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Universidade de Brasília Instituto de Letras Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas Programa de Pós Graduação em Linguística Classificação nominal em Libras: um estudo sobre os chamados classificadores CLEOMASINA STUART SANÇÃO SILVA MENDONÇA Brasília 2012

Classificação nominal em Libras: um estudo sobre os chamados

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  • Universidade de Braslia

    Instituto de Letras

    Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas

    Programa de Ps Graduao em Lingustica

    Classificao nominal em Libras: um estudo sobre os chamados

    classificadores

    CLEOMASINA STUART SANO SILVA MENDONA

    Braslia

    2012

  • Universidade de Braslia UnB

    Instituto de Letras - IL

    Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas - LIP

    Programa de Ps Graduao em Lingustica PPGL

    Classificao nominal em Libras: um estudo sobre os chamados

    classificadores

    CLEOMASINA STUART SANO SILVA MENDONA

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Mestrado em Lingustica do Departamento de

    Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas da

    Universidade de Braslia como requisito parcial

    para obteno do ttulo de mestre em Lingustica.

    Orientador: Prof. Dr. Dioney Moreira Gomes

    Braslia DF

    Julho

    2012

  • Universidade de Braslia UnB

    Instituto de Letras - IL

    Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas - LIP

    Programa de Ps Graduao em Lingustica PPGL

    DISSERTAAO DE MESTRADO

    CLASSIFICAO NOMINAL EM LIBRAS: UM ESTUDO SOBRE OS

    CHAMADOS CLASSIFICADORES

    Orientador: Prof. Dr. Dioney Moreira Gomes

    Banca examinadora:

    Prof. Dr. Dioney Moreira Gomes (LIP/UnB)

    Profa. Dra. Audrei Gesser (UFSC)

    Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva(LIP/UnB)

    Profa. Dra. Marina M. S. Magalhes (LIP/UnB)

  • CLEOMASINA STUART SANO SILVA MENDONA

    CLASSIFICAO NOMINAL EM LIBRAS: UM ESTUDO SOBRE OS CHAMADOS

    CLASSIFICADORES

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao

    em Lingustica do Departamento de Lingustica, Portugus

    e Lnguas Clssicas da Universidade de Braslia para

    obteno do ttulo de Mestre em Lingustica (rea de

    Concentrao Gramtica: teoria e anlise)

    Aprovada em Julho de 2012

    Comisso examinadora constituda por:

    _____________________________________________

    Prof. Dr. Dioney Moreira Gomes

    Universidade de Braslia UnB (LIP PPGL)

    Orientador e Presidente da banca

    ________________________________________________

    Prof. Dr. Audrei Gesser

    Universidade Federa de Santa Catarina UFSC (CCE)

    Membro titular da banca/ Membro Externo

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva

    Universidade de Braslia UnB (LIP PPGL)

    Membro titular da banca/ Membro Interno

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Marina Maria da Silva Magalhes

    Universidade de Braslia UnB (LIP PPGL)

    Membro Suplente da banca

  • Dedico esta dissertao

    comunidade surda de Braslia que tanto me ensinou nesses anos, contribuindo assim para o

    meu amadurecimento e formao profissional. Aos meus amigos surdos de Braslia meu

    muito obrigada!

  • i

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus e Maria que durante todo esse tempo colocaram em meu caminho

    verdadeiros anjos, pois nas horas em que eu mais precisei estavam ao meu lado. Aos meus

    anjos amigos presto as minhas homenagens:

    agncia CAPES pelo financiamento;

    s secretrias do PPGL Renata e ngela que sempre me receberam bem;

    Aos meus pais Mendona e Socorro, por me aturarem quando eu estava estressada e pelas

    vezes que, com raiva, disse ou fiz algo que eles no gostaram. Obrigada pelo silncio de vocs

    e por acreditarem no meu sucesso;

    Ao meu irmo Cleodoberto, Shake para os ntimos, por me ajudar com Comit de tica. Sei

    que foi um saco ter me corrigido e aconselhado, mas muito obrigada;

    minha irm Cleoduvirgem, pela ajuda com o photoshop e pelas noites em claro. Sei que

    voc no aguenta mais a palavra classificador e que, depois de mim, voc a segunda

    especialista no assunto;

    Ao Paulo Roberto Barbosa de Andrade pelo apoio tcnico, como o Elan, e nas gravaes dos

    demais vdeos. Por estar comigo nos momentos difceis, sempre com carinho e compreenso,

    me ensinado que preciso ter F em Deus para conseguirmos as coisas;

    famlia Barbosa de Andrade, nas pessoas de Roberto Audy, Cida e Renata; que sempre

    torceu por mim nessa minha caminha;

    minha madrinha Telma, Bernardo, Lilian e Alex que suportaram a minha ausncia e,

    mesmo distncia, torceram por mim;

    Famlia Pimenta, nas pessoas da dona Socorro, seu Luiz, Larissa e Eduardo, por me

    acolher, aconselhar e pelo apoio nas horas difceis. Muito obrigada, me sinto da famlia!;

    amiga de graduao Elainne Batista Paulino, que me ensinou que com a humildade e

    determinao somos capazes de fazer nosso prprio caminho sem depender de terceiros para

    abrirem as portas, mas de Deus e dos verdadeiros amigos que nos apoiam;

  • ii

    s amigas de graduao, ps e de viagens Eugenia, ops! Lia, e Renatinha, valeu a pena todas

    as aventuras, alegrias, tristezas e experincias vividas durante a jornada;

    amiga Joice Oliveira Ventura pelas viagens, em cima da hora, pelas aflies e confidncias

    que compartilhamos ao longo desses anos.

    comunidade surda, que muito me ensinou nesses anos de convivncia, amadureci muito

    com vocs;

    irm Helena pela confiana, carinho e bondade, pois me deixou realizar a pesquisa no

    INOSEB;

    s professoras de graduao Daniele Grannier, Orlene Sabia, Raquel Dettoni e Cibele

    Brando, que so verdadeiros exemplos de pesquisadoras, se um dia eu for um tero de cada

    uma delas eu serei uma profissional competente;

    Ao Professor Dioney Moreira Gomes, que acreditou nesta pesquisa e na pesquisadora, e com

    muita pacincia me orientou nesses quatro anos de vida acadmica; durante esse perodo,

    tivemos muitas alegrias, discusses e atritos, mas, relembrado essas ocasies, com muita

    ternura e sem mgoa, percebo o quanto elas foram valiosas para o meu crescimento pessoal e

    profissional. Obrigada, professor, agora eu sei que sou sua orientanda favorita! (kkkk)

    Aos Padres Jos Alexander Chacn Rondon, Jos ngel Revilla Guitierrez e Marcos Luis

    Erustes Polonio meus agradecimentos pelas horas em que eu pensei em desistir de tudo e

    vocs, com toda a compreenso, me ajudaram a superar os meus medos, as minhas angstias e

    a minha falta de coragem. Obrigado por me ensinarem que antes de SER algum e preciso

    SERvir a algum. Obrigada por todos esse anos de luta, de confidncias, de alegrias por ns

    compartilhadas, pelas lgrimas, mais da minha parte, e pelas palavras de conforto e amizade.

    Vocs, assim como a comunidade surda, foram verdadeiros exemplos de superao na minha

    vida;

    Doutora em psicologia pela UnB, professora, intrprete e mui amiga, Meireluce Leite

    Pimenta, que foi responsvel pelo meu ingresso na ps, que me ensinou a tica de ser uma boa

    intrprete, que me motivou nos momentos difceis dizendo: o bom que voc vai sobreviver,

    Clo!; e por fim por compartilhar comigo sonhos, realizaes, angstias e esperanas.

  • iii

    CLASSIFICAO NOMINAL EM LIBRAS: UM ESTUDO SOBRE OS CHAMADOS

    CLASSIFICADORES

    RESUMO

    Os classificadores so descritos pela literatura em lngua de sinais como um fenmeno que

    decorre de uma classificao de paradigmas verbais ou formas usadas para descrever um

    determinado item lexical que no h lngua. Contudo, as pesquisas sobre lnguas orais

    demonstram que, dentro do sistema de classificao nominal, os classificadores desempenham

    um processo que vai alm das formas lingusticas. Nesse caso, estamos diante de uma forma

    de pensar, cognitivamente, voltada para a criao de esquemas mentais e de uma classificao

    das palavras que se origina nas experincias dos falantes. Outra caracterstica fundamental dos

    classificadores em lnguas orais a correlao com aspectos sociais e culturais. Se por um

    lado os estudos funcionais descrevem essa complexidade em lnguas orais, em Libras as

    anlises no apresentam essas caractersticas. com essa questo que a presente pesquisa

    analisou os classificadores em Libras segundo o funcionalismo-tipolgico, analisando-os

    dentro do continuum de gramaticalizao. Os resultados evidenciam que em Libras: a) os

    sinais classificadores de segurar-X tipo de objeto, X-tipo de objeto, entre outros so itens

    lexicais ou termos de classes, e b) os predicados complexos na verdade so verbos com forte

    motivao imagtica, se assemelhando com os verbos ideofnicos. Embora o que se chame de

    classificadores em Libras no apresente as caractersticas do sistema de classificadores, o

    qual consideramos dentro do suporte terico usado, a Libras no se desconfigura como lngua,

    visto que ela mais rica em motivaes imagticas do que as lnguas orais.

    Palavras chaves: morfologia, funcionalismo tipolgico, classificao nominal,

    classificadores, continuum, gramaticalizao, semntica cognitiva e Libras

  • iv

    CLASSIFICAO NOMINAL EM LIBRAS: UM ESTUDO SOBRE OS CHAMADOS

    CLASSIFICADORES

    ABSTRACT

    The classifiers are described by literature in linguistics by signs as a phenomenon which

    follows from a classification of verbal paradigms or forms used to describe a determined

    lexical item that does not contain linguistics, however, oral language researchers demonstrate

    that, in the nominal classification system, the classifiers play a role that goes beyond formal

    linguistics. In this case, we are up front with a form of cognitive thinking, forwarded to the

    creation of mental schemes and a classification of words that origin within the experiences of

    the speaker. Another fundamental characteristic, within the oral classifiers, is the

    interconnection with the social and cultural aspects. On one hand the studies describe the

    functional complexity on oral languages, on sign language the analysis dont represent these

    characteristics. It is this issue that this research examined the classifiers in sign language

    according to the typological-functionalist, analyzing the continuum of grammaticalization.

    The results show that sing language: a) The signs classified for holding X type of object,

    among others are lexical items or class terms, and b) The 'complex predicates' are actually

    verbs with strong motivation imagery, resembling with the ideophonic verbs. Although what

    is called classifiers in sign language dont represent the systematic characteristics of a

    classifier, which we consider within the theoretical framework used, sign language does not

    sets down such as in language, it is richer in imagery motivations than spoken languages.

    Keysword: morphology, typological-functionalist, nominal classification, classifiers,

    continuum of grammaticalization, cognitive semantics and Libras

  • vi

    SUMRIO

    AGRADECIMENTOS........................................................................................................... i

    RESUMO ............................................................................................................................. iii

    ABSTRACT ......................................................................................................................... iv

    LISTA DE ESQUEMAS ........................................................................................................ v

    LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................ v

    LISTA DE QUADROS ......................................................................................................... vi

    LISTA DE TABELAS .......................................................................................................... vi

    LISTA DE ABREVIAES ................................................................................................ vi

    0. INTRODUO ................................................................................................................ 1

    0.1. Objetivo Geral ..................................................................................................... 3

    0.2. Objetivos Especficos ........................................................................................... 3

    0.3. A formao do corpus .......................................................................................... 4

    0.3.1. A Lngua Brasileira de Sinais: Libras ................................................................ 7

    0.3.2. Perfil dos colaboradores surdos ......................................................................... 8

    CAPTULO 1 ESTRUTURA DAS LNGUAS DE SINAIS .............................................. 13

    1.1. Os precursores nos estudos fonolgicos na ASL................................................. 13

    1.2. Um pequeno percurso na fonologia da Libras ..................................................... 20

    1.3. Os processos morfolgicos da Libras ................................................................. 24

    1.4. Consideraes do captulo .................................................................................. 33

  • vii

    CAPTULO 2OS CLASSIFICADORES EM LNGUAS DE SINAIS: PANORAMA DA

    ARTE .................................................................................................................................. 34

    2.1. Panorama dos estudos sobre classificadores nas lnguas de sinais ....................... 34

    2.1.1. Os classificadores em algumas Lnguas de Sinais ............................................ 43

    2.2. Os classificadores em Libras .............................................................................. 47

    2.3. Consideraes do captulo .................................................................................. 58

    CAPTULO 3OS CLASSIFICADORES SOB O ENFOQUE FUNCIONAL-

    TIPOLGICO .................................................................................................................... 59

    3.1. O estudo funcional-tipolgico: iconicidade, tipologia morfolgica e o continuum de

    gramaticalizao ....................................................................................................... 59

    3.1.1. Iconicidade ..................................................................................................... 61

    3.1.2. Tipologia Morfolgica .................................................................................... 63

    3.1.3 O continuum de gramaticalizao ..................................................................... 65

    3.2. O sistema de classificadores e o social ............................................................... 69

    3.3. A semntica cognitiva e os classificadores ......................................................... 72

    3.4. O continuum de gramaticalizao dos classificadores ......................................... 77

    3.5. A tipologia dos classificadores ........................................................................... 81

    3.6. Consideraes do captulo .................................................................................. 85

    CAPTULO 4CLASSIFICADORES EM LIBRAS? ........................................................ 86

    4.1. Os itens lexicais e os termos de classes em Libras .............................................. 87

    4.2. Os Ideoqueremas em Libras versus os predicados complexos ........................... 107

    4.3. Esboando uma tipologia morfolgica para Libras ........................................... 127

    4.4. Consideraes do captulo ................................................................................ 136

  • viii

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 137

    REFNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................... 139

    APNDICE A ................................................................................................................... 149

    APNDICE B ................................................................................................................... 150

    APNDICE C ................................................................................................................... 151

    APNDICE D ................................................................................................................... 154

    ANEXO A ......................................................................................................................... 155

  • v

    LISTA DE ESQUEMAS

    Esquema 1: Cline de gramaticalidade ................................................................................... 66

    Esquema 2: Sistema de classificao nominal ...................................................................... 78

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Ilustrao da notao de tab e dez (STOKOE, 1976 [1960], p. xix) ....................... 15

    Figura 2: Sinais diferindo apenas pela regio de contato (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 49) 18

    Figura 3: Sinais diferindo apenas pela orientao da palma (KLIMA e BELLUGI, 1979, p.

    48) ....................................................................................................................................... 18

    Figura 4: Sinais com diferentes arranjos de mo (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 49) ........... 19

    Figura 5: As 46 Configuraes de Mos da Libras (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 220) ....... 21

    Figura 6: Pares mnimos na lngua de sinais brasileira (QUADROS & KARNOPP, 2007, p.

    52) ....................................................................................................................................... 22

    Figura 7: Morfemas lexicais e gramaticais ........................................................................... 25

    Figura 8: Verbos com incorporao de negao enquanto sufixo (FELIPE, 2006, p.213)...... 30

    Figura 9: Verbos com incorporao da negao enquanto infixo (FELIPE, 2006, p. 214) ..... 31

    Figura 10: Organizao de alguns SASSes estticos (SUPPALLA, 1986,p. 206) .................. 37

    Figura 11: Sequncia de verbos de movimento em ASL (SUPPALLA, 1986, p. 206) ........... 38

    Figura 12: Classificadores de membros do corpo (SUPPALLA, 1986, p. 208-209) .............. 39

    Figura 13: Organizao de alguns classificadores de instrumento (SUPPALLA, 1986, p. 211)

    ............................................................................................................................................ 40

    Figura 14: Sinais de textura e consistncia (SUPPALLA, 1986, p. 212-213) ........................ 41

    Figura 15: Descrio das formas geomtricas na IPSL (ZESHAN, 2003, p.115) .................. 44

    Figura 16: Configurao de mo em forma de Y ................................................................ 49

    Figura 17: Configurao de mo em forma de B ................................................................ 49

  • vi

    Figura 18:Configurao de mo em forma de G ................................................................. 50

    Figura 19: Configurao de mo em forma de F ................................................................ 50

    Figura 20: Configurao de mo em forma de S ................................................................ 51

    Figura 21: Verbos com flexo para gnero (FELIPE, 2002, p. 212) ...................................... 53

    Figura 22: Os crculos concntricos (FOLEY, 1997, p. 238)................................................. 72

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Comparao entra os Classificadores na Lngua de Sinais Tailandesa e os

    Classificadores em Tailands (TUMTAVITIKUL et. all, 2009, p.41-42).............................. 46

    Quadro 2: Classificadores Nominais Descritivos (tipos de atributos) (FARIA-

    NASCIMENTO, 2009, p.119) .............................................................................................. 55

    Quadro 3: Classificadores Nominais Especificadores (FARIA-NASCIMENTO, 2009, p.121)

    ............................................................................................................................................ 56

    Quadro 4: Classificadores Homnimos (FARIA-NASCIMENTO, 2009, p.127) ................... 57

    Quadro 5: Gnero vs. Sistema de classificadores (DIXON, 1982b, 1986, apud GRINEVALD,

    2000, p. 62) .......................................................................................................................... 80

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Classificao dos classificadores em Lnguas de Sinais (ZWITSERLOOD 1996

    apud SCHEMBRI, 2003, p.10) ............................................................................................ 42

    Tabela 2: Restries do uso de pernas e pessoa (ZESHAN, 2003, p. 121) ....................... 45

    Tabela 3: Parmetros de processos de gramaticalizao (LEHMANN, 1985, p. 05).............. 68

    Tabela 4: Escala do sistema de classificadores em Tailands ................................................ 71

  • vi

    LISTA DE ABREVIAES

    Movimento de cima para a direita

    Movimento de cima para a esquerda

    Movimento de fora para dentro

    Movimento de dentro para fora

    Movimento de cima para baixo

    Movimento de um lado para outro

    () Indica quem se est falando

    + Indicando uma composio

    1 Primeira pessoa

    1 Tom mais alto

    2 Tom meio alto

    2 Segunda pessoa

    3 Tom meio baixo

    3 Terceira pessoa

    4 Tom de laringalizao

    7 Glotal

    ABS Absolutivo

    ANTIPASS Antipassiva

    ASL American Sign Language

    CEAL Centro Educacional de Audio e Linguagem Ludovico Pavoni

    CL Classificador

    COMP- Completivo

    dact. Dactilologia

    ELAN Eudico Linguistic Annotator

    gen. Genitivo

    INOSEB Instituto Nossa Senhora do Brasil

    IPSL Indo-Pakistani Sign Language

    Libras Lngua Brasileira de Sinais

    LSB Lngua de Sinais Brasileira

  • vii

    N Nome

    NFC Nome em funo classificadora

    OBJ Objeto

    p. Pessoa

    PAST. Passado

    PBSL Portugus do Brasil como Segunda Lngua

    pl. Plural

    PERF Aspecto perfectivo

    PUNC Aspecto pontual

    R1 Indicador de determinante contguo

    R2 Indicador de determinante no-contguo

    RaizM Raiz Movimento

    SASS Size and Shape Specifiers

    sg. Singular

    SING Singular

    SUJ Sujeito

    Thai SL Thai Sign Language

    UL Unidade Lexical

  • 1

    0. INTRODUO

    -Para se entender Libras necessrio que o intrprete saiba usar os classificadores!

    Conversa entre intrpretes, DF 2006

    -Qual o sinal para minerao?

    -No, no tem. Acho que voc tem que usar um classificador!

    Intrpretes dialogando na hora da aplicao de prova, DF 2010

    Desde a publicao do livro A dictionary of American Sign Language on linguistic

    principles, de William Stokoe, em 1960, os estudos lingusticos das lnguas de sinais vm

    ganhando mais espao nas discusses acadmicas acerca dos modelos educacionais, os

    processos de aquisio da modalidade escrita das lnguas orais por surdos ou da prpria lngua

    de sinais e descrio dessas lnguas. Se outrora as lnguas de sinais foram consideradas como

    linguagem ou mmica, atualmente elas alcanaram o status de lngua. Aps sete anos do

    lanamento do livro Por uma gramtica da lngua de sinais, de Ferreira-Brito1 (1995), um

    exemplo desse reconhecimento foi a oficializao da Lngua Brasileira de Sinais (Libras) pela

    Lei n 10.436, de 24 de abril de 2002, que foi e regulamentada pelo Decreto n 5.626, de 22 de

    dezembro de 2005.

    Contudo, por serem estudos recentes, o que percebemos nas anlises lingusticas

    sobre a Libras a falta de estudos, voltados para a prpria lngua, que no se ancorem em

    modelos j estabelecidos para outras lnguas de sinais e/ou sirvam para constatar ou no a

    presena de um mesmo fenmeno ou elemento comum a todas elas. Especificamente nos

    estudos voltados para a morfologia, assim como nas anlises fonolgicas, ainda falta anlises

    descritivas detalhadas das caractersticas morfolgicas como o morfema, os processos de

    formao dos sinais, de flexo e derivao e a tipologia morfolgica. No campo da sintaxe,

    embora sejam relativamente inmeras as pesquisas, ainda h muito que se analisar. J para a

    semntica e a pragmtica no encontramos, at o presente momento, uma anlise.

    1 Atualmente a autora citada como Ferreira, porm mantemos aqui a forma de citao antiga, pois as

    publicaes por ns lidas ainda constam o sobrenome Brito.

  • 2

    Especificamente, esta dissertao tem como objeto o estudo de morfemas que esto

    intimamente relacionados com o sistema de classificao nominal da lngua brasileira de

    sinais (Libras). Para tal propsito, faremos uso da teoria funcional-tipolgica, cuja escolha se

    d pelo fato de ela considerar que a lngua emerge de um fator social de interao dos

    indivduos entre si e com o meio em que vivem, e que o ser humano o agente de sua histria

    e cultura.

    Dentro dessa perspectiva, a lngua o instrumento usado na comunicao das

    experincias humanas, e as estruturas so geradas pelas nossas experincias ou pelos nossos

    modelos culturais (DELANCEY, 2000). Como as lnguas variam segundo as suas respectivas

    comunidades, os estudos funcionais-tipolgicos2 permitem vislumbrar tal processo, com a

    finalidade de descrever os diversos fenmenos lingusticos existentes nas lnguas a partir das

    interaes sociais e da troca de experincias humanas entre si e o meio em que vivem.

    O motivo desse tema decorre do fato de que durante os anos de graduao em Letras

    Portugus do Brasil como Segunda Lngua (PBSL), na Universidade de Braslia, muitas vezes

    frases como as listadas no incio desta introduo foram ouvidas em congressos, palestras,

    cursos e em conversas entre surdos e intrpretes e, em contrapartida, a apresentao desse

    fenmeno era, e continua sendo, difusa.

    A impresso passada por esses enunciados que hoje s se sabe uma lngua de sinais

    quando se usa os classificadores. Por conta disso, adequado, e ideal, que tanto surdos quanto

    intrpretes tenham o domnio dessa lngua com uma viso mais lingustica. Ento, nos

    perguntamos o que um Classificador em Libras? O termo CLASSIFICADOR, usado pela

    literatura em Libras, apresenta definies e descries pouco claras; e o resultado uma

    compreenso superficial de como funciona o sistema de classificao nas lnguas de sinais, e

    como identific-lo. Ao nos referirmos a esse tipo de sistema, desencadeamos outras anlises

    que abarcam os aspectos sociais, culturais, semnticos e morfolgicos. Nas palavras de

    Grinevald (2004, p.97), classificadores oferecem uma janela nica no que concerne aos

    estudos de como os seres humanos constroem representaes do mundo e de como eles as

    codificam nas palavras em suas lnguas3 (Traduo nossa). E essa representao do mundo

    em sinais que ainda carece de mais descrio.

    2 Sobre o assunto ler DeLancey (2000) e Givn (1995, 2001) 3 Classifiers offer a unique window into studying how human beings construct representations of the world and

    how they encode them into the words of their languages

  • 3

    Por essa razo, a presente pesquisa, iniciada ainda na graduao em 2008, analisa os

    denominados classificadores em Libras, com a finalidade de descrev-los. O que nos

    propomos a fazer estudar os processos morfolgicos da Libras como o morfema, os itens

    lexicais nesse caso os sinais e, concomitantemente, rever e analisar, nos moldes da teoria

    funcional-tipolgica, as construes com classificadores na lngua brasileira de sinais, a fim

    de identificar se, de fato, esse fenmeno ocorre na Libras. Caso se confirme a presena deles,

    queremos identificar o seu locus, o seu tipo, as suas motivaes semnticas e funes dentro

    da lngua. Dessa forma, esperamos compreender como a sistematicidade dos classificadores

    na lngua brasileira de sinais, alm de os aspectos interacionais que podem motiv-los.

    Estruturalmente, no captulo 1 fazemos um pequeno apanhado dos dois estudos

    fonolgicos da ASL e da Libras, e de como dado o tratamento no quesito morfologias em

    Libras. J no captulo 2, buscamos mostrar quais so as pesquisas sobre classificadores em

    ASL e demais lnguas at chegarmos Libras; no captulo 3, apresentamos o aporte terico

    que usaremos para a anlise dos dados, e como os classificadores em lnguas orais so

    descritos. No captulo 4, analisaremos os dados segundo os critrios j estabelecidos

    anteriormente e, por fim, apresentaremos as consideraes finais s quais chegamos com esta

    pesquisa.

    0.1. Objetivo Geral

    Documentar, descrever e analisar os chamados classificadores em Libras,

    demonstrando propriedades fonolgicas, morfolgicas e tipolgicas dessa lngua.

    0.2. Objetivos Especficos

    a) Identificar o sistema de classificao nominal presente na Libras, com o intuito de:

    descrever o processo de classificao nominal em Libras;

    analisar na Libras o que a literatura atual apresenta como sendo classificadores ou

    construes classificatrias; e

  • 4

    analisar os itens lexicais (sinais) dentro do continuum de gramaticalizao.

    b) Analisar os enunciados que, de acordo com a literatura, apresentam classificadores a

    fim de:

    analisar os verbos que, segundo a literatura, so originados com a presena dos

    classificadores dentro do perodo.

    0.3. A formao do corpus

    Os dados utilizados para a formao do corpus da pesquisa foram de duas fontes: (i)

    os dados que se encontram na literatura vigente sobre classificadores ou construes

    classificadoras, que foram averiguados por ns junto a falantes surdos a fim de constatarmos a

    existncia de classificadores, o locus por ele ocupado e a(s) sua(s) funo(es)

    morfossinttica(s); e (ii) os dados oriundos de filmagens, questionrios e discusses que

    foram propostos aos colaboradores. Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos,

    submetemos a pesquisa ao Comit de tica e Pesquisa do Instituto de Humanas da

    Universidade de Braslia, que a aprovou (ver Anexo A).

    Nesta pesquisa, as entrevistas foram com grupos focais, pois neste mtodo de

    entrevista os participantes levam em conta os pontos de vista dos outros para a formulao de

    suas respostas e tambm podem tecer comentrios sobre suas experincias e a dos outros

    (BAUER & GASKELL, 2002 apud BONI & QUARESMA 2005, p. 73). Dessa forma,

    pudemos coletar no s os dados necessrios para a pesquisa, mas obter tambm uma gama de

    informaes sobre julgamento de valor; por exemplo, quando pedamos para que os

    colaboradores narrassem uma cena, eles julgavam as atitudes dos personagens e expressavam

    suas opinies acerca de determinado tema.

    Foram entrevistados oito surdos divididos em trs grupos de acordo com a faixa

    etria e o nvel de escolaridade, o que nos proporcionou encontrar variaes diastrticas. A

    coleta de dados aconteceu da seguinte forma:

    a. assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (ver Apndices A e B);

    b. preenchimento de questionrio sociolingustico (ver Apndice C); e

    c. filmagem dos participantes conversando em Libras.

  • 5

    O termo de consentimento livre e esclarecido um dos documentos necessrios para

    a realizao de pesquisas que envolvam seres humanos. Nele, a pesquisadora se compromete

    com os participantes a no divulgar as imagens gravadas e prestar, junto ao comit de tica e

    aos participantes, esclarecimentos de todas as etapas da coleta de dados.

    O objetivo do questionrio sociolingustico foi fazer um levantamento do perfil

    sociolingustico dos falantes surdos selecionados para esta pesquisa, buscando, dentre outras

    coisas, conhecer melhor a sua trajetria lingustica durante o processo de aquisio da Libras

    e o aprendizado do portugus por escrito e falado. Com ele, observamos os ambientes em que

    os surdos mais usam a sua lngua e com quem, quando e como se deu essa aquisio (se foi

    dentro de alguma associao ou instituio religiosa, em escolas de surdos ou no contato com

    outros surdos fora de qualquer instituio).

    Para as filmagens, utilizamos vdeos e textos que abordaram diversos temas a fim de

    motivar discusses nos colaboradores, pois assim gravamos os surdos interagindo ora

    sozinhos, ora entre si.

    Os textos usados para motivar o debate foram extrados de vdeos da internet com

    temas da atualidade como: educao, poltica e sociedade. O uso dessa metodologia ancora-se

    na teoria dos Gneros Textuais, pois:

    Dependendo dos nossos objetivos e da imagem que temos dos nossos interlocutores,

    fazemos nossas opes lingsticas, tanto de nvel de formalidade da linguagem

    como de vocabulrio, por exemplo. Tambm, dependendo da situao, escolhemos

    como vamos organizar a seqncia textual ou seja, definimos qual gnero ser o

    mais adequado para a comunicao. Gneros textuais so realizaes lingsticas

    concretas definidas por propriedades sociocomunicativas; a situao de produo

    de um texto que determina em que gnero ele realizado. (COROA, 2008, p. 29)

    Como o nosso objetivo era coletar dados que fornecessem sinais classificadores, os

    gneros escolhidos foram narrao, opinio e instruo. Dos textos filmados e analisados,

    constam nesta dissertao s aqueles que, segundo a literatura, apresentam classificadores.

    Como ferramenta de anlise, utilizamos o software ELAN, desenvolvido na Holanda,

    em Nijmegen, pelo Instituto de Psicolingustica Max Planck. Essa ferramenta utilizada para

    anotaes em udio e vdeo. As anotaes podem ser feitas em fases ou camadas e cada uma

    fica disposta no programa hierarquicamente. Com ele, h a possibilidade de interligao entre

    outros vdeos ou udios, o que facilitou ao transcrevermos as glosas e interligarmos os vdeos.

  • 6

    Como a filmagem em uma instituio escolar atrapalharia as atividades dos surdos,

    decidimos optar pelo Instituto Nossa Senhora do Brasil (INOSB). Razo disso que l h um

    grande nmero de surdos das mais diversas idades, credos e de diferentes lugares do Distrito

    Federal, que frequentam a instituio para se socializar com os demais surdos e com os

    intrpretes. O INOSB est situado na 714/914 Asa Sul, na cidade de Braslia.

    Sempre aos sbados, no perodo da tarde, h catequese e missa em Libras. Essa

    uma instituio religiosa sem fins lucrativos, que tem como objetivo central promover a

    integrao dos surdos com a sociedade. Dentre as atividades propostas pela instituio

    comunidade surda esto o reforo escolar dos alunos nas sries iniciais, a catequese de jovens

    e adultos, grupo jovem, encontro de casais surdos, missas em lngua de sinais, apoio s

    festividades e/ ou s reunies da Associao dos Surdos do Distrito Federal, atendimento s

    famlias carentes, apoio s famlias e aos familiares dos surdos e interpretao em Libras em

    hospitais e em entrevistas de emprego, entre outros.

    As filmagens nos permitiram analisar a construo das significaes a partir das

    estruturas morfolgicas e sintticas da Libras. Com isso, quisemos averiguar se h a

    possibilidade de ter nela classificadores, e como esses se apresentam na lngua e qual o seu

    locus. Quando analisamos os dados, contamos com o apoio dos prprios surdos e, dessa

    forma, obtivemos explanaes de usos lingusticos utilizados pelos surdos, que ajudaram na

    formulao das explicaes aqui dadas.

    Cabe ainda esclarecer que as imagens mostradas aqui no so dos colaboradores da

    pesquisa, pois segundo a resoluo do Conselho Nacional de Sade nmero 196 de 10 de

    outubro de 1996, pargrafo IV. 1 letra g de responsabilidade do pesquisador a garantia

    do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos

    na pesquisa, e mesmo que eles tivessem autorizado a exposio de suas imagens,

    decidiramos por no faz-lo em respeito resoluo. A fim de preservar a integridade e o

    direito dos meus colaboradores, tivemos que colocar outro surdo que reproduzisse os trechos

    filmados.

    Por isso, as imagens postadas aqui so do surdo Paulo Roberto Barbosa de Andrade,

    que gentilmente aceitou nos auxiliar, comprometendo-se a no divulgar o que viu e nem

    expressar qualquer juzo de valor a respeito dos dados. Esse foi o meio a que tivemos que

    recorrer, j que as lnguas de sinais no dispem de um sistema de descrio que atendesse

    aos nossos objetivos, uma vez que os existentes so complexos e pouco explicativos, alm de

    requerer da parte do leitor um curso especfico para compreend-los.

  • 7

    0.3.1. A Lngua Brasileira de Sinais: Libras

    Segundo a Lei n 10.436/ 02, a lngua brasileira de sinais (Libras) reconhecida

    como lngua de natureza visual-motora e exerce todas as funes comunicacionais, cabendo

    s instituies pblicas apoiarem o uso e difuso da lngua. J o decreto 5.626/ 05 discorre

    sobre as disposies preliminares, garantindo aos surdos a incluso da Libras como disciplina

    curricular, a formao de professores e instrutores, o acesso s escolas bilngues, entre outros

    direitos de acesso.

    Institucionalmente, a lngua da comunidade surda do Brasil a Libras, como consta

    no decreto de 2005 Art. 2. Para os fins desse Decreto, considera-se pessoa surda aquela que,

    por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experincias visuais,

    manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Lngua Brasileira de Sinais - Libras..

    Sendo esse o nome oficial da lngua, nesta dissertao optamos por us-lo com as seguintes

    justificativas: a primeira decorre da lei, como acabamos de ver, a segunda por conta da

    comunidade surda na qual eu estou inserida. Quando comecei a aprender a lngua de sinais

    com os surdos do Distrito Federal, em meados de 1996, o nome dado a ela pelos surdos era, e

    ainda , Libras. Ao iniciar esta pesquisa perguntei a um dos colaboradores surdos qual o nome

    que deveria colocar no questionrio e na dissertao, prontamente ele virou e me questionou:

    voc aprendeu Libras? respondi que sim, ele continuou: Esse o nome da lngua que voc

    aprendeu, mas por que voc est me perguntado?. No transcorrer da aplicao do

    questionrio sociolingustico nenhum surdo pediu que mudasse o nome da lngua.

    Digo isso, pois vrios foram os questionamentos feitos durante a graduao e na ps-

    graduao quando optamos em usar Libras ao invs de LSB. No intenciono com isso

    inviabilizar as pesquisas de quem usa LSB, mas acredito que A lingstica nos tem ensinado

    que as lnguas no podem ser decretadas, mas que so produtos da histria e da prtica dos

    falantes, que elas evoluem sob a presso de fatores histricos e sociais (CALVET, 2007, p.

    85). A deciso pelo nome Libras na lei de regulamentao e no decreto partiu da prpria

    comunidade surda, como relembra Pimenta (2008, p. 31):

    As comunidades de surdos de todo o Brasil intensificaram discusses organizadas

    sobre a garantia dos seus direitos lingsticos, educacionais, sade, acessibilidade

    aos meios de comunicao e entretenimento cultural. A Federao Nacional de

    Educao e Integrao dos surdos FENEIS foi uma das entidades consultadas no

    processo de elaborao da proposta da Lei n. 10.436/02. Em Braslia, a Diretora

  • 8

    Administrativa da FENEIS, atualmente autora desta tese, juntamente com

    Coordenadores de Centro de Educao e Estudos em Libras CEEL, tambm da

    FENEIS, e representantes da comunidade surda desenvolveram reunies

    sistemticas de conscientizao e discusso da Proposta de Regulamentao da

    referida Lei. As sugestes advindas dessas reunies, amplamente discutidas,

    resultaram em documento enviado para a Casa Civil. Muitas delas so vislumbradas

    no texto atual do Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamentou a

    Lei n. 10.436/02.

    Manteremos essa nomenclatura Libras. Dentre as sugestes aceitas pela Casa Civil

    est esse nome4, sendo assim, no usaremos a sigla LSB, que comea a ser usada

    principalmente no meio acadmico, e ficaremos em sintonia, no s com a Lei, mas tambm

    com a comunidade que gentilmente me incluiu no mundo da Libras. O termo Libras se refere,

    ento, lngua falada pelos surdos de todo o Brasil, e embora leigos conjeturem que haja uma

    uniformidade lingustica na Libras, esse nome abarca todas as variedades lingusticas

    regionais, etrias, socioeconmicas e de gnero. A variedade da Libras apresentada aqui a

    do Distrito Federal.

    0.3.2. Perfil dos colaboradores surdos

    Com base no questionrio sociolingustico (ver Apndice C), pudemos traar um

    perfil dos colaboradores como interaes sociais com o uso da Libras, natureza da surdez e a

    aquisio do portugus escrito. Ao todo, filmamos oito surdos divididos em trs grupos, essa

    diviso em grupos tem como base dois critrios; (i) a idade e (ii) o grau de escolaridade. Esses

    dois critrios foram utilizados para percebermos como foi o processo de escolarizao,

    quando e com quem aprenderam a Libras e em que interaes sociais, como famlia, igreja,

    escola ou trabalho, nossos colaboradores usam sua lngua.

    Os colaboradores sero denominados por nomes fictcios, pois assim estaremos de

    acordo com a resoluo do Conselho Nacional de Sade e com a vontade dos nossos

    colaboradores que gentilmente se dispuseram a serem filmados com a condio de no terem

    suas imagens colocadas neste trabalho.

    Grupo 1: constitudo dos seguintes colaboradores:

    4 Essa informao me foi passa pela professora Meireluce Leite Pimenta em comunicao pessoal.

  • 9

    Marina: tem 20 anos de idade, nasceu em Braslia, tem o segundo grau completo e do sexo

    feminino. Nasceu com surdez profunda em ambos os ouvidos, pois durante a gestao a me

    teve rubola e recm-nascida pegou meningite, na famlia no h outros surdos. Ela no sabe

    com que idade foi diagnosticada como surda. At os 2 anos s teve contato com o portugus

    e, ao ingressar na escola, aprendeu Libras. Da 1 at a 8 srie frequentou o CEAL5 e, em

    turno contrrio, uma escola inclusiva; j o ensino mdio foi cursado em escola de ouvinte. Da

    1 at a 4 o professor usava portugus oralizado no CEAL e na escola Libras, da 5 a 8 o

    professor utilizava Libras e no 2 grau s portugus oralizado. Na maior parte, a interao

    com os colegas de sala e com os professores essa colaboradora usava gestos6. Tem pouco

    domnio do portugus escrito e de leitura. Ela aprendeu Libras na escola oralista com um

    professor ouvinte. Na interao com os pais, demais familiares, exceto com uma prima que

    sabe Libras, e colegas, amigos no surdos, ela usa o portugus oralizado. Na interao no

    trabalho e na igreja, nossa colaboradora usa Libras.

    Regina: tem 18 anos de idade, nasceu em Braslia, tem o segundo grau completo e do sexo

    feminino. Nasceu com surdez profunda em ambos os ouvidos, pois durante a gestao a me

    teve rubola e a recm-nascida pegou rubola, na famlia no h outros surdos. Ela no sabe

    com que idade foi diagnosticada como surda. At os 4 anos s teve contato com o portugus

    e, ao ingressar na escola, aprendeu portugus oralizado. Da 1 at a o ensino mdio frequentou

    o CEAL e, em turno contrrio, uma escola de ouvinte. Da 1 at a 8, o professor usava

    portugus oralizado e no 2 grau alguns professores usavam portugus oralizado e outras

    sabiam um pouco de Libras. Na maior parte, na interao com os colegas de sala e com os

    professores, essa colaboradora usava Libras e/ ou portugus oralizado. Tem pouco domnio do

    portugus escrito e de leitura. Ela aprendeu Libras na escola de surdo com professor surdo. Na

    interao com os pais, demais familiares, exceto com algumas primas que sabem Libras, e

    colegas, no surdos, ela usa o portugus oralizado. Na interao no trabalho, no STJ, e na

    igreja, nossa colaboradora usa Libras e/ ou portugus oralizado.

    Juliana: tem 18 anos de idade, nasceu em Braslia, tem o segundo grau completo e do sexo

    feminino. Nasceu com surdez severa em ambos os ouvidos, durante a gestao a me teve

    rubola e recm-nascida pegou rubola, na famlia no h outros surdos. Ela foi diagnosticada

    como surda aos 2 anos. At os 4 anos no sabe com qual lngua teve contato primeiro, se a

    5 Centro Educacional da Audio e Linguagem Ludovico Pavoni, situado na SGAN 909, Mdulo B - Asa Norte,

    Cidade/UF: Braslia. 6 Entende-se gesto como mmica, no Libras

  • 10

    Libras ou o Portugus. Da 1 at 4 srie frequentou o CEAL e, em turno contrrio, uma escola

    inclusiva. Da 5 ao ensino mdio, frequentou s escola de ouvinte. Da 1 at 4 srie, o

    professor sabia um pouco de Libras. Da 5 8, a colaboradora no respondeu e no 2 grau o

    professor usava portugus oralizado. Na maior parte do tempo, na interao com os colegas

    ela utilizava gestos7 e com os professores s o portugus oralizado. Tem pouco domnio do

    portugus escrito e ela no consegue ler livros, jornais etc, em portugus. Ela aprendeu Libras

    na escola de surdo com professor surdo. Na interao com os pais, demais familiares e

    colegas, amigos surdos, ela usa Libras. Na interao na igreja, nossa colaboradora usa Libras

    e/ ou portugus oralizado.

    Grupo 2: constitudo dos seguintes colaboradores:

    Elias: tem 28 anos de idade, nasceu em Planaltina, Distrito Feral, cursou at a 8 srie e do

    sexo masculino. Nasceu com surdez moderada em ambos os ouvidos, esse colaborador no

    soube informar se durante a gestao a me teve algum tipo de doena, e nem sabe se quando

    recm-nascido teve alguma doena que ocasionou a surdez. Ele foi diagnosticado como surdo

    quando tinha entre 6 e 9 anos. At os 4 anos, teve contato primeiro com o portugus oralizado

    e aprendeu Libras na escola. Da 1 at a 4 srie, frequentou escola de ouvinte. Da 5 8

    srie, frequentou escola especial com professores surdos. Da 1 at a 4 srie, o professor

    utilizava o portugus. Da 5 8, o professor usava Libras. Na maior parte do tempo, a

    interao com os colegas de sala e com os professores esse colaborador usava Libras e

    portugus oralizado. A escrita em portugus limitada e ele no consegue ler livros, jornais

    etc, em portugus. Ele aprendeu Libras no INOSEB, na escola de surdo com professores

    surdos, professores ouvintes, associao de surdos, com amigos surdos fora do ambiente

    escolar e na igreja com professor surdo. Diz que no conversa muito com os pais e demais

    familiares e com colegas, amigos, ele usa Libras e/ ou portugus. Na interao na igreja,

    nosso colaborador usa Libras e/ ou portugus oralizado.

    Mateus: tem 35 anos de idade, nasceu em Taguatinga, Distrito Federal, tem o segundo grau

    completo e do sexo masculino. Nasceu com surdez profunda em ambos os ouvidos, esse

    colaborador no soube informar se durante a gestao a me teve algum tipo de doena, e nem

    sabe se quando recm-nascido teve alguma doena que ocasionou a surdez. Ele foi

    7 Entende-se gesto como mmica, no Libras

  • 11

    diagnosticado como surdo por volta dos 2 anos. Aos 4 anos, aprendeu Libras. Da 1 at a 4

    srie, frequentou o CEAL. Da 5 ao ensino mdio, frequentou s escola de ouvinte. Da 1 at

    4 srie, ele no informou como era a sua interao com o professor. Da 5 ao 2 grau, o

    professor usava portugus oralizado. Na maior parte do tempo, a interao com os colegas e

    com os professores era s em portugus oralizado. No consegue escrever em portugus e no

    consegue ler livros, jornais etc., em portugus. Ele aprendeu Libras na escola de surdo com

    professor surdo, na Associao de Surdos com intrpretes, com os amigos surdos fora do

    ambiente escolar e na igreja com instrutor ou professor surdo. Na interao com os pais e

    demais familiares, ele usa o portugus oralizado; j com os colegas e amigos ele s usa

    Libras, exceto no trabalho no STJ em que ele faz uso do portugus oralizado. Na interao na

    igreja, nosso colaborador usa Libras.

    Grupo 3: constitudo dos seguintes colaboradores

    Pedro: tem 34 anos de idade, nasceu em Jaragu, Gois, tem o ensino superior completo e

    do sexo masculino. Mudou-se para Braslia quando tinha 5 anos. Nasceu com surdez profunda

    em ambos os ouvidos, esse colaborador no soube informar se durante a gestao a me teve

    algum tipo de doena, e nem sabe se quando recm-nascido teve alguma doena que

    ocasionou a surdez. Ele foi diagnosticado como surdo aos 2 anos. Aos 4 anos aprendeu

    portugus oralizado e na escola aprendeu Libras e portugus oralizado. Da 1 at 4 srie

    frequentou o CEAL. Da 5 8 srie frequentou escola de ouvinte e escola de oralizao. No

    ensino mdio, frequentou s escola de ouvinte. Da 1 at 4 srie o professor s usava

    portugus oralizado. Da 5 ao 2 grau o professor usava portugus e Libras. Na maior parte do

    tempo, a interao com os colegas ele utilizava a Libras e com os professores s o portugus

    oralizado. L e escreve bem em portugus. Ele aprendeu Libras na escola de oralizao com

    professor ouvinte, na Associao de Surdos com os amigos surdos fora do ambiente escolar e

    na igreja, com instrutor ou professor surdo. Na interao com os pais e demais familiares, ele

    usa o portugus e Libras, na famlia o pai e as irms sabem Libras; j com os colegas e

    amigos ele s usa Libras, no trabalho na NovaCap, ele faz uso do portugus e da Libras. Na

    interao na igreja, nosso colaborador usa Libras e o portugus.

  • 12

    Lucas: tem 41 anos de idade, nasceu no Gama, Distrito Federal, tem o ensino superior

    completo e do sexo masculino. Nasceu com surdez moderada em ambos os ouvidos, esse

    colaborador no soube informar se durante a gestao a me teve algum tipo de doena, e nem

    sabe se quando recm-nascido teve alguma doena que ocasionou a surdez. Ele foi

    diagnosticado como surdo entre 2 e 5 anos. Aos 4 anos aprendeu Libras e na escola aprendeu

    portugus oralizado. Da 1 srie at o 2 grau frequentou escola de ouvinte e a escola de

    oralizao. Durante o seu percurso escolar, nas interaes professor-aluno e aluno-surdo com

    aluno-ouvinte, esse colaborador sempre utilizou o portugus oralizado. L e escreve pouco em

    portugus. Ele aprendeu Libras com os amigos surdos fora do ambiente escolar quando

    ingressou na escola aos 4 anos. Na interao com os pais e demais familiares, ele usa o

    portugus oralizado e no se relaciona com os colegas e amigos no trabalho. Na interao na

    igreja, nosso colaborador usa Libras e o portugus oralizado, j no trabalho, como professor,

    ele s usa Portugus oralizado.

    Arthur: tem 48 anos de idade, nasceu em Santos, So Paulo, tem o ensino superior completo e

    do sexo masculino. Nasceu com surdez profunda em ambos os ouvidos, esse colaborador

    tem um histrico de surdez na famlia, no caso os bisavs so surdos e por conta dos pais

    serem primos consanguneos, ele e os outros dois irmos so surdos. Ele foi diagnosticado

    como surdo quando recm-nascido. Aos 4 anos aprendeu Libras e na escola aprendeu

    portugus oralizado. Da 1 4 srie, estudou no CEAL e da 5 srie at o 2 grau frequentou

    escola de ouvinte e escola de oralizao. Durante o seu percurso escolar, nas interaes

    professor e aluno, esse colaborador sempre utilizou o portugus oralizado ou escrito, mas com

    os colegas ouvintes, que sabiam Libras, ele tambm utilizava a Libras. L e escreve pouco em

    portugus. Ele aprendeu Libras com os amigos surdos na associao de surdos. Na interao

    com os pais e demais familiares, ele usa o portugus escrito, mas com os irmos, que so

    surdos, ele usa a Libras. professor e na relao com os colegas e amigos no trabalho, ele faz

    uso do portugus e da Libras. Na interao na igreja, nosso colaborador usa Libras.

  • 13

    CAPTULO 1 ESTRUTURA DAS LNGUAS DE SINAIS

    (...) por acaso e por simples razes de comodidade que nos servimos do aparelho vocal

    como instrumento da lngua; os homens poderiam tambm ter escolhido o gesto e empregar

    imagens visuais em lugar de imagens acsticas.

    Fernand de Saussure

    Neste captulo, faremos uma pequena reviso dos principais estudos lingusticos

    sobre a fonologia e a morfologia das lnguas de sinais. Os autores aqui apresentados foram

    precursores nas anlises lingusticas e seus estudos so um referencial para os pesquisadores

    que se interessam pelo assunto. Faremos uma percurso sobre os primeiros estudos fonolgicos

    em uma lngua de sinais, nesse acaso a ASL, em seguida veremos a fonologia da Libras e

    como a lingustica tem analisado os processos morfolgicos em Libras.

    1.1. Os precursores nos estudos fonolgicos na ASL

    Em uma poca em que toda e qualquer forma de se comunicar fazendo uso das mos

    era encarada como um defeito pois s se entendia lngua como a vibrao das cordas vocais

    a obra A dictionary of American Sign Language on linguistic principles, de William Stokoe

    (1960), causou um impacto na tradio oralista de educao de surdos e nas anlises

    lingusticas. Comeava com Stokoe o primeiro estudo lingustico a respeito das unidades

    constituintes de uma lngua de sinais que, desprovida de sons, capaz de exercer as mesmas

    funes comunicacionais que uma lngua oral:

    A natureza da estrutura da lngua de sinais no muito diferente da natureza da

    lngua oral, sem desprezar a diferena vocal-visual. A lngua de sinais no usa os

    sons, mas unidades elementares distintivas de um ponto de vista visual. Vista de um

    ngulo apenas diferente, a atividade sinalizar pode mostrar uma variedade infinita.

    No entanto, a lngua de sinais, assim como outra lngua, categoriza essa infinidade

    de elementos. Anlogo ao fonema temos o querema, na lngua de sinais. (CARE-e

  • 14

    em, a primeira slaba da palavra grega homrica que significa mo). (STOKOE,

    (1976[1960], p. xxix)8 (Traduo nossa)

    Os estudos querolgicos9 da American Sign Language (ASL) fizeram com que as

    lnguas de sinais ganhassem o status de lngua, mudando assim a situao dos surdos norte-

    americanos e, anos mais tarde, a dos surdos em todo o mundo.

    Em seu modelo estruturalista, se assim podemos defini-lo, Stokoe (1976[1960], p.

    vii) previa trs componentes que constituem os sinais, so eles: designator (dez) para as

    diversas formas que a(s) mo(s) assume(m); tabula (tab) para o lugar onde se realiza o sinal; e

    signation (sig) para o movimento realizado pela(s) mo(s). Segundo o autor, a unio desses

    trs componentes, independente da ordem em que aparecem, forma os sinais ou palavras na

    ASL. Outro fator destacado por ele que, diferentemente do que ocorre nas lnguas orais, na

    ASL os componentes querolgicos so realizados simultaneamente e no linearmente.

    8 The nature of sign language structure is not very different from that of spoken language structure, once account

    is taken of the vocal-visual difference. Sign language uses, not sounds, but visible distinct elemental units.

    Looked at simply as different things to see, the activity of signing can show infinite variety. However, sign

    language, like other language, puts these many things into classes. Analogous with the phoneme is the sign

    language chereme (CARE-e em, the first syllable from a Homeric Greek word meaning handy). (STOKOE,

    (1976[1960], p. xxix)

    9 No original, o autor usa o termo cherology (querologia) em analogia s lnguas orais, o que seria o estudo da

    fonologia das lnguas de sinais. Encontramos o termo chereme traduzido para o portugus ora como quirema, ora

    como querema.

  • 15

    Figura 1: Ilustrao da notao de tab e dez (STOKOE, 1976 [1960], p. xix)

    Segundo Stokoe, ao transcrever o sinal deve-se comear com o tab e o dez da(s)

    mo(s), caso tenhamos um sinal que realizado com as duas mos preciso estabelecer a

    relao entre elas. Como quando se tem o dez em forma de A como na Figura 1 em que as

    duas mos tm a mesma forma (dez); entretanto a direita est por cima da esquerda sendo

    necessrio o uso do diacrtico para demonstrar essa sobreposio. Porm, se a direita est

    embaixo da esquerda usa-se o diacrtico _. J o diacrtico para a ausncia de tab (ou local de

    sinalizao), o indicando que as duas mos esto juntas e indica que as mos esto se

    tocando, mas que uma est atrs da outra.

    Assim como nas lnguas orais, h variao dos fonemas na ASL; por isso Stokoe, em

    seu dicionrio, fez questo de exemplificar os alofones, ou nas palavras dele os allochers.

    Para ele, era preciso descrever o maior nmero possvel de sinais para poder estabelecer o que

    seria um chereme frente ao que seriam seus allochers.

    Essas unidades, aloqueres, podem parecer diferentes na lngua que eles perdem a

    essncia deles mesmos. Por exemplo, o querema dez, simbolizado neste dicionrio

    como Y, pode ser parecido com a configurao de mo y do alfabeto manual, ele

  • 16

    um aloquer. Ele pode ter os trs dedos em ngulo reto com a palma.10 (STOKOE,

    1976[1960], p. xxix) (Traduo nossa)

    Segundo o estudioso, os allochers esto em distribuio complementar ou em

    variao livre conforme o tab ou sig e so usados na formao dos sinais. Como qualquer

    lngua, a ASL tambm apresentava variao dialetal e etria, por essa razo mapear tais

    distines contribuiria para uma anlise mais completa da lngua.

    A pesquisa realizada por Stokoe no s deu lngua de sinais o seu devido status,

    mas possibilitou que a lingustica criasse uma metodologia para analisar essas lnguas. Os

    estudos posteriores ainda carregam as noes bsicas estabelecidas por Stokoe; embora, como

    veremos a seguir, com nomenclatura diferenciada: os constituintes primrios das lnguas de

    sinais dizem respeito forma da mo, ao local da realizao do sinal e sua movimentao.

    Em 1979, Edward Klima e Ursula Bellugi em parceria com outros pesquisadores

    lanaram o livro The signs of language. Para os autores, O objetivo geral da nossa pesquisa

    so os fundamentos biolgicos da linguagem humana (Traduo nossa)11

    , por isso Nossa

    pesquisa procura entender os fundamentos da linguagem humana como uma parte da dotao

    biolgica do homem12

    (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. v) (Traduo nossa). Para se alcanar

    o objetivo proposto pelos autores, tal obra no s faz consideraes descritivas de cunho

    lingustico, mas tambm se baseia na neurocincia para as investigaes que ajudaram a

    compreender melhor a ASL. Por essa razo, os autores se propuseram a estabelecer criteriosos

    mtodos de anlises que ratificassem a ASL dentro do campo das lnguas naturais. Assim, a

    obra no s desfaz a falcia de ela ser de origem pantommica, como mostra a sua estrutura

    fonolgica, morfolgica e sinttica. No que diz respeito s questes fonolgicas, o trabalho

    desses autores complementa o de Stokoe; porm, com o intuito de aproximar as anlises

    fonolgicas da ASL com as das lnguas orais, os autores propem uma nova nomenclatura;

    assim, o termo parmetro13

    passa a ser usado para se referir aos trs componentes

    10 These units, allochers, may look so different to one unaccustomed to the language that he misses the essential fact that they are the same. For example, the dez chereme symbolized in this dictionary as 'Y' may look like the

    hand configuration for 'y' in the manual alphabet-that is one allocher. It may have the three middle fingers only

    loosely curled-that is another allocher 'Y'. It may have the three fingers at right angles with the palm-still

    another. (STOKOE, 1976[1960], p. xxix)

    11 The general objective of our research is the biological foundations of human language. 12 Our laboratory seeks to understand the foundations of human language as a part of mans biological

    endowment. (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. v) 13 No livro The signs of language, de Klima e Bellugi (1979), h um captulo sobre as propriedades da lngua de

    sinais que foi escrito com a colaborao de Don Newkirk e Robbin Battison; nele, os autores usam o termo

    prime e parameters ao se referirem aos elementos constitutivos da lngua americana de sinais.

  • 17

    constituintes dos sinais, que passam a ser denominados da seguinte forma: a configurao de

    mos na realizao do sinal, (2) a localizao do sinal em relao ao corpo do sinalizador, e

    (3) o movimento da mo ou mos. Chamamos estes trs parmetros de configurao de mo

    (CM), Local de Articulao (LA) e Movimento (MOV)14

    . (KLIMA E BELLUGI, 1979, p. 40)

    (Traduo nossa).

    Alm desses trs parmetros, os autores consideram ainda as seguintes dimenses do

    uso da mo na formao de alguns sinais: a Regio de Contato ou foco, a Orientao e o

    Arranjo ou disposio15

    da Mo. E as Intitulam como minor parameter.

    Para descrever completamente um sinal e distingui-lo dos outros, necessrio especificar as informaes em trs dimenses segundo o uso da mo: regio de

    contato ou foco, orientao e arranjo da mo. Essas dimenses na formao sinal so

    denominadas de parmetros menores, desde que sejam subclassificaes da

    configurao da mo; Considerando que os parmetros principais classes de

    distinguir muito grandes de sinais, os parmetros de menores distinguir conjuntos

    limitados de pares mnimos, ainda mais diferenciar sinais.16 (KLIMA e BELLUGI,

    1979, p.45) (Traduo Nossa)

    A regio de contato ou foco est relacionada com a parte da mo que utilizada

    como foco do contato ou ponto durante o movimento do sinal. Em ASL, enquanto em GIRL a

    ponta do dedo polegar toca a bochecha, em EVERDAY o mesmo movimento realizado pelo

    dorso da mo. (Figura 2).

    14

    The configuration of the hands in making the sign, (2) the location of the sign in relation to the signer's body, and (3) the movement of the hand or hands. We have called these three parameters Hand Configuration (HC),

    Place of Articulation (PA), and Movement (MOV) (KLIMA E BELLUGI, 1979, p. 40).

    15Termo usado por Brito (1995, p.41) 16 To fully describe a sign and distinguish it from all other, it is necessary to specify information about three

    additional dimensions of hand use: contacting region or focus, orientation, and hand arrangement. These

    dimensions of sign formation are termed minor parameters, since they may be viewed as subclassifications of

    hand configuration; whereas major parameters distinguish very large classes of signs, minor parameters

    distinguish limited sets of minimal pairs, yet further differentiate signs.

  • 18

    Figura 2: Sinais diferindo apenas pela regio de contato (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 49)

    Ao se ter sinais com a mesma configurao de mo e o ponto de articulao, como os

    sinais CHILD e THING na ASL, a orientao da palma da mo para baixo ou para cima

    distinguir os sinais (Figura 3).

    Figura 3: Sinais diferindo apenas pela orientao da palma (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 48)

    Por fim, o arranjo ou disposio da mo est relacionado com o uso e a relao das

    mos na realizao dos sinais. Por exemplo, os sinais na ASL de a) DEVIL, SUMMER e

    WRONG fazem uso apenas de uma mo, os sinais b) FAMOUS, QUIET e MEET so

  • 19

    sinalizados com as duas mos, e os sinais c) YEAR, PAPER e SIT tm uma mo que executa

    a ao, ou dominante, e a outra no (Figura 4).

    Figura 4: Sinais com diferentes arranjos de mo (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 49)

    A proposta de Klima e Bellugi de separar os parmetros em maiores e menores

    encaminha os estudos fonolgicos a patamares mais descritivos, demonstrando a

    complexidade e a necessidade de mais anlises sobre lnguas de sinais. De Stokoe passando

  • 20

    por Klima e Bellugi, autores como Padden (1992), Padden e Perlmutter (1987) e Sandler

    (1989, 2003, 2006,) entre outros tm estudado e aprofundado suas pesquisas sobre o assunto

    com o objetivo de explicar como uma lngua de modalidade distinta da oral-auditiva pode

    estruturar seus fonemas ou queremas.

    1.2. Um pequeno percurso na fonologia da Libras

    Como reflexo do quadro internacional, os autores, ao se referirem Libras, tambm

    apresentam o mesmo quadro fonolgico que as demais lnguas de sinais. Por essa razo,

    apresentaremos dois estudos que so referncia em fonologia da Libras.

    O primeiro estudo lingustico da Libras o de Ferreira-Brito (1995). De acordo com

    ela, embora haja outras classificaes fonolgicas para a ASL e as demais lnguas de sinais,

    para a Libras tem-se como parmetros primrios a Configurao da(s) Mo(s), o Ponto de

    Articulao e o Movimento, e como parmetros secundrios a Regio de contato, a

    Orientao da(s) Mo(s) e Disposio das Mos (FERREIRA-BRITO, 1995, p.36).

    A configurao da(s) mo(s) corresponde s diversas formas que a(s) mo(s)

    assume(m) na realizao do sinal, no caso da Libras so 46 configuraes (Figura 5). O ponto

    de articulao a regio onde realizado o sinal; e o movimento, como o prprio nome diz,

    a movimentao do pulso, dedos ou da mo na produo do sinal. Segundo a autora, o

    movimento um dos parmetros mais complexos, esse pode ser classificado como: (i)

    movimento interno, quando os dedos se movem ocasionando a mudana na configurao da

    mo;, (ii) o movimento da(s) mo(s), produzido no espao ou no corpo em linha reta, curvas e

    crculos e (iii) os movimentos direcionais que traam direes no espao da sinalizao. Com

    relao aos parmetros regio de contato, orientao da(s) mo(s) e a disposio das mos, as

    noes so as mesmas que as de Klima e Bellugi (1979).

  • 21

    Figura 5: As 46 Configuraes de Mos da Libras (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 220)

    Ao lado desses parmetros, a autora ainda destaca a importncia dos Componentes

    No-manuais:

    So elementos muito importantes, ao lado dos parmetros primrios e secundrios.

    Existe mesmo a possibilidade de que a expresso facial ou o movimento do corpo

    sejam outros parmetros, dada a sua importncia para diferenciar significados. []

    importante notar que tanto os parmetros primrios, como os secundrios e os

    componentes no-manuais podem estar presentes simultaneamente na organizao

    do sinal. (FERREIRA-BRITO, 1995, p.41)

    Nota-se, com isso, que Ferreira-Brito mantm a mesma proposta de anlise de Klima

    e Bellugi para os parmetros na Libras; embora, em um primeiro momento, a autora coloque

    como parmetro secundrio a orientao da(s) mo(s), que ser considerado como parmetro

    primrio por Quadros e Karnopp (2007)

  • 22

    J os estudos de Quadros e Karnopp (2007) no apresentam a distino entre os

    parmetros primrios e secundrios. Elas consideram que os constituintes da lngua de sinais

    brasileira so: a configurao de mos, movimento, localizao ou ponto de articulao,

    orientao da mo e expresses no-manuais ou componentes no-manuais. Sendo que os

    trs primeiros so os principais.

    Figura 6: Pares mnimos na lngua de sinais brasileira (QUADROS & KARNOPP, 2007, p. 52)

    De acordo com Quadros e Karnopp (2007), as lnguas de sinais, embora sejam de

    modalidade distinta, no deixam de ter as mesmas caractersticas que uma lngua de

    modalidade oral:

  • 23

    O fato de as lnguas de sinais mostrarem estrutura dual (isto , unidades com

    significado (morfemas) e unidades sem significado (fonemas)), apesar de o conjunto

    de articuladores ser completamente diferente daquele das lnguas orais, atesta a

    abstrao e a universalidade da estrutura fonolgica nas lnguas humanas.

    (QUADROS e KARNOPP, 2007, p.53)

    Para elas, as lnguas de sinais, assim como as lnguas orais, apresentam os trs

    principais aspectos que podem ser investigados: os princpios e universais lingsticos

    compartilhados entre lnguas de sinais e lnguas orais; as especificidades de cada lngua; e as

    restries devidas modalidade de percepo (QUADROS e KARNOPP 2007, p.62). Em

    decorrncia disso, segundo elas, autores j vm propondo para a fonologia o estudo dos

    traos distintivos em que os sinais so um feixe de elementos para formar a configurao de

    mo, o movimento e a localizao; e esses resultaram na constituio dos itens lexicais. Essa

    anlise tem tentado saber quantos traos existem nas lnguas de sinais em contraste com as

    lnguas orais.

    Outro modelo usado nas descries fonolgicas, segundo Quadros e Karnopp (2007),

    a fonologia da dependncia que consiste em analisar a assimetria binria entre o elemento

    regente, ncleo, e o dependente. Essa relao ncleo-dependente busca generalizaes neutras

    que respeitem a modalidade de percepo e produo (QUADROS e KARNOPP, 2007, p.

    65). Outra proposio desse modelo a discusso sobre a importncia do movimento na

    formao dos sinais e a sequencialidade dos elementos, a fim de explanar como eles so

    ordenados e distribudos de forma linear.

    Mais recentemente, o modelo autossegmental de Liddell (1984) e Liddell & Johson

    (2000[1989]) foi utilizado por Xavier (2006) para analisar a Libras com a seguinte

    prerrogativa:

    Aqui cabe ressaltar uma das mais significativas diferenas entre o modelo de Stokoe

    e seus seguidores, e o modelo de Liddell & Johnson. Para os primeiros, configurao

    de mo, localizao, orientao da palma e movimento equivalem, em funo, aos

    fonemas das lnguas orais, diferenciando-se destes por serem estruturados e

    realizados simultaneamente. Para Liddell & Johnson, os trs primeiros aspectos

    equivalem aos traos articulatrios que constituem conjunta e simultaneamente cada

    um dos fonemas das lnguas sinalizadas (que podem ser do tipo movimento ou suspenso), enquanto que o ltimo deles representa um dos dois tipos de segmentos

    existentes nessas lnguas (XAVIER, 2006, p. 24-25)

    Para Xavier, o modelo de Liddell e Johnson faz conexo entre os aspectos concretos

    e os abstratos da estrutura fonolgica das lnguas de sinais. Nele os sinais so constitudos de

    um nico segmento de suspenso ou movimento, ou uma sequncia desses dois tipos.

  • 24

    A organizao interna tem dois conjuntos ou feixes de traos: feixe segmental, que

    especifica o movimento da mo, e articulatrio, que descreve a configurao da mo,

    localizao e orientao. Ao que tudo indica, todos os segmentos dos sinais deveriam ter uma

    organizao interna com os dois tipos de feixes e uma representao de matriz de traos, essa

    modificada por conta dos segmentos de suspenso e movimento. Segundo o autor, essa

    uma anlise vantajosa por capturar a sequencialidade de alguns segmentos e a simultaneidade

    de outros.

    Enfim, aqui buscamos abordar de modo bem introdutrio os modelos fonolgicos

    que esto sendo utilizados para descrever a Libras e tambm as lnguas de sinais. As

    pesquisas nessa rea ainda precisam se expandir e sanar algumas questes fonolgicas.

    1.3. Os processos morfolgicos da Libras

    Na proposta de Martinet (1967 apud DUBOIS, 1993), os enunciados so articulados

    em dois planos, o primeiro corresponde s unidades significativas das lnguas, morfemas ou

    monemas, que, no eixo paradigmtico, podem ser substitudos e, no eixo sintagmtico, se

    relacionam com outras unidades. J a segunda articulao diz respeito s unidades

    desprovidas de significado ou unidades distintivas, fonemas.

    Ferreira-Brito (s.d) considera haver na Libras, assim como no portugus, morfemas

    lexicais e gramaticais:

  • 25

    FALAR SEM-PARAR

    FALAR PELOS COTOVELOS

    FALAR + aspecto continuativo

    FALAR (pontual) PEGAR + Cl: 5

    PODER/POSSVEL NO-PODER IMPOSSVEL

    SABER NO-SABER

    Figura 7: Morfemas lexicais e gramaticais

    Ao que parece, na Libras, alguns dos parmetros apresentam aspectos morfolgicos.

    Entretanto no possvel distinguir quais so os morfemas lexicais e os gramaticais, por

    exemplo, o sinal para FALAR, em que o movimento se repete, pode ter dois sentidos:

    TAGARELA ou o FALAR SEM PARAR. Isso nos leva a questionar at que ponto estamos

    diante de um processo gramatical e/ ou um lexical? Torna-se mais confuso quando a autora

    diz que esses so exemplos de formao de palavras por derivao e por composio.

    Segundo ela Atravs desses exemplos, pudemos observar que as primeiras palavras so

  • 26

    formadas a partir de seus radicais aos quais se juntam afixos ou morfemas gramaticais, pelo

    processo de derivao. (FERREIRA-BRITO, s.d)

    J os sinais abaixo so o resultado de composio17

    :

    CASA + CRUZ = IGREJA

    MULHER + PEQUENO = MENINA

    HOMEM + PEQUENO = MENINO

    As explicaes de Ferreira-Brito so pouco elucidativas, tendo em vista que nos

    dados apresentados ela no distingue os processos morfolgicos e os morfemas de derivao e

    flexo.

    Sobre a morfologia em Libras, Quadros & Karnopp argumentam que a Libras, assim

    como a ASL, tem a mesma organizao morfolgica dos sinais descritos por Klima e Bellugi

    (1979).

    As lnguas de sinais tm um lxico e um sistema de criao de novos sinais em que

    as unidades mnimas com significado (morfemas) so combinadas. Entretanto, as

    lnguas de sinais diferem das orais no tipo de processos combinatrios que

    freqentemente cria palavras morfologicamente complexas. Para as lnguas orais,

    palavras complexas so muitas vezes formadas pela adio de um prefixo ou sufixo

    a uma raiz. Nas lnguas de sinais, essas formas resultam freqentemente de

    processos no-concatenativos em que uma raiz enriquecida com vrios

    movimentos e contornos no espao de sinalizao. (KLIMA & BELLUGI 1979

    apud QUADROS & KARNOPP, 2007, p. 87)

    O primeiro ponto a se destacar a respeito dessa citao a no-especificao do que

    so as unidades mnimas com significado ou morfemas e como esses morfemas se combinam

    de fato, para assim poderem dar suporte para a criao de novas formas lexicais. Outra

    questo obscura como essa raiz enriquecida? Ou seja, que tipo de processo morfolgico

    temos a? O que seriam esses movimentos e contornos? Seriam que tipos de morfemas j que

    no so prefixos e sufixos? E o que seriam processos no-concatenativos? Reduplicao?

    Alternncia (ablaut)?

    Os mesmos questionamentos surgem quando a literatura apresenta o processo de

    formao dos sinais por meio do que se tem chamado de incorporao. A seguir, vejamos o

    que as autoras falam sobre incorporao em Libras:

    17 Esses dados so da prpria autora e em seu texto, exclusivamente nesses exemplos, ela no disponibiliza

    figuras.

  • 27

    Parece que, de fato, a formao de sinais envolve tambm uma espcie de

    incorporao de vrios elementos que so expressos atravs da combinao

    elementos (sic), por exemplo as informaes parecem estar dento do verbo atravs

    do movimento das mos. Esse fenmeno parece ser anlogo ao que acontece com as

    lnguas semticas. Nestas, os verbos preservam a ordenao das consoantes e mudam

    as vogais:

    rabe

    Kataba ele escreveu

    Kaataba ele correspondeu

    Kutib estava escrito

    No exemplo em rabe, as informaes que modificam o verbo esto dentro da palavra, assim como se observa nos verbos e nos classificadores das lnguas de

    sinais. Assim, parece que h um paralelo entre as lnguas semticas e as lnguas de

    sinais a este processo. (QUADROS & KARNOPP, 2007, p. 95)

    Nessa citao dois fenmenos distintos so mencionados sem que haja a devida

    distino entre eles. O primeiro fenmeno o possvel processo de incorporao, que, para as

    autoras, a combinao de vrios elementos. J o segundo est relacionado a um processo

    morfolgico em que afixos so adicionados ao longo da raiz; esses afixos so denominados de

    transfixos (Petter, 2005), pois transpassam a raiz para derivar palavras ou flexionar o verbo,

    no caso do rabe a flexo verbal feita por transfixos voclicos em raiz consoantal. Ainda

    para elas, o processo de incorporao est mais presente nos verbos e, nos uso de

    classificadores, consiste na insero de informaes dentro dos verbos por meio do

    movimento das mos, assemelhando-se, assim, com as lnguas semticas. Mas onde seria a

    raiz em Libras?

    Segundo as autoras, consensual que na Libras e nas demais lnguas de sinais, os

    processos de derivao e flexo podem envolver a combinao de aglutinao e incorporao.

    O processo de aglutinao em Libras o mesmo que ocorre em lnguas concatenativas, como

    o Hngaro. A derivao de novos sinais pode ocorrer quando o movimento se repete ou

    encurtado para derivar nomes a partir de verbos, sendo esse processo denominado

    nominalizao, pois o movimento que cria a diferena no significado entre os dois tipos de

    sinais (QUADROS e KARNOPP, 2007, p. 100).

    A composio de sinais tambm um processo morfolgico muito presente na Libras

    e caracterizado por Quadros e Karnopp (2007, p. 102) como um processo de formao de

    palavras que utiliza estruturas sintticas para fins lexicais; contudo, isso no parece

    corresponder ao que a literatura diz:

    Um termo usado amplamente nos estudos LINGUSTICOS DESCRITIVOS para se

    referir a uma UNIDADE lingustica, que composta por ELEMENTOS que

    funcionam de forma independente em outras circunstncias. De modo particular, so

    nas noes de composio que encontramos as 'palavras compostas "(composta por

  • 28

    dois ou mais morfemas livres, como nos SUBSTANTIVOS compostos como

    quarto, chuva e mquina de lavar roupa) (CRYSTAL, 2008, p. 96)18 (Traduo

    nossa)

    Segundo as autoras, em Libras como observado em ASL por Liddel ao se criar

    novos itens por composio trs regras devem ser obedecidas, sendo elas: a de contato,

    quando h contato com o corpo ou a mo passiva na realizao do sinal como no sinal de

    ACREDITAR; a sequncia nica, o movimento interno ou a repetio do movimento

    eliminada, assim como em PAIS; e a antecipao da mo no-dominante, quando a mo

    passiva antecipa o segundo sinal, como em BOA-NOITE. Os processos de incorporao de

    numeral e de negao envolvem morfemas presos, que, ao serem combinados, criam outros

    significados. Quanto aos processos flexionais Quadros e Karnopp (2007, p.11-112), com base

    em Klima e Bellugi (1979), os detalham da seguinte forma:

    Pessoa (dixis): flexo que muda as referncias pessoais no verbo.

    Nmero: flexo que indica o singular, o dual, o trial e o mltiplo

    Grau: apresenta distines para menos, mais prximo, muito, etc.

    Modo: apresenta distines, tais como os graus de facilidade. Reciprocidade: indica a relao ou ao mtua.

    Foco temporal: indica aspectos temporais, tais como incio, aumento,

    graduao, processo, conseqncia, etc.

    Aspecto temporal: indica distines de tempo, tais como h muito tempo, por

    muito tempo, regularmente, continuamente, incessantemente, repetidamente,

    caracteristicamente, etc.

    Aspecto distributivo: indica distines, tais como cada, alguns especificados,

    alguns no-especificados, para todos, etc.

    J de acordo com Felipe (2006, p.200), no processo de formao de palavras em

    lnguas de sinais, assim como nas orais, deve-se levar em considerao o input, a estrutura

    fonolgica da lngua, que so as regras de modificao da raiz pela adio ou subtrao de

    afixo. A composio ocorre quando duas ou mais bases formam outras palavras.

    Os inputs nas lnguas de sinais so compostos por cinco parmetros, sendo eles: a

    Configurao de Mos (CM), o Movimento (M), a Direcionalidade (Dir), o Ponto de

    Articulao (PA) (STOKOE, 1960) e as Expresses Faciais e Corporais (ou no-manuais

    segundo Ekman, 1978; Aarons; et al, 1992). Esses podem expressar, de acordo com Felipe

    (2006), morfemas por meio de algumas configuraes de mos, de alguns movimentos

    direcionados, de algumas alteraes na frequncia do movimento, de alguns pontos de

    18 A term used widely in DESCRIPTIVE LINGUISTIC studies to refer to a linguistic UNIT which is composed of ELEMENTS that function independently in other circumstances. Of particular currency are the notions of

    compounding found in compound WORDS (consisting of two or more free MORPHEMES, as in such

    compound NOUNS as bedroom, rainfall and washing machine) (CRYSTAL, 2008, p. 96)

  • 29

    articulao na estrutura morfolgica e de alguma expresso facial ou movimento de cabea

    junto ao sinal, que para Felipe (1998a), sero morfemas lexicais ou gramaticais nas lnguas de

    sinais.

    Na figura 8, a autora apresenta os sinais com modificao em sua raiz por adio de

    afixo, ou inputs, como QUERER/ QUERER-NO; (variante de So Paulo); GOSTAR/

    GOSTAR-NO e SABER/ SABER-NO/. As formas negativas por terem os movimentos

    contrrios aos das formas positivas, segundo Felipe, incorporaram o sinal de negao e essa

    passou a ser um sufixo.

  • 30

    Figura 8: Verbos com incorporao de negao enquanto sufixo (FELIPE, 2006, p.213)

    No caso de infixos, de acordo com a autora, eles podem ser incorporados

    simultaneamente na raiz verbal, com alternncia no movimento ou expresso corporal. So os

    sinais de SABER/ SABER-NO, PODER/ PODER-NO e TER/ TER-NO, Figura 9.

  • 31

    Figura 9: Verbos com incorporao da negao enquanto infixo (FELIPE, 2006, p. 214)

    Para Felipe (2006, p. 202) dentre os processos de flexo de pessoa, aspecto verbal e a

    de gnero, esta ltima ocorre por meio de uma configurao especfica de mo que funciona

    como um classificador. O mesmo acontece com a incorporao do intensificador MUITO ou

    casos modais, eles alteram a RaizM pela frequncia do movimento, incorporando um

  • 32

    advrbio ou intensificador.

    Ainda segundo Felipe (2006), por ser uma lngua gestual-visual, outro processo de

    formao de palavra produtivo na Libras o mimtico, j que faz uso de expresses faciais e

    corporais na complementao de itens lexicais; e, embora sejam icnicos, eles respeitam as

    regras fono-morfo-sintticas e esto no plano da expresso. A partir dele podem-se derivar

    outros verbos quando acrescentamos RaizM expresses faciais e corporais, como o caso

    dos verbos SALTITAR, DESFILAR, CAMBALEAR derivados de ANDAR.

    E por fim, Felipe apresenta trs tipos de composio por justaposio19

    : o de

    justaposio de dois itens lexicais, como nos exemplos de CAVALO^LISTRA-PELO-

    CORPO (CAVALO + LISTRA-PELO-CORPO = zebra); MULHER^BEIJO-NA-MO

    (MULHER + BEIJO-NA MO = me); CASA^ESTUDAR (CASA + ESTUDAR

    escola). ASSINAR^SEPARAR (ASSINAR + SEPARAR = divrcio); COMER^MEIO-

    DIA (COMER + MEIO-DIA = almoo)20

    , justaposio de um classificador e item lexical,

    em que o classificador um cltico, por exemplo nos sinais, coisa-pequena^PERFURAR

    alfinete; coisa-pequena^APLICAR-NO-BRAO agulha; DORMIR^pessoa +

    alojamento21

    , e justaposio da datilologia da palavra, como em COSTURAR-COM-

    AGULHA^ A-G-U-L-H-A agulha.

    19 Infelizmente, no foi possvel recuperar as imagens fornecidas pela autora, j que os links para elas no

    estavam disponveis. 20

    Nota de rodap de Felipe (2006, p. 206): O smbolo ^ (circunflexo) est sendo usado para especificar palavra

    compostas em LIBRAS. Ver Sistema de Transcrio (Felipe, 1988). 21Nota de rodap de Felipe (2006, p. 206): O simbolo + est sendo usado para representar a marca de plural, que

    na Libras pode acontecer atravs da repetio do item lexical ou do classificador.

  • 33

    1.4. Consideraes do captulo

    Neste captulo, apresentamos os precursores nos estudos fonolgicos em ASL, e

    mesmo que no tenhamos feito uma reviso exaustiva pois no trabalharemos essa questo

    nesta pesquisa pode-se perceber que vrios so os modelos propostos que visam explicar os

    arranjos das lnguas de sinais. Contudo ainda h muito que se descrever sobre esse assunto.

    Cabe, ento, aos foneticistas e fonlogos abraarem esse desafio para que, assim, tenhamos

    um quadro fonolgico das lnguas de sinais o mais detalhado possvel. O mesmo acontece em

    relao morfologia das lnguas de sinais, pois percebemos que ainda falta clareza na

    descrio dos morfemas, dos processos de derivao e flexo em Libras; os subsdios

    apresentados pela literatura nos dizem pouco sobre a morfologia da Libras.

  • 34

    CAPTULO 2OS CLASSIFICADORES EM LNGUAS DE SINAIS:

    PANORAMA DA ARTE

    (...) lnguas de sinais assemelham-se s lnguas orais em todos os aspectos principais,

    mostrando que verdadeiramente h universais da linguagem, apesar de diferenas na

    modalidade em que a lngua realizada.

    Fromkin e Rodman (1993 apud Quadros e Karnopp, 2007)

    Neste captulo faremos uma reviso dos principais trabalhos que analisam os

    classificadores nas lnguas de sinais. Essa trajetria se faz necessria, pois assim

    compreenderemos como foi a evoluo dos estudos lingusticos das lnguas de sinais e o

    impacto que teve nas pesquisas brasileiras. Por essa razo, primeiro abordaremos os

    classificadores na literatura internacional e, em seguida, apresentaremos a literatura sobre a

    Libras.

    2.1. Panorama dos estudos sobre classificadores nas lnguas de sinais

    Dentre as primeiras pesquisas realizadas acerca de uma lngua de sinais, talvez um

    dos primeiros relatos sobre classificadores tenha sido apresentado por Klima e Bellugi, em

    1979; embora os autores no os tenham descrito com detalhes, pois na poca as anlises

    lingusticas estavam mais voltadas para estudos fonolgicos e sintticos das lnguas de sinais.

    Mesmo assim os autores j falavam da existncia de tal fenmeno na ASL e que ele

    desempenhava um papel importante na lngua; contudo, eles apresentam o fenmeno, mas no

    a definio. A princpio eles dizem que:

    Os classificadores, em particular, so usados pa