurídico se dá através da tutela preventiva dos direitos da personalidade, é interessante para o ordenamento jurídico que não haja sequer a lesão ao direito da personalidade, que não haja lesão a dignidade da pessoa humana.

Quer dizer, seria insatisfatório a luz do sistema que tivesse que se aguardar a violação ao direito da personalidade para que o ordenamento jurídico pudesse então reagir.

Sobre essa questão da tutela preventiva do direito da personalidade há o Enunciado 140 do CJF que ressalta que a essa tutela preventiva prevista aí na primeira parte do artigo 12 se aplicam os mecanismos do artigo 461 do CPC, aqueles de tutela específica.

Enunciado 12, CJF: Art. 12: A primeira parte do art. 12 do Código Civil refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo.

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Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

A parte final do artigo 12 prevê a tutela repressiva, ou seja, a tutela ressarcitória contemplando as perdas e danos.

O Christiano Chaves de Farias e o Nelson Rosenvald defendem que além da tutela preventiva e da tutela ressarcitória, nós teríamos ainda a tutela reintegratória.

A tutela reintegratória tem que objetivos? O retorno ao status quo ante. Como manifestações da tutela reintegratória nós teríamos o direito de resposta, a retratação pública e a divulgação na mídia de sentença condenatória proferida em face do agente causador do dano.

O parágrafo único do artigo 12 é aquele que prevê a questão da proteção post mortem e diz: em se tratando de morto terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente ou qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau.

Por razões obvias, em que pese o Código apenas se referir ao cônjuge, essa legitimação também se aplica ao companheiro, Enunciado 275 do CJF. Se quiserem pode combinar o Enunciado 275 CJF combinado com o artigo 226, §3º da Constituição (é o que prevê a união estável como uma espécie de família).

Enunciado 275, CJF: Arts. 12 e 20: O rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil também compreende o companheiro.

Art. 226, § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Surge uma questão aqui, porque o dispositivo explicitamente prevê a questão da proteção post mortem dos direitos da personalidade... Até porque, vale a pena já fazer a referência aqui, nós não podemos confundir o artigo 12, §único com o artigo 943 que diz: o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

No Informativo nº 307 do STJ, RESP 647562, o STJ claramente afirmou que o artigo 943 se aplica a reparação por dano moral.

DANOS MORAIS. CÔNJUGE SEPARADO DE FATO.

Na espécie, houve atropelamento e morte de vítima alcoolizada quando o ônibus da empresa, ora recorrente, fazia manobras em marcha-ré e, posteriormente, a autora, no curso da ação, veio falecer. A recorrente sustenta no recurso: a nulidade da sentença pela morte da autora; a intransmissibilidade da ação de danos morais aos herdeiros; a exclusão da responsabilidade porque houve culpa concorrente da vítima e a ilegitimidade do cônjuge separado de fato para pleitear danos morais. O Min. Relator, respondendo a essas colocações, destacou que este Superior Tribunal entende que, sobrevindo a morte da parte,

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concluída a instrução, não há óbice na prolação da sentença, podendo a suspensão do feito ser declarada após a prestação jurisdicional de primeira instância (art. 265, § 1º, b, do CPC). Ademais, se houvesse prejuízo, seria em desfavor da parte autora, não da ré (ora recorrente). Explicou, ainda, o Min. Relator que predomina neste Superior Tribunal o entendimento de que a ação de danos morais tem natureza patrimonial e, por isso, pode ser transmitida na herança. Destacou que os danos morais têm natureza personalíssima e se extinguem com a morte, mas o direito à indenização, ainda mais quando proposto pelo titular da ação enquanto vivo, transfere-se aos herdeiros e/ou sucessores, que possuem legitimidade para prosseguir com o feito. Outrossim, quanto à responsabilidade da vítima na morte - quando não caracterizada a exclusão por caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima ou ausência do nexo de causalidade -, a culpa concorrente da vítima não afasta por inteiro a responsabilidade, só pode ser considerada como fator de diminuição do valor da indenização. Para o Min. Relator, a recorrente só tem razão quanto à alegação de ilegitimidade do cônjuge separado de fato do de cujus para pleitear danos morais. Pois, ao se separarem, os cônjuges passam a habitar sob tetos diferentes, desligam-se, ficam distantes e o sofrimento pela perda daquele cônjuge não afeta o outro a ponto de justificar o ressarcimento por dano moral. Assim, diante da separação de fato incontroversa nos autos, a Turma deu parcial provimento ao recurso para afastar a indenização por danos morais. Precedentes citados: REsp 123.180-AM, DJ 23/8/1999; REsp 440.626-SP, DJ 19/12/2002; REsp 636.161-RS, DJ 7/3/2005, e REsp 254.418-RJ, DJ 11/6/2001. REsp 647.562-MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 7/12/2006.

Parece não haver dúvidas justamente pelo fato de que a reparação por dano moral nada mais representa do que um reflexo patrimonial. Só que a premissa do artigo 943 é que haja violação do direito da personalidade de alguém em vida e aí a obrigação de prestá-la ou o direito a reparação se transmite com a herança. É diferente da hipótese do artigo 12, §único em que ocorre a lesão do direito da personalidade de alguém já falecido.

Voltando para o artigo 12, §único, tem uma questão que é a seguinte: o Código elencou os legitimados para a proteção dos direitos da personalidade do falecido. Será que esses elencados do §único, eles agem na proteção do direito da personalidade do morto ou agem na proteção de um direito da personalidade próprio? Talvez os processualistas talvez resumissem... A legitimação é ordinária ou extraordinária? Talvez a indagação viesse nesses termos.

Há uma tendência muito forte da doutrina atual em dizer o seguinte: esse sujeitos previstos no §único do artigo 12 seriam chamados lesados indiretos. Essa expressão “lesados indiretos” é usada pelo Christiano Chaves e pelo Renan Lotufo.

Qual a idéia aqui da questão dos lesados indiretos? O Código elencou pessoas próximas ao falecido, a idéia de que essas pessoas mais próximas acabariam suportando um dano moral próprio ao presenciarem a violação da imagem ou do corpo do falecido.

Tem um exemplo concreto que não se encaixa muito bem aqui, mas a essência é a mesma: lembram da estudante vitimada por uma bala perdida numa universidade aqui no Rio de Janeiro? A sentença de primeiro grau condenou por dano moral a universidade não apenas em favor dela, vítima direta, mas em favor dos pais porque os pais ao presenciarem o sofrimento da filha acabariam suportando um dano moral próprio. Mesmo se não há aqui uma perspectiva de um dano moral reflexo, seria dano moral reflexo, indireto.

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Essa vem sendo a tendência da doutrina. N’ão só o Christiano Chaves e o Renan Lotufo que usam essa expressão “lesados indiretos, mas temos outros autores que adotam essa posição, por exemplo, Gustavo Tepedino, Silvio Venosa que defendem que na verdade o sujeito atua na proteção do direito da personalidade próprio.

Contra essa posição o que a gente afirma? Vamos afirmar que não há como se estranhar que haja direitos da personalidade do falecido porque na verdade se justifica a proteção post mortem do direito da personalidade por conta da dignidade da pessoa humana. Mas não é essa a tendência da doutrina.

Muito cuidado porque isso é fonte de pegadinhas. Nós não podemos interpretar esse artigo 12 divorciado do artigo 20, é preciso fazer uma interpretação aqui conjunta entre os artigos 12 e 20, pelo seguinte: o artigo 12 é regra geral e o artigo 20 é regra especial.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

O artigo 12 é regra geral porque o caput dele diz: pode-se exigir que cesse ameaça ou a lesão a direito da personalidade. É um exemplo claro das questões das cláusulas gerais, normas vagas, de maior abstração. O artigo 12 sem dúvida nenhuma é uma cláusula geral, fala genericamente em direitos da personalidade. Já o artigo 20 trata especificamente de alguns direitos da personalidade, basicamente o artigo 20 trata da imagem e dos direitos morais do autor.

Quando temos uma regra geral e uma especial, no que houver de compatibilidade, vamos projetar o que há na geral para a regra especial. Então, tudo que falamos de tutela preventiva, tutela reintegratória, tutela reparatória lá no artigo 12 se aplica no artigo 20. Agora, no que houver de incompatibilidade nós vamos aplicar o sistema da especialidade.

Muito cuidado porque a incompatibilidade aí ela se evidencia entre o parágrafo único do artigo 12 e o parágrafo único do artigo 20.

O §único do artigo 12 naquela hipótese de proteção post mortem contempla a legitimação para o cônjuge, qualquer parente em linha reta ou colateral até quarto grau. Já o §único do artigo 20 que também trata de proteção post mortem confere

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legitimação para o cônjuge, ascendentes ou descendentes. Ou seja, no § único do artigo 20 o legislador não contemplou a legitimação a favor dos colaterais.

Então, na verdade o cuidado aqui é verificar se estamos diante de um direito da personalidade especificamente tratado no artigo 20, se estivermos a proteção post mortem vai seguir a lógica do § único do artigo 20, portanto colateral não terá legitimação.

Se estivermos diante de um direito da personalidade não elencado no artigo 20 vamos aplicar o § único do artigo 12 e o colateral entra na legitimação.

Nesse sentido, o Enunciado 05 do CJF, ele na verdade é uma síntese do que acabamos de ver. Diz ele: as disposições do artigo 12 têm caráter geral e aplicam-se inclusive as situações previstas no artigo 20, excepcionados os casos expressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabelecidas. As disposições do artigo 20 têm a finalidade especifica de regrar a proteção dos bens personalíssimos nas situações nele enumeradas, com exceção dos casos expressos de legitimação que se conforme com a tipificação preconizada nessa norma, à ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídas no artigo 12.

Enunciado 05, CJF: Arts. 12 e 20: 1) As disposições do art. 12 têm caráter geral e aplicam-se, inclusive, às situações previstas no art. 20, excepcionados os casos expressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabelecidas; 2) as disposições do art. 20 do novo Código Civil têm a finalidade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nas situações nele enumeradas. Com exceção dos casos expressos de legitimação que se conformem com a tipificação preconizada nessa norma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras instituídas no art. 12.

O Caio Mário defende que nessas hipóteses § único do artigo 12 e do artigo 20, no caso de proteção post mortem para a tutela preventiva aos direitos da personalidade, para a tutela específica nós teríamos aqui uma legitimação concorrente. Qualquer um desses legitimados, o cônjuge, ascendente, descendente, o colateral no caso do artigo 12, qualquer um deles pode exercer a tutela preventiva, tutela inibitória.

Já na tutela ressarcitória, tutela reparatória, sustenta o Caio Mário, deve ser exercida de acordo com a vocação hereditária. Quer dizer, a tutela preventiva pode e na verdade deve ser exercida por qualquer deles por conta da melhor promoção da dignidade da pessoa humana.

Vamos para o artigo 13, porque ele comporta uma discussão importante.

Artigo 13: salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes.

O artigo 13 trata da questão da disposição sobre o próprio corpo e aí ele impõe claramente como limites a disposição sobre o próprio corpo a questão da diminuição permanente da integridade física e os bons costumes.

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Isso nos conduz a que questão? A questão da cirurgia de transgenitalização (mudança de sexo).

Numa posição talvez mais conservadora é possível afirmar que o artigo 13 proíbe a cirurgia. Quer dizer, a cirurgia gera a diminuição permanente da integridade física com a retirada do órgão genital masculino e a cirurgia contrariaria os bons costumes. Essa posição é adotada pelo Carlos Roberto Gonçalves.

Não é essa a posição predominante, inclusive em sede jurisprudencial a posição predominante é no sentido contrário, no sentido oposto, no sentido de se admitir a cirurgia. A cirurgia não abalaria a integridade física, ela não geraria uma diminuição permanente da integridade física. Na verdade, a cirurgia melhor propiciaria a adequação da sexualidade física à sexualidade psíquica.

Pergunta do aluno.

Resposta: essa adequação da sexualidade física à sexualidade psíquica vem em harmonia com o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, quer dizer, seria uma forma de melhor promoção da dignidade da pessoa humana.

O artigo 13 não permite a disposição quando importar diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes, mas vejam a parte inicial do artigo 13: “salvo por exigência médica”. Quer dizer, nós temos como limite a integridade física e os bons costumes, mas num plano hierarquicamente superior à integridade física e os bons costumes, nós temos a exigência médica, a finalidade terapêutica.

Há inclusive a cerca da cirurgia a Resolução 1682/2002 do Conselho Federal de Medicina que prevê uma série de procedimentos prévios, necessários a realização da cirurgia, uma série de exames, de procedimentos. Esses procedimentos previamente exigidos buscam justamente aferir a existência de necessidade terapêutica.

Sobre o tema nos temos os Enunciados 06 e 276 do CJF.

O Enunciado 06 diz: a expressão exigência médica contida no artigo 13 refere-se tanto ao bem estar físico quanto ao bem estar psíquico do disponente. Quer dizer quando o Enunciado 13 fala em bem estar psíquico, já abre espaço para argumentação em sentido contrário.

De maneira direta temos o Enunciado 276 o qual diz: o artigo 13 do Código Civil ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica autoriza as cirurgias de transgenitalização em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina e a conseqüente alteração do prenome, do sexo no registro civil.

Há várias decisões, inclusive no âmbito da Justiça federal, determinando a inclusão da cirurgia no SUS e há procedimento recente no Ministério da Saúde determinando a inclusão de tais cirurgias dentro do âmbito do SUS.

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Na verdade, este artigo traz outras questões que não encontram solução firme, fatos novos, por exemplo: a questão da medicina preventiva que tem como aferir a predisposição genética para determinadas doenças.

Saiu há algum tempo reportagem em revista especializada afirmando que algumas pessoas estariam se mutilando através de procedimentos médicos diante da constatação dessa pré disposição genética.

Quer dizer, a mulher constata que tem uma pré disposição a câncer de mama e diante da simples pré disposição a mulher acaba suscitando e pleiteando a possibilidade de retirada da mama.

Esse tema é extremamente discutível. Em que medida a mera pré disposição autorizaria a automutilação? A tendência no cenário contemporâneo seja no sentido da inadmissibilidade.

Tem uma outra questão, não sei se já ouviram falar, a questão dos wannabes. São as pessoas que tem compulsão para automutilação, as pessoas têm a compulsão de retirar partes do seu corpo, quer dizer, sem dúvida há um tipo de patologia psíquica em relação aos wannabes.

Mas diante da incerteza em relação a tratamento e a cura, a tendência é no sentido de não se admitir a automutilação em tais circunstancias.

Esses exemplos são interessantes? Não estamos em busca de uma solução padrão para todas as hipóteses. Mas esses exemplos evidenciam que o consentimento, o papel do consentimento, varia bastante dentro da ótica do biodireito. Quer dizer, a questão do consentimento ela não recebe o tratamento uniforme dentro da perspectiva do direito contemporâneo.

Pergunta do aluno.

Resposta: há ainda vários autores que defendem a impossibilidade da mudança do nome, temos vários autores que defendem isso. Porque o enunciado 276 ele prevê a alteração do prenome e do sexo no registro civil, não é isso? Na verdade são dois aspectos, não apenas a mudança do prenome, como a questão da mudança no sexo.

Na verdade, muitos afirmam que seria injustificável a mudança do sexo porque na verdade a cirurgia gera apenas uma transformação na aparência, mas não há na verdade uma transformação biológica. Quer dizer, o sujeito não passa a ter os aspectos internos... Não há possibilidade de procriação e assim sucessivamente.

Essa perspectiva vem sendo superada justamente por conta do princípio da dignidade da pessoa humana. O princípio da dignidade da pessoa humana em determinadas circunstancias pode dar prevalência a sexualidade psíquica em detrimento da própria sexualidade física. Claro que desde contatados os requisitos previstos pelo Conselho Federal de Medicina.

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E a questão da mudança do prenome sem dúvida guarda alguns aspectos delicados notadamente no que diz respeito a proteção de eventuais expectativas de terceiros.

A questão não é regulamentada no direito brasileiro, mas em alguns países, por exemplo, na Alemanha e na Suécia se proíbe a redesignação sexual e a mudança do nome se o sujeito é casado ou tem filhos, porque na verdade a existência de filhos ou a existência do casamento seria incompatível com a própria mudança do prenome e do sexo.

A questão não é sistematizada no direito brasileiro, mas talvez seja interessante que antes da alteração do prenome e do sexo sejam realizadas algumas pesquisas inclusive em relação a sistema de proteção de crédito, enfim a diversos aspectos que possam envolver a expectativa de terceiros. Talvez seja uma maneira de conciliar a dignidade da pessoa humana com eventual expectativa de terceiros que inclusive é resguardado pelo princípio da confiança. Mas a questão sem dúvida padece de uma esquematização mais pormenorizada.

Pergunta do aluno.

Resposta: vamos ver no artigo 15 porque a questão acaba se aproximando do artigo 15.

Vamos dar uma olhada no artigo 14. Sem dúvida é uma questão importante também.

O artigo 14 trata da disposição do corpo post mortem e o artigo 14 diz: é valida com o objetivo científico ou altruístico a disposição gratuita do próprio corpo no todo ou em parte para depois da morte.

A questão do objetivo científico está atrelada a questões de escolas de medicina principalmente. A questão da disposição com finalidade científica para escolas de medicina é sistematizada pela lei 8501/92. Finalidade altruística diz respeito à doação de órgão e tecidos do corpo humano e tem regra especial para isso que é a lei 9434/97.

E aí surge uma questão importante que é a seguinte: a redação atual do artigo 4º dessa lei do transplante diz que a decisão sobre doar ou não os órgãos do falecido compete aos familiares.

Art. 4o A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

Esse artigo foi objeto de modificações. Há algum tempo a regra dizia que a presunção era de que todos seriam doadores, tamanha foram as críticas que houve alteração e agora a regra prevê que a decisão compete aos familiares.

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Só que o artigo 14 do Código Civil, lei posterior, diz que o próprio indivíduo pode dispor de seu corpo post mortem. Será que o Código Civil, lei posterior, revogou a lei do transplante? Não, o que a doutrina vem afirmando é a necessidade de uma interpretação sistemática entre os dispositivos.

E numa interpretação sistemática o que se afirma? Que a decisão compete aos familiares, como diz a lei de transplantes, no caso de silencio (em vida) do doador.

Quer dizer, a vontade manifestada pelo doador em vida prevalece sobre a dos familiares. Nesse sentido, o Enunciado 277 do Conselho, tendo os autores como o Venosa e Tepedino nesse sentido.

Enunciado 277, CJF: Art. 14: O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4º da Lei n. 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador.

Essa foi uma das questões específicas da prova PGE de direito civil.

Pergunta do aluno.

Resposta: é extremamente discutida a possibilidade de suprimento judicial no caso de discordância porque na verdade essa manifestação ela parece ter um caráter eminentemente personalíssimo, dizer respeito a questões existenciais, talvez seja discutível que Estado-Juiz possam suprir a manifestação de vontade. Parece haver uma possível incompatibilidade entre essa manifestação de vontade e eventual suprimento.

Só para ressaltar, essa vontade do doador em vida ela pode se dar, afirma a doutrina, tanto por testamento quanto por qualquer documento idôneo. E mesmo que essa vontade não tenha se manifestado por testamento, é da essência dessa manifestação de vontade a revogabilidade, porque estamos tratando de um direito da personalidade.

Intervalo...

Data: 09/09/08

Aula 02 – 2ª Parte

Vamos dar uma olhada no artigo 15. Diz o artigo 15: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida a tratamento médico ou intervenção cirúrgica”.

Quando entrou em vigor o Código, talvez numa primeira leitura apressada, alguns afirmavam que o artigo 15 se encaixaria naquela questão envolvendo transfusão sanguínea por Testemunha de Jeová que por convicção religiosa se negam a transfusão sanguínea e a dúvida é em que medida essa recusa pode ser ou não refutada judicialmente.

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Só que o artigo 15 diz que ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida a tratamento médico ou intervenção cirúrgica. Na verdade, a mera transfusão sanguínea, por si só, não implica em risco de vida e em não implicando a mera transfusão sanguínea em risco de vida, a questão não seria dirimida especificamente pelo artigo 15.

Nós temos aqui, nesse caso específico, mais uma vez a questão da ponderação de interesses envolvendo direitos da personalidade. Porque nós temos a questão da liberdade religiosa, que é um direito da personalidade, consagrado constitucionalmente versus o direito a vida, também resguardado em sede constitucional.

A tendência, não só na doutrina como na jurisprudência, é no sentido de se entender que o direito a vida há de preponderar em detrimento da convicção religiosa.

Existe a Resolução 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina e, ainda, a Resolução 136/99 do CREMERJ. Tais resoluções afirmam que se indispensável a preservação da vida, se não houver um meio alternativo e se for realmente constatada a necessidade da transfusão sanguínea para a preservação da vida, há de se proceder a dita transfusão.

Discordando dessa opinião nós temos o Christiano Chaves de Farias e o Nelson Rosenvald que afirmam que não haveria razão de ser porque o direito a vida sempre preponderá em detrimento da convicção religiosa. Posição minoritária.

Aqui é preciso tomar cuidado com o seguinte: o artigo 15 impõe o consentimento do paciente para que ele possa se submeter a tratamento médico ou intervenção cirúrgica que implique risco de vida.

Aqui, apenas ressaltar algo que vamos ver mais adiante, mas é preciso desde logo afirmar que numa perspectiva contemporânea esse consentimento há de ser necessariamente o chamado consentimento informado.

A idéia do consentimento informado está atrelada ao princípio da boa fé objetiva, quer dizer, que o paciente seja previamente informado em linguagem atécnica, linguagem clara, linguagem precisa sobre os riscos a que se submete.

Inclusive, essa questão do dever de informação vem ganhando cada vez mais repercussão... Na penúltima prova da PGE, na penúltima prova específica caiu uma questão elaborada pelo Tepedino. Uma atriz famosa fez uma cirurgia plástica estética e ficou horrorosa com a cirurgia. Ela ingressou com uma ação de responsabilidade civil em face do médico. O médico provou por A+B que não houve falha no procedimento, que aquela é uma variante do corpo humano, de cada 100 cirurgias 01 pode trazer aquele resultado. Indagava-se qual seria o resultado da questão.

Claro que vários aspectos envolvem a matéria, aquela dicotomia de meio e de resultado, mas o ponto central aqui qual era? O ponto central era: pode não ter havido falha no procedimento, mas houve inobservância do dever de informação e a inobservância do dever de informação propicia a configuração de responsabilidade civil.

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Quer dizer, o ponto central envolvia a questão da observância do dever anexo de informação.

Então, sempre que se fala hoje em consentimento, como diz o Código, a idéia é a do consentimento necessariamente informado a luz da boa fé objetiva.

Para não esquecermos disso, é bom fazer uma conexão entre o artigo 15 e o artigo 422 que trata de boa fé objetiva.

Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Ver artigo 422 do CC

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Olha que questão tormentosa: vamos supor que o paciente seja um absolutamente incapaz, um garoto de 14 anos. Em tese, a manifestação de vontade do absolutamente incapaz ela é desimportante, não é isso? O que vale é a vontade do representante porque o representado não tem discernimento, portanto a vontade do representado é desimportante.

Vejam que e lógica da representação ela se encaixa muito bem na perspectiva dos direitos patrimoniais, mas ela não se mostra suficiente para a lógica dos direitos extra-patrimoniais.

Quer dizer, em que medida cabe ao representante emitir a vontade em nome do representado em relação aos riscos envolvendo a vida do representado? Quer dizer, em que medida o representante tem disponibilidade sobre os interesses de natureza existencial do representado?

Porque vejam, se para a disposição, para a alienação de um imóvel o representante tem que ter a autorização judicial com mais razão há de haver algum tipo de controle em relação a disponibilidade sobre interesses de natureza existencial.

Aqui talvez nós tenhamos um ambiente propício a aplicação daquele Enunciado 138 que vimos na aula passada que diz que a vontade dos menores de 16 anos pode ser levada em consideração para concretização de situações existenciais a eles concernentes. Desde que haja discernimento mínimo, sem dúvida alguma, numa situação como essa a vontade do representado há de ser levada em consideração.

Enunciado 138, CJF: Art. 3º: A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3o, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto.

A doutrina mais especializada costuma afirmar que o Código Civil nasceu um pouco ultrapassado porque na sistemática da representação e da assistência o Código molda esses institutos a luz de uma ótica patrimonialista, mas o Código não trata parâmetros em relação a representação e a assistência envolvendo situações de natureza existencial, de natureza extra-patrimonial.

Pergunta do aluno.

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Resposta: tem sistemática específica na Lei 9.434 sobre o tema. Por exemplo, só se admite a doação de órgãos dos incapazes no caso de medula óssea desde que haja autorização judicial. Salvo engano é o artigo 9º da Lei 9434/97, tem regra específica.

Art. 9o É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4o deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23.3.2001)

Nome

Nos artigos 16 a 19 tratam da questão do direito ao nome, finalmente ficou claro aqui no Código que o nome representa um direito da personalidade.

Havia uma divergência, alguns afirmavam que o nome seria um direito de propriedade. Essa afirmativa caiu por terra diante de algumas características inerentes a propriedade que são incompatíveis com o direito ao nome. Por exemplo, a propriedade é alienável, a propriedade pode ser usucapida, portanto incompatíveis os institutos.

No momento anterior também se afirmou, em relação a natureza jurídica do nome, que o nome seria uma instituição de polícia. Essa afirmativa chegou a ser predominante em épocas de Estados totalitários, quer dizer, o objetivo primordial do nome era a identificação do indivíduo perante o Estado. Fazia sentido em outro contexto, em um contexto de Estados totalitários.

Quer dizer, o Código notadamente se filia aí a terceira posição que defende que o nome é direito da personalidade.

Lembra daquela questão da mudança do sobrenome no caso de separação judicial, caso de divórcio? A questão está no artigo 1578: o cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar: inciso I, prejuízo a identificação, inciso II: manifesta distinção entre o seu nome de família e os dos filhos havidos na união dissolvida e inciso III: dano grave reconhecido na decisão judicial.

Quer dizer, em tese o 1578 permite alteração do sobrenome do cônjuge culpado ainda que contra a sua vontade. O que hoje se discute é seguinte: em sendo o nome um direito da personalidade, em que medida a sistemática literal do artigo 1578 se adéqua a essa nova perspectiva? Em que medida a culpa na separação judicial seria suficiente para o aniquilamento de um direito da personalidade?

Muitos discordam da lateralidade do artigo 1578 e afirmam que em sendo o nome um direito da personalidade não é cabível a sua alteração sem o consentimento do seu titular, independentemente do elemento culpa. Seria na verdade uma reinterpretação a esse dispositivo a ser exercido em harmonia com a dignidade da pessoa humana.

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Nessa esteira, vamos lembrar algumas hipóteses em que se admite a alteração do prenome, porque uma das características básicas do prenome é a imutabilidade. A regra geral é a imutabilidade, mas nós temos exceções.

Vamos lembrar:

Artigo 55,§ único da Lei 6015/73 que é quando o prenome expõe ao ridículo.

Art. 55, § único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.

Na mesma lei de registros públicos, artigo 56 que prevê que até 01 ano após o atingimento da maioridade é possível a alteração do prenome.

Art. 56. O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa. (Renumerado do art. 57, pela Lei nº 6.216, de 1975).

Há ainda o artigo 58, §único da mesma lei. Está dentro da política do programa de proteção a testemunhas. Então, na política de proteção a testemunhas é possível a alteração do prenome.

Art. 58, § único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 9.807, de 1999)

Erro de grafia, adoção: artigo 1627 do Código Civil e artigo 47, §5º do ECA. O erro de grafia não em previsão legal.

Art. 1.627. A decisão confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado.

Art. 47, § 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do prenome.

Há ainda a questão dos apelidos públicos, a inserção de apelidos públicos, artigo 58. Pelé, Xuxa, Garotinho são diversos exemplos práticos em que houve a inserção de apelidos públicos.

Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. (Redação dada pela Lei nº 9.708, de 1998)

Tem até uma previsão de alteração de prenome naquele Estatuto do Estrangeiro, estão lembrados? Artigos 30 e 43 da Lei 6815/81.

Art. 30. O estrangeiro admitido na condição de permanente, de temporário (incisos I e de IV a VI do art. 13) ou de asilado é obrigado a registrar-se no Ministério da Justiça, dentro dos trinta dias seguintes à entrada ou à concessão do

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asilo, e a identificar-se pelo sistema datiloscópico, observadas as disposições regulamentares. (Redação dada pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

Art. 43. O nome do estrangeiro, constante do registro (art. 30), poderá ser alterado: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

I - se estiver comprovadamente errado;

II - se tiver sentido pejorativo ou expuser o titular ao ridículo; ou

III - se for de pronunciação e compreensão difíceis e puder ser traduzido ou adaptado à prosódia da língua portuguesa.

O que há de interessante e de novo é o seguinte: a doutrina sempre afirmou que essas possibilidades da alteração de prenome são situações excepcionalíssima, merecendo sempre interpretação restritiva.

Só que modernamente, há algumas decisões judiciais permitindo a alteração do prenome por razões meramente existenciais ainda que fora das hipóteses legais. Tem um julgado do STJ, RESP 220059, RESP 439636 e RESP 538187.

Resp 220059 / SPRECURSO ESPECIAL1999/0055273-3 NOME. Alteração. Patronímico do padrasto.

O nome pode ser alterado mesmo depois de esgotado o prazo de um ano, contado da maioridade, desde que presente razão suficiente para excepcionar a regra temporal prevista no art. 56 da Lei 6.015/73, assim reconhecido em sentença (art. 57). Caracteriza essa hipótese o fato de a pessoa ter sido criada desde tenra idade pelo padrasto, querendo por isso se apresentar com o mesmo nome usado pela mãe e pelo marido dela. Recurso não conhecido.

Resp 439636 / SP

RECURSO ESPECIAL

2002/0064690-4

REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO PRETENDIDA MEDIANTE SUPRESSÃO DOSPATRONÍMICOS. INVIABILIDADE. - Após o decurso do primeiro ano da maioridade, só se admitem modificações do nome em caráter excepcional e mediante comprovação de justo motivo, circunstâncias não configuradas no caso. Recurso especial não conhecido.

Resp 538187 / RJ

RECURSO ESPECIAL 2003/0049906-9

Civil. Recurso especial. Retificação de registro civil. Alteração do prenome. Presença de motivos bastantes. Possibilidade. Peculiaridades do caso concreto. - Admite-se a alteração do nome civil após o decurso do prazo de um ano, contado da maioridade civil, somente por exceção e motivadamente, nos termos do art. 57, caput, da Lei 6.015/73. Recurso especial conhecido e provido.

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Nesse primeiro, RESP 220059, foi uma hipótese de um sujeito que foi criado pela mãe e pelo padrasto e a mãe e o padrasto sempre utilizaram um prenome distinto daquele constante do registro.

Quer dizer, o uso prolongado e continuado de um prenome diverso daquele constante do registro teria propiciado àquele indivíduo a expectativa da alteração do prenome mesmo após o prazo de 01 ano tão logo atinja a maioridade por conta de razões existenciais.

A própria Maria Helena Diniz defende que o uso prolongado e continuado de prenome diverso propicia a possibilidade de alteração do prenome ainda que fora das hipóteses legais.

Veja se não parece com surrectio envolvendo o direito ao nome? Qual a idéia básica da surrectio? É uma atitude continuada que gera uma legítima expectativa em favor de outrem, é uma decorrência da boa fé objetiva, é a idéia da surrectio. Vamos ver isso com calma mais adiante, mas a conexão aqui acaba sendo inevitável. É uma conduta reiterada que acaba gerando uma legítima expectativa. A grosso modo é isso.

Um exemplo de surrectio, exemplo típico da Claudia Lima Marques: vamos supor que um plano de saúde venha concedendo home care, atendimento domiciliar, sem previsão contratual há 04 anos.

A Cláudia Lima Marques defende que depois de conceder home care durante 04 anos sem previsão contratual a seguradora não tem como tirar mais porque aplicado seria o que? O fenômeno da surrectio, aquela conduta pró-ativa modificando aquilo que havia sido originariamente acordado. Quer dizer, esse entendimento doutrinário e adotado pela jurisprudência do STJ acabou projetando a surrectio para a proteção dos direitos da personalidade.

Pergunta do aluno: a surrectio fora dos direitos patrimoniais é exceção ou ocorre normalmente?

Resposta: não só a surrectio, mas como supressio, a venire e a tu quoque elas não se aplicam em detrimento de interesse público.

Então, talvez seja admissível a aplicação desses institutos para proteção dos direito da personalidade, mas talvez não seja possível em detrimento dos direitos da personalidade. Quer dizer, não dá para se falar em supressio, por exemplo, em relação à questão do nome, da imagem... Aquela questão da cessão vitalícia do direito a imagem. Não vamos falar em supressio, em inércia prolongada gerando a perda da expectativa de voltar atrás, porque nós aplicaríamos a supressio em detrimento do direito da personalidade, não podemos aplicar o instituto em detrimento do interesse público.

Vamos ver isso com calma mais adiante.

Pergunta do aluno.

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Resposta: é bastante pacífica, claro que erros bem evidentes de grafia, porque na verdade a questão do erro de grafia estaria atrelada mera a ratificação, não seria uma alteração, uma modificação, seria uma mera retificação e que estaria vinculada a idéia da dignidade da pessoa humana.

Pergunta do aluno.

Resposta: o Código Civil atual lá na regras atinentes ao direito de família prevê apenas a possibilidade de inserção do nome da outra parte. O Código prevê agora a possibilidade de inserção tanto por parte do homem quanto por parte da mulher. Enfim, a luz da Constituição esse entendimento já deveria ser adotado muito antes desse Código atual.

Então, na verdade a previsão legislativa é no sentido de permitir a inserção e não propriamente a supressão principalmente em se tratando de prenome. A não ser que haja eventual situação de natureza existencial. Dentro dessa perspectiva da dignidade da pessoa humana, o rol de possibilidades de alteração acaba sendo um rol meramente exemplificativo e não mais taxativo.

Pergunta do aluno.

Resposta: o Código antigo nem previa essa regra, previa a possibilidade de alteração. O Código agora fala em inserção. Então, a tendência é pela impossibilidade da supressão.

Pergunta do aluno.

Resposta: talvez esse, entre aspas, reconhecimento social seja um instrumento necessário a demonstração do uso prolongado e continuado, mas o que está em jogo não é a repercussão social da expressão e sim o direito da personalidade. Mas em termos práticos vai ser um instrumento de prova necessário a tal demonstração.

Só para mudarmos de assunto, tem um outro julgado interessante que vale a pena olhar: RESP 66643.

Resp 66643 / SP

RECURSO ESPECIAL 1995/0025391-7

CIVIL. REGISTRO PUBLICO. NOME CIVIL. PRENOME. RETIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. PERMISSÃO LEGAL. LEI 6.015/1973, ART. 57. HERMENEUTICA. EVOLUÇÃO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDENCIA. RECURSO PROVIDO.

I - O NOME PODE SER MODIFICADO DESDE QUE MOTIVADAMENTE JUSTIFICADO. NO CASO, ALEM DO ABANDONO PELO PAI, O AUTOR SEMPRE FOI CONHECIDO POR OUTRO PATRONIMICO.II - A JURISPRUDENCIA, COMO REGISTROU BENEDITO SILVERIO RIBEIRO, AO BUSCAR A CORRETA INTELIGENCIA DA LEI, AFINADA COM A "LOGICA DO RAZOAVEL", TEM SIDO SENSIVEL AO ENTENDIMENTO DE QUE O QUE SE PRETENDE COM O NOME CIVIL E A REAL INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA PERANTE A FAMILIA E A SOCIEDADE.

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Foi a hipótese de um filho que foi abandonado pelo pai e conseguiu alteração do patronímico (sobrenome) pelo abandono do pai. Quer dizer, por razões existências o STJ admitiu a supressão do patronímico paterno em homenagem a dignidade da pessoa humana.

O artigo 19 previa ainda a proteção ao pseudônimo que é sinônimo de heterônimo.

Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.

Na verdade, o pseudônimo não se confunde com apelido. O pseudônimo, na verdade, é o nome utilizado usualmente por artistas, escritores e jornalistas visando a sua identificação para fins profissionais.

O pseudônimo acaba sendo um próprio sucedâneo do nome civil para fins profissionais. Por exemplo, Lima Duarte não é seu nome é um pseudônimo, Dercy Gonçalves também é pseudônimo.

Não estamos falando de apelido por que o apelido tem que característica? Ele está atrelado normalmente a característica do indivíduo e o apelido em regra é atribuído por terceiros. O apelido não tem como objetivo substituir o nome civil propriamente dito, já o pseudônimo é o nome pelo qual o sujeito se intitula para fins profissionais.

Tem um caso interessante que é o Geraldo Vandré. Ele é compositor, pseudônimo Geraldo Vandré e ele desapareceu durante o regime ditatorial. No processo de separação judicial não houve citação no pseudônimo Geraldo Vandré, a citação se deu em seu nome civil verdadeiro. A citação foi feita de maneira editalícia, ele não foi localizado e o processo foi posteriormente anulado porque o julgamento reconheceu que a citação deveria ser feita também no pseudônimo, porque através do pseudônimo terceiro poderia identificar a localização do desaparecido.

Então, essa proteção ao pseudônimo se faz relevante até para fins que não apenas estritamente profissionais.

Pergunta do aluno.

Resposta: numa tendência civilista aqui, o que se vem sustentando... O colega está falando da questão do DNA... A dúvida é em que medida alguém pode ser constrangido a realização do exame de DNA? Como a doutrina civilista vem se posicionando? Nós temos uma colisão de interesses: a questão da intimidade do investigando e o direito a identidade pessoal do autor da demanda.

Numa ponderação qual é a tendência? Não há como se impor a realização do exame isso atingiria a intimidade. Só que vejam, o direito a intimidade, a privacidade ele deve ser ponderado principalmente quando o direito a intimidade repercute na esfera jurídica de terceiros.

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Page 63: CIVIL Fabricio Carvalho

Porque vejam, a idéia de intimidade aqui nesse caso está atrelada a idéia de liberdade, o que vimos na nossa primeira aula? A dignidade da pessoa humana comporta alguns subprincípios: liberdade, igualdade, integridade psicofísica e solidariedade.

O que se afirma é que dentro desse contexto nós temos uma colisão entre liberdade e solidariedade porque o exercício demasiado da liberdade acaba atingindo a repercussão jurídica de terceiros, colidindo aqui com o princípio constitucional da solidariedade.

Então, nessa ponderação como fator de mitigação a liberdade, o que se sustenta é exatamente essa conclusão aí, o sujeito pode ou não fazer o exame, mas se ele não fizer haverá uma presunção contrária a seus respectivos interesses.

Porque na verdade o direito a liberdade ele deve ser ponderado e extremamente limitado, notadamente quando essa liberdade gera repercussão na esfera jurídica de terceiros, porque se há essa repercussão haverá uma colisão entre liberdade e solidariedade que são subprincípios da dignidade da pessoa humana e é justamente nessa ponderação é que a Súmula 301 vem em harmonia com essa ponderação.

Súmula nº 301, STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

Pergunta do aluno.

Resposta: na verdade o que nessa ponderação se entende é o seguinte: esse “poderá” na verdade pode trazer repercussão negativa aos interesses daquele que se recusa a fazer o procedimento porque essa recusa implica na esfera jurídica de terceiros.

Na verdade, entenda-se, implica na esfera jurídica de terceiros no que diz respeito ao direito a identidade pessoal, ou seja, o direito da personalidade. A própria questão da proteção ao melhor interesse da criança, do adolescente, de uma série de aspectos aplicáveis, quer dizer, gerariam essa ponderação em favor do princípio constitucional da solidariedade em detrimento da liberdade. Seria uma colisão dentre os subprincípios da dignidade da pessoa humana.

A tendência é a seguinte: quando a liberdade não interfere na esfera jurídica de terceiros, a tendência é no sentido de se enfatizar a liberdade.

Quando a liberdade interfere na esfera jurídica de terceiros, principalmente interesses que envolvam interesse público obviamente, a tendência é se dar primazia ao princípio constitucional da solidariedade.

Pergunta do aluno.

Resposta: na verdade não meramente patrimoniais porque a questão dos alimentos, da herança representam um reflexo patrimonial do direito a identidade pessoal, a proteção primordial do ordenamento jurídico não estaria atrelado a esse

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reflexo patrimonial e sim ao direito existencial e aí claro como desdobramento a esse interesse existencial eventualmente poderíamos ter reflexos de ordem patrimonial.

Quer dizer que, a preocupação central estaria não em relação a esses reflexos patrimoniais e sim em relação ao direito a identidade pessoal, que é o nosso caso aqui.

Esse é um tema muito árido, é um tema em que nós não temos verdades absolutas. Vai muito até da convicção pessoal, da convicção religiosa, ideológica. É um tema sem dúvida alguma muito controverso.

O artigo 21 trata da proteção a privacidade, qual é a idéia tradicional da privacidade? É o direito ao recato, estar só. Só que vejam bem, diante dos avanços tecnológicos surge uma nova modalidade de privacidade porque diante desses avanços, dentro da privacidade, surge a questão referente ao controle sobre fluxo de informações que dizem respeito a pessoa.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Diante do avanço tecnológico, as informações pessoais circulam quase que livremente, inclusive no ambiente virtual. Aí é claro que essas informações merecem proteção.

Obviamente que nenhum direito da personalidade é absoluto no sentido de ser ilimitado, mas nessa questão da proteção das informações que dizem respeito a pessoa, é preciso diferenciar os chamados dados sensíveis das informações de natureza patrimonial.

O próprio nome já parece sugerir, os dados sensíveis são informações de natureza existencial, extrapatrimonial, exemplos: convicção religiosa, opção sexual, condição se soro positividade e porque não aquela questão em relação a pré-disposição genética de contrair determinadas doenças.

Como informações de natureza patrimonial se destacam o sigilo bancário e o sigilo fiscal.

Dentro do pouco que nós já vimos, dá para perceber que a intensidade da proteção aos dados sensíveis não podem ser a mesma da intensidade protetiva em relação aos dados patrimoniais. Quer dizer, a proteção aos dados sensíveis há de ser mais incisiva em homenagem a dignidade da pessoa humana.

Isso vem em harmonia com aquela idéia de despatrimonialização do direito civil. Não é a toa que se admite a quebra de sigilo bancário e fiscal desde que haja clara autorização judicial, algumas premissas, mas a proteção aos dados sensíveis ela é mais rigorosa.

Imagine essa questão das informações concernentes a pré-disposição genética caindo em mãos do empregador ou da seguradora. Olha que questão atual: em que medida entra na boa fé do contrato de seguro o dever de informar a pré-disposição genética de contrair futuras doenças?

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Numa perspectiva tradicional está dentro da boa fé, numa perspectiva atual é extremamente discutível porque estamos falando de intimidade, privacidade, é uma mera pré-disposição.

Tem um julgado recente sobre privacidade interessante no sentido de que o empregador pode fiscalizar o email corporativo do empregado.

Julgado polêmico, sem dúvida alguma, TST RR (recurso de revista) 613/2000-013-10-00.

Domicílio

Vamos tratar agora de aspectos relevantes envolvendo domicílio, artigo 70 a 78. Talvez seja bastante feliz a definição de alguns autores que definem o domicílio como sendo a sede jurídica da pessoa. Em outras palavras, o domicílio é o local onde a pessoa presumidamente se encontra para fins de relações jurídicas.

Vamos nos lembrar que o domicílio pode ser voluntário ou necessário. Domicílio necessário sinônimo de domicílio legal.

Indo direto o ponto, a definição de domicílio voluntário, no direito brasileiro, pressupõe dois elementos: a residência que é o elemento objetivo e o animus manendi, elemento subjetivo.

O animus manendi, elemento subjetivo significa a intenção de permanecer. Essa definição está no artigo 70 que diz o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.

Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.

Diante dessa definição, toda a doutrina, isso é clássico em todos os manuais, traz aquela diferença entre morada, residência e domicílio.

A morada é onde a pessoa se encontra em caráter precário, ou seja, eventualmente, esporadicamente. Exemplo típico de morada é a locação para temporada.

Já a residência pressupõe estabilidade, permanência. Domicílio é a residência mais a intenção permanecer. Em termos práticos, residência e domicílio quase sempre caminham lado a lado.

Exemplo típico em que há residência sem domicílio é a hipótese do sujeito que é transferido para o exterior, ele vai fazer uma pós graduação por 01 ano no exterior, ele terá lá sua residência, mas não terá lá o seu domicílio.

Tem um exemplo previsto no artigo 469 da CLT.

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Art. 469 - Ao empregador é vedado transferir o empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio.

É curioso porque a doutrina civilista não traz exemplos previstos em lei. Mas o artigo 469 da CLT prevê que a transferência do empregado para outra localidade ela é sempre temporária. Então na verdade, o empregado transferido para outra localidade por um prazo de 02 anos, por exemplo, terá lá a sua residência, mas não terá lá o seu domicílio voluntário.

O artigo 71 prevê a possibilidade de pluralidade domiciliar: se, porém a pessoa natural tiver diversas residências onde alternadamente viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.

Imagine um médico, profissional líber que passe 06 meses na Serra e 06 meses na praia. O Código brasileiro admite a possibilidade de pluralidade domiciliar.

Tem uma regra correspondente a essa no artigo 94, §1º do CPC: se o réu tiver mais de um domicílio ele pode ser citado em qualquer deles.

Art. 94, § 1o Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.

O artigo 72, que é novidade, passa a contemplar o chamado domicílio profissional. Aí, como o próprio nome evidencia, domicílio profissional é para que relações? De natureza profissional, concernentes a profissão.

Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.

Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

Percebam que o domicílio profissional, que diz respeito às relações profissionais, não exclui o domicílio voluntário. Nada impede que o indivíduo tenha o seu domicílio voluntário em Niterói e tenha como domicílio profissional o Rio de Janeiro, quer dizer, nós teremos aí a possibilidade de pluralidade domiciliar.

Cuidado com a pegadinha, principalmente em prova objetiva, não é plenamente possível que tenhamos pluralidade de domicílio profissional? O sujeito pode exercer determinada profissão em locais diferentes. O artigo 72, §único prevê a pluralidade de domicílio profissional.

Muito cuidado com o seguinte: o critério da pluralidade do domicílio profissional do artigo 72, §único é totalmente diferente do critério do artigo 71. Porque o artigo 71 quando prevê a pluralidade dos domicílios em geral vai dizer que vai ser domicílio qualquer deles, tanto faz.

O parágrafo único do artigo 72 não, diz lá: se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.

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Cuidado para o examinador não jogar no parágrafo único do artigo 72 o que consta no artigo 71, porque se fizer isso está errado não vai ser considerado domicílio profissional qualquer deles, mas apenas aquele domicílio específico para cada relação profissional.

Exemplo: para as relações profissionais de Petrópolis domicílio será Petrópolis, para as relações profissionais do Rio o domicílio profissional é Rio de Janeiro.

Pergunta do aluno.

Resposta: a questão acaba sendo mais processual. A tendência hoje do processo civil é cada vez mais no sentido da instrumentalidade e muitos inclusive já estão discutindo se na verdade é inaplicável a instrumentalidade no próprio ato citatório. Então, me parece que talvez pela tendência de instrumentalidade não houvesse vício de citação desde que haja demonstração inequívoca da ciência.

Mas é melhor perguntar ao professor de processo civil, pois essa questão de vício citatório eu fico com receio de abordar.

O artigo 73 prevê a possibilidade de ausência de domicílio. Diz o artigo 73: ter-se-á o domicílio da pessoa natural que não tenha residência habitual o lugar onde for encontrada.

O que a doutrina afirma é o seguinte: o local onde a pessoa é encontrada não é o domicílio, esse local vale como se fosse domicílio. Tecnicamente é um equívoco se afirmar que o local onde a pessoa é encontrada é o seu domicílio, na verdade aquele local vale como se fosse domicílio.

O Orlando Gomes usa a expressão domicílio aparente no caso do artigo 73 e o Carlos Roberto Gonçalves usa expressão domicílio ocasional.

A expressão domicílio aparente parece interessante porque a idéia de domicílio aparente parece estar atrelada a própria teoria da aparência. Quer dizer, o local onde a pessoa é encontrada se equipara ao seu domicílio a luz da teoria da aparência.

O artigo 75 prevê o domicílio das pessoas jurídicas. Os incisos de I a III não trazem grandes questões. Prevê lá o domicílio das pessoas jurídicas de direito público, dos entes federativos.

Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:

I - da União, o Distrito Federal;

II - dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;

III - do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;

IV - das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.

Agora, o inciso IV diz lá: quanto as pessoas jurídicas os domicílios é: inciso IV: das demais pessoas jurídicas o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e

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administrações ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.

Para resumir, o inciso IV está dizendo que o domicílio das demais pessoas jurídicas que não os entes federativos é a sua sede

Só que vejam, nós temos pessoas jurídicas com diversos estabelecimentos espalhados pelo Brasil a fora, obviamente que a solução do inciso IV seria insuficiente porque poderíamos ter uma pessoa jurídica com a sede em Manaus e estabelecimentos espalhados pelo Brasil a fora.

O legislador anteviu esse problema no parágrafo 1º que diz lá: tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.

Regra especial, nesse caso não será a sede e sim o local onde o ato é praticado. Qual é o objetivo dessa regra?

Pergunta do aluno.

Resposta: não há previsão explícita. Talvez a lacuna legislativa possa ser minimizada por conta do CDC, porque o CDC prevê que o consumidor pode demandar em seu próprio domicílio, está lá no artigo 101. Na verdade, a lacuna legislativa nesse caso acaba sendo suprida pela disposição consumerista.

Aliás, vou aproveitar e fazer uma conexão aqui, qual o objetivo desse parágrafo 1º? É proteger aquele que negocia com a pessoa jurídica. Fazendo uma conexão essa proteção acaba se tornando inócua, desnecessária, em relação de consumo porque o consumidor pode demandar do seu próprio domicílio.

Mas para as relações que não consumerista, o dispositivo ganha uma relevância significativa e aí vejam, o objetivo da regra portanto é protetiva, não é isso?

Sim, o Zeno Veloso tem uma obra específica sobre domicílio e acompanha a posição do Zeno Veloso, o Tepedino e o Zeno Veloso diz que se o objetivo da regra é proteger aquele que negocia com a pessoa jurídica nada impede que o destinatário desta proteção venha a renunciá-la. Ou seja, cabe a renúncia da proteção prevista no parágrafo 1º do artigo 75. Quer dizer, nada impede que aquele que negocia com a pessoa jurídica fora de uma relação de consumo venha a renunciar ao §1º e venha se valer do inciso IV, nada impede.

Imaginem um estabelecimento em Niterói e a sede no Rio, pode interessar ao sujeito a renúncia ao disposto no parágrafo 1º e a invocação do inciso IV. Pode haver interesse em relação a localização dos bens do devedor...

O que o Zeno Veloso afirma é que cabe a renuncia do parágrafo 1º e a invocação do inciso IV. O que não pode é o sujeito renunciar ao parágrafo 1º e querer demandar em outro estabelecimento. Quer dizer, se ele renuncia ao parágrafo 1º, ele tem que demandar na sede.

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Só para fechar domicílio, vamos dar uma olhada numa questão específica do chamado domicílio contratual sinônimo de domicílio especial que é sinônimo de foro de eleição que está lá no artigo 78.

Diz o artigo 78: nos contratos inscritos poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram direitos e obrigações deles resultantes.

Há muito tempo a jurisprudência já vinha repudiando domicílios contratuais que venham a dificultar ou inviabilizar o acesso ao Poder Judiciário. Prática muito comum em contratos de adesão.

A dúvida era a seguinte: se o juiz demandado no foro de eleição poderia reconhecer de ofício a sua incompetência? Quer dizer, o foro de eleição é Manaus e o domicílio da outra parte é Rio de Janeiro. Se valendo do foro de eleição o contratante demanda em Manaus. A dúvida era se o juiz de Manaus poderia reconhecer da sua incompetência de ofício.

Até a pouco tempo atrás o entendimento predominante era pelo descabimento do reconhecimento de ofício porque a hipótese, a questão envolveria incompetência territorial e, portanto incompetência relativa.

Contra essa posição o Ministro Rui Rosado já dizia o seguinte: o que está em jogo, em circunstancia como essa são os princípios da boa fé objetiva e o artigo 5º, XXXV da Constituição.

Então, Rui Rosado já dizia matéria é de ordem pública. A questão foi dirimida pelo artigo 112,§ único do CPC que por alteração trazida em 2006 explicitamente agora prevê a possibilidade de reconhecimento de ofício nesses casos.

Art. 112, único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu. (Incluído pela Lei nº 11.280, de 2006)

Numa prova de civil além de fazer menção ao artigo 112, § único do CPC é extremamente oportuno mencionar o artigo 424 que diz: nos contratos de adesão são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Não é da natureza do negócio que seja invocado, em tese, o domicílio voluntário e o artigo 424 está dizendo o que? Que a renúncia antecipada é nula, nulidade absoluta, reconhecimento de ofício.

Fim da aula.

Data: 16/09/08

Aula 03

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Page 70: CIVIL Fabricio Carvalho

6. Sistemática dos Bens

O Código Civil começa tratando da sistemática dos bens imóveis nos artigos 79 a 81.

Dentro de uma definição clássica, a doutrina costuma ressaltar que os bens imóveis são aqueles insuscetíveis de deslocamento sem prejuízo de sua substancia.

Vamos nos lembrar das categorias de bens imóveis no direito brasileiro, lembrando-se inclusive que houve uma ligeira alteração em relação ao Código de 16.

São categorias de bens imóveis no direito brasileiro: os imóveis por natureza, basicamente o solo. Temos ainda os imóveis por acessão natural, como o próprio nome já parece sugerir são aqueles que acedem naturalmente ao solo. Exemplo típico da doutrina de imóveis por acessão natural: as plantas rasteiras.

O Venosa chega a ressaltar o seguinte: se um arbusto acede naturalmente ao solo, ele é um imóvel por acessão natural. Se por ventura aquele arbusto estiver dentro de um vaso removível ele vai ser bem móvel, quer dizer, é preciso que se identifique efetivamente a acessão sobre o solo.

Outra modalidade: os imóveis por acessão artificial ou física. Basicamente as construções, quer dizer, tudo aquilo que acede artificialmente ao solo através da atuação humana.

E temos, por último, os imóveis por determinação legal, previstos no artigo 80.

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;

II - o direito à sucessão aberta.

O que mudou? No Código de 16 havia mais uma categoria que eram chamados imóveis por acessão intelectual. No artigo 43, III do Código de 16, havia os chamados imóveis por acessão intelectual.

Art. 43. São bens imóveis:

III - tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade.

Basicamente, esses imóveis por acessão intelectual eram tudo aquilo que não era parte integrante do imóvel, mas se destinava ao uso, ao serviço ou aformoseamento do imóvel. Quer dizer, o aparelho de ar condicionado, na época do Código 16, seria um imóvel por acessão intelectual seria um imóvel. Não é parte integrante, mas se destina ao uso do mesmo. As carteiras seriam também imóveis por acessão intelectual.

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Essa categoria foi suprimida no Código atual, não mais subsiste a categoria bens e imóveis por ascensão intelectual. Nesse sentido, além de toda a doutrina: Carlos Alberto Gonçalves, Christiano Chaves, Tepedino, o Enunciado 11 do Conselho da Justiça Federal.

Enunciado nº 11, CJF: Art. 79: Não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens imóveis por acessão intelectual, não obstante a expressão “tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”, constante da parte final do art. 79 do Código Civil.

Sem dúvida, pela leitura dos dispositivos, artigo 79: são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Quer dizer, o artigo 79 prevê o imóvel por natureza, por acessão natural e por acessão artificial. E o artigo 80 prevê aí a categoria dos imóveis por determinação legal, elenca as hipóteses de imóvel por determinação legal.

Nós veremos que a questão dos imóveis por acessão intelectual hoje acaba se conectando a um novo instituto jurídico que são as pertenças. O fato é que não subsiste mais a categoria dos bens imóveis por acessão intelectual no direito brasileiro.

Vale a pena registrar que no artigo 80 nós temos aí a categoria dos imóveis por determinação legal, não é isso? No inciso II há lá previsão em relação o direito a sucessão aberta.

Qual o efeito prático disso aí? De se entender que o direito a sucessão aberta é um imóvel de determinação lega. Um efeito prático que não constava explicitamente do Código anterior e agora consta, mas já era consenso doutrinário jurisprudencial, é o seguinte: cessão de herança, se a parte cedida supera 30 salários mínimos, em se entendendo que o direito a sucessão aberta é imóvel por determinação legal, nós temos o requisito formal, ou seja, o artigo 108 do Código Civil vai impor instrumento público.

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Um instrumento prático seria a forma, por exemplo, para cessão de herança, ela tem que necessariamente se dar por instrumento público. Está no artigo 108 do Código Civil e agora está explicitamente no artigo 1793.

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

Outro efeito prático: a doutrina do direito sucessório ressalta que a renúncia a herança, em regra, pressupõe a outorga do cônjuge tal qual se dá em relação aos imóveis, ressalvado o regime de separação absoluta, mas em regra a renúncia a herança pressupõe a outorga do cônjuge.

O efeito prático de se entender que o direito a sucessão aberta é imóvel por determinação legal, se dá o que? Coma aplicação do regime jurídico próprio dos bens imóveis em relação aos direitos a sucessão aberta. O que se excepciona aqui apenas é

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a exigência de registro, não se exige o registro para a efetiva transferência do direito sucessório.

Vamos tomar cuidado com o artigo 81, pegadinha constante em provas objetivas. O artigo 81 traz na verdade hipóteses de imóveis por ficção jurídica.

Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis:

I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local;

II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.

Na verdade, no artigo 81 o legislador adota critério finalístico, critério da destinação. Adota o critério finalístico porque se nós analisássemos as hipóteses do artigo 81 no plano meramente fático, nós talvez afirmaríamos que tais bens fossem móveis, quando na verdade o Código tipifica como imóvel.

Artigo 81, I: não perdem o caráter de imóvel as edificações que separadas do solo, mas conservando a sua unidade forem removidas para outro local.

É claro que só tem relevância o inciso I dentro do lapso temporal em que esse imóvel por acessão artificial é destacado do solo e se destina a ser colocado em outra localidade. Exemplo disso: pavilhões de circo, parque de diversão, casa pré-fabricadas ela se situa naquela localidade e ela se destina a ser retirada daquele local e ser transposta para outro. Quer dizer, mesmo nesse lapso temporal em que tais imóveis por acessão artificial se encontram destacados do solo, subsiste a categoria como imóvel por quê? Por conta do critério finalismo, da destinação, como tais bens se destinam a ser novamente imobilizados, os bens continuam a ser tratados como imóveis.

O inciso II diz: os materiais provisoriamente separados de um prédio para nele se reempregarem. Quer dizer, se há uma reforma num determinado imóvel e por conta da reforma o indivíduo retira as esquadrias de alumínio temporariamente para posteriormente serem recolocadas, as portas que são eventualmente destacadas para serem novamente reempregadas, quer dizer, mais uma vez o critério finalístico estabelece a sistemática dos bens imóveis.

Fica inclusive muito clara a questão do critério finalístico, se nós compararmos o artigo 81, II com o artigo 84 (fazer remissão). O artigo 84 tratando dos bens móveis diz: os materiais destinados a alguma construção enquanto não forem empregados conservam a sua qualidade de móveis, readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.

Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio.

Na verdade o que qualifica o bem imóvel do artigo 81, II é justamente o que? A finalidade, o escopo de ser reempregado no imóvel. Se há destruição do imóvel e não há o objetivo de reemprego de tais bens no mesmo imóvel esse bens passam a ser móveis.

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Observação em relação ao artigo 81, I, aquela questão das edificações que são separadas do solo para serem transportadas para outra localidade. Muito cuidado que nessa hipótese não se encaixa a figura do trailer, entendimento já consolidado, porque o trailer jamais foi imobilizado, o trailer é bem móvel, portanto não entra dentro da hipótese do inciso I.

Os bens móveis estão nos artigos 82 a 84.

Pergunta do aluno.

Resposta: pela literalidade sim. O código diz “para nele se reempregarem”. a doutrina quando comenta o dispositivo vem em harmonia com a literalidade do Código.

Parece-me (posição particular) que é plenamente sustentável superar a literalidade do dispositivo e ressaltar que se aquele material se destina a ser empregado em outro imóvel, justificar-se-ia a ficção jurídica aqui estabelecida.

Na verdade, a ratio legis aqui qual é? É o critério finalístico, da destinação, numa prova objetiva, por exemplo, é plenamente sustentável que a luz do critério finalístico se sustente que se ele busca ser empregado em outro imóvel, a solução seja a mesma.

A gente vai ver que o Código Civil, até nessa sistemática dos bens, ela vem muito inspirada pelo critério da destinação, pelo critério finalístico e enfim me parece sustentável que a solução viesse nesse sentido.

Pergunta do aluno.

Resposta: bem móvel, a porta exposta a venda é bem móvel porque ela não está ainda imobilizada.

Os bens móveis: artigo 82 a 84. Tradicionalmente esses bens são definidos como? São os bens suscetíveis de deslocamento sem prejuízo de sua substância e o Código agora acrescenta na parte final do artigo 82 o seguinte: “ou da destinação econômico social”. Novidade aí na parte final do artigo 82, novidade inspirado no critério finalístico.

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

Os bens móveis podem ser por natureza ou por determinação legal e os bens móveis por natureza podem ser inanimados ou semoventes, qual a diferença? Os inanimados eles não são suscetíveis de movimento próprios, quer dizer, só são suscetíveis de movimento por força alheia. Exemplo: mesa, cadeira, etc... Os semoventes seriam os animais que são susceptíveis de movimento próprio.

O que há de relativamente novo na doutrina é o seguinte: além dos imóveis por natureza e por determinação legal, vem ganhando cada vez mais espaço a figura do chamado bens móveis por antecipação.

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Quais seriam esses bens? Seriam bens ainda incorporados ao solo, mas que se destinam a serem destacados e convertidos em bens móveis, exemplo, os frutos pendentes, as árvores destinadas ao corte.

Quer dizer, no plano fático tais bens ainda seriam imóveis por acessão, mas se eles estão destinados a um destacamento futuro, se entende que na medida em que há essa finalidade de destacamento, esses bens desde logo podem vir a ser qualificados como móveis por antecipação.

O efeito prático qual é? O regime jurídico aplicável, quer dizer, ninguém aqui vai exigir instrumento público para alienação de frutos pendentes porque são bens móveis por antecipação.

Essa questão já foi, inclusive, tratada no STJ no RESP 23195.

Resp 23195 / PR RECURSO ESPECIAL 1992/0013657-5

ARVORES - VENDA PARA CORTE - MOBILIZAÇÃO ANTECIPADA. EFETUADA A VENDA DE ARVORES, SEPARADAMENTE DO SOLO, CONSIDERA-SE ANTECIPADAMENTE COMO MOVEIS, DESDE A DATA EM QUE CONCLUIDO O CONTRATO.

A matéria não chega a ser explicitamente tratada no Código atual, mas vários autores ressaltam que a sistemática dos bens móveis por antecipação estaria inspirado no artigo 95 do Código Civil que diz: apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objetos de negócio jurídico. Quer dizer podem ser objeto de negócio jurídico autônomo justamente por serem bens móveis por antecipação.

Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico.

Isso pode gerar algum tipo de problema até de cunho prático porque se alguém celebra um contrato de compra e venda por instrumento público de uma determinada área e essa área tem uma mata, se aquela mata inclusive consta no registro, há uma legítima expectativa do comprador do terreno em obter o terreno com toda a vegetação.

Só que paralelamente a isso nós podemos ter outro contrato de compra e venda sobre aquelas árvores que se destinem ao corte que seriam bens móveis por antecipação e, sendo assim, não precisa de instrumento público, não precisa registrar, enfim a sistemática própria dos bens móveis.

Sem dúvida essa sistemática pode trazer algum tipo de insegurança jurídica. Quem até enfrenta essa questão é o Eduardo Ribeiro que escreve aqueles comentários ao Código Civil da Forense. Ele entende que esse contrato de compra e venda sobre o bem móvel por antecipação, feito por instrumento particular, desvinculado de registro ele só vai ser oponível a eventuais adquirentes do imóvel que tiverem ciência da relação contratual anterior.

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Justamente por quê? Em sendo um contrato sobre bem móvel esse contrato é desprovido de qualquer sistema registral, é desprovido de qualquer mecanismo de publicidade.

Ele inclusive chega a ressaltar que não bastaria conferir publicidade aqui com caráter erga omnes a averbação desse contrato junto ao registro de títulos e documentos, seria insuficiente, porque presumidamente as questões referentes ao imóvel não se encontram no registro de títulos e documentos, mas apenas no registro de imóveis.

Então, Eduardo Ribeiro defende que esse contrato de bem móvel por antecipação só seria oponível a eventuais adquirentes do imóvel que tiverem ciência da relação contratual anterior.

Na verdade, essa solução viria em harmonia com o princípio da confiança que busca a proteção da legitima expectativa.

A doutrina aqui ela é uniforme no sentido de trazer uma crítica ao nosso Código, essa crítica já existia ao anterior e subsiste no atual, que é a seguinte: todo regime jurídico envolvendo bens imóveis é extremamente peculiar em comparação com os bens móveis, quer dizer, há um tratamento privilegiado do Código Civil em relação a bens imóveis.

Na verdade, a crítica consiste no fato em que esse tratamento privilegiado a esses bens imóveis seria um resquício do sistema feudal. Porque a época do feudalismo os bens imóveis eram instrumento de riqueza por excelência e seria justificável um tratamento peculiar aos bens imóveis.

No contexto atual, nós temos bens móveis de valor muito mais expressivo do que imóveis, aliás as grandes riquezas do mundo estão em bens móveis e não mais em bens imóveis. Então seria injustificado esse tratamento diferenciado.

Exemplos de tratamento diferenciado:

Primeiro: Como se transmite em regra propriedade imóvel? Registro via de regra. Bens móveis tradição, quer dizer, sem qualquer formalidade a simples entrega transfere a propriedade móvel via de regra.

Segundo: a necessidade de outorga do cônjuge para a alienação de imóveis artigo 1647, I.

Art. 1.647: Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

Terceiro: os prazos para usucapião para bens imóveis são muito mais elevados do que em relação a bens móveis.

Quarto: dentro da usucapião, vocês lembram da usucapião especial rural e urbana? A usucapião especial rural está no artigo 1239 e a usucapião especial urbana no artigo 1240.

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Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

É curioso porque essas duas modalidades de usucapião estão previstas constitucionalmente e o que justifica a previsão constitucional é que nessas duas modalidades a usucapião busca mitigar as desigualdades sociais.

Um dos requisitos exigidos tanto para uma quanto para outra modalidade é que o usucapiente não seja proprietário de nenhum outro imóvel. Se ele tiver um milhão aplicado ele pode usucapir, mas se ele tiver um imóvel que valha 30 mil reais ele não pode usucapir. Sem dúvida alguma um privilégio demasiado em relação às riquezas imobiliárias.

Quinto: direito real de aquisição, artigo 1417, se restringe a bens imóveis.

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Sexto: alienação de bens imóveis dos filhos. Artigo 1691, quer dizer, uma série de requisitos específicos no direito de família.

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.

Então, persiste a crítica doutrinária cada vez mais incisiva no que tange a essa diversidade de tratamento, ela seria injustificável diante da relevância que os bens imóveis têm no contexto contemporâneo.

Pergunta do aluno.

Resposta: claro que a doutrina critica, mas reconhece a diversidade de tratamento. O que muitos sustentam é que na verdade talvez fosse interessante maior rigor no que tange a formalidade para transferência dos bens móveis para que se resguarde um mínimo de segurança jurídica de bens móveis que tenham na verdade um valor tão específico ou até mais do que imóvel.

Bens Fungíveis e Infungíveis: artigo 85.

Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Os fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros de mesma quantidade, qualidade e espécie. E os infungíveis, a contrario sensu, não são substituíveis por outro de mesma qualidade, quantidade e espécie. Isto está lá no artigo 85.

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Reflexos práticos, porque às vezes vemos nos manuais essas diferenças e parece que não há repercussão prática, mas há.

Por exemplo: contrato de empréstimo admite duas modalidades: comodato e o mútuo. Quais são as principais diferenças? Comodato é empréstimo de uso e o mútuo é empréstimo de consumo.

Então, se o comodato é empréstimo de uso o que vai acontecer em decorrência do comodato? O comodatário vai usar o bem e ele se obriga a restituir o mesmo bem. Como o mútuo é empréstimo de consumo, o mutuário vai receber o bem, ele vai consumir o bem, ele vai se obrigar a restituir outro de mesma qualidade e espécie.

O que já dá para perceber? Que o comodato envolve bens infungíveis e o mútuo envolve bens fungíveis. Nada impede a infungibilidade convencional. Pode ser que um bem seja naturalmente fungível e as partes convencionem a infungibilidade.

Um exemplo clássico da doutrina é o seguinte: alguém empresta gratuitamente a outrem uma cesta de frutas para fins de ornamentação. Cesta de frutas a princípio é bem fungível, mas se o objetivo do empréstimo é para ornamentação a outra parte vai se obrigar a quê? A restituir o mesmo bem.

Percebam que a infungibilidade convencional é de vital importância no contrato de empréstimo porque dessa infungibilidade convencional é que a gente vai qualificar esse contrato como sendo de comodato porque se não houvesse o acordo de vontades essa contrato seria de mútuo.

Nessa hipótese específica do comodato que resulta da infungibilidade convencional é que surge o chamado comodato ad pompam que é um comodato que resulta da infungibilidade convencional.

Veja, o comodato não transfere a propriedade, porque o comanditário vai se obrigar a restituir o mesmo bem. O que vai acontecer diante da celebração do contrato de comodato? Desmembramento possessório em posse direta e indireta.

O mútuo transfere a propriedade, o mútuo é um contrato de empréstimo que transfere a propriedade porque o mutuário vai receber aquele bem, ele vai consumir aquele bem, ele vai se obrigar a restituir outra coisa, outro bem de mesma quantidade, qualidade e espécie. Então, aquele bem que é entregue ao mutuário, por força do contrato de mútuo, é objeto de transferência de propriedade.

Isso traz outros desdobramentos: se há perecimento sem dolo ou culpa, o risco corre para quem? Para o dono. Res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono. Então, no comodato os riscos correm para o comandante, no mútuo o risco corre para o mutuário, isso está lá no artigo 587 que veremos com calma mais adiante.

Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.

Resumidamente, no comodato nós temos desmembramento possessório, posse direta e indireta. No mútuo não, no mútuo o mutuante transfere a propriedade e

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a posse exclusiva para o mutuário, ou seja, o comodante tem tutela possessória e o mutuante não tem tutela possessória. Tudo isso decorre da natureza fungível ou infungível do bem.

Quere ver outra conseqüência prática importante: lá no contrato de depósito, porque via de regra no contrato de depósito, o depositário recebe um bem e se obriga a restituir a mesma coisa, esse é o chamado depósito regular.

Já no depósito irregular, artigo 645, o depositário vai receber um bem e vai se obrigar a restituir outro de mesma quantidade, qualidade e espécie. Quer dizer, fica claro que o depósito irregular necessariamente envolve bens fungíveis.

Art. 645. O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo.

Sem ler o Código, intuitivamente o depósito irregular ele se parece muito com o contrato de mútuo porque o depositário vai receber um bem e ele vai se obrigar a restituir outro que não aquele. Por isso o artigo 645 do Código, diz que o depósito irregular segue a sistemática do contrato de mútuo. Então, como efeito prático o depósito irregular transfere a propriedade.

Querem ver outro efeito disso? Indiscutivelmente não cabe prisão civil do depositário nesse caso, fora a questão que está sendo debatida no STF se cabe ou não prisão civil do depositário, quer dizer a muito está chancelado entendimento que não cabe prisão civil no depósito irregular, por quê? Porque se não cabe prisão civil do mutuário não cabe prisão civil do depositário nesse caso, porque o depósito irregular segue a lógica do contrato de mútuo.

Sugiro, desse artigo 85 a remissão para esses dispositivos, porque na prova dissertativa vamos ter elementos para dissertar sobre isso.

Outro efeito prático: na compensação legal, artigo 369.

Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.

Por razões claras o artigo 369 diz que só cabe compensação legal se as dívidas forem fungíveis entre si, ou seja, desde que elas tenham a mesma natureza. Se eu devo 05 mil reais a ele e ele me deve 10 sacas de trigo obviamente que não caberá a compensação legal.

Outra diferença, nas obrigações de fazer, artigo 247 a 249. A sistemática é muito diferente pelo seguinte: quando há o inadimplemento de uma obrigação fazer o que em tese resta ao credor? Perdas e danos, pode ele optar pela tutela específica graças ao avanço da legislação processual e, percebam, se a obrigação de fazer é fungível pode interessar ao credor que um terceiro cumpra a prestação as custas do devedor.

Essa solução pela qual o terceiro vá cumprir a prestação as custas do devedor, a princípio só se aplica nas obrigações de fazer fungíveis, ela é inaplicável em tese nas

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obrigações infungíveis. Então, o regime jurídico aplicável varia de acordo com essa aplicação.

Outro efeito: artigo 313 é o chamado princípio da identidade da coisa devida. Diz o artigo 313 que o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida ainda que mais valiosa.

Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.

Essa lógica é aplicada com muito mais rigor nas obrigações infungíveis e vale a pena a remissão para o artigo 1361 que prevê que a propriedade fiduciária (alienação fiduciária) regida pelo Código Civil só se aplica a bem imóvel infungível.

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Um cuidado aqui: o artigo 85 quando define os bens fungíveis diz lá: “são fungíveis os móveis”, quer dizer, a literalidade do Código exclui a possibilidade de um bem imóvel ser fungível. Sem dúvida alguma, em regra, os imóveis são infungíveis, mas a doutrina lembra aqui uma exceção, é possível que um imóvel seja fungível, contra a literalidade do artigo 85.

O exemplo que a doutrina traz é o seguinte: vamos supor que tenhamos vários proprietários comuns de um determinado loteamento e esses proprietários comuns ajustam que no caso de dissolução da sociedade aqueles lotes serão partilhados paritariamente entre cada um dos respectivos sócios.

Vamos supor que tenhamos 12 lotes e 03 co-proprietários. Eles acordam que no caso de dissolução da sociedade cada um dos co-proprietários fará jus a 04 lotes. Veja que no plano prático nós podemos ter eventualmente imóveis sendo tratados como bens fungíveis. Seria um exemplo de imóvel fungível.

Outra classificação: bens consumíveis e inconsumíveis. O artigo 86 prevê bens consumíveis por natureza e ainda os chamados bens consumíveis por determinação legal. Bens consumíveis por determinação legal a doutrina também usa muito a expressão bens juridicamente consumíveis, expressão sinônimas.

Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.

Os bens consumíveis por natureza estão na 1ª parte do artigo 86: são aqueles cujo uso importa destruição imediata da substancia. Exemplo: os alimentos.

Os bens consumíveis por determinação legal são aqueles destinados a alienação, quer dizer, um livro que tenhamos na nossa casa para estudar é um bem inconsumível. Aquele mesmo livro na estante de uma livraria exposto a venda vai ser um bem juridicamente consumível.

A doutrina ressalta que nada impede a chamada inconsumibilidade convencional, aquele exemplo da fruta para ornamentação representaria um exemplo de bens inconsumíveis por acordo de vontade.

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A doutrina ressalta ainda (que são as peculiaridades, as pegadinhas) que pode um bem ser naturalmente consumível e juridicamente inconsumível. Por exemplo: uma garrafa de vinho rara é naturalmente consumível, mas vamos supor que essa garrafa de vinho esteja gravada com uma cláusula de inalienabilidade. Se essa garrafa de vinho estiver gravada de uma cláusula de inalienabilidade, ela será ao mesmo tempo naturalmente consumível e juridicamente inconsumível.

Outra questão: bens fungíveis ou infungíveis, bens consumíveis ou inconsumíveis são classificações que muito se aproximam, mas nem sempre caminham lado a lado. Exemplo de bem infungível e ao mesmo tempo consumível: aquele vinho raro exposto a venda, o manuscrito de uma obra rara exposto a venda.

Pergunta do aluno.

Resposta: tem que ser uma garrafa de vinho rara. Claro que o vinho Galioto, um vinho simples, que encontramos em qualquer local ele será um bem fungível. Mas um vinho raro, que dificilmente será encontrado em qualquer localidade ele é equiparado a bem infungível.

Essa questão da fungibilidade ou infungibilidade, ela tem que ser vista no caso concreto. Costuma-se a dizer que tradicionalmente a moeda seria um bem fungível, mas a moeda, a nota por parte de um colecionador ela vai ser o que? Infungível, quer dizer, a fungibilidade ou infungibilidade ela vai ser apreciada a luz do caso concreto.

Pergunta do aluno.

Resposta: não necessariamente porque na verdade são classificações diferentes, elas muito se aproximam, mas o fato do bem se encontrar a venda não exclui a natureza infungível.

Ela pode ser ainda sim substituível e ainda assim estar destinada a alienação, quer dizer, são coisas diferentes, a alienação e destinação geram a consumibilidade, ela vai ser juridicamente consumível sem que ela possa ser substituível por outro de mesma qualidade, quantidade e espécie.

Pode acontecer também o contrário: o bem ser fungível e ao mesmo tempo inconsumível. Um utensílio doméstico, por exemplo, é um bem a princípio fungível e ao mesmo tempo inconsumível, seu uso não gera destruição imediata.

Cuidado que quando cai isso em prova o examinador joga com essas situações excepcionais.

Outra classificação: Bens Divisíveis e Indivisíveis, artigos 87 e 88.

Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.

Art. 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes.

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Como o próprio nome sugere, os bens divisíveis são aqueles suscetíveis de fracionamento.

O artigo 87, alterando a sistemática do Código anterior, diz o seguinte: bens divisíveis são os que pode fracionar sem alteração na sua substancia, diminuição considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam.

Então, a divisibilidade se apura a luz da substancia, do valor ou da destinação, quer dizer, mais uma vez o Código inserindo no critério da destinação para a qualificação do bem como sendo divisível ou indivisível.

O que há de novo aqui? A questão do valor proporcional, quer dizer, para que um bem seja divisível é preciso que as partes resultantes da divisão guardem valor proporcional ao todo.

Exemplo clássico da doutrina: os diamantes. Dependendo do caso concreto, o fracionamento de um diamante atinge a sua perspectiva pureza e, ao atingir a pureza, os valores resultantes do fracionamento podem vir a ser reduzidos.

Em relação à destinação ou prejuízo, ao uso a que se destinam, vamos supor uma hipótese em que o imóvel, nós temos o solo, que corresponda a metragem mínima permitida pela legislação para construção naquela localidade.

Quer dizer, a legislação urbanística prevê que só cabe a construção de imóvel que tenha no mínimo 200 metros quadrados naquela localidade. A legislação urbanística prevê que só cabe a construção que tenha no mínimo 200 m! naquela localidade. Se aquele imóvel tem 200 m! esse imóvel vai ser o que? Indivisível pelo critério finalístico porque a divisão abalaria sua própria destinação natural.

A indivisibilidade pode ser convencional, jurídica ou por natureza. Exemplo de indivisibilidade convencional que podemos encontrar no artigo 1320, §1º: podem os condôminos acordar que fique em divisa a coisa comum por prazo não maior de 5 anos suscetível de prorrogação anterior. Quer dizer, o artigo 1320, §1º explicitamente admite a indivisibilidade convencional no caso de condomínio.

Art. 1.320. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão.

§ 1o Podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por prazo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.

Outra hipótese que veremos com mais precisão lá no direito das obrigações, nada impede a indivisibilidade convencional em obrigações pecuniárias. Isso vai ter importância quando? Notadamente quando há pluralidade de credores ou de devedores porque no silêncio das partes se há pluralidade de credores ou de devedores e a prestação é pecuniária qual vai ser a lógica aplicável a essa obrigação? A lógica das obrigações divisíveis.

Em termos práticos... Quando há divisibilidade, 03 devedores, 30 mil reais. Em termos práticos, o que isso quer dizer? O credor só pode exigir 10 mil do D1, 10 mil do D2 e 10 mil do D3. Normalmente, quando as partes querem permitir ao credor exigir tudo do D1, o que elas fazem em termos práticos? Solidariedade, normalmente elas

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compactuam um regime de solidariedade, sem dúvida em termos práticos é isso que normalmente acontece.

Só que nós veremos que o regime de solidariedade ele é parecido, mas ele não se confunde com o regime de indivisibilidade, nós temos distinção técnicas e podem as partes desejar na verdade os efeitos da indivisibilidade e não o da solidariedade. Nada impede a indivisibilidade convencional em obrigações pecuniárias.

Pode ainda a indivisibilidade ser jurídica, como exemplos temos: artigo 1326 que trata do direito real de servidão; artigo 1791, §único que trata da herança; artigo 1421 que trata de garantia real; artigo 28 da lei 6404/76 e ainda o artigo 1331,§2º.

Art. 1.326. Os frutos da coisa comum, não havendo em contrário estipulação ou disposição de última vontade, serão partilhados na proporção dos quinhões.

Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

Art. 1.421. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.

Art. 28 da Lei 6404: A ação é indivisível em relação à companhia.

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 2o O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

É curioso, o artigo 1421 que prevê a indivisibilidade no caso do direito real em garantia, o que significa basicamente isso dizer?

Vamos supor que eu tenha três imóveis hipotecados para garantir uma dívida de 100 mil. Pela letra fria do artigo 1421, se dos 100 eu já paguei 99.500,00 a garantia real subsiste integralmente nos três imóveis, porque a garantia real é indivisível, o pagamento proporcional da dívida não vai gerando a redução proporcional da garantia real.

Numa reinterpretação, não dá para pensar em abuso do direito aqui? 99.800,00 pagos com três imóveis hipotecados, quer dizer, é plenamente sustentável superar a literalidade do artigo 1421 e dizer que o credor que não concorda com a redução proporcional da garantia real, estaria incurso no abuso do direito, princípio da boa fé objetiva e para quem já viu a teoria do inadimplemento substancial, que vai inspirar essa solução.

Temos ainda a indivisibilidade por natureza. Exemplos são variados: animal, uma geladeira são bens indivisíveis por natureza, um carro.

Não há nenhuma dúvida na doutrina e na jurisprudência que nada impede que um bem indivisível seja fracionado em partes ideais. Quer dizer, pode um imóvel

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indivisível ser objeto de co-propriedade? Sem dúvida, ele não pode ser fracionado em partes autônomas, em naturalmente distintas, mas nada impede que ele seja fracionado em partes ideais. O próprio artigo 504 do Código Civil fala em condomínio em coisa indivisível.

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

Qual a importância prática dessa classificação? Na verdade, a principal relevância aqui trazida pela doutrina seria o regime jurídico aplicável a hipótese de extinção do condomínio, que vem disciplinado nos artigos 1320 a 1322.

Intuitivamente, sem ler o Código, se o bem for divisível talvez seja mais fácil fazer a extinção do condomínio, cada um fica com uma parte proporcional e ponto. Se for indivisível a questão vai ter que se resolver monetariamente quer dizer: um fica com o todo e indeniza os demais, vai depender do caso concreto.

Temos ainda como outra conseqüência prática a sistemática do artigo 504, porque pela sua literalidade o legislador prevê lá a questão de preferência do condôminos. No caso de compra e venda de quota ideal os demais condôminos tem preferência para a aquisição da quota dos demais.

Estão lembrados disso? E o artigo 504 prevê que só haveria direito de preferência na hipótese de bem indivisível, veremos que isso é discutível, a jurisprudência do STJ vem mitigando essa lógica, mas a literalidade do Código prevê que só haveria direito de preferência sobre bem indivisível.

Só para se situar, por que isso? Todos sabem que condomínio é uma fonte interminável de litígio, ninguém gosta de dividir nada, o que fez o Código? Sensível a isso, ele oportuniza os demais o direito de preferência para evitar o ingresso de um terceiro estranho a vida condominial, o que acirraria ainda mais os conflitos de interesse.

O Código na literalidade só prevê direito de preferência sobre coisa indivisível, só que boa parte da doutrina e jurisprudência ressalta o seguinte: o que está sendo objeto de alienação no caso do artigo 504? Não é a quota ideal? A quota por si só não é um bem indivisível? Porque a quota ideal ela se espraia por todo bem, então por si só é um bem indivisível.

Então, vejam, em sendo a quota por si só um bem indivisível, aplicável o direito de preferência do artigo 504 ainda que essa quota ideal recaia sobre um bem divisível porque a mera quota ideal por si só já seria um bem indivisível.

Outro efeito prático no direito obrigacional, como vimos, a luz desse critério da divisibilidade ou indivisibilidade nós temos a sistemática das obrigações divisíveis e indivisíveis e temos ainda hipóteses nos artigos 1684, 1968, §1º e 2019 do Código Civil.

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Art. 1.684. Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário.

Art. 1.968. Quando consistir em prédio divisível o legado sujeito a redução, far-se-á esta dividindo-o proporcionalmente.

§ 1o Se não for possível a divisão, e o excesso do legado montar a mais de um quarto do valor do prédio, o legatário deixará inteiro na herança o imóvel legado, ficando com o direito de pedir aos herdeiros o valor que couber na parte disponível; se o excesso não for de mais de um quarto, aos herdeiros fará tornar em dinheiro o legatário, que ficará com o prédio.

Art. 2.019. Os bens insuscetíveis de divisão cômoda, que não couberem na meação do cônjuge sobrevivente ou no quinhão de um só herdeiro, serão vendidos judicialmente, partilhando-se o valor apurado, a não ser que haja acordo para serem adjudicados a todos.

Outra classificação: Bens Singulares e Coletivos, artigos 89 a 91.

O artigo 89 define os bens singulares que são aqueles considerados em sua individualidade e os bens coletivos representam um composto de vários bens singulares que se consideram em conjunto, formando um todo.

Art. 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais.

Os bens singulares podem ser simples ou compostos. Nos bens singulares simples as partes componentes se encontram interligadas naturalmente perdendo cada uma delas a sua respectiva individualidade.

Exemplos tradicionais seriam um cavalo, uma árvore, quer dizer, sem dúvida alguma são bens que representam somatório de várias partes componentes, mas cada uma delas vai perdendo a sua individualidade quando se forma o todo.

Bens singulares compostos decorrem de partes componentes interligadas pela atuação humana podendo aquelas serem consideradas de modo independente.

Exemplos: relógio, avião, automóvel. No automóvel nós temos um bem singular que resulta de uma série de partes componentes como os pneus, mas os pneus sem duvida alguma não perde a sua respectiva individualidade, eles podem ser inclusive objetos de relação jurídica autônoma. Motor de um avião, motor de um relógio e assim sucessivamente.

Quando se fala de bens coletivos estamos falando de bens que se consideram em conjunto e quando estamos diante de bens coletivos surgem as chamados universalidades e aí temos aquela tradicional dicotomia universalidade de fato versus universalidade de direito.

A universalidade de fato está prevista no artigo 90 que diz: constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes a mesma pessoa, tenham destinação unitária.

Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária.

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Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias.

Então, universalidade de fato representa um conjunto de bens com a destinação unitária que é conferida pela vontade do seu titular. Exemplo: o rebanho, a biblioteca e o fundo de empresa (conjunto de bens que envolvem o estabelecimento empresarial).

E o §único do artigo 90 ressalta que esses bens singulares que compreendem a universalidade de fato podem ser objetos de relação jurídica autônoma. Sem dúvida alguma nada impede a alienação em apartado de alguns bens integrantes do fundo de empresa.

A universalidade de direito, artigo 91, que ressalta que a universalidade de direito representa o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, dotada de valor econômico.

Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.

Então, a universalidade direito não representa necessariamente um conjunto de bens e sim um complexo de relações jurídicas que são reunidas não pela vontade humana e sim por força do ordenamento jurídico.

Quais são os exemplos tradicionais? A herança, o patrimônio, a massa falida, lembrando que havia uma dúvida na doutrina se o patrimônio do indivíduo envolveria apenas complexos de relações jurídicas ativas ou se o patrimônio envolveria não apenas as relações jurídicas ativas, mas também os débitos.

Modernamente, a posição bastante firme é no sentido de que o complexo de relações jurídicas que envolvem o patrimônio, envolve não apenas os bens, direitos e créditos, mas também as dívidas. As dívidas também compõem o patrimônio, quer dizer, não apenas o lado ativo, mas também o passivo ingressa na definição de patrimônio.

Bens Reciprocamente Considerados, artigos 92 a 97.

Dentro da perspectiva desse tipo de bens, surge aquela dicotomia: bem principal versus acessório.

Diz o artigo 92: principal é o bem que existe sobre si abstrata ou concretamente. O bem principal é aquele que tem existência autônoma, arremata o artigo 92 dizendo: acessório em cuja existência supõe a do principal.

Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.

Vale a pena registrar que essa questão aí bens acessórios ou principais envolve não apenas especificamente os bens, mas também os direitos que também podem ser principais ou acessórios.

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Por exemplo, a fiança em relação ao contrato de locação tem natureza de acessoriedade. A garantia real, a hipoteca em relação ao contrato de mútuo também tem natureza acessória.

E aí cuidado com o seguinte: vale a pena até fazer uma remissão, porque o artigo 92 fala que o acessório é aquele cuja existência supõe a do principal e, de maneira aparentemente contraditória, o artigo 1487 admite hipoteca para garantia de dívida futura. Quer dizer, a hipoteca garantia acessória tendo existência independentemente do principal, que seria justamente a dívida garantida.

Art. 1.487. A hipoteca pode ser constituída para garantia de dívida futura ou condicionada, desde que determinado o valor máximo do crédito a ser garantido.

Tem outra discussão aqui introdutória que é a seguinte: qual é o critério para a gente aferir o que é principal e o que é acessório? Nós temos basicamente dois critérios:

Primeiro: Critério econômico, quer dizer, na verdade o valor de cada um dos bens seria determinante para se aferir o que seria principal ou acessório.

Segundo: Critério funcional. Prevalece amplamente esse critério. Principal é aquilo que atribui função ao todo e o acessório atinge a sua finalidade enquanto àquele se vincula.

Exemplo: a moldura pode e em muitas situações ela é mais valiosa do que a própria pintura. Pelo critério econômico, a moldura seria nesse caso o principal e a pintura seria o acessório, mas pelo critério funcional a doutrina afirma, ainda que a moldura venha a valer 10 vezes mais do que pintura, a moldura é acessório em relação ao quadro.

Houve uma hipótese, uma novidade aqui do Código atual, mas houve uma hipótese em que o Código aparentemente adotou o critério econômico, é o artigo 1255, §único.

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.

É basicamente o seguinte aqui: lembram da história das acessões, quer dizer, o que acontece quando alguém vem a construir em terreno alheio?

Regra geral, aquele que constrói em terreno alheio perde a propriedade sobre a construção em detrimento do proprietário do solo, não é isso? Porque, quem é o proprietário do solo principal adquiria propriedade sobre a construção.

Só que nós veremos que o artigo 1255, §único traz uma exceção, na chamada acessão invertida, nesse dispositivo está previsto que: se o sujeito construiu de boa fé

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em terreno alheio e se o valor da construção é substancialmente maior do que o valor do terreno, o construtor vai adquirir a propriedade do solo pagando indenização.

Quer dizer, na verdade a construção passaria a ser o principal pelo critério econômico, em sendo o principal justificar-se-ia a acessão invertida, ou seja, o construtor adquirindo a propriedade do solo.

É uma situação em que excepcionalmente o Código adotou critério econômico, artigo 1255, §único.

Intervalo.

Data: 16/09/09

Aula 03 – 2ª Parte

Dentro da categoria dos bens acessórios é preciso diferenciar os frutos e os produtos.

Os produtos são utilidades que quando retiradas do bem abalam a sua substancia, porque uma das características básicas dos produtos é a não renovabilidade. Os produtos são não renováveis, eles não têm reprodução periódica, quer dizer, as pedras em relação a uma pedreira, os metais em relação a uma mina, o petróleo.

Por outro lado, os frutos são utilidades que a coisa periodicamente produz, a percepção dos frutos não abala a substancia do bem, da coisa.

Tradicionalmente nós temos a classificação que subdivide os frutos em: naturais que seriam utilidades que a coisa periodicamente produz naturalmente, quer dizer, os frutos em relação a uma árvore, as crias dos animais.

Além das naturais, os frutos podem ser industriais que são aqueles que decorrem da atuação humana, exemplo clássico, a produção de uma fábrica.

Temos por último os frutos civis que são os chamados rendimentos e como exemplos típicos nós teríamos os aluguéis e os juros. Inclusive os frutos civis são mencionados nos artigos 1215, 1398 e 1395.

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

Art. 1.398. Os frutos civis, vencidos na data inicial do usufruto, pertencem ao proprietário, e ao usufrutuário os vencidos na data em que cessa o usufruto.

Art. 1.395. Quando o usufruto recai em títulos de crédito, o usufrutuário tem direito a perceber os frutos e a cobrar as respectivas dívidas.

Um efeito prático dessa classificação, dessa diferença entre frutos e produtos estaria, por exemplo, na sistemática do usufruto, artigo 1394, parte final.

Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.

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Vejam bem, o que a doutrina majoritária aqui sustenta, qual é a posição majoritária? No usufruto, o nu-proprietário transfere ao usufrutuário o uso e gozo do bem, só que um dos deveres do usufrutuário qual é? É de guardar a substancia da coisa, ele tem o dever de conservar a substancia do bem.

Então, se o usufrutuário se compromete a guardar a substancia da coisa a doutrina majoritária defende que o usufrutuário só pode perceber os frutos e não os produtos porque a percepção dos produtos abalaria a própria substancia do bem.

É isso que diz a lateralidade do artigo 1394: o usufrutuário tem direito a posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Há quem discorde desse entendimento sustentando que em regra o usufrutuário só pode receber os frutos, regra geral, mas essa regra comportaria exceções.

Notadamente quando o usufruto recai sobre um bem, cuja utilidade econômica pressupõe a percepção dos produtos. Quer dizer, se há um usufruto,por exemplo, sobre uma mina ou sobre uma determinada pedreira, privar o usufrutuário de perceber os produtos sobre a mina e sobre a pedreira corresponderia a abalar por completo toda a utilidade econômica que envolve o usufruto.

Então, excepcionalmente, se ficar demonstrado que a utilidade econômica do usufruto pressupõe a percepção dos produtos a 2ª corrente vai sustentar que caberia excepcionalmente ao usufrutuário a percepção dos produtos.

Quem defende isso é o Marco Aurélio Viana, o Clóvis Beviláqua e o Eduardo Ribeiro. Posição minoritária, para a maioria o Código civil no artigo 1394 exclui a percepção dos produtos.

Tem outra discussão também que decorre desse aspecto que é a seguinte: lá nos direitos reais... Lembra a história da percepção dos frutos pelo possuidor de boa e de má fé? Isto está lá nos artigos 1214 a 1216. O Código, no artigo 1214, prevê que o possuidor de boa fé tem direito aos frutos percebidos.

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.

Vamos aplicar o que acabamos de ver hoje... Os frutos percebidos são os que já foram destacados não é? Então, se eles já foram destacados, eles não tem mais uma relação de acessoriedade, diferentemente do que ocorre com os frutos pendentes que ainda estão vinculados a coisa, então são ainda acessórios.

O possuidor de boa fé tem que restituir o principal que é a coisa, ainda que ele esteja de boa fé, ele tem que devolver a coisa.

O Código, no artigo 1214 diz que o possuidor de boa fé apesar de ter que devolver a coisa ele vai pode reter os frutos percebidos porque ele sendo percebidos, esses frutos não são mais acessórios e, portanto inaplicável o princípio da gravitação jurídica, entenda-se acessório acompanha o principal, quer dizer, o acessório gravita em torno do principal e por isso ele acompanha o principal.

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Já os pendentes, o §único diz que o possuidor de boa fé tem que restituir e tem que restituir por quê? Se ele tem que restituir o principal ele também tem que restituir o acessório.

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.

Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

O possuidor de boa fé pode reter os frutos percebidos, está claro no artigo 1214, e os produtos? Será que o possuidor de boa fé pode reter os produtos? Porque o artigo 1214 só se refere aos frutos.

O que uma primeira posição vai dizer aqui? Tem duas correntes. A 1ª vai dizer que pode reter os frutos e por que ele só pode reter os frutos? Porque a percepção dos produtos abalaria a própria substância do bem e o abalo a substancia do bem violaria o direito de propriedade.

Além disso, a redação do artigo 1232 diz: os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se por preceito jurídico especial couberem a outrem.

Art. 1.232. Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem.

A regra geral é no sentido de que os frutos e produtos pertencem ao proprietário, salvo regra específica em contrário, artigo 1232, e a regra específica encontrada só prevê o que? A percepção dos frutos e não dos produtos. Essa posição é defendida pelo Carlos Roberto Gonçalves.

Contra essa posição nós temos Christiano Chaves de Farias e o Nelson Rosenvald e também o Pablo Stolze que afirmam que seria possível por analogia a percepção dos produtos.

É discutível a percepção por analogia, porque a percepção dos frutos tem uma sistemática bastante distinta da percepção dos produtos. Mas temos duas posições, é o reflexo prático dessa classificação.

Vamos nos lembrar inclusive que quanto aos frutos e produtos nós temos a redação do artigo 95 que diz: apesar de ainda não separados do bem principal os frutos e produtos podem ser objetos de negócio jurídico.

Art. 95. Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico.

Nós vimos que o artigo 95 inspira a sistemática dos bens móveis por antecipação e aí percebam que em se entendendo que os frutos e produtos podem ser bens móveis por antecipação, eles deixam de ser acessórios por antecipação.

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Por que a acessoriedade decorre do que? Da vinculação física, se nós entendermos que aqui está a sistemática dos bens móveis por antecipação, eles deixam de ser acessório por antecipação.

Por último, outra classificação. Os frutos quanto a seu estado podem ser: pendentes, que são aqueles ainda unidos ao principal; percebidos ou colhidos, são aqueles já separados, destacados.

Obs: artigos que tratam dessa classificação nós temos o artigo 237, §único; artigo 242, §único; artigo 563 e ainda artigos 1214 a 1216 fazer a remissão desses artigos lá para o artigo 95.

Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Parágrafo único. Quanto aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-fé.

Art. 563. A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros, nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas sujeita-o a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas doadas, a indenizá-la pelo meio termo do seu valor.

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.

Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.

Os frutos podem ser ainda estantes: são aqueles separados e armazenados para a venda; percipiendos que são aqueles que deveriam ser, mas não foram percebidos. Os frutos percipiendos estão previstos no artigo 1216 que diz que o possuidor de má fé tem que indenizar os frutos percipiendos.

Temos por último os frutos consumidos, que não mais existem porque foram utilizados.

Outra categoria de acessório muito importante são as pertenças. As Pertenças estão sistematizadas nos artigos 93 e 94.

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O artigo 93 diz lá: são pertenças os bens que não constituindo partes integrantes se destinam de modo duradouro, ao uso, serviço ou aformoseamento de outro.

Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.

O que dá para perceber aqui? Que essa definição de pertenças se encaixa na antiga definição dos bens imóveis por acessão intelectual. Quer dizer, os antigos bens imóveis por acessão intelectual passam a ter a natureza jurídica de pertença. Houve, portanto uma mudança na natureza jurídica.

Não é correto afirmar que pertença é sinônimo de imóvel por acessão intelectual, não é correto porque a definição de pertenças é mais ampla, porque as pertenças elas podem envolver não só bens imóveis, mas também bem móveis.

Exemplo que a doutrina costuma trazer: um aparelho de CD em relação ao automóvel não é parte integrante, mas se destina ao uso do bem. O aerofólio em relação ao automóvel não é parte integrante, mas se destina ao aformoseamento. Então, a definição de pertenças é sem dúvida mais ampla.

Outro aspecto muito importante: em sendo a pertença um acessório, a princípio afirmaríamos que o acessório serve o principal, princípio da gravitação jurídica.

Princípio da gravitação jurídica que está previsto no artigo 233 do Código Civil que ressalta que a obrigação de dar o principal quer a presunção de dar o acessório.

Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.

Cuidado porque em relação às pertenças há a regra especial do artigo 94 que ressalta que a obrigação de dar o principal não gera a presunção de dar as pertenças. Quer dizer, a pertença é um acessório sobre o qual não incide o princípio da gravitação jurídica, artigo 94, e sempre sugiro uma remissão recíproca: artigo 94 e artigo 233.

Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.

Diz o artigo 94: os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da vontade ou das circunstancias. Claro que é uma presunção relativa.

Cuidado porque já vi gente dizendo “ah, então a pertença é o principal” e não é principal. O fato de a pertença não se aplicar a gravitação jurídica não significa dizer que a pertença é principal, fica claro que a pertença ela é acessória por quê? Porque ela se instrumentaliza a servir ao uso, serviço ou aformoseamento. Nós não temos na pertença uma vinculação física porque a pertença não é parte integrante, mas nós temos na pertença o que? Uma vinculação finalística.

Pergunta do aluno.

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Resposta: praticamente unânime.

Pergunta do aluno.

Resposta: o Christiano Chaves é um dos poucos que defende o contrário. A própria redação do artigo 94 diz lá: os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças. “Bem principal” e bem principal se contrapõe a acessório.

Há certa resistência por parte de alguns porque não há uma vinculação física em relação ao bem, mas a vinculação finalística qualificaria a pertença como acessório. Na verdade, seria um acessório em relação ao qual não se aplicaria a gravitação jurídica por força de regra especial do artigo 94.

Pergunta do aluno.

Resposta: há uma discussão que vamos ver daqui a pouco se a parte integrante é acessória ou não. Vamos deixar para ver daqui a pouco... Vamos ficar só com a pertença, mas a posição amplamente dominante aqui... Só para mencionar alguns autores: Carlos Roberto Gonçalves, Venosa, Gustavo Tepedino, Eduardo Ribeiro, posição amplamente dominante que na verdade a vinculação seria finalística.

Vale a pena uma remissão... Cuidado a regra geral é o artigo 233, a especial é o artigo 94 e tem uma especial da especial que é o artigo 566, I que diz: o locador é obrigado. Inciso I: a entregar ao locatário a coisa alugada com suas pertenças, salvo cláusulas expressa em contrário.

Art. 566. O locador é obrigado:

I - a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário;

Quer dizer, no caso específico de locação o artigo 566, I do Código diz que há presunção do locatário entregar as pertenças. Quer dizer, o artigo 566, I excepciona o artigo 94.

Justamente por conta do critério funcional nada impede que a pertença tenha um valor superior ao principal, nada impede. Porque na verdade o critério determinante para definir o que é principal e o que é acessório não seria o critério econômico e sim o critério funcional.

Outra pegadinha aqui é a seguinte: se eu tenho lá alguns livros no meu apartamento, esses livros são pertenças? Não, porque a pertenças (artigo 93) elas se destinam ao uso, serviço ou aformoseamento do bem... No nosso exemplo seria do imóvel e não do proprietário. Quer dizer, os livros sem duvida alguma não são partes integrantes e servem ao proprietário, mas elas não servem ao bem especificamente.

Caiu em uma prova a pouco tempo, em uma prova objetiva dizendo que os armários embutidos seriam imóveis por acessão intelectual, o gabarito certo. Na

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verdade, os armários embutidos são pertenças, porque não existem mais imóveis por acessão intelectual no direito brasileiro. Houve uma confusão na hora de definir.

Vamos tratar agora... Vamos aproveitar para falar das partes integrantes. Há uma discussão se as partes integrantes seriam acessórios? A duvida é: as partes integrantes são acessórios? Definição de partes integrantes: as partes integrantes são partes concretas que entram na unidade que compõe o bem. Essas partes integrantes podem ser essenciais ou não essenciais.

As partes integrantes essenciais são aquelas cuja retirada geraria a destruição do bem. Então, as partes integrantes essenciais a princípio elas não podem ser objeto de relação jurídica autônoma, elas são indestacáveis, elas não podem ser separadas. Quer dizer, a construção em relação ao imóvel seria uma parte integrante essencial... O cimento, tijolos que compõem determinado imóvel seriam partes integrantes essenciais.

As partes integrantes não essenciais são aquelas que podem ser objeto de relação jurídica autônoma.

Olha a conexão que dá para fazer... Essa questão das partes integrantes não essenciais está atrelada a figura do bem singular composto que vimos hoje. O bem singular composto é aquele que decorre da conjugação de diversas partes integrantes, mas que não perdem a sua individualidade.

Então, exemplo de parte integrante não essencial: a moldura em relação ao quadro. É parte integrante do quadro, mas pode ser objeto de relação autônoma, inclusive em algumas situações a moldura vale mais que o quadro. Os pneus em relação ao automóvel; a pedra em relação ao anel.

O que a maioria da doutrina diz? A maioria da doutrina diz que as partes integrantes não essenciais seriam acessórios, entrariam na definição de acessório.

É comum se ver em alguns manuais... O Leoni, por exemplo, quando trata de pertença, ele diz: exemplo de pertença o aparelho de CD em relação ao carro, o aerofólio em relação ao carro. Exemplo de acessório: pneus, retrovisor, seriam acessórios por se tratarem de partes integrantes. Posição majoritária.

Há quem discorde dessa posição, temos o Pontes de Miranda há muito tempo atrás discordando disso. Porque, o Pontes de Miranda sempre ressaltou o seguinte: principal e acessório pressupõe dualidade de bens e na verdade a parte integrante ela compõe a unidade, um bem, a parte integrante ela gera a formação de um único bem. Não há dualidade quando se fala em parte integrante.

Seria absolutamente supérfluo falar em “o acessório acompanha o principal” em parte integrante, porque se a parte é integrante é evidente que a aparte integrante segue, porque a parte integrante representa o próprio bem, a própria coisa. Então, não se justificaria qualificar a parte integrante como sendo acessório.

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Havia até uma regra no Código de 16 que não foi repetida no atual, que era o artigo 61, III do Código de 16 que dizia que era acessório ao solo as obras de aderência permanente.

Art. 61. São acessórios do solo:

III - as obras de aderência permanente, feitas acima ou abaixo da superfície.

O Pontes de Miranda já criticava essa posição porque na verdade as obras de aderência permanente não seriam acessórios, corresponderiam a própria parte integrante e o Código atual suprimiu a redação do legislador de 16.

Posição majoritária: parte integrante é acessória, mas na verdade essa posição é extremamente duvidosa porque principal e acessório pressupõe dualidade, o que não se verifica na sistemática das partes integrantes.

Benfeitorias, artigo 96 e 97.

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

Art. 97. Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor.

Obras ou despesas que se fazem num bem móvel ou imóvel para conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo. A definição que paira nos manuais pressupõe que essa obra ou despesa seja realizada num bem alheio.

De maneira bastante perspicaz, me parece, o Eduardo Ribeiro ressalta que na verdade é possível que haja relevância em eventual benfeitoria realizada no próprio bem. Quer dizer, não só no bem alheio, mas é possível que haja repercussão prática de eventual benfeitoria realizada no próprio bem, notadamente no artigo 453, que trata dos efeitos de eventuais benfeitorias realizadas pelo evicto, quer dizer, o evicto que supõe ser o proprietário, realiza benfeitorias e o artigo 453 trata de eventual indenização em favor do evicto.

Art. 453. As benfeitorias necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a evicção, serão pagas pelo alienante.

E ainda no artigo 505 que prevê aí a questão das benfeitorias realizadas em caso de pacto de retrovenda onde o sujeito vende o bem para outrem e se reserva o direito potestativo de reaver o bem dentro de um determinado prazo. Aquele que recebe o bem temporariamente tem propriedade resolúvel e aí o dispositivo regulamenta os efeitos de eventuais benfeitorias realizadas pelo proprietário resolúvel. Quer dizer, nós temos repercussão jurídica de eventual benfeitoria realizada pelo próprio proprietário resolúvel.

Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de

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resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.

As benfeitorias, artigo 96, elas podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias. As necessárias estão no §3º, as úteis no § 2º e as voluptuárias no §1º.

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

As benfeitor ias necessárias buscam basicamente conservação. Tradicionalmente essa conservação a que se refere o artigo 96, §3º pode ser conservação física ou jurídica.

A conservação física é a mais lembrada de todas, busca evitar a ruína, a destruição. Então, se alguém troca toda a parte elétrica de um imóvel que está na iminência de pane, nós temos uma benfeitoria necessária.

A conservação jurídica seriam na verdade benfeitorias realizadas com o objetivo de impedir a perda do bem pela via judicial.

O que na Defensoria se sustenta? Que o pagamento de IPTU seria benfeitoria necessária, liberação de uma hipoteca seria benfeitoria necessária. Percebam que pela definição que vimos agora a benfeitoria representa obras ou despesas... Não apenas obras, mas também despesas. O que há de novo aqui é o seguinte e isso é muito importante: nós temos alguns autores que vem sustentando que a conservação a que se refere a benfeitoria necessária, pode ser estática ou dinâmica.

Essas duas modalidades que vimos agora a pouco, física ou jurídica, seriam exemplos de conservação estática, então a perspectiva tradicional entraria na definição de conservação estática.

A novidade está então na conservação dinâmica. A conservação dinâmica representaria melhoramentos que tem por objetivo permitir a normal exploração econômica do bem.

Exemplo bem claro disso: piscina numa residência para mero deleite sem dúvida é benfeitoria voluptuária. A piscina numa escola talvez entre como benfeitoria útil. Agora, piscina numa escola de natação seria benfeitoria necessária, pois busca viabilizar a normal exploração econômica do bem.

Aquisição de máquinas necessárias ao funcionamento de uma empresa também entraria dentro da perspectiva da conservação dinâmica.

Vejam, o efeito prático disso qual é? Todos sabem que a benfeitoria necessária ela tem uma tutela privilegiada e essa tutela privilegiada, no caso de conservação dinâmica, decorreria da função social da propriedade e da função social da empresa.

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Por que quando alguém realiza uma despesa, um melhoramento que busca viabilizar a destinação econômica do bem, na verdade essa melhoria e essa despesa vem buscar o que? A função social da propriedade e da empresa, matéria de ordem pública no contexto atual. E esse contexto privilegiaria uma tutela específica, uma tutela privilegiada em favor da hipótese de conservação dinâmica integrando a definição de benfeitoria necessária. Quem defende isso é o Carlos Roberto Gonçalves e o Arnaldo Rizzardo.

Bom, as benfeitorias úteis estão lá no §2º: aumentam ou facilitam o uso do bem. Então, o sujeito tem uma casa com três quartos e uma suíte e decide fazer uma obra e coloca mais um banheiro, nós teríamos uma benfeitoria útil.

E as voluptuárias §1º: puro deleite, recreação.

Efeitos Práticos dessa classificação no Código Civil: artigos 1219 e 1220; artigo 453, artigo 505; artigo 1660, IV; artigo 1922 §único; artigo 2004 §2º; artigo 878 e artigo 504, §único e tem ainda o artigo 35 da lei 8245/91 – lei de locações.

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Art. 453. As benfeitorias necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a evicção, serão pagas pelo alienante.

Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

Art. 1.922. Se aquele que legar um imóvel lhe ajuntar depois novas aquisições, estas, ainda que contíguas, não se compreendem no legado, salvo expressa declaração em contrário do testador.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto neste artigo às benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias feitas no prédio legado.

Art. 2.004. O valor de colação dos bens doados será aquele, certo ou estimativo, que lhes atribuir o ato de liberalidade.

§ 2o Só o valor dos bens doados entrará em colação; não assim o das benfeitorias acrescidas, as quais pertencerão ao herdeiro donatário, correndo também à conta deste os rendimentos ou lucros, assim como os danos e perdas que eles sofrerem.

Art. 878. Aos frutos, acessões, benfeitorias e deteriorações sobrevindas à coisa dada em pagamento indevido, aplica-se o disposto neste Código sobre o possuidor de boa-fé ou de má-fé, conforme o caso.

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte

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vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço.

É importante aqui não confundir benfeitoria com acessão. Sugiro, então, a remissão artigo para esses artigos que acabei de ditar para fechar os efeitos práticos.

Então, não confundir as benfeitorias com as acessões. Diferenças básicas:

As acessões, que estão no artigo 1248, representam um meio de aquisição da propriedade imóvel, as benfeitorias não representam um meio de aquisição da propriedade imóvel.

Art. 1.248. A acessão pode dar-se:

I - por formação de ilhas;

II - por aluvião;

III - por avulsão;

IV - por abandono de álveo;

V - por plantações ou construções.

As acessões podem decorrer da intervenção humana ou da natureza. Isso fica claro porque o artigo 1248 traz cinco incisos tratando das acessões. Nos incisos de I a IV nós temos as chamadas acessões naturais: formação de ilhas, aluvião, avulsão e o álveo abandonado são acessões naturais, que decorrem da natureza e no inciso V as chamadas acessões artificiais que são a plantações ou construções que decorrem da atuação humana.

Já as benfeitorias decorrem necessariamente da intervenção humana, artigo 97. Diz o artigo 97: não se considera benfeitorias os melhoramentos ou acréscimo sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor.

O que talvez fique mais difícil em termos práticos? Talvez fique mais delicado em termos práticos diferenciar uma benfeitoria de uma construção, porque tanto na benfeitoria quanto no inciso V do artigo 1248 a melhoria decorre da intervenção humana, nas outras hipóteses é muito fácil diferenciar, mas no inciso V a questão se torna delicada.

Qual seria aí uma diferença básica entre as benfeitorias e as construções? As benfeitorias representam melhoramento sobre algo pré-existente, ao passo que as construções representam a edificação de algo novo.

Na construção há uma maior substância, um exemplo clássico: se tenho uma casa de 4 quartos e coloco mais um banheiro é benfeitoria, se tenho um solo cru e construo uma residência a hipótese é de construção.

Cuidado porque tem uma posição aqui minoritária defendida pelo Pablo Stolze. Ele, de forma minoritária, sustenta que há construção quando há aumento de

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volume. Então, pela posição do Pablo Stolze se tenho uma casa de 3 quartos, 2 suítes, eu faço um puxadinho para botar mais uma suíte é construção porque houve aumento de volume. Para a maioria da doutrina, não, isso é exemplo típico de benfeitoria útil.

O que vou dizer agora será muito importante mais para a frente, seguinte: a lógica da indenização por benfeitoria, ela decorre do que? Toda a sistemática da indenização por benfeitorias, ela decorre da vedação ao enriquecimento sem causa que inspira a necessidade de indenização por benfeitorias.

Vedação de enriquecimento sem causa era um mero princípio geral de direito sem previsão legislativa e agora está no Código Civil nos artigos 884 a 886, que tratam especificamente do vedação ao enriquecimento sem causa.

Olha só, por que a benfeitoria necessariamente decorre da intervenção humana? Por conta da vedação do enriquecimento sem causa, quer dizer, se o melhoramento ou acréscimo decorreu a conduta do possuidor é preciso que o possuidor seja, em tese, indenizado.

Veja, se o melhoramento ou acréscimo não decorre da conduta do possuidor e sim da natureza não haveria justificativa para a indenização das melhorias com vedação ao enriquecimento sem causa.

Sabendo-se disso, o que dá para inferir aqui? Que há uma tendência muito significativa, tanto da doutrina quanto da jurisprudência, em equiparar, em estender, em aplicar analogicamente a sistemática da indenização por benfeitoria para os casos de construção.

Porque o Código em algumas situações ele só se refere a indenização por benfeitorias não fazendo menção para os casos de construção e a lógica vem no sentido de se estender analogicamente por conta a vedação ao enriquecimento sem causa.

Tem uma hipótese inclusive que é ultra sensível, isso cai de vez em quando, que é a seguinte: possuidor de boa fé, ele tem direito a ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis, com direito de retenção. Artigo 1219.

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

A dúvida é a seguinte: e se o possuidor de boa fé ao invés de fazer uma benfeitoria necessária, ele faz uma construção? O artigo 1255, caput trata do tema, mas o artigo 1255, caput prevê o direito a indenização sem contemplar direito de retenção.

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

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A questão é delicada porque direito de retenção não se presume e por quê? Porque é resquício de autotutela.

Então, numa perspectiva clássica o que afirmaríamos? Possuidor de boa fé que fizer benfeitoria necessária tem direito de retenção, mas aquele que fizer construção não tem porque o legislador não prevê.

O que o STJ vem excepcionalmente defendendo e de maneira reiterada? De maneira excepcionalíssima se aplica por analogia ao artigo 1255 o direito de retenção previsto no artigo 1219. Tem enunciado do Conselho nesse sentido que é o Enunciado 81, posição consolidada já do STJ.

Enunciado nº 81, CJF: Art. 1.219: O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil, decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.

Haveria um contra-senso manifesto, o sujeito faz um banheiro ele tem direito de retenção, se ele constrói uma casa, na literalidade do Código, ele não o teria.

Isso que eu disse agora, de estender para a construção a sistemática da indenização por benfeitorias, vale para outros artigos 453, 1660 IV e ainda o artigo 204, §2º.

Art. 453. As benfeitorias necessárias ou úteis, não abonadas ao que sofreu a evicção, serão pagas pelo alienante.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.

§ 2o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.

Outro problema: e se esses melhoramentos ou acréscimos decorrem da conduta de terceiro? Qual é a posição amplamente dominante? É a posição literal do Código.

Se esses melhoramentos forem produzidos por terceiros que não o possuidor, eles não seriam benfeitorias por que o artigo 97 exige o que? Que a benfeitoria seja realizada pelo próprio possuidor e em não se qualificando como benfeitoria esses melhoramentos estariam fora do regime de indenização. Essa é a posição majoritária e é a posição literal do Código.

Há quem critique essa posição porque esses melhoramentos podem ter sido realizados por terceiros com o objetivo de beneficiar aquele possuidor. Quer dizer, pode ter havido um ato de liberalidade de terceiro com intuito de beneficiar aquele possuidor.

Alguém vai se beneficiar disso: ou será o próprio possuidor ou será um eventual adquirente e a presunção é de que se o melhoramento foi realizado por

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terceiro, na verdade o objetivo foi beneficiar a quem? Aquele determinado possuidor e, por conta disso, há quem defende que esses melhoramentos praticados por terceiros, apesar de não se enquadrarem na definição do artigo 97, também seriam suscetíveis de indenização.

Quem defende essa posição: Agostinho Alvim, Renan Lotufo e Eduardo Ribeiro.

Bens Públicos

Está nos artigos 98 a 103 do Código Civil. No artigo 99 tem aquela classificação tradicional: uso comum, uso especial e dominicais.

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Vamos ficar atentos ao seguinte: primeiro o Enunciado 287 do Conselho que trata de uma questão que os administrativistas bem desenvolvem, que é a chamada de bens públicos por afetação.

Enunciado nº 287, CJF: Art. 98: O critério da classificação de bens indicado no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos.

Quer dizer, um bem de direito privado pode ser equiparado ao status de bem público se ele tiver afetado, destinado a uma finalidade social com os efeitos práticos daí decorrentes: impenhorabilidade, impossibilidade de usucapião e assim sucessivamente.

Outra questão importante é a seguinte: dentro de uma perspectiva já consolidada na doutrina administrativista, quais seriam os bens dominicais? Seriam os bens desafetados.

Só que o §único do artigo 99 traz aqui uma novidade... Vou orientar para o direito civil, pois há administrativistas que defendem que essa regra tem que ser ignorada, há muitas críticas sobre o §único.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

“Não dispondo a lei em contrário consideram-se bens dominicais os bens pertencentes as pessoas jurídicas de direito público a de se tenha dado estrutura de direito privado”.

Tem uma primeira posição defendida pelo Christiano Chaves de Farias com Nelson Rosenvald e é também a posição do Pablo Stolze no sentido de que a regra se aplicaria as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

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São bons autores, mas parece que há um equívoco aí, porque o Código fala em que? Pessoa jurídica de direito público que se tenha dado estrutura de direito privado. Empresa pública e sociedade de economia mista é pessoa jurídica de direito privado a Constituição prevê lá no artigo 173.

Tem um Enunciado do Conselho que é posição hoje majoritária da doutrina civilística que é o Enunciado 141. O Enunciado 141 NÃO FAZ REFERENCIA ESPECIFICAMENTE AO ARTIGO 99 §ÚNICO, ele faz referencia ao artigo 41, §único cuja redação é idêntica. A expressão é a mesma: “pessoa jurídica de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado”.

Enunciado nº 141, CJF: Art. 41: A remissão do art. 41, parágrafo único, do Código Civil às “pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado”, diz respeito às fundações públicas e aos entes de fiscalização do exercício profissional.

Art. 41, Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.

O Enunciado 141 diz que a hipótese se refere aos conselhos profissionais e as fundações públicas.

Isso causa muita estranheza aos administrativistas porque uma das conseqüências práticas dessa classificação é de que apenas os bens dominicais são alienáveis, porque eles estão desafetados, está nos artigos 100 e 101 do Código Civil.

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

Aplicando o Enunciado, nós podemos ter bens pertencentes a conselhos profissionais e fundações públicas que estejam afetados e que ainda assim sejam qualificados como dominicais e conseqüentemente alienáveis. Isso causa perplexidade aos administrativistas.

Na prova de civil, Enunciado 141 do Conselho é a posição predominante entre os civilistas. Para administrativo sugiro procurar alguém de administrativo para discutir, mas me parece que há várias críticas dentre os administrativistas.

Fim da aula.

Data: 23/09/08

Aula 04

Bem de Família Legal

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Vamos fazer breves considerações sobre alguns aspectos envolvendo bem de família legal. Na aula passada, terminamos falando de bens públicos... Vamos fazer breves considerações sobre a sistemática de bem de família legal, Lei 8009/90.

O que inspira a sistemática da Lei 8009/90 é basicamente o princípio da dignidade da pessoa humana, chegamos até ressaltar isso em aulas anteriores... Princípio da dignidade da pessoa humana e o direito social a moradia.

O Código aqui basicamente prevê, a Lei 8009/90 basicamente prevê a impenhorabilidade do bem imóvel residencial e os bens móveis que não forem adornos suntuosos, basicamente isso.

O STJ, na interpretação do que seria ou não adorno suntuoso em relação a bens móveis, ele tem uma tendência a fazer uma interpretação ampliativa, por exemplo, o STJ entende como impenhoráveis: televisão, geladeira, microondas, aparelho de ar condicionado, computador (por conta do acesso à informação), máquina de lavar roupa, já houve julgado contemplando antena parabólica e alguns julgados inclusive ressaltando a impenhorabilidade do jazigo familiar por ser a moradia permanente dos falecidos e aí dá para fazer uma conexão com a idéia da proteção post mortem dos direitos da personalidade. Também bastante firme no sentido de se reconhecer a impenhorabilidade do imóvel em construção que se destine a moradia futura.

Vejam que essa perspectiva do imóvel em construção destinado a moradia futura, se albergado pela Lei 8009/90, não deixa de representar a idéia do bem de família por antecipação por conta do critério da destinação, por conta do critério finalístico.

Outra questão bastante firme, também já chegamos fazer alusão em aulas anteriores, é a seguinte: pela letra fria do artigo 5º da Lei 8009/90 seria impenhorável o imóvel destinado a moradia permanente.

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Só que o STJ vem abrandando a exigência do rigor literal da norma e há inclusive um Informativo recente, Informativo nº 365 do STJ no sentido de ser impenhorável o imóvel ainda que o seu proprietário nele não residisse, desde que demonstrado que aquele proprietário se utilizava dos recursos da locação para sua subsistência.

PENHORA. BEM DE FAMÍLIA ÚNICO. LOCAÇÃO.

Faz jus aos benefícios da Lei n. 8.009/1990 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar, considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família. Precedentes citados: AgRg no Ag 385.692-RS, DJ 19/8/2002, e REsp 315.979-RJ, DJ 15/3/2004. REsp 243.285-RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 26/8/2008.

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O sujeito não morava no imóvel, mas ele se utilizava dos recursos provenientes dos aluguéis para a sua subsistência e, no Informativo nº 365, o STJ mais uma vez ressaltou a impenhorabilidade por conta da dignidade da pessoa humana.

Dentro dessa mesma linha de raciocínio, a literalidade da Lei 8009/90 fala em imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. Então, a princípio pela letra fria da norma só haveria proteção de imóvel em que haja moradia de pessoas casadas ou eventualmente união estável.

O STJ é bastante firme no sentido de inclusive aplicar impenhorabilidade para pessoas solteiras, ainda que o sujeito seja o único morador do bem, porque numa perspectiva civil constitucional fica claro que a Lei 8009 não tem por objetivo a proteção da família como instituição jurídica e social... O objetivo, numa leitura civil constitucional é a moradia, a dignidade da pessoa humana.

Então, é possível superar a letra fria da norma porque o objetivo da regra não é a proteção da família como instituição jurídica e social, a proteção é da dignidade da pessoa humana.

Questão que caiu na prova da Magistratura estadual, a questão da renúncia a impenhorabilidade do bem de família, qual é a posição majoritária e bastante firme do STJ? A posição majoritária pelo STJ é pela irrenunciabilidade, quer dizer, parece claro que a posição majoritária da irrenunciabilidade levando em conta os interesses protegidos pela Lei 8009, dignidade da pessoa humana e moradia.

Só que o examinador quando jogou a questão, ele queria que o candidato ao menos fizesse alusão a segunda posição que defende o seguinte: se o renunciante tem plena ciência das repercussões dos seus atos, quer dizer, se ele tem escolaridade, a alegação da impenhorabilidade que havia sido previamente renunciada, atenta contra o princípio da boa fé objetiva. O examinador, inclusive na prova colocou que ele era engenheiro não por acaso, para dizer que ele tinha escolaridade.

A questão era: o engenheiro fez um contrato e nesse contrato ele expôs um bem de família a execução... “Se eu descumprir esse meu imóvel residencial aqui está vinculado a satisfação da garantia”, ele descumpriu o contrato e quando da execução ele alegou a impenhorabilidade.

Essa conduta, pela segunda posição, atentaria contra boa fé objetiva mais precisamente em que aspecto? Lembra aquela teoria da contradição com a própria conduta, venire contra factum proprium? Quer dizer, na prova quem colocou boa fé objetiva levou quase tudo, apesar da banca da magistratura estadual ser tradicionalmente muito rigorosa, mas quem falou boa fé objetiva levou quase tudo. Mas se formos analisar de maneira mais profunda a questão envolve a aplicação da venire contra factum proprium (contradição com a própria conduta).

Essa posição é minoritária, a posição dominante do STJ é pela irrenunciabilidade.

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Tem um julgado recente do STJ muito interessante: o sujeito alegou a impenhorabilidade do imóvel no qual ele residia com base na Lei 8009/90. Só que aquele mesmo sujeito tinha dois outros imóveis gravados com cláusula de impenhorabilidade, o que fez o STJ? O STJ refutou a alegação da Lei 8009/90 porque na verdade os dois outros imóveis que ele titularizava não eram suscetíveis de penhora por conta da cláusula de impenhorabilidade e o STJ entendeu que a alegação da impenhorabilidade com base na Lei 8009/90 no único imóvel suscetível de penhora configuraria abuso do direito, RESP 831811.

DIREITO CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS IMÓVEISRESIDENCIAIS GRAVADOS COM CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE.INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 8.009/90.

- O propósito da Lei nº 8.009/90 é a defesa da célula familiar. O escopo da norma não é proteger o devedor, mas sim o bem estar da família, cuja estrutura, por coincidência, pode estar organizada em torno de bens pertencentes ao devedor. Nessa hipótese, sopesadas a satisfação do credor e a preservação da família, o fiel da balança pende para o bem estar desta última.- Contudo, os excessos devem ser coibidos, justamente para não levar o instituto ao descrédito. Assim, a legitimidade da escolha do bem destinado à proteção da Lei nº 8.009/90, feita com preferência pela família, deve ser confrontada com o restante do patrimônio existente, sobretudo quando este, de um lado se mostra incapaz de satisfazer eventual dívida do devedor, mas de outro atende perfeitamente às necessidades de manutenção e sobrevivência do organismo familiar.- Nesse contexto, fere de morte qualquer senso de justiça e equidade, além de distorcer por completo os benefícios vislumbrados pela Lei nº 8.009/90, a pretensão do devedor que a despeito de já possuir dois imóveis residenciais gravados com c láusu la de ina l ienabi l idade, impenhorabi l idade e incomunicabilidade, optar por não morar em nenhum deles, adquirindo um outro bem, sem sequer registrá-lo em seu nome, onde reside com sua família e querer que também este seja alcançado pela impenhorabilidade. Recurso especial não conhecido.

Outro julgado interessante, o STJ também entendeu que cabe o reconhecimento da indisponibilidade do bem de família por ato de improbidade administrativa, a impenhorabilidade do em de família não afasta a indisponibilidade por ato de improbidade administrativa.

A questão da indisponibilidade por improbidade administrativa está no artigo 7º, §único da Lei 8429/92 e o STJ ressaltou o seguinte: a indisponibilidade não significa expropriação. Como a indisponibilidade não corresponde a idéia de expropriação, quer dizer,a impenhorabilidade não seria incompatível com a lógica da indisponibilidade por ato de improbidade administrativa. O julgado é RESP 806301.

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE

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ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. INDISPONIBILIDADE DE BENS. BEM DEFAMÍLIA. DEFERIMENTO DE LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO.

1. A indisponibilidade acautelatória prevista na Lei de Improbidade Administrativa (art. 7º e parágrafo único da Lei 8429/92) tem como escopo o ressarcimento ao erário pelo dano causado ao erário ou pelo ilícito enriquecimento.2. A ratio essendi do instituto indica que o mesmo é preparatório da responsabilidade patrimonial, que representa, em essência, a afetação de todos os bens presentes e futuros do agente improbo para com o ressarcimento previsto na lei.3. É que o art. 7º da Lei 8429/92 é textual quanto à essa autorização; verbis:“Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado. Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.”4. Deveras, a indisponibilidade sub examine atinge o bem de família quer por força da mens legis do inciso VI do art. 3º da Lei de Improbidade, quer pelo fato de que torna indisponível o bem; não significa expropriá-lo, o que conspira em prol dos propósitos da Lei 8.009/90.5. A fortiori, o eventual caráter de bem de família dos imóveis nada interfere na determinação de sua indisponibilidade. Não se trata de penhora, mas, ao contrário, de impossibilidade de alienação, mormente porque a Lei n.º 8.009/90 visa a resguardar o lugar onde se estabelece o lar, impedindo a alienação do bem onde se estabelece a residência familiar. No caso, o perigo de alienação, para o agravante, não existe. Ao contrário, a indisponibilidade objetiva justamente impedir que o imóvel seja alienado e, caso seja julgado procedente o pedido formulado contra o agravante na ação de improbidade, assegurar o ressarcimento dos danos que porventura tenham sido causados ao erário.6. Sob esse enfoque, a hodierna jurisprudência desta Corte direciona-se no sentido da possibilidade de que a decretação de indisponibilidade de bens, em decorrência da apuração de atos de improbidade administrativa, recaia sobre os bens necessários ao ressarcimento integral do dano, ainda que adquiridos anteriormente ao suposto ato de improbidade. Precedentes:REsp 839936/PR, DJ 01.08.2007; REsp 781431/BA, DJ 14.12.2006; AgMC 11.139/SP, DJ de 27.03.06 e REsp 401.536/MG, DJ de 06.02.06.7. A manifesta ausência do fumus boni iuris agregada ao periculum in mora inverso recomendam o desacolhimento do pleito. 8. Recurso especial desprovido.

Vamos nos lembrar ainda que a impenhorabilidade do bem de família ela comporta as exceções do artigo 3º da Lei 8009/90 prevê exceções a impenhorabilidade. Estão lembrados? Créditos trabalhistas, empregados domésticos, algumas exceções previstas no artigo 3º.

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III -- pelo credor de pensão alimentícia;

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IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)

O que vale a pena mencionarmos aqui? Tem uma questão envolvendo o inciso VII que diz lá: por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Então, a lei está ressaltando o que? Que o fiador se sujeita a penhora do seu único imóvel residencial caso haja um descumprimento na prestação pelo locatário.

Se tivermos que ser parcial em alguma prova ou no plano prático dá para ressaltar que esse dispositivo é de duvidosa constitucionalidade, há quem defenda que o dispositivo é de duvidosa constitucionalidade.

Primeiro pelo seguinte: os bens móveis do locatário que não representam bens suntuosos do locatário, esses bens móveis e de família do locatário são impenhoráveis e vejam que o locatário é aquele que tem débito e responsabilidade. Por outro lado, o que a lei ressalta é que o imóvel residencial, o bem de família do fiador seria suscetível de penhora e não nos esqueçamos que o fiador é aquele que tem responsabilidade sem ter o débito. Lembram daquela história do schuld e do raftum? Quer dizer, o fiador tem responsabilidade sem ter o débito. O débito é o schuld e a responsabilidade é o raftum. Vamos ver isso com calma no direito das obrigações, mas acho que todos se lembram disso.

Então, o fiador tem responsabilidade sem ter o débito, quer dizer, a lógica estabelecida no dispositivo parece ser incompatível com o princípio da isonomia material e há outro argumento... Inclusive essa questão já foi dirimida há algum tempo atrás dirimida pelo STF. Hoje a posição dos Tribunais Superiores é favorável a aplicação da lei, mas há outro julgado no STF em que se entendeu como inconstitucional a regra e esse julgado é RE 352.940-4.

Esse julgado ressaltou que a regra seria inconstitucional alegando pura e simplesmente o direito social a moradia, a tese do julgado foi que o dispositivo viola o direito social a moradia.

Particularmente, eu acho que o julgado disse menos do que deveria, porque o julgado fala apenas em direito social a moradia. Porque vejam: falar simplesmente em direito social a moradia representaria revogar todas as hipóteses do artigo 3º, porque em todas as hipóteses se permite o atingimento do direito social a moradia. Quer dizer, talvez tenha faltado ao julgado falar naquela questão de ponderação de interesses.

Porque vejam, em várias outras exceções previstas no artigo 3º, o atingimento do direito social a moradia pela penhora do bem de família se justifica para a proteção de outro interesse socialmente relevante. Por exemplo, os créditos trabalhistas, as pessoas da própria residência, alimentos, os impostos, os tributos, enfim e na hipótese do inciso VII o legislador em tese permite o atingimento do direto

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social a moradia para proteger, em tese, o interesse patrimonial do locador, interesse que não envolve repercussão social.

Contra essa tese o que se argumenta? Se não couber penhora dos bens do locador haverá uma diminuição das garantias e qual é a tendência em havendo diminuição das garantias? Diminuição da oferta e aumento no preço dos aluguéis. Quer dizer, essa suposta segunda posição acabaria por via oblíqua atingindo o direito social a moradia porque haveria uma diminuição das garantias e conseqüentemente um aumento nos preços dos aluguéis.

Essa é uma tese boa eventualmente na Defensoria se tivermos que defender o fiador ou na advocacia privada. Agora, o entendimento amplamente hoje consolidado nos Tribunais Superiores é no sentido de aplicar o inciso VII. Quem quiser dar uma olhada, recentemente o STJ se pronunciou RESP 891290 e RESP 959972.

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA DOFIADOR. PENHORABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EPROVIDO.

1. É possível a penhora do único bem imóvel do fiador do contrato de locação, em virtude da exceção legal do art. 3º da Lei 8.009/90, inserida pelo art. 82, VII, da Lei 8.245/91, que, por ser de índole processual, tem eficácia imediata. Precedentes do STJ e do STF.2. Recurso especial conhecido e provido.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIANÇA.RESPONSABILIDADE ATÉ DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL. INAPLICABILIDADE DASÚMULA Nº 214/STJ. PENHORA EM BEM DE FAMÍLIA DE FIADOR.POSSIBILIDADE.

1. A Corte local considerou válido o título executivo, uma vez que fora fundado no contrato principal e em aditivo firmado pelas partes, com cláusula extensiva da responsabilidade fidejussória até a desocupação do imóvel.2. Diante do contexto fático delineado pelo acórdão recorrido, inaplicável o enunciado de nº 214 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, por referir-se apenas à hipótese de aditamento contratual sem anuência do fiador.3. Pacífico o entendimento deste Superior Tribunal de ser penhorável o imóvel familiar dado em garantia de contrato locativo, em face da exceção introduzida no inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/1990 pelo art. 82 da Lei do Inquilinato.4. Agravo regimental improvido.

Outra questão que merece ser lembrada: o inciso IV prevê o cabimento da penhora para cobrança de impostos predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar.

Temos aquela sistemática das taxas especificamente no direito tributário, seriam as taxas em sentido estrito que se diferenciariam das taxas em sentido amplo. O que parece vendo aqui a Lei 8009/90? Quando o legislador fala em impostos, taxas e contribuições, parece que o legislador está se referindo as taxas especificamente no direito tributário não abrangendo as taxas condominiais.

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Claro que essa é melhor tese para a Defensoria, eventualmente para a advocacia privada. Numa interpretação sistemática apesar da lei não restringir, quando a legislação coloca a expressão taxa ao lado de impostos e contribuições, o legislador estaria se referindo a taxa do direito tributário não abrangendo as taxas condominiais.

Só que o STJ entende aplicável o inciso IV por débitos condominiais. Quer dizer, diante da ausência de restrição explícita, o STJ vem entendendo que a expressão taxa não envolveria somente as taxas especificamente do direito tributário, mas abrangendo todas as demais modalidades de taxas, inclusive a taxa condominial.

Tem um julgado relativamente recente em que o STJ ressaltou que os impostos a que se refere o inciso IV são apenas aqueles de caráter propter rem. Agravo Regimental no Agravo 741.601. Então, não se aplicaria, por exemplo, para dívida de Imposto de Renda, para ISS e sim apenas para tributo de natureza propter rem... O próprio dispositivo diz isso: impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar. Quer dizer, tem a expressão “em função do imóvel familiar” que parece realmente que seriam os impostos de natureza propter rem.

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - ARTS. 348 E 350 DO CPC - ART. 3º DA LEI Nº 8.009/90 - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ - PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA - OBRIGAÇÃO PROPTER REM - POSSIBILIDADE - ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL A QUO NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ - RECURSO IMPROVIDO.

Mais, o inciso III prevê aqui a questão dos alimentos pelo credor de pensão alimentícia. O STJ também recentemente ressaltou que esses alimentos a que refere o artigo 3º abrange os alimentos devidos pela prática de atos ilícitos. Então, não seriam apenas os alimentos decorrentes do direito de família, abrangendo também os alimentos decorrentes de atos ilícitos, Agravo Regimental no Agravo 772614.

AGRAVO INTERNO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - BEM DE FAMÍLIA IMPENHORABILIDADE - OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA - ATO ILÍCITO - EXCEÇÃO. A exceção ao regime de impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, III, da Lei 8.008/90 em favor do credor de pensãoalimentícia compreende o crédito originário de indenização por ato ilícito. Precedentes. Agravo improvido.

7. Pessoa Jurídica

Vamos começar a tratar de alguns aspectos relevantes envolvendo pessoa jurídica cuja sistemática vem nos artigos 40 a 78.

Numa definição básica, a doutrina costuma ressaltar que a pessoa jurídica seria uma entidade a que a lei atribui personalidade jurídica.

Alguns dos efeitos práticos decorrentes dessa atribuição da personalidade jurídica seriam, por exemplo, a questão da autonomia patrimonial, talvez seja o aspecto que chame maior atenção, a pessoa jurídica tem domicílio próprio, tem vontade própria e nome próprio.

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Os autores costumam ressaltar que a gênesis da pessoa jurídica vem desde os primórdios da humanidade porque desde o início os seres humanos perceberam que eles só poderiam sobreviver atuando coletivamente, quer dizer, algumas finalidades elas só são compatíveis com atuação conjunta entre os indivíduos, daí o surgimento das pessoas jurídicas.

Vamos lembrar a classificação segundo a qual as pessoas jurídicas podem ser de direito público e de direito privado.

As pessoas jurídicas de direito público podem ser de direito público interno ou externo, sendo que as de direito público interno estão elencadas no artigo 41 do Código Civil e as pessoas jurídicas de direito público externo estão no artigo 42.

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

I - a União;

II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;

III - os Municípios;

IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)

V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.

Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

Pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados, Municípios, Autarquias. Pessoas jurídicas de direito público externo: Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. Além dos Estados estrangeiros, alguns exemplos em doutrina seriam a ONU, FMI, OMS, dentre outros.

As pessoas jurídicas de direito privado estão no artigo 44 e, aqui, o Código Civil explicitamente adotou uma distinção, que o legislador de 16 não fazia. O Código Civil (34’10’’) explicitamente tratou em apartado as associações das sociedades. A doutrina já assim defendia, só que o Código agora tratou em apartado, quer dizer, as associações estão lá no inciso I e as sociedades no inciso II.

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)

V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)

Pergunta do aluno.

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Resposta: O novo Código literalmente traz essa dicotomia: associação e sociedade que a doutrina já fazia, mas o Código agora vem em harmonia com a posição doutrinária anterior.

Então, o inciso I prevê as associações que em como característica básica a inexistência de fins lucrativos e as sociedades que, a contrario sensu, têm finalidade lucrativa.

As associações e a sociedades são as chamadas corporações. A expressão que a doutrina se utiliza para se referir as associações e as sociedades, são as chamadas corporações, porque tanto as associações quanto as sociedades resultam da reunião de pessoas para o atingimento de uma determinada finalidade. Os romanos chamavam e ainda hoje os manuais fazem referência a essa expressão que seriam as chamadas de universitas personarum.

Quer dizer, o que há de comum entre as associações e as sociedades é o fato de que elas decorrem da reunião de pessoas para o atingimento de uma determinada finalidade, por isso elas são chamadas de corporações e a diferença está em relação a finalidade lucrativa das sociedades e a finalidade não lucrativa das associações.

Essa questão aí das universitas personarum, das corporações traz uma diferença fundamental entre as associações e as sociedades em relação às chamadas fundações. As fundações estão previstas como pessoa jurídica de direito privado no inciso III do artigo 44 e qual é a característica básica das fundações?

Nas fundações, o ordenamento jurídico atribui personalidade não a um conjunto de pessoas que se reúnem para o atingimento de uma finalidade e sim a um acervo patrimonial. Então, nas fundações se atribui personalidade jurídica a um conjunto de bens que se destina ao atingimento do interesse social, por isso os romanos chamavam as fundações de universitas bonorum.

Sem dúvida as fundações representam uma abstração muito maior que as associações e as sociedades, por isso, as fundações surgiram num momento posterior no Direito Romano.

E o Código prevê que ainda como pessoa jurídica de direito privado as organizações religiosas e os partidos políticos, está lá nos incisos IV e V.

Pessoa Jurídica de Direito Privado

Vamos ver alguns aspectos importantes envolvendo as pessoas jurídicas de direito privado.

Olha só, chegamos a mencionar na primeira aula aquela questão dos entes despersonalizados, que dizer, excepcionalmente alguns entes despersonalizados também têm aptidão para adquirir diretos e de contrair obrigações, mencionamos a sociedade de fato, massa falida, espólio, enfim... E chegamos a ressaltar aquela questão do condomínio edilício. Vimos que há uma boa parte da doutrina em ressaltar que o condomínio edilício tem personalidade jurídica e, na verdade, um dos argumentos centrais para suscitar o condomínio de edilício como sendo dotado de

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personalidade jurídica são as prerrogativas que o condomínio edilício em termos práticos concretiza.

Quer dizer, o condomínio edilício ele tem empregados, celebra diversos contratos, recolhe tributos e assim sucessivamente e há um dispositivo que é o artigo 63, §3º da Lei 4591/64 que prevê que o condomínio tem direito de preferência para aquisição da quota do condômino inadimplente.

Art. 63, § 3º: No prazo de 24 horas após a realização do leilão final, o condomínio, por decisão unânime de Assembléia-Geral em condições de igualdade com terceiros, terá preferência na aquisição dos bens, caso em que serão adjudicados ao condomínio.

No caso de construção em regime de condomínio, previsto na lei 4591 que trata das incorporações imobiliárias, se há o inadimplemento no curso da construção por parte de um dos condôminos, esse dispositivo contempla direito de preferência do condomínio em adquirir a quota do condômino inadimplente.

E aí o que se ressalta é que essa prerrogativa do condomínio em adquirir o imóvel só é compatível com a perspectiva do condomínio como sendo dotado de personalidade jurídica.

Estou trazendo essa discussão novamente aqui nesse momento por quê? Porque o artigo 44 elenca as pessoas jurídicas de direito privado e talvez haja algum tipo de dificuldade de se enquadrar o condomínio numa dessas figuras. Talvez haja dificuldade em encaixar o condomínio como uma associação, uma sociedade e muito menos em relação a fundação, instituição religiosa e partido político.

Se formos defender que o condomínio tem personalidade jurídica, vale a pena ressaltar o Enunciado 144 do Conselho. O Enunciado 144 ressalta que esse rol do artigo 44 é meramente exemplificativo.

Enunciado 144, CJF: Art. 44: A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva.

Nós vimos que há dois Enunciados que explicitamente atribui ao condomínio edilício a natureza de pessoa jurídica que são os Enunciados 90 e 246.

Enunciado 90, CJF: Art. 1.331: Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse. (Alterado pelo En. 246 – III Jornada).

Enunciado 246, CJF: Art. 1.331: Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da

parte final: “nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse”. Prevalece o texto: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”.

A favor do condomínio edilício como tendo personalidade jurídica nós temos a Maria Helena Diniz, Marco Aurélio (atualmente examinador da Defensoria), além do Gustavo Tepedino. Contra, dentro de uma perspectiva tradicional, nós temos o Caio Mário e Carlos Roberto Gonçalves.

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Fazer remissão desses Enunciados 90 e 246 com o Enunciado 144 e o dispositivo da lei 4591.

Associações

No que diz respeito as associações, o artigo 53 do Código Civil traz as suas duas características básicas das associações que são: a primeira, que está lá no caput e que já mencionamos, ausência de fins lucrativos. Normalmente as associações se destinam a cultura, lazer, esportes e assim sucessivamente.

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Nada impede, e a doutrina é bem firme nesse sentido, é muito comum que tenhamos associações que tenham determinada atividades das quais resultem lucro, por exemplo, cantina numa associação de natureza recreativa.

Na verdade, o que a doutrina ressalta é que não há uma vedação peremptória ao atingimento de lucros. O que é da essência da associação é que os lucros não sejam repartidos entre os associados. Então, nada impede que haja lucro decorrente de uma atividade associativa. O que não se admite, obviamente, é a repartição dos lucros resultantes da associação.

O parágrafo único do artigo 53 traz como outra característica a inexistência de direitos e obrigações entre os associados.

Art. 53, Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

A respeito do tema, associação, a Constituição Federal estabelece o princípio da liberdade associativa, artigo 5º, XVII e XVIII. A exceção a liberdade associativa qual é, prevista na Constituição? A questão do caráter paramilitar, só se veda as associações com caráter paramilitar.

O que o Gustavo Tepedino ressalta é que o princípio da liberdade associativa não impede eventual controle jurisdicional sobre os objetivos efetivamente perseguidos pela associação. O princípio da liberdade associativa previsto na Constituição proíbe que o Estado venha a ter ingerência nas associações, se veda que haja prévia autorização a constituição das associações e se permite que o sujeito possa livremente se associar e deixar de ser associado, mas nada impede o controle finalístico.

Não se admite o controle do mérito dos atos da associação, mas o controle finalístico há de ser exercido até para que não haja fraude a lei porque as associações gozam de uma série de prerrogativas notadamente no âmbito tributário e fiscal.

Vejam se não dá para enquadrar aqui a possibilidade de fraude a lei? O artigo 61 trata do destino dos bens da associação no caso da sua extinção. O artigo 61 diz: dissolvida a associação o remanescente do seu patrimônio, depois de deduzidas as cotas ou frações ideais, será destinada a entidade de fins não econômicos designados no estatuto ou omisso esse, por deliberação dos associados a instituição municipal, estadual ou federal de fins idênticos ou semelhantes.

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Vejam se não é no mínimo discutível se diante de uma hipótese concreta os associados na eminência da extinção de uma associação deliberam transformar a associação numa sociedade, com que objetivo? Para permitir a repartição do patrimônio da associação entre os sócios, quer dizer, eventualmente a transformação de uma associação em sociedade, na eminência do término da pessoa jurídica pode eventualmente configurar fraude a lei.

Percebam que o princípio da liberdade associativa não vai afastar por completo a possibilidade do controle judicial em situações como essas de fraude a lei, quer dizer, o controle finalístico sobre a associação há de ser exercido em que pese o princípio da liberdade associativa.

Fundações

Em relação às fundações tem alguns aspectos importantes. Qual é basicamente o processo de formação de uma fundação? O primeiro passo para a formação de uma fundação é a chamada dotação patrimonial que o artigo 62 ressalta que há de ser feita por escritura pública ou testamento.

Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Percebam que ainda que haja dotação patrimonial por escritura, por exemplo, essa dotação patrimonial eventualmente pode vir a ser impugnada por fraude contra credores. Nada impede que essa dotação patrimonial venha a ser anulada por fraude contra credores, quer dizer, se essa dotação patrimonial conduz o doador a um estado de insolvência, os seus credores quirografários poderão suscitar a invalidação dessa dotação patrimonial.

No caso de testamento... Façam uma remissão do artigo 62 para o artigo 158 que trata de fraudes contra credores e aí vamos lembrar que a fraude contra credores é aplicável aqui. E em se tratando de disposição orçamentária, a dotação patrimonial por testamento ou por escritura pública eventualmente, não nos esqueçamos da legítima, da intangibilidade da legítima.

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

Para quem quiser lembrar disso, há o artigo 549 que trata da doação inoficiosa. É aquela em que o sujeito doa além do que poderia se tivesse dispondo em testamento, quer dizer, você tem 500 reais em patrimônio, tem o herdeiro necessário e você faz uma doação de 300 reais. Aquilo que ultrapassa a parcela disponível é atingida de nulidade absoluta. Vale a pena fazer a remissão do artigo 62 para o artigo 158 e para o artigo 549.

Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.

Outro passo para a criação das fundações é a elaboração do estatuto e essa elaboração do estatuto pode ser direta ou fidejussória. Direta é quando o próprio

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instituidor elabora o estatuto e fidejussória no caso do artigo 65, que é quando atribui a um terceiro a missão de elaborar o estatuto.

Art. 65. Aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo com as suas bases (art. 62), o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente, com recurso ao juiz.

Outro passo é a aprovação do estatuto que está prevista no artigo 65 parte final e, na verdade, diz que o estatuto se submete a aprovação da autoridade competente com recurso ao juiz, essa autoridade competente é o MP.

O último passo é o registro que, salvo posição isolada do Fábio Ulhoa Coelho, o registro das pessoas jurídicas tem natureza constitutiva, artigo 45.

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Pergunta do aluno.

Resposta: a questão acaba sendo casuística, por quê? Porque no caso de fraude contra credores o Código prevê o prazo de 4 anos para suscitar anulação, está lá no artigo 178.

Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

Ela perguntou se vai precluir... Se com a constituição da fundação, se afastaria a possibilidade dos interessados em validar a dotação patrimonial. Depende, na fraude contra credores o prazo é de 4 anos.

Na hipótese de nulidade absoluta, vamos ver que o Código prevê no artigo 169 parte final a regra da imprescritibilidade do ato nulo. Na verdade, a nulidade seria apenas parcial no caso da doação inoficiosa, ela não atingiria por completo a dotação patrimonial, só atinge aquilo que ultrapassa a parcela disponível.

Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Uma questão importante, e que às vezes cai em prova, é o seguinte: artigo 62, §único: a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. “Somente” sugere rol taxativo, não é? Sim.

Já caiu mais de uma vez em prova de múltipla escolha e normalmente em prova objetiva o examinador segue a literalidade do Código: pode ser instituída fundação para fins educacionais, errado, porque a finalidade educacional não está contemplada no §único. Então, para prova objetiva a direção é seguir a literalidade do Código.

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Para prova dissertativa, se o examinador pergunta isso não podemos deixar de fazer alusão a uma segunda corrente que defende aqui que o rol é meramente exemplificativo.

Por que vejam bem, o que temos na fundação como nós vimos? Personalidade jurídica atribuída a um conjunto de bens, a um acervo patrimonial. O que justifica a atribuição dessa personalidade jurídica a esse acervo patrimonial? É os fins a que ela se dirige e necessariamente uma finalidade envolvendo interesse social.

Então, o que a segunda corrente defende é que o rol aqui não é taxativo, na verdade o que importa é que a fundação tenha finalidade de atendimento ao interesse social, ainda que o interesse social não esteja elencado no parágrafo único. Quer dizer, é possível a constituição de uma fundação com o objetivo de proteção ao meio ambiente, para finalidade e pesquisa científicas? Para a segunda posição, sem dúvida alguma. Nesse sentido Enunciados 8 e 9 do Conselho ressaltando que o rol é meramente exemplificativo, o que importa é o interesse público.

Enunciado 08, CJF: Art. 62, parágrafo único: A constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no Código Civil, art. 62, parágrafo único.

Enunciado 09, CJF: Art. 62, parágrafo único: Deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações com fins lucrativos.

Outra questão que cai de vez em quando, caiu na última prova para AGU. O artigo 66 diz lá: velará pelas fundações o MP do estado onde situadas. Então, cabe ao MP velar pelas fundações. Justificável, porque a fundação busca o atendimento do interesse público.

Aí o parágrafo único diz assim: se funcionarem no Distrito Federal ou em Território caberá o encargo ao MPF.

A doutrina já vinha a algum tempo discutindo a constitucionalidade do dispositivo. Por que vejam, o DF é um ente federativo e a Constituição contempla a existência do MP do Distrito Federal, está lá no artigo 128 da Constituição. Então, não haveria razão para se atribuir atribuição ao MPE para zelar pelas fundações e quando a fundação se situasse no DF que essa atribuição coubesse ao MPF, isso atentaria inclusive contra a autonomia do ente federativo DF.

Foi objeto essa questão de ADIN e o Supremo já reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo, ADIN 2794, que ressalta explicitamente que no caso de fundações situadas no DF a atribuição não é do MPF e sim do MPDF.

EMENTA:

I. ADIn: legitimidade ativa: "entidade de classe de âmbito nacional" (art. 103, IX, CF): Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP 1. Ao julgar, a ADIn 3153-AgR, 12.08.04, Pertence, Inf STF 356, o plenário do Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as entidades de classe de segundo grau - as chamadas "associações de associações" - do rol dos legitimados à ação direta. 2. De qualquer sorte, no novo estatuto da CONAMP - agora Associação Nacional dos Membros do

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Ministério Público - a qualidade de "associados efetivos" ficou adstrita às pessoas físicas integrantes da categoria, - o que bastaria a satisfazer a antiga jurisprudência restritiva. II. ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática entre a finalidade institucional da entidade requerente e a questão constitucional objeto da ação direta, que diz com a demarcação entre as atribuições de segmentos do Ministério Público da União - o Federal e o do Distrito Federal. III. ADIn: possibilidade jurídica, dado que a organização e as funções institucionais do Ministério Público têm assento constitucional. IV. Atribuições do Ministério Público: matéria não sujeita à reserva absoluta de lei complementar: improcedência da alegação de inconstitucionalidade formal do art. 66, caput e § 1º, do Código Civil (L. 10.406, de 10.1.2002). 1. O art. 128, § 5º, da Constituição, não substantiva reserva absoluta à lei complementar para conferir atribuições ao Ministério Público ou a cada um dos seus ramos, na União ou nos Estados-membros. 2. A tese restritiva é elidida pelo art. 129 da Constituição, que, depois de enumerar uma série de "funções institucionais do Ministério Público", admite que a elas se acresçam a de "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas". 3. Trata-se, como acentua a doutrina, de uma "norma de encerramento", que, à falta de reclamo explícito de legislação complementar, admite que leis ordinárias - qual acontece, de há muito, com as de cunho processual - possam aditar novas funções às diretamente outorgadas ao Ministério Público pela Constituição, desde que compatíveis com as finalidades da instituição e às vedações de que nelas se incluam "a representação judicial e a consultoria jurídica das entidades públicas". V - Demarcação entre as atribuições de segmentos do Ministério Público - o Federal e o do Distrito Federal. Tutela das fundações. Inconstitucionalidade da regra questionada (§ 1º do art. 66 do Código Civil) -, quando encarrega o Ministério Público Federal de velar pelas fundações, "se funcionarem no Distrito Federal". 1. Não obstante reserve à União organizá-lo e mantê-lo - é do sistema da Constituição mesma que se infere a identidade substancial da esfera de atribuições do Ministério Público do Distrito Federal àquelas confiadas ao MP dos Estados, que, à semelhança do que ocorre com o Poder Judiciário, se apura por exclusão das correspondentes ao Ministério Público Federal, ao do Trabalho e ao Militar. 2. Nesse sistema constitucional de repartição de atribuições de cada corpo do Ministério Público - que corresponde substancialmente à distribuição de competência entre Justiças da União e a dos Estados e do Distrito Federal - a área reservada ao Ministério Público Federal é coextensiva, mutatis mutandis àquela da jurisdição da Justiça Federal comum e dos órgãos judiciários de superposição - o Supremo Tribunal e o Superior Tribunal de Justiça - como, aliás, já o era sob os regimes anteriores. 3. O critério eleito para definir a atribuição discutida - funcionar a fundação no Distrito Federal - peca, a um só tempo, por escassez e por excesso. 4. Por escassez, de um lado, na medida em que há fundações de direito público, instituídas pela União - e, portanto, integrantes da Administração Pública Federal e sujeitas, porque autarquias fundacionais, à jurisdição da Justiça Federal ordinária, mas que não tem sede no Distrito Federal. 5. Por excesso, na medida em que, por outro lado, a circunstância de serem sediadas ou funcionarem no Distrito Federal evidentemente não é bastante nem para incorporá-las à Administração Pública da União - sejam elas fundações de direito privado ou fundações públicas, como as instituídas pelo Distrito Federal -, nem para submetê-las à Justiça Federal. 6. Declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 66 do Código Civil, sem prejuízo, da atribuição ao Ministério Público Federal da veladura pelas fundações federais de direito público, funcionem, ou não, no Distrito Federal ou nos eventuais Territórios.

Essa mesma ADIN vem em harmonia com o Enunciado 147 que diz: o Código Civil atribui ao MPE o dever de velar pelas Fundações de direito privado, mas o Código Civil não afasta do MPF a atribuição de velar pelas fundações públicas da Administração Federal.

O Enunciado 147 ressalta ainda que o MPF também tem atribuição para fiscalizar os atos de fundações que recebam verbas da Administração Pública Federal.

O que caiu na prova da AGU foi só a questão da inconstitucionalidade do MPF no caso do DF, foi o que caiu lá, mas na verdade não se afasta aí a atribuição do MPF para a fiscalização das fundações da Administração Pública Federal, aquelas que recebem recursos da Administração Federal.

Tem uma pegadinha aqui que mais uma vez caiu na prova da AGU: vamos supor que uma fundação tenha a sua atividade desenvolvida dentro de mais um estado, quer dizer que, uma mesma fundação atua no Rio, São Paulo, Minas. Se aplicarmos a lógica do direito administrativo o que talvez viéssemos a imaginar aqui?

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Se a atividade da fundação se estende a mais de um estado a atribuição seria vinculado ao MPF, mas na verdade não é isso, parágrafo 2º do artigo 66 diz: se estenderem a atividade por mais de um estado caberá o encargo em cada um deles ao respectivo MP.

Cai muito a afirmativa do §2º atraindo a sistemática para o MPF, como se a atividade em sendo desenvolvida ao longo de mais de um estado, permitisse ao MPF a fiscalização, mas não é verdade... A lógica estabelecida aqui é diferente. Cuidado com essa pegadinha aí.

Pergunta do aluno.

Resposta: talvez em termos práticos possa surgir, porque o Código diz aqui: caberá o encargo em cada um deles ao respectivo MP. Pela lógica do Código, temos que verificar se o ato fiscalizado ele é praticado num estado ou em outro, mas é claro que eventualmente isso, em termos práticos, possamos ter algum tipo de problema prático porque um ato praticado por estado pode ter repercussão direta em outro. Mas talvez entender que o MPF viesse a dirimir essa contenda violaria a autonomia dos entes federativos.

Dano Moral a Pessoa Jurídica

Vamos começar a tratar de um termo importante que é a questão do dano a moral a pessoa jurídica.

Antes do Código atual já havia a Súmula 227 do STJ que diz: cabe dano moral a favor de pessoa jurídica.

É claro que quando a Súmula diz que cabe dano moral a Súmula esta se referindo a honra objetiva, porque pessoa jurídica não tem honra subjetiva, ou seja, a reputação da pessoa jurídica.

O Código atual trata do tema no artigo 52, Código que é posterior a Súmula, trata do tema no artigo 52 que diz: aplica-se as pessoas jurídicas no que couber a proteção dos direitos da personalidade.

A posição majoritaríssima aqui é no sentido de que o artigo 52 do Código Civil apenas reforça o teor da Súmula. Se o artigo 52 diz que a proteção dos direitos da personalidade se estende a pessoa jurídica, o artigo está dizendo que cabe dano moral.

Se cair isso numa prova dissertativa é claro que o examinador não vai querer ouvir só isso... Há uma segunda posição, defendida pelo Gustavo Tepedino segundo a qual não cabe dano moral em favor de pessoa jurídica.

Por quê? O dano moral recebe uma série de mecanismos especiais de proteção do ordenamento jurídico, por exemplo, cabe tabelamento legislativo de dano moral? Não cabe, porque não cabe tabelamento legislativo da dignidade da pessoa

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humana. Em termos práticos tem um tabelamento jurisdicional, a jurisprudência notoriamente faz tabelamento extra-oficial, mas não cabe tabelamento legislativo por conta da dignidade da pessoa humana.

Outro ponto: o dano moral é in re ipsa, em termos práticos quando se diz que o dano moral é in re ipsa o que se afirma é que a vítima não tem o ônus de comprovar a dor do sofrimento. Quer dizer, na verdade todos esses mecanismos especialíssimos de proteção ao dano moral decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana. O que o Tepedino afirma é que se estendermos o dano moral a pessoa jurídica nós estaremos estendendo a dignidade da pessoa humana em favor da pessoa jurídica.

O que fez o princípio da dignidade da pessoa humana? Colocou a pessoa física no epicentro do sistema, não é isso? Lembra da história da despatrimonialização do direito civil? Quando há um conflito entre o interesse patrimonial e o existencial há de preponderar o interesse existencial, então a pessoa física está no ápice do ordenamento jurídico.

Então, na verdade atribuir dano moral a pessoa jurídica seria como que amesquinhar, aviltar o papel de destaque que a pessoa física ocupa no ápice ordenamento jurídico.

E mais, além de ressaltar que essa perspectiva seria incompatível com a despatrimonialização do direito civil, o Tepedino ressalta que quando se atinge a reputação da pessoa jurídica o dano não é moral e sim patrimonial. Porque sem dúvida um dos fatores que compõe a aptidão de lucro da pessoa jurídica é a sua reputação e o atingimento a reputação vai gerar a queda de lucro, queda de dividendos.

Pergunta do aluno.

Resposta: aí o próprio Tepedino ressalta o seguinte: e se nós estivermos diante de uma associação que não tem finalidade lucrativa? E aí Tepedino diz que se estivermos diante de uma entidade que não tenha finalidade lucrativa surge os chamados danos institucionais. E aí os críticos dizem o que? Falar em danos institucionais seria uma mera questão de retórica para não falar em dano moral.

O Tepedino se defende dizendo o seguinte: tem interesse prático sim, a questão não é de mera retórica, porque vejam o dano institucional ele não decorre da dignidade da pessoa humana e, por não decorrer da dignidade da pessoa humana, o dano institucional admite tabelamento legislativo, cabe tabelamento legislativo de dano institucional, o dano institucional não é in re ipsa.

Ou seja, o que o Tepedino ressalta é que todas as circunstancias, todas as medidas especialíssimas de proteção que envolve o dano moral decorrente da dignidade da pessoa humana não seriam extensíveis ao chamado dano institucional, porque o dano institucional não estaria atrelado à dignidade da pessoa humana.

Tem um enunciado do Conselho sobre o tema que é o Enunciado 286: os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais da pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos.

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Quer dizer, o Enunciado 286 vem em harmonia com o entendimento do Gustavo Tepedino.

Não reflete o Enunciado 286 a posição majoritária da doutrina e jurisprudência, não reflete. O Enunciado 286 é fruto de uma influencia significativa do Gustavo Tepedino na elaboração dos enunciados, é preciso ter cuidado porque podemos achar que é majoritário e não é, na verdade é fruto da influencia marcante do Tepedino principalmente na última jornada.

Aí o Tepedino, só para fechar a questão, diz o seguinte: redação do artigo 52, sustenta a 2ª corrente, é menos pior do que a Súmula. A segunda corrente diz que a Súmula é terrível, pois diz que cabe dano moral. O artigo 52 não diz que cabe dano moral, ele diz: aplica-se as pessoas jurídicas no que couber a proteção aos direitos da personalidade.

Então, por exemplo, se aplica analogicamente as pessoas jurídicas a proteção do direito ao nome. A questão ao direito a privacidade, que está atrelada a pessoa física, se aplicaria analogicamente a pessoa jurídica com a questão do direito ao sigilo. O direito ao sigilo seria para a pessoa jurídica uma proteção da privacidade atrelada a pessoa física.

Quer dizer, na verdade o que o artigo 52 ressalta é que alguns mecanismos de proteção dos direitos da personalidade seriam analogicamente aplicáveis as pessoas jurídicas, mas não necessariamente o artigo 52 ressalta o cabimento, de dano moral, em favor de pessoa jurídica.

8. Desconsideração da Personalidade Jurídica

Outro tema muito importante aqui, que é meio civil e meio empresarial, é a questão da desconsideração da personalidade jurídica.

Tem uma expressão que também é muito conhecida, vem lá do direito inglês e do direito americano... Alguns também chamam a desconsideração da personalidade jurídica de teoria da penetração. Se tivéssemos que definir a teoria da desconsideração em poucas palavras talvez as mais apropriadas seriam as seguintes: é o rompimento da autonomia patrimonial.

Essa expressão, na síntese, dá idéia que na desconsideração se permite o atingimento direto do patrimônio do sócio por dívida da pessoa jurídica, aquela expressão do Rubens Requião “levantar o véu” que encobre a pessoa jurídica, o véu seria a autonomia patrimonial.

Não confundir desconsideração da personal idade jurídica com despersonalização que é sinônimo de despersonificação.

Qual é a diferença? A desconsideração extingue parcialmente a pessoa jurídica? Ela exclui algum sócio? Não, o que nós temos na desconsideração? Nós temos uma ineficácia episódica dos atos constitutivos, temos uma ineficácia episódica, uma ineficácia pontual da autonomia patrimonial. Quer dizer, naquele caso concreto se permite o atingimento direto do patrimônio do sócio, mas esse sócio não é excluído,

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não é banido da pessoa jurídica diferentemente do que ocorre com a despersonificação que representa a extinção da pessoa jurídica.

Na verdade, nós temos duas classificações diferentes. A primeira trata da teoria subjetiva versus teoria objetiva.

Pela teoria subjetiva é pressuposto da desconsideração a demonstração de fraude (elemento subjetivo). A Teoria objetiva, a contrario sensu, dispensa a demonstração de fraude.

A outra classificação: teoria menor versus teoria maior.

Pela teoria menor, a simples dificuldade do credor em receber o que lhe é devido autoriza a desconsideração. A teoria maior, a contrario sensu, pela teoria maior a mera dificuldade do credor não autoriza a desconsideração.

Previsões Legislativas no direito brasileiro

Artigo 28 da lei 8078/90 que é o CDC; temos ainda o artigo 18 da lei 8884/94 que trata de normas de concorrência; temos ainda o artigo 4º da lei 9605/98 (meio ambiente) e ainda o artigo 50 do Código Civil.

Sobre essa evolução legislativa, o Enunciado 51 me parece diz o óbvio, o Código Civil é lei posterior a todas essas disposições normativas aí anteriormente mencionadas. O Código Civil revogou as legislações anteriores em relação ao tema? Não, nesse aspecto vamos aplicar o sistema da especialidade.

Enunciado 51, CJF: Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.

Então, se for relação de consumo vamos aplicar a desconsideração do CDC, se for direito ambiental a da lei 9605 e assim sucessivamente, é o que diz o Enunciado 51 que o Código Civil não revoga as disposições anteriores acerca do tema.

Para o direito civil, às vezes somos instados a enfrentar principalmente nas provas, é a dicotomia de tratamento entre o Código Civil e o CDC.

Quais são as distinções aí de tratamento da matéria entre o CDC e o Código Civil? Diz o artigo 28 do CDC: o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando em detrimento do consumidor houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, a desconsideração também será efetivada quando houver falência e insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica por má administração.

Vários autores aqui criticam a forma pela que o direito brasileiro trata o tema, especialmente o artigo 28 do CDC, porque vejam, na gênesis do instituto qual era a idéia básica da desconsideração? A desconsideração se aplicava atrelada a idéia de abuso do direito. Lembra daquele caso: o marido sócio de 99,99% e a mulher 0,01% e ela nunca foi a empresa, nem sabe o que acontece.

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Vejam que nesse caso a própria criação da pessoa jurídica é uma fraude, houve um abuso do direito de constituir pessoa jurídica, por que o único objetivo da pessoa jurídica qual foi? Estabelecer autonomia patrimonial. Então, tradicionalmente a idéia da desconsideração está atrelada a idéia de fraude, a idéia de abuso no direito de criar a pessoa jurídica.

O Tepedino, Alexandre Assunção, eles dizem o seguinte: se há a pratica de ato ilícito por parte de um dos sócios é desnecessário falar de desconsideração da pessoa jurídica, se há prática de ato ilícito o próprio ordenamento jurídico já prevê a responsabilidade civil por ato ilícito.

Então na verdade haveria uma promiscuidade aqui entre os temas desconsideração da personalidade jurídica e responsabilidade civil no Brasil, quer dizer, não se cogitaria falar em desconsideração no caso da prática de atos ilícitos.

Vejam que foi justamente essa promiscuidade que foi contemplado no artigo 28 do CDC... O CDC fala em ato ilícito, relação dos estatutos sociais e os autores mais especializados criticam essa abrangência da desconsideração no Brasil.

Fato é que o artigo 28 caput do CDC indiscutivelmente adota a teoria maior e a teoria subjetiva. Só que o §5º do mesmo artigo 28 diz lá: também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Quer dizer que, o §5º do mesmo artigo 28 adota a teoria menor, a teoria objetiva.

O que a maioria da doutrina defende aqui? Defende que, com o §5º, o caput, toda a descrição do caput passa a ser letra morta porque o §5º diz o que? Não precisa de ter fraude, não precisa de ter ato ilícito, não precisa de nada daquilo... Se houver dificuldade do consumidor receber o que lhe é devido, o §5º autorizaria a desconsideração da personalidade jurídica. Quer dizer, numa interpretação sistemática, o CDC teria adotado a teoria objetiva, teoria menor.

Pergunta do aluno.

Resposta: Nós vamos ver daqui a pouco no Código Civil que a menor não é sinônimo de objetiva e a maior não é sinônimo de subjetiva... Vamos deixar para ver daqui a pouco, pois acho que no Código Civil ficará mais claro.

Só que vejam, qual é a justificativa para adotar a teoria menor no CDC? A necessidade de proteção ao consumidor. Essa posição não é unânime, há quem defenda que na verdade o §5º só seria aplicado se presente os requisitos do caput.

Notadamente se for adotado o §5º de maneira isolada, primeiro o caput vira letra morta e as regras do § tem que ser interpretada em harmonia com as regras do caput e mais, a letra fria do §5º representaria um aniquilamento da autonomia patrimonial em relação de consumo.

Quer dizer, em termos práticos, o legislador estaria excluindo a autonomia patrimonial em relação de consumo porque se em toda e qualquer situação de dificuldade o consumidor puder obter a desconsideração da personalidade jurídica,

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ainda que não haja abuso, ainda que não haja fraude, mas na verdade aniquilaríamos a autonomia patrimonial.

Vejam que quem defende essa tese vai afirmar o seguinte: a autonomia patrimonial é matéria de ordem pública, porque ela representa um fator de encorajamento a investimento no setor produtivo, porque se não houver a autonomia patrimonial ao invés de investir no setor produtivo o sujeito notadamente vai investir no mercado especulativo, financeiro.

Então, autonomia patrimonial estaria atrelada inclusive função social da empresa porque a lógica da autonomia patrimonial confere a segurança mínima para encorajar investimentos no setor produtivo.

A aplicação literal do §5º colidiria com a presunção de boa fé do ordenamento jurídico. Quer dizer, nem toda situação de dificuldade financeira da pessoa jurídica decorre de um ato imputável aos sócios da pessoa jurídica.

Tem outro argumento que é o seguinte: o §1º artigo 28 do CDC foi vetado e na verdade é incontroverso que esse veto aqui decorreu de equívoco, o veto era para o §5º.

Se forem olhar as razões do veto essas razões impugnam o §5º, ressaltam justamente que o §5º seria incompatível com a regra do caput. O que o §1º dizia e foi infelizmente vetado é que na desconsideração primeiro se atingiria o patrimônio dos sócios administradores e depois os demais sócios integrantes da pessoa jurídica e as razões do veto justificam que o §5º seriam incompatíveis com o caput. Foi erro material.

Quem defende essa segunda posição: José Geraldo Brito Filomeno e Gustavo Tepedino.

Pergunta do aluno.

Resposta: se o atingimento seria indiscriminado a qualquer dos sócios? Na verdade, aqui não vamos falar em subsidiariedade, pois estamos falando em desconsideração, estamos aniquilando autonomia patrimonial... Tem o Enunciado 7 do Conselho, que vem em harmonia com a posição da doutrina, diz lá: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e limitadamente aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.

Quer dizer, o Enunciado 07 acaba estabelecendo um limite subjetivo a responsabilidade dos sócios em sede de desconsideração. Porque o que a doutrina costuma ressaltar é o seguinte: a desconsideração a princípio ela deve se dirigir aos sócios administradores que praticaram a irregularidade, a princípio. Esse seria um instrumento relevante para a proteção dos demais sócios e acionistas de boa-fé, para que não haja, mais uma vez, um fator de desencorajamento ao investimento no setor produtivo.

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Não há uma regra no direito positivo nesse sentido, mas a boa doutrina ressalta que primeiro devem ser buscados os patrimônios dos sócios administradores que incorreram na irregularidade.

Pergunta do aluno: Solidariamente?

Resposta: diretamente, em termos práticos, solidariedade porque vai atingir diretamente, não vai falar em subsidiariedade aqui e apenas na insuficiência de tais bens que seria justificável o atingimento dos demais.

Pergunta do aluno.

Resposta: na verdade, quando o Enunciado 07 fala em irregularidade ele está fazendo menção especificamente ao artigo 50 do Código Civil... O artigo 50, quando trata de desconsideração, ele exige confusão patrimonial ou desvio de finalidade.

Então, na verdade o Enunciado 07 está ressaltando que a princípio a desconsideração vai se dirigir ao sócio que incorreu nesse ato de confusão patrimonial que exerceu o desvio de finalidade. E aí fica claro o que? Que o artigo 50 do Código Civil literalmente adota a teoria maior incontroversamente, porque o CDC tem aquela discussão entre o caput e o §5º, o Código Civil não... O Código Civil adota a teoria maior.

Quando entrou em vigor o Código, muitos ressaltavam que o legislador no artigo 50 teria adotado não só a teoria maior, mas também a teoria subjetiva. Só que hoje o entendimento amplamente dominante (Carlos Roberto Gonçalves, Christiano Chaves de Farias, Tepedino) é de que o Código adotou a teoria objetiva.

Porque vejam bem, o que o Código exige é confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Essa confusão patrimonial, por exemplo, ela pode ser aferida por análise meramente contábil, por uma análise objetiva, não é necessária a demonstração de qualquer elemento de natureza subjetiva... Com a mera constatação pericial, contábil de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, quer dizer, o patrimônio do sócio vai para pessoa jurídica, da pessoa jurídica para o sócio, é possível uma desconsideração.

O que isso demonstra? Teoria maior não é sinônimo de teoria subjetiva porque são muitos parecidos os conceitos, por que o que é teoria maior? Pela teoria maior é a mera dificuldade do credor não autoriza a desconsideração, é preciso que haja presença de outros elementos que não a mera dificuldade. Mas percebam, esses outros elementos que geram a adoção da teoria maior podem envolver elementos de natureza objetiva ou subjetiva.

Se esses outros elementos envolvem natureza objetiva e não subjetiva (como é o caso do Código Civil) o legislador vai ter adotado a teoria maior ao lado da teoria objetiva.

Então, na verdade são duas teorias que não necessariamente coexistem, teoria maior não é sinônimo de teoria subjetiva e teoria menor não é sinônimo de objetiva.

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Intervalo...

Data: 23/09/08

Aula 04 – 2º Parte

Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica

Na desconsideração tradicional que estamos vendo até aqui, se permite o atingimento do patrimônio dos sócios por dívida da pessoa jurídica. Desconsideração inversa só pode ser ao contrário. Então, na desconsideração inversa se permite o atingimento dos bens da pessoa jurídica para saudar dívidas pessoais dos sócios.

Essa questão da desconsideração inversa está inclusive prevista no Enunciado 283, quando os autores falam da desconsideração inversa, o exemplo que sempre se traz é aquele exemplo de direito de família: casal na eminência da separação e o sujeito vai ocultando os seus bens pessoais junto a pessoa jurídica, ele vai transferindo os seus bens pessoais para a pessoa jurídica e aí quando da partilha qual a alegação dele? Eu não tenho nada e nesse caso é admissível a desconsideração inversa para o atingimento daqueles bens fraudulentamente ocultados sob a titularidade da pessoa jurídica.

Enunciado 283, CJF: Art. 50: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

É claro que a desconsideração inversa pressupõe a demonstração de fraude e, portanto quando se fala em desconsideração inversa se adota a teoria subjetiva

O exemplo é sempre no direito de família, mas percebam que pode ser aplicado em várias outras circunstâncias... Uma dívida pessoal trabalhista do sócio, uma empregada doméstica, IR de pessoa física, o instituto é plenamente aplicável em diversas circunstâncias.

Teve até um caso que aconteceu na Argentina, caso conhecido... O sujeito tinha uma pessoa jurídica, era ele, a esposa e mais cinco filhos como sócios. Só que na realidade o sujeito tinha mais um filho que não integrava a pessoa jurídica. Tudo o que ele tinha, ele jogava para a pessoa jurídica e quando do seu falecimento, o outro filho que não integrava a pessoa jurídica, pleiteou a desconsideração inversa para obter o tratamento isonômico entre os herdeiros necessários. Quer dizer, veja que o tema é inclusive potencialmente aplicável em sede de direito sucessório.

Desconsideração a favor da Pessoa Jurídica

Outro tema que merece ser lembrado é a desconsideração em favor da pessoa jurídica... Está no Enunciado 285.

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Enunciado 285, CJF: Art. 50: A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor.

Tem uma maneira simples de enfrentar a questão que é a tese defendida por Flávio Tartuce. Ele diz que quando o enunciado diz que é cabível desconsideração em favor da pessoa jurídica, o enunciado estaria autorizando uma pessoa jurídica credora a pedir a desconsideração de uma pessoa jurídica devedora. A teoria da desconsideração ela também se aplica no caso de pessoa jurídica credora.

Há quem defenda que a desconsideração em favor da pessoa jurídica, na verdade, teria outra conotação.

Não é praxe pessoa jurídica pedir gratuidade de justiça? A princípio a gratuidade se dirige a pessoa física, dificuldade de pagar as despesas do processo em prejuízo do seu próprio sustento ou de seus dependentes. Podemos hoje de maneira segura atrelar a gratuidade de justiça à dignidade da pessoa humana.

Quando a pessoa jurídica pede a gratuidade o que os autores de direito empresarial ressalvam? Se a pessoa jurídica demonstrar que tem dificuldade de pagar as despesas sem prejuízo da sua continuidade imporia gratuidade para prestigiar a função social da empresa. A função social da empresa pode representar a viabilização da gratuidade de justiça em favor de pessoa jurídica, seria justificável.

Afora essa alegação, uma coisa não exclui a outra, o que se entende é que numa perspectiva civilística quando a pessoa jurídica pede a gratuidade ela está pedindo a sua própria desconsideração, em seu próprio benefício. Porque quando a pessoa jurídica pede a gratuidade ela está pedindo um tratamento equiparado de pessoa física, então, na verdade o pedido da gratuidade por pessoa jurídica não deixaria de ser uma desconsideração da pessoa jurídica em seu próprio benefício, porque na verdade a gratuidade se dirige apenas a pessoa física. E, quando a pessoa jurídica postula a gratuidade, ela está postulando um tratamento equiparado ao de pessoa física.

Tem outro exemplo que teve até julgado recente do STJ... Empresa notadamente familiar: são sócios lá os pais e os filhos, o imóvel pertence a pessoa jurídica, mas no imóvel residem os familiares.

A impenhorabilidade da Lei 8009/90 a princípio não alberga pessoa jurídica. A alegação da impenhorabilidade de um bem pertencente a pessoa jurídica no qual reside os sócios representaria um pedido de desconsideração feito pela própria pessoa jurídica em seu próprio benefício, porque ela está pleiteando tratamento equiparado ao tratamento de pessoa física. Tem até um julgado do STJ que aplicou a Lei 8009 nesse caso de empresa familiar, em que nele residiam os sócios... Julgados recentes RESP 1024394 e RESP 949499 aplicando a Lei 8009/90 em imóvel titularizado por pessoa jurídica.

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA –IMPENHORABILIDADE – IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE SOCIEDADE COMERCIALRESIDÊNCIA DOS DOIS ÚNICOS SÓCIOS – EMPRESA FAMILIAR – PRECEDENTES.

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1. A Lei n. 8.009/90 estabeleceu a impenhorabilidade do bem de família, incluindo na série o imóvel destinado à moradia do casal ou da entidade familiar, a teor do disposto em seu art. 1º.2. Sendo a finalidade da Lei n. 8.009/90 a proteção da habitação familiar, na hipótese dos autos, demonstra-se o acerto da decisão de primeiro grau, corroborada pela Corte de origem, que reconheceu a impenhorabilidade do único imóvel onde reside a família do sócio, apesar de ser da propriedade da empresa executada, tendo em vista que a empresa é eminentemente familiar. Recurso especial improvido.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. BEM IMÓVEL QUESEMPRE SERVIU À MORADIA DE ENTIDADE FAMILIAR. REGISTRO EM NOME DAEMPRESA EXECUTADA. BEM DE FAMÍLIA. CONFIGURAÇÃO. ESCOPO DA LEI N.8.009/1990. PROTEÇÃO DO DIREITO À MORADIA DA FAMÍLIA.IMPENHORABILIDADE.1. A Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, visou conferir especial proteção à moradia da família - direito assegurado constitucionalmente (artigo 6.º) -, revelando-se menos importante o modo como se dá a ocupação do bem imóvel, se a título de propriedade - com o imóvel registrado em nome de um dos integrantes

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O acontecimento natural ordinário é aquele que não foge a normalidade, exemplo clássico: transcurso do tempo... O transcurso do tempo traz vários efeitos: o atingimento da maioridade aos 18 anos, prescrição, decadência, usucapião.

O fato jurídico stricto sensu extraordinário é o acontecimento natural que escapa a normalidade dos fatos. Muitos autores sintetizam que o acontecimento natural extraordinário envolveria as hipóteses de caso fortuito e força maior.

Se tenho que efetuar um pagamento no Município X e se na data do pagamento aquele Município se torna inacessível por uma tragédia natural, haverá mora por não cumprimento da prestação? Não, porque a mora pressupõe inadimplemento culposo.

Veja como precisamos repensar o direito civil! Vamos supor que aquele município que esteja inacessível e naquela data o credor está em outro município no qual o devedor o procura para efetuar o pagamento e o credor simplesmente diz “aqui eu não recebo, porque o local acordado é lá”. Essa recusa do credor, em uma perspectiva tradicional, seria uma recusa justificada, pacta sunt servanda. Ocorre que esse credor inobserva o dever anexo de cooperação decorrente da boa-fé objetiva.

A inobservância do dever anexo de cooperação e colaboração por parte do credor representa uma recusa injustificada, em tese, configurar-se-ia a mora do credor. Vamos ver que o princípio da boa-fé objetiva traz outros reflexos, inclusive para a caracterização da mora.

A decretação, por exemplo, de estado de calamidade pública gera reflexo no direito administrativo, a dispensa de licitação, por exemplo.

A questão ganha maiores contornos quando a gente vem aqui para baixo, quando a agente começa a falar do fato humano. Aqui, nós temos a vontade humana produzindo efeitos jurídicos. Se essa vontade é emitida em desarmonia com o ordenamento jurídico surge o chamado ato ilícito.

Perguntaram numa prova do MP se o abuso de direito é ato ilícito? Qual é a questão central aqui? A doutrina ainda majoritária, defende que teríamos aqui o ato ilícito e ponto final, quer dizer, sempre que a vontade humana for emitida em desarmonia com o ordenamento jurídico nós temos o ato ilícito.

Há quem discorde ressaltando exatamente isso aqui: na verdade nós teríamos um ato ilícito lato sensu que se subdividiria no ilícito stricto sensu e no ato antijurídico.

O ato ilícito stricto sensu é aquele do artigo 186, que é o ato ilícito tradicional (conduta, dano, dolo ou culpa e nexo causal). Para quem estudou no Código de 16 era o artigo 159 e agora é o artigo 186 do Código atual.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

O ato antijurídico seria o artigo 187, abuso do direito. O artigo 187 diz lá: também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede

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manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.

Veja que pela literalidade do artigo 187 o abuso de direito é ato ilícito. Se cair numa prova objetiva dizendo “abuso de direito é ato ilícito” está certo, o Código Civil diz isso.

Por que essa segunda corrente defende essa distinção? Porque a redação literal do artigo 187 apenas reforça a corrente tradicional, dentro ali do ato ilícito, nós teríamos tanto o artigo 186 quanto o artigo 187 pela literalidade.

A diferença é a seguinte: no ato ilícito stricto sensu, ocorre a violação dos limites formais impostos pelo legislador. Ao passo que no abuso do direito ocorre a violação dos limites axiológico-normativos impostos pelo ordenamento jurídico.

Quando se diz que no ato ilícito se viola os limites formais impostos pelo legislador, o que se está dizendo é que no ato ilícito o sujeito viola frontalmente uma regra de direito positivo. Ao passo que no abuso, se dá a violação dos limites axiológico-normativos, ou seja, a violação dos limites valorativos.

Quando falamos em valor nos lembra princípios que nos lembra abstração, então no abuso do direito o sujeito exerce um direito em desarmonia não com a literalidade do Código, mas ele exerce um direito em desarmonia com os valores, com os princípios que irradiam pelo sistema.

Se eu pratico esbulho possessório, ato ilícito. Agora, se no meu próprio terreno eu construo um muro com 10 metros de altura com um único objetivo de impedir que o sol bata na piscina do vizinho, isso é abuso do direito de propriedade, quer dizer, estou exercendo o meu direito de propriedade em desarmonia com os valores do sistema.

Teve um julgado recente do STJ, está nos últimos três Informativos... Um vizinho se comprometeu a não levantar um muro a partir de uma determinada altura, ele não levantou o muro, na verdade ele plantou árvores que ultrapassava e muito aquela metragem anteriormente permitida. Isso é o que? Abuso do direito, não é um ato ilícito porque ele não violou frontalmente o acordo de vontades, mas ele exerceu o seu direito em desarmonia com os valores do sistema.

Aquele exemplo da piscina, é um exemplo que está correto, talvez não seja o melhor dos exemplos, porque nele fica claro que aquele que incorreu no abuso tinha intenção de prejudicar outrem, só que essa intenção de prejudicar outrem não é pressuposto para configuração do abuso no Brasil. Não se exige para a configuração do abuso do direito a intenção de prejudicar outrem, isso significa dizer que o direito brasileiro não adota a teoria dos atos emulativos. E pela teoria dos atos emulativos só há abuso se houver intenção de prejudicar outrem.

O artigo 187 em nenhum momento exige esse elemento subjetivo, o artigo 187 simplesmente diz que incorre no abuso aquele que exerce o direito em desarmonia com a função social, com a boa fé e com os bons costumes.

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Nós veremos mais adiante que, em sede de abuso do direito de propriedade, o artigo 1228, §2º adota a teoria dos atos emulativos. Diz: são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

Lá sim o legislador adotou a teoria dos atos emulativos. Nós veremos mais a frente que toda construção doutrinária jurisprudencial é no sentido de superar a literalidade do artigo 1228, §2º. Mas, enfim foi a postura do direito positivo.

Exemplo mais atual que caiu na prova da Defensoria: é aquela questão da teoria do adimplemento substancial. O artigo 475 do Código Civil ressalta que se uma das partes contratantes não cumpre as suas prestações o que o outro pode fazer? Resolução do contrato ou exigir o cumprimento da prestação. Está lá no artigo 475.

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Pela teoria do adimplemento substancial o que se defende é: se uma das partes cumpriu substancialmente as suas prestações (pagou 98 de 100) não poderá o outro contratante exigir a resolução do contrato, mas apenas o cumprimento das prestações remanescentes.

Onde está previsto em lei? Não está e se tivesse previsão legal isso não seria exemplo de abuso de direito... Qual é a premissa do abuso de direito? Que não haja vedação legal, porque se há vedação legal em determinada conduta o ato é ilícito, ele entra a na sistemática do artigo 186, quer dizer, a lógica é: aquele que recebe quase tudo e exige a resolução está incurso no abuso do direito de exigir a resolução do contrato.

Quais são os valores em jogo? Basicamente a boa fé objetiva e tem outro princípio que vamos estudar mais adiante que é o princípio da conservação dos negócios jurídicos. O próprio nome já ressalta, quer dizer, esse o princípio busca na medida do possível conservar, preservar o negócio.

Essa teoria do adimplemento substancial está nos Enunciados 361 e 371 do Conselho. Mais uma questão de prova com resposta nos enunciados.

Enunciado 361, CJF: Arts. 421, 422 e 475: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.

Enunciado 371, CJF: Art. 763: A mora do segurado, sendo de escassa importância,

não autoriza a resolução do contrato, por atentar ao princípio da boa-fé objetiva.

Esse exemplo é muito importante para a atual perspectiva do direito civil, pelo seguinte: qual a natureza jurídica do direito do outro contratante entre a resolução ou o cumprimento da prestação? Não é direito potestativo? Porque a escolha dele tem que o outro contratante que se sujeitar.

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Qual é a definição clássica do direito potestativo? Ao direito potestativo corresponde o mero estado de sujeição, quer dizer, a perspectiva tradicional parece sugerir que o titular do direito potestativo tudo pode, o outro simplesmente se sujeita.

O que a boa-fé objetiva traz de novo? Mesmo direitos potestativos devem ser exercidos em harmonia com os valores do sistema, quer dizer, é possível que tenhamos abuso de direito potestativo. Mesmo os direitos potestativos se submetem aos princípios.

Pergunta do aluno.

Resposta: nós temos diversas regras de direito positivo que se inspiram em aspectos principiológicos. A exceção de contrato não cumprido, por exemplo, que está lá no artigo 476, ela se inspira notadamente na boa fé objetiva através da tu quoque.Na verdade, como o legislador positivou...Não vamos falar em abuso do direito.

Pergunta do aluno.

Resposta: dogmaticamente vai se falar em abuso apenas nas hipóteses em que a lei não coíbe porque se a lei não coíbe, mas o limite é meramente principiológico aí sim vamos falar de abuso de direito.

Quer ver uma projeção disso lá para a exceção de contrato não cumprido que dá para a gente imaginar? Vamos ver que dentro da lógica da exceção de contrato não cumprido se sustenta que se uma das partes cumpre parcialmente as suas prestações a outra também não vai poder exigir o cumprimento da prestação. Quer dizer, se eu cumpro parte das minhas prestações, eu não posso exigir o cumprimento dela, é a exceptio non rite adimpleti contractus. Está dentro da exceção de contrato não cumprido e vamos ver lá.

Vejam o seguinte: se eu cumpro parte, mas eu cumpro quase tudo, o que a boa fé objetiva e a teoria do adimplemento substancial vão estabelecer? Que aquela parte que recebe quase tudo não pode se recusar a cumprir a sua própria prestação, quer dizer, é a teoria do adimplemento substancial limitando a aplicação literal da exceção do contrato não cumprido.

Pergunta do aluno.

Resposta: o artigo 477 está dentro do capítulo do contrato não cumprido, mas a doutrina chama o artigo 477 de exceção de insegurança, questão lá do Pontes de Miranda... É quando há uma desproporção econômica superveniente que autoriza exigir antecipadamente. Na verdade aqui a gente tem uma regra positivada que se inspira na boa fé objetiva e que impõe essa exigibilidade antecipada. Quando a lei tipifica determinada conduta inspirada num princípio, a gente não vai falar em abuso vai se falar em ato ilícito.

Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação

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que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.

Outro exemplo: cobrança antecipada de juros no caso de pagamento antecipado da dívida. O CDC proíbe, então a instituição financeira que cobra antecipadamente em relação de consumo é ato ilícito.

Vamos ver que o Código Civil não proíbe explicitamente essa conduta, mas a gente vai poder falar no Código Civil em abuso de direito porque veremos que há valores que coíbem essa conduta em que pese o silencio do Código Civil.

Outro exemplo: assunção de dívida que é o devedor originário transferindo a dívida para um terceiro. Por razões óbvias, assunção de dívida pressupõe consentimento expresso do credor, está lá no artigo 299, tem que ter consentimento expresso.

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.

Tem uma exceção, a exigência de consentimento expresso no artigo 303 que é basicamente a hipótese em que o adquirente do imóvel hipotecado quer assumir a dívida do alienante. Nesse caso, em que o adquirente do imóvel hipotecado quer assumir a dívida do alienante, o legislador admite o consentimento presumido... Diz que o silencio do credor em 30 dias importa em concordância, por quê? Por que o legislador aqui flexibilizou em relação à exigência de consentimento expresso? Porque há garantia hipotecária, quer dizer, a hipoteca com seqüela, com ambulatoriedade resguarda os interesses do credor.

Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento.

O que parte da doutrina começou a sustentar foi que a recusa do credor na assunção de dívida, no caso do artigo 303, a recusa tem que ser justificada. O Código não exige justificativa, ao contrário, pela literalidade do Código é direito potestativo do credor aceitar ou não.

Por que a doutrina passou a exigir justificativa? Porque a recusa injustificada pode configurar abuso do direito. Isso está no Enunciado 353.

Enunciado 353, CJF: Art. 303: A recusa do credor, quando notificado pelo adquirente de imóvel hipotecado comunicando-lhe o interesse em assumir a obrigação, deve ser justificada.

Pergunta do aluno.

Resposta: só no caso do artigo 303 que é hipótese que prevê questão do imóvel hipotecado.

O importante é desde logo a gente perceber isso, se há vedação legislativa, por essa segunda corrente, a gente vai falar em ato ilícito. Só tem graça falar em

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abuso do direito quando não há vedação legislativa, quando a limitação é principiológica.

Quem defende essa segunda posição com muita ênfase, mais uma vez, é o Gustavo Tepedino.

A pergunta do MP foi se o abuso do direito é ato ilícito, o examinador claro, estava provocando essa questão.

Vejam, o Tepedino procurou o Moreira Alves, que foi quem fez a redação do artigo 187, para indagar se era ilícito mesmo, se não tinha diferença nenhuma e aí o Moreira Alves respondeu exatamente o que está no quadro, que na verdade temos um ato ilícito lato sensu que se subdivide no stricto sensu e no ato antijurídico. Quando o artigo 187 diz que o abuso é ato ilícito está falando em ato ilícito lato sensu, que é a posição da 2ª corrente.

Pergunta do aluno.

Resposta: dentre os manuais é minoritária, sem dúvida. Os manuais em geral se restringem a repetir a literalidade do artigo 187 e dizem que abuso é ato ilícito e ponto final, sem muito justificar.

Percebam que o Código Civil de 16 ele não previa o instituto do abuso de direito, não previa e nem deveria, por que uma das características do Código de 16 qual era? Pretensão de completude. O Código de 16 tinha a pretensão de regulamentar todos os conflitos de interesse, então num ambiente em que a pretensão de completude das duas uma: ou a lei proíbe e o ato é ilícito ou a lei não proíbe e o ato é lícito, não há espaço, não há ambiente para abuso do direito.

Então, qual é a premissa para o abuso do direito? A premissa é a idéia da ascensão dos princípios no ordenamento jurídico, é pressuposto a configuração do abuso de direito a admissibilidade do abuso de direito que haja uma ascensão principiológica na interpretação e na aplicação do direito positivo. Quer dizer, tem tudo a ver abuso de poder e pós- positivismo, o direito positivo devendo ser interpretado e aplicado em harmonia com os princípios.

Sabe o que dá para perceber com clareza? Lembra aquela historinha da técnica de subjunção, “dá-me o fato que eu te dou a norma”, receita de bolo? A técnica de subjunção se torna insuficiente para a solução dos conflitos de interesse no direito civil contemporâneo. Na verdade, não há mais como dar o fato e aplicar-se automaticamente a norma, porque na aplicação da norma o juiz há de imprimir uma carga valorativa e nem sempre há uma norma explicita solucionando a questão, em muitas vezes a solução decorre de uma construção principiológica.

Então, na verdade nós temos a insuficiência da teoria da subsunção, da técnica de subjunção dentro da sistemática atual do direito civil contemporâneo.

10. Ato jurídico versus Negócio Jurídico

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Quando a vontade humana é exercida em harmonia com o ordenamento jurídico nós temos o ato lícito que muitos chamam de ato jurídico lato sensu.

Ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico. O que há de semelhança e o que há de diferença? O que há de semelhança? Tanto o ato quanto o negócio resultam da manifestação de vontade.

A diferença primordial está nos efeitos, porque os efeitos do ato jurídico stricto sensu são ex lege e os efeitos do negócio jurídico ex voluntate. Os efeitos do ato jurídico stricto sensu decorrem da lei e os efeitos do negócio jurídico decorrem da vontade.

Tem uma diferença que sintetiza bem a distinção aí: no ato jurídico stricto sensu há liberdade de iniciativa, ao passo que no negócio jurídico há liberdade de iniciativa e de regulamentação.

No ato jurídico há uma mera liberdade de iniciativa, porque o sujeito pratica o ato se quiser, mas se ele optar por praticar o ato as conseqüências decorrem da lei. Exemplos clássicos: reconhecimento voluntário de paternidade, aceitação e renúncia a herança, a fixação do domicílio voluntário.

Já o negócio jurídico nós temos liberdade de iniciativa e de regulamentação, quer dizer, as partes praticam o negócio se quiserem e ainda tem liberdade para sistematizar os efeitos. Exemplos clássicos: contratos, promessa de recompensa e o testamento.

Nós temos que tomar cuidado, porque os clássicos costumam dizer que no negócio jurídico há uma plena liberdade de iniciativa e de regulamentação. Na verdade, no contexto atual não há mais plena liberdade de regulamentação, por tudo que já começamos a ver, porque o Estado intervém nas relações privadas limitando essa liberdade de regulamentação.

Sobre essa dicotomia, o Código Civil adota o sistema dualista, por que sistema dualista? No Código Civil, os negócios jurídicos estão disciplinados nos artigos 104 a 184 e os atos jurídicos em sentido estrito no artigo 185.

Vamos ler o 185 que tem uma questão aqui importante, o único artigo que trata dos atos jurídicos stricto sensu diz lá: aos atos jurídicos lícitos que não sejam negócios jurídicos aplicam-se, no que couber, as disposições do título anterior.

O Código está dizendo que aos atos jurídicos em sentido estrito se aplica a sistemática dos negócios, no que couber. Nem tudo que está lá se aplica aqui, não e isso? Exemplo: condição, termo e encargo são elementos acidentais dos negócios jurídicos. Exemplo clássico: doar-te-ei o imóvel se passares no vestibular. “Se passares no vestibular”, condição suspensiva.

Quando as partes convencionam essa condição suspensiva, o que elas estão fazendo? Elas estão modificando os efeitos típicos da doação, por que o efeito típico da doação qual seria? A obrigação do doador imediatamente transferir a propriedade para o donatário. Alterar efeitos típicos de um determinado negócio não pressupõe

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liberdade de negociação? Se não há liberdade de regulamentação, não há possibilidade de alteração de efeitos típicos.

Então, condição, termo e encargo que estão lá tratados nos capítulos dos negócios jurídicos representam institutos inaplicáveis aos atos jurídicos stricto sensu, porque é pressuposto a condição, ao termo e ao encargo que haja liberdade de regulamentação que não se faz presente nos atos jurídicos em sentido estrito.

Quer dizer, ninguém pode reconhecer paternidade a termo ou sob condição... Ninguém pode aceitar herança a termo ou sob condição. Por isso eu sugiro sempre a última remissão da semana: do artigo 185 quando ele diz “no que couber” remissão para os artigos 121 a 137, porque tratam da condição de termo e encargo e quando batermos o olho “no que couber” vamos ver que esse é um exemplo típico de inaplicabilidade.

Fim da aula.

Data: 30/09/08

Aula 05

No Informativo nº 368 saiu um julgado sobre bem de família questão lá do separados de fato... Basicamente o casal se separou de fato e ambos alegavam impenhorabilidade do respectivo bem de família.

O STJ rechaçou a argumentação da impenhorabilidade dos dois imóveis basicamente sobre o argumento de que a separação de fato não rompe a sociedade conjugal, na verdade ambos eram co-proprietários de ambos os imóveis e na verdade a separação de fato, propiciando a impenhorabilidade dos dois imóveis, poderia ser um instrumento para consolidação de fraude a lei.

Teve outro julgado interessante, lembram aquela questão do dano moral, legitimidade dos parentes falecidos, estão lembrados? Do artigo 12, §único e artigo 20,§único? Tínhamos visto que a doutrina era no sentido de se entender que aqueles parentes falecidos postulariam dano moral próprio, aquela idéia do dano moral indireto.

Art. 12, § único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 20, § único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Foi exatamente o que o STJ fez no RESP 913131, falando que na verdade era o dano moral próprio de cada um dos familiares, inclusive o STJ nesse julgado repudiou, afastou legitimidade do espólio exatamente por ter legitimação de pessoal, é de cada um dos parentes.

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DANO MORAL. FOTOGRAFIA.

Houve a publicação de uma fotografia em um semanário de circulação entre fiéis de uma denominação. Naquela, não constava identificação da ofendida (já falecida) ou mesmo qualquer ataque a sua pessoa no texto jornalístico, apenas houve a divulgação, por uma vez, de sua imagem retirada do contexto da publicação originária (ocorrida sete anos antes) e acompanhada de tarjas em seus olhos. Nesse contexto, vê-se que o ressarcimento do dano moral pleiteado pelos membros da família da ofendida (cônjuge e filhos) constitui direito pessoal não advindo de herança: trata-se de direito próprio, sendo certo que lhes remanesce legitimidade na defesa à imagem da falecida. Porém, o espólio não tem legitimidade para pleitear a indenização em nome próprio, devendo ser excluído do pólo ativo. Quanto à indenização, há que se adequar o valor fixado a título de dano moral nas instâncias ordinárias aos patamares praticados neste Superior Tribunal, reduzindo-o para R$ 145.250,00, quantum a ser rateado entre os autores e suportado igualmente entre as rés. Precedentes citados: REsp 697.141-MG, DJ 29/5/2006; REsp 521.697-RJ, DJ 20/3/2006, e REsp 348.388-RJ, DJ 8/11/2004. REsp 913.131-BA, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF da 1ª Região), julgado em 16/9/2008.

Tem mais um Julgado aqui que vale a pena ressaltar, apesar de não termos chegado lá ainda, mas já chegamos a falar em venire, não é? Numa das poucas ocasiões em que o STJ explicitamente se manifestou acerca da venire, foi no último Informativo que foi o seguinte:

Direito Empresarial... Uma pessoa emitia uma duplicata e ela circulou, foi endossada sem o aceite. O STJ entendeu que apesar da ausência do aceite aquela duplicata era válida e eficaz, porque o aceitante apesar de ser pessoa jurídica diversa do emitente era administrada pelo mesmo sócio controlador do emitente. A mesma pessoa física, o mesmo administrador controlava, administrava a pessoa jurídica emitente e a pessoa jurídica ao qual incumbia o aceite.

Nesse caso, o STJ aplicou a venire contra factum proprium dizendo que não pode a pessoa jurídica aceitante se recusar ao aceite na medida em que ela é administrada pelo mesmo sócio que gerencia a pessoa jurídica emitente.

Foi interessante porque foi, entre aspas, eu não colocaria isso em uma prova, mas foi entre aspas, uma desconsideração da personalidade jurídica distinta para aplicar a venire, porque na verdade as pessoas jurídicas eram diversas, mas a pessoa física controladora era a mesma. RESP 957769.

DUPLICATA. NULIDADE. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM.

Atento à vedação de venire contra factum proprium, não há como se acolher a nulidade, por falta de lastro, de duplicata endossada e posta em circulação sem aceite, enquanto a emitente e a sacada, não obstante serem pessoas jurídicas diversas, são administradas por um mesmo sócio cotista, responsável tanto pela emissão quanto pelo aceite. Precedente citado: REsp 296.064-RJ, DJ 29/3/2004. REsp 957.769-PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 16/9/2008.

Continuação de Ato e Negócio Jurídico

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Na última aula paramos naquela dicotomia ato e negócio jurídico. Para grande parte da doutrina a dicotomia para aí. Só que nos vimos no quadro dispositivo que para muitos há uma terceira via que seria o ato fato, que ficou faltando comentar.

Qual é a característica básica do ato fato? No ato fato, o ordenamento jurídico não leva em conta a vontade para a sua prática e sim as respectivas conseqüências. Quer dizer, na teoria do ato fato, a vontade desencadeadora para a prática do ato fato ela é considerada desimportante para o ordenamento jurídico, o que o ordenamento jurídico prioriza são as conseqüências decorrentes da prática do ato fato.

Exemplos de ato fato: artigos 1264 a 1266 que tratam lá na parte especial do chamado achado do tesouro. Outro exemplo: para muitos a ocupação, artigo 1263.

Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.

Lembram da ocupação? Aquisição originária de bem imóvel da coisa sem dono? Vamos ver mais adiante e ainda a especificação, artigo 1269: aquele que trabalhando em matéria prima, em parte alheia ou não tiver espécie nova, desta será proprietário se não puder restituir a forma anterior.

Há uma semelhança aí, porque muitos inclusive não concebem o ato fato como categoria autônoma, para muitos nós teríamos apenas os atos jurídicos e os negócios jurídicos.

Mas qual seria uma diferença essencial entre ato fato e os atos jurídicos stricto sensu? Nós vimos que nos atos jurídicos stricto sensu é irrelevante a vontade para a produção dos efeitos, as conseqüências decorrem da lei. Só que a prática do ato jurídico stricto sensu pressupõe manifestação de vontade. No ato jurídico, a vontade não é determinante para as conseqüências, mas ela é determinante para a sua respectiva prática.

No ato fato não. No ato fato, a vontade para a prática do ato fato ela é desimportante, o ordenamento jurídico mira nos efeitos, nas conseqüências.

Possível efeito prático disso? Reconhecimento voluntário de paternidade é ato jurídico stricto sensu, não é? Não cabe erro? Sim. Agora, em relação a achado de tesouro, ocupação não cabe erro, por quê? Porque a vontade é necessária, a prática do achado do tesou ou para a ocupação ela é desimportante.

A teoria dos vícios do negócio jurídico ela é inaplicável aos atos fatos. Nada impede, por exemplo, que o tesouro seja achado por um incapaz independentemente de representação ou assistência. Quer dizer, o incapaz pode praticar atos fatos diferentemente do que ocorre com os atos jurídicos stricto sensu, quer dizer, em regra os incapazes têm necessariamente que ser representados ou assistidos.

Quem defende ato fato como categoria autônoma, alguns autores importantes, o Pontes de Miranda, Moreira Alves, Carlos Roberto Gonçalves, Christiano Chaves de Farias e Vicente Rao.

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Há quem diga que o Emílio Betti (autor italiano) defende que o ato fato não seria uma espécie autônoma, seria uma modalidade de fato jurídico stricto sensu.

Por que o Emílio Betti pensa dessa forma? Porque no ato fato a vontade, como vimos, ela é desimportante. Só que na verdade essa posição é minoritária e no Brasil ela não teve receptividade porque o fato jurídico stricto sensu decorre de um acontecimento natural, o ato fato não, ele decorre da vontade só que ela é tida como desimportante pelo ordenamento jurídico, o ato fato não decorre de um evento natural, de um evento da natureza.

Elementos do Negócio Jurídico

É tradicional na doutrina ressaltar que os elementos do negócio jurídico podem ser: essenciais, naturais ou acidentais.

No que diz respeito aos elementos essenciais de validade, a doutrina subdivide tais elementos essenciais de validade em: gerais ou específicos, sendo que os elementos essenciais gerais de validade são aqueles do artigo 104 do Código Civil: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou indeterminado e forma prescrita ou não defesa em lei, e mais, ausência de impedimento... Vimos na nossa 1ª aula que impedimento não se confunde com a incapacidade, o impedimento ele é episódico, ele se refere a determinado negócio específico, ausência de impedimento. Além disso, ausência de defeitos do negócio jurídico, tema que estudaremos mais adiante, mas basicamente o erro, o dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

E ainda a inexistência das hipóteses dos artigos 166 e 167 que estabelecem, como veremos mais adiante, hipóteses de nulidade absoluta... Dentre elas inclusive a simulação, a fraude a lei, causas de nulidade absoluta elencadas nesses dispositivos.

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

Os elementos essenciais específicos de validade, como o próprio nome já ressalta, são aqueles elementos essenciais de validade que se referem apenas a

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determinar tipo de negócio, são específicos por se referirem a determinado tipo de negócio e o exemplo tradicional para o contrato de compra e venda.

Quais são os elementos essenciais específicos da compra e venda? A coisa, o preço e o consenso. Artigo 482.

Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.

Antes de passar para os elementos naturais, vamos dar uma olhada aqui, porque o Código trata aqui desses elementos essenciais gerais de validade no artigo 104. Vamos dar uma olhada no artigo 105 que de vez em quando vem em prova objetiva.

Artigo 105 diz lá: a incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, nem aproveita aos co interessados capazes, salvo se neste caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.

Por que o 105 se restringe apenas a incapacidade relativa? Às vezes o examinador troca incapacidade relativa por absoluta em prova objetiva... Porque a incapacidade relativa gera anulabilidade e a anulabilidade ela só pode ser provocada pelo interessado. Sugiro a remissão do artigo 105 para os artigos 171, I combinado com o artigo 177. Porque o artigo 171, I diz que a incapacidade relativa gera a anulabilidade e o artigo 177: anulabilidade só pode ser alegada pelos interessados. Quer dizer, a regra é inaplicável no caso de incapacidade absoluta porque gera nulidade e a nulidade é matéria de ordem pública.

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.

O artigo 106 trata da impossibilidade do objeto. Aqui vamos lembrar o seguinte: a impossibilidade do objeto tradicionalmente ela pode ser física ou jurídica.

Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

Há certo debate, pode ser que seja importante numa prova oral, mas em relação ao objeto já se discutiu se esse objeto a que se refere o artigo 104, II seria o objeto material ou se seria objeto jurídico.

O objeto material é a coisa e o objeto jurídico diz respeito ao conteúdo resultante da manifestação de vontade.

A tendência hoje vem sendo no sentido de se entender que a regra diz respeito ao objeto jurídico, porque muitos se indagavam: será que o objeto material, por si só, a coisa por si só, ela pode ser juridicamente impossível? O Zeno Veloso e Orlando Gomes dizem sim, por exemplo, entorpecentes, armas proibidas, quer dizer, a coisa por si só seria juridicamente impossível.

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Só que na verdade hoje vem se argumentando que a coisa por si só ela não é juridicamente impossível porque, por exemplo, ninguém pode duvidar que há negócio jurídico válido se houver, por exemplo, um contrato de transportes para o entorpecente necessário a levar tal material para determinada análise laboratorial.

Quer dizer, nada impede que o poder público venha a confiscar material entorpecente, celebre um contrato de transporte destinando o entorpecente para o laboratório e obviamente que o objeto desse negócio jurídico envolvendo o transporte de entorpecente vai ter um objeto lícito.

Então, na verdade o que é juridicamente possível ou não, não é a coisa em si e sim o conteúdo resultante da manifestação de vontade porque é possível que tenhamos negócios jurídicos válidos envolvendo entorpecente e armas proibidas. Quer dizer, se há uma compra de armas por parte das Forças Armadas o objeto será lícito, quer dizer, o objeto jurídico que resulta da manifestação da vontade é compatível com ordenamento jurídico.

Resumindo: se indagarem, objeto material ou objeto jurídico? A tendência hoje expressiva da doutrina é no sentido de afirmar que o objeto aqui é o objeto jurídico. O objeto material, por si só, não conduz a hipótese de impossibilidade jurídica.

Tem outra questãozinha aqui que é a seguinte: se discute se o objeto juridicamente impossível é sinônimo ou não de objeto ilícito.

O Caio Mario, por exemplo, diz que sim, são expressões sinônimas. Só que na verdade a tendência principalmente diante do Código atual é no sentido de diferenciar o objeto ilícito do juridicamente impossível. Porque vejam o objeto juridicamente impossível não produz efeitos jurídicos em decorrência de determinada vedação legal.

Um exemplo de objeto juridicamente impossível: artigo 426 que trata do chamado pacta corvina, aquela história de herança de pessoa viva. O artigo 426 diz lá: não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Herança de pessoa viva é objeto juridicamente impossível, tem uma determinada regra que proíbe a produção de quaisquer efeitos.

Se por acaso alguém praticar uma emancipação voluntária de um garoto de 10 anos de idade, objeto juridicamente impossível, não produz efeitos porque a emancipação voluntária pressupõe 16 anos.

Já o objeto ilícito produz efeitos jurídicos vinculados a própria ilicitude, quer dizer, os efeitos jurídicos não são aqueles pretendidos pelas partes, são efeitos que decorrem da própria ilicitude. Então, um contrato que tenha por objeto matar outra pessoa, objeto ilícito, quer dizer, há efeitos decorrentes desse contrato que decorrem da própria ilicitude.

Essa diferença parece ter se reforçado no Código atual, porque como veremos ainda hoje, o Código explicitamente diferencia as condições ilícitas das condições

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juridicamente impossíveis, isto está no artigo 123, I e II. O inciso I prevê as condições juridicamente impossíveis e o inciso II prevê as condições ilícitas.

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:

I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;

II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;

Teríamos ainda, como elemento diferenciador, o artigo 883: não terá direito a repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei. No final “proibido por lei” entenda-se juridicamente impossível.

Bom se dedicando a forma, que é um dos elementos essenciais gerais, o artigo 107 reforça o conteúdo do artigo 104, III. Esses dois dispositivos conjugados, e vale a pena remissão de um para outro, evidenciam o chamado princípio da instrumentalidade das formas no direito brasileiro.

Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.

Questão típica de prova oral é a seguinte: o que é a forma? A forma é o meio pelo qual se exterioriza a vontade e aí é comum se ressaltar que a forma pode ser ad solemnitatem e ad probationem tantum.

A 1ª hipótese, o nome já parece sugerir, quando a observância da forma integra a própria solenidade do ato, quer dizer, a observância da forma é da essência do negócio... A forma, portanto, exigida como solenidade indispensável a prática do ato. O exemplo mais comum aqui é do artigo 108. Compra e venda de imóvel, regra geral instrumento público. A forma é a ad solemnitatem, é da essência do ato.

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Forma ad probationem tantum é quando há uma determinada forma exigida para a comprovação do negócio.

Nós temos um exemplo de forma ad probationem tantum que os processualistas relativizam, a bem da verdade, mas em sede de direito civil: artigo 227 do CC que diz: salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no país ao tempo em que foram celebrados. Parágrafo único: qualquer que seja o valor do negócio a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito.

Quer dizer, a forma escrita seria uma forma ad probationem tantum\ para negócios que suplantem o décuplo do salário mínimo e aí, numa ótica civilista, muitos começaram a dizer o seguinte: na verdade não tem diferença prática nenhuma, porque se a forma é indispensável para a comprovação do ato, quer dizer, na verdade a forma vai acabar sendo um pressuposto para exigibilidade, para a eficácia do ato.

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Só que o Caio Mário e o Eduardo Ribeiro defendem que na verdade nós temos aí institutos e conseqüências diferentes porque, por exemplo, a questão da forma ad probationem tantum ela pode ser superada no caso de revelia, no caso de confissão. Quer dizer, a revelia, a confissão, a ausência de impugnação convalidam um ato que inobserva a forma ad probationem tantum porque essa forma não é exigida para a validade do ato, é apenas um instrumento para a comprovação e se, por ventura não há qualquer tipo de impugnação a celebração do negócio, a inobservância da forma ad probationem tantum acaba sendo convalidada. Diferentemente do que ocorre no caso de inobservância da forma ad solemnitatem que conduz a nulidade absoluta e a nulidade absoluta deve ser reconhecida de ofício pelo Juiz.

Também haveria uma ligeira diferença aí, porque no caso de inobservância de forma ad probationem tantum essa inobservância ela poderia ser convalidada através de instrumento escrito posterior. Quer dizer, é possível que um instrumento escrito, firmado posteriormente venha a convalidar um negócio desde a origem com efeitos ex tunc, diferentemente do que ocorreria na inobservância da forma ad solemnitatem.

Vamos aproveitar o ensejo para dizer o seguinte: caso clássico de forma ad solemnitatem está no artigo 108: negócios jurídicos envolvendo direitos reais sobre bens e imóveis com valor superior a trinta salários. O artigo 108 exige instrumento público.

Exceções ao artigo 108: artigo 61, §5º da Lei 4380/64 (Sistema Financeiro da Habitação), artigo 38 da Lei 9514/97 (Sistema de Financiamento Imobiliário) e no artigo 89 da Lei 6404/76 incorporação de imóvel para integrar o capital social de SA.

Acho que uma remissão para esses dispositivos já resolve e ainda em relação a forma dar uma olhada no artigo 109: no negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público este é da substancia do ato.

“Substancia do ato”, já sabemos que o artigo 109 está dizendo o que? De forma ad solemnitatem. Quer dizer, o que o artigo 109 está dizendo é que nada impede que princípio da autonomia privada venha impor a observância do instrumento público como forma ad solemnitatem.

Apesar do artigo 109 se referir a instrumento público, a doutrina é unânime em afirmar de que a regra também é aplicável caso as partes venham a convencionar a forma escrita ainda que por instrumento particular.

Quer dizer, podemos ter um determinado tipo negocial que não demande forma escrita e as partes podem convencionar a necessidade da observância de instrumento particular ou público, quer dizer, forma escrita e essa forma escrita, ainda que por instrumento particular previamente convencionado, integraria a substancia do ato.

Para fecharmos os elementos essenciais temos ainda uma última questão que é muito importante que é a seguinte: se a causa do direito brasileiro é um elemento essencial do negócio jurídico.

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Lembra aquela discussão tradicional dos causalistas, dos anti-causalistas, os manuais do passado sempre trazem essa discussão, num contexto mais atual o que a doutrina afirma é o seguinte: a causa não foi contemplada no artigo 104 como elemento essencial geral de validade, então não é elemento essencial geral de validade.

Entretanto, a causa é determinante para a qualificação, ou seja, para a tipificação dos negócios jurídicos, pelo seguinte... Antes de mais nada, não confundir motivo e causa.

O motivo são as razões subjetivas que levam alguém a praticar determinado negócio. Então, se eu quero vender um carro para comprar um imóvel, o motivo da venda do carro é a compra do imóvel.

Regra geral, o motivo não tem relevância jurídica. Exceções: artigo 140 do Código atual, artigo 137 e artigo 166, III.

Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.

Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

São hipóteses em que veremos que o Código dá relevância ao motivo, mas a regra geral é de que motivo não tem relevância jurídica porque se trata de um elemento meramente psíquico, elemento subjetivo.

Já a causa representa os efeitos mínimos e indispensáveis a caracterização de determinado negócio jurídico, exemplo: vamos supor que as partes celebrem em tese um contrato de comodato, está lá no título do contrato em letras garrafais, COMODATO e uma das cláusulas do contrato impõe ao comodatário a remuneração pelo uso do bem.

Isso é Comodato? Não, porque a gratuidade é causa do contrato de Comodato, quer dizer, a gratuidade é um elemento indispensável a configuração do tipo contratual Comodato.

Qual é a causa do contrato de compra e venda? Comprador pagar o preço e vendedor assumir a obrigação de dar e assim sucessivamente, dever de guarda e conservação causa do contrato de depósito e assim por diante.

Então, a causa ela não é um elemento essencial geral de validade, mas a qualificação, a tipificação dos negócios jurídicos se dá através da análise da causa, dos efeitos indispensáveis a caracterização de um determinado negócio.

Pergunta do aluno.

Resposta: se artigo 758 seria uma exceção ao artigo 108? Não, porque o artigo 108 exige instrumento público para transferência de direito real e o seguro, a

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principio, uma relação de natureza obrigacional. Então, na verdade o que o artigo 108 impõe é forma pública quando há transferência de direito real, que não seria o caso propriamente do contrato de seguro.

Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

Elementos Naturais

Como o próprio nome já nos sugere, os elementos naturais são aqueles que decorrem naturalmente da celebração do negócio independentemente de previsão contratual.

Exemplos clássicos de elementos naturais são os vícios redibitórios e a evicção. Quer dizer, para que haja a incidência da teoria dos vícios ou da evicção não se exige previsão contratual. Vício redibitório e evicção são elementos que decorrem naturalmente da celebração do negócio.

Agora, a questão aí é a seguinte: será que em tese podem as partes, por cláusula contratual, afastar a incidência desses elementos naturais? O que se sabe é que esses elementos naturais. O que sabemos é que os elementos naturais se aplicam independentemente de acordo, decorrem da própria natureza. Agora, será que as partes podem afastar esses elementos naturais por elementos de vontade? Regrinha que cai muito em prova de múltipla escolha: artigo 448 que explicitamente prevê a possibilidade das partes excluírem a responsabilidade pela evicção.

Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.

Também se admite a chamada cláusula no estado em que se encontra. A jurisprudência também admite a chamada cláusula no estado em que se encontra. Essa cláusula, em tese, tem um condão de afastar os vícios redibitórios que é muito comum em objetos usados.

Vou sugerir essa remissão porque é importante, nós vimos que o artigo 448 explicitamente autoriza as partes excluírem a responsabilidade pela evicção. Só que essa possibilidade explicitamente contemplada pelo artigo 448 é inaplicável em contrato de adesão, artigo 424.

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Sugiro a remissão do artigo 448 para o artigo 424 que diz lá: nos contratos de adesão são nulas as cláusulas que estipulem a renuncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. “Direito resultante da natureza do negócio” diz respeito justamente a que? Aos elementos naturais do negócio jurídico.

Pergunta do aluno.

Resposta: no caso da evicção, por exemplo, a questão é um pouco delicada. Vou responder superficialmente só para não fugirmos muito. No caso de exoneração

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específica dos riscos da evicção, quer dizer, o contrato exclui a responsabilidade pela evicção por conta de um determinado fato, a usucapião em favor de Pedro.

Se houver usucapião de Pedro, que é justamente o fato previamente contemplado no contrato, nós veremos que a doutrina entende que estaríamos diante de um contrato aleatório. Em havendo aqui um contrato aleatório não haveria aqui qualquer responsabilidade do alienante pela evicção.

Já no caso de exoneração genérica, vamos ver que será aplicado os efeitos do artigo 449, quer dizer, o evicto vai ter direito ao preço que pagou.

Art. 449. Não obstante a cláusula que exclui a garantia contra a evicção, se esta se der, tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu.

Então, na verdade, a área aqui ela vai ter que ser analisada no caso concreto, se for exoneração específica, por exemplo, é indiscutível que o contrato é aleatório. Vamos deixar para ver isso mais adiante para ficar melhor sistematizado.

Então, só resumindo, os elementos naturais decorrem naturalmente da celebração do negócio, as partes em tese podem afastá-los com a ressalva dos contratos de adesão, artigo 424, que prevê que o aderente não pode renunciar antecipadamente a um direito resulta da natureza do negócio. Direito que resulta da natureza, entenda-se: elementos naturais.

Elementos Acidentais

Os elementos acidentais, como o próprio nome já parece sugerir, são aqueles que podem ou não constar no negócio jurídico. Na verdade, esses elementos acidentais só se farão presentes se houver manifestação de vontade.

Os elementos acidentais previstos no Código, que veremos ainda hoje: condição, termo e encargo.

Interpretação dos Negócios Jurídicos

Tema importante aqui, saindo desses elementos do negócio jurídico, envolve a questão da interpretação dos negócios jurídicos. A interpretação dos negócios jurídicos se aplica naquelas hipóteses em que se constata divergência entre a vontade declarada e a vontade interna.

Sobre essa questão da interpretação, quer dizer, qual delas vai prevalecer: se é a vontade declarada ou se é a vontade interna? Tem duas correntes que são as clássicas, são as duas correntes tradicionais:

Teoria da vontade, defendida pelo Savigny, aquele mesmo lá da teoria subjetiva da posse. Teoria da vontade preconiza a prevalência da vontade interna, isso porque a vontade interna seria a vontade real.

Essa teoria parece um absurdo hoje, a gente imaginar que a vontade interna vai sempre prevalecer sobre a vontade declarada. Mas ela já fez sentido num outro contexto, no contexto em que o princípio da autonomia privada era um valor absoluto.

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Quer dizer, era um contexto em que o Estado não intervinha nas relações privadas, a vontade individual era o valor absoluto e, portanto fazia sentido a teoria da vontade.

Teoria da declaração, em que prevalece a vontade declarada. O argumento básico é a segurança jurídica.

Essas duas teorias são teorias extremadas, são as duas teorias clássicas, uma defendendo sempre a vontade interna e a outra sempre defendendo a vontade declarada.

Recentemente surgiram duas novas teorias que representam aí um sistema híbrido, como que um meio termo entre a teoria da vontade e da declaração.

A primeira seria a chamada Teoria da Responsabilidade. Essa teoria defende a prevalência da vontade interna, salvo se o declarante é o responsável (culpa) pela divergência.

Lembra no Código de 16 aquela história do erro escusável? O erro para gerar a nulabilidade tinha que ser escusável, teoria da responsabilidade. Quer dizer, se o declarante incorreu em culpa na divergência entre a vontade de declarar e a vontade interna, prevaleceria a vontade declarada. Na ausência de culpa prevaleceria a vontade interna.

Só que modernamente o que está em voga é a outra teoria que é a chamada Teoria da Confiança, o princípio da confiança. O princípio da confiança está previsto no Enunciado 363.

Enunciado 363, CJF: Art. 422: Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, sendo obrigação da parte lesada apenas demonstrar a existência da violação.

Qual é a síntese aí do princípio da confiança? Prevalece a vontade declarada desde que a mesma venha a conduzir outrem a uma legítima expectativa que está intimamente atrelada a idéia de boa fé objetiva que o artigo 113 explicitamente prevê.

O artigo 113 prevê explicitamente a boa fé objetiva dentro de uma das suas funções que é exatamente a da interpretação dos negócios jurídicos. Diz lá o artigo 113: os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar da sua celebração. A doutrina é unânime em afirmar que o artigo 113 se refere a boa fé objetiva.

Nós veremos que a boa fé objetiva tem uma tríplice função e uma delas é de interpretação, artigo 113. Então, o artigo 113 ao contemplar a boa fé objetiva reforça o princípio da confiança.

Vamos dar uma olhada no artigo 112: nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Quando o Código faz menção “a intenção” há quem ressalte aqui que o Código, no artigo 112, teria se inclinado em favor da teoria da vontade ao falar em

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intenção, intenção elemento subjetivo. Só que na verdade, atualmente a tendência vem sendo no sentido de que o artigo 112, a bem da verdade, vem em harmonia com a teoria objetiva, teoria da declaração.

É outra interpretação sobre o artigo 112, porque a primeira posição entende que o artigo 112 teria se inclinado em favor da teoria da vontade, só que hoje o que se entende é que o artigo 112 estaria em harmonia com a teoria da declaração.

Porque, olha só, diz o artigo 112: nas declarações de vontade se atenderá mais a intenção nelas consubstanciada... “Nelas” se refere às declarações.

A redação do Código de 16 era diferente. A redação do Código de 16 conjugava a intenção com a expressão vontade. O Código atual conjuga intenção com a expressão “declarações”. Então, na verdade o artigo 112 viria em harmonia com a teoria da declaração.

Em síntese, a luz da boa fé objetiva, princípio da confiança.

Caiu numa prova da Magistratura federal na 1º fase o que é princípio da confiança, então era só resumir essa questão da legítima expectativa.

Pergunta do aluno.

Resposta: aí o artigo 112 junto com o artigo 113, que ressalta a boa fé objetiva, afasta a teoria da vontade e aí a conseqüência que a doutrina traz é a seguinte: o artigo 112 com o artigo 113 evidencia a adoção do princípio da confiança, porque o artigo 112 alterando a sistemática anterior se afasta do aspecto meramente subjetivo, não conjuga mais a intenção com a vontade e sim com a declaração. E o artigo 113 impõe que essa declaração tem que ser interpretada em harmonia com a boa fé objetiva que gera proteção da legitima expectativa. Então, numa interpretação sistemática, princípio da confiança.

Vamos olhar agora um tema de dificílima aplicação pratica, mas que vem caindo com muita freqüência que é a reserva mental sinônimo de reticência. Artigo 110.

Antes de entrar na reserva mental, é uma conclusão que acabamos de dizer, mas que será muito útil daqui para frente. Quando se fala na teoria da responsabilidade, o ordenamento jurídico se preocupa com a culpa do declarante. Quer dizer, o foco de atenção do ordenamento jurídico se concentra no declarante. Quando a gente desloca a questão para o princípio da confiança, a preocupação central deixa de ser a culpa do declarante e passa a ser a legitima expectativa de terceiros.

A preocupação se desloca do declarante para o declaratário e percebam que esse deslocamento vem em harmonia com o princípio constitucional da solidariedade. Porque o princípio constitucional da solidariedade projeta para as relações privadas o que? A necessidade de observância da legítima expectativa e a proteção a legitima expectativa vem a harmonia com o princípio constitucional da solidariedade que como vimos é um dos princípios da dignidade da pessoa humana.

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Repetindo:

O deslocamento da preocupação com a culpa do declarante (teoria da responsabilidade) para a legítima expectativa do declaratário (princípio da confiança) vem em harmonia com princípio constitucional da solidariedade, artigo 3º, I da Constituição.

O que vamos perceber é que o princípio constitucional da solidariedade afasta cada vez mais do direito civil aquela idéia de punição e está mais preocupado com a proteção de legítima expectativa.

Por exemplo, o campo da responsabilidade civil, que veremos mais adiante, qual é o efeito do princípio constitucional da solidariedade? Ampliação da responsabilidade civil objetiva, porque o objetivo da responsabilidade civil deixa de ser punir o agente causador do dano, e punição pressupõe reprovabilidade que pressupõe dolo ou culpa e a preocupação passa a ser a reparação dos danos causados.

O efeito prático é a ampliação da responsabilidade civil objetiva. Na verdade, há um deslocamento aqui da preocupação por parte do ordenamento jurídico.

Reserva Mental

Então, vamos para a reserva mental, artigo 110, que é sinônimo da reticência.

A redação do artigo 110 é péssima, diz lá: a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

Então, na reserva mental, diz o artigo 110, o sujeito declara algo com a reserva mental de não querer aquilo que manifestou, daí a expressão reticência, o sujeito é reticente em relação aquilo que declarara.

O que está claro aqui na reserva mental? Que há uma divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. E aí é preciso ressaltar que essa divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. É preciso ressaltar que essa divergência entre a vontade declarada e a vontade interna é uma divergência intencional, para diferenciar inclusive a reserva mental do erro, do dolo, da coação e, apesar do silêncio do artigo 110, a doutrina predominante ressalta que também é da essência da reserva mental a finalidade do declarante de enganar o declaratário.

Para fins de concurso, ninguém é obrigado a lembrar, mas tem regra explicita nesse sentido no artigo 244 do Código Português que é de onde a doutrina extrai esse requisito.

Esse requisito diferencia a reserva mental de que instituto? Da simulação, porque a simulação pressupõe o que? Um conluio entre o declarante e o declaratário, não é isso? E a finalidade do declarante em enganar o declaratário diferencia a reserva mental da simulação.

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Qual o exemplo que a doutrina sempre trás sempre que fala da reserva mental? Imagine que você tem um amigo em dificuldades financeiras, jamais emprestaria dinheiro a esse sujeito porque é dinheiro que vai e não volta. Só que o sujeito está no parapeito de uma janela ameaçando se matar e na eminência do suicídio do amigo você declara a vontade de emprestar com a reserva mental de não querer aquilo que manifestou.

Qual é a grande questão aqui da reserva mental e quando cai em prova objetiva o que temos que lembrar é isso: na reserva mental nós temos uma divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. Qual delas vai prevalecer?

Vamos pensar no princípio da confiança, porque temos uma divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. Se o declaratário não sabe da reserva mental ele não tem uma legítima expectativa? Então, se ele tem uma legitima expectativa, vai prevalecer a vontade declarada. Por outro lado, se o declaratário sabe da reserva mental ele não tem uma legítima expectativa. Se ele não tem uma legítima expectativa não prevalece a vontade declarada e sim a vontade interna.

É isso que diz o artigo 110, vamos reler: a manifestação de vontade ainda que o seu autor tenha feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. Então, dá para fazer uma conexão clara entre reserva mental e princípio da confiança.

Na prova dissertativa tem que fazer a conexão e na prova objetiva se lembrarmos do princípio da confiança o examinador pode fazer o que quiser lá que a gente equaciona.

Caiu uma questão na segunda fase do concurso para Juiz do Trabalho... Perguntaram o que era reserva mental e qual seria o princípio interpretativo adotado sobre o instituto.

Tem uma questão aqui que o Código não enfrentou que é a seguinte: se o declaratário sabe da reserva mental vai prevalecer a vontade interna, qual é o efeito prático sem pensar em termos técnicos? Aquele negócio verbalizado, exteriorizado não vai prevalecer. Não vai prevalecer, entre aspas, a que título? Qual é a natureza jurídica daquele negócio que havia sido exteriorizado? Porque o artigo 110 não diz se esse negocio é nulo, anulável, inexistente.

Primeira corrente: negócio jurídico inexistente, posição predominante. Carlos Roberto Gonçalves, Christiano Chaves, Moreira Alves.

Por que se diz que o negócio seria inexistente? O artigo 110 ele diz assim: a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor tenha feito a reserva mental, salvo de o destinatário tinha conhecimento.

Então, se o destinatário tinha conhecimento o artigo 110 está dizendo que a manifestação de vontade não subsiste, a hipótese é de inexistência de vontade e se há

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inexistência de vontade o negócio jurídico é inexistente. Na verdade, é até uma interpretação literal do artigo 110 a contrario sensu.

Divergindo da posição predominante, Gustavo Tepedino que defende que a hipótese é de nulidade absoluta, o negócio jurídico será nulo. Pelo seguinte: o Tepedino defende que se o declaratário sabe da reserva mental nós estaríamos diante de uma hipótese de simulação.

O Tepedino usa aqui, para defender a sua posição, um exemplo do Fábio Ulhoa Coelho: imagine que tenhamos três titulares de uma pessoa jurídica e sobre essa pessoa jurídica recaem dividas fiscais expressivas.

Para se esquivarem da responsabilidade por tais dívidas fiscais esses sócios transferem essa titularidade da pessoa jurídica para um terceiro e se mantêm na qualidade de administradores da pessoa jurídica.

Vamos supor que depois da transferência da titularidade da pessoa jurídica, aquelas dívidas fiscais sejam anistiadas.

Qual seria o possível argumento daqueles sócios alienantes? Reserva mental, transferi a titularidade da pessoa jurídica com a reserva mental de não querer aquilo que manifestei.

Vejam, se o declaratário não sabia da reserva mental, o que já sabemos? Que prevalece a vantagem declarada. Mas se o declaratário sabia da reserva mental estaríamos diante de uma hipótese típica de simulação e o efeito da simulação no direito brasileiro qual é? Nulidade do negócio jurídico, artigo 167. Então, de maneira minoritária o Tepedino defende que a hipótese seria de nulidade com base no artigo 167.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

Ainda na reserva mental do artigo 110 acho que vale a pena uma remissão do artigo 110 para o artigo 1899.

Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador.

O Nelson Neri Júnior e o Eduardo Ribeiro não são minoritários não, é que os manuais em geral não chegam a tratar do assunto, mas eles defendem que por força desse dispositivo, na hipótese do negócio jurídico testamento, o artigo 1899 adota a teoria da vontade. Regra especial em relação ao artigo 110.

Diz o artigo 1899: quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador. Quer dizer, o artigo 1899 seria a regra especial em relação ao artigo 110 em se tratando de testamento, teoria da vontade.

Silêncio

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Vamos dar uma olhada no silêncio. Artigo 111: o silêncio importa anuência quando as circunstancias ou os usos os autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa. O artigo 111 deixa claro que nem sempre quem cala consente. Qui tacet, consentire videtur. O artigo 11 rechaça a idéia de que cala consente.

Antes de mais nada, não confundir silêncio com declaração tácita de vontade. O silêncio como todos nós sabemos representa uma abstenção total, já a declaração tácita é aquela extraída do comportamento de determinada pessoa. Que dizer, o sujeito não diz sim e nem não senão seria declaração expressa, mas desenvolve uma determinada conduta em relação ao qual é possível extrair a sua vontade.

Exemplo da declaração tácita: artigo 1805 que prevê a aceitação tácita da herança. Quer dizer, o herdeiro não diz “aceito a herança”, mas ele intervém no processo inventário, protegendo o seu quinhão hereditário, aceitação tácita.

Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.

E ainda artigo 659, que a aceitação do mandato pode ser tácita e resulta do começo de execução. Quer dizer, o mandatário não diz “aceito”, mas ele começa a praticar atos em nome, em favor do mandante. Aceitação tácita.

Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.

Vamos tomar cuidado aqui com a parte final do artigo 111 que diz lá: o silencio importa anuência quando as circunstancias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Então, fica claro e evidente que em regra inaplicável o artigo 111 no caso de assunção de divida, artigo 299. Porque em regra a assunção de dívida pressupões o que? Consentimento expresso do credor. Então, silencio na assunção de divida, não vai gerar a presunção de concordância.

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.

E, por razões óbvias, inaplicável o silêncio como concordância na hipótese de negócio jurídico solene. Se a lei impõe certa formalidade para a pratica do ato é evidente que o silencio não implicar em concordância.

Tenho aqui alguns artigos do código que trazem repercussões decorrentes do silencio, anotem: artigo 543; artigo 539; artigo 512; artigo 1640; artigo 529; artigo 1807; artigo 327; artigo 331; artigo 1738; artigo 299,§único e artigo 303.

Fechando a questão da interpretação dos negócios, o artigo 114 diz lá: os negócios jurídicos benéficos e a renuncia interpretam-se estritivamente.

Como exemplo de negócios jurídicos benéficos: doação pura e comodato.

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O Código aqui andou muito bem, cuidado com esse detalhe aí, porque o Código Civil diz que os negócios jurídicos benéficos e a renuncia interpretam-se estritivamente. O Código não disse restritivamente, não são sinônimos.

Estritivamente significa que a interpretação não comporta ampliação. É diferente da interpretação restritiva, porque interpretação restritiva é aquela que limita, diminui a extensão de determinada regra jurídica.

A Constituição anterior dizia que o casamento era indissolúvel. Só que mesmo no contexto anterior a morte dissolvia o casamento, interpretação restritiva. O Código diz aqui no artigo 114 interpretação estritiva.

Vamos ver um exemplo disso. Vamos fazer uma conexão desse dispositivo com o artigo 387. Sugiro uma remissão recíproca: artigo 114 e artigo 387.

Basicamente o seguinte: regra geral, penhor (direito real em garantia) pressupõe a entrega do objeto empenhado ao credor, regra geral.

O artigo 387 diz: a restituição voluntária do objeto empenhado prova a renuncia do credor a garantia real e não a extinção da dívida.

Então, se o credor devolve ao devedor o objeto empenhado o que o artigo 387 diz? Que essa devolução representa a renuncia ao penhor, renuncia a garantia real, mas dessa devolução não gera a presunção de remissão. Porque a remissão é uma renuncia, uma modalidade de renuncia que merece interpretação estritiva, então os dispositivos aí estão interligados.

Fim da aula.

Data: 30/09/08

Aula 05 – 2º Parte

Elementos Acidentais do Negócio Jurídico

Condição: a definição está no artigo 121: considera-se condição a cláusula que derivando exclusivamente da vontade das partes subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.

Dentro da definição da condição nós temos aí alguns requisitos essenciais ai. O primeiro requisito é a voluntariedade. Outro requisito: que estejamos diante de um evento futuro e, além de futuro, o evento também deve ser incerto.

Vejam, dentro da questão da voluntariedade é preciso nós não confundirmos as condições propriamente ditas com as chamadas conditiones iuris.

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Pergunta típica de prova oral: qual é a natureza jurídica do casamento em relação ao pacto anti-nupcial? O pacto só vai produzir efeitos com o casamento, casamento é evento futuro e incerto, o casamento não é condição suspensiva em relação a eficácia do pacto. Porque na verdade o pacto se condiciona ao casamento por força de lei.

É a lei que diz que o pacto só produz efeito se houver o casamento, portanto falta o requisito voluntariedade. Quer dizer, para que haja condição é preciso que o negócio se subordine a um evento futuro incerto por conta da manifestação de vontade e não por força de lei. Porque se a lei impõe um determinado requisito para a eficácia do ato, nós não estamos diante de uma condição propriamente dita.

Vamos supor, vendo esse imóvel de 100 mil reais se for adotado instrumento público. Nós não temos aí uma condição suspensiva, a adoção de instrumento público na verdade é requisito legal para a validade e eficácia do ato.

Pergunta do aluno.

Resposta: na verdade as chamadas conditiones iuris no direito brasileiro para sistematizar, a doutrina chama como requisito legal de eficácia.

Outro elemento que nós vimos é que o evento tem que ser futuro. Em relação a essa exigência, não confundir as condições as condições que estamos vendo agora com as chamadas condições impróprias.

Essas condições impróprias, que não seriam condições propriamente ditas, dizem respeito a eventos passados ou presentes ignorados pelas partes.

Um exemplo que a doutrina coloca: se premiado na loteria ontem... Quer dizer, vamos supor que as partes ainda não saibam do resultado da loteria, o evento não é futuro. Portanto o evento é passado, condição imprópria, nós não estaríamos diante de condição propriamente dita.

E o evento tem que ser incerto, por quê? Porque se o evento for futuro e certo nós estaremos diante da hipótese de termo.

Vamos nos lembrar, ainda dentro dessa visão introdutória, dos chamados atos puros que são aqueles que não admitem condição.

Nós vimos na aula passada que uma das modalidades de atos puros são os atos jurídicos em sentido estrito porque neles não há liberdade de regulamentação, só liberdade de iniciativa. Então, como não há liberdade de regulamentação nos atos jurídicos em sentido estrito, os efeitos decorrem da lei, então não cabe condição.

Aquela história do reconhecimento voluntário de paternidade sobre condição, não cabe, emancipação voluntária também não cabe e assim sucessivamente. Então atos jurídicos em sentido estrito.

Outro exemplo de ato puro: direitos da personalidade e o Francisco Amaral também elenca como ato puro determinados atos unilaterais com eficácia imediata. Aí

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o Francisco Amaral exemplifica com o endosso, artigo 912; a gestão de negócios artigos 861 a 875.

Lembram da gestão? Vamos ver mais adiante isso, mas na gestão basicamente o gestor atua em nome e favor de outrem sem que tenha recebido poderes para isso. Essa ausência de prévia outorga de poderes é que diferencia gestão de negócios do mandato. Então a gestão também não comportaria condição.

Ele exemplifica ainda com a chamada concentração. A concentração se aplica nas obrigações alternativas e nas obrigações de dar coisa incerta. Quer dizer, se tenho que entregar o carro ou a jóia, o que significa a concentração? A concentração significa a escolha de qual das duas prestações será cumprida. Então, a concentração também não comportaria condição.

Cuidado aqui com o seguinte: o artigo 121 tratando da condição diz assim: “derivando exclusivamente da vontade das partes...”. Só que a doutrina é bastante insegura no sentido de afirmar que a condição também se aplica a negócios jurídicos unilaterais.

O exemplo típico do testamento, nada impede que o testador imponha uma determinada condição suspensiva e veja que nesse caso não haverá manifestação de vontade das partes, mas apenas do testador.

Se formos olhar em termos práticos, a condição ela pode ser um instrumento para conferir repercussão jurídica ao motivo.

Vamos supor que quero comprar um imóvel em Friburgo, porque estou na eminência de ser transferido para lá. Qual é o motivo para comprar o imóvel em Friburgo? A transferência, só que o motivo em regra não tem relevância jurídica. O que posso fazer em termos práticos para dar relevância a esse motivo? Colocar a transferência como condição suspensiva. Então, a condição ela pode ser um instrumento apto a conferir relevância ao motivo.

Pergunta do aluno.

Resposta: o colega está perguntando se a condição pode impor restrições a outra parte. De forma resumida, as condições elas tem um caráter eventualmente suspensivo, mas elas são não coercitivas. Quando se busca dar coercitividade, o instrumento adequado é o encargo porque ele, diferentemente da condição, não tem natureza suspensiva, mas produz efeitos coercitivos. O doador, por exemplo, ele pode inclusive revogar doação por inexecução do encargo.

Então, uma das diferenças aí em termos práticos é que o encargo produz efeitos coercitivos em relação ao destinatário, ao declaratório, diferentemente da condição.

Vamos ver a primeira classificação que é a mais importante de todas: condição suspensiva versus resolutiva.

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O artigo 125 define a condição suspensiva que diz: subordinando-se a eficácia do negócio jurídico a condição suspensiva enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito a que ele visa. Quer dizer, na pendência da condição suspensiva, o negócio jurídico não produz efeitos. Então, a condição suspensiva tem o condão de suspender a eficácia do negócio.

Nós estamos inclusive na hipótese de condição suspensiva diante do exemplo clássico em que o negócio jurídico pode ser existente, válido e ineficaz. O exemplo típico qual é? Condição suspensiva. Outro exemplo de negócio existente, válido e ineficaz é o testamento enquanto vivo o testador.

Então vejam, durante a condição suspensiva o negócio não produz efeitos e como o evento é seguro e incerto pode ser que a condição venha sequer a se consumar.

Esse período em que há incerteza quanto ao advento ou não da condição e conseqüentemente o advento ou não da eficácia, é chamado de período de pendência. E aí o Código Civil nesse artigo 125 diz lá: “enquanto a condição não se verificar não terá adquirido o direito a que ele visa”.

Remissão do artigo 125 para o artigo 131, por que na pendência da condição suspensiva (em tese) não há aquisição de direito? Porque o evento é futuro e incerto. Se o evento não se consumar o negócio jamais produzirá efeitos.

Se pensarmos nessa lógica, fica claro que na hipótese de termo inicial há aquisição de direito porque no termo inicial o evento é futuro e certo. É isso que diz o artigo 131: o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. Então, uma das diferenças básicas entre a condição suspensiva e o termo inicial.

A doutrina clássica costuma dizer que nesse período de pendência, aquele que aguarda o advento da condição suspensiva, teria uma mera expectativa de direito. Clóvis Beviláqua já dizia isso e outros.

A doutrina mais contemporânea vem ressaltando que na verdade não haveria uma mera expectativa de direito. Na verdade, nesse período de pendência, surge para a parte o chamado direito expectativo.

É curioso registrar o seguinte, a doutrina vem falando em direito expectativo adquirido. Parece até um contra-senso. O que seria o direito expectativo adquirido? Seria o direito adquirido a produção dos efeitos decorrentes do negócio caso ocorra o implemento da condição suspensiva. Ou seja, qual seria o efeito prático de falar em direito expectativo adquirido?

O efeito prático seria que esse direito expectativo ele não pode ser afastado por legislação posterior, quer dizer, eventual modificação legislativa não atingirá o direito expectativo adquirido caso haja o implemento da condição.

Porque o que a doutrina mais contemporânea vem dizendo é o seguinte: se a gente só falar em expectativa de direito o que estaria falando em termos práticos? O sujeito não tem proteção nenhuma, quando na verdade ele teria o direito expectativo

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adquirido e essa posição parece resolver um aparente conflito entre esse artigo 125 com o artigo 6º, §2º da LICC.

Diz o artigo 6º, §2º da lei de introdução: consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular ou alguém por ele possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo ou condição pré estabelecida inalterável ao arbítrio de outrem. Quer dizer, o artigo 6º está dizendo que o direito pendente de condição suspensiva é direito adquirido em aparente conflito com o artigo 25.

Só que a lei de introdução está resguardando o que? O direito expectativo adquirido que não se confunde com o direito visado pela prática do negócio. Quer dizer, em relação ao direito visado praticado decorrente do negócio haveria uma mera expectativa de direito porque pode ser que ocorra ou não. Mas em relação ao direito expectativo, ele seria adquirido e já integraria o patrimônio do indivíduo.

E aí percebam que por conta dessa perspectiva o Silvio Rodrigues e o Gustavo Tepedino ressaltam explicitamente que esse direito expectativo adquirido é inclusive transferível a terceiros justamente por ser um valor patrimonial incorporado ao patrimônio.

Sugiro então a remissão desse dispositivo artigo 125 para o artigo 6º, §2ª da LICC para lembrarmos desse aparente conflito.

Tem outra questão que é a seguinte: vamos supor que haja um negócio sujeito a condição suspensiva sem qualquer limite temporal para a ocorrência dessa condição suspensiva. Quer dizer, doar-te-ei um imóvel se passares no vestibular.

Quem cuida do tema aqui diz que se não houver prazo pré-estabelecido é possível que uma das partes venha a requerer em juízo a fixação de um prazo razoável. Porque, vejam, a ausência total de limite temporal a condição suspensiva geraria uma indefinição ad eternum em relação ao direito focado no negócio. Quer dizer, a inexistência de limites temporais ao implemento da condição suspensiva, traria insegurança jurídica.

Nós teríamos a possibilidade um período de pendência ad eternum. Então, se não houver limite temporal previsto no negócio para a condição suspensiva é possível que haja fixação judicial de um limite temporal razoável para o implemento da condição suspensiva. Quer dizer o período razoável vai variar de acordo com o caso concreto.

Então, um exemplo que o Eduardo Ribeiro traz: vamos supor que a condição suspensiva para aquisição de um determinado imóvel seja a obtenção de uma determinada licença para construir naquele imóvel sem que haja limite temporal para definição se haverá ou não a concessão da licença. É possível que o Juiz fixe um prazo razoável para a obtenção daquela licença, findo qual aquela condição suspensiva deixa de produzir efeitos.

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Cuidado, porque essa posição além do Eduardo Ribeiro é defendida por Gustavo Tepedino. Não chega a ser minoritária a posição porque os manuais normalmente silenciam sobre o tema.

Pergunta do aluno.

Resposta: o Tepedino não chega a colocar isso explicitamente, mas a legitimidade para requerer a fixação é da parte que integra o negócio jurídico e eventualmente pode ser o sucessor não o sucedido.

Quer dizer, se houve eventual transferência do direito expectativo, como defende o Tepedino e o Silvio Rodrigues, quer dizer, a legitimidade para requerer a ação judicial vai ser do sucessor. Porque o sucessor na verdade passa a ser o titular do direito expectativo, então a legitimação não seria para o sucedido e sim para o sucessor.

Quer dizer, não seria hipótese da parte contratante originária pleitear a fixação judicial em detrimento do sucessor. A legitimação seria daquele que integra naquele momento... Daquela que tenha a titularidade do direito expectativo.

Vamos dar uma olhada no artigo 126: se alguém dispuser de uma coisa sobre condição suspensiva e pendente esta fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor realizada a condição se com ela forem incompatíveis.

Exemplo: eu celebro um negócio sob condição suspensiva de um determinado imóvel e na pendência dessa condição suspensiva, naquele período de pendência eu alieno aquele imóvel para terceiro.

O que o artigo 126 está dizendo? Se houver o implemento da condição suspensiva, essa segunda alienação não produz efeitos, porque essa segunda disposição foi incompatível como implemento daquela condição suspensiva.

Alguns aspectos aqui importantes: há uma primeira posição que ressalta que o artigo 126 consagraria a retroatividade da condição suspensiva. Essa primeira corrente é defendida pelo Arnaldo Rizzardo e pelo Washington de Barros Monteiro.

Por que essa corrente defende que seria retroatividade da condição suspensiva? Porque se houver o implemento da condição suspensiva, o artigo 126 está dizendo o que? Que aquelas alienações posteriores se desconstituem, então a condição suspensiva estaria provocando efeitos ex tunc.

Bom, vamos sistematizar isso bem. Quais seriam aí exemplos práticos decorrentes do art. 126, antes da gente ver a segunda corrente? Vamos partir da premissa que produz efeitos ex tunc e depois vemos a 2ª corrente para sistematizar.

Hipóteses que se aplicariam o artigo 126: na hipótese de venda a terceiro, penhora superveniente por dívida do titular do bem, arresto ou seqüestro e penhor ou hipoteca.

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Pergunta do aluno.

Resposta: me parece que teríamos uma hipótese em que há um interesse jurídico do terceiro na fixação judicial, sem dúvida alguma. O credor hipotecário, o credor pignoratício, quer dizer, teríamos aí um terceiro interessado na fixação judicial\, porque nesse caso ele terá o interesse jurídico.

Em tese é aplicável o dispositivo nessas circunstancias, está certo? Exceções a aplicabilidade do artigo 126 nessas circunstâncias:

Primeiro: no caso de bens fungíveis, porque se for bem fungível ele é substituível por outro de mesma quantidade, qualidade e espécie, artigo 85 que é o que define bens fungíveis.

Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Tem outra hipótese que tem tudo a ver com o princípio da confiança. Se a gente estiver diante de um negócio envolvendo bem imóvel, essa condição suspensiva tem que estar averbada no registro. Porque o artigo 126, ao supostamente trazer esses efeitos ex tunc como quer a 1ª corrente, acaba gerando oponibilidade erga omnes, porque ela atinge terceiros adquirentes. Na verdade, a condição tem que estar registrada para que haja a proteção a legítima expectativa de terceiros.

Pergunta do aluno.

Resposta: ainda que não haja uma previsão explicita, se tiver resolve, mas a condição, elemento acidental do negócio jurídico e a condição ela não se presume, ela pressupõe acordo de vontade. Então, em tese a condição ela deve constar no instrumento, digo instrumento público se for bem imóvel.

Então se houver averbação de instrumento público... Tentando pensar no seguinte, cabe a inscrição mesmo que não haja previsão explicita, a inscrição cabe. Porque na verdade a condição ela vai estar incerta no próprio instrumento e a inserção do instrumento junto ao registro com a condição já seria suficiente para a proteção da legítima expectativa de terceiros.

Agora, se for bem imóvel não sujeito a registro, a regra não se aplicará em face de terceiros adquirentes de boa fé. Posição essa majoritária em sede doutrinária.

Então, a 1ª corrente defende que estamos diante de uma hipótese de retroatividade por conta desses efeitos que acabamos de ver. Esses efeitos são incontroversos sem duvida alguma o artigo 126 estabelece, e por conta desses efeitos, a 1ª corrente defende que a hipóteses seria de retroatividade.

A segunda posição defende que o artigo 126 não traz propriamente retroatividade, mas apenas resguarda o direito expectativo do credor condicional. Porque o que a 2ª corrente defende é o seguinte: a questão da retroatividade da condição suspensiva traria outros efeitos que não apenas esses do artigo 126.

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Por exemplo: em relação aos frutos percebidos, se nós entendermos que a condição suspensiva produz efeitos retroativos como quer a posição majoritária qual seria a conclusão? Os frutos percebidos teriam que ser restituídos quando na verdade os frutos percebidos não serão restituídos, eles ficam com aquele que já os percebeu a época em que exercia a titularidade sobre o bem.

Tem até uma regrinha aqui, que parece deixar bem claro essa solução, em relação aos frutos que é o artigo 237, §único trata da teoria dos riscos e diz assim: os frutos percebidos são do devedor cabendo ao credor os frutos pendentes.

Quer dizer, se alguém tem uma obrigação de dar e a obrigação de dar pode decorrer do implemento da condição suspensiva, o artigo 237, §único diz que quem tem obrigação de dar, o devedor que tinha obrigação de dar tem direito aos frutos percebidos antes da tradição.

Outra questão que parece evidenciar que não estaríamos diante de retroatividade, em relação aos riscos por perda ou deterioração sem culpa. Se há perda ou deterioração sem culpa qual é a máxima aplicada?

A coisa perece para o dono (res perit domino) e, na verdade a coisa vai perecer para quem? Para o atual titular do direito, quer dizer, ele é que vai suportar os riscos pela perda ou deterioração sem culpa. Não vai ser o credor condicional, vai ser aquele que a época do perecimento titularizava o bem, está lá no artigo 234 1ª parte que veremos mais adiante.

Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.

E tem outra questão ainda em relação às benfeitorias, porque se for efeitos retroativos em geral como quer a primeira corrente todas as benfeitorias realizadas terão que ser indenizadas.

Em relação às benfeitorias, a doutrina ressalva que a benfeitorias necessárias devem ser indenizadas. Porque o artigo 1220, que veremos mais adiante, diz que até o possuidor de boa fé tem que indenizar as benfeitorias necessárias. Então, relação às necessárias não haveria dúvida.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Agora, dúvidas podem haver em relação as úteis. O que acontece se o atual titular do direito fizer benfeitoria útil? Será que com o implemento da condição suspensiva o credor condicional vai ter que indenizar aquela benfeitoria útil?

Nesse caso, é aplicado por analogia o artigo 505 que trata da retrovenda que é o seguinte: o alienante transfere a propriedade, só que o alienante se reserva o direito potestativo de reaver o bem dentro de um determinado prazo. Condição, não é isso?

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Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.

O artigo 505 explicitamente diz que só serão indenizadas as benfeitorias úteis se autorizadas pelo titular do direito expectativo. Quer dizer, estamos diante de um negócio jurídico condicional e o artigo 505 seria aplicado por analogia a outras hipóteses que não apenas na retrovenda.

Então, o que a 2ª corrente ressalta é o seguinte: não há uma regra sobre retroatividade ou irretroatividade das condições suspensivas, o artigo 126 não traz uma regra. A análise da retroatividade ou não há de ser vista no caso concreto e essa é a posição predominante da doutrina. Então, o artigo 126 não traria propriamente o princípio da retroatividade.

Vários autores nesse sentido: Orlando Gomes, Francisco Amaral, Caio Mário, vários autores nesse sentido.

Visto aí a condição suspensiva vamos dar uma olhada na condição resolutiva artigo 127.

Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

Na condição resolutiva, o negócio vai produzindo efeitos até que haja o implemento da condição resolutiva. É o inverso da suspensiva. A condição resolutiva é aquela que tem por efeito resolver, extinguir os efeitos do negócio e daí a expressão resolutiva.

O Código de 16 tinha uma impropriedade técnica que foi corrigida no atual pelo seguinte: o Código de 16 no artigo 119, §único tratava da chamada condição resolutiva tácita. Essa antiga condição resolutiva tácita do artigo 119, §único do Código de 16 saiu dos capítulos das condições e foi para o artigo 475.

Art. 119, § único do CC/16: A condição resolutiva da obrigação pode ser expressa, ou tácita; operando, no primeiro caso, de pleno direito, e por interpelação judicial, no segundo.

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

Atualmente ninguém mais fala em condição resolutiva tácita, quando a doutrina se refere ao artigo 475 a expressão utilizada é cláusula resolutiva tácita.

O que está lá no artigo 475 é que se uma das partes descumpre o contrato a outra pode pedir a resolução. Vejam que não estamos diante de uma condição efetivamente, primeiro porque ela é tácita e a condição pressupõe acordo de vontades.

Vejam que esse efeito resulta da lei, quer dizer, além de tácita ela se opera ex vis legis, então o Código anterior cometia uma impropriedade ao inserir o dispositivo no capítulo das condições.

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O artigo 127 diz lá: se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico podendo exercer desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido. Quer dizer, o que o artigo 127 diz é o que acabamos de mencionar: enquanto não houver o implemento da condição resolutiva o negócio produz efeitos.

Aquele que é titular de um direito sujeito a condição resolutiva tem faculdade jurídica de disposição sobre àquele bem? Qual a questão que de vez em quando cai? Propriedade resolúvel. Qual é a lógica da propriedade resolúvel? Sujeito tem uma propriedade sujeita a condição resolutiva.

Exemplo clássico é aquele da doação com cláusula de reversão (artigo 547) e como é isso? O doador transfere para o donatário e diz: “olha donatário de você morrer antes de mim os bens voltam para mim”. O pré-falecimento do donatário em relação ao doador é condição resolutiva.

A dúvida é se esse donatário que é titular do direito de propriedade sujeito a condição resolutiva tem faculdade de disposição. Quer dizer, será que o donatário pode vender o bem para terceiros? Pode, vale a pena para a gente não se esquecer disso a remissão do artigo 127 para o artigo 1359. Para amarrar melhor na prova dissertativa eu até faria uma remissão entre o artigo 127, artigo 128 e artigo 1359.

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.

Art. 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha.

O que o artigo 1359 diz é que quem tem propriedade resolúvel transfere propriedade resolúvel. Então, quem tem propriedade resolúvel tem faculdade de disposição, só que, quem tem propriedade resolúvel transfere propriedade resolúvel.

Então, na verdade, quem é titular de um direito sujeito a condição resolutiva tem a faculdade de disposição sobre esse direito a condição resolutiva. Só que, como ninguém pode transferir mais direitos do que tem, o sujeito vai transferir direito sujeito a condição resolutiva.

Percebam o seguinte: quando o artigo 1359 diz que quem tem propriedade resolúvel transfere propriedade resolúvel o que ele está dizendo é que se o donatário naquele nosso exemplo falecer antes do doador o terceiro adquirente perde o bem para o doador, não é isso? Ou seja, em termos práticos o que o Código está estabelecendo é que neste caso a condição resolutiva vai produzir efeitos retroativos.

E aí vejam que a questão se encaixa bem no artigo 128, por isso é interessante amarrar o artigo 127, artigo 128 e artigo 1359, porque o artigo 128 na 1ª parte diz: “sobrevindo a condição resolutiva extingui-se para todos os efeitos o direito a que ela se opõe”. Regra parecida com aquela da condição suspensiva, parecida só que jogada aqui para a condição resolutiva.

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Para que essa condição resolutiva produza efeitos retroativos e conseqüentemente atinja a terceiros, se for imóvel tem que estar registrada, e se for bem imóvel não atinge terceiros de boa fé, princípio da confiança.

O que uma parte da doutrina diz? Que o artigo 128 consagra a retroatividade das condições resolutivas, quer dizer, aquela 1ª corrente de lá se projeta para cá. Vai dizer que o artigo 128 prevê a retroatividade das condições resolutivas.

A 2ª corrente vai dizer o que? Não é efeito retroativo porque na verdade a idéia de efeito retroativo traria outras conseqüências. Quer dizer, por exemplo, os frutos percebidos não serão restituídos e o próprio artigo 128 na parte final traz mais uma exceção: “sobrevinda a condição resolutiva extingue-se para todos os efeitos o direito a que ela se opõe, mas se apostam negócio de execução continuada ou periódica a sua realização salvo disposição em contrário não tem eficácia quanto aos atos já praticados”.

Por exemplo, os aluguéis já recebidos pelo titular do direito a época, não serão restituídos ao credor condicional. Porque na verdade, nos negócios de trato sucessivo a percepção dos frutos vai se dar à luz da circunstância fática então vigente.

Se a época da percepção do aluguel, o titular do bem era aquele determinado, fará jus aos aluguéis aquele que era o titular do direito real de propriedade. Ressaltando que não teríamos propriamente dito a idéia de retroatividade plena das condições resolutivas.

E aí no artigo 130 diz: ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.

A doutrina critica muito a expressão “titular do direito eventual”. O Zeno Veloso chega a dizer que é uma contradição em seus próprios termos. Porque titularidade pressupõe um direito existente e eventual é aquilo que depende de um evento futuro.

A doutrina ressalta que melhor do que a expressão “direito eventual” seria falar em “direito expectativo”. Porque o que na verdade o que o sujeito titulariza é o direito expectativo e aí o Código diz que o titular do direito expectativo pode praticar atos destinados a conservá-lo.

Então, fica claro que se houver eventual atentado de terceiro em face do objeto sujeito a condição, o titular do direito expectativo tem legitimidade para defender a integridade do bem.

Cuidado, olha que pergunta capciosa: tem tutela possessória? Não, ele pode se defender através de outros instrumentos que não tutela possessória. Quem vai ter tutela possessória é o atual titular do direto, não é isso? O titular do direito expectativo vai se valer de cautelar enfim, mas não de tutela possessória.

Agora, há uma situação mais delicada ainda que é a seguinte: em que medida o titular do direito expectativo pode exercer medidas conservativas em detrimento do atual titular do bem?

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Pode ser que o atual titular venha desempenhando condutas que venham a deteriorar, a gerar o perecimento do bem objeto da condição. Vejam que se ficar evidenciado que a conduta do atual titular do direito tende a perecimento ou a deterioração do objeto sujeito a condição, o titular do direito expectativo tem legitimidade para adotar as medidas conservativas daí decorrentes.

Então, alguns exemplos que a doutrina traz aí em relação a essas medidas conservativas, em relação ao titular do direito seriam a exigência de caução, protesto, a constituição em mora.

Tem um exemplo que o Carlos Roberto Gonçalves traz que me parece no mínimo questionável, ele diz que o credor constitucional para adotar dentro aqui, dentro desse conjunto de medidas conservativas, teria legitimidade para interromper a prescrição.

Por que é discutível no mínimo essa hipótese? Por conta do artigo 199, I que diz que não corre prescrição na pendência da condição suspensiva. Quer dizer, na verdade se não corre prescrição, parece faltar interesse para o titular do direito expectativo em interromper a prescrição.

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:

I - pendendo condição suspensiva;

Pergunta do aluno.

Resposta: é, mas na verdade dá para aplicar o dispositivo aqui a contrario sensu, porque na verdade sempre que há condição suspensiva para um, há resolutiva para outro.

Então, numa interpretação a contrario sensu, uma interpretação entre aspas extensiva, o artigo 199, I se aplicaria para as duas hipóteses, apesar do legislador não ter contemplado. Porque na verdade a condição suspensiva para um gera resolutiva para outro.

Vamos fechar com uma última classificação que é breve. São as chamadas condições perplexas ou contraditórias. Artigo 122, 2ª parte: as condições contraditórias ou perplexas são aquelas que privam de todo efeito o negócio jurídico. O artigo 122 diz que essas condições são vedadas, são defesas pelo ordenamento jurídico.

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Exemplo típico: o sujeito faz um testamento e diz lá “deixo este imóvel para fulano, se fulano morrer antes de mim”. Condição perplexa ou contraditória porque acaba privando todo negocio de efeito.

Tem outro exemplo: dôo a José a casa se vendê-la antes para Francisco. Condição perplexa, contraditória.

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Exemplo do Christiano Chaves: vamos supor que o sujeito faça a doação de um imóvel a outrem e ele diz o seguinte: dôo para fulano se fulano não usar, gozar e dispor do bem. Porque na verdade a doação busca transferir na propriedade o exercício das faculdades jurídicas.

Se o sujeito faz uma doação e retira todas as faculdades jurídicas para o donatário, na verdade ele estaria privando de todo efeito o negócio jurídico doação. Também seria exemplo de condição perplexa ou contraditória.

Fim da aula.

Aula 06 – 07/10/08

Antes de prosseguir, quero ressaltar que já saiu o Informativo 369 do STJ, ontem ou hoje. Teve um julgado envolvendo um aspecto que já vimos aqui, aquela questão do foro eleição, domicílio contratual que vimos em aulas anteriores.

No Informativo 369, o STJ firmou entendimento de que na verdade é em tese cabível foro contratual em contrato de adesão desde que não haja hipossuficiência reconhecida em relação a uma das partes.

No caso concreto era duas pessoas jurídicas, uma delas com um maior potencial econômico do que a outra, entretanto ambas demonstravam estruturação suficiente para exercer a defesa dos seus respectivos interesses no domicílio contratual eleito.

Portanto, o STJ refutou a alegação de ilicitude do foro de eleição na medida em que ele não inviabilizava o acesso ao poder judiciário, dada a ausência de hipossuficiência de uma das partes. RESP 540257.

Na aula passada, paramos em condições perplexas, não é isso? Foi o último ponto visto. Vamos prosseguir então, na sistemática da condição, com outra classificação relevante segundo a qual a condição pode ser casual, potestativa ou mista.

Condição Casual é aquela que depende do acaso ou da vontade de terceiro, é aquela cujo implemento depende do acaso ou da vontade de terceiro. Exemplo: se não chover em duas semanas. A condição suspensiva “se não chover em duas semanas” seria uma condição casual.

As condições potestativas comportam uma subdivisão. As condições potestativas se subdividem nas chamadas condições simplesmente potestativas e nas chamadas condições meramente potestativas.

As condições simplesmente potestativas são aquelas que decorrem da vontade de uma das partes e de outros elementos. Exemplo: “se fulano se formar”,

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seria uma condição simplesmente potestativa, então “se me formar”, “se eu viajar ao exterior” teríamos aí condições simplesmente potestativa.

Ganha relevância, na verdade, a questão das condições meramente potestativas que são sinônimas de condições puramente potestativas, há ainda quem use a expressão condição potestativa pura.

Essas condições meramente potestativas estão vedadas pelo art. 122, parte final. Diz o art. 122 o seguinte: são licitas em geral todas as condições não contrárias a lei, a ordem pública ou aos bons costumes. Entre as condições defesas, se excluem a que privarem de todo negócio jurídico ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. Então, as condições meramente potestativas são aquelas que se sujeitam ao puro arbítrio de uma das partes.

Essa condição meramente potestativa é conhecida como a famosa cláusula “se me aprouver”, a doutrina ainda faz alusão a essa expressão.

Uma manifestação prática do art. 122 parte final, nós encontramos no art. 489, que é o seguinte: o art. 489 está dentro do capítulo da compra e venda. Regra geral as partes são livres para estabelecerem os critérios pra definir o preço da compra e venda, princípio da autonomia privada. Quer dizer, podem as partes fixar o preço de acordo com taxa de balcão ou de acordo com taxa de bolsa? Sim, podem as partes atribuírem a fixação dos preços a terceiros? Sem dúvida alguma.

A regra geral em relação a critérios de fixação do preço é a do princípio da autonomia privada e o art. 489 traz uma exceção. O art. 489 diz lá: nulo é o contrato de compra e venda quando se deixa ao arbítrio de uma das partes a fixação do preço.

Quer dizer, se a fixação do preço em relação a um contrato já consumado fica ao puro arbítrio de um dos contratante, nós teríamos aí uma situação de potestatividade pura e, portanto a nulidade prevista no art. 489 é uma decorrência do art. 122. Eu sugiro até uma remissão recíproca entre os dispositivos.

E aí tem uma observação que a doutrina costuma trazer aqui que é a seguinte: o art. 122 parte final simplesmente diz que as condições meramente potestativas são vedadas.

Só que a doutrina em geral ressalta a necessidade de tratamento diferenciado no que diz respeito as condições meramente potestativas suspensivas ou resolutivas. Ou seja, a doutrina ressalta que são invalidantes as condições meramente potestativas suspensivas.

Nesse sentido, nós temos vários autores, nós temos aí o Francisco Amaral, Orlando Gomes, Gustavo Tepedino e Eduardo Ribeiro.

Inclusive, esses autores costumam lembrar o seguinte: em regra, a condição meramente potestativa se resolutiva seria válida e o exemplo seria inclusive a hipótese da retrovenda. Retrovenda, arts. 505 a 508.

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Na retrovenda, a grosso modo, o alienante passa a ter o direito potestativo de reaver o bem dentro de determinado prazo desde que pague o valor correspondente.

Em tese, nós não temos ai uma condição meramente potestativa resolutiva? Sem dúvida alguma, porque a simples manifestação de vontade do alienante vai ter o condão de resolver a propriedade do adquirente e, na verdade, essa iniciativa decorre da livre manifestação de vontade do alienante, portanto temos uma condição meramente potestativa resolutiva.

O Humberto Theodoro Júnior, que escreve aquela obra da editora forense, Comentários ao Código Civil, ele escreve nessa parte aqui, ele diz o seguinte: em regra, a condição meramente potestativa resolutiva é válida, mas temos exceções. É possível que o ordenamento jurídico venha a vedar condições meramente potestativas resolutivas, por exemplo, no contrato de doação não cabe revogação da doação?

Cabe, mas a revogação da doação só se admite em que situações? Na hipótese de ingratidão do donatário ou na hipótese de execução do encargo. Quer dizer, o ordenamento jurídico só admite a revogação da doação dentro dessas duas circunstancias, portanto o ordenamento jurídico em tese proíbe que no contrato de doação se estabeleça uma condição resolutiva meramente potestativa, porque a resolução da doação só é contemplada nessas duas hipóteses prevista no Código Civil.

Tentando sistematizar, portanto, a tendência em sede de concurso qual é? O limite da dificuldade me parece qual seria? Seria exigir essa necessidade de tratamento entre as condições meramente potestativas suspensivas e resolutivas.

No que tange a suspensivas, é inequívoco o tratamento de que elas são repudiadas, elas são invalidantes. Mas no que tange as condições meramente potestativas resolutivas, a tendência da doutrina é no sentido de admiti-las, porque na verdade o negócio produziria efeitos deste plano independentemente do advento do evento futuro incerto.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: na verdade, ou previsto em lei, o Humberto Teodoro Júnior fala, em previsão legal, mas talvez no ambiente em que a gente na verdade está vivendo o direito civil contemporâneo, talvez seja melhor falar previsto em lei ou compatível com o ordenamento jurídico. Acho que acabamos correndo um risco menor com essa afirmativa.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: vamos ver inclusive em relação a venda a contento que aqui sim há uma previsão específica, mas na verdade em que pese ser condição suspensiva, a concretização da compra venda ela não vai depender da mera manifestação de vontade, porque toda a análise da venda a contento ela há de ser vista a luz do princípio da boa fé objetiva, a luz do princípio da conservação, então nós teríamos aqui uma condição potestativa, mas não uma condição potestativa pura.

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Porque a não concretização da compra e venda, não depende do puro arbítrio, quer dizer, se o bem corresponde as qualidades esperadas em relação aquilo que foi compactuado, o princípio da conservação e o princípio da boa fé objetiva vão impor a celebração do contrato. Então, não teríamos aqui propriamente uma condição puramente potestativa. Talvez tenhamos aqui um exemplo de condição simplesmente potestativa, porque vai depender da vontade, sem dúvida, mas conjugadas a outros elementos. Não é bem a cláusula “se me aprouver”, porque aqui a boa fé objetiva e a conservação vão funcionar como uma baliza para essa manifestação de vontade.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: vamos ver no próximo ponto que há uma tendência de tratamento diferenciado entre a condição suspensiva e a resolutiva. Vamos deixar para mais a frente. Nós vamos ver que o próprio código vai trazer essa diferença de tratamento.

Só para fechar a classificação, ficou faltando falar da condição mista. A condição mista é aquela cujo implemento depende da vontade de uma das partes conjugada a vontade de terceiro.

O exemplo clássico de condição mista é: “se constituíres sociedade com fulano”, é claro que a sociedade com terceiros vai depender da própria parte envolvida do negócio conjugada a manifestação de terceiros.

Não há previsão legislativa sobre condição mista no Brasil, mas a doutrina, em geral, se reporta aí ao art. 1.171 do Código Francês explicitamente prevê aí as condições mistas. No Brasil não previsão legal, mas a doutrina é unânime sobre a existência de tal classificação.

Outra classificação muito importante aqui é a seguinte: o código atual diferencia as condições ilícitas das condições juridicamente impossíveis. É novidade legislativa, o código anterior não trazia essa distinção.

Obviamente que tanto as condições ilícitas, quanto as juridicamente impossíveis são incompatíveis com o ordenamento jurídico. A diferença entre as ilícitas e as juridicamente impossíveis está no grau de violação ao ordenamento jurídico. Isso porque as condições ilícitas atingem valores fundamentais e, portanto as condições ilícitas têm uma maior gravidade.

Então, condições como: “se mudar de religião” seria uma condição ilícita porque atenta contra um valor fundamental, qual seja, liberdade religiosa. A condição que tem por efeito negar o acesso a profissão, também seria uma condição ilícita. Não se esqueçam que dentro das condições ilícitas, veremos isso daqui a pouco, temos ainda as condições de fazer coisa ilícita, “se matares”, “se roubares”...

Já as condições juridicamente impossíveis, são aquelas que não atingem valores fundamentais, mas encontram óbice no ordenamento jurídico. Apesar de não atingirem valores fundamentais, nós temos determinadas regras que proíbem determinadas condições. Por exemplo: “se emancipares aos 12 anos de idade” é

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condição juridicamente impossível porque o ordenamento jurídico não admite emancipação aos 12 anos, ressalvadas aquela discussão do casamento que vimos na primeira aula.

Outro exemplo: “se elegeres rei” no Brasil é condição juridicamente impossível. Alguém colocar como condição o fato de alguém aos 70 anos de idade se casar sob regime universal de bens, também seria condição juridicamente impossível porque depois dos 60 anos o legislador presume “golpe do baú” e é presunção absoluta (rs) e o código impõe o regime de separação legal de bens

Vamos para a última classificação, porque essa última vai nos levar a todas as classificações que vimos até aqui. Vai trazer algo extremamente novo aqui para o nosso direito civil.

A última classificação subdivide as condições entre invalidantes ou inexistentes, o código anterior também não conhecia essa classificação.

Vamos ver a definição em tese, para depois verificarmos quais são as hipóteses em que as condições são invalidantes ou inexistentes.

Condição invalidante é aquela que contamina a própria validade do negócio jurídico, por isso invalidante, porque além da condição ser contrária ao ordenamento jurídico a condição vai atingir a própria condição do negócio.

Em tese, vamos supor aquele exemplo clássico: “doar-te-ei aquele imóvel se passares no vestibular”, vamos supor que essa condição fosse invalidante. Não é, mas vamos supor que fosse invalidante. Qual seria o efeito prático, para entendermos bem isso? Se essa condição fosse invalidante a condição seria invalida e a invalidade da condição contaminaria a própria validade da doação. Ou seja, nós não teríamos condição e nem teríamos doação. Por outro lado a condição inexistente, não tem condão de invalidar o negócio jurídico que subsistirá como se tal condição jamais tivesse sido pactuada.

Usando o mesmo exemplo, para percebemos a diferença prática, “se passares no vestibular” for uma condição inexistente, qual será o efeito prático? Essa condição será afastada e a doação vai produzir efeitos imediatamente como se aquela condição não tivesse sido acordada.

Vejam que a classificação é extremamente relevante e eu usei o mesmo exemplo de propósito para a gente perceber que os efeitos práticos são diametralmente opostos, então é muito importante a gente saber se uma condição é invalidante ou se ela é inexistente.

O código civil elenca as condições invalidantes no art. 123. Diz o art. 123: invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados; inciso I: as condições física ou juridicamente impossíveis quando suspensivas. Cuidado que isso aqui é fonte de pegadinha.

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Olha só, vamos tentar entender o sistema. Nós vimos que as condições juridicamente impossíveis se distingue das ilícitas por conta do grau de violação ao ordenamento jurídico, as ilícitas são mais graves do que a juridicamente impossíveis.

O que é mais grave, a condição invalidante ou a inexistente? A invalidante porque a invalidade da condição acaba atingindo o próprio negócio. No inciso II do art. 123 o legislador diz que as condições ilícitas são sempre invalidantes e por quê? Porque elas atingem com maior gravidade o ordenamento jurídico. Então, seja suspensiva ou resolutiva, a condição ilícita é invalidante.

Como as juridicamente impossíveis são menos graves, o legislador no inciso I diz que elas só são invalidantes quando suspensivas e, na verdade, se resolutivas forem as condições juridicamente impossíveis, elas serão inexistentes art. 124.

Vejam que o código aqui tratou diferentemente a condição juridicamente impossível no que tange a suspensiva e a resolutiva, por quê? Porque a presunção que o código estabeleceu foi a seguinte: em havendo condição resolutiva, as partes já manifestaram a vontade de conferir efeitos ao negócio jurídico praticado.

E eventual incompatibilidade dessa condição juridicamente impossível, fisicamente impossível não teria o condão de afastar os efeitos que as partes já exteriorizaram como sendo de suas respectivas vontades para celebração do negócio. Quer dizer, o efeito prático seria o aniquilamento dessas condições, o negócio produziria efeito como se tal condição não existisse.

Quer dizer, justamente essa adversidade de tratamento que o código estabelece aqui, no que diz respeito às condições juridicamente impossíveis, que é aquela diferença que a doutrina ressalta em relação às condições meramente potestativas. Nós vimos que para a doutrina dominante, as condições meramente potestativas elas são invalidantes quando? Quando suspensivas, mas não quando resolutivas. Porque na verdade as partes já exteriorizaram a manifestação de dar efeitos ao negócio jurídico praticado.

Então, na verdade a própria adoção por analogia do art. 123, I combinado com o art. 124 propicia aquela diversidade de tratamento em relação às condições meramente potestativas. Quer dizer, as autores não chegam a fazer essa correlação, mas me parece plenamente sustentável a aplicação por analogia, quer dizer, o próprio código estabelecer um tratamento diferenciado entre as condições suspensivas e as resolutivas.

Tem uma ligeira discussão aqui, porque o código fala aqui no inciso I que são invalidantes as condições físicas ou juridicamente impossíveis quando suspensivas.

Em relação à impossibilidade física, há uma discussão se são invalidantes apenas as condições com impossibilidade absoluta ou se também seriam invalidantes as hipóteses de impossibilidade relativa.

Então, no que diz respeito a impossibilidade absoluta, não há nenhuma dúvida que se há impossibilidade absoluta, a condição é invalidante. Quer dizer,

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impossibilidade absoluta é aquela que ninguém poderia cumprir, exemplo: comprar um lote no sol – impossibilidade física absoluta.

Já a impossibilidade relativa diz respeito a que? Impossibilidade relativa é aquela prevista no art. 106 e, na verdade, vamos ter impossibilidade relativa quando? Quando aquele indivíduo é impossibilitado fisicamente de cumprir aquela condição, porém outra pessoa naquelas circunstancias teria condições de cumprir aquilo que fora pactuado.

Impossibilidade relativa diz respeito a uma impossibilidade envolvendo as partes do negócio jurídico, mas não haveria aqui uma impossibilidade em relação a toda a coletividade. Por exemplo: haveria uma impossibilidade relativa a um tetraplégico de correr 10 km, mas outra pessoa poderia eventualmente cumprir essa condição.

O tema aqui é controvertido, vejam. Podemos dizer que a maioria da doutrina entende que tanto a impossibilidade absoluta quanto a relativa conduziria a hipótese de condição invalidante. Nesse sentido, autores como Caio Mário, Francisco Amaral, e Zeno Veloso.

A segunda corrente vai sustentar que só a impossibilidade absoluta gera condição invalidante. Nesse sentido, autores como Carlos Roberto Gonçalves, Christiano Chaves de Farias e Sílvio Rodrigues.

Esses autores não costumam fazer menção, mas me parece que se quisermos defender essa segunda posição é sustentável invocar por analogia o art. 106 para defender essa corrente.

O art. 106 diz que a impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio se for relativa. Então, o que poderíamos afirmar? Que a condição fisicamente impossível relativa também não invalida o negócio jurídico.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: a doutrina aqui é bastante firme no sentido de que enquanto o art. 124 diz “impossíveis”, na verdade ele está abrangendo tanto as jurídicas quanto as fisicamente impossíveis. Na verdade, como o art. 123 fez essa dicotomia, o art. 124, em tese, entendeu desnecessário fazer menção e com a expressão “condições impossíveis” ele acabou abrangendo tanto as físicas quanto a juridicamente impossíveis.

Aqui, cuidado com o inciso II. O art. 123, II diz que são invalidantes as condições ilícitas ou de fazer a coisa ilícita. Nós vimos que a condição de fazer a coisa ilícita não se confunde propriamente com as condições ilícitas.

Ilícitas são aquelas que atingem liberdades fundamentais e as de fazer a coisa ilícita é como “se matar, e se roubar, e se estuprar”, quer dizer, o próprio código no art. 123, II faz essa separação entre condições ilícitas ou de fazer a coisa ilícita.

O inciso III diz que são invalidantes as condições perplexas ou contraditórias.

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Tem uma questão importante que os manuais não costumam fazer alusão, olha só: o art. 123, II explicitamente diz que são invalidantes a condição de fazer coisa ilícita: se matares, se roubares, se estuprares, condição invalidante. A dúvida é: e a condição de não fazer a coisa ilícita? Quer dizer, “se não matares fulano”, por exemplo, seria uma condição de não fazer coisa ilícita.

O que o Caio Mário ressalta aqui? Que essa condição de não fazer coisa ilícita também seria invalidante. Porque, na verdade, não fazer coisa ilícita é um dever jurídico primário. Então, condições como: se não matar, se não roubar, se enquadrariam por analogia no at. 123, II como condições invalidantes.

Também se encaixaria aqui por analogia, de acordo com o Eduardo Ribeiro, eventual prêmio exigido pelo próprio estipulante para cumprir seu dever legal. Imagine um salva vidas que diga “eu salvo fulano se me pagares mil reais”, condição suspensiva. Essa condição também seria invalidante, integrando aí por analogia o art. 123, II. Posição defendida por Eduardo Ribeiro.

Já o art. 124 prevê que são inexistentes as condições impossíveis quando resolutivas e as de não fazer coisa impossível. Qual é uma característica inerente a condição? Que o evento seja futuro e incerto. Se há uma condição de não fazer coisa impossível, falta o elemento incerteza. Quer dizer, “senão viajares ao sol”, não há nenhuma dúvida que esse evento jamais se concretizaria e, portanto, em faltando o elemento incerteza, a condição ela será sempre inexistente.

Cuidado com mais essa pegadinha. Nessa hipótese, em que a condição de não fazer coisa impossível, como falta o elemento incerteza a condição será sempre inexistente seja suspensiva ou resolutiva. Na parte final o art. 124 não distinguiu.

Vamos tratar de termo.

Como todos nós já sabemos, no termo o evento é futuro e certo. Na verdade, tudo que vimos na aula passada em relação aos aspectos gerais da condição se aplicam ao termo.

Por exemplo, nós falamos que um dos requisitos essenciais a condição é o elemento voluntariedade, quer dizer, só há condição se o que subordina a eficácia do negócio a evento futuro incerto é a manifestação de vontade. O requisito voluntariedade também se encontra presente no termo.

Então, por exemplo, o falecimento do testador em relação a eficácia do testamento é termo? Não, o falecimento é requisito legal para a eficácia do testamento porque, na verdade, é a lei que impõe para o testamento só produzirá efeito após o falecimento do testador. Então, só haverá termo, quando há o elemento voluntariedade.

O termo pode ser inicial ou final. Termo inicial sinônimo de termo suspensivo e termo final sinônimo de termo resolutivo.

Se nós temos um contrato que terá vigência entre 5 de outubro de 2008 a 5 de outubro de 2009, ou seja, termo inicial 5/10/2008 e termo final 5/10/2009. No

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usufruto vitalício, aquele que perdura durante toda a vida do usufrutuário, quer dizer, a morte do usufrutuário será o termo resolutivo.

Outra classificação o termo pode ser certo ou incerto, classificação aparentemente contraditória, porque o termo é essencialmente evento futuro e certo. Só que na verdade o termo é certo quando se sabe que ele irá ocorrer e se sabe quando ele irá ocorrer. Já o termo incerto é aquele que se sabe que irá ocorrer, mas não se sabe quando. Exemplo típico de termo incerto é a morte. No usufruto vidual, no vitalício a morte é um termo resolutivo e incerto.

Outra classificação: termo essencial e termo não essencial.

Termo essencial é aquele cuja inobservância afasta a utilidade da prestação para o credor. O termo não essencial, a contrario sensu, é aquele cuja inobservância não afasta a utilidade da prestação para o credor.

Exemplo clássico de termo essencial é aquele do vestido de noiva, quer dizer, o costureiro se compromete a entregar o vestido na data do casamento. Essa data acordada é um termo essencial porque obviamente não interessa a noiva receber o vestido depois da data do casamento.

Em regra, no plano prático o termo é quase sempre não essencial, quer dizer, se o locador não recebe o aluguel no dia 5 é claro que interessa ao locador recebê-lo no dia 15 ou dia 20. Se o mutuário não paga a prestação no dia 10 é claro que interessa ao mutuante recebê-la no dia 20.

E, para fechar questão com chave de outro, o que seria necessário me parece consolidar lá? Lembra da diferença da mora para o inadimplemento absoluto? Nós veremos com calma mais adiante, mas é inevitável aqui essa conexão.

Uma das diferenças essenciais entre a mora e o inadimplemento absoluto diz respeito a utilidade da prestação, quer dizer, é requisito a mora que a prestação ainda seja útil ao credor. Se a prestação não for mais útil ao credor a gente não vai mais falar em mora, vamos falar em inadimplemento absoluto.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: estamos falando de mora do devedor.

Tem uma regrinha, que inclusive confirma que a hipótese aqui se restringe a mora do devedor, é o art. 395, §único que vamos ver mais adiante. O art. 395, §único diz: se a prestação devido a mora se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la e exigir a satisfação das perdas e danos.

O prof. Araquém de Assis ele costuma dizer que o art. 395, §único estabelece o chamado caráter transformista da mora, quer dizer, a mora se transmudando no inadimplemento absoluto.

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O que temos que ressaltar? Que a inobservância do termo não essencial configura mora, ao passo que o descumprimento do termo essencial configura inadimplemento absoluto.

O inadimplemento absoluto pode resultar de duas circunstancias: ou da inutilidade da prestação ou da impossibilidade no seu respectivo cumprimento. Quer dizer, se há violação do termo essencial de plano se demonstra que a prestação não é mais útil e, portanto de plano se caracteriza inadimplemento absoluto.

O art. 135 diz: ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas a condição suspensiva e resolutiva.

Exemplos: art.130. O art. 130 é aquele que diz que o titular do direito expectativo pode praticar atos destinados a conservá-los. Ora, se o mero titular do direito expectativo pode adotar medidas conservativas, com muito mais razão na hipótese de termo, porque no termo, vimos na aula passada o art. 131, já há aquisição do direito, não há apenas o seu exercício. Então, obviamente a regra do art. 130 prevista para a condição também se aplica ao termo.

Outra regra aplicável, art. 126, que é aquele que diz que na pendência da condição suspensiva, uma das partes pratica um ato de disposição patrimonial, em regra, com o implemento da condição suspensiva, aquela disposição patrimonial se desconstitui o que para muitos corresponderia ao efeito retroativo das condições suspensivas.

Vimos que o termo é controvertido, mas na verdade se há um negócio sob condição suspensiva e uma das partes vende o bem a um terceiro na pendência da condição, o que o 126 diz? Se houver o implemento da condição suspensiva aquela alienação a terceiro em tese se desconstitui.

Nós trouxemos várias ponderações a isso: tem que estar registrado, não se aplica a terceiros de boa fé em se tratando de bem imóvel, a regra, enfim tudo aquilo que vimos no 126 se aplicaria a hipótese de termo.

Também seria aplicável aqui, ao termo, o disposto nos arts. 123, I e 124. Nesses dispositivos o código traz aquela diferença de tratamento entre as condições impossíveis, suspensivas ou resolutivas. Essa mesma diversidade seria aplicada no caso de termo impossível. Exemplo de termo impossível: 31 fevereiro, exemplo que a doutrina sempre traz.

Se esse termo impossível for inicial, vamos aplicar por analogia o art. 123, I porque se for termo inicial ele vai se equiparar a condição suspensiva e, portanto esse termo impossível será invalidante. Se for resolutiva vamos aplicar o art. 124, ou seja, o negócio vai produzir efeito como se tal condição não houvesse sido pactuada.

Vamos dar uma olhada no modo ou encargo.

O encargo seria um ônus que se estabelece para um ato de liberalidade. Isso demonstra que o encargo é aplicável apenas em negócios jurídicos gratuitos, por quê?

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Porque se o negócio jurídico é oneroso, nós não temos propriamente encargos, mas sim contraprestações recíprocas.

Tem uma questão que sempre foi objeto de debate e o código agora se posicionou sobre essa questão que é a discussão se a doação com encargo é gratuita ou onerosa. A mesma lógica vale para o comodato com encargo, a mesma discussão. Sempre houve duas posições sobre o tema, qual era a predominante? Podemos dizer que essa é a predominante na doutrina.

Para a posição predominante na doutrina, a doação com encargo seria um negócio gratuito, porque para a maioria da doutrina o negócio jurídico só é oneroso quando há sinalagma, ou seja, quando há contraprestações recíprocas e o encargo, a bem da verdade, não tem natureza jurídica de contraprestação, é um mero elemento acidental do negócio jurídico.

Outros discordavam dizendo que o encargo na verdade acaba gerando algum tipo de obrigação, de dever, ônus a outra parte e a existência de qualquer ônus a outra parte faria com que o negócio jurídico se tornasse oneroso.

O nosso código parece se inclinar em favor da segunda posição, a literalidade do direito positivo parece se inclinar no sentido de que doação com encargo é onerosa, art. 441, §único e art. 562.

O art. 441, §único tratando dos vícios redibitórios diz assim: é aplicável a disposição desse artigo as doações onerosas. E o art. 562, talvez de maneira mais enfática, diz lá: a doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo. Então, a literalidade do código se refere a doação com encargo como sendo doação onerosa, o que é objeto de repúdio por parte da doutrina majoritária.

Então, se cair isso na prova dissertativa claro tem que se discorrer sobre o tema. Se cair na prova objetiva, acho que é uma questão mal formulada, mas a letra fria do código diz que a doação com encargo é onerosa. Talvez seja um caminho mais seguro.

Bom, o encargo aqui, o modo o encargo, tem duas características que ressaltam a sua distinção em relação a condição.

A primeira delas é a de que o encargo não tem caráter suspensivo diferentemente do que ocorre com a condição. Se há uma condição, o negócio não produz efeitos, no caso de condição suspensiva, enquanto não houver o implemento da condição. Quer dizer, a condição traz a expressão “se”, o encargo traz a expressão “para que”, ou seja, o encargo não tem ação suspensiva em relação aos efeitos do negócio.

A outra diferença é a de que o encargo, apesar de não ser suspensivo, o encargo é coercitivo. Tanto é verdade que nós chegamos até a mencionar na aula de hoje que uma das hipóteses de revogação da doação é justamente qual? A inexecução do encargo, quer dizer, em regra aquele que pratica a liberalidade pode exigir o cumprimento do encargo.

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Há uma regrinha que vamos ver mais adiante, é o art. 553, §único que diz que se o cumprimento do encargo atende ao interesse geral (expressão do código), o MP tem legitimidade para exigir o cumprimento do encargo.

Isso que acabamos de ver, que o encargo não tem natureza suspensiva, está explicito no art. 136. Então, a idéia de que o encardo não gera qualquer efeito suspensivo está no art. 136, diz lá: o encargo não suspende a aquisição e nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio pelo disponente como condição suspensiva. Nesse caso, obviamente deixamos de ter o encargo e passamos a ter uma condição suspensiva.

O art. 137 é novidade, ele na existia no código anterior e ele trata do encargo ilícito ou impossível.

Vamos construir um raciocínio para não precisar decorar, a dúvida qual seria? Se esse encargo ilícito ou impossível se ele seria invalidante ou inexistente, não é isso? É claro que o encargo ilícito é impossível e ele tem que ser repudiado, mas a duvida é se o repúdio ao encargo contamina ou não o negócio jurídico.

A regra geral é que o encargo não produz efeito suspensivo. O encargo não impede a aquisição no exercício de direitos, como conseqüência, regra geral, o encargo ilícito ou impossível será inexistente.

Diz o art. 137: considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível. Quando o código diz “considera-se não escrito” entenda-se inexistente, salvo se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em que invalida o negócio jurídico.

Percebam que mais uma vez o código, excepcionalmente traz conseqüências jurídicas ao motivo.

Lembram daquela diferença entre motivo e causa? Motivo as razões subjetivas que como regra não tem efeito jurídico e a causa os efeitos mínimos necessários a configuração de um tipo contratual.

Nós temos mais uma hipótese em que o código trás repercussão jurídica ao motivo.

A doutrina não costuma trazer exemplos aqui, mas vamos supor que alguém tenha duzentos mil, faça um testamento em favor de um amigo (ele não tem herdeiros necessários) dispondo dos duzentos mil a seu favor atribuindo a ele o encargo de utilizar todo o montante para a construção de uma casa de prostituição.

Nós temos aí um encargo ilícito e ficou claro e evidente que a razão da liberalidade era atingir a finalidade ilícita, qual seja, a construção da casa de prostituição, ou seja, a ilicitude foi a razão determinante da suposta liberalidade. Nesse caso, o encargo ilícito será invalidante porque ele era a razão determinante da liberalidade praticada.

Esse art. 137 vem caindo com muita freqüência em questões objetivas.

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Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: mais ou menos, a situação é muito parecida, não é a mesma porque nesse exemplo que vimos agora no art. 137 nós aplicamos o dispositivo na hipótese de testamento, negócio jurídico unilateral. Ou seja, o motivo determinante ilícito não necessariamente tem que ser comum a ambas as partes, porque na verdade em se tratando de negócio unilateral basta que o motivo determinante ilícito parta do disponente.

No art. 166, III o motivo determinante tem que ser comum a ambas as partes, quer dizer, há essa distinção. Na verdade, no art. 166, III a regra vai se aplicar a negócios jurídicos bilaterais, mas sem dúvida há uma conexão entre o art. 137 e o art. 166.

São duas novidades legislativas, o art. 166, III que veremos mais adiante também é novidade. Na verdade é uma sintonia, talvez seja precipitado afirmarmos que seria a mesma coisa, mas há uma sintonia sem dúvida alguma.

Vamos então começar a análise dos defeitos do negócio jurídico.

Vamos nos lembrar que a expressão defeito do negócio jurídico é um gênero que comporta duas espécies: o vício de consentimento e o vício social.

No vício de consentimento há divergência entre a vontade declarada e a vontade interna. São hipóteses típicas de vício de consentimento: erro que é sinônimo de ignorância, dolo, coação, estado de perigo e lesão.

No vício social há divergência entre a vontade declarada e o ordenamento jurídico. Como hipótese de vício social nós temos a fraude contra credores, e a fraude contra credores. Cuidado! É uma alerta mesmo! Porque como é que cai sistematicamente, como vem caindo sistematicamente? Continua caindo sistematicamente que a simulação seria um defeito do negócio jurídico, quando nós sabemos que saiu do capítulo dos defeitos do negócio jurídico e passou a ser causa de nulidade absoluta, art. 167.

Então, no código atual como vício social nós passamos a ter a fraude contra credores. A simulação saiu do capítulo dos efeitos, e agora é tratada no art. 167 que veremos mais adiante.

E a bem da verdade esses defeitos do negócio jurídico, seja vício de consentimento, seja vício social, trazem uma conseqüência prática, qual é? Anulabilidade do negócio jurídico, os defeitos conduzem a anulabilidade dos negócios jurídicos, artigo 171, II que prevê como causa de anulabilidade o erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Vamos começar com a sistemática do erro. Erro ou ignorância, artigos 138 a 144.

O código agora acima do art. 138, quando abre a sessão I, no título está lá colocado: o erro ou ignorância. Qual a diferença básica entre o erro e a ignorância? No

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erro o desconhecimento é parcial e na ignorância o desconhecimento é total. Distinção meramente teórica porque os efeitos práticos do erro e da ignorância são os mesmos. Então, vamos daqui para frente falar em erro sabendo-se que na verdade estamos falando também em ignorância.

Qual é a idéia básica do erro então? O erro é a falsa percepção da realidade. Quais são as características essenciais do erro?

Primeiro aspecto relevante a ressaltar é o seguinte: o erro, para gerar a anulabilidade, tem que ser substancial. Erro substancial sinônimo de erro essencial que se contrapõe ao chamado erro acidental também chamado de não essencial.

O próprio nome parece sugerir, qual é a característica básica do erro essencial? O erro essencial é aquele que incide sobre elementos decisivos, determinantes a celebração do negócio. Ao passo que o erro acidental, é aquele que incide sobre elementos desimportantes.

O erro gera anulabilidade por quê? Porque ele gera vício de consentimento, vejam que só há vício de consentimento na hipótese de erro essencial. Porque como erro essencial incide sobre elementos determinantes, o sujeito não teria celebrado o negócio se não tivesse incorrido em erro.

Se o erro é acidental, na verdade o sujeito teria celebrado o negócio ainda que não tivesse incorrido naquele equívoco, que dizer, se vou comprar um automóvel de luxo (70 mil reais) e eu incorro num erro sobre aparelho de toca-fitas AMFM que vale 50 reais no mercado, esse erro é um erro acidental.

Não teria deixado de comprar o automóvel se não tivesse incorrido em erro, portanto erro acidental não gera vício de consentimento e como conseqüência no erro acidental o negócio jurídico é válido.

Isto está claro no art. 138 1ª parte que diz: são anuláveis os negócios jurídicos quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial.Então, apenas o erro substancial conduz a anulabilidade

E aí vamos tomar um cuidado aqui importante que é o seguinte: quando se fala em erro substancial está se falando em erro determinante, o sujeito não teria celebrado o negócio se não tivesse incorrido em erro. Para analisar a essencialidade do erro, é preciso levarmos em conta dois critérios: o primeiro seria o chamado requisito subjetivo.

Qual é a idéia do requisito subjetivo? É verificar se aquele agente realmente celebraria ou não o negócio, caso não tivesse incorrido em erro. Então, ele vai ter que demonstrar que para ele aquele erro era substancial.

Só que vamos pensar no seguinte: o erro não vai gerar a anulabilidade? Quando há erro, há má fé da outra parte? Não, se tiver má fé vamos ver que o instituto aplicado será o dolo. Então, o erro vai gerar a invalidade em face de um contratante de boa fé.

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Será que essa substancialidade do erro, em homenagem ao princípio da boa fé objetiva e do princípio da conservação, também não merece uma análise objetiva? Quer dizer, é preciso verificar se aquele erro, além de ter influenciado a vontade do agente, é efetivamente substancial a luz do princípio da boa fé objetiva. Por conta do que? Não apenas por conta da boa fé objetiva e princípio da confiança, porque a outra parte tem uma legítima expectativa na continuidade do negócio, mas também por conta do princípio da conservação dos contratos.

Tem um exemplo que o Humberto Júnior traz que é bem interessante. Vamos supor que alguém incorra num equívoco sobre a coloração de um determinado metal adquirido. Só que o sujeito comprou aquele metal para ser utilizado como matéria prima e aquele metal vai ser fundido para a construção de um outro produto e, com a fundição, aquele material vai perder a coloração originária.

O sujeito pode dizer o que? O meu erro é essencial, eu contei que aquela peça seria azul, quando na verdade ela é preta. Ainda que demonstrado requisito subjetivo seria preciso demonstrar a substancialidade do erro a luz do princípio da boa fé objetiva, a luz do princípio da conservação.

Ou seja, a essencialidade do erro não fica ao mero capricho do declarante, é preciso portanto que a substancialidade do erro seja interpretada resumindo a luz da boa fé objetiva, do princípio da confiança e do princípio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos.

Bom, outra característica do erro é a espontaneidade, ou seja, o erro parte do próprio declarante. Há quem diga, “quem erra, erra sozinho” (não se deve fazer essa citação em prova) quer dizer, o erro parte do próprio declarante. Como sabemos, se há induzimento ao erro, o instituto aplicável passa a ser o dolo.

Outro requisito que a doutrina traz: o erro deve real. Na verdade, o erro real que a doutrina costuma trazer significa prejuízo ao declarante.

Percebam se essa exigência de erro real, não vem em harmonia com a interpretação do erro substancial a luz da boa fé objetiva. Porque quando se diz que a idéia da substancialidade do erro há de ser interpretada a luz da boa fé objetiva o que está se exigindo qual é? Que aquele erro realmente seja prejudicial ao declarante, quer dizer, não fica ao mero alvedrio.

Então, quando a doutrina fala em erro real, na verdade, é preciso fazer a conexão com essa idéia de erro real, prejuízo ao declarante, com o princípio da boa fé objetiva, com o princípio da confiança, princípio da conservação.

INTERVALO.

Vamos partir para o tema mais árduo e relevante aqui que é questão da escusabilidade. Vamos ver por partes para a gente sistematizar a questão.

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Primeira corrente: é defendida pelo Carlos Roberto Gonçalves e pelo Moreira Alves. No Código de 16 era inequívoco que o erro para gerar anulabilidade tinha que ser escusável. O Código de 16 não fazia explicita menção a escusabilidade do erro, mas toda a doutrina afirmava que a escusabilidade seria um requisito implícito a anulabilidade do erro.

O erro escusável é o erro desculpável, vamos nos lembrar que a exigência de erro escusável, que era unânime na doutrina anterior, está atrelada a teoria da responsabilidade. Quer dizer, pela teoria da responsabilidade prevalece a vontade interna salvo se o declarante é responsável pela divergência, salvo se o declarante foi descuidado. Então, erro escusável está atrelado a teoria da responsabilidade.

Esses autores defendem que essa exigência de escusabilidade, que era implícita no Código de 16, passou a se tornar explicita no Código atual no art. 138, parte final. Esses autores defendem que o art. 138, parte final passa a exigir que o erro escusável. Porque o Código diz lá no art. 138, parte final: quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligencia normal em face da circunstancias do negócio.

Então, esses autores vêm no sentido de que o código explicitamente agora passa a exigir a escusabilidade do erro.

Nessa linha de raciocínio, esses autores continuam afirmando o que a doutrina do código anterior afirmava e era o que? Se basta a escusabilidade do erro, fica claro que a anulabilidade do negócio por um erro escusável pode atingir o outro contratante de boa fé. Porque se o único requisito é a escusabilidade, se eu demonstro que meu erro é escusável, isso por si só basta para anular o negócio, ainda que o outro contratante estivesse de boa fé.

Muitos autores já defendiam antes, inclusive inspirado no direito alemão, que se por ventura houver a invalidação do negócio por um erro escusável aquele que invalida o negócio por erro pode vir a ter responsabilidade civil perante o outro contratante. É a chamada reparação pelo interesse negativo, expressão da doutrina.

Então, aquele que incorre num erro escusável, e venha a atingir o outro contratante de boa fé com a invalidação do negócio, se sujeita a reparação pelo interesse negativo.

E o Carlos Roberto Gonçalves e o Moreira Alves afirmam ainda o seguinte: o art. 138 parte final diz: erro substancial que poderia ser sido percebido por pessoa de diligência normal em face das circunstancias. O código dá a entender que essa escusabilidade a de ser vista a luz do chamado homem médio, padrão do homem médio.

Apesar do código se referir ao chamado homem médio no art. 138, esses autores ressaltam que a tendência da jurisprudência é no sentido de se interpretar diligencia normal a luz do caso concreto. Quer dizer, não se poderia conferir o mesmo tratamento a uma pessoa rude, sem nenhuma instrução ao advogado, do advogado se

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espera maior cuidado, maior diligencia do que de uma pessoa rude e sem nenhuma instrução.

Defendem, inclusive, a aplicação por analogia do art. 152 que trata de coação. O art. 152 diz que no apreciar a coação ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstancias que possam influir na gravidade dela.

Quer dizer, aplicando por analogia o art. 152 nós nos distanciaríamos da questão do homem médio e analisaríamos essa diligencia normal a luz das características do declarante.

Essa é a primeira posição que é hoje minoritária.

Da segunda posição nós vamos extrair duas por isso que na verdade são três correntes no total.

A segunda corrente parte do seguinte pressuposto: o Código, no art. 138 parte final, não se refere a escusabilidade do erro e sim a sua cognocibilidade pelo declaratário. Ou seja, o que o art. 138, parte final exige não é a escusabilidade do erro pelo declarante, o que o art. 138, parte final exige é que o erro seja perceptível ao declaratário. Essa posição é amplamente dominante: Tepedino, Venosa, Christiano Chaves, Humberto Theodoro Júnior.

O Tepedino afirma o seguinte, veja a redação do art. 138: “são anuláveis os negócios jurídicos quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal”. O Tepedino diz que se fosse erro escusável, o Código teria que dizer “quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que não poderia ser percebido”. Porque na verdade se o erro fosse escusável o código imporia o que? Que o erro não fosse perceptível a qualquer indivíduo, quer dizer, ele não poderia ser percebido, a expressão deveria vir negativamente.

Afora a interpretação literal tem uma questão que é muito importante. Na perspectiva do código anterior bastava a mera escusabilidade do erro, se o erro fosse escusável, esse erro poderia gerar anulação do negócio.

Só que no código anterior o elemento subjetivo culpa era um elemento decisivo à interpretação dos negócios jurídicos, ou seja, a teoria da responsabilidade tinha maior influencia no código de 16.

No código atual, qual teoria tem maior aplicabilidade? O princípio da confiança e qual é a lógica do princípio da confiança?O princípio da confiança desloca a preocupação do declarante e foca no declaratário. Quer dizer, a simples exigência de escusabilidade do erro para anular o negócio jurídico seria incompatível com o princípio da confiança porque a necessária proteção a legítima expectativa do declaratário deve impedir a anulação do negócio jurídico por erro se o erro não for perceptível ao declaratário.

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Então, na verdade, sob o influxo do princípio da confiança, quer dizer, o erro agora tem eu ser aparente, o erro tem que ser perceptível ao declaratário.

Diante dessa afirmativa de que a mera escusabilidade teria se tornado insuficiente a luz do princípio da confiança, porque esse princípio impõe a proteção ao declaratário que não tinha condição de ter percebido o erro, surge aqui uma subdivisão dessa segunda teoria. Aqui precisamos tomar muito cuidado.

Primeira posição: enunciado 12 do CJF. Na verdade é uma primeira subdivisão dessa 2ª corrente. O enunciado 12 do CJF diz assim: “na sistemática do art. 138 é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança”. Quer dizer, o enunciado 12 diz que pelo fato do art. 138 adotar o princípio da confiança não mais interessa se o erro é escusável ou não. O que interessa é verificar se o erro era ou não perceptível ao declaratário, porque se o erro não era perceptível ao declaratário, o negócio jurídico não será invalidado por conta da proteção ao declaratário. E se ele era perceptível ele pode ser invalidado porque o declaratário não teria uma legítima expectativa.

Então ,o que importa, enunciado 12, é a perceptibilidade do erro, não importa se o erro é escusável ou não.

Nesse sentido, além do enunciado 12 nós temos autores como Venosa, Christiano Chaves, Humberto Theodoro Júnior e Flávio Tartuce. Podemos dizer que essa posição é predominante.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: porque o que se exige, de acordo com essa perceptiva aí, é que o erro seja perceptível, não se exige que o erro tenha sido percebido. Isso é muito importante, primeiro pelo seguinte: se por ventura o outro contratante percebeu, nós saímos do erro e vamos para o dolo por omissão art. 147. Mais importante dogmaticamente, se o legislador exigisse que a outra parte tivesse percebido, nós estaríamos no terreno da boa fé subjetiva. Quando o legislador simplesmente diz “basta que o erro seja perceptível” nós estamos no terreno da boa fé objetiva.

Na verdade, o art. 113 do código civil diz que a interpretação dos negócios deve se dar a luz do princípio da boa fé objetiva. Então, para essa primeira subdivisão o princípio da confiança exclui a escusabilidade do erro.

Discordando do enunciado 12, Gustavo Tepedino e Sílvio Rodrigues. Quando o art. 138 diz que o erro pode gerar a invalidade do negócio se ele for perceptível ao declaratário, qual é a mensagem que o ordenamento jurídico está impondo ao declaratário? “Olha declaratário, se você não percebeu, mas deveria ter percebido, você pode ser atingido.”

O que está implícito nisso aí? Deveres anexos. Uma das conseqüências da boa fé objetiva são os chamados deveres anexos e um dos deveres anexos é justamente os deveres anexos de cuidado, de diligencia.

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Por isso que quando o código diz “sabe ou deveria saber”, o código vem em harmonia com a boa fé objetiva. Porque quem não sabe, mas deveria saber está agindo de boa fé subjetiva, mas está violando a boa fé objetiva. Então, quando o código diz que o erro tem que ser perceptível, o código está impondo ao declaratário um dever anexo de cuidado.

Por outro lado, o Tepedino diz o seguinte: quando se exige que o erro tem que ser escusável, o que está se impondo ao declarante? Dever anexo de cuidado. Porque quando se diz que o erro tem que ser escusável o que se afirma? O erro grosseiro não socorre ao declarante e o erro grosseiro é aquele que decorre da inobservância do dever anexo de cuidado.

Então, percebam bem, o art. 138 diz que o erro tem que ser perceptível ao declaratário, essa perceptibilidade ao declaratário impõe ao declaratário o dever anexo de cuidado. Por outro lado, quando se exige que o erro tem que ser escusável, o que se impõe ao declarante é um dever anexo de cuidado.

O Tepedino vem e diz que não faz nenhum sentido o enunciado 12, porque o enunciado 12 diz que o princípio da confiança exclui a escusabilidade. Não faz sentido por que, defende o Tepedino? Porque da boa fé objetiva resultam deveres anexos não apenas para o declaratário, mas também para o declarante. Os deveres anexos, dentre os quais o dever de cuidado, vinculam declarante e declaratário.

Então, o Tepedino ressalta que não há nenhuma incompatibilidade entre o princípio da confiança e a exigência da escusabilidade do erro. Ao contrário, na verdade a perceptibilidade e a escusabilidade se complementam a luz do princípio da boa fé objetiva. A perceptibilidade atribuindo deveres anexos ao declaratário e a escusabilidade impondo deveres anexos ao declarante.

Então, o Tepedino discorda do enunciado 12, no sentido de que o erro tem que ser não apenas perceptível ao declaratário sim (princípio da confiança), mas além de perceptível ao declaratário, o erro também tem que ser escusável.

Tepedino defende que não haveria incompatibilidade entre o princípio da confiança e a escusabilidade do erro. Silvio Rodrigues também acompanha essa posição.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: exatamente, porque quando se fala em perceptibilidade, fixando bem isso porque esse é o tema mais difícil dentro da sistemática do erro, é o tema mais importante. Quer dizer, quando se diz o erro perceptível, o que está se dizendo?Se não sabia o declaratário, mas deveria ter percebido, violou o dever anexo, pode ser atingido. Então, a perceptibilidade impõe um dever anexo ao declaratário.

Quando se diz erro escusável, o que se está impondo ao declarante? Dever anexo de cuidado. Como da boa fé objetiva resultam deveres anexos para declarante e para declaratário, o Tepedino de maneira minoritária defende que o erro tem que ser perceptível e ao mesmo tempo escusável.

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Não haveria aqui situações incompatíveis, na verdade os institutos se complementariam de acordo com essa perspectiva. Posição minoritária, a posição predominante é a do enunciado 12.

Para não sermos contraditórios na hora da prova: quando se exige que o erro seja perceptível, isso está tanto na 2ª quanto na 3ª corrente, quando se passa a exigir a perceptibilidade do erro, qual é a conseqüência? É não mais falar em reparação a interesse negativo, porque a reparação ao interesse negativo pressupõe o que? Que o simples erro escusável atinja o terceiro, outro contratante de boa fé.

Quando se diz que o erro tem que ser perceptível ao declaratário, ele violou a boa fé objetiva e, portanto não mais se cogita de reparação a interesse negativo.

Estou ressaltando isso porque o Venosa fala em teoria da perceptibilidade e no final fala em reparação ao interesse negativo e, na verdade, toda a doutrina afirma que são situações incompatíveis. Quer dizer, quem adota a 2ª e 3ª corrente não vai falar em reparação ao interesse negativo.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: a questão acaba sendo mais dogmática do que prática, mas ela vai gerar um reflexo talvez no campo processual. Porque a preocupação com o ônus probatório vai ser diferente. Por exemplo, houve uma hipótese antes do código atual de que uma construtora adquiriu um terreno para construir um edifício de 10 andares. Desconhecendo uma legislação urbanística que proibia edificação (gabarito) a partir do 4º andar. O que se entendeu anteriormente? Erro inescusável. Para uma construtora o erro é inescusável, era indispensável que a construtora verificasse toda a legislação urbanística à época.

Se nós seguirmos a trilha do Tepedino, qual é a questão que vamos discutir? Não vamos discutir se o erro era escusável ou não. Vamos ter que discutir se aquele erro da construtora era ou não perceptível a outra parte. Quer dizer, a discussão processual vai gerar um outro caminho, quer dizer, a preocupação central em relação a ônus probatório vai para outra direção.

Em termos práticos, quase sempre a escusabilidade e a perceptibilidade vão caminhar lado a lado, mas o enfoque do ordenamento jurídico acaba sendo outro.

Resumindo, o que a segunda corrente defende é que o princípio da confiança exclui a teoria da responsabilidade. O Tepedino diz o seguinte: na verdade, o princípio da confiança não exclui a teoria da responsabilidade, porque essa teoria impõe ao declarante o dever anexo de cuidado e, nesse contexto, a teoria da responsabilidade vem em harmonia com a boa fé objetiva.

As hipóteses de erro essencial estão previstas no art. 139. O art. 139 prevê essas modalidades de erro, como sendo modalidades de erro essencial. O error in negotio é o erro sobre a própria natureza do negócio. Está no art. 139, I, 1ª parte. O sujeito supõe estar celebrando uma compra e venda quando na verdade está celebrando uma doação. O erro incide sobre a própria natureza do negócio.

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O error in corpore está no art. 139, I 2ª parte. Há o error in corpore quando o erro incide sobre o objeto principal da declaração. É o erro sobre a própria identidade do objeto.

Exemplos que a doutrina traz: o sujeito compra casa de nº 45 e supõe estar comprando a de nº 54, error in corpore. Sujeito compra uma casa na rua X supondo que essa rua se situe em determinado Município, quando na verdade essa casa é situada numa rua X em Município diverso, erro sobre a própria identidade do objeto.

Error in substancia é o erro que incide sobre as qualidades essenciais do objeto. Então aqui, o erro não incide sobre a identidade da coisa, incide sobre qualidade envolvendo o objeto.

Exemplo tradicional: o sujeito compra uma estátua de osso supondo ser de marfim; você compra um relógio dourado supondo que seja de ouro quando na verdade o material é de péssima qualidade. Error in substancia. Está no art. 139, I parte final.

Error in persona, que está no art. 139, II, é o erro sobre a pessoa, sobre as qualidades de uma pessoa. E o error in persona ganha maior relevância em contratos gratuitos, em contratos personalíssimos como é o caso do mandato e sociedade. E há todo um contexto específico em relação ao casamento que tem inclusive sistemática própria, art. 1557, I, inclusive regras próprias de direito de família.

Há uma questão relevante aqui que é a questão do chamado erro impróprio que é sinônimo de erro obstativo que é sinônimo de erro obstáculo. Alguns autores ressaltam que esse erro impróprio ele incide não sobre a formação e sim sobre a declaração de vontade.

Dentro da experiência do direito estrangeiro, o error in negotio e o error in corpore corresponderiam aos chamados erros obstativos, porque nesse caso o erro não incide sobre a formação, incide sobre a própria declaração de vontade. A doutrina costuma lembrar essa idéia do erro obstativo porque em vários países o erro obstativo não gera apenas a anulabilidade.

No direito alemão, por exemplo, o erro obstativo gera nulidade absoluta. No direito italiano e no direito francês geram inexistência. Se entende que o erro na declaração acaba sendo mais grave do que o erro na própria formação, só que no direito brasileiro o entendimento consolidado é no sentido de que o erro obstativo também conduz a anulabilidade.

Então, na verdade, nós não temos efeitos práticos no direito brasileiro em relação ao chamado erro obstativo ou erro impróprio, porque o próprio art.139 ressalta que o error in negotio e o error in corpore correspondem a modalidade de erros essenciais que conduzem a anulabilidade.

Então, se perguntarem o que é erro obstativo, o que é erro in próprio? É aquele que incide sobre a declaração de vontade que seriam, em tese, hipóteses de

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error in negotio e error in corpore. Só que no Brasil o erro obstáculo não traz repercussão prática porque o erro obstáculo também gera anulabilidade.

O erro obstáculo se contrapõe ao chamado erro motivo que é aquele que incide sobre a própria formação da vontade. Alguns manuais lembram essa distinção: Francisco Amaral, Humberto Theodoro Júnior...

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: talvez sim, de acordo com as conseqüências da legislação estrangeira.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: interpretaria de acordo com a legislação alienígena.

Bom, ficou faltando aqui acrescentar também uma questão também muito importante, que é a questão do erro de direito.

Qual a idéia básica do erro de direito? Resumidamente, é o desconhecimento da norma ou a sua equivocada interpretação.

A dúvida é se o erro de direito gera a anulabilidade, quer dizer, se alguém pode alegar o desconhecimento da norma ou a sua equivocada interpretação para anular um negócio jurídico.

Se cair numa prova dissertativa é muito importante lembrar que o Código de 16 era omisso sobre o tema e, diante dessa omissão, havia uma posição defendida pelo Clóvis Beviláqua no sentido de não admitir o erro de direito como causa de anulabilidade. O argumento principal do Clóvis Beviláqua, art.3º da LICC: ninguém se escusa de cumprir a norma invocando seu desconhecimento.

Já havia uma segunda posição discordante da do Clóvis Beviláqua defendida pelo Caio Mário e o nosso código atual explicitamente adotou a 2ª posição, posição do Caio Mario.

O nosso código civil, no art. 139, III, explicitamente prevê o erro de direito como causa de anulabilidade e, aqui, vamos tomar cuidado com o seguinte: quando entrou em vigor o código, alguns começaram a afirmar que o art. 139, III era uma exceção ao art. 3º da LICC.

Só que a bem da verdade, se analisarmos com cautela, e hoje é essa a posição consolidada, perceberemos que não há nenhum conflito entre o art. 139,III e o art. 3º da LICC, as regras estão em harmonia.

O que a lei de introdução proíbe é que o sujeito invoque o desconhecimento para descumprir a norma. O que o art. 139, III autoriza é que o sujeito alegue o desconhecimento da norma para anular o negócio jurídico. Quer dizer, o art. 139, III não permite que o sujeito invoque o desconhecimento para descumprir a norma, mas apenas para anular o negócio jurídico.

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Exemplo prático: vamos supor que eu celebre um contrato de importação. Faço esse contrato desconhecendo uma determinada jurídica que proíbe tal importação daquelas mercadorias. Eu vou em tese poder alegar o art. 139, III para trazer as mercadorias para o Brasil? Não, eu vou alegar o art. 139, III para anular o negócio jurídico.

Aquele exemplo, eu compro um terreno para construir um edifício desconhecendo uma regra da legislação urbanística editada dois dias antes da compra que proíbe tal edificação. Eu vou alegar o erro de direito para construir o edifício? Não, eu vou alegar o erro de direito para anular o negócio jurídico.

Então, na verdade, o art. 139, III não colide com o art.3º da LICC, ao contrário, as regras estão em harmonia, porque o art. 139, III permite a alegação de erro de direito para a invalidação do negócio jurídico e não para o descumprimento da norma.

Lendo o dispositivo fica claro, diz o inciso III: sendo de direito e não implicando recusa a aplicação da lei for o motivo único ou principal do negócio. Para lembrar disso, fazer uma remissão quando o código diz “não implicando recusa a aplicação da lei” para o art.3º da LICC para lembrarmos que as regras estão em sintonia.

O art.140 é uma regra importante, porque ele traz mais uma hipótese em que o motivo tem repercussão jurídica. Lembrando que a regra geral é no sentido de que o motivo não tenha essa repercussão. Diz o art. 140 que o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.

Vamos supor que alguém faça uma doação a fulano e explicitamente ressalte que está doando a fulano porque fulano salvou a vida de seu filho em determinado incêndio. Quer dizer, o motivo da doação explicitamente mencionado é o fato do donatário ter salvado o filho do doador.

Percebam que se posteriormente se constata que o donatário não salvou o filho do doador, o negócio jurídico será anulado por erro porque esse negócio jurídico foi impulsionado por um falso motivo que consta como razão determinante.

Tem um exemplo trazido da jurisprudência de São Paulo, exemplo do Christiano Chaves, uma hipótese em que o alienante do fundo de empresa explicitamente assegurou ao adquirente uma grande clientela, quer dizer, se há uma explícita assunção da responsabilidade pelo alienante em relação a grande clientela, a inexistência de clientela representa um falso motivo a justificar a anulação do negócio.

Um último exemplo do Gustavo Tepedino, imagine que alguém venda um determinado terreno e o comprador se compromete a entregar ao adquirente o 10º andar da construção.

Depois de firmado o contrato, o adquirente resolve não mais construir o edifício, vai construir um banco. Vejam que para o adquirente houve um falso motivo

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porque o motivo da era aquisição do 10º andar, era a construção do edifício. Então, o falso motivo vai viabilizar a anulação do negócio jurídico.

Aqui, toda a doutrina afirma, e o próprio art. 140 ressalta, que esse falso motivo tem que ser expresso, demanda declaração expressa.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: foi isso que decidiu a jurisprudência paulista quando ficou demonstrado na semana seguinte se viu que não havia clientela alguma e quando o contrato assegurava ao adquirente uma clientela substancial, quer dizer, haveria aí um suposto falso motivo.

Observem que essa exigência aqui de que o falso motivo seja expresso vem em harmonia dom o princípio da confiança, legitima expectativa do declaratário.

O art. 141 diz assim: a transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.

Quando é que vamos aplicar o art. 141? Quando o declarante exterioriza a sua vontade na ausência do declaratário, porque aqui nesse caso a declaração de vontade se dá por meios interpostos.

Toda doutrina afirma que essa expressão “meios interpostos” a que se refere o art. 141 abrange não apenas interposta pessoa, que seria o chamado mensageiro ou núncio, mas também meios alternativos de comunicação como fax e email. 51:17

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: você está falando em relação a teoria da formação dos contratos? A teoria da recepção, da expedição? Na verdade, lá vamos enfrentar as regras pertinentes que envolvem a formação dos contratos. Aqui estamos falando em eventual vício na formação da vontade. Na verdade os pressupostos são diferentes, a gente vai ver que lá, em regra, o código parece ter adotado a teoria da expedição. Aqui não. Aqui estamos discutindo vício na formação da vontade, não estamos discutindo quando é que o contrato se forma, estamos discutindo...

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: para fins de formação dos contratos. Email online também é considerado presente para fins de formação dos contratos, mas é considerado ausentes para fins do art. 141 do código civil. Porque lá realmente para a formação dos contratos nós veremos que “presentes” não significa apenas presença física, mas também a possibilidade de comunicação imediata. Mas aqui não, no art. 141 basta a ausência física.

O código está dizendo o que? Está dizendo que se o meu mensageiro se equivoca, o equívoco do mensageiro pode ser por mim alegado para fins de anulação do negócio jurídico.

186Módulo de Direito Civil – Fabrício Carvalho

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Vejam, o que o Humberto Theodoro Júnior defende? Ele defende que o art. 141 se aplica na hipótese do mensageiro. Ou seja, na hipótese em aquele o sujeito que exterioriza a vontade o faz de acordo e necessariamente como um mero instrumento do declarante.

A hipótese do núncio ou do mensageiro não se confundiria com a hipótese do mandatário ou do representante em sentido amplo. Porque o núncio, o mensageiro ele é um mero condutor da vontade do declarante, ele não tem nenhuma autonomia.

Já o representante, ele manifesta a sua vontade em nome e em favor do representado, mas quem exterioriza a vontade é o próprio representante. Quer dizer, o representante goza de autonomia na manifestação de vontade que vincula o próprio representado.

O que o Humberto Theodoro ressalta e os manuais em geral não enfrenta é o seguinte: se nós estivermos diante da figura do representante é possível sim que haja erro do representante, mas a análise do erro há de ser vista de acordo com a manifestação de vontade do próprio representante.

E mais, vamos supor que não haja erro por parte do representante, vamos supor que o representante tenha atuado fora dos poderes que lhe tenham sido cometidos pelo representado. Quer dizer, ao invés de ocorrer num equívoco, o representante extrapola os poderes que lhe foram conferidos pelo representado.

Nesse caso, o que o Humberto Theodoro defende? Ou o outro contratante sabe da extrapolação dos poderes e, nesse caso, aplicáveis os artigos 665 e 673.

Em síntese esse art. diz que se o outro contratante sabe que o representante extrapolou os poderes o outro contratante assume o risco de uma simples gestão de negócios.

Qual o efeito prático disso? Gestão de negócios, veremos: art.861 a 875. Na verdade, aquela vontade exteriorizada pelo representante só vai vincular o representado se ele confirmar, se ele ratificar. Se ele na ratificar, aquela vontade não vincula o representado que é a lógica geral da gestão de negócios, artigos 861 a 875.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: no final vamos ter que trabalhar porque o Humberto Theodoro Júnior não faz alusão a isso, exatamente essa questão que temos que ver a luz da boa fé objetiva.

Por outro lado, o que o Humberto Theodoro Junior defende? Se o outro contratante não sabe, o negócio é inoponível ao representado, artigos 654, 662 e 665. Quer dizer, o Humberto Theodoro diz que se o outro contratante não sabe que o representante está extrapolando os poderes, o representado não vai ter interesse de suscitar a anulabilidade, porque o representado não vai se vincular ao negócio jurídico, o negócio vai se formar entre outro contratante e o representante, o representante é que vai pessoalmente se vincular. Essa é a conclusão que chega Humberto Theodoro e ponto final.

187Módulo de Direito Civil – Fabrício Carvalho

Page 188: CIVIL Fabricio Carvalho

Só que, a bem da verdade, a essas ponderações de Humberto Theodoro é preciso acrescentar a teoria da aparência. A grosso modo, qual seria a conseqüência prática da teoria da aparência aqui? Se as circunstancias fáticas gerarem ao declaratário a aparência de que o representante atua dentro dos limites dos poderes, a conseqüência pratica seria vincular o representado e permitir a ele o exercício do direito de regresso.

O Humberto Theodoro não fala em teoria da aparência, mas uma perspectiva contemporânea, a essas ponderações é preciso trazer a teoria da aparência e, através da teoria da aparência, seria possível atribuir responsabilidade ao representado e conseqüente direito de regresso em face do representante.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: o art. 141 diz “a transmissão errônea da vontade por meios interpostos”. Quer dizer, o mensageiro seria um meio interposto, ele seria um mero veículo para manifestação de vontade do próprio declarante. Só que o representante não é um mero veículo, não é um simples meio interposto para a vontade do declarante porque o representante manifesta a sua própria vontade vinculando o representado.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: típico do contrato de mandato, quer dizer, a diferença aqui é que o núncio, o mensageiro não tem nenhuma autonomia, diferentemente do que ocorre com o representante.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: nada, o que o Tepedino ressalta aqui, acompanhando o Sílvio Rodrigues, é o seguinte: não se aplica o art. 141 na hipótese de culpa in eligendo. Quer dizer, vamos supor que meu núncio seja um sujeito desqualificado, manifestamente sem condições de manifestar adequadamente a minha vontade.

Sustenta o Tepedino e o Silvio Rodrigues, nesse caso seria culpa in eligendo e essa culpa afastaria do declarante a possibilidade de anular o negócio com base no erro do mensageiro. Porque nós vimos que tanto o Tepedino quanto o Silvio Rodrigues defendem que o erro, além de perceptível, tem que ser escusável.

Quem defender que o erro não precisa mais ser escusável, se falar em culpa in eligendo vai estar sendo contraditório, porque se pouco importa a escusabilidade do erro o que importa é o princípio da confiança, pouco importa a culpa em in eligendo. Porque na verdade a preocupação seria apenas em relação a legítima expectativa do declaratário. Quer dizer, há uma certa coerência porque esses autores defendem a escusabilidade do erro.

O art. 144 merece menção aí, é novidade, porque ele vem em harmonia com o princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos. Diz o art. 144 que o erro não prejudica a validade do negócio quando a pessoa a quem a manifestação de vontade

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se dirige se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.

Vamos supor os exemplos que os manuais trazem, alguém compra determinado terreno supondo que aquele terreno se encontra na quadra A quando na verdade o terreno vendido está na quadra B. Percebendo o equívoco do declarante, o que o declaratário faz? Altera o objeto do negócio acordado e predispõe entregar o imóvel da quadra A, tal qual o pretendido pelo declarante.

O que o art. 144 diz aqui? Pelo princípio da conservação o negócio jurídico não será anulado.

Por um lado, na hipótese de erro, desde que preenchido os requisitos legais, o declarante tem o direito potestativo de anular o negócio jurídico, dentro do prazo previsto em lei. Mas o art. 144 prevê para o declaratário um direito potestativo de preservar o negócio e há uma controvérsia aqui, seria a seguinte: o Humberto Teodoro Júnior defende que o art. 144 se aplica até o momento em que o contratante não incurso no erro, cumpre a sua prestação.

Discordando dessa posição nós temos o Gustavo Tepedino que defende que o art. 144 se aplica até o momento de oferecimento de resposta da ação anulatória proposta pelo declarante.

Seria o momento posterior, quer dizer, poderia o contratante cumprir a sua prestação, o declarante ingressaria com uma ação de anulação invocando o erro e até o momento da resposta da ação anulatória, a outra parte teria o direito potestativo de afastar a anulação com base no art. 144. Essa segunda posição vem em melhor sintonia com o princípio da conservação.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: processualmente o que seria? Talvez ele reconheceria a procedência do pedido e de plano se predispõe a cumprir aquilo que o declarante realmente esperava. Quer dizer, ele reconhece o erro do declarante e, além disso, se predispõe a cumprir adequadamente e aí numa visão instrumental, quando ele se predispõe a cumprir adequadamente. Numa visão instrumental, quando ele se predispõe a cumprir adequadamente, o princípio da conservação imporia a não anulação do negócio com o objetivo de preservar o negócio.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: processualmente a questão é delicada sem dúvida algumas. Porque olha só, qual seria a perspectiva, vendo no direito material? Se por ventura o declarante simplesmente disser: “agora não quero mais” porque já houve a propositura da ação, o que teríamos aí? Uma recusa em tese injustificada, quer dizer uma recusa em desarmonia com princípio da boa fé objetiva. Quer dizer, nós teríamos aqui uma hipótese de abuso do direito, porque na verdade essa recusa pelo declarante ela tem que ser interpretada a luz do princípio da fé objetiva. Quer dizer, a luz do direito material a solução é essa.

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Processualmente, haveria uma improcedência da anulatória com base na pré disposição do réu em aceitar corrigir aquilo que o declarante pretendia. Acho que talvez a hipótese seria de falta de interesse ao invés de improcedência. Acho que seria falta de interesse superveniente, quer dizer, com a postura do réu em se predispor a cumprir aquilo que o declarante ressaltava, a hipótese, talvez, seja de extinção do processo sem resolução de mérito.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: talvez o ônus sucumbenciais excepcionalmente fiquem a cargo do réu, mas o fundamento aí talvez tenha que ser verificado.

FIM.

Aula 07 - 14/10/08

No final da aula passada estávamos discutindo aquela questão do art. 144. Ficamos na dúvida em relação ao aspecto processual, tinha a questão dos honorários de sucumbência. A colega chegou a sugerir a extinção do processo sem resolução por falta de interesse, mas ficamos com algum tipo de dificuldade quanto aos ônus sucumbenciais.

Não sei se já viram, saiu o Informativo 370 do STJ e acho que saiu ali um julgado que pode nos ajudar, fica só como sugestão sem nenhuma pretensão de equacionar porque a questão é processual.

Mas olha só, o julgado do Informativo 370 diz que no caso de extinção do processo sem resolução de mérito, em relação aos ônus sucumbenciais, cabe ao juízo verificar qual parte deu causa a extinção do processo ou qual litigante seria sucumbente acaso o julgado fosse o mérito da questão.

Quer dizer, com esse julgado do último Informativo me parece que não teríamos dificuldade em salientar que haveria extinção do processo sem resolução de mérito e os ônus sucumbenciais ficariam a cargo do réu. Porque na verdade a conduta do réu é que deu causa a extinção do processo sem resolução de mérito e acaso fosse julgado o pedido, haveria acolhimento da pretensão autoral. RESP 1072814. Talvez esse julgado dê para equacionar pelo menos a questão dos ônus sucumbenciais.

Vamos prosseguir com a sistemática do dolo, artigos 145 a 150.

A grosso modo, o dolo representa a provocação intencional do erro. Chegamos a afirmar isso na aula passada quando vimos que uma das características essenciais do erro é a espontaneidade, o erro parte do próprio declarante porque se há induzimento a erro o instituto aplicável passa a ser o dolo.

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Tal qual vimos na aula passada, vamos aproveitar na aula de hoje o seguinte: o dolo pode ser principal, sinônimo de essencial, sinônimo de determinante ou pode o dolo ser acidental.

O dolo essencial é aquele que incide sobre elementos decisivos a celebração do contrato. Então, como o dolo nesse caso incide sobre elementos decisivos, sobre elementos determinantes, sem dúvida o dolo essencial vai gerar vício de consentimento. Em gerando vício de consentimento automaticamente o dolo essencial vai gerar anulabilidade, art. 145 do código civil: são os negócios jurídicos anuláveis por dolo quando esse for a sua causa.

O dolo acidental é aquele que incide sobre elementos desimportantes. Então, fica claro que como o dolo acidental incide sobre elementos desimportantes, o negócio seria praticado ainda que não houvesse o dolo. Ou seja, na hipótese de dolo acidental não há vício de consentimento. Dentro da mesma lógica do erro da aula passada.

Só que quando se fala em dolo, qual é a diferença aqui? O dolo é um ato ilícito, o art. 146 diz que o dolo acidental não invalida o negócio, mas cabem perdas e danos. Isso cai muito em prova objetiva. Então, nem todo dolo conduz a anulabilidade apenas o dolo essencial porque apenas ele gera vício de consentimento.

O art. 147 trata do dolo por omissão...

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: na verdade, o dolo essencial ele gera anulabilidade, mas o simples fato de gerar anulabilidade sem dúvida alguma não exclui eventual perdas e danos. Isso vale para coação também, porque há eminentemente a prática de lícito. Na verdade, no dolo essencial podemos ter duas pretensões: a anulatória que se submete ao prazo decadencial de 4 anos, o art. 178 prevê assim, e além da pretensão anulatória ele pode vir a ter uma pretensão reparatória, aí em tese o prazo de três anos, prazo prescricional da reparação civil.

O art. 147 trata do dolo por omissão. É o silencio intencional. No contexto atual, em eventual prova dissertativa não dá para se falar em dolo por omissão sem ao menos fazer menção ao dever anexo de informação da boa fé objetiva. Então, é preciso fazer uma correlação entre o dolo por omissão e o dever anexo de informação oriundo da boa fé objetiva. O dolo por omissão acaba ganhando um contexto diante do princípio da boa fé objetiva.

Há uma questão aqui que é delicada que é a seguinte: mais adiante vamos ver com calma, mas vou fazer esse comentário para podermos tratar de uma questão, quais são as duas categorias tradicionais de inadimplemento? A mora e o inadimplemento absoluto.

Nós veremos que boa parte da doutrina mais atualizada vem ressaltando que essas duas categorias tradicionais, a mora e o inadimplemento absoluto, teriam se tornado insuficiente na luz da boa fé objetiva.

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Resumidamente, quem viola um dever anexo da boa fé objetiva não está praticando um inadimplemento contratual? Sem dúvida, e aí vejam, a violação e o dever anexo se encaixariam na mora? Não. Se encaixariam no inadimplemento absoluto? Também não. Quer dizer, esse exemplo direto, já demonstra a insuficiência dessas duas categorias tradicionais. Então, nós veremos que diante da boa fé objetiva surgiu uma terceira categoria de inadimplemento que é a chamada violação positiva do contrato.

Uma das manifestações da violação positiva do contrato está justamente na violação dos deveres anexos, é uma das manifestações e aí surge aqui o seguinte problema: quem está em dolo por omissão está violando o dever anexo de informação.

Só que dolo por omissão gera anulabilidade e, em tese, a violação dever anexo de informação também entra na categoria de inadimplemento, só que anulabilidade é uma coisa e inadimplemento é outra, são institutos diferentes.

Então, como vamos separar isso? Como vamos distinguir quando a hipótese configura dolo por omissão e conseqüentemente gera anulabilidade e quando é que a circunstância fática vai gerar violação positiva do contrato, ou seja, vai gerar inadimplemento?

O dolo por omissão gera anulabilidade porque é vício de consentimento e isso representa o que? Vício na formação da vontade. Quando é que a vontade se forma? A vontade se forma na fase pré-contratual, na fase das tratativas. Quer dizer, é através das tratativas que as partes vão formando as suas respectivas vontades.

Percebam que se há formação ao dever de informação na fase pré-contratual, dolo por omissão. Vício de consentimento, vício na formação da vontade. Uma vez firmado o contrato e, conseqüentemente formada a vontade, a violação ao dever anexo de informação no transcorrer do contrato já firmado vai configurar inadimplemento do contrato que já fora celebrado.

Então, em fase pré-contratual, dolo por omissão, fase contratual inadimplemento, violação positiva do contrato como veremos mais adiante.

Na penúltima prova específica da PGE caiu uma questão envolvendo dever de informação em que a atriz famosa fez uma cirurgia plástica e ficou horrorosa. A lógica era a da responsabilidade civil pela simples inobservância do dever anexo de informação. Ainda que não tenha havido erro de procedimento, a inobservância do dever anexo de informação viabilizaria a responsabilidade civil.

O art. 148 trata do dolo de terceiro. O negócio jurídico é firmado entre A & B e o dolo aqui é praticado por um terceiro. A doutrina costuma lembrar o exemplo dolo do corredor, terceiro estranho ao contrato. Vamos supor que o terceiro induza uma das partes em erro, dolo de terceiro.

Sem ler o código, vamos pensar no princípio da confiança, proteção da legítima expectativa. Se o B não sabe e nem deveria saber do dolo do terceiro, o B não tem legítima expectativa na continuidade do negócio? Então, se o B não sabe e nem

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deveria saber, o negócio jurídico vai ser válido e o terceiro responde por perdas e danos, princípio da confiança.

Por outro lado, se o B sabe ou deveria saber ele não tem uma legítima expectativa e, portanto a ele não se aplica o princípio da confiança. A conseqüência natural qual vai ser? Anulabilidade sem prejuízo de perdas e danos.

Na verdade, o art. 148, que trata do tema, é uma demonstração muito clara do princípio da confiança. Diz o art. 148: pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento.

O código aqui andou muito bem, porque ele falou tivesse ou devesse ter, porque percebam, se o legislador exigisse que o B tivesse conhecimento, nós teríamos dois problemas aqui. Primeiro, nós estaríamos no terreno da boa fé subjetiva e, segundo, se o B sabe do dolo de terceiro, ele no mínimo está em curso num dolo próprio por omissão.

Seria até desnecessária a previsão do art. 148, o art. 147 já atrairia a sistemática do dolo por omissão para B, então na verdade o código andou muito bem quando disse que sabe ou deveria saber, porque ele guardou fidelidade ao princípio da confiança, ao princípio da boa fé objetiva, quer dizer, a mensagem é: se o B não sabia, mas deveria saber ele está agindo em boa fé subjetiva, mas violou o dever anexo de cuidado da boa fé objetiva.

E a parte final diz: em caso contrário ainda que subsista, o negócio o terceiro responderá por perdas e danos.

Muito cuidado aqui com uma pegadinha que é a seguinte: o art. 148 na 1ª parte diz que se o B sabe ou deveria saber do dolo do terceiro o negócio é anulável, só vamos tomar cuidado aqui com o seguinte: o examinador pode jogar uma hipótese em que o B sabe ou deveria saber de um dolo acidental do terceiro. Se o dolo do terceiro for acidental, a solução não é a do art. 148 1ª parte, porque o dolo acidental acabamos de ver, art. 146, não conduz anulabilidade ele gera apenas perdas e danos.

Então, quando o art. 148 diz que se o B sabe ou deveria saber, gera anulabilidade, ele está presumindo que o dolo de terceiro é um dolo essencial. Se for acidental ,a solução não é a contemplada no art.148, a solução será perdas e danos e o negócio jurídico será válido.

Tem outro problema aqui que é o seguinte: se o B sabe ou deveria saber e o dolo do terceiro é essencial, anulabilidade não é isso? Só que o dolo essencial não exclui eventualmente perdas e danos.

Só que vejam bem, se o B sabe ou deveria saber, as perdas e danos são potencialmente imputáveis tanto ao B quanto ao terceiro. Só que o art. 148 falhou aqui, porque toda a doutrina afirma que o art. 148 deveria contemplar mais explicitamente um regime de solidariedade passiva entre o B e o terceiro.

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Por exemplo, na hipótese da coação por terceiro do art. 154... O art. 148 não prevê a solidariedade passiva entre B e o terceiro, diferentemente da hipótese da coação por terceiro do art. 154. O art. 154 quando trata da coação por terceiro, em hipótese idêntica a essa, diz que se o B sabe ou deveria saber da coação de terceiro há anulabilidade e ambos respondem solidariamente por perdas e danos.

Em relação ao dolo especificamente tem duas possíveis soluções, uma primeira mais simples é dizer solidariedade não se presume, tem que ter lei ou manifestação de vontade, art.265. Com essa solução, nós afirmaríamos que não haveria regime de solidariedade passiva.

Outra solução que é defendida por Pontes de Miranda e Humberto Theodoro Júnior, seria no sentido de invocar a solidariedade passiva aplicando o atual art. 942 do Código.

A grosso modo, veremos mais adiante, que o art. 942 prevê uma cláusula geral de solidariedade passiva em sede de responsabilidade civil. O que o art. 942 diz é que se há mais de autor do ilícito, todos respondem solidariamente e, além de invocar o art. 942, na prova dissertativa dá para colocar o seguinte: a mesma lógica que impulsiona a repressão a coação por terceiros, contemplada no art. 154, se justificaria para reprimir o dolo de terceiro. Quer dizer, não haveria razão de tratamento diferenciado entre a coação por terceiro e o dolo de terceiro. A sistemática da coação por terceiro está no art. 154.

Eu não usaria a expressão analogia porque falar em analogia em sede de solidariedade eu acho que não pega bem por conta do art. 265. Eu usaria o art. 942 e diria que a ratio legis, na verdade não haveria razão para tratamento diferenciado, mas o fundamento legislativo seria o art. 942. Essa idéia da comparação com a coação apenas com argumento de reforço.

Pergunta de aluno.

Resposta: claro que aqui vamos ter que fazer uma interpretação elástica do art. 942, na verdade a jurisprudência o faz em sede de responsabilidade civil. Quando o código diz “se a ofensa tiver mais de um autor”, na verdade “o autor” poderia causar ao ilícito tanto através de conduta comissiva quanto omissiva. Quer dizer, a gente teria que... Uma interpretação elástica sem dúvida.

Temos um último aspecto importante. Sem dúvida, uma pegadinha significativa. O art. 148 trata da hipótese do dolo do terceiro enfrentando negócio jurídico bilateral, porque o art. 148 diz “se a outra parte sabe ou deveria saber ou se outra parte não sabe ou não deveria saber”.

Só que é claro e evidente que é admissível que haja dolo de terceiro em negócio jurídico unilateral: testamento, aceitação e renúncia a herança. Se o dolo do terceiro incidir sobre negócio jurídico unilateral, não se aplica o art. 148, se aplica o art. 145 e art. 146, ou seja, se o dolo do terceiro foi essencial, anulabilidade e se ele for acidental é válido e cabe perdas e danos.

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Vamos pensar: o art. 148 existe por quê? Por conta do princípio da confiança e o princípio da confiança busca proteger a outra parte inserida no negócio jurídico. Se estivermos diante de um negócio jurídico unilateral, quer dizer, cede a lógica do art. 148 e incide a regra geral do art. 145 e do art. 146.

Outro aspecto importante aqui é a questão do dolo do representante porque a duvida é a seguinte: em que medida o dolo do representante compromete o representado, sabendo-se que o representante atua em nome e em favor do representado, não é isso?

O código aqui diferenciou a representação legal da representação convencional. Faz muito sentido essa diversidade de tratamento, porque na representação legal a lei impõe o representante. Ao passo que na representação convencional, o representante é escolhido pelo representado. Então, evidentemente a responsabilidade do representado tem que ser muito maior em que circunstância? Na representação convencional.

Diz o art. 149: o dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve. “Até a importância do proveito que teve” o representado responde pelo dolo representante legal, por quê? Vedação ao enriquecimento sem causa. Sugiro a remissão aí ao artigo 149 1ª parte para os artigos 884 a 886, são os artigos do código que tratam de vedação ao enriquecimento sem causa.

A parte final diz: se porém o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente por perdas e danos. Aqui, a responsabilidade solidária se justifica diante da hipótese de culpa in eligendo e in vigilando. O código anterior não fazia esta distinção entre representação legal e convencional.

E o art. 150 trata do famoso dolo recíproco. Todos devem se lembrar que se ambas as partes agem dolosamente nenhuma delas pode alegar o dolo em face da outra. Tradicionalmente, a doutrina aqui ressalta que o art. 150 se inspira naquele princípio geral, segundo o qual ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Claro que essa afirmativa está corretíssima, mas é possível fazer uma correlação entre o art. 150 e o princípio da boa fé objetiva através da tu quoque. O dolo recíproco é uma manifestação clara da tu quoque que é um dos desdobramentos da boa fé objetiva.

A grosso modo, na tu quoque aquele que viola uma determinada regra não pode exigir que outrem cumpra aquela mesma regra que ele está transgredindo. Se eu ajo dolosamente, não posso alegar o dolo da outra parte buscando anular o negócio jurídico.

Pergunta de aluno.

Resposta: exatamente, nós vamos ver que o ponto diferenciador entre a tu quoque e a venire é que a tu quoque parte de uma conduta ilícita, ao passo que na venire contra factum proprium ocorre uma contradição entre duas condutas lícitas.

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Quer dizer, essa é a diferença essencial, a tu quoque está muito atrelada a idéia de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, sem dúvida alguma há uma correlação entre a tu quoque e esse princípio geral de direito.

A doutrina muito segura aqui em relação ao art. 150 no sentido de aplicar o dispositivo ainda que o dolo de uma das partes seja essencial e o da outra seja acidental. Quer dizer, a regra se aplica ainda que o dolo de uma seja essencial e o dolo da outra seja acidental.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: não, vamos ver que o dolo de aproveitamento ele é contemplado no art. 156, no estado de perigo, que é a ciência da outra parte da situação de necessidade, trataremos disso mais a frente.

O dolos malus é o que estamos vendo até aqui, aquele que gera anulabilidade, vício de consentimento. Tradicionalmente, a doutrina invoca o dolos bonus em relação a alguns exageros usualmente praticados pelo comércio e, tradicionalmente, a doutrina antes do CDC era unânime em ressaltar que dolos bonus não traria nenhuma conseqüência jurídica. É uma pratica reiterada do comércio, seriam dolos ponderáveis diante da prática social reiterada.

O que hoje se vem sustentando é que não se admite dolos bônus se essa pratica empresarial for suscetível de induzir o consumidor em erro por conta do art. 37 do CDC que veda a questão da publicidade enganosa.

Os autores mais atualizados vêm dizendo que não é que tenha sido aniquilada a figura do dolos bonus, na verdade a análise acaba sendo casuística. Porque alguns exageros não são suscetíveis de induzir o consumidor em erro.

É preciso diferenciar, por exemplo, o seguinte anúncio “o melhor produto do mundo” e o outro que diga “este produto tem 70% de aceitação popular”. Quer dizer, o melhor do mundo, a princípio não induz o consumidor em erro, mas se algum tipo de veiculação precisa, que possa induzir o consumidor em erro, sem dúvida se afasta a lógica do dolos bonus e entra a questão da publicidade enganosa. Quer dizer a potencialidade lesiva, expressão tão difundida no direito penal, acaba funcionando aqui como um marco divisor entre dolos bonus e publicidade enganosa.

Tem outra vertente para o dolos bonus, essa questão da prática reiterada do comércio é a mais conhecida. Mas há quem diga que haveria também dolos bonus quando o sujeito age com a intenção de prejudicar outrem por uma razão superior. Quer dizer, quando o sujeito busca enganar outrem com a intenção de beneficiar a pessoa enganada.

O exemplo tradicional Washington Barros Monteiro, que os manuais fazem alusão, é a hipótese do sujeito que engana um parente para que esse parente tome um remédio necessário a sua sobrevivência. Na verdade, através do dolos bonus o sujeito acaba causando um bem a outra pessoa.

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O Flávio Tartuce traz um exemplo curiosíssimo: segundo ele haveria conjugação das duas modalidades de dolos bonus numa única circunstancia: imagine uma loja que venda roupa, que coloque um espelho que emagreça o cliente, quer dizer, ele está fazendo uma prática maliciosa entre aspas no comércio e ao mesmo tempo estaria fazendo um bem ao cliente.

Coação, artigos 151 a 155.

Coação nos sugere a idéia de constrangimento, não é isso? Evidentemente, para a coação gerar um vício de consentimento é preciso que esse constrangimento seja grave. Cuidado com a prova objetiva: há pessoas mais e menos suscetíveis, então a mesma coação dirigida para uma pessoa pode trazer um efeito totalmente distinto para uma coação direcionada a outra pessoa.

Normalmente, quando se tem esse tipo de dilema o que a doutrina tradicional costuma lembrar? A figura do homem médio, o bom pai de família, só que em sede de coação o art. 152 se distancia da figura do homem médio.

Diz o art.152: no apreciar a coação ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstancias que possam influir na gravidade dela.

Então, fica claro que para fins de coação o art. 152 permite que o Juiz possa levar em conta as circunstancias, as peculiaridades do caso concreto. Portanto, o art. 152 literalmente afasta a perspectiva do homem médio.

Outra questão importante aqui é a seguinte: a coação pode ser física, moral ou acidental. Também é uma questãozinha tradicional em provas objetivas. Posição amplamente dominante é no sentido de que a coação física gera a inexistência e por quê? Porque na coação física não há manifestação de vontade.

Exemplo: aquele sujeito que é analfabeto e para colher a assinatura do analfabeto alguém forçosamente segura o dedo do analfabeto e põe a digital dele no instrumento. Quer dizer, coação física, não houve manifestação de vontade.

Posição minoritaríssima defendida pelo Silvio Rodrigues, Maria Helena Diniz e pelo Flávio Tartuce: defendem que a hipótese seria de nulidade absoluta. Esses autores chegam a invocar, para justificar a hipótese de nulidade, o atual art. 3º, III: aqueles que mesmo por causa transitória não puderem exprimir a sua vontade. Em prova objetiva, o gabarito sempre vem que gera inexistência.

A coação moral, sim, gera anulabilidade porque nela há vício de consentimento. Quer dizer, ao invés de segurar o dedo do analfabeto e colocar no instrumento o sujeito diz “ou bota o dedo aí ou vou seqüestrar seu filho”, coação moral. Quer dizer, a diferença é que na coação moral o sujeito pode optar entre celebrar ou não o negócio e claro que a não celebração poderá lhe trazer conseqüências desfavoráveis, por isso a manifestação de vontade é viciada.

Tem uma discussão clássica na doutrina que é aquela questão da arma na cabeça. Alguns afirmam que a coação seria moral, porque com a arma na cabeça o

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sujeito teria liberdade, teria a possibilidade de não optar em celebrar o contrato, mas a tendência hoje é no sentido de se afirmar que haveria hipótese de coação física.

Vamos nos atentar para a chamada coação acidental. Dificílima aplicação prática, mas dentro do que vimos até aqui o que seria coação acidental? É a coação que não foi decisiva, não foi determinante a celebração do negócio. Quer dizer, o negócio teria sido celebrado ainda que não tivesse havido coação e aí, dentro da sistemática que vimos até aqui, acho que dá para concluir com tranqüilidade que em tese na coação acidental não há vício de consentimento. E, em decorrência, na coação acidental o negócio jurídico será válido e o co-autor responde por perdas e danos.

Exemplo: imagine que a coação seja praticamente concomitante a manifestação de vontade. Quer dizer, no mesmo momento que o sujeito manifesta vontade de celebrar o negócio há a coação, ela acaba sendo concomitante a própria manifestação de vontade. Em tese, a hipótese seria de coação acidental.

Outro exemplo: imagine um sujeito que tem uma lanchonete a venda, numa comunidade violenta. Está a venda a um ano e não consegue vender de jeito nenhum. Depois de um ano, os traficantes da área decidem comprar o imóvel dentro daquele preço ofertado só que obviamente exercendo constrangimento, exercendo ameaça. Em tese, teríamos uma hipótese de coação acidental, cabendo apenas perdas e danos.

Para não sermos repetitivos, a lógica da coação por terceiro está no art. 154 e 155. A lógica é a mesma do dolo terceiro, quer dizer, o que inspira o art. 154 e o art.155 é o princípio da confiança.

Outro cuidado aqui é a tradicional hipótese levantada pelo Sílvio Rodrigues, que vários autores fazem referencia. O Silvio Rodrigues diz que é possível que a coação seja exercida através de um mal a ser impingido, perpetrado, em face do próprio coator. Quer dizer, o coator constrange outrem a celebrar negócio jurídico através de um constrangimento que se dirige num mal a ser direcionado em face do próprio coator.

O exemplo do Silvio Rodrigues é o seguinte: imaginem um filho que para constranger o pai a receber uma determinada doação ameace suicídio ou seguir profissão perigosa.

Desse exemplo o que se dá para extrair é o seguinte: se da circunstancia fática se evidenciar uma relação de proximidade tal entre o coator e coagido, se dessa proximidade é possível extrair um mal direcionado ao próprio coator venha a viciar a vontade do coagido, nós teremos uma hipótese típica de coação a justificar a anulabilidade do negócio jurídico.

Pela literalidade do código, essa solução não seria adequada, porque o art. 151 diz que a coação deve ser direcionada ao paciente, a sua família ou seus bens. E aí o §único trouxe uma novidade, porque alguns indagavam o seguinte: e se não for direcionado a família e se for com um amigo, uma pessoa próxima do coagido? O §único nesse caso permite ao Juiz decidir por equidade, diz o §único: se disser respeito

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a pessoa não pertencente a família do paciente, o Juiz com base nas circunstancias decidirá se houve coação.

Percebam que numa perspectiva clássica, o que os autores costumam afirmar? Que o parâmetro que o juiz deve se valer no §único é o grau de proximidade com o não familiar. Só que numa perspectiva a luz do principio constitucional da solidariedade, esse não é o único parâmetro, porque ainda que o mal seja direcionado a um sujeito não próximo do coagido, mas se o mal ofenda um bem jurídico fundamental, em muitas situações haverá vício de consentimento.

Você pode ter um vizinho que você não tem contato nenhum e a coação é no sentido de tirar um braço do vizinho, de estuprar a vizinha, seja lá o que for. Na verdade, o parâmetro para a aplicação do §único não é apenas o grau de proximidade, mas também a natureza do bem jurídico ameaçado, porque dependendo da natureza do bem jurídico ameaçado princípio constitucional da solidariedade justificaria o vício de consentimento ainda que ausente tal proximidade.

Art. 153 diz que não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito e nem o simples temor reverencial. Então, claro que não há coação se o credor ameaça ingressar em juízo para cobrar o devedor. A mãe que ameaça ingressar em juízo para pleitear investigação de paternidade do suposto pai da criança.

Agora, é possível que haja coação na hipótese de exercício anormal, ou seja, de exercício abusivo de direito. Tem alguns exemplos que a doutrina traz. Imaginem um sujeito que constrange outrem a fazer um instrumento de confissão de dívida em valor superior a dívida real sob pena de denúncia da outra parte em relação a um determinado crime de falsidade por ela praticado.

Quer dizer, eu sou o credor dela e percebo que o outro contratante praticou algum crime de falsidade e na verdade imponho uma confissão de dívida superior a dívida real sob pena de denúncia por crime de falsidade. Nós teríamos uma hipótese de exercício abusivo de direito.

Outro exemplo, que hoje já está inadequado: imagine o marido que flagre a mulher em adultério e constrange a mulher em realizar um instrumento de confissão de dívida sob pena de denunciá-la pelo antigo ilícito penal praticado. Nós teríamos uma hipótese de exercício abusivo de direito.

Então, na verdade, a penas o exercício regular de direito afasta a coação.

E o código diz ainda que o temor reverencial afasta a coação. Quer dizer, o temor reverencial, a grosso modo, são situações que envolvem relação especial de respeito, de obediência. Quer dizer, na verdade quando há temor reverencial há sempre um impulso espontâneo de não desagradar a outra parte.

O que o código está dizendo é que o simples fato de um empregado celebrar um contrato de locação com seu patrão alheio a relação de emprego por si só não configura coação. Ainda que haja o temor reverencial decorrente do poder de

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subordinação, esse temor reverencial por si só noção gera coação. Então, relação patrão empregado.

Outro exemplo de temor reverencial que é a relação pais e filhos, em relação a algumas autoridades públicas, enfim.

Agora é claro que o art. 153 está dizendo que um simples temor reverencial não gera coação, nada impede que em concreto se demonstre a existência de constrangimento.

Vamos para o Estado de Perigo – art. 156.

Esse instituto não era contemplado no código anterior. Basicamente o que diz o art. 156 é que no estado de perigo alguém assume uma obrigação excessivamente onerosa diante da necessidade de salvar-se ou a pessoa de sua família de grave dano conhecido pela outra parte.

O caput do art. 156 fala em dano a própria pessoa ou a sua família. Lembra aquela história da coação se for em relação a terceiro? A mesma coisa no §único do art. 156: tratando-se de pessoa não pertencente a família do declarante, o juiz decidirá conforme a circunstancia. Então, tudo aquilo que dissemos lá vale para cá, para não sermos repetitivos

Alguns exemplos clássicos: promessas exorbitantes de recompensa. O sujeito tem um patrimônio de 300 mil e promete uma recompensa de 2 milhões para alguém que venha a salvar o próprio filho. Quer dizer, acaba assumindo uma obrigação onerosa diante de uma necessidade de salvar pessoa de sua família de um grave dano que é conhecido pela outra parte.

Outro exemplo: os cheques caução em hospitais. Dependendo do caso concreto, honorários médicos abusivos.

Imagine que o sujeito tem uma doença grave e precisa de cuidados emergenciais. O médico sabe da doença grave e cobra 600 reais por uma consulta, quando normalmente ele cobraria 150 reais. Em tese, estado de necessidade.

Outro exemplo que nos será útil daqui a pouco: imagine que o sujeito tem um filho seqüestrado e precisa pagar o resgate. O resgate é 150 mil reais e o sujeito tem um imóvel que vale 500 mil. Para pagar o resgate ele vende por 150 mil, o imóvel que vale 500 mil. Só tem graça o exemplo se aquele que compra sabe da situação de inferioridade da outra. Mas em tese é aplicável o estado de perigo.

Fica claro que o art. 156 literalmente exige o chamado dolo de aproveitamento para a configuração do estado de perigo. O que é o dolo de aproveitamento? É o conhecimento pela outra parte da situação de necessidade.

Percebam que o estado de perigo aqui ele se aproxima muito da coação por conta do dolo de aproveitamento, há uma semelhança aqui entre os institutos, entre o estado de perigo e coação. A diferença essencial é que na coação a ameaça, o

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constrangimento parte de um interessado a prática do ato, ao passo que no estado de perigo a situação de necessidade provém de uma circunstancia fática eventual.

Humberto Theodoro Júnior traz um exemplo interessante naquela obra comentários ao código civil da Forense. A obra é muito boa só que é muito grande são 20 volumes não dá para concurso, mas para advocacia essa obra é muito boa.

E ele diz o seguinte: vamos supor aqui um exemplo, se o vizinho implode a represa do vizinho, para obter determinada vantagem para a celebração de um negócio. Nesse caso a hipótese é de coação, mas se por ventura a represa do vizinho venha a se deteriorar, venha implodir por razões alheias a conduta do vizinho, por um fenômeno natural, por exemplo, se esse vizinho se aproveita da situação de inferioridade do outro para lhe impor uma circunstancia que lhe é vantajosa a hipótese seria a de estado de perigo.

No estado de perigo há o dolo de aproveitamento de uma situação de inferioridade que não foi provocada pela parte que é beneficiada. Quer dizer, na verdade a pessoa se beneficia de uma situação de necessidade decorrente de uma circunstancia que lhe é alheia, ao passo que na coação a ameaça parte do próprio interessado na prática do negócio.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: para configuração do estado de perigo, o art. 156 exige dolo de aproveitamento, quer dizer, a parte tem o ônus de comprovar da ciência do outro na posição de inferioridade.

Vamos supor... Numa situação como essa é situação é menos delicada porque a situação é tão flagrante que talvez em sede probatória o ônus seja praticamente invertido aí. Mas vamos supor uma hipótese mais delicada em que não haja não haja a possibilidade de demonstração efetiva de dolo do aproveitamento, pode piorar até.

O Carlos Roberto Gonçalves e o Tepedino dizem que ainda que não comprovado o dolo de aproveitamento, nesse caso não caberá estado de perigo, porque é requisito legal, mas cabe a revisão judicial do negócio praticado. Quer dizer, pelo próprio princípio do equilíbrio econômico, ainda que em ausente estado de perigo pela não demonstração do dolo de aproveitamento, é cabível a revisão judicial em homenagem a boa fé objetiva e ao equilíbrio econômico. Em termos práticos, se houver dificuldade a solução vai para a revisão judicial.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: para que haja estado de perigo, a situação de necessidade ela pode ter ou não sido provocada voluntariamente pela parte que se encontra inferioridade. Exemplo que a doutrina traz: imagine a pessoa que tente suicídio. Ela própria provocou a situação de necessidade e diante da tentativa frustrada ela se arrepende e assume uma obrigação excessivamente onerosa com o objetivo de se salvar daquela situação de eminente perigo de vida. Ela paga, por exemplo, honorários

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médicos exorbitantes, ela paga um valor muito superior a um transporte daquela localidade do acidente para um hospital por exemplo.

Ainda que a própria parte tenha provocado a situação de necessidade, é cabível a aplicação do estado de perigo desde que comprovado o dolo de aproveitamento.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: me parece ser estado de perigo, porque na verdade qual a diferença da coação para o estado de perigo? Na coação, na verdade, o sujeito cria aquela situação de constrangimento, aquela situação de dificuldade com o objetivo de se beneficiar daquela situação de inferioridade. No estado de perigo não, é só o dolo de aproveitamento de uma situação de hipossuficiência criada anteriormente.

Na medida em que o dolo, a intenção do agente não era de se beneficiar de um negócio futuro, me parece que a situação se enquadraria no estado de perigo. Porque no caso concreto na celebração do negócio a gente acaba se deparando na prática com dolo que é apenas de aproveitamento, me parece que a solução viria nesse sentido.

Os efeitos práticos são parecidos porque tanto a coação quanto o estado de perigo vão gerar anulabilidade, mas me parece que dogmaticamente ficaria melhor estado de perigo.

Tem outro problema aqui, que é o seguinte: e na hipótese de perigo putativo? Será que alguém pode alegar estado de perigo diante de um perigo putativo? É perigo suposto pelo agente.

Exemplo clássico do estado de perigo: aquele do seqüestro. Tem o filho seqüestrado... O sujeito supõe o seqüestro do filho, supõe que tem que pagar o resgate de 150 mil e nessa suposição ele vende o imóvel por 500 e só tem graça falar em estado de perigo aqui se o adquirente sabe da suposta situação de perigo.

Vejam, o que gera a anulabilidade por estado de perigo? Não é o vício de consentimento? Sim, e o vício de consentimento no perigo putativo é tão intenso quanto na hipótese de perigo real. Então, o perigo putativo por si só não excluí a configuração do estado de perigo, porque no caso de perigo putativo o vício do consentimento é tão intenso quanto na hipótese de perigo real.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: em tese, o dolo de aproveitamento aqui no perigo putativo, das duas uma: ou ele supõe também a situação de perigo e aí sem dúvida entra no estado de perigo. Ou o sujeito até sabe que o perigo não é real, ele sabe que o perigo é putativo. Só que nesse caso, a questão se encaixa aonde? Não vai para o dolo por omissão? Nessa hipótese em que o beneficiado sabe que o perigo é putativo a gente acaba entrando nua zona cinzenta, porque a questão acaba se encaixando em tese no estado de perigo porque tem o dolo de aproveitamento, só que acabamos entrando na seara por dolo por omissão nessa circunstancia, porque não deixa de haver um dolo

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por omissão nessa circunstancia e estamos no momento da formação da vontade. Então, daria para encaixar tanto em uma quanto em outra circunstância.

Agora, a hipótese clássica é quando o terceiro também supõe situação de perigo, aí não tem dúvida, entra no estado de perigo.

Tem um Julgado recente em que o STJ aplicou estado de perigo, RESP 918.382. Foi basicamente o seguinte: havia um contrato de seguro saúde e nesse contrato não havia cobertura para colocação de stent. O sujeito estava na sala de cirurgia e aí o plano de saúde estimulou o segurado e seus familiares a celebrarem um aditivo contratual no sentido de abranger a cobertura daquele material. O STJ entendeu que era estado de perigo, porque a própria função social do contrato, aquela cobertura se impunha em que pese a ausência de previsão contratual e a seguradora teria se beneficiado da situação de inferioridade da outra a impor aquele aditivo contratual. Não veio em Informativo.

Outra questão importante é a seguinte: a solução do direito positivo brasileiro em havendo estado de perigo é anulabilidade, não é isso? Vamos imaginar aquele exemplo, honorários médicos exorbitantes, médico se aproveitando da situação hipossuficiencia do paciente cobra honorários absurdamente exorbitantes do que ele cobraria normalmente.

Se a tese do estado de perigo do paciente for admitida, a conseqüência vai ser a invalidação do negócio e a invalidação gera o que? O retorno ao status quo antes, art. 182. Só que vejam, apesar do silencio do código, a simples invalidação nesse caso não geraria um enriquecimento sem causa? Porque na verdade o serviço foi prestado pelo profissional, então em que pese o silencio do direito civil brasileiro, a doutrina vem afirmando que em determinada circunstância a anulação do negócio por estado de perigo não afastará eventual remuneração a ser fixada pelo Juiz em decorrência de eventual serviço prestado.

O fundamento para essa remuneração qual seria? A vedação ao enriquecimento sem causa, art. 884 a 886. Essa solução trazida pela doutrina tem explicita previsão no código Italiano no art. 1447 do código Italiano.

Agora, vamos aproveitar até para ver a indagação do colega que foi sobre a aplicação do art. 157,§2º não é isso? Sim. Sem dúvida, o enunciado 148 do Conselho vem no sentido de que o art. 157, §2º é aplicável por analogia ao estado de perigo e é por analogia porque o art. 157, §2º trata de lesão. Diz lá: não se decretará a anulação do negócio se for oferecido suplemento suficiente ou de a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

Nós podemos ter hipótese porque vejam, a premissa do art. 157,§2º qual é? Que a parte beneficiada tome a iniciativa em se predispor a reequilibrar o negócio. Nós podemos ter hipótese de que tal iniciativa não seja efetivada. Quer dizer, nenhuma das partes busque a revisão, tanto o autor quanto o réu convergem no sentido da anulação e ainda que inaplicável o art. 157,§2º nessa hipótese, a solução viria por eventual remuneração por serviços prestados por conta da vedação do enriquecimento sem causa.

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Agora, fica claro o seguinte, o art. 157,§2º permite o que? Que a parte beneficiada se predisponha a reequilibrar o contrato que conseqüentemente afaste o cabimento da anulação.

A literalidade do art. 157,§2º que está lá na lesão e se aplica aqui ao estado de perigo, a princípio facultaria apenas ao beneficiado modificar o negócio. Vejam dois aspectos: 1º) será que a outra parte é obrigada a aceitar? Vamos supor que o prejudicado tome a iniciativa de anular e o beneficiado se predisponha a modificar o contrato, a outra parte é obrigada a aceitar?

A revisão, ela não vem em harmonia com o equilíbrio econômico, não vem em harmonia com a boa fé objetiva? E, mais, tem outro princípio muito significativo aqui que é o princípio da conser ção dos atos e dos negócios jurídicos. Então, todos esses valores que mencionamos aqui respondem a duas questões.

Primeira, a outra parte é obrigada a aceitar, quer dizer desde que haja um efetivo reequilíbrio econômico? Sim. E responde com mais clareza uma outra pergunta que me parece mais sensível, o art. 157,§2º em sua literalidade autoriza apenas ao beneficiado modificar. E pela solução literal, o prejudicado teria que tomar iniciativa apenas para anular. É o que diz o art. 157,§2º.

Só que essa literalidade há de ser superada, quer dizer, nada impede que o prejudicado ao invés de pedir a anulação opte por pleitear a revisão judicial do negócio jurídico. E aí pelos fundamentos que vimos: equilíbrio econômico, boa fé objetiva, conser ção... Nesse sentido, Enunciados 149 e 291 do Conselho da Justiça Federal.

Isso que estamos tratando se aplica tanto a lesão quanto ao estado de perigo, por analogia.

INTERVALO.

Lesão, no código civil art.157 e no CDC art. 6º,V; art. 39,V e art. 51, IV.

Diz o art. 157: ocorre a lesão quando uma pessoa sobre premente necessidade ou por inexperiência se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

Bom, o 1º elemento exigido para configuração da lesão é que haja desproporção manifesta entre as prestações. Esse é o chamado elemento objetivo previsto no código civil. E percebam que o código não adotou aqui um sistema de tarifação rígida. Era praxe nas legislações do passado estabelecer algum tipo de tarifação.

Quer dizer, a maior parte das legislações costumava afirmar que haveria lesão se a desproporção superasse 50% do valor, era praxe. Só que se percebeu com tempo, que esse sistema de tarifação rígida colide com a própria perspectiva da lesão.

Por que qual é o objetivo da lesão? É equidade, é equilíbrio contratual, quer dizer, indo direto ao ponto se a proporção for tarifada em 50%, se o sujeito vende por 75,01 um bem que vale 50 haveria lesão, se vende-se por 74,99 não haveria lesão.

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Quer dizer, se percebeu que a idéia de equidade, equilíbrio contratual é incompatível com o sistema de tarifação rígida, quer dizer, a equidade pressupõe maleabilidade.

No direito romano havia diferença entre a lesão enorme e a enormíssima e qual era a diferença básica? Na lesão enorme a desproporção teria que ser superior a 50% e a lesão enorme cuja desproporção tinha que superar 50% gerava anulabilidade. Na lesão enormíssima, a desproporção tinha que superar 2/3 do preço e a lesão enormíssima gerava nulidade absoluta.

Quer dizer, na verdade essa dicotomia lesão enorme e enormíssima não tem nenhuma importância prática no nosso direito atual.

Vamos nos lembrar que essa desproporção manifesta entre as prestações é congênita a celebração do contrato em se tratando de lesão, art. 157,§1º. Na lesão, o contrato já nasce desequilibrado. Se a desproporção for superveniente, em tese, o instituto aplicável será o da onerosidade excessiva, que está nos artigos 478 a 480.

Como elemento subjetivo, o art. 157 traz a premente necessidade ou a inexperiência. É preciso registrar que essa premente necessidade representa necessidade contratual e não necessariamente econômica.

Esse é inclusive um dos pontos que diferencia lesão de estado de perigo, são institutos muito parecidos porque o art. 156, que vimos agora a pouco, quando o legislador fala em estado de perigo, ele fala em salvar-se ou a pessoa de sua família. Então, na verdade o estado de perigo, com a expressão salvar-se o que está em jogo é basicamente a vida ou a integridade física. Ao passo que na lesão o que impulsiona o sujeito a assumir a obrigação desproporcional é uma necessidade contratual.

Exemplo: imagine que no momento de escassez de água, um agricultor venha a adquirir tal produto por um valor muito superior ao de mercado. Ainda que o sujeito seja rico, ele assumiu uma obrigação excessivamente desproporcional ao valor da prestação oposta diante de uma necessidade contratual.

Vejam que não se exige necessidade econômica por quê? Porque o que está em jogo na lesão é justiça contratual e não justiça distributiva. Então, pode um sujeito rico assumir uma obrigação desproporcional diante de uma necessidade contratual e configurável será a lesão.

Por que o que busca a lesão é o que? É a paridade no sinalagma...

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: na verdade a sistemática própria do CDC é diferente, porque no art. 6º,V, o legislador não exige a premente necessidade ou inexperiência. Esse requisito, premente necessidade ou inexperiência, ele é exigido no código civil porque para as relações de consumo que se entende é que o legislador dispensa tal requisito diante da hipossuficiencia.

Quer dizer, o legislador presumiu a necessidade do consumidor em demonstrada desproporção manifesta entre as prestações aplicável a lesão em sede do

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CDC independentemente da demonstração dessa premente necessidade inexperiência. No CDC o legislador foi mais protetivo aqui do que no código civil.

O código fala em premente necessidade ou inexperiência. O que a doutrina afirma é que inexperiência não é sinônimo de falta de cultura. Porque vejam, é plenamente admissível um sujeito sem acesso a cultura, sem acesso aos estudos, saiba tudo, por exemplo, de contratos agrícolas. Então, na verdade a inexperiência há de ser analisada a luz do caso concreto.

Cabe lesão em contrato aleatório? Posição tradicional, não cabe. Essa posição é defendida pelo Caio Mário e por quê? Porque a possibilidade de desequilíbrio econômico em contratos aleatórios é inerente ao risco. Quer dizer, a possibilidade de desequilíbrio econômico é inerente ao risco que envolve os contratos aleatórios.

A lesão sem dúvida é inspirada no princípio do equilíbrio econômico dos contratos e aí a dúvida é se o princípio do equilíbrio econômico se aplica ou não em contrato aleatório. Porque por detrás dessa indagação se a lesão se aplica ou não se aplica em contrato aleatório o que se está indagando é se o princípio do equilíbrio econômico se aplica ou não em contrato aleatório.

A 1ª posição vai dizer que não justamente por esse fundamento, quer dizer, na medida em que as partes celebraram um contrato de risco obviamente que elas assumiram uma possibilidade de desequilíbrio.

A 2ª posição vem sendo defendida pelos manuais mais modernos. Essa posição começou a ser defendida pela Anelise Becker que tem trabalho específico sobre lesão. Essa posição vem sendo defendida por vários doutrinadores como o Venosa, Tepedino, Christiano Chaves e etc.

A 2ª corrente vai dizer que a mera desproporção entre as prestações sem dúvida não configura lesão porque é claro que se o contrato é de risco as partes assumem a possibilidade de desequilíbrio econômico. Entretanto, seria aplicável a lesão na hipótese de desproporção manifesta entre os riscos assumidos pelas partes.

Quer dizer, por essa 2ª posição qual seria a função do princípio do equilíbrio econômico dos contratos aleatórios? Não seria resguardar a paridade nas conseqüências econômicas porque elas podem ser desproporcionais, o contrato é de risco. Mas o princípio do equilíbrio econômico impõe que os riscos assumidos pelas partes, no momento da celebração do contrato, sejam proporcionais.

Qual o exemplo aí? Contrato de safra. Caiu na antepenúltima prova do MPT... Uma questão bem simples afirmando que contrato de safra é contrato aleatório (prova objetiva). Vamos supor que o sujeito pague 500 pela colheita futura e vamos supor que pelos 500 pagos o sujeito espera algo em torno de 50 kg daquela mercadoria.

Naquele ano, por uma questão climática, o sujeito colheu apenas 5 kg, a 2ª corrente nesse caso vai dizer o que? Não cabe lesão. Houve um desequilíbrio econômico entre as prestações, mas a princípio o risco assumido pelas partes era proporcional.

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Mudando um pouquinho: vamos supor que o sujeito pague 500, a outra parte colheu 5kg, só que analisando os últimos 20 anos se percebe que aquele sujeito sempre colheu algo entorno de 5 kg.

Vejam que nesse caso não houve um mero desequilíbrio econômico entre as prestações. No momento em que o contrato aleatório foi celebrado os riscos assumidos pelas partes eram flagrantemente desproporcionais.

Quer dizer, o desequilíbrio econômico não decorreu de uma variante, não decorreu da área normal do contrato, porque na verdade havia já uma manifesta desproporção entre os riscos no momento da celebração do contrato. E essa desproporção entre os riscos no momento da celebração do contrato violaria o princípio do equilíbrio econômico.

Quer dizer, seria possível se cogitar de lesão em contrasto aleatório na hipótese em que os riscos já sejam desproporcionais quando da celebração do contrato. Quando aquela desproporção econômica não decorre de uma mera variante superveniente, mas já era previsível e evidente desde o momento das celebração do contrato.

É claro que nesse exemplo, que é o exemplo da Anelise Becker, que os outros autores trazem acabamos entrando mais uma vez numa zona cinzenta. Porque vejam que temos aqui potencialmente aplicável o dolo por omissão, porque obviamente o sujeito se omitiu acerca da possibilidade de colher efetivamente os 20 kg esperados pela outra parte.

Claro que teremos zonas cinzentas entre o dolo por omissão e a lesão. A vantagem prática da lesão qual é? É que a configuração da lesão se dá a luz dos elementos eminentemente objetivos, o dolo por omissão pressupõe a demonstração do elemento subjetivo.

Caiu uma questão muito parecida no MP Estadual, na primeira fase, perguntando se aplica ou não o equilíbrio econômico na teoria da imprevisão. A sistemática é parecida com essa aqui, só que a teoria da imprevisão está atrelada com onerosidade excessiva. Veremos no momento oportuno, mas a discussão é parecida.

Lesão e estado de perigo são institutos muito parecidos. Vamos lembrar as principais diferenças entre os institutos:

Primeira distinção é que na lesão, art. 157, o legislador dispensa o dolo de aproveitamento. Enunciado 150 do Conselho. O legislador não exige que a outra parte saiba da situação de premente necessidade ou inexperiência, diferentemente do que ocorre com o estado de perigo.

Para prova objetiva é isso. Enunciado 150, posição predominante nos manuais. Há uma posição interessante aqui para eventual prova dissertativa da Anelise Becker, que é acompanhada pelo Tepedino e pelo Humberto Theodoro Júnior.

Resumidamente ela diz o seguinte: no art. 157 o legislador sem dúvida alguma não exige explicitamente a comprovação do dolo de aproveitamento. Mas que

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na verdade, o mesmo art. 157 exige desproporção manifesta e exige a comprovação da premente necessidade ou da inexperiência. Então, na verdade a vítima da lesão vai ter ônus de comprovar a desproporção manifesta e a premente necessidade ou a inexperiência.

Sobre isso Enunciado 290 que diz que a parte tem o ônus de comprovar a desproporção manifesta e a premente necessidade ou inexperiência. Quer dizer, não se presume no Código Civil a premente necessidade ou inexperiência, a parte tem que demonstrar. Mas uma vez demonstrado esses dois requisitos, na verdade o legislador estaria presumindo o dolo de aproveitamento, quer dizer, o dolo de aproveitamento é presumido.

Isso tem importância prática sim pelo seguinte: porque o enunciado 150 diz simplesmente que se dispensa o dolo de aproveitamento. A Anelise Becker, Humberto Theodoro e Tepedino afirmam que o dolo de aproveitamento é presumido e a presunção relativa.

O que se afirma é o seguinte: se a parte comprovar premente necessidade e desproporção manifesta pode o suposto beneficiado pelo negócio afastar a lesão comprovando, por exemplo, que a intenção do alienante era praticar um ato de liberalidade, porque na verdade não havia premente necessidade alguma.

O que a Anelise Becker defende é que na verdade não é que se dispense o dolo do aproveitamento, na verdade o dolo de aproveitamento é presumido e a presunção é relativa, ou seja, pode a outra parte demonstrar a ausência de dolo de aproveitamento.

Por quê? Vê se não dá para fazer uma conexão, e é isso que a Anelise Becker faz, Tepedino e Humberto Theodoro, entre essa afirmativa e o princípio da confiança? Se a lesão se configurasse de maneira eminentemente objetiva em relação ao suposto beneficiado, quer dizer, se não fosse possível discutir qualquer dolo de aproveitamento em relação a outra parte nós não poderíamos nesse caso atingir eventual legítima expectativa dessa outra parte? Quer dizer, o que a Anelise Becker resguarda é a possibilidade do suposto beneficiado demonstrar que não houve qualquer dolo de aproveitamento. Que o valor foi muito inferior porque a outra parte tinha intenção de lhe beneficiar, havia um ânimo de liberalidade. Ou ainda, o sujeito pagou um preço superior ao de mercado, porque ele é um colecionador por exemplo. O sujeito é um colecionador e se justificava por parte do colecionador um valor superior ao de mercado.

Outro exemplo: imagine que aquele bem adquirido tem um valor especial por conta de afeição familiar, quer dizer, um objeto de família. Quer dizer , se justificaria um valor muito superior que ele pago e não haveria a principio a hipótese de dolo de aproveitamento.

Então, cuidado porque na prova objetiva o enunciado 150 é o melhor caminho, não se exige o dolo de aproveitamento e ponto final, a configuração da lesão seria em tese eminentemente objetiva.

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Essa 2ª posição defende que na verdade que nós teríamos uma presunção relativa de dolo de aproveitamento. Não é que se dispense, na verdade o dolo de aproveitamento seria presumido pelo legislador.

Olha que conexão interessante... Aqui, mais especificamente pensando em PGE/PGM ou Tepedino, Matieto na banca, mais especificamente em bancas mais progressistas.

Lembram o art. 157,§2º que aplicamos por analogia ao estado de perigo? Diz que não se decretará a anulação se o beneficiado se predispor a reequilibrar o contrato. A Anelise Becker, acompanhada pelo Tepedino e Humberto Theodoro diz que esse dispositivo, art. 157,§2º, vem em harmonia com o princípio da confiança. Porque vejam, a lesão não pressupõe a demonstração do dolo de aproveitamento, não é isso? Não pressupõe demonstração, entre aspas, a má fé do outro contratante, coloquemos assim.

Em homenagem a legítima expectativa do outro contratante que não necessariamente está imbuído de dolo de aproveitamento, o legislador lhe confere a oportunidade de afastar a anulação desde que ele se predisponha a reequilibrar o contrato. Quer dizer, na medida em que não se exige o dolo de aproveitamento, o legislador faculta a parte beneficiada a possibilidade de afastar a anulação reequilibrando o contrato.

Por isso esses mesmos autores que fazem essa conexão entre o art. 157,§2º e o princípio da confiança, dizem que lá no estado de perigo só o prejudicado pode tomar a iniciativa de invocar o art. 157,§2º, por quê? Porque no estado de perigo a outra parte age com dolo de aproveitamento e se a outra parte age com dolo de aproveitamento não se projetaria o principio da confiança em seu respectivo benefício.

Eles defendem que cabe a aplicação por analogia do art. 157,§2º no estado de perigo, só que com essa aplicação analógica apenas o prejudicado poderia invocar o art. 157,§2º, mas não o beneficiado, porque em relação ao beneficiado não se projetaria o princípio da confiança, posição defendida por esses autores.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: exatamente, se ficar demonstrado ânimo de liberalidade.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: isso ou demonstrar que na verdade era intenção da outra parte realmente beneficiá-lo, havia o ânimo de liberalidade por exemplo. E aí nesse caso não vai haver revisão judicial nenhuma só que o ônus cabe a ele.

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Outra diferença é a seguinte: a lesão se aplica exclusivamente a contratos sinalagmaticos. Isso fica claro com a redação do art. 157, parte final: se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

Então, na lesão é indispensável que haja o que? Contraprestações recíprocas, é no cotejo, é na comparação entre as prestações que a gente extrai a desproporção caracterizadora da lesão.

Já o estado de perigo se aplica não apenas aos contratos sinalagmaticos, mas também a contratos unilaterais e a negócio jurídicos unilaterais.

O art. 156 não restringe quando trata de perigo, ele simplesmente diz que assume a obrigação excessivamente onerosa. Um dos exemplos clássicos de estado de perigo se dá justamente na promessa de recompensa que tem natureza jurídica de negócio unilateral.

E a última diferença, que nós já vimos, só para ficar sistematizado no caderno é que no estado de perigo o legislador usa a expressão “salvar-se”. Então, o que está em jogo no estado de perigo é a vida ou integridade física. Há quem use aqui a integridade moral. Na lesão o que está em jogo é a necessidade contratual ou a inexperiência.

Algumas situações, é claro, ficam muito limítrofes, vejam que se o carro enguiça num lugar ermo às 4hs da manhã e o mecânico passa pelo local e ao invés de cobrar 200 reais cobra 2mil e o sujeito que é rico paga os 2 mil. Nesse caso, a situação se aproxima do estado de perigo. Agora se o sujeito precisa do reparo rápido porque ele tem um compromisso profissional inadiável daqui a 1 hora, a questão vai para o lado da lesão.

Então, na verdade a análise acaba sendo em algumas situações casuísticas, a não ser que estejamos diante de um negócio unilateral, de um contrato unilateral, porque vamos automaticamente excluir a lesão e em tese estado de perigo.

No CDC o legislador no art. 6º,V não exige premente necessidade ou inexperiência. O CDC adotou uma atitude mais protetiva. E o que se costuma afirmar é que essa premente necessidade ela seria dispensável no CDC por conta da hipossuficiencia, da vulnerabilidade.

Se estivermos numa banca progressista, podemos sempre justificar eventual tratamento mais favorável do CDC em detrimento do código civil pela isonomia material. Usar a isonomia material, usar a Constituição quando impõe a proteção ao consumidor nos artigos 5º e 170. Então, é justificável o tratamento diferenciado por conta da isonomia material artigo 5º e 170 que impõe a proteção ao consumidor.

Lembrando que a lesão no CDC gera nulidade, está lá no artigo 51, IV do CDC e é curioso que o mesmo CDC que prevê nulidade dá privilégio a revisão judicial em detrimento da invalidação. Art. 51, §2º do CDC.

Tem alguns autores que dizem que a lesão pode ser usurária ou real e a grande característica da lesão usurária, sinônimo de real, é a exigência de dolo de

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aproveitamento. Haveria inclusive a previsão da lesão usurária no artigo 4º da lei 1521/51, Crimes contra a Economia Popular.

Essa lei inclusive foi quem trouxe inicialmente a lesão para o direito brasileiro, a lesão veio para o Brasil inicialmente como um tipo penal e depois veio contemplada no CDC e no Código Civil.

Diferentemente da lesão usurária ou real em que se impõe o dolo de aproveitamento, nós teríamos a lesão propriamente dita ou lesão especial, cuja característica básica é a inegixência de dolo de aproveitamento, que foi inclusive a contemplada no art. 157 do Código Civil.

O Christiano Chaves ainda joga mais coisa aí no meio, diz ainda que tem lesão consumerista e a lesão consumerista tem a peculiaridade de só exigir desproporção manifesta. Quer dizer, a peculiaridade da lesão consumerista é que, além de dispensar o dolo de aproveitamento, ela também dispensa o elemento subjetivo que é a premente necessidade ou a inexperiência.

Bom, vamos tratar agora de fraude contra credores.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof:: o colega ressaltou aqui uma questão que é a seguinte: no caso de novação, o que pode acontecer em tese? Podemos ter eventuais cláusulas acessórias abusivas, que inclusive geram uma excessiva onerosidade e essas cláusulas abusivas que geram excessiva onerosidade geram uma dificuldade no consumidor, por exemplo, em cumprir o que tenha sido pactuado. Diante dessa dificuldade, o consumidor procura o credor e se faz uma novação. Em tese, o que acontece em termos práticos quando se faz essa novação? Aquelas cláusulas acessórias abusivas passam a se incorporar ao principal e, ao se incorporar ao principal, em tese aquilo que era acessória passa a ser o principal e a princípio ficaria imune de quaisquer questionamentos. Isso até caiu em uma prova da Defensoria, prova específica da Defensoria.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: o que vamos ver mais adiante é o seguinte: resumidamente, essa modificação de cláusulas acessórias se incorporando ao principal não tornaria aquelas cláusulas acessórias imunes a quaisquer questionamentos. Primeiro, porque não cabe novação de obrigação nula, aquelas cláusulas acessórias eram inquinadas de nulidade absoluta diante da vedação explícita do CDC. E mais, além disso, podemos utilizar o instituto da fraude a lei, porque há uma aparência de ilicitude na novação que na verdade busca tornar aquelas cláusulas nulas imunes a eventuais questionamentos jurisdicionais futuros. Então, na verdade o art. 157, §1º... A pergunta do colega é a seguinte: será que essa desproporção vamos verificar no momento em que foi feita a novação? Em se entendendo que aquelas cláusulas eram nulas e, portanto não poderiam ser objeto de novação, a análise da proporção entre as prestações não vai se verificar no momento da novação e sim em relação a relação contratual anterior. Quer dizer, uma exceção a lógica da novação sem dúvida alguma.

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Vamos ver isso com calma mais adiante, mas é possível projetar o art. 157, §1º para uma hipótese anterior a própria novação praticada.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: se for nulo por violar o CDC é mais simples. Se for anulável, a questão, me parece, acaba se tornando casuística. Normalmente é CDC, nulidade. Agora, se tiver fora do CDC, se for anulabilidade, o que podemos discutir? Olha como a análise é casuística! Na anulabilidade cabe ratificação, então cabe novação de obrigação anulável. O art. 367 inclusive prevê isso, prevê que cabe novação de obrigação anulável, mas não cabe de obrigação nula.

Por outro lado, o que dá para tentarmos defender aqui? Dá para tentarmos defender que essa novação foi fruto de uma premente necessidade. Na verdade, se havia iminência de cobrança judicial, se havia iminência de perda de bens indispensáveis a subsistência, o que daria para tentarmos sustentar sendo tendencioso aqui para a defensoria pública? Dá para tentarmos sustentar a lesão, agora, qual o grande cuidado? Desde que não ultrapassado o prazo decadencial de 04 anos, porque o prazo para suscitar anulabilidade por todos esses aspectos é de 04 anos, é o art. 178 que vamos ver mais adiante.

Então, claro que se demonstrado em concreto a premente necessidade, a saída vem pela premente necessidade contratual através da lesão. Mas, sem dúvida, no caso de anulabilidade a situação é tormentosa, porque a princípio cabe novação de obrigação anulável. Enfim, a solução deveria vir necessariamente com a demonstração dos requisitos comprobatórios da lesão.

Vamos para fraude contra credores. Fraude contra credores art. 158 ao art. 165.

Basicamente, na fraude contra credores há uma alienação patrimonial que conduz o devedor a insolvência ou agrava eventual insolvência pré-existente. Tradicionalmente são dois os requisitos da fraude contra credores: eventus damni e o concilium fraudis.

Eventus damni o próprio nome já sugere: evento danoso. Então, é preciso que a alienação cause prejuízo aos credores. Quer dizer, a alienação vai causar prejuízo aos credores quando ela gerar ou agravar a insolvência. Por isso costuma-se afirmar o seguinte: só há eventus damni no caso de alienação de bens penhoráveis, porque a alienação de bem impenhorável não causa prejuízo aos credores, porque sendo impenhorável aquele bem não era instrumento de garantia.

Nem toda alienação que induz o devedor a insolvência ou agrava a insolvência pode gerar a anulação, porque ninguém é obrigado a saber sempre da situação econômica do outro contratante. As relações contratuais são cada vez mais impessoais. Então, é claro que a simples presença do primeiro elemento violaria o princípio da confiança. Então, tradicionalmente se exige aí o chamado concilium fraudis que alguns chamam de scientia fraudis.

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Só temos que tomar cuidado com o seguinte: concilium fraudis não lembra conluio? Concilium fraudis parece sugerir conluio. Conluio entre quem? Entre o devedor alienante e o adquirente. Só que o Código Civil não exige conluio, art. 159.

Diz o art. 159 o seguinte: serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente quando a insolvência for notória ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.

O que já dá para perceber aqui? Não se exige conluio, o legislador se distanciou da boa-fé subjetiva e se aproximou da boa-fé objetiva, porque se o legislador exigisse conluio, estaria exigindo a má-fé do outro contratante, má-fé que se contrapõe a boa-fé subjetiva e o código agora diz que o outro contratante não precisa saber, não tem que ter conluio, basta que a insolvência seja notória ou que o outro contratante devesse saber.

Então, o elemento subjetivo da fraude contra credores é o elemento objetivo dirigido ao devedor alienante. Em relação ao adquirente, o elemento não é subjetivo, o art. 159 deixa claro isso, o elemento é objetivo, porque ainda que o outro contratante não soubesse, mas deveria saber ele vai ser atingido pela invalidação, princípio da confiança, não é isso?! O art. 159 vem em harmonia com o princípio da confiança.

Outro cuidado e isso cai muito em prova objetiva. Então, esse elemento subjetivo ele é exigido em relação ao devedor, mas ele não envolve necessariamente o adquirente. O adquirente não precisa necessariamente estar de má-fé, não se exige o conluio.

Agora, por que o art. 159 exige que essa insolvência do devedor seja ao menos aparente para o adquirente? Para resguardar a legítima expectativa. Percebam que foi uma espécie de ponderação de interesses feita pelo legislador. Na fraude contra credores nós temos dois interesses em conflito. Nós temos os interesses dos credores e temos também os interesses dos adquirentes. Ponderando esses interesses, o legislador diz: o adquirente será atingido se ele sabia ou deveria saber.

Vamos supor que essa alienação que conduz o devedor a insolvência seja uma alienação gratuita. Qual é a ponderação aí? Credores versus terceiro que recebe a título gratuito. Tem que se proteger inexoravelmente quem? Os credores.

Na hipótese em que atos de disposição gratuita não se exige o segundo elemento, basta o eventus damni. Art. 158. Então, se o terceiro recebe a título de doação e o devedor é induzido a insolvência, basta os credores demonstrarem que aquela doação gerou. Ninguém precisa discutir se o donatário sabia ou deveria saber. Art. 158.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: no caso de partilha... Se houver diversidade de partilha, ou seja, um fica com 70 e outro com 30 e ao receber 30 ele é induzido a insolvência, também se aplica o art. 158.

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Na verdade, o que a doutrina afirma é que para aplicar o art. 158, que fala em atos de transmissão gratuita ou remissão de dívida, a interpretação há de ser elástica.

Por exemplo: vamos supor que ao invés de fazer doação ou perdoar a dívida, aquele sujeito tem um único imóvel que é penhorável e aí gratuitamente ele concede uma servidão para o vizinho. Essa servidão não gera um esvaziamento econômico do bem? E esse esvaziamento econômico do bem pode gerar o que? O estado de insolvência e em tese aplicável o art. 158.

A doutrina dá uma série de exemplos e um dele é esse: se houver diversidade de partilha em eventual separação ou divórcio...

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: é porque se houver diferença entre valores sem reposição em dinheiro, a natureza jurídica desse ato é de doação, tanto é que incide ITD. Então, a questão se torna menos complexa nesse caso, porque a natureza jurídica é de doação, salvo de houver reposição. Então, em tese essa diversidade, até o limite dessa diversidade a hipótese deve ser tratada a luz do art. 158.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: a questão entra mais naquela discussão de promessa de doação. Se entende que cabe a promessa de doação, porque normalmente a promessa de doação em separação não é uma liberalidade pura, teria natureza jurídica de própria transação, por isso a jurisprudência admite efeitos vinculantes a promessa de doação, dentro do contexto de eventual separação ou divórcio.

Na verdade, talvez a situação em tese fosse distinta. Na verdade há uma partilha, previamente delimitada e na verdade fica claramente definido que um fica com 2/3 do patrimônio e outro com 1/3, quer dizer, quem trata especificamente desse tema é o Humberto Theodoro Jr. Ele defende a aplicação aqui do art. 158.

Outro ponto importante é o seguinte: o art. 158 atribui legitimidade aos credores quirografários. Por que o credor com garantia real não pode alegar fraude contra credores? Porque não tem interesse. Porque em havendo garantia real seqüela ou ambulatoriedade, a garantia vai acompanhar o bem onde quer que ele se encontre.

O §1º do art. 158 traz uma afirmativa que de acordo com alguns seria uma exceção, mas na verdade não é exceção, só confirma a regra. O §1º do art. 158 diz assim: igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.

Não há exceção aqui porque se a garantia se torna insuficiente, na verdade em relação ao remanescente, não cobrir pela garantia o sujeito se torna um credor quirografário. Então, o §1º vem em sintonia com o caput. Não há uma exceção ao caput aqui.

Tem até um enunciado sobre esse §1º, é o enunciado 151 do CJF que basicamente diz que para aplicar o §1º não é necessário que haja um prévio

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reconhecimento judicial da insuficiência da garantia. Quer dizer, em termos práticos o que o enunciado dispensa é que esse credor tenha que exaurir todos os bens objeto da garantia para depois poder suscitar a fraude contra credores.

Outro cuidado aqui é o seguinte: o art. 158, quando fala em credor quirografário, no §2º está dito que apenas os credores que já o eram ao tempo dos atos podem pleitear anulação. O crédito, além de quirografário, em regra ele tem que ser dotado de anterioridade, o crédito tem que ser anterior.

Sabe qual é o cuidado que temos que tomar aqui? É na hipótese de sucessão. Se há, por exemplo, cessão de crédito. Vamos supor que o crédito seja anterior a alienação, mas ele seja cedido posteriormente.

O que é sucessão? A grosso modo, vamos ter que trabalhar isso melhor lá em obrigações, mas a grosso modo na sucessão muda um dos sujeitos, mas a relação jurídica permanece a mesma. Quer dizer, o sucessor tem os mesmo privilégios, as mesmas garantias do credor originário. Então, veja que o cessionário vai poder alegar fraude contra credores, na medida em que o crédito surgiu antes do ato de alienação.

Acho que se cair isso será uma tragédia coletiva! Vamos imaginar que o fiador ou avalista, vamos supor o seguinte: o devedor principal praticou atos de alienação que o conduziram a insolvência. O credor, sabendo da insolvência do devedor, vai no fiador ou vai no avalista e o fiador vai lá e efetua o pagamento da dívida.

Quando o fiador paga a dívida, nós não estamos diante de uma hipótese de pagamento pelo terceiro interessado? Pagamento pelo terceiro interessado vai gerar o que? Subrogação legal, art. 346, III. E quando há subrogação, há sucessão. Então, esse fiador, quando exercer a via de regresso, vai poder alegar fraude contra credores, porque na verdade em havendo sucessão ele vai ocupar a mesma posição jurídica daquele credor que fora satisfeito.

Veja que essa lógica não se aplica na hipótese de novação, porque se há novação surge uma nova relação jurídica e, a princípio, com a novação aquele sujeito passa a ser o credor posterior ao ato, porque a causa decorrente do crédito é superveniente.

Então, cuidado com essa questão da anterioridade do crédito em relação a sucessão, porque se houver sucessão temos que analisar a origem do crédito.

Outro ponto importante é o seguinte: qual é a via adequada para suscitar fraudes contra credores? É a chamada ação pauliana que é sinônimo de ação revocatória. Está prevista no art. 161.

Vamos tomar cuidado com o seguinte: regra geral, o credor para suscitar fraude contra credores tem que ingressar com ação pauliana. Exceções, quer dizer, hipóteses em que cabe alegação de fraudes contra credores independentemente de ação pauliana:

Primeira, art. 1.813. Renúncia a herança. Isso caiu na magistratura estadual e foi tragédia coletiva. Diz o art. 1.813 o seguinte: quando o herdeiro prejudicar os seus

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credores renunciando a herança poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante. Quer dizer, o art. 1.813 autoriza a configuração da fraude contra credores no curso do processo de inventário independentemente de ação pauliana.

Tem outra hipótese ainda que é a do art. 548. O art. 548 trata de doação universal. Diz o art. 548 o seguinte: é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte ou renda suficiente para subsistência do doador.

Claro que se a doação atinge a subsistência ela também atinge a solvência e, nessa hipótese em que a doação atinge a própria subsistência, nulidade absoluta, princípio da dignidade da pessoa humana. Então, se a doação atinge a subsistência ela também atinge a solvência. Só que nesse caso a hipótese é de nulidade e nulidade absoluta dispensa propositura de ação pauliana. Pode ser até reconhecida de ofício.

Então, cuidado para não se embolar. Se a doação atinge a solvência, mas não atinge a subsistência, anulabilidade, fraude contra credores, ação pauliana. Agora, se a doação atinge a subsistência e consequentemente a solvência, nulidade absoluta, independe de ação pauliana.

FIM.

Aula 08 – 21/10/08

Na aula passada falamos em fraude contra credores, mas eu queria ainda para finalizar o tema trazer breves considerações para seguir adiante.

Paramos falando da ação revocatória trazendo as exceções a necessidade de ação revocatória: doação universal e renuncia a herança.

Outro ponto importante aqui para finalizar o tema é o seguinte: o art. 161 do código civil, se interpretado literalmente, parece sugerir que na ação pauliana o litisconsórcio seria passivo facultativo, por quê? Porque o art. 161 na parte final diz lá: a ação nos casos dos artigos 158 e 159 poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má fé.

Com a expressão “ou” o código parece sugerir litisconsórcio passivo facultativo. Só que evidentemente o reconhecimento da fraude contra credores vai atingir não apenas o devedor alienante, mas também os adquirentes eventuais do bem.

Então, por conta dos limites subjetivos da coisa julgada, resta claro que apesar da literalidade do art. 161 falar “ou” entenda-se “e”, ou seja, na ação pauliana o litisconsórcio é passivo necessário. Limite subjetivo da coisa julgada, na medida e que

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tal reconhecimento da fraude contra credores vai atingir não apenas o devedor, mas também terceiro adquirente.

Remissão para o art. 472 do CPC que trata de limites subjetivos da coisa julgada e, para ficar mais claro ainda, remissão para o art. 47 do CPC que trata de litisconsórcio necessário, porque via ficar claro que a hipótese é na verdade de litisconsórcio passivo necessário.

Tem outro ponto também importante aqui: pela letra do código civil, é incontroverso o que a fraude contra credores geraria anulabilidade. O código civil textualmente diz que a fraude contra credores gera anulabilidade e isso está no art. 171, II confirmado pelos artigos 165 e 182.

O art. 171, II diz lá: além dos casos expressamente declarados na lei é anulável negócio jurídico. E aí vem i inciso II: fraude contra credores. Confirmado por esses dois dispositivos, por quê? Porque o art. 182 basicamente diz que anulado o negócio jurídico haverá o retorno das partes ao status quo ante, esse é o efeito da invalidade do negócio jurídico.

Aí o art. 165, que está dentro do capítulo da fraude contra credores diz lá: anulados os negócios fraudulentos a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.

Todos esses dispositivos, art. 171, II; art. 182 e art. 165 afirmam peremptoriamente que a fraude contra credores gera anulabilidade. Prova objetiva o gabarito é sempre esse.

Se vier na dissertativa é preciso mencionar uma segunda posição. Essa segunda posição é defendida por alguns autores importantes: Humberto Theodoro Júnior, Alexandre Câmara, Dinamarco e dentre os civilistas autores como Christiano Chaves, Nelson Rosenvald e o Pablo Stolze. Apesar de vários autores importantes, essa posição é minoritária.

Essa segunda posição defende que a fraude contra credores gera ineficácia relativa. Qual seria o efeito prático disso? Vamos supor que tenhamos um devedor que tenha lá três credores, aí o devedor praticou um ato de disposição patrimonial para um terceiro. Vamos supor que o bem, objeto da disposição patrimonial, tenha valor de mercado de 100 mil reais e o C1 tem direito a 10 mil, o C2 50 mil e o C3 80 mil. Vamos supor que esse ato de disposição patrimonial tenha conduzido ou agravado a insolvência do devedor, para caracterizar a fraude contra credores.

Pela tese tradicional, que é a que está escrita no código, a fraude contra credores gera anulabilidade. Então, se o C1 propõe ação pauliana, qual vai ser o efeito prático da invalidação dessa alienação aqui? Retorno ao status quo ante. Quer dizer, na verdade a invalidação desse ato acabaria beneficiando não apenas o credor demandante, mas também os demais.

O que é ineficácia relativa? Na ineficácia relativa, o ato não produz efeitos em relação a determinada pessoas, ou seja, quem defende que a ineficácia é relativa vai

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sustentar que eventual reconhecimento da fraude contra credores não vai invalidar a transferência do domínio aqui. O reconhecimento da fraude contra credores vai gerar uma sentença que vai reconhecer a ineficácia dessa alienação apenas em relação ao credor demandante. Ou seja, não haverá desconstituição por completo do ato de transferência, na verdade essa alienação apenas não produzirá efeitos em relação a C1.

Então, se por ventura houver alienação judicial desse bem transferido, com o produto dessa alienação judicial for apurado 100 mil reais em se entendendo que a tese vencedora é a da eficácia relativa, o que vai acontecer? 10 mil para o C1 e os 90 mil remanescente ficam com o adquirente, diferentemente do que ocorreria com a tese da anulabilidade onde todo o montante reverteria em favor dos demais credores.

Percebam que essa não á a posição prevista no código, o código literalmente diz que a fraude contra credores gera anulabilidade, mas temos vários autores defendendo a ineficácia relativa principalmente em âmbito processual.

Se justifica inclusive, alguns chegam a afirmar, que essa segunda solução em tese melhor protegeria eventuais adquirentes do bem, principalmente em atos de disposição gratuita em que o terceiro poderia inclusive estar de boa fé como vimos na aula passada.

Nós vimos que o concilium fraudis não se exige para os atos de disposição gratuita e remissão de dívida. Então, a segunda posição melhor protegeria a legitima expectativa do terceiro adquirente, mas é posição minoritária.

Prova objetiva o gabarito é sempre pela anulabilidade, se vier dissertativa tem que fazer alusão as duas posições.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: em sendo a anulabilidade 4 anos. Se formos seguir a lógica da ineficácia relativa, das duas uma: ou vai se usar por analogia o prazo do art. 178 (que prevê explicitamente que é de 4 anos para fraude contra credores) ou a gente entra para a pretensão em relação a eventual reparação civil do código, aí o prazo seria reduzido para três. Mais uma vez haveria uma maior proteção para o terceiro adquirente em detrimento dos demais credores, mas essa posição é minoritaríssima.

Vamos começar invalidade do negócio jurídico.

Tem uma questão que é processual, que vou falar por desencargo de consciência, que é a Súmula 195 do STJ.

Vamos imaginar que o credor tenha proposto a ação em face do devedor e o devedor em tese já foi citado. Depois de citado o devedor, esse devedor pratica um ato de disposição patrimonial que lhe conduz a insolvência. Quer dizer, em tese o que o credor vai alegar aqui? Fraude a execução.

Então, com a alegação da fraude em execução o credor vai poder em tese atingir aquele bem que se encontra sob aparente titularidade do adquirente. O que

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esse sujeito vai fazer aqui para se defender? Embargo de terceiro, o pólo ativo vai ser o terceiro e o pólo passivo vai ser o credor.

Vamos supor que no prazo para resposta desse embargo de terceiro o credor reconheça que não houve fraude a execução e que a alienação foi anterior ao ato citatório. Como ele reconhece que o ato foi anterior, ele alega aí fraude contra credores.

A dúvida é se o Juiz poderia reconhecer a fraude contra credores no curso dos embargos de terceiros. A Súmula 195 do STJ diz que não cabe reconhecimento de fraudes contra credores no curso dos embargos de terceiros.

Uma, porque o veículo próprio para suscitar fraude contra credores é a ação pauliana, ressalvadas as duas exceções que vimos na aula passada, mas a via adequada é a ação pauliana.

Segundo, porque a ação dos embargos de terceiros não é dúplice e, mais, como acabamos de ver a ação pauliana, que é a via adequada para suscitar fraude contra credores, se submete ao regime de litisconsórcio passivo necessário. Quer dizer, quem tem que ingressar o pólo passivo aí para reconhecimento da fraude contra credores? Tanto o devedor quanto o terceiro e na verdade o terceiro não integra a relação processual dos embargos de terceiros.

A Súmula 145 do STJ repudia o reconhecimento de fraude contra credores em embargo de terceiros, reforçando a tese de que a via adequada é a ação pauliana.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: isso, mas ainda assim esbarraríamos nos problemas dos limites subjetivos.

Invalidade dos negócios jurídicos vem nos artigos 166 a 184.

Como todos devem se lembrar, a invalidade é o gênero que comporta duas espécies: nulidade absoluta também chamada de nulidade e a anulabilidade também conhecida como nulidade relativa.

As diferenças essenciais são as seguintes:

A primeira é a mais simples e a mais importante de todas. Nulidade absoluta envolve interesse público, anulabilidade interesse particular. Essa é a mais simples e a mais importante das distinções, porque as demais decorrem dessa primeira.

A segunda diferença é a seguinte: como a nulidade envolve interesse público, a nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, pelo MP e pode ser reconhecida de ofício pelo Juiz, art. 168. Quer dizer, a possibilidade de reconhecimento de ofício é uma exceção ao princípio da inércia que se justifica a luz do interesse público. Já a anulabilidade pode ser invocada apenas pelo interessado, art.177.

Outra diferença: nulidade absoluta é irratificável, art. 169, 1ª parte. O art. 169, 1ª parte diz que o negócio jurídico nulo não suscetível de confirmação. Então, as

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partes não podem confirmar o negócio que atenta contra o interesse público. Já a anulabilidade é ratificável, art. 172.

Bom, outra questão e aqui há certa divergência na doutrina. Primeiro ponto: a nulidade produz efeitos ex tunc, quer dizer, a sentença que reconhece a nulidade produz efeitos ex tunc, dentro daquela afirmativa que o ato nulo não produz efeitos.

Em relação a anulabilidade o tema é controvertido. Uma primeira corrente defende que a anulabilidade produz efeitos ex nunc. Essa primeira posição teria embasamento no art. 177, 1ª parte que diz que a anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença. Então, a sentença em tese produziria efeito ex nunc, ela invalidaria o ato apenas dali por diante.

Autores de peso em favor dessa primeira corrente: Caio Mário, Francisco Amaral, Carlos Roberto Gonçalves, Orlando Gomes, Maria Helena Diniz, dentre outros.

Até a algum tempo atrás era uma diferença clássica entre nulidade e anulabilidade. Só que ultimamente vem ganhando cada vez mais espaço uma segunda posição e essa posição defende que o reconhecimento da anulabilidade também produz efeitos ex nunc.

Vamos imaginar que eu venha efetuando sucessivamente pagamentos mediante coação, se adotada a 1ª tese que reconhece efeitos ex nunc, o que aconteceria? A sentença que reconhece a coação moral convalidaria todos os pagamentos anteriormente efetuados. Quer dizer, o que se começou a sustentar é que a produção de efeitos ex nunc seria insuficiente para a proteção da livre manifestação de vontade.

Então, a segunda corrente defende que a produção de efeitos ex nunc seria insuficiente para a proteção da livre manifestação de vontade. Portanto, a segunda corrente defende a produção de efeitos ex tunc e essa posição teria embasamento no art. 182: anulado o negócio jurídico restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achava.

“Anulado” é expressão genérica, abrange tanto nulidade quanto anulabilidade e o 182 diz: anulado, retorno ao status quo ante. Também autores de peso aqui: Silvio Rodrigues, Pablo Stolze, Christiano Chaves, Leonardo Matieto.

A diferença entre a nulidade e a anulabilidade para essa 2º posição não estaria em relação aos efeitos do reconhecimento, os efeitos seriam os mesmos, a distinção estaria no momento que antecede o reconhecimento. Quer dizer, a legitimidade para suscitar a nulidade é diferente da legitimidade para suscitar a anulabilidade.

Como veremos daqui a pouco os prazos são diferenciados, quer dizer, o regime jurídico do reconhecimento é distinto, mas uma vez reconhecida a anulabilidade, os efeitos de tal reconhecimento se equiparariam aos efeitos do reconhecimento da nulidade.

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Outra diferença entre nulidade e anulabilidade é a seguinte: a nulidade absoluta não convalesce pelo decurso do tempo, art. 169, parte final. Quer dizer, quando se afirma que a nulidade absoluta não convalesce pelo decurso do tempo, o que se está afirmando? É a imprescritibilidade da nulidade.

Se vier na prova objetiva dizendo que o ato nulo não convalesce pelo decurso do tempo ou se vier dizendo que o reconhecimento da nulidade é imprescritível está certo, art. 169, parte final.

Se perguntarem numa prova dissertativa, vamos ter que ir um pouco além. Seguinte: essa matéria não era tratada no código de 16. Quando entrou em vigor o código atual, a maior parte dos doutrinadores a época entendia que a nulidade prescreveria no prazo ordinário, a maioria dos autores assim se posicionava.

Porque vejam, se por um lado o reconhecimento da nulidade envolve interesse público, afirmava a maioria da doutrina, a prescrição também, porque a prescrição busca a paz social, evitar a eternização dos conflitos.

Então, quando entrou em vigor o código, vários autores se insurgiram em face da literalidade do código civil e aí surgiu uma posição que hoje vários autores fazem referência do Pablo Stolze.

O Pablo Stolze defende que imprescritível é o reconhecimento da nulidade, mas eventuais pretensões patrimoniais decorrente de tal conhecimento prescrevem. Seguem a posição do Pablo Stolze: Humberto Theodoro Júnior, Gustavo Tepedino.

O que se afirma é que a prescritibilidade das pretensões patrimoniais viriam em harmonia com a necessária segurança jurídica que busca ser estabelecida pelo instituto da prescrição. O que se afirma, dentro dessa posição, é que imprescritível reconhecimento da nulidade e eventuais conseqüências extrapatrimoniais. Eventuais pretensões patrimoniais decorrentes da nulidade se sujeitariam a prazos prescricionais.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: e o Humberto Theodoro Júnior chega dizer o seguinte: imagine que tenhamos um contrato já executado, já cumprido e o prazo para qualquer pretensão patrimonial decorrente daquele contrato nulo já esteja fulminado pela prescrição, dentro dessa segunda perspectiva.

Humberto Theodoro diz que nesse caso ainda que haja imprescritibilidade do ato nulo, se estão prescritas todas as pretensões patrimoniais do contrato já executado, careceria o autor de interesse processual no reconhecimento da nulidade. Ainda que haja imprescritibilidade, não haveria utilidade e necessidade do reconhecimento da nulidade, na medida em que estariam prescritas todas as pretensões patrimoniais daí resultantes.

Pergunta de aluno.

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Resposta do Prof: imprescritibilidade e aí justificaria a imprescritibilidade a dignidade da pessoa humana. Porque o objeto da prescrição são direitos subjetivos patrimoniais.

Já a anulabilidade tem que ser invocada dentro de prazos previstos em lei. Qual é o prazo geral para alegar a anulabilidade? Está no art. 178 e é de 4 anos. Prazo geral por quê? Porque o art. 178 prevê o prazo de 4 anos para as causas gerais de anulabilidade que são a incapacidade relativa e os defeitos do negócios jurídicos.

Muito cuidado com art. 179 que é novidade legislativa, seguinte: o art. 178 prevê o prazo para as causas gerais de anulabilidade, mas obviamente nada impede que o legislador contemple causas específicas de anulabilidade fora das causa gerias.

Para essas causas específicas de anulabilidade nós vamos aplicar o art. 179 e o art. 179 basicamente diz que para essas causas específicas de anulabilidade: presunção relativa de que o prazo é de dois anos. Presunção relativa porque obviamente nada impede que a regra específica, além de contemplar essa causa especial de anulabilidade, também contemple um prazo especial.

Quer dizer, se a regra específica diz que determinado ato é anulável e prevê um prazo x, claro que vamos aplicar o prazo x, mas no silêncio da regra específica quanto ao prazo aplicar-se-á o prazo de 2 anos do art. 179.

Cuidado porque esse art. 179, que prevê o prazo de 2 anos, se encaixa perfeitamente na hipótese do art. 496 que é aquela historia da venda de ascendente para descendente.

Diz o art. 496 que é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Uma das alterações aqui é que o código atual no art. 496 expressamente diz que é anulável, o código anterior não dizia se era nulo ou se era anulável. Quer dizer, é uma causa específica de anulabilidade, o art. 496 não prevê prazo e o prazo será de 2 anos. Nesse sentido Enunciado 368 do Conselho.

Então, faria a remissão do art. 179 para o art. 496 combinado com o enunciado 368 e aí claro faria a remissão no sentido oposto: lá do art. 496 eu faria para o art. 179 do código civil combinado com o enunciado 368.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: aplicável na hipótese do art. 533, II que trata do contrato de troca. Também aplicável no art. 117.

Pergunta de aluno.

Resposta do Prof: o código anterior não dizia se era nulo ou anulável essa venda de ascendente a descendente, então, como o código era omisso, o STF num determinado momento entendia que a hipótese era de nulidade absoluta.

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Antes da Constituição quem enfrentava matéria de última instancia era o STF. A época o STF editou a Súmula 494 que diz que o prazo é de 20 anos, quer dizer, dentro daquela idéia de que a nulidade prescrevia no prazo ordinário.

Só que pós Constituição Federal quem passou a enfrentar matéria em última instancia foi o STJ, matéria de natureza infraconstitucional e o STJ a muito vinha repudiando a Súmula 494 porque ele entendia que a hipótese era de anulabilidade.

O art. 179 acaba por completo sepultando a Súmula 494 do STF, que já tinha sido afastada pela jurisprudência do STJ e o prazo não é mais de 20 anos, mas cuidado que os códigos ainda faz referencia a Súmula.

Vamos começar a enfrentar as principais hipóteses de nulidade absoluta, elas estão nos artigos 166 e 167.

O art. 166, I diz que gera nulidade absoluta o negócio celebrado por pessoa absolutamente incapaz. A ressalva aqui ao negócio praticado por absolutamente incapaz qual é? Teoria do ato fato.

O inciso II também não traz grandes questões, ele fala do objeto ilícito, impossível ou indeterminável, já vimos essa questão no momento anterior.

O inciso III traz uma novidade. O inciso III diz: o motivo determinante comum a ambas as partes for ilícito. Quer dizer, se caísse numa prova dissertativa, primeira coisa é lembrar da diferença motivo e causa. Motivo as razões subjetivas e a causa os efeitos mínimos necessários a configuração de um negócio jurídico.

É importante essa regra por quê? Porque a regra geral é de que o motivo não tem repercussão jurídica justamente por envolver razão de natureza subjetiva e o art. 166 inciso III é uma das exceções a essa afirmativa geral, porque no art. 166, III o motivo passa a ter repercussão jurídica.

Só que o que a doutrina costuma afirmar aqui é o seguinte: no art. 166, III esse motivo determinante ele é comum a ambas as partes porque em regra o motivo não tem relevância jurídica por quê? Princípio da confiança, legítima expectativa. Só que aqui o motivo ilícito é comum a ambas as partes, então quando o motivo acaba sendo comum a ambas as partes, o motivo acaba integrando o próprio conteúdo do negócio jurídico.

Então, alguns exemplos trazidos pela doutrina seriam os seguintes: o mútuo para a prática de jogo proibido, claro que é pressuposto a esse exemplo que o mutuante saiba que está emprestando para jogo proibido; locação para casa de prostituição; doação para recompensar a prática de ato ilícito.

Então, obviamente como o art. 166, III o motivo é comum a ambas as partes não há porque se cogitar de principio da confiança.

Pergunta.

Resposta: vamos colocar para jogo não autorizado, por exemplo...

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Pergunta.

Resposta: aí acaba gerando uma certa polêmica porque olha só: o jogo não autorizado traz que conseqüência? Obrigação natural e não há responsabilidade, mas há o débito.

Então, na verdade o jogo não autorizado ele não representa verdadeira ilicitude stricto sensu, na verdade o que o ordenamento jurídico afasta é a exigibilidade de eventual dívida decorrente de jogo não autorizado. Porque se jogo não autorizado fosse efetivamente ilícito stricto sensu na verdade não haveria sequer débito resultante de tal prática.

Tanto é que a doutrina, nós vamos ver mais adiante, tanto a doutrina quanto a jurisprudência em relação a divida de jogo dividem muito bem: divida de jogo regulamentada, que é exigível judicialmente, tem até um Informativo do STJ que vamos ver mais adiante. Existe a dívida de jogo não autorizado aí sim obrigação natural e a dívida de jogo proibido.

A divida de jogo proibido sim é reconhecidamente um ato um ilícito e conseqüentemente não há nem débito e nem responsabilidade, quer dizer, como a conseqüência da dívida de jogo não autorizado é obrigação natural e o ordenamento jurídico reconhece a existência do débito, mas não da responsabilidade, quer dizer, é plenamente sustentável que neste caso nós não teríamos uma finalidade ilícita propriamente dita, a não ser que o jogador seja um menor e aí temos uma sistemática própria envolvendo a proteção tanto de jogo proibido quanto de mútuo envolvendo o interesse de menor.

Pergunta.

Resposta: mas aí a conseqüência não seria a nulidade do art. 166, III. Não aplicaríamos esse artigo, vamos aplicar uma regra especial que tem lá na parte de contrato de mútuo, te digo depois, tem uma regrinha específica lá no contrato mútuo para prática de jogo.

Prosseguindo, muito importante como causa de nulidade absoluta, o instituto da fraude a lei que está no art.166, VI. A fraude a lei é novidade como causa de nulidade absoluta. Ela não constava no código de 16 e uma das características primordiais da fraude a lei é a chamada aparência de licitude.

Na fraude a lei, o ato encontra um aparente respaldo numa determinada regra jurídica. Entretanto, mediante interpretação sistemática, se percebe que aquele ato colide com outros interesses de ordem pública protegidos pelo sistema. Quer dizer, o sujeito pratica um ato que aparentemente se amolda a uma determinada regra, mas numa interpretação sistemática se percebe que aquela interpretação literal acaba atingindo outros interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.

Exemplo clássico da doutrina, art. 549. Quem tem herdeiros necessários só pode doar metade. Então, o art. 549 está dizendo que quem tem herdeiros necessários só pode doar a metade, diz o 549 o seguinte: nula é também a doação quanto a parte

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que exceder a de que o doador no momento da liberalidade poderia dispor em testamento.

Então, o sujeito que tem um filho, por exemplo, não pode doar além da metade do seu patrimônio, diz o art. 549, no momento da liberalidade.

Vamos supor que o sujeito tenha 500 em patrimônio e tenha um filho. O que ele faz? Ele doa 250, respeitou o art. 549. Um mês depois ele tem 250 e aí ele doa 125, respeitou o art. 549 e vai fazendo isso sucessivamente.

Numa interpretação literal, todas essas doações respeitaram o art. 549 porque no momento da liberalidade ele apenas dispôs de metade, só que essas sucessivas doações são praticadas em fraudes a lei, porque essas sucessivas doações atentam contra a legítima dos herdeiros necessários.

Outro exemplo: art. 1.301, direito de vizinhança. Diz o art. 1.301, caput: é defeso abrir janelas ou fazer eirado, terraço ou varanda a menos de metro e meio do terreno vizinho. O objetivo da regra é resguardar intimidade, privacidade.

Aí o parágrafo 2º diz assim: as disposições desse artigo não abrangem as aberturaras para luz ou ventilação, não maiores de 10 cm de largura sobre 20 de comprimento e construídas a mais de 2 metros de altura de cada piso.

O que o sujeito faz? Ele faz 50 aberturas uma do lado da outra e aparentemente aquela conduta se amolda ao §2º, mas é uma conduta em flagrante fraude a lei, porque ela atenta contra os interesses resguardados pelo caput.

Outro exemplo de um instituto que veremos bem mais adiante: direito de superfície. Vamos ver que esse tipo de direito é tratado tanto no código civil quanto no estatuto da cidade, mas no código civil o direito de superfície tem que ser por prazo determinado, art.1369. Vamos ver que no estatuto da cidade pode ser por prazo determinado ou indeterminado.

Qual é o objetivo do legislador ao determinar prazo determinado para o direito de superfície? É evitar a perpetuidade, na verdade o legislador buscou claramente diferenciar o direito da superfície da enfiteuse cuja característica é a perpetuidade.

Vamos supor que as partes convencionem o direito de superfície por prazo determinado de 600 anos, fraude a lei. Há uma aparência de licitude, entretanto essa aparência de licitude colide com os interesses protegidos pela norma.

Então, o grande cuidado aqui é nós não usarmos a fraude a lei de maneira atécnica, porque muita gente usa a fraude a lei para situações em que há uma frontal violação ao ordenamento jurídico e na verdade a fraude a lei se diferencia do ato ilícito propriamente dito.

Quer dizer, no direito do trabalho, por exemplo, as falsas cooperativas talvez representem um exemplo de fraude a lei, há uma aparência de licitude que busca na verdade afastar o vínculo empregatício.

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Pergunta.

Resposta: a fraude a lei se parece muito com abuso, porque no abuso do direito também não há uma vedação frontal do direito positivo porque no abuso o sujeito exerce um direito em desarmonia com os valores do sistema. Em muitas situações, abuso e fraude a lei caminharão lado a lado, mas nem sempre porque uma característica a fraude a lei é justamente essa aparência de licitude.

O Pontes de Miranda traz uma definição que eu acho que equaciona bem a sua pergunta, ele diz que na fraude a lei o sujeito se utiliza da lei para violar a própria lei. Quer dizer, é da essência da própria lei que aquela conduta se amolde aparentemente a um determinado preceito normativo, requisito esse que não é exigido para configuração do abuso de direito. Quer dizer, na fraude a lei há sempre um aparente dispositivo legal que dá suporte aquela conduta e esse requisito obviamente não se exige para o abuso. No abuso, podemos ter uma hipótese que o ordenamento jurídico não preveja qualquer solução, mas haja uma limitação principiológica, por exemplo.

Então, na verdade, seriam institutos parecidos, mas que nem sempre caminham lado a lado.

Por exemplo: a teoria do adimplemento substancial que vimos aqui como exemplo da abuso. O pedido de resolução, na verdade entra como abuso do direito, ele aparentemente encontra amparo em determinada regra jurídica, mas a limitação decorre do princípio da boa fé objetiva, não há uma manipulação inadequada em relação ao ordenamento jurídico.

Quer dizer, na fraude a lei o Ponte de Miranda quer ressaltar que o sujeito se vale de determinada regra para alcançar objetivos que o ordenamento jurídico não efetivamente deseja em relação aquele dispositivo legal.

Para prova objetiva vale a pena nós olharmos o art. 166, VII (mais para prova objetiva ou oral). O art. 166, VII diz: a lei taxativamente o declarar nulo ou proibir-lhe a prática sem cominar sanção.

A 1ª parte do inciso VII traz a chamada nulidade expressa ou textual. Alguns exemplos: artigos 497, 548, 549, 762, 1860, 1863, 1867 e 1900.

Agora a parte final é que chama mais atenção “ou proibir-lhe a prática sem cominar sanção”. Essa é a chamada nulidade virtual ou implícita. Então, nessas hipóteses o código usa expressão como: não deve, não pode, não se admite. Exemplos: artigos 380, 426, 483, 485 e 547.

Esse último art. é o art. 547, §único que é aquela história de doação com cláusula de reversão em que o doador transfere para o donatário e aí o doador diz “olha donatário se você morrer antes de mim, os bens voltam para mim” e aí o §único do art. 547 diz assim: não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiros. “Não prevalece”, o legislador proibiu sem combinar sanção. Nulidade virtual.

Simulação, art. 167.

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Na simulação há uma declaração enganosa de vontade em conluio com o declaratário... Esse conluio entre declarante e declaratário é chamado de pactum simulationis. Então, declaração enganosa de vontade em conluio com o declaratário com o objetivo de enganar terceiro havendo um negócio meramente aparente.

Um exemplo clássico de simulação: art. 550. O art. 550 diz que a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge ou por seus herdeiros necessários até 2 anos depois de dissolvida a sociedade conjugal. Essa doação é anulável.

O que o sujeito faz? Para se esquivar aos efeitos do art. 550, em conluio com a amante, ele faz uma compra e venda que busca esconder a doação, exemplo típico de simulação.

Outro exemplo: locador e locatário. O locador está doido para despejar o locatário, mas não tem razão plausível, o contrato está em curso e o locatário vem cumprindo as obrigações contratuais. Qual seria o mecanismo para viabilizar o despejo? A venda simulada, quer dizer, o locador faz uma simulação em relação ao contrato de compra e venda com o adquirente, ambos em conluio com que objetivo? Viabilizar o despejo por parte do terceiro adquirente. Se o contrato de locação não estiver averbado junto ao registro, o adquirente não é obrigado a respeitar o contrato de locação, art. 8º da lei de locações.

Pensão alimentícia é suscetível de dedução do imposto de renda. Quer dizer, há casais que simulam separação judicial e divórcio com o objetivo de fixação de alimentos para dedução no imposto de renda.

A Simulação pode ser absoluta ou relativa. Na Simulação absoluta há apenas o negócio simulado e o negócio simulado é o negócio aparente. Já na Simulação relativa há o negócio simulado e também o dissimulado. O simulado é o aparente e o dissimulado é o negócio que corresponde a real intenção das partes.

Então, aquele exemplo da compra e venda para a amante que busca esconder a doação é exemplo típico de simulação relativa. O negócio simulado, aparente é a compra e venda e o negócio dissimulado é a doação.

Já a venda do imóvel para facilitar o despejo seria um exemplo típico de simulação absoluta.

Outra classificação e nós vamos conjugar as duas é a seguinte: a simulação pode ser maliciosa ou inocente...

Pergunta.

Resposta: na simulação relativa nós temos o negócio dissimulado que é o aparente, mas na verdade esse negócio dissimulado, aparente, ele busca na verdade esconder a real intenção das partes que na verdade corresponde a outro negócio que não fora declarado.

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A compra e venda para a amante, por exemplo, na verdade busca esconder a doação. Na verdade nós temos, entre aspas, dois negócios aparentes que é o de fachada (compra e venda), mas na verdade aquele negócio de fachada busca esconder o negócio jurídico doação que corresponde a real intenção das partes. Então na verdade a simulação relativa pressupõe essa dualidade de negócios, o aparente e o dissimulado.

Então, a simulação ela pode ser maliciosa ou inocente. A simulação maliciosa é aquela que tem por efeito atingir interesse juridicamente protegido de terceiro, ao passo que a simulação inocente, a contrario sensu, não atinge interesse jurídico de terceiro.

Exemplo típico de simulação inocente: vamos imaginar uma pessoa pública que tem determinado relacionamento amoroso e quer manter esse relacionamento sem qualquer divulgação. O sujeito não tem herdeiros necessários, livre desimpedido e quer fazer uma doação para a namorada só que a doação tornaria público o relacionamento. Então, eles fazem uma compra e venda que busca esconder a doação.

Claro que isso é exemplo típico de simulação inocente no direito civil, mas que trás reflexos no direito tributário. Se for compra e venda, o tributo é municipal e se for doação o tributo é estadual.

Esse é um exemplo de simulação inocente e relativa porque há uma compra e venda que busca esconder a doação.

Outro exemplo: imagine um parente seja o único da família que tenha bens, a todo momento ele é instado a ser fiador dos familiares e o que ele faz? Uma simulação de venda de seus bens com o único objetivo de ser constantemente instado pelos familiares, quer dizer, uma simulação inocente e absoluta. Temos aqui, portanto classificações distintas.

Uma questão pertinente é a seguinte: a dúvida é se a simulação inocente é invalidante. Se perguntarem isso, é inevitável fazermos uma análise comparativa com o código anterior porque no art. 104 do código de 16, o legislador exigia para configuração da simulação o prejuízo a terceiro.

No código atual, o art.167 suprimiu tal elemento, ele em nenhum momento exige a intenção de prejudicar outrem. Quer dizer, o que a doutrina vem afirmando é que no código de 16 o que gerava a anulabilidade da simulação era o prejuízo a terceiro, se houvesse prejuízo a terceiro aquele terceiro atingido poderia invalidar o negócio.

No código atual, o que gera a invalidação da simulação não é o prejuízo a terceiro, o que gera a invalidação é a simples divergência entre a vontade declarada pelas partes e a vontade real.

Parece inclusive fazer sentido, era anulabilidade por quê? Interesse particular, prejuízo a determinada pessoa. Na medida em que a simulação passa a ser causa de nulidade a matéria passa a ser de ordem pública. Não seria razoável, mas vai que uma

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matéria é de ordem pública porque ela simplesmente decorre de um prejuízo a determinada pessoa, quer dizer, a hipótese é de nulidade devido a essa divergência intencional entre aquilo que se declara e aquilo que se pretende, porque essa divergência intencional atinge a eticidade nas relações jurídicas.

Nesse sentido Enunciado 152 que diz: toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante.

Vamos tomar cuidado aqui com o seguinte: vamos ao art. 167. Se conjugarmos as duas classificações fica fácil entender o art. 167, diz lá: é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou se valido for na substancia e na forma.

Bom, para aplicar a parte final do art. 167 fica claro que a simulação tem que ser absoluta ou relativa? Tem que ser relativa porque o código fala “é nulo o negócio dissimulado, mas subsistirá o que se dissimulou”.

Então, a primeira premissa é que a simulação seja relativa, tem que ter o simulado e o dissimulado e aí diz “subsistirá o que se dissimulou se válido for na substancia e na forma”. Quer dizer, vai ser válido o dissimulado se o dissimulado for válido na substancia e na forma, e quando que o dissimulado vai ser válido na substancia e na forma? Quando não atingir interesse juridicamente protegido de terceiros. Então a premissa para aplicar o art. 167 parte final é que a simulação seja relativa e inocente.

Simulação inocente é invalidante sim, mas a invalidação da simulação inocente pode eventualmente gerar subsistência do negócio dissimulado se a simulação inocente for relativa. Então, art. o 167 parte final, que parece confuso, pressupõe simulação relativa e inocente.

Pergunta.

Resposta: isso. Haveria nulidade do negócio simulado, qual seja, a compra e venda e o aproveitamento do negócio dissimulado, qual seja, a doação.

Dá para perceber que o art. 167 parte final, que permite em tese o aproveitamento do negócio dissimulado, vem em harmonia com o princípio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos.

Pergunta.

Resposta: ação judicial. Aqui, me parece que a via adequada seria a tutela jurisdicional, quer dizer, a simulação pode ser suscitada através dos mecanismos que vimos e aí se facultaria a possibilidade de suscitar a preservação do negócio dissimulado pela via jurisdicional, quer dizer, extrajudicialmente me parece inadequada a possibilidade.

Pergunta.

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Resposta: sem dúvida e inclusive aqui a simulação em matéria tributária ela tem uma peculiaridade, o art. 116, §único do CTN diz que em sede de matéria tributária a simulação ela gera ineficácia em relação a Fazenda Pública. Quer dizer, a própria autoridade administrativa ela pode desconstituir determinados atos objeto de simulação.

Pergunta.

Resposta: então na verdade o art. 116 do CTN prevê a possibilidade justamente de encarar a simulação para uma causa de ineficácia relativa e não propriamente de invalidação. Quer dizer, o efeito prático é que a simulação aqui, ela pode ser delatada pela Fazenda Pública pelo curso do próprio procedimento fiscal, por exemplo, tem um regime jurídico específico.

Pergunta.

Resposta: o enunciado 152 é o seguinte: ele diz que toda simulação inclusive a inocente é invalidante, mesmo quando ela for relativa, se for absoluta é isso mesmo invalida e ponto final, se ela for relativa, o que vai acontecer? A simulação inocente ela vai invalidar o negócio simulado e vai prestigiar o dissimulado, quer dizer, haveria a invalidação apenas do negócio aparente, mas haveria o aproveitamento do dissimulado.

Pergunta.

Resposta: se no caso da simulação inocente absoluta haveria uma hipótese de dizer que há nulidade independentemente de invalidação, de prejuízo? Eu evitaria afirmar isso, numa prova de civil principalmente, por quê? Porque dentro de uma nova ótica principiológica o prejuízo decorrente da simulação não envolve interesse específico de terceiro. O prejuízo decorrente da simulação está em relação a necessária observância da eticidade nas relações privadas, por isso inclusive que a tendência hoje da doutrina é no sentido de afirmar que a simulação inocente ainda que não cause prejuízo a ninguém efetivamente ela gera invalidação, porque esse conluio entre as partes gerariam prejuízo a ordem pública, quer dizer, essa seria a perspectiva hoje mais atualizada, por isso eu evitaria essa afirmação.

Pergunta.

Resposta: se for absoluta inocente o que vai acontecer? Vai anular e ponto final, não vai produzir efeito, entre aspas, algum. Agora, se for inocente e relativa aí vai aproveitar o dissimulado.

Vamos lembrar aqui de um tópico que já vimos em aulas anteriores? Mas só para ficar consignado no caderno. É o seguinte: a simulação pressupõe conluio entre declarante e declaratário, pode uma parte em conluio alegar simulação contra a outra? Vamos lembrar do seguinte: já chegamos a fazer alusão a tu quoque. Basicamente na tu quoque se eu violo determinada regra X não posso exigir que a outra pessoa cumpra aquela mesma regra que estou transgredindo.

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A tu quoque inclusive inspirou a sistemática do dolo recíproco do art. 150, se ambas as partes agem dolosamente nenhuma delas pode alegar o dolo em face da outra. Está atrelada a idéia de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Nós vimos que no código de 16 havia uma regra idêntica ao dolo recíproco só que para simulação, era no mesmo artigo 104 do código de 16: nenhuma das partes em conluio na simulação pode suscitar simulação em face da outra.

Só que nós vimos que nosso código atual é omisso, ele não reproduziu essa regra do legislador de 16 e aí qual é grande risco que corremos? É dizer que, apesar do silencio do código, a solução seria a mesma por conta da tu quoque, por conta da boa fé objetiva.

Só que não é e por quê? Por que não dá para aplicar tu quoque na simulação? Porque houve uma mudança na natureza jurídica da simulação, ela era causa de anulabilidade e agora passou a ser causa de nulidade absoluta, ou seja, há interesse público no reconhecimento da simulação.

Tem até um enunciado sobre o tema, que é o Enunciado 294 do Conselho que afirma lá que sendo a simulação uma causa de nulidade pode qualquer das partes alegá-la contra a outra.

Então, inaplicável aí a tu quoque por conta da mudança na natureza jurídica da simulação, nulidade absoluta.

INTERVALO.

Vamos prosseguir com a simulação, com um ponto delicado que é o seguinte: não confundir simulação com o chamado negócio fiduciário e negócio indireto. No negócio fiduciário, as partes se utilizam de um tipo contratual de efeitos mais amplos do que o tipo usualmente adotado para o atingimento de determinada finalidade.

Exemplo: vamos supor que eu seja um empresário, vou passar seis meses fora e preciso transferir os poderes de administração a outra pessoa. Em tese, do que as partes se valem para isso? Mandato.

Vamos supor que meus empregados sejam absolutamente insubordinados e se aquele sujeito que for administrar o meu negócio se apresentar como mandatário o negócio vai desandar. Então, ao invés de celebrar o contrato de mandato o que podem as partes fazerem ai? Um contrato de compra e venda e na verdade por esse contrato de compra e venda haverá a transferência da propriedade resolúvel.

Então, na verdade o sujeito vai transferir a propriedade, vai celebrar um contrato de compra e venda e aquele sujeito que vai administrar o negócio ele não vai se apresentar como mandatário, ele vai se apresentar como titular da pessoa jurídica e claro que nesse contrato vai constar a obrigação dele de restituir o bem ao término dos seis meses.

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Percebam que nesse caso as partes celebraram um contrato de compra e venda com o objetivo da transferência dos poderes de administração. Quer dizer, as partes celebraram um contrato de compra e venda de efeitos econômicos muitos mais abrangentes do que a própria finalidade por elas objetivada. A finalidade objetivada era tão somente apenas a transferência dos poderes de administração, exemplo típico de negócio fiduciário.

Outro exemplo que a doutrina traz: na alienação fiduciária em garantia, a grosso modo o que acontece aí? Quero comprar um carro e não tenho dinheiro e aí eu celebro contrato de mútuo. Para garantir o contrato de mútuo, o que eu faço? Transfiro a propriedade fiduciária. Quer dizer, é uma transferência de propriedade que tem por objetivo a mera garantia.

Então, na verdade, tem uma síntese muito bem trazida por Arnaldo Rizzardo quando trata do tema e ele diz que no negócio fiduciário o meio excede o fim, por quê? Porque o meio utilizado pelas partes é muito maior do que a própria finalidade por elas objetivada.

O oposto acontece no chamado negócio indireto. No negócio indireto, as partes se utilizam de um tipo contratual de efeitos menores do que o tipo usualmente adotado para o atingimento de determinada finalidade.

Um exemplo que sempre cai é o mandato em causa própria do art. 685, como acontece no mandato em causa própria a grosso modo? Eu quero vender um imóvel para ela, vamos imaginar que eu esteja fora daquela localidade por 06 meses, se eu quero transferir a propriedade o tipo adotado é a compra e venda.

Só que nada impede que eu proprietário e alienante celebre um contrato de mandato com o adquirente e através desse contrato de mandato eu vou outorgar poderes a ela para que ela adote todas as providencias necessárias na transmissão da minha propriedade em favor dela.

Vejam que nesse caso no mandato em causa própria as partes celebram contrato de mandato que tem por objetivo a transferência de propriedade. Quer dizer, as partes se valem de um tipo contratual menor, qual seja, o mandato com o objetivo de atingir a verdadeira transferência de propriedade.

Primeiro, cuidado aqui com uma pegadinha: lembram da usucapião ordinária? Justo título e boa fé, art.1242. Cuidado que o mandato em causa própria pode representar justo título para fins de usucapião ordinária, vamos ver isso mais adiante. Quer dizer, se houver um mandato em causa própria, se o mandante não for o dono, o mandatário poderá alegar eventualmente usucapião ordinária, justo título e boa fé.

E aí sem ler o art. 685, o que vou dizer agora cai muito em prova objetiva. O mandato em regra ele não é um contrato personalíssimo? Extingue com o falecimento, o mandatário tem que prestar conta, mandato é um contrato intuito personae. Por que o mandato em regra é intuito personae? Porque o mandato gera transferência dos poderes de administração que pressupõe uma relação especial de confiança.

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Só que o mandato em causa própria traz que efeito? Não é a transferência dos poderes da administração, o mandato em causa própria traz como efeito a transferência de propriedade. Qual é a causa do mandato em causa própria?É a transferência de propriedade.

Então, na verdade contratos que envolvem transferência de propriedade não são personalíssimos, por isso o art. 685 diz lá: conferido o mandato com a cláusula em causa própria a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar conta e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato obedecido as formalidades legais.

Quer dizer o mandato em causa própria não se extingue com a morte de qualquer das partes, ele é irrevogável e o mandatário não tem que prestar contas e por quê? Porque a causa do mandato em causa própria é a transferência de propriedade e não a mera transferência dos poderes de administração. Lembrando de que quando falo em causa, estou falando dos efeitos inerentes ao contrato.

Pergunta.

Resposta: o art. 685? Não, o legislador anterior já previa, o que há agora de claro e evidente é a necessária observância da forma, do ato a ser praticado. Então, se for mandato em causa própria para transferência de imóvel, o mandato necessariamente vem por instrumento público.

Pergunta.

Resposta: para direito intertemporal acerca de validade temos uma regra específica que é do art. 2035 que diz que a validade dos atos anteriores se subordina as regras anteriores. Então, na verdade se o ato a época respeitou as formalidades de então, aquele ato produz validamente seus efeitos.

Aqui, na verdade vamos ver um pouquinho mais adiante, é o princípio da retroatividade mínima que está no art. 2035, então se eu obedeci a legislação da época em tese qualquer situação fática permanece a validade e a validade imposta agora pelo código obedece aos novos preceitos, é a retroatividade mínima. Tem uma exceção no parágrafo único quando a matéria é de ordem pública, vamos ver mais adiante.

Pergunta.

Resposta: a hipótese não seria de contrato consigo mesmo e se isso não gera anulabilidade? O contrato consigo mesmo está no art. 117 que diz: salvo se o permitir a lei ou representado, é anulável o negócio jurídico em que o representante no seu interesse ou por conta de outrem celebrar consigo mesmo. Quer dizer, o art. 117 proíbe, em tese, que o mandatário celebre negócios jurídicos em seu próprio nome e ao mesmo tempo em nome do mandante. Quer dizer, ele proíbe que o mandatário compre aquele imóvel, objeto do mandato, quer dizer, outorgo poderes a ele para vender o imóvel a um terceiro e aí o art. 117 está dizendo que é anulável se ele

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comprar aquele imóvel em seu próprio nome. Só que o art. 117 diz “ressalvadas as previsões legais”, então entra na exceção do art. 685. Vamos ver com calma mais adiante.

Agora voltando aqui a questão, olha só: simulação não parece com negócio fiduciário, negócio dissimulado? Se parece bastante. Só que na simulação, há uma divergência intencional entre a vontade declarada e a vontade real dos contratantes. Quer dizer, a finalidade das partes ela não está explicitada pelo contrato.

No negócio fiduciário e no negócio indireto as partes se utilizam de um determinado tipo buscando alcançar efeitos que não lhe são próprios. Quer dizer, é um mandato que busca transferir a propriedade, é a compra e venda que busca transferir poderes de administração, quer dizer, o efeito perseguido pelas partes é diverso do efeito típico do negócio.

Só que a diferença é que no negócio fiduciário e indireto há apenas uma utilização do tipo em desarmonia com seus efeitos próprios. Mas na verdade tanto no negócio fiduciário quanto no negócio indireto aquilo que é exteriorizado pelas partes corresponde a realidade.

O que está dito lá no primeiro exemplo em que eu transfiro a propriedade resolúvel, está dito lá o que? Que haverá transferência da propriedade resolúvel dentro daquele prazo de seis meses. O que as partes querem é efetivamente a transferência da propriedade resolúvel, elas apenas se utilizaram de um tipo negocial que traz um efeito usualmente diverso daquele adotado.

Quer dizer, no negócio fiduciário e no negócio indireto não há qualquer tipo de simulação em tese, porque no negócio fiduciário e no negócio indireto o efeito pretendido pelas partes corresponde aquilo que elas declararam. Só que na verdade elas buscam aquele efeito nitidamente declarado através de um tipo negocial que usualmente tem uma finalidade distinta.

Quer dizer, não há nenhum conluio no negócio fiduciário e no negócio indireto para prejudicar terceiros, as partes claramente usam determinado tipo para obtenção de um resultado que ela efetivamente pretendem. Quer dizer, em termos práticos no negócio fiduciário, no negócio indireto há uma efetiva transferência de propriedade, dos poderes de administração, não há nenhum conluio com o objetivo de enganar terceiros ou de esconder a real intenção das partes envolvidas.

Entre aspas eu diria o seguinte: o negócio fiduciário e no negócio indireto está dentro da esfera do princípio da autonomia privada, porque as partes na verdade elas se utilizam de um determinado tipo previsto em lei para a obtenção de um resultado distinto daquele efeito tradicional. Só que elas se utilizam mediante acordo de vontade e sem estabelecer qualquer tipo de maquiação em relação a real intenção das partes.

É diferente da simulação, ela escapa o princípio da autonomia privada, por quê? Porque na simulação há um conluio para prejudicar terceiros, a real intenção das partes não corresponde aquilo que fora declarado.

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Pergunta.

Resposta: muito parecido, mas também diferentes, quer ver um exemplo de simulação inocente? Parece muito porque a simulação inocente ela não prejudica terceiro. Só que na simulação inocente, apesar de não haver prejuízo a terceiro, a vontade declarada pelas partes não corresponde com a vontade real.

Vamos imaginar que nós dois sejamos amigos de longa data e sejamos empreiteiros, eu renomado e você iniciante e aí vamos supor que eu tenha uma máquina de grande porte que é indispensável a obtenção de determinada obra que você está na iminência de celebrar o contrato.

O que as partes fazem aqui? Fazem uma simulação inocente, há uma simulação, no sentido de que estou transferindo a propriedade desta máquina para você, com que objetivo? Com o objetivo de viabilizar a celebração do contrato com você e aí vejam bem, por que aqui é simulação e não é negócio fiduciário ou indireto? Porque a real intenção das partes não é celebrar a compra e venda, a real intenção das partes é a celebração do contrato de comodato, a vontade declarada não corresponde a vontade real. Não há apenas a utilização de um tipo negocial previsto em lei com efeitos diferentes, porque na verdade aquele efeito efetivamente desejado pelas partes ele não foi exteriorizado.

Isso inclusive pode trazer efeitos práticos, vamos supor que você termine a obra e não restitua e o negócio aparente foi a compra e venda. Vejam que para o alienante vai surgir o interesse em suscitar a nulidade da simulação inocente e relativa e aí qual vai ser o interesse? Reconhecer como nula a compra e venda e garantir a subsistência da validade com contrato de comodato, essa lógica não se aplica no negócio fiduciário indireto, por quê? Porque a vontade real das partes ela foi exteriorizada no contrato, ela corresponde a vontade real.

Quer dizer, quando eu faço mandato para transferir a minha propriedade para ela, eu estou me utilizando do mandato com o objetivo de transferência de domínio e essa intenção transferência de domínio ela consta claramente do negócio jurídico.

Pergunta.

Resposta: qual seria a diferença? Lá tem que ficar claro que estou transferindo a propriedade resolúvel e com a consistência de propriedade resolúvel vai ficar claro que aquela propriedade do adquirente ela é temporária, diferentemente dessa hipótese em que é uma suposta transferência de propriedade definitiva, quando a real intenção das partes é o comodato e não a efetiva transferência de domínio.

Na simulação há uma divergência intencional entre aquilo que se declara e aquilo que se pretende. Já no negócio fiduciário ou negócio indireto as partes apenas se utilizam de um tipo negocial com efeitos distintos.

Tem um ponto aqui, vamos registrar aqui o seguinte: vejam que no caso de simulação é possível que haja prejuízo a credores. Quer dizer, lembra aquela história em que eu tenho um monte de parente que fica me pedindo para ser fiador e eu fico

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me esquivando de tais pedidos? O que eu faço? Simulo uma compra e venda e quando simulo a compra e venda dos meus bens a terceiros eu não posso estar me conduzindo a insolvência?

E aí passamos a ver um elo, uma aproximação muito grande entre simulação e fraude contra credores e como vamos saber quando é simulação ou fraude contra credores? Na simulação tem que haver conluio, o negócio é meramente aparente, é de fachada e na fraude contra credores, a alienação por si só é válida, o que vai gerar a invalidação da alienação é o prejuízo aos credores.

Então, o pressuposto para a fraude contra credores é que o ato de alienação por si seja válido, não haja nenhum tipo de maquiação, quer dizer, a intenção é realmente transferir a propriedade a outrem. Se essa transferência de propriedade atinge os credores, anulabilidade, interesse particular dos credores.

Agora, se essa alienação se dá através de conluio, a alienação não corresponde a realidade, a hipótese aplicável passa a ser a de simulação e hoje isso traz efeitos práticos primordiais, porque a simulação agora gera nulidade absoluta.

Pergunta.

Resposta: se houver conluio com o objetivo de obter resultado diverso daquele pretendido, porque pode ser que o adquirente esteja de má fé em que sentido? Ele queira realmente comprar, mas ele está de má fé porque ele sabe da insolvência do devedor, ele estará de má fé e o regime aplicado vai ser o da fraude contra credores.

Vamos sair da simulação, vamos tratar de um tema que vem caindo sistematicamente que é a conversão do ato nulo.

Conversão do ato nulo está no art. 170. Art. 170 diz: se, porém o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistira este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido se houvessem previsto a nulidade.

Quais são as premissas do art. 170? Primeiro que haja a celebração de um negócio nulo. Outro aspecto é o seguinte: todos nós sabemos que há inúmeros tipos negociais no ordenamento jurídico. Tem compra e venda, tem doação, tem comodato e outros inclusive não previstos, porque os contratos podem ser típicos ou atípicos.

A premissa para a conversão é que o negócio seja nulo em relação ao tipo escolhido pelas partes. Quer dizer, vamos supor que tenhamos tipos negociais de A a Z e as partes escolheram o tipo A, o negócio vai ser nulo em relação aquele tipo A escolhido pelas partes.

Só que temos negócios de A a Z e se por ventura as partes ao invés de terem escolhido o tipo A tivessem optado pelo tipo C, que também é previsto pelo ordenamento, aquela mesma vontade emitida seria válida. Quer dizer, o negócio é nulo

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em relação aquilo que as partes declararam, mas seria válido se as partes tivessem optado por outro tipo negocial.

Já está começando a delinear que idéia aí? Que com o art. 170 se permite a conversão do tipo negocial nulo A para o tipo negocial C que é aquele que em tese seria válido caso as partes tivessem por ele optado.

Só que para caber essa conversão é preciso que haja compatibilidade de vontades, seria o terceiro e último requisito, que haja a compatibilidade de vontades.

Qual o exemplo que já caiu na magistratura federal, PGE, já caiu em várias situações? O exemplo que normalmente cai é a compra e venda de imóvel nula por vício de forma, quer dizer, compra e venda de imóvel por instrumento particular.

Ressalvadas as exceções legais, compra e venda de imóvel por instrumento particular nulidade absoluta, o art. 108 exige instrumento público. O que se afirmaria antes do código atual? A compra e venda é nula e o ato nulo não produz efeitos.

Só que a nulidade da compra e venda ocorre do que? Da adoção do instrumento particular, o problema é de ordem formal. E percebam que o ordenamento jurídico prevê um outro tipo negocial parecido que é o compromisso de compra e venda que admite instrumento particular no art. 1.417.

A última pergunta que temos que fazer é: a vontade de vender é compatível com a vontade de prometer vender? Sim, em havendo essa compatibilidade qual é o resultado? A compra e venda nula por vício de forma pode ser convertida no compromisso de compra e venda.

Os efeitos práticos são extraordinários porque se antes nós diríamos que a compra e venda nula não produziria efeitos agora aquela compra e venda vai produzir os efeitos típicos de um compromisso de compra e venda e cabe em tese a adjudicação compulsória.

Pergunta.

Resposta: 1ª que o negócio seja nulo, 2ª que o negócio seja nulo em relação aquilo que as partes declararam, mas seria válido se as partes tivessem optado por outro tipo negocial.

Outro exemplo: a hipoteca e o título de crédito nulos. É possível que a hipoteca e o título de crédito nulos venham a ser convertidos num instrumento de confissão de dívida, quer dizer, a hipoteca nula, o tipo de crédito nulo vai produzir os efeitos típicos de uma confissão de dívida.

Outro exemplo tradicional: a alienação de usufruto. O art. 1.393, 1ª parte diz assim: não se pode transferir usufruto por alienação. Nulidade virtual, “não se pode”, o legislador proibiu sem combinar sanção. Art. 166, VII, parte final.

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Então, é nula a alienação de usufruto, aí vem a 2ª parte e diz: mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso. Quer dizer, a alienação de usufruto pode ser convertida na sessão do seu exercício.

Pergunta.

Resposta: aí vai depender. Se a alienação, por exemplo, de usufruto foi gratuita, haveria conversão a princípio para o contrato de comodato. Se fosse oneroso, o que normalmente não, é haveria conversão para locação. A conversão vai depender da origem do ato de alienação.

O que dá para perceber? Dá para perceber que a conversão do ato nulo é uma exceção a regra de que o ato nulo não produz efeitos e que se inspira no princípio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos. O art. 170 se inspira no princípio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos, excepcionando, portanto a afirmativa de que o ato nulo não produz efeitos.

Tem outro exemplo muito bom, não sei se vocês estão lembrados do art. 191 que prevê a renuncia da prescrição, só que o art. 191 diz que não se admite a renuncia antecipada da prescrição, só cabe depois que o prazo prescricional já estiver ultimado. Então, a renuncia antecipada da prescrição é nula, nulidade absoluta. Só que essa renuncia antecipada da transcrição, que é nula por força do art. 191, ela pode ser convertida para o art. 202, VI.

A grosso modo, o art. 202,VI diz que quando o devedor reconhece o direito do credor ele interrompe a prescrição. Quer dizer, se o devedor pede parcelamento da dívida o próprio devedor está interrompendo o prazo prescricional.

Vejam, se ele renuncia antecipadamente a prescrição, o que o devedor está fazendo? Ele está reconhecendo o direito do credor. Então, a renuncia nula pode ser convertida numa causa de interrupção da prescrição, art. 202, VI.

A conversão pode ser formal ou substancial. Na conversão formal o que vai haver? A mudança apenas na forma. Vamos supor que um testamento público não obedeça as formalidades exigidas por lei para ser tido como público. O testamento público poderá se converter num testamento particular, conversão formal.

Um contrato de locação por instrumento público e há algum tipo de vício no instrumento público, o vício não vai impedir a conversão para locação por instrumento particular.

Para muitos, Leonardo Matieto, Humberto Theodoro Júnior, a conversão formal não representaria a verdadeira conversão, por quê? Porque, para muitos, a conversão propriamente dita gera a mudança na qualificação jurídica e vejam que na conversão formal não há mudança na qualificação jurídica, é apenas a mudança na forma. O negócio jurídico continua a ser testamento, continua a ser locação, então para muitos a conversão formal não representaria conversão propriamente dita, porque seria da essência da própria conversão propriamente dita a mudança na qualificação jurídica.

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Diferentemente da conversão formal, nós temos a conversão material. Conversão material é sinônimo de conversão substancial. Nessa modalidade sim a conversão gera a mudança na natureza, na substância do negócio.

Todos aqueles exemplos que vimos a pouco, a compra e venda para o compromisso, a alienação do usufruto para o comodato, quer dizer, há uma mudança na qualificação jurídica e essa conversão material sim representaria a conversão propriamente dita.

Há quem diga que o art. 431 seria um exemplo de conversão legal. O Christiano Chaves e o Rosenvald de assim afirmam... O art. 431 seria uma conversão legal, conversão por força de lei. Diz o art. 431 que a aceitação fora do prazo com adições, restrições ou modificações importará nova proposta por força de lei.

Vamos partir para a análise da anulabilidade especificamente. As causas gerais de anulabilidade estão no art. 171 e são elas a incapacidade relativa e os defeitos do negócio jurídico, ressalvada aquela discussão sobre a fraude contra credores que vimos no início da aula, que para alguns não seria anulabilidade e sim eficácia relativa.

Já vimos que a anulabilidade comporta ratificação e essa ratificação do ato anulável pode ser expressa ou tácita. A ratificação expressa ela está precisamente nos artigos 173 e 176 e a ratificação tácita, nos artigos 174 e 178.

Cuidado com o art. 178 porque ele não diz que a hipótese retratada é a de ratificação tácita. O art. 178 estabelece o prazo de 04 anos para suscitar anulabilidade, se a parte interessada não invoca anulabilidade em 04 anos, ratificação tácita. Quer dizer, o código não diz no art. 178 que ali a hipótese é de ratificação tácita, mas claro a não alegação da anulabilidade dentro do prazo de 04 anos vai gerar ratificação tácita.

Agora, muito cuidado aqui com o art. 174 que é a outra hipótese de ratificação tácita que mencionamos. Art. 174: é escusada a confirmação expressa quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor ciente do vício que o inquinava. Quer dizer, o art. 174 está dizendo que se o devedor tem ciência do vício e ainda assim cumpre a prestação, ele está tacitamente ratificando.

Claro que essa iniciativa de cumprir conscientemente a prestação tem que ser uma iniciativa livre, claro que se ele está sujeito a coação não se vai falar em ratificação tácita.

O art. 174 fala em cumprimento da prestação. Alguns autores já no passado, o Pontes de Miranda já defendia isso, ele dizia que o código fala em cumprimento consciente, por que o cumprimento consciente gera ratificação tácita? Porque é incompatível a iniciativa de cumprir voluntariamente e posteriormente alegar o vício, então numa interpretação teleológica, muito antes de estarmos falando a venire, o que o Pontes de Miranda já afirmava? O art. 174 é rol meramente exemplificativo, quer dizer, sempre que o devedor conscientemente desenvolva conduta incompatível com a vontade de anular, haverá ratificação tácita.

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Por exemplo: se, mesmo ciente do vício e livre de qualquer constrangimento, o devedor pede dilação de prazo, pedido de dilação de prazo é incompatível com o pedido de invalidação.

Outro exemplo: se, mesmo depois de ciente do vício, aquele devedor aliena ou consome o bem objeto do negócio anulável, ele está desenvolvendo uma conduta incompatível com a intenção de anular. Se ele oferece uma garantia hipotecária ou uma garantia fidejussória, o oferecimento dessas garantias seria incompatível com a vontade de anular.

Hoje, se formos dissertar sobre isso, o que vamos usar para justificar essa interpretação elástica do art. 174?Vamos poder usar com tranqüilidade a boa fé objetiva através da venire contra a factum proprium, lembra da contradição com a própria conduta? Não desenvolvemos muito o tema, mas chegamos a mencionar aqui. Quer dizer, a venire contra factum proprium que é a teoria da contradição com a própria conduta. Numa releitura do art. 174 podemos claramente mencionar que o dispositivo se influencia, claro, pela boa fé objetiva.

Outra dúvida é a seguinte: no caso de confirmação expressa, a forma da confirmação deve obedecer a forma do negócio a ser confirmado? O código civil é omisso. Em relação a forma da confirmação, ele não diz se a forma da confirmação tem que ser a mesma do negócio a ser confirmado e aí surgem duas posições.

A 1ª diz que sim, a forma da confirmação deve obedecer a forma do negócio a ser confirmado. Posição levemente predominante, vários autores nesse sentido: Orlando Gomes, Francisco Amaral, Zeno Veloso e Serpa Lopes.

Quer dizer, como a ratificação convalida o ato desde a origem produzindo efeitos ex tunc, a produção de efeitos ex tunc imporia a idéia de que a confirmação acaba integrando o próprio negócio jurídico e a forma deveria a mesma.

Divergindo dessa posição, Pontes de Miranda e Humberto Theodoro Júnior.

Tem um argumento que aqui me parece bem prático, não cabe ratificação tácita? A ratificação tácita ela independe de qualquer formalidade. Então, sustentam esses autores que se cabe ratificação tácita, não haveria razão para ratificação expressa necessariamente obedecer a forma do negócio a ser confirmado. Quer dizer, a admissibilidade da ratificação tácita, demonstra o que? Que a ratificação seria um ato não solene, na medida em que o código não admite a ratificação tácita. E mais, esses autores afirmam que a ratificação seria um negócio jurídico distinto do negócio a ser confirmado.

Por exemplo: se temos um contrato de compra e venda feito por um relativamente incapaz sem assistente, anulabilidade, não é isso? O garoto atinge a maioridade, a ratificação por ele realizada é negócio jurídico bilateral ou unilateral? Unilateral e o negócio jurídico a ser confirmado era um negócio jurídico bilateral. Quer dizer, a confirmação é negócio jurídico unilateral distinto do negócio jurídico a ser confirmado. Como temos negócios jurídicos distintos, a forma não necessariamente será a mesma.

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Pergunta.

Resposta: sim, aí entra o princípio da instrumentalidade das formas. É o art. 104, III combinado com o art. 107 que é aquele que diz que no silencio da lei a forma é livre.

Outro cuidado aqui é o seguinte: o art. 175 diz: a confirmação expressa ou a execução voluntária de negócio anulável, nos termos dos artigos 172 a 174, importa a extinção de todas as ações ou exceções de contra ele dispusesse o devedor.

O código diz “importa a extinção de todas as ações ou exceções”. O que o art. 175 quando diz “ações ou exceções” está dizendo? Ele está dizendo que a anulabilidade ela pode ser argüida não apenas através de ação autônoma, mas também como matéria de defesa.

O Humberto Theodoro Júnior chega a dizer que aqui a tese da defesa, quando invoca a anulabilidade, seria mais um exemplo daquelas hipóteses de defesa indireta de mérito como é a exceção de contrato não cumprido.

O art. 182, que já mencionamos aqui hoje, é aquele que diz que anulado o negócio jurídico restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente. Então, o art. 182 está dizendo que tanto a nulidade quanto a anulabilidade geraria em tese o retorno ao status quo ante e, não sendo isso possível, as partes serão indenizadas pelo equivalente.

Antes de mais nada, se não for possível o retorno ao status quo ante e houver a indenização com o equivalente, é preciso tomar cuidado para que não haja enriquecimento sem causa. Ou seja, na hipótese em que houver o retorno ao status quo ante, algumas regras que veremos mais adiante terão que ser observadas.

Por exemplo: se o terceiro fez benfeitorias no bem e ele era de boa fé, aplicável a sistemática do art. 1219. Quer dizer, haverá o retorno ao status quo ante, mas o terceiro de boa fé tem que ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis tendo inclusive direito de retenção.

Se o terceiro de boa fé fez construções, aplicar o art. 1.255 que diz que construtor de boa fé tem direito a ser indenizado.

O que estou ressaltando é que esse retorno ao status quo ante não afasta a incidência de regras especiais que buscam evitar enriquecimento sem causa. E mais, o código diz retorno ao status quo ante e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente. Só vai haver indenização pelo equivalente se não for possível a restituição.

Numa perspectiva anterior, essa impossibilidade de restituição se aplicaria só no caso de impossibilidade física, quer dizer, se o bem foi destruído não há como haver o retorno ao status quo ante. Se houve destruição, se houve consumo do bem, impossibilidade física, retorno ao status quo ante.

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Só que numa perspectiva contemporânea o que os autores vem afirmando? Aplicável o art. 182 parte final se o bem foi transferido a um terceiro de boa fé, ou seja, se o bem foi transferido a terceiro de boa fé numa perspectiva atual se torna impossível retorno ao status quo ante e por quê? Princípio da confiança, boa fé objetiva, quer dizer, a luz do princípio da confiança, a luz da boa fé objetiva haveria não a impossibilidade física, mas uma impossibilidade jurídica ao retorno ao status quo ante.

Pergunta.

Resposta: para proteger a legitima expectativa do terceiro, quer dizer, o princípio da confiança busca justamente a proteção da legitima expectativa.

Fazer remissão para o art. 113 que trata de boa fé objetiva, porque o art. 113 prevê a boa fé objetiva como um ??? de interpretação, a boa fá objetiva dentro da função de interpretação. A gente vai lembrar que a boa fé objetiva vai gerar essa impossibilidade jurídica de retorno ao status quo ante.

Olha só o paralelo que não podemos deixar de fazer: a simulação é causa de nulidade absoluta, o que a doutrina antes do código atual dizia? Se a nulidade atinge interesse público a nulidade, afirmavam os autores, também atingiriam terceiros de boa fé. Só que na perspectiva atual, a proteção a terceiros de boa fé também passa a ser matéria de ordem pública, porque a proteção a terceiros de fé decorre do princípio da boa fé objetiva, princípio da confiança.

Vejam o que fez o art. 167,§2º. O art. 167 trata da simulação, nulidade absoluta e aí o §2º diz: ressalvam-se os direitos de terceiros de boa fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. O art. 167, §2º está dizendo que o reconhecimento da nulidade absoluta decorrente da simulação não atinge terceiros de boa fé, porque a proteção a terceiros de boa fé notadamente passa a ser também matéria de ordem pública.

Então, se fizermos a remissão do art. 182 para o art. 113 e para o art. 167,§2º, acho que fica mais fácil de lembrarmos disso.

Vamos dar uma olhada no art. 184 que trata da chamada redução, é o instituto da redução no negócio jurídico.

Tem um brocardo conhecido na doutrina que diz que o art. 174... A idéia dessa expressão que está no quadro, basicamente diz o que? Que a invalidade de parte do negócio não necessariamente contamina a sua totalidade.

O que o art. 184 grosseiramente diz é o que? Se o contrato tem 50 cláusulas e uma delas é nula, a nulidade de uma cláusula não necessariamente vai invalidar todo o contrato. Diz o art. 184: respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não prejudicará na parte válida, se esta for separável.

Qual a diferença da redução para conversão do ato nulo? Na redução há uma mera limitação interpretativa sem que haja modificação na qualificação jurídica. Na

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redução o contrato vai se reduzir as demais cláusulas válidas, mas a natureza jurídica do negócio permanece a mesma.

Para que caiba a redução é preciso que essa invalidade parcial não atinja a causa do negócio jurídico. Quer dizer, vamos imaginar que haja um contrato pelo qual alguém se comprometa a construir um parque industrial e essa construção tem uma cláusula dizendo que vai se dar com material importado. Vamos supor que haja vedação a importação de tais materiais. Apenas uma das cláusulas é inválida, mas a invalidade dessa cláusula acaba atingindo a própria causa do negócio jurídico e aí obviamente não será possível a redução. Quer dizer, a invalidade deve envolver uma cláusula que não seja substancial, determinante.

Então, por exemplo, se os juros moratórios convencionais forem nulos, a nulidade da cláusula dos juros moratórios não contaminará o todo, porque essa invalidade não atinge a causa do negócio jurídico.

FIM.

Aula 09 – 28/10/08

Prescrição e Decadência

A principal diferença essencial aí decorre daquela distinção clássica entre direito subjetivo e direito potestativo, ou seja, a prescrição está atrelada ao direito subjetivo e a decadência ao direito potestativo. Lembrando mais uma vez que ao direito subjetivo corresponde um direito jurídico e ao direito potestativo corresponde um estado de sujeição.

Lembrando que já vimos em aulas anteriores que numa perspectiva contemporânea apesar da idéia de que ao direito potestativo corresponde um estado de sujeição, mesmo os direitos potestativos devem ser exercidos em harmonia com os valores do sistema. Nós vimos que é plenamente admissível no contexto atual que tenhamos abuso de direito potestativo.

Aí é preciso analisar a questão sempre a luz do caso concreto, vamos a questão típica de prova oral: vamos supor que tenhamos uma obrigação alternativa que as partes tenham atribuído a concentração ao credor, quer dizer, o devedor se compromete a entregar o carro ou a jóia e as partes estipulam contratualmente que a escolha compete ao credor.

Percebam que a natureza jurídica do direito de escolha do credor é de direito potestativo e, portanto se há um prazo para exercício dessa escolha por parte do credor, esse prazo terá natureza decadencial.

Uma vez exercida a escolha dentro do prazo decadencial, quer dizer, uma vez que o credor opte pela entrega do carro ou da jóia vai surgir para o credor um direito

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subjetivo e o prazo para o exercício dessa pretensão por ele optada vai ter natureza prescricional. Então, na verdade nós temos na mesma circunstância prazo decadencial e prazo prescricional.

Vamos começar a tratar especificamente da prescrição e o art. 189 do código civil já enfrenta uma questão importante que é aquela concernente a natureza jurídica da prescrição. Há três posições clássicas aqui sobre o tema.

Uma 1ª corrente defendia que a prescrição geraria a perda da ação. Essa corrente caiu por terra por conta da teoria abstrata. O direito de ação é abstrato, então ainda que o sujeito exerça uma pretensão prescrita em juízo ele exerceu o direito de ação, então repudiada pela teoria abstrata.

A 2ª corrente no sentido de que a prescrição não geraria a perda do direito, só que vejam se a prescrição gerasse a perda do direito, o pagamento da dívida prescrita seria um pagamento indevido e uma das características do pagamento indevido é a repetibilidade e o art. 882, muito lembrado em provas objetivas, diz lá: não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.

Quer dizer, o art. 882 por completo afasta a possibilidade de repetição do pagamento de dívida prescrita e vamos nos lembrar que esse tipo de dívida é um dos exemplos clássicos de obrigação natural onde há o débito, mas não há a responsabilidade, quer dizer o pagamento de divida prescrita é um pagamento devido, apenas não é exigível.

A 3ª corrente foi explicitamente adotada pelo código e está lá no art. 189: a prescrição como geradora da perda da pretensão. Caiu na 1ª fase da prova da Defensoria, uma das questões objetivas era essa afirmativa de que na sistemática atual o código se posicionou pela prescrição como causa geradora da perda da pretensão, art. 189.

Quem quiser fazer um esquema introdutório, antes de desenvolvermos o tema, pode fazer assim. Síntese da sistemática da pretensão:

Direito subjetivo – dever jurídico – lesão – pretensão – prescrição, quer dizer, a um direito subjetivo corresponde um dever jurídico e se há lesão ao direito subjetivo, o descumprimento do dever jurídico faz surgir uma pretensão que tem que ser exercida dentro de prazos prescricionais.

O art. 189 acabou resolvendo uma questão antiga, que na verdade não tem muito efeito prático, de que a pretensão ela nasce do descumprimento do dever jurídico. O art. 189 diz lá: violado o direito nasce para o titular a pretensão, quer dizer, a pretensão resulta da violação do dever jurídico.

Essa idéia de que a pretensão resulta do descumprimento do dever jurídico consta do Enunciado 14 do Conselho da Justiça Federal. Daí porque alguns afirmam de maneira precipitada que a diferença entre prescrição e decadência decorreria do fato

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de que o prazo prescricional se inicia a partir da lesão ao direito ao passo que o prazo decadencial não se iniciaria a partir da lesão.

Não está errado afirmar isso, mas na verdade essa não é a diferença em essência entre os institutos, essa é uma diferença que decorre da própria distinção entre direito subjetivo e direito potestativo.

Como o direito potestativo não gera um dever jurídico correspondente, na verdade não há lesão ao direito potestativo, quer dizer, nasce o direito potestativo com prazo a ser exercido.

Regra que gerou muita discussão é a do art. 190 que diz que a exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão. É incontroverso que essa expressão “exceção” contida no art. 190 diz respeito à exceção em sentido amplo, ou seja, todo meio de defesa.

As exceções em sentido amplo que se diferem das exceções em sentido estrito que são aquelas do CPC: impedimento, suspeição e incompetência relativa.

Causou muita estranheza esse dispositivo, pelo seguinte: o código está dizendo que a tese defensiva prescreve no mesmo prazo da pretensão, só que a prescrição, ela pressupõe inércia que na verdade se o sujeito não é instado, se ele não é provocado, ele não se encontra inerte por não deduzir uma determinada tese defensiva.

Quando surgiu o código, houve quem defendesse que teria havido uma falha na redação do art. 190, alguns autores chegavam a afirmar que quando o art. 190 fala em exceção muitos diziam: entenda-se execução. Muitos diziam que na verdade o código tinha pretensão de ressaltar que a execução prescreveria no mesmo prazo em que a pretensão, porque a idéia da exceção prescrever junto com a pretensão não faria sentido.

Diga-se de passagem, essa afirmação de que a execução prescreve no mesmo prazo em que a pretensão consta da Súmula 150 do STF.

Só que hoje o entendimento que desponta como consolidado, apesar dos manuais em geral não fazerem nenhuma observação mais profunda aqui, mas em geral o que se afirma é que para fins do art. 190 é preciso diferenciar a exceção propriamente dita que é sinônimo de exceção independente, que é sinônimo de exceção autônoma. Então, é preciso diferenciar a exceção propriamente dita das chamadas exceções impróprias, sinônimo de exceção dependente que é sinônimo de exceção não autônoma.

A diferença basicamente é a seguinte: a exceção propriamente dita é aquela apenas suscetível de alegação como matéria de defesa, ao passo que a exceção imprópria corresponde a tese defensiva embasada em pretensão que poderia e deveria ter sido alegada por ação autônoma.

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Exemplo: vamos supor que o A deva ao B e o B deva ao A. O crédito do A venceu ontem e o crédito do B venceu há 25 anos. Se o A cobra do B, em tese o B alegaria compensação (tese defensiva).

Mas vejam que a compensação, uma tese defensiva, que se embasa numa pretensão que deveria ter sido argüida através da ação autônoma, quer dizer, a compensação resulta de um direito de crédito que o B tem em relação ao A. Se a pretensão que o B tem em relação ao A está prescrita, também prescreve a tese defensiva compensação.

Tem outro exemplo, bem antigo, e quem traz é o Savigny que defende aquela teoria subjetiva da posse que diz: no nosso código atual, a grosso modo, o art. 445 prevê lá prazos para que as partes possam suscitar vício redibitório, 30 dias para móvel e 1 ano para imóvel com algumas peculiaridades que veremos mais adiante.

Vamos supor que o sujeito venha a adquirir um bem com vício redibitório e deixa transcorrer em ??? o prazo previsto para provocação dos vícios redibitórios. Posteriormente, ultrapassado esse prazo, o alienante ingressa em juízo, exigindo cumprimento de prestações inadimplidas pelo adquirente.

Em tese, como matéria de defesa a essa pretensão autoral, o adquirente poderia alegar vício redibitório inclusive alegando um abatimento proporcional. Só que, se o sujeito foi omisso em suscitar a tese vicio redibitório dentro do prazo previsto em lei, a exceção também será atingida pela decadência no caso que o art. 445 ele prevê prazos decadências.

Na verdade, ultrapassado o prazo de uma determinada pretensão que embasa uma exceção, propicia também a prescrição daí correspondente, ou seja, o art. 190 quando fala em exceção se dirige a chamadas exceções impróprias.

Pergunta.

Resposta: mas aqui a ação autônoma não é no sentido de que ele teria que propor uma ação, aqui o enfoque do art. 190 é diferente. Na verdade, a compensação seria uma exceção imprópria por quê? Porque ela resulta de uma pretensão.

Pergunta.

Resposta: mas a pretensão autônoma no sentido de que na verdade o crédito do B em relação ao A, ele deveria ter sido exigido através de ação autônoma. Aqui não se está discutindo o aspecto processual específico, o modus operandi em relação à compensação, mas especificamente o fato que a compensação decorre de um crédito autônomo que o B tem em relação ao A que ele deveria enfim ter provocado dentro do prazo previsto em lei.

Pergunta.

Resposta: isso, na verdade o art. 190 do código civil, ele não se aplicaria a essas exceções propriamente ditas, por quê? Porque o que pode prescrever ou não é a

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pretensão do autor, mas enquanto ele não exerce a pretensão, não há inércia pela outra parte por não suscitar aquela tese que é eminentemente defensiva.

Por exemplo, coisa julgada, ninguém vai alegar coisa julgada se não for devidamente provocado, então na verdade o art. 190 se aplicaria apenas a essas exceções impróprias que, aliás, nesse caso seria possível se cogitar de inércia por parte daquele que deixou de exercer a pretensão que embarga a tese defensiva.

Bom, o art. 191 do código civil admite a renuncia da prescrição, porque na verdade o art. 191 estabelece são dois requisitos: 1º requisito – é que o prazo prescricional esteja consumado, quer dizer, o legislador não admite a chamada renúncia antecipada da prescrição.

Vimos na aula passada, quando tratamos da conversão do ato nulo, que essa renúncia antecipada pode ser convertida como uma causa da prescrição (art. 202, VI) que é quando o devedor reconhece o direito do credor.

O Pontes de Miranda é que fazia uma ressalva a esse exemplo e dizia “sem dúvida a renuncia antecipada pode ser convertida por essa causa interruptiva, salvo se o devedor está renunciando a prescrição com o intuito inequívoco de sustentar a improcedência do pedido”. Quer dizer, pode ser que o devedor esteja renunciando não com o objetivo de cumprir o pactuado, é possível que o devedor renuncie porque ele quer ver aquela pretensão, aquele pedido julgado improcedente.

É claro que nesse caso não dá para falar na conversão porque a conversão pressupõe que o devedor esteja reconhecendo o direito do credor. Ressalvada essa hipótese excepcional, seria admissível a conversão para o art. 202, VI.

Não é preciso decorar isso, qual é o objetivo do art. 192 ao vedar a renuncia antecipada? É prestigiar a livre manifestação de vontade. Imagine se é admissível a renuncia antecipada no contexto das relações contratuais contemporâneas em que a regra é dos contratos de adesão. Quer dizer, a regra seria sempre a da renuncia antecipada e com isso a paz social tão almejada pela prescrição não seria atingida. Além disso, o art. 191 diz que essa renuncia da prescrição não pode prejudicar terceiro.

O exemplo lembrado é o da fraude contra credores. Vamos supor que eu tenha um débito prescrito para com ela e tenho três credores, renuncio a prescrição, cumpro a dívida prescrita e com essa renúncia, com esse cumprimento da dívida prescrita me conduzo ao estado de insolvência, é claro que renuncia a prescrição acaba prejudicando terceiro.

Outro exemplo: imagine que tenhamos aqui um regime de solidariedade passiva por força de lei ou de contrato. Vamos supor que a pretensão do credor já esteja fulminada pela prescrição e aí o credor bate na porta de D1 e o D1 renuncia a prescrição e cumpre a integralidade do débito.

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Em regra, o D1 quando cumpre tudo tem relação interna com os demais devedores, mas neste caso ele não poderá exigir do D2 e D3 as suas partes porque a renuncia praticada pelo D1 não tem o condão de prejudicar terceiros.

A renúncia da prescrição pressupõe não apenas capacidade, mas também disponibilidade sobre o direito envolvido. Então, além da capacidade é preciso que tenha disponibilidade.

Isso pode ter reflexo práticos, por exemplo, no caso do tutor e do curador que não tem disponibilidade sobre os interesses do tutelado e do curatelado e, portanto ele não pode renunciar a prescrição, seria uma renuncia gratuita.

Todos devem saber que com a lei 11280/06 houve a revogação do art. 194 do código civil e a alteração do art. 219,§5º do CPC e como conseqüência o juiz deve reconhecer de ofício a prescrição. Quando entrou em vigor a lei, muitos começaram a sustentar que a lei 11280, ao impor o reconhecimento de ofício da prescrição, teria revogado tacitamente o art. 191 do código civil, porque, para muitos, se o Juiz deve reconhecer de ofício, a matéria seria de ordem pública e em sendo de ordem pública, irrenunciável. Quer dizer, haveria uma incompatibilidade entre a lógica do reconhecimento de ofício e o cabimento de renúncia, porque a renúncia pressupõe disponibilidade.

Hoje já podemos dizer que o entendimento consolidado é no sentido de que não houve revogação tácita, nesse sentido Enunciado 295 do Conselho. E aí mesmo surge aqui um problema, porque é preciso compatibilizar o reconhecimento de ofício com a admissibilidade de renúncia.

Vem ganhando cada vez mais espaço uma posição que é defendida pelo Arruda Alvim que, visando compatibilizar os institutos, defende que o Juiz não pode reconhecer de ofício a prescrição antes de transcorrido o prazo para a resposta do réu.

É curioso porque o Arruda Alvim é um processualista e o próprio art. 295 do CTPC traz como uma das hipóteses de indeferimento da inicial, a prescrição. E o próprio Arruda Alvim diz que na verdade o art. 295 do CPC tem que se interpretado em conjunto com o direito material e, numa interpretação conjunta, se cabe renuncia, o Juiz não pode reconhecer de ofício antes de ouvir o réu, por que? Para oportunizar ao réu a possibilidade de renunciar à prescrição. Se o Juiz pudesse reconhecer de ofício sem ouvir o réu, na prática o reconhecimento de ofício, estaria aniquilando a renuncia da prescrição.

Dentro desse contexto, o que se afirma é que não mais se admitiria aquela renuncia tácita em juízo, a renúncia tem que ser expressa. Quer dizer, se o réu oferece resposta e se omite aí sim o Juiz pode reconhecer de ofício a prescrição.

Quem for fazer prova para a advocacia pública tem uma observação importante: o Leonardo Matieto acrescenta uma ponderação a essa afirmativa do Arruda Alvim e diz o seguinte: o Juiz, sem dúvida alguma, não deve reconhecer de ofício antes de ouvir o réu, salvo se o réu é a Fazenda Pública. Se o réu for Fazenda

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Pública, o Juiz pode decretar de ofício sem ouvir a fazenda, porque o advogado público não pode renunciar da prescrição.

Pensando numa prova de MP, o que se pode colocar? Se o réu for absolutamente incapaz a mesma lógica, quer dizer, na verdade sempre que o interesse envolvido no pólo passivo for indisponível, o Juiz pode reconhecer de ofício antes mesmo de ouvir o réu.

Pergunta.

Resposta: para uma prova de advocacia pública não, agora, fora do âmbito talvez seja sustentável se usado por analogia principalmente em âmbito federal, os valores são altos para dispensa, é sustentável no plano acadêmico. Para concurso acho que é precipitado defender a tese.

Mas a questão também é delicada porque ali pressupõe transito em julgado, já é um reconhecimento da existência da dívida, é diferente aqui da hipótese da prescrição, quer dizer, seria um aniquilamento total.

Nós temos várias criticas a essa operação, principalmente por alguns processualistas porque alguns criticam veementemente que no furor de criar agilidade ao processo por conta da Lei 11280, o legislador acabou desprestigiando toda a sistemática da prescrição envolvendo o direito material.

Por exemplo, justificar o reconhecimento de ofício da decadência legal, por quê? Porque a decadência gera a perda do direito. A prescrição não gera a perda do direito, ela gera a perda da pretensão e justamente por não gerar a perda do direito e sim da pretensão é que o legislador admite renúncia. O legislador ressaltou no art. 193 que a parte pode alegar em qualquer grau de jurisdição, se houvesse a perda do direito a regra seria desnecessária.

Por isso que o art. 882 diz que o pagamento de divida prescrita é irrepetível, porque na verdade a prescrição não gera o aniquilamento do direito em si, mas apenas da pretensão.

O Barbosa Moreira tem uma frase curiosa sobre isso que diz o seguinte: na verdade, a prescrição ela não retira a arma do credor, a prescrição ela concede um escudo ao devedor para que ele venha a se valer desse escudo caso em que ele pretenda se valer do escudo. Quer dizer, pela sistemática geral a reforma vem em desarmonia, em descompasso com toda a sistemática geral da prescrição.

Tem outro detalhe de ordem até prática: o Juiz com a inicial, ele não tem elementos suficientes para afirmar que houve prescrição, porque a prescrição ela admite causa de impedimento, de suspensão e de interrupção. Com a simples inicial o Juiz nem sempre tem acesso a tais informações em relação a esses fatos preclusivos.

Então, seria indispensável um contraditório mínimo entre as partes para que o Juiz pudesse efetivamente até reconhecer se houve ou não prescrição diante da ausência de causa de impedimento, suspensão e interrupção.

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Diante dessa lógica de reconhecimento de ofício da prescrição, perdeu um pouco da graça o art. 193 que é aquele que diz que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição. Perdeu a graça se o juiz deve reconhecer de ofício, claro, a matéria pode ser suscitada em qualquer grau de jurisdição.

Sem dúvida o art. 193 é uma exceção ao princípio da concentração ou da eventualidade do processo civil, só há um limite para a aplicação do art. 193 que é a necessidade de pré-questionamento. Quer dizer, o limite de aplicação do art. 193 é a necessidade de pré-questionamento para a interposição de recurso extraordinário, especial ou no recurso de revista no processo do trabalho.

Só que a lei 11280 trouxe um reflexo para o âmbito processual com essa questão, vamos pensar antes e depois da lei.

Vamos pensar antes da lei: vamos supor que o autor ingresse em juízo exercendo uma pretensão prescrita, o réu se defende por outros argumentos que não a prescrição, o juiz iria lá e acolheria a pretensão autoral, o réu apela insistindo nos fundamentos originários sem suscitar a prescrição, tribunal confirma a sentença e aí o advogado vê que cochilou, deveria ter alegado a prescrição e não alegou.

Bom, é preciso prequestionar a matéria para recurso extraordinário, recurso de revista, para prequestionar se propõe embargo de declaração, vamos pensar antes e depois da lei.

Para haver embargo de declaração o julgado tem que ser omisso, obscuro ou contraditório. Antes da lei aquele julgado não era omisso, nem obscuro e nem contraditório. Com a superveniência da lei 11280, ainda que não alegada a prescrição, o julgado era omisso porque o Juiz no tribunal tinha que reconhecer de oficio. Com a nova sistemática inaugurada pela lei 11280 o reflexo processual mais importante é o cabimento de embargo declaratório para fins de pré-questionamento.

Tem outra questão que resulta do art. 193 porque ele diz que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição.

Vejam, o art. 193 não autoriza de maneira alguma que na execução a parte venha a suscitar prescrição não suscitada na fase de conhecimento. O próprio CPC traz 2 artigos que evidenciam isso. São os artigos 741, VI e 475L, VI que prevê que a parte na execução, nos embargos ou na impugnação pode alegar prescrição decorrente de circunstancias posteriores a coisa julgada.

O que esses dispositivos ressaltam é o seguinte: nós temos uma prescrição envolvendo a pretensão cognitiva e, uma vez exaurida a fase a fase cognitiva, se inicia a prescrição da pretensão executória. E aí é importante registrar nesse contexto tem inclusive a Súmula 150 do STF que vimos que o prazo da pretensão executória é o mesmo prazo da fase cognitiva e registrar que na verdade surge um novo prazo de prescrição.

Nós não estamos aqui diante de uma causa preclusiva, de uma interrupção do prazo prescricional anterior. Surge um novo prazo prescricional, a importância

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prática disso hoje nós veremos já que o art. 202 caput do código atual diz que agora a prescrição só pode ser interrompida uma vez.

Só que o sujeito pode interromper uma na fase cognitiva e pode interromper outra na fase executiva, porque na verdade surge um novo prazo prescricional suscetível inclusive de interrupção, em que pese ter se operado interrupção na fase cognitiva. Porque na verdade não estamos diante de um prolongamento ou de uma interrupção do prazo prescricional anterior, surge um novo prazo suscetível de interrupção inclusive.

Pergunta.

Resposta: me parece que sim, porque na verdade a prescrição os próprios processualistas hoje vem reconhecendo... Na verdade toda a sistemática da prescrição ela tem que ser entendida sob enfoque do direito material.

Na verdade sob o enfoque do direito material, quer dizer, o sujeito tem uma pretensão para ingressar em juízo e obter o titulo, obtido o titulo, surge a pretensão de fazer valer aquilo que havia sido ???, em que pese toda a simplificação das reformas processuais recentes.... Até hoje não vi nenhum processualista defendendo posição distinta.

Pergunta.

Resposta: é e não é, porque cabe renúncia.

Pergunta.

Resposta: há quem defenda o cabimento de rescisória porque na verdade se a parte não alegou, inclusive vamos conjugar com isso que acabamos de mencionar aqui. O Juiz agora deve reconhecer de ofício, a parte não pode ressuscitar na execução aquilo que não alegou na fase cognitiva.

Na verdade, a via adequada com a instauração da lei 11280 é a ação rescisória, descabida anteriormente e com essa lei se há um julgado que não reconheça essa prescrição, em que pese não alegar nada, aquele julgado viola dispositivo de lei. Então, na verdade a via adequada não seria alegação através dos embargos ou através da impugnação, a via adequada seria a rescisória.

Pergunta.

Resposta: me parece, se a questão não comportar qualquer dilação probatória, quer dizer, a gente entra com aquele regime geral da exceção de pré-executividade. Em alguma circunstancia a prescrição acaba envolvendo matéria fática, então na verdade se incontroversos os fatos, em tese é admissível, me parece que sim. Agora, se houver espaço para alguma discussão de cunho probatório, ai me parece que a questão acaba fugindo ao âmbito da exceção de preexecutividade.

Pergunta.

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Resposta: isso, só que com cuidado daquela crítica trazida pelos próprios processualistas, na verdade cabe sim reconhecimento de ofício, mas seria no mínimo salutar que houvesse um contraditório mínimo a respeito do conhecimento da prescrição até porque nós podemos ter aspectos fáticos que tenham propiciado impedimento, suspensão e interrupção do prazo prescricional. Quer dizer, acho que vai depender um pouco da visão que vamos ter acerca do tema. Se prestigiarmos, como fez o legislador, a idéia do tema de economia processual, talvez o reconhecimento de ofício não seja tão simples assim como quis o legislador.

Pergunta.

Resposta: isso, o que eu particularmente não vi nenhum processualista até hoje defender o contrário. Ainda que no cumprimento de sentença não haja formação de um processo executivo autônomo, quer dizer, daquele título surgiria uma pretensão e aquela pretensão embasada no título se sujeitaria a um novo prazo. Que é o mesmo prazo inicialmente instaurado, tanto é que o próprio dispositivo do cumprimento de sentença, o próprio art. 475L no cumprimento de sentença faz alusão a prescrição como ocorrida após o transito em julgado.

Pergunta.

Resposta: na verdade, não seria uma própria interrupção, seria o surgimento de um novo prazo com aquela diferença prática de que insurgindo um novo prazo é cabível uma outra causa interruptiva. Quer dizer, se entendermos que houve uma mera interrupção não mais caberia a interrupção por força do art. 202, na verdade seria um novo prazo prescricional.

Vamos dar uma olhada agora... Sugere uma série de reflexos até de ordem processual que na verdade acaba não se esgotando, querem ver uma discussão que tem de surgir no âmbito processual? É o art. 22 do CPC que fala daquela história em que o réu não alega uma determinada tese defensiva, alega posteriormente e com essa alegação ele acaba aniquilando a pretensão do autor. O dispositivo diz o que? Que a pretensão do autor não vai ser acolhida, mas pelo retardamento causado do julgamento da lide ele vai ter que pagar as custas, a questão dos honorários, não vai ter direito a honorários, uma série de conseqüências.

Esse dispositivo, se não me engano, fala em fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor e dentro dessa lógica, fato impeditivo, modificativo ou extintivo, a prescrição sempre caiu como uma luva, até porque a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição. Então, tradicionalmente sempre se afirmou o seguinte: se o sujeito não alegou prescrição da contestação e alega depois, na verdade aplicáveis os efeitos do art. 22 do CPC.

Com a sistemática da lei 11280 é no mínimo duvidosa a aplicabilidade do art. 22 do CPC porque na verdade a não alegação em tese não deve gerar um retardamento do julgamento da lide.

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O art. 195 do código civil trata da seguinte questão: os relativamente incapazes eles atuam no cenário jurídico através dos respectivos assistentes e a pessoa jurídica através dos respectivos representantes legais.

É possível que a inércia, a desídia do assistente venha a dar origem a uma prescrição envolvendo uma pretensão do relativamente incapaz, o mesmo acontecendo em relação ao representante legal da pessoa jurídica.

O que o art. 195 prevê, basicamente, é a responsabilidade civil, ele basicamente diz que se o relativamente incapaz for omisso e não alegar, por exemplo, a prescrição, quando oportunamente, quer dizer, a prescrição vai atingir o interesse do relativamente incapaz e ele terá pretensão ressarcitória.

Quer dizer, se o assistente for desidioso, não exercer a pretensão dentro do prazo prescricional e o incapaz perde a pretensão, ele terá uma ação regressiva. O mesmo acontecendo em relação à pessoa jurídica, diz o art. 195: os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais que derem causa a prescrição ou não a alegarem oportunamente.

Dá para perceber que é no mínimo duvidosa a aplicação da parte final em relação a não alegação em juízo por força da lei 11.280 porque na verdade ainda que não alegado o Juiz deve reconhecer de ofício.

Esse artigo cai muito em prova objetiva de 1ª fase e qual é a pegadinha que o examinador joga? O art. 195 fala em relativamente incapaz, ele troca a redação do art. 195 e joga absolutamente incapaz. Ele diz “que o absolutamente incapaz tem pretensão ressarcitória em face do representante que não exercer a pretensão no prazo adequado”.

Se o examinador troca a expressão relativamente por absolutamente fica falso e por quê? Porque não pode haver prescrição contra absolutamente incapaz. Sugiro sempre aí uma remissão recíproca entre o art. 195 e o art. 198, I que é o artigo que prevê que não corre prescrição contra absolutamente incapaz.

Quer dizer, percebendo uma visão sistemática do código, em sede de prescrição tanto o relativamente quanto o absolutamente incapaz, foram objeto de proteção específica, só que como o absolutamente incapaz é totalmente desprovido de discernimento a proteção do código foi ainda mais incisiva do que aquela dirigida aos relativamente incapazes.

Muito cuidado com uma posição minoritária defendida pelo Gustavo Tepedino, que é peculiar, que diz o seguinte: o art. 195 ele prevê tanto a responsabilidade civil do assistente do relativamente incapaz quanto do representante legal da pessoa jurídica.

Só que o art. 195 não trouxe nenhuma referencia quanto ao regime da responsabilidade de um e de outro, o art. 195 podemos dizer que equiparou a responsabilidade civil dos dois e o Tepedino repudia essa unicidade de sistema de responsabilidade civil aqui.

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Para o Tepedino, se espera o caráter profissional do representante da pessoa jurídica, quer dizer, a responsabilidade jurídica do representante legal da pessoa jurídica, ela deve se submeter a um regime mais gravoso do que a do assistente do incapaz porque afinal de contas o representante legal da pessoa jurídica é o profissional em relação ao qual se exige maior experiência , maior diligência e, com base nisso, o Tepedino defende que a responsabilidade civil do representante legal da pessoa jurídica seria objetiva.

Tepedino defende a responsabilidade civil de representante legal da pessoa jurídica, com base no art. 927,§único do código civil, que é aquele art. que prevê a teoria do risco, sempre quando há desenvolvimento de uma atividade de risco responsabilidade objetiva. Nós veremos que o Tepedino tem uma interpretação bastante elástica desse dispositivo, ao passo que a responsabilidade do assistente do incapaz seria subjetiva. Quer dizer, do assistente não se espera necessariamente um caráter profissional, a mesma experiência, a mesma malícia que o representante legal da pessoa jurídica.

O art. 196 trata da chamada ???, basta a gente lembrar a definição de sucessão que vai ser muito útil para nós lá no direito das obrigações.

Vamos lembrar da definição de sucessão: ela representa a mutação subjetiva em um dos pólos da relação jurídica a qual se mantém a mesma em relação aos demais elementos. Ou seja, na relação obrigacional muda o credor ou o devedor, mas a relação jurídica permanece a mesma. Exemplos: cessão de crédito, assunção de dívida, a sub-rogação, todos os institutos que geram sucessão.

Então, qual o efeito prático de sabermos se há sucessão ou não? Vamos imaginar a cessão de crédito: muda o credor, sai o cedente, entra o cessionário, mas relação jurídica permanece a mesma. Como conseqüência, o que acontece com as garantias que antes incidiam sobre a relação? Elas subsistem porque a relação ela só se dá apenas no pólo ativo, mas a relação jurídica permanece a mesma.

O que acontece com os juros que antes fluíam em face do credor originário? Vão continuar a fluir em favor do cessionário e o que acontece com o prazo prescricional? A mesma coisa, a prescrição iniciada contra o credor originário vai continuar fluir naturalmente em face do novo credor. É isso que diz o art. 196.

Então, é claro que a premissa para a aplicação do art. 196 é que haja sucessão, ou seja, ele se aplica para a cessão de crédito, mas não se aplica para novação subjetiva ativa. Porque se houver novação subjetiva ativa além de mudar o credor vai surgir uma nova relação jurídica e, portanto nós não estaremos diante de uma hipótese de sucessão, o prazo prescricional vai começar do zero.

Outro cuidado aqui é que a prescrição iniciada contra o antecessor continua a fluir em face do sucessor salvo se em relação ao sucessor houver causa de impedimento ou suspensão do prazo prescricional. Quer dizer, se o sucessor for um ausente do País a serviço da União, é claro que haverá uma causa de suspensão do prazo prescricional.

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Uma questão freqüente em concurso... Outro detalhe antes de colocar a questão, se tem cessão de crédito, por exemplo, em relação ao cessionário, nós deixamos de ter uma causa impeditiva ou suspensiva que corria em face do cedente, os efeitos da mudança no pólo da relação obrigacional em relação ao art. 196 são sempre ex nunc, ou seja, os efeitos são sempre ex nunc. Quer dizer, se o cedente estava ausente do País, o cessionário estava no território nacional sobre ele não pesa nenhuma causa impeditiva suspensiva, o prazo vai começar a fluir dali.

Quer dizer, se havia fluido 2 anos, o cedente saiu do território nacional e passamos a ter um cessionário, aquele prazo anterior é levado em conta e a partir dali continua a fluir o prazo prescricional. Só tomar cuidado porque os efeitos são sempre ex nunc.

Questão: vamos imaginar aqui credor e devedor, vamos chutar um prazo prescricional de 5 anos e aí 4 anos e 11 meses o credor falece e por força da teoria da saisine ele transfere imediatamente o direito de crédito aos herdeiros.

Na prova, o examinador costuma colocar que o H1 tem 12 anos de idade, o H2 e H3 são maiores, sabemos que não corre prescrição sobre absolutamente incapaz, a dúvida é se a causa suspensiva da prescrição sobre H1, beneficia ou não H2 e H3.

O entendimento a cerca do tema envolve a aplicação por analogia do art. 201 parte final: suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível. A herança não é uma universalidade de direitos, não é indivisível? Aplicando o art. 201, parte final por analogia, a suspensão em favor de H1 teria o condão de beneficiar H2 e H3.

E aí quando o prazo volta a fluir? Se não houver partilha antes para H2 e H3, o prazo volta a fluir quando H1 fizer 16 anos. Mas cuidado com essa armadilha, porque se não pensarmos bem tendemos a falar 18 anos. Mas na verdade não corre prescrição contra absolutamente incapaz, mas flui contra relativamente incapaz, então se não houver partilha antes para H2 e H3 o prazo vai fluir quando H1 fizer 16 anos.

Questão simples que caiu na prova da Defensoria, não havia esse dispositivo no código anterior, é o art. 192 do código civil. Dentro desse ambiente em que a prescrição seria matéria de ordem pública, o art. 192 do código passa a dizer que os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.

O código anterior era omisso a respeito do tema e boa parte da jurisprudência admitia a redução convencional do prazo prescricional, não se admitia a majoração porque ela iria contra a idéia de paz social que é a idéia primordial da prescrição. A redução convencional, a jurisprudência admitia em termo que ela quase que se equivaleria a uma renuncia parcial, muitos admitiam uma redução convencional do prazo prescricional. Na sistemática atual, o art. 192 proíbe qualquer modificação nos prazos de prescrição, na prova lá objetiva caiu essa afirmativa do art. 192 que estava certa.

Vamos começar a ver as causas de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição que são chamados fatos preclusivos da prescrição.

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Pergunta.

Resposta: isso não cabe nem redução e nem majoração.

No impedimento, o prazo prescricional sequer tem início. Na suspensão, o prazo se inicia, se suspende e quando retorna leva-se em conta o período anteriormente transcorrido. Na interrupção, o prazo se inicia, se interrompe e quando retorna volta do zero, ou seja, não se leva em conta o período anterior.

As causas de impedimento e de suspensão estão disciplinadas nos artigos 197 a 201 e a bem da verdade as causas de impedimento e de suspensão são as mesmas.

Por exemplo: o art. 197, I diz que não corre prescrição entre cônjuges na constância da sociedade conjugal. Então, se a dívida é contraída quando casados a pendência do casamento vai ser uma causa de impedimento, o prazo não vai sequer começar. Se eles são solteiros, amigos e surge a dívida, há o vencimento e posteriormente venha a se casar nós teremos uma causa de suspensão.

Vamos começar a ver os aspectos mais importantes, começando com o art. 197, I que é o diz que não corre prescrição entre os cônjuges na constância da sociedade conjugal. Sem dúvida que o objetivo do dispositivo é resguardar a paz familiar.

Levando-se em conta o objetivo do dispositivo, que é resguardar a paz social, hoje o entendimento é pacifico no sentido de que a regra também se aplica a união estável. Nesse sentido, Enunciado 296 do Conselho no sentido de que a regra também se aplicaria no caso de união estável. Sugiro a remissão do art. 197, I para o art. 226, §3º da Constituição combinado com o Enunciado 296.

Quem discorda dessa posição de maneira isolada é o Ricardo Fiuza, que tem uma posição discordante que na verdade o argumento aqui seria basicamente o fato de como a prescrição busca a paz social, as causas de impedimento, suspensão e interrupção se submeteriam a um rol taxativo, porque essas causas estão de algum modo dificultando o atingimento da paz social. Só que claro, numa perspectiva civil e constitucional, essa visão acabaria não resistindo a aplicabilidade em relação a união estável.

Discussão aqui importante é a seguinte: se a hipótese é de separação judicial, ninguém vai mais discutir, porque o código agora fala explicitamente em “constância da sociedade conjugal”. A dúvida é se a hipótese é de separação de fato, quer dizer, será que corre prescrição entre separados de fato?

O 1º entendimento mais cômodo para se defender é no sentido de que quando o art. 197, I fala em sociedade conjugal, a separação de fato por si só não a romperia, ou seja, numa visão mais positivista a afirmativa seria no sentido de que não corre prescrição entre separados de fato, na medida em que essa separação ela não rompe a sociedade conjugal.

Há um segundo entendimento defendido pelo Humberto Theodoro Júnior mencionado pelo Gustavo Tepedino. O 2º entendimento defende que a separação de

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fato propicia assim o reinício do prazo e esses autores defendem a necessidade sistemática entre esse art. 197, I com o art. 1723, §1º parte final. Esse dispositivo, art. 1723, §1º parte final resumidamente autoriza a união estável para separados de fato.

Pergunta.

Resposta: na verdade é outro argumento de reforço, na verdade o que se argumenta é, o objetivo da regra é o que? Preservar a paz familiar, se o separado de fato pode constituir uma nova família, não haveria razão plausível para se prestigiar uma paz familiar que na verdade não mais existe. Quer dizer, se o próprio legislador autoriza a união estável do separado de fato, haveria uma incongruência em proteger aqueles separados de fato com a não fluência do prazo prescricional. Claro que a questão sucessória ela pode sim, o Humberto e Tepedino não chegam a mencionar, mas é um argumento de reforço aí, vem em harmonia com essa lógica.

Não se esqueçam daquela hipótese de casamento nulo porque se a hipótese é de nulidade, a princípio há o efeito ex tunc ressalvada a hipótese do casamento putativo, porque em relação ao cônjuge de boa fé subjetiva os efeitos serão ex nunc. Fazer remissão ao art. 1561.

Aliás, essa hipótese do casamento putativo é uma exceção a toda a sistemática geral, porque se um dos cônjuges estava de boa fé, em que pese nulo o casamento, os efeitos serão ex nunc, é uma hipótese em que há nulidade absoluta com efeitos ex nunc, exceção a lógica geral.

O art. 197, II diz que não corre prescrição entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar, cuidado com a armadilha na prova objetiva “durante o poder familiar”. Quer dizer, se houve emancipação, por exemplo, cessa o poder familiar, volta a fluir. Se houve adoção e obviamente a destituição do poder familiar, o prazo volta a fluir da prescrição em relação ao pai biológico e passaremos a ter uma causa suspensiva em relação ao adotande.

Sabe o que é tormentoso aqui e a doutrina não faz alusão? Vamos supor que o pai tenha uma dívida em relação ao filho e o pai emancipa voluntariamente o filho, qual seria o efeito da emancipação voluntária em tese? O início do prazo prescricional, só que isso beneficia o próprio pai que concedeu a emancipação voluntária.

Lembram da 1ª aula que vimos o Enunciado 41 afirmando que a emancipação voluntária não inibe a responsabilidade dos pais? Vejam que é no mínimo sustentável raciocínio análogo a essa hipótese, no mínimo sustentável que a emancipação voluntária não teria o condão de propiciar o início do prazo de uma dívida do pai para com o filho. É no mínimo sustentável essa afirmativa.

O inciso III prevê que não corre prescrição entre tutelados e curatelados e seus tutores e curadores durante a tutela ou curatela. O objetivo da regra é proteger a relação entre tutor e tutelado e curador e curatelado.

O Gustavo Tepedino afirma que é possível aplicar extensivamente o dispositivo a hipótese de guarda, o dispositivo merece aplicação extensiva a hipótese de guarda.

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Até porque tal qual a tutela, a guarda é um dos meios de colocação em família substituta e a mesma lógica que busca prestigiar harmonia entre tutores e tutelados se justificaria para resguardar a relação entre o guardião e o incapaz.

Quem quiser lembrar dessa posição do Tepedino, pode fazer a remissão do art. 137, III para os artigos 33 a 35 da lei 8069/90, o famoso ECA que são os artigos que tratam da guarda.

Vamos fechar esse primeiro tempo com uma perguntinha de prova oral? O art. 197 que acabamos de ver diz lá “não corre a prescrição”, o art. 198 artigo, que veremos após o intervalo, diz assim “também não corre a prescrição”. Por que o legislador não trouxe um artigo só tratando de todas as hipóteses? Não parece fazer sentido termos dois dispositivos para tratar da mesma questão.

Há uma razão de técnica legislativa, porque vejam bem, no art. 197 que acabamos de tratar, o objetivo do legislador é proteger relações socialmente importantes. Quer dizer, no inciso I o casamento, o inciso II o poder familiar e o inciso III a tutela e a curatela.

Qual o efeito prático dessa afirmativa em que o art. 197 busca a proteção da relação? É que a incidência do art. 197 é bilateral. Porque vejam, quando o código diz que não corre prescrição entre os cônjuges, o objetivo do art. 197 não é proteger um dos indivíduos em relação ao casamento e sim a relação em si. Conseqüentemente não corre prescrição entre cônjuges, não corre prescrição entre ascendentes e descendentes, não corre prescrição entre tutor e tutelado e entre curador e curatelado, porque o objetivo não é a proteção unilateral e sim a proteção da relação.

Já no art. 198, que passaremos a ver daqui a pouco, não. Nele a regra busca proteger determinada pessoa. Por exemplo: no inciso I, como nós sabemos, se diz lá que não corre prescrição contra absolutamente incapaz, mas corre a favor do absolutamente incapaz. O objetivo da regra não é a proteção da relação e sim a proteção do incapaz especificamente.

Intervalo...

Prosseguindo, vamos começar a análise do art. 198, I. Este artigo prevê que não corre prescrição contra absolutamente incapaz. Tem uma questão aqui que é importante e é a seguinte dúvida: vamos supor que a hipótese seja de incapacidade absoluta superveniente, quer dizer, as partes celebram contrato no estado de capazes, vencida a dívida, a prestação não é cumprida e um dos contratantes se torna deficiente mental. A dúvida é: se para aplicar o art. 198, I como causa suspensiva da prescrição, é pressuposto que haja sentença de interdição? A dúvida, portanto é se a sentença de interdição é pressuposto para aplicação do art. 198, I no caso de incapacidade absoluta superveniente.

Tem duas posições aí e a primeira me parece mais simples de ser defendida que é a do Carvalho Santos que diz que é pressuposto para a aplicação do art. 198 I, por incapacidade superveniente, que haja sentença de interdição. Esse argumento parece mais simples por quê? Porque em relação aos maiores, há uma presunção de

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capacidade, a incapacidade resulta da sentença. Por isso vimos na primeira aula que a posição hoje predominante é no sentido de que a sentença não tem natureza constitutiva. Então, enquanto não houver sentença, o sujeito é capaz e, portanto ele não é beneficiado pela regra do art. 198, I.

A segunda posição é defendida pelo Câmara que é acompanhada pelo Gustavo Tepedino que diz: olha, sem dúvida em regra é que com a sentença é que surge o estado jurídico do incapaz, mas percebam o objetivo da regra é protetiva e é possível que aquele sujeito seja totalmente desprovido de discernimento e ainda não haja uma sentença por conta da desídia dos familiares ou por conta da demora na prestação jurisdicional.

Então, entendendo que o deficiente mental não pode ser prejudicado por eventual desídia de seus familiares ou pela demora da prestação jurisdicional, vários autores afirmam que a sentença não seria pressuposto a aplicação do art. 1908, I. Agora, para aplicar o art. 198, I é preciso que haja comprovação de que na época do ato, o sujeito já padecia da ausência de discernimento, em se comprovando... Percebam, seria uma espécie de efeitos retroativos da sentença de interdição, para fins de suspensão ou impedimento do prazo prescricional.

Eu fiz uma pesquisa no STJ e achei um julgado em favor dessa segunda tese: RESP 550615 e para a primeira tese, um julgado mais antigo Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, ROMS 20512, STJ.

O sujeito tinha prazo de 120 dias para impetrar mandado de segurança, enfim não se valeu do prazo em que pese a interdição ter sido pronunciada posteriormente, o STJ entendeu que não caberia impetração do mandado de segurança porque escoado o prazo de 120 dias, em pese a interdição reconhecida após esse prazo, não admitiu efeitos retroativos para fins de suspensão do prazo de 120 dias.

O inciso II a princípio não traz muita dificuldade, diz lá: contra os ausentes do país, dos estados e dos municípios... É claro e evidente que a regra se aplique ao DF, o legislador atual não corrigiu a lacuna do código de 16.

Também é bastante firme o entendimento de que a regra se aplique as autarquias e fundações públicas. Quer dizer, se o sujeito está no exterior a serviço do BACEN aplicável o art. 198, I.

Alguma discussão existe em relação às empresas públicas e sociedade de economia mista. O tema é controvertido, alguns como Capanema defendem que a regra se aplicaria as empresas públicas e sociedade de economia mista porque há ali o capital público. A existência do capital público justificaria a aplicação do dispositivo.

Há uma predominância no sentido oposto, no sentido de não se aplicar as empresas públicas e as sociedades de economia mista porque são pessoas jurídicas de direito privado.

Acho que dá para fazer um meio termo, por que qual é a ratio do dispositivo aqui? A ratio não é impedir que venha a se consumar a prescrição para aquele que

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está fora do país atendendo interesse público. Se nós pensarmos que as empresas públicas e sociedades de economia mista podem prestar serviço público ou desenvolver atividade econômica, parece no mínimo sustentável, tratamento diferenciado.

Quer dizer, o sujeito está no exterior a favor de uma empresa pública que presta serviço público, ele está no exterior em homenagem ao interesse público e conseqüentemente mais plausível, mais justificável a aplicação do art. 198, II. Se por ventura a empresa pública ou sociedade de economia mista desenvolve atividade concorrencial, atividade eminentemente econômica, talvez perca força a tese da aplicação do art. 198, II.

A posição predominante é de não aplicar as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Vamos para o artigo 199, I que diz que não corre prescrição pendendo condição suspensiva. A regra parece obvia porque uma das premissas da prescrição é que haja lesão ao direito, que haja a pretensão e se há pendência de uma condição suspensiva, como nós vimos, o negócio jurídico não é se quer eficaz. Quer dizer, ele não produz efeitos enquanto não houver implemento da condição suspensiva.

Há uma ponderação aqui, mais uma vez do Câmara Leal, que nesse caso é seguido por Humberto Theodoro Júnior e também pelo Tepedino, dizendo o seguinte: vamos supor que alguém tem uma pretensão embasada num título contestado judicialmente, se for um titulo extrajudicial na ação anulatória, se for um titulo judicial na ação rescisória. Quer dizer, tem um questionamento judicial acerca da validade do título que embasa a pretensão do autor. Vejam, a efetividade da pretensão autoral não está subordinada a prestação jurisdicional? Se a prestação jurisdicional refutar o título, cessa a pretensão; se a prestação jurisdicional reconhecer como válido o título, a pretensão ela é exercitável.

Então, na verdade, esses autores defendem que quando alguém tem uma pretensão embasada num título de objeto de questionamento judicial, a efetividade dessa intervenção ela estaria subordinada ao resultado da prestação jurisdicional e o resultado a prestação jurisdicional é um resultado futuro e incerto. Então, a pendência de questionamento judicial sob um título do qual resulta a pretensão geraria uma causa de impedimento ou suspensão do prazo prescricional. Posição defendida pelo Câmara Leal, Humberto Theodoro Júnior e Gustavo Tepedino.

E o inciso II diz que não corre prescrição não estando vencido o prazo, quer dizer, na verdade não estando vencido o prazo não houve lesão ao direito. Esses dois dispositivos eles são muito aplicados lá na usucapião.

Vamos ver mais adiante o art. 1244 diz que as causas de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição também gera o impedimento, interrupção e suspensão do prazo para usucapião. Então, tudo isso que estamos vendo para a prescrição, para o art. 1244 se aplica também para a usucapião.

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Tem uma questão lá que é a seguinte: vamos supor o fideicomisso, tem o fideicomitente que transmite a propriedade resolúvel ??? e com o implemento da condição resolutiva ou do termo final a propriedade vai para o poder comissário. Quer dizer, o fiduciário tem propriedade resolúvel.

Se discute lá na usucapião o seguinte: imagine que o fiduciário esteja dentro de seu prazo ou ainda não tenha havido implemento da condição, só que o fiduciário sumiu do mapa e o terceiro venha exercendo a posse preenchendo todos os requisitos legais para usucapião.

A dúvida é se a usucapião usada em face do judiciário atinge o fideicomissário, percebam que pela regra geral, nós diríamos que sim porque usucapião é aquisição originária. Quando a aquisição é originária surge um direito novo, então pela lógica geral, aquele que usucapir propriedade resolúvel não adquiriria em tese propriedade resolúvel que é aquisição originária. Só que não corre prescrição na pendência de condição suspensiva enquanto não vencido o prazo.

Vejam que em relação ao fideicomissário, das duas uma: ou pende condição suspensiva ou não foi ainda vencido o prazo. Se não corre prescrição, também não corre prazo de usucapião. Então, usucapião contra fiduciário não atingiria o fideicomissário.

Seria uma hipótese excepcional em que aquele que vem usucapir propriedade resolúvel também vai adquirir propriedade resolúvel, apesar da usucapião ser aquisição originária. Usamos o art. 199, I e II com base no art. 1244.

Pergunta.

Resposta: sim, ou se vencer o prazo na pendência do poder de fato, aí a questão perde a graça.

O inciso III diz que não corre prescrição pendendo ação de evicção, aqui a questão é bem clara, por que na evicção o que nós teremos? Exemplo prático, furto do automóvel: o meliante furta o automóvel e aí o meliante transfere o bem para o A, o A para o B, o B para o C e o C para o D.

A vítima do furto, verdadeiro proprietário, é o evictor que vai exercer a pretensão reivindicatória em face do evicto B. Na pendência dessa ação de evicção, não corre prescrição em eventual direito de regresso do evicto em face dos alienantes imediatos... Em ????, melhor colocando, porque houve uma mudança na sistemática do código atual como veremos mais adiante.

Porque há uma evidente relação de prejudicialidade entre o resultado da prestação jurisdicional envolvendo evictor e evicto e o direito de regresso do evicto em face dos alienantes.

Só para registrar, essas regras que estamos vendo aqui de impedimento, suspensão são regras gerais, na verdade são algumas regras especiais sobre o tema. Por exemplo, nós temos o art. 6º da lei 11101/05 que é a lei de falência e um dos efeitos da lei de falência é a suspensão do prazo prescricional. Tem ainda o art. 40 da

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lei 6830/80 execução fiscal. Tem o art. 4º do decreto 20910/32 é o protocolo de reclamação administrativa e tem uma hipótese também na Súmula 229 do STJ que é contrato de seguro que diz que o pedido de pagamento de indenização com a seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão, uma hipótese criada pela jurisprudência Súmula 229 do STJ.

Tem outra discutição ainda que é a seguinte: e se for demonstrada a impossibilidade absoluta de agir? Um argumento mais tradicional seria dizer o que? Que as hipóteses de impedimento de suspensão são rol taxativo, se não estiver previsto no rol legislativo não haveria causa de suspensão, impedimento da prescrição. Só que a tendência é no sentido de se afirmar que se for demonstrado o impedimento absoluto de agir, não flui o prazo prescricional, ele não se consuma.

Exemplo atual: se há uma greve, a greve na eminência de expirar o prazo prescricional, quer dizer, diante da greve nós temos um impedimento absoluto. Tragédias naturais como terremotos, etc... Tem uma hipótese que o código português prevê e o brasileiro não prevê, mas a doutrina costuma lembrar que é: se há uma ocultação dolosa do crédito pelo devedor.

Tem uma regra no art. 321 nº2 do código português e para justificar essa afirmativa dá para trazer a colação o art. 183 do CPC o qual prevê que por justo impedimento é possível mitigar as lógicas dos códigos processuais peremptórios. Ainda que peremptório o prazo, se houver justo entendimento, o art. 183 do CPC admite a concessão da dilação de eventual prazo peremptório. Claro que não é a mesma coisa da prescrição, estaríamos falando basicamente de preclusão, mas o mesmo raciocínio aqui aplicado.

O art. 202 trata da interrupção da prescrição e aí questões que não param de cair em prova objetiva que é essa lógica do art. 202 caput no sentido de que agora só cabe interrupção uma única vez.

Por que o legislador assim se posicionou? O receio de que sucessivas interrupções pudessem consagrar a imprescritibilidade e, conseqüentemente, o abalo a paz social.

Numa interpretação macro aqui, o art. 202 traz três incisos para causas interruptivas. Nos incisos de I a V quem interrompe a prescrição é o credor, quer dizer, regra geral a interrupção da prescrição de corre de uma iniciativa do credor. Só que anomalamente no inciso VI prevê uma hipótese em que o próprio devedor interrompe a prescrição (art. 202, VI).

O que estou querendo dizer é que o objetivo central é evitar que o credor reiteradamente interrompesse a prescrição, o prazo voltaria do zero e ele sempre preservaria a possibilidade do exercício da pretensão.

Vamos fazer uma reflexão crítica aqui sobre isso, vamos imaginar que haja um prazo prescricional de 10 anos, prazo ordinário, venceu a dívida ontem. O inciso VI prevê que o devedor interrompe a prescrição quando ele próprio reconhece o direito do credor.

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Vamos supor que dois dias depois de vencida a dívida o devedor reconheça o direito do credor, sem nenhum motivo, interrompeu a prescrição não é isso? Pela literalidade do art. 202 não cabe mais interrupção, não dá para pensar ou no mínimo sustentar aí fraude a lei, abuso do direito? Porque vejam que uma interrupção provocada sem motivo pelo devedor dois dias depois de vencida a pretensão, aniquilaria do credor a possibilidade, por completo, de provocar qualquer outra causa interruptiva.

A posição predominante é no sentido de que só cabe interromper uma vez e ponto final, mas numa visão sistematizada é no mínimo sustentável que em hipótese como essa possamos aplicar abuso do direito. Porque na verdade devedor que interrompe no 2º dia, em tese, ele aniquilaria por completo a possibilidade de qualquer interrupção por parte do credor. Então, se tivermos que ser parcial na prova, tiver que defender isso na vida prática é no mínimo discutível a aplicação literal do art. 202, caput nesse ponto.

Tem mais uma ponderação e que é defendida pelo Tepedino que é o seguinte: a grosso modo, no inciso I interrompe a prescrição o credor que ingressa em juízo, nos incisos de II a V o credor interrompe por outros meios (protesto cambial, quando constitui em mora o devedor, etc...).

Olha o problema que pode surgir aqui: vamos imaginar que o credor efetue protesto cambial, interrompeu a prescrição, depois do protesto o prazo volta a fluir do zero. Antes de consumado o prazo prescricional o credor ingressa em juízo, se aplicarmos literalmente o art. 202, caput o que vamos dizer? Não interrompe de novo e o risco seria a consumação da prescrição na pendência da prestação jurisdicional. Quer dizer, você exercer uma pretensão em juízo antes de ultimado o prazo, poderia vir a ser prejudicado com a consumação da prescrição inclusive por conta de eventual delonga na prestação jurisdicional.

Então, o que o Tepedino afirma aqui é que na verdade o art. 202, I teria o condão de propiciar uma segunda causa interruptiva da prescrição.

Pergunta.

Resposta: talvez o que o autor esteja querendo dizer é que na verdade não seria admissível dentro dessa mesma ótica do Tepedino, não seria admissível que não venha a se admitir uma segunda causa interruptiva quando o credor ingressa em juízo, porque é via própria para o exercício da pretensão.

Pergunta.

Resposta: esse inciso I aqui, o Tepedino não chega a dizer isso não, mas seria facilmente adaptável, aplicado por analogia nessa mesma lógica, ao inciso II (protesto medida cautelar).

Acho delicado a aplicação por analogia do ato judicial que constitui em mora o devedor, porque na verdade se ele já protestou cambialmente, por exemplo, quer dizer,

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a via adequada não é a constituição da mora, a via adequada seria o exercício da pretensão jurisdicional.

Acho que fica melhor equacionado, para não se correr risco, a tese do Tepedino é mais segura, quer dizer, seria admissível uma 2ª causa interruptiva quando essa 2ª causa for um ingresso em juízo no exercício da pretensão. Sob pena de corrermos o risco de vermos uma pretensão consumada quando o sujeito ingressou na via judicial antes de ultimado o prazo prescricional, acho que fica mais sistematizado, acho que se corre menos risco.

Vamos ver então as principais hipóteses. O inciso I começa dizendo assim: por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual ...

Aí a gente já começa a ter uma primeira briga entre civilista e processualistas porque o CPC diz que interrompe a prescrição a citação válida, está lá no art. 219, caput e o inciso I diz que interrompe a prescrição despacho do Juiz que ordena a citação, que é o “cite-se” (despacho liminar de conteúdo positivo lá do Barbosa Moreira).

O Tepedino defende que o dispositivo, o art. 202, I revogou tacitamente o RT. 219, caput quando diz que o que interrompe é a citação válida. O Tepedino diz que o código civil é lei posterior e se é lei posterior, no caso de divergência, o código civil teria revogado tacitamente o art. 219, caput quando diz que o que interrompe é a citação válida. Então, o que Tepedino diz que com o “cite-se” já interrompe, ainda que, tenha citação válida ou não.

Os processualistas em geral resistem a essa afirmativa, o que eles afirmam é que a citação válida interrompe, e aí o art. 219, I diz que se a parte diligenciar e promover a citação no prazo oportuno aí sim a citação válida vai produzir efeitos retroativos a propositura da ação.

A propositura da ação, o próprio CPC define, ou é distribuição ou é despacho liminar, está no art. 263 do CPC. Isso gera uma série de desdobramentos, o possível problema para a posição do Tepedino, lembra aquela sentença liminar que o Juiz de plano, repudia a pretensão autoral? Vamos imaginar que antes de consumado o prazo, o sujeito ingressa em juízo, e o Juiz profere a sentença liminar. O autor recorre, apela, o tribunal reforma a sentença. Só que, entre a sentença liminar e o acórdão a prescrição venha a se confirmar, o despacho liminar de conteúdo positivo só vai se dar posteriormente.

Conversei com três processualistas e todos afirmaram “olha, problema do credor, o credor que nesse prazo interrompa a prescrição por outros meios, ele que faça o protesto, enfim ele que se vire lá”.

Numa visão focada no direito material, para direito civil é plenamente sustentável a idéia de que aquela sentença liminar reformada pelo tribunal produza os efeitos do despacho liminar de conteúdo positivo para fim de interrupção do prazo

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prescricional. Quer dizer, seria uma equiparação da sentença liminar ao despacho liminar para fins de interrupção do prazo.

Numa visão instrumental seria demasiadamente oneroso que o credor suportasse a perda da pretensão por uma sentença liminar que o próprio judiciário reconheceu como equivocado. Quer dizer, no momento da sentença a decisão adequada seria o “cite-se” e não o repudiar daquela pretensão exercida. É claro que o tema é extremamente tormentoso, não estou querendo trazer aqui a solução, não é nenhuma panacéia, mas é no mínimo discutível essa solução.

Pergunta.

Resposta: isso, só que na verdade, a própria provocação da outra parte para contra-razoar pode se dar após a consumação do prazo prescricional. Podemos ter situações em que o único remédio plausível seria a retroação. Então, uma visão instrumental seja demasiadamente oneroso imaginar consumação da prescrição nessas circunstancias.

Para prova de processo civil, sugiro até que conversem com prof. de processo, até já conversei com alguns e todos afirmam peremptoriamente rol taxativo cabe ao credor interromper por outros meios.

Se seguirmos a tese de Humberto Theodoro, a tese dos processualistas de que o que interrompe é a citação válida, uma questão importante é a seguinte: vamos supor que o réu não seja citado, mas há um comparecimento espontâneo que supre a citação. Se a não citação não decorre de culpa do autor, o comparecimento espontâneo retroage a data da citação, vários autores assim se posicionam.

Porque na verdade o comparecimento não decorreu de culpa do autor, nós teríamos até um instrumento de burla, de fraude para o réu inviabilizar a consumação da prescrição. Se decorreu de desídia do autor, a interrupção se daria no momento do comparecimento espontâneo. Quer dizer, se não decorre de culpa do autor, seria possível atribuição de efeitos retroativos ao comparecimento espontâneo para fins de interrupção do prazo prescricional.

Outro ponto, se aplica o art. 202, I no caso de reconvenção ou de pedido contraposto porque tanto numa como na outra hipótese o devedor exerce verdadeira pretensão.

Tem outra questão importante que é a seguinte: vamos supor que tenha um contrato com cláusula compromissória. Então, diante dessa cláusula as partes se comprometeram levar todo e qualquer litígio ao juízo arbitral. Se há cláusula compromissória e uma das partes provoca o juízo arbitral, a provocação do juízo arbitral interrompe o prazo prescricional? Quer dizer, é possível aplicar extensivamente o art. 202, I ao ingresso no juízo arbitral se há cláusula compromissória? Se há cláusula compromissória, a via adequada para a parte buscar a admissão de qualquer litígio, a princípio não seria via judicial, seria via arbitral e na verdade a via arbitral seria aplicável por analogia a hipótese desde que haja cláusula compromissória.

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Vamos tomar cuidado aqui com o seguinte: pelo art. 202, I ou o despacho liminar ou a citação interrompe, exceções: litispendência e coisa julgada. Porque na hipótese tanto de litispendência como de coisa julgada, o efeito interruptivo se deu na relação processual anterior. Então, o reconhecimento da litispendência ou da coisa julgada, afastaram o efeito interruptivo do despacho ou da citação da segunda relação processual.

Há ainda a hipótese de ilegitimidade. Não se aplica o art. 202, I no caso de ilegitimidade ad causam, porque o art. 203 do código civil diz que a prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado. Então, a princípio, se o irmão do credor ingressa em juízo, ilegitimidade ad causam, se o irmão não tiver nenhum interesse jurídico obviamente não haverá o efeito interruptivo da prescrição. Cabe ao próprio credor ou interessado sair do estado de inércia.

Quem seria o interessado aqui? O código diz qualquer interessado, não necessariamente o credor, pode ser um terceiro interessado. O credor do credor. Quer dizer, eu tenho a pretensão contra ela e ela tem uma pretensão contra mim, pode ser que a minha solvência dependa do recebimento daquele direito de crédito. Ela é uma terceira interessada em interromper o prazo de prescrição, quer dizer, o credor do credor entraria no exemplo do art. 203.

Querem ver outro exemplo mais delicado ainda em que não há sequer a titularidade do direito? Seguro, vamos supor que haja um contrato de seguro firmado, vamos supor que a seguradora seja responsável por um contrato de transporte e haja um terceiro que tenha dado causa a um acidente decorrente daquele contrato de transporte.

A princípio, a vítima direta tenha ação contra o culpado, só que a seguradora se compromete a se subrogar na posição da vitima, a seguradora mesmo antes de se subrogar na posição da vítima tem interesse em interromper o prazo de prescrição, depois da sub rogação ela vai ser a própria titular do direito material ali envolvido, mas mesmo antes da sub-rogação ela seria um 3º interessado.

Os incisos II e III, precisam ser vistos em conjunto, porque o inciso II ele prevê aqui a interrupção pelo protesto, essa regra já havia no código anterior, o que não havia era o inciso III que agora diz protesto cambial que é uma nova causa de interrupção da prescrição.

A época do código 16 foi editada a Súmula 153 do STF e a Súmula formalmente em vigor afirma que o simples protesto cambial não interrompe a prescrição. O que a Súmula queria dizer é que o protesto do atual inciso II não correspondia ao protesto cambial, que esse protesto na verdade correspondia ao protesto previsto no CPC dentro do rito das ações cautelares. Salvo engano esse protesto está nos artigos 867 a 873 do CPC. Só que essa Súmula caiu por terra, então cuidado com a vigência do código atual caiu por terra a Súmula 153 do STF.

O inciso IV diz que interrompe a prescrição a apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores. Obs: concurso de credores

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abrange a falência. Só que nós vimos que o art. 6º da lei de falência diz que um dos efeitos de sentença de falência é a suspensão do prazo prescricional.

É preciso harmonizar o art. 202, IV com o art. 6º da lei de falência e se harmoniza nos seguintes termos: com a prolação da sentença de falência, suspende a prescrição e o credor que for diligente e habilitar o seu título de crédito no juízo falimentar ele a passa a se beneficiar da interrupção. Quer dizer, com a simples sentença já suspendeu e o credor que for diligente e habilitar o seu título de crédito no juízo falimentar, passa a se beneficiar da interrupção e a interrupção é mais benéfica para o credor do que a suspensão.

Nós teríamos uma transmudação da suspensão da lei de falência na interrupção do art. 202, IV do código civil e se ele não habilitar o título, ele continua a se beneficiar da suspensão do art.6º.

Temos ainda um problema lá no inciso V que diz que interrompe a prescrição qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor. Prova objetiva, o ato tem que ser judicial, se for extra-judicial não interrompe. Só que numa interpretação sistemática é possível divergir da literalidade do inciso V pelo seguinte: o código atual trouxe duas novidades legislativas, uma primeira no art. 397,§único que trata da mora ex personae, percebam que o inciso V não se aplica na mora ex re que ela se constitui automaticamente.

O que o art. 397, §único traz de novo, está lá na parte final que diz: não havendo termo a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. O legislador passa a prever a possibilidade da interpelação extrajudicial interromper a prescrição, novidade do código.

Seria incompatível a inovação do parágrafo único que passa a autorizar a interpelação extrajudicial como constitutiva da mora, com a redação restritiva do inciso V do art. 202. Quer dizer, o legislador mudou lá e esqueceu de alterar cá.

Numa visão legalista, sem maiores cuidados interpretativos, alguns diriam “não, a judicial interrompe a prescrição e constitui a mora e a extrajudicial não teria o mesmo efeito”.

Tem outro argumento que acho mais convincente, é a alteração que nós vimos do art. 202, III que agora prevê que o protesto cambial interrompe, outra novidade, e o protesto cambial tem natureza extrajudicial. Quer dizer, seria desarrazoado, numa interpretação sistemática, que o protesto cambial de natureza extrajudicial interrompa a prescrição e a interpelação judicial constitutiva da mora não produzir o mesmo efeito. Defendem essa posição Humberto Theodoro Júnior e Gustavo Tepedino.

Pergunta.

Resposta: pela literalidade só judicialmente, já a segunda corrente defende também extrajudicialmente por conta destas duas modificações legislativas.

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O inciso VI prevê que interrompe a prescrição qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial que importe reconhecimento do direito pelo devedor. Quer dizer, o devedor quando reconhece o direito do credor interrompe a prescrição, tem alguns exemplos clássicos aqui: o devedor que pede dilação de prazo; na execução fiscal no direito tributário muito usado o parcelamento, então o contribuinte quando pede o parcelamento da divida ele interrompe a prescrição porque quem pede parcelamento reconhece o direito do credor; fornecimento de garantia

Pergunta.

Resposta: não necessariamente, vai depender do caso, a mera dilação de prazo gera novação, mas se a dilação de prazo vier acompanhada de outras modificações substanciais aí sim ela acabaria configurando novação e aí perderia a graça o art. 202, VI não seria interrupção seria um novo prazo de prescrição, quer dizer, a dilação de prazo desde que não configurada a novação.

Vamos tratar de um tema agora que vem caindo sistematicamente que é a questão do direito intertemporal. Todos aqui sabem que há uma forte tendência do código atual em reduzir os prazos do código anterior não é isso? Uma forte tendência.

Tem uma exceção a isso só que é o art. 206, §1º, I pretensão do hospedeiros ou fornecedores de víveres, enfim, o prazo era de 6 meses e agora passou para 1 ano, mas em regra os prazos ou foram mantidos ou reduzidos. Prazo ordinário era de 15, 20 ou 10 e agora sempre de 10 anos.

Então, a grande questão do direito intertemporal qual é? É a hipótese em que tenhamos prazos prescricionais ??? do código de 16 em andamento quando entra em vigor o novo código.

A dúvida é quando aplicar o código de 16 e quando aplicar o prazo do código atual, tem regra explícita no art. 2028 que a grosso modo diz: se havia passado mais da metade do código de 16 continuamos a aplicar o código de 16, se havia passado menos da metade do prazo do código de 16, o prazo aplicável passa a ser do novo código.

Duas questões importantes aí, notadamente quando se passa a aplicar o prazo do código novo: primeiro, vamos supor que tenhamos um prazo aí para reparação civil, o prazo era de 20 anos e caiu para 3 anos e aí vamos imaginar que quando entra em vigor o código atual, tivesse se passado 6 anos menos da metade.

Menos da metade do prazo do código velho, então se passa aplicar o prazo do código novo que é de 3 anos, se não estivermos bem avisados nós diríamos perdeu, já era, só que na verdade o entendimento já consolidado na jurisprudência, na doutrina, no sentido de que quando se aplica o prazo do novo código o prazo começa a contar a partir da vigência do código atual.

Nesse sentido, Enunciado 50 do CJF e tem inúmeros julgados, mas vou dar o último Informativo, Informativo nº 368 do STJ, RESP 966319.

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Outra questão aqui pertinente é a seguinte: o art. 2028 ele é regra do direito intertemporal não apenas para prescrição, mas também para usucapião, é regra geral de direito intertemporal.

Vamos imaginar, o prazo da usucapião extraordinária era de 20 anos no código velho e agora caiu para 15 ou 10 anos, mas vamos jogar de 20 para 15, art. 1238,caput. Então, o prazo era de 20 caiu para 15, vamos imaginar que quando entra em vigor o nosso código atual tivesse se passado 9 anos, menos da metade do código velho, a gente passa a aplicar o código novo a partir da vigência.

Só que vejam, 15 dali para frente mais 9 que passaram daria 24, prazo maior do que o código de 16 quando o objetivo do legislador foi reduzir o prazo. Então, a doutrina que também já construiu a idéia de afirmar o seguinte: o prazo do novo código se aplica a vigência tendo como limite temporal o prazo do código de 16. Então, o prazo vai começar a fluir a partir da vigência, mas esse computo a partir da vigência não pode superar o prazo da legislação de 16.

Nesse sentido Enunciado 299 do Conselho que diz a mesma coisa, só que com outras palavras que particularmente acho mais confusa, mas pode o examinador jogar lá na prova objetiva, ele diz assim: “O prazo flui a partir da vigência, salvo se, contado dessa forma, o prazo for maior do que o código velho porque se for maior do que o prazo do código velho a gente passa a aplicar o código de 16”.

Vamos então ressaltar aqui algumas considerações a respeito da decadência, artigos 207 a 211, já vimos que a decadência foi atrelada aos direitos potestativos, não é isso? Olha só, uma primeira observação aqui é a seguinte: no código de 16 sabemos que não havia tratamento próprio para a decadência, ele não trazia o instituto da decadência, a doutrina é que diferenciava os prazos prescricionais dos prazos decadenciais. E a época, era unânime a afirmativa de que os prazos decadenciais eram peremptórios, isso era unânime, quer dizer, todos afirmavam que a decadência não admitia causas de impedimento, suspensão e interrupção.

Só que o art. 207 desmente essa afirmativa anterior, ele diz que salvo disposição legal em contrário não se aplicam a decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompe a prescrição.

O próprio art. 207 admite causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas da ??? e o próprio art. 208 traz aí uma dessas hipóteses: o artigo seguinte, o art. 208 diz que se aplica a decadência o art. 195 e o art. 198 inciso I que é aquele artigo que diz que não corre prescrição contra absolutamente incapaz e se não corre prescrição por força do art. 208 também não correrá prazo decadencial contra ele.

O art. 195 é aquele que prevê a responsabilidade civil do assistente do representante legal da pessoa jurídica. A lógica, o sistema de proteção aos incapazes da prescrição se projetou para a decadência, quer dizer, a mesma regra envolvendo os relativamente incapazes para a prescrição se aplica a decadência e aí a pessoa jurídica vai de carona e os absolutamente incapazes também.

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Querem ver outro exemplo de impedimento, suspensão no art. 446, olha só o 445 prevê prazo decadencial para ??? prazo legal de decadência, aí o art. 446 diz que não corre o prazo decadencial legal do art. 445 na pendência da garantia contratual, ou seja, a garantia contratual se soma a legal. Vejam que a garantia contratual vai ser uma causa de impedimento do transcurso do prazo decadencial do art. 445. Então, o art. 446 seria um exemplo de impedimento ou suspensão de decadência.

Vamos jogar decadência legal para um lado e convencional para outro, prova objetiva. Decadência legal é irrenunciável, art. 209. A decadência convencional é renunciável, principio da autonomia privada.

E a segunda diferença trazida pelo código, a decadência legal deve ser reconhecida de oficio, art. 210 e a decadência convencional art. 211 não pode ser reconhecida de ofício.

Quando o art. 295, IV do CPC diz que é causa de indeferimento da inicial a decadência, entenda-se a decadência legal. O art. 295, IV do CPC não se aplica a decadência convencional, art. 211 do código civil.

FIM.

Aula 10 – 04/11/08

Direito das Obrigações

Definição tradicional: é o poder que a ordem jurídica atribui ao credor, também chamado de accipiens, de exigir do devedor, também chamada de ???, o cumprimento de uma prestação que pode consistir em dar, fazer ou não fazer. Essa é a definição clássica, tradicional.

O que há de novo é que alguns afirmam que essa definição clássica, tradicional teria se tornado insuficiente a luz da boa fé objetiva, porque essa definição parece sugerir que apenas o credor exerce pretensões em relação ao devedor, ou seja, essa perspectiva clássica sugere que a relação obrigacional seria uma relação de subordinação. Quer dizer, sugerindo a idéia de que o devedor estaria sempre subordinado as pretensões exercidas pelo credor.

Por que essa lógica teria se tornado insuficiente a luz da boa fé objetiva? Por conta dos deveres anexos e indiscutivelmente os deveres anexos vinculam não apenas o devedor, mas também o credor.

Então, diante dos deveres anexos da boa fé objetiva, que vinculam ambas as partes, o que sustenta que não mais seria admissível a lógica de que na relação obrigacional de que não apenas o credor exerce pretensões em relação ao devedor, na verdade o devedor também exerce pretensões em relação ao credor, notadamente no

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que diz respeito aos deveres anexos. Daí a afirmativa de que a relação obrigacional deixa de ser uma relação de subordinação e passa a ser uma relação de cooperação.

Essa visão ainda bastante introdutória, nos remete a uma outra questão que é a idéia da obrigação como um processo. Idéia muito bem trabalhada pelo Clóvis Couto e Silva, repetida por outros autores e muito bem difundida pela Judite Martins Costa e pelo Gustavo Tepedino, que é a idéia da obrigação como um processo.

Qual a idéia básica de processo? Uma série de atos concatenados, direcionados, a uma determinada atividade, então a idéia como processo parece sugerir o que? Que no contexto atual, a obrigação ela não se resume ao acordo de vontades e ao respectivo cumprimento. Então, além do acordo e do respectivo cumprimento é indispensável a inobservância de uma série de atos paralelos e esses atos, que devem necessariamente serem observados, dizem respeito justamente aos deveres anexos da boa fé objetiva.

Tem um caso que costumo comentar em sala porque ele ilustra bem isso, foi um caso concreto que aconteceu na Justiça do Trabalho: foi feito um acordo entre o reclamante e o reclamado e por esse acordo o reclamado se comprometeu a pagar ao reclamante mil reais na secretaria da Vara, numa determinada data X. O reclamado compareceu na data convencionada, pagou os mil reais só que em moedas de 50 centavos, despejou as moedas lá no balcão. Posteriormente o reclamante ingressou com uma ação por danos morais e nesta ação por danos morais foi feito um novo acordo só que agora no valor de dois mil reais, quer dizer, o dobro do acordo anterior.

Esse exemplo demonstra que no contexto atual não basta um mero acordo e respectivo cumprimento, é preciso que haja a observância dos deveres anexos, nesse caso o dever anexo de cooperação e de colaboração. Quer dizer, num outro contexto, seria inimaginável essa solução porque o acordo foi cumprido e a moeda tem curso forçado no território nacional, sem dúvida é uma nova perspectiva no direito obrigacional.

Antes de entrarmos no código civil, vamos lembrar de algumas definições introdutórias, começando com a idéia de obrigação natural.

Começando a sistemática da obrigação natural: quanto ao vínculo jurídico obrigacional, hoje é bastante pacífico o entendimento de que se adota a chamada teoria dualística. Por essa teoria, o vínculo jurídico obrigacional se subdivide nesses dois elementos aqui, que são clássicos: débito e a responsabilidade (Schuld e o Haftung)

O débito, como o próprio nome parece sugerir, representa o compromisso assumido pelo devedor no sentido de cumprir o que fora pactuado. A responsabilidade seria a responsabilidade de sanção patrimonial pelo descumprimento do débito.

Muitos no passado criticavam a teoria dualista porque muitos diziam que essa teoria não teria importância prática, muitos afirmavam onde há o débito, há responsabilidade e onde há responsabilidade, há o débito.

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Regra geral sem dúvida, mas há exceções, vamos lembrar de hipóteses em que há responsabilidade sem débito. Caso típico da fiança, do aval, do penhor ou da hipoteca de um bem oferecido por terceiro. Quer dizer, nesses casos o terceiro que não contraiu débito se sujeita a uma sanção patrimonial no caso do descumprimento daquilo que fora pactuado.

Quando se fala na hipótese de débito sem responsabilidade, na hipótese oposta em que há débito, mas não há responsabilidade, aí sim nós entramos no contexto das obrigações naturais. Isso significa dizer que a obrigação natural é inexigível pela via jurisdicional e os exemplos clássicos são as dívidas prescritas e a dívida de jogo não autorizado, só com o cuidado de registrar que se o jogo é regulamentado e autorizado a obrigação é civil.

Tem até um Julgado do STJ, Informativo 315, que era uma dívida envolvendo agenciador de jóquei clube e essa atividade é regulamentada legislativamente, o STJ ressaltou que aquela obrigação era de natureza civil e não natural.

Vamos tomar cuidado para não confundir, dar esmola para uma pessoa carente é obrigação natural? Não, ou seja, não confundir obrigação natural com mero dever de consciência, porque é da essência da obrigação natural que não haja responsabilidade, mas que haja débito, quer dizer, na obrigação natural há débito.

Quem traz uma leitura diversa dessa que nós estamos colocando aqui, que é pacificada, quem diverge disso é o Arnaldo Rizzardo que traz a lógica da obrigação natural encampando o dever de mera consciência, mas é uma posição isolada.

Vamos nos lembrar aqui de uma regra que já vimos aqui na aula anterior que está dentro desse contexto agora, que é aquela regra do artigo 882: aquela questão da irrepetibilidade de pagamento de dívida prescrita, vocês estão lembrados? Basta recordar o que vimos na aula passada, quer dizer, quando há obrigação natural o pagamento é devido, ele apenas não é exigível porque não há responsabilidade, mas há o débito.

Então, o art. 882 rechaça, afasta a repetibilidade do cumprimento da obrigação natural, exceções ao art. 882: primeira exceção trazida pelo Fernando Noronha e seguida por outros autores é a hipótese do pagamento da obrigação natural feita pelo incapaz.

Tem vários dispositivos e legislação estrangeiras sobre o tema, para concurso ninguém precisa saber disso, mas quem tiver interesse específico, o art. 2034 do código italiano e o art. 403 do código português e no direito brasileiro tem uma regrinha que é o art. 814, parte final: as dividas de jogo ou de apostas não obrigam a pagamento, mas não se pode recobrar a quantia que voluntariamente se pagou salvo se foi ganha por dolo ou se o perdente é menor ou interdito. Quer dizer, o art. 814 explicitamente admite a repetibilidade do pagamento de divida de jogo não autorizado quando o perdente é menor ou interdito.

Outra exceção ao art. 882 é quando o pagamento de obrigação natural causar prejuízo aos credores civis. Isso nos lembra o que? Fraudes contra credores.

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Para justificar essa posição, vale a pena trazer a colação o art. 191 que vimos na aula passada, que traz a renuncia da prescrição. Quando o sujeito renuncia a prescrição ele vai cumprir uma obrigação natural e aí o art. 191 diz que a renuncia da prescrição... Diz que não pode prejudicar terceiro. Então, pela própria sistemática do art. 191 é possível se afirmar que teríamos essa outra exceção aí.

Outro cuidado aqui dentro da sistemática das obrigações naturais é em relação ao art. 369 que trata de compensação legal que diz assim: a compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. Quer dizer, preenchido esses requisitos cabe a compensação legal que independe de acordo.

É unânime o entendimento de que quando o art. 369 fala em dívidas vencidas entenda-se exigíveis, justamente para excluir do âmbito da compensação legal as obrigações naturais. Quer dizer, uma divida de jogo não autorizada ou prescrita são dividas vencidas, mas não são exigíveis. É claro que não pode caber compensação legal de obrigação natural, porque se não nós estaríamos indiretamente atribuindo responsabilidade a uma obrigação que não tem tal característica.

Outra discussão sobre o tema é se cabe ou não a novação de obrigação natural. Nós temos dois entendimentos aqui: um no sentido de não cabe, lembrando que qual seria o efeito prático da novação da obrigação natural? Surgir uma obrigação civil, se extinguiria a obrigação natural e se iniciaria uma obrigação civil.

Principalmente o Clóvis Beviláqua sempre refutou, e muito, cabimento de novação em obrigação natural e ele sempre fixou a atenção em relação ao descabimento em relação às dividas prescritas, porque a prescrição busca a paz social e se fosse cabível a novação de divida prescrita as partes por acordo de vontade poderiam adiar, afastar o atingimento da paz social.

Só que hoje, o entendimento majoritário é no sentido de se admitir a novação de obrigação natural e tem vários autores nesse sentido como Carlos Roberto Gonçalves, Venosa, Tepedino. A uma, porque vejam, na obrigação natural não há responsabilidade, mas há o débito, então a novação de obrigação natural viria em harmonia com a idéia de eticidade nas relações obrigacionais.

Em relação à prescrição especificamente, que era a preocupação maior do Clóvis Beviláqua, qual é o raciocínio lógico? Se o código admite a renuncia é justificável que caiba a novação, são institutos diferentes. Mas se cabe renuncia é justificável que caiba novação. São institutos diferentes por quê? Porque a renuncia da prescrição se dá na mesma relação jurídica ao passo que a novação vai fazer surgir uma nova relação obrigacional.

Me parece no mínimo sustentável e não vi ninguém defendendo isso ainda, mas me parece no mínimo discutível o seguinte: o código não diz que agora só cabe interromper a prescrição uma vez, art. 202, caput? O objetivo da regra qual é? Evitar que a paz social não seja atingida, dentro dessa mesma finalidade me parece no mínimo sustentável que só caiba novação de divida prescrita uma única vez, se valendo da mesma lógica do art. 202 caput.

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Uma interpretação, claro que por analogia, porque os institutos são diferentes, novação é uma coisa e interrupção da prescrição é outra, mas enfim é no mínimo sustentável essa visão sistemática.

Para registro, saiu um Julgado no Informativo nº 362 do STJ dizendo que não ofende a ordem pública a concessão do exequato para citar alguém no Brasil para que se defenda em ação de cobrança de divida de jogo autorizado em estado estrangeiro.

Outro tema importante, antes de entrarmos no código civil, é a idéia de obrigação propter rem. Saiu mais um Informativo do STJ acho que está no nº 373. Obrigação propter rem é a expressão mais utilizada, são expressões sinônimas, obrigações reais ou ambulatórias.

Propter rem basicamente significa “por causa do bem”, qual a idéia básica desse tipo de obrigação? A característica básica é que a obrigação propter rem decorre de um direito real pré existente. Ou seja, de um direito real surge uma relação jurídica obrigacional, o exemplo mais conhecido é o das quotas condominiais.

O código atual deixa claro a natureza propter rem no art. 1345, diz que o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante em relação ao condomínio inclusive multas e juros moratórios.

Tem um Julgado aqui do STJ sobre essa questão no Informativo nº 341. Ele diz que o arrematante do imóvel arca com as quotas condominiais pretéritas e eventualmente ele terá direito de regresso, mas cabe ao arrematante suportar as quotas condominiais justamente por se tratar de obrigação propter rem

Vale a pena registrar que pela sistemática tradicional, clássica, a quem compete o pagamento da obrigação propter rem? Aquele que tem seu nome averbado junto ao registro, essa é a lógica tradicional.

Só que o STJ vem mitigando essa lógica, reiteradamente atribui legitimidade passiva para responder pela quota condominial ao promitente comprador e ao comprador investidos na posse, ainda que seu nome não esteja averbado junto ao registro como proprietário. RESP 956276 e agravo regimental no RESP 921446.

Saiu também um Julgado sobre essa questão, interessante, no Informativo nº 364 do STJ era basicamente o seguinte ...

Pergunta.

Resposta: se o procurador teria a legitimação? Eu nunca vi julgado do STJ sobre o tema e me parece que não, porque o STJ nessa tendência jurisprudencial, sempre condiciona a legitimidade passiva ao comprador e ao promitente comprador de estarem efetivamente investidos na posse, quer dizer, a posse seria elemento essencial.

Pergunta.

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Resposta: do mandato em causa própria que você diz? Sem dúvida, se a gente estiver falando do mandato em causa própria, a partir do momento em que o mandatário se investe na posse, sem dúvida alguma é o mesmo raciocínio, a mesma lógica. Até porque, no mandato em causa própria o mandatário é o verdadeiro comprador, só que é comprador através do contrato de mandato, quer dizer, ele se vale de um tipo contratual diverso daquele usualmente adotado, mas ele é um comprador.

Informativo nº 364, é o seguinte: havia um usufruto vidual, vitalício, só que o usufrutuário deixou de pagar as quotas condominiais, ficaram em atraso. O STJ entendeu que o não pagamento da quotas condominiais pelo atraso em decorrência do usufruto seria uma causa de extinção do usufruto vitalício porque o não pagamento das quotas pelo usufrutuário poderia propiciar a perda do bem. E aí a hipótese se amoldaria ao art. 1410, VII que é uma das causas do usufruto mesmo antes do prazo originariamente acordado.

Também vem sendo tratado pela jurisprudência como obrigação propter rem as normas que impõe a preservação ambiental. Quer dizer, se o alienante descumprir uma norma ambiental e for necessário reflorestamento de parte da área, quem vai responder vai ser o adquirente. RESP 343741 e RESP 282781.

A doutrina também costuma lembrar como exemplo de obrigação propter rem aquelas obrigações impostas em caso de tombamento e também regras de direito de vizinhança. Havia uma grande divergência sobre a natureza jurídica das obrigações propter rem, uns diziam que a natureza seria obrigacional outros diziam que a natureza jurídica era de direito natural.

Só que hoje o entendimento firme é no sentido de que a obrigação propter rem é uma obrigação acessória mista. Acessória por quê? Porque ela não tem existência autônoma, ela decorre de um direito real e é mista justamente por ter natureza híbrida, quer dizer, elas não se encaixam perfeitamente nem na categoria dos direitos obrigacionais e nem categoria dos direitos reais. Porque vejam, se por um lado na obrigação propter rem nós temos de maneira bem definida um sujeito ativo, passivo e um objeto, que pode ser um dar, um fazer ou um não fazer, se encaixando perfeitamente na lógica dos direitos obrigacionais. Por outro lado, obrigação propter rem não produz efeitos apenas inter partes, quer dizer, a obrigação propter rem ela acompanha o bem onde quer que ele se encontre, daí a expressão obrigação ambulatória, sendo que ambulatoriedade é uma característica típica dos direitos reais.

Vamos dar início agora a análise da chamada teoria dos riscos, que vem disciplinada nos artigos 233 e seguintes. Todos seguramente sabem que o direito brasileiro adota o chamado sistema obrigacional, ou seja, a luz do sistema obrigacional o contrato não tem o condão de transferir a propriedade.

Via de regra, no Brasil, veremos que há exceções, mas via de regra a propriedade se transfere com a tradição para bem móvel e com registro para imóveis, é a regra geral. Então, fica claro que não necessariamente coexistem os momentos em que surge a relação obrigacional e que há transferência do direito real. Quer dizer, se eu celebro um contrato hoje, me comprometo a entregar uma determinada mercadoria

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daqui a 60 dias, no exato momento em que o contrato é celebrado eu já passo a ocupar o pólo passivo da obrigação de dar, eu já sou devedor da obrigação de dar.

E em que pese ser o devedor dessa obrigação de dar, eu ainda me mantenho no pólo ativo da relação jurídica de direito real, eu me mantenho na qualidade de proprietário.

Quem enfatiza muito esta questão é o Tepedino, ele diz que a teoria dos riscos ela ganha uma repercussão significativa no Brasil por conta do sistema obrigacional porque se no Brasil o contrato transferisse a propriedade, a teoria do risco não teria tanta relevância porque o contrato por si só já transferiria a propriedade e aí a solução viria com menos dificuldade. Aplicaríamos até aquela lógica res perit domino, ou seja, a coisa perece para o dono.

Uma síntese do objetivo da teoria do risco: ela busca regulamentar os efeitos de eventual perda ou deterioração do bem ocorrida entre a celebração do contrato e a tradição. O código civil adota basicamente dois critérios dentro da teoria dos riscos:

O primeiro critério é se a hipótese é de perda ou deterioração. Para o nosso código, perda é perecimento total e deterioração perecimento parcial. Pensando intuitivamente, se a hipótese for de perda, não haverá como o credor exigir o que foi pactuado, ou seja, não há margem de escolha para o credor no caso de perda. Mas se há deterioração, haverá sempre uma margem de escolha para o credor, quer dizer, da essência da deterioração resulte uma margem de escolha para o credor.

A grosso modo, qual seria o primeiro caminho para o credor? Ele é obrigado a aceitar o bem deteriorado? Não, o primeiro caminho para o credor seria rejeitar a coisa. O outro caminho seria aceitar o bem com abatimento do preço, ressaltando inclusive que esse direito de escolha para o credor que decorre da deterioração tem natureza jurídica de direito potestativo.

É aquela história que vimos na aula passada, o direito de escolha é direito potestativo, mas uma vez exercido esse direito potestativo de escolha, vai surgir para o credor o direito subjetivo. É aquela história que de um direito potestativo pode surgir um direito subjetivo, nós vimos isso quando tratamos de prescrição e decadência.

Outro critério é se há ou não culpa do devedor. Regra geral, se há culpa cabe perdas e danos e se não há culpa não cabe perdas e danos. Claro que a idéia de culpa é culpa no sentido amplo, culpa lato sensu e, portanto abrange tanto o dolo quanto culpa estrito sensu.

Vamos começar a conjugar para criar um sistema, isso cai muito em prova objetiva, e normalmente não se tem o código em mão. Então vejamos: a 1ª hipótese é de perda sem culpa, se não há culpa não cabe perdas e danos. A 2ª hipótese é de perda, não há como o credor exigir a prestação acordada. Então, perda sem culpa qual é a solução aí? Resolve-se a obrigação, art.234, 1ª parte, que significa retorno aos status quo ante.

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Então, cuidado para não se embolar, principalmente na prova objetiva, que o examinador pode jogar uma hipótese em que tenha sido oferecido um sinal, qual é a sistemática geral das arras? Se aquele que oferece o sinal dá causa a inexecução, o outro retêm, se aquele que recebe o sinal que dá causa a inexecução tem que devolver o sinal mais o equivalente.

Só que essa sistemática geral das arras, via de regra, pressupõe inadimplemento culposo. Quer dizer, se a hipótese é de perda sem culpa e o sinal foi oferecido, qual é a opção? A simples devolução do sinal retornando ao status quo ante.

Exceção ao art. 234, 1ª parte: existem algumas e vou destacar duas que são as principais. O art. 393, parte final que diz: o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de casos fortuitos ou força maior se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Quer dizer, o próprio art. 393 permite assunção de riscos pelo devedor para caso fortuito e força maior, então, se houver tal assunção a princípio a solução não vem com o art. 234, 1ª parte, quer dizer, o devedor responderá por perdas e danos.

Cuidado com o seguinte: o art. 393, parte final é exceção, só que tem uma exceção da exceção: não se aplica o art. 393, parte final em se tratando de contrato de adesão por força do art. 424 que diz que nos contratos de adesão são nulas a cláusulas que estipulem a renuncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Tem lá outra exceção bastante expressiva ao art. 234, 1ª parte que está no art. 399 que é aquela hipótese do devedor em mora, ele reponde ainda que por caso fortuito ou por força maior, se esses eventos ocorrerem durante o atraso injustificado, durante a mora.

Outra hipótese, perda com culpa. Se há culpa, perdas e danos e se há perda, não há como o credor exigir a prestação acordada. Então, na hipótese de perda com culpa, o devedor vai responder pelo equivalente mais perdas e danos. Artigo 234, parte final.

Esse equivalente aí é necessariamente o valor do bem perecido? Não necessariamente, o equivalente entenda-se equivalente ao valor que havia sido objeto de pagamento.

Vamos supor que a parte tenha pago apenas 30% do bem, um financiamento por exemplo, e haja o perecimento culposo. É claro que não vai ser o equivalente ao valor integral do bem e mais as perdas e danos porque haveria enriquecimento sem causa. Se nenhum montante foi pago, nós não teremos o equivalente, nós só teremos perdas e danos. Então, equivalente entenda-se daquilo que havia sido objeto de pagamento.

Pergunta.

Resposta: sim, vamos ver no art. 399 que o código, antes da parte final, diz “salvo se provar isenção de culpa”. Só que vamos ver que esse artigo na verdade gera

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muita polêmica. Primeiro, porque se não há culpa... Porque vejam, o art. 399 trata de caso fortuito e força maior, não é isso? Então, numa primeira perspectiva se afirma que não faria sentido a isenção de culpa porque o art. 399 está tratando de caso fortuito e força maior e se é essa a hipótese não haveria culpa.

Aí uns tentam salvar o dispositivo dizendo que na verdade não seria culpa no evento e sim culpa no atraso, na mora. É o que a maioria afirma, só que a bem da verdade, nós veremos que se não há culpa na mora, se não há culpa no atraso, não há mora do devedor, o art. 396 que prevê como requisito subjetivo para a mora do devedor que haja culpa dele. Então, na verdade se não houve culpa no atraso, não haveria mora do devedor por força do art. 396, ou seja, o legislador perdeu uma boa oportunidade de suprimir a expressão “isenção de culpa”.

Mas enfim, a questão não envolveria a culpa na perda em si. Isso é pacifico, a discussão é seria a culpa na mora ou não, ou seja, não repercute aqui na nossa questão especificamente.

Deterioração sem culpa. Se não há culpa, não cabe perdas e danos, ressalvadas as exceções (art. 393, parte final e do art. 399). E se a hipótese é de deterioração, nós sempre vamos lembrar do direito potestativo de escolha. Então, o art. 235 diz que se for deterioração sem culpa o credor vai poder optar entre resolver a obrigação ou aceitar o bem com abatimento proporcional do preço.

Na prova dissertativa me parece interessante fazer uma conexão entre o art. 235 e o art. 313, porque na verdade esse direito potestativo de escolha do art. 235, no caso de deterioração, é uma decorrência do art. 313 que trata do princípio da identidade da coisa devida.

Diz o art. 313 que o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida ainda que mais valiosa, ou seja, a idéia do pacta sunt servanda, quer dizer, o bem deteriorado não corresponde as qualidades originárias do bem e por isso o credor não é obrigado a aceitar o objeto deteriorado.

A última hipótese é a deterioração com culpa. Se há culpa, cabe perdas e danos e se há deteriorização, vamos nos lembrar sempre do direito potestativo de escolha. Nesse caso, o art. 236 diz que o credor pode optar pelo equivalente mais perdas e danos ou aceitar a coisa no estado em que ela se encontra mais perdas e danos.

Vale a pena fazer um registro, que os civilistas em geral não fazem, mas me parece oportuno. O código civil trouxe toda a sistemática da deteriorização, com ou sem culpa enfim, direito potestativo, escolha. Mas vejam se aplicável, se cabível a espécie, toda essa sistemática do código civil não exclui o cabimento de tutela especifica e lembrando que o legislador processual prevê a tutela especifica para as obrigações de dar, artigo 461A do CPC. Quer dizer, nada impede que o credor, ao invés de optar pela resolução, pelo abatimento do preço, imponha ao devedor um reparo do bem deteriorado, inclusive com todas as medidas aplicáveis lá na tutela especifica.

Pergunta.

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Resposta: exatamente, fora essas possibilidades que o código estabelece, nós temos a tutela especifica que inclusive pode ser voltada de plano por parte do credor. A prioridade, a efetividade da tutela jurisdicional é a via da tutela especifica.

O art. 237 em sua literalidade não traz muita dúvida não, é o seguinte: até aqui nós vimos hipóteses de que entre a celebração do contrato e a tradição há um bem que ou se perdeu ou se deteriorou. É possível que ocorra o contrário, é possível que entre a celebração do contrato e a tradição aquele bem venha a sofrer melhoramentos, acréscimos. Quer dizer, tais melhoramentos ou acréscimos sobrevindo a coisa, podem vir a causar valorização ao bem.

Pergunta.

Resposta: na verdade temos inúmeras situações, as benfeitorias.

O que o art. 237 basicamente diz? Até a tradição, o bem pertence ao devedor, então os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem também pertence ao devedor (principio da gravitação jurídica). Então, como esses melhoramentos ou acréscimos pertencem ao devedor, o art. 237 autoriza o devedor a exigir o aumento do preço acordado.

Então, as partes celebraram um contrato hoje, a entrega do bem daqui a 60 dias. Só que nesse lapso temporal houve melhoramentos ou acréscimos, então um bem que valia 20 de repente passa a valer 25. O credor não é obrigado a concordar e se ele não concordar diz o art. 237: resolve-se a obrigação.

O legislador tentou conciliar aqui, prestigiou o devedor ao viabilizar a possibilidade de exigir aumento do preço, mas não atribui ao credor nenhum tipo de sanção caso ele não venha a concordar.

É entendimento consolidado, pacifico, que não de aplica o art. 237 no caso de melhoramentos voluptuários. Costumo dar exemplo do ??? em que o sujeito se compromete a entregar purinho sem nenhum acessório vale 20 mil e aí mesmo sabendo que tem que entregar daí a trinta dias sujeito faz uma série de melhoramentos voluptuários: ar condicionado, vidro elétrico, som de última geração. Em aplicando o art. 237 o devedor poderia exigir o aumento do preço. Nesse caso, essa conduta violaria o principio da fé objetiva.

Então, sempre fazer a remissão aí do art. 237 para o art. 96, §1º trata de benfeitoria voluptuária, combinado com o art. 422 que trata da boa fé objetiva.

Pergunta.

Resposta: se o credor não concordar com o aumento do preço, resolve-se, que é o que diz o art. 237, resolve-se que se entende o que? Retorno ao status quo ante.

Pergunta.

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Resposta: se tivéssemos no ambiente anterior, eu asseguraria a você que não caberia, no contexto atual é no mínimo sustentável se a desvalorização for expressiva, aplicável o princípio do equilíbrio econômico dos contratos para propiciar a possibilidade de revisão judicial do contrato.

Pergunta.

Resposta: é plenamente sustentável a aplicação do princípio do equilíbrio econômico dos contratos. Nós teríamos aqui uma causa superveniente gerando o desequilíbrio econômico entre as prestações e talvez a questão possa ser questionada a luz da teoria da onerosidade excessiva, porque houve um desequilíbrio econômico posterior a celebração do contrato ainda que anterior a entrega. A hipótese não seria de lesão porque a lesão se apura no momento em que o contrato é celebrado e não no momento em que o contrato é executado. Mas poderíamos ter um ambiente propicio a onerosidade excessiva e é claro que vai ter que atender aos pressupostos próprios, mas em tese aplicável.

Pergunta.

Resposta: porque o art. 450, §único é como se ele tivesse uma regra específica porque na evicção especificamente, o legislador prevê o preço. Seja evicção total ou parcial, será o do valor da coisa na época em que se venceu e proporcional ao desfalque sofrido em caso de evicção parcial.

Na verdade, nós temos uma regra específica de evicção porque ela decorre de causa anterior a própria aquisição do domínio. Na hipótese suscitada pelo colega, a desvalorização me parece decorreria de causa superveniente, a questão me parece ficaria mais afinada com a própria lógica da onerosidade excessiva porque a evicção tem pressupostos bem distintos, ela decorreria de causa pré-existente.

Pergunta.

Resposta: qual é a grande discussão se for aplicar a lógica da onerosidade excessiva? O código civil quando trata do tema adotou a teoria da imprevisão, quer dizer, é preciso que se mostre a imprevisibilidade e a extraordinariedade. O objetivo do código civil qual foi? Justamente resguardar o mínimo de segurança.

Só que vamos ver que o CDC teve uma postura mais protetiva, ele não exige imprevisibilidade e extraordinariedade, o objetivo é a proteção do consumidor. Então, o próprio âmbito da onerosidade excessiva vai avaliar se é relação de consumo ou se é relação sujeita ao código civil. Quer dizer, numa compra de maquinários, a lógica aplicada é a do código civil e não a do CDC, vai variar de acordo com a circunstancia.

Pergunta.

Resposta: não necessariamente, olha só, a doutrina não chega a fazer essa restrição, ao contrario, alguns chegam a afirmar (essa posição é minoritária) que melhoramentos diferenciaria da benfeitoria para diferenciar o art. 237 da lógica das benfeitorias. Porque a benfeitoria decorre necessariamente da atuação humana e há quem defenda que, quando o código usou a expressão melhoramentos, ele estaria

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restringindo a hipótese, em que na verdade, o sujeito acaba se beneficiando de um melhoramento independentemente da sua conduta.

A maioria hoje entende que não é nada disso, a expressão melhoramento é uma expressão genérica que abrangeria as duas hipóteses, que a própria literalidade diz assim “até a tradição pertence o devedor a coisa com seus melhoramentos”, “seus” atrelado a coisa e não ao devedor especificamente.

Agora, quer ver um problema gravíssimo aqui, extremamente delicado? Se for benfeitoria, se for melhoramento voluptuário, não tem dúvida não vamos aplicar. Se for necessário, também não parece haver muita dúvida, vamos aplicar. Agora a dúvida é se for melhoramento útil, ficamos aí no meio termo.

A posição amplamente dominante é de aplicar aquelas regras dos artigos 1219 e 1220, e aí o cuidado que se precisa tomar é o seguinte: vamos aplicar os artigos acima usando por analogia o art. 242 que trata da obrigação de restituir e nós estamos falando da obrigação de dar coisa certa.

Só que o art. 242 tratando da obrigação de restituir diz assim: se para o melhoramento ou aumento empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas normas desse código atinentes as benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa ou de ma fé. Quer dizer, o art. 1219, para possuidor de boa fé e art. 1220 para o possuidor de má fé.

Pergunta.

Resposta: qual é o cuidado que se tem que tomar? Para a maioria, melhoramento abrange tanto benfeitoria quanto hipótese que não se adequaria a benfeitoria, de eventuais melhoramentos que não ocorressem da intervenção do possuidor do proprietário. Quer dizer, o art. 242 diz: se para o melhoramento ou aumento empregou o devedor trabalho ou dispêndio, englobando a hipótese que se assemelharia a lógica de benfeitoria. Agora, se para esse melhoramento não houve despesa ou trabalho, aí se usa por analogia o art. 241.

Só que cuidado aqui, vamos olhar o art. 241, porque isso aqui dá pano para manga e pode se enrolar. O art. 241 trata de obrigação de restituir e ele diz assim: se no caso do art. 238 sobrevier melhoramento ou acréscimo a coisa sem despesa ou trabalho do devedor, lucrará o credor desobrigado de indenização. Quer dizer, os dois dispositivos demonstram que o melhoramento e o acréscimo podem decorrer ou não de trabalho ou despesa.

Agora, muito cuidado com essa aplicação por analogia aqui porque no art. 241 o legislador está dizendo que lucrará o credor. Quem é o proprietário da obrigação de restituir? O credor, qual é a lógica do código civil? A coisa não perece para o dono? Não é o dono que suporta os riscos pela perda ou declaração sem culpa? Se o proprietário arca com os riscos, o proprietário se beneficia com eventuais melhoramentos que independem da atuação humana. Quer dizer, se houver uma avulsão (deslocamento abrupto de terra)? Quem vai se beneficiar é o proprietário

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porque se a coisa perece para o dono é justificável que o dono também se beneficie de eventual melhoramento que não dependa da atuação humana.

Então, muito cuidado, porque vejam bem, vamos usar por analogia o art. 241 só que no art. 241 quem lucra é o credor, porque o proprietário na obrigação de restituir é o credor.

Usando por analogia a obrigação de dar, quem é que vai lucrar? É o devedor, é por analogia, mas na verdade o art. 241 fala em credor, mas na obrigação de dar vai ser o devedor. Ou seja, se esse melhoramento ou acréscimo ocorrer de avulsão, o devedor vai poder exigir aumento do preço, porque se ele suporta os riscos pela perda ou deteriorização é justificável que o devedor proprietário venha a se beneficiar de eventuais melhoramentos que independam da conduta de terceiros.

Numa prova objetiva é isso, posição dominante. Se não tivermos limite de linhas para escrever dá para criticar essa solução legal.

Vamos pensar o seguinte: aplicando o art. 1219 ele traz o mesmo tratamento para benfeitoria necessária e útil, ou seja, pelo art. 1219 se o possuidor for de boa fé, o devedor vai poder exigir no caso de benfeitoria útil, vai aplicar o art. 237 para benfeitoria útil.

Só que, vejam bem, quem é possuidor de boa fé? Possuidor de boa fé é aquele que ignora o vício está lá no art. 1201, quer dizer, sendo pouco técnico e mais prático, quem é o possuidor de boa fé? É aquele que acha que o bem lhe pertence. Só que nós estamos diante de uma hipótese em que o sujeito tem plena ciência de que o sujeito tem obrigação de dar, ele sabe que o bem não lhe pertence, ele sabe que tem que entregar o bem a outrem.

Por isso é criticável essa postura do código que seria na verdade defensável aqui a aplicação por analogia do art. 35 da lei de locações e do art. 505 do código civil. Nessas hipóteses, o que diz o legislador? O locatário ele só tem direito de exigir indenização por benfeitorias necessárias e as úteis se autorizadas e por quê? Obrigação de restituir.

No art. 505, pacto de retrovenda, lembra daquela história? Eu vendo para ela, me reservo o direito potestativo de reaver o bem, o art. 505 diz que o proprietário resolúvel, ela que adquiriu o bem, ela só tem direito a ser indenizada pela benfeitoria necessária e a útil se autorizada. Quer dizer, se estou registrando isso por dois motivos: dá para discutir isso numa prova dissertativa se não tiver limite de linhas ou se a prova não for tão dissertativa assim, não se esqueçam que temos duas regras especiais aqui que afastam a incidência dessa solução geral. Quer dizer, essa solução por analogia não se aplica no caso de locação e no caso de pacto de retrovenda, isso é incontroverso temos aí regras especiais.

O art. 238 começa tratando da obrigação de restituir e aqui a questão é bem simples, acabamos de ver que na obrigação de restituir, em regra o dono é o credor, se há perecimento sem dolo ou culpa nós já sabemos que res perit domino. Então, no

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caso de perecimento ou dolo sem culpa, a obrigação de dar os riscos correm para o devedor e na obrigação de restituir os riscos correm para o credor.

É isso que ressalta o art. 238: se obrigação for de restituir coisa certa e esta sem culpa do devedor se perder antes da tradição, sofrerá o credor a perda e a obrigação se resolvera, ressalvados os seus direitos até o dia da perda. Então, se estivermos diante de uma locação, até o dia da perda o locador fará jus aos aluguéis correspondentes, quer dizer, o art. 238 ele nada mais estabelece do que res perit domino.

O art. 239 não traz grandes ponderações aqui não, sem ler o dispositivo, trata de perda com culpa na obrigação de restituir. Sem precisar ler o código qual é a solução? Equivalente mais perdas e danos, está lá no art. 239.

O art. 240 tem duas partes. A primeira menos problemática, na primeira parte o art. 240 trata de deterioração sem culpa na obrigação de restituir. Então, se não há culpa, nós já sabemos que não cabe perdas e danos, ressalvadas as exceções que vimos e na verdade há aqui uma peculiaridade, porque o bem se encontra deteriorado, mas ele pertence ao próprio credor. Então, na verdade qual é a única solução aqui? Receber o bem deteriorado.

Chamo muito atenção para a parte final do art. 240: se por culpa do devedor observar-se-á o disposto no art. 239. Então, se for deterioração com culpa, aplica-se o art. 239 e ele diz o equivalente e mais perdas e danos. Está certo isso? Não, está errado, o código falhou aqui porque estamos falando de deterioração com culpa e quando a gente ouvir deterioração temos que lembrar de que?

Direito potestativo de escolha e a literalidade do código parece, em tese, ter suprimido esse direito potestativo de escolha e, por isso, a doutrina é unânime no sentido de que quando o art. 240 parte final se refere ao art. 239 entenda-se art. 236.

O art. 236 diz sim, o equivalente as perdas e danos ou aceitar o bem no estado em que se encontra mais perdas e danos. Nesse sentido enunciado 15 do Conselho.

Então qual foi o equivoco do código? Foi se valer de uma regra de perda para equacionar uma hipótese que é de deterioração, enunciado 15.

Intervalo.

Vamos prosseguir com as obrigações de dar coisa incerta, artigos 243 a 246.

Nas obrigações de dar coisa incerta, o bem não se encontra plenamente individualizado no momento da celebração do negócio jurídico. Só que não podemos nos esquecer do art. 104, II parte final: é requisito de validade do negócio jurídico que o objeto seja determinado ou determinável.

Determinável está no meio do caminho, não é determinado e nem indeterminado. Então na verdade, o art. 243 do código civil vem em harmonia com o art. 104, II parte final (sugiro a remissão aí) porque o art. 243 diz que a coisa incerta

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será indicada ao menos pelo gênero e pela quantidade. Porque se não houver um mínimo indicação de gênero e quantidade, o objeto será indeterminado e sendo indeterminado não haverá negocio jurídico válido.

Então, se eu me obrigo a entregar 5 cavalos, gênero cavalo, quantidade 5, obrigação de dar coisa incerta. Se me obrigo a entregar 5 coisas quaisquer não há obrigação de dar coisa incerta validamente constituída eis que não atendido o art. 243 e o art. 104, II.

Tem uma discussão na doutrina que não tem muito efeito prático, vários autores, Carlos Roberto Gonçalves, Arnaldo Rizzardo criticam a expressão gênero do art. 243, para eles, melhor seria a expressão espécie. Lembram do projeto 6960 que está arquivado no congresso? Esse projeto alteraria a redação do art. 243 e, ao invés de gênero, o projeto inseriria a expressão espécie.

Porque muitos afirmam o seguinte: imaginem em relação aos cereais? O gênero seria cereal, o arroz seria espécie de cereal. Então, na verdade ninguém se obrigaria a entregar 5 kg de cereais, seria preciso a especificação do cereal aplicável para que o objeto fosse determinado.

É uma discussão que não tem efeito pratico porque o que muitos afirmam é que na verdade essa expressão gênero não corresponde necessariamente a definição gênero no sentido técnico e jurídico, gênero no sentido de espécie.

Essa indeterminação do bem, ela é transitória. Quer dizer, a coisa é incerta no momento da celebração do negócio, mas quando da execução, quando do cumprimento do contrato, o bem há de estar individualizado.

Que nome se dá a essa escolha do bem a ser entregue? Concentração, especialização ou especificação que são expressões sinônimas. Basicamente representam a definição do bem a ser entregue na obrigação de dar coisa incerta.

O art. 244, 1ª parte traz a presunção relativa de que a concentração cabe ao devedor. Presunção, evidentemente relativa, porque as partes podem dispor ao contrario. Nada impede, também por razões óbvias, que a concentração venha a ser atribuída a um terceiro e, nesse caso, aplicável por analogia o art. 252, IV que é novidade no código.

O art. 252, IV trata de obrigação alternativa, por isso vem por analogia, diz o art. 252, IV que se o titulo deferir a opção a terceiro e este não quiser ou não puder exercê-la caberá ao juiz a escolha se não houver a acordo entre as partes.

Cuidado (prova objetiva), porque antes da existência desse dispositivo, art. 252, IV, a maioria da doutrina defendia que se o terceiro não exercesse a concentração, a concentração passaria ao devedor por conta da presunção relativa que o código estabelece. Só que com a nova sistemática, a solução vem por analogia com o art. 252, IV.

A parte final do art. 244 vincula o devedor ao chamado termo médio, diz o art. 244: nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade a escolha pertence

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ao devedor, se o contrário não resultar no título da obrigação, mas não poderá dar a coisa pior e nem será obrigado a prestar a melhor.

Tem uma posição que podemos dizer hoje que está superada, que é uma posição defendida pelo Silvio Rodrigues, manuais fazem alusão a essa posição dele. O Silvio Rodrigues diz o seguinte: na verdade, o art. 244 teria vinculado apenas o devedor ao termo médio e como conseqüência, afirma Silvio Rodrigues, se as partes atribuírem a concentração ao credor este poderá exigir “a nata do gênero”. Quer dizer, para o Silvio Rodrigues o legislador teria apenas vinculado devedor ao termo médio, o credor poderia escolher o melhor.

Só que essa posição, ela vem sendo cada vez mais repudiada, porque na verdade essa solução seria incompatível com o principio da boa fé objetiva. Na verdade, o que inspira o art. 244 seria o princípio da boa fé objetiva e a vedação ao enriquecimento sem causa.

Tem uma regrinha que traz uma exceção ao art. 244, parte final que é o art. 1931 lá no direito sucessório, diz lá: se a opção foi deixada ao legatário este poderá escolher, do gênero determinado, a melhor coisa que houver na herança. Quer dizer, o legatário não se vincula ao termo médio, se a escolha do objeto do legado lhe for atribuída, art.1931 que é uma exceção ao art. 244, parte final.

Outra questão importante: com a concentração, a obrigação era de dar coisa incerta passa a ser de dar coisa certa, ou seja, a concentração muda a própria natureza jurídica da obrigação. Nesse sentido, vem o art. 245 e diz: certificado da escolha o credor, vigorara o disposto na sessão antecedente. A sessão antecedente trata justamente da obrigação de dar coisa certa.

Cuidado com uma pegadinha aqui para prova objetiva principalmente: o código de 16 dizia “feita a escolha, vigorará a sessão antecedente”, o código atual mudou isso que diz “certificado da escolha o credor”. Ou seja, na concentração passou a ser uma declaração receptícia de vontade.

Pergunta.

Resposta: não, a literalidade do art. 244, o Silvio Rodrigues em nenhum momento lembra do art. 1931. Ele sustenta essa tese em tom de generalidade, ele diz simplesmente que o art. 244 só vinculou o devedor e que o credor poderia exigir a nata do gênero em qualquer circunstancia.

Na verdade, o art. 1931 seria uma exceção a essa interpretação doutrinaria e não a literalidade do art. 244, mas a essa interpretação doutrinaria que defende que na verdade também o credor se vincularia ao termo médio. A exceção do art. 1931, sem duvida o legatário entraria numa posição análoga de credor, quer dizer, nesse caso nós não invocaríamos a boa fé objetiva, enfim tudo isso.

As declarações receptícias de vontade são aquelas que apenas produzem efeitos quando levadas ao conhecimento do declaratório. Ao passo que as não

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receptícias, a contrario sensu, produzem efeitos independentemente do conhecimento do declaratório.

Claro que o art. 245 fala “certificado da escolha o credor”, pressupondo que a concentração foi feita pelo devedor. Se por ventura, as partes atribuírem a concentração ao credor entenda-se certificado da escolha o devedor.

Poucos autores, que interpretam essa afirmativa de maneira mais profunda, afirmam que essa expressão “cientificado” entenda-se colocado o bem a disposição do credor. Quer dizer, não bastaria na verdade a mera ciência, seria preciso que o bem já estivesse sido colocado a disposição do credor.

Isso pode ter algum efeito prático? Por conta do artigo seguinte. A grosso modo, vamos ver daqui a pouco, que na obrigação de dar coisa incerta o devedor ele a principio continua a responder ainda que por caso fortuito ou por força maior.

O Clóvis Beviláqua dizia assim: imagine que alguém compre um restaurante, o garçom vem trazendo vinho na bandeja e cai, diz o Clóvis Beviláqua, ainda que o garçom tenha avisado o cliente qual seria o vinho entregue, nós não estaríamos na lógica do art. 245 ainda, na verdade seria preciso ainda que aquele objeto tivesse sido efetivamente colocado a disposição do credor para que aí sim a obrigação passasse a ser de que? De dar coisa certa. Quer dizer, não cabe ao devedor dizer que já tinha reservado esse bem para você, então como já havia reservado e notificado, na verdade aplicar-se –ia o art. 245. O que a doutrina afirma é que é preciso que o bem seja efetivamente colocado a disposição do credor.

O art. 246 é uma regra que cai com alguma freqüência, seguinte: regra geral, o devedor se exonera na hipótese de caso fortuito ou de força maior. O art. 246 é uma exceção ao art. 393, 1ª parte que diz que o devedor não responde por caso fortuito ou por força maior. Por quê? Vou dar um exemplo: vamos supor que eu tenha me comprometido a entregar 5 cavalos ao credor quaisquer e se tenho lá no meu sítio 10 cavalos e os 10 vem a falecer sem dolo ou culpa, eu estou exonerado? Não, eu que corra atrás de outros 5 para cumprir o que havia sido pactuado porque genus nunquam perit, o gênero nunca perece. É o que consta no art. 246.

Diz o art. 246: antes da escolha não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa ainda que por força maior ou caso fortuito. Antes da escolha em tese por quê? Porque depois a obrigação passaria a ser de dar coisa certa.

Perceberam o deslize do código aí? Olha só, o artigo anterior alterou a sistemática, dizendo que a concentração se efetiva quando cientificado da escolha o credor. Se alterou o art. 245 e esqueceu-se de alterar o art. 246 que continua com a sistemática anterior dizendo “antes da escolha”.

Aquele projeto 6960, que está arquivado no Congresso, altera a redação do dispositivo. Pelo projeto ficaria “antes de cientificado da escolha o credor...” e aí viria a redação do art. 246.

Pergunta.

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Resposta: numa prova dissertativa sim, mas aí se vai sustentar que na verdade a obrigação ela só se transforma em dar coisa certa a luz da nova diretriz do art. 245, mencionando projeto. Agora, na prova objetiva se vier o que está no art. 246 está certo, mas na prova dissertativa aí sim temos que interpretar o art. 246 ao lado do art. 245. Posição bastante segura da doutrina nesse sentido, tanto é que o projeto já altera essa sistemática.

Agora o art. 246 comporta exceção, a principal exceção aqui é a hipótese de divida genérica limitada ou restrita. Parece um contra censo, divida genérica restrita, vamos usar um exemplo parecido com o que vimos agora: eu me obrigo a entregar 5 dos 10 cavalos que eu tenho no sítio, quer dizer, os meus 10 cavalos são individualizados no contrato e eu me obrigo a entregar 5 daqueles 10. Sem dúvida é uma obrigação de dar coisa incerta, nós estamos diante de uma divida genérica restrita. Se os 10 cavalos venham a perecer sem culpa, inaplicável o art. 246.

Piorando um pouco, eu tenho que entregar 5 dos 10, vamos supor que venham a perecer 7 sem dolo ou culpa, restam 3, mas a obrigação era de entregar 5. Aplicável por analogia a sistemática da deterioração sem culpa.

Por analogia porque é similar a de um perecimento parcial e ai aplicando por analogia a deterioração sem culpa, das duas uma, ou o credor vai optar por resolver a obrigação ou ele vai aceitar os 3 cavalos com o abatimento proporcional do preço.

Piorando um pouco mais, tenho que entregar 50 de 100, perecem 51 sem dolo ou culpa, restam 49. A princípio aplicável por analogia a sistemática da deterioração sem culpa e um dos caminhos que se abre na lógica da deteriorização sem culpa, é resolver a obrigação.

Será que vai caber mesmo sempre isso? Não, teoria do inadimplemento substancial. Enunciados 361 e 371 que tratam da teoria do inadimplemento substancial. Claro que o credor pode provar que só lhe interessa 49, mas a principio aplicável a teoria do inadimplemento substancial.

Essa é a exceção mais importante: é a divida genérica restrita ou limitada. Enunciado 361 e 371.

A doutrina traz alguns outros exemplos esparsos: imaginem que a mercadoria seja importada e haja rompimento das relações comerciais do Brasil com o pais exportador, se evidencia que não será efetivamente possível, o cumprimento daquilo que havia sido pactuado.

Disco de vinil, vamos supor que não haja mais aquele disco de vinil disponível no mercado, também inaplicável o art. 246. Quer dizer, o que a doutrina ressalta com esses exemplos esparsos é que o art. 246 estabelece presunção relativa, resumidamente é isso. Quer dizer, a principio, o devedor não responde, salvo se ficar evidenciado que na verdade o devedor não teria como efetivamente cumprir o pactuado.

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Pelo projeto 6960 parte final o art. 246 ficaria assim: salvo dívida genérica limitada e quando se extinguir toda a espécie na qual a prestação se compreende.

Vamos então para as obrigações de fazer: artigos 247 até 249.

Para esses dispositivos, nos interessa lembrar, aquela classificação tradicional segundo a qual as obrigações de fazer podem ser fungíveis ou infungíveis. As fungíveis são aquelas que podem ser cumpridas não apenas pelo devedor, mas também por um terceiro. A contrario sensu, as infungíveis são aquelas que apenas podem ser cumpridas pessoalmente pelo devedor.

Pergunta.

Resposta: depende, nada impede que se tenha obrigação de dar a coisa certa envolvendo um bem fungível. Por exemplo, esse hidrocor, nada impede que contratualmente se estabeleça especificações desse hidrocor aqui, nº de serie, enfim nos teríamos a principio uma obrigação de dar coisa certa fungível, a autonomia privada comportaria isso. Mas na ausência de qualquer elemento especifico envolvendo a relação contratual, nós teremos a obrigação de dar coisa ??? com alguns temperamentos.

Porque diante da fungibilidade, por exemplo, seria aplicado o art. 246 salvo se houver alguma circunstancia especifica claro, se esse hidrocor tiver algum interesse familiar, se for objeto de uma doação por um parente querido. Quer dizer, em tese, nós teríamos uma obrigação de dar coisa certa pela autonomia privada se as partes assim convencionarem, mas na ausência de algum ingrediente especifico nós teremos uma sistemática anômala, porque dada a fungibilidade aquele bem é substituível por outro de mesma qualidade, quantidade e espécie.

Em termos práticos, quer dizer, normalmente os bens fungíveis vão gerar obrigação de dar coisa incerta, quase sempre, mas nada impede disposição em contrario e aí a interpretação acaba sendo casuística.

As infungíveis são personalíssimas, ou seja, intuito personae, não nos esqueçamos que a infungibilidade ela pode decorrer não apenas do titulo, mas também das circunstancias. Quer dizer, ainda que não haja uma explicita previsão contratual contemplando a infungibilidade, é possível que se extraia a infungibilidade das próprias circunstancias contratuais. Quer dizer, se paga um valor muito superior ao de mercado para determinado profissional renomado, fica evidente a infungibilidade diante da própria boa fé objetiva, diante da interpretação do negocio jurídico.

Essa classificação é importante para nós aqui, porque esses dispositivos, art. 247 ao art. 249, tratam das conseqüências do inadimplemento das obrigações de fazer.

Quais são as conseqüências? As mais antigas de todas é perdas e danos. Quer dizer, se há o descumprimento culposo de uma obrigação de fazer, uma primeira opção que resta ao credor é exigir perdas e danos.

Graças ao avanço da legislação processual nós temos outro caminho para o credor que seria a busca pela tutela especifica. Então, uma segunda alternativa do

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credor é a tutela especifica que, diga-se de passagem, não necessariamente exclui perdas e danos.

Agora, aqui o cuidado maior que nos interessa, se a obrigação de fazer é fungível pode interessar ao credor o cumprimento da prestação pelo terceiro, as custas do devedor. Quer dizer, seria uma terceira opção para o credor nos casos de obrigações fungíveis.

O Tepedino acrescenta aqui dizendo o seguinte: sem duvida, o cumprimento pelo terceiro as custas do devedor, a principio se aplica as obrigações fungíveis, como diz a doutrina salvo se o credor renunciar a infungibilidade. Quer dizer, o que o Tepedino afirma é que nada impede que numa obrigação infungível, o credor possa renunciar a infungibilidade e optar pelo cumprimento da prestação pelo terceiro.

Fica bem simples agora a leitura dos dispositivos, olha só, o art. 247 diz lá: incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta ou só por ele exeqüível. Sem duvida, o art. 247 trata de obrigação de fazer infungível.

Percebam que o art. 247 só se refere às perdas e danos porque o código civil é de ???, faltou revisão aqui, então é importante fazer a remissão do art. 247 do código civil para o art. 461 do CPC para lembrarmos que além das perdas e danos cabe a tutela especifica.

O art. 249 diz lá: se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar as custas do devedor, havendo recusa ou mora deste sem prejuízo da indenização cabível. Sem duvida o art. 249 trata da obrigação de fazer fungível. Vale inclusive a referencia desse art. 249, caput do código civil para o artigo art. 634 do CPC.

Lá no CPC, o legislador alterou a sistemática do descumprimento por terceiro a custa do devedor. O procedimento antes era mais complexo, o juiz tinha que fazer uma mini licitação e agora o art. 634 simplifica cumprimento da prestação pelo terceiro as custas do devedor. Se atentem para a prova objetiva, principalmente esse cumprimento pelo terceiro tem que obedecer ao art. 634 do CPC que é de regra, quer dizer, ele tem autorização previa.

O código atual trouxe uma novidade no §único do art. 249 que traz para o código civil mais uma hipótese de autotutela, diz lá: em caso de urgência pode o credor independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato sendo depois ressarcido. O pressuposto é que haja urgência, sem duvida, estamos diante de um conceito indeterminado.

Um exemplo que está aí os manuais em geral: vamos supor que eu contrate uma empresa para fazer obras em encostas que estão na eminência de cair sobre a minha residência. Se a empresa não cumpre o contrato no tempo acordado e a queda das encostas é eminente, em tese é aplicável o §único do art. 249. É claro que essa autotutela não inibirá o controle jurisdicional diferido do ato.

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Obs: talvez essa regra não existisse se o código civil fosse editado hoje, porque toda a tendência do direito civil é cada vez mais repudiar a hipótese de autotutela e no contexto atual nós temos os mecanismos de tutela jurisdicional de urgência que não existiam em ??? então talvez a regra não viesse a tona caso o código fosse editado hoje.

Eu vou fazer uma inversão aqui, ao invés de tratar de obrigação de não fazer, eu vou começar com as alternativas e depois voltamos para as obrigações de não fazer.

A obrigação pode ser simples ou complexa. Na obrigação simples, nós temos um credor, um devedor e um objeto (lembrando que o objeto na relação obrigacional é sempre a prestação). Então, se eu me obrigo a entregar um carro daqui a 60 dias o objeto dessa relação obrigacional não é o carro e sim a entrega do carro.

Essa é uma das diferenças entre os direitos obrigacionais e os direitos reais, inclusive o objeto do direito real é a coisa ao passo que o objeto do direito obrigacional é a prestação.

A obrigação complexa pode ser subjetiva ou objetiva. Na obrigação complexa subjetiva nós temos pluralidade subjetiva num dos pólos da relação obrigacional, quer dizer, mais de um credor e mais de devedor. A obrigação complexa objetiva pode ser cumulativa ou alternativa, na cumulativa é uma prestação e outra ao passo que na alternativa é uma ou outra prestação.

O código civil disciplina as obrigações alternativas nos artigos 252 a 256, então qual é a natureza jurídica das alternativas? Obrigação complexa objetiva. O que há de comum aí entre as obrigações alternativas e a de dar coisa incerta? É que tanto nas alternativas quanto nas de dar coisa incerta o objeto é determinável.

Qual é exemplo de objeto determinável? Obrigação de dar coisa incerta e obrigações alternativas. Isso nos ajuda muito na analise dos dispositivos porque essa indeterminação alternativa também será o que? Transitória, tal qual nós vimos de dar coisa incerta.

E a definição da prestação a ser cumprida na obrigação alternativa também se chama concentração que é sinônimo de especialização e de especificação. Mais uma vez o art. 252, caput traz a presunção relativa de que a concentração cabe ao devedor, a mesma sistemática de dar coisa incerta.

Toda a doutrina afirma, há consenso aqui, que a concentração é presumidamente irretratável, salvo se houver o chamado pactum de variatione que nada mais é que uma cláusula de retratabilidade da concentração.

O art. 253 trata da chamada concentração automática ou legal, é uma regra excepcional porque a concentração, via de regra, decorre da manifestação de vontade, só que no art. 253 é a lei que fixa a concentração.

Diz lá o dispositivo o seguinte: se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada inexeqüível subsistirá o débito quanto a outra.

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Então, se eu tenho que entregar o carro ou a jóia, o que o art. 253 está dizendo? Se perece o carro, há concentração automática na jóia e o art. 253 na concentração legal exclui perdas e danos, apenas diz que concentra na remanescente.

Diante disso, a doutrina firma que temos duas hipóteses de aplicação do art. 253, uma primeira mais simples, é se o perecimento se dá sem culpa de uma das prestações. Porque se o perecimento não culposo a principio o devedor não responde por perdas e danos, então a solução é concentrar automaticamente na remanescente.

Pensando numa prova dissertativa, só não vai aplicar isso quando? Naquelas exceções, lembra que o devedor assume os riscos pelo fortuito, quer dizer, se o devedor assume os riscos pelo fortuito e a concentração cabia ao credor, por exemplo, aí vai poder optar ou pela subsistente ou pelo equivalente mais perdas e danos, mas regra geral com perecimento sem culpa de uma concentra automaticamente na outra e não há que se falar em perdas e danos.

A segunda hipótese chama mais a atenção, que é perecimento com culpa do devedor desde que a concentração caiba ao próprio devedor. Vamos tomar cuidado que essa solução é exceção a regra geral porque quando se fala em perecimento culposo, a gente lembra logo de que? De perdas e danos.

Mas se eu tenho que entregar um carro ou a jóia e a concentração cabe a mim, se embriagado, em excesso de velocidade, eu obstruiu o carro, o credor não pode exigir perdas e danos porque a concentração tem a natureza de direito potestativo. O credor não apitava na escolha, quer dizer, a escolha cabia exclusivamente ao devedor, o credor não tem abalada qualquer expectativa.

O art. 254 traz uma redação extremamente confusa que diz: se por culpa do devedor não se puder cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o valor da que por último se impossibilitou mais as perdas e danos que o caso determinar.

Qual a diferença do art. 254 para o art. 253? É que no art. 254 a impossibilidade por culpa se dá nas duas prestações e no art. 253 a impossibilidade é de apenas uma, quer dizer, as duas se tornam impossíveis por culpa do devedor não competir ao credor a escolha.

Vamos pensar aqui imaginando na prova objetiva, olha só, nós acabamos de ver no art. 253 que tenho que entregar o carro ou a jóia, a concentração não cabe ao credor, cabe a mim e eu dou causa ao crescimento culposo do carro, o que acontece? Há concentração automática na jóia. Então, a obrigação que era alternativa passa a ser de dar coisa certa, se eu dou causa ao oferecimento culposo da jóia é o equivalente da jóia mais perdas e danos. Por isso, o equivalente do que por ultimo se perecer, mais as perdas e danos, quer dizer, o art. 254 é uma decorrência do art. 253.

Por isso, inclusive muitos autores dizem que aquela segunda solução do art. 253 não está prevista no código, mas se interpretarmos sistematicamente aquela segunda hipótese do art. 253 ela está implicitamente prevista no art. 254 porque a

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premissa do art. 254 é a de que possamos aplicar o art. 253 naquela segunda circunstancia.

Querem ver uma situação delicada e que o código também não enfrenta? Vamos supor que temos a obrigação alternativa de dar o carro ou a jóia, a concentração cabe ao devedor e embriagado e em excesso de velocidade destruiu o carro. Concentração automática na jóia.

Vamos supor que haja o perecimento da jóia por caso fortuito e força maior, se a gente for aplicar literalmente o código qual seria a solução? Resolve-se e o credor nada poderia exigir. Mas, percebam que hoje, houve anteriormente um perecimento culposo, então na verdade o que se sustenta é que nesse caso o credor poderia optar pelo equivalente mais perdas e danos daquela primeira prestação perecida. Quer dizer, nós não poderíamos aplicar nua e cruamente o direto positivo a luz do principio da boa fé objetiva, seria possível o credor invocar o equivalente mais perdas e danos da primeira prestação.

O único autor que achei tratando desse tema foi o Arnaldo Rizzardo, ele explicitamente defende essa posição.

O art. 255 trata aí de uma hipótese que difere da que vimos até aqui porque no art. 255 a concentração cabe ao credor e aí claro que a lógica é diferente porque se a concentração cabe ao credor e há o crescimento culposo de uma das duas prestações sem duvida há uma frustração ao direito potestativo do credor.

O art. 255, 1ª parte diz: quando a escolha couber ao credor e uma das prestações tornar-se impossível por culpa do devedor, o credor terá direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos. Aí o código diz que o credor pode exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos.

Controvérsia aí, qual a abrangência das perdas e danos? A controvérsia é a perdas e danos. Primeira posição, defendida pelo Leoni, pelo Arnaldo Rizzardo e pelo Flávio Tartuce: eles defendem que o credor pode optar pelo equivalente mais perdas e danos ou a prestação subsistente, mais perdas e danos.

Qualquer que fosse a escolha do credor ele poderia exigir perdas e danos. Inclusive o Leoni se apega bastante a literalidade do art. 255, porque ele diz: o credor terá direito de exigir a prestação subsistente ou o valor da outra, com perdas e danos. Quer dizer, essa vírgula teria o condão de propiciar ao credor possibilidade de exigir perdas e danos, em qualquer das duas hipóteses.

A posição predominante é a segunda: Caio Mário, Carlos Roberto Gonçalves e Gustavo Tepedino. Para essa posição, o credor pode optar entre o equivalente mais perdas e danos ou a prestação subsistente. Quer dizer, se o credor optar pela prestação subsistente ele não poderia exigir perdas e danos, e por quê? Vedação ao enriquecimento sem causa. Quer dizer, se o credor pudesse optar pela prestação subsistente e mais perdas e danos, o credor lucraria com a culpa do devedor.

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A parte final do art. 255 resolve uma pergunta que normalmente é feita pelo espírito de porco, seguinte: e se a jóia estiver dentro do carro? A parte final do art. 255 diz: se por culpa do devedor, ambas as prestações se tornarem inexeqüíveis, poderá o credor reclamar o valor de qualquer das duas mais perdas e danos.

Qual é a lógica? Se as duas prestações se perecem, ainda que simultaneamente, se a concentração cabe ao credor, o credor vai optar pelo equivalente em qualquer das duas mais perdas e danos. Se a concentração cabia ao devedor, a contrario sensu, o devedor é quem vai optar pelo equivalente de qualquer das duas mais perdas e danos. É só projetar a concentração para o equivalente mais perdas e danos.

Para fechar, questão que cai sistematicamente e caiu nesta ultima prova para advogados do BNDES. Não confundir obrigação alternativa com obrigação facultativa.

Na obrigação facultativa, que não tem previsão legal, não tem sistematização legal, a prestação devida é apenas uma, porém, se reserva ao devedor a prerrogativa de se eximir do vinculo obrigacional cumprindo prestação diversa.

Prerrogativa ai é a palavra chave porque quando se fala em prerrogativa do devedor estamos falando do direito potestativo, ou seja, a prestação devida é apenas um, porém o devedor tem a prerrogativa, tem o direito potestativo de se exonerar cumprindo prestação diversa.

Por exemplo: a minha obrigação é de entregar o carro, porém as partes atribuem a mim a faculdade de me exonerar do vinculo entregando a jóia no lugar do carro. Prerrogativa, qual é o efeito pratico disso? É o que normalmente se cobra em prova, a prestação facultativa é inexigível pelo credor porque a prestação facultativa é uma prerrogativa, é um direito potestativo do devedor.

Então, se a minha obrigação é de entregar o carro e a facultativa é a jóia e eu dou causa ao perecimento culposo do carro? O que credor pode exigir? Equivalente mais perdas e danos. Apenas e tão somente isso, o devedor é que pode afastar essa pretensão, cumprindo a prestação facultativa.

Se há perecimento sem culpa do carro o que o credor pode exigir? A resolução da obrigação, o devedor pode afastar a resolução da obrigação cumprindo a prestação facultativa.

Caiu na prova objetiva do BNDES afirmando que no caso de inadimplemento da prestação principal o credor pode exigir a facultativa. (falso).

Pergunta.

Resposta: não necessariamente, vai depender do que for acordado, quer dizer, pelo principio da autonomia privada. Claro que, em termos práticos, o credor normalmente vai barganhar isso, mas enfim nada impede que tenhamos um valor similar e a prestação facultativa tendo que ser cumprida no mesmo prazo da prestação principal.

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Pergunta.

Resposta: não, porque as perdas e danos pressupõem inadimplemento, quando há facultativa, quer dizer, que nós podemos ter o mesmo prazo para a facultativa para a prestação principal porque aí nós não teríamos propriamente inadimplemento.

FIM.

Aula 11 – 11/11/08

Antes de dar prosseguimento, gostaria de só registrar que em relação as obrigações facultativas a idéia básica que nós vimos é que a prestação devida é apenas uma só que se reserva a possibilidade do devedor cumprir prestação diversa daquela que é efetivamente devida. Essa é a diferença essencial entre a facultativa e a alternativa porque a possibilidade de cumprir a prestação diversa é uma prerrogativa, é um direito potestativo do devedor, ou seja, a prestação facultativa ela é inexigível pelo credor.

Só salientar aqui o seguinte: nós temos alguns autores, o próprio Carlos Roberto Gonçalves que continuam trazendo como exemplo de obrigação facultativa, previsto no código, a atual redação do art. 1382. Que é basicamente o seguinte: a principio, quando há o direito real de servidão, se é necessário a realização de obras para o exercício da servidão, o custeamento presumidamente cabe ao dono do prédio dominante. Quer dizer, na medida em que é o dono do prédio que se beneficia da servidão, então a ele cabe custear as obras, salvo acordo em contrário, as partes podem acordar diversamente.

Aí o art. 1382 diz: quando obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este poderá exonerar-se abandonando total ou parcialmente a propriedade ao dono do dominante. Quer dizer, a obrigação do dono do prédio subserviente desde que acordado neste sentido seria de custear as obras, só que ele poderia se eximir dessa obrigação de custear as obras abandonando o prédio. Quer dizer, seria um exemplo de obrigação facultativa, o credor não pode exigir o abandono do prédio, o credor só pode exigir o custeamento das obras.

Só que, vamos tomar cuidado, porque o nosso código atual trouxe o §único ao art. 1382, esse parágrafo não havia no código de 16, não existia antes e esse §único agora diz: se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber a propriedade do serviente ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras. Ou seja, com a inserção do §único parece que o art. 1332 não mais trata de obrigação facultativa propriamente dita porque esse parágrafo permite ao dono do prédio dominante recusar o abandono e, obviamente, dentro da lógica das obrigações facultativas como vimos, o credor não pode se recusar a receber a prestação facultativa, é um direito

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potestativo do devedor. Então, com a inserção do §único, aparentemente, não se trataria aí mais de obrigação facultativa.

Como possível exemplo de obrigação facultativa prevista no código nós temos o art. 1234 que trata da descoberta: aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a 5% do seu valor e a indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa se o dono não preferir abandoná-la. Quer dizer, o abandono é uma prerrogativa exclusiva do dono, nós teríamos aí uma obrigação facultativa.

Há ainda uma controvérsia em relação ao contrato estimatório que está nos artigos 534 a 537 que é a venda em consignação muito comum em automóveis e carros. Exemplo: deixo meu carro numa concessionária, digo que quero 30 mil e o que você apurar a mais é seu. Então, o consignante deixa o carro com o consignatário e aí o consignatário pode enfim vender por um valor superior e ficar com o lucro correspondente.

Vamos dar uma lida no art. 534, só nesse contexto que estamos vendo aqui, diz lá: pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário e fica autorizado a vendê-los pagando aquele preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido restituir-lhe a coisa consignada.

Por que muitos autores afirmam aqui que nós teríamos uma obrigação facultativa? Porque o código diz “salvo se preferir”. Quer dizer, a obrigação a principio é de vender e pagar o preço esperado pelo consignante, salvo se o signatário preferir restituir-lhe a coisa consignada. Então, essa expressão “salvo se preferir” vários autores afirmam que teríamos uma obrigação facultativa e nesse sentido temos Gustavo Tepedino, Venosa, Arnaldo Rizzardo e Maria Helena Diniz.

Isso não chega a ser unânime, temos alguns autores que defendem que no contrato estimatório, apesar da redação “salvo se preferir” do art. 534, alguns afirmam que nós teríamos aqui uma obrigação alternativa.

Um dos argumentos seria a redação do art.535 que diz lá: o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço se a restituição da coisa na sua integridade se tornar impossível ainda que por fato a ele não imputável.

Lembra da obrigação alternativa de que se perece uma das duas sem culpa, concentração automática na outra (art. 253)? Quer dizer, o que essa 2ª corrente afirma é que o art. 535 vem em harmonia com o art. 253 porque na verdade o art. 535 estaria estabelecendo uma concentração automática na remanescente, de maneira coerente com uma das obrigações alternativas no art. 253.

Inclusive, esse argumento está dizendo que se fosse facultativa, o art. 535 seria desnecessário, porque se a obrigação de restituir é a prestação facultativa e há o perecimento sem culpa da prestação facultativa, é claro que a prestação principal permanece intacta. Quer dizer, o art. 535 seria desnecessário se por ventura se tratasse de obrigação facultativa.

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Então, a 2ª corrente defende que temos uma obrigação alternativa, ou seja, pagar o preço ou restituir a coisa e nesse sentido inclusive aparentemente o Enunciado 32 do Conselho, Caio Mário, Flávio Tartuce assim se posicionam.

Salvo engano, nós pulamos as obrigações não fazer, não é isso? Sim, então vamos lá. Obrigações de não fazer.

Elas estão disciplinadas nos artigos 250 e 251 e são sinônimo de obrigação negativa. O próprio código civil usa essa terminologia obrigação negativa no artigo 390 e sugiro a remissão desses artigos 250 e 251 para o art. 390 que diz: nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster. Então, o art. 390 usa a expressão “obrigação negativa”, se referindo as obrigações de não fazer.

Um campo muito fértil das obrigações de não de fazer, sempre foi os dos direitos reais, tanto os direitos reais quanto os direitos da personalidade, sempre propiciaram um âmbito muito fértil para a aplicação das obrigações de não fazer. Todos sabem que em decorrência de um direito real, de um direito da personalidade surge quase sempre um dever de abstenção que goza inclusive de oponibilidade erga omnes.

Só que é importante consignar que o princípio da boa fé objetiva traz um novo ambiente para as obrigações de não fazer, o principio da boa fé objetiva amplia o âmbito de incidência das obrigações de não fazer, notadamente, através do deveres anexos. Sem dúvida nós temos deveres anexos que envolvem sigilo, envolvem abstenção e que, portanto acabam gerando obrigações de não fazer.

Tinha até uma questão que era discutida no direito empresarial e que agora o código civil positivou, que era aquela discussão sobre a cláusula de não restabelecimentos, estão lembrados? A discussão se o alienante, quando ele vendia o estabelecimento, se ele poderia ou não se restabelecer na mesma localidade, na mesma atividade se não houvesse cláusula proibitiva.

Quer dizer, toda discussão envolvia o que? Obrigação de não fazer decorrente do dever anexo. O código agora trata do tema no art. 1147 que diz: não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente nos 5 anos subseqüentes a transferência. Quer dizer, o art. 1147 impõe uma obrigação de não fazer, sem dúvida sob a inspiração da boa fé objetiva.

Tem algumas discussões envolvendo o direito do trabalho, sugere repercussões também aquelas cláusulas comuns em contratos de trabalho envolvendo executivos, em que se impõe ao executivo a obrigação de, rompida a relação de emprego, ele não laborar com o concorrente e aí se discute em que medida essa obrigação de não fazer, prevista contratualmente, violaria ou não o acesso ao trabalho. Em que medida essa cláusula atingiria ou não a dignidade da pessoa humana.

O que vem se sustentando é a possibilidade de fazer uma espécie de ponderação aí, porque por um lado nós temos os interesses legítimos da pessoa jurídica, que tem o direito legitimo ao sigilo em relação a informações privilegiadas,

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mas por outro nós temos um legítimo interesse de acesso ao trabalho por parte do ex-executivo.

Como ponderar isso, o que vem se sustentando? O Tepedino inclusive é um dos defensores dessa tese, é a admissibilidade dessa cláusula desde que tenhamos limitações de ordem temporal e espacial e que essa quarentena seja remunerada pelo ex-empregador. O mais importante aqui, sem duvida, em eventual prova dissertativa é fazer essa conexão entre a obrigação de não fazer e o princípio da boa fé objetiva.

A sistemática em si dos ??? é muito simples, o art. 250 trata do inadimplemento sem culpa com a obrigação de não fazer, quer dizer, eu convenciono com o vizinho, faço um contrato com ele e nós acordamos no sentido de que nenhum de nós vai poder levantar o muro a partir de determinada altura.

Ambos assumem uma obrigação de não fazer e por força da legislação municipal superveniente um dos dois ou ambos são constrangidos a levantar o muro descumprindo aquilo que havia sido acordado. Nós teremos um inadimplemento sem culpa, qual é a conseqüência? Resolve-se a obrigação, está lá no art. 250.

O art. 251 trata do inadimplemento culposo e o como não poderia deixar de ser prevê que no caso de inadimplemento culposo caberá perdas e danos.

Cuidado, caiu na prova para MPT, o art. 251 que além de contemplar perdas e danos ele também prevê tutela especifica e qual seria a tutela especifica aí? O desfazimento.

Sobre essa questão do desfazimento é importante lembrar de uma classificação doutrinária, segundo a qual, a obrigação de não fazer ela pode ser instantânea ou permanente. A obrigação de não fazer instantânea é aquela que não permite o retorno ao status quo ante, por exemplo, dever de sigilo.

Se alguém transgride um dever de sigilo, dificilmente será possível o desfazimento, quer dizer, ainda que haja eventual retratação dificilmente vai conduzir ao status quo antes. Ao passo que na obrigação de não fazer permanente sem dúvida é possível o desfazimento, ou seja, o retorno ao status quo ante.

Então, na verdade essa possibilidade de exigir o desfazimento, ela só se aplica as obrigações de não fazer permanentes, em relação as obrigações instantâneas o juiz deve levar em conta a instantaneidade da obrigação de não fazer na hora de fixar as perdas e danos.

Então, vamos começar a tratar, das obrigações divisíveis, indivisíveis e solidárias.

Pergunta.

Resposta: o nosso código atual, inclusive sobre essa questão, houve uma mudança do código de 16 exatamente sobre esse tema aí.

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O atual art. 390, que prevê as obrigações negativas, ele no código de 16 estava dentro do capítulo da mora e, se formos olhar agora topograficamente, o art. 390 que trata das obrigações negativas ele saiu das obrigações da mora e está no capítulo do inadimplemento absoluto.

Ele vem em harmonia com toda a crítica doutrinária anterior porque os doutrinadores são unânimes em afirmar “quando alguém descumpre uma obrigação de não fazer nós não teríamos propriamente a mora, nós não teríamos propriamente o atraso”. Quer dizer, o descumprimento de obrigação de não fazer configura inadimplemento absoluto, tanto é verdade que o próprio direito positivo alterou a sistemática anterior e no art. 390, agora, o legislador trata as obrigações de não fazer no capítulo do inadimplemento absoluto. Vamos voltar a isso mais adiante quando voltarmos a falar no inadimplemento.

Então, vamos para as obrigações divisíveis, indivisíveis e solidárias. Lembrando da aula passada, que colocamos um quadro sinótico aqui e essas obrigações entraram dentro da obrigações complexas subjetivas.

Estou ressaltando isso porque soa muito estranho o fato de que toda a doutrina afirma que essa classificação seria subjetiva, toda a doutrina afirma “obrigação divisíveis, indivisíveis e solidárias classificação subjetiva”. Por que parece estranho? Porque o que é divisível ou não é a prestação e a prestação é justamente o objeto da relação obrigacional.

Só que na verdade essa classificação é tida como subjetiva porque ela ganha relevância quando há pluralidade subjetiva, quer dizer, ela ganha relevância quando há mais de um credor e ou quando há mais de um devedor. Quando não houver pluralidade subjetiva, aplicável o art. 314 que estabelece a presunção de indivisibilidade nas obrigações simples.

Diz o art. 314: ainda que as obrigações tenham por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber e nem o devedor a pagar por partes se assim não se ajustou.

Vamos começar vendo a sistemática das obrigações divisíveis que vem lá no art. 257 que traz o chamado concurso partes fiunt As obrigações divisíveis são aquelas suscetíveis de cumprimento fracionado e aí diz o art. 257: havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações iguais e distintas, quanto os credores ou devedores.

Exemplo típico de obrigação divisível é a obrigação pecuniária. O art. 257 diz que essas obrigações aqui resumem-se iguais e distintas. Parece até um contra censo, “iguais e distintas”.

Quando o art. 257 usa a expressão iguais, entenda-se iguais sob o aspecto quantitativo, então a presunção do art. 257 é de que se a divida é de 30 mil envolvendo 3 devedores, cada um deles responde por 10 mil e obviamente nós estamos diante de uma presunção relativa. Quer dizer, nada impede que as partes

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disponham diversamente. Quando o código usa a expressão “distintas” é no sentido de serem autônomas, efeito prático disso.

Se o D3 é insolvente, tem rateio da quota de insolvente? Não, porque a relação que o C tem para com o D3 é autônoma da relação que o C tem para com D2 que é autônoma com a relação que o C tem para com o D1. Quer dizer, se há insolvência de um dos devedores, quem suporta a insolvência é o credor, porque as obrigações são distintas, ou seja, são autônomas.

Outra manifestação pratica, se o credor interrompe a jurisdição em face do D1, essa interrupção em face do D1 atinge os demais? Não, art. 204, caput. Talvez eu fizesse essa remissão aí do art. 257 quando ele usa a expressão “distintas” eu jogaria para o art. 257, caput para lembrarmos na prova dissertativa de fazermos essa conexão.

As obrigações indivisíveis vêm tratadas nos artigos 258 e seguintes, essas obrigações são aquelas insuscetíveis de cumprimento fracionado.

Uma das novidades que o código trouxe sobre o tema é o art. 258, não havia esse dispositivo antes e diz assim: a obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão por sua natureza, por motivo de ordem econômica ou dada a razão determinante do negócio jurídico. Na prática, quase sempre a obrigação vai ser indivisibilidade por sua própria natureza da prestação.

O exemplo clássico de obrigação indivisível por força da natureza da prestação envolve obrigações de dar um ??? certo ou um objeto determinado. Quer dizer, obrigação de entregar um carro, uma jóia, um animal sem dúvida alguma é uma obrigação indivisível por sua própria natureza.

Só que o código diz que além da indivisibilidade pela natureza nós teríamos também a indivisibilidade por motivo de ordem econômica. Quer dizer, notadamente haverá indivisibilidade por motivo de ordem econômica, quando? Quando do fracionamento, da divisão, as partes resultantes não obtenham valor proporcional.

Exemplo que a doutrina costuma trazer é em relação ao diamante, o diamante seria o exemplo de que quanto maior o diamante maior a pureza, maior o valor, quer dizer, se houver o fracionamento a divisão, as partes resultantes desse fracionamento não guardarão o valor proporcional. Então, uma razão de ordem econômica propiciaria a indivisibilidade envolvendo o diamante por exemplo.

O Venosa traz um exemplo curioso: imagine que alguém viva de vender grampos, só que só é possível um lucro razoável na venda de grampos se a venda ocorrer em larga quantidade. Então, se houver a divisibilidade dessa obrigação na verdade a venda de poucos, escassos grampos não propiciaria qualquer aptidão lucrativa para o negócio e, portanto nós teríamos aí uma indivisibilidade em razão de ordem econômica.

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O código fala ainda em indivisibilidade dada a razão determinante do negócio jurídico. Um exemplo aqui de indivisibilidade resultante da natureza, da razão do negócio, que os autores trazem envolve shopping center.

Porque a aptidão de lucro, a aptidão para atrair a clientela decorre justamente do Mix, daquele conjunto de estabelecimentos enfim de caracteres distintos chamados. Então, na verdade nós teríamos aqui uma indivisibilidade pela própria razão determinante do negócio jurídico.

Além dessas hipóteses previstas no art. 258, a doutrina ressalta a possibilidade de indivisibilidade por determinação legal, por exemplo, o art. 1386 que prevê a indivisibilidade do direito real de servidão.

Outro exemplo, o art. 1421 que prevê a indivisibilidade da garantia real e esse artigo diz lá: o pagamento de uma ou mais prestação da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa do titulo ou na quitação.

Quer dizer, o que o art. 1421... Só que se nós temos três imóveis hipotecados, para garantir uma divida, na medida em que a divida vai sendo paga nós não teremos extinção parcial da garantia porque a garantia real ela é indivisível não há como fracioná-la. Na verdade, a garantia real se extinguirá em totalidade quando no cumprimento integral das prestações. Não dá, para no mínimo discutir o art. 1421 no caso de inadimplemento substancial, é no mínimo sustentável a possibilidade de mitigar a indivisibilidade legal da garantia real no caso de inadimplemento substancial.

Outro exemplo de indivisibilidade legal é o art. 28 da lei 6404/76 que prevê as ações como sendo indivisíveis.

Além da indivisibilidade, por determinação legal, a doutrina também é bastante firme no sentido do cabimento da indivisibilidade convencional. Um exemplo que é fruto da autonomia privada, nós teríamos no art. 1320, §1º que diz: podem os condôminos acordar que fica em divisa a coisa comum por prazo não maior de 5 anos, suscetível de prorrogação anterior. Quer dizer, podem as partes convencionar a indivisibilidade e essa indivisibilidade por força de convenção também é chamada de indivisibilidade intelectual ou subjetiva. Então, são expressões sinônimas a indivisibilidade convencional, intelectual e subjetiva.

Vamos rapidamente aqui nos lembrar da sistemática geral das obrigações indivisíveis, para podermos apresentar temas mais específicos.

Vamos supor que a obrigação é a entrega de um automóvel que tenha o valor de mercado de 30 mil reais, obrigação, evidentemente, indivisível. Quando nós nos depararmos com uma obrigação indivisível, é interessante nós nos lembrarmos que nós temos as relações externas e também as internas.

As relações externas são aquelas mantidas entre pólos distintos e qual é a tônica das relações externas aqui? Como a obrigação é infracionável, o credor pode exigir prestação por inteiro de qualquer dos devedores.

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Vamos supor que o D1 entregue o carro para o credor e, quando ele entrega, o que acontece com as relações externas? Extingue, quer dizer, o cumprimento integral de uma das prestações por um dos devedores extingue as relações externas, o credor não tem mais nada a pretender de ninguém.

No exato momento em que se extingue as relações externas, se iniciam as relações internas, relação aqui de causa e efeito, um dos devedores cumpre tudo, se extingue as externas e imediatamente se iniciam as relações internas. Então o D1, que entregou o carro, vai poder exigir 10 mil do D2 e 10 mil do D3.

Diz o art. 259: se havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível cada um é obrigado pela divida toda. O art. 259,caput trata de relações externas e aí o §único diz: o devedor que paga a divida subroga-se no direito do credor em relação aos outros co-brigados. Esse parágrafo trata das relações internas.

O Carlos Roberto Gonçalves traz uma observação interessante aqui porque o art. 259, §único traz uma hipótese de subrogação legal, estamos diante de uma hipótese de subrogação legal e vamos nos lembrar que a sub-rogação legal se dá basicamente quando se há o pagamento pelo terceiro interessado, art. 346 que trata lá das hipóteses de sub-rogação legal.

E aí o Carlos Roberto Gonçalves afirma que quando um dos devedores entrega a prestação por inteiro, na verdade ele está efetuando o pagamento de um valor correspondente a dos demais devedores como um terceiro interessado. Porque na verdade os três devem a entrega do automóvel e aquilo que acresce a sua própria divida corresponderia a hipótese de que o D1 tivesse efetuando o pagamento das parcelas de D2 e D3 como um terceiro interessado. Então, a lógica da sub-rogação legal prevista no dispositivo viria em harmonia com a lógica do terceiro interessado.

Se for pluralidade de credores é a mesma coisa, quer dizer, aqui nós temos as relações externas e entre C1, C2 e C3 as relações internas. Se a obrigação é indivisível não tem como o devedor entregar 1/3 do carro para cada um, então se o devedor entrega para o C 1 o automóvel, se extingue as relações externas e nesse exato momento se iniciam as relações internas. Quer dizer, o C1 que recebeu o carro sozinho vai ter que passar 10 mil para o C2 e 10 mil para o C3. Tudo bem? Esta é a sistemática geral.

Em relação à pluralidade de credores, que acabamos de ver, diz lá o art. 260: se a pluralidade for dos credores poderá cada um destes exigir a divida inteira, mas o devedor ou devedores se desobrigarão pagando, inciso I a todos conjuntamente e inciso II a um dando este caução de ratificação do outros credores.

Essa caução de ratificação nada mais é do que uma autorização dos outros credores. Então, percebam que se os devedores não conseguem reunir os credores e se nenhum deles tem a caução de ratificação, o que resta ao devedor para ser eximido o vínculo obrigacional? Efetuar o pagamento em consignação.

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Essa exigência de caução de ratificação para as obrigações indivisíveis é uma das diferenças entre indivisibilidade e solidariedade porque nós veremos que na solidariedade ativa não se exige caução de ratificação.

O art. 260 trata das relações externas e o art. 261 diz: se um só dos credores receber as prestações por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total. O art. 261 trata das relações internas.

Importante aqui é a análise do art. 262 e a redação desse artigo não é das mais felizes, isso caiu na última prova para PFN. Olha só, o art. 262 tem duas partes: a primeira perfeita que diz se um dos credores remitir a divida, a obrigação não ficará extinta para com os outros. Então, se o C1 perdoar o devedor, o perdão do C1 não extingue o crédito de C2 e de C3. A primeira parte do art. 262 vem em harmonia com o art. 385, parte final que diz que a remissão da divida não pode prejudicar terceiro.

O problema vem agora, diz o art. 262: se um dos credores remitir a divida, a obrigação não ficará extinta para com os outros, mas estes só poderão exigir descontada a quota do credor remitente.

Se aplicarmos o que está aí, como seria? Se o C1 perdoar o devedor, este perdão não extingue o crédito de C2 e de C3, mas eles só podem exigir descontada a cota de C1. Ou seja, se aplicarmos o que está ai, o C2 e C3 poderiam exigir 2/3 do carro, só que a obrigação ela é por natureza indivisível não há como proceder esse fracionamento nas relações externas.

Então, o que já se consolidou aqui? Como a obrigação é indivisível, o C2 e C3 vão poder continuar a exigir a entrega do automóvel, vamos supor que o devedor entregue o automóvel para C2 e C3. Em termos numéricos se o C2 e C3 repartirem o automóvel o que aconteceria? 15 para o C2 e 15 para o C3, está claro que há uma gordura aí para cada um. Quer dizer, na verdade a cota do C1, aquela que ele perdoou, acabou vindo 5 mil para C2 e 5 mil para C3 e é claro que esse perdão não pode beneficiar C2 e C3 , o perdão tem que beneficiar o devedor.

Se o C1 quisesse beneficiar C2 e C3 ele não teria feito uma remissão de divida e sim uma cessão de crédito. Então o que acontece aqui? O devedor entrega o carro e ele passa a ser credor de C2 de 5mil reais e passa a ser credor de C3 também no valor de 5 mil reais. Quer dizer, o devedor entrega a prestação por inteiro, e ele passa a titularizar um crédito em face de C2 e de C3, titulo esse correspondente a cota do C1.

Projeto 6960 altera inclusive a redação do dispositivo dizendo exatamente isso, que na verdade a prestação ela vai ser cumprida por inteiro e o devedor que cumpre por inteiro passa a titularizar um crédito correspondente aquela cota em face dos outros credores.

Tem uma observação importante que é trazida pelo Gustavo Tepedino, Carlos Roberto Gonçalves que na verdade é inspirada numa posição Tito Fulgêncio que já defendia essa hipótese a algum tempo atrás, o que esses autores afirmam? Pela sistemática geral, o C2 e o C3 continuam como credores deduzida a parcela de C1 e esses autores afirmam que, salvo se o perdão por parte C1 em nada beneficiar o

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devedor ou se o perdão de C1 em nada beneficiar C2 e C3... Qual o exemplo que esses autores trazem? Parece inimaginável isso não é? Porque a gente pensa obrigação pecuniária, a gente pensa é lógico que vai beneficiar C2 e C3. Mas o exemplo que esses autores trazem é o seguinte: vamos supor que a obrigação do devedor seja de construir uma servidão paisagística em favor de C1, 2 e C3. É uma obrigação por natureza indivisível.

Se o C1 perdoa isso, causa algum beneficio a C2 e a C3? Não, como não causa nenhum tipo de beneficio a C2 e C3 essa remissão por parte do C1 no que diz respeito a construção de uma servidão paisagística, não tem nenhum desconto da cota do credor remitente. Quer dizer, a obrigação fica como antes, só que aquela obrigação de constituir a servidão paisagística, só será exigida por parte de C2 e C3.

Quer dizer, regra geral, tem que descontar a cota do remitente salvo se ficar demonstrado, como nesse caso, que o perdão por parte de C1 em nada beneficia diretamente C2 e C3. Porque se não há qualquer beneficio a C2 e C3 não há porque se falar em desconto, não há porque se falar em dedução.

Tem uma posição aqui, minoritaríssima, defendida pelo Carlos Roberto Gonçalves, ele sustenta que nesse caso aí que acabamos de ver o devedor tem direito de retenção pela cota do credor remitente.

Ele defende isso porque o art. 262 diz: mas estes só poderão exigir descontada a cota do credor remitente. Descontada a cota do credor remitente diz o Carlos Roberto Gonçalves parece sugerir que o desconto é prévio e o desconto prévio se exerceria através do direito de retenção, quer dizer, para o C2 e C3 exigirem o carro, eles antes tem que pagar a cota do C1 ao devedor.

Essa posição é minoritária por quê? Porque direito de retenção não se presume, posição extremamente minoritária e por que não se presume? Porque é resquício de autotutela. Eu costumo dizer que o direito de retenção não deixa ser uma chantagem lícita (nunca se vai dizer isso numa prova), quer dizer, eu não te devolvo enquanto você não me pagar.

O art. 263 traz uma regra aqui que parece intuitiva: vamos supor que tenhamos ai aqueles três credores e o devedor, com uma obrigação de entregar um automóvel, se o devedor der causa ao perecimento culposo do automóvel, nós sabemos que o devedor vai responder pelo equivalente mais perdas e danos. Para facilitar a nossa conta, vamos supor que o equivalente mais perdas e danos dê 30 mil.

Vejam, a obrigação que era por natureza indivisível, passa a ser divisível, quer dizer, a conversão da obrigação em divisível e perdas e danos, faz com que a obrigação de indivisível se torne divisível.

Exatamente isso que diz o art. 263: perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos. Então, em convertendo essa obrigação indivisível em perdas e danos, a principio só pode exigir 10 mil o C2 e o C3 10 mil reais.

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Percebam o seguinte, esse dispositivo demonstra que mesmo sendo indivisível uma obrigação pode haver interesse prático nas partes em convencionarem um regime de solidariedade, porque a indivisibilidade cessa, quando a obrigação indivisível se transforma em perdas e danos, e a solidariedade? A solidariedade não, ela continua e está lá no art. 271, e diz que a obrigação solidária permanece solidária ainda que ela venha a se converter em perdas e danos.

Então, vejam que o interesse prático de convencionar a solidariedade em ação indivisível para essa finalidade qual seria? Se houver pacto de solidariedade ativa a indivisibilidade cessa, mas a solidariedade convencionada vai permitir que qualquer dos credores continuem a exigir os 30 mil reais. Então, é possível que haja interesse prático em pactuar solidariedade ainda que a obrigação seja indivisível.

Querem ver outro problema que o código não prevê. Vamos supor aqui que os devedores, que devem a entrega do automóvel, tenham dado causa ao perecimento culposo do carro. Então, a obrigação que era de entregar o automóvel passa a ser divisível, 30 mil reais, não é isso? Em se tornando divisível o credor só vai poder exigir do D1 10 mil, do D2 10 mil e do D3 10 mil e aí vamos supor que o D3 seja insolvente.

Se aplicarmos cruamente o direito positivo, o que vai acontecer aí? Problema com o credor, porque se a obrigação é divisível, a obrigação do credor em relação a cada um dos devedores é autônoma, então problema do credor.

Só que vejam bem, a obrigação se tronou divisível, por culpa dos próprios devedores e percebam que se a obrigação fosse indivisível tal qual teria sido pactuado a insolvência do D3 em nada prejudicaria o credor porque se insolvente o D3, o credor poderia exigir o carro do D1 ou do D2.

Então, é no mínimo sustentável que nesse caso especifico, em homenagem a boa fé objetiva e a vedação do enriquecimento sem causa, que haja um rateio da cota do D3 dentro de uma obrigação divisível. Quer dizer, nós atrairíamos a sistemática da solidariedade em relação ao rateio da cota do insolvente para as obrigações divisíveis, em homenagem a boa fé objetiva e ao enriquecimento sem causa, porque a obrigação de indivisível se tornou divisível pela culpa dos próprios devedores e não seria justificado que o credor suportasse a insolvência de um desses devedores por conta da culpa dos próprios devedores.

Outra discussão aqui que é a seguinte, está nos parágrafos do art. 263. O §1º diz que se a culpa for de todos os devedores e a obrigação passa a ser divisível qual é a conseqüência? Cada um deles responde por partes iguais. O §2º diz que se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros respondendo só esse pelas perdas e danos. Então, os não culpados se exoneram e só o culpado responde pelas perdas e danos.

A posição, amplamente dominante, é no sentido de que os não culpados não respondem por perdas e danos é claro o código aqui diz explicitamente, mas os não culpados respondem pelo equivalente.

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O argumento primordial aqui é a aplicação por analogia do art. 279 que trata de solidariedade passiva e aí diz lá: impossibilitando a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente, mas pelas perdas e danos só responde o culpado.

Vale a pena lembrar ainda do art. 414, que está dentro da cláusula penal, quando a gente fala aqui em perdas e danos, se houver cláusula penal as perdas e danos estarão lá pré fixadas.

Diz o art. 414: sendo indivisível a obrigação, todos os devedores caindo em falta um deles, incorrerão na pena, mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado respondendo cada um dos outros somente por sua quota. Essa é a posição predominante, de maneira minoritária nós temos o Flávio Tartuce e a Maria Helena Diniz.

Porque o código no art. 263 diz que só o culpado responde pelas perdas e danos e aí esses autores afirmam o seguinte: quando o legislador fala em perdas e danos, essas perdas e danos abrangem os danos emergentes e o lucro cessante do art. 402. O que seria a idéia de dano emergente? Aquilo que o individuo efetivamente perdeu e o que ele efetivamente perdeu? O equivalente. Então, na verdade o equivalente estaria dentro da noção das perdas e danos.

Então, quando o código diz que apenas o culpado responde por perdas e danos, implicitamente, a luz do art. 402, apenas o culpado responderia pelo equivalente porque a idéia de equivalente estaria dentro da idéia de dano emergente. Essa posição é minoritária.

Pergunta.

Resposta: é plenamente sustentável que sim, porque na verdade aquele que responderia pelo equivalente, se algum beneficio tivesse sido recebido nós não teríamos aqui qualquer tipo de contra-partida. Então, claro que em algumas situações essa solução poderia trazer enriquecimento sem causa, sem duvida alguma.

Pergunta.

Resposta: a critica do Flávio Tartuce é justamente esta, porque para ele ao excluir o equivalente nós estaríamos excluindo o dano emergente. Essa é exatamente a critica, quer dizer as perdas e danos a que se referiria o código estariam apenas abrangendo a idéia de lucro cessante e não é essa a definição que o código traz de perdas e danos, quer dizer, uma interpretação positivista é claro, mas enfim faz sentido.

Pergunta.

Resposta: é plenamente sustentável que sim. A sugestão do colega é mais que oportuna e é a seguinte: vamos supor que haja convenção ali por conta da culpa de apenas um deles e aí se houver conversão por apenas culpa de um deles é plenamente sustentável que a quota do insolvente seja suportada apenas pelo culpado.

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Agora, isso não chega a resolver todos os problemas, porque pode ser que o insolvente seja o próprio culpado e aí se ele for o próprio culpado aí vamos ficar num dilema ou se aplica a lógica geral ou a gente, em homenagem ao principio constitucional da solidariedade e a necessidade de reparação de dano, a gente vai atribuir o rateio independente do elemento culpa. Mas sem duvida é plenamente sustentável que se apenas um é o culpado e ele não é o insolvente que apenas ele suporte a cota do outro.

Esse tipo de análise profunda os manuais não trazem, então a gente fica meio que pisando em ovos, mas sem duvida é plenamente sustentável.

Pergunta.

Resposta: a culpa é de um deles? Sim, aí o que o dispositivo diz: se a culpa é de um, todos respondem pelo equivalente. Então, cada um deles vai responder por 10 mil.

Pergunta.

Resposta: não porque as perdas e danos na verdade seria um valor maior.

Pergunta.

Resposta: a parte, quer dizer, além do equivalente poderá discutir as perdas e danos ou cláusula penal se houver fixação ou se tiver discussão do quantum debeatur através da liquidação.

Obrigações solidárias: artigo 264 e seguintes.

Intuitivamente aqui todos sabem que quando nós temos credores solidários, qualquer um deles pode exigir tudo, e quando temos devedores solidários qualquer um deles respondem por tudo.

Esta idéia básica da solidariedade está no art. 264 que traz aí essa estrutura da solidariedade, quer dizer, ele diz que cada um dos credores solidários tem direito a tudo e cada um dos devedores solidários responde por tudo.

Há uma questão que já foi questão de algum debate e hoje já está bem consolidada, que é a questão da natureza jurídica da solidariedade. Num primeiro momento se defendeu que a solidariedade teria natureza jurídica de um mandato tácito, porque na solidariedade, como nós veremos na aula de hoje, se temos credores solidários cada um deles atua como se fosse um único credor e cada um dos devedores solidários pode ser demandado como se fosse um único devedor.

Então, a primeira posição vislumbrava num regime de solidariedade, um mandato tácito entre credores ou entre devedores solidários. Essa posição é superada hoje por quê? Porque na verdade cada um dos credores e dos devedores age em nome próprio, nenhum deles age em nome de outra pessoa, então, a idéia de mandato tácito é superada porque cada um deles age em nome próprio.

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Uma segunda posição vislumbrava, a solidariedade como uma hipótese de mútua fiança, essa posição hoje é tida como superada, primeiro porque a fiança resulta apenas da vontade e por outro lado, quer dizer, o fiador, a fiança ela gera uma obrigação acessória.

Sem falar obviamente que na fiança se presume o beneficio de ordem porque obviamente vai contra a sistemática da solidariedade, então hoje a idéia que prevalece é uma idéia, muito mais simples do que se afirma hoje, é de que na solidariedade nós temos uma fungibilidade entre sujeitos ativos ou passivos visando o cumprimento da prestação.

Já dá para perceber que a solidariedade parece bastante com a indivisibilidade, são institutos bastantes parecidos e são evidentemente parecidos por que? Porque se nós temos credores solidários qualquer um deles pode exigir tudo, se nós temos devedores solidários qualquer um deles responde por tudo, lógica bastante similar a da solidariedade.

Então, muito importante para nós é começar a delimitar as diferenças, as distinções entre solidariedade e indivisibilidade. E uma primeira distinção se extrai do art. 265 diz que a solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes. Ao passo que a indivisibilidade usualmente decorre da própria natureza e não apenas da natureza. Nós vimos que a indivisibilidade também pode resultar da lei e também pode resultar da vontade, mas via de regra, a indivisibilidade resulta da própria natureza.

Cuidado porque o art. 265 fala “resulta da lei ou da vontade das partes”, apesar da expressão “das partes”, a doutrina afirma que cabe solidariedade imposta em testamento que é negócio jurídico unilateral. Então nada impede que o testador estabeleça um regime de solidariedade que é negócio jurídico unilateral.

Tem uma questão interessante que é extremamente atual que é a seguinte: naquele caso de seguro de responsabilidade civil, eu faço um seguro de responsabilidade civil por danos causados a outrem, se eu causo um dano a outrem qual é a lógica tradicional? A vítima vai contra mim e eu vou de regresso contra a seguradora porque a vitima não tem contrato com a seguradora.

Só que em homenagem a função social do contrato, a jurisprudência vem sistematicamente permitindo ação direta da vítima contra a seguradora. Em termos práticos o que a jurisprudência está dizendo? Está dizendo que a vitima pode exigir tudo tanto do agente causador do dano quanto da seguradora.

Em termos práticos isso nada mais é do que solidariedade passiva. Percebam que estamos diante de uma hipótese de solidariedade passiva que se inspira em que dispositivo? No principio da função social do contrato, quer dizer, é uma solidariedade que resulta de um princípio e não de um texto expresso e literal, casuístico.

Nós sabemos que a função social tem previsão no código civil e está no art. 421, mas é realmente nova a idéia de que a solidariedade possa resultar de um princípio, dessa regra que tem um caráter de evidente abstração.

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Perguntas.

Resposta: isso, por causa da função social do contrato a jurisprudência vem admitindo essa possibilidade.

Art. 266 diz assim: a obrigação solidária pode ser pura e simples para um dos co-credores ou co-devedores e condicional ou a prazo ou pagável em lugar diferente para o outro. Quer dizer, o art. 266 está ressaltando que as características de cada uma das obrigações não necessariamente serão as mesmas, podemos ter três devedores solidários e cada um com uma data de vencimento distinta.

Claro que o direito de regresso vai se dar nos respectivos vencimentos, mas cada um com datas de vencimentos distintos, por exemplo, diz que cada devedor pode se comprometer a pagar em local diverso, quer dizer, pode ser que o D1 se comprometa a pagar em Petrópolis, o D2 no Rio e assim sucessivamente.

Sobre esse dispositivo nós temos o Enunciado 347 que diz que esse rol do artigo 266 é meramente exemplificativo, quer dizer, é possível que numa obrigação solidária nós tenhamos circunstancias diversas e não apenas as que estão do art. 266.

Vamos ver um bom exemplo disso: art. 735 diz que a responsabilidade contratual do empregador com acidente com passageiro não é elidida por culpa de terceiro contra o qual tem ação regressiva. Quer dizer, o art. 735 permite que o transportado cobre não apenas do terceiro culpado, mas também do transportador, ou seja, nós temos aí um regime de solidariedade passiva entre o transportador e o terceiro culpado.

A responsabilidade do transportador é o que? Contratual e a responsabilidade do terceiro é extra-contratual, inclusive para a ampla maioria da doutrina também subjetiva, quer dizer, nós temos responsabilidade totalmente distintas e ao mesmo tempo solidárias. Quer dizer, nós temos solidariedade passiva entre responsabilidade contratual e extra-contratual, nesse caso realçando que o rol do art. 266 é sem duvida é meramente exemplificativo.

Intervalo.

Solidariedade Ativa: artigos 267 e seguintes.

Se há solidariedade ativa, obviamente pluralidade de credores, quer dizer, nós temos dois ou mais credores e há previsão legal ou contratual de solidariedade. Podemos superar relações internas e externas?É a mesma coisa, é a mesma história.

Só para consignar, o art. 267 traz a lógica das relações externas na solidariedade ativa. Quer dizer, nas relações externas cada um dos credores pode exigir a integralidade da prestação, é o que diz o art. 267.

O art. 268 traz a chamada prevenção judicial, a questão é a seguinte: o devedor é livre para pagar qualquer dos credores? A principio sim, a principio na solidariedade ativa, o devedor se exonera pagando a qualquer dos credores, a exceção está no art. 268 que é a prevenção judicial.

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Diz lá: enquanto alguns dos credores solidários não demandarem, o devedor comum, a qualquer daqueles poderá este pagar. Já fica claro, no art. 268, que na solidariedade ativa não se exige caução de ratificação, porque o código diz que “enquanto nenhum dos credores demandar, o devedor pode pagar a qualquer dos credores”.

Então, o art. 268 dispensando a caução de ratificação, ele é diferente do art. 260, II para ressaltarmos ai mais uma diferença entre solidariedade e indivisibilidade.

Apesar do art. 268 usar a expressão demandarem, posição segura no sentido de que, a prevenção judicial se dá a partir da citação porque é a partir da citação que o devedor toma ciência da demanda. Então, não bastaria mera propositura para que haja prevenção judicial.

Uma questão, aqui, importante é a seguinte: vamos supor que o C1 ingresse em juízo, o devedor é citado, ocorre a prevenção judicial e há o transito em julgado favorável ao C1. A dúvida é se o C2 e C3 se beneficiam ou não desse titulo formado em favor de C1? Pela regra geral, nós diríamos que não, pela regra geral o titulo formado em favor de C1, não beneficiaria C2 e C3 por conta dos limites subjetivos da coisa julgada.

Só que o art. 274, parte final do código civil, traz uma exceção aos limites subjetivos da coisa julgada. Diz o art. 274 que o julgamento contrário a um dos credores solidários não atinge os demais, o julgamento favorável aproveita-lhes, a menos que se funde em exceção pessoal o credor que o obteve.

Então, o julgamento contrário a C1 não prejudica C2 e C3 em harmonia com os limites subjetivos da coisa julgada, mas o art. 274 diz “se for favorável ao C1 beneficia C2 e C3”.

A exceção, aliás antes de mais nada, cuidado aqui com o seguinte: lá nas ações coletivas, os processualistas costumam dizer que a coisa julgada nas ações coletivas se dá o que? Secundum eventus litis, é o que está no art. 274.

O art. 274, em se tratando de solidariedade ativa, a coisa julgada também se dá secundum eventus litis e aí o art. 274 diz: “o julgamento favorável aproveita-lhes a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve”. Não há nenhuma duvida de que quando art. 274 usa a expressão exceção, ele usa essa expressão em sentido amplo, e exceção em sentido ampla representa todo meio de defesa.

As exceções no sentido estrito são aquelas do CPC: impedimento, suspeição e competência relativa.

Essa redação aqui é inclusive criticada pelo Fred Didier porque o legislador diz “que o julgamento favorável ao C1 aproveita aos demais a menos que se funde em exceção pessoal ao credor que o obteve”. Fred Didier diz que exceção não é um meio de defesa em sentido amplo? Quer dizer, se houver um meio de defesa, o acolhimento da tese defensiva geraria o que? A improcedência do pedido.

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Então, o Fred Didier critica a literalidade do dispositivo. Ele diz que, na verdade, deve ser entendido assim: salvo se o devedor tiver exceção pessoal oponível a outro credor. Quer dizer, imaginem que o C1 ingresse em juízo e tenha êxito, só que o C2 teria coagido moralmente o devedor a firmar aquele contrato que deu origem a solidariedade ativa (coação moral). A coação moral não seria uma exceção pessoal por parte do devedor? O devedor só pode fazer coação moral contra o co-autor, então esse julgamento favorável ao C1 não beneficiaria a C2 porque o devedor teria uma exceção pessoal oponível em face do C2. Essa posição é sustentada pelo Fred Didier e dentre os civilistas o Flávio Tartuce.

Os civilistas, em grande maioria, não chegam a repudiar a sistemática do at. 274 não, eles dizem o seguinte: exceção pessoal, entenda-se uma circunstancia pessoal ao credor, uma circunstancia que seja peculiar ao credor.

Querem ver um exemplo de aplicação do art. 274 tal como ele está? Vamos supor que aquela pretensão ali prescreva em 5 anos. O C1 entra ingressa em juízo 8 anos depois de vencida a divida e ele obtêm êxito.

Só que ele obtêm êxito porque o C1 estava fora do Brasil a serviço da União a 4 anos e o fato do C1 estar a serviço fora da União a 4 anos propiciaria uma causa de suspensão ou de impedimento do prazo prescricional. Quer dizer, essa exceção pessoal ao C1, não poderia propiciar o efeito extensivo da coisa julgada em favor de C2 e de C3 e aí nesse caso quanto o C1 pode exigir? Ele só vai poder exigir 10 mil.

Porque olha só, vamos supor que o julgamento seja favorável ao C1 porque ele estava fora do Brasil. Se ele pudesse ficar com os 30 das duas uma: ou ele receberia os 30 e passaria da 10 para C2 e 10 para C3 e aí nós teríamos aqui burla a prescrição. Ou se ele pegar os 30 mil e colocar no bolso nós teríamos enriquecimento sem causa. Então, a aplicação do art. 274, parte final gera a mitigação do regime de solidariedade.

Pergunta.

Resposta: ele pode na verdade pegar os 30 e o juiz diz que só tem 10 ou ele na inicial ele já justifica “olha está prescrito para todos menos para mim, porque eu estava fora do Brasil, então como está prescrito para todos menos para mim eu quero a minha parte” e aí ele pede ???. Quer dizer, ele estaria na verdade reconhecendo a prescrição da pretensão dos outros credores, resguardando a não consumação da prescrição da sua própria pretensão.

Outra diferença entre indivisibilidade e solidariedade é o seguinte: cabe pagamento parcial em obrigação indivisível? Não, a esse tipo de obrigação não comporta pagamento parcial porque vai contra a própria natureza.

A solidariedade sem dúvida comporta pagamento parcial, art. 269 que diz que o pagamento feito a um dos credores solidários extingue a divida até o montante do que foi pago.

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Percebam que se o pagamento for parcial nós teremos coexistência de relações externas e internas. Porque vejam, em relação àquilo que já foi objeto de pagamento, se iniciaram as relações internas e naquilo que ainda não foi objeto de pagamento subsistiram as relações externas. Então, no caso de pagamento judicial haverá coexistência entre relações externas e internas. Claro que envolvendo objetos diferentes, mas teremos coexistência entre as duas relações.

Outra peculiaridade aqui importante (cai muito em prova objetiva) é a seguinte: vamos supor aqui que o C1 venha a falecer e aí ele transfere o direito de crédito, por força da saisine e para H1 e H2, transfere imediatamente. Se nós continuássemos aplicando solidariedade, como se nada tivesse acontecido, o H1 poderia exigir 30 mil porque ele em tese seria mais um credor solidário.

Só que o art. 270 diz que não, o art. 270 traz uma regra peculiar, ele diz que “cada um dos herdeiros do credor solidário só pode exigir o seu quinhão hereditário”. Ou seja, o H1 no nosso caso só vai poder exigir 5 mil, vamos ver se está certo ou errado se vier lá na prova objetiva: o falecimento de um dos credores solidários gera a extinção do regime de solidariedade. Está errado, gera mitigação e não a extinção.

Por que é mitigação e não extinção? Porque o C2 continua poder exigir 30 mil, o C3 também pode exigir 30 mil, quer dizer, é uma mitigação do regime de solidariedade em relação aos herdeiros do credor falecido.

Pergunta.

Resposta: aí uma questão delicada, é o seguinte: o que a doutrina em geral afirma? Que o que está no art. 270 não se aplicaria: primeiro, se for herdeiro único, ou a doutrina sustenta a aplicação do art. 276, parte final por analogia porque o art. 276 trata de regra idêntica só que para solidariedade passiva.

Ele diz que cada um dos herdeiros do devedor falecido só responde pelo seu quinhão e aí diz assim “se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, nenhum deste será obrigado a pagar se não a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, mas todos reunidos serão considerados como um credor solidário em relação aos demais devedores”.

Quer dizer, o que a doutrina sustenta é que os credores, os herdeiros reunidos, o H1 e H2 em conjunto, poderiam exigir a integralidade. Por isso o Tepedino e o Venosa afirmam que só tem relevância tanto o art. 270 quanto o art. 276 após a partilha, porque enquanto não há partilha, quem responde ou quem recebe é o espólio e em relação ao espólio subsistiria o regime de solidariedade.

Então, na verdade a relevância desse dispositivo se efetivaria após a partilha, quer dizer, exatamente em harmonia com o que o colega ponderou, a questão ganha relevância depois da partilha. Mas mesmo depois da partilha, afirmam os autores, o H1 e o H2 em conjunto poderiam exigir a integralidade com a aplicação do art. 276 parte final.

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Essa posição é amplamente dominante, está em praticamente todos os manuais, só tem uma pequena critica que dá para fazer a essa posição porque eles em conjunto podem exigir tudo.

Olha só, porque a solidariedade ativa é muito pouco aplicada na prática? Porque pressupõe uma confiança muito grande entre os credores, quer dizer, que ao invés de cada um só poder exigir a sua parte, um deles pode exigir tudo e depois o outro que busque pela via de regresso.

Vejam que o art. 270, quando exclui os herdeiros da solidariedade, em certa medida ele está prestigiando os outros credores porque talvez houvesse uma mútua confiança entre si e essa confiança não vem abranger entre H1 e H2.

Essa posição amplamente dominante na doutrina fragiliza a posição de C2 e C3, porque se nós interpretarmos com cautela o art. 270 acaba em certa medida resguardando os interesses do C2 e do C3. Mas é a posição amplamente dominante Carlos Roberto Gonçalves, Tepedino, Venosa, posição consolidada nesse sentido.

Pergunta.

Resposta: uma dúvida que pode surgir é a seguinte: se o testador poderia impor solidariedade aos herdeiros ou a seus respectivos credores? A tendência no direito brasileiro, e quem trata desse tema é o Tepedino, para ele não cabe disposição em contrário por via testamentária. Os franceses, por exemplo, admitem.

Pergunta.

Resposta: naquele código comentado, no volume 1, o comentário é esse artigo mesmo, quer dizer, para ele não cabe. O direito Francês admite em homenagem ao principio da autonomia privada. Quer dizer, ele diz que não cabe sem explicar muito, mas nós talvez pudéssemos sustentar ou não o cabimento justamente porque a regra tem por objetivo a proteção de C2 e de C3. E essa disposição testamentária exclusivamente firmada por C1 talvez não pudesse ter o condão de fragilizar a posição de C2 e de C3.

Vamos aproveitar, essa questão cai muito em múltipla escolha, olha só, é a historia da interrupção da prescrição: nós vimos que nas obrigações divisíveis a interrupção contra um dos devedores não prejudica os demais, estão lembrados? Que as obrigações são distintas, que elas são autônomas.

Na solidariedade, as obrigações não são autônomas, por isso, o §1º do art. 204 diz que a interrupção por um dos credores solidários aproveitam os outros, assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros. Então, a interrupção por um credor beneficia os demais e a interrupção contra um devedor atinge os demais.

O que acabamos de ver? Que em relação aos herdeiros do credor e do devedor, o que o código fez nesses artigos 270 e 276? Mitigou a solidariedade em relação a esses herdeiros. Por isso, o §2º diz assim: a interrupção declarada contra um

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dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.

Porque a interrupção contra um dos herdeiros, o devedor solidário, não prejudica os outros herdeiros e devedores? Porque ele não está no regime de solidariedade. Então, sugiro a remissão ai do art. 204, §2º para os artigos 270 e 276 e reciprocamente, que vai facilitar na prova objetiva.

Querem ver outro detalhe aqui? O §1º diz que a interrupção contra o devedor solidário envolve os demais, não é isso? As causas de interrupção estão no art. 202, vimos lá na penúltima aula, nos incisos de I a V quem interrompe a prescrição é o credor.

Lembram lá do despacho do Juiz, do protesto cambial, toda aquela história, no inciso VI quem interrompe a prescrição é o próprio devedor quando ele reconhece o direito dos credores, estão lembrados? Se um dos devedores solidários reconhece o direito do credor, essa interrupção prejudica os demais devedores solidários? Não.

Nós não aplicaremos o art. 204, §1º no caso do art. 202,VI, quer dizer, só interrompe contra um dos devedores prejudica os demais quando a interrupção é operada por iniciativa do credor.

Por isso o código diz “interrupção contra o devedor”, se a interrupção é provocada por um dos devedores solidários, essa interrupção provocada por um dos devedores não prejudica os demais.

Agora, sem precisar ler o código, essa mitigação do regime de solidariedade aí cabe se a obrigação for indivisível? Não, se for indivisível não há como haver fracionamento. Mais uma diferença entre a solidariedade e a indivisibilidade, diferença essa que consta nos artigos 270 e 276.

Questão terminológica, o Carlos Roberto Gonçalves e o Flávio Tartuce, dizem que esses artigos 270 e 276 trazem a chamada refração do crédito.

O art. 271 traz uma regra que nós já vimos hoje, só lembrando quando a obrigação indivisível se transforma em perdas e danos o que nós já vimos? A obrigação de indivisível se torna divisível artigo 263.

Já na solidariedade, ela não decorre da natureza da obrigação, a solidariedade decorre da lei ou da vontade, então, quando a obrigação solidária se transforma em perdas e danos, ela subsiste, a solidariedade ela não cessa com as perdas e danos é isso que está no art. 271. Então o art. 271 é diferente do art. 263.

Outra questão que precisamos tomar cuidado é a seguinte: será que na solidariedade ativa o C1 pode perdoar e conseqüentemente exonerar por completo o devedor? Se nós pensássemos intuitivamente, nós afirmaríamos que não, quer dizer, o C1 é mais um dos credores solidários e ele não poderia exonerar por completo o devedor.

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Só que o art. 272 diz que pode, ele permite que um dos credores solidários venha a perdoar integralmente o devedor, por quê? Na solidariedade ativa, cada um dos credores atua nas relações externas como se fosse o único titular do direito de crédito, por isso tímida a aplicação pratica, porque isso envolve uma confiança demasiada entre os credores. Então, justamente porque cada um atua nas relações externas como se fosse o único credor, qualquer um deles pode exigir a integralidade.

Só que quando C1 recebe tudo, esse recebimento integral por parte de C1, não prejudica os demais por conta das relações internas. Então o C1 pode receber tudo e pode perdoar tudo. Só que ele tem que repassar para C2 e C3 todas as suas respectivas cotas nas suas relações internas.

Diz o art. 272: o credor que tiver remetido a divida ou recebido o pagamento responderá aos outros pela parte que lhes caiba. Percebam que não dá para aplicar o art. 272 se o credor remitente for insolvente.

A mesma lógica se aplica, se houver novação, dação em pagamento ou compensação. O código é omisso, mas entendimento consolidado nesse sentido porque são formas especiais de extinção das obrigações, que veremos mais adiante.

Pergunta.

Resposta: se o C perdoa, aí vai ter que pagar C2 e C3 sem solidariedade. Ele vai pagar C2 e C3 na relação interna, porque na verdade o que se percebeu aqui, que tanto na indivisibilidade quanto na solidariedade nas relações internas estamos aplicando a lógica da divisibilidade, então como ele vai prestar conta nas relações internas, nessas relações internas aplica-se a lógica da divisibilidade não haveria solidariedade ali.

Pergunta.

Resposta: salvo se por natureza for indivisível, agora o problema é o seguinte, mesmo que seja indivisível por natureza, nas relações internas o que acontece? A indivisibilidade ela só se opera nas relações externas, nas relações internas a obrigação é de pagar o equivalente em dinheiro, então, ainda que as obrigações sejam indivisíveis, nas relações internas cessa a indivisibilidade porque as obrigações são pecuniárias e aí se aplica a lógica do art. 263, quer dizer, as obrigações elas se tornam divisíveis nas relações internas.

Vamos começar a análise da solidariedade passiva que vem nos artigos 275 e seguintes.

O art. 275 mais uma vez reforça que a solidariedade admite pagamento parcial e diz que o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores parcial ou totalmente a divida comum, se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Há uma critica em relação à redação do art. 275 porque ele diz que se o pagamento for parcial, todos os demais continuam solidariamente pelo resto. E o que a doutrina afirma? Não apenas todos os demais também o próprio devedor que efetuou

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o pagamento parcial. O próprio devedor que efetuou o pagamento parcial continua obrigado pelo resto, então, não apenas todos os demais devedores.

Há inclusive sobre essa questão o Enunciado 348 que diz assim: o pagamento parcial não implica por si só renúncia a solidariedade a qual deve derivar os termos expressos da quitação ou inequivocadamente das circunstâncias do recebimento da prestação pelo credor. Quer dizer, o fato do devedor ter efetuado o pagamento parcial não implica a renúncia a solidariedade em relação aquele devedor que não efetuou o pagamento parcial.

Então, apesar do código dizer todos os demais, não apenas todos os demais, mas o próprio devedor também continua solidariamente obrigado pelo resto. Porque alguns autores, o Caio Mário, por exemplo, dizia o seguinte: se o D1 paga a sua cota e o credor recebe, o Caio Mário afirmava: o devedor está livre. O Enunciado desmente isso, na verdade, se devedor paga a sua quota e o credor recebe isso, não implica necessariamente em renuncia a solidariedade.

Isso inclusive ressalta que se por ventura, vamos imaginar o seguinte: mutatis mutantes, o que esse Enunciado traz implicitamente para nós aqui? Jogando para a solidariedade ativa o mesmo raciocínio, vamos supor que o devedor pague ao C1 10 mil que é a cota do C1, quando o C1 receber esses 10 mil ele pode receber e ir embora para casa? Não. O objetivo das relações internas não é garantir um tratamento paritário entre todos os credores? Então, se o C1 recebe 10 mil se iniciam as relações internas em relação aos 10 mil, porque se o C1 recebesse os 10 mil e fosse embora o C1 seria privilegiado. Então a lógica do Enunciado 348 pode ser aplicada inclusive analogicamente na solidariedade ativa, o pagamento parcial não exclui o regime de solidariedade.

Pergunta.

Resposta: isso, ai nós aplicaríamos mutatis mutantes, quer dizer, o Enunciado 348 lá no art. 269, quer dizer, seria uma aplicação analógica do Enunciado que fala da solidariedade passiva, mas analogicamente para solidariedade ativa.

E o §único do art. 275 vem em harmonia com o art. 114 e ele diz assim: não importará renuncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores. Quer dizer, o fato do credor demandar o D1 na solidariedade passiva, não implica em renuncia a solidariedade em favor de D2 e D3.

Faz todo sentido isso, porque o art. 114 diz que a renuncia merece interpretação restritiva, então o simples fato do credor demandar o D1 não gera renuncia a solidariedade em favor dos demais. Quer dizer, não dá para aplicar aqui a venire contra factum proprium, não dá para o D2 dizer “olha contradição com a própria conduta, demandou lá e agora tem que demandar cá”, é da essência da solidariedade tal possibilidade.

Como já vimos, o art. 276 trata do falecimento de um dos devedores solidários que é diferente da indivisibilidade. Uma questão muito importante aqui é a seguinte: não confundir renúncia a solidariedade, que é sinônimo de exoneração da

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solidariedade, com remissão de divida. A remissão está no art. 277 e a renuncia está no art. 282.

Vamos imaginar que o credor perdoe o D1 e D2, remissão de divida. Se o credor perdoa o D1 e o D2, o credor não pode exigir mais nada deles, vai subsistir a solidariedade passiva entre D3 e D4 por 60 mil. Agora, ao invés de perdoar o D1 e o D2, o credor renuncia da solidariedade em favor de D1 e D2, a hipótese agora é de renuncia, é de exoneração da solidariedade.

Quando o credor renuncia a solidariedade em favor de D1 e de D2, ele não está perdoando a divida, ele está apenas afastando o D1 e D2 do regime de solidariedade, qual é o efeito prático aqui? Quando se afasta a solidariedade, a gente passa a aplicar a lógica da divisibilidade, então com a renuncia a solidariedade o credor só vai poder exigir do D1 30 mil e do D2 30 mil.

Pergunta.

Resposta: isso, 60 mil para D3 e D4 solidariedade passiva contra D1 só 20 mil e contra D2 só 30 mil, quer dizer, totalizando tudo continuaria 120 mil.

Olha só, cuidado com a pegadinha na prova objetiva, vamos pensar aqui o seguinte: a remissão da divida e a renuncia a solidariedade geram a extinção parcial da obrigação. Está errado (E), a remissão da divida gera a extinção parcial, a renuncia e a solidariedade não geram a renuncia parcial.

A renuncia e a solidariedade ela gera uma cisão da relação obrigacional e cisão por quê? Porque os exonerados continuam sobre a ótica das obrigações divisíveis e os não exonerados continuam na solidariedade.

Surgiu um pequeno debate, agora já está bem resolvido isso, porque o art. 282, que trata da renuncia da solidariedade, diz assim: o credor pode renunciar a solidariedade em favor de alguns ou de todos os devedores. Se ele renuncia em favor de todos os devedores, na prática, o que vai acontecer? A obrigação de solidariedade passa de solidária passa ser divisível, vai cessar a solidariedade.

Aí o §único diz: se o credor exonerar da solidariedade, um ou mais devedores, subsistirá a dos demais. Quer dizer, os não exonerados continuam solidários, só que o código de 16, dizia: subsistirá a dos demais abatida a cota dos exonerados. O nosso código agora não mais diz isso.

Só que a doutrina hoje está unânime em afirmar que, apesar do código não ressaltar, entenda-se abatida a cota dos exonerados. Porque houve quem dissesse o seguinte: “olha, o D3 e D4 vão responder por 120 e aí depois o D3 e D4 que exerçam direito de regresso contra a D1 e o D2”, essa posição está superada inclusive pelo Enunciado 349. O Enunciado 349 que explicitamente ressalta aqui o abatimento da parcela em relação aos exonerados.

Outra questão importante que cai muito: vamos supor que o credor renuncie da solidariedade em favor D1. Então, quanto ao D1 ele só pode exigir 30 e subsiste a solidariedade os demais com 90.

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Vamos supor que o D2 pague os 90 mil, quando o D2 pagar os 90 vão se iniciar as relações internas 30 mil contra o D3 e 30 mil contra o D4. E aí vamos supor que o D4 seja insolvente, quer dizer, não há nenhuma duvida aqui que o D2 que pagou sozinho não vai suportar sozinho a insolvência do D4, isto está explicito no art. 283 que prevê o rateio da cota do insolvente.

Só que o art. 284 explicitamente afirma, que nesse caso aqui do quadro, participarão do rateio não apenas o D2 e o D3, mas também o D1. Quer dizer, aquele que foi exonerado do regime de solidariedade também participa do rateio da cota do insolvente.

Diz o art. 284: no caso de rateio entre os co-devedores contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo credor pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente.

Perguntaram a pouco tempo na magistratura estadual o seguinte: se o exonerado responde pelo rateio? Perguntava se tinha dispositivo legal no código, era só identificar e aí perguntavam assim “essa solução tem base em algum principio?” Tem, a renuncia a solidariedade foi pactuada entre quem aqui? Entre o C e o D1, qual é uma das características envolvendo direito obrigacional? É o princípio da relatividade, pelo principio da relatividade o acordo firmado entre C e D1 não tem o condão de prejudicar terceiros.

E aí era muito interessante destacar o seguinte: o principio da relatividade, segundo o qual o contrato não pode prejudicar a terceiros, tem previsão explicita na parte geral dos contratos? Não tem. Mas tem na previsão explicita no art. 278 dentro do capítulo da solidariedade passiva. Diz o art. 278 que qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional, estipulada entre um dos devedores solidários e o credor não poderá agravar a posição dos outros sem consentimento destes. Ou seja, qualquer acordo entre C e D1 não pode agravar a posição de D2, D3 e D4. É uma manifestação explicita da relatividade na solidariedade passiva, art. 278.

Então, se um dos devedores convenciona juros mais elevados ou se um dos devedores convenciona uma cláusula penal, isso não vincula os demais devedores solidários.

Então percebam que o art. 284 vem em harmonia com o art. 278 porque se o D1 não participasse do rateio a posição do D2 para o D3 seria agravado porque o rateio se daria entre dois e não por três pessoas. Então, na verdade o art. 284 vem em harmonia com o art. 278 e, portanto se embasa no principio da relatividade.

E aí veio a 3ª pergunta que foi tragédia coletiva: se for remissão de dívida? Porque o art. 284 fala apenas em exonerados, tem duas correntes para o caso de remissão.

A posição predominante qual é? É que a solução é a mesma, no caso remissão a solução é a mesma, não pelo art. 284 porque ele não prevê a remissão, mas a solução é a mesma pelo art. 278. E quando se fala em art. 278 não se fala apenas da literalidade, mas também no principio da relatividade e além do art. 278 e

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do principio da relatividade, nós temos ainda o art. 385, parte final que é aquele que diz que a remissão não pode prejudicar terceiro.

Contra essa posição, que é predominante, há o Enunciado 350 que diz: a renuncia a solidariedade diferencia–se da remissão em que o devedor fica inteiramente liberado do vínculo obrigacional inclusive no que tange ao rateio da cota do eventual co-devedor insolvente nos termos do art. 284.

Então, o Enunciado 350 diz que o devedor perdoado não participa do rateio. Sem dúvida alguma o Enunciado 350 disse muito menos do que deveria. Porque olha só, quem defende essa posição do Enunciado em termos é o Gustavo Tepedino porque o Enunciado diz que D não participa do rateio e ponto final. Só que o Enunciado não esclarece como fica o art. 278, como fica o principio da relatividade e como fica o art. 385.

O Tepedino acrescente dizendo o seguinte: o devedor perdoado está livre, não vai participar do rateio, para o Tepedino quem participa do rateio é o próprio credor remitente, ou seja, para o Tepedino participarão do rateio D2, D3 e o credor remitente.

Qual a diferença conceitual aí? Para a maioria as remissões só garantem as relações externas, as remissões elas não se projetam para as relações internas. O que o Tepedino sustenta é que a remissão ela abrange não apenas as relações externas como as internas também. Posição minoritária, porque ela traz uma dose de insegurança para o credor. Então, como as remissões abalariam as relações internas e os demais devedores não podem ser prejudicados a solução seria o próprio credor remitente participar do rateio.

Olha que coisa curiosa pode acontecer aqui: imagina se esse credor remitente seja insolvente então o D2 vai poder alegar o que? Fraude contra credores porque o devedor passa a ser credor do credor originário porque se o perdão dele se dá na qualidade de insolvente o D2 não vai conseguir o que?

O rateio por parte do credor, então, vai surgir para ele interesse em que? Em suscitar fraude contra credores para poder atingir D1 para a posição do Tepedino.

Pergunta.

Resposta: sem dúvida, em tese poderia, plenamente sustentável que se houver um mínimo de habilidade, cai da alegação de conversação para essa posição do Tepedino.

Pergunta.

Resposta: exatamente, agora ainda que não alegada a compensação, aí o instrumento seria a fraude contra credores. Para a maioria não tem nada disso, vai o D1 da mesma maneira não teria hipótese de compensação aí.

Tem uma posição do Carlos Roberto Gonçalves que é extremamente criticável e só ele diz isso e também nunca vi ninguém divergir, os autores também são omissos sobre o tema. Ele diz o seguinte: vamos supor que o credor exonere o D1 da

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solidariedade e aí vamos supor que todos os demais devedores sejam insolventes, o que o art. 284 diz é que o exonerado responde pela cota do insolvente. Então, ele diz que se todos os demais devedores forem insolventes o D1 exonerado responde pela totalidade da dívida porque o art. 274 diz o que? Ele diz que o exonerado responde pela insolvência dos demais, se todos são insolventes, afirma o Carlos Roberto Gonçalves, o exonerado vai responder por tudo.

Por que essa posição é extremamente criticável? Porque o D1, ele participa do rateio, da insolvência dos demais, porque o acordo entre o C e o D1 não pode prejudicar a DS2, D3 e D4. Quer dizer, o art. 284 decorre do art. 278, ou seja, ele responde pela cota dos demais nas relações internas, não se justificaria essa solução para as relações externas porque o art. 284 decorre do art. 278, decorre do principio da relatividade.

Para finalizar, o art. 285. Regra simples, mas que pode chamar a atenção. Olha só, a regra geral qual é? Se um devedor solidário paga a dívida ele só vai poder exigir dos outros as respectivas quotas, não é isso? A quota, a parte de cada um.

O art. 285 traz uma exceção, ele diz: se a dívida solidária, interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com aquele que pagar. Qual a hipótese típica do art. 285? Fiança ou aval. Quer dizer, claro fiança desde que haja obviamente a renuncia ao beneficio de ordem

Querem ver outro exemplo? Lembram da responsabilidade civil indireta por fato de outrem? Os pais pelos atos dos filhos, aquela historia toda? O art. 942, §único prevê solidariedade passiva entre os responsáveis indiretos e o responsável direto. Tem exceção, veremos, mas é a regra geral.

Aí o art. 934 prevê que o responsável indireto que pagar a dívida pode exigir tudo que pagou do responsável direto na via de regresso. É o art. 942, §único combinado com o art. 934. Quer dizer, o art. 942, §único prevê a solidariedade passiva e o art. 934 diz: o responsável indireto que paga tudo tem o direito de regresso de tudo contra o responsável direto. Porque princípio a divida caberia a quem? Ao responsável direto. Então é mais uma manifestação do art. 285.

Tem exceção a isso que vimos, em relação ao incapaz, a responsabilidade do incapaz, em regra, vai ser subsidiária, mas é a regra geral a do art. 942.

FIM.

Data: 18/11/08

Aula 12

Cessão de Crédito: artigos 286 a 298.

Na cessão de crédito há sucessão no pólo ativo, isso significa dizer que na cessão de crédito muda o credor, mas a relação jurídica permanece a mesma. Quer

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dizer, é da essência da sucessão, como vimos em aulas anteriores, que haja mudança em alguns dos pólos da relação jurídica, porém a relação se mantém a mesma.

Os efeitos práticos nós já vimos, porque se a relação jurídica permanece a mesma, as garantias subsistem. Quer dizer, os juros que antes fluíam em favor do cedente, continuaram a fluir em favor do cessionário. Ou seja, como a relações são as mesmas, todas a circunstancias da relação jurídica permanecem, prazo de prescrição, juros e garantias por exemplo.

Quais são as partes envolvidas na cessão crédito? Cedentes que é o credor originário, o cessionário que é o novo credor e alguns usam a expressão cedido em fazendo referência ao devedor.

O artigo 286 do código civil traz a regra geral segundo a qual os créditos podem ser cedidos, só que o próprio 286 traz exceções e diz o artigo 286 que o credor pode ceder o seu crédito se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor. Então, a regra geral é ter a possibilidade de cessão e as exceções são a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor.

Em relação à natureza da obrigação, por exemplo, créditos de natureza personalíssima são suscetíveis de cessão. Outro exemplo: créditos oriundos do direito de família, alimentos e ainda como exceção a possibilidade de cessão a lei como diz o artigo 286.

Então, como alguns exemplos de previsão legal que obstam cabimento de cessão, nós temos o artigo 426, vedação ao pacta da corvina que é herança de pessoa viva.

Outro exemplo de impossibilidade aí de cessão por determinação legal, no artigo 298 que trata do crédito penhorado, claro que a impossibilidade de ceder o crédito penhorado pressupõe a ciência pelo credor da penhora, é o que diz o artigo 298, mas intuitivamente é claro que o credor tem que tomar ciência da penhora mas uma vez ciente da penhora aquele crédito não é mais cessível por se tratar de um crédito indisponível.

Muito cuidado com uma pequena alteração legislativa aqui no artigo 286 porque ele diz “ou a convenção com o devedor”, quer dizer, é possível que a princípio da autonomia privada obste a possibilidade de cessão crédito.

Qual foi a alteração legislativa aqui que chama muito a atenção aqui para provas objetivas principalmente? Está na parte final do artigo 286 que diz que a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionários de boa fé senão constar do instrumento da obrigação. Sem dúvida essa regra se inspira em que? No princípio da confiança, o objetivo é a proteção da legítima expectativa dos cessionários de boa fé, então é pressuposto a previsão explicita da cláusula no instrumento da obrigação.

Vamos tomar cuidado ainda com o seguinte: lembram da nossa 1ª aula, aquela história do impedimento, da falta de legitimação para determinados atos?

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Aquelas regras concernentes ao impedimento, também se aplicam a cessão de crédito, vamos dar uma olhada no artigo 497,§único que prevê explicitamente a aplicabilidade das regras acerca de impedimento no caso de cessão de crédito.

O art. 497... Lembram aquela história que o tutor não pode comprar bens do tutelado, por exemplo? Então, o artigo 497 elenca lá várias hipóteses de impedimento e o §único diz: as proibições deste artigo estendem-se as cessões de crédito. Então, todas as regras do artigo 497 que contemplam a hipótese de impedimento, a principio direcionadas ao contrato de compra e venda, também se aplicam a cessão de crédito.

Sugiro a remissão deste início deste artigo da cessão de crédito para o artigo 497, §único e para o artigo 1749, III que trata mais uma vez de impedimento de crédito entre tutor e tutelado.

Há quem diga ainda que o artigo 636 contempla uma hipótese de cessão legal de crédito, diz o artigo 636: o depositário que por força maior houver perdido a coisa depositada e recebido outra em seu lugar é obrigado a entregar a segunda ao depositante e ceder-lhe as ações que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição da primeira. Quer dizer, aquele eventual crédito que tenha o depositário perante terceiros por força de lei há de ser cedido ao depositante, então nós teríamos uma regra aqui excepcional no artigo 636.

É preciso consentimento do devedor para a cessão de crédito? Não e por quê? Tem uma palavra que explica, sucessão, o fato de haver sucessão explica a desnecessidade de consentimento. Tanto isso é verdade, que numa situação análoga a da cessão de crédito, qual seja, na novação subjetiva ativa em que muda o credor, mas se constitui uma nova relação jurídica é incontroverso a necessidade de consentimento do devedor.

Então, como na cessão nós temos sucessão, desnecessária a anuência do devedor diferentemente do que ocorre com a novação subjetiva ativa.

Pergunta.

Resposta: vamos aproveitar e ampliar um pouco aqui, porque o colega está suscitando a questão da boa fé objetiva, a idéia da obrigação como um processo, talvez a necessária participação do devedor por ser a relação jurídica obrigacional uma relação complexa.

Pergunta.

Resposta: isso, Judith Martim Costa.

Olha só, o que a maioria da doutrina aqui sustenta, qual o entendimento hoje predominante pelo menos para fins de concurso especificamente? Qual é o raciocínio? A principio, o devedor ele não precisa consentir porque nós temos sucessão e qual é a premissa para a desnecessidade de consentimento do devedor? É a ausência de prejuízo. Quer dizer, se o devedor de algum modo puder ser prejudicado, obviamente, seria necessária a outorga do consentimento do devedor.

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E aí quanto ao aspecto, vamos aproveitar e fazer uma conexão com uma questão que sempre cai, lembram daquelas exceções pessoais e as exceções comuns que vimos nas últimas aulas? Quer dizer, a exceção pessoal é aquela tese defensiva de natureza pessoal, personalíssima, ao passo que as exceções comuns são mecanismos de defesa que beneficiam a terceiros. Quer dizer, a coação moral seria uma exceção pessoal porque você só pode alegar coação moral em face do co-autor.

A compensação também seria uma exceção pessoal, você só pode alegar compensação em face de quem você titulariza um direito de crédito.

Olha o que poderia acontecer aqui na cessão de crédito: vamos supor que tivéssemos credor e devedor e o devedor tivesse uma exceção pessoal oponível ao credor, coação moral por exemplo.

Se o credor cobra do devedor, o que o devedor vai alegar como tese de defesa? Coação moral, anulabilidade.

Então, ao invés de cobrar o que esse credor faz? Ele cede o crédito para um terceiro de boa fé e pela lógica geral, pela regra geral, em se tratando de exceção pessoal, em tese, o devedor não poderia opor essa exceção pessoal ao terceiro de boa fé porque aquela exceção tem natureza personalíssima.

Então vejam, justamente para tentar dar coerência a essa desnecessidade de consentimento pelo devedor é que o código traz uma regra excepcionalíssima no artigo 294 que é um artigo que cai muito.

O art. 294 permite que o devedor possa opor ao cessionário as exceções pessoais que tinha contra o cedente. Diz o art. 294: o devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que no momento em que veio a ter conhecimento da cessão tinha contra o cedente. Quer dizer, justamente para afastar qualquer risco de prejuízo ao devedor que não tem em tese como se opor a cessão, o código permite que devedor que possa opor ao cessionário eventual coação moral praticada pelo cedente.

E de maneira sui generis, e essa cai até mais, vamos supor que tenhamos credor e devedor, na verdade temos credores e devedores recíprocos. Se o credor cobra, o devedor alegar compensação, ao invés de cobrar o que aquele credor faz? Cede o crédito para um terceiro, o artigo 294 combinado com o artigo 377 permite que o devedor possa opor ao cessionário em tese compensação. Percebam que o próprio credor não titulariza nenhum crédito em face do cessionário, ele titulariza o crédito em face do cedente.

Mas, o art. 294 combinado com o art. 377 trazem essa regra excepcionalíssima, justamente com o objetivo de resguardar ausência de prejuízos para o devedor que não tem como se opor a cessão de crédito.

Em ambiente acadêmico, só abrir um parênteses aqui, porque o que o colega suscitou aqui não é nenhum despautério não. Em ambiente acadêmico, há quem

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defenda que a lógica do abuso do direito pode ser aplicada aqui no art. 294 justamente a luz da boa fé objetiva. Quer dizer, nós poderíamos ter interesse de ordem existencial, de ordem moral do devedor se opor a cessão de crédito e dada a relação complexa e enfim a boa fé objetiva, a obrigação com o processo seria possível a recusa do devedor na cessão de crédito. Mas para fins de concurso acho que é um pouco demais talvez seja precipitado, no máximo com o Tepedino na banca fazer uma alusão a isso, mas sem defender essa perspectiva.

Sem dúvida alguma a cessão de crédito ela, dentro dessa ótica, independe do consentimento do devedor, mas sem duvida alguma para que a cessão de crédito tenha eficácia em relação ao devedor é preciso que o devedor tome ciência.

O artigo 290 trata da eficácia da cessão de crédito em relação ao devedor, diz lá que a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular se declarou ciente da cessão feita.

O que a doutrina em geral afirma é que esse rol do artigo 290 é um rol meramente exemplificativo, quer dizer, o que importa para fins de eficácia em relação ao devedor é que haja ciência inequívoca.

Então, por exemplo, se o devedor é citado numa ação de cobrança movida pelo cessionário a partir da citação o devedor toma ciência da cessão. Então, ainda que não prevista a citação do devedor em eventual ação de cobrança movida pelo cessionário, a mesma lógica do artigo 290 seria aplicável.

Outro exemplo: se o cessionário constitui em mora o devedor, aplicável os efeitos do artigo 290.

Tem outro exemplo do Carlos Roberto Gonçalves, eventual habilitação do cessionário na falência do devedor, aplicável os efeitos do artigo 290.

Agora, não há nenhuma duvida que essa necessidade de ciência pelo devedor é um requisito que envolve eficácia relativa, o artigo 290 traz um requisito concernente a questão da eficácia relativa. Ou seja, vamos lembrar que a questão da ineficácia ela pode ser absoluta ou relativa.

A ineficácia absoluta é quando o negócio não produz efeitos em caráter erga omnes, então o testamento enquanto vivo o testador, padece de ineficácia absoluta, o negócio sujeito a condição suspensiva, ineficácia absoluta.

Então, enquanto o devedor não toma conhecimento da cessão, a ineficácia é relativa porque o negócio já produz efeito entre cedente e cessionário, ele apenas não produz efeito em relação ao devedor.

Aí sem precisar ler o código, o que podemos afirmar? Se o devedor paga o cedente antes de tomar conhecimento da cessão, o que acontece com o devedor? Está livre, artigo 292, 1ª parte. Devedor que paga antes de tomar ciência da cessão se exonera, artigo 292,1ª parte. Percebam inclusive que o artigo 292, 1ª parte, quando

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diz que o devedor se exonera quando paga ao cedente antes de tomar ciência da cessão, vem em harmonia com o artigo 309.

Numa prova dissertativa acho interessante fazer essa conexão porque olha só, para o devedor o cedente não é um credor putativo nesse caso? Para o devedor, o cedente é um credor putativo, o devedor supõe legitimamente que o cedente ainda é o titular do direito de crédito, quando na verdade quem titulariza o crédito já é o cessionário e o artigo 309 diz que o devedor que paga de boa fé o credor putativo se exonera.

É um ambiente interessante que dá para a gente fazer uma conexão com o credor putativo, com teoria da aparência e com o princípio da confiança, então dá para a gente desenvolver bastante aí.

Outra questão que o código não chega a prever aqui explicitamente, mas é decorrência disto que nós estamos vendo, quer dizer, se o devedor paga antes de tomar ciência da cessão o devedor se exonera. Mas como a cessão já produz efeitos entre cedente e cessionário, o cedente recebeu indevidamente e a luz do artigo 876 (que trata do pagamento indevido) o que vai acontecer? O cessionário vai poder exigir do cedente aquilo que ele indevidamente recebera, então é oportuna a remissão do artigo 290 para o artigo 292 combinado com o artigo 876 porque já vamos lembrar logo do pagamento indevido.

Em harmonia com tudo isso artigo 293 porque nós acabamos de ver que independentemente do conhecimento do devedor, a cessão de crédito ela já produz efeitos entre os cedentes e cessionários. Quer dizer, o cessionário já titulariza um direito de crédito, então o artigo 293 diz: independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conservatórios dos direitos cedido. Na verdade, o crédito já foi cedido e conseqüentemente, ainda que não haja a ciência do devedor, o cessionário pode adotar atos conservativos.

Então, como exemplo aí de aplicabilidade do art. 293, o cessionário pode interromper a prescrição, o cessionário pode mover ação pauliana se houver fraude contra credores.

Pergunta.

Resposta: vamos ler, diz o artigo 292: fica desobrigado o devedor que antes de tomar conhecimento da cessão, paga o credor primitivo ou que no caso de mais de uma cessão notificada, paga o cessionário que lhe apresenta como titulo da cessão da obrigação cedida. Quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá prioridade da notificação.

Essa regra, porque na verdade olha só, o código ele traz uma serie de questões especificas envolvendo a questão da prova do pagamento e olha só, o que vai acontecer aqui no caso de pluralidade de cessões? A presunção da parte anterior a final é de que ele vai pagar a aquele que apresenta o titulo da cessão, no caso de pluralidade de cessões e se for escritura pública ele vai ter que pagar a que primeiro foi notificada. Porque olha só, no caso de pluralidade de cessões, o cedente

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obviamente terá praticado um ato ilícito porque aqui estamos falando de pluralidade de cessões simultâneas sobre o mesmo crédito.

Pergunta.

Resposta: não, exatamente aqui a questão no caso é pluralidade de cessões sobre o mesmo crédito e aí a presunção do artigo 292 é de que o devedor vai pagar inicialmente ao portador do titulo. Essa regra, inclusive do artigo 292 em que o devedor se exonera pagando o portador do titulo, vem em harmonia com o artigo 324 porque ele diz que a entrega do titulo ao devedor firma a presunção do pagamento. Então, se a obrigação se consubstancia num titulo, presume-se que o pagamento exonera entregando aquele que tem o titulo.

Só que no caso de escritura pública, o legislador diz que vai prevalecer a primeira notificação e por que prevalece a primeira notificação no caso de crédito consubstanciado em instrumento público? Porque é a notificação que gera a eficácia da cessão em relação ao devedor.

Tem uma sistemática, por exemplo, para fim de concurso não interessa muito, mas no Código Suíço Federal de obrigações prevalece a primeira cessão feita no caso de pluralidade de cessões. O nosso código segue a sistemática do código português justamente porque no direito brasileiro o que vincula o devedor a cessão é a ciência.

Então, na verdade aquele primeiro crédito que lhe fora notificado em caso de instrumento público, que não goza da circulabilidade típica dos instrumentos particulares se dá através da prioridade da notificação. Seja na parte final do artigo 292, no caso de titulo particular ou na parte finalística mesmo que envolve instrumento público, o que vai acontecer?

Os demais credores preteridos vão poder evocar o que contra os cedentes? Não dá para aplicar ai a evicção? Porque olha só, o devedor vai fazer pluralidade de cessões sobre o mesmo crédito. Então em tese, o devedor transmitiu o direito de crédito para terceiros, só que na verdade pluralidade de cessões envolvendo o mesmo crédito, pluralidade de cessões simultâneas.

Qual é a regra geral do artigo 292? A regra geral é: vai prevalecer aquele que tem o título, os demais terceiros supostamente adquirentes e preteridos poderão alegar o que? Evicção para exercer ação de responsabilidade civil em face do cedente.

No caso do instrumento público, vai prevalecer a prioridade da notificação. Agora, a duvida que atormenta a doutrina, mas hoje já está mais equacionada é a seguinte: e se o crédito cedido ele não se instrumentaliza em qualquer título? Porque o artigo 292 traz regras claras acerca de créditos decorrentes de instrumentos particulares e créditos decorrentes de instrumento público. Mas pelo princípio da liberdade das formas, nós podemos ter inúmeros créditos surgidos de relações meramente verbais que não se substanciam em um instrumento que seja público, seja particular.

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O que hoje a doutrina ressalta é que nesses casos é aplicado por analogia o artigo 292, parte final. Quer dizer, se não há título que embase o crédito resultante, obviamente que nenhum dos terceiros cessionários terá o titulo consigo para apresentar ao devedor. Então, se o crédito não decorre de qualquer titulo, aplicável o artigo 292 parte final, vai prevalecer a prioridade da notificação.

Então, o primeiro cessionário que providenciar a notificação vai ter a prelação, vai ter a titularidade do crédito cedido e os demais cessionários preteridos terão ação reparatória em face do cedente.

Pergunta.

Resposta: essa notificação ela não tem uma formalidade exigida por lei, quer dizer, o que se exige é ciência inequívoca. Na verdade, essa notificação seria o que? Seria a ciência do devedor, é aquela notificação a que se refere o artigo 290.

Ou seja, é a notificação que eu pressuponho que é ciência do devedor, porque é possível que o cedente tenha acordado a cessão com vários cessionários e se uma daquelas cessões é notificada ao devedor, ou seja, o devedor passa a tomar ciência de uma daquelas notificações, quer dizer, aquela cessão primeiramente notificada é que prevalecerá sobre as demais.

Quer dizer, seria a aplicação por analogia do artigo 292, parte final quando o credito não se consubstancia em qualquer título, porque se o crédito resultar de instrumento particular vai prevalecer qual dos créditos? Aquele cessionário portador do titulo, se for instrumento público prioridade da notificação, artigo 292 parte final e se o crédito não se consubstancia em nenhum titulo, artigo 292 parte final por analogia e também é prioridade da notificação.

Outra questão aqui que pode chamar atenção, principalmente para prova objetiva é o seguinte: é a questão da eficácia da cessão de crédito perante terceiros. Nesse caso, aplicável o artigo 288 que diz: é ineficaz em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, senão celebra-se mediante instrumento público ou instrumento particular revestido das solenidades do §1º do artigo 654.

Sugiro a remissão do artigo 288 para o artigo 221 do código civil e ainda para o artigo 129 nº9 da lei 6015/739 que é a lei de registros públicos.

Esses dispositivos ressaltam uma necessidade de inscrição desse instrumento no registro de títulos e documentos. Quer dizer, averbação junto ao registro que vai conferir a publicidade necessária a oponibilidade erga omnes.

Há uma questão aqui que é a seguinte: porque a cessão, a princípio ela pressupõe um acordo entre cedente e cessionário, o devedor a principio não precisa anuir. Então, a dúvida era a seguinte: se a observância do artigo 288 dispensaria o cumprimento do artigo 290. O Serpa Lopez, um autor muito conhecido que veio das obrigações, é um autor clássico, ele defendia que sim, que o cumprimento do artigo 288 dispensaria o artigo 290.

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O artigo 290, só para não ficarmos perdidos, é aquele que pressupõe a ciência do devedor para que a cessão produza efeitos em relação ao devedor.

O Serpa Lopes afirmava que o artigo 288 traz requisitos para que a cessão acordada entre cedente e cessionário produza efeitos erga omnes e, na medida em que ela produz efeitos erga omnes, ela também estaria produzindo efeito em relação ao devedor, então a observância do artigo 288, dispensaria a notificação do devedor. Essa posição hoje é minoritária.

Há um argumento simples que seria o sistema da especialidade, quer dizer, em relação ao devedor nós temos uma regra especial que seria o artigo 290. Que na verdade essa especialidade se justificaria, quer dizer, porque nós não podemos comparar as repercussões das cessões de crédito em relação ao devedor, com a repercussão dessas cessões em relação a outros terceiros que não o devedor.

Quer dizer, os reflexos suportados pelo devedor seriam imediatos. Qual seria o reflexo imediato? A quem pagar para obter a correspondente exoneração.

Então, dada a proximidade dos interesses do devedor, é justificável que o devedor tome ciência inequívoca. Então, na verdade em relação ao devedor, diante dos interesses em jogo, o legislador não se contenta com a ciência ficta do artigo 288, o legislador exige a ciência inequívoca. Porque no artigo 288 essa oponibilidade erga omnes pressupõe o conhecimento ficto é uma ficção jurídica e o legislador não teria se contentado com esta ficção jurídica em relação ao devedor.

Então a posição predominante é no sentido de que o artigo 288 não dispensa a notificação do devedor para que a cessão lhe produza efeitos.

Pergunta.

Resposta: sem dúvida dá para jogar para o dever de cooperação e colaboração, dá para jogar. Por outro lado, eu talvez falasse de boa fé objetiva, dever de cooperação, sem avançar muito para não correr o risco do examinador eventualmente achar que a gente está confundindo boa fé objetiva com subjetiva. Porque a notificação impõe a ciência, saber, não basta, deveria saber. Talvez eu até evitasse falar de boa fé objetiva aqui, para evitar esse possível mal entendido, tem haver com a boa fé objetiva em relação ao dever de cooperação e colaboração. Mas aqui na verdade nós nem precisássemos falar em dever de cooperação porque o legislador positivou, por isso eu evitaria usar essa expressão, até para não trazer essa possível confusão porque o artigo 290 impõe a ciência inequívoca. Então, nós estaríamos mais para boa fé subjetiva do que para objetiva.

Olha uma armadilha que pode vir aqui, olha só: vamos voltar para o artigo 294, um instante que é aquela regra que permite ao devedor opor ao cessionário as exceções pessoais que ele tinha contra o cedente.

O código de 16 trazia uma regra idêntica a essa, só que esse código trazia uma exceção e essa exceção que ele trazia em relação ao atual artigo 294 é “salvo se houver simulação”. Quer dizer, dizia o código de 16 que se houvesse simulação entre o

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cedente e o devedor, o devedor não poderia opor ao cessionário as exceções pessoais que ele poderia opor ao cedente, se houvesse simulação do negócio jurídico do qual surgiu o crédito, está certo? Simulação entre devedor e cedente.

O código atual é omisso, ele não diz “salvo se tratar de simulação”. O que vocês acham? Será que subsiste a exceção apesar do silencio do código, enfim? A simulação passou a ser o que? Nulidade absoluta, interesse público.

Então, com a mudança da própria natureza jurídica da simulação, se tornou desnecessária a exceção prevista. Porque como a simulação envolve interesse público, o devedor pode opor a exceção pessoal ao cessionário.

Agora, só cuidado aqui com o seguinte: a gente tem que interpretar essa questão da simulação com o artigo 167, §2º que nós vimos em aulas anteriores. Senão podemos ter a falsa impressão, qual é o risco aqui? É imaginarmos o seguinte: ”ah, como a simulação agora é nulidade absoluta, o devedor vai poder alegar sempre contra terceiro porque nulidade absoluta interesse público.”

Só que nós vimos que o artigo 167, §único prevê que a simulação não pode atingir terceiros de boa fé, porque nós vimos que a proteção a terceiros de boa fé decorre da boa fé objetiva e passa a ser também matéria de ordem publica, estão lembrados? Principio da confiança.

Então, cuidado com o seguinte: o devedor pode alegar, mesmo em se tratando de simulação, mas ele tem que alegar quando? No momento em que ele veio a ter conhecimento da cessão, nos termos do artigo 294. Porque o artigo 294 permite ao devedor as exceções pessoais no momento em que toma conhecimento da cessão. Se ele não opõe no momento em que ele toma ciência da cessão, a gente passa aplicar o artigo 167, §2º e pelo artigo 167, §2º se resguardarão os interesses do terceiro de boa fé.

Então, cuidado porque temos que interpretar o artigo 294 em relação a simulação a luz do artigo 167, §2º. Não se esquecer que a simulação hoje não atinge terceiros de boa fé apesar de ser causa de nulidade absoluta.

Pergunta.

Resposta: mas é justamente por isso que o artigo 294 ele diz que o devedor tem que opor essas exceções no momento em que venha tomar conhecimento da cessão.

Pergunta.

Resposta: sem dúvida, se ele opõe a exceção no momento em que ele toma conhecimento da cessão, ele pode estar prejudicando cessionário de boa fé, mas por que o código permite esse atingimento do interesse do cessionário de boa fé? Para resguardar também a legitima expectativa do devedor.

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Na verdade o que o legislador fez aqui, e a sua colocação é importante, porque podemos perceber o seguinte: nós temos dois interesses em conflito aqui, o interesse do devedor que não tem como se opor a cessão de crédito e como não tem como se opor, com eventual cessão ao terceiro, ele em tese ficaria privado de alegar qualquer exceção pessoal. Por outro lado, nós temos os interesses do terceiro de boa fé, do cessionário de boa fé, o legislador aqui fez uma espécie de ponderação infraconstitucional.

Porque ele disse que o devedor pode alegar, mas ele tem que alegar no momento em que ele venha a tomar conhecimento da cessão porque ali a reação tardia já atingiria uma eventual expectativa incorporável ao patrimônio do cessionário. Quer dizer, por isso essa relação ela tem que ter uma relação de imediatidade em relação a ciência e aí é claro o cessionário vai ser prejudicado com essa alegação, sem dúvida, e aí ele vai ter eventual pretensão reparatória, por eventual perda do direito de crédito cedido. Quer dizer, o instituto aplicável poderia inclusive ser a evicção aí, quer dizer a perda do crédito por uma circunstancia anterior.

Pergunta.

Resposta: na verdade permitir que as questões acabem sendo extintas da maneira originária, permitindo a extinção da obrigação.

Pergunta.

Resposta: vai depender do caso concreto, porque se por exemplo, a exceção pessoal for a coação moral, o artigo 294 não vai permitir o inadimplemento, ele vai permitir a alegação da anulabilidade, se for compensação o artigo 294 vai propiciar o inadimplemento. Então, na verdade, talvez não seja a essência do artigo 294, mas em algumas situações seja um argumento aí, mas não é a essência em si.

Pergunta.

Resposta: o artigo 294 diz assim: o devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem bem como as que no momento a que veio a ter o conhecimento da cessão tinha contra o cedente.

Na verdade, essas limitações aqui, ela envolve ambos os aspectos. É o que afirma a doutrina. Quer dizer, as exceções pessoais sem duvida têm que ser aquelas existentes até o conhecimento da cessão. E na verdade, o que a doutrina afirma em relação ao lapso temporal para alegação é que essa alegação também contém uma relação de imediatidade. Porque na verdade essa questão temporal do artigo 294 e do artigo 377 são regras que temos que interpretar em conjunto.

O artigo 294 e o artigo 377 estabelecem limites não apenas em relação as exceções pré-existentes, mas também em relação a oportunidade de alegar tais exceções. Na verdade essa interpretação em relação a oportunidade, ela vem em harmonia com aquela idéia da proteção a legitima expectativa do cessionário. Quer

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dizer, na verdade, o que o legislador teria feito aqui seria uma ponderação entre a legitima expectativa do devedor e a legitima expectativa do cessionário.

É como estabelecer um limite temporal ao prestigio da legitima expectativa do devedor em homenagem a expectativa do cessionário de boa fé. Mas sem duvida esta interpretação que você coloca de maneira literal, ela é mais do que apropriada, quer dizer, as exceções pessoais elas tem que ser aquelas existentes até o momento que ele toma ciência.

Pergunta.

Resposta: exatamente, quer dizer, vamos mitigar o artigo 167 de maneira mais ampla, vamos mitigar a proteção a legitima expectativa do terceiro cessionário. Porque como contra ponto a legitima expectativa, a legitima expectativa do terceiro cessionário, nós teríamos a legitima expectativa do devedor que não tem como se opor. Por isso que em direito às vezes é difícil tentar resumir numa frase. Me parece precipitado dizermos que essa solução traz uma mitigação ao principio da confiança, me parece que não traz. Porque o princípio da confiança também resguarda a legitima expectativa do devedor, me parece que a regra vem em absoluta sintonia a uma ponderação dentro da ótica do princípio da confiança. Na verdade temos duas legitimas expectativas em rota de colisão.

Vamos tomar cuidado ainda com outra regra, que cai muito em provas principalmente objetivas, artigo 295 que trata da responsabilidade do cedente perante o cessionário pela existência do crédito. Quer dizer, é possível que o cedente venha a transferir um crédito inexistente para o cessionário, ele diz que o crédito resulta do contrato, transfere o contrato, transfere o crédito só que aquele contrato é fruto de falsificação.

Vamos tomar cuidado com o artigo 295 porque o legislador sabiamente diferenciou a sistemática da cessão onerosa, da cessão gratuita. Isto porque na cessão onerosa, como nós já sabemos, há o sinalagma, quer dizer, o cedente transfere para o cessionário, mas há uma contra-prestação. A cessão onerosa é muito comum em contrato de factoring e no desconto bancário.

É claro e evidente que o tratamento da cessão onerosa não pode ser o mesmo da cessão gratuita porque na cessão gratuita nós temos um ato de mera liberalidade. Então, as responsabilidades do cedente na cessão onerosa são flagrantemente maiores do que na cessão gratuita, diz o artigo 295: na cessão por titulo oneroso, o cedente ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu.

Vejam que com essa observação, “pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu”, o artigo 295 diferencia a responsabilidade aqui tratada de eventual contrato aleatório. Porque nós podemos ter eventualmente uma cessão de um crédito futuro e a cessão de eventual crédito futuro pode configurar um contrato aleatório.

Nesse caso, obviamente nós não aplicaríamos o artigo 295, a área seria inerente ao próprio risco assumido pelas partes, está certo? Por que na cessão onerosa

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o cedente sempre se responsabiliza? Para que não haja enriquecimento sem causa, então o que inspira o artigo 295, 1ª parte é a vedação ao enriquecimento sem causa.

Sugiro, portanto a remissão ao artigo 295, 1ª parte para os artigos 884 a 886. Isso é importante para a gente se lembrar inclusive que essa responsabilidade é matéria de ordem pública, porque a vedação ao enriquecimento sem causa, é matéria de ordem pública. E aí o próprio artigo 295 na 1ª parte diz: a mesma responsabilidade lhe cabe na cessão por titulo gratuito se tiver procedido de má fé.

Esse artigo 295 vem em harmonia com o artigo 392, porque o artigo 392 diz que nos contratos benéficos aquele que pratica a liberalidade só responde por dolo. Então, no comodato o comodante só responde por dolo, como a cessão de crédito gratuita é um contrato benéfico, os dispositivos se encontram em sintonia.

Uma vez perguntaram numa prova do MP 1ª fase, se o cedente se responsabiliza perante o seu cessionário pela existência das garantias? A pegadinha era induzir o candidato a ir direto no artigo 295. Só que na verdade a resposta era muito simples, era só lembrar que o artigo 295 prevê a responsabilidade pela existência do crédito, mas pelo principio da gravitação jurídica, se ele reponde pela existência do crédito em tais circunstancias, ele também responde pelas garantias nas mesmas hipóteses.

E aí, além de falar na gravitação jurídica genericamente, era importante inclusive ressaltar o artigo 287 que diz: salvo disposição em contrário na cessão de um crédito abrange-se todos os seus acessórios. Então, se ele se responsabiliza pelo crédito ele automaticamente também se responsabiliza pelas existências da garantias.

Sem dúvida alguma, o código não prevê aqui, mas dentro de uma visão atual é inequívoca a responsabilidade do cedente perante o cessionário pela inobservância dos deveres anexos.

Dever de informação, dever de fornecer os documentos necessários ao exercício do direito de crédito, enfim, a inobservância dos deveres anexos notadamente o dever de informação entre cedente e cessionário pode propiciar configuração de responsabilidade civil do cedente perante o cessionário. Então, não apenas a existência do crédito, como diz o dispositivo, mas também o descumprimento dos deveres anexos pode configurar responsabilidade civil.

E o artigo 296 traz a presunção relativa de que o cedente não responde pela solvência do devedor.

Perguntinha boa para prova oral: a cessão de crédito é presumidamente pró-soluta ou pró-solvendo? Presumidamente pró-soluta. O artigo em questão, o artigo 296 traz a presunção relativa de que a presunção de crédito é pró-soluta.

Vamos tomar cuidado com uma última pegadinha aqui com o artigo 297. O artigo anterior traz a presunção relativa de que o cedente não se responsabiliza pela solvência do devedor, só que as partes podem dispor em contrário. Então, o artigo 297 trata justamente da hipótese em que as partes dispõe ao contrário, regulamenta

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portanto os efeitos da responsabilidade do cedente perante o cessionário pela solvência.

Vamos supor que essa cessão de crédito, se dê no valor diverso de 50 mil reais, vamos supor que o crédito seja cedido por 35 mil reais. Quer dizer, o crédito é um crédito futuro e numa cessão onerosa o cedente paga 35 mil hoje para receber o crédito de 50 mil que vence daqui a 3 meses.

Vamos supor que o devedor seja insolvente e o cedente tenha se responsabilizado pela solvência do devedor. O artigo 297 enfatiza que nesse caso o cedente vai responder perante o cessionário não no valor total do crédito, ele vai responder por 35 mil reais que foi o valor objeto da cessão. Ou seja, o artigo 297 veda o caráter especulativo na hipótese de responsabilidade do cedente perante o cessionário.

Diz o artigo 297: o cedente, responsável ou cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu com os respectivos juros, mas tem que ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança. Então, ele não responde por mais do que daquele recebeu, então ele não responde pela integralidade do crédito, ele responde pelo valor recebido pelo cessionário.

Para fundamentarmos bem em eventual dissertativa, vejam que o que inspira o legislador a essa solução é o fato de que um dos fatores que legitima o caráter especulativo da cessão de crédito é o risco assumido pelo cessionário pela insolvência do devedor. Quer dizer, o risco assumido pelo cessionário legitimaria o caráter especulativo da cessão onerosa de credito porque sem dúvida alguma se o cessionário assume o risco da solvência do devedor, há uma margem de riscos do cessionário e esses riscos assumidos pelo cessionário legitimariam o caráter especulativo, legitimaria o lucro por parte do cessionário.

Na medida em que o cedente se responsabiliza pela solvência, o cessionário não assume os riscos e como ele não assume os riscos receber a integralidade geraria enriquecimento sem causa. Então na verdade, o que inspira o dispositivo é que no caso não há assunção de riscos pelo cessionário e como não há assunção de riscos não seria justificável o caráter especulativo.

Pergunta.

Resposta: não, porque se ele assume o risco e o cessionário não consegue reaver, aí é problema do cessionário, quer dizer, é uma área inerente ao contrato firmado. Só tem graça quando ele não assume o risco, se ele assume o risco aí ele não tem direito de regresso, estava na área envolvida na relação contratual.

Assunção de Dívida: artigos 299 a 303.

Na assunção de divida há sucessão no pólo passivo, quer dizer, o devedor originário transfere a qualidade de vitoria para terceiro o que a doutrina chama de assuntor (o terceiro que assume a dívida).

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Por razões claras, o artigo 299 exige consentimento expresso do credor, quer dizer, claro que a mudança na figura do devedor pode causar flagrantes prejuízos ao credor, então o legislador exige consentimento expresso. Diga-se de passagem, o legislador foi até redundante porque o caput fala em consentimento expresso e o §único diz que o silêncio do credor importa em recusa.

A exceção a exigência de consentimento expresso se encontra no artigo 303 que traz uma exceção, diz lá: o adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido se credor notificado não impugnar em 30 dias a transferência do débito entender-se-á do assentimento.

Chegamos a mencionar isso lá na parte geral quando falamos de abuso. O que justifica essa desnecessidade de consentimento expresso no artigo 303? É a garantia real, ela em certa medida resguarda os interesses do credor, e como tal, o legislador flexibiliza aqui a exigência de consentimento expresso.

Muito cuidado aqui com o Enunciado 353 do Conselho porque ele afirma que a recusa do credor, no caso do artigo 303, tem que ser justificada. Essa posição já era defendida pelo Tepedino há algum tempo e por que a recusa do credor tem que ser justificada? Porque a recusa injustificada pode configurar abuso do direito. Chegamos a ver esse caso quando vimos alguns exemplos de abuso.

Talvez haja uma remissão que possa ajudar que é a remissão do Enunciado 353 do Conselho combinado com o artigo 187 do código civil que trata de abuso.

É mais um exemplo de abuso de direito potestativo.

Percebam que é no mínimo sustentável, a doutrina não vem tratando do tema, a aplicação por analogia do artigo 303 no caso de alienação fiduciária de imóvel. Quer dizer, se ao invés de hipoteca a garantia real for a alienação fiduciária, no mínimo justificável a aplicação por analogia, porque de qualquer maneira nós teremos uma garantia real para o cumprimento da prestação.

O que é inequívoco, não há duvida na doutrina, é que só se aplica o artigo 303 se a divida hipotecada envolve a aquisição de imóvel. Porque podemos ter outras dividas hipotecadas que não envolvam aquisição do imóvel.

Na verdade o artigo 303 ele vem em sintonia com a própria questão do direito social a moradia, por isso a especificidade em relação a aquisição de imóvel. Se nós tivermos outra divida que não envolva aquisição de imóvel e que seja objeto de hipoteca, é inaplicável o artigo 303 e indispensável será o consentimento expresso.

Esse artigo pode em parte, não é a solução, mas em parte pode propiciar a regularização de alguns contratos de gaveta, quer dizer, o que temos aqui em jogo é a própria função social do contrato a idéia do direito social a moradia. Em parte porque o artigo 303 impõe a notificação do credor.

Pergunta.

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Resposta: eu disse até em parte pelo seguinte, porque o Carlos Roberto Gonçalves ele diz que o artigo 303 resolve a questão dos contratos de gavetas. Só que na verdade o que se afirma, a própria jurisprudência afirma isso, que na verdade a questão dos contratos de gavetas obedece a legislação especifica, por isso o artigo 303 não é uma panacéia. Porque a legislação especifica, envolvendo o sistema financeiro da habitação, traz uma série de regularidades que não teriam sido revogada pelo artigo 303 por conta do sistema da especialidade.

Então, na verdade ele resolve em parte, ele não é um sucedâneo da questão dos contratos de gaveta, a uma porque ele impõe a notificação ao credor, o que não é a pratica em relação ao contrato de gaveta, normalmente se faz sem nenhuma notificação a instituição financeira. Por outra, o artigo 303 não afasta toda aquela questão do refinanciamento, com a anuência do credor, prevista pela legislação especifica envolvendo o sistema financeiro da habitação.

Então, apesar do Carlos Roberto Gonçalves afirmar isso, o que a doutrina vem sustentando é que na verdade a própria jurisprudência do STJ, o dispositivo não afasta a incidência da legislação especifica, sistema da especialidade.

Pergunta.

Resposta: sim, em nada muda, a jurisprudência vem até admitindo efeitos em relação a contratos de gaveta, mas por outros fundamentos que não especificamente o artigo 303.

Esse artigo 303 em alguns lugares, veremos mais adiante, ele é usado como argumento meramente lateral, mas a ratio não seria o artigo 303. Nós teríamos outros fundamentos como função social do contrato, enfim, nós temos legislações especificas que buscaram regulamentar, regularizar contratos de gaveta firmados até um determinado período, enfim temos argumentos mais específicos que não o artigo 303.

Classificação: a assunção de divida ela pode ser liberatória, que é sinônimo de privativa ou cumulativa que é sinônimo de assunção de divida de reforço.

Assunção de divida liberatória, é aquela que libera, exonera o devedor primitivo, então, sai o devedor primitivo e entra o novo devedor. Ao passo que na assunção de divida cumulativa ou de reforço, o novo devedor passa a responder ao lado do devedor primitivo.

Nós temos algumas questões que decorrem dessa classificação: uma primeira questão é que o nosso código nos artigos 299 a 303, que sistematizam a assunção de divida, o nosso código nesses artigos só prevê a assunção de divida liberatória. Só que apesar do silencio do código, podem as partes pactuar a assunção cumulativa, Enunciado 16 do Conselho e por quê? Principio da autonomia privada.

Primeira prova depois do código atual para magistratura estadual perguntaram isso: se seria admissível a assunção cumulativa no direito brasileiro? Era para dizer que o nosso código não a sistematiza, não há previsão legislativa, mas é admissível pelo principio da autonomia privada.

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Tem um detalhe aqui, no artigo 1146, está lá no direito empresarial que o artigo 1146 ele acaba prevendo uma assunção cumulativa por força de lei. Diz o dispositivo: o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores a transferência desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de 1 ano. Quer dizer, o legislador aqui impõe uma assunção de divida cumulativa, uma regra excepcionalíssima artigo 1146.

Outra questão importante é a seguinte: se as partes convencionam assunção cumulativa qual o regime jurídico aplicável? Claro que só tem graça a questão se a partes convencionam a assunção cumulativa e se omitem quanto ao regime aplicável.

A posição amplamente dominante na doutrina é no sentido de se aplicar a solidariedade passiva. Caio Mário, Carlos Roberto Gonçalves, Cristiano Chaves, Rosenvald.

Os autores que minimamente tentam explicar essa solução costumam invocar o direito comparado, o argumento vem sempre a luz do direito comparado. Como o direito brasileiro não contempla a assunção cumulativa, a solução viria de outras legislações que em regra contemplam solidariedade passiva.

De maneira minoritária discorda Gustavo Tepedino que afirma o seguinte: a solução do direito comparado é incompatível com o direito brasileiro, porque na maior parte dos países de legislação mais avançada, o regime de solidariedade passiva é presumida pelo legislador, porque a solidariedade passiva ela confere maiores garantias ao credor e como ela confere maiores garantias, porque o credor pode exigir tudo de qualquer um dos credores, a solidariedade passiva seria fator de encorajamento a novos investimentos, ela aumenta a segurança jurídica, ela encoraja novos investimentos.

Então, na maior parte dos países de legislação mais avançada a solidariedade passiva é presumida pelo legislador. Só que no Brasil, nós sabemos que não tem presunção de solidariedade nem ativa e nem passiva, artigo 265. Então, o Tepedino afirma que a aplicação de solidariedade sem que as partes tenham assim convencionado, violaria o artigo 265 que literalmente afirma que a solidariedade jamais se presume.

Então, com esse argumento o Tepedino sustenta a aplicação aqui do regime de subsidiariedade se as partes forem omissas quanto ao regime jurídico aplicado. Quer dizer, o assuntor passa a ser o devedor principal e o devedor originário responderia subsidiariamente, seria um soldado de reserva diante de manifestação de vontade.

Só para raciocinarmos juridicamente, nos países em que se adota a solidariedade passiva na assunção de divida cumulativa, usualmente inclusive se dispensa o consentimento do credor para essas hipóteses e por quê? Porque se a assunção de divida cumulativa gera a solidariedade passiva, não haveria a idéia de qualquer prejuízo ao credor, quer dizer, excepcionalmente nós teríamos uma modalidade de assunção de divida que dispensaria o consentimento do credor.

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O Rosenvald, inclusive traz essa lógica para o direito brasileiro posição minoritaríssima. Ele afirma que a assunção de divida cumulativa por gerar solidariedade gera dispensa do consentimento do credor.

Pergunta.

Resposta: é sustentável isso, sabe porque não chega a ser incontroverso? Porque há o risco de em se estabelecendo uma solidariedade passiva, de haver a alegação de compensação. Porque pode ser que aquele novo devedor tenha um crédito perante a outra parte e se a assunção de divida pudesse ser praticada independentemente do consentimento do credor, esse credor poderia correr o risco de alegação de compensação parcial. Então, por isso que é discutível essa afirmativa.

O Rosenvald defende essa solução, mas é discutível porque haveria um risco de compensação em face do credor.

Intervalo...

Data: 18/11/08

Aula 12 (2ª Parte)

Outra classificação importante a assunção de divida pode ser expromissória ou delegatória. A assunção de divida expromissória é aquela pactuada entre o credor e o novo devedor. A assunção de divida delegatória é aquela pactuada entre o devedor primitivo e o novo devedor.

Isso cai muito em prova objetiva, a assunção de divida expromissória o que acontece com o devedor primitivo? Ele é afastado, ele é exprometido da relação obrigacional, por isso a assunção de divida expromissória, porque ela gera a expromissão do devedor primitivo. Então, ela é pactuada entre o novo credor e o novo devedor.

E a assunção de divida delegatória nos lembra delegação e delegação pressupõe a vontade do delegante que aqui obviamente é o devedor primitivo, devedor originário.

Percebam que o artigo 299, §único se aplica a assunção de divida delegatória, diz o dispositivo que qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da divida. É claro que só se aplica na assunção de divida delegatória porque na expromissória o credor integra o próprio acordo de vontades envolvendo a assunção.

Agora, uma questão importante é a seguinte: a assunção de divida expromissória pactuada entre o credor e o novo devedor, será que o devedor primitivo pode se opor a essa assunção? Será que é preciso consentimento do devedor primitivo para assunção de divida por expromissão? Tem duas correntes.

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A posição majoritária pela aplicação por analogia do artigo 362, porque ele trata de novação e diz que a novação por substituição do devedor, pode ser efetuada independentemente de consentimento deste. Quer dizer, porque independeria de consentimento? Porque não há prejuízo ao contrário.

Essa posição está implicitamente prevista no Enunciado 352, parte final: já as garantias prestadas pelo devedor primitivo, somente são mantidas no caso em que este concorde com a assunção. Então, o Enunciado está implicitamente contemplando hipótese em que o devedor não precisaria concordar.

Só que essa posição vem hoje sendo combatida por alguns autores, ela era uma posição unânime até a algum tempo atrás, mas hoje ela vem sendo combatida pelo seguinte: essa primeira posição partiria de uma lógica eminentemente patrimonialista, ou seja, o que a segunda corrente ressalta é que o devedor pode ter razão de ordem moral para se opor a assunção de divida. E para subsidiar essa segunda corrente é possível a aplicação por analogia duas novidades que o código atual trouxe: a primeira seria o artigo 385, por analogia. O artigo 385 agora afirma que a remissão da divida tem que ser aceita pelo devedor e por quê? Razão de ordem moral, porque óbvio que não a princípio nenhum interesse patrimonial imediato do devedor em se insurgir em face da remissão, razão de ordem moral. Quer dizer, pode até haver uma razão envolvendo interesse estratégico empresarial, pode interessar a pessoa jurídica cumprir a prestação para manter a sua reputação como boa pagadora.

Além, do artigo 385 há outro artigo que a gente vai ver daqui a pouco, que é o artigo 304, §único, parte final que permite que o devedor se oponha a um ato de liberalidade praticado por um terceiro.

Esse dispositivo §único trata de uma hipótese em que o terceiro paga sem ter direito de regresso, quer dizer, ele paga como ato de liberalidade e o código agora inova na parte final dizendo que o devedor pode se opor ao pagamento para terceiros nessas circunstancias. O que legitima a oposição ao terceiro mais uma vez é a razão de ordem moral.

Então, essas duas inovações seriam suscetíveis de aplicação por analogia e de maneira estrutural nós diríamos que a 1ª corrente vem numa lógica eminentemente patrimonialista, quer dizer, a luz da despatrimolização do direito civil (tudo aquilo que vimos na 1ª aula) seria justificável a oposição pelo devedor.

Quem assim sustenta é Gustavo Tepedino porque essa posição tem a cara da doutrina do Tepedino, além dele tem Venosa e o Arnaldo Rizzardo.

Saindo agora dessa classificação, que acabamos de ver, qual é a diferença entre a assunção de divida cumulativa e a fiança? Tem uma diferença que é marcante, o fiador tem responsabilidade sem ter débito e justamente por isso, o fiador é contemplado com o benefício de ordem.

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Pelo mesmo motivo, pelo fato de ter responsabilidade sem débito, o fiador que paga ele se sub-roga nos direitos do credor. Quer dizer, ele vai poder exigir a integralidade do que pagou em face do devedor principal.

Nós vimos no final da aula aquela hipótese, o último artigo em que se permite no caso de fiança, mesmo no caso de renuncia ao beneficio de ordem, se o fiador solidário pagar tudo, ele pode exigir a integralidade do devedor principal. Já a assunção cumulativa, não, o assuntor ele passa a ter débito e responsabilidade e como conseqüência para o entendimento amplamente dominante o que nós vimos? Não há benefício de ordem.

Aliás, mesmo para o Tepedino a responsabilidade inicial é do assuntor e subsidiariamente o devedor originário, então, assunção de divida cumulativa não propicia beneficio de ordem em favor do assuntor e como conseqüência não há subrogação.

Pergunta.

Resposta: depende, para a maioria o que a assunção de divida cumulativa vai gerar? Solidariedade passiva, aí sim vamos aplicar a sistemática da solidariedade. Para o Tepedino, se não houver acordo nesse sentido, subsidiariedade, aí não tem direito de regresso, quer dizer, o devedor originário ficaria apenas como um soldado de reserva.

Então vai depender, se as partes convencionarem a solidariedade aí fica claro, solidariedade passiva e aí a solução vem nesses moldes e vamos aplicar a sistemática da solidariedade, relações internas e aí vai exercer o direito de regresso.

Tem outra diferença aqui que é a fiança, artigo 819 que impõe a forma escrita para o contrato de fiança. A assunção cumulativa como não tem previsão legal, o que aplicamos? Principio da instrumentalidade ou liberdade da forma.

Outra questão aqui que pode chamar atenção: vamos supor que tenhamos três devedores solidários. O D1 quer fazer uma assunção de divida com um terceiro, claro que vai ter que ter a anuência do credor. Agora vejam, se o D2 cumpre integralmente a prestação, e ele pode fazê-lo porque o regime é de solidariedade passiva, quando o D2 cumprir tudo, o que vai acontecer coma as relações internas?Ele vai passar a ser credor do D3 e do D1.

Vejam que cada um dos devedores solidários, é potencial credor dos demais nas relações internas, então no caso de obrigação indivisível, a assunção de divida por parte de um dos devedores pressupõe não apenas a anuência do credor, mas também dos demais devedores. Porque cada um deles é potencial credor dos demais nas relações internas, quer dizer, isso se aplica na solidariedade passiva e se aplica nas obrigações indivisíveis, nas divisíveis não, pois nas divisíveis cada uma das obrigações é autônoma, é distinta.

Pergunta.

Resposta: isso, na verdade qual seria o negócio jurídico aqui? O d1 transferindo a dívida para o terceiro e o terceiro assumindo a posição do D1, aquela

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relação jurídica, é sucessão, não é isso? Então, se é sucessão, assunção de divida, ele ocuparia a posição do D1 nas mesmas circunstâncias, só que justamente pelo fato do interesse dos demais devedores solidários é que precisa da anuência deles. Porque a modificação do pólo passivo de um dos integrantes pode atingir a posição jurídica dos demais devedores solidários, porque nas relações internas, há uma potencial relação de crédito entre eles.

Se pudesse haver essa assunção sem a anuência do D2, ele cumpriria tudo e poderia vir a ser surpreendido com a insolvência de um terceiro, com o qual ele não anuiu integral pólo passivo da relação jurídica.

Pergunta.

Resposta: isso, mas desde que haja anuência. Sem dúvida vai haver subrogação das relações internas, mas desde que haja essa anuência dos demais devedores, justamente por que o que vai acontecer aqui? Se houver assunção da divida nas relações internas, se o D2 pagar, ele vai se sub-rogar na posição do credor, então ele vai poder exercer o direito de regresso com as mesmas garantias e privilégio do credor originário.

Só que haverá aqui a sub-rogação e justamente por isso é preciso que haja anuência desses demais devedores, porque ao se sub-rogar o D2 vai se tornar credor dos demais devedores solidários. Então, é justamente pelo fato de haver a sub-rogação é que é pressuposto essa anuência.

Pergunta.

Resposta: ela não chega a ser minoritária porque os autores em geral não tocam no tema, falar que é minoritária ou majoritária talvez fosse precipitado porque os autores não chegam a esse grau de profundidade.

Pergunta.

Resposta: isso, inclusive é a solução do código português que explicitamente diz isso, que a assunção cumulativa gera a solidariedade e não precisa da anuência. O problema é que com a solidariedade a questão é no mínimo discutível, porque é possível que haja alegação de compensação entre o terceiro e o credor originário e essa alegação de compensação poderia de algum modo prejudicar o credor. Mas o Rosenvald traz essa solução e os manuais se omitem quanto ao tema.

Outra questão importante aqui, os manuais nem sempre tratam, é não confundir assunção de divida com promessa de liberação. Promessa de liberação é também conhecida como assunção de cumprimento, seguinte: quando há assunção de divida, nós já sabemos que o assuntor, o terceiro, ele passa a integrar posição jurídica do devedor. Ou seja, passamos a ter uma relação direta entre o credor e o assuntor, razão pela qual é necessário consentimento do credor.

Na promessa de liberação se estabelece uma relação jurídica entre o promitente e o devedor. Não há relação jurídica entre o credor e o promitente na promessa de liberação, não há, a relação jurídica se dá entre o promitente e o devedor.

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Então, na verdade aqui o que vai acontecer? O promitente vai se comprometer perante o devedor a pagar o credor, não há uma relação entre credor e promitente, o efeito prático qual é? O credor não pode exigir do promitente, a relação se estabelece apenas entre o promitente e o terceiro.

Exemplo rotineiro disso ai: contrato de locação de imóvel. É praxe em contrato de locação, o locador transferir a obrigação de pagar a quota condominial ao locatário. Qual é a natureza jurídica dessa cláusula? É assunção de divida? Não, a natureza jurídica dessa cláusula é de promessa de liberação.

Vamos pensar aqui, o terceiro promitente seria o locatário, não é isso? O locatário se compromete perante o locador a pagar a cota condominial ao condomínio que é o credor. Vejam como a estrutura não é exatamente essa: se o locatário não pagar, o condomínio tem ação direta contra o locatário? Não, na verdade o locatário se compromete perante o locador a pagar a cota condominial em favor do credor que é o condomínio e aí se o locatário não paga e o locador cumpre, haverá direto de regresso. Mas o credor não pode exigir do promitente aquilo que ele assumira perante o devedor.

Vejam que nesse caso a promessa de liberação é decorrência da natureza propter rem da obrigação de pagar a cota condominial, porque como pagar cota condominial tem natureza propter rem, ela se vincula apenas ao titular do direito real e, portanto a natureza propter rem propiciaria o surgimento da promessa de liberação no caso.

Pergunta.

Resposta: não, não há previsão legislativa no código civil, o que há de discussão aqui em termos legislativo é o seguinte: lembra aquele projeto 6960, os portugueses costumam dizer que enquanto o terceiro e o devedor não obtém a anuência do credor, a assunção de divida ela é ineficaz em relação ao credor.

Para muitos a ausência de consentimento não seria um fator de validade e sim um fator de eficácia e, conseqüentemente o que muitos afirmam é que enquanto não houver a anuência do credor, a natureza jurídica do acordo entre o terceiro e o devedor seria de promessa de liberação. Porque para promessa de liberação virar assunção de divida é preciso que haja concordância do credor para que surja a relação entre o credor e o terceiro.

O tal projeto 6960 acrescentaria um §1º ao artigo 299 e aí o projeto diz, contra essa tendência dos portugueses, o projeto diz que enquanto não houver a anuência do credor, haveria solidariedade passiva entre o devedor originário e o terceiro, não seria promessa de liberação. Quer dizer, o objetivo do projeto é resguardar o credor, quando ele não anuiu com a solidariedade, ele não seria prejudicado. Só que os especialistas criticam o projeto porque se a não anuência gerar solidariedade, o credor não vai concordar nunca mais com a assunção de divida. Quer dizer, seria um fator de desestímulo, de desencorajamento a anuência do credor para a assunção de divida.

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Na verdade, nós não temos hoje esse problema legislativo, mas temos um potencial problema no futuro caso o projeto venha a tona da maneira como se encontra. Nós não temos previsão legal, os doutrinadores em geral, os portugueses principalmente que enfrentam o tema, afirmam nesse sentido, que seria promessa de liberação e o projeto traz a solidariedade.

Bom, tem um problema em relação às garantias, é o seguinte: como a assunção de divida gera sucessão, a principio, a relação jurídica permaneceria a mesma, inclusive com as garantias. Tem um Enunciado sobre o tema que é Enunciado 352, a primeira parte não gera muita polemica, a doutrina é muito firme nesse sentido, e diz: com a assunção de divida cessam eventuais garantias prestadas por terceiros. Claro, desde que o terceiro não venha anuir com a assunção.

Então, cessaria a fiança, por exemplo, se o imóvel hipotecado tivesse sido oferecido por um terceiro também cessaria a hipoteca. Parece fazer sentido por quê? Porque o terceiro se comprometeu a resguardar, a garantir o cumprimento da prestação por aquele devedor. Não seria razoável que a mudança no devedor sem a anuência do terceiro garantidor propiciasse a subsistência daquela garantia.

Bom, problema maior diz respeito as garantias prestadas pelo próprio devedor. Olha só: nós temos o artigo 300: salvo a sentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas a partir da assunção da divida as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor.

Tem duas correntes aqui: tem uma primeira posição defendida pelo Caio Mário e Venosa. Para eles essas garantias especiais a que se refere o artigo 300 diriam respeito a eventual garantia fidejussória ou eventual garantia real prestada por terceiro. Ou seja, se o próprio devedor oferecesse um imóvel em hipoteca, para essa primeira corrente, aquela garantia real ela subsiste.

Essa posição do Caio Mário e Venosa não traz nada de novo em relação a questão do terceiro, porque na garantia fidejussória em relação ao fiador, a garantia é prestada por um terceiro.

A tendência da doutrina vem pela segunda corrente que consta no Enunciado 352, parte final: já as garantias prestadas pelo devedor primitivo somente são mantidas no caso em que este concorde com a assunção. Ou seja, o que a doutrina vem reafirmando aqui, não é unânime, mas é uma tendência, é no sentido de que as garantias oferecidas pelo devedor se extinga caso o devedor não venha a anuir em relação a subsistência de tais garantias. Quer dizer, eventual hipoteca oferecida pelo devedor, cessa no caso de assunção de divida, caso ele não venha a anuir com a subsistência daquela garantia. Ou seja, a própria fundamentação o Enunciado 352 afirma na verdade essas garantias especiais oferecidas pelo devedor seriam toda e qualquer garantia oferecida pelo devedor que não a garantia geral que seria a garantia em relação a seu patrimônio.

Então, toda e qualquer garantia superior a garantia geral, estaria abrangida no artigo 300. Nesse sentido nós temos o Carlos Roberto Gonçalves, Tepedino, Flávio Tartuce e o José Roberto de Castro Neves, além do Enunciado 352.

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Quer dizer, nós teríamos aqui uma hipótese sui generis em que nós teríamos sim sucessão, em que não se presume a subsistência das garantias prestadas pelo próprio devedor dada a mudança no pólo passivo da relação obrigacional.

Quer dizer, em termos práticos se formos pensar em termos de advocacia, o credor tem que tomar cuidado em anuir com a assunção de divida, ele deve buscar o consentimento expresso do devedor em relação a eventuais garantias por ele oferecidas para escapar dessa controvérsia.

Uma última observação, em relação aos privilégios, não há duvida que os privilégios subsistem porque eles decorrem da natureza do crédito. Quer dizer, são privilegiados, por exemplo, crédito trabalhista, crédito fiscal, os privilégios decorrem da natureza do crédito e não do acordo de vontades. Então, como é a própria natureza que impõe o privilegio a assunção de divida não afasta, não descaracteriza o privilégio anteriormente incidente.

Cuidado também, o assuntor ele responde civilmente por eventual violação dos deveres anexos praticados pelo devedor originário, sabendo-se, inclusive, veremos um pouco mais adiante, que a violação dos deveres anexos configura inadimplemento contratual e o assuntor responde por eventual danos causados.

Então, vamos mudar de assunto e começar a tratar de pagamento. Bom o código civil em relação ao pagamento começa a tratar do tema no artigo 304 e seguintes.

O código começa logo definindo quem deve pagar. É claro que o código civil não perdeu tempo em afirmar que cabe pagamento ao devedor, é evidente. O que o código começou a delinear nesses artigos é a questão do pagamento pelo terceiro.

Aqui, é preciso nos lembrarmos que em relação ao pagamento pelo terceiro é preciso diferenciar o terceiro interessado do terceiro não interessado. Para se qualificar como um terceiro interessado é preciso que se tenha interesse jurídico e econômico, e como hipóteses claras como terceiros interessados, nós temos o artigo 346 que traz hipóteses clássicas de terceiros interessados.

O artigo 346 trata de sub-rogação legal, por exemplo, uma das hipóteses ali prevista é o adquirente do imóvel hipotecado, ele é um terceiro interessado em pagar a divida do alienante. Ele tem interesse em pagar a vivida para que? Para afastar a possibilidade de discussão judicial, o fiador também é um terceiro interessado. *39:15*

Enfim, tratando do pagamento pelo terceiro interessado, nós temos o artigo 304, caput, então já vou sugerir a remissão do artigo 304, caput para o artigo 346 porque com essa remissão o que já fica claro? Que quando o terceiro interessado efetua o pagamento, por força de lei ele se sub-roga na posição do credor. Qual o efeito prático disso?

Subrogação implica em integrar a mesma relação jurídica, ou seja, sucessão no pólo ativo, então se tem um débito de 30 mil e o terceiro interessado paga o credor,

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o terceiro interessado por força de lei vai se sub-rogar na posição do credor. Sucessão no pólo ativo com os efeitos práticos que já sabemos, quer dizer, todas as características da relação jurídica subsistirão, as garantias, os juros, toda aquela historia lá.

Além do pagamento gerar sub-rogação legal, tem uma outra questão aqui. O artigo 304, caput diz: qualquer interessado na extinção da divida pode pagá-la usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes a exoneração do devedor.

O que é isso? Pagamento em consignação, quer dizer, se o credor se recusa a receber o pagamento pelo terceiro, o terceiro pode se valer dos meios conducentes a exoneração do devedor, ou seja, pagamento em consignação. Eu talvez fizesse remissão para o artigo 1335 que trata de hipótese em que cabe a consignatória.

Tem outra hipótese de aplicação desse artigo 304, pagamento em consignação é a hipótese mais lembrada, mas vamos supor que o devedor esteja em mora. Lembra daquela história da purgação da mora? Artigo 401, aplicando o artigo 304, parte final o que podemos afirmar? Que o terceiro interessado pode purgar a mora do devedor porque a purgação também gera a exoneração do devedor.

Então, sugiro também a remissão do artigo 304, caput para o artigo 401, I que prevê a purgação da mora pelo devedor.

Aliás, também outra observação, porque estamos começando a ver pagamento pelo terceiro e eu sugiro a remissão de toda essa sistemática de pagamento pelo terceiro para o artigo 877. Porque o terceiro pode pagar e depois alegar que na verdade pagou por erro, ele não tinha intenção de ter pago, pagou por erro.

Quando alguém paga por erro, paga indevidamente, a principio vamos aplicar a lógica do pagamento indevido e aí é aplicável o artigo 877 que diz: aquele que voluntariamente pagou indevido, incumbe a prova de tê-lo feito por erro.

Então, para que esse terceiro que paga possa obter a repetição, ele vai ter que provar o erro, a presunção do código é no sentido de que tivemos aqui um pagamento pelo terceiro e, portanto não suscetível de repetição direta.

O que pode haver em alguns casos é o direito de regresso. É claro que em termos práticos vai ser muito difícil o terceiro interessado provar que pagou por erro porque na verdade ele tinha um interesse jurídico em cumprir a prestação.

Não é que não seja aplicável, mas em termos práticos haverá uma dificuldade probatória muito maior. Então, terceiro interessado, consignação ou purgação da mora e ao mesmo tempo sub-rogação.

No §único do artigo 304, cuidado aqui com esse dispositivo, ele trata da hipótese do pagamento pelo terceiro não interessado em nome do devedor. Toda a doutrina, a exceção do Caio Mário, já afirmava no código de 16 que quando o terceiro não interessado paga em nome do devedor, ele não tem direito de regresso, praticaria um ato de liberalidade.

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Essa posição foi extremamente reforçada com a parte final do §único do 304, que é novidade e fizemos menção a esse artigo agora pouco, diz o §único: igual direito cabe ao terceiro não interessado se o fizer em nome e a conta do devedor, salvo oposição deste.

A novidade que o código agora traz é o devedor se opor ao pagamento pelo terceiro não interessado em nome do devedor, porque essa alteração? Razão de ordem moral. Justamente por se tratar de liberalidade, o devedor pode ter razão de ordem moral para se opor ao pagamento pelo terceiro nesse caso.

Cuidado aqui! Imaginem que o devedor se valendo deste dispositivo se oponha ao pagamento pelo terceiro nessas circunstancias e ao mesmo tempo em que ele se opõe ao pagamento pelo terceiro nessas circunstancias, ele não contesta a divida e não demonstra nenhuma intenção de pagar, abuso do direito.

É possível que tenhamos o abuso do direito do devedor em se opor ao pagamento pelo terceiro. Vamos apenas tomar cuidado com essa possibilidade também de abuso do direito de oposição por parte do devedor.

Pergunta.

Resposta: pode, vamos ver isso agora no artigo 305.

Pergunta.

Resposta: a questão ganha contorno no artigo 305, pelo seguinte, porque quando o terceiro não interessado paga em nome do devedor ele não tem direito de regresso. Agora, quando o terceiro não interessado, que a sub-rogação pressupõe direito de regresso, o artigo 305 é que trata do pagamento pelo terceiro não interessado que paga em seu próprio nome.

Cuidado que isso aqui, pois é cheio de detalhe e em prova objetiva cai muito. O artigo 305 está dizendo que o terceiro não interessado que paga a divida em seu próprio nome tem direito a reembolsar-se do que pagar, mas não se sub-roga nos direitos do credor.

Qual é o efeito prático aqui? É que o terceiro quando pagar os 30 mil ao credor, se for um terceiro não interessado que pague em seu próprio nome, ele vai poder exigir 30 mil do devedor. Só que como não há sub-rogação, ele vai poder exigir os 30 mil em uma nova relação jurídica, uma nova relação que se estabelecerá entre o terceiro e o devedor.

Ou seja, no artigo 305 haverá direito de regresso sem sub-rogação, entenda-se sem sucessão, o direito de regresso será exercido numa nova relação e os efeitos práticos nós já sabemos, os juros voltam do zero, prescrição, as garantias se extinguem e assim sucessivamente.

Vamos pensar aqui o seguinte: o que justifica a sub-rogação no artigo 304? É o interesse jurídico do terceiro que justifica a sub-rogação, quando não houver

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interesse jurídico e o pagamento for pelo terceiro não interessado surgirá uma nova relação jurídica.

E muito cuidado porque esse artigo 305 comporta duas exceções: uma primeira exceção ao artigo 305 vem do artigo 347, I que diz: a sub-rogação é convencional, inciso I quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos. Ou seja, pode o principio da autonomia privada propiciar a sub-rogação no caso do artigo 305, então salvo acordo em contrário. Se houver acordo em contrário haverá sub-rogação convencional.

Outra exceção está no artigo 1368, está dentro do capítulo da propriedade fiduciária, que é a alienação fiduciária, diz lá que o terceiro interessado ou não que pagar a divida se sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária. Regra especial, sugiro a remissão do artigo 305 para essas duas exceções.

Cuidado aqui com um detalhe em relação ao artigo 307. A regra em si é muito simples, ela basicamente diz que se o pagamento importa em transmissão da propriedade, é preciso que aquele que pague tenha a possibilidade de alienar o bem. Ou seja, se o terceiro que paga não é o proprietário, não se admite a alienação a non domino no direito brasileiro.

Então diz lá: só terá eficácia o pagamento que importar em transmissão da propriedade quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu. Cuidado aqui porque essa regra tem que ser interpretada em harmonia com o artigo 1268, tem duas observações aqui em relação ao artigo 1268. Vamos ver primeiro o caput.

O artigo 1268, que trata especificamente de bem móvel, traz uma exceção a lógica da alienação a non domino no direito brasileiro, especifico para bem móvel. Porque pela regra geral, como ninguém pode transferir mais direitos do que tem, e se o alienante não é dono, ele não pode transferir a propriedade.

Aí o artigo 1268 diz assim: feita por quem não seja proprietário a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa oferecida ao público em leilão ou em estabelecimento comercial for transferida em circunstancias tais que ao adquirente de boa fé, como a qualquer pessoa o alienante se afigurar dono.

O que o dispositivo estabelece é que nessas hipóteses aí previstas, se admite a alienação a non domino de bem móvel, se alguém adquire um bem móvel em estabelecimento comercial ou leilão, em circunstancias que façam presumir que o alienante era dono, o artigo 1268 transfere a propriedade ainda que a alienação tenha sido a non domino.

Vejam que se trata de uma exceção a lógica de que ninguém pode transferir mais direitos do que tem, exceção essa que se embasa em teoria da aparência, principio da confiança.

Então, qual é a confusão que o examinador pode fazer aí? Alguém adquire a non domino um bem móvel com base no artigo 1268, parte final e, ato contínuo,

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efetua o pagamento transferindo a propriedade desse bem adquirido. O pagamento é válido porque a alienação anterior apesar de ser a non domino gerou efetivamente a transferência de propriedade.

Observação: artigo 1268, caput é especifico para bem móvel.

Outro cuidado em relação ao §1º do artigo 1268, também aplicável ao artigo 307. Esse §1º do artigo 1268 ele seria aplicável por analogia ao artigo 307 mesmo em se tratando de imóvel. Porque o §1º aplicável ao artigo 307 traria a chamada pós-eficacização do pagamento e o que seria isso? Aquele que efetua o pagamento a non domino vem posteriormente adquirir a propriedade sobre aquele bem. Quer dizer, no momento em que ele efetuou o pagamento ele não era dono, mas 05 dias depois ele adquire a propriedade sobre aquele bem. A aquisição superveniente da propriedade gera a pós-eficacização do pagamento, quer dizer, convalida o pagamento anteriormente efetuado a non domino.

Resumindo qual seria aí a hipótese? Terceiro quando paga não é o dono, no momento em que ele transfere a propriedade efetuando o pagamento ele não é o dono e aí 05 dias depois daquele pagamento efetuado a non domino ele vem a adquirir a propriedade sobre aquele bem. Essa aquisição superveniente da propriedade convalida o pagamento anteriormente efetuado.

Acho que vale a pena a remissão aí para esses dispositivos.

Pergunta.

Resposta: exatamente, é a hipótese lá do §1º do artigo 1268 aplicável aqui no artigo 307 e aqui em relação ao §1º a doutrina sustenta que vale tanto para bem móvel quanto para imóvel.

Vamos dar uma olhada na questão envolvendo o pagamento feito ao credor putativo, artigo 309.

Credor putativo é o credor aparente, o irmão gêmeo do credor (exemplo da doutrina), o brilhante falsificador de um titulo, o sujeito faz uma falsificação brilhante de um titulo e se apresenta como atual portador, esse seria o credor putativo.

Claro que aqui nós temos dois interesses em conflito, nós temos o interesse do devedor que paga de boa fé e temos os interesses do verdadeiro credor. Ponderando esses dois interesses, qual é a solução legal? O artigo 309 diz que o devedor se exonera, há uma forte influencia aqui da teoria da aparência. Quer dizer, o pagamento feito ao credor putativo, ao credor aparente produz os mesmos efeitos em relação ao devedor como se o pagamento tivesse sido ao credor real (teoria da aparência). Devedor se exonera, principio da confiança. E o credor real vai poder exigir do credor putativo o que indevidamente recebera. (artigo 876 que trata do pagamento indevido).

Na prova isto está tudo certo, mas na prática o credor real fica sem receber porque o credor putativo, normalmente é um 171. Mas em termos dogmáticos,

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ponderação de interesses a nível infraconstitucional, principio da confiança, legitima expectativa.

Não há duvida na doutrina que o artigo 309 também se aplica no caso de pagamento feito ao mandatário putativo do credor. Imaginem que o credor receba aquele crédito através de uma imobiliária, por exemplo, e o devedor vem pagando aquele crédito ali há 03 anos para a imobiliária e na verdade o credor rescinde o contrato com a imobiliária, só que o devedor não está sabendo de nada, ele vai efetuar o pagamento ao mandatário putativo e se exonerará.

Artigo 310, pagamento feito ao credor incapaz, diz lá que não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar se o devedor não provar que em beneficio dele efetivamente reverteu.

Este artigo 310 está em harmonia com o artigo 181(vejam em casa), a questão importante aqui é a seguinte: o código fala apenas em pagamento feito ao incapaz, ele não diferenciou o relativamente incapaz, do absolutamente incapaz. Colocou duas situações distintas na mesma situação e é preciso aqui um tratamento diferenciado.

Qual seria a diferença de tratamento aí? Em relação ao pagamento feito ao absolutamente incapaz, o devedor só se exonera nos termos do artigo 310.

Agora, se o pagamento for feito ao relativamente incapaz, o devedor vai se exonerar não apenas no caso do artigo 310, mas também no artigo 180 (lembra da historia do garoto entre 16 e 18 que oculta a própria idade) ele vai se exonerar se pagar ao relativamente incapaz nesse caso.

Outra hipótese no artigo 176, ratificação pelo assistente. Outra hipótese no artigo 172, o próprio garoto ao atingir a maioridade ratificar o ato. Então, só para fechar qual a remissão que sugiro? Porque ninguém vai lembrar disso tudo na prova é impossível.

O que eu faria aqui? Do artigo 310 para diferenciar eu jogaria a remissão para o artigo 3º combinado com o artigo 310, porque o artigo 3º trata do absolutamente incapaz, eu faria do próprio artigo 310 para o artigo 3º combinado com o artigo 310.

Faria outra remissão para o artigo 4º (que trata dos relativamente incapazes) para o artigo 310 e para esses artigos que acabamos de ver. Porque aí vamos lembrar que em relação aos relativamente incapazes nós temos todas essas outras hipóteses que permitiriam a liberação do devedor.

Fim da aula.

Data: 25/11/08

Aula 13

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Vamos prosseguir com alguns aspectos importantes a respeito do pagamento. Pensando principalmente em questões de ordem mais objetiva... Artigo 315 diz lá: as dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subseqüentes.

O artigo 315 traz o chamado principio do nominalismo monetário, porque vejam que o artigo 315 diz que no caso de divida em dinheiro, a divida vai ser paga em moeda corrente pelo valor nominal constante do título.

Vejam, pelo principio do nominalismo monetário, se adotadas as últimas instâncias, o transcurso do tempo ao gerar o esvaziamento ou a depreciação do valor monetário constante do título, seria suportado pelo credor. Se aplicado o nominalismo monetário, quer dizer, a depreciação monetária em decorrência do transcurso do tempo seria suportada pelo credor.

Percebam que o principio do nominalismo monetário, adotado as últimas instancias, propiciaria enriquecimento sem causa, então na verdade esse principio do nominalismo monetário, que é previsto no artigo 315, é cada vez mais mitigado pelo principio do valorismo monetário. Percebam inclusive, que o nominalismo adotado as últimas instancias, ele seria incompatível com o principio do equilíbrio econômico dos contratos que é um dos novos princípios que veremos mais adiante, principio do equilíbrio econômico. Nós teríamos, portanto com o nominalismo monetário uma distorção do sinalagma.

Então, o princípio do valorismo monetário, na verdade se manifesta não apenas nos artigos subseqüentes, como diz o artigo 315 que diz: adota-se o principio do nominalismo salvo o disposto nos artigos subseqüentes. Então, na verdade o principio do valorismo monetário, que é uma exceção a regra na primeira parte do artigo 315, se faz presente não apenas nos artigos subseqüentes, como diz o artigo 315, mas também em legislações extravagantes.

O exemplo mais claro do valorismo monetário, lei 6899/81 que prevê a correção monetária a ser fixada pelo Juiz independentemente de pedido nesse sentido, lei 6899/81 há imposição de correção monetária, inclusive uma exceção ao principio da inércia da tutela jurisdicional, não é isso?

Tem outro artigo que também é muito lembrado, o artigo 184 da Constituição, lembra aquela desapropriação sanção em que o pagamento se dá através de pagamento de divida agrária? Mesmo naquela hipótese de pagamento através de título de divida agrária, a Constituição no artigo 184, impõe a observância, a preservação do valor real constante do título. Artigo 184 que prevê o valorismo monetário ainda que no caso de desapropriação sanção, mesmo na hipótese do artigo 184.

Surge aqui uma questão que é a seguinte, costumam perguntar em provas orais ou objetivas, dificilmente em provas dissertativas: diante do suposto principio do nominalismo, algum tempo atrás, era praxe a celebração de contratos com as chamadas cláusulas de escala móvel. A cláusula de escala móvel basicamente representa a disposição contratual que contempla a correção do valor originariamente pactuado de acordo com variações de índices de preços ou aspectos de natureza

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cambial. Então, na verdade a cláusula de escala móvel tinha por motivo mitigar o nominalismo monetário a luz do principio da autonomia privada.

Por que estou ressaltando isso? Porque para a maioria da doutrina, o artigo 316 do código civil contempla a cláusula de escala móvel. Diz o artigo 316: é licito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas. Então, o artigo 316 estaria contemplando a possibilidade das chamadas cláusulas da escala móvel. Nesse sentido o Carlos Roberto Gonçalves e Gustavo Tepedino dentre outros. Discordando dessa posição, nós temos a Judith Martins Costa que é acompanhada pelo Christiano Chaves e pelo Nelson Rosenvald.

A cláusula de escala móvel busca necessariamente o que? A correção e o artigo 316 não fala em correção, ele fala em aumento progressivo de prestações.

Então, na verdade o que o artigo 316 permite é que as partes possam pré-estabelecer não apenas a correção do valor originariamente pactuado, mas o efetivo aumento real de prestações sucessivas e a idéia de aumento real escaparia ao âmbito das chamadas cláusulas de escala móvel.

E aí há um segundo argumento defendido por esses autores e essa posição é minoritária, mas há um segundo argumento que é o seguinte: as chamadas cláusulas de escala móvel, elas buscavam estabelecer correção através de um determinado índice previsto pelas partes e a incidência dessa correção ela se daria automaticamente. A incidência da correção recorrente da cláusula de escala móvel se operaria automaticamente. Ao passo que no artigo 316, sustentam esses autores, as partes poderiam convencionar o aumento progressivo, como diz o dispositivo, desde que ocorrido um fato subseqüente que venha a alterar o sinalagma originariamente pactuado. Então, seria premissa a aplicação do artigo 316 a ocorrência de uma circunstancia fática posterior, que tenha o condão de alterar o sinalagma originariamente acordado.

Percebam que a principal diferença entre a cláusula de escala móvel e a correção monetária qual é? É que a chamada cláusula de escala móvel deriva do principio da autonomia privada, ao passo que a correção monetária se opera ex legis.

Na medida em que a questão da correção monetária foi se solidificando como matéria de ordem pública, a tendência foi cada vez mais impropiciar o relativo esvaziamento das chamadas cláusulas de escala móvel. Então, há na verdade essa tendência no direito contemporâneo.

Pergunta do aluno.

Resposta: isso, só que evidentemente essa cláusula de escala móvel, ela não é imune a eventual revisão judicial. Porque a cláusula de escala móvel (veremos com calma mais adiante), mas acho que todos tem uma idéia aqui de que na medida em que a escala móvel está atrelada ao principio da autonomia privada, na medida em que a autonomia privada deixa de ser um valor absoluto e passa a ser um valor função, quer dizer, a autonomia privada ela precisa ser ponderada a luz de outros

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princípios no conceito atual, então sem dúvida que a cláusula de escala móvel ela pode ser revisada judicialmente a luz do principio do equilíbrio econômico.

Então, nada impede que as partes se convencionem um determinado índice que não aquele previsto em lei. Só que a utilização desse índice não torna a cláusula imune em eventual revisão judicial, a luz, principalmente do conceito da onerosidade excessiva e da lesão.

Pergunta do aluno.

Resposta: a grande critica aqui da Judithe e do Rosenvald é justamente isso, em relação ao artigo 316, porque a correção monetária ela não busca um aumento, o que ela busca na verdade é preservar aquele valor originariamente pactuado que seria corroído a luz do principio do nominalismo monetário. Já o artigo 316 ele não fala em correção, ele fala em aumento, então se apegando a literalidade do dispositivo, esses autores afirmam que o artigo 316 não está contemplando correção, ele está contemplando verdadeiro aumento real do padrão originariamente acordado e o aumento fugiria a ótica da correção.

Então, na verdade a correção ela não busca um reajuste efetivamente, ela busca apenas a manutenção do sinalagma originalmente acordado, ela busca evitar a corrosão do valor monetário no transcurso do tempo em relação ao credor, quer dizer, na verdade a correção monetária vem em harmonia com a vedação ao enriquecimento sem causa, em harmonia com o principio do equilíbrio econômico.

Pergunta do aluno.

Resposta: exatamente isso que eu ia mencionar aqui, tem uma legislação especifica, é o artigo 2º, §1º da lei 10192/01 que instituiu a política econômica concernente ao plano real. Esse dispositivo prevê a nulidade de qualquer reajuste em período inferior a 1 ano, matéria inclusive de ordem pública, que diz respeito a questão de política econômica. Então, percebam que este dispositivo já estabelece um limite ao princípio da autonomia privada no que diz respeito a chamada cláusula de escala móvel.

Então, sem dúvida alguma, buscando a desindexação da economia, buscando estabilidade econômica, nós temos essa nova matéria, que é de ordem pública, que se infiltra no principio da autonomia privada.

Pergunta do aluno.

Resposta: em tese sem duvida alguma não, mas é claro que é preciso verificar se há alguma legislação especifica em relação a construção civil, na ausência de regulamentação especifica, a regra geral sem dúvida, a lei 10192. Agora não sei te afirmar se tem ou não uma regra especifica em relação a construção civil.

Pergunta do aluno.

Resposta: isso, quer dizer, a lei 10192 estabelece um limite de ordem pública por razões de ordem econômica, a possibilidade de reajustes aí.

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Outra questão que vou enunciar de maneira bem objetiva, o artigo 318 proíbe o pagamento em ouro ou moeda estrangeira, é a chamada nulidade da cláusula ouro ou do pagamento em moeda estrangeira.

O mais importante para nós aqui, principalmente em provas objetivas, são as exceções a esse artigo 318 que são: artigo 1º da lei 10192/01, temos ainda exceções no decreto lei 857/69, ainda na lei 9069/65 e por último no artigo 6º da lei 8880/94.

Os exemplos previstos na legislação basicamente envolvendo contratos de importação e exportação, contratos de câmbio e também contratos envolvendo arrendamento mercantil com recursos captados no exterior.

Fiquem atentos em provas objetivas porque o examinador acaba trazendo uma dessas exceções nessas hipóteses em que é admissível pagamento em moeda estrangeira.

Lugar do pagamento: vamos, antes de mais nada, nos recordar do seguinte: em relação ao lugar do pagamento as dívidas podem ser quesíveis ou portáveis. Quesíveis no domicilio do devedor, portáveis no domicilio do credor.

No direito brasileiro, o artigo 327 traz a presunção relativa de que as dívidas são quesíveis, diz lá: efetuar-se-á o pagamento no domicilio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstancias.

Então, salvo se resultar da lei, por exemplo, em relação as dividas fiscais plenamente admissível que o poder público eleja um local do pagamento diverso do domicílio do devedor. Então, eventualmente em dívidas fiscais é possível a exceção a sistemática da divida quesível.

Outra exceção é em relação a natureza da obrigação, tem um exemplo que a doutrina costuma trazer em relação a essa exceção, por exemplo: em relação a aquisição de ingressos para determinado espetáculo teatral, quer dizer, pela própria natureza da obrigação, em regra, o pagamento se dá no próprio local do estabelecimento excepcionando a regra do artigo 527, 1ª parte e o código diz “ou das circunstâncias”.

Um exemplo também trazido pela doutrina, em relação às circunstancias, o pagamento feito ao empregado ou ao empreiteiro pelas próprias circunstancias normalmente se dá no próprio local da atividade desenvolvida ou no domicílio do devedor.

Inclusive a doutrina critica muito essa presunção relativa prevista no código, porque sem duvida que essa presunção relativa é um resquício do código de 16. Porque em 1916, era comum o credor e os seus cobradores baterem de porta em porta para receberem o crédito do seu respectivo patrão.

Só que a dinâmica das relações privadas hoje é absolutamente distinta, então o que muitos autores afirmam é que essa presunção relativa do código é absolutamente divorciada com a dinâmica das relações privadas contemporâneas.

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O artigo 328 traz uma regra especial que excepciona, portanto, o artigo 327 e diz o artigo 328 se o pagamento consistir na tradição de um imóvel ou em prestações relativas a imóveis, far-se-á no lugar onde situado o bem.

Bom, percebam que quando o legislador diz “tradição do imóvel far-se-á no lugar onde situado o bem” em que pese o legislador não ter restringido, essa tradição a que se refere o artigo 328, corresponde a tradição real. Porque, percebam é possível que tenhamos tradição ficta do imóvel, inclusive dentro das modalidades, a mais conhecida é a tradição ficta simbólica, a entrega das chaves. Percebam que no caso de tradição ficta, simbólica da entrega das chaves, não será aplicável necessariamente o artigo 328.

Então, tradição entenda-se tradição real, caso de tradição ficta inaplicável o dispositivo.

E o código diz ainda “ou em prestação relativa a imóveis”. A doutrina aqui é bastante firme no sentido de que a redação foi demasiadamente vaga, imprecisa. Porque vejam, se eu contrato alguém para trocar o piso do meu apartamento, sem duvida aplicável o artigo 328, que é a prestação relativa ao imóvel, necessariamente há de ser cumprida no local do imóvel. Agora, aluguel, por exemplo, não é uma prestação relativa a imóvel? E vejam que em relação a aluguel não necessariamente aplicável o artigo 328. Cota condominial, também é uma prestação relativa a imóvel, não necessariamente aplicável o artigo 328. Quer dizer, quando o artigo 328 fala em prestação relativa a imóveis, entenda-se prestações que devam necessariamente serem cumpridas no imóvel.

O artigo 330, sem duvida chama muito a atenção aqui, tanto para provas objetivas quanto para dissertativas. O artigo 330 é um dispositivo extremamente importante.

Vamos supor que tenhamos um contrato de locação que o local acordado para o pagamento tenha sido Rio de Janeiro. Só que há 4 anos o locatário vem pagando e o locador vem recebendo os alugueis em Niterói. O artigo 330 diz que o credor depois de receber 4 anos em Niterói não pode mais exigir o pagamento no Rio de Janeiro.

Diz o artigo 330: o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renuncia do credor relativamente o previsto no contrato. No que inspira o artigo 330? Na supressio que todos nós sabemos é uma decorrência do principio da boa fé objetiva.

A supressio lembra o que? Supressão, então qual é a idéia básica de supressio? A supressio representa a supressão de uma prerrogativa em decorrência da inércia prolongada do seu respectivo titular. Quer dizer, a inércia prolongada do titular de uma prerrogativa pode despertar em outrem uma legítima expectativa e aí nesse caso aplicável a figura da supressio que é justamente a hipótese do artigo 330.

Tem um detalhe aqui, porque o artigo 330 diz que faz presumir renúncia do credor, supressio não parece renuncia tácita?

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Parece, só que não é a mesma coisa, é um equívoco técnico falar que supressio é renúncia tácita. Inclusive a renúncia tácita existe há muito tempo, inclusive no direito de família a questão da discussão da renuncia tácita dos alimentos.

Quando se fala em renuncia tácita, está se focando na vontade de quem? Do renunciante, quer dizer, a inércia prolongada gera uma presunção de que o renunciante não tem a intenção de exercer uma determinada prerrogativa. Então, a renuncia tácita foca a atenção do ordenamento jurídico em relação ao renunciante.

Quando se fala em supressio, a atenção primordial do ordenamento jurídico se dirige a quem? Ao declaratário, ao destinatário da vontade, quer dizer, o objetivo primordial da supressio é a proteção da legitima expectativa de terceiro.

Por isso é até criticável a redação do artigo 330 quando diz que faz presumir renúncia, porque parece sugerir renuncia tácita quando num ambiente de boa fé objetiva muito melhor do que falar em renuncia tácita é falar em supressio. Porque na medida em que a boa fé objetiva busca a legitima expectativa, supressio sem dúvida traz um enfoque diverso da lógica da renuncia tácita. E aí desde logo vamos enfrentar a seguinte questão: é praxe a existência de cláusulas contratuais que tenham por objetivo afastar o artigo 330. Quer dizer, as cláusulas normalmente dizem que o recebimento em local diverso é mera liberalidade não vinculando situações futuras.

Bom, o que está por detrás da pergunta é a duvida se o artigo 330 é regra cogente ou dispositiva. Tem duas correntes sobre o tema.

Há uma primeira posição, que é defendida pelo Celso Quintela. Ele escreve sobre a questão do pagamento naquela obra que é coordenada pelo Gustavo Tepedino, não pode ser interpretado aqueles textos da parte geral. E o Celso Quintela escrevendo sobre o tema sustenta que a regra é dispositiva e, portanto afastável pela vontade das partes.

Percebam que o Celso Quintela não chega a trabalhar essa questão especifica, mas ainda que venhamos a seguir essa posição, essa lógica parece inaplicável em contrato de adesão por força do artigo 424. Diz o artigo 424: nos contratos de adesão são nulas as cláusulas que estipule a renuncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Só que a posição que tende a predominar, não podemos afirmar que hoje ela é amplamente dominante, porque nem todos os manuais tratam do tema e não temos ainda decisões consolidadas sobre a questão, mas a posição que tende a ser predominante é defendida pela Judith Martins Costa, é a posição inclusive adota no código civil interpretado do Gustavo Tepedino.

Essa segunda posição defende, portanto o artigo 330 é regra cogente. O argumento é bem simples, a regra é cogente porque inspirada no princípio da fé objetiva. Quer dizer, o que busca o artigo 330 é a proteção da confiança da legítima expectativa que sem dúvida alguma é matéria de ordem pública.

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Tomar cuidado com um pequeno detalhe no artigo 329, que é novidade esse artigo, não existia, diz o artigo 329: ocorrendo motivo grave para que não se efetue o pagamento no lugar determinado, poderá o devedor fazê-lo em outro, sem prejuízo para o credor.

O Tepedino traz uma ponderação dizendo: essa parte final do artigo 329 quando diz “sem prejuízo para o credor” não se aplica se o motivo grave for imputável ao credor ou decorrer de fortuito. Porque o artigo 329 quando diz que o devedor pode efetuar pagamento em outro local sem prejuízo para o credor, na verdade o artigo 329 quando diz “sem prejuízo para o credor” se conecta a princípio com o artigo 325 que diz presumidamente se as despesas com pagamento e quitação correm por conta do devedor.

Então, se houver um motivo grave, o devedor vai poder efetuar o pagamento em local diverso, sem prejuízo para o credor e aí vem o Tepedino e afirma: entenda-se se esse motivo grave for imputável ao credor as despesas extras decorrentes da mudança do local do pagamento não serão atribuídas ao devedor nos termos do artigo 325.

E se o motivo grave decorre de fortuito, as despesas extras decorrentes de fortuito, devem ser rateadas, elas não serão suportadas exclusivamente pelo devedor como sugere a literalidade do artigo 325 combinado com o artigo 329, parte final.

Pergunta do aluno.

Resposta: em se tratando de relação de consumo, necessariamente externo a princípio, sem dúvida alguma. Então, cuidado só com essa peculiaridade da parte final do artigo 329.

Em relação ao tempo do pagamento, o artigo 331 contempla o princípio da satisfação imediata. Diz o artigo 331: salvo disposição legal em contrário, não tendo sido ajustada época para o pagamento pode o credor exigi-lo imediatamente.

Então, na ausência de acordo e na ausência de disposição legal, adota-se o principio da satisfação imediata e como não há situação prevista em lei que excepciona a satisfação imediata, vale a remissão aí para o artigo 592 que excepciona o artigo 331 em se tratando de contrato de mútuo.

Só que esse artigo 331, que contempla o principio da satisfação imediata, é mitigado, é excepcionado pelo chamado termo moral que é aplicável quando a natureza da prestação for incompatível com a sua exigibilidade imediata e para lembrar do termo moral, sugiro a remissão do artigo 331, para o artigo 134, parte final.

Diz o artigo 134 que os negócios jurídicos entre vivos sem prazo são exeqüíveis desde logo, salvo se a execução tiver que ser em lugar diverso ou depender de tempo. Então, claro que se eu sou contratado para fazer uma obra de arte suntuosa em favor de outra pessoa e não há prazo acordado para a entrega da obra, inaplicável o principio da satisfação imediata, a natureza e a complexidade da satisfação não se

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compadece com a sistemática do artigo 331 e aí nesse caso aplicável o chamado termo moral.

Observação importante aqui sobre esse tema é trazida pelo Arnaldo Rizzardo, ele traz uma ponderação importante porque vejam: a premissa para a aplicação da satisfação imediata é que as partes não tenham estabelecido data para o pagamento e aí vejam que o artigo 331 diz que se não há data convencionada, o credor pode exigi-lo imediatamente.

Na verdade essa expressão “exigi-lo imediatamente” do artigo 331 tem que ser interpretada em harmonia com o artigo 397, §único. Lembram daquela história da mora ex persona que só se constitui mediante interpelação? A mora ex persona se dá basicamente quando não há data certa para o cumprimento da prestação, isso está no artigo 397,§único.

Quando não há data certa, a mora é ex persona, é pressuposto a constituição da mora que haja interpelação, então quando o artigo 331 diz que o credor pode exigi-lo imediatamente, entenda-se o credor pode interpelar imediatamente para posteriormente exigir o cumprimento do pactuado.

Outra questão importante aqui é a seguinte: o devedor pode constranger, forcejar, o credor a receber antes do prazo acordado? Temos que tomar cuidado aqui, porque quando enfrentamos essa questão, tendemos a lembrar só do pacta sunt servanda. Se nós ficarmos presos ao pacta sunt servanda nós afirmaríamos que o devedor jamais poderia impor ao credor recebimento antecipado.

Só que a essa questão se aplica o artigo 133 do código civil que estabelece a presunção relativa de que nos contratos os prazos são estabelecidos a benefício do devedor. Claro que a presunção é relativa, o próprio artigo 133 é claro dizendo que a presunção é relativa. E aí vejam bem, se estivermos diante de uma hipótese em que o prazo é efetivamente estabelecido a benefício do devedor, como estabelece a presunção do artigo 133, se o prazo se dá a beneficio do devedor, cabe renuncia e com a renuncia o devedor poderia constranger o credor ao recebimento antecipado. Quer dizer, se o credor se recusa, o devedor pode se valer do pagamento em consignação.

Pergunta do aluno.

Resposta: vamos ver, um pouco mais adiante, que quando o devedor paga antecipadamente, primeiro tem o abatimento proporcional do juros, mas se aplica aqui também os efeitos do artigo 337 que serão aplicáveis aqui com essa consignação antes do prazo acordado.

O artigo 337, tratando do pagamento em consignação, diz que com o deposito cessam os juros da divida e os riscos. Veremos mais adiante que uma das hipóteses da aplicação do artigo 337 é justamente essa hipótese da consignação antecipada e esse juros a que se refere o artigo 337 seriam juros remuneratórios. Agora, vejam bem, essa presunção de que o prazo se dá a beneficio do devedor é uma presunção relativa.

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Vamos supor que ele esteja vendendo um equipamento para mim e o prazo para a entrega do equipamento é de 60 dias, fica claro e evidente no contrato que esse prazo de 60 dias é necessário para que eu comprador consiga um armazém para guardar aquela determinada mercadoria. Quer dizer, é claro que nesse caso o prazo estabelecido não se dá apenas a beneficio do devedor, mas também a beneficio do credor e aí nesse caso cai a presunção relativa do artigo 133 e não cabe portanto o pagamento antecipado sem a anuência do credor.

Pergunta.

Resposta: é até uma questão que traz insegurança jurídica que é a questão até que o colega suscitou, é a questão do pagamento antecipado com abatimento proporcional dos juros, tem previsão do CDC, está lá no artigo 52, §2º do CDC. O artigo 52, §2º do CDC explicitamente diz que o consumidor pagar antecipadamente tem direito a abatimento incondicional dos juros remuneratórios vincendos.

Percebam que um dos argumentos clássicos das instituições financeiras, contra o que agora está disposto como matéria de ordem pública, qual era? Era justamente o artigo 133. É inquestionável que o prazo do contrato de mútuo ele não se dá apenas a beneficio do mutuário, no caso de mútuo feneratício, no caso de mútuo com juros, o prazo também se dá beneficio do mutuante. Porque é justamente a dilação do prazo que permite ao mutuante obter os lucros decorrentes do empréstimo firmado.

O Pontes de Miranda inclusive defendia essa tese, ele dizia que no mútuo feneratício o mutuário não poderia impor, aliás o mutuário não poderia impor ao mutuante o recebimento antecipado justamente porque o prazo do contrato de mútuo é que gerava a legitima expectativa de lucro para o mutuante.

Só que a tendência do nosso direito civil hoje, sem dúvida alguma, é de trazer insegurança jurídica em homenagem a uma maior equidade, a uma idéia maior de isonomia material. Quer dizer, quando a gente traz para o nosso direito civil a boa fé objetiva, princípio da confiança, a função social dos contratos, a gente traz uma forte ingerência estatal que traz uma dose indiscutível de insegurança.

Então olha só, surge até uma questão interessante, porque se for CDC o legislador positivou, não tem graça. A dúvida é se há abatimento proporcional de juros mesmo que fora do âmbito do CDC, porque o código civil é omisso a respeito do tema, em nenhum momento ele trata do assunto. Ao contrário, se nós aplicarmos a literalidade do artigo 133, nós teríamos aqui um instrumento significativo de defesa em favor das instituições financeiras porque o prazo sem duvida também se dá a benefício do mutuante. Só que a tendência da doutrina que enfrenta o assunto é sustentar que a solução é a mesma que a do CDC, ainda que fora de relação de consumo.

Quais seriam os argumentos aí para sustentar o abatimento proporcional dos juros, mesmo que fora de relação de consumo, apesar da redação do artigo 133? Vamos partir do argumento mais abstrato para o mais concreto.

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O argumento mais abstrato seria o principio constitucional da solidariedade. Lembramos, como vimos na nossa 1ª aula, que o principio constitucional da solidariedade é um dos sub princípios da dignidade da pessoa humana. Vejam, o que o principio constitucional da solidariedade projeta para as relações obrigacionais? O dever de eticidade, de correção, de lealdade. Ou seja, o principio constitucional da solidariedade projeta para as relações obrigacionais o principio da boa fé objetiva. Então além do principio constitucional da solidariedade outro argumento seria o principio da boa fé objetiva.

Então vejam, no CDC se o sujeito recebe antes do tempo e cobra juros vincendos é ato ilícito, no código civil, se recebe e cobra juros vincendos é abuso do direito, por quê? Porque não há uma previsão legislativa especifica vedando essa conduta, a vedação decorre do principio da boa fé objetiva, então nós teríamos aqui um exemplo de abuso do direito.

Vamos ser agora um pouco mais específicos porque esses argumentos são muito vagos.

Tem um argumento aqui, um pouco mais especifico, que diz respeito a aplicação ao artigo 885 e é interessante porque o artigo 885 ele trata da vedação ao enriquecimento sem causa por motivo superveniente. Diz o artigo 885 que a restituição é devida não só quando tem havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

O que justifica a incidência dos juros remuneratórios, o que legitima a incidência de juros remuneratórios? Na verdade são dois aspectos basicamente: o risco do inadimplemento e a remuneração em favor daquele que se encontra desprovido do seu respectivo capital.

Então vejam que quando é celebrado o contrato de mútuo, há uma justificativa plausível para cobrança de juros remuneratórios, mas na medida em que há o pagamento antecipado subsiste risco de inadimplemento? Não e o capital passa a ficar a disposição do credor, então a cobrança de juros vincendos diante do pagamento antecipado é exemplo típico de enriquecimento sem causa por motivo superveniente. Seria uma hipótese típica de aplicação do artigo 885.

E o último argumento, a aplicação por analogia do artigo 1426, e por analogia porque esse artigo trata de vencimento antecipado da dívida. Diz o artigo 1426 que nas hipóteses do artigo anterior de vencimento antecipado da divida não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido.

Sem dúvida alguma essa solução é mais uma daquelas em que nós temos uma forte carga valorativa em prejuízo de segurança jurídica. Uma observação aqui importante, em relação ao artigo 333 que traz hipóteses em que se admite o vencimento antecipado da dívida. E uma das hipóteses de vencimento antecipado da divida, normalmente o vencimento antecipado decorre de situações em que se evidencia uma dificuldade do devedor em cumprir a prestação, sempre que há um indício ao menos de insolvência nós temos aí um vencimento antecipado da dívida dentro das hipóteses previstas em lei.

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Uma das hipóteses está no inciso III que diz lá: se cessarem ou se tornarem insuficientes as garantias do débito fidejussórias ou reais e o devedor intimado se negar a reforçá-la.

A Judith Martins Costa e o Gustavo Tepedino sustentam que se há o abalo a garantia prestada pelo devedor por fato do credor, o que se pode aplicar aí? Vamos supor que o credor dê causa a uma deterioração do bem empenhado, por exemplo, o objeto empenhado é entregue ao credor e o credor dá causa a deterioração do bem. Será que o credor pode exigir o pagamento antecipado? O que esses autores defendem? Venire contra factum proprium, teoria da contradição com a própria conduta.

Pergunta do aluno.

Resposta: a Judith fala em venire aqui porque essa diferença entre a licitude e a ilicitude nas condutas contraditórias é o que diferencia a venire da tu quoque. Na tu quoque a conduta é ilícita e na venire a conduta é lícita.

Só que aqui na verdade, a Judith use a expressão venire e o Tepedino também, sem dúvida daria para falar em tu quoque também. Mas talvez porque na verdade o perecimento pode ser aqui decorrente de mera culpa, quer dizer, não necessariamente há intenção do credor em prejudicar o devedor, quer dizer, nós não teríamos necessariamente a idéia de torpeza que envolve a idéia de tu quoque.

Estou aqui fazendo uma defesa da tese do Tepedino e da Judith porque se formos olhar em sentido amplo a conduta culposa também representa ato ilícito. Estou sendo aqui parcial para justificar a tese da Judith e do Tepedino, mas se formos olhar de maneira mais ampla, quer dizer, talvez a intenção seja divorciar a aplicação dessa solução a idéia de torpeza que é a que normalmente inspira a idéia da tu quoque.

Quer dizer, a tu quoque é muito atrelada a idéia de que ninguém pode se divorciar da própria torpeza e aqui não necessariamente se pressuporia a conduta torpe por parte do credor. Mas sem duvida sua ponderação é oportuna porque talvez aqui fosse justificável até a lógica da tu quoque porque estamos partindo aqui de uma conduta culposa e a conduta culposa dentro da definição do artigo 186 do código civil entra na sistemática do ato ilícito.

Vamos tratar de alguns aspectos concernentes ao pagamento em consignação. Sem dúvida o tema é de natureza híbrida, talvez as questões mais sensíveis, envolvam o direito processual envolvendo pagamento em consignação. Quer dizer, no código civil a matéria vem nos artigos 334 a 345 e no CPC artigos 890 a 900.

Vamos tratar de alguns aspectos envolvendo direito material, olhem só. Primeira questão, quem tem legitimidade para enfrentar o pagamento em consignação? Devedor, terceiro interessado e o terceiro não interessado em nome do devedor salvo a oposição do devedor.

Só há aqui uma peculiaridade, que pode chamar atenção em provas objetivas em relação à legitimação. No artigo 345 que diz se a divida vencer pendendo litígio

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entre credores que se pretendem mutuamente excluir, poderá qualquer deles requerer a consignação. Então, o artigo 345 prevê a hipótese em que um dos credores litigantes tem legitimidade para requerer a consignação.

Quer dizer, qual é o objetivo desse credor litigante, quer dizer, temos 3 credores disputando a qualidade creditória o A, B e o C. E o artigo 345 no código civil diz que o A tem legitimidade para requerer a legitimação pelo devedor, o objetivo obviamente é evitar que o devedor venha a efetuar o pagamento diretamente a qualquer dos demais credores.

Sem dúvida o artigo 345 tem que ser interpretado junto com o artigo 344 e com o artigo 335, V que prevê como uma das hipóteses de consignação a hipótese em que há litígio sobre o objeto do pagamento.

Só um cuidado com uma pegadinha boba aqui: o artigo 337 diz que o depósito deve ser requerido no lugar do pagamento. É claro que quando o artigo 337 diz “lugar do pagamento”, essa regra tem que ser interpretada em harmonia com o artigo 330, que é aquela da supressio. Então, só cuidado que o examinador na prova pode juntar as duas coisas numa única questão, naquele caso da supressio a consignação deve ser efetuada no local de pagamentos anteriormente efetivados.

Segunda questão: quais são os principais efeitos, as principais conseqüências do êxito na pretensão consignatória? O principal efeito sem dúvida alguma é a extinção da obrigação. Com a extinção da obrigação, aplica-se o principio da gravitação jurídica, ou seja, cessão juros, cláusula penal, eventuais garantias enfim o acessório segue o principal.

Outra conseqüência nos contratos bilaterais, o consignante passa a poder exigir do consignatário o cumprimento da prestação oposta. Isso nos remete a que tema? Isso tem tudo a ver com a exceção de contrato não cumprido e o outro efeito a transferência dos riscos. Porque vejam, até a tradição a coisa pertence ao devedor, na obrigação de dar e se há perecimento sem dolo ou culpa o que nós já sabemos? Res perit domino, a coisa perece para o dono, ou seja, os riscos são suportados pelo devedor com o depósito e com o respectivo êxito na pretensão consignatória o depósito gera a transferências dos riscos.

Uma questão importante, até quando, até que momento se admite, cabe a consignação do pagamento? Havia uma posição clássica que afirmava que só seria admissível a consignação até a propositura da ação de resolução do contrato pelo credor. Quer dizer, depois de proposta a ação de resolução percebam, até caber a consignação de prestações supostamente devidas, anteriormente a resolução, mas aquelas posteriores seriam descabidas.

Só que o que hoje vem se sustentando é que na verdade se admite a consignação enquanto a prestação for útil ao credor. Quer dizer, a mera propositura da ação de resolução pelo credor não afasta por completo a possibilidade de consignação pelo devedor caso o credor se recuse a receber aquelas prestações subseqüentes.

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Isso tem a ver com o que? Com purgação da mora, por isso que vamos aprofundar o tema mais adiante, porque ainda que venhamos a enfrentar o tema um pouco mais adiante, dá para perceber que essa nova tendência em se admitir a consignação enquanto a prestação for útil ao credor, ainda que provoque ação de resolução, vem em harmonia com o principio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos.

Seria uma preocupação de aprofundamento agora, porque antes se entendia é que o devedor ele não poderia purgar a mora e efetuar a consignação, depois que o credor tomasse a iniciativa de pleitear a resolução, seria uma espécie de punição para o devedor litigioso.

Só que, o que se entende hoje, é que o principio da conservação permite a purgação da mora e a consignação enquanto a prestação for útil ao credor e essa utilidade da prestação ela há de ser medida em harmonia com o principio da boa fé objetiva. A análise da utilidade da prestação há de ser analisada a luz do principio da boa fé objetiva.

Pergunta do aluno.

Resposta: exatamente, porque o §único do artigo 395, que veremos mais adiante, é o que prevê o chamado caráter transformista da mora.

O Araquém de Assis chama de caráter transformista que é a possibilidade da mora de se transformar em inadimplemento absoluto e a mora vai se transformando em inadimplemento absoluto justamente no caso do §único, quando a prestação se tornar inútil. Só que nós veremos que essa inutilidade superveniente, ela não fica ao mero capricho do credor, essa inutilidade ela há de ser vista a luz do principio da conservação da boa fé objetiva. Na verdade, vamos aprofundar o tema quando analisarmos exatamente o §único do artigo 395 que guarda correlação com a questão da consignação.

Tem o Julgado aqui do STJ que vem em harmonia com essa posição. RESP 256275.

Tem uma questão aqui que tem uma leve controvérsia envolvendo o artigo 339 do código civil: julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta se não de acordo com os outros devedores e fiadores.

A doutrina aqui é unânime em afirmar que apesar da redação do artigo 339, se houver acordo entre credor e devedor cabe o levantamento do depósito. Agora é evidente que se o acordo abrange apenas credor e devedor o levantamento do deposito exonerará terceiro garantidor, o fiador, por exemplo, fica exonerado. Porque a letra fria do artigo 339 parece sugerir que só cabe levantar o deposito se houver anuência não apenas entre credor e devedor, mas também o fiador.

E toda a doutrina afirma que na verdade mesmo que não haja anuência do fiador, se há concordância entre fiador e credor cabe levantamento, só que em decorrência deste levantamento o fiador se exonera.

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Sobre a natureza jurídica desse acordo entre credor e devedor que permite levantamento neste caso, tem duas posições aqui sobre a natureza jurídica desse acordo que permite o levantamento no caso do artigo 339.

Uma 1ª corrente defendida pelo Leoni, minoritária, sustenta que no caso há novação.

A posição amplamente dominante é em sentido inverso, porque vejam bem, nem chegamos na novação, mas todos devem se lembrar que na novação há o surgimento de uma nova relação que tem por efeito extinguir uma relação originária, não é isso? No caso do artigo 339, afirma a doutrina, a sentença já havia extinto a obrigação originária, a sentença já teria produzido aí a extinção da obrigação originariamente acordada. Porque o pressuposto do artigo 339 é que o pedido já tenha sido julgado procedente e a sentença já teria reconhecido a extinção da obrigação originariamente pactuada.

Então, na verdade não seria o acordo que teria o condão de extinguir a obrigação relacional originaria, a própria sentença que acolheu a pretensão consignatória já teria produzido a extinção daquela obrigação originariamente contratada. Então, o que a maioria da doutrina entende é que aqui surgirá uma nova obrigação.

Nós não teríamos tecnicamente novação, porque a novação pressupõe que a nova relação tem o condão de extinguir a obrigação primitiva e nesse caso não foi a nova obrigação que teria produzido esse efeito, a própria sentença já teria efetivado a extinção da relação primitiva. Nesse sentido nós temos Gustavo Tepedino, Caio Mário e Judith Martins Costa.

Pergunta do aluno.

Resposta: isso, em relação aquilo que for objeto da lide.

Olha só, duas considerações, a primeira bem simples aqui, o nosso código civil agora explicitamente prevê, o que agora antes só tratava o CPC e a possibilidade da consignação por estabelecimento bancário chamada consignação extra-judicial e está lá no artigo 334, caput.

Quem quiser depois dar uma olhada, a sistemática processual da consignação por estabelecimento bancário, está no artigo 890, I a IV do CPC.

Uma última observação. Todos aqueles efeitos que vimos decorrentes da consignação pressupõe, claro, a sentença que julga procedente a consignatória, só que o artigo 334 deixa claro e evidente que a sentença que julga procedente a consignatória produz efeitos retro operantes, retroativos ao depósito. Por isso importante, porque o CPC quando trata da consignação estabelecimento bancário, diz mais ou menos o seguinte naqueles artigos: consignante vai lá e deposita no estabelecimento bancário, a outra parte é notificada para se manifestar, se ela aceitar ou ficar calada presume-se a anuência e extingue a obrigação.

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