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Cláudio Ulpiano [=] Nietzsche - A individuação e a identidade

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CCCCllllááááuuuuddddiiiioooo UUUUllllppppiiiiaaaannnnoooo

NNIIEET T ZZSSCCHHEE:: A A IINNDDII V  V IIDDUU A AÇǠàÃOO EE A A 

IIDDEENNT T IIDD A ADDEE OOUU A A CCOONNQ Q UUIISST T  A A DD A A DDIIFFEERREENNÇÇ A A 

(Aula de 20 de agosto de 1989)

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(…) Então, eu tenho que fazer uma

montagem, e vocês precisam de um pouco depaciência para, aos poucos, irem compreendendo

essas idéias e poderem utilizá-las.

Se, por exemplo, eu começasse essa aula

dizendo assim: “Nietzsche é o pensador do poder”

 – vocês pensariam que tinham compreendido, mas

não teriam. (viu?) Então, o que eu vou fazer nestaaula é exatamente dar os fundamentos para que

vocês possam passar por esse filósofo bastante

difícil de ser pensado. (Muito bem!).

Eu vou começar colocando uma idéia um

pouco vaga, um pouco imprecisa – é a idéia deFORÇA. Ela vai passar inicialmente com certa

imprecisão, porque neste instante não há como

dominá-la. (Viu?). Eu vou colocar essa idéia: a

idéia de força … Aqueles que sabem alguma coisa

de física, podem utilizar as quatro forças da física;

mas, inicialmente, essa idéia de força irá passar

 um pouco vaga. E em seguida, na obra de

Nietzsche, aparece a idéia de PODER. Logo, a idéia

de força e a idéia de poder não são sinônimas, não

fazem uma sinonímia. Força é uma coisa, poder é

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outra. E o que Nietzsche chama de poder é

exatamente isso: uma RELAÇÃO entre as forças. Écomo se fosse uma consequência à idéia de poder.

Para vocês entenderem melhor: nós

costumamos pensar que a idéia de poder é alguma

coisa que nós possuímos. (Eu estou explicando por

Foucault!) Nós costumamos confundir a idéia de

poder com a idéia de riqueza, porque riqueza é algoque se possui. E nós costumamos pensar que poder

também seria algo que nós possuímos. E o Foucault

está dizendo que poder não é isso; que poder é uma

consequência das relações entre forças. O que

torna a idéia de poder uma idéia relacional. De

maneira nenhuma o poder é uma unidade: o poderé uma relação de forças. Se nós encontrarmos duas

forças que se encontraram, essas forças produzem,

como consequência, o poder. Eu acho que ficou

mais ou menos claro, não é?

 A idéia de poder: a grande dificuldade que

nós temos para entender essa idéia é que o modelo

de idéia de poder que nós temos é o modelo

marxista. E esse modelo é a pressuposição de que

poder é algo que se tem. E o que Nietzsche está

dizendo não é isso; ele está dizendo que o poder é

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 uma consequência das relações entre forças.

(Entenderam, não é? Muito bem!)Se o poder é consequência de relações entre

forças, a idéia de poder só aparece a partir das

relações de forças. Não se poderia pensar poder se

não houvesse uma relação de forças.

(O que você achou, Márcia? Vocês acharam

que essa idéia ficou bem?).Essa idéia é muito rigorosa. Ou seja, não vai

variar daí. Sempre que eu utilizar a idéia de poder,

eu estarei chamando poder de relação de forças.

Sempre; sempre!

 Através disso, vocês passam a verificar que

a clássica idéia que nós temos de que o poder éalguma coisa que o Estado possui; ou, até melhor,

alguma coisa que alguns possuem e muitos

querem, está rompida. Poder não é isso. Poder é

sempre a relação entre, pelo menos, duas forças.

(Foi bem assim? Muito bem!).

 A primeira hipótese que vocês têm que fazer,

(novamente eu tenho que explicar pra vocês), é

que poder para Nietzsche não é uma substância, é

 uma relação. Então, onde houver relação e forças,

sempre emerge o poder. O poder não é uma

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 unidade, não é uma coisa em si mesma. Não há o

poder como unidade, só há poder como relação –como essa relação de forças.

(Eu fico em dúvida se correu bem, ouviu? Se

vocês já conseguiram entender a idéia que estou

colocando. Como é que você foi?).

Esse modelo que eu estou colocando – de que

o poder é uma relação entre forças – é doNietzsche. Nietzsche nunca vai pensar de outra

maneira. Ele só pensa dessa maneira. E é

exatamente isso daí que serve de instrumento para

a obra de Michel Foucault. Foucault também vai

pensar assim: o poder como uma relação entre,

pelo menos, duas forças. (Pronto!). Agora, o Nietzsche considera que o poder é o

fundamento da Natureza. A natureza – qualquer

coisa que exista – se explica pelo poder. Se

qualquer coisa se explica pelo poder, qualquer

coisa pressupõe relações de forças. As relações de

forças são os movimentos originários da natureza.

Seriam esses movimentos das forças que a

natureza tem que produziriam o campo de poder.

Então, para Nietzsche, por exemplo, o meu corpo

 – esse corpo que eu tenho – é constituído por

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relações de forças. Logo, meu corpo é dotado de

poder. Entenderam?Todo e qualquer CORPO, para ele, não

importa o tipo de corpo (eu já vou acrescentar a

essa idéia de corpo). Sempre que nós pensarmos

 um corpo, um corpo é produto de relações de

forças. Então, para a tese do Nietzsche, não há

sequer um corpo que não tenha poder. E, emseguida, ele diz que tudo aquilo que existe na

natureza é um corpo. Se tudo aquilo que existe na

natureza é um corpo, tudo que existe na natureza

tem poder. (Eu não sei se foi bem…).

Tudo que existe na natureza tem poder. Por

exemplo, o Estado é um corpo. A Igreja é umcorpo. Um átomo é um corpo. O discurso é um

corpo. Então, tudo isso que está aí é constituído

por relações de forças. E se é constituído por

relações de forças, todos os corpos que nós

encontrarmos são dotados desta característica:

dotados de poder.

Eu ainda tenho dúvida se eu fui bem, hein?

Porque a entrada nessas conceituações novas – e

eu sempre tenho muito cuidado quando eu entro

em conceituações novas, inclusive insistindo se

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vocês gostariam de falar, se as coisas se passaram

 bem, para eu poder prosseguir… Porque, a partirde agora, sempre que eu utilizar a idéia de poder,

vai ser essa: o poder é uma relação de forças. O

que implica em dizer que não haveria sequer um

corpo sem poder. Isso marca uma diferença muito

grande no entendimento da prática do poder.

Porque nós sempre pensamos exatamente ocontrário, que há alguma coisa que tem poder e

outra que não tem. Ele aqui está dizendo que não:

que tudo que existe tem poder, porque tudo que

existe é um corpo e todos os corpos são

constituídos por relações de forças.

(Quer falar alguma coisa?) Aluno: Você falou que o poder não é alguma

coisa que se possui, mas não é uma *** social

também?

Cláudio: Ele é uma relação. Uma relação. Eu,

então, vou explicar essa diferença para vocês,

ouviu?

Há uma diferença entre um objeto relacional

e um objeto substancial. Um objeto substancial é

aquilo que é em si mesmo e o objeto relacional

depende de dois relatas , de duas coisas que se

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relacionam. O poder pra ele não é uma substância,

é uma relação. Se houver relação, há o poder; senão houver, não há o poder. Mas ele acrescenta

essa idéia difícil que estou colocando para vocês:

que todo corpo é produto de uma relação de forças.

Logo, todo corpo possui o poder. A dificuldade de

se entender isso é que o modelo de ciência política

que nós temos é um modelo que não pensa o poderassim. No modelo de política que nós temos, o

poder é pensado como uma substância, é alguma

coisa. Em Nietzsche, o poder não é alguma coisa, é

sempre uma relação, uma relação de forças.

(Certo? Eu vou dar por entendido… Viu?).

 Aluna: E aí, como é que fica a questão dodomínio?

Cláudio:  Depois eu explico a questão do

domínio, certo?

O que vocês verificaram agora é que eu

coloquei que todos os corpos que existem precisam

e dependem das relações de forças. Não existe

sequer um corpo que não seja produto de uma

relação de forças. (Entenderam?). Todo e qualquer

corpo é uma relação de forças. Então, nós teríamos

aqui uma questão já muito clara: o mundo é

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constituído de corpos e esses corpos são produzidos

pelas relações de forças. (Eu ainda estou comcritérios de dificuldade aqui para haver

entendimento…). Por exemplo, aqui está esse

corpo. Quem produziu esse corpo? Relações de

forças. Todo e qualquer corpo que emergir, emerge

das relações de forças, o que coloca no corpo o

poder. O corpo tem poder. Todo e qualquer corpotem poder. Mas o originário não são os corpos, o

originário são as relações de forças. São essas

relações de forças que vão fundar os corpos que

existem.

(Como é que você achou? Não está bem, não

é?). Aluno: Não. É difícil o corpo, porque você

também colocou o discurso ***

Cláudio:  Porque eu coloquei pra vocês que

tudo aquilo que existe, sem exceção, é um corpo.

Então, o discurso é o quê? Corpo! O Estado é o

quê? Corpo! Qualquer coisa que existir, um átomo,

é um corpo. Qualquer coisa que existir é um corpo.

Mas o corpo não é originário, é secundário. Ele

depende das relações de forças. Essas forças que,

provavelmente, são ainda enigmáticas para nós,

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elementos de compreensão ainda difícil, seriam o

fundamento da aparição dos corpos na natureza. Vamos fazer uma coisa... vamos fazer um

esforço por aqui. Talvez esse esforço melhore a

gente. Vamos pensar um pensamento religioso. Um

pensamento religioso pressupõe que a existência de

corpos é criação de Deus. Deus criaria os corpos. O

Nietzsche abandona Deus e diz que os corposemergem por relações de forças. Então, ele está

dizendo que a natureza tem como fundamento dela

as forças. Existiriam forças. Essas forças não têm

nome. São apenas forças que existem na natureza

e através dessas forças os corpos vão aparecendo.

(Eu vou dar uma seguida para melhorar, vou dar uma seguida). Vão aparecendo os corpos.

Eu vou dar um sinônimo relativo: corpo é

sinônimo de FORMA. Corpo é uma forma. Por

exemplo, isto é um corpo, logo isto é uma forma.

Os corpos ou as formas são a estrutura do mundo

 – o mundo é constituído de corpos. O mundo é

constituído de formas. Mas essas formas são

produzidas por relações de forças. O que implica

em dizer – e aí já começa a ficar claro – que

essas formas só se mantêm se a mesma relação de

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forças se mantiver. Mudou a relação de forças, as

formas desaparecem. As formas precisam, paraexistir, dessas relações de forças, mostrando que

todas as formas que emergem na natureza são

precárias. Elas emergem e desaparecem através da

mudança das relações de forças. Ou seja, não

haveria forma como origem, a forma é uma

consequência. Toda e qualquer forma que aparecerno mundo: meu corpo, esta mesa, do Estado, do

campo social, do campo político, do discurso… tudo

que emerge no mundo é originário dessa relação de

forças. Pelo que o Nietzsche está dizendo, o que

nós vamos deduzir daí é que na natureza não

existe nenhuma unidade eterna, porque essasformas são sempre precárias; elas dependem das

relações de forças.

(Acho que ficou difícil).

 Aluna: Por que não o contrário? Por que as

relações de forças, para serem expressadas,

dependem exatamente disso? Por que as relações

de forças precisariam de um corpo para se

expressar?

Cláudio: Não!… Não. O que ele está fazendo…

inicialmente, com base no que nós temos, é que ele

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está constituindo um mundo fragmentário, ele está

construindo um mundo de elementos micros. Eleestá dizendo que tudo que existe no mundo são os

corpos – e esses corpos não são originários, eles

são produtos de forças que se encontram. Os

corpos emergem a partir da relação de forças. Isso

daqui é um rompimento com a metafísica clássica,

porque a metafísica clássica pressupõe que oprimário são as formas. Ele está invertendo… ele

está dizendo que qualquer forma que exista na

realidade, qualquer forma pressupõe essa relação

de forças. Ele jogou o campo das formas para a

precariedade. Ou seja (ainda está difícil, não é?),

ele negou a idéia de que há uma natureza, nãoexiste natureza, o que nós chamamos de natureza

são essas formas precárias. Porque o que tem no

fundo da natureza são as forças, sem nenhuma

forma. Mas são essas forças que vão produzir as

formas do mundo: uma árvore, uma montanha, o

Estado, a sociedade, o discurso… Todas essas

formas, que vão emergindo no mundo, são

originárias dessas forças. E essas forças, elas

mesmas, não têm formas. Elas não são formais. As

formas emergem…

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O que ocorreu aqui é a quebra da idéia de

que possa haver alguma forma eterna. Não hánenhuma forma eterna. Toda e qualquer forma que

aparecer no mundo… – e o que é uma forma? O

corpo. Toda e qualquer forma que aparecer no

mundo é precária. O que quer dizer precária? Ela

dura, qualquer forma dura enquanto se mantiver a

mesma relação de forças. Modificada essa relaçãode forças, aquela forma desaparece. Por exemplo,

o que é a morte? Quem morre? Quem morre é uma

forma. A morte é a morte das formas, não é a

morte das forças. Agora, a morte é quando um tipo

de relação de forças se desfaz e aquela forma

desaparece.(Ainda está difícil, não é? Hein, Márcia?

Estão entendendo?)

 Vejam o que eu disse: toda forma se tornou

precária. – O que quer dizer uma forma precária?

Nenhuma forma é primária, nem nenhuma forma

tem eternidade existencial: toda e qualquer forma

existe em função das relações de forças que a

produziram.

Então, aqui, pode-se pensar na mudança de

 um campo social para outro simplesmente como

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 uma mudança das relações de forças, aparecendo

outros tipos de formas. E que o mundo superficial,o mundo em que nós vivemos… é um mundo em

que contatamos com formas; e temos a ilusão de

que essas formas são unidades. Nenhuma forma é

 unidade: toda e qualquer forma é produto dessas

relações de forças – a forma do Estado, a forma

da sociedade, a forma do discurso, qualquer coisa;tudo que aparece no mundo é uma forma que não

tem nenhuma originalidade: é sempre uma

emergência, produto de forças que se

relacionaram.

(Como é que foi, Chico? Eu não tenho

nenhuma pressa, hein?… Nenhuma pressa!) Aluna: Não tem categoria de origem nessa ***

Cláudio: Forma não tem origem, forma tem

emergência. Vocês entenderam a distinção de

emergência de origem?

Porque nós pensamos, por exemplo, que há

seres que têm uma origem, um princípio e vão se

desenvolvendo ao longo da história, ao longo do

tempo. Aqui não tem nada disso. Tudo que

aparece, aparece emergindo por uma relação de

forças. Aquela relação de forças desaparece,

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aquela forma desaparece. Imediatamente.

 Aluno: As forças são eternas?…Cláudio:  Essas forças, que são a nossa

grande complicação, são eternas.

 Aluno: Quer dizer, os corpos ***. Se

necessariamente os corpos desaparecem o que está

provocando essa mudança nas forças, na relação

de forças?Cláudio:  Que é o nosso grande problema! É

entender a mutação nas relações de forças, porque

essas forças vão ficar mudando, o que são

exatamente essas forças… É exatamente o nosso

problema (Certo?). Antes de entrar nesse problema

 – o de maior dificuldade que nós temos, que são

as mutações que essas forças fazem – nós

entendemos já definitivamente que o mundo das

formas, que é o mundo dos corpos, não tem

identidade ontológica: são apenas acontecimentos

de superfície. Porque a metafísica do Nietzsche é a

metafísica das forças, e não uma metafísica das

formas. Não haveria formas originais que se

processariam na história. Nenhuma forma original.

Todas as formas que emergem são produtos das

relações de forças.

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(Eu vou seguir um pouquinho…).

 Através disso, se pensarmos politicamente,se pensarmos no campo político e verificarmos,

com uma clareza muito grande, que aparecem

objetivos de manutenção de determinadas formas,

objetiva-se manter determinadas formas… Como a

do Estado, por exemplo, que é uma forma e tem o

objetivo de permanecer. Para ele, permanecerrequer a manutenção de um tipo de relação de

forças. O que se passa, então, é que você passa a

compreender a natureza, não como se ela tivesse

 uma verdade, mas a natureza como jogos

estratégicos. São jogos de estratégia. Por exemplo,

 um pensador como Maquiavel diz claramente naobra dele que quando você quer manter uma

determinada forma, o que você tem que fazer são

estratégias de forças, para que aquela forma

perdure. Nada no universo perdura se as forças

não mantiverem aquilo. Então, no mundo não

haveria verdade formal. O que haveria no mundo

seriam os jogos de forças. Seria tudo um jogo de

forças, mas as forças fazendo as formas

aparecerem. Mas essas formas, todas elas – eu,

este copo, seja o que for – são formas precárias. A

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precariedade da forma é que uma forma só dura

no tempo se a mesma relação de forças durar.Modificada aquela relação de forças, aquela forma

vai desaparecer. Qual é a primeira implicação

política disso? A primeira implicação política é que

essa forma que eu tenho (ou essa forma que ela

tem, ou essa forma que nós temos) só se sustenta

porque forças estão agindo por baixo. Ou seja, paraque eu tenha essa forma que eu tenho é necessário

que haja, permanentemente, um tipo de relação de

forças. Você não pode ter nenhum ser, nenhuma

forma que se mantenha no universo, sem que a

ação das forças se dê. Se vocês pensarem isso,

passam a pensar o campo social como umapermanente prática de relações de forças. Relações

de forças para produzir aqueles tipos de formas.

Se aquelas relações de forças pararem ou se

modificarem, outras formas vão aparecer. Não sei

se vocês conseguiram entender isso.

Por essa tese do Nietzsche, não se pode mais

entender nada como sendo forma substancial –

não há forma substancial! Para se manter aqui,

tudo pressupõe as forças que conservam aquilo,

determinados tipos de força conservando a

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existência daquela forma. E isso vocês podem

aplicar no campo político ou no campo da vida: se,por acaso, as forças do meu corpo se defrontarem

com determinados tipos de forças que não são as

atuais, essa forma vai desaparecer – é a morte. A

morte é a morte das formas e o deslocamento das

forças. Essas forças são eternas e as formas são

passageiras.(Acho que ficou difícil, hein, Márcia?).

 Aluna: *** eu estou pensando no conceito de

dínamis , no Aristóteles, *** em Nietzsche e no

clinamen  de Lucrécio. Têm alguma coisa a ver, não

é?

Cláudio:  Pode… você pode aproximar! Eu

acho que a dinamis  aristotélica não dá conta. Não

dá conta. Pode dar a ilusão de dar conta, mas não

dá… O clinamen , eu acredito que você pode aplicar;

pode aplicar sem dúvida nenhuma, porque essas

forças não param de fazer deslocamentos…

 Aluna: O clinamen  ***

Cláudio:  O clinamen   eu já dei para vocês

aqui: eu falei muito no clinamen   nas aulas do

Lucrécio. Você pode aplicar o clinamen ; mas a

dinamis , eu acho que não. A idéia de potência do

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 Aristóteles não entra aí, ela não passa. Porque o

que Nietzsche está colocando e, sobretudo, de umamaneira muito assustadora, é que, em nenhum

momento, nós poderemos prever qual é a forma

que vai se conservar, nem qual é a forma que vai

aparecer. Nós não podemos prever, porque não é

no campo das formas que se dá o entendimento da

natureza. O entendimento da natureza se dá nocampo das forças. E essas forças não são regidas

por nenhuma lei, não são regidas por leis – são

estratégicas: elas visam afirmar-se. Então, você

não pode, de maneira nenhuma, antever que tipo

de formas vai aparecer, porque, subitamente, pode

aparecer uma forma nova. Não sei se vocês meentenderam… Não há como, pensando o mundo das

forças, introduzir uma lei: não há lei nesse campo

das forças. O que as forças fazem está

inteiramente no regime do acaso. No regime do

acaso.

 Aluno:  As formas, então, não são eternas;

elas são…

Cláudio: Precárias: inteiramente precárias!

 Aluno: Há a evolução de uma forma, não é

isso? O desaparecimento de uma, para o

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surgimento de outra forma.

Cláudio:  Olha, você já viu que a teoria dotempo, a teoria da história, a teoria da evolução…

entraram em crise? Três temas já em crise!

 Aluno: Agora, partindo disso daí, olha só, se

não existe evolução ***. Enquanto uma forma se

mantém, as forças que atuam *** da linguagem?

Cláudio: Elas estão se reproduzindo ali, estãose reproduzindo e aí você pode pensar uma

evolução.

 Aluna: É uma ruptura, não uma evolução!…

Cláudio: Não, quando uma determinada força

se mantém produzindo uma forma, você pode

pensar no crescimento daquela forma; pode pensar

num termo evolutivo ali dentro.

 Aluna: É o caso do Bergson, não é?

Cláudio:  Sim, mas não precisa aplicar o

Bergson. A pergunta dele… Uma determinada

forma emerge, dada aquela forma que está ali,

você pode perfeitamente pensar numa evolução

daquela forma, mas o que você não pode é pensar

evolutivamente de uma forma para outra. Isso

não! De uma forma para outra, há um corte de

descontinuidade. Há continuidade numa forma.

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Pega-se um nietzscheano: o Foucault, por exemplo.

Quando o Foucault pensa o nascimento do discursopsiquiátrico (talvez não esteja muito claro), ele

admite que ele tem uma relação com o discurso da

medicina. Então, é uma mesma forma se

modificando, até mesmo evoluindo. Mas, para

nascer, o discurso psiquiátrico pressupõe novas

relações de forças. Você, aqui, teria duas linhas. Você teria as formas emergindo por causa de

certas relações de força, mas podendo admitir

certa continuidade de uma forma. Uma forma

tendo uma certa continuidade. Mas o que

fundamenta mesmo esse pensamento é a teoria da

descontinuidade. Não haveria, por exemplo, entre odiscurso psiquiátrico e o velho discurso da

medicina nenhuma relação, a não ser nominal: os

mesmos nomes. Mas seriam outras relações de

forças.

 Aluna:Não é um desenvolvimento.

Cláudio:  Não é um desenvolvimento! Ele

emerge; aquilo emerge ali, vai emergindo ali. Não

há dúvida de que a gente pode encontrar uma

pequena continuidade. Mas não é por essa pequena

continuidade que aquilo vai-se explicar, porque

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aquilo vai se fundamentar pelas novas relações de

forças que apareceram. Então, aparece aquele tipode forma. Por exemplo: do século XVII para cá

deu-se no Ocidente uma prática de proletarização.

Começou-se a produzir proletários, subjetividades

proletárias. São determinados tipos de forças que

produziram esse tipo de subjetividade. Não se pode,

o que seria até risível, pensar na evolução doproletário. Seria até cômico, não é? Ah! Os

proletários vão evoluir! Não, isso daí é um

determinado tipo de força que produz. Então, o que

eu estou dizendo... eu vou até aplicar uma coisa

 um pouco confusa, que é nós pensarmos o tempo

ou a história como descontínua. Um determinadocampo social emerge por causa de determinadas

relações de forças. Outro campo social vai emergir

por causa de outras relações de forças, cada um

produzindo as suas formas. Talvez não aja nenhum

parentesco entre eu e o medieval. Porque nós

somos duas formas completamente diferentes.

 Aluno: Ô Cláudio, *** Bergson ***

Cláudio:  Mas, aqui, eu estou falando do

Nietzsche, não é? Você tem que saber que todos os

filósofos têm a sua originalidade. Se o Nietzsche

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não tivesse originalidade ele recobriria

integralmente o Bergson, não precisaria falar doNietzsche.

 Aluna: Não… Você pode responder isso pra

mim?

Cláudio: O que você quer saber?

 Aluna: *** como o Bergson libera o tempo,

*** porque… se liberar o tempo pressupõe umacerta descontinuidade?

Cláudio:  Não… não sei porque você está

dizendo isso (ouviu, Ana?), esse deslocamento

integral que você está fazendo do Nietzsche,

deslocamento integral do Nietzsche. Eu já expliquei

inclusive a forma como contínua. Você pode

admitir a continuidade de uma forma, que é

exatamente o modelo do Maquiavel. O Maquiavel,

quando pensa a questão política, ele coloca com

 uma clareza absoluta: se você quer que alguma

coisa perdure, você tem que aplicar forças ali para

aquilo perdurar. Porque nada no mundo traz uma

lei de duração. Nada tem lei de duração. Não há

 uma lei, não há um Deus, não há um princípio, não

tem nada garantindo aquilo. Aquilo só vai

permanecer ali se as forças fizerem aquilo

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permanecer. O que implica em dizer que o campo

das formas, o campo da precariedade das formas,nos leva para um mundo muito difícil de ser

vivido, muito difícil de ser entendido. Inclusive,

essas práticas exacerbadas de segurança que nós

executamos são muito tolas, porque o real, a

natureza enquanto tal, se constitui por essas

relações de forças. O que nós temos que fazer éaprender a administrar essas forças para as

formas que nós queremos e mantê-las. Não há aqui

moral, não há aqui religiosidade, é todo um

conjunto de um mundo constituído nesse campo de

forças. (Ana, depois de hoje, fora da aula. Tá?).

 Aluno: Cláudio, então a gente vai pressuporque os corpos guardam energia….e as forças ***

Cláudio:  Não, não. São as próprias forças

que vão agir nas forças. Porque toda a idéia que

estou passando pra vocês é uma idéia de

singularidade, não é o corpo, são as forças – e

depois eu vou passar a explicar o que vêm a ser

essas forças. Porque veja aqui o resultado que vai

dar: você pega uma criança, por exemplo; o que

seria uma criança exatamente? Seria um campo de

forças. Se você quer criar aquela criança, quer dar

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àquela criança uma subjetividade, o que você faz?

 Você estimula para que saiam determinadas forçaspara constituir uma forma. A minha constituição,

a dele e de qualquer um de nós não é por um

processo de repressão de formas; mas é por um

processo de estimulação de forças. Estimulam-se as

forças que interessam e dali vai saindo uma

determinada forma. As formas vão sendoproduzidas. Então, a alma que eu tenho, o corpo

que eu tenho – tanto a alma como o corpo – são

consequência dessas relações de forças. Não

haveria uma alma em primeiro lugar, um corpo em

primeiro lugar, que seriam reprimidos por um

campo político. Nada disso! Tudo se constitui poresse encontro de forças, aí as formas são

produzidas.

(Está difícil? Com é que vocês foram?).

 Você pega, por exemplo, o Michel Foucault,

que é um nietzscheano, e o Foucault diz – e isso,

de saída, vai matar a gente! – que um campo

social não se constitui por repressão. Um campo

social, diz ele, se constitui por relações de forças:

não há repressão. Olha o que eu estou dizendo: não

há repressão. Não há repressão, pra quê? Não há

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repressão para a produção das formas; é por

relação de forças que as formas aparecem. Mas nahora em que aparece uma forma, aí pode haver

repressão naquela forma. Quando o polícia bate

com o cassetete na minha cabeça, ele está batendo

com o cassetete numa forma, mas aquela forma já

é produto de uma relação de forças. Então, o

campo social não é originariamente formal.Originariamente, ele é uma relação de forças. Aí

vão aparecendo as formas e as repressões se dão

nas formas. Não sei se foi bem… Acho que isso foi

claro…

Reprimem-se formas, formas acabadas. O

homem que eu sou, isso é reprimível – mas ohomem que eu sou foi produzido por essas relações

de forças.

 Aluna: O inconsciente também seriam essas

forças, não é?

Cláudio:  O inconsciente são essas forças.

Exatamente essas forças. Isso que seria o

inconsciente. O inconsciente é aquilo que não para

de produzir reais, formas. Ele não para de

produzir formas porque nós não teríamos – é isso

que talvez esteja dificultando tudo – não teríamos

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nenhuma forma originária. Não há forma

originária. Toda e qualquer forma emerge poressas relações de forças!

O que é uma criança? A criança é uma

forma. Essa forma da criança, que nós temos hoje,

 basta estudar um historiador chamado Philippe

 Ariès, que vocês vão verificar que essa forma da

criança hoje não é a mesma do século XVII. Noséculo XVII era outra forma. Por quê? Porque as

estimulações de forças geraram outro tipo de

forma. Não existe o objeto formal como identidade

metafísica. O objeto formal é exatamente a

superfície do mundo.

(O que você achou? Fala.) Aluno:  A idéia de força é causa? ***

causalidade?

Cláudio: As forças não são… a idéia de causa

clássica não passa. Porque uma força não é causa

de nada: o que vai constituir as formas são as

relações de forças.

Enquanto vocês não entenderem

integralmente, eu não posso sair disso daqui, viu?

Porque esse entendimento é que vai gerar teorias

como a teoria do dentro, a teoria do fora, a teoria

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da dobra, utilizadas por nietzscheanos modernos –

coisas lindíssimas que vão nascer aqui e que nóssó vamos poder entender se nós tivermos uma

compreensão completa dessa idéia de força.

 Aluna: *** a relação de forças seria uma

trama….

Cláudio:  Você gosta desse nome, Ana? Tá

 bom, manda lá! Trama. Uma trama. É uma trama.Tá bom, trama… pronto! Ana, presta atenção, não

importa o nome que você dê a alguma coisa. O

nome que você dá só tem algum sentido

dependendo da força que apreendeu aquele nome.

 Aluno: *** forças *** formas diferenciadas….

Cláudio:  Físicas, naturais. São a natureza.

Porque vocês vão ver – e aqui já começou a ficar

claro – que humano é forma, humano é forma;

não é força: é uma forma. É exatamente o grande

terror para nós, porque o Nietzsche não está

dizendo que o humano é uma natureza; é apenas

 uma consequência de relações de forças – não

existe a natureza do homem, não existe a natureza

de não sei o quê. Nada disso existe! Ele está

rompendo – e agora eu vou passar a trabalhar

nessa questão; eu não ia trabalhar, mas vou

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melhorar para vocês entenderem – ele está

rompendo com a idéia de que qualquer coisa tenha uma essência. Nada tem essência. A essência de

qualquer coisa é um fragmento – um conjunto de

fragmentos de forças que se relacionam.

Eu vou dar um exemplo estético, dado pelo

Paul Veyne:

O universo inteiro é como um caleidoscópio:pedaços de vidro colorido, que você roda e forma

flores. As flores são as formas; os cacos de vidro

são as forças. É um mundo elementarista; um

mundo em que você rompe com a idéia de que há

formas originais. Romper com a idéia de forma

original significa que não há a essência do homem,não há a essência da mesa, não há essência de

nada; nada tem essência. Tudo aparece no mundo,

mas nada tem essência; quer dizer, tudo que existe

é um SIMULACRO. Está muito difícil, não é?

Qual é a natureza humana? Nenhuma; não

há natureza humana! A natureza humana é uma

forma, gerada por determinadas relações de

forças. As relações de forças geraram aquela

forma. Basta haver a modificação dessas relações

de forças, que aquela forma desaparece…

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imediatamente! Nada a sustenta: nada! Ela é

precária por origem; porque qualquer forma éprecária. QUALQUER FORMA É PRECÁRIA! A

ameaça das forças é permanente; e essas forças

não podem ser entendidas como leis ou princípios:

elas são o reino do ACASO.

Eu vou dar por mais ou menos aqui… eu vou

fazer uma modificação. Foi muito mal, não é?Se vocês aceitassem e trabalhassem comigo

na idéia de forma… é o melhor caminho que nós

temos. O melhor caminho que nós temos – a idéia

de forma. Porque tira de nós uma… [...]

[...] Todo o nosso entendimento do campo dopoder passa por essa prática das relações de

forças. (Eu vou dar por entendido, viu?). Foi mais

ou menos entendido e, assim, vou dar alguns

exemplos para fortalecer o entendimento:

 Vamos pegar um nietzscheano do século XX,

o Foucault. (Eu não ia nem fazer esse trabalho…

mas resolvi fazer, porque a idéia de forma deu

problema.)

O que se passa de original na obra do

Foucault é que ele fala que, a partir de

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determinado momento da história até a atualidade,

nasceram as sociedades disciplinares: apareceramcertos tipos de sociedades constituídas pela

disciplina. (É o que passa de original nele!) E

quando ele fala nessa prática da disciplina, ele vai

colocar duas idéias – que são as idéias de

MÁQUINA ABSTRATA e MÁQUINA CONCRETA.

Foucault está dizendo que as nossassociedades – e isso vai ser surpreendente – são

constituídas pelo modelo das CIDADES

PESTÍFERAS. (Aqui já é uma surpresa…). Que as

cidades pestíferas seriam exatamente o modelo das

nossas cidades.

Eu vou dar uma explicação sobre o que elassão exatamente.

 Uma cidade pestífera traz como problema o

fato de haver PESTILENTOS ATUAIS. Pestilentos

atuais são todos aqueles que, dentro da cidade,

trazem a peste. E a cidade traz, então, o problema

de ali haver também os PESTILENTOS VIRTUAIS –

aqueles que podem ter a peste. Que é exatamente a

grande divisão que se faz numa sociedade

pestífera. Você pega uma cidade pestífera, segundo

Foucault, e o que se passa nela é essa divisão:

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pestilentos atuais e pestilentos virtuais. Pega-se os

pestilentos virtuais – logo, pestilentos virtuais seaproximam um pouco da dinamis  do Aristóteles –

são aqueles que podem ter a peste, mas não têm. O

que vai-se fazer com os pestilentos virtuais é isolá-

los; separá-los dos pestilentos atuais. Na hora em

que essa separação se faz, o poder político começa

a exercer uma prática de força constante em cimados pestilentos virtuais, numa administração

generalizada daquelas vidas – administra-se o

alimento, administra-se a moradia, administra-se o

vestuário, administra-se o ar…, faz-se uma

administração generalizada daquelas vidas! Todos

são administrados; e, para continuar vivendo,todos têm que receber um tipo de disciplina,

(Entenderam isso?) que são exatamente o campo

de uma sociedade que tem os virtuais da peste.

Esses virtuais são administrados, sobretudo por

 um poder médico, que administra aquelas vidas. O

que Foucault vai dizer é que a nossa sociedade traz

esse modelo. Ela traz esse modelo; então, para a

nossa sociedade, todos nós somos pensados como

seres virtuais, e não como seres atuais. E como

seres virtuais, as forças vão fazer uma prática de

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disciplinarização em cima de nós, para constituir o

nosso corpo e a nossa alma. Isso é o que ele chamade MÁQUINAS CONCRETAS. Num campo social, as

máquinas concretas são as instituições que têm a

função de trabalhar nessas virtualidades: prisão,

hospício, escola, exército…

 Aluna: O uso de camisinha ***

Cláudio: O uso de camisinha já é a instituiçãotrabalhando. As instituições são as máquinas

concretas com a função de trabalhar nessas

virtualidades. Mas para haver essas máquinas

concretas há uma MÁQUINA ABSTRATA. A

máquina abstrata é a cidade pestífera – que é o

modelo que vai passar em todas as instituições

para desenvolver as forças que lhes interessam.

(Não sei se foi bem…). As forças que interessam

geram o corpo e a alma que eu tenho! O corpo e a

alma que eu tenho não são entidades metafísicas –

são produtos de forças.

 Aluna: *** e nós seríamos os virtuais?

Cláudio: Os virtuais…

 Aluna: *** os atuais ***

Cláudio: Não, filha… Os atuais… Não, filha.

Eu vou tentar novamente para vocês entenderem.

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 Vamos tentar por outro lado. É de uma clareza

absoluta, não entendo como você não entende, Ana.O *** do Maquiavel é claríssimo. Mas eu vou

explicar de outra maneira; vou tentar outra

maneira para explicar isso.

Na obra do Foucault… (Eu agora vou contar

de modo bem detalhado, pra vocês entenderem). O

Foucault é um filósofo e, enquanto filósofo, ele éNietzscheano: ele se ligou ao Nietzsche. Poderia ter-

se ligado ao pai dele, à mãe dele; mas se ligou ao

Nietzsche. E, ao se ligar ao Nietzsche, ele verifica

que o Nietzsche colocou uma questão. (Vocês vão

entender!). O Nietzsche colocou – prestem atenção!

 – que não existe sequer um objeto a-histórico.O que quer dizer um objeto a-histórico? Quer

dizer, uma forma que não tenha emergência. Todas

as formas emergem; logo, todos os objetos que

existem são históricos. (Entenderam?). Não existe

nenhuma essência atravessando a história. Tudo

emerge na história, tudo emerge. Não existe objeto

a-histórico, todos os objetos são históricos, todos

são produzidos dentro da história, pelo tempo. É

isso que Foucault descobre no Nietzsche.

Quando o Foucault descobre isso no

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Nietzsche, o que ele vai fazer? Ele vai fazer um

estudo para verificar quais as forças que produzemesses objetos, que tipo de forças produz esses

objetos. O que essas forças fazem, o que elas

querem, a que visam elas, que tipo de objetos

produzem? Então, Foucault encontra na história

(estou simplificando muito…) duas práticas muito

nítidas, a que ele vai-se dedicar a trabalhar: umaele chama de INQUÉRITO; a outra ele chama de

EXAME. Seriam duas práticas que apareceram ao

longo da história; não formas, mas máquinas para

produzir formas, máquinas de produção de formas

(Está bem assim o que eu disse?).

 Aluno: ***Cláudio: Elas são formas, porque se efetuam

em instituições; mas são as forças produzindo

formas para produzir outras formas.

Então, ele encontrou o inquérito e o exame.

Eu vou deixar um pouquinho de lado o inquérito…

se vocês quiserem, é muito bonito, eu explico o

inquérito pra vocês.

O que seria o exame? O que seria

exatamente o exame? É muito bonito e um pouco

difícil, difícil até para um historiador clássico

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aceitar.

O Foucault começa por dizer que a história,lendo-se determinados textos ou fazendo-se uma

prática iconográfica – isto é, vendo as telas – a

história nos revelou a existência de indivíduos

destacados – condes, reis, heróis – que

apareceram claramente cantados pelos poemas

épicos, cantados pelas narrativas heróicas. Umasérie de indivíduos. Que é muito fácil: vocês abrem

os livros de história e vocês vão ver! Quais são os

indivíduos que são falados no século XVI? O rei, o

herói, o príncipe, o bispo, uma mulher, por causa

de determinada prática; são os indivíduos que

aparecem na história. Então, diz o Foucault, quepelo fato desses indivíduos se destacarem na

história, a luz do mundo – a luz que o mundo

possui – jorra em cima deles. A luz do mundo

 jorra sobre esses indivíduos. A história vai ver

esses indivíduos: vê-los nos quadros, nas

descrições, nas narrativas… Mas a luz não jorra

sobre a massa que existe na história; ou seja, a

história nos revela a aparição de um PLANO DE

 VISIBILIDADE.

Plano de visibilidade é aquilo que a história

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está destacando dentro do campo visual.

(Entenderam?). Ela está liberando uma série deindivíduos para o campo visual. Pronto!

Subitamente, o Foucault, muito louco, encontra

 uma medalha comemorativa, salvo equívoco, de

 um rei qualquer. E quando examina essa medalha,

ele tem a maior surpresa – porque na medalha

aparecem o rei e seu séquito: que são os indivíduosvistos dentro do campo da visibilidade. Mas na

moeda vai aparecer também uma série de

soldados.

 – O que aconteceu? É que a visibilidade está

se deslocando. Está havendo um deslocamento da

visibilidade; que está tirando a massa do limiar daescuridão e lançando essa massa no campo da

visibilidade. Na hora em que essa massa começa a

entrar na visibilidade, ela começa a se

INDIVIDUAR. Os indivíduos vão começar a

aparecer na história; abandonando o campo da

epopéia, eles vão passar para as histórias mais

miseráveis, histórias de registros. (Conseguiram

entender?). O que está sendo feito é um

deslocamento da visibilidade. Nós abandonamos as

epopéias para conhecer os indivíduos; basta ir num

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cartório. Por quê? Porque as forças de poder

liberaram para esse campo da individualidade amassa anteriormente perdida numa escuridão; e

individuou-se essa massa. Ou seja, o campo do

poder – é isso que Foucault está chamando de

exame – produz, digamos, a partir do século XIX,

os indivíduos, produz a individuação. Ou seja, cada

 um de nós hoje se julga com todo o direito de dizer-se: eu sou um indivíduo. Mas esse indivíduo que

nós somos não pertence à nossa natureza; foi o

campo das forças que o produziu. Foi claro o que

eu disse? Ou não? Entenderam? É de uma beleza

excepcional!

Então, o exame é uma máquina de poder quetem a função de produzir a individuação. O que vai

acontecer? O que vai acontecer é que quando esses

indivíduos caírem no campo da visibilidade, vão

imediatamente passar para o campo do saber. Vão

nascer (estou sendo muito rápido) as ciências de

radical  psi , que são as ciências do indivíduo. Então,

se essas ciências do indivíduo nascessem no século

 XV, provavelmente os cientistas do indivíduo

morreriam de fome; porque só havia quatro ou

cinco indivíduos. Agora, é uma quantidade infinita.

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 Acho que está bem, não está? Então, vamos

tomar um cafezinho para descansar umpouquinho…

 Um militar, no século XIX, se hospedou

numa casa na cidade onde ficava o seu quartel:

 uma casa de família, que se tornou pensão para

ele. E nessa casa havia o casal – pai e mãe – e uma filha. Quando esse jovem militar conheceu a

filha, ficou muito surpreendido, sobretudo porque

ela era muito bonita – o que surpreende todo

mundo – e ela não dava a menor importância

para ele. E, como era natural, ele procurou se

exibir para ela, mostrar-se para ela, mas ela nãodava a menor importância, ele não existia para

ela! Mas um dia, eles estavam jantando juntos e,

de repente, ele sentiu um pé embaixo da mesa, um

pé no pé dele. Ele foi olhar, era o pé dela, descalço,

alisando a perna dele. Ele ficou (não é?) naquele

estado que qualquer um pode ficar! Então, a partir

daquilo, em todo jantar ele se aproximava um

pouco mais dela e ela ia lá embaixo, com as mãos,

com os pés, fazendo a mesma coisa com ele. Por

outro lado, sempre que ele tentava se aproximar

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para falar com ela, ela não dava o menor papo pra

ele. E ele começou a viver aquelas angústias doapaixonado. Ia para o quarto de noite, sofria,

sofria muito, nada acontecia. Até que um dia, de

repente, ela parou de fazer os ataques sob a mesa.

E aí é que ele pirou mesmo! Mas um dia, ele estava

deitado no quarto, de repente entra, no quarto, a

garota. Ela entra no quarto e senta em cima dele ecomeça aquela beleza que é a prática do amor. Aí,

eles começaram a fazer um amor lindíssimo,

aquela coisa lindíssima, uma coisa belíssima… Está

acontecendo aquilo e, de repente, ela cai, cai para o

lado. Ele vai, pensa que aquilo é um orgasmo, a

examina, não era um orgasmo: ela tinha morrido;morreu! Agora, vocês imaginam a situação desse

cara, ele não sabia mais o que ele ia fazer. Ficou

desesperado: não tinha como fazer nada ali. Ele

foi, teve uma idéia: “Eu vou procurar o coronel!”

Não é? Porque sempre se procura o coronel, o

coronel do regimento. Então, ele saiu lá para

procurar o coronel do regimento. Aí, o coronel do

regimento viu a gravidade da situação e disse para

ele: “Olha, você pega a carruagem e embarca para

a cidade tal, deixa comigo que eu vou resolver isso,

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tá certo? Faz isso.” Aí, ele embarcou para a cidade

tal e o coronel foi lá resolver. Ele ficou nessacidade um pouco distante uns dois anos e não

soube nada do que aconteceu. Mas um dia, de

repente, a curiosidade despertou nele e ele foi

procurar o coronel para o coronel contar o que

tinha acontecido. Quando ele se aproximou, ele

soube que o coronel tinha ido para a guerra emorrido. Morreu o coronel. Então, esse rapaz – aí

é que termina a história – realmente nunca soube

o que aconteceu. Então, é o tipo do conto em que

aparece essa figura: o que aconteceu? Ele não

sabia o que tinha acontecido. (Muito bem). O que

aconteceu é exatamente o modelo de uma práticaque o Foucault chama de inquérito . O inquérito é

exatamente uma prática em que os homens vão se

preocupar em conhecer o acontecimento do

passado. E, pra fazer isso, os homens vão criar

 uma tecnologia, uma tecnologia para administrar e

conhecer o acontecimento que se deu no passado. E

qual é a maneira melhor que nós temos para

conhecer um acontecimento que se deu no

passado? Não há dúvida nenhuma de que a melhor

maneira que nós temos é uma narrativa, é o

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  41 

discurso. Porque o discurso é aquilo que tem a

propriedade de reatualizar acontecimentos que sepassaram. Entenderam?

 A melhor maneira de nós conhecermos

acontecimentos que ocorreram é através do

DISCURSO, porque o discurso reatualiza

acontecimentos que passaram. No caso do conto

que eu narrei, o melhor discurso seria pronunciadopor quem? Pelo coronel (está certo?), que seria

aquele que poderia reatualizar esse acontecimento.

E quando nasce a prática do inquérito é

liberada a questão: De que maneira podemos

conhecer bem um acontecimento do passado,

sabendo-se que um acontecimento do passado éreatualizado no discurso. E a tecnologia funda que

a melhor maneira de conhecer um acontecimento

do passado é quando nós temos diante de nós um

discurso que seja NEUTRO. Ou seja, o que está

sendo dito é que os acontecimentos do passado,

quando são reatualizados por discursos

apaixonados, esses acontecimentos podem ser

falseados pelo discurso.

Não conseguiu entender não? Por exemplo,

vou reexplicar pra vocês. Não entendeu, não?

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Esse conto que eu contei é do Barbey

D’Aurevilly. É lindíssimo esse conto. Se vocêsquiserem, eu tenho em português e trago aqui pra

vocês, ouviu?… Que é a pergunta: “Meu Deus, o

que é que aconteceu?” Só quem sabia era o coronel

do regimento!

 Agora, prestem atenção:

 Vamos dizer que eu e o Leão Handfasentramos numa disputa. O Leão diz assim:

“Cláudio, você roubou minha caixa de fósforos.” Eu

digo: “Leão, eu não roubei sua caixa de fósforos.”

 Aí ele diz: “Você roubou, sim, minha caixa de

fósforos.”

 Vai chegar um momento da história em que,para resolver essa situação, nós teremos que

procurar um representante do poder – porque o

poder vai produzir representantes para resolver os

litígios. E quando nós procurarmos esse

representante do poder, ele vai-nos ouvir falar…

O que eu vou dizer? “Eu não roubei a caixa

de fósforos do Leão!”

E o Leão vai falar: “Cláudio, você roubou

minha caixa de fósforos!”

O poder fica num estado de ambiguidade: não

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sabe quem está falando a verdade.

O que o poder faz? O poder procuraTESTEMUNHAS; ele sai à cata de testemunhas – e

as testemunhas são exatamente aquelas que

poderão dizer se eu roubei ou não a caixa de

fósforos do Leão. Por quê? Porque a testemunha

PRESENCIOU o acontecimento. Então, a testemunha

é o instrumento mais indicado para re-atualizar oacontecimento. Entenderam?

Mas acontece que pode aparecer uma

testemunha que seja namorada do Leão. Se a

testemunha for uma namorada de Leão, é claro

que ela vai dizer que fui eu que roubei a caixa de

fósforos. Então, a tecnologia das testemunhasconsidera que a testemunha apaixonada não fala a

verdade. Para falar a verdade, tem que ser uma

testemunha neutra (entenderam?). É esse modelo

que faz emergir no Ocidente a idéia de que a

verdade é algo que está no passado; é re-atualizada

pelo discurso; que, para ser um bom discurso, tem

que ser produzido pela razão – porque a razão é

neutra.

Não sei se vocês entenderam…

Esse modelo é o modelo do inquérito; que o

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Foucault diz ser uma prática que emerge numa

época da história e gera a verdade comoreatualização do acontecimento, como

desqualificação da paixão e emergência da razão.

Ou seja, a razão não é o que nós pensávamos: a

razão não é alguma coisa, em si mesma, preparada

para a verdade – a razão é produto de uma

prática de poder.Conseguiram entender? Muito bem!

O que vai acontecer, segundo o Foucault?

Segundo o Foucault, o que vai acontecer é que nós

vamos sair da pergunta: “O que aconteceu?” para

a pergunta: “O que pode acontecer?” Na hora em

que nós entramos nessa pergunta – o que podeacontecer? – tudo que existe se torna uma

 VIRTUALIDADE.

Conseguiram entender? Ou não, Ana?

Nós passamos agora para um mundo em que

a pergunta não é mais: “O que aconteceu?” A

pergunta agora é: “O que pode acontecer?” Se você

está num mundo de “o que pode acontecer?”, a

partir daí as práticas de poder vão produzir aquilo

que lhes interessa: porque o ser se torna virtual, é

 uma virtualidade. É exatamente o que o Foucault

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está explicando para o nascimento da cidade

moderna. O nascimento da cidade moderna não é uma procura do que aconteceu, mas é uma questão

com o que pode acontecer. É onde nasce,

sobretudo, uma idéia, que é muito nossa, a idéia de

PERICULOSIDADE. Nós agora vamos pensar as

virtualidades. Tudo vai ser pensado como

virtualidade. Em função disso, é preciso produzir,em cima dessas virtualidades, aquilo que interessa

 – é isso que é a prática do exame.

Não sei se foi bem… Vocês entenderam?

 Vocês vejam que, aqui, tudo aquilo que nós

pensamos que teria uma natureza – o indivíduo

seria uma natureza –, nada disso é uma natureza:são as forças do exame que geram essas figuras no

mundo.

 Vejam se foi bem… Foi ou não, hein?

Entenderam bem?…

Quem trabalha com “O que aconteceu?”? O

inquérito.

Quem trabalha com “O que pode acontecer?”?

O exame.

O exame é exatamente uma prática que se dá

no nosso mundo para produzir a INDIVIDUAÇÃO e

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a IDENTIDADE. Então, nós vamos ser produzidos

como indivíduos, regidos por uma identidade. Evamos lutar toda a nossa vida para garantir o

indivíduo que nós somos e a individualidade que

nós temos – quando SER LIVRE é uma conquista

da DIFERENÇA.

Foi muito difícil, hein Chico? Falem lá, para

eu ver onde é que está a falha…O conto do Barbey D’Aurevilly é nítido para

vocês entenderem o nascimento da prática da

verdade. A prática da verdade se sustenta na

razão, porque a razão é aquilo, em nós, que é

neutro e é capaz de re-atualizar os acontecimentos

com verdade; enquanto que as paixões retomam osacontecimentos falsamente. É por isso que, na

história da verdade, a razão vai ser privilegiada. É

aí a emergência do RACIONALISMO.

O racionalismo não é um milagre humano, é

 uma prática de poder. Uma prática de poder em

que a verdade é algo que tem que ser reatualizado.

Por quê? Porque, para essa prática, a verdade está

perdida no passado. Ela está perdida no passado.

 Vocês me entenderam bem? Porque eu acho

que essa foi a melhor maneira que eu já usei para

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explicar essa questão na minha vida… Vou ver

outra vez para vocês.Eu vou contar outra história. Olha essa

história aqui:

Sir Lancelot era um homem belíssimo, não

sei se vocês sabem, pelo menos nos filmes. Era

lindíssimo. E ele era apaixonado pela rainha,

mulher do rei Arthur. Todo mundo sabe disso! Eeles costumavam ter encontros nos bosques. Mas

quando eles começaram aquelas encontros, à boca

pequena, os cavaleiros da Távola Redonda

começaram a cochichar: olha, o Lancelot está

namorando a rainha. Começaram a falar isso. E

alguns cavaleiros da Távola Redonda, maisousados, chegavam para o Lancelot e diziam:

Lancelot, você está acabando com a Távola

Redonda, porque você está difamando a rainha;

tendo encontros amorosos com ela e traindo o rei

 Arthur. Quando o cavaleiro em questão dizia isso

para ele, o Lancelot respondia: você está desafiado

para um duelo! E eles iam duelar. E quem vencia?

O Lancelot vencia. No momento em que ele vencia,

a verdade era o que ele dizia, porque naquele

momento da história a verdade era produto do

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triunfo (entenderam?). Não havia outra prática da

verdade. Era verdadeiro tudo aquilo que viesse portriunfo. Mas o Lancelot continuou a ter encontros

amorosos com a mulher do rei Arthur, até que, um

dia, o filho do rei Arthur, não sei se vocês sabem

quem é ele, é o filho da Morgana, que era irmã do

rei Arthur… O filho do rei Arthur pegou o Lancelot

em flagrante com a rainha. Aí, ele se vira para oLancelot e diz: você está traindo o meu pai. O

Lancelot vai e diz: você está convidado para um

duelo. O filho do rei Arthur responde: duelo não,

eu vou testemunhar contra você!

O que aconteceu? É que a verdade estava se

deslocando. Estava nascendo o inquérito. Oinquérito não é mais a verdade como PRODUÇÃO;

mas a verdade como REPRESENTAÇÃO. A verdade

torna-se um discurso que re-atualiza um

acontecimento. Enquanto que, na primeira fase, a

verdade era uma prática produtiva.

Eu estou explicando isso, para mostrar pra

vocês que todas as formas que emergem no

mundo, emergem por relação de forças. Eu acho

que agora vocês entenderam!

É preciso perder a ilusão de que há uma

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forma em si mesma: não há! Mudadas as relações

de forças… outras formas emergem. Então, A VERDADE é uma FORMA, é um VALOR, é um

SENTIDO. Numa determinada época da história, ela

emerge como produto de um triunfo; e noutro

momento da história ela, a verdade, é apenas uma

representação do discurso adequado ao

acontecimento. Através disso, eu acredito que essa aula

ganha uma linha boa. Vocês passaram, pelo

menos, a entender mais ou menos que nenhuma

forma emerge na história se não tiver atrás dela

relações de forças.

É só por hoje. Eu não aguento mais. Foi bem,não é? Vocês vêem que, inclusive, eu já posso

tranquilamente trazer alguns textos do Michel

Foucault e do próprio Nietzsche, que vocês vão

entender. Viu? Fui feliz, não é? Então está bem.

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