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366 A PRODUÇÃO TEXTUAL SUGERIDA NO ENEM: REFLEXÕES Cláudia Lopes Nascimento Saito (LETRAS-UEL) Maria Ilza Zirondi ( LETRAS-UEL) RESUMO: Os gêneros textuais, como ações de linguagem vivas e, constantemente, mutáveis realizadas por sujeitos sociais, constituem-se de número e aspecto ilimitado mediante as infindáveis situações, funções e facetas do agir humano. Atrelados aos objetivos da linguística em refletir sobre o uso da linguagem como ferramenta para o desenvolvimento humano (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004), propomo- nos com esse trabalho a apresentar reflexões acerca do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), sob uma visão sóciointeracionista da linguagem (BRONCKART, 1999/2006). Buscamos, assim, debater sobre a produção textual sugerida na Prova (teste empírico da capacidade escrita/ argumentativa) e as atividades de linguagem praticadas na escola. Preocupados com a importância social que reveste o teste, buscamos discutir esse grave problema que circunda, principalmente, o ambiente escolar, o que pode significar iniciativas para revisão e reavaliação dos PCNEM, do material fornecido pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e da própria estruturação curricular elaborada pelas escolas que desenvolvem trabalho com Ensino Médio e, consequentemente, capacidades para os alunos agirem com a linguagem. Palavras-chave: prova do ENEM; produção textual; gêneros textuais.

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A PRODUÇÃO TEXTUAL SUGERIDA NO ENEM: REFLEXÕES

Cláudia Lopes Nascimento Saito (LETRAS-UEL) Maria Ilza Zirondi ( LETRAS-UEL)

RESUMO: Os gêneros textuais, como ações de linguagem vivas e, constantemente, mutáveis realizadas por sujeitos sociais, constituem-se de número e aspecto ilimitado mediante as infindáveis situações, funções e facetas do agir humano. Atrelados aos objetivos da linguística em refletir sobre o uso da linguagem como ferramenta para o desenvolvimento humano (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004), propomo- nos com esse trabalho a apresentar reflexões acerca do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), sob uma visão sóciointeracionista da linguagem (BRONCKART, 1999/2006). Buscamos, assim, debater sobre a produção textual sugerida na Prova (teste empírico da capacidade escrita/ argumentativa) e as atividades de linguagem praticadas na escola. Preocupados com a importância social que reveste o teste, buscamos discutir esse grave problema que circunda, principalmente, o ambiente escolar, o que pode significar iniciativas para revisão e reavaliação dos PCNEM, do material fornecido pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e da própria estruturação curricular elaborada pelas escolas que desenvolvem trabalho com Ensino Médio e, consequentemente, capacidades para os alunos agirem com a linguagem. Palavras-chave: prova do ENEM; produção textual; gêneros textuais.

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Introdução

O presente trabalho é fruto da participação no projeto de

pesquisa“Atividades de linguagem e trabalho educacional” (ALTED), desenvolvido na

Universidade Estadual de Londrina Coordenação: Profª. Drª. Elvira Lopes Nascimento.

Este projeto objetiva, a partir dos pressupostos de base do interacionismo

sociodiscursivo, elaborar materiais para as aulas de língua portuguesa para o Ensino

Básico, que toma como base os conhecimentos sobre gêneros textuais acumulados na

forma de um modelo didático e que fornece os elementos “ensináveis” sobre o gênero.

Esses elementos irão constituir os objetos e objetivos do ensino para a elaboração de

projetos pedagógicos que visem ao ensino/aprendizagem da produção e da leitura de

textos das diferentes esferas de comunicação. Tal pesquisa justifica-se pela importância

social que reveste o ENEM, no Ensino Médio brasileiro da rede pública de ensino,

impõe reflexões sobre a produção textual sugerida na Prova (teste empírico da

capacidade escrita/ argumentativa) e as atividades de linguagem praticadas na escola.

Tendo como perspectiva teórica adotada, vinda da abordagem do interacionismo

sociodiscursivo proposto por Bronckart (1999; 2006), em que sua base epistemológica

faz emergir uma preocupação comum: o estudo das relações entre a linguagem e o

desenvolvimento humano. Nossos objetivos de pesquisa são: Apresentar o plano global

do enunciado de comando da redação do ENEM (estrutura e configuração);discutir o

documento que norteia a realização da prova de redação (Guia do

Participante);examinar duas coleções de livros didáticos de língua portuguesa, destinada

à 3º série do Ensino Médio, distribuídas pelo PNLD.A metodologia de pesquisa de

cunho interpretativo-qualitativo, seguindo a metodologia de desconstrução e descrição

do corpus, proposta por Bronckart (1999; 2006).

1.Pressuposto teórico

Bronckart ( 1996, apud NASCIMENTO, 2006, p.58), define a ação de

linguagem no nível sociológico, como uma porção da atividade de linguagem de um

grupo social (formação discursiva) e, num segundo nível, psicológico, como o

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conhecimento disponível, no organismo ativo, das diferentes facetas da sua própria

responsabilidade na intervenção verbal.

É nesse segundo nível que a noção de ação de linguagem integra as

representações dos parâmetros do contexto de produção e do conteúdo temático, tais

como o agente (locutor, autor, enunciador) as mobiliza quando realiza uma intervenção

verbal. Assim, essas ações estão ligadas à utilização das formas comunicativas que se

encontra em uso numa determinada formação social, isto é, à utilização dos gêneros

textuais.

1.1.O contexto de produção e o propósito comunicativo

O ISD está centrado na questão das condições externas de produção

dos textos, o que provoca um abandono da noção clássica de tipologia textual (narração,

descrição e dissertação) a favor da de gênero de texto. De acordo com Bronckart (2003),

pode- se elencar seis fatores que correspondem às condições enunciativas que

constituem toda produção de linguagem: 1º). esfera de comunicação: o cenário ou

formação social, com suas regras e rotinas interacionais em que o texto circula; 2º)

identidade social dos interlocutores: o lugar social de onde falam os parceiros da

interação. A avaliação que o locutor faz de si mesmo e dos outros quanto às suas

capacidades de ação com e pela linguagem e quanto às suas intenções na interação. Os

traços ou marcas que os interlocutores deixam das imagens que têm de si mesmo e dos

outros nesse contexto particular; 3º) finalidade: o intuito discursivo da interação, ou

seja, o seu propósito comunicativo nessa interação; 4º) concepção de referente: o

conteúdo temático, o referente de que se fala e como é julgado/avaliado nessa situação

de interação; 5º) suporte material: as circunstâncias físicas em que o ato de interação se

desenrola; 6º) a relação interdiscursiva: o modo como se dá o diálogo entre as vozes que

circulam na sociedade: qual é a “voz” que fala em certas passagens do discurso (da

esfera religiosa, da propaganda ou da política), as vozes que emergem se confrontam,

polemizam entre si ou se confirmam. A partir desse contexto de produção, segundo o

autor, o enunciador toma decisões para a seleção do gênero e para a arquitetura interna

do texto que é a sua materialização linguística.

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Schneuwly (1994, p.65) ressalta que dessa operação resultam os

“esquemas de utilização” que vão, desde a escolha do gênero e de sua adequação à

situação, ao tratamento do conteúdo, ao tipo de composição, à relação que instaura com

os participantes da troca verbal, até ao tratamento linguístico que lhe dá o estilo

(elemento constitutivo do gênero). Para o autor, vai ser a partir do esquema de

utilização, que o gênero será adequado ao contexto comunicativo, já que a base de

orientação da ação de linguagem será dada por ele. Esse esquema compreende, então, a

capacidade de integrar as relações do texto com o contexto.

Ao falar ou escrever, de acordo com o lugar social que ocupa (os

papeis sociais que desempenha), o enunciador (o sujeito produtor) sempre tem uma

imagem, opiniões e valores construídos, quer sejam dos destinatários, quer sejam do

tema ao qual se refere – “valoração apreciativa” (cf. BAKHTIN, 1972, p. 87) - em

relação ao interlocutor ou ao tema tratado.

Esses são os parâmetros que constituem a situação imediata de

produção, devendo ser sempre combinados com a abordagem do contexto amplo de

produção, ou seja, as condições sócio-históricas. São essas representações sobre o

contexto de produção que levam o locutor/enunciador de um texto oral ou escrito a

tomar decisões sobre o gênero do texto mais adequado à situação de interação, como

também a escolha das operações discursivas e linguísticas mais eficazes para a sua

textualização.

2.Contextualizando a prova do ENEM

A prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi

desenvolvida pelo Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa (INEP), em 1999, e

elaborada por especialistas com questões, envolvendo situações-problema de maneira

interdisciplinar e a atividade de produção de texto. O seu objetivo inicial era a deque o

aluno se autoavaliasse e a avaliação pelo MEC da qualidade do ensino; propor

modificações no ensino e transformação práticas pedagógicas.

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Sabemos que o foco de testagem da Prova do ENEM em relação à

Língua Portuguesa não se limita apenas à produção textual e questões de múltipla

escolha correspondentes à língua/ linguagens e literatura, ela perpassa esses itens

situando-se na compreensão de leitura da Prova como um todo.

Diante disso questionamos se: 1º) a proposta do ENEM não está sendo

trabalhada nos contextos de sala de aula; 2º) o gênero de texto dissertação e a tipologia

argumentativa não estão sendo ensinados e/ou estudados ou compreendidos pelos

alunos; 3º) os critérios de avaliação contradizem a proposta e não dão possibilidade de

avaliação das pretensões à verdade (relacionadas ao mundo objetivo), das pretensões à

adequação às normas sociais (relacionadas ao mundo social) e das pretensões à

veracidade (quando se trata do mundo subjetivo); 4º) os problemas apresentados ao

candidato estão avaliando competências que não estão sendo desenvolvidas nos

contextos escolares.

Entre as competências exigidas pelo Exame, estão: a) o domínio da

norma culta da língua escrita; b) a compreensão da proposta de redação e aplicar

conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites

estruturais do texto dissertativo- argumentativo; c) saber selecionar, relacionar,

organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um

ponto de vista; d) ter domínio dos mecanismos linguísticos necessários para a

construção da argumentação; e) a elaboração proposta de intervenção para problema

abordado, demonstrando respeito aos direitos humanos.

Dados revelam (INFOENEM, 2013) que as redações realizadas por

alunos do Ensino Médio apresentam ideias conturbadas, complexas em relação à

apresentação do tema, à estrutura do texto (adequação ao gênero de texto dissertação) e

ao desenvolvimento. Também o fato de quase 50% das redações necessitarem de uma

terceira correção sinaliza para problemas que devem ser discutidos, pois podem estar

relacionados às dificuldades de produção escrita apresentadas por esses alunos, pois dos

5.049.248 textos corrigidos apenas 481 redações conseguiram a nota máxima (1.000

pontos).

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2.1. Plano textual global da redação do ENEM

A proposta de redação exige uma nova captura da dimensão textual

que se instituiu para a Prova, assim como, no reconhecimento da infraestrutura textual

pertinente às condições de produção, circulação e recepção real desses textos:

1º) O enunciador solicita a leitura dos textos motivadores que incidirão na descoberta do

tema a ser discutido no texto a ser produzido; 2º) Deverá associar esse tema aos

conhecimentos construídos ao longo de sua formação; 3º) Deverá redigir um texto

dissertativo-argumentativo; 4º) O candidato à avaliação deverá apresentar seu texto na

modalidade formal da língua; 5º) Os comandos ainda exigem o respeito aos direitos

humanos.

Quanto aos conteúdos: Linguagens, códigos e suas tecnologias;

matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências

humanas e suas tecnologias, assim como a elaboração de uma redação. Já quanto ao

plano textual global da prova de redação, a leitura de textos de apoio, tanto verbais

quanto multimodais; o tema associado aos conhecimentos construídos ao longo de sua

formação; a produção de textodissertativo- argumentativo; produzir um texto na

modalidade formal da língua, respeitando os direitos humanos.

2.2. O Guia do Participante (2013)

Os critérios de avaliação da redação do ENEM parecem não ser claros

aos participantes, visto o número baixíssimo de notas na média ou abaixo dela. Na

tentativa de esclarecer esses aspectos e, talvez, tornar claros os critérios estabelecidos

para a redação, o INEP criou um Guia, cujo objetivo é, além de esclarecer aspectos de

avaliação adotados no processo, também, apresentar como seria uma redação

considerada exemplar e responder a dúvidas dos participantes interessados. Logo após

as páginas iniciais de apresentação e do sumário, o Guia do Participante, destinado a

esclarecer dúvidas sobre a redação do ENEM 2013 (MEC: INEP, 2014), traz como carta

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de apresentação ao participante que funciona como diálogo travado entre a instituição

organizadora da Prova (INEP) e seus interlocutores, como podemos ler a seguir:

Para essa análise, vamos nos reportar aos pressupostos do ISD em que

(BRONCKART, 2003) afirma que ao produzir um texto, o agente mobiliza suas

representações em relação ao contexto físico, social e subjetivo que aparecem no Guia

da seguinte maneira:

Contexto físico de produção

Contexto físico de circulação

O lugar físico da produção deste Guia do

Participanteé o INEP (Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira).Desde 2012, no entanto,

o INEP lançou um Guia exclusivo para a

redação no ENEM com objetivos de ser

um veículo de esclarecimento e

compreensão da Prova escrita.

Destinado a todos os brasileiros

concluintes ou que já concluíram o

Ensino Médio desejam concorrer a uma

vaga em universidades, ou maiores que

ainda não completaram a Educação

Básica e que desejam o diploma de

conclusão do Ensino Básico.

Contexto sócio-subjetivo de produção

Contexto sócio-subjetivo de circulação

Os emissores são os organizadores da

Prova e a carta assinada pelo

representante e responsável maior pelo

Exame, o então Presidente do INEP Luiz

Cláudio da Costa, que fala em nome de

um grupo de pessoas. Esse grupo forma

uma comissão responsável pelas decisões

e por organizar o Exame em todas as

suas dimensões. O objetivo dessa

interação proposta pelo Presidente do

Os interlocutores deste Guia do

Participante são todos os participantes

que desejam usar as suas notas para o

processo seletivo do Sistema de Seleção

Unificada (Sisu), para vagas em

universidades e institutos federais que

adotaram o sistema. O Enem também é

usado para o candidato pedir bolsa de

estudos pelo Programa Universidade para

Todos (Prouni), solicitar benefícios do

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INEP é estabelecer um diálogo com os

Participantes.

Programa de Financiamento Estudantil

(Fies), o Sistema de Seleção Unificada da

Educação Profissional e Tecnológica

(Sisutec), o Ciências Sem Fronteiras e

obter certificado de conclusão do Ensino

Médio..

Esses recursos linguísticos tornam-se estratégias enunciativas, desta

forma, recursos linguístico-discursivos e enunciativos, que fazem emergir as vozes

sociais e da instituição governamental responsável pelo sucesso e bom andamento da

Prova.

As vozes que emergem dizem respeito ao próprio trabalho

desenvolvido pelo INEP. Há uma busca por ofuscar as ações malsucedidas da Prova –

como vazamento de questões, correções insuficientes etc. Porém, o presidente não

chama a responsabilidade apenas para o grupo e reforça a importância de seu trabalho

dividindo-o com outras instâncias da educação como a equipe da Diretoria de Avaliação

da Educação Básica (DAEB) e por especialistas na área de avaliação de textos escritos.

Por fim, apresenta os objetivos desse trabalho como que atendendo ao apelo da

sociedade para que sejam esclarecidos os critérios avaliativos da redação do ENEM que

tanta polêmica causou no ano anterior. No quadro a seguir, apresentamos o plano

textual global do “Guia do Participante 2013”:

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2.3. O livro didático de Língua Portuguesa

Rojo (2010) chama a atenção para o fato de os livros didáticos (LD)

voltarem- se para os letramentos dominantes, aqueles institucionalizados, formalizados

e padronizados pela escola, as igrejas, o local de trabalho, o sistema legal, o comércio, a

burocracia, o que envolve agentes como professores, autores de LD, especialistas e se

distinguem dos letramentos locais “vernaculares (ou autogerados) ”que têm sua origem

na vida cotidiana e nas culturas locais (ROJO, 2010).

Os Novos Estudos de Letramento, enfatizados pela autora, têm se

voltado para as novas tecnologias da comunicação e da informação (NTIC). Porém, o

LD tem sido considerado um das ferramentas mais utilizadas em contextos de ensino

(ROJO, op.cit.).

Apresentaremos como dois dos LD mais usados da região de Londrina

organizam as práticas de letramento que recairão sobre a produção de texto do ENEM.

Os livros selecionados, “Português linguagens: literatura – produção de texto –

gramática” (CEREJA; MAGALHÃES, 2010) e “Língua Portuguesa: linguagem e

interação” (FARACO; MOURA; MARUXO JR, 2010), Volume 3, destinado ao 3ª

série do EM, pois, predominantemente, nessa série se concentram os gêneros de textos

de base tipológica argumentativa.

Em nossa análise, verificaremos como o gênero escolar dissertação a

tipologia textual, argumentativa são abordadas nestes livros. assim como,. Portanto,

como é tratado o gênero de texto dissertativo-argumentativo.

No quadro a seguir, buscamos sintetizar como os dois LD, anteriormente

citados, tratam da veiculação tanto do gênero (dissertação) quanto da tipologia

(argumentativa):

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Aspectos

abordadosno ld

sobre o gênero

dissertativo-

argumentativo

Português linguagens: literatura

– produção de texto – gramática,

vol.3 (CEREJA; MAGALHÃES,

2010)

Língua Portuguesa:

linguagem e interação,

Vol. 3 (FARACO;

MOURA; MARUXO

JR, 2010)

Plano geral LD

O LD é dividido em unidades que

partem de temáticas relacionadas à

literatura e cada unidade em

capítulos referentes à produção de

textos, interpretação de textos,

intervalo (sobre vestibular),

intervalo (sobre projetos).

O LD é dividido em

unidades que se

subdividemem capítulos

que apresentam um

gênero de texto

específico; atividades

“para entender o texto”;

as palavras no contexto;

gramática textual;

literatura: teoria e história;

linguagem oral; língua:

análise e reflexão; prática

de linguagem;produção

escrita.

Capítulos em que

são trabalhados o

gênero textual

dissertação

Unidade 4 – Capítulo 2 – O texto

dissertativo-argumentativo;

Unidade 4 – Capítulo 5 – O texto

dissertativo-argumentativo: o

parágrafo

Unidade 4 – Capítulo 11 –

A dissertação em prosa

Capítulos em que é

trabalhada a

tipologia textual

argumentativa

Unidade 2 – capítulo 5 – As cartas

argumentativas de reclamação e

solicitação.

Unidade 3 – capítulo 2 – O debate

regrado público: estratégias de

contra-argumentaçãoe capítulo 5 –

O texto argumentativo: a seleção

de argumentos.

Unidade 4 – capítulo 10 –

Correspondência formal

argumentativa; capítulo

11 – A dissertação em

prosa e capítulo 12 – O

discurso político – as

orações coordenadas e

subordinadas na

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Unidade 4 - Capítulo 2 – O texto

dissertativo-argumentativo e

capítulo 5 – O texto dissertativo-

argumentativo: o parágrafo.

elaboração dos textos

argumentativos.

Plano geral dos

capítulos referentes

ao gênero

dissertativo-

argumentativo

Ocapítulo 2 trata da produção de

texto, nesse caso específico do

texto dissertativo-argumentativo.

Em um primeiro momento com

aspectos e atividades relacionados

ao gênero e depois com a produção

do texto dissertativo-

argumentativo lançando um

questionamento e textos sobre um

tema para coleta de informações.

Depois apresenta uma proposta de

discussão “opinando e debatendo”

com várias perguntas relacionadas

ao tema para debate e, por fim, a

produção do texto escrito e um

quadro indicando aspectos que

podem servir para o aluno avaliar o

próprio texto.

O capítulo 5 segue mais ou menos

a mesma estrutura, mas agora o

foco são os tipos de parágrafos do

texto dissertativo-argumentativo e

são propostos alguns exercícios

relacionados e novosdados para

cumprir a proposta de produção de

texto.

O capítulo 11 –A

dissertação em prosa –

traz no texto 1um

exemplo de dissertação, e

atividades relacionadasà

compreensão do texto. No

tópico gramática textual

trabalha compercursos

argumentativos e formas

de raciocínio. Traz

aindatextos relacionados

às tendências

contemporâneas da

literatura brasileira. Nas

páginas 213 a

218apresenta proposta de

atividades orais, análise e

reflexão da língua.

Somente na página 318 é

retomada em práticas de

linguagem a relação entre

a argumentação, a

modalização e as orações

subordinadas

substantivas e a proposta

de produção escrita.

Plano textual global dos LD: Cereja; Magalhães (2010) e Faraco; Moura; Maruxo Jr

(2010)

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Embora os LD apresentados tratem do tema (dissertação-

argumentação), as atividades oferecidas por ambos os livros parecem ser insuficientes.

Além disso, se esses forem os únicos mecanismos para ensinar tanto o gênero quanto a

tipologia, parece que isso não irá capacitar aos alunos para a Prova, pois, nem mesmo,

são discutidas as competências e muito menos são suficientes para desenvolvê-las,

quando levamos em consideração o ensino de um gênero textual sob uma concepção

sociointeracionistada linguagem (BRONCKART, 2003).

Como podemos observar pelo plano geral proposto pelos LD, os

capítulos, referentes a cada unidade, não trabalham os aspectos relacionados à leitura

(compreensão e interpretação e literatura), os tópicos de gramática e análise linguística e

a produção de textos, de maneira interligada/integrada, mas como fatos linguísticos

isolados, contrariando os novos princípios para ensino da língua/linguagem.

Considerações finais

As conquistas propostas pelo ENEM não representam,

necessariamente, a melhoria do ensino e da forma como se aprende, embora o Brasil

tenha estabelecido metas educacionais que estão promovendo transformações

significativas no cenário educacional brasileiro, mas que revelam que não estamos

alcançando qualidade educacional, principalmente, na leitura (PISA) e na escrita

(redações do ENEM e provas de diferentes vestibulares).Os critérios de avaliação da

redação do ENEM parecem não ser claros aos participantes, visto o número baixíssimo

de notas na média ou abaixo dela.Os enunciados de comando do ENEM propõem

objetivos diferentes dos trabalhados em sala de aula, assim, o estudante deve reconhecer

e compreender, por meio da proposta, o texto gerador da questão e a prática social que o

motivou. O contexto de produção da questão (nesse caso da proposta de redação) exige

uma nova captura da dimensão textual que se instituiu para a prova, assim como, no

reconhecimento da infraestrutura textual pertinente às condições de produção,

circulação e recepção real desses textos.

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Na escola, geralmente, a produção textual ocorre dissociada de

qualquer contexto comunicativo constituindo, na maioria das vezes, em instrumento de

avaliação utilizada pelo professor. Os alunos pouco sabem sobre as temáticas

decorrentes da falta de leitura e de conhecimento dos temas e discussões atuais.Há

dificuldades em arrolar os aspectos relacionados a dimensões cognitivas, sociais e

ideológicas para ação de linguagem a ser empreendida na produção do texto.

O LD tem sido considerado uma das ferramentas mais utilizadas em

contextos de ensino, segundo dados do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional

(INAF) e é por meio da coletânea de textos do LD que podem ocorrer os eventos de

letramentos (ROJO, 2010). A prática da produção da dissertação escolar é praticamente

exclusiva no Ensino Médio, os alunos exercitam uma forma escrita que raramente

dialoga com outros textos e/ou com vários autores. Desta forma, a escrita torna-se um

trabalho nulo de função, destituído de qualquer valor interacional, sem autoria e sem

recepção.

As atividades oferecidas pelos livros didáticos analisados parecem ser

insuficientes para ensinar tanto o gênero quanto a tipologia, parece que isso não irá

capacitar aos alunos para a Prova, pois, nem mesmo, são discutidas as competências e

muito menos são suficientes para desenvolvê-las.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, M /VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da Linguagem. Problemas

fundamentais do Método Sociológico na Ciência da Linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara F. Vieira. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 1995. BRONCKART, J. P. Atividade de Linguagem, Textos e Discursos: por um interacionismosociodiscursivo. 2. ed. Trad. Anna Rachel Machado e Pericles Cunha. Sao Paulo: EDUC. 1999. ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. ZIRONDI, M. I. Um debate sobre a produção textual sugerida no ENEM e as atividades de linguagem praticadas na escola. Entretextos, Londrina, n. 6, p. 123-133, jan/dez. 2006. ____________; NASCIMENTO, E. L. Prova do Enem: o impacto de um gênero textual

no ensino médio. Anais do III SIGET, ISSN: 18087655 – III Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais – UFMS, Santa Maria, RS: 2006. ____________. Desvendando aspectos de linguagem no ENEM: uma contribuição para o processo educacional brasileiro. Dissertação (Mestrado EM Estudos da Linguagem) – Universidade estadual de Londrina, 2007.