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  UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CLAUDIA APARECIDA VALASEK Potenciais evocados relacionados à Tarefa de Deese, Roediger e McDermott em crianças e adolescentes com Transtorno Global do Desenvolvimento São Paulo 2013

Claudia Aparecida Valasek

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Falsas memorias

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  • UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    CLAUDIA APARECIDA VALASEK

    Potenciais evocados relacionados Tarefa de Deese, Roediger e McDermott

    em crianas e adolescentes com Transtorno Global do Desenvolvimento

    So Paulo

    2013

  • CLAUDIA APARECIDA VALASEK

    Potenciais evocados relacionados Tarefa de Deese, Roediger e McDermott

    em crianas e adolescentes com Transtorno Global do Desenvolvimento

    Orientador: Prof. Dr. Paulo Srgio Boggio

    So Paulo

    2013

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Programa de Ps-Graduao em Distrbios do

    Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana

    Mackenzie como requisito para obteno do

    ttulo de mestre.

  • V137p Valasek, Claudia Aparecida Potenciais evocados relacionados Tarefa de Deese, Roediger e McDermott em crianas com Transtorno Global do Desenvolvimento/ Paulo Srgio Boggio. 2013. 106 f. : il. ; 30 cm Dissertado (Mestrado em Distrbio do Desenvolvimento) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2013. Referncias bibliogrficas: f. 92-102.

    1. Potencial Relacionado ao Evento. 2. EEG. 3. Autismo. 4. Transtorno global do desenvolvimento. 5. Falsa memria. I. Ttulo.

    CDD 616.898

  • CLAUDIA APARECIDA VALASEK

    Potenciais evocados relacionados Tarefa de Deese, Roediger e McDermott em crianas

    com Transtorno Global do Desenvolvimento

    Aprovada em _______________________________

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Paulo Srgio Boggio Orientador

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Prof. Dr. Emanuel Pedro Viana Barbas de Albuquerque

    Universidade do Minho

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Programa de Ps-Graduao em

    Distrbios do Desenvolvimento da

    Universidade Presbiteriana Mackenzie

    como requisito para obteno do ttulo

    de mestre.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente agradeo a Deus pela vida e por todas as maravilhosas oportunidades que tive

    at hoje.

    Ao meu orientador Paulo Srgio Boggio, no apenas pela possibilidade de realizao deste

    trabalho (desafiador!), mas por todos esses anos de confiana, incentivo, ensinamentos

    cientficos e pessoais que me tornaram uma pessoa melhor. Sinto-me honrada de t-lo como

    orientador.

    Aos meus pais, Snia Gardin Valasek e Claudio Valasek pelo amor incondicional, carinho e

    compreenso dispensados em todos esses anos, desde minha primeira aula no Cantinho do

    Cu at minha escolha profissional. Serei eternamente grata! Amo vocs.

    Agradeo ao Dr. Quirino Cordeiro, Dr. Pedro Shiozawa e a Dra. Mailu Enokibara do Centro

    de Ateno Integrada Sade Mental (CAISM), pela parceria concretizada e por no

    medirem esforos no recrutamento de pacientes (de um perfil to especfico).

    A Dra. Daniela Bordini responsvel pela Unidade de Psiquiatria da Infncia da Universidade

    Federal de So Paulo (UPIA) e a Neuropsicloga Tatiane Cristina Ribeiro por tambm

    colaborarem no processo de recrutamento dos pacientes.

    Ao Svio Ibrahim Viana, que aguentou muitos momentos de descontrole, mas esteve sempre

    ao meu lado, colocando sorrisos em meu rosto e me apoiando para eu continuar nessa

    caminhada. Amo voc!

    A minha av, Miriam da Costa Valasek, por todo seu amor, pensamento positivo, pelos

    jantares as segundas-feiras e suas velas para Nossa Senhora de Ftima.

    A toda equipe do laboratrio que de forma direta ou indireta contribuiu com o trabalho,

    atravs da ajuda na seleo dos participantes, dos momentos de descontrao, dos horrios de

    almoo, dos cafezinhos longos e curtos e das descidinhas para o banho de sol.

    Em especial, agradeo as minhas queridas tartarugas velhas, Nathalia Ischikawa Baptista,

    Ana Carolina Alem Giglio e Olivia Morgan Lapenta pelas conversas, risadas e tambm ajuda

    na elaborao do trabalho. (Ana no tenho como agradecer pela grande ajuda na configurao

    das figuras).

    Agradeo a Camila Campanh pelo apoio tcnico e a Karen Ueki pela companhia e por todas

    as balinhas que ganhei para animar meu dia.

    As minhas queridas amigas, Andra Guerra e Larissa Cangueiro que tambm estiveram ao

    meu lado e me proporcionaram ao menos uma vez por semana almoos deliciosos regados de

    felicidade.

    Aos membros da banca, Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo e Prof. Dr. Emanuel Pedro

    Viana Barbas de Albuquerque, por suas grandes contribuies que possibilitaram o melhor

    desenvolvimento deste estudo.

  • E sem saber que era impossvel, ele foi l e fez.

    Jean Cocteau

  • Apoio:

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo -FAPESP

  • RESUMO

    Nas ltimas dcadas o interesse pela investigao do fenmeno da falsa-memria tem se

    ampliado. Na literatura ainda escasso o nmero de estudos que investigam os componentes

    eletrofisiolgicos subjacentes ao reconhecimento verdadeiro e ao reconhecimento falso,

    principalmente no que diz respeito a crianas e adolescentes com diagnstico de autismo. O

    presente trabalho teve como objetivo analisar as diferenas comportamentais no desempenho

    da tarefa adaptada do paradigma de Roediger e McDermott nos dois grupos e verificar a

    presena de componentes eletrofisiolgicos na fase de reconhecimento. Participaram do

    estudo 15 crianas/adolescentes, sendo 7 de grupo com diagnstico de autismo (mdia 15

    3,6) e 8 de grupo com desenvolvimento tpico (mdia 10,7 2,5.). Resultados

    comportamentais mostram que no houve diferena significativa entre as taxas de acertos por

    reconhecimento da palavra-alvo, erro por falsas-pistas e erro por distratores. Ao contrrio do

    que se esperava essa diferena tambm no foi observada no grupo de crianas com autismo,

    indicando assim que talvez no ocorra neste tipo de tarefa um processamento literal da

    informao. Anlise dos dados eletrofisiolgicos na fase de reconhecimento revelou o

    componente old/new (500-1000ms) que apresenta maior amplitude para reconhecimento

    verdadeiro em comparao ao reconhecimento falso. O interessante verificar que esse

    componente foi observado tanto no grupo de desenvolvimento tpico como no grupo com

    autismo. Alm disso, foi encontrado componente P1 de menor amplitude para rejeio correta

    de falsas-pista em comparao aos outros tipos de acertos. Esse componente parece sensvel a

    discriminao das palavras com associao semntica. Outro componente encontrado e que

    no descrito na literatura para esse tipo de tarefa o componente P2. Dessa forma, este

    estudo pode aumentar o conhecimento sobre as bases neurobiolgicas e comportamentais do

    funcionamento no especialmente no que se refere ao processamento semntico de palavras.

    Palavras-chave: Potencial Relacionado ao Evento, EEG, Autismo, Transtorno global do

    desenvolvimento, Falsas memrias.

  • ABSTRACT

    In the last decades the research interests in the false memory phenomenon have been

    amplified. The number of studies in the literature that investigate the electrophysiological

    components underlying the true recognition and the false recognition is still scarce,

    principally with respect to children and adolescents with autism diagnostic. The aim of this

    study was to analyze the behavioral differences in the performance of the subjects in the

    adapted Roediger and McDermott paradigm task in both groups and verify the presence of

    electrophysiological components in the recognition phase. Fifteen children/adolescents

    participated in the experiment. Seven of the subjects belonged to the autism diagnostic group

    (mean 15 + 3,6) and 8 subjects belonged to the typical development group (mean 10,7 + 2,5).

    The behavioral results showed that there was not a significant difference in the rates of

    correctness on the recognition of the target word, error by critical clue and critical distractor.

    Contrary to what was expected, this difference was also not observed in the children with

    autism. This might indicate that a literal information processing does occur in this kind of

    task. The analysis of the electrophysiological data in the recognition phase revealed the

    old/new component (500-1000ms) that presents higher amplitude for true recognition than for

    false recognition. It is interesting to notice that this component was observed on both typical

    development and autism groups. Moreover, it has been observed the low amplitude P1

    component for correct rejection of critical clues in comparison to other types of correct

    answers. This component seems to be sensible to the discrimination of semantically

    associated words. Another component found but not described in the literature for this type of

    task is the P2 component. Therefore, this study may increase the knowledge about the

    neurobiological basis and the behavioral functioning, especially regarding the semantic word

    processing.

    Key-words: Event-Related Potential, EEG, Autism, Pervasive Developmental Disorder, False

    memories.

  • LISTA DE ABREVIAES

    ARD Acerto por Rejeio do Distrator

    ARFP Acerto por Rejeio da Falsa-pista

    DRM Deese, Roediger e McDermott

    DSM- IV Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders

    EFP Erro por Falsa-pista

    ED Erro por Distrator

    ERP Potencial Relacionado ao Evento (Event-Related Potential)

    EEG Eletroencefalografia

    fRMI Ressonncia Magntica Funcional (Function resonance magnetic image)

    PET Tomografia por emisso de psitrons

    RCPA Reconhecimento Correto da Palavra-alvo

    TEA Transtorno do Espectro do Autismo

    TCLPP Teste de Leitura Silenciosa de Palavras e Pseudo-palavras

    TGD Transtorno Global do Desenvolvimento

    WISC Wechsler Intelligence Scale for Children

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1: EEG de alta densidade.........................................................................................................

    Figura 2: Ilustrao de mapas de atividade cerebral em relao ao nmero e

    disposio dos eletrodos...................................................................................................

    Figura 3: Prancha do subteste Compreenso de Instrues................................................................

    Figura 4: Exemplo dos sete tipos de pares-figura palavra que compe o TCLP................................

    Figura 5: Desenho Experimental: Sequncia de telas apresentadas no teste:

    Fase de memorizao e fase de reconhecimento, respectivamente....................................

    Figura 6: Grfico relativo ao percentual de acerto no grupo controle de

    desenvolvimento tpico......................................................................................................

    Figura 7: Grfico relativo ao tempo de reao para cada tipo de acerto no grupo com

    desenvolvimento tpico.......................................................................................................

    Figura 8: Mapa dos eletrodos selecionados para anlise do componente P1......................................

    Figura 9: Diferena na amplitude de P1 em relao ao tipo de acerto................................................

    Figura 10: Diferena na amplitude do P1 em funo do tipo de resposta...........................................

    Figura 11: Mapa dos eletrodos selecionados para anlise do componente P2................................... .

    Figura 12: Amplitude do componente P2 em relao ao tipo de acerto............................................ .

    Figura 13: Mapa dos eletrodos selecionados para anlise do componente old/new......................... .

    Figura 14: Amplitude do componente old/new em relao ao tipo de acerto.....................................

    Figura 15: Amplitude do componente old/new em relao ao tipo de resposta................................ .

    Figura 16: Grfico relativo ao percentual de acerto no grupo com autismo...................................... .

    Figura 17: Grfico relativo ao tempo de reao para cada tipo de acerto

    no grupo com autismo............................................................................................................ .

    Figura 18: Amplitude do componente P1 em relao ao tipo de acerto

    no grupo com autismo..............................................................................................................

    Figura 19: Amplitude do componente P1 em relao ao tipo de resposta

    no grupo com autismo.........................................................................................................................

    Figura 20: Amplitude do componente P2 em relao ao tipo de acerto...........................................

    Figura 21: Amplitude do componente old/new em relao ao tipo de acerto

    no grupo com autismo.........................................................................................................................

    Figura 22: Amplitude do componente old/new em relao ao tipo de resposta

    no grupo com autismo........................................................................................................................

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  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Amostra de 6 itens-crticos pertencentes a folha de aplicao

    para registro de palavras...............................................................................................47

    Tabela 2: Listas finais geradas para programao no E-prime ..................................................48

  • SUMRIO

    1. INTRODUO........................................................................................................................

    2. REFERENCIAL TERICO.....................................................................................................

    2.1.Falsa Memria.....................................................................................................................

    2.2. Classificao das falsas memrias......................................................................................

    2.3. Modelos tericos e falsa memria.......................................................................................

    2.3.1. Modelo Construtivista.................................................................................................

    2.3.2 . Teoria do Monitoramento da Fonte...............................................................................

    2.3.3. Teoria do Trao Difuso...................................................................................................

    2.3.4 . Teoria da Ativao-monitoramento...............................................................................

    2.4 .Tipos de testes usados na avaliao de falsa memria......................................................

    2.5. Falsa memria e idade........................................................................................................

    2.6. Bases Neurais das falsas memrias..................................................................................

    2.7. Eletroencefalografia e Potenciais Relacionados os Evento...............................................

    2.8. Potencial Relacionado ao Evento, falsa memria e autismo................................................

    3. OBJETIVOS................................................................................................................................

    3.1. Objetivo Geral.................................................................................................................

    3.2. Objetivo Especfico...........................................................................................................

    4. JUSTIFICATIVA........................................................................................................................

    5. MTODO....................................................................................................................................

    5.1. Participantes......................................................................................................................

    5.2. Instrumentos.....................................................................................................................

    5.2.1. Para caracterizao da amostra.................................................................................

    5.2.2. Teste de memorizao e reconhecimento................................................................

    5.3. Equipamento......................................................................................................................

    6. PROCEDIMENTOS...................................................................................................................

    6.1. Aspectos ticos...................................................................................................................

    7. Anlise Estatstica dos Resultados...............................................................................................

    8. RESULTADOS...........................................................................................................................

    8.1 Resultados comportamentais do grupo com desenvolvimento tpico................................

    8.2. Componentes eletrofisiolgicos do grupo com desenvolvimento tpico..........................

    8.2.1. Componente P1......

    8.2.2. Componente P2......

    8.2.3. Componente old/new..................................................................................

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  • 8.3. Resultados comportamentais do grupo com autismo.........................................................

    8.4. Componentes eletrofisiolgicos do grupo com autismo..................................................

    8.4.1. Componente P1......................................................................................................

    8.4.2. Componente P2...

    8.4.3. Componente old/new

    9. DISCUSSO...

    10. CONCLUSO...

    11. REFERNCIAS...

    12. APNDICE......

    A. Carta de Informao a Instituio........................................................................................

    B. Carta de Informao ao sujeito de pesquisa.........................................................................

    12. ANEXOS..................................................................................................................................

    A. Carta de aprovao do Comit de tica...............................................................................

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  • 9

    1. INTRODUO

    O estudo das falsas memrias de suma importncia para diferentes reas como;

    jurdica, psicoterpica e tambm para o entendimento do funcionamento da memria.

    No decorrer de mais de duas dcadas de pesquisas, um nmero reduzido de estudos

    dedicou-se a investigar o fenmeno das falsas memrias em patologias, como por

    exemplo, no autismo.

    Um dos poucos experimentos e talvez por isso o mais conhecido procurou

    investigar as falsas memrias em um grupo com autismo e verificou que a induo de

    falsa memria por associao semntica reduzida, ficando evidente um padro de

    registro mais literal da informao (BEVERSDORF e colaboradores, 2000). Beversdorf

    e cols. (2000), observaram esse padro investigando o desempenho de adultos com

    diagnstico dentro do espectro do autismo em comparao a de um grupo de adultos

    sem autismo em tarefa adaptada de DRM. Os autores verificaram melhor discriminao

    de itens verdadeiros em comparao a itens falsos no grupo com Autismo. Se por um

    lado no formar registros de informaes no existentes parece uma vantagem, por

    outro lado, consolidar informaes apenas em sentido mais literal sinaliza possvel

    alterao na integrao de elementos distintos por meio de suas associaes semnticas,

    ou seja, uma alterao na configurao e desenvolvimento de redes semnticas de

    informao. Em certo sentido, isso culmina em comprometimento na formao de

    conceitos e na compreenso dos elementos abstratos da linguagem.

    Pouco h sobre os mecanismos neurais subjacentes a esse processamento

    diferenciado. interessante notar que esse processamento com caractersticas menos

    semnticas e conceituais descrito nessas patologias, tambm observado em alguns

    pacientes aps traumatismo cranioenceflico frontal ou com o desenvolvimento de

    demncias fronto-temporais em hemisfrio esquerdo, ou mesmo na Doena de

    Alzheimer. Plancher, Guyard, Nicolas e Piolino (2009) investigaram os efeitos do teste

    DRM em adultos jovens, idosos, e idosos com Doena de Alzheimer. Os autores

    observaram uma reduo tanto para recordao de itens corretos (presente na lista da

    fase de memorizao) quanto para recordao de itens semanticamente relacionados

    (mas no presentes na lista de memorizao) para o grupo de pacientes com Doena de

    Alzheimer em comparao aos outros grupos.

  • 10

    Alm disso, os autores verificaram que medidas de funes executivas e

    memria episdica e semntica predizem o desempenho destes pacientes na tarefa DRM

    sugerindo que a criao de falsa memria depende de diferentes funes cognitivas.

    Mais intrigante verificar que em pessoas diagnosticadas como Sndrome de

    Savant, alm de memria mais literal e menos semntica, pode-se observar habilidades

    especiais definidas como ilhas de genialidade normalmente especficas para msica,

    clculos de data, aritmtica e desenho; entretanto, a despeito dessas habilidades, boa

    parte dessas pessoas tem dficits intelectuais e so classificadas dentro do espectro do

    Autismo, uma vez que falhas na interao social e na linguagem tambm podem ser

    observadas.

    Outros estudos tambm passaram a ser conduzidos na investigao dos efeitos

    de determinadas patologias sobre a formao e construo da memria. Nesse sentido,

    quando se observa algumas patologias como o Autismo e a Sndrome de Savant, tal

    fenmeno se diferencia.

    Recentemente, novas tentativas de explicao tm surgido com o uso de

    estimulao cerebral no-invasiva aplicada em seres humanos. Snyder e colaboradores

    (2003), utilizando estimulao magntica transcraniana (EMT) induziu a chamada leso

    virtual temporria em estrutura fronto-temporal esquerda em voluntrios saudveis e

    observou como resultado uma alterao no padro de desenhos pr e ps estimulao. O

    autor discutiu tais observaes como possveis indicativos de que todos seriam a

    princpio capazes de manifestar habilidades como as do Savant, entretanto, estruturas

    cerebrais especficas controlavam a manifestao dessas habilidades no sentido de

    privilegiar outras funes. Mais especificamente, privilegiar a formao de conceitos e

    categorias em detrimento de processar informaes mais especficas, detalhadas e

    literais.

    Com base nessas observaes, Gallate e colaboradores (2009) com o uso de

    EMT resolveram investigar os efeitos em tarefa de DRM. Os autores com EMT

    reduziram o nmero de erros por falsa memria (associao semntica) aps

    interromperem temporariamente (leso virtual temporria) a atividade do lobo temporal

    anterior esquerdo de voluntrios sem nenhum distrbio neurolgico ou psiquitrico em

    tarefa DRM. Desta forma, o comprometimento induzido pela EMT em estruturas

    fronto-temporais de hemisfrio esquerdo comprometeu o processamento

    semanticamente integrado.

  • 11

    Outra tcnica de modulao cerebral no-invasiva tambm vem sendo

    investigada, trata-se da Estimulao transcraniana por corrente contnua (ETCC). Com

    base em estudos recentes (HUMMEL e colaboradores, 2005; BOGGIO e colaboradores,

    2006), esta tcnica tem sido proposta como ferramenta de estudo em reabilitao

    neuropsicolgica e tem se mostrado como uma interessante ferramenta de modulao

    cerebral e, por conseguinte, mais um instrumento a ser utilizado em pesquisas em

    Neurocincia Cognitiva.

    A ETCC consiste em um aparelho que emite uma corrente eltrica de baixa

    intensidade (usualmente aplica-se 1 a 2mA) por meio de eletrodos (nodo e ctodo)

    posicionados superficialmente sobre o couro cabeludo. Os efeitos observados dependem

    do local de aplicao, assim como da polaridade empregada. A aplicao em humanos

    da ETCC de baixa intensidade no crtex capaz de induzir mudanas na excitabilidade

    cortical sendo a direo dessa modulao relacionada polaridade do estmulo:

    estimulao andica aumenta a excitabilidade e catdica diminui. Esta mudana na

    excitabilidade pode ser explicada em funo da estimulao catdica reduzir o disparo

    espontneo de neurnios corticais, devido a uma hiperpolarizao do corpo celular,

    enquanto que a estimulao andica tem um efeito inverso. Tal efeito parece perdurar

    por mais tempo que do perodo do estmulo, dependendo do tempo de aplicao.

    Com base nos estudos sobre falsa memria, a relao desta com patologias como

    autismo e a possibilidade de modulao cognitiva com tcnicas como a ETCC, dei

    incio a uma seqncia consecutiva de 3 projetos com bolsa de Iniciao Cientfica (IC)

    PIBIC/CNPq (2007/2008, 2008/2009 e 2009/2010).

    No primeiro projeto investiguei os efeitos neuromodulatrios da ETCC aplicado

    em crtex temporal de voluntrios saudveis durante execuo do teste DRM. Como

    fruto destes trabalhos, foi inicialmente publicado o artigo cientfico intitulado

    Temporal Lobe Cortical Electrical Stimulation during the Encoding and Retrieval

    Phase Reduces False Memories na revista PLoS One.

    Neste estudo, verificou-se que a modulao bilateral do lobo temporal interfere

    na tarefa de DRM promovendo menor nmero de erros por associao semntica. Ou

    seja, melhora no desempenho literal do teste de memria e reduo da emisso de

    resposta do tipo falsa memria. Alm do teste de falsa memria, foram realizados teste

    de percepo de detalhes e de localizao de erros em figuras e sentenas. Aps a

    estimulao, os participantes que receberam a ETCC bilateral localizaram de forma

    mais eficiente os detalhes e erros tanto em figuras quanto em sentena. Esses achados

  • 12

    somados sinalizam o papel das estruturas estimuladas em habilidades que so

    tipicamente diferentes entre voluntrios com e sem diagnstico de autismo: memria

    tipicamente literal e percepo de detalhes mais eficaz.

    Os achados encontrados levantaram perguntas sobre os padres ou estratgias

    envolvidos na resoluo das tarefas que tiveram seus resultados modulados pela ETCC.

    Isso fez com que no PIBIC 2008/2009 todos os testes foram conduzidos com o uso de

    equipamento de registro e anlise de movimentos oculares (Tobii) buscando uma

    compreenso maior sobre a forma como a ETCC interferiu nos processos perceptuais.

    Com relao ao teste de memria por associao semntica, verificou-se reduo

    de erros durante a ETCC ativa em comparao com a placebo. Assim como em Boggio

    e colaboradores (2006), tais resultados sinalizam o papel central do crtex temporal no

    processamento semntico de informaes. Os efeitos da ETCC vo direo de um

    processamento mais literal das informaes, assim como observado no autismo. Alm

    disso, este estudo traz a informao adicional sobre dilatao de pupila. interessante

    notar que os erros por associao semntica e sem associao semntica podem ser

    diferenciados pelo dimetro da pupila, i.e., apesar dos voluntrios errarem nos dois

    casos, a dilatao da pupila maior nos casos em que o erro foi por associao

    semntica. Aumento do dimetro pupilar est relacionado com processos cognitivos

    como ateno e memria, assim como aumento na demanda cognitiva (SIEGLE,

    ICHIKAWA e STEINHAUER, 2008). Neste caso, podemos levantar como hiptese que

    o aumento do dimetro pupilar nos erros por associao semntica refletem, apesar da

    resposta explcita do sujeito, um conflito cognitivo no processamento das informaes,

    ou seja, no processo de deciso sobre a palavra existir ou no lista.

    J para o teste de percepo de detalhes, foi verificada melhora no desempenho

    durante ETCC ativa em comparao com a placebo. interessante notar que tal

    fenmeno pode ser observado em pacientes com Autismo. O padro de rastreio visual e

    localizao de detalhes mais eficiente nesses casos em comparao com grupos

    controle; por outro lado, a compreenso e reconhecimento dos aspectos mais globais do

    que se est rastreando comprometido (ORIORDAN, 2001). Dessa forma, podemos

    considerar que a ETCC em lobo temporal interferiu em processos perceptuais de busca

    visual. Tal hiptese se soma ao tempo de fixao observado durante a busca; os

    voluntrios estimulados com ETCC ativa fixaram menos nas regies que continham os

    detalhes a serem identificados quando comparados com o grupo placebo. Assim, o

    grupo que mais tempo se fixou foi o que menos localizou os estmulos-alvo que no caso

  • 13

    foi o grupo placebo. Esse fenmeno tambm observado em grupos com autismo; alm

    de melhor desempenho na deteco, a velocidade de execuo maior. Uma questo

    que fica em aberto com relao a esses achados diz respeito ao grau de compreenso

    que os sujeitos estimulados apresentaram sobre o contedo rastreado. Ou seja, assim

    como nos autistas, talvez o melhor desempenho na deteco, em conjunto com uma

    maior velocidade de execuo, esteja acompanhado de uma reduo na compreenso do

    todo.

    Por fim, no teste de deteco de erros em figura, os mesmos efeitos foram

    observados, i.e. o grupo que recebeu ETCC ativa localizou os erros das figuras melhor

    do que o grupo placebo.

    Esses dois estudos preliminares (2007/2008 e 2008/2009) forneceram

    informaes sobre: a) interferncia em teste de DRM; b) interferncia em testes de

    percepo de erros e detalhes; c) estratgias de rastreio visual envolvidas nestas tarefas

    e d) modo como essas estratgias so moduladas pela estimulao cerebral. Esses dois

    estudos, portanto, trazem informaes sobre os efeitos neuromodulatrios em testes que

    envolvem processamento de informao global versus detalhada, literal versus

    semntica.

    No entanto, estes estudos trazem resultados apenas comportamentais (por

    exemplo, desempenho na tarefa de DRM) e informaes gerais sobre estruturas neurais

    envolvidas (o crtex temporal foi estrutura estimulada). Assim, pouco se sabe sobre os

    mecanismos cerebrais subjacentes a estas tarefas. Alm disso, ser que esse padro de

    registro mais literal da informao replicado em crianas e adolescentes? Ser que

    crianas e adolescentes com alto funcionamento apresentam esse desempenho ou pode

    comportamentalmente assemelhar-se ao grupo com desenvolvimento tpico?

    Devido a essas e outras questes que ainda necessitam ser respondidas, a idia

    da continuao do estudo desse tema prosseguiu e com isso surgiu a necessidade da

    criao de um teste de palavras (seguindo modelo do paradigma DRM) adequadas para

    participantes de faixa etria menor. Dessa forma, o primeiro semestre do mestrado foi

    dedicado construo de um instrumento baseado na tarefa DRM para uso sincronizado

    com EEG para, com isso, compreender os potenciais evocados relacionados a esta

    tarefa. A adaptao da tarefa DRM seguiu procedimentos semelhantes aos apresentados

    por Geng e colaboradores (2007) para mensurao concomitante com EEG. Alm disso,

    outro ponto importante que a discusso sobre mecanismos envolvidos na falsa

  • 14

    memria e autismo foram feitos apenas de forma especulativa, pois se basearam apenas

    nos efeitos neuromodulatrios da ETCC em voluntrios saudveis.

    Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo geral investigar as relaes

    entre o desempenho comportamental e potenciais evocados em tarefa de memorizao e

    reconhecimento (baseada no paradigma DRM) comparando crianas e adolescentes que

    se enquadrem nos Transtornos Globais do Desenvolvimento com o grupo controle de

    desenvolvimento tpico. Com isso, pretende-se verificar diferenas e semelhanas tanto

    no aspecto comportamental quanto nos dados eletrofisiolgicos entre os grupos de

    pacientes e um grupo controle de desenvolvimento tpico, para que dessa forma

    possamos replicar ou oferecer novas contribuies nos escassos estudos realizados.

  • 15

    2. REFERENCIAL TERICO

    2.1 - Falsa Memria

    Remembering is not the re-excitation of innumerable fixed, lifeless and fragmentary traces. It is an imaginative

    reconstruction or construction, built out of the relation of

    our attitude towards a whole active mass of organized past

    reactions or experience, and to a little outstanding detail

    which commonly appears in image or in language form. It

    is thus hardly ever really exact, even in the most

    rudimentary cases of rote recapitulation, and it is not at all

    important that should be so. (BARTLETT, 1932)

    Os primeiros estudos demonstrando que a memria poderia ser falsificvel

    foram realizados em crianas pelo pesquisador Binet em 1900 na Frana e

    posteriormente por Stern em 1910 na Alemanha (ROEDIGER, 1996; ROEDIGER e

    McDERMOTT, 1995, PERGHER e STEIN, 2001). J os estudos sobre distores da

    memria envolvendo adultos tiveram incio com Bartlett em 1932. Em um de seus

    experimentos mais conhecidos, Bartlett apresentou uma lenda folclrica indgena, A

    Guerra dos Fantasmas (em ingls The war of the Ghosts) a um grupo de ingleses e

    posteriormente pediu que lhe contassem a estria. Bartlett observou que a mesma era

    reconstruda com base nas experincias pessoais e culturais, de forma individualizada,

    ao invs de ser contada de forma literal. Com base nesses resultados, Bartlett descreve o

    recordar como um processo construtivo, baseado em estratgias cognitivas e esquemas

    previamente conhecidos geral prvio dos participantes (PERGHER e STEIN, 2001).

    Ampliando a reflexo de Bartlett, Sternberg (2008), relata que a memria

    tambm pode ser influenciada por atitudes, informaes adquiridas posteriormente,

    emoes, humores, estados de conscincia e esquemas baseados em conhecimentos do

    passado, caracterizando-se assim como construtiva.

    Basicamente o processamento da memria pode ser dividido em trs operaes:

    codificao, armazenamento e recuperao (BADDELEY, 1998; 2000). A codificao

    refere-se transformao de uma informao sensorial em algum tipo de representao

    que posteriormente ir ser colocada na memria. J o armazenamento como o

    individuo retm a informao codificada na memria. Por fim, a recuperao o acesso

    (output) a informao que foi armazenada. (STERNBERG, 2008).

    Apesar de armazenadas, nem todas as recordaes de uma experincia so

    lembradas com a mesma facilidade. Isso ocorre, pois nossas emoes, humores, estados

  • 16

    de conscincia e outras caractersticas de nosso contexto interno afetam de forma

    evidente a recuperao da memria (STERNBERG, 2008).

    Aps os experimentos de Bartlett, dcadas mais tarde, Deese (1959), apresenta

    seu experimento, no qual os participantes estudavam uma lista de palavras relacionadas

    como, por exemplo, mdico, enfermeira, remdio, etc., onde uma palavra tema, ou

    seja, que estava diretamente relacionada s demais palavras, por exemplo, hospital, no

    era apresentada. Deese observou que os participantes evocavam essa palavra

    semanticamente relacionada, mesmo esta no tendo sido estudada. Com este

    experimento, o pesquisador mostrou que esse tipo de erro denominado intruso, podia

    ocorrer em condies previsveis. Os achados de Deese no ganharam muita ateno na

    poca, porm em 1995, Roediger e McDermott readaptaram o modelo e denominaram

    esse fenmeno de falsa memria. (ROEDIGER e MCDERMOTT, 1995).

    O procedimento de Roediger e McDermott consistiu na apresentao de listas de

    palavras (geralmente oito listas compostas por doze a quinze palavras), sendo que cada

    palavra estava associada a um item-crtico, ou seja, um tema da lista apresentada. No

    final da apresentao das listas, ao ser realizada uma tarefa de evocao livre, comum

    os participantes falarem uma palavra que no havia sido apresentada, mas que tenha

    associao semntica ao tema da lista (ROEDIGER e MCDERMOTT, 1995). Por

    exemplo, o experimentador apresenta uma lista de palavras semanticamente

    relacionadas como: hospital, enfermeira, injeo, remdio, etc. Posteriormente em um

    teste de reconhecimento, os participantes devem julgar quais palavras haviam sido

    vistas anteriormente. Esse teste era composto por palavras-alvo; sendo elas vistas

    anteriormente, como por exemplo, hospital; as palavras que no haviam sido vistas, mas

    que possuem forte associao semntica, como por exemplo, mdico. Esse tipo de

    palavra foi denominado de item crtico ou distrator crtico, pelas palavras apresentarem

    alto grau de associao semntica; palavras distratoras que no foram apresentadas

    previamente, mas tambm so associadas; e por fim, as palavras denominadas de

    distratores no relacionados, que por sua vez, no haviam sido apresentadas e no

    possuem nenhuma relao semntica com as demais, por exemplo, trator,

    Como efeito do paradigma DRM constatvel uma taxa de reconhecimento

    falso de itens semanticamente relacionados ao item-crtico superior a 80%

    (RODRIGUES e ALBUQUERQUE, 2007).

  • 17

    Mas afinal, o que so as falsas memrias? As chamadas falsas memrias foram

    classificadas pelos autores como distores da memria verdadeira, uma vez que se

    remete ao fato de podermos lembrar eventos que no ocorreram, ou recordar situaes e

    fatos de uma forma diferente de como tenham ocorrido na realidade. (ROEDIGER e

    MCDERMOTT, 1995).

    Stein e Neufeld (2001) ressaltam que as falsas memrias no so mentiras ou

    simulaes, mas constituem-se enquanto fenmeno de base mnemnica. Payne e

    colaboradores (1996), explica a distino entre a falsa memria e a mentira. Segundo

    essa explicao, quando uma pessoa mente est consciente de que o fato narrado por ela

    no ocorreu, mas por motivo particular sustenta a estria. O mesmo no ocorre nas

    falsas memrias, uma vez que a pessoa realmente acredita que vivenciou o fato em

    questo.

    De acordo com Mojardn (2008), com base nas investigaes experimentais

    realizadas, pode-se dizer que as falsas memrias no so fenomenologicamente

    diferentes das memrias verdadeiras, uma vez que apresentam muitos detalhes

    especficos que as fazem parecer reais, dessa forma, confundindo-se com as memrias

    verdadeiras..

    Em relao estabilidade das falsas memrias, estudos mostram que as mesmas

    so sustentadas atravs do tempo por perodos semelhantes ou at maiores do que as

    memrias verdadeiras. Em um estudo realizado com crianas, Brainerd, Reyna e

    Brandse (1995), compararam a persistncia das falsas memrias em relao s

    memrias verdadeiras. Crianas foram imediatamente testadas aps fase de estudo e

    uma semana depois. Os resultados indicaram que a persistncia das memrias

    verdadeiras foi equiparada as das falsas memrias.

    Outro experimento que exemplifica a manuteno das falsas memrias no

    decorrer do tempo o de Brainerd e Mojardn (1998). Os autores realizaram estudos

    com crianas e adultos, para avaliar a permanncia da falsa memria com o passar do

    tempo. Os participantes foram avaliados no perodo de 2 e 4 semanas. Os resultados

    mostraram que tanto em adultos como em crianas (6, 8 e 11 anos), no perodo de 2

    semanas as falsas memrias perduraram tanto quanto as memrias verdadeiras..

    Entretanto, no trmino de quatro semanas, a persistncia das falsas memrias foi maior

    do que das memrias verdadeiras.

    Assim, vale ressaltar que as memrias das palavras crticas so menos

    susceptveis passagem do tempo e por isso se diz que o esquecimento dessas palavras

  • 18

    crticas menor do que o esquecimento das palavras que na realidade foram

    apresentadas (CARNEIRO e ALBUQUERQUE, 2010, p.15).

    O interesse crescente no fenmeno das falsas memrias, bem como o nmero de

    estudos que comearam a ser aprofundados, se faz necessrio, uma vez que esse tema

    tem derivaes de aplicao clnica e prtica.

    Por exemplo, no caso do testemunho ocular, o mesmo pode ser considerado

    como parte de aplicao prtica da teoria das falsas memrias. A validade dos

    testemunhos oculares coloca em questo as evidncias da caracterstica construtiva da

    memria. Estratgias que atualmente so utilizadas podem mostrar-se falhas em um

    depoimento. medida que o indivduo solicitado a lembrar do que ocorreu, o mesmo

    feito aps a ocorrncia do evento, fazendo com que uma codificao imagtica seja

    transposta para uma realidade verbal/declarativa. Dessa forma, ocorre uma perda

    substancial de informao, tanto em relao quantidade como a preciso.

    (ALBUQUERQUE e SANTOS 1999).

    H algumas variveis que interferem na codificao e na recuperao da

    informao, como por exemplo, o nvel de ansiedade. A ansiedade presente em uma

    situao de testemunho pode fazer com que o processamento da informao seja

    ambguo, sendo que pode facilitar a codificao de alguns aspectos ou fazer com que os

    mesmos nunca sejam codificados. (ALBUQUERQUE e SANTOS, 1999; STEIN,

    2010).

    Portanto, perguntas dirigidas, solicitao de reconhecimento facial de criminosos

    pelas vtimas, descries de como os eventos ocorreram, podem ser estratgias errneas,

    uma vez que a memria dos acontecimentos que est sendo verbalizada no se

    configura como uma reproduo do que foi presenciado, mas uma reconstruo que foi

    induzida. (ALBUQUERQUE e SANTOS, 1999).

    2.2 Classificaes das falsas memrias

    As falsas memrias podem ser classificadas de duas formas: espontneas e

    sugeridas (implantao de falsa informao). O que as diferencia a forma como elas se

    originam (BRAINERD e REYNA, 1998; STEIN e cols., 2010).

    As falsas memrias sugeridas ocorrem devido a uma distoro exgena, ou seja,

    proveniente de uma informao falsa, acidental ou deliberada que advm do ambiente

    externo ao sujeito e compatvel com a experincia previamente vivenciada. Essa

  • 19

    informao falsa no faz parte da experincia vivenciada pela pessoa, mas de algum

    modo compatvel com a mesma (STEIN e NEUFALD, 2001).

    A outra forma de falsa memria so as autossugeridas, oriundas de uma

    distoro endgena, ou seja, interna ao sujeito. Estas ocorrem quando a lembrana

    alterada internamente, fruto do prprio funcionamento da memria. Com isso, uma

    inferncia ou interpretao pode passar a ser lembrada como parte da informao

    original (PERGHER e STEIN, 2001).

    De acordo com Mojardn (2008), as falsas memrias espontneas so mais

    difceis de serem descobertas, uma vez que nem sempre as evidncias fsicas so

    possveis de identificar.

    2.3 Modelos tericos e Falsa memria

    Alguns modelos tericos e paradigmas surgiram medida que os estudos sobre

    falsas memrias ganharam ateno no comeo da dcada de 70. Os pesquisadores

    buscavam entender o que produziam as falsas memrias, bem como compreender o

    efeito e investigar as condies em que estas ocorriam.

    No presente captulo sero abordadas quatro teorias que buscam explicar como

    ocorre o fenmeno das falsas memrias; o modelo construtivista, a teoria do

    monitoramento da fonte (source monitoring), a teoria do trao difuso (fuzzy-trace

    theory), e teoria da ativao-monitoramento.

    Dentre elas, as consideradas mais promissoras e que tem sido utilizadas nos

    estudos, so aquelas que consideram a ocorrncia de processamentos oponentes e

    paralelos, como por exemplo, a teoria do trao difuso e a teoria da ativao-

    monitoramento.

    2.3.1 Modelo Construtivista

    De acordo com Bartlett (1932), a recordao um processo construtivo, guiado

    por esquemas que as pessoas utilizam para interpretar as situaes vivenciadas. Foi essa

    idia de Bartlett que influenciou os pesquisadores subsequentes que adotaram o modelo

    construtivista.

    Segundo este modelo, a memria um sistema unitrio que se constri a partir

    das experincias que vo sendo vivenciadas no decorrer da vida. Dentro do modelo

    construtivista podemos ressaltar pesquisas de interferncia e de esquemas. Ambas sero

    explicadas adiante. A teoria do esquemas, caracteriza o esquema como estruturas

  • 20

    semnticas do indivduo, as quais armazenam experincia e conceitos de situaes j

    vivenciadas. De acordo com Alba e Hasher (1983), o esquema existente que vai

    determinar a codificao e o armazenamento da informao. O esquema ir filtrar e

    selecionar a informao nova, com o objetivo de torn-la consistente com as

    expectativas e conhecimentos j adquiridos. Por exemplo, em uma prova de memria o

    esquema que existe sobre determinada informao tende a se destacar. No caso de uma

    tarefa como o paradigma DRM, o participante ao estudar a palavra escola, armazena

    seus aspectos particulares (professor, aluno, caderno) em um cdigo unitrio, definido

    por um esquema de conhecimento (por exemplo, estudar).

    Assim, a informao recebida posteriormente armazenada de acordo com

    esquemas conceituais de conhecimento prvio (informaes que j esto construdas

    acerca de algo). Desse modo, nas provas de memria a recuperao da informao

    determinada pela familiaridade semntica que existe entre a informao e os esquemas

    j existentes (MOJARDN, 2008). Essa teoria de esquema busca explicar o fenmeno

    das falsas memrias a partir de princpios como; seleo, abstrao, interpretao e

    integrao.

    O primeiro princpio o de seleo, que est diretamente envolvido com os

    processos atencionais. Assim, quando nos deparamos diante de alguma situao/evento,

    apenas algumas partes dessa situao/evento sero codificadas e armazenadas em nossa

    memria, de modo que o item que for mais similar com o tema central do esquema ser

    mais focado e consequentemente melhor armazenado em detrimento outros aspectos

    (STENBERG, 2008).

    O prximo princpio, a abstrao, se refere ao grau de semelhana do item

    vivenciado ou estudado (no caso dos testes de memria, por exemplo) com as

    informaes armazenadas. Assim, quanto mais parecido o item estudado com o

    prottipo mental (o que j temos previamente armazenado sobre aquele item) mais ele

    sofrer o processo de abstrao, que consiste em detalhes as representaes mentais em

    aspectos distintos. Em contrapartida, o princpio da interpretao enriquece o item a ser

    lembrado, uma vez que acrescenta detalhes de esquemas prvios. Por ltimo, o princpio

    da integrao consiste no processo de assimilao de informao nova com o esquema

    j consolidado. Segundo o autor, essa idia representa melhor os conceitos da teoria

    construtivista, uma vez que compreende que a memria verdadeira e a falsa memria

    so armazenadas na mesma estrutura (STENBERG, 2008).

  • 21

    A teoria dos esquemas tem sua base para explicar estudos sobre falsas memrias

    implantadas, como os realizados por Loftus e Palmer (1974). O estudo Loftus e Palmer

    (1974) mostra o quanto forma de questionamento sobre determinada situao,

    influencia diretamente na resposta que dada. Os autores chamaram esse fato de

    paradigma da falsa informao ou sugesto (em ingls misinformation effect

    paradigm). Neste experimento, aps assistirem um vdeo de um acidente

    automobilstico realizaram uma descrio detalhe sobre o mesmo. Posteriormente era

    aplicado um questionrio que continha uma pergunta sobre a estimativa da velocidade

    que os carros estavam quando se bateram, cujos verbos utilizados diferiam quanto ao

    grau de violncia. Foi observado que a intensidade do verbo utilizado na pergunta sobre

    a estimativa da velocidade que os carros estavam, afetou diretamente a resposta. A

    pergunta A que velocidade os carros se esmagaram? eliciou uma estimativa de

    velocidade maior que a pergunta feita com os verbos, bateram, tocaram,

    colidiram. Alm disso, testados novamente uma semana depois, os participantes que

    foram interrogados com o verbo de maior intensidade responderam sim quando a

    pergunta Voc viu algum vidro quebrado? foi feita, mesmo que no vdeo no havia

    essa cena.

    Outro estudo considerado clssico, realizado por Loftus e colaboradores em

    1979 colocou em evidncia a susceptibilidade das pessoas nas descries de testemunho

    ocular. O experimento consistiu na introduo do paradigma de falsa informao. Neste

    experimento, uma srie de 30 slides foi mostrada, nos quais um carro vermelho

    trafegava por uma rua, parava em um sinal vermelho, virava direita e parecia atropelar

    uma pessoa que atravessava a rua na faixa de pedestre. Posteriormente, os participantes

    tinham que responder a 20 perguntas, sendo que para metade dos participantes algumas

    perguntas tinham informao incoerente com o que realmente havia sido apresentado

    anteriormente. Por exemplo, foi perguntado para um grupo se algum carro havia

    passado pelo carro vermelho enquanto ele parava no sinal de pare, enquanto que para

    o outro grupo a palavra pare foi substituda por preferencial. Na fase de teste

    quando os participantes tinham que recordar a cena original, a maioria que recebeu a

    sugesto da informao falsa, respondeu de acordo com a induo falsa, mesmo sendo

    explicado que recordassem a cena original.

    Pesquisas subsequentes utilizando esse paradigma deixaram evidente que,

    informaes apresentadas depois do evento original podem influenciar a recordao do

    prprio evento.

  • 22

    O primeiro estudo que utilizou esse procedimento com um grupo de 187

    crianas entre 3 e 12 anos de idade foi realizado por Ceci e colabores em 1987. A

    primeira parte do experimento consistiu na leitura de uma histria acompanha por 8

    ilustraes. Posteriormente (no dia seguinte) para metade dos participantes foram

    introduzidas informaes falas a historia narrada. Dois dias aps as crianas tinham que

    selecionar entre quatro imagens, duas que acreditavam terem sido apresentadas

    acompanhando a histria narrada. Os resultados mostraram diferenas significativas no

    desempenho das crianas mais novas e mais velhas, apenas para aqueles que receberam

    a informao falsa sugestionada, sendo que crianas em idade pr-escolar escolherem

    frequentemente as imagens que tinham sido falsamente descritas.

    Portanto, para os construtivistas as falsas memrias surgem porque os eventos

    vividos so influenciados por nossas inferncias e outras elaboraes (esquemas, por

    exemplo), que vo alm da experincia, integrando-se ao evento vivenciado.

    2.3.2 Teoria do Monitoramento da Fonte

    Segundo Johnson, Hashtroudi e Lindsay (1993), a fonte envolve o conjunto de

    processos responsveis pela atribuio de informao sobre a origem das memrias,

    conhecimentos e crenas, ou seja, discriminar o que experincia real do que

    imaginada. Para os pesquisadores, a memria verdadeira para o evento original, assim

    como a memria para a informao posterior, permanece intacta, em sistemas separados

    na memria (STEIN e NEUFALD, 2001). A dificuldade em diferenciar se a fonte da

    informao proveniente do meio externo (informaes perceptuais ou contextuais do

    evento vivenciado) ou do meio interno (informaes sobre operaes cognitivas,

    experincias anteriores) (JOHNSON, HASHTROUDI e LINDSAY, 1993) do origem a

    uma confuso ou erro de julgamento. Nesse sentido, as falsas memrias provm da

    confuso ou erro de julgamento de atribuio da fonte ou origem da memria. Assim,

    quando os processos de monitorizao no falham, os erros so evitados.

    Esses processos podem ser sistemticos, sendo estes lentos e conscientes e

    heursticos, configurados por serem rpidos e automticos, sem conscincia da ao. De

    acordo com Johnson (1995 apud ROEDIGER e cols., 1996), o processo heurstico

    mais propenso a erros por basear-se em aspectos familiares. Em contrapartida, o

    processo sistemtico avalia mais aspectos da informao julgada levando a uma deciso

    mais acurada do fato vivenciado.

  • 23

    Segundo essa teoria, as memrias falsas produzidas a partir do paradigma DRM,

    so originadas da confuso quanto s caractersticas dos associados gerados

    externamente (por associao as palavras apresentadas) com as caractersticas dos itens-

    crticos gerados internamente (por processamento das palavras) em virtude do elevado

    grau de associao dos primeiros com os segundos. (RODRIGUES e

    ALBUQUERQUE, 2007, p.116).

    A teoria tambm prope que as falsas memrias podem diminuir, caso o nmero

    de pistas semnticas seja maior (no caso do paradigma DRM, mais palavras associadas

    com a palavra alvo). Pesquisadores da rea, como Brainerd e Reyna (2002), discordam

    dessa afirmao, bem como acreditam que muitos erros de memrias ocorrem devido

    familiaridade e no a dificuldade de discriminao da fonte.

    Com isso, outras teorias foram sendo desenvolvidas na tentativa de abranger

    melhor o entendimento sobre o tema.

    2.3.3 Teoria do Trao Difuso

    Uma das teorias que mais tm sido utilizadas para explicar a origem das falsas

    memrias a Teoria do Trao Difuso, (do ingls Fuzzy Trace Theory).

    Essa teoria baseia-se no conceito de consistncia temtica, onde o participante

    codifica e aprende o tema central da lista da lista, criando um sistema mnmico para ele.

    (GALLO, 2006).

    De acordo com essa teoria, a memria no um sistema unitrio, mas sim

    flexvel e dinmico, formado por dois sistemas independentes: a memria literal

    (verbatim), e a memria de essncia (gist). Enquanto a memria literal responsvel

    pelo armazenamento da estrutura e detalhes especficos da experincia, a memria de

    essncia uma memria mais ampla que compreende os significados da experincia

    como um todo, o contexto geral da informao armazenada (BRAINERD, STEIN e

    REYNA, 1998).

    Dessa forma, tanto os traos literais quantos os traos de essncia so

    codificados e recuperados separadamente. Devido a essa dissociao, as falsas

    memrias ocorrem quando as memrias de essncia so recuperadas no lugar das

    memrias literais. Por exemplo, durante um teste de reconhecimento esses traos de

    essncia que captam o significado geral das palavras so responsveis pela sensao de

    familiaridade do item-crtico (o qual no era conhecido), aumentando assim a

  • 24

    probabilidade do item-crtico ser reconhecido como j estudado. (BRAINERD e

    REYNA, 2002).

    Semelhante a teoria da ativao-monitoramento, a teoria do trao-difuso postula

    na existncia de dois processos que atuam em direes opostas, sendo o aparecimento

    de falsas memrias atribudo pela recuperao do trao de essncia (como mencionado

    anteriormente), enquanto que a recuperao do trao de especfico reduz esse efeito.

    Em um teste de memria composto por listas de palavras com associao

    semntica, como no caso do paradigma DRM, o reconhecimento correto de itens-alvo,

    pode ocorrer devido a traos de memria literal como de traos de essncia, j o

    reconhecimento de itens-crticos (tambm chamados de distratores crticos) podero

    estar baseados em memrias de essncia, uma vez que a recuperao de traos literais

    leva a correta rejeio dos mesmos (PERGHER e STEIN, 2001).

    Os autores acrescentam que a durabilidade entre os dois tipos de memria

    tambm varivel, sendo a memria literal torna-se mais difcil de ser acessada, em

    contrapartida nota-se que a memria de essncia mais persistente ao longo do tempo.

    (BRAINERD e REYNA, 2004).

    2.3.4 Teoria da Ativao-monitoramento

    Essa teoria originou-se a partir do paradigma DRM e a maioria das pesquisas

    realizadas para consolid-la utilizou o paradigma DRM para explicar a ocorrncia das

    falsas memrias. Dessa forma, essa teoria utilizada na explicao da maior parte das

    tarefas que envolvem listas de associados. A teoria prope que durante a tarefa de

    memria, na fase de codificao das listas, ocorre uma ativao associativa na rede

    semntica, sendo que essa ativao se propagada automaticamente no sistema lxico-

    semntico. (ROEDIGER, BALOTA e WATSON, 2001; ROEDIGER, WATSON,

    MCDERMOTT e GALLO, 2001). Assim, os nveis de ativao originados a partir do

    item-crtico podem levar o participante a ativar outro item que est associado

    semanticamente em decorrncia de um processo baseado na familiaridade que ocorre

    em uma fase inicial do processamento, rpido e pouco preciso o que leva a produo de

    falsos alarmes.(ROEDIGER e MCDERMOTT e GALLO, 2001). Por exemplo, quando

    se ativa um conceito, por exemplo, a palavra fome, propaga-se uma ativao pela rede

    semntica, ativando outros conceitos associados semanticamente, como por exemplo,

    palavra comida.

  • 25

    O nvel de ativao das palavras crticas influenciado diretamente da fora

    associativa existente entre as palavras da lista e os itens crticos. Assim, quanto maior a

    fora associativa entre as palavras estudadas e a palavra crtica, maior ser a

    probabilidade de que se recorde dessa palavra em uma posterior prova de memria

    (CADAVID, BEATO e FERNANDEZ, 2012).

    Carneiro e Fernandez (2010), ressaltam que quando a ativao da palavra crtica

    alta, sua identificao aumenta, originando assim um monitoramento mais eficaz, com

    ndices baixos de falso reconhecimento.

    De acordo com Roediger, McDermott e Gallo (2001), a ativao ocorre

    principalmente na fase de estudo e o monitoramento predominantemente na fase de

    teste, porm podendo tambm ocorrer na fase de estudo. Dessa forma, no apenas os

    processos de ativao, mas tambm os processos de monitoramento intervm na

    produo de falsa recordao. De acordo com Gallo (2010), a ativao do item-crtico

    pode ocorrer tanto na fase de estudo (codificao) quanto na fase de reconhecimento

    (recuperao).

    A monitorizao um processo que permite o acesso fonte de uma

    informao, ajudando assim a identificar se uma palavra foi previamente codificada ou

    se apenas est relacionada com as demais palavras que j foram codificadas. De acordo

    com Johnson, Hastroudi e Lindsay (1993), a fonte de uma informao engloba

    diferentes caractersticas, tais como; perceptual, espacial, temporal, semntica, afetiva e

    processos cognitivos que especificam as caractersticas no momento que adquirimos

    determinada memria.

    Segundo McDermott e Watson (2001), o monitoramento um processo mais

    controlado e consciente, uma vez que reflete a tomada de deciso que ocorre na fase de

    evocao, onde o indivduo deve reconhecer se as palavras foram ou no anteriormente

    estudadas. Esse processo tem a funo de evitar a traduo da ativao em uma falsa

    recordao.

    Em contrapartida, a ativao propicia o aparecimento de falsas memrias, sendo

    que nesses casos, o que ocorre uma falha na monitorizao desse evento e o

    participante confunde a fonte da informao, acreditando que o evento realmente

    ocorreu (GALLO, 2010).

    Gallo (2004) sinaliza que de acordo com essa teoria o que ocorre no paradigma

    DRM que a ativao do item crtico se torna forte ao ponto do indivduo identificar o

  • 26

    pensamento como um episdio de memria nico, uma vez que a associao do item-

    crtico foi sendo acumulada em decorrncia do estudo de diversos itens associados.

    2.4 Tipos de testes usados na avaliao de falsa memria

    Algumas tarefas so normalmente utilizadas para estudar memria, sendo que

    duas principais esto presentes em experimentos de falsa memria; a tarefa de

    recordao e a de tarefa de reconhecimento, ambas classificadas como tarefas de

    memria explcita.

    De acordo com Stein (2010), nas tarefas de recordao o indivduo deve

    lembrar-se espontaneamente de um fato, uma palavra ou item de memria. Um bom

    exemplo de tarefa de recordao so os testes de completar lacunas.

    Outro tipo de tarefa a de reconhecimento, no qual o indivduo seleciona ou

    identifica um item que j foi apresentado anteriormente (STERNBERG, 2008). Assim,

    testes de mltipla escolha so exemplos que envolvem reconhecimento. Os testes de

    reconhecimento permitem um maior controle experimental de variveis, como por

    exemplo, a manipulao do intervalo de tempo entre um estmulo. Alm disso, so

    responsveis pela produo do maior nmero de falsas memrias quando comparados

    aos testes de recordao livre (BRUST e cols., 2010). Este tipo de teste, comumente

    mais utilizado quando h o registro de atividade cerebral.

    Alm disso, em muitos estudos, associado tarefa adaptada ao paradigma DRM,

    utiliza-se o paradigma lembrar/saber (do ingls: remember/know) desenvolvido por

    Tulving (1985). Este paradigma consiste no julgamento (no momento da resposta) das

    palavras que so apresentadas na fase de reconhecimento que podem ou no ter sido

    apresentadas previamente.

    Segundo o autor, a lembrana (remember) se refere ao processamento conceitual

    da informao, enquanto a familiaridade (know) estaria relacionada ao processamento

    perceptual, caractersticas mais gerais da informao.

    De acordo com o autor, esses processos esto correlacionados com a memria

    episdica que se refere recuperao de informaes pessoais que envolvem detalhes

    especficos e tambm com a memria semntica que por sua vez est relacionada

    recuperao de aspectos mais gerais, atemporais.

  • 27

    2.5 Falsa Memria e a Idade

    De Bartlett aos dias atuais, muito se aprendeu sobre a construo da memria

    humana. O registro de informaes passou a ser compreendido muito mais como uma

    construo do que como um registro literal das informaes. Com autores como,

    Roediger e McDermott (influenciados pelos trabalhos prvios de Deese), muito se

    aprendeu sobre estratgias experimentais para testar a construo da memria e mais

    especificamente, a construo de falsas memrias.

    O artigo mais citado no tpico de induo de formao de falsa memria foi

    publicado pelos autores Roediger e McDermott em 1995 citado no captulo 1.1).

    A importncia deste estudo foi demonstrao do que os autores consideraram

    a powerful illusion of memory: People remember events that never happened. A

    partir deste estudo, deu-se incio a uma srie de estudos investigando esse aspecto

    peculiar da construo da memria. Alm disso, muitos pesquisadores buscaram

    compreender o papel do desenvolvimento cerebral, a construo de redes semnticas e

    investigar se esse efeito da relao semntica interferia nos seres humanos de acordo

    com seu nvel de desenvolvimento.

    Na literatura poucos estudos nos ajudam a compreender o padro de produo de

    falsas memrias em diferentes faixas etrias, ainda mais no que se refere aos

    experimentos com crianas, sendo que os resultados encontrados muitas vezes mostram-

    se contraditrios.

    Um dos experimentos mais citados realizado por Howe (2005) comparou um

    grupo de crianas em idade pr-escolar (5 anos) com outro grupo em idade escolar (7 e

    11 anos). O pesquisador observou que crianas mais velhas (11 anos) recordam mais

    informaes verdadeiras e da mesma forma exibem mais falsas memrias que crianas

    de 5 e 7 anos. Foi tambm observado que crianas de 7 anos exibem mais informaes

    verdadeiras do que as de 5 anos, porm a taxa de falsa memria permanece igual.

    De acordo com Howe (2005) e outros estudos realizados, se de fato crianas

    produzirem menos falsas memrias do que os adultos, tambm teriam facilidade em

    rejeit-las. Porm, no foi o que estudos como os de Carneiro e Fernandez (2010)

    encontram. Para os pesquisadores, identificar para posteriormente rejeitar uma

    estratgia utilizada por adultos. Foi observado que as crianas produzem mais falsa

    memria quando identificam o item crtico. Outra questo que no causa efeito em

    crianas como em adultos avisar previamente sobre o efeito do paradigma DRM, ou

    ento aumentar o tempo de exposio das palavras da lista.

  • 28

    Estudo realizado por Brainerd, Reyna e Forrest (2002) verificou o padro de

    falsas memrias em crianas com 5, 7 e 11 anos e tambm com grupo de adultos em

    tarefa de evocao livre. Os resultados mostraram que crianas apresentam menos erros

    por falsa memria em comparao a adultos jovens, revelando assim, um aumento de

    falsas memrias com a idade. Os autores utilizam a teoria do trao difuso para explicar

    seus resultados relacionando o fato de que as crianas provavelmente ainda no

    compem e integram na sua totalidade as informaes de forma semntica, ou seja,

    apresentam dificuldade para extrair o significado geral de qualquer acontecimento.

    A argumentao sobre o aumento das falsas memrias com a idade suportado

    por outros estudos, como por exemplo, de Brainerd e colaboradores (2006). O

    experimento realizado por Brainerd e cols. (2006) evidenciou menor vulnerabilidade

    das crianas pr-escolares ao efeito DRM, comparativamente s crianas em idade

    escolar e aos adolescentes. Nessa mesma direo, outro estudo conduzido por Brainerd

    e Reyna (2007) com crianas de 6, 10 e 14 anos mostrou um aumento de falsas

    memrias com o aumento da idade para as palavras distratoras semanticamente

    relacionadas. J com relao s palavras distratoras no relacionadas esse resultado no

    foi observado.

    Em contrapartida, experimento realizado por Ghetti, Quin e Goodman (2002)

    submeteu crianas de 5 e 7 anos e um grupo de adultos a tarefa de recordao e

    reconhecimento usando o procedimento DRM. Os autores verificaram que crianas com

    5 anos de idade apresentaram taxas maiores de evocaes falsas comparado com que o

    grupos de crianas com 7 anos e com o grupo de adultos, quando calculadas as taxas de

    evocaes relativas, a qual fornece uma indicao do nvel de falsa memria em relao

    ao nmero total de palavras evocadas. Os autores explicam os resultados encontrados a

    partir da teoria de monitoramento da fonte, a qual prope que as falsas recordaes

    ocorrem pela incapacidade de atribuir corretamente fonte da informao no momento

    da evocao.

    Questes metodolgicas como; o tempo de apresentao das palavras, assim

    como o tempo de intervalo de reteno e o nmero de associados por lista, so fatores

    importantes que podem justificar a divergncia entre os resultados encontrados em

    estudos com adultos, porm ainda no so conclusivos para justificar as diferenas

    encontradas nos estudos descritos acima.

    Seguindo essa linha de investigao sobre o efeito de falsa memria em

    diferentes faixas etrias, Carneiro e colaboradores (2007) desenvolveram um

  • 29

    experimento utilizando listas de palavras associadas especficas para crianas. Os

    resultados evidenciaram que assim como adultos, crianas esto propensas ao efeito do

    paradigma DRM quando testadas atravs de listas especficas para a idade. Porm,

    verificou-se que crianas pr-escolares apresentam menos falsas memrias do que

    crianas mais velhas. Tais resultados replicam os achados de Brainerd e colaboradores

    (2002).

    Alm disso, a contribuio trazida por este estudo de que listas especficas para a

    idade de crianas testadas contribuem para a evidncia de que crianas podem

    apresentar nveis mais elevados de falsa memria, nos leva a constatao de que

    habilidades para o processamento de essncia podem no ser to ineficazes como

    postulados anteriormente.

    Paz-Alonso, Ghetti, Donohue, Goodman e Bunge (2008) em um estudo com

    ressonncia magntica funcional relacionada a evento, investigaram mudanas no

    desenvolvimento neural de regies cerebrais associadas com reconhecimento de falsa

    memria ou de itens verdadeiros em pessoas com 8 anos de idade, 12 anos de idade e

    adultos. Os dados comportamentais seguem na direo dos estudos citados previamente

    (adultos acertam mais itens verdadeiros, mas tambm erram mais por associao

    semntica). Com relao ao aumento no reconhecimento verdadeiro, os autores

    associaram mudanas no padro de ativao do lobo temporal medial. J com relao ao

    aumento, em funo da idade, dos erros por associao semntica, os autores

    associaram s mudanas no padro de ativao do crtex pr-frontal ventrolateral

    esquerdo. Os autores tambm observaram alteraes relacionadas idade no crtex

    parietal posterior.

    Ainda em relao as diferenas no reconhecimento verdadeiro e falso entre as

    idades, experimento realizado por Norman e Schacter (1997) investigou a ocorrncia de

    falsas memrias em um grupo de idosos e em grupo de adultos jovens. No primeiro

    experimento realizado, os participantes ouviram uma lista de palavras associadas e

    posteriormente foram submetidos a um teste de recordao, no qual deveriam reproduzir

    exatamente as palavras ouvidas anteriormente. Os autores observaram que as respostas

    emitidas pelos participantes foram compostas de informaes associativas e contextuais,

    sendo que adultos mais velhos so mais susceptveis ao falso reconhecimento do que

    adultos mais jovens. Esse fenmeno foi atribudo ao comprometimento de estruturas

    pr-frontais com o envelhecimento.

  • 30

    Tambm em estudo relacionado produo de falsa memria no

    envelhecimento, Balota e colaboradores (1999) utilizando o procedimento das palavras

    associadas, observaram que o nvel de memrias verdadeiras diminui em funo da

    idade. Alm disso, os autores observaram que os falsos alarmes, ou seja, as falsas

    memrias aumentaram em funo da idade. Resultados semelhantes foram descritos por

    McCabe e colaboradores (2009).

    2.6 Bases Neurais das Falsas Memrias

    Com o avano tecnolgico e desenvolvimento de equipamentos como a

    Ressonncia Magntica Funcional (fRMI), eletroencenfalografia (EEG), tomografia por

    emisso de psitrons (PET scan), a investigao sobre efeitos como o da falsa memria

    passou a considerar, alm das medidas comportamentais, os mecanismos e estruturas

    subjacentes a esse fenmeno.

    Com o uso da tcnica de Tomografia por Emisso de Psitrons (PET scan), o

    primeiro estudo conduzido foi realizado por Schacter e colaboradores., (1996), no qual

    participantes ouviram listas de palavras e posteriormente foram submetidos a uma tarefa

    de reconhecimento visual. Os resultados evidenciaram maior reconhecimento

    verdadeiro, ou seja, palavras que continham na lista de estudo que foram corretamente

    reconhecidas, seguido de falso reconhecimento de palavras crticas e um menor

    desempenho para falso reconhecimento de palavras no associadas semanticamente. Foi

    observada uma ativao no lobo temporal medial esquerdo quando os participantes

    reconheciam as palavras que haviam sido ouvidas anteriormente, bem como as palavras

    crticas. Alm disso, houve maior ativao no crtex auditivo e regies tempo-parietais

    associadas ao reconhecimento verdadeiro quando comparado ao reconhecimento falso.

    Segundo Schacter e colaboradores (1996) outra ativao durante a tarefa de

    reconhecimento pode ser observada. A ativao dorso lateral do lobo frontal direito

    pode estar envolvida com os processos de monitoramento e deciso, uma vez que a

    ativao foi tardia.

    Em experimento utilizando a tcnica de fRMI, Cabeza e colaboradores (2001),

    observaram atividade hipocampal tanto para memria verdadeira quanto para falsa

    memria. Os autores tambm observaram uma ativao no crtex parahipocampal para

    a recuperao correta dos itens. Tal semelhana na atividade do crtex hipocampal e do

    hipocampo tambm relatada por Curran e colaboradores (2000).

  • 31

    Outro experimento realizado por Dennis, Kim e Cabeza (2008) da Universidade

    de Duke buscou investigar os efeitos de tarefas como a DRM no envelhecimento e

    observar as reas ativadas. Os autores verificaram que o declnio no reconhecimento de

    itens verdadeiros encontra-se relacionado por processos mediados pelo hipocampo, ao

    passo que o aumento nas falsas memrias encontra-se relacionado aos aspectos

    semnticos principais mediados pelo crtex lateral temporal.

    Em outro estudo (citado na introduo) utilizando fRMI, Paz-Alonso e

    colaboradores (2008), encontraram que adultos em relao a crianas de 8 e 12 anos,

    possuem uma maior taxa de reconhecimento verdadeiro, observando uma maior

    ativao no lobo temporal medial. Nesse mesmo estudo os erros de associao

    semntica cometidos foi observado mudana na ativao do crtex pr-frontal

    ventrolateral esquerdo.

    Estudo com pessoas que possuem leso no lobo frontal evidenciou que ocorre

    um aumento das falsas memrias quando so comparadas a pessoas saudveis (MELO,

    WINOCUR e MOSCOVITCH, 1999).

    Em relao ativao de regies cerebrais atravs do reconhecimento verdadeiro

    ou falso, estudo realizado por Angel e colaboradores (2012) verificou a diferena de

    idade nos correlatos neurais envolvendo os conceitos de recordao e familiaridade.

    Adultos jovens e adultos mais velhos foram submetidos tarefa de memorizao e

    posterior reconhecimento de imagens atravs do Paradigma lembrar/saber

    (Remember/know) (TULVING, 1965). Em relao s respostas classificadas como

    lembro, ou seja, afirmao da recordao das imagens vistas previamente foi

    observada maior ativao no grupo de adultos jovens no hemisfrio esquerdo, em

    regies frontais, temporais, no crtex parietal e regies parahipocampais. Essa diferena

    na ativao de reas cerebrais entre os grupos se estendeu para o julgamento de sei,

    relacionado familiaridade, que ativou o cngulo anterior bilateral, giro frontal direito e

    giro temporal superior esquerdo. Porm, para os processos de recordao os adultos

    mais velhos recrutaram o precuneus, o que pode estar relacionado compensao ao

    menor recrutamento de reas importante no reconhecimento verdadeiro.

    Em suma, a maior parte dos estudos realizados mostra que para palavras

    estudadas ( palavras-alvo) e palavras semanticamente relacionadas (falsas-pistas) ocorre

    uma atividade cerebral maior quando comparado a palavras no estudadas, sem relao

    semntica. Dessa forma, pode-se entender que o crebro processa informaes

  • 32

    relacionadas e no relacionadas de maneira diferente. Tais diferenas sero descritas nos

    captulos posteriores.

    2.7 Eletroencefalografia e Potenciais Evocados Relacionados a Evento

    As tcnicas eletrofisiolgicas, como a eletroencefalografia (EEG) registram a

    atividade cerebral gerada por populaes neurais em uma escala de tempo de

    milissegundos. Isso ocorre por meio da captao feita por eletrodos fixados no escalpe

    sendo, portanto, uma avaliao no-invasiva (HANDY, 2005).

    Essa tcnica de mensurao da atividade neuronal apresenta grandes vantagens

    quando comparada com tcnicas de neuroimagem como a ressonncia magntica

    funcional (fMRI), ou por tomografia por emisso de psitrons (PET scan)

    principalmente por oferecerem medidas com alta preciso temporal. (MICHEL e cols.,

    2004; MENENDEZ e cols., 2004). Entretanto, as tcnicas eletrofisiolgicas apresentam

    uma grande desvantagem no indicando de forma precisa a fonte geradora no crebro

    daquela atividade coletada, um vez que so coletados atravs de sinais superficiais do

    escalpe. Porm, com o surgimento de equipamentos de EEG com nmero elevado de

    canais (128 e 256 eletrodos), tal cenrio vem sofrendo importante transformao.

    Diversos algoritmos tm sido investigados para, com base em uma coleta de sinal

    proveniente de nmero elevado de eletrodos, resolver o chamado problema inverso

    gerado pelo campo eletromagntico e assim possibilitar uma localizao de reas

    cerebrais geradoras daquele sinal coletado pelo EEG (MICHEL e cols., 2004;

    MENENDEZ e cols., 2004).

    Segundo Menendez e colaboradores (2004), esta a nica possibilidade de

    investigar de forma no-invasiva com uma resoluo temporal precisa, (na ordem de

    milissegundos) o impacto do comportamento na atividade neuronal. Alm disso, a

    preciso temporal permite investigar os processos curtos em que diferentes redes

    neuronais participam durante eventos sensoriais e cognitivos. Dessa forma, estudos

    investigando relaes entre eventos comportamentais e atividade cerebral, que busquem

    localizao temporal e espacial passam a ter novo destaque.

    O uso de EEG voltado para anlise de potenciais relacionados ao evento (ERP)

    tem aumentando em estudos de neurocincia cognitiva uma vez que pode prover

    informaes importantes a respeito do processamento de informao subjacente a

    realizao de diferentes tarefas cognitivas.

  • 33

    O potencial evocado relacionado ao evento (ERP) refere-se atividade eltrica

    de determinadas populaes de neurnios em resposta a exposio de diferentes

    modalidades de estmulos/eventos. Os sinais produzidos e registrados representam uma

    somatria de ativaes locais (HANDY, 2005). Os ERPs so coletados atravs do

    posicionamento de eletrodos no escalpe. Os ERPs so representados por componentes,

    os quais so compostos por uma srie de picos de voltagem, podendo ser positivas ou

    negativas. A nomenclatura usada para a distino entre cada componente se refere a

    polaridade (positiva, representada pela letra P ou negativa, representada pela letra N).

    Atravs de estudos com ERPs, pesquisadores tm buscado fontes de dficits em

    algumas patologias, como por exemplo, no autismo, em que se procura relacionar

    dficits no processamento sensorial com os comprometimentos em sua cognio social.

    (JESTE e NELSON, 2009).

    Figura 1: EEG de alta densidade.

    Os ERPs podem variar de 50 milissegundos (componentes mais precoces) at

    componentes mais tardios, que variam em torno de 600-1000 milissegundos. Segundo

    Banaschewski e Brandeis, (2007), componentes precoces, como por exemplo, o P100,

    esto relacionados com o processamento sensorial bsico, enquanto os componentes

    tardios refletem o processamento perceptual e cognitivo dos estmulos.

    Por fim, com os avanos em modelos matemticos, surge a possibilidade de

    estudar o perodo de atividade cerebral coletado durante tarefa comportamental

    dividindo-o em diferentes mapas de segmentao. A segmentao o processo de

    determinao de perodos de estabilidade nos mapas de representao dos ERPs. Estes

    mapas representam micro-estados funcionais do crebro durante processamento de

  • 34

    informao e a partir desses mapas que se busca estimar as fontes geradoras desses

    micro-estados.

    Figura 2: Ilustrao de mapas de atividade cerebral em relao ao nmero e disposio dos

    eletrodos.

    2.8 Potencial Relacionado ao Evento, falsa memria e autismo

    Estudos comportamentais e de imagem mostram prejuzos no processamento

    semntico de indivduos com transtorno do espectro do autismo. (HARRIS e cols.,

    2006).

    De acordo com Dunn e Bates (2005), tais dficits podem ser observados de

    diferentes modos, como; falha em utilizar a informao semntica com o intuito de

    codificar o material verbal e record-lo posteriormente; tendncia a empregar estratgias

    de ordem sinttica e no na compreenso semntica; falha para interpretar as palavras

    de acordo com contexto semntico e por fim, tendncia a produzir menos prottipos de

    categorias do que normalmente as crianas desempenham em teste de fluncia verbal.

    Estudo realizado pelos autores consistiu na apresentao de listas de palavras,

    para crianas autistas de alto funcionamento com idades entre 8 e 11 anos. As listas

    apresentadas eram compostas por palavras pertencentes mesma categoria e outras

    palavras que pertenciam a outras categorias. No momento da tarefa de reconhecimento

    foram observados dois componentes, N1c e N4. O primeiro N1c, subcomponente do

    N1, reflete o processamento inicial do estmulo auditivo, sendo provavelmente gerado

    no crtex auditivo primrio. J o componente N4, mencionado anteriormente,

    conhecido por ter se mostrado como uma ferramenta para anlise da integrao e

    processamento semntico de informaes.

  • 35

    A anlise do componente N1c mostrou que no houve diferena entra as idades

    com relao ao tempo de resposta e acurcia. Entretanto, a latncia de N1c para palavras

    em categorias foi atrasada em crianas mais novas (8 anos). Em relao ao componente

    N4, no houve diferena entre idades e tambm na diferenciao de palavras dentro de

    categorias e palavras de outras categorias.

    Estudo realizado por Valdizn e colaboradores (2003) procurou avaliar a

    presena do componente N400 em um grupo com autismo e em um grupo com

    sndrome de Asperger. Para isto, foram apresentados auditivamente 40 pares de

    palavras, sendo 20 pares congruentes, ou seja, palavras que apresentavam relao

    semntica entre si, por exemplo, fruta-ma e 20 pares de palavras incongruentes, que

    no apresentavam relao entre si, por exemplo, animal-prato. Os resultados mostraram

    que apesar do componente N400 ser mais negativo em reas fronto-centrais do grupo

    com autismo comparado ao grupo controle, no foram observadas diferenas para a

    interao grupo vs. tipo semntico, demonstrando assim que o nvel semntico

    assemelha-se nos trs grupos. Em relao latncia do componente N400, os autores

    observaram que o grupo com autismo apresenta maior latncia para o componente N400

    (em torno de 526 ms) quando comparado ao grupo com Asperger (424 ms) e ao grupo

    com desenvolvimento tpico (409 ms). Dessa forma, ao contrrio da hiptese inicial dos

    pesquisadores o grupo com autismo apresentou capacidade em discriminar os pares de

    palavras congruentes e os pares incongruentes, demonstrando assim uma sensibilidade

    ao contexto semntico.

    J em relao aos estudos com potenciais evocados e tarefas semelhantes ou

    adaptadas ao paradigma DRM so encontrados poucos estudos, e ainda mais restrito

    os que se referem a investigao no autismo.

    Em indivduos saudveis, estudos de ERP e neuroimagem tm mostrado que

    existe padro de atividade cerebral diferente entre memria verdadeira e falsa memria.

    Um dos primeiros estudos que utilizou o paradigma DRM e o registro de potenciais

    evocados foi realizado por Duzel e colaboradores (1997). No experimento realizado,

    participantes foram instrudos a memorizar as palavras que lhe foram apresentadas

    visualmente. Esta fase foi chamada de fase de estudo. Aps o trmino dessa fase, foi

    realizada a colocao da touca e iniciada a fase de reconhecimento.

    Foi observado um componente fronto-central, por volta de 300-600 ms,

    semelhante por suas caractersticas temporais e espaciais ao N400 que aparece presente

    em estudos de repetio de palavras e que envolvem priming semntico. Porm, a

  • 36

    diferena principal do componente observado ao componente N400 reside na

    longevidade do efeito, pelo menos de trinte minutos, tempo que decorreu do trmino da

    fase de estudo at o incio da fase de reconhecimento. Esse componente observado pelos

    autores est associado ao julgamento saber (Know) do paradigma lembrar/saber

    (remember/know), sendo esse relacionado familiaridade.

    Alm disso, um efeito parietal foi encontrado por volta de 600-1000 ms, cuja

    caractersticas assemelham-se ao componente tardio, late positive component - LPC

    descrito como componente eliciado pelo reconhecimento de palavras repetidas. Dessa

    forma, o componente LPC foi observado associado ao julgamento de lembrar

    (remember) sendo relacionado recordao e no a familiaridade.

    Por fim, foi observado um efeito frontal no hemisfrio direito relacionado aos

    dois julgamentos lembrar-saber tanto para reconhecimento verdadeiro quanto para

    reconhecimento falso.

    Em suma, os resultados mostraram maior amplitude para reconhecimentos

    verdadeiros em relao a reconhecimentos falsos de falsas-pistas. Alm disso, foi

    observado maior amplitude para reconhecimentos falsos de falsas-pistas em relao a

    reconhecimento falso de palavras novas. Por apresentaram padres de atividade

    eltricas diferentes, acredita-se na existncia de processamentos independentes na

    recuperao da memria.

    Em particular, com relao a testes como a tarefa DRM, estudos prvios j

    identificaram trs componentes principais durante reconhecimento de itens falsos. A

    saber, i. um componente da famlia do N400 em funo de sua similaridade com

    potenciais entre 300-500 ms que refletem processamento semntico de informao, ii.

    um componente entre 400-800 ms mais positivo para reconhecimento de itens

    verdadeiros do que itens falsos (talvez relacionado a processamento dedicado a

    percepo de detalhes) sendo chamado de Parietal Old/ New Effect, e iii. Um

    componente tardio entre 800-2000ms. Em todos os casos, o registro e anlise de ERPs

    foi feito apenas durante a fase de reconhecimento.

    O componente FN400 descrito em estudos envolvendo falso reconhecimento.

    Como j mencionado no cap