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Claudio Binatti passeando na Avenida Boiadeira A tibaia também teve a sua Avenida Boiadeira por onde passavam bois e passavam boiadas. Tudo igual como canta a canção tão marcante, tão dolente e comovente, que tem esse nome e já vem de espora e bombacha para entrar na emoção do caboclo que está em cada um de nós e faz chorar. Feliz quem viu o que já não existe mais. As boiadas de hoje andam de trem, caminhões, navios. A boiada da saudade ficou num passado.

Claudinho Binatti

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Atibaia também teve a sua Avenida Boiadeira por onde passavam bois e passavam boiadas. Tudo igual como canta a canção tão marcante, tão dolente e comovente, que tem esse nome e já vem de espora e bombacha para entrar na emoção do caboclo que está em cada um de nós e faz chorar. Feliz quem viu o que já não existe mais. As boiadas de hoje andam de trem, caminhões, navios. A boiada da saudade ficou num passado.

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ClaudioBinatti

passeandona Avenida BoiadeiraAtibaia também teve a sua Avenida Boiadeira por

onde passavam bois e passavam boiadas. Tudo igual como canta a canção tão marcante, tão dolente e comovente, que tem esse nome e já vem de espora

e bombacha para entrar na emoção do caboclo que está em cada um de nós e faz chorar. Feliz quem viu o que já não existe mais. As boiadas de hoje andam de trem, caminhões, navios. A boiada da saudade ficou num passado.

“Eu acho que sou o último boiadeiro por aqui”, conta Clau-dio Binatti, 64 anos, filho de Ernesto Binatti e Ema Petruc-ci Binatti. Marido de Durvalina Aparecida Magro Binatti, a Tata, e pai de Juliana Claudia, Joseane Tais e Joice Sabrina. Uma futura jornalista, uma nutricionista e uma bancária.

Sustenta que havia um monte de boiadeiros na cidade. “Eu era criança e a gente trazia bois lá da serra para matar e entregar para os açougues”, lembra. Vinha montado em cavalo em pelo, pois nem arreio possuía. Ou, às vezes nem isso, tocava gado a pé mesmo aos 8, 9 anos. A família tinha uma fazenda lá perto da Grota Funda. “Um dia meu cunha-do comprou um açougue e meu pai virou açougueiro. Era na Clóvis Soares. Logo no começo da rua.”

Claudinho se põe a falar feito uma disparada de gado. “Falar da minha vida? Bobagem. Não tem quase nada para contar...” Tem sim. E muito. Ele viveu a Atibaia que era um nada. Mato para tudo quanto é canto. Calçamento só lá em cima, no centro. “Era quase tudo fazenda. Eu sou do tempo em que os açougueiros penduravam a carne naqueles gan-chos presos na parede. Nem geladeira tinha. Nem precisa-va, porque a carne era quase toda vendida no ato.”

Ele nasceu lá mesmo na Grota Funda. “Não tinha força, não tinha energia elétrica, era luz de lampião. Somos três irmãos homens e uma mulher. Nascemos lá, numa tapera, uma casa de barro.” A tradição da família sempre foi lidar com bicho, gado, cavalo. “Isso vem do meu bisavô, dos meus avós, tudo tinha criação. Quando a gente subiu mais um pouco eu comecei a entregar leite nas casas. Calça curta e nem chinelo para calçar. Descalço mesmo. Chão de terra, fogão de lenha, varal pendurado com linguiça e toucinho. Carne seca.” Claudinho fala e deixa a gente com água na boca e saudade no peito e na alma.

Pão era só amanhecido. “Minha mãe vinha entregar alfa-ce que ela plantava. Vinha a pé, daquela lonjura, lá da Gro-ta até aqui. Carregava a alface numas cestas de taquara. Se

compensava? Naquele tempo não se tinha dinheiro, qual-quer coisa ajudava. Com o dinheiro minha mãe comprava o pão. Que ficava amanhecido, mas a gente comia....” Claudi-nho se emociona.

A família mudou para o Alvinópolis por causa do açougue e ele já tinha uns 8 anos. “Andava atrás de barbatimão, uma planta. Usada nos curtumes para curtir couro de boi e vaca. E também serve como santo remédio para curar feridas de gado e gente. Tirava a casca da árvore, deixava secar e vendia para o curtume. Vinha gente de Sorocaba para com-prar.” Claudinho viaja na memória conta e ensina a vida do campo quando precisava coragem e força para fazer tudo.

O bairro do Alvinópolis era praticamente um campo aberto. Claudinho gastava o pouco dinheirinho compran-do besteirinhas. Um dia o Alvinópolis foi loteado por Clóvis Soares, figura tradicional da cidade, casado com uma das fi-lhas do Major Alvim.

Claudinho estudou até o quarto ano primário. “Meu irmão mais velho foi trabalhar na fábrica, na fiação. Eu cheguei até a “bater tijolo” numa olaria. Além de lustrar sapatos, e fazer bicos.” Progrediu alugando cavalos para turistas. Ficava na estância Lince, no Jardim dos Pinheiros e no Edmundo Za-noni. “Naquele tempo tinha uma piscina lá e o povo ia. Os cavalos eram do meu irmão. Eu ganhava um doce, um agra-do e só. Um dia meu irmão me deu uma égua. Cresci mexen-do com gado e cavalos.”

Trabalhou em selaria, aprendeu a fazer sela. “Foi meu único emprego fixo. Fiquei lá uns 20 anos. Juntava dinhei-ro e ia comprando meus bichos. A gente soltava tudo para pastar lá no Jardim Imperial, que era do sr. Matuoka, que depois loteou tudo.”

Mesmo sem ter tanto gado assim Claudinho começou a tirar leite para vender. “Eu comprava o leite e entregava na cidade. No começo ia com dois garrafões embaixo dos bra-ços e entregava em vários lugares, um sacrifício. Pegava o

leite lá na Chácara Brasil e distribuía no Alvinópolis. Ia e voltava uma porção de quilômetros. Depois comecei a en-tregar com uma Vespinha. Aí eu comprei uma carroça. Pas-sei para duas carroças e já entregava o leite em litros. Com-prei uma Kombi e cheguei a distribuir 1600 litros de leite por dia na cidade. Era muito trabalho.”

Ele diz que a mãe ajudou muito. “Fui guardando dinhei-ro e comprando vaca. Um dia comprei um terreno no Jar-dim Cerejeiras. Fiz minha casa. E comprei uma cantina lá na vizinhança. É lá que eu moro até hoje, é lá que funciona a Cantinalândia, tocada pela minha mulher e pela minha filha. Minha filha é nutricionista formada. Elas entregam marmitas naquelas redondezas. Virou um bom restaurante servindo comida da boa. As duas estão se dando muito bem. Não parece, mas isso já faz trinta anos.”

Mas é hora de Claudinho falar do seu sítio, seu rincão, que fica no bairro da Ressaca, às margens da Rodovia Dom Pe-dro. “Tive muita sorte. Comprei do Orlando Ferro, um su-jeito maravilhoso. Facilitou tudo para mim. Era um brejo só. Dois alqueires de brejo. A gente foi tratando e ficou essa beleza.” E põe beleza nisso. Tem boi, tem vaca, cavalos, tem até um jumento no sítio. E ele urra. Claudinho diz que o ju-mento é seu amigo e o urro é o som que bate em seu peito e provoca saudades. E para isso tem até galinhas de angola que ficam piando o dia inteiro. “Brincam com a minha emo-ção. Faz um bem enorme para a alma.” Seus olhos ficam marejados... Já tem mais de vinte anos que Claudinho foi construindo cocheiras, um tipo de haras, um recanto bem caboclo. “Só guardo meus cavalos, um pouco de boi e vaca. Tem uma arena lá na frente. A gente usa para treinar os bois e os peões. Daqui já saiu um campeão brasileiro de monta-ria, o Edmundo Gomes. Já virou internacional, montando boi bravo lá fora. Ele dá aulas na nossa arena...”, orgulha-se.

Não nega sua saudade da vida de boiadeiro. “A gente trata de boi, cuida de boi como cuida da mãe da gente. A gente

tem amor por isso.” E se emociona.Ele lembra que há muito tempo seu amigo Dito Prado co-

meçou a fazer uma romaria para Pirapora. “Ano que vem nossa romaria vai fazer cinquenta anos, virou tradição. Eu fui em mais de 27 romarias em 27 anos. Depois passei o car-go de organizador para outras pessoas para continuar a tra-dição”, diz.

Faz questão de atender todos os romeiros que fazem pa-rada em seu sítio. “Não cobro nada, faço por prazer. Eles chegam, vem com um caminhão trazendo todos os “apre-paros”, carne, comida e tudo, fazem churrasco, descansam, dormem e no dia seguinte vão embora. Fiz um barracão para eles ficarem, com chuveiro, banheiro, tudo o que pre-cisa. Vem gente de várias cidades e de outros Estados. Os animais são bem tratados. Vem até veterinário”, pondera. “Sabe porquê não cobro nada?” – pergunta. E responde a galope: “Porque Deus já pagou tudo pra mim. Ajudou o me-nino que tirava leite e andava descalço sem nem um chinelo para usar a chegar até aqui.” A emoção viaja nos seus olhos. E cresce quando conta que a filha, que está concluindo o curso de Jornalismo, está escrevendo um livro sobre cava-los. “Vai falar sobre a Cavalhada, que já se transformou em tradição aqui em Atibaia e sempre sai daqui, do meu sítio”, explica.

São dois mil ou mais cavalos que saem do sítio do Claudi-nho Binatti todos os dias 26 de dezembro e passeiam pela cidade numa Cavalhada que já virou tradição. Vai ver é sau-dade. A Cavalhada revive nas ruas as Avenidas Boiadeiras que Atibaia já teve... ■