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Claudio Galvão - guiadeturismoblog.files.wordpress.com · Centenário da valsa Royal Cinema . Coordenação Gráfica: Valmir Araújo Capa: Gilvam Lira Fotos do texto: Claudio Galvão

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Claudio Galvão

A DESFOLHAR SAUDADES

Uma biografia de Tonheca Dantas

1998

Cem anos do nascimento de Felinto Lúcio Dantas

Cem anos do nascimento de Luís da Câmara Cascudo

Cem anos do nascimento do poeta Edinor Avelino

Cem anos que Tonheca partiu de Carnaúba dos Dantas

1999

Quarto centenário da fundação de Natal

2013

Centenário da valsa Royal Cinema

Coordenação Gráfica: Valmir Araújo

Capa: Gilvam Lira

Fotos do texto: Claudio Galvão

Digitação: Claudio Galvão

Revisão: Claudio Galvão/Angélica Sousa

Editoração Eletrônica: Edenildo Simões/Alane

Lobato/Claudio Machado

Digitação Eletrônica das partituras musicais: Claudio Galvão

Desenho da capa e aquarelas do texto: Gilvam Lira

Galvão, Claudio

D192d A Desfolhar Saudades - Uma biografia

de Tonheca Dantas / Claudio Galvão.

Natal (RN): Departamento Estadual de

Imprensa/Gráfica Santa Maria, 1998.

n° de páginas: 258 .

1. Dantas, Antonio Pedro, 1870-1940

Biografia 2. Dantas, Antonio Pedro, 1870-

1940 - Músico. 3. Tonheca Dantas, pseud. de

Dantas, Antônio Pedro. I. Título.

FJA/BPCC 98-15 CDD 927

fcbs

Esta publicação em formato eletrônico contou

com o apoio do

Grupo Vila

Cooperativa da Música Potiguar

Prefeitura do Natal

Programa Djalma Maranhão

Para a redação deste livro, o autor pesquisou em velhos

jornais, acervos públicos e arquivos de instituições militares.

Foram entrevistados familiares do compositor, pessoas

que o conheceram pessoalmente e outras que ouviram contar

fatos a seu respeito.

Para a transcrição desses fatos, procurou-se respeitar o

conteúdo das informações incluindo-se – no máximo – um ou

outro diálogo.

A vasta gama de fatos que são relatados,

principalmente no interior do Estado, confirmam a

popularidade e a constante lembrança que ainda se guarda de

Tonheca Dantas.

FELINTO LÚCIO DANTAS (Carnaúba dos Dantas, 23 de março de 1898 – 11 de setembro de

1986), Seridoense, glória da música do Rio Grande do Norte, em

homenagem pelo seu centenário de nascimento.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO/DEDICATÓRIA...................................... 8

LIVRO PARA SE OUVIR COM PRAZER ......................... 11

AS RAÍZES SERTANEJAS ................................................... 14

UMA FAMÍLIA DE MÚSICOS .......................................... 224

UMA INFÂNCIA FELIZ ....................................................... 31

OPTANDO PELA MÚSICA ................................................ 366

COMEÇANDO EM NATAL ................................................. 41

MUDANÇAS DE VIDA........................................................ 477

RUMO AO SUL .................................................................... 499

RUMO AO NORTE .............................................................. 511

BELÉM DO PARÁ ............................................................... 544

ORGANIZANDO A VIDA ................................................... 566

PROCURANDO TRABALHO ............................................ 588

RENOVANDO AS ESPERANÇAS ..................................... 644

O DESTINO MOSTRA OS CAMINHOS .......................... 688

SUBMETENDO-SE A NOVO CONCURSO ....................... 71

MÚSICO DA BANDA DO CORPO DE BOMBEIROS.... 755

INAUGURAÇÃO DO NOVO QUARTEL ......................... 822

TROPEÇOS E INCENTIVOS ............................................. 888

ADEUS À LIBERDADE... ..................................................... 91

NOTÍCIAS DO SERTÃO .................................................... 944

TOCANDO PARA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA .. 100

UMA SURPRESA INESPERADA ...................................... 103

DESPEDINDO-SE DE BELÉM .......................................... 105

DE VOLTA À TERRINHA ................................................. 109

ALAGOA GRANDE ............................................................. 113

VOLTANDO A NATAL ....................................................... 120

MAIS CONFUSÃO COM MULHERES ............................ 126

NOVAS MUDANÇAS .......................................................... 128

TOCANDO A VIDA ............................................................. 133

A VALSA “ROYAL CINEMA” .......................................... 136

A VERDADE SOBRE A ORIGEM DE ROYAL CINEMA

................................................................................................. 138

O GOVERNO FERREIRA CHAVES ................................ 142

PROFESSOR DE PROFESSORES .................................... 146

SUCESSO EM SANTANA DO MATOS ............................ 150

MAIS UM CASAMENTO... ................................................. 154

VOLTANDO AO SERTÃO ................................................. 163

OUTRA VEZ EM ALAGOA GRANDE ............................. 169

NA CIDADE DE PARAÍBA ................................................ 173

RETORNANDO A NATAL ................................................. 180

DE VOLTA À POLÍCIA MILITAR ................................... 182

LEVANDO A VIDA.............................................................. 189

TERMINANDO A MISSÃO ................................................ 191

ADEUS AO SERTÃO ........................................................... 198

PROBLEMAS COM A SAÚDE .......................................... 200

AS NOTAS FINAIS .............................................................. 203

PATRONO DA ACADEMIA .............................................. 209

POEMAS EM HOMENAGEM A TONHECA DANTAS. 211

COMPOSIÇÕES DE TONHECA DANTAS QUE

RECEBERAM (OU PARA A QUAIS FORAM FEITAS)

LETRAS. ................................................................................ 220

A VALSA “ROYAL CINEMA” .......................................... 225

D I S C O G R A F I A ...................................................... 243

BIBLIOGRAFIA ................................................................... 244

INFORMANTES E COLABORADORES ....................... 2487

ARQUIVOS CONSULTADOS ............................................ 250

QUADRO DAS COMPOSIÇÕES DE TONHECA DANTAS

................................................................................................. 244

ROYAL CINEMA: PARTITURA PARA PIANO ............ 244

ROYAL CINEMA: TRANSCRIÇÃO PARA VIOLÃO ... 244

Apresentação/Dedicatória

omo é de praxe quando se publica um livro, faço eu,

também, a minha página de dedicatórias. Além das cos-

tumeiras duas ou três linhas no meio de uma página, optei

por algo um pouco mais longo, fundindo a dedicatória à também

costumeira apresentação, onde possa justificar o porquê de minha

atenção para com o músico e compositor Antônio Pedro Dantas – o

conhecidíssimo Tonheca Dantas.

Ainda muito criança, eu era levado por meu pai para ouvir

(e ver) retretas que periodicamente se apresentavam nas praças da

cidade. Restavam ainda alguns coretos, e neles, uma banda de música

se apresentava periodicamente para tocar.

Lembro-me claramente de um certo fim de tarde quando,

num intervalo de uma retreta – no hoje demolido coreto da praça

Pedro Velho – meu pai me levou para ver os instrumentos de perto.

Eu, decerto, havia demonstrado a minha admiração especial por um

deles: os pratos metálicos... Ali estava eu, então, no meio do

palanque, “apresentado” a Monteiro, o pratilheiro da banda da Polícia

Militar. Moreno, gordo, bigode, face larga e lustrosa, Monteiro bateu

os pratos algumas vezes para satisfazer a minha curiosidade. Lembro-

me de sua fisionomia simpática como se o tivesse visto ontem. Foi

ele o primeiro músico que conheci na vida...

Anos depois, morei durante muito tempo em uma velha casa

C

9

na Rua Vigário Bartolomeu, hoje demolida, em frente à loja maçônica

“Evolução II” – bela fachada de prédio também demolido e

reconstruído “moderno” depois.

Ali, à noite, nas festas da instituição, a Banda da Polícia

Militar se postava na calçada tocando valsas e dobrados

inesquecíveis.

No interior de nossa casa, tínhamos a presença do rádio e o

som da Rádio Educadora de Natal que, naquele tempo, tocava quase

que exclusivamente música brasileira e se dava ao luxo de transmitir

músicas ditas “clássicas”, orientando e educando o ouvido de seus

sintonizadores.

Um dia, tocou no rádio uma gravação da valsa Royal

Cinema. Minha mãe, para minha surpresa, começou a chorar.

Perguntei, então, por que ela estava chorando e ela me respondeu:

– Saudades...

– Saudades de quê? – Voltei a perguntar. E ela:

– Não sei...

Não sei explicar, mas quando ouço Royal Cinema, também

sinto saudades. Saudades de quê, não sei; mas sinto.

Muito tempo depois, tive o prazer de fazer boa amizade com

um músico ex-componente da Banda da Polícia Militar – o Major

Enéas de Araújo – que havia sido contemporâneo de Tonheca Dantas.

Admirador do velho músico, “seu” Enéas referia-se a ele com

emoção, destacando suas qualidades artísticas e profissionais. Sua

descrição concorda com a do meu pai – que também conheceu

Tonheca Dantas: era um homem modesto, simples, de aparência

humilde, apesar de seu valor.

Pouco antes de seu falecimento, o Major Enéas de Araújo

me presenteou com um velho caderno onde havia organizado

anotações sobre a vida de Tonheca Dantas. Nesse manuscrito, tive o

roteiro para este trabalho e, através dele, pude localizar os filhos do

compositor - Antônia Dantas da Silva e Antônio Pedro Dantas Filho –

que me forneceram a maior parte das informações aqui contidas.

10

Assim, antes de todas as outras muitas pessoas entrevistadas

e dos numerosos arquivos pesquisados, devo à minha mãe, Claudina

Pinto Galvão, ao meu pai, Augusto Carlos Galvão, e ao meu prezado

amigo Major Enéas de Araújo, a motivação inicial para a realização

deste trabalho. Por esta razão, este livro é dedicado às suas memórias.

Durante o trabalho e ao conhecer melhor a vida de Tonheca

Dantas, senti a certeza de que estava lidando com um personagem

que, além de ser um dos mais importantes nomes de nossa história

artística, é, sem dúvida, o mais querido compositor do Estado do Rio

Grande do Norte.

Ao escrever este trabalho, um tanto quanto preocupado com

a memória do velho Tonheca estive eu – e muito, a desfolhar

saudades...

Claudio

11

Livro para se ouvir com prazer

Tarcísio Gurgel

Tonheca. A lembrança mais remota que tenho desse

vocábulo nada eufônico, que serviu para nomear o mais popular

músico do Estado, provém da infância e me leva de volta à grande

sala de jantar da minha casa, em Mossoró. Ali ficávamos, todos, à

noitinha, na expectativa do pai sair do banheiro para que fosse

servida a sopa e o café com pão nosso de cada dia. Havia sempre

alguém, da enorme família, que o velho hospedava: ora, da

avelinada, que chegava de Areia Branca, ora da gurgelada do sertão

mais a oeste. Se dessa última região chegava o meu tio Tião,

proprietário de uma Boa Vista, onde a doce tia Lourdes pontificava,

junto vinha a possibilidade sempre excitante de que ele pegasse o

violão do espevitado do Kiko para dedilhar três, quatro frases

musicais de uma composição que, desde então, toca indefinidamente

em minha memória. Era com Royal Cinema que aquele tio desfrutava

dos seus dois minutos de glória indiscutível. E o curioso é que ele

não sabia tocar toda a música – não que eu me lembre. Mas, que

ficávamos todos emocionados, disso não tenho a menor dúvida.

A quem mais e a quantos terá conseguido a música de

Tonheca Dantas emocionar, é impossível saber. Mas, agora,

podemos acompanhar sua trajetória, até tornar-se um referencial

para a cultura potiguar no tempo que lhe foi reservado viver, se

lemos este livro de Claudio Galvão.

Pela mão segura deste escritor, o qual já revelou ao país a

importância de um músico que o Rio Grande do Norte com sua

caprichosa ignorância teima em continuar esnobando, (falo de

Oswaldo de Souza, cuja biografia Claudio conseguiu publicar pela

12

Funarte) temos um Tonheca redivivo, irrequieto, revelando

incontestável talento, sempre disposto a recomeçar, após cada

tropeço que o destino lhe reservava, e capaz de produzir situações

insólitas, tais como: atropelar regulamentos militares, normas

rígidas de serviço público, sisudez de autoridades que amoleciam

com os acordes das suas músicas.

E ora estamos com ele no roçado, na remota infância,

pastoreando cabras e ouvindo o som bucólico da sua flauta de talo de

mamoeiro; ora acompanhamos com ansiedade o resultado de um

concurso mandado realizar pelo Governador Ferreira Chaves,

apenas para provar que Tonheca era o melhor; ora o vemos

machucado por um casamento infeliz, ou o acompanhamos

incansavelmente pelos muitos lugares por onde andou, sempre

espalhando a magia de sua música.

Que bonita não seria a tranquila cidadezinha do Natal, de

cuja vida em sociedade Claudio nos dá boas descrições, onde

Tonheca se destacou com o seu talento! Quão românticas não deviam

ser as sessões de cinema na sala de exibições que ele decidiu

homenagear (sala onde se destacava, aliás, com o seu clarinete)

batizando com o nome da mesma, sua música mais famosa ... Aquela

mesma do meu virtuose familiar... Música, aliás, de controvertida

origem, pois que Tonheca a teria dedicado a outras pessoas em

outras originais situações...

Belo é este livro de Claudio Galvão que nos coloca em

contato com um tempo retrouvée, denotando notável esforço de

pesquisa. Se algo há para lamentar (e não me tomem por espírito de

porco, tanto que estou feliz com o livro) é a ausência de um disco

que, acompanhando o volume, contivesse uma seleção das músicas

do biografado, tarefa que poderia ter sido executada pelo autor com

a sua reconhecida competência. Não se trata de achar que o atual

resgate é parcial. Mas, ouvir um solo de Royal Cinema durante a

leitura desse livro seria como consagrar esse esforço de pesquisa

calcado no talento e na sensibilidade típicos de Claudio Galvão.

Quem sabe alguma empresa e/ou instituição com dirigente

sensível lhe encomenda esta outra obra enriquecedora?

13

14

AS RAÍZES SERTANEJAS

o coração do Seridó norte-rio-grandense, em pleno semi-

árido subtropical, estende-se uma vasta paisagem de

caatinga, castigada pela inclemência das estiagens

constantes, onde florescem plantas arbustivas e rasteiras que se

entremeiam entre os caules agressivos dos cardeiros e as verdes copas

dos juazeiros, emoldurada pelas silhuetas íngremes de pedregosas

serras, serrotes e cabeços.

Em meio dela, desliza, sinuoso, o rio Carnaúba. Quando o

clima permite e as incertas chuvas chegam ao sertão, correm por ali

inúmeros riachos, ressuscitando a vegetação e possibilitando a vida

animal.

Antes da chegada do homem branco, ali habitavam os

Janduís, Canindés e Pegas, indígenas tapuias da nação Tarairiú.

Muito cedo, a região foi visitada pelo europeu ávido de

riquezas e aventuras. Quando Portugal fez a primeira demarcação de

terras do Riacho de Carnaúbas, em 11 de abril de 1613, já muitos

brancos comprovaram possuir terras no local. A colonização,

entretanto, verifica-se com maior intensidade a partir do século

XVIII, vinda do Sul através do sertão paraibano, quando maior

número de colonos chegaram à região, na ocasião já sem a oposição

natural de seus legítimos proprietários – os tapuias Tarairiús – pois

foram criminosa e impiedosamente chacinados pelos “civilizados e

cristãos” componentes do Terço dos Paulistas, provenientes da

N

15

capitania de São Paulo e comandados por Domingos Jorge Velho.1

Partes da terra foram sendo adquiridas na região. A primeira

delas, denominada à época “Riacho das Carnaúbas”, tornou-se

propriedade de Luiz Quaresma Dourado, que era “ajudante de

Infantaria Paga” da Paraíba. Por falecimento deste, passaram, por

herança, ao Tenente Braz Ferreira Maciel. Em 1776, uma parte

daquela terra – o riacho Carnaúba – foi vendida ao coronel Caetano

Dantas Correa. Entre os anos 1779 e 1780, um filho homônimo do

coronel instalou a fazenda Carnaúba, onde residiu depois de seu

casamento com Luzia Maria do Espírito Santo. O assentamento

daquela fazenda atraiu os outros irmãos Dantas Correa para as terras

às margens do rio Carnaúba.2

Falecendo Luzia e deixando numerosa prole, Caetano

casou-se com Maria da Paz do Nascimento, com quem teve mais

filhos. Com o falecimento de Caetano em 1830, a viúva Maria da Paz

e os filhos dão continuidade aos trabalhos da fazenda Carnaúba.

Vários sítios já se situavam ao redor da fazenda, como os sítios

Carnaúba, Carnaúba Nova, Várzea de Carnaúba, Sítio Carnaúba. A

fazenda-mãe – Fazenda Carnaúba – extinguiu-se com o falecimento

de Maria Paes, em 1872.

Já em 1863, o Sítio Carnaúba, de propriedade de Antônio

Dantas de Maria e Hermínia Maria da Conceição, era instalado no

local em que hoje se encontra a cidade de Carnaúba dos Dantas. Por

este motivo, Antônio Dantas de Maria é considerado o verdadeiro

fundador da cidade. Foi ele que obteve, em 1897, a autorização para

a realização de uma feira no lugar e o responsável pela doação de um

terreno, em suas terras, para a construção da capela de São José,

acrescentando dinheiro e material de construção para a obra.

1 A VERDADE, edição de março de 1997: “Massacre de índios agora é comprovado depois de

307 anos”, entrevista com o historiador Helder Alexandre de Medeiros Macedo ao repórter Arlindo Freire. Foi o mesmo Domingos Jorge Velho que dizimou o quilombo dos Palmares, em

Alagoas.

2 Carnaúba, topônimo indígena, alterado, de Caraná-yba, Caraná-uba, - a palmeira, árvore Caraná. Conf. Dantas, D. José Adelino, O CORONEL DE MILÍCIAS CAETANO DANTAS

CORREA, pag. 46, sem indicação de data e editora.

16

Falecendo em 30 de abril de 1898, a capela foi inaugurada somente

em 19 de março de 1900. Este dia é ultimamente considerado como a

data da fundação da cidade de Carnaúba dos Dantas.3

Em meados do século passado, o Sítio Carnaúba de Baixo

distava cerca de dois quilômetros de um povoado devoto de São José,

que mais tarde tomaria a denominação de Carnaúba dos Dantas. Seu

proprietário, João José Dantas, era agricultor, criador, coronel da

Guarda Nacional, gozava de bastante prestígio no lugar, havendo

exercido as funções de Juiz Distrital4 no Acari e, no ano de 1866,

dirigiu a demarcação das terras da Data de Carnaúba.5

Descendia dos antigos povoadores da região.6 Sua mãe,

Maria Joaquina da Conceição, era filha de Caetano Dantas Correa (o

2o) e Luzia Maria do Espírito Santo, neta, portanto, de Caetano

Dantas Correa (o 1o), que adquiriu, em 1776, a parte de terra

correspondente à futura fazenda Carnaúba, conforme foi visto

anteriormente.7

Do lado paterno, a tradição oral guardou fatos ponteados de

lances novelescos.

Manoel Hipólito do Sacramento era de origem judaica e

nascido em Goianinha. Acusados de heresias, os judeus ali residentes

foram perseguidos e expurgados do local, havendo Manoel Hipólito,

aos 12 anos de idade, escapado da morte e fugido em direção ao

sertão.

Chegando à região do Inharé (atual Santa Cruz), trabalhava

numa fazenda e era maltratado pelo proprietário.

Passando pelo local, Caetano Dantas (o 2o, conhecido como

3 Dados informativos recolhidos de CARNAÚBA DOS DANTAS, livro inédito de Helder Alexandre de Medeiros Macedo. Veja-se ainda Dantas, D. José Adelino. O CORONEL DE

MILÍCIAS CAETANO DANTAS CORREA.

4 Função atribuída por indicação local, não necessitando de formação jurídica superior. 5 Data: denominação, no período colonial, para os terrenos “dados” por uma autoridade.

Particípio passado do verbo latino dare = dada = data.

6 Veja-se a genealogia anexa a este livro. 7 Maiores detalhes sobre os velhos personagens seridoenses em Dantas, D. José Adelino,

HOMENS E FATOS DO SERIDÓ ANTIGO, sem indicação de data e editora.

17

Caetaninho), que se deslocava para compra de mantimentos,

simpatizou com o menino e, certamente sabendo da história dos

maus-tratos, convidou-o para ir para sua propriedade no Seridó.

Temendo uma represália do patrão, Manoel Hipólito fugiu escondido

na carga de mantimentos e Caetaninho o tomou como filho adotivo.

Em seu novo lar, Manoel Hipólito foi instruído no

catolicismo, batizado e integrado na família.

Tudo ia muito bem até que, anos depois, Caetaninho soube

do romance entre o filho de criação e a sua filha legítima, Maria

Joaquina.

Tragicamente, como era muito comum na época, mandou

um escravo cavar uma cova mortuária num lugar distante e para lá

levou a filha. Junto à sepultura aberta, ameaçou matá-la e enterrá-la

ali mesmo se não renunciasse ao namoro com Manoel Hipólito. Para

a surpresa do pai, Maria Joaquina declarou preferir morrer a viver

sem o seu amor. Caetaninho, decerto comovido pela segurança dos

sentimentos da filha, resolveu esquecer o seu tresloucado plano e

realizou o casamento dos dois.8

O matrimônio foi realizado às 10 horas do dia 3 de julho de

1804, na fazenda Carnaúba, oficiado pelo padre Francisco de Brito

Guerra. Pelo registro do casamento, sabe-se que Manoel Hipólito era

filho legítimo de Pantalião de Aguiar, já falecido na ocasião, e de Ana

Maria de Santa Helena, sendo natural da freguesia de Goianinha.9

Do casamento de Manoel Hipólito do Sacramento e Maria

Joaquina da Conceição, nasceram “apenas” dezesseis filhos; João

José era o quarto deles.

Não foi possível localizar-se a data do nascimento de João

8 Medeiros Filho, Olavo, VELHAS FAMÍLIAS DO SERIDÓ, 1981, pag. 187. Diz a tradição

oral da região, que estes fatos da vida de Manoel Hipólito foram por ele descritos em um caderno

que, após seu falecimento, passou por várias mãos, até se perder por ação do mofo proveniente da umidade de um período de fortes chuvas. Tais informações foram passadas a Olavo Medeiros

Filho pelo músico seridoense, maestro Felinto Lúcio Dantas.

9 Medeiros Filho, Olavo, VELHAS FAMÍLIAS DO SERIDÓ, 1981, pag. 186.

18

José Dantas, mas é certo que nasceu antes de 1811, pois este foi o ano

do nascimento do irmão que veio depois dele. Casou-se por volta de

1850, ano em que construiu a casa do Sítio Carnaúba de Baixo. Sua

esposa, Ignez Manoela da Conceição, era, entretanto, impossibilitada

fisicamente de ter filhos. Não era pouco comum, naqueles tempos, ter

o dono da casa filhos com uma ou mais de suas escravas. O fato,

estimulado pela tradição machista sertaneja, era sempre

intencionalmente “ignorado” pela esposa que, muitas vezes, achava

natural e masculino aquele comportamento do “senhor seu marido.”

Na casa do Sítio Carnaúba, aconteceu, também, fato

semelhante. A esterilidade da dona da casa foi compensada pela saúde

da escrava alforriada Vicência Maria do Espírito Santo, que deu ao

patrão oito filhos, garantindo a sua descendência e proporcionando os

braços fortes de que necessitava para o duro trabalho nos campos

sertanejos.

Pelo testamento constante do inventário de Ignez Manoela

da Conceição10

, sabe-se que havia nascido na Vila do Príncipe (Caicó)

e era filha de Felipe de Araújo Pereira e Josefa Maria do Espírito

Santo. Sua mãe era irmã da mãe de seu marido; eram primos

legítimos, portanto.

Não há dúvida de que os filhos de João José e Vicência

nasceram durante a vida de Ignez Manoela. Seu segundo filho, José

Venâncio, nasceu em 1854, dezessete anos, portanto, antes do

falecimento da esposa de seu pai.

O testamento de Ignez Manoela está datado de 28 de março

de 1859. Era decerto analfabeta, como era comum às mulheres da

época, pois o documento foi assinado a rogo, por outra pessoa.

Faleceu em 1 de fevereiro de 1871 e foi sepultada, conforme sua

expressa vontade, no cemitério de Acari. Pela leitura de seu

inventário, datado de 2 de março de 1871, verifica-se que deixou seus

bens para o marido e mais nove sobrinhas pobres, além de uma

10 Arquivo do 1º Cartório Judiciário de Acari, maço 5, n° 188, datado de 2 de março de 1871.

19

afilhada. Possuía 112 mil réis em dinheiro, “bens de ouro” (poucas

joias de pequeno valor), “bens de prata” (algumas colheres), “bens

móveis” (um oratório e oito imagens, além de mais alguns objetos

domésticos) e mais alguns “bens móveis de casa” (móveis

domésticos).

Quanto ao gado, deixou seis cabeças de gado cavalar e

cento e cinquenta e duas de gado vacum.

Para que se tenha ideia da extensão de suas terras, segue-se a

relação e medidas de suas propriedades: duzentas e trinta braças de

terra no Sítio Carnaúba, com duas casas e muitos coqueiros; mais

oitenta braças de terra no mesmo Sítio Carnaúba; quatro partes de

terra na Volta do Rio, com cento e onze, cento e quinze, sessenta e

duas e dez braças, respectivamente; trinta e quatro braças no Sítio

Rajada, com uma casinha ruim; trinta mil réis de terra no Sítio Bico

d’Arara; trinta mil réis de terra no Sítio Quinquê; mil réis de terra nos

fundos do Sítio Boa Vista; e uma casa de tijolo em Acari.

Por esses dados, pode-se avaliar o nível econômico da

família que, mesmo possuindo bens imóveis de valor, não era

possuidora de dinheiro em espécie, não podendo, portanto, ser

considerada uma família rica. Ser dono de terras no sertão daqueles

tempos poderia significar poder e não riqueza.11

Falecendo a esposa em 1 de fevereiro de 1871, o Tenente-

Coronel (da Guarda Nacional) João José Dantas contraiu novas

núpcias com Vicência Maria do Espírito Santo, a mãe de seus oito

filhos: Pedro Carlos, José Venâncio, João Pedro, Manoel Nicolau,

Antônio Pedro, Francisca Urçulina, Maria Clara e Luís Felipe – seis

homens para a agricultura e duas mulheres para as lides domésticas.

Em 23 de novembro de 1897, João José datou e assinou o

seu testamento. É provável que reconhecesse estar irremediavelmente

11 A maior parte dos fatos referentes aos ascendentes de Tonheca Dantas foram colhidos do

livro RAÍZES DE UMA CARNAÚBA SERIDOENSE, (1995), inédito de Helder Alexandre

Medeiros de Macedo.

20

doente, pois o inventário de seus bens, feito após seu falecimento, está

datado do mesmo ano. Viveu ainda cerca de um mês depois de feito o

testamento, falecendo, certamente, em dezembro.

Foi sepultado no cemitério de Acari, na catacumba em que

foi enterrado o cadáver de minha finada mulher Dona Ignez Manoela

da Anunciação.12

Desejou um enterro com solenidade compatível com as

minhas forças, tudo conforme o rito da Igreja Católica, sem dispensar

a “visita de cova” no 30° dia, nem que por minha alma se mande dizer

uma Capella de Missas, para o que o meu herdeiro ou testamenteiros

distribuirá a quantia necessária.

Quanto à família, declarou: fui casado com Dona Ignez

Manoela da Anunciação, que faleceu sem que deixasse filhos, ficando

eu sem descendentes legítimos ou ascendentes, e que depois tive de

Vicência Maria do Espírito Santo, com quem ultimamente casei-me

religiosamente, os seguintes filhos: Pedro Carlos de Maria, José

Venâncio de Maria, Manoel Nicolau Dantas, João Pedro Dantas,

Luís Felipe Dautas, Antônio Pedro Dantas, Francisca Urçulina da

Conceição e Maria Clara do Monte-Falco, já falecida, de quem

existem os seguintes filhos: André, Antônio, Maria, Francisca,

Vicência, Ana e Ignez pela cuja, não devendo em quantia alguma, que

seja, instituo pelo presente, meus universais herdeiros, a minha

referida mulher Vicência Maria do Espírito Santo a quem deixo a

casa do Sítio Carnaúba e mais trinta braças de terras no lugar da

mesma, e aos meus referidos filhos as demais terras do mesmo Sitio

Carnaúba, com todas as suas benfeitorias, bem como as partes de

terras que possuo na Data do Bico, que serão partilhadas entre os

mesmos, com a devida igualdade. 13

Examinando-se o inventário de seus bens, um detalhe

singelo deve ser, inicialmente, destacado: o primeiro bem arrolado é

12 Houve um erro na redação do testamento: a esposa se chamava Ignez Manoela da Conceição e não “da Anunciação.”

13 Arquivo do 1º Cartório Judiciário de Acari, maço 8, n° 391.

21

um santuário pequeno com oito imagens pequenas , o mesmo que,

constando do inventário de sua primeira esposa, foi para ele deixado e

que ele, certamente, conservou como lembrança dela, enquanto viveu.

Da grande lista de objetos deixados por Ignez Manoela,

apenas está relacionada uma mesa velha. Houve sensível queda de

suas posses, pois estão apenas relacionados dois cavalos e treze

cabeças de gado vacum.

Quanto aos bens de raiz, verifica-se que ainda possuía 58

braças de terra. Para Vicência, ficou, como está previsto no

testamento, a casa do Sítio Carnaúba e mais trinta braças de terra.

Restaram apenas vinte e oito braças de terra para dividir com 7

filhos (a filha mais nova, Maria Clara do Monte-Falco, havia

falecido) e mais 7 netos (filhos de Maria Clara). Assim, muito

pouco ficou para seus herdeiros.

Vicência morou na casa do Sítio Carnaúba até o seu

falecimento. Da velha casa, só ficaram restos de tijolos e telhas

espalhados pelo chão, no local onde tantos sonhos e emoções

vividas foram rudemente apagados pela força implacável do tempo.

22

JOSÉ VENÂNCIO DANTAS, irmão de Tonheca, que lhe

ensinou as primeiras noções de música. (Foto do museu de

Carnaúba dos Dantas).

23

Local onde existia o “Sitio Carnaúba de Baixo”, em que nasceu

Tonheca Dantas.

24

UMA FAMÍLIA DE MÚSICOS

dura vida sertaneja exigia de todos esforço permanente e

dedicação constante ao trabalho. Isso não embruteceu os

filhos do coronel João José Dantas, pois demonstraram,

quase todos, tendência e talento para a arte musical.

A mais antiga referência que se tem da atividade musical da

região está ligada ao nome de Manuel Bezerra de Araújo Galvão, do

Ingá, que por volta de 1880, mantinha, na cidade do Acari, uma banda

com cerca de dez a vinte componentes. Ele próprio tocava violino no

coro da igreja de Nossa Senhora da Guia e percorria as vilas e

fazendas da região ensinando música. Na banda que criou, ocupava,

além da regência, o lugar de 1o saxofone. É, certamente, a banda mais

antiga do local, sendo o nome de Manuel considerado como o

primeiro regente de bandas do Acari. Originário de tradicionais

famílias seridoenses, era irmão dos “coronéis” Silvino Bezerra, José

Bezerra, João Bezerra e Cipriano Bezerra Santa Rosa. Exerceu,

também, a liderança política em Serra Negra, havendo falecido em

Acari, no ano de 1922.14

O seu filho Francisco, que foi seu aluno,

14 Documento datilografado intitulado “O PRIMEIRO MESTRE DE MÚSICA DO ACARI FOI

MEU AVÔ MANOEL BEZERRA DE ARAÚJO GALVÃO”, escrito por Manoel Bezerra de Araújo Galvão Neto, apelidado “Coquinho” e datado de 10 de julho de 1983, quando completou

92 anos.

A

25

tocava violão e flauta.15

A atividade musical dos filhos de João José Dantas começou

com José Venâncio, o mais velho. Tocava requinta e violino, além de

reger a pequena “Filarmônica”, única no local e elemento

indispensável nas solenidades religiosas e festas. Possuidor de boa

voz de baixo, cantava e tocava nas igrejas, sendo figura popularíssima

em toda a região.16

Segundo a tradição, José Venâncio teria recebido

os primeiros ensinamentos musicais de Manoel Fernandes de Araújo

Galvão, que regia, em Caicó, a Banda de Música “4 de Maio”.

Documentos cartoriais de 1889 já o tratam como “artista”. Deve-se a

ele o estímulo à música, a iniciação e o ensino daquela arte a todos os

músicos dali. Foram seus alunos os seus primos, irmãos Manoel

Lúcio, Pedro Lúcio e Felinto Lúcio Dantas, e os seus próprios irmãos,

Pedro Carlos, Manoel Nicolau, João Pedro, Luís Felipe e Antônio

Pedro Dantas.17

Antônio Pedro era tratado em família pelo carinhoso apelido

de Tonheca e assim seria conhecido em todo o Estado e fora dele.

Quinto filho da família, nasceu no mesmo Sítio Carnaúba de Baixo,

onde viram a luz todos os irmãos, no dia 13 de junho de 1870.18

15 Santa Rosa, Jayme da Nóbrega, ACARI, FUNDAÇÃO, HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO. 1974, pg. 100.

16 José Venâncio Dantas (1854-1926) casou duas vezes. Do primeiro matrimônio com Josefa

Francelina de Medeiros, nascida em Carnaúba, teve os seguintes filhos: Maria Dorotéa, Auta Marfisa, Inês Francisca, Pedro Venâncio e Ana Maria. Casou em segundas núpcias com

Francisca Cavalcanti de Albuquerque, nascida em Jardim do Seridó, e teve os filhos: Alzira, João

Venâncio, Genésio,Teolinda, José Venâncio Filho, Gilberto, Francisca c Bertoldo. (Informação do Sr. José Venâncio Neto.)

17 O musicista Felinto Lúcio Dantas comentou, em 1978, em presença do escritor Olavo

Medeiros Filho, que a veia musical da família era originária de Manoel Hipólito do Sacramento. A ausência de fontes impossibilita uma informação mais substancial sobre a atividade musical

dos seus ancestrais.

18 Nos livros de assentamento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte consta a data de 1889 e, nos mesmos livros da Polícia Militar da Paraíba, a data de 1883. Os livros n° 2 e 3, de registro

de batismo. da paróquia de Acari acham-se extraviados, o que impede a confirmação da data de

seu nascimento e o livro de batismos dos anos de 1899 a 1909 estão muito danificados, impossibilitando o manuseio. Entretanto, em entrevista concedida ao pesquisador Gumercindo

Saraiva, publicada na Tribuna do Norte de 26 de maio e 2 de novembro de 1974, Tonheca

afirma: Nasci a 13 de junho de 1870, no dia do santo casamenteiro, por isso tomei o seu nome. Seus familiares, entretanto, consideram a data de seu nascimento o 18 de junho.

26

Foram padrinhos de batismo os seus tios Joaquim José e sua esposa,

Josefa Maria do Espírito Santo.

Sua infância foi passada no sítio onde nasceu. Teve o

aprendizado das primeiras letras que era possível ter no meio em que

vivia. Aprendeu, depois, o que se ensinava nas escolas da região. Já

aos sete anos de idade, iniciava-se nas duras lides do sertão,

apanhando algodão com os irmãos nas terras de seu pai e nos sítios

das imediações.

O maior acontecimento para aquelas pessoas simples, que

viviam em locais distantes e de difícil acesso e comunicação, eram as

festas da padroeira de Acari – a cidade maior da região – à qual se

vinculava Carnaúba dos Dantas. Todos os anos, João José levava os

filhos para assistirem aos festejos, onde tocava a banda organizada por

José Venâncio, o mais velho dos irmãos. Muito criança ainda,

Tonheca aguardou o dia em que o pai achasse que ele já poderia ir,

juntamente com os irmãos mais velhos.

Um dia, chegou a sua vez. Não foi pequeno o

deslumbramento do menino ao ver e ouvir, pela primeira vez, a banda

de música em frente à matriz. Maior ainda deve ter sido o seu espanto

ao ver que tocavam ali os seus irmãos Pedro Carlos, Manoel Nicolau e

João Pedro. E ficou mais admirado ainda de ver, à frente da banda,

José Venâncio, fazendo gestos que ele nunca tinha visto alguém fazer

e demonstrando ter autoridade sobre os músicos.

Inquieto e curioso, o menino soltou-se da mão do pai e se

aproximou para ver mais de perto. José Venâncio nem notou a sua

presença, tão concentrado estava em uns papéis sobre uma estante de

música e nos estranhos movimentos que fazia com os braços. Os

outros irmãos, cada qual no seu instrumento, não tiravam a vista dos

seus papéis. O menino Tonheca observava curiosamente cada um,

concentrado nos detalhes dos brilhantes instrumentos de metal, do

corpo preto cheio de chaves prateadas dos clarinetes, do cadenciado

27

bater dos bombos, caixas claras e pratos e do curioso roncar dos

contrabaixos. E tudo numa maravilhosa combinação de sons que o

prendia, cada vez mais.

Então, era isso! Era para isso que os irmãos tinham aqueles

instrumentos guardados em umas maletas pretas. Era para tocar assim

que José Venâncio, Pedro Carlos, Manoel Nicolau e João Pedro se

reuniam em casa depois da janta, conversavam, discutiam, tocavam

separados e depois, todos juntos.

Tonheca notou que cada instrumento tinha um som

diferente, mas, aqueles pretinhos com as chaves prateadas eram os

que ele mais gostava. Os sons que eles transmitiam pareciam penetrar-

lhe a sensibilidade, produzindo uma agradável sensação. Mas, se os

irmãos tocavam na banda, por que ele não poderia tocar também?

Depois da festa, o retorno ao sítio, na garupa do cavalo do

pai, picada adentro. O menino não ouvia o canto dos grilos nem o piar

da coruja, pois em sua cabeça ainda ressoavam os sons daquele

instrumento preto com chaves prateadas, modulando ora grave e

triste, ora estridente e alegre.

Balançando-se na rede, o ranger da corrente no armador

parecia cantar como os clarinetes da banda.

No outro dia pela manhã, tinha a sua decisão tomada.

Levantou-se cedo e esperou José Venâncio voltar do curral.

– Zeca, eu quero aprender a tocar aquele instrumento preto...

aquele, daqueles “negócios” brancos...

– Você gostou do clarinete, Tonheca? Pois eu vou lhe dar

uma coisa.

E voltou com uma espécie de caderno, já bem velhinho e

usado.

– Taí, depois da janta, eu vou ensinar umas coisas a você.

Tonheca abriu, ansioso, o caderno que o irmão lhe dava.

Estava escrito: “Solphege Complete”, de Rodolphe, e tinha uns

desenhos muito engraçados, umas cabecinhas, ora pretas, ora vazadas

e presas numa haste, distribuídas por cima de umas linhas. O que seria

28

aquilo? O que aquilo tinha a ver com a música que ele ouvira e queria

aprender a tocar?

Depois do café, José Venâncio sentou-se num tamborete no

alpendre e mostrou a Tonheca o que aquilo significava.

– Mas, e o clarinete?

– Clarinete só depois que você souber estas coisas. Sem isso,

não se pode aprender a tocar nenhum instrumento.

Passaram-se os dias e o menino aprendia tudo com rapidez e

já começava a cantar os exercícios do método. Todos os dias,

perguntava quando começaria a pegar no clarinete.

Um dia, o irmão veio para a aula com um clarinete na mão.

Tonheca quase pulou de alegria. Afinal, iria começar a tocar.

Recebeu, nervoso, o instrumento com que tanto sonhava.

José Venâncio ensinou a empunhá-lo e como abrir e fechar os furos e

as chaves de prata. Depois, como soprar na palheta, emitindo

cuidadosamente o ar, para produzir um som bonito de se ouvir.

– Pronto, agora vamos pro roçado e depois você vai treinar

essas posições.

José Venâncio saiu para o trabalho e Tonheca levou o

instrumento para guardar.

Certo dia, João José voltou do trabalho mais cedo, cansado e

aborrecido com a seca daquele ano. Ao se aproximar da casa, ouviu o

som de um clarinete tocando notas soltas. Quem seria, se todos ainda

estavam no roçado?

Abriu a porta do quarto e encontrou Tonheca concentrado no

instrumento, teimando em tirar notas limpas, sem aqueles apitos tão

comuns aos principiantes.

João José sempre gostara de música e incentivara os filhos

mais velhos a tocar, mas não queria que Tonheca se metesse com

música; sonhara outro futuro melhor e menos espinhoso para o filho.

E - ainda mais - deixou de ir trabalhar no roçado para ficar tocando.

– Olhe aqui, Tonheca; eu não tenho você para ser tocador

como seus irmãos e seus primos, que só pensam em música. Seja a

29

última vez que você deixa de ir para o trabalho para ficar em casa

tocando clarinete. O que bota o homem pra frente é o trabalho, é o

roçado, é plantar algodão, milho, feijão... é o gado gordo no curral. Se

música desse camisa a cristão, Carnaúba dos Dantas seria as minas

do Rei Salomão. 19

19 Conforme entrevista de Tonheca Dantas concedida ao pesquisador Gumercindo Saraiva,

publicada no jornal Tribuna do Norte, de 26 de maio e 2 de novembro de 1974. Como se pode deduzir daquelas palavras proferidas pelo pai de Tonheca, por volta da década de 1880,

Carnaúba dos Dantas já era identificada como uma cidade de músicos.

30

31

UMA INFÂNCIA FELIZ

esde muito cedo, o menino Tonheca era destacado para a

linha de frente do trabalho, responsabilizado pela

fiscalização dos trabalhadores.

Seguindo o seu impulso natural, aproveitava aqueles

momentos na solidão dos campos sertanejos para praticar um pouco

de música. Levava escondido debaixo do chapéu um papel com a

lição que o irmão José Venâncio passara e, cortando um canudo de

mamoeiro, fazia nele furos no mesmo lugar dos furos de uma

clarineta. Sentado à sombra de um pereiro, decorava as posições dos

dedos que produziam os diferentes sons, enquanto os trabalhadores

limpavam o mato ferindo o chão pedregoso e ressequido, como que

marcando o compasso para aquela aula original.

Com pouco tempo, já se apoderava dos segredos do

clarinete, e aprendia, ainda com o irmão, os cantos sacros

indispensáveis às festas da igreja. José Venâncio tocava também

violino e possuía bela voz de baixo. Pedro Carlos era considerado a

melhor voz daquelas bandas.20

Por este caminho, intensificou-se a sua

integração com a música, vivenciando-a ainda mais ao atender o

convite para cantar nas igrejas em comemorações religiosas. Esta

atividade, importante e prestigiosa nas pequenas cidades do interior,

duraria até a chegada da adolescência, quando, por motivos

20 Informações de Felinto Lúcio Dantas, em entrevista concedida ao autor, em 23 de abril de

1982.

D

32

biológicos próprios da idade, mudou a voz e perdeu o registro de

tenor, perdendo, também, o lugar que ocupava no coro das igrejas.

Naquela fase, fez muitas amizades com os garotos de sua

idade. Na cidade de Serra Negra, conheceu João da Cruz Cavalcanti,

que, por uma dessas manobras do destino, iria reencontrar, tempos

depois, em uma situação muito especial.

A paixão pela música levou o menino Tonheca a

experimentar diversos instrumentos, desde as flautinhas de taboca

compradas na feira de Carnaúba dos Dantas e que deliciaram a

infância de muita gente, até instrumentos de verdade, conseguidos por

empréstimo. Assim, da escala do clarinete, passou para a família dos

saxofones, começando com os instrumentos de palheta dupla.

Experimentou, depois, e descobriu os segredos dos instrumentos de

bocal, começando com o pistom e passando pelos trombones e

bombardinos. Até mesmo a exigente flauta cedeu à sua curiosidade.

De posse dos conhecimentos necessários, foi admitido na

Banda de Música de Carnaúba dos Dantas, organizada pelo irmão

José Venâncio e que tinha como membros João Pedro, Manoel

Nicolau e Pedro Carlos, além de outros primos, como Francisco

Justino, José Maria, e os irmãos Enéas e Manoel Hipólito Dantas.

Participar de uma banda de música é atividade de muito

destaque em uma pequena cidade do interior. Uma das mais

importantes missões da banda era tocar nos ofícios religiosos da festa

de Nossa Senhora da Guia, padroeira de Acari. Enquanto durava o

novenário, lá estavam os pequenos músicos, compenetrados em sua

tarefa, a se prepararem com afinco. À noitinha, o mestre Venâncio

punha o seu pessoal em forma, afinava os instrumentos e dava o sinal

para começar a música. Então, ao som de um vibrante dobrado, os

rapazes desciam a rua passando pela igrejinha setecentista de Nossa

Senhora da Guia, uma das joias da arquitetura colonial do Estado, daí

rumando em direção à matriz.

Garbosos e disciplinados, quepes de militar, farda

engomada, botões lustrosos e botinas pretas, a rapaziada marchava

33

enquanto metais, madeiras e bombos enchiam os ares, atraindo a

todos para as calçadas para vê-los passar, seguidos pela meninada

admirada e barulhenta. Na frente da igreja, barracas, carrosséis,

bandeiras, vendedores ambulantes de comidas regionais e girândolas

de fogos de artifício completavam o quadro. Até o dia 15 de agosto, a

festa dominava a cidade e a banda de música era a sua atração maior.

Depois, passado aquele período, a cidade voltava à sua vida tranquila

e às suas noites silenciosas. A banda, porém, não parava por muito

tempo as suas atividades, pois era chamada para tocar nas recepções,

visitas de pessoas ilustres, festas escolares e cívicas.

Na passagem de um circo pela cidade, lá estava também a

banda a tocar nos entremezes e, nos casamentos nas fazendas, não

podia faltar uma boa música.

As cidades vizinhas disputavam a “música” para suas festas

também. Da festa de São José, padroeiro de Carnaúba dos Dantas, em

19 de março, para as paróquias dos arredores da região do Seridó e até

para as cidades próximas do Estado da Paraíba, estavam sempre

sendo convidados, e o jovem Tonheca começava a se destacar,

reconhecido pela competência com que tocava o seu clarinete.

Entusiasmado com o prestígio de sua arte e animado pelo

dinheirinho que recebia, Tonheca passou a investir em outro tipo de

conjunto musical, organizando um grupo com violões, cavaquinhos e

percussão – ele na clarineta – para animar as festas populares, bailes e

forrós. Naquela oportunidade, a atividade musical ia se tornando

profissional para ele, e assim seria no decorrer de sua vida: sempre

presente, essencial e indispensável.

34

Banda de Música em Acari, fins do século passado (1890). Tonheca,

com cerca de 20 anos, é o quarto sentado da esquerda para direita,

tendo na mão um trompete. Vizinho a ele, está José Venâncio, com

uma requinta e, junto à sua perna direita, uma garrafa com um copo

sobre a boca... Note-se o rigor do vestuário e os cavaleiros portando

lanças.

35

O jovem Tonheca Dantas, detalhe da foto anterior.

36

OPTANDO PELA MÚSICA

sua fama de bom músico lhe fez surgir uma nova

oportunidade. Pessoas influentes da cidade de Acari o

chamam para organizar uma banda: de instrumentista, o

rapaz se torna mestre. Atirou-se ao projeto com entusiasmo. A

determinação da comunidade local fez logo vir do Recife o

instrumental, novinho e brilhando, fascinante para os olhos dos jovens

candidatos que disputavam um lugar na futura banda.

Os preparativos começaram com o ensino da teoria musical

seguida do solfejo – o exercício de cantar a música escrita. Depois,

aqueles alunos que mais se destacavam e apresentavam maior

tendência para a música recebiam cada um o seu instrumento, guiados

pelas suas preferências e pela indicação do mestre. Nem todos

chegavam ao ponto máximo, que era tocar na banda. Todos,

entretanto, recebiam e fixavam em seus espíritos jovens os benefícios

educativos daquela atividade, crescendo em disciplina, socialização,

sensibilidade, optassem ou não por se profissionalizarem em música.

De escolas como aquela, onde tanto quanto música recebia-se

educação e civismo, participavam muitos jovens da cidade, ricos ou

pobres, sem preferências ou restrições. Entre os alunos do jovem

Tonheca, estavam os primos Felix21

e Silvino22

, o primeiro no

21 Felix Bezerra de Araújo Galvão (1884 - 1994) desembargador, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do RN.

22 O desembargador Silvino Bezerra Neto (1887 - 1969) relata suas experiências nos estudos

A

37

bombardino e o segundo na flauta, que mesmo não exercendo

futuramente a música como profissão, muito dela aproveitaram na

formação de seu caráter.

Desde o começo de sua aprendizagem musical, Tonheca

observara que, quando estudava ao clarinete, saíam-lhe frases

musicais muito agradáveis ao ouvido e que ele nunca ouvira antes.

Seriam aquelas melodias uma criação sua? O jovem musicista

entrava, então, em contato com um novo e fascinante mundo, que lhe

haveria de proporcionar emoções as mais numerosas. Organizar

aquelas melodias, dando-lhes uma sequência lógica e agradável, era

compor uma peça musical. As frases musicais iam saindo do clarinete

ou se formavam em seu pensamento, primeiro timidamente, depois,

com mais frequência e liberdade. Agora, era passá-las para a pauta

musical, tentar escrever a melodia que havia criado. Começaram a

tomar forma dobrados, polcas, valsas, hinos, maxixes... O prazer de

tocar a própria obra estimulava a novas tentativas e, a cada nova

experiência, mais gosto e prazer tomava pelo que fazia. Do músico

solista e regente, nascia o compositor. O contato com as partituras de

regente, onde a parte de todos os instrumentos está organizadamente

disposta, sugeriu-lhe que ele seria também capaz de fazer algo

semelhante. E passou para a prática, distribuindo a melodia para todos

os instrumentos, variando vozes, destacando ornamentos, enfatizando

efeitos nos sons graves e combinando diversos sons num resultado

esperado. Depois de feita a primeira vez, agora seria instrumentar

sempre, pois, quanto mais fizesse, mais aprendia e mais sentia que

precisava aprender. Ainda muito jovem, tentou instrumentar de uma

forma mais completa e mais rica, liberando-se do esquema simples

das valsas e dobrados. Concebeu e instrumentou a fantasia “Delírio”,

peça de porte mais pesado, montada em ritmos e andamentos variados

preparatórios para a Banda de Música de Acari em conferência realizada no Instituto Histórico e

Geográfico do RN como 2º vice-presidente daquela entidade, na sessão comemorativa do 95°

aniversário de nascimento de Tonheca Dantas, publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, volumes LXVHI-LXIX -1976/1976. Quatro poemas de sua

autoria, onde rememora seus tempos de aluno de Tonheca, estão inseridos no final deste livro.

38

e contemplando o clarinete solista com a possibilidade de mostrar a

sua técnica em uma das suas primeiras composições conhecidas.

Agora, não havia outro caminho a seguir; estava definitivamente

ligado à música e sem ela a sua vida teria pouco sentido.

Já rapaz formado e prestigiado pela atividade de músico e

mestre, o jovem começou a ser alvo das preferências das moças

casadouras da região. Foi numa daquelas tocatas que o mestre da

banda sentiu o olhar de uma jovem que o fitava insistente. O destino o

levou a encontrá-la nos intrincados caminhos do amor. Em pouco

tempo, Tonheca e Rosa de Lima se uniam em casamento.23

Tudo foi às mil maravilhas até o nascimento da filha Auta.

Depois, problemas começaram a surgir. Um dia, aconteceu o duro

golpe: Rosa de Lima havia fugido com outro, levando consigo a filha

ainda criança. Sensibilidade de artista, Tonheca sofreu muito mais

aquele revés do destino.

Aquele fim de ano de 1897 foi terrivelmente seco e o

sertanejo não viu no céu e nos seus indicadores tradicionais os sinais

da chuva benfazeja. Janeiro de 1898 chegou escaldante, torrando os

campos e matando o gado.

O sertanejo buscou socorro em outros lugares e a atividade

econômica decaiu vertiginosamente. Tudo sofreu a maléfica

influência da terrível seca. Até a banda de música de Acari. Tocar

com alegria em meio a tanta tristeza? Os jovens músicos, originários

da zona rural, sentiram-se desestimulados e muitos tiveram que

acompanhar os pais na triste opção da retirada. O paraíso do sertão se

transformou em verdadeiro inferno; a fome e a morte rondavam,

ameaçadores, e poucos se conformavam em ficar e esperar pela chuva

incerta.

Era muito para Tonheca Dantas.

— Com a sua arte não lhe faltará uma colocação no Batalhão

23 Não foi possível localizar a data exata do primeiro casamento de Tonheca, mas deve ter-se realizado antes de 1897, pois na relação dos herdeiros constante do inventário de seu pai, datado

daquele ano, seu nome aparece como casado.

39

de Segurança, na capital, aconselhavam os mais velhos.

Triste e acabrunhado, alvo de comentários e chacotas dos

invejosos, Tonheca decidiu: seria melhor viver num lugar onde não

conhecesse ninguém, longe da seca e de Carnaúba dos Dantas, cujo

ambiente lhe fazia ressurgir lembranças dolorosas.

Natal era, então, o seu destino.

Decidido o que fazer, a primeira providência foi munir-se de

uma necessária recomendação. Apelou para o seu amigo e compadre

Manoel Augusto Bezerra de Araújo Galvão, deputado estadual e pai

do menino Silvino, seu aluno de flauta.

Ficou combinado que o compadre, na próxima viagem a

Natal, falaria diretamente com o governador, o que realmente fez. O

Governador Ferreira Chaves24

recebeu o pedido com simpatia, pois se

achava vago o lugar de mestre da Banda do Batalhão de Segurança25

.

Com a possibilidade do emprego, Tonheca pôs o pé na

estrada. Foram longos dias em lombo de cavalo pelas estradas secas e

poeirentas, pernoitando em casas de humildes camponeses que

encontrava pelo caminho. De quando em quando, o verde de um

juazeiro oferecia uma sombra amiga, amenizando a parada e dando

repouso aos animais. Depois que começou a descer a serra do Doutor,

o verde aos poucos despontou da galharia seca e agressiva; o sertão

havia ficado para trás e a alegria que brotava das plantas se

comunicava aos passantes.

Mais alguns dias e chegaria a Natal.

24 Joaquim FERREIRA CHAVES (1852-1937) Primeiro governador a ser eleito depois da

proclamação da República, governou o Estado nos períodos de 1896 a 1900 e de 1914 a 1920.

25 Era assim intitulada a Polícia Militar do RN àquela época

40

41

COMEÇANDO EM NATAL

quartel do Batalhão de Segurança se localizava na

Esplanada Silva Jardim, prédio à esquina da Rua Frei

Miguelinho.26

Era um local privilegiado naqueles tempos,

quando a Ribeira era o bairro mais importante da cidade.

Tonheca chegou muito cedo ao quartel, certo de que iria

assumir logo a colocação. Ali, alguém lhe comunicou que havia um

outro candidato originário de Acari, também recomendado pelo

governador, a pedido de um político daquela cidade. Para resolver o

problema, o próprio governador sugeriu realizar um concurso, que

isentaria a escolha de qualquer critério de proteção, entregando o

lugar a quem apresentasse maior competência.

O comandante Lins Caldas27

chegou ao alojamento da banda

com mais alguns oficiais e chamou os candidatos. O primeiro

chamado foi João Mamede, natural de Acari; recebeu a partitura que

lhe cabia tocar e, indagado sobre que instrumento preferia, escolheu o

trombone.

O músico acariense executou com exatidão e limpeza a

26 No momento da redação deste trabalho o prédio ainda existia, embora com a fachada alterada.

Mantem a estrutura que parece própria a um quartel: dependências em torno a um pátio central.

É ocupado pelas sedes de diversos sindicatos. Foi construído no local onde havia a casa em que nasceu o padre Miguelinho.

27 Manoel Lins Caldas Sobrinho (1854 -1921). Comandou a Polícia Militar do RN nos períodos

de 14 de julho a 15 de setembro de 1893; de 14 de abril a 7 de novembro de 1894; e de 14 de janeiro de 1895 a 22 de dezembro de 1913. Foi para reserva com a patente de Tenente-Coronel.

Wanderley, Rômulo. HISTÓRIA DO BATALHÃO DE SEGURANÇA.

O

42

peça que lhe foi distribuída, demonstrando suficientes conhecimentos

de música.

Em seguida, foi a vez de Tonheca. O comandante lhe

entregou uma partitura diferente da primeira e perguntou ao candidato

qual o instrumento que iria escolher.

– “Qualquer um...” respondeu. “O Sr. diga qual o que quer.”

Os membros da comissão se entreolharam, surpresos com a

audácia daquele sertanejo moreno e franzino, e resolveram pôr a prova

seus conhecimentos mandando que fosse tocando a peça nos diversos

instrumentos da banda.

Tonheca não teve dúvidas; pôs a música na estante e abriu a

caixa da clarineta. Experimentou a palheta e tocou a peça sem

hesitações. Depois, guardou o instrumento e apanhou um sax- tenor.

Experimentou umas escalas e tocou. Deixando os instrumentos de

palheta, pediu um trompete, instrumento de bocal, e tocou tudo com o

mesmo desembaraço. Depois, foi a vez da flauta, instrumento de

embocadura e afinação diferentes dos que antes usara. Quando ia

pedir um bombardino, os membros da comissão mandaram parar,

dizendo já ser suficiente.

O resultado publicado informou o que a comissão decidiu: o

candidato João Mamede havia tocado muito bem um só instrumento,

enquanto Antônio Pedro Dantas tocara bem todos os instrumentos e

isso era mais do que o necessário para um regente, que deveria

conhecer todos os instrumentos da banda. Estava aprovado Tonheca.

Conforme consta nos livros de assentamentos do Batalhão

de Segurança, a 30 de maio contractou-se como mestre de muzica,

por tres anos, conforme fez publico a Ordem do Dia Regimental n°

580, de 30 de maio de 1898.28 Os documentos comprovavam o que

dizia a tradição oral: Tonheca ingressara no corpo policial

diretamente na função de mestre da banda, sem passar pelos

estágios iniciais da carreira.

Em 1898, o efetivo do corpo policial do Estado era de 394

28 Livro 2º dos praças da 1ª Companhia. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte,

Natal.

43

membros, entre oficiais e praças. A banda de música era composta

por vinte membros, dez soldados de 1a classe e mais dez de 2a,

além do mestre e de um contramestre. Os vencimentos de Tonheca

como mestre da banda de música eram de 115$000 (cento e quinze

mil réis) mensais. Para efeito de comparação, considere- se que a

mais alta patente, um Tenente-Coronel, recebia 350$000, e um

soldado 55$000. A situação econômica do mestre era, portanto,

bastante favorável. O pessoal da banda tinha os seguintes

vencimentos: músicos de 1a classe, 75$000; de 2a classe, 70$000.29

Podia parecer um sonho, mas era verdade. O rapaz

modesto e tímido, o sertanejo que nunca havia saído de seu Seridó,

alcançava um posto disputado e prestigiado, graças unicamente à

sua competência pessoal. O menino que regia pequenas bandas e

conjuntos interioranos tinha agora em suas mãos a batuta da banda

mais importante do Estado e uma grande responsabilidade pela

frente. Mais prestígio e consideração iria ter quando começou a

ensaiar e fazer tocar peças musicais de sua autoria. Seus dobrados,

marchas e valsas o consagraram entre os seus colegas e

subordinados, como também nas retretas e tocatas apresentadas

pela banda. A sua fantasia “Delírio” mostrou a todos que ele não

era um simples músico, mas um compositor que possuía recursos

técnicos os mais diversos. Sempre que a banda tocava “Delírio”, o

mestre e autor da peça sentia o problema da necessidade de ter um

bom primeiro clarinete para as difíceis partes de solo que ele

concebera. Quando era ele que estava entre os músicos, a melodia

saía fluidamente e sem tropeços, mas estando na regência... Foi

quando apareceu João Roberto, natural de Vila Nova; clarinetista

de mão cheia, o músico deixava o compositor tranquilo de que a

sua obra seria bem interpretada, casando perfeitamente a melodia

com a técnica.

Da pequena Carnaúba dos Dantas, Tonheca se situava

agora no coração da capital de seu Estado. A um quarteirão do

29 Lei Estadual n° 116, de 11 de agosto de 1898.

44

quartel, estava a Rua Tarquínio de Souza30, onde se encontravam

belas casas residenciais pertencentes a pessoas ricas e o principal

centro comercial da cidade. Ali estavam dois dos três hotéis da

cidade, o “Gelly” e o “Brasil”; duas das quatro farmácias: o

estabelecimento de Victor José de Medeiros e a Drogaria Tinoco;

casas importadoras e exportadoras, como Galvão e Cia. e Angelo

Roselli (ramo de fazendas), Alves e Cia. e Fabrício e Cia. (molhados,

algodão e açúcar); e lojas de fazendas e miudezas, como Meireles e

Irmão, Melo e Cia., Machado Silva e Cia., e José Lucas da Costa. Ali

se encontravam, também, a ourivesaria e relojoaria de José Hypolito

da Silva e a padaria de Lobato e Cia. Estavam também localizadas, na

Rua Tarquínio de Souza, repartições federais como a Capitania do

Porto, a Alfândega, a Saúde do Porto e o Melhoramentos do Porto.31

Naquela rua, nos espaçosos armazéns, depósitos de

mercadorias que davam as costas para o rio Potengi, inúmeras

associações culturais faziam encenar peças teatrais, pois, somente

àquele ano de 1898, o Governo do Estado iniciava a construção do

futuro Teatro Carlos Gomes. No meio da quadra, abria-se a Praça

Marechal Deodoro, à beira do cais também chamado Cais Deodoro.32

Um edifício, entretanto, completava a importância daquela

rua: o palácio do Governo, que, desde 1869, estava ali instalado.

Prédio imponente, o mais caro e o mais alto da cidade, há nove anos

antes, se ouviram no seu interior as discussões dos políticos que, sob

comando de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, proclamaram a

república no Rio Grande do Norte.

Senhores elegantes, de fraque e chapéu-coco, botinas com

polainas e relógio na algibeira, passavam, circunspectos, com suas

bengalas de castão de ouro. Elegantes casais, senhoras de saia-balão e

30 Mais tarde Rua do Comércio e atualmente Rua Chile. 31 Dados publicados no “Almanak do Rio Grande do Norte”. Natal, 1897.

32 Denominado, depois, Cais Pedro de Barros e hoje, cais Tavares de Lira. A atual Avenida

Tavares de Lira não existia, não havendo passagem em direção à igreja do Bom Jesus das Dores. A Rua Tarquínio de Souza se prolongava até a Travessa Aureliano, na época denominada

Travessa Medeiros, desembocando no alagado que seria, mais tarde, a Praça Augusto Severo.

45

botinas de verniz protegiam-se do sol com sombrinhas japonesas e

acompanhavam os filhos à obrigação da missa dominical na igreja do

Bom Jesus das Dores33

; rapazes de paletó, gravata e colarinho alto,

meninos vestidos de marinheiro; mocinhas e meninas com as cinturas

apertadas, meias de algodão e vestidos na metade da perna,

acompanhadas por diligentes serviçais, compenetradas pretas de alvos

vestidos, ex-escravas ou filhas delas, remanescentes de um costume

há pouco abolido. À noite, quando apenas o pálido reflexo dos

lampiões era acrescido pelo clarão da lua cheia, grupos de seresteiros,

liderados por Lourival Açucena, Heronides de França e Antônio Elias

de França, percorriam a rua cantando versos sentimentais de Segundo

Wanderley, Ferreira Itajubá, Olympio Baptista Filho, Auta de Souza,

acompanhados de dolentes violões.

Era por esse ambiente que circulava, admirado e feliz, o

jovem Tonheca Dantas, aos 28 anos de idade, radiante por seu bom

emprego, o primeiro de uma série de outros.

33 Naquele tempo, esta igreja possuía bela fachada estilo rococó, lamentavelmente destruída

para ser substituída por simplória e inexpressiva cobertura de azulejos.

46

Batalhão de Segurança no inicio do século. Note-se a banda de

música em frente ao prédio. Quem sabe se Tonheca Dantas não

estaria aí na ocasião?... Foto de um cartão postal pertencente ao

arquivo do Diário de Natal.

47

MUDANÇAS DE VIDA

uito pouco tempo passou Tonheca Dantas na regência

da Banda do Batalhão de Segurança. O período em que

permaneceu à frente daquela função coincide com o

início da apresentação regular de retretas em Natal, que passaram a

se verificar quase semanalmente e sempre realizadas em frente ao

palácio do governo, na principal rua da cidade, a atual Rua Chile.

Com a saída de Tonheca, as retretas praticamente desaparecem,

voltando a ser apresentadas anos depois e, mesmo assim, muito

espaçadamente34. Voltaria, anos mais tarde. Dos três anos

previstos, esteve no posto apenas oito meses e três dias, pois em 3

de fevereiro foi excluído com baixa do serviço por ordem superior,

conforme fez publico a Ordem do Dia Regimental n° 72835.

Não se sabe ao certo o motivo que levou o jovem e bem

sucedido mestre de banda a deixar o posto que lhe rendia bom

ordenado e prestígio na cidade. É bem provável que o falecimento de

seu pai, ocorrido em fins de 1897, tenha motivado ou precipitado a

sua decisão, pois, pouco tempo após o acontecimento, Tonheca viajou

a Carnaúba dos Dantas para participar do inventário e, decerto, vender

a parte que lhe coube em terra e animais.

Não foi possível saber-se nada da vida de Tonheca nos

quatro anos seguintes. É possível que tenha permanecido em

34 Conforme noticiário dos jornais da época.

35 Livro 2o dos Praças da 1ª Cia. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.

M

48

Carnaúba dos Dantas e tentado se reengajar nas atividades locais.

A vida entre os irmãos e parentes em sua cidade

certamente já não parecia a mesma que vivera outrora, antes da

experiência numa cidade maior. O que se pagava pelo trabalho era

modesto em relação ao seu valor profissional. A cidade lhe parecia

pequena para ele que havia crescido e evoluído.

Os dias passavam lentos e sem novidades. Um dia,

chegou o 31 de dezembro e o século XIX deu lugar ao século XX.

Por que não mudar, ele também?

De posse de algum dinheiro, tinha uma ideia a lhe

martelar a cabeça: já que vencera facilmente em Natal, por que não

tentar a vida no Rio de Janeiro? Muitos de seus conterrâneos que

se mudaram para o sul escreviam para seus parentes relatando a

facilidade de trabalho bem pago na capital do país. Então, já

demonstrando a faceta de seu comportamento que era a de “não

esquentar lugar”, levou à prática a decisão. Muniu-se de cartas de

apresentação, mais uma vez, do Dr. Manoel Augusto de Araújo

Galvão e, também, do coronel Clementino Monteiro de Faria, pai

do jovem Juvenal Lamartine de Faria, que se formara em Recife

naquele ano de 1897 e já era Juiz de Direito de Acari.

Mais uma vez, despediu-se do seu sertão. Agora, deveria

atravessar o Seridó e o Estado da Paraíba para, chegando a

Cabedelo, esperar um navio que o levasse à capital da República.

Assim, pela segunda vez, deixou a sua terra para buscar novos

horizontes no sul do país.

49

RUMO AO SUL

longa viagem pelos sertões não era novidade para ele. O

verão continuava rigoroso naqueles começos de 1903.

Cansativos percursos, pousadas em casas pelo caminho até

que uma cidade maior possibilitasse uma permanência mais longa

para o repouso merecido e reanimador.

A viagem já estava por demais cansativa quando uma cidade

apareceu por entre as colinas atapetadas de verde. Estava chegando a

Alagoa Grande, próspera cidade paraibana, rica pela agricultura e

comércio de algodão, cana e agave. Ótimo lugar para uma parada

mais prolongada.

Naquela oportunidade, Tonheca aproveitou para ganhar

algum dinheiro e montou sua aula de música. Muitos jovens, atraídos

pelas tocatas de seu clarinete, buscavam o jovem professor para se

iniciarem na arte dos sons. Durante o tempo em que ali passou, fez

boas amizades e descobriu futuros talentos que se dedicariam à

música, entre eles, um jovem estudante chamado Elysio Sobreira,

nascido na vizinha cidade de Esperança e que demonstrava talento

pelas atividades musicais de que participava, organizando e dirigindo

conjuntos musicais em Campina Grande. Aproveitando a presença do

professor, Elysio começou a estudar flauta, baseado nos

conhecimentos musicais que já possuía. Tonheca, mais velho cinco

anos, faria com ele boa amizade, alicerçada na convivência

proporcionada pelo cultivo da música. O futuro reservaria para o

A

50

amigo caminhos diferentes, mas ainda haveriam de se encontrar,

tempos depois.

É muito provável que Tonheca, nessa oportunidade, tenha

feito amizade com o Juiz e chefe político local, Dr. Francisco

Peregrino de Albuquerque Montenegro, homem de prestígio e de

posses. Um dos seus filhos menores, Severino Nóbrega Montenegro,

conhecido na família por “Biló”, em 1903, tinha 7 anos de idade.

O professor ia muito bem com seus alunos até que apareceu

Olívia. O fogo da paixão que ele pensava ter adormecido pelos tristes

acontecimentos de Carnaúba dos Dantas, que culminaram com o

desenlace infeliz de seu casamento, de novo reacendeu e reviveu.

Foram momentos de grande arrebatamento e felicidade mas o viajante

teria que seguir o seu destino. Como os marinheiros, que têm um

amor em cada porto, Olívia teria que ser esquecida quando viessem os

próximos sorrisos na próxima cidade. Despediu-se dos alunos, pois

estes já tinham condições de caminharem sozinhos, e rumou ao seu

destino.

Chegando a Cabedelo, porto da cidade de Parahyba,36

capital

do Estado do mesmo nome, ocorreu uma mudança brusca e inesperada

nos planos do jovem músico. Havia dois navios no porto, um para o

sul e outro para o norte. Tonheca preferiu rumar em destino ao Pará.

Não se sabe ao certo o que motivou tal decisão. Certamente que não

foi sem um motivo forte. A Amazônia vivia naqueles começos de

século a fase áurea da borracha, que trazia benefícios a todos os

setores da vida da região, muito especialmente à cultura. É bem

provável que algum conhecido lhe tenha falado da riqueza do Pará e

das oportunidades que havia para os bons músicos. Assim, Tonheca

tomou o rumo do norte.

36 Parahyba se tornaria João Pessoa, mediante lei sancionada a 4 de setembro de 1930.

51

O

RUMO AO NORTE

pequeno navio levantou âncora e zarpou rumo ao norte

levando sonhos e esperanças e, decerto, dúvidas e

incertezas.

No dia seguinte, passava em frente à costa do seu Estado e

de longe avistou a pequenina Natal, enquadrada pela moldura branca

das dunas, a curva graciosa do rio Potengi e a silhueta pesada do

velho forte dos Reis Magos. Lançando âncora na entrada do rio, o

navio aguardou os passageiros de Natal que chegavam em barcos,

borrifados pelos respingos do mar trazidos pelo vento. Em seguida,

rumou ao norte, sempre parando em cada porto, o que quebrava a

monotonia da viagem, vendo-se sempre céu e mar à direita e, à

esquerda, a verde silhueta da costa encravada na imensidão branca

das praias selvagens, das quais não se podia afastar.

Dias depois, deixou o oceano e penetrou nas águas barrentas

do rio Guajará, que banha Belém. A cidade foi aos poucos se

aproximando e o sol da manhã tropical parecia sorrir, refletido nas

belas fachadas dos casarões antigos.

Muita gente no porto, pessoas aguardando para embarcar e

esperando amigos e parentes que chegavam. Grandes navios apitavam

e expeliam fumaça das longas chaminés. Era intenso o movimento de

navios-gaiola, canoas e barcaças de pesca. Em terra, o burburinho dos

vendedores de comidas, bebidas e frutas regionais completava o

quadro alegre, como que saudando o viajante que chegava.

Tonheca desceu do navio sem conhecer ninguém em Belém;

52

trazia apenas uma mala pobre e quase vazia, mas o coração cheio de

sonhos e esperanças. Era o dia 3 de maio de 1903.

53

54

BELÉM DO PARÁ

elém do Pará era uma das mais evoluídas capitais brasileiras

no campo musical. Tivera grande movimento artístico no

século XVIII e mais ainda no século XIX, financiado pela

riqueza decorrente da exploração da borracha. Marco decisivo para tal

desenvolvimento foi a inauguração do Teatro da Paz, a 15 de

fevereiro de 1878, possibilitando a apresentação de inúmeras

companhias de ópera, vindas diretamente da Europa. Orquestras e

corais compostos por elementos locais e visitantes levavam a arte

musical aos mais variados públicos.

As bandas de música militares disputavam as preferências

populares. A banda do corpo policial já existia desde 1853 e a do

Corpo de Bombeiros, embora criada em 1890, somente em 1900

começava a se organizar e destacar. Naquele momento, eram comuns

as apresentações em retretas nos coretos das praças públicas.

Fato decisivo para o prestígio de Belém na área musical foi

a primeira chegada, em 1881, do maestro Carlos Gomes, que vinha

obter o aplauso geral das plateias italianas como compositor de

óperas. Trazido pelo maestro paraense José Cândido da Gama

Malcher, o maestro voltaria, pela segunda vez, em maio de 1895, para

dirigir o então Conservatório de Música, criado no ano anterior, e ali

ensinar contraponto e composição. Já bastante doente à sua chegada,

viria a falecer ali mesmo em Belém, a 16 de setembro de 1896. O

conservatório, que passou a se intitular Instituto Carlos Gomes, teve

B

55

intensa atividade sob a direção do maestro Menelau Campos,

realizando concertos sinfônicos até o ano de 1905, quando encerrou

suas atividades.

Foi este o ambiente musical encontrado por Tonheca Dantas

ao chegar em Belém. Aquela cidade iria ter com Natal um

considerável intercâmbio artístico. Para Belém, mandou Natal, em

1880, o futuro pianista Paulino Chaves – com 4 meses de idade e

acompanhando a família - que iria se tornar famoso e só voltaria, de

passagem, à cidade onde nasceu, em 1908, para alguns concertos.

Muitos outros músicos norte rio-grandenses exerciam a atividade

musical na capital do Pará, entre eles os flautistas Manoel Prudêncio

Petit, Antônio Paulino (Tota) de Andrade e o violonista João Santa-

Cruz.

Do Pará, veio para Natal o italiano Giuseppi Cironi,

fagotista, para breve passagem em 1898. Em 1903, chegaria o maestro

Luigi Maria Smido, que, por duas oportunidades, residiu em Natal. O

violinista Joaquim Gonzaga aqui esteve em 1902, voltando em 1908,

para integrar o corpo docente da primeira escola de música de Natal.

No mesmo ano, apresentou-se o barítono paraense Corbiniano Vilaça.

Entre 1905 e 1915, estavam em Natal o violoncelista Alfredo Andrade

e o violinista Armando Lameira. Outro violinista, José Marsicano, era

carioca, mas veio para Natal via Belém, o mesmo acontecendo aos

espanhóis, pianista Marcelino Gonzalez e o clarinetista José Bernardo

Borrajo. Participaram, todos eles, do movimento musical

empreendido na capital potiguar durante o segundo período

administrativo (de 1908 a 1914) do Governador Alberto Maranhão.

Se de Natal para Belém iria, ainda muito criança, e

juntamente com os pais para ali transferidos, o futuro pianista Paulino

Chaves de Belém, para Natal viria, em 1930, acompanhando o pai

natalense e a mãe paraense, o futuro pianista Oriano de Almeida.

56

ORGANIZANDO A VIDA

ão foi difícil encontrar um alojamento barato ali mesmo

perto do porto; a pensão de “seu” Maneco português poderia

não ser das mais confortáveis, mas era onde podia deixar a

bagagem, comer e repousar das andanças pela cidade.

Logo se familiarizou com a bela capital. Belém era

governada no momento pelo Intendente37

Antônio José de Lemos.38

Suas amplas avenidas arborizadas com frondosas mangueiras foram,

aos poucos, tornando-se familiares. A beleza dos edifícios construídos

com o farto dinheiro advindo da exploração da borracha lhe encantava

a vista, assim como a grandiosidade dos prédios do governo do

Estado e da Intendência Municipal, a primorosa decoração da Mansão

Bolonha, as residências da Avenida Nazaré... tudo era novo e

fascinante para o rapaz chegado de um Estado pobre e empobrecido

pela constância das secas. No meio de uma bela praça, erguia-se,

monumental, o Teatro da Paz; tinha quase a sua idade e era um dos

mais belos e imponentes do país. Ali, companhias musicais e teatrais

nacionais e estrangeiras da melhor qualidade se apresentavam para

uma plateia requintada e exigente. Seria muito tocar num Teatro

como aquele?

Nas suas andanças pela cidade, deparou com as obras de

construção da basílica de Nazaré, enorme, grandiosa, chocante para

37 Cargo equivalente a prefeito, nos começos do regime republicano no Brasil.

38 Intendente Municipal de Belém, nos períodos de 1897 a 1911, ininterruptamente.

N

57

quem foi menino pobre em cidade do interior.

Edifício bonito mesmo e familiar a Tonheca era o Mercado

Municipal, vizinho ao porto, conhecido como o Ver-o-Peso, perto de

onde se hospedara. Era o mercado do peixe, tendo em frente o

mercado da carne. No interior do prédio, as estruturas eram feitas de

ferro trabalhado, importadas da França. Os delicados ornamentos das

divisórias e uma elegante escadaria mais pareciam uma renda

nordestina feita no duro ferro. Do lado de fora, barracas com cobertura

de lona colorida ofereciam sucos e massas de frutas regionais, de

deliciosos e estranhos sabores. Comidas igualmente deliciosas, feitas,

principalmente, à base dos peixes dos rios amazônicos, estavam à

disposição, oferecendo opções baratas e fartas. Era um mundo atraente

e bem diverso do distante sertão nordestino.

Ali, no burburinho do pátio do mercado, onde tudo se

comprava e vendia, fez as primeiras amizades com os barqueiros que

chegavam, trazendo e levando mercadorias. Ao saberem de sua

habilidade musical, muitos lhe traziam versos para que musicasse, o

que lhe garantia uma pequena renda; inesperada, mas bem-vinda para

quem já estava quase sem dinheiro, pois o emprego, que foi sonhado

fácil e completo, estava demorando demais a chegar.

58

PROCURANDO TRABALHO

m dia, em uma de suas andanças pela cidade e já meio

desiludido de conseguir o desejado emprego, passou por uma

luxuosa mansão que, profusamente iluminada, dava a

impressão de preparar-se para uma grande festa. Enquanto Tonheca

observava da calçada o movimento das pessoas elegantes que

chegavam, ouviu-se o som de uma banda de música que se

aproximava. Um pouco mais e a Banda de Música da Polícia Militar

fazia alto frente à casa elegante. Ouviam-se discursos e aplausos

dentro da casa e a banda, formada no jardim, intercalava com um

dobrado ou uma bela valsa. Tonheca a tudo observava com grande

admiração, notando a alta qualidade dos músicos do conjunto. Então,

foi chegando aquela saudade dos seus tempos de menino na banda do

irmão José Venâncio, na sua pequena Carnaúba dos Dantas, tão

distante dali. Recordou os tempos em que regia a Banda do Batalhão

de Segurança, em Natal, e imaginou como soaria bem a sua valsa

“Delírio” numa banda completa assim.

Uma pessoa veio do interior da casa e disse algo ao mestre.

Este, por sua vez, falou para os músicos, e todos, organizadamente,

entraram na casa, deixando seus instrumentos na área junto ao jardim.

Curioso, Tonheca entrou no jardim e deu para observar que os

músicos estavam sendo servidos no interior da casa. Olhou aquele

instrumental novinho, reluzente nos metais e fascinante no escuro

ébano dos clarinetes, bordados pelo desenho prateado das numerosas

U

59

chaves.

Há quanto tempo que Tonheca não soprava um clarinete...

Aqueles instrumentos estavam ali, deitados sobre os bancos, imóveis e

convidativos. Tonheca sentiu uma vontade louca de experimentar um

daqueles clarinetes, mas, refreou o desejo, voltando para o portão. No

entanto, sua alma de músico falava alto dentro dele e o impulso

irresistível de dar uma sopradinha só num daqueles instrumentos era

maior do que a sua força de vontade. Resolveu apenas examinar sem

soprar.

Voltou e apanhou um daqueles instrumentos. A gostosa

sensação da madeira perfeitamente polida e o contato frio das chaves

de prata acariciaram as mãos do músico. Era demais a tentação!

Tonheca experimentou a palheta e não resistiu; tocou um longo Lá do

diapasão. O jardim estava deserto e os músicos comiam e bebiam lá

dentro. Então, soltou o Mi grave, longo e expressivo, e foi subindo

cromaticamente pelo registro médio até o Dó da segunda linha

suplementar superior; em seguida, alcançou com segurança e afinação

o Dó agudíssimo. Uma breve respiração e foi descendo, saboreando

nota por nota, sentindo cada som vibrar bem dentro de seu coração.

Então, pousou cuidadosamente o clarinete sobre o banco e voltou para

a calçada, a esperar que a banda retornasse para sua tocata.

Enquanto isto, no interior da mansão, os músicos eram

servidos e não deram importância àquelas escalas vindas do jardim.

Mas, o mestre que conhecia a todos e via que todos estavam ali, ficou

cismado com o que ouvira e que só poderia ter vindo de um dos seus

músicos melhores. Pediu, então, ao contramestre para ir até o jardim,

verificar se tinha alguém por lá.

O contramestre chegou ao jardim e não viu ninguém; apenas

um homem na calçada, trajado modestamente. Voltou e relatou ao

mestre que, terminado o lanche, já retornava com os músicos para o

jardim. Então, pediu ao contramestre que chamasse o homem que

estava na calçada.

Tonheca entrou, meio desconfiado. O mestre perguntou:

60

– Foi o senhor que tocou no clarinete, enquanto nós

estávamos lá dentro?

– É ... o senhor me desculpe, mas é que eu sopro um

clarinetezinho e não resisti à tentação de experimentar um instrumento

assim, tão moderno...

– Tocar clarinetezinho não; o senhor é músico de muita

experiência. Eu ouvi que o senhor percorreu toda a escala do

instrumento, muito seguro e afinado. O senhor não é daqui, não?

Nesse momento, aproximou-se do grupo um jovem

elegantemente vestido que, postando-se junto ao mestre, escutou toda

a conversa entre os dois. Tonheca contava ao mestre a história de sua

viagem ao Pará e que estava em Belém tentando, sem êxito, uma

colocação como músico. Falou, também, na sua experiência e nas

músicas que já havia composto. O jovem que ouvia a conversa fez

algumas perguntas a Tonheca e, por fim, indagou:

– O senhor poderia comparecer amanhã a meu escritório

para falarmos de um trabalho?

Então, o jovem tirou da carteira uma cédula de 100 mil réis

e um seu cartão de visitas, entregando-os ao admirado músico, que

pouco compreendia o que se passava.

Tonheca voltou para a pensão, sentindo que a sua sorte

começava a mudar. Ao chegar, contou o que acontecera a “seu”

Maneco português, que ao ver o cartão de visita, arregalou os olhos:

– Doutor Sílvio Chermont? Tu falaste com o Dr. Sílvio

Chermont? Mas, ele pertence a uma das famílias mais importantes do

Pará! Estás com a vida feita se ele te proteger. Ora, vamos nós

comemorar que tu mereces!

E desceu da prateleira uma garrafa de vinho, que foi tomada

em meio a exclamações do português, que não parava de admirar a

boa sorte do seu hóspede.

No dia seguinte, Tonheca compareceu ao escritório do Dr.

Sílvio Chermont, à Rua Dr. Gentil Bittencourt. Vestiu a roupa melhor

que possuía, mas se sentia mal vestido, frente ao pessoal que

trabalhava ali. Logo o Dr. Chermont o recebeu e foi logo lhe

61

perguntando:

– O senhor seria capaz de compor uma valsa para eu dar de

presente no dia do aniversário de minha noiva? Ela é louca por música

e estuda piano, então, eu gostaria de lhe fazer uma surpresa.

– Eu não sei se posso fazer uma coisa de seu gosto...

– Não pense assim. Escreva a valsa e traga quando estiver

pronta.

E lhe entregou uma nota de 500 mil réis, um bom

adiantamento para uma encomenda como aquela.

Tonheca voltou ligeiro para a pensão. Terminado o jantar,

recolheu-se ao seu quarto, apanhou papel de música e sentou- se à

velha mesa. Pelo caminho, quando voltava para a pensão, na sua

cabeça, já se arrumavam algumas melodias, que procurava assobiar

para não esquecer. No jantar, enquanto o português contava histórias

de sua terra, uma ou outra frase musical aparecia, limpa e sonora em

seu pensamento, fazendo com que o compositor apressasse o fim da

refeição, ao sentir as “dores do parto” da criação a lhe perturbarem a

emoção.

Sentado, olhos fechados, procurava concentrar-se. Saiu a

primeira frase, uma melodia ascendente no tom de Dó maior que,

explorando o registro grave do clarinete, faria belo efeito. Agora, a

melodia exigia uma rápida modulação para Ré maior e uma passagem

de um compasso apenas em Mi bemol maior, para, em seguida,

retornar ao Dó maior e encerrar a primeira parte. Tonheca solfejou o

que havia escrito; ficara bonito... pena que não tivesse um clarinete

para experimentar.

Agora, vamos para a segunda parte, que deve ser em Lá

menor, relativo do tom da primeira parte. Aqui, caberia melhor uma

parte tanto melódica quanto movimentada, dançante... própria para ser

dançada por aquela gente nobre da casa dos Chermont. À medida que

a melodia se armava em sua cabeça, a caneta mergulhava e saía,

ligeira, do tinteiro, às vezes borrando o papel pela pressa e ansiedade

do compositor.

62

Faltava a terceira parte, para encerrar o trabalho. Ficaria

bem se ela fosse melódica como a primeira parte e ritmada como a

segunda. Um Fá maior, quem sabe... Que tal começar com... Dó, Fá,

Lá. E a melodia começava a sair, completando a terceira parte. Pronto,

a melodia estava completa. Agora, vamos logo fazer o arranjo para

banda, armar a “grade” para o regente e distribuir as partes de cada

instrumento. Para começar, é preciso pensar musicalmente, imaginar

como a melodia ficará sendo tocada por este e aquele instrumento e

como soará sendo tocada por vários instrumentos combinados. Muita

prática, conhecimento da tessitura de cada instrumento e muita

concentração eram exigidos nessa etapa da composição.

Tonheca olhou para a janela do quarto e notou que a

madrugada já despontava. Terminara a valsa de uma só arrancada e as

partes para a banda já estavam prontas para serem experimentadas. E

agora... e se ele não gostasse? E se a noiva dele não gostasse? A sorte

estava lançada. Agora, dormir um pouco e levar a valsa para o regente

da banda. E adormeceu, com a melodia ainda soando em seus

ouvidos.

Cansado do esforço da noite anterior, Tonheca dormiu até

mais tarde. Tomou um café ligeiro e foi procurar o regente da banda

da Polícia Militar, para lhe mostrar o trabalho. O mestre o recebeu em

sua casa. Tonheca pediu um clarinete e solou a melodia da valsa, ele

próprio ouvindo pela primeira vez. O maestro gostou muito do

trabalho e ficou com as partes para ensaiar, combinando se

encontrarem no aniversário da noiva do Dr. Chermont.

Dias depois, Tonheca recebia um recado para comparecer à

residência dos Chermont, no dia do aniversário da noiva do Dr.

Sílvio. Com o dinheiro recebido em adiantamento, o compositor

pagara umas contas já velhas e comprou uma roupa nova, para se

apresentar condignamente na residência do seu padrinho.

Chegando à mansão, um conjunto musical já tocava para os

presentes, que dançavam pelo vasto salão. O Dr. Sílvio falou aos

presentes que queria fazer uma surpresa à sua noiva, por isso

63

encomendara uma bonita valsa que todos iriam ouvir em primeira

audição. E pediu ao autor para tocar a música.

Tonheca sugeriu que o próprio maestro da banda regesse,

mas o Dr. Chermont, entregando-lhe a batuta, pediu que ele mesmo

regesse, já que era o autor da música. O sertanejo quase desaparece de

tão encabulado. Por fim, dominando mais a emoção, assumiu o

comando do conjunto e iniciou a execução da valsa.

Todos ouviram, em silêncio, a primeira parte e sua

repetição: o seu caráter lírico, algo triste e saudoso que logo prendeu a

atenção de todos. Na segunda parte, o Dr. Chermont tomou a noiva

pelo braço e começaram a dançar. Logo, todos o acompanharam e

dançavam com entusiasmo a bela valsa. Ao terminar, aplausos gerais,

e o sertanejo era apresentado a toda aquela gente chique que lhe dava

os parabéns e elogiava a beleza da valsa.39

Terminada a festa, Tonheca voltou para a pensão

assobiando a nova composição, cujo título seria escolhido pelo agora

proprietário da música. Sentia que tinha vivido uma grande noite e

estava certo de que a sua arte de sertanejo, modesto e despretensioso,

havia conquistado as emoções de toda aquela gente educada e

acostumada a ouvir boa música.

39 Este fato aqui apresentado foi relatado pelo Sr. José Rodrigues Dias, em escrito de próprio

punho c datado de 18 de novembro de 1959. Tonheca Dantas e ele foram colegas na Banda da Polícia Militar do RN, quando lhe contou o fato acontecido em Belém. O manuscrito estava em

poder do Sr. Abel Rodrigues de Carvalho, passando, atualmente, para a posse do Sr. Pedro

Arbués Dantas, residente em Currais Novos. Segundo o informante, a valsa composta em Belém é a mesma que Tonheca venderia outra vez, tempos depois, e que tomaria, em Natal, o título dc

Royal Cinema. Consultado o Dr. Victorino Coutinho Chermont de Miranda, residente no Rio de

Janeiro e autor do livro A FAMÍLIA CHERMONT - MEMÓRIA HISTÓRICA E GENEALÓGICA, declarou ao autor não conhecer os acontecimentos aqui relatados. Entretanto,

detalhes do fato foram fornecidos e confirmados pela Sra. Antônia Dantas da Silva, filha de

Tonheca.

64

RENOVANDO AS ESPERANÇAS

ias depois, já quase desiludido do sonho, cansado de

procurar e com as reservas de dinheiro a ponto de se

acabarem, Tonheca sentou-se num banco da praça do Largo

da Pólvora. Um travo de desgosto se somava à saudade de

sua terra, e recordava os rudes chapadões pedregosos do

sertão do Seridó quando viu aproximar-se alguém cuja

fisionomia lhe parecia familiar:

– Tonheca, você por aqui!

Com surpresa e alegria, identificou o amigo João da Cruz

Cavalcanti, que conhecera em Serra Negra desde os tempos de

menino cantor de festas de igreja e que há muito tempo não via.

Tonheca logo lhe contou suas aventuras e desventuras e a dificuldade

em que se encontrava no momento.

O amigo João da Cruz estava bem, casara-se no Rio Grande

do Norte e a sua esposa tivera, há pouco tempo, a primeira gestação,

que lhe deu dois gêmeos. Havia se engajado como soldado no Corpo

de Bombeiros do Município de Belém e estava muito feliz, tão feliz

que se prontificou em ajudar o conterrâneo em tudo o que pudesse,

convidando-o a aparecer por lá naquele mesmo dia.

Tonheca começou a sentir o começo de um grande alívio.

Afinal, parecia que as dificuldades iriam começar a terminar, graças a

Deus e ao amigo João da Cruz.

De posse do endereço, logo encontrou a casa do amigo,

enxugou o suor do rosto com um lenço e bateu palmas à porta com

D

65

um “Oh de casa!”, no bom estilo sertanejo. Atendeu uma moça

bonita, que pareceu muito surpresa em vê-lo.

– Espere aí que eu vou chamar minha irmã - disse, entrando

sem abrir a porta.

Muito tempo depois, Ana Florentina contou o que disse à

irmã:

– Mana, deixaram a porta do cemitério aberta e tem um

cadáver chamando aí fora!

Maximina, esposa do amigo, veio atender. Tonheca sentou-

se no sofá da sala modesta, já um pouco mais livre do peso da

insegurança, e esperou a chegada do amigo.

João da Cruz chegou na hora combinada e apresentou o

amigo à família. Maximina, sua esposa, teve dois gêmeos, Júlio e

Julião, nascidos em 5 de julho daquele ano de 1903. Ela mandou

buscar a sua sogra, dona Luiza Ermelinda da Silva, para “pegar”40

as

crianças. Com a sogra, vieram três irmãs solteiras: Ana Florentina,

com 18 anos - aquela que recebeu Tonheca ao chegar - Generosa

Apolônia, com 15 e Francisca dos Prazeres (Santinha), com 13 anos.

Depois da janta, João da Cruz botou as cadeiras na calçada

para conversar com o amigo, aproveitando um pouco da brisa gostosa

que soprava. E foi contando a sua história.

– Eu sentei praça no Batalhão de Segurança em Natal, sendo

destacado para São José de Mipibu. Depois de algum tempo lá, o

Sargento Pastel me chamou e disse que devia me casar, pois não era

bom um soldado do Batalhão de Segurança ser solteiro. Eu respondi

que não conhecia nenhuma moça no lugar. Ele, então, me disse: “Não

se incomode que eu vou dar um jeito nisso. Conheço um senhor de

nome Manoel Valentim Marques da Silva, carpinteiro de profissão,

homem honrado e trabalhador, que tem umas filhas solteiras. Eu vou

pedir uma em casamento para você. Prepare-se que hoje nós vamos à

casa dele.”

40 “Pegar”, no sentido de fazer o parto. Júlio faleceu em Belém, aos 9 anos de idade e Julião

faleceu em Natal em 1988, aos 85 anos.

66

– À noitinha, fomos à casa do carpinteiro e o Sargento Pastel

falou o assunto ao hoje meu sogro. Ele mandou chamar as quatro

filhas solteiras, colocou as moças na minha frente e disse que eu

escolhesse aquela com quem eu queria casar. Eu escolhi Maximina, a

mais velha. As outras três são as que estão aqui em casa agora. O pai

dela disse que só voltasse com quinze dias, para casar. Nada de

namoro nem noivado. Casei-me e sou feliz. Depois, andaram me

falando das vantagens daqui. Então, eu pedi baixa, peguei um navio e

vim para Belém. Entrei no Corpo de Bombeiros, mandei buscar a

mulher e aqui estamos. Quando ela chegou ao tempo de dar à luz, eu

mandei buscar minha sogra e ela veio com as outras filhas. O resto é o

que você está vendo.

Tonheca voltou para a pensão um pouco mais animado e

sentiu uma certa inveja do amigo que estava feliz, casado, tinha a sua

casa e seu dinheiro certo como soldado do Corpo de Bombeiros. Uma

tristeza grande foi-lhe chegando com a lembrança de Rosa de Lima. E

a sua filha, por onde andaria com a mãe?

67

Fachada do Quartel Municipal do Corpo de Bombeiros de Belém do

Pará, onde serviu Tonheca Dantas.

68

O DESTINO MOSTRA OS CAMINHOS

erto dia, passando por uma igreja da cidade, verificou que

estava havendo uma cerimônia fúnebre, com a presença de

duas bandas de música. Atraído pela música, Tonheca foi-se

chegando, aproximou-se de uma das bandas e, aproveitando uma

pausa, perguntou a um dos componentes:

– Que banda é esta?

– Do Corpo de Bombeiros, respondeu o músico.

– Tem alguma vaga? - continuou.

– Tem, a de 1o clarinete.

– Eu queria falar com o mestre...

– Ele está de férias.

– Sabe onde ele mora?

De posse do endereço, Tonheca pegou um velho bonde

puxado a burros e saiu em procura da casa do responsável pela banda

dos bombeiros.

O mestre atendeu. Era um jovem simpático, mas reservado.

Estava com 35 anos e há 5 anos estava à frente da banda dos

bombeiros. Tonheca, dois anos mais velho, fora regente em Natal aos

28 anos e, na ocasião, buscava um lugar de músico.

– Queria saber se o senhor tem vaga na banda dos

bombeiros...

– Tenho, sim. Qual o seu instrumento?

– Trompete, respondeu Tonheca, fazendo-se de matreiro e

imaginando que o mestre poderia tentar despistá-lo, negando a

existência da vaga.

C

69

– Ah, se fosse clarinete... A vaga é de clarinete...

– Pois eu toco clarinete também e queria me candidatar.

– Então me procure no quartel ainda agora de manhã.

Tonheca apressou-se em voltar ao quartel, com o

pressentimento de que as coisas iam começar a se arranjar e logo

procurou o bombeiro conterrâneo.

Logo ao chegar, uma agradável surpresa: a fachada do

prédio do quartel do Corpo de Bombeiros. Recentemente construída,

a elegante edificação era mais uma dentre os formosos prédios da

cidade e, ao contrário das pesadas e sóbrias construções que são o

comum dos quartéis, aquela fachada era uma bela exceção, pela graça

e delicadeza dos seus ornamentos.

O sentinela encaminhou-o para o comandante da guarda e

este mandou chamar o soldado João da Cruz. Enquanto esperava,

Tonheca contemplava o amplo pátio, onde estacionavam algumas

modernas viaturas e aparelhos contra incêndios. O prédio dispunha

de, além do térreo, um segundo andar. No extremo do pátio interno,

estavam as cavalariças. Na parte interna, o edifício não estava

concluído e algumas partes ainda estavam em construção.

João da Cruz ouviu o que Tonheca lhe contou e ficou muito

contente com a possibilidade de ter o amigo como colega de trabalho.

Enquanto esperavam pelo regente, aproveitou para explicar algumas

coisas.

– Está vendo este prédio aí em frente? É o Conservatório de

Música. Isso interessa a você, que é músico. Aí era onde ensinava o

maestro Carlos Gomes, até o seu falecimento.41

Notando a curiosidade do amigo pelo edifício do quartel,

continuou:

– O Corpo de Bombeiros aqui de Belém existe desde 1882;

era apenas uma Companhia e o comandante veio do Rio de Janeiro,

da “corte”, como se dizia na época. Em 1891, passou a Corpo de

Bombeiros e depois, foi integrado à Força Pública do Estado. Então,

41 Prédio ocupado, atualmente, pela Academia Paraense de Letras, localizado à Rua João Diogo.

70

em 1894, uma lei extinguiu o Corpo. Em março de 1898, o atual

Intendente, senador Antônio José de Lemos, transferiu a corporação

do Estado para o Município e o pessoal veio se instalar neste local.

Antes, a gente se aquartelava no prédio do 4o Batalhão de Artilharia,

um prédio grande que você deve ter passado na porta, quando vinha

para cá, aí na Praça Saldanha Marinho.42

Enquanto levava o amigo ao local dos ensaios da banda,

continuava a falar sobre a sua corporação:

– Nós viemos para aqui no ano passado, em 1902, e a

reforma do prédio estava em andamento. Como você está vendo,

ainda falta muita coisa para terminar.

João da Cruz deixou Tonheca no salão da banda de música e

lhe desejou boa sorte.

– Você não tem por que se preocupar. Já passou em

concurso em Natal e foi até mestre da banda do Batalhão de

Segurança. Isto aqui vai ser fácil para você.

Pouco depois, chegava o regente da banda e mandou entrar o

candidato.

42 Atual Praça da Bandeira.

71

SUBMETENDO-SE A NOVO CONCURSO

estreava a banda o alferes Cincinato Ferreira de Souza43

,

maranhense, conterrâneo e parente do Intendente Lemos.

Chegara a Belém aos 22 anos, em 1890 e estava à frente

do conjunto, com muito zelo e competência, desde a sua organização,

no ano de 1898.44

Tonheca entrou no amplo salão de ensaios. Diversos

músicos estavam no local, grupos conversavam, outros faziam a

manutenção de seus instrumentos e outros ensaiavam

individualmente. O mestre apontou para uma cadeira onde estava um

clarinete e, junto, uma estante de música, dizendo que podia sentar-se

e experimentar o instrumento. Era sua obrigação ser rigoroso na

seleção, afinal, a Banda do Corpo de Bombeiros tinha elevado

conceito na cidade e os músicos que a compunham – muitos deles

estrangeiros – eram da melhor qualidade. Alguém que não tivesse

condições de tocar as músicas do seu repertório só atrapalharia e

prejudicaria o trabalho dos outros.

Os músicos presentes pararam suas atividades, notando que

um candidato ia ser examinado. O seu aspecto não era de quem fosse

bom em música; franzino e moreno, jeito meio encabulado, parecia

mais um iniciante em busca de um primeiro emprego; seria

43 Cincinato Ferreira de Souza, (São Luís, MA, 1868 - Belém, 1959) Autor de valsas, hinos,

marchas e dobrados, destacou-se na composição de músicas para o teatro. Era professor de

música, regente e hábil orquestrador. 44 Maiores detalhes sobre o mestre Cincinato em SALLES, Vicente, “MÚSICA E MÚSICOS

DO PARÁ”.

M

72

certamente mais um dos quantos pensavam estar à altura de entrarem

para a banda e eram reprovados sem apelação. Então, ficaram a

observar, na certeza de verem mais um pretendente escorregar e cair,

vítima das implacáveis armadilhas da música.

Já fazia bastante tempo que Tonheca não pegava num

clarinete. Devia estar com os dedos meio “enferrujados” e os lábios

deveriam ter perdido um pouco da embocadura. Tentou tirar algumas

notas, mas verificou que a palheta estava desregulada. Aos poucos,

foi adaptando o instrumento ao seu jeito próprio e fazendo algumas

escalas e arpejos, para “esquentar.”

Julgando que o candidato já estava preparado, o mestre

entregou-lhe uma página de música, um dobrado espanhol, cheio de

notinhas pretas indicando o andamento rápido da execução. Diversos

outros recursos musicais embelezavam a melodia, mas tornavam

ainda mais difícil o trabalho do executante. Era um solo de clarinete,

daqueles que derrubam com maior facilidade quem não tiver o

preparo suficiente, provocando topadas e gaguejado na execução.

Tonheca colocou a partitura na estante e, mal examinara dois

compassos, o mestre se pôs à sua frente, levantou a batuta e deu sinal

para iniciar a tocar. Regendo a execução, apressava e diminuía o

andamento, para sentir se o candidato obedecia ao seu comando.

Tocada a primeira e a segunda partes, ia iniciar o trio quando

o mestre parou de reger e bateu com a batuta na estante. Tonheca

sentiu um frio na espinha.

– Pode parar. Estou satisfeito. O sr. está aprovado.

Os componentes da banda vieram, sorridentes,

cumprimentá-lo, e comentavam que a peça era difícil. Seus futuros

colegas haveriam de tornar-se, muitos deles, seus amigos. Com mais

um concurso ganho, Antônio Pedro Dantas iria se tornar soldado

músico do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará. Suas dificuldades

parece que iriam terminar.

Ainda havia algumas etapas a ultrapassar. O mestre se

dirigira ao seu birô e escrevia algo em um papel. Terminando, chamou

73

Tonheca e disse:

– Pronto, Sr. Antônio, estou pedindo a sua inclusão como 2o

clarinete da banda.

Segundo clarinete e não primeiro! Aquilo soou para

Tonheca como se fosse um susto. Afinal, ele fizera concurso para 1o

clarinete. Foi, então, que lhe surgiu a ideia de tentar um recurso

decisivo.

– O Sr. me desculpe, mas de 2o eu não aceito, pois tenho

garantida uma vaga de 1o na Brigada Militar.

E aguardou o efeito da mentira.

O mestre pensou um pouco e disse:

– Na verdade, eu estava querendo a vaga de 1o para

promover um 2o clarinetista mais antigo. Mas, o concurso foi feito

para 1o e eu estou pedindo a sua inclusão. E mostrou o papel em que

escrevia, onde pedia a inclusão de Tonheca como 1o clarinetista.

74

75

MÚSICO DA BANDA DO CORPO DE

BOMBEIROS

ra o dia 15 de junho de 1903. A Ordem do Dia do Comando

n° 125 publicou que Tonheca Dantas foi incluído no estado

efetivo do corpo e Estado Menor desta secção, por se ter

alistado voluntariamente para servir por quatro anos como músico de

1aclasse, de acordo com o regulamento em vigor.

45 No livro de

assentamentos do Corpo de Bombeiros, consta seu nome como

Antônio Pedro Dantas Tonheca, anexando o apelido Tonheca ao

nome próprio.

Chegara em 3 de maio e esperara exatamente quarenta e

quatro dias para a grande oportunidade.

Procedidos os trâmites burocráticos necessários, Tonheca

recebeu fardamento e compareceu ao primeiro expediente. Eram

cinco os uniformes dos praças do Corpo de Bombeiros. Além do

uniforme simples de serviço, eram os demais cuidadosamente

projetados, demonstrando o esmero que se tinha pela elegância e

distinção do soldado. Para se ter uma ideia, considere-se o 1o

uniforme, que se compunha de capacete de metal, com penacho,

dólmã de canhão (extremidade da manga) azul turquesa com dragonas

(galão com franjas, usado sobre os ombros) de metal prateado com

canotilho (fio prateado em forma de canudinho), e alamares (galão de

fio metálico que guarnece a abotoadura da túnica), calça de

45 Livro de Assentamentos de Praças n° 1, da 1ª Secção do Corpo de Bombeiros Municipal,

Arquivo do Corpo de Bombeiros de Belém, Pará.

E

76

azul-turquesa com galão de metal prateado, cinturão de couro

envernizado de branco, com ferragens prateadas, sabre, botinas e

polainas. Este parecia ser o uniforme para as grandes solenidades. Já

o 2o uniforme tinha capacete branco com penachos, dólmã sem

alamares (com dragonas de metal com canotilho, quando cm

formaturas ou cumprimentos, e com platinas de casimira encarnada,

quando em serviço interno ou passeio), calça de pano mescla com

cadarço ou casimira branca, o mesmo cinturão de couro envernizado

de branco com ferragens prateadas, sabre, botinas com polainas ou

coturnos (calçado de sola grossa e cano até a metade da perna).46

Este

2o uniforme era usado pelo praça quando se deslocava livremente pela

cidade. Imagine-se o nosso Tonheca, assim elegantemente vestido,

transitando pelas ruas de Belém...

Embora a banda fosse composta de músicos de 1a, 2

a e 3

a

classe, o novo componente entrou como 1a classe - onde se

colocavam, em geral, os músicos de maior competência - incluindo-

se, assim, entre os primeiros clarinetes.

Com um mês de trabalho, o mestre o encarregou da função

de afinador da banda, atribuição que é dada apenas a músicos da

confiança do regente. Assim, antes que o mestre chegasse para o

ensaio, Tonheca teria que verificar, naipe por naipe, se todos os

instrumentos estavam soando igualmente pelo diapasão. A prática que

possuía antes de seguir para Belém, lhe assegurava muita

familiaridade com a música, desde a organização e regência de

pequenos conjuntos no interior, até a sua aprovação em concurso para

o Batalhão de Segurança, onde exerceu a regência de um conjunto

maior. Já naqueles tempos, compunha e fazia arranjos para banda de

música e tocava todos daquele conjunto, o que lhe permitia a exata e

equilibrada distribuição dos sons entre os diversos timbres dos

diferentes instrumentos.

46 “O MUNICÍPIO DE BELÉM”, (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos), Arquivo da

Intendência Municipal. Belém, 1905.

77

Ao conhecer-lhe o currículo e havendo comprovado os seus

conhecimentos, o mestre Cincinato lhe entregou, por isso, a

incumbência da afinação da banda. Isso significa, também, que

Tonheca exercia, com toda a certeza, a função de clarinetista solista,

ou seja, o 1o entre os primeiros clarinetes do conjunto. Isso confirma a

sua reconhecida competência no domínio do seu instrumento

predileto.

A Banda de Músicos do Corpo de Bombeiros Municipal de

Belém se compunha, naquele ano de 1903, de 45 figurantes, na

grande maioria profissionais competentes e experimentados. Eram 25

músicos de 1a classe, 15 de 2

a e 5 de 3

a. Em 1900, o conjunto se

compunha de apenas 21 figurantes e, mesmo assim, destacou-se na

participação dos concertos comemorativos do quarto centenário do

descobrimento do Brasil, utilizando o novo instrumental

recentemente adquirido.

Além da presença obrigatória nas solenidades internas do

quartel, a banda gozava do maior apreço da população pelas tocatas

que realizava nos coretos das principais praças da cidade. O próprio

intendente municipal e sua família eram das mais constantes

presenças. É preciso lembrar que, a audição de música naquela época

só era possível ao vivo. Os gramofones, inventados no final do século

passado, ainda eram deficientes, sua aquisição era difícil e os discos

só seriam fabricados no Brasil a partir de 1903.

Animado com a popularidade da banda e prevendo os lucros

políticos que obteria, o Intendente Lemos resolveu trocar o

instrumental que adquirira em 1900, importando da Europa novos

instrumentos. Esse instrumental, todo de primeira ordem, permitirá

que a música do Corpo seja, alternadamente, banda ou filarmônica,

à vontade. 47

47 “O MUNICÍPIO DE BELÉM”, (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos). Belém,

1904, pag. 72-74.

78

Papel de destaque no conceito gozado pela banda era

exercido pelo seu regente, através de um trabalho dedicado e

consciente. Naquele ano de 1903, o maestro Cincinato Ferreira de

Souza vivia momentos de grande popularidade, graças ao sucesso da

revista “Tacacá”, com libreto de Euclides Ferreira, que ele musicara

com muito êxito. A revista, que focalizava os costumes paraenses, foi

levada à cena sessenta vezes consecutivas em Belém.48

No começo de 1904, chegou o novo instrumental importado

da Alemanha. Eram 54 instrumentos da melhor qualidade e iriam

melhorar ainda mais o desempenho de quem os manejava. A partir

daquela data, a banda se compunha de uma flauta em Dó, um flautim

em Mi bemol, sete clarinetes em Si bemol, um oboé em Dó, duas

requintas em Mi bemol, dois pistons em Si bemol, um bugie, dois

contrabaixos em Mi bemol, dois contrabaixos em Dó, dois

contrabaixos de corda, duas trompas em Mi bemol, quatro trombones

em Dó, dois saxofones barítonos em Si bemol, dois bombardinos em

Dó, um saxofone soprano, um saxofone tenor, um saxofone barítono,

um clarone em Si bemol, um bombo em Dó, uma caixa de guerra, um

par de pratos, um triângulo, um par de castanholas e um tantã. Alguns

instrumentos, além do número de executantes, garantiam a

eventualidade de um defeito ou necessidade de manutenção.

Primoroso concerto foi cuidadosamente preparado e

apresentado ao público na Praça Batista Campos, no dia 14 de

fevereiro, para inaugurar os novos instrumentos. Era, também, o

momento da inauguração do novo pavilhão49

daquela praça,

denominado Primeiro de Dezembro. Numerosa assistência lotava os

arredores, festejando a ocasião com um alegre carnaval. Em posição

especial, estavam autoridades e seus familiares, entre elas o

Intendente Antônio José Lemos, que, se sempre dedicara ao Corpo de

48 Conforme noticiário de A República. Veja-se, ainda, Salles, Vicente, “SOCIEDADES DE EUTERPE”. A revista “Tacacá” foi encenada em Natal, pela Companhia Apolônia Pinto, em

julho de 1907, no Teatro Carlos Gomes. 49 Locais cobertos para apresentações musicais, no Nordeste denominados “coretos.”

79

Bombeiros as melhores atenções, a partir daquele momento em que a

estreia da nova banda se fazia de maneira auspiciosa, teve muitos

motivos para se orgulhar da corporação.

Animado com os êxitos obtidos pelos concertos eventuais da

banda de música, o Intendente Lemos resolveu que os mesmos

deveriam ser levados a público em dia e hora certos. Assim,

determinou em 18 de novembro de 1904, que a banda deveria

apresentar concertos públicos no pavilhão da Praça Baptista Campos,

todos os domingos, das 17 às 22 horas.50

A cidade tinha, dessa forma,

fixado o momento adequado para seu momento de lazer e cultura.

Em 22 de dezembro, o Alferes Cincinato Ferreira de Souza

era promovido a Tenente. O Intendente Lemos sancionava projeto de

lei onde se justificava que a maior parte da população de Belém, se

não quase toda, não se cansa de aplaudir com entusiasmo a bela e

disciplinada banda do Corpo de Bombeiros, por ocasião dos

concertos que periodicamente dá nesta capital. Continuando em suas

justificativas, diz mais o projeto de lei, referindo-se à banda e seu

regente: Esse melhoramento de que goza o Município é devido, não

somente à boa vontade e esforços constantemente empregados pelo

Sr. Intendente nesse sentido; mas também à dedicação, às aptidões do

alferes diretor da mesma banda, o qual, com grande trabalho e

enorme sacrifício, tem feito, em pouco tempo, que essa banda seja

considerada uma das primeiras do Brasil. 51

Os componentes da banda tinham da autoridade municipal o

melhor conceito. Em seu relatório referente ao ano de 1904,

pronunciava-se: Em vista do grande valor daqueles professores,

dotei-os, conforme já foi dito mais acima, de um ótimo instrumental

moderno, que contribui de modo notável para o brilhantismo dos

concertos municipais, já executando como banda, já como

filarmônica.

50 Salles, Vicente, op. cit. 51 Projeto de lei apresentado ao Conselho Municipal de Belém pelo vogal Ignacio Nogueira, transcrito parcialmente em “O MUNICÍPIO DE BELÉM”, (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos) Arquivo da Intendência Municipal, Belém, 1905, pag. 84.

80

Composta de 45 figuras, na sua totalidade habilíssimos

profissionais, a banda tem o seu repertório constantemente

reformado e aumentado com as produções dos mais reputados

autores. 52

Além das músicas próprias para banda de música, como

hinos, marchas e dobrados, a banda do Corpo de Bombeiros tocava,

efetivamente, peças da melhor qualidade do repertório internacional,

especialmente trechos selecionados de óperas, o que evidenciava o

elevado nível de sua atuação.53

Durante o ano de 1905, continua o bom trabalho da banda.

O Intendente Lemos não esconde a sua satisfação: Devido aos

esforços de seu diretor, tenente Cincinato Ferreira de Souza, pôde

a banda de música do Corpo Municipal de Bombeiros melhorar

ainda as suas condições, durante o ano, sendo os seus concertos

muitíssimo apreciados pelo público. O instrumental é dos mais

aperfeiçoados e à organização dos respectivos programas preside

um critério estético dos mais seguros. Em 1905, deu a banda de

música 72 concertos públicos, além dos particulares 54

52 Idem, pag. 84. 53 Informações do Sr. Mário Quintano Dragon, (aos 96 anos em outubro de 1996) ao autor, ex-

integrante da Banda do Corpo de Bombeiros, incluído na corporação em 1917. Não conheceu

Tonheca. 54 “O MUNICÍPIO DE BELÉM”, (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos), Arquivo da

Intendência Municipal. Belém, 1906.

81

O novo quartel do Corpo Municipal de Bombeiros de Belém,

inaugurado em 1904. Notem-se os veículos movidos a tração

animal. A banda, com a presença de Tonheca Dantas, está formada

na calçada do prédio.

82

INAUGURAÇÃO DO NOVO QUARTEL

oncluídas as reformas, foi inaugurado em 24 de fevereiro

daquele ano de 1904, o novo quartel da Rua João Diogo. Do

acanhado edifício do século passado, onde as viaturas

estacionavam em plena rua, nada lembrava a espaçosa construção.

Às oito horas, já estavam presentes o Governador do Estado,

Dr. Augusto Montenegro, o Intendente Municipal, Senador Antônio

José de Lemos, e numerosas autoridades. O vigário geral do bispado,

monsenhor João Ferreira de Andrade Muniz, deu a benção ao prédio.

Em seguida, o Intendente Lemos declarou inauguradas as instalações.

Foi feita uma visita às várias dependências e lida e assinada uma ata.

Enquanto se realizava a cerimônia no edifício principal, os

bombeiros se reuniam, desde as 4 horas da manhã, em frente ao

prédio da sucursal, à Rua 22 de junho.55

Às 8 horas e 30 minutos, o

comandante do Corpo, Tenente-Coronel Francisco Feliciano Barbosa,

deu voz de marcha e o desfile foi iniciado. Tomaram a direção do

novo quartel as duas bombas manuais, carros de pessoal, carros de

transporte de oficiais, carro da escada girante, ambulância e guarnição

de padiolas.

À frente de todos, a banda de música abria caminho e atraía

as atenções. Durante o desfile, foram tocadas as peças: “Pro Patria

Semper”, Sans Peur”, “Destro”, “Our Marines”, “Lutzow’s Wild

Chase”, “Trot de Cavalerie”, e “Venize la Belle”.

Partindo dali, a corporação cruzou a Avenida

Independência, Avenida Nazaré, Praça da República, Rua Riachuelo,

55 Atual Rua Alcindo Cacella.

C

83

Travessa Frutuoso Guimarães, Praça Visconde do Rio Branco, Rua

Quinze de Novembro, Praça Independência, Avenida Dezesseis de

Novembro. Já próximo ao seu objetivo, passou pelo prédio da

Intendência Municipal e, em frente ao quartel da Brigada Militar,

recebeu a continência da tropa formada em sua homenagem.

Faltavam 5 minutos para as 10 horas quando a corporação

fez alto, no pátio central do novo quartel, sob os aplausos dos

presentes. O comandante dirigiu-se às autoridades, cumprimentando o

governador e o intendente.

Em seguida, foi realizado um exercício simulado de aviso de

incêndio. Os bombeiros, que haviam desfilado em uniforme de

prontidão de incêndio – capacete preto, túnica e calça de brim cáqui,

coturnos e cinto ginástico com machadinha – lançaram-se de seus

alojamentos no primeiro andar, deslizando pelas colunas de ferro. Em

poucos segundos, os cavalos estavam atrelados às viaturas e todos se

apresentavam prontos para sair em missão.

Terminado o exercício por volta das 10 horas e 15 minutos,

retiraram-se as autoridades, recebendo as continências de praxe.56

Tonheca e seus companheiros estavam, enfim, alojados em

casa nova.

O ano de 1904 ainda trouxe boas novas para o Corpo de

Bombeiros. Na noite de 26 de novembro, durante uma visita do

Intendente Lemos, foi inaugurada a luz elétrica no prédio. A novidade

chamou a atenção geral e o intendente comentou, em seu relatório

anual, que a ela assistiu compacta massa de curiosos. 57

Enquanto tudo era progresso no Pará e a riqueza proveniente

da extração da borracha permitia a realização de tantos

melhoramentos, no Nordeste distante, a situação era bem diferente.

Rigorosa seca assolava o sertão naquele ano. Cerca de quinze mil

56 ”O MUNICÍPIO DE BELÉM” 1905, op. cit. pag. 84.

57 As realizações administrativas do Intendente Antônio José de Lemos estão relacionadas e

comentadas nus sete grossos volumes fartamente ilustrados de seus relatórios, sob título “O MUNICÍPIO DE BELÉM”. O 1º volume, publicado em 1902, refere-se ao período de 1897 a

1901, e o último saiu em 1909.

84

flagelados invadiram Natal, acentuando o ambiente de desolação e

tristeza em que vivia a cidade. O Governo do Estado, carente dos

recursos necessários para uma ação mais decisiva, recorria ao

expediente de mandar embarcar levas de flagelados para localidades

do sul do País e, principalmente, do norte. Assim, muitos navios

desembarcaram os que fugiam da seca em portos dos Estados do

Norte, destinando-os à pesada luta da extração da borracha e

lançando-os no ambiente hostil da floresta amazônica, para eles

agressiva e em tudo diferente do meio em que viviam. As cartas que

chegavam relatavam os fatos dolorosos que Tonheca, nascido e criado

no sertão, conhecia bem de perto.

Para compensar as más notícias, informaram que no dia 24

de março, o Governador Alberto Maranhão havia inaugurado o Teatro

Carlos Gomes. Tonheca ainda estava em Natal quando, em 1898,

começou a construção na campina alagada do bairro da Ribeira.

Informaram, também, que o Teatro tinha uma orquestra bem razoável,

formada por elementos locais e alguns de fora. Estava lá o clarinetista

espanhol José Bernardo Borrajo58

e a regência da orquestra estava a

cargo do maestro italiano Luigi Maria Smido59

, havendo ambos

trabalhado antes em Belém.

Consolava a distância da terra, a boa situação que gozava e o

bom trabalho que poderia fazer na banda. Escreveram- lhe de Natal,

dizendo que Banda do Batalhão de Segurança tinha um mestre, um

contramestre e vinte componentes. Em Belém, sendo um dos quarenta

e cinco participantes de sua banda, sentia bem a diferença entre os

dois ambientes musicais.

E as condições para se fazer boa música sempre

aumentavam. Em 1906, foi contratado o maestro Emilio Bossi, como

auxiliar do regente, e mais alguns bons músicos espanhóis vieram

58 José Bernardo Borrajo (Ponte-Vedra, Espanha, 1880 - Belém, 1938), casou em Natal com

Maria Marcolina Botelho e tiveram dez filhos, todos nascidos em Natal. 59 Luigi Maria Smido (Itália?-Rio de Janeiro, 1943), esteve em Natal entre 1903 a 1908 e em

1922, por alguns meses.

85

reforçar o conjunto. Naquele ano, foram apresentados sessenta e três

concertos, sendo vinte e sete públicos e trinta e seis particulares.60

60 Salles, Vicente, op. cit.

.

86

Banda de Música do Corpo Municipal de Bombeiros de Belém, Pará,

em 1906.

87

Detalhe da foto anterior. O clarinetista é, provavelmente, Tonheca

Dantas. A identificação não foi possível mesmo aos seus familiares.

88

TROPEÇOS E INCENTIVOS

músico do Corpo de Bombeiros era um bombeiro como outro

qualquer e não estava dispensado de entrar em ação, sempre

que se evidenciasse um incêndio em qualquer parte da

cidade. Ao toque de alarme, todos os praças que se alojavam no andar

superior do prédio lançavam-se às colunas de ferro e rapidamente

desciam ao pátio, de onde as viaturas puxadas a cavalo partiam em

missão. Na ocasião de um grande incêndio acontecido no prédio da

firma Frank da Costa e Cia., em 1902, todos os músicos participaram

das atividades, demonstrando bravura e entusiasmo. Durante a ação,

faleceram cinco componentes da banda, três deles espanhóis.

Reverenciando os falecidos no cumprimento do dever, duas placas

comemorativas foram afixadas nas paredes do pátio interno do quartel

e o mestre Cincinato compôs, em sua homenagem, a marcha fúnebre

“Vítimas do Dever”.

Na noite de 26 de dezembro daquele ano, o alarme soou e

todos se precipitaram em direção aos carros. Tonheca não esteve

presente na ação. Por isso, foi multado em seu vencimento, na quantia

de cinco mil réis, por ter faltado ao toque de alarme, na noite de

vinte e seis.

Idêntico fato se verificou em 22 de janeiro de 1905 e nova

falta ao toque de incêndio. Desta vez, o comandante agiu com mais

rigor e Tonheca A vinte e três, ficou detido no quartel até segunda

ordem por ter faltado ao toque de incêndio no dia vinte e dois. Foi

posto em liberdade no dia 24.

O

89

Uma repreensão por não ter procedido regularmente por

ocasião do ensaio da banda encerra suas anotações no livro n° 1.61

Esses pequenos incidentes, comuns à vida de qualquer

militar, não parecem haver atingido o seu conceito profissional na

corporação. Tanto é que, em 27 de junho de 1907, foi mandado

engajar por mais 2 anos, de acordo com o regulamento em vigor, a

contar de 15, visto ter terminado nesta data os quatro anos a que se

obrigou a servir, conforme fez público, a Ordem do Dia regimental

número 141. 62

Se por duas vezes foi punido pela sua ausência durante o

combate a incêndios, no dia 4 de agosto de 1908, foi louvado pelo

Exmo. Sr. Senador Intendente, pela bravura e disciplina com que se

houve no serviço de extinção de incêndio em a noite de 26 de julho no

mercado municipal, conforme fez público o detalhe da Intendência

transcrito na ordem do dia regimental n° 164. 63

A Ordem do Dia regimental n° 180, de 25 de agosto do

mesmo ano, publica que Tonheca foi louvado pelo Sr. Tenente

Coronel Comandante pelo acurado asseio e luzimento nos uniformes,

assim como destreza e garbo militar nas evoluções por ocasião do

exercício de infantaria a fogo, realizado em frente ao quartel da

sucursal, à travessa 22 de Junho, em a tarde de 22.64

Seu conceito como conhecedor de música levou-o a ensinar

particularmente, como tinha feito muitas vezes em seu Estado.

Paciente e perseverante, ficou sendo conhecido como bom professor.

Alunos particulares lhe garantiam uma renda extra ao salário de

músico da banda. Muitas moças, filhas de ricas famílias, estudaram

com ele. Sua fama de bom professor levou o comandante da

corporação a contratá-lo para ensinar à sua filha. Para aquela moça,

61 Livro de Assentamentos de Praças n° 1, da 1ª Secção do Corpo de Bombeiros Municipal, Arquivo do Corpo de Bombeiros de Belém.

62 Livro de Assentamentos de Praças n° 2, da 1ª Secção do Corpo dc Bombeiros Municipal,

Arquivo do Corpo de Bombeiros de Belém. 63 Idem.

64 Idem.

90

compôs e harmonizou para piano a valsa “Iolanda”, e com o Tenente -

Coronel Francisco Feliciano Barbosa manteve uma boa amizade

firmada pelo seu conceito de bom profissional.

A vida corria tranquila para o sertanejo distanciado de suas

origens, porém vivendo bem em terras estranhas. Mas, já se

ambientara satisfatoriamente aos usos e costumes locais e não

dispensava uma boa porção do gostoso açaí como sobremesa, nem

uma saborosa cuia de tacacá tomada em pé, à saída do quartel, junto à

barraca onde o líquido fervia e recendia o perfume do jambu e da

pimenta.

A convite de outros músicos, participou de um evento no

Teatro da Paz.

A saudade do seu sertão só era amenizada com a chegada de

uma carta, quando um navio vindo do sul atracava no porto. A solidão

era amenizada pelos encontros com os amigos e pelas visitas às

alegres moradoras da Rua do Riachuelo...

91

ADEUS À LIBERDADE...

uem estava muito satisfeito com o sucesso do conterrâneo era

o amigo João da Cruz. De vez em quando, depois do jantar,

Tonheca aparecia para uma palestra. Desfeita a mesa, vinham

moças da vizinhança para o passatempo de um joguinho de sueca.

Tonheca sempre foi muito hábil no traçado das cartas, dava- se muito

bem com elas e com as moças, também. “Solteiro” e ganhando bem,

era um bom partido para as jovens em idade de casar. Gentil e

maneiroso, dava respeitosa atenção a todas até que – e já estava

demorando – surge o primeiro mexerico: uma das vizinhas foi dizer a

dona Luiza Ermelinda, sogra de João da Cruz:

– Ana está namorando com “seu” Tonheca!

Interrogada pela mãe, Ana Florentina negou o fato, que não

era mesmo verdadeiro. Continuou o “disse-me-disse” e Ana, gênio

forte e determinado, novamente interrogada pela mãe, acabou por

dizer:

– Quer saber de uma coisa, não estou namorando ele não,

mas vou namorar só para deixarem de falar!

E contou tudo a Tonheca. Com pouco tempo, estavam os

dois de namoro firme e já pensando em casamento.

Casaram Antônio Pedro Dantas e Ana Florentina da Silva,

no religioso apenas, em 22 de novembro de 1906. Residindo em uma

casa da Rua dos Tamoios, ali viram nascer a primeira e única filha do

casal, Antônia, em 25 de agosto de 1907.

Prestigiado como músico e professor e vivendo

Q

92

razoavelmente bem de finanças, Tonheca compôs diversas peças

musicais. Algumas de suas composições foram impressas na

Alemanha e eram vendidas nas casas de música da cidade, como a

livraria da esquina Rua Conselheiro Furtado com 14 de abril; entre

elas, as valsas para piano “Louca por Amor” e “Amor Constante”,

dedicadas a Ana Florentina. Daquele período, são diversas valsas

instrumentadas para banda de música, entre elas “Melodia do

Bosque”65

Tonheca teria participado de uma encenação, no Teatro da

Paz, intitulada “A Morte do Cisne”. Não foi possível obter-se maiores

informações sobre o fato.66

Belém continuava crescendo e se desenvolvendo. O

transporte mais comum para as pessoas abastadas eram as carruagens,

tracionadas por cavalos, mas já começavam a aparecer os primeiros

automóveis. Em 15 de agosto de 1907, os velhos bondes puxados a

burros foram substituídos por veículos movidos a eletricidade.

Naquele dia, diversos bondes percorreram as suas linhas, sob os

aplausos populares, conduzindo autoridades e – como não podia

deixar de ser – o pai da iniciativa, o Intendente Lemos.

Responsável por inúmeras melhorias na cidade, o Intendente

Lemos era, naturalmente, muito sensível às homenagens que se lhe

prestassem. O seu aniversário – 17 de dezembro – era festivamente

comemorado por seus amigos, correligionários e, também,

bajuladores. Naquela data, em 1908, Tonheca teve de acordar mais

cedo que de costume; a Banda do Corpo de Bombeiros, que tantas

atenções recebia do intendente, iria prestar homenagem ao seu

65 Não é conhecida, por enquanto, a produção musical de Tonheca, no período em que esteve em Belém. As músicas originárias da antiga Banda do Corpo de Bombeiros estão guardadas no

Arquivo da Polícia Militar do Estado do Pará e as precárias condições de sua organização não

permitem, no momento, nenhuma pesquisa. Pelo grande número de pacotes lacrados, é bem possível poder-se encontrar, futuramente, no meio deles, composições de Tonheca.

66 Informação de sua filha, Antônia Dantas. Pesquisa realizada pelo autor em novembro de 1996

no Teatro da Paz, em Belém, não logrou resultados: os arquivos daquele teatro estão incompletos, faltando programas e outros documentos da época.

93

benfeitor. Às 4 horas da manhã, estavam todos formados na atual

Avenida Gentil Bittencourt, em frente à casa de Lemos, para oferecer-

lhe uma alvorada musical. Mesmo sendo muito cedo, já muita gente

se postava nos arredores. O Tenente Cincinato ergue a batuta e foi

executado “Orpheo all’Inferno”, de Auber e “Zanefla”, fantasia

também de Auber e “Reminicenze”, de Donizetti. Enquanto outros

conjuntos continuavam as homenagens, a Banda do Corpo de

Bombeiros retornava ao quartel.67

67 Roque, Carlos, ANTÔNIO LEMOS E SUA ÉPOCA - HISTÓRIA POLÍTICA DO PARÁ.

Belém, 1996.

94

NOTÍCIAS DO SERTÃO

s notícias do êxito de Tonheca chegavam por carta à sua

pequena Carnaúba dos Dantas. Certo dia, ao chegar do

trabalho, encontrou em sua casa alguém que o esperava.

Maleta de madeira recoberta de couro amarelo com brochas graúdas

e aspecto de cansado, reconheceu o primo Manoel Hipólito Dantas

Filho, a quem todos chamavam de “Fumaça”.68

Depois dos abraços e

das notícias da família e da terra, o primo disse a que vinha.

– As coisas estão ruins por lá e eu queria ver se você

arranjava uma colocação para mim.

“Fumaça” era um trompetista de muito boa qualidade,

remanescente da banda do irmão José Venâncio, dos velhos tempos de

Carnaúba dos Dantas e antigo colega de Tonheca. Atraído pelas

notícias do primo, vinha tentar a vida em Belém. Depois do jantar,

“Fumaça” contou a Tonheca parte de sua história:

“Resolvi tentar a vida por aí. Comecei a apanhar algodão

para ver se tirava o dinheiro da passagem, mas enquanto um apanhava

dez quilos, eu só apanhava dois. Músico é meio sem jeito para essas

coisas...”

E Tonheca ria com os “causos” do primo e as coisas da

terra...

68 Manoel Hipólito Dantas Filho foi músico, por duas vezes, da Banda da Polícia Militar do Rio

Grande do Norte. Irmão do igualmente músico militar Enéas Hipólito Dantas, era filho de

Manoel Hipólito Dantas e Ana Rosalina Dantas.

A

95

– Foi então que Joel Luz me emprestou vinte mil réis para

eu comprar uma passagem para São Paulo. Peguei um navio cargueiro

que ia cheio de algodão para o sul. Quando ele parou em Vitória para

descarregar, eu desci e fui dar uma volta por ali. Escutei uma banda

tocando e me cheguei até lá. Quando terminou o ensaio, perguntei ao

mestre se tinha vaga para músico de primeira estante. O mestre olhou

para mim admirado, talvez desconfiado porque eu não estava bem

vestido como ele e os músicos dele... Aí, perguntou:

– E o senhor é músico de primeira estante? Então, vamos

ver... Qual é o seu instrumento?

Então, pegou uma parte de uma música, daquelas, sabe? Só

tinha notinha preta... Eu dei uma afinada no trompete e disse a ele:

– Pode reger.

Quando eu terminei, ele disse:

– Achei bom.

Então, eu disse a ele:

– Pois eu não achei bom, não.

– Por que?

– Porque o senhor regeu muito devagar!...69

Tonheca quase não para de rir com a “presepada” do primo

“Fumaça”.

Combinaram ir ao ensaio da banda no outro dia de manhã.

No dia seguinte, logo cedo, estavam os dois no salão de

ensaio da Banda de Música do Corpo de Bombeiros. A sorte parece

que protegia “Fumaça”, pois chegou o pessoal de um circo

procurando músicos para tocarem na orquestra. Tonheca piscou o

olho para “Fumaça”.

– É aqui que você vai entrar.

À noite, já estavam os dois primos e mais outros músicos se

preparando para o ensaio da orquestra do circo. Um pequeno

problema para o primo “Fumaça”: não havia vaga para trompete, o

69 Fato relatado por Francisco Rafael Dantas, de Carnaúba dos Dantas.

96

seu instrumento. Mas, o seridoense não era de se apertar com pouca

coisa e aceitou tocar a trompa de harmonia, instrumento que nunca

havia visto. Enquanto o maestro distribuía as partes e dava instruções,

“Fumaça” ia experimentando a trompa e, baseando-se no mecanismo

de pistons do seu trompete, foi tirando as notas da escala.

Começa o ensaio; o maestro ergue a batuta e dá início à

execução. Foi quando o trombone começou a errar. Vendo que não ia

conseguir nada com ele, o regente perguntou:

– Tem alguém que possa assumir a parte de trombone?

– Eu, disse “Fumaça”, levantando-se de um pulo. E recebeu

o trombone, feliz por livrar-se da trompa.

Os músicos começaram a olhar para ele com desconfiança e

o bombardino disse para o colega do lado, em tom de voz para ser

ouvido por todos:

– Esse “cabra” é muito “imperoso”!

O maestro reiniciou o ensaio e, desta vez, foi o trompete que

começou a errar.

– Tem alguém aí que possa assumir o trompete?

– Eu, levantou-se, outra vez “Fumaça”, agora mais feliz por

haver chegado ao seu instrumento. Outra vez, o bombardino não

conteve a sua crítica:

– Mas esse “cabra” é muito danado de imperoso!

Terminado o ensaio, o maestro estava satisfeito com o

desempenho dos músicos, Tonheca estava fazendo uns “extras” e o

primo “Fumaça” empregado, graças à sua habilidade e desinibição.

Ao voltarem para casa, “Fumaça” comentou com Tonheca a

impertinência do colega do bombardino:

–Tonheca, vamos escrever uma música para derrubar aquele

bombardino. As outras partes a gente faz tudo fácil e a do bombardino

a gente faz o mais difícil que puder...

Tonheca topou a brincadeira e os dois foram logo

imaginando o que fazer. Antes de dormir, já estava a música

distribuída pelos instrumentos e a parte do bombardino cheia de notas

97

de rápida execução, síncopas, quiálteras, tercinas, sextinas e escalas,

exigindo muita destreza para executá-la. Terminado o trabalho, foram

os dois dormir, antegozando o que iria acontecer no dia seguinte.

Na hora do ensaio, “Fumaça” dirigiu-se ao maestro:

– Mestre, nós fizemos esse maxixe dedicado ao senhor...

– Ah, muito obrigado... vamos experimentar para ver como

ele soa.

Distribuiu as partes e sinalizou para iniciar.

Tudo corria bem para todos, mas, o bombardino, conforme

esperavam os primos, começou a se atrapalhar, gaguejar e a se irritar,

até que pediu para parar e disse:

– Maestro, esta parte de bombardino foi feita de propósito

para me derrubar, pois eles têm raiva de mim. Essa música não tem

quem toque certo...”

Era o que “Fumaça” estava esperando:

– Pois me dê aí o bombardino...

O maestro recomeçou o ensaio e “Fumaça” tocou aquela

trapalhada de notas sem erro. Ao terminarem, todos aplaudiram e o

bombardinista não se continha de raiva. Então, o maestro completou:

– A música é bonita mas falta o título...

– O título é: “Sou imperoso porque posso”, disse Manoel

Hypolito Filho, de peito lavado. Todos riram e fizeram, depois, as

pazes.70

70 Fato igualmente relatado por Francisco Rafael Dantas

98

Pátio central do Quartel do Corpo de Bombeiros Municipal de Belém

do Pará, em 1904, visto dos fundos para a entrada. O prédio mantém,

atualmente, a mesma estrutura.

99

Pátio central do Quartel do Corpo de Bombeiros Municipal de Belém

do Pará, em 1904, visto da entrada.

100

TOCANDO PARA O PRESIDENTE DA

REPÚBLICA

m fato de grande repercussão movimentou a cidade de

Belém: a visita do Presidente Afonso Pena.

Entre os meses de maio a agosto daquele ano de 1906,

depois de escolhido Presidente da República em eleições realizadas a

1º de março, Afonso Pena realizou visitas aos diversos Estados da

federação. Em Natal, chegou na noite de 11 de junho, vindo em trem

especial e recebido festivamente na estação da Praça Augusto Severo.

Entre as diversas atividades do Presidente em Natal,

destacou-se a inauguração, no dia 13, do trecho de linha férrea ligando

Natal a Ceará-Mirim. A comitiva presidencial teve de atravessar o

Potengi em baleeiras e, na outra margem, tomar o trem na estação da

Casa da Coroa,71

de onde partiu para aquela cidade.

Ao retornar, o Presidente foi levado diretamente ao navio

Maranhão que, ancorado no porto, aguardava a comitiva para

deslocar-se rumo ao norte, o que se verificou na manhã do dia

seguinte.

Governava o Rio Grande do Norte, desde 1904, o Dr.

Augusto Tavares de Lira, que a convite do Presidente eleito, assumiu

o cargo de Ministro da Justiça e Negócios Interiores no dia da posse,

em 15 de novembro, deixando no governo do Estado o Dr. Antônio

José de Melo e Souza.

71 As ruínas da velha estação de trens ainda podem ser vistas, no lado norte do rio Potengi.

U

101

No dia 1o de julho, o paquete “Maranhão”, conduzindo a

comitiva presidencial, fundeou no Guajará. No trapiche do Lloyd

Brasileiro, estavam as autoridades paraenses. Em seguida, Afonso

Pena desfilou pela cidade, num cortejo de quarenta carruagens.

No dia seguinte, depois de assistir à missa na catedral, o

cortejo se dirigiu ao palácio da Intendência, onde estava formada a

guarda de honra do Corpo de Bombeiros e respectiva banda. Tonheca,

vestindo elegantemente o 1o uniforme, iria ver de perto, pela primeira

vez, um Presidente da República. Deve ter pensado que aquele era um

momento muito importante para um sertanejo simples como ele.

Enfim, chegou a comitiva. À banda marcial, cabiam os

toques de continência. O Presidente desceu da carruagem e a banda

dos bombeiros executou o Hino Nacional. Depois, dirigiu-se ao

interior do edifício, enquanto a banda tocava dobrados e marchas.

À noite, concertos pelas bandas de música da cidade, entre

elas o Corpo de Bombeiros, no pavilhão ao lado do palacete Costa.

Na oportunidade, foi executada a marcha “Afonso Pena”, da autoria

do mestre Cincinato Ferreira de Souza.

O desempenho da banda dos bombeiros foi notado

positivamente pelo Presidente, tanto que assim se pronunciou o

Intendente Lemos, em seu relatório: Um dos mais belos concertos

públicos foi o realizado em julho último, por ocasião da visita do

exmo. sr. dr. Affonso Penna, então Presidente eleito da República,

tendo sua excia. se dignado de elogiar a correta interpretação dada

pela banda ao programa.72

Depois, foi a vez da visita ao prédio do Corpo de Bombeiros

e, novamente, a banda foi o ponto alto das homenagens. O Presidente

percorreu todo o edifício, inclusive as baias. Em seguida, um incêndio

simulado demonstrou a eficiência do trabalho dos bombeiros.

Tonheca, compenetrado e orgulhoso de sua corporação, caprichava no

72 “O MUNICÍPIO DE BELÉM” (Relatório do Intendente Antônio José de Lemos), Arquivo da

Intendência Municipal, Belém, 1907.

102

seu clarinete as melodias que eram tocadas em homenagem ao

visitante ilustre.

Outra vez, Tonheca iria tocar, junto a seus companheiros,

para o Presidente da República. Na noite do dia 3, a companhia Loyd

Brasileiro, proprietária do navio “Maranhão”, que conduzia a

comitiva presidencial, ofereceu um banquete ao Governador do

Estado. A partir das 7 horas, ali se achava a fina flor da sociedade

paraense. Em um dos luxuosos salões do navio, a Banda de Música do

Corpo de Bombeiros reinou absoluta, tocando um selecionado

repertório, próprio para a ocasião. Quem sabe o que passou pela

cabeça de Tonheca Dantas... Ali, bem perto, estava o Presidente da

República e um mundo de gente rica e autoridades. Mas o seu

clarinete era o mesmo dos velhos tempos de menino, quando se

iniciava na bandinha do irmão José Venâncio, lá na sua distante

Carnaúba dos Dantas. Que diriam os irmãos Pedro Carlos, Manoel

Nicolau, João Pedro e Luís Felipe... e os primos Manoel, Pedro e

Felinto Lúcio, que tocavam na Banda de Carnaúba, se o vissem

naquele uniforme elegante, tocando para o Presidente da República?

103

UMA SURPRESA INESPERADA

udo ia muito bem com Tonheca em Belém. Até comprara um

violoncelo e já começava a se exercitar no instrumento,

pensando em fazer alguma experiência na área das cordas, ele

que tocava todos os instrumentos de sopro da banda de música.

A vida particular do casal ia muito bem, até que um

acontecimento imprevisto veio quebrar a paz reinante. Certo dia,

alguém bateu à porta e Ana foi atender:

– Está lá fora uma mulher com uma criança nos braços e

querendo falar com você.

Tonheca estranhou a visita, pois não esperava ninguém,

mas foi ver de quem se tratava. Ana, curiosa, acompanhou o marido

até a sala.

A mulher o olhou com uma expressão de amargura. Tonheca

empalideceu e nada disse.

– Eu vim trazer a sua filha. Não tenho condições de criá-la...

você tem uma casa e pode dar a ela o lar que eu não posso dar...

E foi colocando a menina nos braços de Tonheca, que

estava imóvel, paralisado pela surpresa. Ana se adiantou e recebeu a

criança.

– A senhora entre...

– Não, muito obrigada...

Ana, pela surpresa do marido, não precisou nem mesmo

perguntar se conhecia a mulher e se era verdade o que dizia. Concluiu

que não havia outra alternativa senão acreditar.

T

104

– Olívia, você chegou quando? Gaguejou Tonheca.

– Cuide bem da sua filha... você pode dar educação a ela –

disse, entregando-lhe a criança. E, sem nada mais dizer, cruzou a

porta e afastou-se. Outra mulher a esperava na calçada. Olívia

rapidamente sumiu na esquina da rua.

Tonheca e Ana Florentina se olhavam sem nada dizerem.

– Eu conheci esta mulher em Alagoa Grande, quando vinha

para cá. Eu estava sozinho, você sabe, né... Não podia imaginar que...

– Agora, esta inocente não tem culpa de nada e alguém tem

que tomar conta dela, respondeu a esposa.

Tonheca sentou-se, ainda pálido de emoção.

– Não se incomode não que eu crio ela. Antônia tem quase a

mesma idade dela e o que eu fizer para uma faço para a outra.

Tonheca olhava para a criança alva, de cabelos alourados,

que dormia nos braços da esposa sem compreender o drama de que

era, inocentemente, causadora.

– Vou preparar um mingau para ela.

Ana Florentina criou Marfisa com as mesmas atenções que

dispensava à sua filha Antônia. O destino ainda iria tecer muita trama

na vida do casal.

105

DESPEDINDO-SE DE BELÉM

m 24 de setembro de 1908, Tonheca recebeu noventa dias de

licença para tratamento de saúde. Não foi possível saber-se o

que aconteceu com ele, mas é provável que tenha tido uma

grave enfermidade, pois em 4 de janeiro do ano seguinte, teve a sua

licença prorrogada por mais dois meses. O Livro de Assentamentos

do quartel não informa mais outros acontecimentos e, em 18 de março

de 1909, foi excluído do estado efetivo do Corpo e Estado Menor

desta secção, com baixa do serviço sem declaração de motivo,

conforme fez público a ordem do dia regimental n° 62.73

Não se sabe ao certo que motivos não declarados no quartel

levaram Tonheca Dantas a deixar a cidade de Belém, onde havia se

dado tão bem e gozava de bom conceito. Sabe-se que se correspondia

com vários amigos e que, através de uma carta, recebeu um convite

para mestrear uma banda em Alagoa Grande, na Paraíba. É bem

provável que os seus contatos naquela cidade do agreste paraibano

tenham sido os amigos que fizera na ocasião de sua passagem por lá

em 1903, entre eles o Juiz e chefe político local, Dr. Francisco

Peregrino de Albuquerque Montenegro. Assim, no começo de 1910,

vendeu móveis, tudo o que não podia levar – até o violoncelo por

duzentos mil réis – e retornou a Natal. A proposta recebida da Paraíba

certamente lhe oferecia alguma vantagem, pois lá se tratava de

mestrear uma banda, enquanto no Pará ele fora, durante muito tempo,

73 Livro de assentamento dos praças. 1ª sessão, livro 2º. Arquivo do Quartel do Corpo de

Bombeiros de Belém.

E

106

um simples soldado e – tudo indica m – não havia possibilidade de

promoção. É possível também imaginar-se o quanto tinha pesado

naquela decisão as saudades da terra, dos familiares, suas raízes

sertanejas, tudo certamente muito presente e muito ativo na sua alma

sensível de artista.

É bem provável que outros motivos tenham influenciado

Tonheca na sua decisão. A verdade é que a situação de Belém em

1909 não era a mesma de quando ele chegou. A situação econômica

do Estado do Pará havia mudado, pois a riqueza da extração da

borracha entrara em decadência. Como se sabe, a borracha era nativa

nas matas da Amazônia e a sua colheita fazia-se de forma rudimentar,

exigindo muito esforço e mão de obra. Outros países iniciaram

processos modernos de plantio e extração e já estavam produzindo em

maior quantidade e a melhores preços. O resultado foi desastroso para

os Estados do norte. A queda da arrecadação levou a Intendência de

Belém a reduzir suas despesas; o “tempo das vacas gordas” havia

passado. A arrecadação caíra quase pela metade, de 1900 para 1901.

Entre julho de 1907 e junho de 1908, houve uma queda de cerca de

quatro mil contos de réis. O Governador Augusto Montenegro

ordenou severas medidas de economia e, como sempre acontece, as

atividades consideradas não essenciais são as que mais sofrem. Para

que se tenha uma ideia da situação, considere-se que, entre outras

medidas, o governador dispensou 400 praças da Brigada (Polícia)

Militar, suprimindo inclusive a sua banda, e extinguiu o

Conservatório Carlos Gomes.74

A crise atingiu, então, a própria banda dos bombeiros, que

antes só vivera momentos de progresso: em 18 de dezembro de 1908,

o seu efetivo é reduzido de quarenta e cinco para trinta e três músicos!

No campo político, velhos problemas se agravavam. O

Intendente Antônio José de Lemos estava à frente do governo

municipal há quatorze anos, para o qual fora conduzido por cinco

74 Rocque, Carlos, op. cit.

107

vezes consecutivas; era um vigoroso administrador, responsável por

obras numerosas e importantes, mas teve, como qualquer governante,

os seus pontos vulneráveis. Como presidente do Partido Republicano,

viu crescer o fogo da oposição, sustentando uma feroz batalha contra

seus adversários políticos e severos críticos, através dos jornais.

Desde muito tempo, um grave radicalismo caracterizava a política

local. Partia de ambas as partes, mas a prepotência dos “lemistas”,

baseados na força do poder, era mais pesada e mais alardeada pelos

jornais oposicionistas.

Em fevereiro de 1909, Augusto Montenegro deixava o

governo do Estado, assumindo o cargo José Coelho, que restringiria o

poder do velho intendente e passaria a hostilizá-lo livremente. O

retorno a Belém, mais tarde, de outro líder de oposição, Lauro Sodré,

reforçaria as hostes da oposição.

Tonheca já viajara de volta quando, em dezembro de 1910, a

cidade de Belém foi palco dos mais graves e violentos episódios. A

pretexto de se recusarem a utilizar recipientes apropriados para a

coleta do lixo e pagamento da respectiva taxa de serviços, o povo,

atiçado pela oposição, iniciou quebra-quebras pelas ruas. A situação

levou o Intendente Lemos a renunciar em 12 de junho de 1911 e se

refugiar na Europa, saindo da cidade sob as vaias do povo que antes o

endeusava.

O segundo semestre de 1911 marcaria, radicalmente, a

interrupção de um trabalho cultural realizado com entusiasmo e

dedicação. Aproveitando-se da ausência do Intendente Lemos e,

decerto, procurando atingi-lo mais profundamente, o governo editou

ato extinguindo, em 25 de agosto, por medida de economia, a banda

do Corpo de Bombeiros. Para completar, o mestre, Tenente Cincinato

Ferreira de Souza, era reformado em 30 de dezembro. Tais medidas,

por mais bem intencionadas que fossem, não deixavam de

transparecer os antigos ranços e o revanchismo do momento.

Retomando Lemos no ano seguinte, a presença do velho

intendente reavivaria os antigos ódios. O seu jornal “A Província do

108

Pará” denunciou uma manobra da oposição, que simularia um

atentado ao chefe Lauro Sodré. O jornal oposicionista “A Capital”

denunciou o atentado como verdadeiro. Na verdade, em uma

manifestação popular, um homem foi morto, sob a acusação de tentar

assassinar Lauro Sodré. Nova revolução tomou conta da cidade, e o

jornal lemista “A Província do Pará” sofreu tiroteio e foi incendiado.

Em seguida, ataca-se, saqueia-se e se incendeia a casa de Lemos, que

arrastado à rua, sofreu os maiores vexames. Doente e humilhado, o

outrora todo-poderoso intendente retirou- se, aos setenta anos, para o

Rio de Janeiro, onde faleceu em 12 de outubro de 1913.

Tonheca parecia que estava prevendo os acontecimentos e

voltou para o seu Estado, sem ver o declínio e fim de um trabalho

artístico de grande qualidade, do qual tão prazerosamente

participara.75

75 Os fatos relativos á História paraense aqui relatados foram baseados em informações contidas

em “ANTÔNIO LEMOS E SUA EPOCA”, obra citada.

109

DE VOLTA À TERRINHA

ecentemente chegado a Natal, buscou amparo e sustentação

econômica na corporação à qual servira, há dez anos atrás. O

livro de assentamentos de sua unidade fornece poucas

informações sobre aquele período. Através dele, sabe-se que em 25 de

agosto de 1910, contractou-se neste btl. por 3 anos, para servir como

músico de 1a classe. Foi o presente que deu à filha Antônia no dia em

que completou 3 anos.

Está anotado, também, que Tonheca Dantas foi elogiado

pela sua conduta na parada de 7 de setembro e, outra vez, pela

conduta na parada realizada quando da ascensão do Presidente

Hermes da Fonseca, em 15 de novembro. Em 22 daquele mesmo mês,

lê-se: Excluído com baixa do Serviço, por ordem do Exmo. Sr.

Governador do Estado, conforme ordem do dia n° 108. 76

Passara no

Batalhão de Segurança apenas 90 dias.

Já desde os seus últimos dias em Belém que Tonheca se

correspondia com os amigos que deixara em Alagoa Grande. É

provável que, sentindo que as coisas não iam bem na banda dos

bombeiros, já se articulasse para uma mudança para aquela cidade

paraibana. O breve período no Batalhão de Segurança pode ser

explicado como uma fase de espera, enquanto não tinha as coisas

certas pela Paraíba. Tanto é que, ao desligar-se do velho Batalhão,

76 Livro 3º da 1ª Companhia de Praças. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte,

Natal.

R

110

viajou, pouco tempo depois, para Alagoa Grande.

Durante o breve tempo que passara de volta a Natal,

evidenciaram-se duas facetas do seu comportamento. A primeira, sua

instabilidade e insatisfação pessoal. Estava sempre em busca de novas

situações de vida e ficaria conhecido por “não esquentar lugar” por

muito tempo.

A outra, bem encadeada à primeira, era a sua instabilidade

emocional no que se referia ao sexo feminino. Desde cedo,

manifestou-se mulherengo e o pai havia observado isto quando

começou a engrossar a voz, ainda em Carnaúba dos Dantas, e

concluindo que havia mulher aparecendo no caminho.

Já em Belém, fizera das suas, e agora em Natal, as coisas

estavam mais fáceis. Ali, no bairro da Ribeira, na atual Rua Ferreira

Chaves, moravam gentis senhoritas que recebiam demoradas visitas

de cavalheiros os mais diversos. Bem perto, estava a Tatajubeira,77

enorme e antiga árvore, junto à qual se realizava uma feira

permanente e se podia comprar comidas regionais, como tapioca,

grudes, cuscuz, bolo-preto, sendo também ponto de encontro de

“pândegos”, como eram chamados os boêmios naqueles tempos.

Tonheca sempre arranjava tempo livre para aparecer por

aquelas bandas, juntando-se aos muitos frequentadores para conversas

sem compromisso, uma ou mais cervejas e algumas incursões no

terreno do amor. Do seu relacionamento com as mulheres do local,

passou a procurar com mais frequência por Maria Leopoldina e, ao

que tudo indica, ligara-se a ela emocionalmente.

A esposa Ana Florentina, com seus aguçados sentidos

femininos, já devia ter captado alguma coisa errada no casamento.

Mas, foi relevando aquelas saídas e aqueles atrasos do marido. Na

Paraíba, para onde já se preparavam para partir, as coisas haveriam de

mudar, pois, longe das amizades de Natal, o marido se aquietaria.

Tonheca seguiu sozinho para Alagoa Grande; deveria alugar

77 A tatajubeira (Bagassa guianensis) ficava no meio da Rua Ferreira Chaves, no ponto em que

esta rua encontra a Frei Miguelinho.

111

casa e depois voltaria para buscar a família. Assim se verificou em

fins de dezembro de 1910. Naquela cidade, assumiria a direção da

banda municipal, seria mestre e não soldado músico como apenas lhe

foi possível em Natal. Ali, como acontecera em Belém, daria aulas

particulares e faria tocatas para melhorar o orçamento.

Alagoa Grande, Paraíba, entrada da cidade.

112

Alagoa Grande, Paraíba, antigos prédios da Praça da República.

113

ALAGOA GRANDE

epois de longa e cansativa viagem por trem, Tonheca

chegou, afinal, à cidade de Paraíba, progressista capital do

Estado do mesmo nome. Ali permaneceu o tempo suficiente

para providenciar a nova viagem para Alagoa Grande.

À medida que o trem se afastava da capital rumo ao interior,

a paisagem começava a mudar. Ao aparecerem as subidas que

prenunciavam a serra da Borborema, as elevações se delinearam no

horizonte e logo se aproximaram. Uma paisagem nova e diferente

surgia, distante, e passava, ligeira, pela janela do trem. Tonheca,

homem habituado ao sertão do seu Estado, onde as elevações são, em

geral, pedregosas e cobertas de palmas e cardeiros, contemplava os

montes cobertos de verde, anunciadores de terras férteis onde viçosas

macaíbas balançavam-se ao vento, e o canavial e as bananeiras eram

plantados até nos altos. O trem se arrastava, lento, soltando no ar forte

cheiro de fumaça e vapor que se misturavam ao perfume agreste que

vinha dos longos trechos de mata atlântica.

Tonheca recordava quando passara por aquela região pela

primeira vez, em 1903, quando se dirigia a Cabedelo e, dali, até o

Pará. Lembrou-se da filha Marfisa, que ficara aos cuidados de Ana

Florentina.

O sol já se punha à direita das janelas. Um poente

avermelhado destacava o perfil das elevações que se aproximavam e,

aos poucos, passavam do verde ao cinzento à medida que a luz

diminuía e o sol descambava por detrás da serra.

D

114

A noite descia lentamente e o verde dos campos, alegre e

vivo, pontilhava-se do branco das rezes que pastavam. Tonheca a tudo

observava, pensativo, tocado pela beleza nativa da região, imaginando

o que lhe reservava o destino outra vez por aquelas bandas.

Despertado pelo apito do trem, notou que a composição diminuía a

marcha, à medida que casas humildes iam surgindo.

Tonheca retirou a maleta do bagageiro e desceu na simpática

estação de Alagoa Grande, localizada em trecho alto da cidade. Dali

se via a cidade que se derramava pela parte baixa e a branca fachada

da matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, acentuada pelo

contraforte da serra em sua retaguarda, ainda destacada por um resto

de luz do pôr-do-sol. Um pouco mais à esquerda, via-se o brilho da

Lagoa Grande, que deu nome à cidade, refletindo o vermelho do final

da bela tarde de dezembro de 1910.

Alagoa Grande era, já em 1910, uma próspera cidade,

solidamente estruturada pela riqueza da cana-de-açúcar, sisal e

algodão. Isto havia atraído os trilhos da Great Western em 1905 e,

naquele ano, aproveitando o fácil e barato transporte por trem, ali se

instalara a potente firma Anderson & Clayton, aumentando ainda mais

o potencial econômico da cidade.

A praça da matriz era emoldurada por belas residências e, à

esquerda, imponentes sobrados atestavam a riqueza local. À direita, no

alto da Rua Pedro II, o majestoso Teatro Santa Ignez, construído em

1905, o terceiro mais antigo do Estado, gracioso e elegantemente

sóbrio em sua fachada neoclássica.

A arte floresce com mais vigor onde existe a motivação do

dinheiro e Alagoa Grande era uma comprovação; belas casas e uma

banda de música bem equipada, que era o orgulho da cidade.

Depois de ter a sua situação definida, salário acertado e casa

alugada, Tonheca retornou ao Rio Grande do Norte para trazer a

esposa e a filha com três anos de idade.78

78 Não foi possível localizar-se maiores informações sobre esta segunda passagem de Tonheca

por Alagoa Grande. Os seus contemporâneos mudaram de cidade ou já não existem mais. Não há

115

A vida corria normalmente em Alagoa Grande. Tonheca

trabalhava na banda, ensinava particular e tocava nas festas e

solenidades. Ainda sobrava tempo para compor umas valsas e

dobrados para oferecer aos amigos e vender a quem encomendasse. O

Dr. Francisco Peregrino de Albuquerque Montenegro ocupava, na

ocasião, o cargo de Vice-Governador do Estado.

Ana Florentina cuidava da casa, da filha Antônia e ainda de

Marfisa, que era criada como se fosse sua filha.

No dia 17 de janeiro de 1911 – havia cerca de um mês que

haviam chegado – Ana observou o marido muito concentrado

escrevendo uma carta e suas “antenas” captaram algo estranho.

Terminando de escrever, Tonheca colocou o envelope no bolso do

colete, armou uma rede na sala e deitou-se para uma soneca. Ana

esperou que o marido adormecesse e apanhou o envelope; estava

endereçado a Maria Leopoldina, em Natal. Nervosamente, retirou a

carta e leu:

Alagoa Grande, 7 de janeiro de 1911

Querida Leopoldina

Desejo que ao receber esta cartinha estejas

de perfeita saúde, bem como toda família.

Escrevo-te a presente cartinha para cumprir

o que prometi, cujo compromisso é dar- lhe

sempre notícias de Marfisa.

Ela fez boa viagem e está de perfeita saúde,

satisfeita.

Eu é que não estou satisfeito, isto é, não é

por causa de Marfisa, e sim porque desde que me

falaste com tanta crueldade que vivo

contrariadíssimo. Eu sei que eu fui um pouco

arquivo na cidade e a banda de música morre e ressuscita, conforme as preferências dos prefeitos

locais. Nela não se encontrou nenhuma música de Tonheca.

116

causador de tudo isto, porque eu não devia ir

buscar a família, mas o que eu havia de fazer se

não tinha recebido uma resposta sequer das

minhas cartas?

Aqui em casa não reina harmonia e sim

continua de mal a pior e é tanto que eu tenho de

mandar ela outra vez para Natal, para a casa da

mãe dela, de fevereiro até o princípio de março - que é quando posso fazer esta despesa. Sei que sou

muito odiado por ti e que a paixão ardente que

tenho por ti ficará desolada! Não me atrevo mais a

fazer-te minha confissão de amor pelo motivo

acima exposto. Apenas te digo que estou firme no

que te disse nas minhas cartas anteriores.

Ainda não me foi possível encontrar uma

casa, porém se encontrar daqui para a festa

mandar-te-ei dizer.

Disponha do criado que é também um seu

admirador.

Antônio Pedro Dantas Tonheca 79

Não era preciso mais nada. Ana sentiu o corpo tremer de

raiva e revolta. Escondeu a carta que guardou durante toda a sua vida.

Tonheca acordou da sesta, vestiu-se e vou ali, disse; foi até a

estação postar a carta para Natal. Ao chegar, notou a falta do

envelope. Teria perdido na rua ou em casa? Voltou apressado e, ao

chegar, pelo olhar da esposa, compreendeu o que se passara. Seguiu-

se a discussão e os ânimos se exaltaram; o “senhor” seu marido não

podia aceitar que a esposa tivesse a audácia de mexer em coisas que

eram de sua estrita competência.

Para Ana Florentina, aquilo significava o máximo da

humilhação. Jamais perdoaria o marido e carregaria aquela mágoa

enquanto vivesse. Angustiada, comentou o fato com uma vizinha que,

79 Esta carta, cuja cópia está nos anexos do presente trabalho, foi conservada por Ana Florentina

durante toda a sua vida e pertence à filha do casal, Antônia Dantas da Silva.

117

ao invés de tentar acalmá-la, ainda mais atiçou o fogo da intriga. Se

fosse com ela, comentou, deixaria aquele homem agora mesmo.

Que fazer se, dependendo em tudo do marido, estava em

terra estranha onde não havia um só amigo ou parente para quem

apelar?

Eu pegava qualquer coisa da casa, vendia e ia embora para

minha terra, envenenou a vizinha.

Amor próprio ferido, Ana seguiu ao pé da letra a maliciosa

sugestão. Vendeu um objeto da casa e comprou as passagens de trem

e, renunciando a tudo, voltou para Natal trazendo a filha com três anos

e quatro meses. Ficaria na casa da mãe, na Rua Mossoró, mas não

admitiria aquela humilhação. Quanto a Marfisa que, conforme se pode

concluir do texto da carta a Luiza Leopoldina, era uma das causas da

desavença do casal, deixou com ele para que ele próprio cuidasse do

problema que não era dela.

Tonheca tentou por todos os meios demovê-la da decisão.

Escreveu, depois, várias cartas pedindo a sua volta e veio a Natal

tentar a reconciliação. Nada conseguiu. Ana mantinha-se irredutível e

não recuou em sua decisão.

Os problemas para ela não pararam de aparecer. Adoecendo

a irmã Maximina, Ana teve que viajar a Belém para cuidar dela,

deixando a pequena Antônia na casa de sua mãe, à Rua Mossoró. Com

o falecimento da irmã, Ana voltou para Natal trazendo os sobrinhos.

Certamente que, com muitos afazeres, menos lhe sobraria tempo para

pensar em seus problemas.

Em fins de 1911 Tonheca retornou a Natal, deixando tudo o

que conseguira em Alagoa Grande.

118

Carta manuscrita de Tonheca Dantas

119

120

VOLTANDO A NATAL

m 1911, Natal se beneficiava com inúmeras melhorias

inauguradas a partir do mês de outubro pelo governo de

Alberto Maranhão.80

A luz elétrica substituía definitivamente

os antiquados bicos de gás acetileno nas ruas e os candeeiros a

querosene usados nas residências, tornando inúteis os velhos e

românticos lampiões. A montagem de uma usina de energia elétrica

no “Oitiseiro”81

era base para as mudanças, como também para a

troca dos antigos bondes puxados a burros por novos veículos

movidos pela força elétrica.

Inaugurava-se a Avenida Hermes da Fonseca, a mais

distante das largas avenidas da chamada “Cidade Nova”.82

No alto de Petrópolis, então chamado “o Monte”,

inaugurava-se o novo prédio da moderna “Casa de Detenção”, que se

transferira das antigas e inadequadas instalações da Praça André de

Albuquerque, depois demolidas. Mais acima, o governo fizera

construir o novo Hospital de Caridade que, transferido das anteriores

instalações,83

funcionava sob a direção do jovem médico Januário

Cicco. Importante foi, também, a elevação de Natal a bispado,

80 ALBERTO Frederico de Albuquerque MARANHÃO (1872-1944) governou o Rio Grande do

Norte nos períodos de 1900 a 1904 e de 1908 a 1914.

81 Baldo, local onde encontram as instalações da COSERN, na divisa dos bairros da Cidade Alta e Alecrim.

82 Correspondia aos bairros do Tirol e Petrópolis.

83 O antigo Hospital de Caridade funcionava no prédio construído em meados do século passado e localizado na Rua Presidente Passos. Com a mudança do hospital, sediou a Escola de Artífices,

depois o quartel do Batalhão de Segurança e, no momento, a Casa do Estudante.

E

121

desligando-se da diocese da Paraíba e instalando-o com o seu primeiro

bispo, Dom Joaquim Antônio de Almeida.

O ensino ministrado por escolas particulares e oficiais, como

o Atheneu e a Escola Normal, recebera no ano anterior o valoroso

reforço da Escola de Aprendizes Artífices, integrando a área do ensino

profissional.

Na área musical, a cidade viveu, com toda a certeza, o ponto

mais alto de atividade. Fato decisivo foi a criação, em 31 de março de

1908, da Eschola de Música, anexa ao Teatro Carlos Gomes. Essa

entidade foi reorganizada no ano seguinte e teve o seu currículo

definitivamente estabelecido por lei em 30 de novembro de 1909.

Previa-se o ensino de harmonia, contraponto, composição, canto coral

e individual, violino elementar e superior, piano elementar e superior,

violoncelo, viola, contrabaixo, flauta, instrumentos de madeira,

instrumentos de metal e percussão, além da obrigatoriedade de teoria

e solfejo.

Muitos alunos se beneficiaram com o ensino oferecido pela

Escola de Música, ministrado por professores contratados, muitos

deles vindos de outros Estados e, até mesmo estrangeiros.

A música era, àquele momento, elemento indispensável à

recreação das famílias, na ausência do radio e da televisão. Discos

havia desde 1902 e os antiquados aparelhos para reproduzi-los não

eram acessíveis a todas as classes sociais. As famílias de classe média

possuíam, geralmente, os seus pianos, e formavam, com seus

membros tocando diversos instrumentos, pequenas orquestras

particulares, consumindo avidamente as músicas impressas vendidas

nas livrarias. Para as moças casadouras, tocar piano ou outro

instrumento facilitava o encontro de um marido e a manutenção de um

lar feliz.

Profissionalmente, havia, para os mais modestos, a

possibilidade de tocar nas bandas militares do Batalhão de Segurança,

122

da 3ª Companhia de Caçadores (Exército) e do “Tiro Natalense”.84

O “Natal Club” reunia a aristocracia natalense e possuía

uma orquestra para animar os seus bailes.

A música erudita era cultivada pelas orquestras do Clube

Carlos Gomes85

, que atuava mais na área da música religiosa e do

Teatro Carlos Gomes. Tinha como ponto alto os concertos realizados

no Salão Nobre do Palácio do Governo, onde tocavam sempre os

professores da Escola de Musica e outros convidados. Muito

populares eram as orquestras formadas pelo pessoal da cidade, como

Virgílio Carneiro, Augusto Monteiro, Joaquim Scipião (violinos),

Manoel Prudêncio Petit e Luís Carlos Wanderley (flautas), e José

Gomes (contrabaixo). De fora, vieram os espanhóis José Bernardo

Borrajo (clarinete), Ramón Palacin (violino) – este “abrasileirou-se”

como Raimundo Palácio – o italiano Thomaz Babini (violoncelo) e o

violinista paulista Nicolino Milano.

Foi este o ambiente que Tonheca encontrou ao voltar do

Estado da Parahyba em 1911, cheio de problemas de ordem familiar.

Não se sabe ao certo de que viveu Tonheca durante este

período. Certamente, ensinou música e instrumentos, compôs por

encomenda ou fez alguma composição para homenagear alguém e

receber algum dinheiro por isso, como era comum na época.

No ano seguinte, a orquestra do Teatro Carlos Gomes – a

maior que Natal havia visto até então – parecia estar desativada, o que

fazia grande falta à cidade e à sensibilidade dos músicos. Em 30 de

março, o violoncelista Thomaz Babini lançava um convite para uma

reunião na sede do Tiro Natalense, visando à fundação de uma

sociedade musical. Eram nominalmente convidados os músicos de

maior destaque no cenário local: Joaquim Scipião, Augusto Monteiro,

Virgílio Carneiro, João Monteiro Galvão, Luís Carlos Wanderley,

84 Instituição que proporcionava o serviço militar aos estudantes natalenses, fornecendo-lhes

certificado de reservista. 85 Sociedade musical criada em 1892, que funcionava como entidade recreativa e escola de

música. Existiu até cerca de 1912.

123

Barôncio Guerra, José Bernardo Borrajo, Antônio Magalhães, José

Gomes, Aristóteles Costa, Eduardo Medeiros, João Moreira e

Tonheca Dantas.86

Não há mais notícias da sociedade musical e pode-

se atribuir este fato à doença de Babini e sua viagem à Itália, cuja

licença foi requerida ao Congresso Estadual, em novembro daquele

ano.

Em 19 de abril, entretanto, realizou-se na casa de Joaquim

Scipião uma reunião cujo objetivo era reorganizar a antiga orquestra

do Teatro Carlos Gomes. Para tal fim, Barôncio Guerra, na qualidade

de Capitão do Tiro de Guerra Natalense, que possuía uma banda de

música, conseguiu a adesão de vários músicos daquela entidade para

ajudarem na luta de Scipião e Babini. A orquestra deveria contar com

os membros da antiga orquestra e componentes do Tiro de Guerra.

Não foi possível verificar se Tonheca participou da iniciativa.87

Nesse período, supõe-se que Tonheca ganhava a vida

ministrando aulas particulares e participando de orquestras para bailes

e tocatas, pois o jornal “A República”, de 24 de maio, publicou um

Edital para contratação de músicos para o Batalhão de Segurança e

não há registro de seu reingresso na corporação.

A cidade crescia e exibia o seu progresso. Os bondes

elétricos, que, desde 1911 ofereciam transporte necessário e eficiente,

ampliavam o alcance de suas linhas; os percursos para o Alecrim,

Ribeira e Petrópolis eram acrescidos do trecho que ia até o Tirol,

inaugurado em 13 de abril e, partindo da Rua Coronel Pedro Soares

(atual João Pessoa), até a “Solidão”.88

Em 10 de maio, o jornal “A

República” publicou a relação dos primeiros assinantes de telefones.

Com o advento do cinema, outra fonte de trabalho abriu-se

para ele e os músicos em geral. O cinema mudo tornara indispensável

a presença de um pianista ou conjunto musical, para tocar antes,

86 “A República”, 30 de março de 1912. 87 “A República”, 19 de abril de 1912.

88 Trecho da cidade que tinha como limites ao norte, a Avenida Prudente de Morais; a leste, a Rua Mossoró; a oeste, as dunas e ao sul, os terrenos em direção à saída da cidade pela Avenida

Hermes da Fonseca.

124

durante e ao terminarem os filmes.

O primeiro cinema cuja inauguração foi noticiada pelos

jornais foi o Internacional Cinema, aberto em 10 de agosto de 1911 e

funcionando no salão da antiga Casa Moderna, anexa ao Hotel

Internacional,89

cujo proprietário chamava-se Evaristo Leitão.

Em 8 de dezembro do mesmo ano, abria as portas o Cine

Polytheama, de propriedade dos senhores João Gurgel e José

Petronilo de Paiva, instalado à Praça Augusto Severo.90

Livre dos compromissos e obrigações da vida conjugal,

Tonheca vivia e desfrutava da situação de “solteiro” e do prestígio que

lhe dava o exercício de sua arte.

Por mais que desfrutasse de liberdades e facilidades no amor,

Tonheca não esquecia a esposa Ana Florentina e remoía desejos de

conhecer a filha Antônia, que vira pela última vez em ocasião da

separação do casal. Por sua vez, Ana procurava um meio para se

manter com dignidade e educar a filha. Assim, em 1912, voltou a

Belém, onde morava Generosa, a irmã mais moça. Hábil e eficiente

nos trabalhos de costureira, Ana logo conseguiu um emprego numa

fábrica de roupas masculinas. Durante o dia, costurava camisas

brancas com nervuras na frente, cuecas de cós longos e bordados, de

acordo com a última moda masculina... À noite e nos dias feriados,

aceitava costuras particulares.

Um dia, alguém bateu à porta e Generosa foi atender.

– Ana, seu marido Tonheca está na sala querendo falar com

você.

Ana estremeceu de emoção ao lembrar os fatos passados há

tão pouco tempo e que destruíram a sua vida conjugal. Que havia de

querer Tonheca ali em Belém?

– Não deixe Antônia ir para a sala que eu vou ver o que é

que ele quer.

89 Esquina da Rua Chile com a Avenida Tavares de Lira, atual ECOCIL. 90 O cinema Polytheama localizava-se na Praça Augusto Severo, no local que tem hoje o

número 252, ocupado pelo Armazém Ribeira.

125

Ana encontrou o ex-marido abatido e nervoso. Vinha, como

o fizera outras vezes, propor a reconciliação e pedir para ver a filha.

Aparentando frieza e decisão, Ana desfez logo qualquer esperança.

– Pelo menos me empreste algum dinheiro para que eu possa

comprar minha passagem de volta, disse Tonheca, amargando sua

decepção.

Ana entrou para a sala de costura onde Generosa entretinha a

pequena Antônia.

– Ele vem de novo com essa conversa de reconciliação,

como se eu pudesse ainda confiar nele. E ainda me pediu dinheiro

emprestado para poder voltar para Natal, você imagine...

– Minha irmã, deixe ao menos ele ver Antônia... Afinal, é

filha dele e ele passou esse tempo todo sem ver a menina...

Ana ainda pensou um pouco e resolveu abrir uma concessão.

– Antônia, vá lá na sala, dê este dinheiro àquele homem que

está lá e diga a ele que não precisa devolver. Vá e volte logo.

A menina fez o que a mãe mandara, voltou para as suas

bonecas e não se lembrou do que se passou. É de se imaginar o quanto

de dor e decepção trouxe Tonheca consigo de volta para Natal.

126

MAIS CONFUSÃO COM MULHERES

ão demorou muito para que nova experiência amorosa lhe

atravessasse o caminho. Conheceu, por volta de 1913, a

senhorita Francisca Lucas, que não hesitou em aceitá-lo

como esposo através do casamento civil.91

Tudo foi muito bem até que

a sua nova esposa se convencesse que, embora casado, o irrequieto

marido mantinha a mesma vida de solteiro, ausentando- se sempre

para algumas cervejas, longos períodos na mesa de jogo e, até mesmo,

algumas passadas lá pela Ribeira, onde simpáticas senhoritas estavam

sempre disponíveis.

Francisca não enfrentou o problema com a calma e a

determinação de Ana Florentina: partiu para a luta, defendeu o que

considerava seu patrimônio em muitas e muitas cenas de ciúme e

desespero. Grávida do primeiro filho, deu à luz a Antônio Pedro

Dantas Filho (o primeiro com este nome)92

e isto em nada ajudou a

acalmar o marido farrista. O resultado não podia ser outro: separaram-

se com cerca de um ano de casados. Tonheca continuou na boêmia,

sem mais ninguém a perturbá-lo, mas, manteve sempre com Francisca

um relacionamento tão pacífico e cordial que a mesma concordara em

ficar com Marfisa, para quem sempre foi muito boa madrasta.

Num dos seus passeios pela Ribeira, haveria de acontecer

91 Não foi possível precisar-se a data daquele casamento, pois o Livro de Registro de

Casamentos do Cartório do 1° Ofício de Notas, referente ao período de setembro de 1911 a janeiro de 1913, foi queimado durante a revolução de 1935.

92 Único filho daquele casamento; faleceu em Natal, em 1964.

N

127

um fato que, pelo seu conteúdo trágico, mais se assemelha a um lance

de novela barata. Numa das casas de prostituição da Rua Ferreira

Chaves, encontrou uma jovem alva e bonita, um belo tipo de

seridoense. Atraído pela nova moradora da casa, Tonheca começou a

puxar conversa:

– De onde você é?

– De Carnaúba dos Dantas.

– Pois é minha conterrânea, animou-se o “D. Juan”.

– De quem você é filha?

– Minha mãe deixou meu pai quando eu ainda era criança.

Aos 15 anos, eu fugi de casa e me perdi.

– E como se chama seu pai?

– Meu pai eu não conheci. Sei que ele era músico e se

chamava Tonheca Dantas.

Tonheca sentiu todo o sangue lhe fugir do corpo e as pernas

começaram a tremer.

– Seu pai sou eu, disse, retirando-se do ambiente, sentindo

na alma algo que jamais havia sentido.

128

NOVAS MUDANÇAS

s possibilidades de trabalho da cidade não pareciam ser das

melhores. É provável que Tonheca vivesse de tocatas e do

ensino particular de música. A Escola de Música não

passava por boa fase, os jornais não publicaram mais nada sobre o

projeto de reviver a orquestra do Teatro Carlos Gomes e é possível

que não tenha vingado, pois Babini viajou para a Europa em

dezembro do mesmo ano.

Algumas breves participações em orquestras foram

registradas pelos jornais. Em janeiro de 1913, em uma manifestação

prestada no Natal Club ao ex-Governador Joaquim Ferreira Chaves, a

orquestra para as danças esteve composta dos violinos de Augusto

Coelho e Virgílio Carneiro, da flauta de Luís Carlos Wanderley, do

contrabaixo de José Gomes e do clarinete de Tonheca Dantas. Em

março, no 5º aniversário do governo Alberto Maranhão, a orquestra

que tocou no baile era formada por Virgílio Carneiro, Felipe Silva,

José Gomes, Luís Carlos Wanderley e os primos seridoenses

Tonheca, Manoel (“Fumaça”) e Enéas Hipólito Dantas.

O único trabalho que foi possível registrar com segurança foi

o seu acesso como professor de música da Escola Normal de Natal, o

que se deu em 2 de maio de 1913.

Em 1911, o cargo de professor de música daquele

estabelecimento era ocupado pelo violinista paulista Nicolino Milano,

que fora aprovado em concurso de títulos em março daquele ano e

nomeado em caráter efetivo. Ocupava, também, as funções de

A

129

ensaiador da Banda de Música do Batalhão de Segurança e era regente

da orquestra, naquele tempo apenas um sexteto, do Teatro Carlos

Gomes.

Em abril, Nicolino obteve licença para viajar à Europa a fim

de representar a Escola Normal na Exposição Internacional, a se

realizar em Roma e Torino. Para substituí-lo, foi nomeado o flautista

professor Luís Carlos Wanderley.

Em 3 de novembro, o jornal “A República” informou que o

governo do Estado declarara vaga a cadeira de música da Escola

Normal, por não ter o respectivo serventuário, depois de terminada a

comissão em que se achava, reassumido o exercício de sua função no

prazo legal. Nomeava, para substituir Nicolino Milano – que na

ocasião não retornara da Europa – o violoncelista italiano Tomaz

Babini, em caráter provisório.

No ano seguinte, em fevereiro de 1912, Babini era nomeado

por haver-se habilitado em concurso. Mas, em 28 de novembro,

recebia do Congresso Estadual licença de um ano para tratamento de

saúde. O professor despediu-se de Natal, em “festa artística”, no

cinema Politeama, e partiu para a Europa em 6 de dezembro.

Com a ausência de Babini, o governo nomeou, em 6 de

fevereiro de 1913, para substituí-lo na 9a cadeira de música da Escola

Normal, o clarinetista espanhol José Bernardo Borrajo, que residia em

Natal há cerca de dez anos.

Inesperadamente, os jornais relatam a demissão de Borrajo,

concedida a pedido, em 1o de maio e, no dia seguinte, é nomeado

Tonheca Dantas, em ato datado de 30 de junho. A cadeira de música

da Escola Normal ainda iria dar muito o que falar no ano seguinte.

O ano de 1913 trouxe muita movimentação com a

proximidade das eleições para indicarem o substituto do Governador

Alberto Maranhão. O candidato de preferência do governador era o

então Senador Ferreira Chaves, que já governara o Estado

anteriormente. Na ocasião da chegada do candidato, que vinha do Rio

de Janeiro, muitas festas e homenagens lhes foram prestadas. No dia

130

12 de abril, realizou-se um grande banquete oferecido pelos

comerciantes, no Teatro Carlos Gomes, com presença de Alberto

Maranhão, senador Ferreira Chaves, bispo diocesano, autoridades e

representantes das chamadas “classes conservadoras”.

Na entrada do Teatro, um enorme letreiro saudava o político:

Ao candidato do povo, senador Ferreira Chaves, o commercio do

Estado applaude solenemente. À espera dos convidados, tocava na

porta a Banda do Batalhão de Segurança.

Durante o banquete, que se prolongou até as 23 horas, tocou

uma orquestra composta pela “prata da casa”: Augusto Coelho,

Virgílio Carneiro, Luís Carlos Wanderley, Pedro Cabral, Felipe José

da Silva e os primos Manoel Hypolito Dantas (“Fumaça”) e Tonheca

Dantas.

Em outubro de 1913 o Governador Alberto Maranhão

comemorou o último aniversário de sua administração, pois seria

substituído, no ano seguinte, pelo governador eleito Joaquim Ferreira

Chaves. Um grande baile no Teatro Carlos Gomes reuniu o melhor da

sociedade potiguar e a orquestra foi composta por Soriano Robert

(professor de piano contratado para a Escola de Musica), Julio Corona

(professor de violino da mesma escola) e o pessoal da casa: Augusto

Coelho, Virgílio Carneiro, José Gomes, Felipe José da Silva, Luís

Carlos Wanderley e Tonheca Dantas.93

A sucessão de Alberto Maranhão ainda iria trazer grandes

problemas para a música do Estado.

93 A REPÚBLICA, 3 de outubro de 1913.

131

Fachada do Royal Cinema, esquina das ruas Ulisses Caldas e Vigário

Bartolomeu, atualmente modificada. Note-se à esquerda que o prédio

da Prefeitura ainda não havia sido construído. A foto é, portanto,

anterior a 1922. Foto pertencente ao arquivo do Diário de Natal.

132

Prédio da Intendência (hoje Prefeitura) Municipal de Natal,

inaugurado em 1922. Ao fundo, o Cinema Royal. Foto da Revista do

Instituto Histórico e Geográfico do RN, Vol. XIX, n° 1 e 2, 1922.

133

TOCANDO A VIDA

sucesso do novo divertimento do cinema, que desde os fins

do século passado, aparecia esporadicamente em Natal,

animou os empresários locais a tentar um empreendimento

definitivo. Assim, em 10 de agosto de 1911 o cinema Internacional

começava as suas atividades em Natal e, em 8 de dezembro do mesmo

ano, inaugurava-se o Polytheama. O ano de 1913 trouxe mais dois

cinemas para a cidade: em 19 de fevereiro, Antônio Serrano Filho

fazia inaugurar, na Avenida Tavares de Lira, o Pathè Cinema e, em 14

de março, os jornais noticiavam a construção do Royal Cinema.

Além das aulas na Escola Normal, Tonheca continuou a

participar, esporadicamente, de conjuntos musicais diversos. No dia 2

de outubro, foram prestadas significativas homenagens ao

Governador Alberto Maranhão, que completava 41 anos de idade.

Após as solenidades, realizou-se, no Salão Nobre do Teatro Carlos

Gomes, um concorrido baile que reunia a mais alta sociedade

natalense e que se prolongou até alta madrugada. Da orquestra,

participaram músicos da terra e professores “de fora” que lecionavam

na Escola de Música: Soriano Robert (piano), Júlio Corona, Augusto

Coelho, Virgílio Carneiro (violinos), José Gomes (contrabaixo),

Felipe José da Silva e Luís Carlos Wanderley (flautas), e Tonheca

Dantas com seu clarinete.

Em outubro, iniciaram-se as atividades do Royal Cinema,

primeiro da Cidade Alta, localizado em ponto da maior importância

para o bairro, à esquina das ruas Ulisses Caldas e Vigário

O

134

Bartolomeu,94

em cujo cruzamento foram armados os palanques para

as bandas de música tocarem os carnavais da cidade, que se

realizavam naquela última rua. Na esquina em frente, ficava o café

Potyguarania,95

ponto de encontro elegante dos boêmios e intelectuais

da cidade.

José Petronilo de Paiva havia investido cerca de 80 contos

de réis na construção do Politeama e se achava endividado. Circulou

na cidade a notícia de que o comerciante Miguel Barra, proprietário

da loja “Rosa dos Alpes”,96

intencionava instalar um cinema no bairro

da Cidade Alta, que ainda não possuía nenhum. Então, associando- se

ao seu irmão João Gomes de Paiva, José Petronilo iniciou, em março

daquele ano, a construção do Royal Cinema. Terminada a obra, a

empresa trouxe do Recife o Sr. Alberto Leal para as funções de

gerente do novo cinema.97

No dia 14 de outubro de 1913, o elegante

cinema foi aberto ao público. Possuía duas salas de bilhar e uma de

espera, além da sala de projeções. Com a presença da melhor

sociedade local, foi exibido o filme “O Club dos Elegantes”. A

entrada custou 200 réis...

94 O prédio foi completamente descaracterizado e abriga, no momento, a Secretaria de Administração da Prefeitura de Natal. 95 Mais tarde se denominaria Café Magestic, no momento, lamentavelmente demolido.

96 Esquina direita das ruas Ulisses Caldas com Vaz Gondim. 97 Conforme depoimento, em 11 de abril de 1980, da senhora Zulmira Paiva China (1897-1986),

filha do proprietário do Royal Cinema.

135

136

A VALSA “ROYAL CINEMA”

primeiro filme a possuir som próprio foi “O Cantor de Jazz”,

feito em Hollywood em 1927. A novidade chegaria a Natal

com a inauguração do cinema falado do Cine-Teatro São

Pedro, em 8 de abril de 1931. Em 7 de julho do mesmo ano,

inaugurava-se o cinema sonoro do Teatro Carlos Gomes e, em 13 de

outubro, era a vez do Royal entrar naquele caminho da modernidade.

Com a chegada do cinema sonoro, os velhos cinemas iriam

perder muito de seu encanto em troca das novidades trazidas pelo

progresso. Problemas sociais surgiriam com o desemprego de muitos

músicos que tinham no cinema sua principal ou única fonte de renda.

Enquanto isso não acontecia, entre 1911 e 1927, o silêncio

do filme mudo era compensado pelos pianos ou conjuntos musicais

que tocavam durante a exibição. Os pianistas mais conhecidos que

tocaram no Royal foram Generosa Garcia, Garibaldi Romano e o

popularíssimo Paulo Lyra; o piano solista era para as sessões comuns

e dias de semana. Para dias especiais, com festas ou solenidades,

tocava um conjunto, como o composto por Paulo Lyra ao piano,

Manoel Prudêncio Petit na flauta, Cândido Freire no saxofone,

Calazans Carneiro no contrabaixo e João Cosme na bateria. Um grupo

que tocou durante longos períodos no Royal Cinema era formado por

Eduardo Medeiros98

ao violão, Tibiro99

no saxofone e Tonheca no

98 Conhecido violonista, clarinetista e compositor (1887-1961), autor de canções, valsas, choros, popularizou-se mais por haver composto a melodia para os versos do poeta Othoniel Menezes,

da “Serenata do Pescador” (Praieira, 1922), considerada por lei municipal como a “Canção

O

137

clarinete. O repertório era o comum para a época e as músicas se

adaptavam ao tipo de cena que o filme apresentava; música alegre

para filmes cômicos e langorosas valsas para cenas românticas.

Inaugurado o Cinema Royal o proprietário, Sr. José

Petronilo de Paiva, teve a ideia de caracterizar o seu estabelecimento

com uma música nova, somente tocada ali. Para tanto encomendou a

Tonheca Dantas, já conhecido como compositor, uma valsa para ser

ouvida na abertura e fim das sessões.

Com pouco tempo, José Petronilo recebia a partitura

manuscrita e dedicada a ele, tendo numa face a valsa intitulada

“Royal Cinema” e na outra a valsa “Boas Festas”.

O compositor recebeu cinquenta mil réis como pagamento

pela valsa que o tornaria, rapidamente, o mais popular compositor da

cidade. Recebido o pagamento, Tonheca saiu do Royal para o Café

Potyguarania, bem em frente, para festejar com os amigos. “Rico” e

feliz, financiou bebida para quem quisesse, numa alegre

comemoração, que terminou quando terminou o dinheiro...

A valsa “Royal Cinema” tomou-se logo conhecida por toda

cidade. Sua melodia expressiva e cativante caiu logo no gosto do

povo, invadindo bem cedo os saraus familiares através da sua

partitura para piano que, impressa no Rio de Janeiro, estava à venda

nas livrarias da cidade.100

Instrumentada para banda de música pelo

autor, de imediato passou a ser presença constante nas retretas,

ganhando espaço nas bandas de música da capital, do interior e de

outros Estados. Na sala do cinema, a orquestra se postava para tocar

enquanto se esperava o início da projeção. Ao terminar a sessão,

enquanto os presentes se retiravam, tocava-se também e, assim,

“Royal Cinema” popularizou-se, desde os pianos das famílias aos

salões de bailes populares ou aristocráticos.101

Tradicional da Cidade.”. 99 Joaquim de Souza Freire, conhecido músico de Natal.

100 Publicada em 1914 pela Casa Bevilacqua, do Rio de Janeiro.

101 A valsa “Royal Cinema” recebeu letra do poeta Joaquim BEZERRA JUNIOR, por volta de 1923. O conjunto letra e música não logrou o mesmo êxito que a melodia apenas , quando tocada

por piano e, principalmente, por banda de música.

138

A VERDADE SOBRE A ORIGEM DE ROYAL

CINEMA

Foi observada e existência de três versões sobre a origem da

valsa “Royal Cinema.” Na primeira delas, a senhora Zulmira

de Paiva China, filha de José Petronilo de Paiva, proprietário

do Royal Cinema e ex-aluna do compositor na Escola Normal, relatou

que seu pai encomendara a Tonheca uma valsa para ser tocada pela

orquestra, durante a exibição dos filmes mudos. Tonheca entregou a

peça em manuscrito, tendo no verso a valsa “Boas Festas”, e

recebendo em pagamento a quantia de 50 mil réis.

A segunda versão é fornecida pelo ex-soldado músico e

companheiro de Tonheca na Banda da Polícia Militar, José Dias

Rodrigues. Por ele, sabe-se que Tonheca compôs a peça quando de

sua estadia em Belém, por encomenda do Dr. Sílvio Chermont, para

ser dada à sua noiva, conforme já relatado em capítulo anterior. Essa

partitura, igual ou modificada, seria a mesma que foi vendida ao

proprietário do Royal Cinema.

O professor Antônio Fagundes, ex-aluno de Tonheca na

Escola Normal, relata a terceira versão: Certo dia, durante uma aula

de música aos alunos do 3º ano da Escola Normal, o professor

Tonheca fez um intervalo e perguntou quem na classe tocava piano.

Apenas a aluna Maria Aparecida de Carvalho se apresentou. O

professor, então disse: Nas minhas noites de insônia, costumo tomar

papel e arranjar alguns compassos de música, mas em seguida, os

coloco em uma gaveta.

F

139

E acrescentou que o seu amigo e colega José Gomes, então

regente da Banda da Polícia Militar, insistentemente lhe solicitava

novas composições para o repertório daquela banda que, esse tempo,

fazia retretas semanais, muito apreciadas, aliás, nos jardins das praças

Augusto Severo e André de Albuquerque. Desejoso de atender aos

sucessivos pedidos do amigo, porém sem a necessária inspiração

para realizar qualquer nova composição, recorri ao acervo da gaveta

e dali retirei esta valsinha e, como estava na ordem do dia o nome

Royal Cinema para a nova casa de exibição cinematográfica da

Cidade Alta, achei por bem aceitar o mesmo nome para esta

composição.

Assim, passou às mãos da aluna Maria Aparecida de

Carvalho o manuscrito da valsa, harmonizada para piano, tendo ela

sido a primeira pessoa a tocar “Royal Cinema” em Natal.102

Diante dos três relatos acima, parece ser possível uma

compatibilização entre os mesmos que, na realidade, em nada se

opõem.

102 Conforme relato do professor Antônio Fagundes, publicado no jornal “A Diocésia” de

24/06/74, cujo texto integral encontra-se anexo.

140

Primeira página da valsa “Louca por Amor” de Tonheca Dantas.

141

Coreto da Praça André de Albuquerque, hoje demolido. (Foto de

Manoel Dantas)

142

O GOVERNO FERREIRA CHAVES

proximando-se o fim do mandato do Governador Alberto

Maranhão, movimentavam-se os seus partidários para

apresentarem um candidato à sua sucessão. O nome cogitado

e divulgado pelo jornal situacionista “A República” era o do ex-

Governador Ferreira Chaves. Os oposicionistas, apoiados pelo jornal

“O Diário do Natal”, iniciaram protestos contra o que eles

denominavam “a oligarquia dos Maranhões”.

Desde a proclamação da República em 1889, o Estado vinha

sendo governado pelos parentes e partidários de PEDRO VELHO de

Albuquerque Maranhão (1856-1907). Alberto Maranhão governou

duas vezes: de 1900 a 1904 e de 1908 a 1914. Antônio de Souza

governou de 1907 a 1908, completando o mandato de Tavares de

Lyra (que era cunhado de Alberto Maranhão) e ainda governaria de

1920 a 1924. Ferreira Chaves teve seu mandato de 1896 a 1900 e

ainda governaria de 1914 a 1920.

É quando surge a figura do Capitão do Exército José da

Penha Alves de Souza, nascido em Angicos, que passa a liderar forte

e agressiva oposição ao governo, lançando o nome de Leônidas

Hermes, filho do Presidente Hermes da Fonseca, para o governo do

Rio Grande do Norte. Incidentes violentos foram se sucedendo até

que circularam notícias de que José da Penha iria, com seus

comandados, invadir o palácio do governo e depor Alberto Maranhão.

O Batalhão de Segurança tomou posição, cercando a casa

em que estava José da Penha, no local onde hoje se encontra o Grande

A

143

Hotel. Um tiro partido da casa fez iniciar o tiroteio entre ambas as

partes, que duraria toda a noite. Na madrugada de 21 de julho, José da

Penha escapa e refugia-se no quartel do 29° Batalhão de Caçadores.103

Os seus amigos se rendem, são presos e depois libertados pelo

Governador Alberto Maranhão.

O ano de 1914 iria trazer sensíveis modificações ao

ambiente musical de Natal. A administração de Alberto Maranhão,

que tantos progressos trouxe à cidade, foi igualmente importante na

área da música, por se tratar da arte preferida pelo governador. Este,

em tempos anteriores, havia participado de recitais cantando árias

com sua voz de barítono.

Marcos decisivos foram a criação da Eschola de Musica

anexa ao Teatro Carlos Gomes, em 1908, animada por inúmeros

professores natalenses e, principalmente, pelos contratados vindos de

outros Estados, que formavam conjuntos musicais e se apresentavam

periodicamente no Salão Róseo do Palácio do Governo. Tais

apresentações eram um acontecimento marcante na vida social da

cidade, acessível – evidentemente – ao círculo de amigos e partidários

do governador. Essas realizações e mais outras fizeram que a

administração pública chegasse às mãos do novo governador Joaquim

Ferreira Chaves bastante endividada e onerada por tantas despesas e

empréstimos contraídos na administração anterior.

Na noite de 2 de janeiro de 1914, era oferecida uma

homenagem ao ex-Governador Alberto Maranhão nos salões do Natal

Club. A música esteve presente numa orquestra composta pelo

clarinete de Tonheca, os violinos Augusto Coelho e Virgílio Carneiro,

a flauta de Luís Carlos Wanderley e o contrabaixo de José Gomes,

todos gente da terra. Os músicos de outros Estados não participaram

do conjunto.

Os jornais passaram a estampar em manchetes as medidas de

economia que o novo governo necessitava fazer. Ficava cada vez mais

103 Onde hoje se localiza o Colégio Winston Churchill.

144

evidente o rompimento político entre o governador e o seu antecessor,

que o apoiara na campanha e colaborara com a sua eleição.

Sintomaticamente, os primeiros atos de economia de Ferreira Chaves

atingiram diretamente as realizações de Alberto Maranhão no terreno

da música.

Assim, o Decreto n° 1, datado de 6 de janeiro de 1914 – o

primeiro do novo governo – se dirigiu contra a Escola de Música, pois

rescindiu o contrato de 22 de agosto de 1913 de Júlio Corona,

professor de violino, visto ter sido suprimida, por decreto de hoje, a

mesma cadeira, que não atendia a interesses inadiáveis do bem

público. Outro decreto, com redação semelhante à anterior, rescindiu

o contrato da professora Felice Ordugna Perez da cadeira de piano e

canto. Na lei que aprovou aqueles decretos, o ato foi justificado pela

situação financeira do Estado e pelo fato de que as cadeiras de

violino, viola, piano e canto não correspondem, à necessidade

pública, tanto que têm insignificante frequência.

A economia atingiu também outras áreas, reduzindo o

número de praças do Esquadrão de Cavalaria104

e o número de

cavalos, vendendo os excedentes em hasta pública.

Mas, o que parecia supérfluo e dispensável eram os gastos

com a cultura. Em 7 de fevereiro, foi suprimido o lugar de ensaiador

da Banda do Batalhão de Segurança e se recomendava ao comando da

corporação tornar sem efeito o contrato do clarinetista espanhol José

Bernardo Borrajo. Nem mesmo o professor Tomaz Babini escapou à

ceifa do governo. Chegado da Europa em fevereiro, deveria,

entretanto, ter-se apresentado em 1o de dezembro do ano anterior. Em

20 de fevereiro, foi exonerado por haver perdido o prazo de

apresentação de seu cargo de secretário do Teatro Carlos Gomes.

A situação de pobreza do governo provocava atitudes

inusitadas: funcionários autorizavam descontos de 5% de seus

vencimentos em benefício do erário público.

104 Unidade pertencente ao Batalhão de Segurança, instituída a 1º de março de 1914 e instalada

no local da propriedade “Solidão”, onde hoje se situa a Escola Doméstica.

145

A realidade era que a Escola de Musica era composta por

quatorze membros, um secretário, uma inspetora de alunos, um

arquivista, um contínuo e mais onze professores, que recebiam

vencimentos entre 3.000$000 e 1.000$000 (três contos de réis a um

conto e oitocentos mil réis), onerando o erário público com a despesa

anual de 30.360$000.105

Como referência, considere-se que o quilo de carne custava,

em janeiro de 1914,700$000 (setecentos réis) a dianteira com osso,

800$000 a traseira com osso e 1.000$000 (mil rés) a traseira sem

osso.106

Esses fatos atingiram diretamente a vida de Tonheca, mas,

decerto que se refletiram por todo o ambiente musical de Natal, pois

no dia 14 de março, deixou de haver retreta da Banda do Batalhão de

Segurança por causa da baixa de alguns músicos que a compunham.107

O mês de março culminou com acontecimentos que, desde

há algum tempo se prenunciavam em Natal.

Ainda em fevereiro, o governo do Estado, através de um

“Novo Código de Ensino”, pretendeu dar nova estrutura à atividade

musical subsidiada pelo Estado. Assim, no seu artigo 114, ficou

previsto que O estudo das Belas Artes será feito nas cadeiras que o

governador criar junto ao Teatro Carlos Gomes, tendo por a fim a

cultura estética e o aproveitamento imediato das vocações

artísticas.108

O noticiário posterior dos jornais não informou sobre as

providências tomadas a respeito do movimento musical, tudo

indicando que voltou aos baixos níveis do passado.

105 “Leis e Decretos do Rio Grande do Norte.” Dados referentes ao ano de 1909.

106 “A República”, 19 de janeiro de 1914. 107 “A República”, 14 de março de 1914.

108 “A República”, 17 de fevereiro de 1914.

146

PROFESSOR DE PROFESSORES

nquanto isto se passava na esfera do governo, Tonheca ia

vivendo dentro das limitações de seu ambiente na pequena

cidade, tocando nas orquestras dos cinemas, em tocatas

particulares, ensinando particular e na Escola Normal. Em março, o

governador anunciou concurso para a cadeira de música da Escola

Normal, uma boa providência que poderia efetivar Tonheca na

função.

Pouco se sabe de sua atividade como compositor nessa fase.

Em abril, presenteou a Banda do Corpo Policial com a marcha

“Batalhão de Segurança.”109

Em junho, o jornal “A República” publicou a seguinte

notícia:

O inteligente professor de música Tonheca Dantas teve a

gentileza de oferecer-nos um exemplar de sua inspirada valsa Royal

Cinema, impressa na casa E. Bevilacqua & Cia. do Rio de Janeiro. A

magnífica composição acha-se à venda na Livraria Cosmopolita do

Sr. Fortunato Aranha, a 2$000 o exemplar.110

O jornal noticiou, ainda, a publicação da valsa para piano

“Amor Constante”, oferecida a Exma. Sra. Ana Florentina da Silva,

sua esposa, à venda na mesma livraria pelos mesmos 2$000 (dois mil

réis).111

Embora a publicação dessa última valsa possa parecer uma

109 “A República”, 18 de abril de 1914. 110 “A República”, 9 de setembro de 1914.

111 “A República”, 26 de junho de 1914.

E

147

_

reaproximação com a esposa, tal fato nunca aconteceu. Tonheca

tentou, inúmeras vezes reconciliar-se com Ana Florentina. Esta,

endurecida em seus sentimentos, jamais aceitou suas propostas e

escondia-lhe a filha, não permitindo aproximação com a pequena

Antônia.

Em maio, realiza-se o concurso para a cadeira de música da

Escola Normal e os candidatos foram o maestro italiano Tomaz

Babini e o nosso sertanejo Tonheca Dantas.112

Habilitados os dois

concorrentes, esperou-se até julho para que o governo decidisse qual

seria o professor a ser nomeado. O escolhido foi Babini.113

Não foi possível descobrir-se a razão da preferência por

Babini em detrimento de Tonheca. É possível que motivos sociais

tenham influído. É mais provável que, além da competência, os

diplomas que o maestro obtivera na Itália pesassem mais do que a

capacidade autodidata do sertanejo genial. Não se pode deixar de

considerar, entretanto, que Tonheca vinha exercendo a função de

professor de música da Escola Normal por nomeação do Governador

Alberto Maranhão que, naquele momento, não era pessoa grata ao

novo governador e seus partidários. As disputas mesquinhas têm

sempre vez nos meios pequenos em dimensão material e

intelectual.114

No dia 24 de julho, uma notícia deve ter abalado a

sensibilidade do compositor: falecia José Petronilo de Paiva,

proprietário dos cinemas Royal e do Politeama, que havia

encomendado a Tonheca a sua composição mais famosa. Pessoa

conhecida e estimada na cidade, teve o seu nome ligado à valsa que

112 Não foi possível localizar-se o arquivo da antiga Escola Normal de Natal.

113 "A República”, 8 de julho de 1914.

114 Pouco antes de falecer, Tonheca Dantas pediu ao filho do mesmo nome para recuperar duzentas e quarenta composições – um volume com cerca de 16 quilos! – que apresentara na

prova de títulos do concurso a que se submeteu e que ficaram arquivadas na Escola Normal. A

diligência foi efetuada depois de sua morte, nada podendo ser recuperado. Grande número de suas composições ficaram, assim, irremediavelmente perdidas.

148

foi a ele dedicada.

Novidades no campo da música foram apenas a criação da

banda “Charanga Natalense”, sociedade musical orientada por

Barôncio Guerra. A nova banda, que funcionou a partir de março,

ficou sob a direção de Joaquim de Souza Freire, mais conhecido por

Tibiro, exímio saxofonista. Não foi possível saber se Tonheca

participou do novo conjunto que, tudo indica, teve vida breve.

Natal continuava a sua vida pacata e simples, tendo a agitá-

la alguns marcos que indicavam o seu progresso cultural. A educação,

que além das escolas particulares, baseava-se no Atheneu, Escola

Normal e Escola de Aprendizes Artífices, abriria novos horizontes

com a inauguração da Escola Doméstica, em 1o de setembro daquele

ano115

.

Os jornais noticiaram que um automóvel chocara-se com um

bonde no cruzamento da Rua Vigário Bartolomeu com a Coronel

Pedro Soares (atual João Pessoa) e pediam-se providências contra a

velocidade dos carros. Efeitos do progresso...

As retretas voltaram aos coretos das praças Augusto Severo

e André de Albuquerque, realizadas sempre pelas bandas da 3a

Companhia de Caçadores (Exército) e do Batalhão de Segurança.

Algumas trocas de instalações foram efetuadas no fim

daquele ano. No prédio da Rua Presidente Passos, onde, no século

passado, funcionava o Hospital de Caridade, instalara-se, desde 1909,

a Escola de Aprendizes Artífices. O Batalhão de Segurança, que tinha

como quartel provisório um prédio na Avenida Rio Branco,116

passa a

ocupar o velho edifício da “Salgadeira”117

e a escola federal foi para a

cidade alta.

Em 28 de setembro, o Batalhão de Segurança desfilou pela

116 Instalada em prédio atualmente ocupado pelo INANPS, na Praça Augusto Severo, Ribeira.

117 Prédio onde, depois de reformas e ampliações, seria instalada a Escola de Aprendizes

Artífices, futura Escola Industrial de Natal e, em outro local, o atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

117 Local onde hoje passa a Avenida Rafael Fernandes. Tinha esse nome por se encontrar perto

do então matadouro público e o riacho do Baldo, que hoje passa por baixo da avenida. Mulheres lavavam e salgavam as vísceras dos animais. Perto havia, também, um local onde salgavam-se

couros.

149

cidade, tendo à frente o Capitão Antônio Pereira de Brito, deixando o

prédio da Avenida Rio Branco e ocupando as instalações da Rua

Presidente Passos.

De resto, poucas novidades; concluía-se o calçamento da

Rua Ulisses Caldas e inaugurava-se a Praça Sete de Setembro. A

Escola Normal diplomava, no fim do ano, a turma (única) onde

lecionara o professor Tonheca Dantas.

Enquanto isto, na Europa, iniciava-se a Primeira Guerra

Mundial.

150

SUCESSO EM SANTANA DO MATOS

ano de 1915 trouxe grandes novidades para a vida de

Tonheca Dantas. Em Natal, os jornais publicavam as

relações dos funcionários estaduais que autorizavam

descontos em seus vencimentos para ajudarem à economia pública,

indicando que a situação financeira ainda continuava difícil. Para

completar o quadro, rigorosa seca castigou os sertões por muito

tempo. A nova direção que tomou a sua vida está esboçada no teor da

carta que uma pessoa não identificada da cidade de Santana do Matos

dirigiu ao jornal “A República”, sendo publicada na edição de 24 de

março daquele ano:

Acaba de chegar a esta vila o conhecido

maestro Tonheca Dantas, que vem dirigir a Filarmônica

Cel. Carvalho. Os apreciadores da bela arte que

imortalizou Mozart, a cuja frente se encontra o nosso chefe

local Cel. Carvalho e o nosso digno vigário padre Lúcio

Gambarra proprietário e diretor da referida banda,

prepararam ao festejado maestro digna recepção.

Logo a uma légua de distância foi o

homenageado recebido por crescido número de cavaleiros,

em cuja frente se via o Cel. Baracho, fazendo entrada na

nossa urbs ás cinco horas da tarde do dia 20 deste, em meio

às vivas expressões de alegria e entusiasmo.

O trecho principal da vila por onde tinha

O

151

que passar o cortejo estava galhardamente ornamentado

por arcos e bandeiras de diversos modelos. Em frente à

residência do padre Gambarra, de quem é hóspede o

maestro Tonheca, estava postada a nossa banda, que

executou por ocasião um belíssimo dobrado, enquanto

foguetes fendiam os ares. Logo após os primeiros

cumprimentos trocados entre o recém-chegado e os distintos

cavalheiros que o esperavam, foi o simpático maestro

saudado pelo inteligente bahiano Antônio Mussi, que num

surto de entusiasmo, fez inspirado discurso.

Mais tarde, às 17 horas, lauto banquete,

presença de diversas famílias santanenses, local

profusamente iluminado a acetilene. Durante o jantar tocou

a banda. Falou, ainda, o amigo Antônio Mussi, erguendo um

brinde ao Cel. Carvalho. Deste modo foi o mestre da

Filarmônica Cel. Carvalho recebido entre nós. Tonheca

assumiu a regência de nossa banda, abriu uma aula de

música para moças, que funciona na residência do nosso

chefe.

Tonheca é bem conhecido, já dirigiu bandas

em Natal e Paraíba. Compositor, ocupou a cadeira de

música da Escola Normal. Pode-se dizer sem a menor

contestação que Tonheca é o melhor músico do RN.

A notícia acima, copiada na íntegra, dá conta exata do

prestígio e popularidade de Tonheca, sempre recebido com provas de

admiração e amizade pelas cidades por onde passou.

Na pequena Santana do Matos, Tonheca reinou absoluto,

estribado na autoridade que lhe conferiam o prestígio dos seus

conhecimentos na arte musical.

A Filarmônica desempenhou altivamente o seu papel,

convergindo as atenções onde estivesse, fosse em festivas retretas na

praça principal, em bailes animados nos salões improvisados, ou

152

mesmo em enterros solenes dos poderosos do lugar. Indispensável nas

novenas de maio, nas festas da padroeira em 26 de julho, com

alvorada e novenário, nas comemorações de Natal e Ano Novo,

marcava sua presença nas alvoradas festivas e nos desfiles patrióticos;

bons instrumentos e bom repertório preparado por um bom mestre.

Além da função de mestrear a banda, Tonheca aceitou o

convite de alguns “coronéis” do lugar para lecionar música a suas

filhas, elemento importante na educação e dote intelectual das moças

casadouras de então. Muitas jovens santanenses receberam dele a

iniciação e os conhecimentos musicais que lhes davam condições de

abrilhantar saraus familiares com o produto da sua arte. Estudaram

com ele Francisca Gazzaneo (Cabral), Dulce, filha do coronel Antônio

Carvalho, Maria Lemos Felipe, Josefina e Natércia Pinheiro (Chaves),

filhas do coronel João Pinheiro, Dulce de Carvalho, Graziela Lemos,

Chiquita de Bemvinda, Anita, irmã de seu amigo Aristófanes

Fernandes e muitas outras mais. Essas “meninas”, aproveitando as

ocasionais ausências do professor, divertiam-se soprando nos

instrumentos da banda guardados na sala da aula de música...118

Participava sempre das festas e “dramas” organizados pelas

moças e senhoras da cidade, com objetivos geralmente beneficentes.

Organizava a parte da banda, preparava as músicas, ensaiava o

pessoal e tocava o seu clarinete.

Para afastar o tédio das longas horas vagas, gostava de se

reunir com os amigos para intermináveis partidas de pôquer onde,

intercalando com uma cerveja e mais outras, perdia mais do que

ganhava.

Em suas viagens a Natal, era sempre bem recebido por

Francisca Lucas, de quem nunca se separara oficialmente e que

cuidava de Marfisa. Mas, quando procurava Ana Florentina,

encontrava somente a frieza de um tratamento apenas formal. A filha

Antônia nunca aparecia e ele sabia que a menina era sempre

escondida, como se fosse o castigo que lhe impunha a esposa traída.

118 Informação da Sra. Francisca Gazzaneo Cabral, de Natal.

153

Tonheca Dantas, em fotografia de 1922.

154

MAIS UM CASAMENTO...

onge de Natal e vivendo sozinho, não tardou para que nova

figura feminina aparecesse em sua vida. Inquieto e

inconstante em seus amores, Tonheca haveria de encontrar ali

a companheira que, adaptando-se ao seu temperamento, saberia

contornar as situações que poderiam pôr em risco a união dos dois, a

tudo suportando e desculpando em benefício daquela união.

Francisca Lino Bezerra era paciente e compreensiva. Na sua

sabedoria instintiva, pressentia que os cabelos grisalhos de Tonheca já

anunciavam o começo de sua decadência física, e que decerto ele

estava perto de começar a mudar o seu jeito de ser, cansado de tanto

trabalho e de tanta aventura. Uni os parágrafos. Assim, distribuiu com

as madrinhas e parentes os cinco filhos de outro casamento e uniu-se

a Tonheca, dando-lhe mais oito filhos.

Confiante e tranquila nos seus objetivos, pouco lhe

perturbaram a existência de Francisca Lucas e de Ana Florentina, que

viviam em Natal, bem como das três filhas que ele já tinha. Viveria

sempre ao seu lado e haveria de acompanhá-lo em suas futuras

andanças e para onde se dirigisse a inquietação do marido, até o fim

de sua vida.

Em 1o de junho de 1916, nasceu Antônio Pedro Dantas Filho

(o segundo com este nome), o único a herdar do pai a inclinação para

a música.119

Vieram depois Afonso, José, Mirto, Salvador, Ivone,

119 Tonheca Filho é conhecido trombonista. Acompanhou o pai em suas andanças, ingressou

como músico na Polícia Militar e, depois, na Aeronáutica, de onde foi para a reserva como

L

155

Cleto e Evilásio.

O governo do Estado, por Decreto de 26 de janeiro de 1917,

criou Mesas de Renda120

para as cidades de Açu e Santana do Matos.

Não foi possível saber-se como nem a data exata, mas o mestre

Tonheca vai ser encontrado, de agora em diante, como funcionário da

recém-criada repartição, na função de Guarda de Mesa de Rendas. É

possível que os chefes políticos do lugar houvessem pleiteado para ele

aquela nomeação, o que atesta, ainda mais, o prestígio de que gozava

na cidade. É mais provável que o seu compadre José Augusto Bezerra

de Medeiros, que fora Secretário Geral do Estado no governo Ferreira

Chaves e havia sido eleito deputado federal para o período de 1915 a

1917, tenha sido o responsável pela indicação.

O trabalho da banda era feito pela manhã e as tardes eram

ocupadas com o expediente: um trabalho com números, contas e

dinheiro, que não era, certamente, o seu forte. Mas, a melhoria do

orçamento doméstico valia o sacrifício e não era preciso afastar- se de

seus compromissos com a música. Modesto e desligado da política,

não poderia decepcionar os seus patronos “coronéis” de Santana do

Matos. Havia no Estado a previsão orçamentária para cinquenta

Guardas de Mesa de Rendas; o ordenado de Tonheca era 100$000

(cem mil réis) mensais, mais uma gratificação de 125$000.121

Desde muito que o atormentava a lembrança da filha que

não via há tanto tempo. Num desses momentos de tristeza e

depressão, compôs uma das suas mais belas valsas, a qual intitulou

“Saudades de Minha Filha.”122

A pequena Antônia, por sua vez, sentia a maior tristeza por

não conhecer o pai. Invejava as meninas da escola quando falavam,

felizes, de seus pais. Sempre abordava a mãe sobre o assunto, mas,

ela, com muito jeito, desviava do assunto e tudo ficava como antes.

suboficial. 120 Assim se denominavam as atuais Coletorias Estaduais. 121 A República, 12 de novembro de 1926.

123 Esta valsa recebeu letra do poeta Joaquim BEZERRA JUNIOR.

156

Em um dia de 1922123

, Tonheca resolveu quebrar o gelo da

indiferença de Ana Florentina. Chegando a Natal, dirigiu-se à casa da

sogra na Rua Mossoró, naquele tempo, distante e sem calçamento, e

expôs a ela, sinceramente, o seu objetivo.

– Antônia, vá mudar de roupa e venha conhecer seu pai.

A alegria da mocinha não teve limites. Afinal, ela não era

mais uma filha sem pai. Chegando à porta da sala, olhou, ansiosa e

encabulada, aquele homem de cabelos grisalhos, bigodinho fino, terno

de casimira azul-marinho e gravata vermelha, que a esperava em pé e

que tentava esconder os olhos marejados. A menina também continha

o choro e nada podia dizer.

Abraços e conversas reaproximaram os dois, depois de

tantos anos de ausência:

– Vamos ali que eu quero comprar um presente pra você.

E saíram pela cidade, mãos dadas como dois namorados e

uma alegria grande a transbordar de ambos. Para ele, aos cinquenta e

dois anos de idade, muitas aventuras e desventuras passadas, aquele

era um dos mais emocionantes momentos que já vivera. A jovem de

quinze anos não continha o seu contentamento e queria mostrar a

todos na rua que ela tinha um pai, que aquele era seu pai, um músico

que tocava bem, mestreava bandas e fazia músicas bonitas.

Da primeira loja em que entraram, a “Nova Aurora”, saíram

com um grande pacote de cortes de fazenda.

– Agora vamos à Ribeira comprar um par de sapatos para

você na “Paris em Natal.” 124

Antônia chegou à sua casa carregada de presentes, cansada

de tanto andar pela cidade; tinha vivido o dia mais feliz de sua vida. E

o pai prometera que toda vez que viesse a Natal, viria visitá-la. A

partir daquele dia, ela era uma nova pessoa.

124 A loja “Paris em Natal” se localizava na esquina da Praça Augusto Severo com a Travessa

Aureliano.

157

Um dia, Tonheca voltou a Natal e pediu a Ana Florentina

para deixar Antônia passar as férias com ele. Ao chegar a Santana do

Matos, “Antonieta” – assim o pai a chamava – foi bem recebida por

Francisca, conheceu os seus meio-irmãos e reencontrou a também

mocinha Marfisa, a primeira das filhas de Tonheca. Na separação do

casal, em 1911, ambas ainda eram muito crianças, Marfisa ficara com

o pai enquanto Ana Florentina voltou para Natal trazendo apenas a

filha Antônia. Uni os parágrafos. O pai a levava para onde fosse; ao

ensaio da banda, ao trabalho na Mesa de Rendas, às tocatas e ao sítio

que arrendara nas imediações da cidade.

Antônia e Marfisa tornaram-se boas amigas e alegres

companheiras para os passeios pela cidade e arredores. Nas festas da

igreja, cantavam os cânticos sacros que o pai cuidadosamente

ensaiava, Marfisa fazendo a primeira voz, Antônia a segunda e o

próprio Tonheca a terceira voz. O pagamento que lhe fazia o padre

Lúcio Gambarra por aqueles trabalhos era sempre empregado em

comprar roupas para os filhos.

No ano de 1922, todas as cidades do Estado comemoraram a

passagem do 1o Centenário da Independência. Em Natal, foram

desenvolvidas extensas solenidades promovidas pelo governo de

Antônio de Souza.125

A Banda do Batalhão de Segurança era, na ocasião, regida

pelo maestro italiano Luigi Maria Smido e participava ativamente das

solenidades, retretas, desfiles e concertos realizados no Teatro Carlos

Gomes. Organizou-se, também, sob a direção daquele maestro, uma

orquestra com participação dos melhores músicos da cidade para atuar

naquele Teatro. Se Tonheca estivesse em Natal, certamente teria

participado dela.

Acontecimento na área musical foi a instituição de um

125 ANTÔNIO José DE Melo e SOUZA (1867-1955) elegeu-se duas vezes Governador do

Estado, para os períodos de 1907 a 1908 (completando o mandato de Augusto Tavares de Lyra que fora nomeado Ministro da Justiça e Negócios Interiores do governo Afonso Pena) e de 1920

a 1924. Jornalista e romancista, escrevia sob o pseudônimo de Policarpo Feitosa.

158

concurso premiando quem melhor musicasse versos de poetas

potiguares. Os poemas escolhidos foram: “Caminho do Sertão”, de

Auta de Souza, “De Natal ao Pará”, de Ferreira Itajubá e “Olhos”, de

Segundo Wanderley. O maestro Abdon Trigueiro126

ganhou dois

prêmios, musicando o primeiro e o terceiro dos poemas citados,

enquanto Virgílio Carneiro127

ficou com o prêmio para o poema de

Ferreira Itajubá.

Se estivesse por aqui, Tonheca teria participado daquele

concurso? Provavelmente não, pois musicar versos nunca foi o seu

forte. Continuava em Santana do Matos, mas a sua inquietação ainda

o estimulava a buscar novidades.

Mesmo estando fora de Natal, registrou-se a introdução de

uma composição sua em uma das muitas oportunidades em que se

festejou o Centenário da Independência, em 1922. Durante a

realização do evento denominado “Serenata dos Antigos e Modernos

Tempos”, uma peça de Tonheca achou-se relacionada entre as

composições de autores locais executadas. Tratava-se da valsa

“Saudades de Minha Filha”, que compusera num momento de

lembranças da sua pequena Antônia. Embora a valsa tivesse letra do

poeta Joaquim Bezerra Júnior, não há indicação de que tenha sido

cantada. Tudo faz crer que foi tocada por uma orquestra composta de

bandolins, violões, flautas, oboé, fagote, clarone, violinos e

contrabaixo.128

Uma outra de suas composições, a valsa “Saudades de

minha noiva”, foi composta em 1923. Júlio Soares, filho do coronel

José Soares, do Açu, era um apaixonado pela música e pelo clarinete.

Por essas qualidades, teria que, fatalmente, se encontrar com

Tonheca. Fizeram boa amizade. O pai teria a maior felicidade se visse

126 ABDON Álvares TRIGUEIRO (1868 -1941) exerceu, em diversas ocasiões, a regência das bandas do Exército e do Batalhão de Segurança, reformando-se como major, em 1929. Compôs

principalmente hinos religiosos evangélicos.

127 VIRGÍLIO CARNEIRO da Cunha (1889 -1953) violinista e compositor. 128 Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Volume XIX, n° 1 e 2,

Natal, 1922.

159

o filho formado, com belo anel no dedo e tratado por doutor. Júlio foi

mandado para o Rio de Janeiro para estudar. Passou algum tempo

pela capital, mas o que ele gostava mesmo era de música.

Estudou clarinete e esqueceu que devia ser doutor.

Enveredou pela boêmia e voltou para a sua terra sem título nem anel,

mas hábil e experiente na execução ao clarinete, para desgosto do

velho coronel. A noiva, por quem Júlio nutria sincera afeição, por

imposição da família ou por decisão própria, resolveu acabar o

casamento com o músico boêmio, bom rapaz, mas sem futuro. Júlio

sofreu a rejeição e, em um momento emocional, escreveu um poema

onde lamentava as suas mágoas.129

Em viagem a Santana do Matos, encontrou-se com Tonheca,

remoeu a roedeira e tentou escapar com grandes bebedeiras.

Apresentou ao amigo o poema que fizera e lhe pediu que o musicasse.

Isto nunca foi o forte de Tonheca, que desculpou- se da incumbência.

Júlio insistiu e, para não magoar ainda mais o sofrido poeta, Tonheca

compôs a bela valsa que tem o título do poema do amigo boêmio.

O relacionamento social de Tonheca continuava ativo. Os

seus amigos e colegas de música sempre o procuravam e com ele se

encontravam nas idas a Natal ou quando eles o visitavam em Santana

do Matos. Em 1923, chegaram os amigos Eduardo Medeiros, Tibiro e

Joca Leiros para participarem das festas da padroeira.

Confraternização, boas lembranças, boas conversas, muita cerveja e a

amizade mantida até o próximo encontro.

Era sempre convidado para ir a Currais Novos, para tocar

nas festas de Sant’ Ana. Ali, em 1923, compôs um minueto para

orquestra de sopros, destinado a tocar na igreja ao acender das velas

para a novena. Nele, as flautas e os clarinetes imitavam o canto das

seriemas.130

Melhor notícia não poderia chegar para Tonheca Dantas: o

129 Os versos de “Saudades de minha noiva” estão transcritos no final deste livro. 130 Informação do músico Avelino Faustino Costa, em entrevista concedida ao autor, em 22 de

outubro de 1979.

160

compadre José Augusto, padrinho de batismo da pequena Antônia,

havia sido eleito Governador do Estado! As coisas para ele, que

estavam boas, certamente melhorariam. Continuaria em Santana do

Matos ganhando das aulas particulares, da mestrança da banda e do

emprego estadual na Mesa de Rendas, com um terreno arrendado e

plantado; tudo indica que essa foi a melhor fase da vida do músico.

O relacionamento com a filha Antônia continuou sempre

muito amistoso. Todos os anos, a mocinha passava as férias com o pai

em Santana do Matos, onde encontrava a meia-irmã Marfisa, agora

grandes amigas. Nas férias do ano de 1925, “Antonieta” não

encontrou Marfisa, como sempre acontecia. Ela, que passara uns

tempos na casa da madrasta Francisca Lucas, conhecera e se casara,

naquele ano, com Clodoveu Madureira, e já residia em Natal. Do

registro do casamento, consta que Marfisa nascera em 24 de julho de

1906, sendo natural deste Estado; a mãe, Olívia Dantas, era falecida

em 1907.131

José Augusto assumiu o governo em 1o de janeiro de 1924 e

teve de enfrentar, logo de saída, um grande problema no sertão, desta

vez não causado pelas secas, mas pelo excesso de chuvas. Uma

grande inundação se espalhou pelo Estado, causando vítimas e um

sem número de flagelados. Isso significou uma fonte de despesas

imprevistas e bastante vultosas. Medidas de economia se fizeram

necessárias, tanto é que o governo, em 1o de dezembro, publicou a Lei

n° 611, em que considera licenciados, com direito à metade de seus

vencimentos, todos os funcionários efetivos do Estado, para os quais

a lei orçamentária a vigorar em 1926 não consignou as verbas

necessárias. O seu artigo 2o previa que nas vagas que ocorrerem, os

funcionários licenciados serão aproveitados nas categorias

correspondentes aos cargos que exerciam, entendendo-se que

perderão as vantagens do licenciamento se não aceitarem os lugares

para onde forem designados. E, ainda (Art. 3o ) Não serão admitidos

funcionários extraordinários em quaisquer das repartições

131 Arquivo do Cartório do Primeiro Ofício de Notas, Natal.

161

administrativas do Estado.

Logo em seguida, em 6 de janeiro de 1926, saiu o primeiro

ato baseado na Lei n° 611. Por ele, o governo resolve considerar

licenciados com direito à percepção da metade dos vencimentos, os

seguintes funcionários, para os quais a lei orçamentária a vigorar no

ano de 1926 não consignar as verbas necessárias: a lista é

encabeçada pelo poeta Othoniel Menezes, que exercia as funções de

1o oficial da Secretaria Geral do Estado, num total de quarenta e oito

funcionários estaduais. Dos Guardas do Tesouro e do Departamento

da Fazenda, estão relacionados José Graciano Cavalcanti, Luís José

Soares de Macedo, Urbano Fagundes, João Ferreira Nobre Filho,

Francisco Pignataro, João Batista Fernandes, Laurentino Ferreira de

Moraes e Antônio Pedro Dantas Tonheca.132

No ano de 1926, as atenções gerais se concentravam nas

notícias do avanço dos revoltosos componentes da “Coluna Prestes”

desde o ano anterior, principalmente quando os contingentes do 29°

Batalhão de Caçadores e a Polícia Militar foram mandados para

combater os revoltosos.

No campo da música, Waldemar de Almeida partia para

Paris em abril, para estudar piano, e Maurillo Lyra retornava, depois

de três anos na capital da França, após apresentar-se em audição

pública dos alunos de piano da Escola Margueritte Long,

apresentando em novembro um recital no Teatro Carlos Gomes.

Um bom celeiro de musicistas fermentava na Escola

Doméstica, sob o comando dos professores Tomaz Babini e Adelina

Leitão. O curso de música destacava nomes como Lélia Petrovich,

Netércia Maranhão, Dhalia Freire, Leonor Fernandes, Lourdes Couto,

Bertilde Guerra, entre outras.

Em Recife, falecia Heronides de França, violonista e

compositor de inúmeras e belíssimas modinhas para poesias de

autores locais.

132 A República, 9 de janeiro de 1926.

162

A melhor notícia, entretanto, é a criação do Instituto de

Música “Santa Cecília” em 1o de maio de 1926, sob a liderança de

Alcides Cicco133

. A entidade tinha como professores: piano, Ana

Maria e Maria do Carmo Cicco; violino, José Monteiro Galvão,

Cecília de Paula e João de Brito Namorado; flauta, Manoel Prudêncio

Petit; oboé, Barôncio Guerra; contrabaixo, José Calazans Carneiro;

canto, Alcides Cicco; solfejo, Capitão Abdon Trigueiro; História da

Música, Dr. Manoel Onofre.

Por essa época, Tonheca é transferido para Caraúbas do

Apodi, hoje Caraúbas, e para lá se mudou com a família, ali passando

cerca de um ano. Obrigado pelo dever a deixar Santana do Matos,

onde havia feito tantas amizades, trabalhado e ensinado com tanta

dedicação, levou a família em mais uma mudança.

133 ALCIDES Bruncti CICCO (São José de Mipibu, 1886 - Natal, 1959) cantor, professor de

canto, diretor do Teatro Carlos Gomes, atual Teatro Alberto Maranhão.

163

VOLTANDO AO SERTÃO

epois de breve passagem em Caraúbas, retornou a Santana

do Matos e reiniciou seus trabalhos musicais. Nova

transferência lhe é ordenada, desta vez para Jardim do

Seridó. Incomodado com a nova mudança em sua vida e sem poder

discutir uma ordem do governo, obedeceu ao que lhe era imposto.

Assim, com esposa e filhos, rumou a cavalo para Jardim do Seridó.

A viagem foi feita sem problemas além da distância a

percorrer. Tonheca feriu o pé no estribo do cavalo; a ferida inflamou e

foram todos obrigados a parar em Currais Novos para que se tratasse.

Instalaram-se em uma casa onde esperou sarar a ferida, o que durou

cerca de vinte dias.

O tempo em que passou doente pode ter-lhe dado o ensejo

para pensar e decidir sobre o que faria de sua vida. É naquele

momento que lhe chega a notícia sobre a redução pela metade dos

vencimentos, assim como diversos outros funcionários do Estado. Se,

por um lado, a diminuição do salário trazia problemas para o sustento

da família, o tempo livre que lhe restava permitia trabalhar em outro

lugar e voltar a se dedicar à regência de bandas e ao ensino da música.

Ali, em Currais Novos, soube que os trabalhos de construção

do açude Cruzeta estavam necessitando de gente. Decidiu mudar-se

para Acari e tentar aquela nova chance.

Chegando a Acari e se instalando com a família, conseguiu o

emprego no escritório da firma que construía o Açude Cruzeta e,

todos os dias, rumava para o trabalho, percorrendo dezoito

D

164

quilômetros na cabine de caminhões que passavam carregados de

material para a construção. Ali, recomeçou os seus contatos com

Alagoa Grande, escrevendo para os amigos que havia deixado lá.

Tonheca manteve sempre uma boa amizade com o primo e

também músico, Felinto Lúcio Dantas. Vinte e oito anos mais moço

que Tonheca, Felinto despertara para a música, ainda muito jovem, ao

ouvir composições de sua autoria. Seguiam vidas artísticas com

semelhanças e contrastes. Além das músicas típicas para bandas,

Felinto dedicou-se, também, à composição de músicas sacras, onde

predominavam as partes para coro a diversas vozes. Professor de

incontáveis alunos e regente de grandes qualidades, Felinto Lúcio

Dantas foi, durante muito tempo, a maior liderança musical da região

do Seridó, sendo chamado com sua banda para todas as festas da

região.

Diferente de Tonheca, Felinto levava uma vida sóbria e

equilibrada, nunca havendo saído de seu sertão. Austero e

disciplinado, católico praticante, levava a sério todas as atividades de

sua vida, mantendo sempre os velhos costumes sertanejos com que

edificara seu caráter. Exercendo as funções de Secretário da Prefeitura

Municipal de Acari, deslocava-se a pé, todos os dias, de Carnaúba dos

Dantas. Depois de aposentado, dedicava-se ao cultivo de um sítio,

para onde se deslocava a pé, antes de nascer o sol, enxada às costas,

trabalhando sozinho no cultivo da terra e voltando a pé para casa, na

hora do almoço.134

Certa ocasião, Felinto era regente da banda de música de

Acari e preparava o seu conjunto para a festa da padroeira.

Aproveitando a estada de Tonheca na cidade, pediu a sua colaboração

na banda ao assumir a parte de clarinete, que era de difícil execução e

exigia um músico mais experiente. Tonheca se comprometeu com

maestro e compareceu aos ensaios. No dia da festa, deram cinco horas

da manhã e ele não apareceu para a alvorada. Felinto estranhou, mas

135 FELINTO LÚCIO Dantas (Carnaúba dos Dantas, 23 de março de 1898 - 11 de setembro de

1986).

165

não teve problemas, pois a alvorada não tinha partes difíceis para o

clarinete. Entretanto, não poderia dispensar a sua presença na missa.

Terminada a alvorada e preocupado com a missa solene às nove

horas, o maestro saiu pela cidade perguntando por Tonheca e

ninguém dava notícia dele até que alguém clareou a cena:

– Mestre, eu vi Tonheca lá em cima, no bar de Zé Nunes,

jogando...

Felinto não teve dúvidas; saiu à procura do primo. Subiu as

escadas do bar de Zé Nunes. Lá dentro, numa roda de pôquer onde

havia passado a noite, Tonheca estava mais do que concentrado, mas

reconheceu o ruído das alpercatas de Felinto nos degraus da escada.

Sentindo que o mestre havia parado na porta e bem às suas costas,

Tonheca, sem se virar para trás e sem esperar que Felinto falasse, foi

logo dizendo:

– Mestre, pode descontar a tocata... disse, sem tirar os olhos

das cartas abertas na mão esquerda.

– Não, Tonheca... não se trata disso. É que eu queria pedir

para você não faltar à missa, pois eu preciso de você no clarinete...

– Se aperreie não, mestre; eu termino aqui e vou...

Um pouco antes das nove, Tonheca chegou com a caixa do

clarinete debaixo do braço, a cara de cansado e os olhos vermelhos da

noite em claro na mesa de jogo. E executou a sua parte na missa,

soltando as notas do clarinete com aquela segurança e naturalidade,

como só ele sabia fazer.135

As passagens de Tonheca por Acari, como por outras

cidades do interior nordestino, têm muitas histórias que vivem na

boca do povo.

Conta-se que, de uma feita, certo vigário de

Acari encomendou a Tonheca um hino laudatório a N.

Sa. da Guia, padroeira daquela cidade. O texto poético

a ser musicado era de autoria de festejado vate potiguar.

135 Episódio relatado por Francisco Rafael Dantas, de Carnaúba dos Dantas que, por sua vez,

ouviu do próprio Felinto Lúcio Dantas.

166

Tonheca, além de não ser muito chegado à Igreja, ele

próprio fazia restrições à sua veia para música sacra,

confessando sua pouca habilidade para compor hinos

laudatórios para santos... Entretanto, não querendo

deixar escapar a oportunidade de ganhar uns cobres,

aceitou a encomenda. Ajustado o preço com o vigário,

foi incontinente à casa de seu primo Felinto Lúcio, muito

mais destro no manejo da composição sacra, a quem

pediu que compusesse o hino que lhe fora encomendado.

Felinto Lúcio recusou- se, protestando o seu

ressentimento com o vigário, que anteriormente lhe

havia encomendado o referido hino e depois, sem lhe

dar qualquer satisfação, passara a incumbência a

Tonheca. Mas, diante da insistência do primo, Felinto

Lúcio não teve outro jeito senão aceitar o encargo,

embora com indisfarçável má vontade. Entretanto,

Felinto impôs uma condição; o hino seria dado à

publicidade como sendo de autoria de Tonheca; seu

nome não apareceria. A condição foi aceita. Os versos

foram musicados com inspiração religiosa adequada; a

melodia, como por encanto, surgiu do próprio texto

poético.

No dia da festa da padroeira, em Acari, todos

ficaram encantados com aquela esplêndida fusão

poético-musical. Foram exagerados os louvores que

Tonheca recebeu, após a missa festiva. O vigário

exultava! Acontece que, embora o preço do trabalho

tivesse sido previamente ajustado, passaram-se os dias,

sem que o padre se manifestasse, com respeito ao

pagamento. Assim ele esperou inutilmente.

Desapontado, vendo que não lhe pagavam, voltou à casa

de Felinto Lúcio, e foi lhe dizendo:

– Você sabe, Felinto, estive pensando e me parece que,

167

no resguardo do meu nome, aquele hino em louvor a N.

Sa. da Guia deve ser divulgado mesmo como sendo de

sua autoria.

Felinto rejeitou a idéia, lembrando a condição

combinada, mas Tonheca foi categórico: o hino era dele

e tornava-se necessário que todo mundo soubesse disso;

e estava acabado. Esse estranho comportamento do

primo surpreendeu Felinto Lúcio, que só mais tarde veio

a saber do logro de que tinha sido vítima o músico

carnaubense. Dias depois, em Acari, corria de boca em

boca que o padre ludibriara Tonheca, mas que ele

próprio fora enganado, porque, em represália, Tonheca

fez saber a todo mundo que o tão aclamado hino a N. Sa.

Guia tinha sido composto por Felinto Lúcio...136

Este período em Acari teve curta duração. Desligando- se do

emprego, Tonheca resolveu passar uns tempos com os irmãos em

Carnaúba dos Dantas, sua cidade natal. Ali chegou em princípios de

1926 e encontrou a banda de música de sua terra desativada. Com a

sua chegada, as coisas tomariam novo impulso. Reuniu o pessoal para

começar a ensaiar. Com o prestígio de seu nome, todos os músicos

acorreram a seu chamado, vindo gente até do meio rural, léguas de

distância e instrumento no saco, para o ensaio da banda.

Por esse tempo, a cidade de Caicó instituiu um concurso de

bandas e o pessoal de Carnaúba se alvoroçou para participar. Tonheca

preparou cuidadosamente a rapaziada e incluiu no programa a sua

composição “Delírio”. Tudo pronto, rumaram para Caicó.

Muitas bandas boas participaram, representando as cidades

da região seridoense. Quando se apresentou a Banda de Carnaúba,

falou mais alto a experiência do regente somada ao entusiasmo dos

136 Trecho extraído do discurso do maestro Oswaldo de Souza na Academia Norte-Rio-

Grandcnse de Letras quando, em 22 de agosto de 1968, tomou posse na cadeira n° 33, cujo patrono é Tonheca Dantas. Publicado na Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras,

ano XX, n° 9, Natal, 1971.

168

músicos; o resultado final foi um grande primeiro lugar trazido para

Carnaúba, para alegria dos músicos, o orgulho das suas famílias e de

todos os carnaubenses.

Ao chegar à sua casa, uma carta da Paraíba o aguardava e

nela um convite para voltar a Alagoa Grande e mestrear a banda da

cidade; escrevia-lhe “Biló” Montenegro, filho do Dr. Francisco

Peregrino de Albuquerque Montenegro, pessoas de grande prestígio

no local. Tonheca não teve a menor dúvida; arrumou as malas e

tomou destino a mais uma peregrinação por conta de sua arte.

169

OUTRA VEZ EM ALAGOA GRANDE

e novo em Alagoa Grande, encravada por entre colinas

verdes e acolhedoras como acolhedora lhe fora a gente do

lugar e os bons amigos que fizera ali. A cidade continuara a

crescer, fruto do trabalho da agricultura e indústria locais. Novas ruas

e novos prédios confirmavam a riqueza econômica. No alto da Rua

Pedro II, construíra-se, em 1920, a “Vila Bella Vista”, residência de

fazer inveja a qualquer cidade grande. Ao lado dela, desde 1919,

iniciara seus trabalhos o Colégio das Freiras de Nossa Senhora do

Rosário, em elegante arquitetura e vizinho à igreja do mesmo nome.

O ambiente continuava propício para o trabalho das artes.

Depois, Tonheca poderia mandar buscar a família, instalar-se,

começar tudo de novo, mestrear a banda, escrever músicas, ensinar

aos componentes as novas músicas que trouxera. Nas horas vagas,

ensinar particular.

“Biló” (Severino Nóbrega) Montenegro137

administrava o

Engenho Mundaú, de propriedade da família. Era um dos maiores da

região do agreste, dominando extensa faixa de terra com cinquenta

casas de moradores. Apaixonado pela música, continuava a tocar

clarinete, instrumento que escolhera ainda jovem, decerto sob a

influência de Tonheca, nas primeiras vezes que estivera em Alagoa

Grande. Nessa oportunidade, mesmo que fosse vinte e seis anos mais

moço que o antigo professor, a velha amizade ainda mais se

137 Nascido a 23 de setembro de 1896, “Biló” Montenegro faleceu a 26 de outubro de 1964.

D

170

estreitava, baseada no gosto pela música e na intimidade do mesmo

instrumento.

Vizinha a Alagoa Grande, distante apenas vinte e cinco

quilômetros em estrada de barro, está Alagoa Nova, outra simpática

cidade da região. Alguns dias na semana, Tonheca viajava para lá e

mestreava a banda da cidade. Como em todo o lugar por onde

passava, muitos eram os jovens que o procuravam para o ensino da

música.

Em uma certa ocasião, Tonheca ensaiava em segredo um

dobrado que compusera para ser tocado de surpresa e pedira aos

alunos músicos que não falassem a ninguém sobre o assunto.

Uma manhã de calor forte fez Tonheca procurar o Riachão

para uns mergulhos e se refrescar quando, para sua surpresa, ouviu

alguém assobiando o dobrado que ele ensaiava em segredo. Intrigado

com o que ouvia, aguardou mais um pouco e ouviu o dobrado inédito

sair completo pelo “bico” do assobiador. Resolvendo ver quem havia

descoberto seu segredo, encontrou dois meninos tomando banho no

mesmo rio e alegremente assobiando o dobrado.

Tonheca se aproximou e, discretamente, conversou com os

meninos. Eles contaram que ficavam nas imediações do local do

ensaio para ouvir as músicas. O mestre sentiu que estava em frente a

pessoas de ouvido apurado e amor nascente pela música, o que

prenunciava futuros bons músicos. Então, pediu aos irmãos que o

levassem à presença de seu pai.

Chegando à modesta casa nos arredores de cidade, Tonheca

foi recebido pelo pai dos meninos e pediu a ele que permitisse que os

seus dois filhos José Eduardo e João Eduardo entrassem na banda

como aprendizes. O pai se desculpou alegando falta de condições

financeiras para comprar os instrumentos e arcar com outras despesas

necessárias. Tonheca insistiu, responsabilizando-se pelo empréstimo

dos instrumentos, e prometeu a sua ajuda pessoal no que os meninos

precisassem. O que ele não podia era deixar duas fortes inclinações

musicais sem os elementos necessários para o desabrochar da arte que

171

traziam inata.

Ao deixar Alagoa Grande e Alagoa Nova para mestrear a

Banda da Polícia Militar em João Pessoa, muitos meninos ficaram

com conhecimentos musicais suficientes para serem bons ouvintes de

música e outros tantos se dedicaram a ela profissionalmente. Os dois

irmãos eram terra fértil para as sementes lançadas pelo professor.

João Eduardo foi para o Rio de Janeiro, estudou violino e fixou

residência em Milão, na Itália, como músico profissional. José

Eduardo ficou em João Pessoa e mestreou as bandas da Polícia

Militar e do Exército.138

Em certa ocasião, Tonheca deu um passeio ao vizinho estado

de Pernambuco e, ao passar por uma cidadezinha, ouviu o som de

uma banda a ensaiar a sua valsa Royal Cinema. Aproximou- se e ficou

na porta, escutando. Ao terminar o ensaio, um dos músicos se

aproximou e perguntou:

– O senhor parece que toca...

– Eu tenho muita vontade de aprender – disse ele, irônico. O

músico resolveu, então, levar o visitante na troça e o chamou para

perto dos outros.

– Pegue um instrumento aí que “nós ensina”.

Tonheca pegou um clarinete e fez um jeito de quem nunca

tinha visto nada parecido. Os outros músicos ficaram em roda para

gozarem da cena.

– Sopre aqui, “ensinou” o músico.

Tonheca começou a soprar errado e o clarinete dava apitos

estridentes. Todos riam com a situação ridícula da qual ele participava

sabendo, e aguardava o momento para virar o jogo.

Em dado momento, saiu uma nota certa e limpa. O mestre se

aproximou, bateu no ombro dele e disse:

– Moço, o senhor é músico.

– É, pro senhor eu não vou negar. Eu sou músico e vou tocar

138 Fato relatado em Alagoa Nova pelo Sr. Manoel Vicente Filho (“seu” Eliseu), 83 anos que,

por sua vez, ouviu contar por sua mãe.

172

essa valsa que a banda estava tocando.

E soltou o clarinete na Royal Cinema.

Ao terminar e gozando da cara de espanto dos músicos,

puxou do bolso a carteira de identidade e mostrou:

– Sou Tonheca Dantas, o autor desta valsa.139

Em outra ocasião, chegou a uma cidade do interior da

Paraíba e, mais uma vez, foi atraído pelo som de uma banda que

tocava Royal Cinema. Aproximou-se e pediu permissão para entrar e

ouvir o ensaio. Verificou, então, que a música estava sendo tocada

com muitos erros. Terminada a execução da valsa, dirigiu-se ao

regente:

– Mestre, essa música não está tocada certo.

O mestre, surpreso, disse:

– É melhor ficar calado, pois o senhor não sabe o que é

música!

– Eu não sei, porém, esta valsa que o senhor está ensaiando

tem o nome de Royal Cinema e é de minha autoria.

– Esta valsa é uma composição de Tonheca Dantas.

– Pois eu sou Tonheca Dantas – disse, mostrando a carteira

de identidade. O mestre deve ter tomado um bruto de um susto.

– Me dê aí a batuta que vou mostrar como se toca essa valsa.

E foi corrigindo os erros...140

139 Fato relatado por Francisco Rafael Dantas, de Carnaúba dos Dantas.

140 Fato relatado pelo major reformado da Polícia Militar do RN, Enéas de Araújo.

173

NA CIDADE DE PARAHYBA

ão passou muito tempo e lhe chegava uma carta vinda de

Parahyba, capital do Estado. Para sua surpresa e emoção, era

um seu ex-aluno que lhe escrevia. O jovem Elysio

Sobreira141

, que havia estudado flauta com ele por volta de 1911 e se

tornara bom amigo e companheiro de atividades musicais, era o

comandante do Batalhão de Segurança.142

Com a patente de Tenente-

Coronel e sabendo de sua permanência em Alagoa Grande, fazia-lhe

um convite para mestrear a banda de música da sua corporação, na

capital do Estado.

Tonheca não esperou por mais nada e em começos de junho

de 1927 já tomava o trem de volta, desta vez com destino à cidade de

Parahyba. No Batalhão de Segurança, Tonheca deveria substituir o

regente Pedro Rodrigues que, ingressando no Exército, ia ser

transferido para o Rio de Janeiro.

Incluído no corpo da tropa, Tonheca não poderia passar

diretamente a mestre sem as etapas necessárias; apenas foi dispensado

do período de treinamento por já ter sido militar anteriormente. Já no

dia 8 de junho, o Boletim Regimental manda-o para a inspeção de

141 ELYSIO Augusto de Araújo SOBREIRA. (Esperança, Paraíba 20/08/78 - João Pessoa

30/05/ 1942). 142 O Capitão Elysio Sobreira foi promovido pelo Governador João Suassuna, a major fiscal a

13 de novembro de 1924 e, a 14 do mesmo mês, o Decreto n° 3918 o designou comandante da

Polícia Militar da Paraíba, no posto de Tenente-Coronel. O acontecimento está noticiado, em primeira página, pelo jornal “A União” e o decreto publicado no Diário Oficial do Estado da

Paraíba, no dia 15 de novembro. Elysio Sobreira é o patrono da Polícia Militar da Paraíba.

N

174

saúde.

Assim, encontra-se em seus assentamentos:143

1927, junho. A 9, foi incluído no estado efetivo da força e

desta Cia., tomando o número acima ( 477 ) por ter verificado praça

voluntariamente, de acordo com o Art. 173 do R.F., ficando

considerado pronto por já ter servido no Corpo de Bombeiros de

Pará e na Polícia Militar do Rio Grande do Norte, sendo sua inclusão

de ordem superior. Na mesma data passou a empregado como

aprendiz de música. A 11, foi transferido para o PE por ter sido

elevado a músico de Ia classe.

O Boletim de 9 de junho daquele ano de 1927 publica:

Alistamento: seja incluído no estado efetivo da Força e da 3a Cia.

tomando o número 477 por ter verificado praça voluntariamente, de

acordo com o R.F., o civil Antônio Pedro Dantas Tonheca, filho de

João José Dantas, com 44 anos de idade, natural do Estado do Rio

Grande do Norte, casado civilmente, sabe ler e escrever, vacinado,

com 1,75 de altura, barba raspada, cor morena, cabelo grisalho,

olhos castanhos e rosto oval. Fica considerada praça pronta por já

ter servido no Corpo de Bombeiros de Pará e na Polícia Militar do

Rio Grande do Norte, sendo esta inclusão de ordem superior.

Aprendiz de Música. Passa a aprendiz de música o soldado

n° 477 Antônio Pedro Dantas Tonheca.

A 11 de junho: Seja elevado a soldado-músico de 1ª classe,

de ordem superior, o soldado n°477 Antônio Pedro Dantas Tonheca;

sendo por tal motivo transferido para o P/E, onde fica agregado.

O Livro do Estado Menor da Polícia Militar da Paraíba

consigna, à página 86, o rápido progresso na hierarquia daquela

corporação:

Em 1927, junho. A 11, foi incluído nesta unidade, vindo com

transferência da 3a Cia., por ter sido elevado a músico de 1

a classe,

de ordem superior. A 13, foi promovido ao posto de 3o sargento

143 4º Livro de Assentamento de Praças da 3a Companhia. Arquivo da Polícia Militar da

Paraíba.

175

músico, conforme proposta apresentada pelo Sr. tenente ajudante

secretário.

E, para continuar sua rápida evolução, o Boletim do dia 13

de mesmo mês: Promovo ao posto de 2º sargento-músico, o soldado-

músico de 1a classe agregado Antônio Pedro Dantas Tonheca,

conforme proposta do 1o tenente-ajudante interino, nesta data. Para

tão rápidas promoções valeram, certamente, além da competência do

músico, o reconhecimento de seus valores pelo comandante, seu

companheiro de tantos anos atrás.

Enquanto o mestre não se desligava do posto, Tonheca era

designado contramestre da banda.

Em 1927, a Banda de Música do Batalhão de Segurança do

Estado da Paraíba era formada por 40 integrantes, sendo 13 músicos

de 1a classe, 13 de 2

a e 14 de 3

a classe. Como 2

o Sargento, Tonheca

deveria receber a importância de 5$000 (cinco mil réis) mensais.

Ocasionalmente, Tonheca realizava viagens a Natal com o

objetivo de receber seus vencimentos reduzidos pela metade e pagos

pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, referentes ao

emprego que ainda mantinha em disponibilidade, na Mesa de Rendas

de Santana do Matos. Essas viagens eram sempre incômodas, mas

tinha que voltar a Parahyba, pois estavam lá a esposa Francisca e oito

filhos. Na verdade, as suas raízes sertanejas vibravam fortes em suas

veias e a saudade da terra de origem falavam alto nos momentos de

maior sensibilidade. Certamente, foi num momento desses que

Tonheca compôs e instrumentou para banda de música uma das suas

mais belas valsas, datada de – Paraíba, 1927 e intitulada “A

Desfolhar Saudades.”

O ano de 1928 trouxe para o Rio Grande do Norte a

mudança do governo de José Augusto para Juvenal Lamartine,144

agora com o título de Presidente do Estado e não mais Governador. E,

logo em 19 de janeiro, o Diário Oficial publicou: O Presidente do

144 JUVENAL LAMARTINE de Faria (1874 - 1956) governou o Estado de 1928 a 1930.

176

Estado, usando de atribuição legal e tendo em vista que, na lei

orçamentária para o exercício vigente, não foi consignada verba

própria para as despesas com os seguintes funcionários Antônio

Pedro Dantas Tonheca (poeta Othoniel Menezes e mais diversos

outros funcionários) resolve dispensar os referidos funcionários dos

cargos anteriormente ocupados pelos mesmos. Terminava, assim, a

frustrante carreira de um artista forçado a ser funcionário burocrático.

Não mais eram necessárias as longas viagens a Natal para receber a

metade do salário no Tesouro do Estado. Entretanto, extinguia-se uma

fonte de recursos que, mesmo pequena, iria fazer falta no orçamento

familiar, Agora, era sobreviver apenas com o soldo pago pela Polícia

Militar da Paraíba.

Fora este acontecimento, o ano passou sem mais novidades.

No quartel, os assentamentos apenas disseram: 1928, março. A 26 foi

vacinado. Dezembro, a 17 foi promovido ao posto de 1o sargento

músico. Decerto que foi nesta ocasião que passou de contramestre a

mestre, com a transferência do mestre Pedro Rodrigues.

A sucessão do Presidente Washington Luís provocou

acontecimentos políticos de grande importância em todo o país. Na

Paraíba, o presidente do Estado, João Pessoa145

, teve de enfrentar a

grave crise causada pela revolta do deputado José Pereira, seu antigo

correligionário.

Rompendo com João Pessoa às vésperas da eleição realizada

em fevereiro de 1930, José Pereira passou a apoiar Júlio Prestes,

candidato do Presidente Washington Luís.146

Em seguida, refugiou-se

na cidade de Princesa Isabel, declarando-a território livre da

autoridade estadual e passou contar com o serviço de “cangaceiros” e

do governo de Washington Luís, que o apoiava fornecendo armas e

munições.

145 O Presidente do Estado da Paraíba, JOÃO PESSOA Cavalcanti de Albuquerque, governou

de 22 de outubro de 1928 a 26 de julho de 1930, dia em que foi assassinado no Recife, fato que

precipitou a Revolução de 30. 146 JÚLIO PRESTES de Albuquerque foi eleito a 10 de março de 1930, não tomando posse por

conta da “Revolução de 30.”

177

Ao governo da Paraíba não era facilitado acesso ao

armamento e às munições de que carecia, mas a Polícia Militar, sob o

comando do coronel Elysio Sobreira, cercou a cidade de Princesa

Isabel, oportunidade em que se deram sangrentos conflitos.

Na noite 17 para 18 de agosto do mesmo ano, agravada a

situação, o quartel da Polícia Militar entrou em prontidão. Naquela

noite, se deu a vitória contra José Pereira, quando tropas do Exército

reforçaram as forças estaduais.

Na capital, o comandante da Polícia Militar, considerando

desnecessária a presença do regente da banda de música no quartel

numa situação em que seus serviços não seriam requisitados,

dispensou o 1o Sargento Tonheca do pernoite, autorizando-o a dormir

em sua residência, por sinal, bem próxima do quartel.

No dia seguinte, como consequência da vitória e

considerando que o pessoal que ficara de prontidão participara de uma

ação de combate, o governador resolveu promover a 2o Tenente todos

os primeiros sargentos.

Tonheca, que tinha ido dormir em casa, perdeu a

oportunidade, permanecendo como Sargento, enquanto seus colegas

passavam a oficiais.

Destacado para lecionar e formar uma banda para uma

escola agrícola em Pindobal, próxima à cidade de Mamanguape,

transferiu-se com a família para aquele lugar e iniciou logo os seus

trabalhos. Da casa de onde moravam para a escola agrícola, o

professor tinha que atravessar o rio Mamanguape que, quando enchia,

dava-lhe com água pelos peitos. Três vezes por semana, ensinava aos

rapazes e moças da cidade, enquanto esperava a chegada do

instrumental para a formação da banda. O tempo passou, os

instrumentos nunca chegaram e o mestre, por fim, recebeu ordem para

voltar para a capital.

Dezembro de 1931; sua idade não passou despercebida. A 16

foi excluído por haver concluído o tempo de serviço o qual se obrigou

a servir a não poder continuar servindo nesta corporação por ter

178

excedido a idade estipulada pelo regulamento.147

Para a Polícia Militar do Estado da Paraíba, Tonheca estava

sendo desligado por ter chegado à sua idade limite para ser soldado,

que era a de 48 anos. Declarara haver nascido em 1883 e assim consta

de seus assentamentos iniciais. Seu amigo Tenente-Coronel Elysio

Sobreira continuava afastado do comando e, como Assistente Militar

do Interventor Federal do Estado, não poderia interferir nos atos do

comandante da corporação policial. Sua idade naquele ano era,

efetivamente, 61 anos, pois nascera em 1870 e, assim, enganou a

corporação desde o dia em que foi incorporado...

147 9º Livro de assentamento de Praças da 2ª Cia do 1º RJ. Arquivo da Polícia Militar da

Paraíba.

179

180

RETORNANDO A NATAL

o voltar para o Rio Grande do Norte em fins de dezembro de

1931 – desta vez, definitivamente – Tonheca encontrou o

Estado com a sua constituição política mudada. Desde o dia

6 de outubro daquele ano de 1930, a chamada “revolução de 30” se

instalara também no Estado e o Governador Juvenal Lamartine, que

substituíra José Augusto, fora forçado pelas forças revolucionárias a

deixar o cargo, exilando-se em Paris.

Imediatamente, assumiu o governo do Estado uma Junta

Governativa Militar, composta pelos oficiais do Exército, Major Luiz

Tavares Guerreiro, Capitão Abelardo Torres da Silva Castro e pelo

Tenente Júlio Perouse Pontes. O governo do Estado, que era exercido

com o título de Presidente do Estado, foi substituído pelo de

Interventor Federal, sendo os seus titulares nomeados pelo governo

federal. Inúmeros foram os militares nomeados Interventores Federais

para o Rio Grande do Norte, muitos com breves passagens pelo

poder, sendo substituídos por políticos locais. No momento da

chegada de Tonheca a Natal, o Estado era governado pelo ex-

Governador Antônio de Souza, em substituição ao Capitão-Tenente

Hercolino Cascardo, Interventor Federal desde 31 de julho de 1931

até 3 de fevereiro de 1932.

As retretas das bandas de música haviam retornado às praças

públicas e as músicas de Tonheca voltaram a ser tocadas.

A música popular continuava participada pelos velhos

seresteiros, ainda persistentes no costume das serenatas. O conjunto

A

181

"Alma do Norte” continuava suas apresentações de músicas matutas e

seresteiras o os “Irmãos Carolino” entusiasmavam o público com suas

audições ao violão. Enquanto isto, começa a despontar a jovem

cantora Ademilde Fonseca. No Rio de Janeiro, o violonista

conterrâneo Henrique Brito prosseguia a sua carreira de sucesso,

como componente do “Bando de Tangarás”, como compositor e

solista de violão.

Na área da música erudita, destacam-se as audições dos

alunos do curso Waldemar de Almeida, que continuava revelando

talentosos pianistas, havendo de se destacar, entre eles, o menino

Oriano de Almeida.

No ano seguinte, um grupo liderado pelo professor Severino

Bezerra de Melo apresentou ao Interventor Bertino Dutra, um pedido

para que fosse criada uma escola de música em Natal e, em 31 de

janeiro de 1933, o mesmo Interventor criava o Instituto de Música do

Rio Grande do Norte, nomeando o maestro Waldemar de Almeida

para seu primeiro diretor. Prenunciavam-se melhores dias para a arte

musical potiguar.

182

DE VOLTA À POLÍCIA MILITAR

m Natal, novamente, com uma família numerosa e sem

emprego. Que fazer se não valer-se, outra vez, do Regimento

Policial Militar148

de seu Estado, onde outras vezes encontrara

abrigo? Naquela oportunidade, as coisas pareciam bem mais fáceis,

pois o regente da banda era o seu primo, Enéas Hípólito Dantas.149

Cansado de tantas andanças e incertezas, Tonheca procurou

o quartel da corporação no velho prédio da Rua Presidente Passos.150

Reencontrou velhos colegas e sentiu que aquele lugar tinha para ele a

dimensão de um segundo lar. Voltava abatido e alquebrado; a

insegurança e as preocupações lhe causavam sempre dores no

estômago que os médicos diziam ser o começo de uma úlcera.

Submetido a dieta, melhorava, mas perdia peso e se sentia

enfraquecido. Os amigos notavam e ele justificava que era da idade...

A sua doença tinha um sintoma muito curioso; sentia dores no

estômago sempre que bebia água. Deixou, então, de beber água – e o

fez por cerca de dez anos, substituindo-a por líquidos diversos. Uma

cervejinha não lhe causava nenhum problema, o que permitia – por

sorte! – tomá-las com frequência... A dificuldade na digestão levou-o

148 A Polícia Militar, pelo Decreto n° 469, de 4 de fevereiro de 1930, passou a se denominar

Regimento Polícia Militar.

149 Enéias Hípólito Dantas (Carnaúba dos Dantas, 01/06/1880 - Natal, 11/03/1942). Duas vezes mestre da Banda de Musica da Polícia Militar, faleceu no posto de 1o Tenente comandante da 2a

Cia. de Fuzileiros. Regente e compositor, foi várias vezes mestre da Banda da Polícia Militar.

Era irmão de Manoel Hipólito, o já conhecido “Fumaça”. 150 O antigo prédio do Hospital de Caridade, atual Casa do Estudante, serviu como Quartel da

Polícia Militar de setembro de 1914 a maio de 1953.

E

183

a se alimentar de alimentos leves, de preferência pastosos e líquidos.

Almoçava e jantava sempre uma sopa, acompanhada de uma

cerveja...

Encontrando o mestre Enéas Hipólito Dantas, Tonheca lhe

expôs o seu desejo de voltar a incorporar-se no Regimento Policial

Militar.

– Tonheca, você está me trazendo um grande problema, pois

você sabe que não tem mais idade para ser incorporado. O exame de

saúde vai reprovar você com certeza e eu, por mais que queira um

músico de sua qualidade para reforçar a banda, não posso fazer nada

contra o parecer dos médicos...

Tonheca saiu ainda mais abatido do que chegara. Ensinar

música, somente, não era o suficiente para sustentar uma família

numerosa como a sua.

Os colegas músicos, que esperavam ansiosos pela sua volta

à banda, ficaram decepcionados com a notícia. Um deles chamou

Tonheca em particular:

– Faça uma valsa, ponha o nome da esposa do comandante e

traga para a gente tocar. Assim você chama a atenção dele e quem

sabe...

– Como se chama a esposa do comandante?

– Lydia... Lydia Cavalcanti.

Pelo caminho de volta para casa, as primeiras frases

melódicas da valsa já iam se delineando na cabeça. Ao chegar, antes

mesmo de contar para Chiquinha o resultado de sua conversa, pegou o

clarinete, uma caneta e papel de música e começou a rascunhar os

primeiros compassos.

À tarde, depois do almoço, a terceira parte já estava escrita.

Depois da ceia, começou a fazer a harmonização, imaginando o efeito

que cada frase de cada instrumento poderia causar nos ouvintes,

passando tudo para a “grade” de maestro. Em seguida, copiaria cada

parte e daria os retoques finais, trabalho exaustivo que, para ele, com

a prática que tinha, saiu a contento. Mas, o galo já cantava o começo

184

da madrugada... Tonheca ainda se deitou, mas não conseguiu dormir.

A preocupação fizera voltar as dores no estômago. Tomou um café

ligeiro e voltou ao quartel procurando o amigo que lhe dera a

sugestão;

– Já está pronta a valsa? Deixe comigo que eu vou pedir

para que ela seja entregue ao comandante.

– O Tenente Sandoval Cavalcanti151

chegou ao seu gabinete

para o expediente e encontrou sobre sua mesa uma encomenda a ele

endereçada. Abriu o envelope e retirou o conteúdo: a partitura e

instrumentação de uma valsa com o título “D. Lydia Cavalcanti”, o

nome de sua esposa, e o autor, Antônio Pedro Dantas Tonheca, a

quem não conhecia. Curioso, o comandante mandou chamar o regente

da banda, entregou a ele as partes musicais, dizendo que gostaria de

ouvir aquela valsa que tinha o nome de sua esposa. O mestre Enéas

Hipólito combinou avisar-lhe quando a música estivesse no ponto de

ser ouvida e, ao ver quem era o autor da valsa que trazia o nome da

esposa do comandante, sentiu logo que havia ali alguma matreirice do

velho Tonheca. Resolveu colaborar em tudo que pudesse ajudar o

primo naquela hora de necessidade.

Voltando ao alojamento da banda, distribuiu as partes a cada

membro e deu uma passada na música para reconhecimento. A

melodia fluiu suave e delicada, no estilo tão peculiar ao compositor.

Já podia chamar o comandante Sandoval para ouvir a valsa, mas

pensou que seria melhor que o compositor estivesse presente para ser

apresentado e, até mesmo, fazer o seu pedido. Assim, mandou um

recado para Tonheca para que ele comparecesse ao quartel no dia

seguinte.

Na hora combinada, Tonheca se apresentou no alojamento

da banda. Modestamente vestido, estava abatido por uma nova crise

da úlcera gástrica. Postou-se reservadamente, enquanto Enéas

151 O 1° Tenente do Exército SANDOVAL CAVALCANTI de Albuquerque comandou o

Regimento Policial Militar do Rio Grande do Norte de 1°de agosto de 1931 a 1°de junho de 1932. Foi nomeado Prefeito Provisório de Natal a 19 de junho de 1932, exercendo aquela função

até 17 de janeiro de 1933.

185

Hipólito mandava avisar ao comandante que poderia ouvir a valsa de

sua esposa. O Tenente Sandoval não se fez esperar. O regente lhe

ofereceu uma cadeira um pouco distante dos músicos para que

pudesse ouvir melhor o conjunto e subiu ao seu estrado, dando início

à execução da música.

Tonheca, do outro lado da sala, observava a fisionomia do

comandante, que depois das primeiras repetições da primeira e

segunda partes, demonstrava um ar de satisfação.

Terminada a execução, o comandante Sandoval aproximou-

se do regente:

– Muito bem. Muito bonita esta valsa. Minha esposa vai

ficar muito satisfeita em poder ouvi-la. E o autor, é algum dos nossos

músicos?

– Não comandante, o autor é um dos mais renomados

compositores do Estado que acaba de chegar da Paraíba. Ele está ali.

E, virando-se para o autor:

– Tonheca venha cá para eu apresentá-lo ao comandante!

Tonheca se aproximou, com seu jeito acanhado.

– Meus parabéns pela linda valsa e muito obrigado pela

homenagem à minha esposa. Ela vai ficar muito lisonjeada com a sua

gentileza. O Sr. trabalha onde?

– Tonheca está desempregado, comandante – adiantou- se o

mestre.

– Ele é um músico de primeira qualidade, compositor de

muitas peças e clarinetista de mão cheia. Ele até me pediu para ver se

conseguia colocá-lo aqui na banda, mas...

– E qual é o problema? – perguntou o comandante.

– Bem... é que ele já não tem mais idade para ser

incorporado.

– E o que é que tem a idade a ver com um músico se ele é

bom profissional e vai contribuir para melhorar a nossa banda? Se ele

fosse para o corpo da tropa, onde se exige muito do físico, ainda se

justificava, mas para ser músico, o importante é que toque bem.

186

– Eu também acho, comandante, mas... e a inspeção de

saúde? Ele será reprovado por causa da idade...

– Pois, então, ele não vai fazer inspeção de saúde. Mande

incorporar o homem!

O comandante apertou a mão de Tonheca e do regente e se

retirou.

Enéas Hipólito olhou para o primo com um ar de riso, como

se dissesse: “Você conseguiu!” e nada comentou na frente dos

músicos que, mal saiu o comandante, partiram para o novo colega,

entre abraços e parabéns, certos de que a banda iria ter um novo e

forte reforço.

Tonheca subiu de um fôlego só a ladeira da Rua das

Laranjeiras, só pensando em chegar à sua casa e contar tudo a

Chiquinha.

No domingo à tardinha – 31 de março de 1932 – um

numeroso público já se aglomerava em volta do tablado erguido na

Praça 7 de setembro, como sempre acontecia, para ouvir mais uma

retreta da Banda da Polícia Militar. Rapazes e moças elegantemente

trajados circulavam pela praça, no delicioso jogo do flerte e do

namorico. Casais colocavam suas cadeiras mais perto para melhor

desfrutarem do esperado momento. Enquanto isto, os vendedores de

sorvetes, pipocas, amendoins e castanhas confeitados ofereciam seus

produtos em insistente cantilena.

O sol já se punha pelo outro lado do Potengi. Tonheca, mais

uma vez, vestia a farda de brim amarelo-pardo do Regimento Policial

Militar. Estava orgulhoso por ter voltado à corporação, mas, naquela

tarde, estava um pouco ansioso. Era a sua primeira retreta na sua

terra, depois de tantos anos de ausência. Ocupou a cadeira do 1o

clarinetista e arrumou na estante as suas partes. Olhando para o

público, viu que, bem à sua frente estavam sentadas muitas famílias,

entre elas o comandante Sandoval Cavalcanti com sua esposa.

Tonheca sentiu-se um pouco inseguro pela reação dela. Será que ela

gostaria da valsa? Logo despertou de suas interrogações quando o

187

contramestre pediu silêncio aos músicos e deu o sinal para Tonheca

tocar o Lá do diapasão. Todos os músicos afinaram seus instrumentos

por aquele som básico, até que, ouvindo cada naipe, considerasse a

banda afinada.

O mestre subiu ao estrado e agradeceu aos aplausos do

público. Erguendo os braços, deu sinal para as primeiras notas do

Prelúdio da ópera “A Última Noite”, do maestro Luigi Maria Smido.

As músicas foram se sucedendo, os aplausos calorosos, e o

público decerto nem se apercebia de que a bonita tarde de março já se

mudara em noite.

Chegou a vez da última peça: o mestre Enéas Hipólito

anunciou a valsa D. Lydia Cavalcanti, uma homenagem do

compositor Tonheca Dantas à excelentíssima senhora esposa do

comandante, 1o Tenente Sandoval Cavalcanti. Terminada a execução,

ainda se ouviam os aplausos e o comandante e a esposa subiram ao

palanque para cumprimentarem o autor.

– Muito agradecida pela sua gentileza de me oferecer uma

valsa tão bonita, disse dona Lydia.

Tonheca guardou o clarinete no estojo e voltou para casa,

certo de que, dali por diante, a sua vida seria mais sossegada.152

152 A valsa “D. Lydia Cavalcanti” foi tocada em público, pela primeira vez, em retreta realizada pela Banda do Regimento Policial do Estado na Praça 7 de Setembro, em 31 de março de 1932,

conforme noticia “A República” do mesmo dia.

188

189

LEVANDO A VIDA

im de dia na quieta Natal dos fins dos anos 30.

Às cinco horas da tarde, em geral, terminava o trabalho em

todas as áreas, encerrava-se o expediente nas repartições

públicas e o comércio fechava as suas portas. Todos voltavam para

suas casas. Era a hora de relaxar um pouco das canseiras do dia, o

melhor momento para se botar as cadeiras nas calçadas, reunir a

família e os amigos para uma palestra, aproveitando a gostosa brisa

que soprava do mar.

Na calçada de sua residência, à Avenida Junqueira Aires

448, o médico Aderbal de Figueiredo esperava a visita de alguns

amigos para um ritual diário de amizade e tradição.

Aos poucos, iam chegando. Primeiro, o seu vizinho,

desembargador Silvino Bezerra Neto, muitas vezes acompanhado de

seu filho Luís. Depois, mais três amigos e clientes do Dr. Aderbal: o

escritor Eloi de Souza, diretor do jornal “A Razão”, Manoel

(Nezinho) Alves Filho e o industrial João Câmara, sentavam-se para a

palestra diária.

Logo chegava Tonheca Dantas, acompanhado do amigo

poeta Damasceno Bezerra. Vinha do quartel, ainda fardado e trazendo

uma pasta com papéis de música.

Ali, confortavelmente sentados, conversavam sobre os

assuntos do dia; as últimas notícias da guerra eram sempre as mais

constantes.

O desembargador Silvino lembrava, com Tonheca, os seus

F

190

tempos de menino em Acari, quando juntamente com seu irmão José

Augusto Bezerra de Medeiros, estudavam música tendo o próprio

Tonheca como professor e sonhavam – os dois, desfilarem em

garbosas bandas, como profissionais da música. O destino havia

traçado um caminho diferente para eles.

Tonheca, entretanto, sempre vivera de música e ainda vivia

a música, apesar das decepções e canseiras de tantos anos de tantas

lutas.

O poeta Damasceno Bezerra, sempre falastrão e exaltado,

aguardava o momento para, terminada a reunião, sair para tomar um

ou mais aperitivos antes do jantar. Certo dia, invertera a ordem e já

chegara “meio alto”, com muitos aperitivos anteriormente tomados.

Trazia nas mãos um pombo vivo.

– Damasceno, para que esse pombo?

– Isto é para a “parede”153

, desembargador! Para a “parede”!

Tonheca, sempre modesto, ouvia tudo e falava pouco. Entre

aquelas pessoas – médico, jurista, político, intelectual, o maior

empresário do Estado – era o menos aquinhoado economicamente.

Vivia de seu modesto soldo da Polícia Militar e com ele sustentava

uma numerosa família. A arte que tão carinhosamente cultivara não

lhe havia recompensado com riqueza material por tanto tempo de

fidelidade e dedicação, mesmo que o seu valor naquele campo fosse

tão grande ou até maior do que o de seus companheiros de palestra,

em suas respectivas áreas.

As luzes amareladas dos postes da “Força e Luz” começam

a se acender. O sol, que pintava com o vermelho do poente as

fachadas das casas da frente, já se recolhera para o outro lado do

Potengi. Um ou outro automóvel subia ou descia a ladeira, quebrando

o silêncio daquela tarde quase noite.

153 Parede: o mesmo que “tira-gosto”

191

TERMINANDO A MISSÃO

a última e mais e mais longa permanência na Polícia de seu

Estado, iniciada em 10 de março de 1932, Tonheca alistou-

se voluntariamente neste Btl. para servir por dois anos,

conforme publicou o Boletim Regimental da mesma data, ficando

incluído no P.E. como músico de 1a classe.

154 O restante do ano

passou sem maiores alterações.

Em casa, organizou-se para lecionar e tentar melhorar o

orçamento doméstico. Comprou um quadro negro e arrumou a sala

para as aulas particulares e ensinava, também, aos candidatos a

concursos para bandas militares. Os alunos foram chegando, atraídos

pelo seu prestígio desde há muito tempo divulgado. Residia, logo ao

retornar a Natal, em um sítio onde hoje é a Rua Régulo Tinoco. A

esposa Chiquinha sempre lhe pedia para ensinar música aos filhos e

ele se negava, argumentando que “a música era muito ingrata.”

Vale salientar que os soldados músicos de 1a classe

percebiam soldos iguais aos de um 1o Sargento: 245$000 (duzentos e

quarenta e cinco mil réis). Compare-se com o soldo de um soldado de

1a classe (185$000) e o da maior patente, um major (900$000).

Em 21 de abril de 1933, foi, pelo Sr. Tenente-Coronel

Abelardo de Castro, comandante deste Btl, louvado pela dedicação e

disciplina com que se conduziu durante o seu comando.

Naqueles tempos, era comum aos prefeitos do interior

solicitarem ao Comandante do Regimento Policial Militar que

passassem à disposição de suas prefeituras músicos experimentados

154 Os assentamentos dos anos de 1932 e 1933 constam do Livro n° 2, do Pelotão

Extranumerário. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.

N

192

para mestrearem bandas de música nas suas cidades. Assim, no ano

de 1935, encontra-se Tonheca em Açu, com a esposa Chiquinha e os

filhos, mestreando a banda municipal. Desse período, ficou a valsa

“Laurita”, que está dedicada Ao illustre Dr. João Celso Filho off. a

presente composição musical de minha autoria, como uma prova de

alto apreço. Está datada de 1o de abril de 1935.

155 Laurita, filha do Dr.

João Celso Filho, chamava-se Laura Dantas da Silveira e, naquele

ano, tinha 12 anos de idade.

Em 23 de novembro, os acontecimentos resultantes da

“revolução comunista” trariam graves problemas para a Polícia

Militar, entre outros o ataque ao seu quartel da Rua Presidente Passos.

Por volta das 19 horas do dia 23, teve início o levante

armado, partindo dos praças do quartel do 21° Batalhão de

Caçadores.156

Portando armas, os revoltosos tomaram as ruas da

cidade, verificando-se intensa fuzilaria, atacando a Casa de Detenção

e o Pelotão Montado. No quartel, o Capitão Joaquim Teixeira de

Moura liderou a resistência. Ao toque de recolher, poucas praças

acorreram ao quartel, que foi duramente atacado por volta do meio-

dia do dia 24, quando os revoltosos utilizaram metralhadoras e

granadas de mão. Esgotada a munição por volta das 15 horas, o

quartel foi submetido ao saque, falecendo na ocasião, vítima de tiros,

o soldado Luís Gonzaga.

Teve sorte Tonheca em estar fora de Natal em 1935.

Em 1937, era regente da Banda do Regimento Policial o

Tenente Luís Gonzaga César de Paiva, sendo mestre o Brigada

Euclides Moreira e Silva e contramestre o 1o Sargento Enéas de

Araújo. Em vista de muitos músicos estarem deslocados para o

interior, na missão de mestrear bandas de música, causando a

ausência dos mesmos grandes problemas, decidiu o Tenente Luís

Gonzaga César de Paiva solicitar ao então comandante, Coronel

155 O original da valsa “Laurita” pertence ao Sr. Celso da Silveira e está, infelizmente, incompleta, faltando-lhe partes de diversos instrumentos.

156 Local onde se encontra o colégio Winston Churchill

193

André Fernandes de Souza, que ele mandasse voltar aqueles seis

músicos que estavam à disposição de prefeitos do interior. Tonheca,

que estava mestreando a Banda de Santana do Matos, apresentou- se

ao quartel, para reassumir as suas funções.

Vinha abatido pelos problemas de saúde que ultimamente se

agravavam. O Tenente Luís Gonzaga César tomou a iniciativa de, em

consideração ao renome e passado de Tonheca, em vista de sua idade

e, também, de sua saúde precária, dispensá-lo das atividades militares

ordinárias, como os ensaios, desfiles e tocatas, atribuindo-lhe a

incumbência de apenas copiar músicas e fazer instrumentações,

sendo-lhe dispensada até mesmo a presença no quartel, podendo

realizar o seu trabalho em casa. Por esses tempos, Tonheca Dantas

Filho, que ingressara na banda da corporação em 16 de dezembro

daquele ano e ali permaneceria até 14 de junho de 1946, tornara-se

colega do pai na farda e na música, embora nunca tenham tocado

juntos nas apresentações da banda.

Respeitado e admirado por todos os demais músicos que o

tinham como mestre, Tonheca gozou de uma situação privilegiada,

fruto do prestígio que conseguira, por tantos e tantos anos dedicados

ao cultivo da música.

Consta nos registros do quartel que Tonheca, em 3 de janeiro

de 1938, em virtude da reorganização da Força foi, conforme consta

do Boletim n° 1, incluído nesta sub-unidade (Companhia Extra) vindo

do antigo Pelotão Extranumerário.

No dia 27 do mesmo mês, apresentou-se, vindo da cidade de

Santana do Matos, licenciado, a esta capital.

Em 5 de abril, seguiu destacado para São José de Mipibu e,

em 19, foi mandado continuar a servir no estado efetivo desta Força,

dependendo a concessão do engajamento do resultado da inspeção de

saúde a que deve ser submetido quando vier à capital. Em 31 de

dezembro, foi, pelo Sr. Cmt. Geral, louvado pelo amor à disciplina e

à dignidade da farda.157

157 Os assentamentos do ano de 1938 constam do 1º Livro da Companhia Extra. Arquivo da

Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.

194

Uma nova incumbência, desta vez em São José de Mipibu, e

a repetição dos mesmos fatos, mudado apenas o ambiente de trabalho:

reunir aprendizes e ensinar teoria e um instrumento; escolher os mais

experientes e formar a banda, fazer arranjos, cópias, instrumentações,

ensaiar e ensaiar, apresentar-se nos dias festivos – sejam patrióticos,

sejam religiosos – tocar para os grandes do lugar. Afinal, assim tinha

sido a sua vida; a esta atividade tinha dedicado a sua mocidade e, aos

69 anos, ainda assim este era o seu maior prazer. Nas horas vagas,

compor; o ímpeto criador não cessara com o passar do tempo. Antes,

se estabilizara e solidificara. E era, ainda, uma forma de acrescer

alguma coisa ao orçamento magro com que vivia.

Compôs, em São José de Mipibu, uma de suas mais belas

valsas; intitulou-a “Dagmar Duarte Dantas”, nome de uma das filhas

de João Beckmam Dantas, proprietário do Engenho “Olho d’Água”. O

manuscrito original é uma versão para piano, autografada pelo autor e

dedicada Ao Sr. Cel. João Dantas, como prova de estima. É bem

provável que esta tenha sido a sua última composição. Era o seu canto

de cisne.

195

Manuscrito de Tonheca Dantas. (Propriedade do Sr. Carlos José

Marques de Carvalho).

196

197

198

ADEUS AO SERTÃO

utubro de 1938. Tonheca atendia, mais uma vez, ao apelo de

suas origens sertanejas e, na boleia de um caminhão misto,

sulcando as estradas poeirentas do Seridó, buscou, mais uma

vez, a sua cidade natal. Como o fizera tantas vezes, voltava para

participar das festas de Nossa Senhora das Vitórias, padroeira de

Carnaúba dos Dantas, realizada em 25 de outubro.

Durante a viagem, o demorado percurso era amenizado pela

animada conversa dos viajantes, todos conhecidos e quase todos

parentes, que contavam os mais recentes “causos”. Lembrava,

decerto, quantas vezes fizera aquele percurso no lombo de cavalo, sol

a pino, e a estrada a não mais findar. Naquele momento, convivia com

o progresso; o caminhão rasgava a estrada e num dia de viagem

chegava a Acari. Muito tempo havia passado desde aquele distante

1898, quando ele, jovem e cheio de esperanças, buscava Natal para

tentar a vida. Dali em diante, tantas estradas, tanta gente, tanta vida,

tanta música.

Dia 25 de outubro, Carnaúba dos Dantas; alvorada pela

banda de música de madrugada, foguetões, missa solene com

orquestra e cânticos. Almoço festivo na mesa farta do sertanejo. À

tarde, a procissão, muita gente da cidade e dos arredores, devoção,

promessas, banda de música. Na igreja, benção solene e, ao som da

música, a descida da bandeira da santa encerrava os festejos

religiosos.

Depois, a parte profana: o esperado baile nos salões do

O

199

Grupo Escolar Caetano Dantas. Muita gente vinha das cidades

vizinhas, as famílias disputavam as mesas mais bem colocadas e os

rapazes e moças, vestindo as melhores roupas, preparavam-se para ser

notados e sonhavam encontrar o par que lhes faltava.

Há uma contagiante vibração no ar. Vão chegando os

músicos da orquestra, os melhores da região: Severino Leopoldino,

Zezinho Felipe, Nicandro Alberto, os irmãos Pedro e Felinto Lúcio

Dantas e outros, sob o comando do mestre Pedrinho Arboés. Como

sempre acontecia, o conjunto recebia o reforço de Tonheca.

Após a coroação da rainha da festa, dançou-se a valsa, o

ponto alto do baile. Como em outras vezes, a valsa escolhida foi

Royal Cinema. Tonheca tomou o clarinete e deu alguns passos à

frente. A melodia tão conhecida, mas sempre nova e envolvente,

atingia a todos e poucos ficaram sentados, contagiados pela melodia

da velha e querida valsa.

Acordes finais, aplausos. Tonheca senta-se e as palmas

continuam. Será que todos haviam tido a intuição de que Tonheca

estava tocando para seus conterrâneos pela última vez?

Continuavam os aplausos. O músico levanta-se, agradece,

troca algumas palavras com o mestre Pedro Arboés, apanha um

saxofone e se põe de novo frente à orquestra. O aplauso cresce e para.

Outra vez, Royal Cinema, agora em solo de saxofone, enchia

o salão do Grupo Escolar Caetano Dantas. A noite já ia alta e a

melodia ainda ecoava pela rua deserta. Mais aplausos calorosos. O

músico agradece sensibilizado, a sentir – quem sabe? – a sensação de

que aquela seria a última visita à sua terra.158

158 Fato relatado por Pedro Arboés Dantas, residente em Currais Novos, que esteve presente ao

baile.

200

PROBLEMAS COM A SAÚDE

saúde cada vez o atormentava mais. Nem mesmo as boas

amizades e os bons ares de São José de Mipibu o ajudavam,

pois a alimentação, o principal para a sua subsistência,

continuava prejudicada. Continuava a se alimentar apenas de líquidos

e pastosos, a almoçar e jantar sopas, sempre acompanhadas por uma

cerveja. Permaneceu naquela cidade de 5 de abril de 1938 até 9 de

junho de 1939, quando recolheu-se à sede da Força, procedente do

destacamento de São José de Mipibu. Aos 16 dias do mesmo mês, foi

elogiado pela dedicação com que se entrega à cultura da música, à

qual, ainda na sua velhice, consagra as horas de folga que lhe

cabem.159

Doente e abatido, recebeu a visita do amigo Aristófanes

Fernandes, que o convidou para uma temporada em Santana do

Matos. Autorizado pelos seus superiores, Tonheca se deslocou para

aquela cidade, no meio do ano. Ali, entre os velhos amigos feitos em

tantas outras passagens por lá, esperava melhorar da saúde. Na sua

fazenda “Timbaúba”, perto da cidade, Aristófanes se dedicava à

criação de gado. Tonheca repousava, passeava pelo açude, andava a

cavalo e procurava se fortificar com o generoso leite ao pé da vaca, ao

raiar da manhã. Dona Maria do Céu, esposa do amigo, providenciava

uma comidinha mais leve para o estômago doente. Abrigando-se do

sol quente, Tonheca sentava-se junto a uma mesa, espalhava papéis de

159 Livro 2 – Geral. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.

A

201

música, compunha, instrumentava. Em homenagem ao amigo,

compôs o dobrado “Aristófanes Fernandes”. Reunia na própria

fazenda os músicos da redondeza e ensaiava para tocar nas festas da

cidade e solenidades religiosas, em conjuntos que ele mesmo regia.

A sua permanência em Santana do Matos realizou-se com o

conhecimento de sua corporação, pois os livros de anotações

registraram que, em 27 de julho de 1939, destacado em Santana do

Matos, lá reverteu.

Seu valor como compositor não estava, entretanto,

esquecido. Nas comemorações do 103° aniversário da corporação

policial norte-rio-grandense, a banda, sob a regência do Tenente Luís

Gonzaga César de Paiva, tocou a “Invocação” e a “Ave Maria”, da

ópera O Guarani, de Carlos Gomes, o “Romance em Fá” de Luigi

Maria Smido, páginas de von Suppé e Verdi. Entre elas, a “Melodia

do Bosque” e Tonheca, o único artista local a figurar no meio

daqueles nomes de grande conceito na música internacional. Sobre o

fato, assim comentou o jornalista Danilo (Aderbal de França) em sua

coluna “Sociais”: E, entre outras, uma das muitas composições

daquela figura que faz parte da Banda, curvado hoje ao peso dos

anos, mas sempre lembrado e sempre criador de beleza: o velho

TONHECA Dantas. 160

Diversas testemunhas informam terem ouvido composições

de Tonheca, irradiadas pela BBC (British Broadcasting Company) de

Londres, em programas dirigidos ao Brasil, naqueles tempos em que

se desenrolava a 2ª guerra mundial. Uma das testemunhas era o

Desembargador Silvino Bezerra Neto, seu ex-aluno quando criança,

na Banda de Acari. Em conferência realizada no Instituto Histórico e

Geográfico do Rio Grande do Norte, assim se pronunciou:

Na fase da última guerra europeia, quem tinha rádio

procurava ouvir o noticiário dos últimos acontecimentos.

À noite, eu sempre ouvia, em casa, as emissões da

160 A REPÚBLICA, 15 de novembro de 1939.

202

estação da BBC de Londres que, ao fim, nos seus estúdios,

exibia uma parte musical. Em certa noite, ouvi nitidamente

daquela potente estação internacional de rádio a música da

valsa “Royal Cinema”, precedendo o espíquer do

esclarecimento de que se tratava de uma valiosa produção de

compositor brasileiro.

Sabe-se que se referia ao nosso homenageado,

donde se vê que o mérito de Tonheca ultrapassara as

fronteiras do nosso país. É, pois, um episódio a mais, digno

de registro. 161

Muitas pessoas tiveram a oportunidade de ouvir

composições de Tonheca transmitidas por estações de rádio europeias.

O Sr. Walter Canuto de Souza informou que ouvia sempre a Rádio

Berlim, pouco antes de o Brasil entrar na guerra contra a Alemanha,

quando aquela estação transmitia programas todas as tardes para o

Brasil. Em duas oportunidades distintas, afirmou que ouviu serem

irradiadas as valsas de Tonheca, “Royal Cinema” e “A Desfolhar

Saudades”.162

Familiares do compositor confirmaram haver ouvido

Royal Cinema através da BBC de Londres, em suas transmissões para

o Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Ao iniciar-se o mês de janeiro de 1940, recolheu-se à sede

da Força, procedente do destacamento de Santana do Matos.163

161 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE, Volumes LXVI1I-LXIX, Natal, 1976-1977, pg. 106. O autor tentou, por

correspondência e pessoalmente, na própria BBC, localizar as partituras de Tonheca. A transmissão da música somente poderia ser feita através de execução por músicos locais, visto

que Royal Cinema ainda não havia sido gravada em discos. A investigação não logrou êxito;

explicaram na BBC que poderia ter havido perda de material durante a guerra. A pesquisa, entretanto, não pode ser considerada concluída, em vista do grande número de departamentos

daquela emissora, o que demandaria muito tempo.

162 Informação do Sr. Walter Canuto de Souza ao autor, em 1997. 163 Em 1940, a Força Policial Militar tinha 41 oficiais na ativa, 5 aspirantes a oficial e 1074

praças, soldados, cabos e sargentos. Na Banda de Música, havia 10 músicos de 1ª classe, 12 de 2a

e 18 de 3a classe. Um Coronel recebia 18:000$, um 2o Tenente, 4:660$, um músico de 1a classe como Tonheca recebia 2:160$, um de 2a, 1:800$ e um de 3a classe 1:400$. Era possível entrar na

corporação como voluntário.

203

AS NOTAS FINAIS

urante os dias 4, 5 e 6 de fevereiro, Natal viveu as alegrias

do carnaval. Na Avenida Tavares de Lira, blocos e troças

desfilaram animadamente, liderados pelos “Índios

Guaranis” e pelos “Tubarões do Norte”, alternando-se ao concorrido

corso de automóveis, onde elegantes moças e rapazes desfilavam sob

intensa batalha de confetes e serpentinas. Nos locais elegantes da

cidade, Aero Club e Teatro Carlos Gomes, foram realizados animados

bailes. O serviço de alto-falantes de Natal e a recém-inaugurada

Rádio Educadora de Natal levavam a toda a cidade o som dos frevos,

sambas e marchinhas carnavalescas.

Na casa de Tonheca, entretanto, apreensão e cuidados; ele

piorara bastante. No dia 7, quarta-feira de cinzas, seu estado se

agravava, vindo a falecer às 16:20. Assinou o atestado de óbito o Dr.

Feijó de Melo, havendo declarado no cartório competente o filho

Afonso Dantas Tonheca.

Em fevereiro, dia 8, o seu último assentamento: excluído do

estado efetivo desta Força e da Cia. Extranumerária, por haver

falecido.164

No dia seguinte, a coluna “Sociais” do jornal “A

República”, assinada por Danilo165

, publicou: Às 16,30 horas de

ontem faleceu, na sua residência à Rua Paula Barros, n° 568, o sr.

164 Os assentamentos de 1939 e 1940 constam do Livro 2 – Geral. Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, Natal.

165 Pseudônimo do jornalista Aderbal de França.

D

204

Antônio Pedro Dantas, antigo músico da Força Policial do Estado. O

extinto, popularmente conhecido por Tonheca, era casado com

Francisca Lino Bezerra Dantas, que lhe sobrevive, de cujo consórcio

deixa cinco filhos. Desaparece aos 68 anos de idade. Contando um

largo círculo de relações de amizade nesta capital, foi sua morte

bastante sentida, devendo ao seu enterro, que se verificará hoje, pela

manhã, comparecer elevado número de pessoas conhecidas da

família enlutada.

As despesas com o seu sepultamento foram pagas pelo

comando da Polícia Militar.

No 7° dia, não foi publicado convite para missa. Na data, o

mesmo cronista Danilo escreveu em “A República” sobre matérias

variadas, como se estivesse sem assunto, e nada comentou sobre

Tonheca. A coluna “Acta Diurna”, de Luís da Câmara Cascudo, da

mesma edição, versou sobre André de Albuquerque, herói de 1817, e

nunca Tonheca mereceu um destaque naquela sua crônica diária.

Apenas o poeta Damasceno Bezerra evocou suas lembranças numa

crônica sentimental: Uma das recordações mais suaves que

guardo de minha distante meninice é a do tempo em que

eu morava na Rua 13 de maio, a tradicional e vetusta

Rua dos Tocos.

As serenatas obrigadas a modinhas, os

“dramas” na casa de Antônio Elias, os banhos do

“Baldo”, as Lapinhas, os brinquedos de “mancha” ao

clarão do luar que nunca mais verei – todas as coisas

que faziam o encantamento da antiga Natal – passam e

perpassam na minha memória, alojadas por uma

saudade que é, ao mesmo tempo, suplício e

enternecimento.

Nessa época, o quartel do Batalhão de

Segurança Pública, hoje Força Policial, ficava situado

onde funciona, atualmente, o Ginásio Industrial, ex-

205

Escola de Aprendizes Artífices. O alojamento da banda

de música era na parte traseira, que olhava para a Rua

dos Tocos.166

Depois das aulas, na escola do meu

inesquecível mestre e amigo José Ildefonso Emerenciano

China – o bonachão e coletivamente estimado “professor

Zuza”, eu e outros colegas íamos ver e ouvir os ensaios

da banda, através das janelas do alojamento.

Royal Cinema constituía a atração do

momento. E nós ficávamos embevecidos, a escutar os

sons da valsa magistral, assimilando inconscientemente,

dentro do ser, aquele punhado de melodias que nos

despertava emoções desconhecidas até então.

TONHECA era o autor de “Royal Cinema” e o seu

nome, eu ouvia dizer, estava conhecido até no

estrangeiro...

TONHECA morreu há poucos dias. Morreu

pobre, quase esquecido, ao contrário de suas

composições, que serão sempre lembradas. Sua voz

emudeceu por toda a eternidade, mas harmonias por ele

criadas, tais como “Royal Cinema”, “Delírio”,

“Melodia do Bosque”, “As três da Manhã”,167

e

centenas de outras, terão a força e o poder dessa mesma

eternidade.

Existisse, realmente, um ponto no universo

chamado pelos que ainda acreditam na existência de

Deus, de Paraíso Celestial, e eu diria parodiando um

festejado poeta matuto, que “Tonheca foi jazer valsas no

céu.” 168

166 Assim se chamava a Rua Princesa Isabel, no começo do século. O quartel do Batalhão de

Segurança se localizava no prédio onde seria a futura Escola Industrial, depois Escola Técnica

Federal, na Avenida Rio Branco. 167 A valsa “As três da manhã”, citada pelo poeta, não é de autoria de Tonheca.

168 A República, 11 de fevereiro de 1940.

206

A ausência física de Antônio Pedro Dantas Tonheca não

apagou a beleza que a sua alma sensível fez brotar e florescer. Suas

composições ultrapassaram o limite estadual e, muito além do

Nordeste, fazem parte do repertório de incontáveis bandas de música.

Na banda de sua corporação, que tantos músicos de grande qualidade

produziu, sua presença é uma constante, como um grande espírito

protetor, benéfico e inspirador, e seu nome é venerado como um

mestre que teve a sublime missão de criar belezas.

Na tardinha do dia 10 de novembro daquele 1940, no coreto

da Praça Pedro Velho, a Banda da Força Policial realizou mais uma

concorrida retreta. Entre tantos autores e belas melodias, a saudade do

velho Tonheca, na sua valsa “A Desfolhar Saudades”

207

Serra da Rajada, chegada à Carnaúba dos Dantas.

208

_

Ana Florentina, nascida em 21 de março de 1883, faleceu

em 13 de fevereiro de 1977, aos 94 anos. De Rosa de Lima, Francisca

Lino e Francisca Lucas, não foi possível localizar as datas do

falecimento nem mais informações. Olivia faleceu em 1907,

conforme consta no registro do casamento de Marfisa com Clodoveu

Madureira.

Marfisa faleceu em Recife, em 3 de julho de 1996.

Tonheca Dantas foi sepultado em cova rasa, no cemitério do

Alecrim, em terreno à direita de quem está em frente à capela.

Passado o tempo, túmulos de alvenaria foram construídos no lugar. É

impossível, portanto, encontrar-se hoje, o local de sua sepultura.

209

PATRONO DA ACADEMIA

A Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, tendo como

presidente o escritor Manuel Rodrigues de Melo, decidiu, em uma

reforma de seus Estatutos, aumentar de trinta para quarenta o número

de suas cadeiras, cujos patronos são nomes marcantes da cultura do

RN.

Em reunião da Assembleia Geral, realizada no dia 13 de

abril de 1967, foram eleitos os novos dez sócios, entre eles o escritor

e musicista Oswaldo Câmara de Souza169

. Em 27 de abril do mesmo

ano, numa reunião convocada para que os novos sócios escolhessem

os seus patronos, o maestro Oswaldo de Souza, que ocuparia a cadeira

de n° 33, escolheu o nome de Tonheca Dantas.

Sua posse se verificou em solenidade realizada no dia 22 de

agosto de 1968, quando Oswaldo de Souza apresentou o seu discurso

sob o título “Tonheca Dantas”. A sessão teve a participação da Banda

de Música da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, que executou

peças de Tonheca. O discurso de Oswaldo de Souza foi publicado na

“Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras”, n° 9,

referente ao ano de 1971.

169 OSWALDO Câmara DE SOUZA (1904 - 1995), escritor, pesquisador, compositor de

renome nacional.

210

ANEXOS

211

POEMAS EM HOMENAGEM A TONHECA

DANTAS.

INGRESSO DO TONHECA NA BANDA DO BATALHÃO DE

SEGURANÇA

À memória do compositor Tonheca

Dantas, do desembargador Ferreira

Chaves, ex-governador, e do Coronel

Lins Caldas, ex-comandante do Bata-

lhão de Segurança.

É história sem malícia:

Vieram lá do sertão

Músicos com pistolão,

Sentar praça na Polícia.

Circunstância bem propícia

Pra ter uma colocação:

Há vaga de mestre, então,

Na musicada milícia.

Quem tiver mais competência,

Disse ao Caldas Dr. Chaves,

Coloque de preferência.

Era assim Sua Excelência,

– Em casos simples ou graves

Não tolerava indecência.

212

Fez o velho Coronel

Concurso para julgar

A quem devia entregar

A batuta do quartel.

Eis do concurso o painel:

Dantas em tudo a tocar,

E um no trombone a soprar,

Qual balança sem fiel.

Este saiu-se mal.

Para que no exame entrou,

Conhecendo o seu rival!?...

Deputado Estadual

De Acari, foi quem guiou

Tonheca para Natal.

Silvino Bezerra, “REMINISCÊNCIAS DE NATAL DE

OUTRORA”, Natal, 1962.

213

A MINHA FLAUTA E O MEU FRACASSO

EM DUAS AULAS DE MÚSICA

(1898 - 1901 a 1905)

À memória dos meus professores Tonheca

Dantas e Luiz Coelho Montenegro, do amigo

Teodorico Guilherme e a Manoel Varela Burity,

ex-colega.

Lá no Recife comprada,

Tive flauta no Acari.

Mas dela não me servi,

Foi história já contada.

Com aula iniciada,

No sertão, tentei aqui

Nova “entrée”, mas desisti,

Pois não aprendia nada.

Tonheca – escala, solfejo,

No Ateneu, Luiz Monteiro:

Dó, ré, mi – o seu cotejo.

Sem vocação, sem desejo,

Andei bem deixar ligeiro

As aulas naquele ensejo.

Silvino Bezerra, “REMINISCÊNCIAS DE NATAL DE

OUTRORA”, Natal,1962.

214

TEMPLO DE NOSSA SENHORA DA GUIA E A BANDA DE

CARNAÚBA

A Pedro Arbués e à memória do Padre José

Pinto e de José Venâncio, Antônio Pedro

(Tonheca), Francisco Justino, José Maria,

No sertão do Seridó se admirava

De Zé Venâncio a banda harmoniosa;

Para festa da Virgem Gloriosa

Com antecedência ao mestre se falava.

Desde o dia da bandeira ela tocava

Nos ofícios da igreja majestosa,

Neste Estado a maior e mais vistosa,

Pois de Acari num alto se ostentava.

O mestre, seus irmãos e outros parentes

Na Carnaúba eram da charanga

Os hábeis musicistas competentes.

De Tonheca recordo os estridentes

Sons de pistão no hino do Ipiranga,

Do baixo de Justino os sons dolentes.

Silvino Bezerra, “OUTRAS REMINISCÊNCIAS”, Natal,

1958.

215

NÃO APRENDI MÚSICA

À memória de Antônio Pedro Dantas

(TONHECA), meu mestre de Música e

conhecido compositor.

Advogado ou juiz, homem de beca,

Era no que meu pai me destinava

E pra me ver tocar flauta me destinava

Que fosse estudar em... Seca ou Meca.

Na charanga do irmão de Tonheca

Quem mais ao metier se dedicava,

Em vários instrumentos assoprava,

Té manobrava cordas de rabeca.

Para formar a banda da cidade,

Tonheca ao Acari levou as malas

E a meta conseguiu com brevidade.

Eu porém não achei facilidade

De na flauta tocar suas escalas,

Embora fosse o mestre autoridade. Silvino Bezerra,"OUTRAS REMINISCÊNCIAS “, Natal,

1958.

216

Trechos do “SERTÃO DE ESPINHO E DE FLOR”, de

Othoniel Menezes, em que se refere a Tonheca Dantas.

Tonheca... Magro, anzolado,

é um gênio. Strauss, reencarnado,

compondo valsas gentis

– mas, de sol! de tardes quentes!

– de serranias dolentes,

de arrulhos de juritis...

Canto 8, página 143.

No patamar, seu Veríssimo

bate no peito. É o Santíssimo.

Repique. Recende, o altar.

Viva, a música sapeca

Uma polca de Tonheca.

Rompem cem fogos-do-ar.

Canto 13, página 237.

Othoniel Menezes, “SERTÃO DE ESPINHO E DE

FLOR”, Departamento de Imprensa, Natal, 1952.

217

Acordo, ao som dos acordes

Da valsa Royal Cinema.

O dia pára pra ouvir,

A vida vira poema.

Deífilo Gurgel, SETE SONETOS DO RIO E OUTROS

POEMAS, Editora Universitária, Natal, 1983.

R O Y A L C I N E M A

Maestro, toque “Royal Cinema.” É excepcional

a sua fama. Outrora, essa valsa se ouvia

na terra natalense, obtendo a primazia

nos bailes, na retreta, em toda a capital.

Lembra um tempo feliz da vida de Natal.

Valsa de sentimento e grande simpatia,

é muito nossa e em toda a parte se aprecia,

pela simpleza, a graça e a força emocional.

Melodia que vem do passado e que exprime

a alegria da vida, o elogio do amor,

o elogio do amor, feito na arte sublime –

arte que, em nós, um mundo de cinzas ressuscita.

Glória a Tonheca, seu inspirado cultor,

que compôs na província a valsa mais bonita.

Edinor Avelino “SÍNTESES” Pongetti, RJ, 1968

218

CARNAÚBA, TONHECA E SUA ARTE

Dedicado a Tonheca Filho e Antônia Dantas.

Carnaúba – o distrito sertanejo,

Que domina um vale pequenino

entre serras. Torrão que revejo,

Dando da música o dom genuíno...

Quem ali nasce, recebe o bafejo

Da brisa sonora do estro divino,

Tendo a virtude, o condão, o desejo

De ser da música o melhor paladino...

E aquela gleba é berço natal,

Desse Tonheca – valor musical,

Que fora, em vida, um feliz criador

De valsas que evocam dramas da vida

Como expressão anímica e sentida,

Tornando imortal o nome do autor!

Abel Rodrigues de Carvalho

(Publicado no Diário de Natal de 8 de março de 1944)

219

HOMENAGEM A UM CONTERRÂNEO

Francisco Rafael Dantas (França)

Tonheca Dantas hoje é

Uma glória do passado

De um Seridó castigado

E do rio Grande do Norte.

Carnaúba teve a sorte

De ganhar da natureza

Este gênio de grandeza,

Um músico superdotado

Que no seu tempo atrasado

Semeou arte e beleza.

Tonheca foi alegria

Ao desfolhar da saudade,

Delírio da humanidade

E no bosque da melodia.

“Royal Cinema” devia

Ser o hino mundial

Para este gênio imortal

Ficar mais reconhecido

E não ser tão esquecido

No cenário musical. Carnaúba dos Dantas, 14/05/1998.

220

Composições de Tonheca Dantas que

receberam (ou para a quais foram feitas)

letras.

Royal Cinema Versos de Joaquim Bezerra Júnior

Anjo do céu, flor de minh’alma

Por que me deixas no deserto, amor?

Vivo sofrendo entre ruínas

Entregue ao dissabor

De tua ausência atroz eu fico a soluçar.

Ai! do pranto que derramo

Jamais teu pobre gaturamo vai

Gemer, oh astro do meu sonho

Como outrora em ternos carmes

Decantava estrema a trescalar do olor

Deste amor.

Ai! sorrindo me dizias,

Oh meu astro de poesias

Só a morte roubará

Nosso amor, nosso amor.

Que será!

Mas o tempo foi bastante

Pra teu amor inconstante,

Entre urzes do martírio

Me deixar, me deixar.

Oh!

Me deixas entregue aos dissabores

E vais em busca de outro amor,

Levando a alma cheia de esplendores

Que dera com loucura ao teu pobre cantor.

Lamentando a tua ausência eterna

Esta alma devaneia

221

Como um astro salutar e atroz

E a minha voz é um funeral de horror

Meu amor, do pobre trovador...

(Saraiva, Gumercindo, TROVADORES POTIGUARES,

1962.)

SAUDADES DE MINHA NOIVA.

Versos de Júlio Soares

Ai! Na tarde em que partiste

Oh! Divina irmã das flores,

Meu coração triste

Soluçava sozinho

No jardim da saudade

Qual tristonho passarinho

Ai! Quanta saudade,

Ai! Quanto amargor

No meu coração, Senhor!

Feliz o coração de noivo

Que não conhece a negra ausência!

Sou mais triste que o goivo

Distante da inocência do teu riso singular,

Oh lírio cor do mar.

Minh’alma vive agora em pranto

Sem ver a luz do seu divino olhar.

Ah! talvez no campo santo

Não deixarei de te amar

Teu nome cor do céu

222

Em noite de luar.

223

Deus, mostra-me agora os olhos

Da piedosa irmã dos lírios.

Entre os meus abrolhos

E na luz dos círios.

E cristal

Alegre como a aurora Desse amor sacramental.

Hoje a minh’ alma chora Entre um mar de fel

Da separação, cruel.

Informação: Antônia Dantas da Silva

SAUDADE DE MINHA FILHA

Versos de Joaquim Bezerra Júnior

Vem cantar, meu doce amor,

A saudade pungente!

Vem sorrir, sidéria flor,

Arcanjo inocente.

Padecendo assim

Longe de te beijar, amor.

Como um pobre lírio

Vou pendendo sem fim,

Neste degredo atroz Sorvendo o fel

Do amargo dissabor.

É vasto esse deserto onde habito,

Oh! filha, vem!

Nunca imaginaste a dor que o ermo tem.

Sentindo este abandono

Eivado ao sol do outono

Errante a caminhar, desfeito

224

Em pranto, em tristes ais,

Sem ver-te aqui, jamais.

Oh, filha ingrata, vem

Cantar

Nesta noite trevosa

Daqui,

Arcanjo tutelar.

Sem ti

Só me chega a tristeza

Ao luar!

Oh filha ingrata, vem

Beijar

A fronte rugosa

De quem te ama.

Ouve a voz de teu pai

Que te chama

Neste ermo tristonho

A chorar.

Informação: José Rodolfo de Lima/Antônia Dantas da Silva.

225

A VALSA “ROYAL CINEMA”

Antônio Fagundes

A respeito da origem da apreciadíssima valsa “Royal

Cinema”, tenho ouvido algumas referências que fogem à realidade

dos fatos.

Sem o intuito de crítica e apenas com o desejo de firmar a

verdade, ouso rabiscar estes esclarecimentos.

Corria o ano de 1914.

Cursava o 3o ano da Escola Normal de Natal, quando o

musicista coestaduano Antônio Pedro Dantas substituía na cadeira de

Música o catedrático Thomaz Babini, então licenciado.

Após uma das aulas, o professor Tonheca, tomando de sobre

a mesa uma folha de papel, perguntou qual daquelas moças tocava

piano.

Informado de que somente a aluna Maria Aparecida de

Carvalho dedilhava e era fã desse instrumento, o professor Tonheca

falou mais ou menos assim:

Nas minhas noites de insônia, costumo tomar papel e

arranjar alguns compassos de música, mas em seguida, os coloco

numa gaveta.

E acrescentou que o seu amigo e colega José Gomes, então

regente da Banda de Música da Polícia, insistentemente lhe solicitava

novas composições para o repertório daquela banda que, nesse tempo,

fazia retretas semanais, muito apreciadas, aliás, nos jardins das praças

Augusto Severo e André de Albuquerque.

Desejoso de atender aos sucessivos pedidos do amigo,

porém sem a necessária inspiração para realizar qualquer nova

composição, disse ele, recorri ao acervo da gaveta e dali retirei esta

valsinha, e como estava na ordem do dia o nome Royal Cinema para a

nova casa de exibição cinematográfica na Cidade Alta, achei por bem

aceitar o mesmo nome para esta composição.

226

E assim falando, o professor Tonheca passou o papel às

mãos de Aparecida.

Dessa ocorrência, poderemos ter a confirmação da própria

professora Maria Aparecida de Carvalho, hoje Maria Aparecida de

Carvalho Ferreira, mãe de família, residente nesta capital.

Agradabilíssima surpresa experimentaram os inúmeros

frequentadores das retretas semanais quando, posteriormente, a Banda

de Música da Polícia fez ressoarem os maviosos acordes da valsa tão

simplesmente qualificada pelo modesto autor, porém deveras genial.

Tal a impressão agradável dos que a ouviram pela primeira

vez que se acercaram do coreto solicitando entusiasticamente a sua

repetição.

Desde então, a valsa disseminou-se por toda a cidade em

pianos, violinos, violões, flautas e até em assobios da garotada,

quando da execução de pequenas e rudes tarefas.

Está ela, desde então, plenamente vitoriosa, fazendo parte

dos repertórios os mais seletos. A própria orquestra da BBC, de

Londres, a tem executado várias vezes. Tornou-se universal.

Eis o que há, na realidade, a seu respeito. Tudo o mais que

se afirmar será o produto de falsas informações.

A valsa ROYAL CINEMA nascera, assim, de uma noite de

insônia, para iluminar o espírito humano, para deleite dos românticos,

tal como, dentre nuvens brumosas, nasce uma rutilante estrela.

Artigo escrito pelo professor ANTÔNIO Gomes da Rocha

FAGUNDES, e publicado no jornal “A Diocésia”, Natal, 24/06/1974.

227

Gumercindo Saraiva, na coluna DE ARTES: “As músicas de

Tonheca vão ser impressas”, publicada em A ORDEM, edição de 14

de março de 1943. Refere-se à organização de um álbum pelo Tenente

Luís Gonzaga César de Paiva, regente da Banda da Polícia Militar.

Informa que todas as providências foram tomadas e recebidos os

orçamentos fornecidos pela editora. Aguardava-se o pronunciamento

do Departamento da Fazenda do Estado. Com a saída do Interventor

Aldo Fernandes, as providências foram sustadas. Gumercindo cobrou

a publicação ao Interventor, na ocasião General Fernandes Dantas, a

quem citou como parente de Tonheca. Mesmo assim, a publicação não

se efetivou.

Em 7 de março de 1951, o DIÁRIO DE NATAL, publicou o

editorial “Pela edição de composições do músico Tonheca Dantas”. O

Agente do SAPS (Serviço de Alimentação e Previdência Social), Sr.

Manoel Macedo Filho encaminhou um ofício ao Governador Dix-Sept

Rosado sugerindo que o Governo do Estado publicasse as

composições do músico potiguar. Refere-se a que tal apelo fora

anteriormente feito em 1943, ao Interventor Aldo Fernandes, que

acolheu a iniciativa. O governo, entretanto, não cumpriu o

compromisso. Alega o Agente que Tonheca havia deixado uma

família paupérrima e a providência não só homenageava sua memória

como ajudaria financeiramente sua família. Vale a pena lembrar que o

SAPS tinha um restaurante a preços populares e uma discoteca com o

nome de Tonheca Dantas. O generoso apelo do Agente do SAPS teve

o mesmo destino do compromisso assumido em 1943.170

170 Texto do ofício do agente do SAPS publicado no DIÁRIO DE NATAL, 7 de março de 1951.

228

O Deputado Aristófanes Fernandes apresentou projeto de lei

propondo abertura de crédito especial de cem mil cruzeiros para

publicação das partituras de todas as composições de Tonheca Dantas,

em agosto de 1956. Integra do projeto:

PROJETO DE LEI

Art. 1o - Fica o Poder Executivo autorizado a abrir o crédito

de cem mil cruzeiros para a publicação da obra musical de Tonheca

Dantas.

Art. 2o - A Secretaria de Educação promoverá as medidas

necessárias à publicação, incumbindo-se, inclusive, de sua

catalogação e posterior distribuição.

Sala das Sessões

Aristófanes Fernandes

Justificação

Melhor justificação não posso apresentar por este projeto de

lei, do que a carta seguinte de D. José Adelino, bispo de Caicó:

Caicó, 26 de agosto de 1956

Aristófanes,

Meu abraço. Nunca lhe pedi nada na vida. Por

nunca tê-lo feito me arrisco a bater na porta hoje. Faço-

o cheio de confiança e esperança. Existe atualmente em

Natal, dentro mesmo do Palácio Potengi, se não me

engano, um tesouro riquíssimo e preciosíssimo,

pertencente ao Seridó, quero dizer, originário do Seridó,

que foge a seu conhecimento. Trata-se das composições

de Tonheca Dantas, uma centena, talvez, que no governo

do general Dantas, foram catalogadas e até agora

229

arquivadas, aguardando publicação. De minha parte,

não fora a minha pobreza, esse tesouro já teria vindo a

lume. E como soube que você é grande admirador de

Tonheca e muito amigo de nosso Seridó, lembrei-me de

fazer um apelo, em nome da família Dantas do Seridó, no

sentido de patrocinar a divulgação do acervo artístico de

um dos mais inspirados músicos do nosso Estado. Seu

primeiro passo seria o de entrar em contato com o major

César Paiva, da Polícia Militar, ou com o escritor

Câmara Cascudo. Ambos trabalharam carinhosamente

na reunião das mil peças desgarradas e sabem onde elas

se acham atualmente. Então, prezado Aristófanes, vai

mesmo prestar um dos mais prestimosos benefícios à

cultura musical do Rio Grande do Norte? Você é a

primeira porta que eu bato e não desejo bater outras,

certo de que a primeira se abrirá generosamente. Sei de

seus laços, de seus muitos laços que o prendem à terra de

Tonheca. Mais uma oportunidade surge agora, num

plano o mais elevado, de esses laços se estreitarem e se

unirem para sempre. Aqui fica o meu apelo. Pode fazer,

se quiser, uso destas linhas, até mesmo para publicidade.

Um grande abraço do amigo e conterrâneo.

(a) D. José Adelino, Bispo de Caicó.

Este projeto não foi, igualmente, levado a efeito.

230

Gumercindo Saraiva, em artigo intitulado INTERVENTOR

ALDO FERNANDES E A MÚSICA DE TONHECA DANTAS,

publicado na “Tribuna do Norte” de 26 de maio de 1974, transcreveu

o prefácio de Luís da Câmara Cascudo para um álbum de músicas de

Tonheca Dantas, que se pretendeu publicar.

Numa de suas investiduras como interventor, no

início de 1943, o Dr. Aldo Fernandes, atendeu a uma

turma de intelectuais, no sentido de ordenar a impressão

de um Álbum, contendo músicas de Tonheca, falecido

três anos antes. Pela vontade do Interventor, o “ÁLBUM

DE MÚSICAS DE TONHECA” teria 20 composições,

mas diante das considerações de uma dos promotores

desse notável empreendimento, o competente mestre da

Banda de Música da Polícia Militar do Estado, Coronel

Luís Gonzaga César Paiva (na época Tenente) a obra

somente poderia comportar dez músicas, escolhidas

assim:

1. ROYAL CINEMA

2. MELODIA DO BOSQUE

3. DELÍRIO

4. A DESFOLHAR SAUDADES

5. LÍDIA CAVALCANTI

6. LÚCIA PIRES LEMOS

7. IAPERINA GUERRA

8. ODETE FERNANDES

9. IVANISA ROSADO FERNANDES

10. EDI FERNANDES

O Dr. Aldo Fernandes, recebendo a seleção de

músicas, foi à residência de Cascudo pedindo-lhe um

prefácio, contendo fatos relacionados com a vida de

Tonheca. O mestre do folclore brasileiro não se fez de

rogado, tendo em seguida, entregue um resumo

biográfico, que iniciava as primeiras páginas do álbum,

231

de cuja cópia retiramos este trecho:

— ANTÔNIO DANTAS TONHECA

nasceu em Carnaúba, município de Acari – Rio Grande do

Norte, a 13 de junho de 1871 e faleceu em Natal a 7 de fevereiro de

1940. Foi um autodidata. Viveu escrevendo música em terra de

surdos. Deixou mil e cem composições (sic). Andou como um Judeu

Errante, ensinando solfejo, batendo compassos, riscando figuras nos

pentagramas, assobiando baixinho os temas apaixonantes, teve

várias vagas, uns sopros de oportunidade despertando-lhe pelo

entusiasmo fogo- de-palha que algumas valsas causavam.

O vento passava e o silêncio reinava, cobrindo o nome do

compositor humílimo. No sertão Antônio é TONHO ou TONHECA.

Antônio Pedro Dantas Tonheca depressa teve o nome mudado para o

apelido. Conheciam todos TONHECA. E para identificar o todo pela

parte Antônio Pedro acabou escrevendo nas assinaturas: - Antônio

Pedro Dantas Tonheca. E ficou, para sempre, apenas TONHECA.

Esse cognome familiar e doméstico indicava um dos nossos

maiores músicos. O maior no sentido da força de expressão, da

facilidade inspiradora, grandes Valsas, Valsas de Coleção, Pequenas

Valsas, Dobrados, Marchas Graves, Sambas, Choros, Polcas,

Mazurcas e Schottischs. Ficou servindo na Polícia da Paraíba, do

Rio Grande do Norte e do Pará (sic), compondo sempre, sem

ambiente, sem auxílios, sem estímulos. Compunha pela mesma razão

de que os pássaros voam e os peixes nadam. Por uma exigência

psicológica irreprimível.

Cascudo, que já prefaciou mais de duzentos livros de

autores de toda parte, terminou o pórtico assim:

232

Essa Coleção inicia uma justiça legítima e os

louvores caberão aos que se interessam em reviver e

premiar aqueles que desapareceram no sofrimento e na

obscuridade. E, nas noites brasileiras, quando as

bandas militares encherem os céus com essas melodias

deliciosas, lá por cima das nuvens, inesquecido dos

ritmos e das músicas que compôs, Tonheca

acompanhará sua ressurreição, batendo o compasso

com as estrelas...171

A publicação do referido álbum nunca se

realizou.

171 Conforme foi anteriormente descrito, Tonheca fez parte da Banda do Corpo de Bombeiros

do Pará, e não da Polícia Militar daquele Estado. Quanto ao número de suas composições, nada

se pode hoje provar. É possível que fosse grande o número de partituras que o autor disse haver deixado na Escola Normal, quando do concurso que prestou em 1913. O número de obras citado

por Câmara Cascudo, baseado de certo em informações orais, parece bastante exagerado.

233

HOMENAGEM NO ANIVERSÁRIO DE TONHECA

Dia 18 de junho de 1962, promovida pela Rádio Poti, com

participação da Banda da Policia Militar, sob a regência de Luís

Gonzaga César de Paiva. Foram apresentadas as músicas: Tenente

José Paulino, Correio do Norte, A Desfolhar Saudades, Melodia do

Bosque, Lúcia Pires Lemos, Lídia Cavalcanti, Delírio, Joana

Machado, Maria Leonor, Royal Cinema. As músicas foram gravadas

e depois transmitidas. Manchete de O Diário de Natal: Autor de mais

de mil composições, Tonheca Dantas teria feito 92 anos se estivesse

vivo.

Publicado em 20 de junho de 1962.

234

INVENTÁRIO DE JOÃO JOSÉ DANTAS (1° Cartório

Judiciário de Acari)

Inventariante: José Venâncio de Maria.

TÍTULO DE HERDEIRO

JOSÉ VENÂNCIO DE MARIA, casado.

PEDRO CARLOS DE MARIA, casado.

MANOEL NICOLAU DANTAS, casado.

JOÃO PEDRO DANTAS, casado.

LUÍS FELIPE DANTAS, casado.

ANTÔNIO PEDRO DANTAS, casado.

FRANCISCA URÇULINA DA CONCEIÇÃO, casada

com João Francisco de Carvalho.

MARIA CLARA DO MONTE-FALCO, falecida,

representada pelos filhos:

ANDRÉ CORCINO PEREIRA (2o)

MARIA CLARA DO MONTE-FALCO, de 15 anos

FRANCISCA JANUÁRIA DE JESUS, de 14 anos

VICÊNCIA, de 12 anos

ANTÔNIO FELIPE, de 11 anos

ANA, de 8 anos

INÊS, de 7 anos

235

TÍTULO DE BENS MÓVEIS

Um santuário com oito imagens pequenas, por cinquenta mil réis

com que se vai 50$000 Uma alavanca velha, por cinco mil réis 5$000

Uma lanceta ordinária, por cinco mil réis 5$000

Uma bolsa grande, por dois mil réis 2$000

Uma bolsa menor, por dois mil réis 2$000

Um ferro de fuso e sinal, por cinco mil réis 5$000

TÍTULO DE BENS MÓVEIS DE CASA

Uma mesa velha, por dezesseis mil réis 16$000

TÍTULO DE CAVALAR

Um cavalo velho, por quarenta mil réis 40$000

Outro velho castrado, por trinta mil réis 30$000

TÍTULO DE GADO VACUM

Uma vaca parida, por setenta mil réis 70$000

Cinco vacas solteiras, sendo cada uma a sessenta e seis mil réis, e

todas por trezentos e trinta mil réis, 330$000

Duas novilhotas, sendo cada por vinte e oito mil réis,

e ambas por cinquenta e seis mil réis 56$000

Dois garrotes, sendo cada um por dezoito mil réis,

e ambos por trinta e seis mil réis 36$000

Um boi castrado, por quarenta mil réis 40$000

Duas garrotas, sendo cada uma por dezoito mil réis,

e ambas por trinta e seis mil réis 36$000

236

TÍTULO DE BENS DE RAIZ

Vinte e sete braças de terra no Sítio Carnaúba,

por cento e trinta e cinco mil réis 135$000

Vinte braças no mesmo sítio, por oitenta mil réis 80$000

Onze braças no mesmo sítio, por trinta e três mil réis 33$000

Trinta e um coqueiros na mesma terra, por cento

e cinquenta mil réis, 150$000

Trinta e um coqueiros, na mesma terra, por noventa e três mil réis,

com que se vai 93$000

Doze pés de coqueiros, por doze mil réis 12$000

Uma casa de residência no Sítio Carnaúba,

por seiscentos mil réis, com que se vai 600$000

Por ocasião do seu inventário, seu funeral já se achava pago.

TÍTULO DE. DÍVIDAS

Aos herdeiros Pedro Carlos 40$000

José Venâncio 96$200

Manoel Nicolau 180$000

João Pedro 70$000

Luís Felipe 60$000

Antônio Pedro 60$000

Francisca Urçulina 350$000

Falecida Maria Clara 180$000

As diversas irmandades, vinte mil réis

20$000

237

TESTAMENTO DE JOÃO JOSÉ DANTAS.

(1 º Cartório Judiciário de Acari) Testamento Cerrado

Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito

Santo, três Pessoas distintas e um só Deus verdadeiro.

Eu, o Tenente Coronel João José Dantas, natural da

Freguesia de Nossa Senhora da Guia da Vila de Acary, Estado do Rio

Grande do Norte, filho legítimo de Manoel Hipólito do Sacramento e

Dona Maria Joaquina da Conceição, como Cristão Católico,

Apostólico Romano que sou, em cuja religião nasci, criei-me e fui

educado e espero morrer, deliberando-me fazer meu testamento como,

como faço de minha livre vontade, e em perfeito juízo e laude, faço as

minhas disposições de última vontade, pela maneira e forma que se

seguem.

1o Que meu herdeiro e testamenteiro, logo que eu faleça

tenha o meu tenha o meu corpo de dar-se à sepultura, recomende que

eu seja envolvido em mortalha preta, para ser enterrado no cemitério

de Acary, na catacumba em que foi enterrado o cadáver de minha

finada mulher Dona Ignez Manuela da Annunciação.172

2o Que é por minha vontade que por minha morte se me faça

o enterro com a solenidade compatível com as minhas forças, e de

acordo com o dito da Santa Igreja, havendo as encomendações que a

mesma ordena em toda simplicidade e humildade próprias de Cristão,

sem omissão da visita da cova no trigésimo dia depois da minha

morte.

3o Que também é minha vontade que por minha alma se

mande dizer uma Capela de Missas, para que o meu herdeiro ou

testamenteiro distribuirá quantia necessária.

172 Por engano do escrevente, consta Annunciação, em vez de Conceição.

238

Declaro que fui casado com Dona Ignez Manoela da

Annunciação que faleceu sem que deixasse filhos, ficando eu sem

descendentes legítimos ou ascendentes, e que depois tive de Vicência

M a r i a d o Espírito Santo, com quem ultimamente casei-me

religiosamente, os seguintes filhos: Pedro Carlos de Maria, José

Venâncio de Maria, Manoel Nicolau Dantas, Francisca Urçulina da

Conceição e Maria Clara do Monte-Falco já falecida, de quem

existem os seguintes filhos: André, Antônio, Francisco, Vicência, Ana

e Ignez, pela cuja, não devendo em quantia alguma, quer que seja,

instituo pelo presente, meus universais herdeiros, a minha referida

mulher Vicência Maria do Espírito Santo a quem deixo a casa do Sítio

Carnaúba e mais trinta braças de terras no lugar da mesma, e aos

meus referidos filhos as demais terras de mesmo Sítio Carnaúba, com

todas as suas benfeitorias, bem como as partes de terras que possuo na

Data do Bico, que serão partilhadas entre os mesmos, com a devida

igualdade.

Nomeio para meu testamenteiro em primeiro lugar José

Venâncio de Maria, em segundo Luís Felipe Dantas, em terceiro João

Pedro Dantas, pela confiança que tenho na boa fé e amizade que

sempre me tributaram, a cada um dos quais dou por abonado em juízo

ou fora dele.

Declaro, finalmente, que se vejo e tenho como multa e dou

por nenhum quaisquer outros testamentos e covecilos que antes deste

eu tenha feito por palavra ou por escrito, ou em qualquer maneira,

para que não valha, e seja meu testamento, e assim poder valer, ou por

meu covecilo, ou pela via do direito, que muito possa valer, porque

esta é a minha última disposição e minha vontade; lendo assim

acabado e concluído este meu testamento, que é por mim assinado.

Carnaúba, 23 de novembro de 1897

João José Dantas

239

GENEALOGIA DE TONHECA DANTAS

* Ascendentes desconhecidos

Antônio Pedro Dantas

( Tonheca )

Vivência Maria do Espírito Santo*

João José Dantas

Maria Joaquina da Conceição

Luzia Maria do Espírito Santo

Antônia de Morais Valcácer (2a)

Sebastião de Medeiros Matos

Caetano Dantas Correia (2º)

Josefa de Araújo Pereira

Caetano Dantas Correia

Manoel Hipólito do Sacramento

Pantaleão Pinto de Aguiar

Ana Maria de Santa Helena

240

DESCENDÊNCIA DE ANTÔNIO PEDRO DANTAS (TONHECA)

Do matrimônio de TONHECA com Rosa de Lima, proveio:

F 1 - Auta

Do relacionamento de TONHECA com Olívia, nasceu:

F 2- MARFISA, que contraiu matrimônio com Clodoveu

Madureira. Do casal nasceram:

N 1. Maria de Lourdes Madureira Ferreira.

N 2. Nélio Dantas Madureira

N 3. Terezinha Dantas Madureira

N 4. Edward Dantas Madureira

N 5. Paulo Dantas Madureira

N 6. Luci Madureira Matos

Do 2

o casamento de TONHECA, com Ana Florentina, nasceu:

F 3 - ANTÔNIA DANTAS DA SILVA, casada com

Manoel Gomes da Silva, pais de:

N 7. José de Arimatéa Gomes da Silva

N 8. Maria de Lourdes Gomes da Silva

N 9. Maria Dalva da Silva Rabelo

N 10. Helena Gomes de Lima

N 11. Maria da Salete Gomes da Silva

N 12. Maria Luci Gomes Nunes

N 13. Marilene da Silva Gomes

N 14. Manoel Gomes da Silva Filho

N 15. Marinete Gomes de Brito

N 16. Maria das Neves Gomes da Silva

241

Do 3º casamento de TONHECA, com Francisca Lucas, nasceu:

F 4 - ANTÔNIO PEDRO DANTAS FILHO (1o)

Do 4o casamento de TONHECA, com Francisca Lino Bezerra,

nasceram:

F 5 - ANTÔNIO PEDRO DANTAS FILHO (2o), casado

com Maria Bezerra Dantas, que tiveram os filhos:

N 17. Marcos Antônio Dantas

N 18. Mércia Dantas Tonheca

N 19. Márcia Dantas Tonheca

N 20. Mary Dantas Tonheca

N 21. Marcília Dantas Tonheca

N 22. Marcílio Dantas Tonheca

N 23. Marcelo Dantas Tonheca

N 24. Márcio Dantas Tonheca

N 25. Mara Dantas Tonheca

F 6 - AFONSO

F 7 - JOSÉ

F 8 - MIRTO

F 9 - SALVADOR

F 10 - IVONE

F 11 - CLETO

F 12 – EVILÁSIO

____________

Legenda:

F= Filho (F 1, F 2, etc.)

N=Neto (N 1, N 2 etc.)

242

Primeira gravação de Royal Cinema. Disco “Jangada”, em 78 rpm,

pela Banda de Música do 14º Regimento de Infantaria, de João

Pessoa, PB.

Disco lançado em solenidade no Grande Ponto, Natal, em 12 de

setembro de 1959, com a presença do Governador Dinarte Mariz e

autoridades, e mais a esposa, filhos e netos de Tonheca Dantas. Na

ocasião, houve retrata da Banda da Polícia Militar, que tocou seis

músicas do compositor.

243

D I S C O G R A F I A

E m 7 8 R P M

ROYAL CINEMA - A DESFOLHAR SAUDADES. Banda de

Música do 14° Regimento de Infantaria, regência de Manoel Gadelha.

Gravação “Jangada” - Promoções Musicais do Nordeste, João Pessoa,

Paraíba. Fabricado por Discos Rosenblit, Recife, Pernambuco. Sem

data.

E m 3 3 R P M - Compacto, 10 polegadas.

ROYAL CINEMA e A DESFOLHAR SAUDADES. Banda de

Música do 14° Regimento de Infantaria, regência de Manoel Gadelha.

Gravação “Jangada” - Promoções Musicais do Nordeste, João Pessoa,

Paraíba. Fabricado por Discos Rosenblit, Recife, Pernambuco. Sem

data.

Em 33 RPM, LP 12 polegadas.

1 – ROYAL CINEMA, no LP “Músicas de Sempre”, Orquestra de

Câmera, Arranjos do maestro Baptista Siqueira, regência de Milton

Calazans. Gravação “Uirapuru”, fabricada pela Companhia Industrial

de Discos, Rio de Janeiro. Sem data. Biografia de Tonheca no encarte

redigido por Baptista Siqueira.

2 – ROYAL, CINEMA e DELÍRIO, no LP “Banda de Música de

Ontem e de Sempre” Conjunto Musical regido por Luiz Gonzaga

Carneiro. Gravação “FENAB”, fabricada por RCA Eletrônica Ltda.

Produzido pela Federação das Associações Atléticas Banco do Brasil

(FENAB), 1983. Dados biográficos e foto de Tonheca no encarte

redigido por Vicente Salles.

244

3 – ROYAL CINEMA, DELÍRIO, LÚCIA PIRES LEMOS, A

DESFOLHAR SAUDADES, MELODIA DO BOSQUE e JOSÉ

PAULINO, no LP Royal Cinema”, produzida pelo Projeto Memória

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1983. Fabricado por

Gravações Elétricas S. A, Rio de Janeiro.

4 – ROYAL CINEMA, no LP “Quarteto de Cordas da UFRN”,

editado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte -

Fundação de Pesquisa e Cultura, 1988. Fabricado por Gravações

Elétricas S. A, Rio de Janeiro.

5 – ROYAL CINEMA, no LP “IVANILDO, O SAX DE OURO”,

volume 1, gravado pela Companhia Industrial de Discos, Rio de

Janeiro, 1979.

DISCOGRAFIA ESPECIAL

1 - SUITE RETRETA (Maxixe, Valsa, Polca, Mazurca, Dobrado)

Dedicada a Tonheca Dantas. Autor: Antônio Madureira (bisneto de

Tonheca Dantas), gravada pelo Quarteto Romançal no CD

“ROMANÇAL”, Gravação “ANCESTRAL”, março de 1997.

EVENTO ESPECIAL

1 - Espetáculo de balé “BRASÍLICA – O ROMANCE DA NAU

CATARINETA” Autor: Antônio Madureira, encenado nas

festividades de 15° aniversário do Balé Popular do Recife, sob a

direção de André Madureira (bisneto de Tonheca Dantas).

245

B I B L I O G R A F I A

1. Almanak do Rio Grande do Norte, propriedade Renaud e Cia.

Natal, 1897.

2. Araújo, Enéas, VIDA E MORTE DE ANTÔNIO PEDRO

DANTAS TONHECA, Manuscrito. Sem data.

3. Augusto, José, FAMÍLIAS SERIDOENSES, Pongetti, Rio de

Janeiro, 1940.

4. BASTOS, Sebastião de Azevedo, NO ROTEIRO DOS

AZEVEDO E OUTRAS FAMÍLIAS DO NORDESTE, João Pessoa,

Paraíba, Gráfica Comercial, 1954.

5. Bezerra Neto, Silvino, OUTRAS REMINISCÊNCIAS, Natal,

1958.

6. Bezerra Neto, Silvino, REMINISCÊNCIAS DE NATAL DO

OUTRORA, Natal, 1962

7. Bezerra Neto, Silvino, TONHECA DANTAS, Revista do

Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, volumes

LXVIII-LXIX, 1976-1977.

8. Dantas, Donatila, CARNAÚBA DOS DANTAS, TERRA DA

MÚSICA, Papelaria H. P. Mendes, Brasília, 1989.

9. Dantas, Jorge Ribeiro, O ROYAL E SUA HISTÓRIA, Natal,

1957.

10. Dantas, José Adelino, HOMENS E FATOS DO SERIDÓ

ANTIGO, sem indicação de editora e data.

11 .Dantas, José Adelino, O CORONEL DE MILÍCIAS CAETANO

DANTAS CORREIA, sem indicação de editora e data.

12. Fagundes, Antônio, A VALSA ROYAL CINEMA, A Diocésia,

Natal, 24 de junho de 1974.

13. Freire, Antônio, REVOLTAS E REPENTES, João

Pessoa,1974.

14. Galvão, Claudio, OSWALDO DE SOUZA, O CANTO DO

NORDESTE, Funarte, Rio de Janeiro, 1986.

15. Lelis, João, A CAMPANHA DE PRINCESA (1930), União

246

Editora, João Pessoa. Sem data.

16. Lemos, Antônio José de, O MUNICÍPIO DE BELÉM,

Tipografia de Alfredo Augusto Silva, Belém, 1904.

17. Lemos, Antônio José de, O MUNICÍPIO DE BELÉM, Arquivo

da Intendência Municipal, Belém, 1905.

18 Lemos,Antônio José de, O MUNICÍPIO DE BELÉM, Arquivo

da Intendência Municipal, Belém, 1906.

19. Lemos, Antônio José de, O MUNICÍPIO DE BELÉM, Arquivo

da Intendência Municipal, Belém, 1907.

20. Lima, João Baptista de, O PATRONO DA POLÍCIA MILITAR

DA PARAÍBA, Cópia xerox, sem data.

21. Medeiros Filho. Olavo, VELHAS FAMÍLIAS DO SERIDÓ,

Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília, 1981.

22. Medeiros Macêdo, Elder Alexandre, A MÚSICA NA

CARNAÚBA DOS DANTAS DE OUTRORA, inédito, 1998.

23. Medeiros Macedo, Helder Alexandre, CARNAÚBA DOS

DANTAS, inédito.

24. Medeiros Macedo, Helder Alexandre, RAÍZES DE UMA

CARNAÚBA SERIDOENSE, inédito.

25. Melo, Veríssimo, PATRONOS E ACADÊMICOS, volume I,

Pongetti, Rio de Janeiro, 1974.

26. Rocque, Carlos, ANTÔNIO LEMOS E SUA ÉPOCA, Editora

CEJUP, 2a edição, Belém, 1996.

27. Sales, Vicente, MÚSICA E MÚSICOS DO PARÁ, Conselho

Estadual de Cultura, Belém, 1970.

28. Salles, Vicente, SOCIEDADES DE EUTERPE, Edição do Autor,

Brasília, 1985.

29. Santa Rosa, Jayme Nóbrega, ACARI, FUNDAÇÃO, HISTÓRIA

E DESENVOLVIMENTO. Editora Pongetti, Rio de Janeiro, 1974.

30. Saraiva, Gumercindo, DE ARTES - AS MÚSICAS DE

TONHECA DANTAS VÃO SER IMPRESSAS, A Ordem, Natal, 14

de março de 1944.

31. Saraiva, Gumercindo, INTERVENTOR ALDO FERNANDES

247

E A MÚSICA DE TONHECA DANTAS, Tribuna no Norte. Natal,

26 de maio de 1974.

32. Saraiva, Gumercindo, TONHECA DANTAS, GLO R I A E

DISSABORES (1) Tribuna do Norte, Natal, 13 de outubro de 1974.

33. Saraiva, Gumercindo, TONHECA DANTAS, GLÓRIA E

DISSABORES (2) Tribuna do Norte, Natal, 27 de outubro de 1974.

34. Saraiva, Gumercindo, TONHECA, Jornal do Comércio, Natal, 3

de agosto de 1957

35. Saraiva, Gumercindo, TONHECA, O STRAUSS DO RIO

GRANDE DO NORTE (1), Tribuna do Norte, Natal, 2 de novembro

de 1974.

36. Saraiva, Gumercindo, TROVADORES POTIGUARES, Saraiva

S.A., 1962: São Paulo, SP.

37. Souza, Oswaldo, TONHECA DANTAS, Discurso de posse na

Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, a 22 de agosto de 1968.

Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, Ano XX, n°9,

Natal, 1971.

38. Tavares, Eurivaldo Caldas, SOLDADO PARAIBANO,

ORGULHO DO PRESIDENTE, João Pessoa, 1978

39. WANDERLEY, Rômulo, HISTÓRIA DO BATALHÃO DE

SEGURANÇA, Edições Walter Pereira S/A, Natal, 1969.

248

INFORMANTES E COLABORADORES

1. Andréa Cristina dos Santos (Acari)

2. Antônia Dantas da Silva

3. Antônio Pedro Dantas Filho

4. Antônio Ribeiro Dantas

5. Augusto Carlos Galvão

6. Aurino Fernandes e Silva

7. Avelino Faustino Costa

8. Carlos José Marques de Carvalho

9. Celso Dantas da Silveira

10. Dagmar Dantas Emerenciano

11. Deoclides de Brito Diniz, Cônego (Acari)

12. Enéas de Araújo

13. Eugênio Lima de Souza

14. Felinto Lúcio Dantas

15. Fernando Augusto Correia de Miranda, Capitão do Corpo de

Bombeiros (Belém, Pará)

16. Francisca Gazzaneo Cabral

17. Francisco Rafael Dantas (Carnaúba dos Dantas)

18. Helder Alexandre de Medeiros Macedo (Carnaúba dos Dantas)

19. Hilário Felix Dantas (Acari)

20. 1venete dos Santos Rocha (Alagoa Nova, Paraíba)

21. José Avelar Freire (Alagoa Grande)

22. José Silas Xavier (Juiz de Fora, Minas Gerais)

23. José Venâncio Dantas Filho (Currais Novos)

24. José Venâncio Dantas Neto

25. Luís Gonçalves Meira Bezerra

26. José Rodolfo de Lima

27. Manoel Morais dos Santos, Cabo do Corpo Municipal de

Bombeiros (Belém, Pará)

28. Manoel Vicente Filho (Alagoa Nova, Paraíba)

29. Maria do Céu Pereira Fernandes

30. Maria Guia dos Santos (Acari)

31. Mario Quintano Dragon, ex-componente da Banda do Corpo de

Bombeiros (Belém, Pará)

249

32. Olavo de Medeiros Filho

33. Oswaldo Câmara de Souza

34. Patrício Torres de Medeiros.

35. Paulo de Tarso Fernandes

36. Pedro Arbués Dantas (Currais Novos)

37. Santa Venâncio Menezes

38. Teresa do Menino Jesus Dantas (Acari)

39. Wascyli Simões dos Anjos

40. Waldson José Bastos Pinheiro

41. Walter Canuto de Souza

42. Zulmira Paiva China

250

ARQUIVOS CONSULTADOS

Instituto Histórico e Geográfico do RN

Arquivo Público do Estado

Arquivo do Departamento Estadual de Imprensa

Arquivo Paroquial de Acari

Arquivo do 1o Cartório Judiciário de Acari

Arquivo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte

Arquivo da Polícia Militar do Estado da Paraíba

Arquivo da Polícia Militar do Estado de Pernambuco

Arquivo da Polícia Militar do Estado do Pará

Arquivo do Corpo de Bombeiros de Belém, Pará

Arquivo do 2o Cartório do Ofício de Natal

Arquivo do Cartório do 1º Ofício de Notas

Arquivo da antiga Escola Normal de Natal

Arquivo do Conselho Estadual de Cultura do Pará, Belém

Arquivo do Diário de Natal

Biblioteca Pública Municipal de Belém.

251

QUADRO DAS COMPOSIÇÕES DE TONHECA DANTAS

Título Gênero Localização Propriedade Fonte Data

1. A desfolhar

Saudades

Valsa Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

2. Acydalia Valsa Mossoró,RN Filarmônica Felinto

Lúcio

3. Afeto de Mãe Valsa Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

4. Aí, Barrigudo173

Polca Manuscrito Oswaldo de Souza Felinto Lúcio

Dantas

5. Alma em Delírio Valsa Manuscrito Banda de Música de

Caraúbas

Antônio Gomes

de Sales

6. Amor Constante174

Valsa Publicada +- 1908

7. Aristófanes

Fernandes

Dobrado Ignorada

8. Batalhão de

Segurança

Marcha Ignorada A República175

18/04/1913

9. Boas Festas176

Valsa Ignorada A República 29/08/1923

10. Capitão André

Fernandes

Dobrado Ignorada A República 17/05/1944

11. Carli Fernandes Valsa Instrumentação

do autor Banda da PM/RN

12. Cecília Medeiros Valsa Instrumentação

do autor Banda da PM/RN

13. Comandante Nei

Peixoto

Dobrado Instrumentação

do autor Banda da PM/RN

14. Comandante Vitoriano

Dobrado Ignorada A República 10/09/1932

15. Coronel Pedro

Soares

Dobrado Ignorada A República 08/05/1919

16. Correio do Norte Dobrado Banda PM/RN

17. Dagmar Dantas177

Valsa Instrumentação

do autor +- 1908

18. Delírio Valsa Instrumentação

do autor Banda da PM/RN

19. Desilusão Valsa Ignorada

173 “Os três corcovados” e “Aí barrigudo” conservam-se em manuscritos incompletos e são,

segundo Felinto Lúcio Dantas, as mais antigas composições conhecidas de Tonheca. Arquivo de

Claudio Galvão. 174 Dedicada à esposa Ana Florentina Dantas.

175 As indicações do Jornal A República Referem-se a programas de retretas das bandas da

Polícia Militar e do Exército Nacional, quando as citadas composições foram executadas. 176 Conforme informação da Senhora Zulmira Paiva China, esta valsa estava no verso da

partitura de Royal Cinema, entregue pelo autor a seu pai, José Petronilo de Paiva, proprietário do

Cinema Royal, em 1913. 177 Dagmar Duarte Dantas Emerenciano, filha de João Beckman Dantas, proprietário do

engenho “Olho d’água”. Arquivo de Carlos José Marques de Carvalho.

252

Título Gênero Localização Propriedade Fonte Data

20. Edi Fernandes Valsa Instrumentação

do autor Banda da PM/RN

21. Embaixador da

Paraíba

Dobrado Manuscrito

(Incompleto)

Banda Artur Paraguai

22. Força Pública

(Marcha Solene)

Marcha Instrumentação

do autor Banda da PM/PB

23. Guiomar Valsa Ignorada

24. Gumercindo

Saraiva

Dobrado Ignorada

25. Hino ao Duque de

Caxias

Hino Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

26. Iolanda178

Valsa Ignorada Antônia Dantas

da Silva

+- 1905

27. Iremita Medeiros

179

Valsa Ignorada A República 04/08/1933

28. Ivanisa Fernades Valsa Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

29. Joana Machado Valsa Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

30. Joel de Oliveira Dobrado Ignorada A República 12/03/1933

31. José Rocha Dobrado Manuscrito Banda de Música de

Caraúbas

Antônio Gomes

de Sales

32. Laurita180

Valsa Instrumentação

do autor

+- 1935

33. Louca por Amor181

Valsa Publicada +- 1908

34. Lúcia Pires Lemos Valsa Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

35. Lydia Cavalcanti Valsa Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

36. Maria de Lourdes Valsa Ignorada Banda de Música de

Caraúbas

Antônio Gomes

de Sales

37. Maria Leonor Valsa Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

38. Matilde Valsa Ignorada Oswaldo de Souza

39. Melodia do

Bosque

Valsa Instrumentação Banda da PM/RN

40. O velho Sabido182

Samba-

Choro

Ignorada

41. Odete Fernandes Valsa Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

42. Os três Corcovados

Maxixe Manuscrito Oswaldo de Souza Felinto Lúcio

Dantas

43. Paisagens do

Acari

Dobrado Ignorada Oswaldo de Souza

178 Dedicada à filha do comandante do Corpo de Bombeiros de Belém, Pará, conforme

informação de Antônia Dantas da Silva, filha do autor. 179 Homenagem de Tonheca à esposa do regente da Banda da PM, Luís Gonzaga César de

Paiva, filha do compositor Eduardo Medeiros.

180 Arquivo de Celso da Silveira. 181 Dedicada à esposa Ana Florentina Dantas. Arquivo de Claudio Galvão.

182 Existe uma parte de pistom, copiada pelo músico Rubino Tito. Arquivo de Claudio Galvão.

253

Título Gênero Localização Propriedade Fonte Data

44. Perfume do

Coração

Valsa Ignorada Enéas Araújo

45. Pinto não é Galo Samba Ignorada Tonheca Filho +- 1932

46. Ramos de Rosas Valsa Ignorada

47. Republicana

(Marcha de Procissão)

Marcha Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

48. Royal Cinema Valsa Publicada para

piano

Banda da PM/RN 1913

49. Sargento Luís

Gonzaga

Dobrado Ignorada A República 04/08/1933

50. Saudades de

Minha Filha183

Valsa Manuscrito Banda de Música de

Caraúbas

Antônio Gomes

de Sales

1922

51. Saudades de

minha noiva

Valsa Ignorada Antônia Dantas

da Silva

1923

52. Saudades do Pará Dobrado Ignorada Oswaldo de Souza184

53. Silvino Cabral Valsa Ignorada A República 13/03/1932

54. Sou imperoso

porque posso...

Maxixe Ignorada Francisco

Rafael Dantas

+- 1909

55. Tenente Augusto Toscano

Dobrado Instrumentação do autor

Banda da PM/PB

56. Tenente João

Machado

Dobrado Ignorada A República 12/03/1933

57. Tenente Luís

Cândido

Dobrado Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

58. Teresinha França Valsa Ignorada

59. Triunfo da Virgem Marcha Instrumentação

do autor

Banda da PM/RN

60. Troca de Beijos Gavota Ignorada A República 21/04/1932

61. Vivaldo Pereira Dobrado Manuscrito Banda de Música de

Caraúbas

Antônio Gomes

de Sales

62. Xiquexique Maxixe Ignorada

63. Yaperina Guerra Valsa Ignorada A República 10/09/1932

64. Zé Grande Choro Instrumentação

do autor

José Amâncio Filho185

Tonheca Filho

65. Zuzuca Xote Ignorada

183 Dedicada à filha Antônia Dantas (da Silva). 184 Títulos de composições citados pelo maestro Oswaldo de Souza – esta e as de números 4,

37, 42, 43 e 52 – em discurso na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras a 22 de agosto de

1968. Publicado na revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, ano XX, nº 9, Natal, 1971.

185 Proprietário residente no Rio de Janeiro.

254

ROYAL CINEMA

Partitura para piano

Por mais que se procurasse no Estado e fora dele, não foi

possível encontrar nenhum exemplar da edição para piano da valsa

“Royal Cinema”, impressa pela Casa Bevilacqua do Rio de Janeiro,

em 1913, conforme foi exposto anteriormente.

Para a reprodução que aqui se insere, foi utilizada a cópia

manuscrita pelo maestro Oswaldo de Sousa que se encontra na

publicação “Patronos e Acadêmicos” (ver bibliografia) que, por sua

vez, baseou-se em cópia anterior feita pelo conhecido músico Enéas

de Araújo.

Considerando-se que Enéas de Araújo foi contemporâneo e

colega de farda de Tonheca Dantas, é de se crer que a sua cópia seja

idêntica ao original impresso.

Antes de se adotar a presente versão, o manuscrito de

Oswaldo de Souza foi submetido à revisão pelos musicistas Tonheca

Dantas Filho e Wacyli Simões dos Anjos, o que tornou possível a

correção de pequenos erros de cópia.

Devidamente revisada na presente versão, poderá ser

fotocopiada com ampliação, esperando-se que possa ser de proveito

para os musicistas.

Editoração eletrônica da partitura: Claudio Galvão.

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Lançamento do livro A Desfolhar Saudades. 1988. Antônia Dantas

da Silva (Filha de Tonheca), Claudio Galvão e Tonheca Dantas

Filho.