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Cléverson Israel Minikovsky
Mariano Soltys
aaaa
Ideologia Ideologia Ideologia Ideologia
bbbbrasileirarasileirarasileirarasileira:
O GNOSIOLOGISMO HISTÓRICO
2014
2
SumárioSumárioSumárioSumário
A ideia da obra ........................................... 03
Gnoseologia suficiente ............................... 22
O capital constante ..................................... 42
O conhecimento criador ............................. 92
A acumulação primitiva .............................. 112
3
A idA idA idA ideia da obraeia da obraeia da obraeia da obra
Cléverson Israel Minikovsky
A tese central desta obra consiste na ideia de
acordo com a qual a natureza, difusão ou
sigilosidade, qualidade, quantidade, extensão,
profundidade e metodologia do conhecimento dos
indivíduos condiciona a ética, a religião, o direito, a
política, a economia e o modo como eles ganham a
vida, a família, etc. Não é o capitalismo que gera o
conhecimento, é o conhecimento que gera o
desenvolvimento da técnica e da ciência que, por
sua vez, geram o capitalismo. O desenvolvimento
das forças produtivas depende do conhecimento. O
materialismo histórico de Marx e Engels está de
ponta-cabeça. Não é a sociedade que determina o
conhecimento, é o conhecimento que determina a
sociedade. A história de todas as sociedades que
existiram até hoje reflete a história de seu
conhecimento. Durkheim foi genial ao escrever
4
sobre a Divisão Social do Trabalho. O que ele não
disse claramente é que a Divisão Social do
Trabalho espelha a Divisão Social do
Conhecimento. Weber ficou famoso ao destacar a
importância da religião nos fenômenos sociais, mas
deveria ainda ter dito que a religião só é importante
à medida que também ela é uma forma de
conhecimento. Aliás, o conhecimento religioso é a
base de toda civilização enquanto ideologia do
patriarcado que se inicia há dez mil anos. Comte
coloca a evolução do conhecimento na plataforma:
teologia → filosofia → ciência. O conhecimento
dominante não no é dominante por ser proferido
pela classe dominante, pelo contrário, é o
conhecimento dominante que fabrica as classes
dominantes. Todo o conhecimento é código, daí a
importância da criptografia. O destino e o status de
um conhecimento fluem através das confrarias. Há
igrejas dentro do conhecimento. E como toda fé,
não é o crente que justifica sua fé, pelo contrário, é
aquilo em que ele crê que o credibiliza. Saber é
bom, mas saber demais é um risco a quem detém o
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conhecimento, inclusive risco de morte. Não é o
conhecimento que legitima a sociedade, é a
sociedade que legitima o conhecimento. No sentido
de que o conhecimento é a infraestrutura e a
sociedade e a economia são a superestrutura. O
sucesso de uma espécie depende de sua
capacidade de transmissão de informações às
gerações vindouras. Já conseguimos produzir DNA
sintético. E um grama de DNA sintético consegue
conter o mesmo cabedal de informações da soma
de quatro mil CD’s. A invenção da escrita
potencializou a capacidade de armazenamento,
transmissão e reprodução de dados e a informática
cumpre função análoga e mais radical. A grade na
janela do mosteiro tem uma dupla função: não
deixar o conhecimento escapar ou ser destruído,
mas também monopolizar. O copismo era o que
havia de melhor quando não se tinha a imprensa. A
imprensa foi marco na expansão da galáxia
chamada conhecimento. Mas o conhecimento
também tem limitações. É assim que o mapa e
projeto da bomba atômica estão na internet, mas
6
não é todo mundo que tem dinheiro para fabricá-la.
Marx faz o conhecimento se tornar um apêndice da
maturação das forças produtivas. Isto é errado. O
conhecimento pode não ser causa final, mas é
causa eficiente do desenvolvimento da estrutura
física da sociedade. Foi a filosofia que inventou a
sociedade grega assim como o juridiquês e a
ciência militar engendrou Roma. Muito acertada foi
a guinada dentro da filosofia da metafísica à
epistemologia. Tão importante quanto tentar
conhecer é vislumbrar os pressupostos do
conhecimento. O conhecimento é uma linguagem
bem construída. É assim que os Meios de
Comunicação Social são muitas das vezes uma
antítese ao conhecimento, pois o que se vê ali é a
decadência da conversação e o conhecimento é
discurso solene. O conhecimento impactante, seja
na área da religião, filosofia ou ciência tem de ter
revelação. É assim que por conta do cristianismo a
teologia se torna o saber máximo a ponto de a
filosofia se tornar “ancilla theologiae” e por conta de
Vico a História se tornar a sublime ciência, e em
7
razão de Newton a física se tornar modelo para
outras disciplinas, o mesmo podendo ser dito da
biologia por conta da autoridade de Darwin. O
conhecimento muitas vezes é como lançar dados, é
imaginação, é conjectura. E a posteriori, o que vem
é a hermenêutica tentando responder o que o autor
tentou dizer. O conhecimento sempre revela,
outrossim, uma escala de valores, uma axiologia. E
ele sempre é provisório e tem prazo de validade.
Outra questão que se coloca é a criteriosidade. No
Ocidente se preconiza o evidente e o racional, no
Oriente há admissão da mística e de elementos não
estritamente racionais. Todo conhecimento está
cabido dentro de um vão cerceado por premissas e
corolários. E a totalidade disto tudo se chama
metanarrativa. E todo nosso trabalho consiste em
tornar os presumidos nos explícitos e fazer com
que o conhecimento perfunctório se torne no
conhecimento exauriente. O conhecimento é esta
instância que carece ter coerência interna e
adequação à realidade. O conhecimento pode
aprioristicamente antecipar a realidade ou a
8
posteriori fazer um feedback. A práxis é o
casamento da ação e do conhecimento. Vivemos
no tempo não só do conhecimento partilhado, mas
da inteligência partilhada. Grande intuição foi a da
antropologia: debruçar-se sobre as chamadas
“sociedades primitivas” porque sabia que as
ciências criadas pelo homem caucasiano
tencionava descrever o homem ocidental a partir
dele mesmo, por ele mesmo, para ele mesmo. De
Kant é a frase “aude sapere”, ou seja, “ousa saber”.
O espírito do iluminismo é fazer o indivíduo
conduzir-se de acordo com seu próprio
entendimento sem aconselhamento de segundos
ou terceiros. O enciclopedismo é o esforço de
reunião e sistematização do saber. Graças ao
debate dos filósofos hoje sabemos que não é
possível alcançar a verdade real, apenas
enunciados prováveis e verossimilhantes. Pode-se
corroborar ou refutar uma proposição atômica pela
experimentação. O parâmetro da cientificidade é a
própria falseabilidade. Todo enunciado é precedido
pela indução. Aliás, a indução é a antecâmara da
9
dedução. E o próprio raciocínio lógico é incapaz de
dizer aquilo que está além do óbvio. O
conhecimento é descrição, mas também ferramenta
de ingerência. Outra coisa que se discute é se o
conhecimento é uma lente através da qual vemos a
realidade ou se é a descrição da própria realidade.
Estamos mais alinhados com a primeira hipótese.
Questão já suscitada pelo velho Heráclito é: como
vamos ter um conhecimento seguro da realidade se
ela é dinâmica? Isto significa, no mínimo, que o
conhecimento também é dinâmico, pois precisa
ajustar-se continuamente à realidade. Há quem
diga que a razão, fonte da qual emana todo
conhecimento, é instrumental e que o reino dos fins
é irracional. Digo que todo instrumento tem um fim
de antemão, assim como o do violino é produzir
som melodioso e o da agulha é injetar
medicamento. Para Habermas o conhecimento é
um consenso. Assim admite-se um grande
convencionalismo. A tese de Weber, seja ela, a de
desencantamento do mundo diz respeito, em
primeiro lugar, ao conhecimento. Pois agora o
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conhecimento não é mais busca de sentido, mas
como uma enorme anatomia a destrinçar músculos
e ossos. Concordamos com a premissa de Wilson
de Matos Silva de acordo com a qual “a sociedade
está em processo de conversão ao conhecimento”.
Os povos ágrafos são povos bebês e a marca das
sociedades desenvolvidas é o grafocentrismo
social, porque a escrita é a essência do
conhecimento. Vemos que cada vez mais o virtual
condiciona o material. E quanto mais evoluirmos,
mais importante se tornará o virtual. Matéria mui
importante já hoje e mais ainda no futuro será a
arqueologia e a história do conhecimento. O Nome
da Rosa é obra de Umberto Eco que mostra a
morte de toda uma tradição intelectual. Nos dias de
hoje se pretende mais é divulgar as produções
teóricas. Quando o assunto é produção de
conhecimento o protagonista é o agente teórico
promotor de mudança. O conhecimento, aliás, é o
palco de luta entre a perpétua latência conservação
versus mudança. Tudo é conhecimento porque tudo
é cultura. Comte e Marx haviam observado que
11
devido ao acúmulo de conhecimento os vivos são
cada vez mais comandados pelos mortos. O
conhece-te a ti mesmo socrático é a noção de que
todas as formas de conhecimento não passam de
uma grande antropologia. O homem é o único
animal que sabe que sabe. O conhecimento
diferencia o adulto da criança, o civilizado do
bárbaro. O conhecimento faz com que o homem
seja ele mesmo, ou seja, humano. Ignorância é
alienação e conhecimento é resgate de si. Pior que
a alienação econômica é a intelectual. O erro
consiste em supor o falso por verdadeiro. Não
negamos que o produtor de conhecimento possa
ser, às vezes, interesseiro e que faça embustes do
tipo reserva mental. Mas a comunidade científica
desfaz estes mal-entendidos. Se existe uma
ferramenta que é útil para todos os conhecimentos
está é a estatística. O conhecimento é uma
tradição. Ou seja, trazer algo para o presente e
projetá-lo para o futuro. O velho é continuamente
reinventado, há repescagem. O conhecimento, em
que pese a vitória do cientificismo, sempre será
12
representação de mundo. Ele sempre nos norteará
e servirá de orientação existencial. Saber é poder e
poder, dentre outras coisas, é status. Como todas
as outras coisas, também o conhecimento está
sujeito a modas. A educação deve ser universal,
gratuita e de qualidade em todos os níveis. O
conhecimento define todas as correlações de
forças. Os países que hoje são emergentes, em
sua maioria, há vinte anos atrás, investiram
pesadamente em educação. A mídia é o quarto
poder porque define o que as pessoas podem e
devem saber. Quando de diz que a tecnologia
suprimiu espaço e tempo entre as pessoas, na
verdade, está a se dizer que o conhecimento
derrubou os muros que cercavam a ele próprio.
Conhecimento gera conhecimento. A África é o
lanterna dos continentes por ser o menor
produtor/detentor de conhecimento. Quando Hegel
diz que um indivíduo não consegue ser maior do
que o seu período histórico permite ser apenas está
referendando que em cada etapa do
desenvolvimento da humanidade a noosfera está
13
num determinado grau de desenvoltura. E quando
Marx diz que os homens fazem a História, mas não
a fazem como querem apenas está dizendo que
somos brindados e condenados com um
determinado tipo de conhecimento. O
conhecimento não é valoroso apenas por aquilo
que ele diz explicitamente, mas muito mais pelo
que ele autoriza inferir. Inferência é peça chave na
consecução de vitórias teóricas e práticas. O poder
heurístico é a marca do conhecimento de boa
qualidade. Marx fala que o homem é um feixe de
relações sociais, mas o que flui nos
relacionamentos não é outra coisa senão
conhecimento. Marx diz nas Teses sobre
Feuerbach que não importa interpretar o mundo de
várias maneiras, é preciso transformá-lo. Ora, o que
transforma o mundo é o conhecimento. Nenhuma
revolução sangrenta conseguiu produzir a menor
das partes das revoluções engendradas por novas
formas de conhecimento. E neste sentido também o
marxismo deve ser considerado uma forma de
conhecimento. Não é a mudança econômica que é
14
o motor da História, mas é a mudança do
paradigma de conhecimento que faz a engrenagem
do mundo girar. A raiz do homem é o conhecimento
que ele tem de si e do seu entorno. A característica
de toda nova forma de conhecimento que surge – e
o marxismo está dentro disso – é que ela vê a si
mesma não como uma forma transitória de
cognição do real, mas como o modelo definitivo e
absoluto. O homem faz o conhecimento e o
conhecimento faz o homem. O conhecimento é
histórico porque é humano e tudo o que é humano
é histórico. A filosofia é transtemporal à medida que
não se apresenta como um conhecimento, mas
como o conhecimento acerca do conhecimento. O
homem produziu várias teorias para explicar muita
coisa, mas nunca elaborou uma filosofia da história
tomando o próprio conhecimento como o fator
desencadeante dos vários modos de pensamento e
de tudo o mais que existe. O mérito do
gnosiologismo histórico é colocar o conhecimento
no seu devido lugar, no centro. E tudo o mais é
periférico. O conhecimento sempre foi visto como
15
um fenômeno girando em torno de uma série de
realidades, mas ele é o cerne e não o acidente. O
conhecimento não é a busca da essência, mas ele
próprio é o numenon. O gnosiologismo histórico é o
insight em que o conhecimento deixa de tomar
consciência de realidades várias para tomar
consciência de si mesmo. O conhecimento não é o
regrado, é o regrador. O Marx do século XIX foi o
Marx do trabalho, mas Cléverson Israel Minikovsky,
o novo Marx, prima pelo conhecimento antes de
qualquer coisa, antes mesmo do trabalho e de suas
relações. Trabalho gera conhecimento, mas
conhecimento gera muitíssimo trabalho. Num
mundo em que a cada seis meses são lançadas na
rede mais informações do que tudo aquilo que a
humanidade produziu desde que ela existe não dá
para continuar colocando a tônica no trabalho. Sem
dúvida, as sociedades de hoje são sociedades do
trabalho, mas muito antes disso o são sociedades
do conhecimento. A comunidade produtora de
conhecimento é como o leme de um navio que dá
direção a toda nave social e o que ela abarca. Toda
16
a mão-de-obra é conduzida pela cabeça-de-obra.
Globalização é acima de tudo globalização de
conhecimento e não de capitais financeiros. O
conhecimento, no fundo, é o milagre grego do
despertar filosófico, que continua reverberando até
nossos dias. O conhecimento nasce em umas
poucas cabeças iluminadas e agora toma conta de
todos, tornando as razões mais fracas nas mais
fortes. O conhecimento é a última grande onda
depois da revolução agrícola e depois da revolução
industrial. Não é o desenvolvimento das forças
produtivas por si só – embora isto faça parte – que
cria as condições para uma nova sociedade, pelo
contrário, é a difusão do conhecimento que
engendrará a mais organizada, a mais democrática
e a mais justa das sociedades possíveis.
Viveremos, graças ao conhecimento, no melhor dos
mundos possíveis. Temos de apostar no
desenvolvimento das forças intelectuais. A tração
das sociedades é o conhecimento que elas
produzem. O conhecimento, ao lado da força de
trabalho, mas bem mais do que ela, é uma
17
mercadoria que tem a peculiar característica de
engrandecer seu próprio valor. Um país com alta
taxa de exploração de mão-de-obra e pouco
conhecimento produz menor excedente do que um
país com baixa taxa de exploração de mão-de-obra
e bastante conhecimento. Se o conhecimento
estiver muito abaixo da média geral, num
determinado ramo de atividade, por maior que seja
a exploração de mão-de-obra, ela dará prejuízo.
Porque a mão-de-obra sempre e necessariamente
carece ser potencializada pelo capital inteligente
corporificado na técnica e na burocracia. Isto vale
para os dias atuais e para os dias de Marx de igual
forma. Quanto mais o homem se aplica ao
conhecimento tem a impressão de menos saber. A
zona lindeira entre o saber e o não saber fica cada
vez mais extensa. O conhecimento, ao invés de
resolver problemas, cria novos problemas e muda
os velhos de lugar. Se a religião é o ópio do povo, o
marxismo é o ópio dos intelectuais. Marx é mais
conhecido e lido pelos burgueses do que pelos
proletários. O conhecimento segregado a um grupo
18
restrito é a causa de todos os fetiches e de todas
reificações. O conhecimento é algo essencialmente
supraclassial. A tensão entre campo e cidade não é
só geográfica, mas também uma questão de
conhecimento. O Estado é o monopolizador da
certificação do conhecimento e é ele quem diz o
que é e o que não é oficial. Darwin enunciou uma
das maiores regras para a compreensão do
conhecimento: é necessário que o indivíduo tenha
aptidão intelectual e que o sujeito cognoscente se
adeque às mudanças de conceito. É impossível
uma sociedade sem classes, o nível de
conhecimento entre os indivíduos sempre será
outro. O homem total de Marx é uma ilusão, sendo
mais realisto o conceito de consciência infeliz de
Hegel. A burguesia foi revolucionária e continua
sendo revolucionária. E ela toma toda sua força do
iluminismo. Na universidade dos dias de hoje o
aluno é um repetidor. Não se fomenta a criatividade
teórica. Os doutores que estão encastelados nas
universidades precisam ser incomodados.
Lembrando que “incomodar” significa tirar do lugar
19
comum. Por mais que o cabedal coletivo de
conhecimento cresça, ele sempre terá uma
dimensão sélfica. Se negridade é jeito de ser e
negritude é a identidade dentro da negridade,
intelectividade também é jeito de ser e intelectude é
a identidade e individuação dentro da
intelectividade. Lembrando que identidade nós
identificamos e personalidade nós construímos. O
capitalismo propicia ao máximo a criação de
conhecimento, o que prepara campo para o
socialismo, ou seja, a propriedade coletiva do
conhecimento. Nenhuma ditadura é boa para o
conhecimento, nem a ditadura dos sábios e não
merece sequer comentário a ditadura do
proletariado. O socialismo tal como Marx o
concebeu é um empecilho à honestidade científica.
Marx tinha compromisso moral para com a classe
trabalhadora e isto vicia todos seus escritos. A
humanidade não pensou nem a milésima parte de
tudo o que ainda será pensado. Marx achava que a
base material estava próxima para receber a
sociedade vindoura. Mas o conhecimento não. A
20
humanidade precisará produzir ainda muitíssimo
conhecimento para chegar ao modelo ideal. O
conhecimento nasce como know how. O homem
construiu o primeiro conhecimento para poder
manter a si mesmo. O conhecimento é esta ruptura:
eu deixo de simplesmente me apropriar do que a
natureza me oferece para transformar o original em
algo derivado. Conhecer é transformar. A filosofia é
o conhecimento mais elevado justamente porque é
o mais abstrato: ela serve de diretriz para o
comportamento que é a inteligência nevrálgica
contenedora de uma infinidade de atos isolados e
concatenados. Talvez uma das perguntas que
poderiam ser feitas é “por que os indivíduos não se
empenham mais em produzir conhecimento se tudo
depende do conhecimento?”. Simples: porque é
muito mais fácil se apropriar do conhecimento
alheio. O que recomendo eu? Cientistas e
intelectuais de todo o conhecimento uni-vos? Não,
porque para o conhecimento progredir ele precisa
estar dividido. Ainda que o conhecimento seja um
tipo de unanimidade. O mundo muda quando o
21
conhecimento muda de mãos. Porque ainda que
um grupo seja o monopolizador de uma categoria
de meios de produção, um novo conhecimento
pode pôr em circulação algo mais sofisticado e
sucatear aquilo que era objeto de exclusividade. O
conhecimento esbarra em fatores limitantes como,
por exemplo, a falta de estrutura do Estado. É
assim que o jurista ficou reduzido a mero operador
jurídico e o neocausídico que desenvolve em suas
petições teses arrojadíssimas vê o processo
naufragar porque há um enorme descompasso
entre a mão de obra da judicatura e a advocatícia.
Um tem serviço demais e outro não tem quem lhe
atenda. Com a proliferação de bacharelados
voltados ao magistério houve uma proletarização
dos professores. Algo semelhante está a acontecer
com contabilistas e advogados. É que certos ramos
de conhecimento se propalaram demasiadamente.
22
GnosGnosGnosGnosiiiiologia Suficienteologia Suficienteologia Suficienteologia Suficiente Mariano Soltys
O conhecimento se sustenta por si mesmo. Vemos
que ele tem sim importância existencial, e que
envolve muitas áreas da vida, sendo essencial a
fases históricas da humanidade. Existe mesmo uma
evolução do conhecimento, e isso nos leva a
determinado saber em cada época histórica. Ou
seja, cada éon tem o seu conhecimento, e seu rol
de importâncias. Passamos por períodos agrícolas
e industriais de sobrevivência, e agora temos o
próprio conhecimento como garantidos de uma
qualidade de vida maior. O conhecimento filosófico
nasceu de uma física e partiu a metafísica,
chegando por fim numa síntese de ambas. Em
sociedades primitivas notamos esse conhecimento
marcado em sua arquitetura, e mesmo nos escritos
que nos deixaram. Mesmo sendo questionável a
23
história presente nesses antigos escritos
cuneiformes, resta porém a informação que o
conhecimento adquirido em determinada civilização
que deu origem ao que ela foi realmente. Antes de
transformar a sociedade, é preciso ter o
conhecimento. Observamos assim que o que se
tem por religião não é nada mais que a repetição do
conhecimento dos mistérios, dado por um adepto
ou mestre, mas que não é e nem poderia ser dado
a todos os discípulos. Esse conhecimento é
experiência e depende de evolução de cada um
para acessá-lo. Mas por outro lado, se deixou
símbolos para a maior parte das pessoas, e isso
lhes dá um elemento teleológico ao conhecimento,
a fim de que por fim encontrem a metanarrativa do
mestre. Para tanto, o conhecimento é a chave para
os diversos problemas humanos, e para mais que
seu sustento, para sua qualidade de vida e
felicidade.
O conhecimento leva a realidade, justamente
porque o conhecimento é realidade. Não se pode,
deste modo, dizer que certo conhecimento se trata
24
de mera fraseologia ou fantasia. Pois existe uma
realidade interna, e qualquer realidade externa
necessita dessa primeira para se sustentar. O que
temos porém, é que devemos antes fundar um
conhecimento material e empírico, para depois
estarmos preparados ao atinente ao espírito. O
conhecimento assim involui e evolui. Essa evolução
se dá por passos dentro de um eon, quando se
acessa intuitivamente o Todo e a mônada, da qual
se veio de forma seminal. As estrelas são assim os
melhores professores, e as energias provenientes
do Cosmos nos dão o conhecimento. Cada pessoa
terá uma forma de conhecimento compatível a sua
natureza. O conhecimento filosófico levou em conta
muito a idiossincrasia de cada pensador, e vemos
essa práxis refletida na sociedade grega, e mesmo
depois na romana e noutras. Quando a
humanidade necessitava de uma metanarrativa
dogmática, esta teve ao seu dispor. Quando
necessita de uma metanarrativa caótica, assim é
alimentada por essa. O conhecimento é a própria
realidade, e a forma como vemos a realidade.
25
Sabemos que isso envolve uma idiossincrasia, pois
uns filósofos viram esse conhecimento na água,
outros no fogo, outros em Apeiron, outros na
produção, e assim por diante. Percebemos que isso
já passou por alguns pilares de fundamento, como
Sócrates, Platão, Aristóteles, Tomás, Descartes,
Hegel e Marx. Isso nos revela que existe uma
história do próprio conhecimento, e que a história
que nos interessa é essa, pois é a lente de cada
momento e sua cosmovisão. Se a realidade é o
mundo das ideias, ou apenas a matéria real
percebida pelos sentidos, isso pouco importará. O
que importa é que o conhecimento adquirido em
qualquer meio, mesmo que por mera criatividade,
se traduz em tecnologia, produção, bem estar e
uma melhor condição existencial. O conhecimento
que leva a produção, e não a produção ao
conhecimento.
O que melhora os homens é seu conhecimento. A
sua vontade individual supera o comunismo de
ideias. Assim cada um é respeitado em sua
dignidade. O conhecimento do ser é mais
26
importante que sua produção. Pois retornamos
hodiernamente ao conhecimento por antonomásia.
Assim, como em cada seis meses lançamos mais
informação na rede mundial de computadores do
que toda a história por outros meios, também temos
em nosso ser mais conhecimento à disposição. As
ideias podem não produzir nada a não o próprio
desenvolvimento do espírito. O intelecto não
necessita produzir, pois é produção por si mesmo.
E mesmo que não signifique diretamente aquisição
de propriedade de bens, na verdade descobre a
verdadeira propriedade privada, que é o próprio
conhecimento. Pois o conhecimento capacita para
a aquisição de propriedade, e não a propriedade
que leva ao conhecimento. As pessoas são
independentemente de sua produção, uma vez que
é o conhecimento que faz quem são. Uma vez que
foi justamente o pensamento que garantiu a
sobrevivência humana. Pensar foi o que levou a
estratégia de caça, a semear alimentos e
armazenar, a produzir mais com menos esforço na
indústria, e assim por diante. Nenhuma revolução
27
ocorrerá antes da crítica, nem progresso sem
conhecimento. O ser está destinado a conhecer, e
desde seu nascimento ele procura o que é novo a
si mesmo. Não é assim um ser produzido, nem está
em classe determinada, mas é um ser de natureza
cognoscente. Dentro de cada período histórico
então ele conhece de modo a se desenvolver de
acordo com a energia estelar do mesmo, em
sintonia com a natureza e o Cosmos, ou de modo
que faça o que está destinado a fazer.
Para a pessoa o subjetivo é real. Não se trata de
mera fantasia, e menos ainda de algo inútil. Seu
conhecimento então não é descartado, e sempre
tem alguma importância. Por outro lado, parece que
o materialismo é uma ideologia de massa, haja
vista ter-se a noção de que compreende o mundo
de forma grosseira, unicamente pelo trabalho
braçal. Fato é que mesmo os trabalhadores mais
humildes buscam o conhecimento, e pelo
conhecimento têm poder. Sua força de trabalho
apenas traduz a força desse conhecimento. Assim
a mão-de-obra está incorporada a técnica, e esta
28
tem grande importância, segundo o que já foi falado
na obra A Iniciativa. Não se trata de uma
exploração do capital pelo trabalho, mas pelo
conhecimento. Uma vez que a base do trabalho é a
busca desse fator. A massa está então instruída. E
a revolução se dá pelo conhecimento, não apenas
pelo trabalho bruto. Uma vez que a humanidade
começou a evoluir quando usou desse trabalho
pela força dos animais e das máquinas.
Conhecendo a força e energia do animal, o homem
usou deste pelo seu conhecimento, economizando
energia. Usando da força das máquinas, o homem
usou das mesmas para produzir mais. O mesmo se
diga da informática, e do conhecimento em-si. Uma
vez que o ser humano evolui, o mesmo vai até a
ciência, em fases que já transitaram por momento
Mitológico e Teológico, como observou Augusto
Comte. Porém ainda estamos envoltos do estágio
filosófico, uma vez que é o suprassumo do
conhecimento. E a filosofia supera a ciência,
porque é a ciência das ciências. Para tanto, não há
que se falar em um ser humano trabalhador
29
anencéfalo, ou de um homúnculo nas mãos dos
donos dos meios de produção, porque o próprio
trabalhador se torna esse dono dos meios, mas dos
meios de conhecimento, que levam a
perfectibilização da produção.
É o conhecimento que torna algo objetivo, não a
matéria. Na verdade, esta é uma probabilidade,
como já provou a mecânica quântica. Desta feita, é
o conhecimento que constrói a realidade e interage
com esta. Na medida em que as partículas não
quase caóticas, não há que se falar em um homem
apenas sujeito a matéria. Mesmo porque as coisas
estão em constante transformação. Como já
pensou Heráclito, vemos que há um devir
constante. Assim o conhecimento também está em
constante mudança e transformação. Sem esse
conhecimento, fica o homem em plena confusão.
Esse caos ordenado exige uma compreensão cada
vez maior. E na nossa era da informação, vemos
que a rede mundial de computadores coloca uma
panlogia a nossa disposição, sabemos que temos
onde buscar algo, espécie de memória coletiva da
30
humanidade. Então cada vez vemos menos matéria
nas coisas. Essa virtualização coloca cada vez
mais o império do conhecimento em seu devido
lugar. Assim existem vários níveis de consciência
do que entendemos por real. A matéria é essencial,
mas não parece ser por si só a base de todo saber.
Mesmo porque temos na lógica e na matemática
bens cada vez mais valorosos. Das suposições já
fizemos viagens espaciais, descobrimos curas para
doenças, vacinas e muitas coisas. Isso mostra que
o ser humano leva em sua gnoseologia um contato
com o mundo das ideias ou formas. O
conhecimento como mostrou Minikovsky, é então
um númeno. Superamos os animais quando
ficamos sujeitos ao mundo que construímos, mais
do que o mundo em que vivemos. É a ilusão da
separação que faz com que conheçamos os objetos
como exteriores, e nos afastemos da Grande
Unidade. Para tanto, quando pensamos na matéria,
sabemos que sua interação se revela uma rede e
um holismo que está em nós, em nossa vontade e
conhecimento. A harmonia e equilíbrio que leva a
31
maior produção está em se conhecer mais, e em se
entender de modo a superar as angústias e
barreiras da existência. Vivemos assim além das
meras coisas materiais, porque temos talvez todas
as coisas dentro de nós, em nossa alma.
É o espírito que leva ao mundo objetivo, e não este
que leva ao espírito. O conhecimento é algo que
funda o ser humano. É ele que transforma e
revoluciona. Vemos com o crescimento do acesso
ao ensino superior e uma diversidade de cursos e
concursos, que cada vez mais se busca uma
gnosiocracia. O Estado tem de assim em buscar
uma meritocracia, levando o conhecimento e a
ciência no foco de seus gestores. A sociedade tem
de antes colocar o conhecimento como padrão
monetário. Pois é ele que vai levar ao progresso e a
evolução. Uma vez sendo esse mesmo
conhecimento a única propriedade privada. E isso
que leva a maior produção e a superação daquelas
classes e sistemas de pouco tom democrático. Isso
não se trata de uma igualdade forçada e de uma
destruição da individualidade. Pelo contrário, se
32
deve estimular ao conhecimento de cada um, ao
seu gênio. Para tanto, o Estado deve ter em seu
poder pessoas de sabedoria, bem como levar em
conta a produção gnoseológica para a humanidade,
antes de se vender a interesses monetários.
Também o monetário tem de verificar sua real
origem, que foi do conhecimento. Nada mais justo
que se profissionalizar o filósofo, este com cargo de
honra junto ao mesmo Estado, sem necessidade de
qualquer outra atividade. A divisão dos poderes foi
antes uma divisão de conhecimentos. Pois é o
conhecimento que leva ao poder, e não o poder
que se sustenta por si mesmo. Seja o
conhecimento popular (câmara baixa), seja o
conhecimento elitizado (câmara alta), seja do
conhecimento do executivo, legislativo ou judiciário,
tudo se resume a conhecimento. O mesmo ocorre
com a burguesia e o proletariado, uma vez que são
apenas formas diferentes de conhecimento. Não é
apenas o dono dos meios de produção, mas o dono
dos meios de conhecimento. E esse saber é uma
busca, não uma mera aquisição herdada. Não há
33
oligarquia do conhecimento, mas sim uma
democracia. Também não há um comunismo, uma
vez que a revolução já está no conhecer, e não em
qualquer fim da propriedade privada. Porque a
propriedade privada é o conhecimento, como já
falei. Para tanto, o Estado deve se organizar a fim
de garantir o conhecimento e sua busca a todos,
em todos os níveis, mesmo até pós-doutorado ou a
um estudo vitalício e gratuito.
O homem é natural, mas a natureza implica
também uma dimensão ideal e espiritual, mais
ampla. Disso resulta da importância da metafísica e
da religião. Sabemos que grande parte das
pessoas busca esse conhecimento da fé. Já
pensadores como Anselmo e Agostinho de Hipona
nos fizeram pensar do conhecimento dessa fé.
Também pensamos na fé do conhecimento. A fé do
conhecimento nos leva a pensar naquele impulso
desesperador que é buscar a saída de um labirinto
existencial, e sabemos que o simples material não
pode muitas vezes garantir isso. Não basta ser o
dono dos meios de produção para se tornar
34
eternamente feliz e saudável. Quando percebemos
que há males incuráveis, e que apenas um
conhecimento superior os leva a superar, sabemos
que nem tudo pode ser comprado. A fé do
conhecimento nos leva a pensar nesse
conhecimento como um remédio universal. Porque
o conhecimento leva a se perceber a origem dos
males existenciais, e que isso não se resolve
apenas com boa economia. Muitas vezes o dinheiro
não pode comprar a cura de um mal, e sim o
avanço no conhecimento da medicina e terapêutico
que vai levar a esse desiderato. Agostinho
percebeu isso e essa era uma arma contra os
pagãos. O simples sucesso material não era uma
resposta plena a existência. Assim, mesmo o
humano sendo natural, resta que ele carrega
consigo uma dimensão subconsciente e espiritual,
que o leva a conhecimentos que superam a mera
corporeidade. Isso não o faz anular a realidade
material, mas a transforma com uma espécie de
alquimia, onde o que era limitado, ganha um
sentido maior. Esse sentido se mostra pelo
35
conhecimento, que fez o homem sair de sua
condição selvagem e evoluir. A religiosidade
ofereceu leis e uma ética. Para tanto, a filosofia
tirou o essencial dessa ética. Sem essa fé, e uma fé
no conhecimento, baseada em experiências
anteriores de tribos e civilizações, não se poderia
viver em sociedade. O conhecimento foi assim uma
chave para que fossem superados antigos abusos,
bem como uma possibilidade de se ampliar a
qualidade de vida. Isso não se tratou de
consequência de mera produção, ou abundância
em agricultura, mas de um conhecimento que levou
até esse progresso. A fé do conhecimento levou o
homem a através de Deus, superar aquelas antigas
muralhas das dificuldades materiais. Há assim um
outro sentido na vida, que meramente produzir e
sobreviver. O materialista deseja dar pouco ou
nenhum valor a religião e espiritualidade, mas não
pode negar que esse foi talvez o primeiro
conhecimento elaborado, e essencial a
humanidade. Também não é momento histórico do
passado que se pode descartar, mas algo que
36
também evolui na compreensão, até hoje. Desse
modo, a fé no conhecimento e o conhecimento da
fé são ainda essenciais.
O conhecimento de dominação é aquele que está
de uma certa forma hermético. Assim ocorreu com
as teorias de inconsciente de Freud, com o
inconsciente coletivo de Jung e com a percepção
extrassensorial de Rhine. Vemos assim que desde
a prática da hipnose, como era praticada já em
medicina por Breuer, há a busca de um
conhecimento que está oculto de nós mesmos. Um
conhecimento invisível e não pensado, ao menos
de forma consciente. Para tanto, vemos em
doutrinas como a do subconsciente, algo que nos
mostra um conhecimento no limbo, que ao mesmo
tempo é conhecer e não-conhecer. Tal forma de
conhecimento dificulta a manipulação, haja vista
estar em faixas profundas da mente. Não se trata
de algo tão epidérmico, mas mais algo energético e
sutil. Para tanto, na medida em que evoluirmos nas
ciências da mente, teremos uma grande economia
e maior produtividade. É mais uma vez o
37
conhecimento que colabora com a técnica, e esta
que se torna economicamente viável. Isso levará a
uma maior qualidade de vida e produção, mesmo
em um ócio criativo. Pelo conhecimento da
sublimação e do potencial humano, seja do uso de
suas forças energéticas, seja pelo treino mental,
pode-se ter uma produção satisfatória. Com o
advento da tecnologia e do superconhecimento que
temos na rede mundial de computadores, cada vez
mais o humano age de forma inconsciente e até
subconsciente. Isso possibilita ter respostas
intuitivas a problemas, e vencer crises econômicas
ou industriais com essas habilidades, talvez pouco
estudadas. O conhecimento de si mesmo e o uso
de novas competências advindas do saber
filosófico, ou mesmo das doutrinas da mente que
vêm surgindo ao longo das décadas, levará a
aperfeiçoar a produção e a modos cada vez mais
democráticos de distribuição de renda. Mesmo a
gestão estatal ou até industrial ficará mais
igualitária, e assim cada trabalhador poderá
participar das decisões que antes eram exclusivas
38
do patrão. O homem trabalha cada vez mais de
forma automática, e vive mais. Vivendo mais, leva a
sua experiência de trabalho para cada vez mais
pessoas, encontrando uma eficiência maior. Isso
configura um planejamento estratégico que leva em
conta as partes mais profundas da mente, seja com
intuição, telepatia, premonição e tudo que está ao
dispor desse colaborador, que pode assim possuir
uma renda mais condizente com o seu
conhecimento. O saber leva a uma outra face das
coisas, e assim ele será o principal mercado em um
tempo futuro.
A coletividade serve apenas ao bem individual, uma
vez que é uma união de bens individuais. Cada um
se relaciona assim com sua metanarrativa, de
modo que por fim se levará em conta a
metanarrativa do mais sábio. Para tanto, vemos
que não há um grupo que apenas por possuir
meios de produção domina, mas há aquele que se
apropria da ideia central de uma era histórica. As
ideias podem não produzir nada a não ser o próprio
desenvolvimento do espírito. Então, os homens não
39
são apenas condicionados pela produção, mas pela
sua verdadeira natureza e vontade. E os homens
têm histórias porque eles conhecem História. Cada
vez vemos que existe uma história individual, e que
há uma coletiva, e que uma não anula a outra.
Sabemos que a História é a História do
conhecimento. Chegamos assim no ápice da
História, por conhecermos em quantidade mais do
que gerações e eras anteriores, até onde sabemos.
O mundo virtual tirou a limitação de nosso
conhecimento, e as limitações especiais também
não mais existem. Podem-se pesquisar arquivos
digitalizados de qualquer local do mundo, acessar
bibliotecas, acompanhar ao vivo rebeliões, mesmo
à grande distância. Cada vez mais entramos numa
crítica da razão cibernética. Nosso tempo então
gera algo que se pode arquivar eletronicamente, e
deixar a posteridade. A tecnologia potencializou as
coisas e trouxe de forma miniaturizada o que antes
era da proporção de um estádio. Se realiza cálculos
complexíssimos com uma velocidade arrepiante.
Vemos que o conhecimento colocou a produção em
40
outro patamar, e que ela que serviu de base a
economia. Não é a máquina, mas sim uma ideia
que ganha cada vez mais valor. E isso se deve
levar em conta uma era histórica, e uma história
que cada vez é mais compreendida de forma ativa,
não como mero expectador. A manipulação da
natureza é tanta que dentre logo superaremos
muitos males, e teremos uma expectativa de vida
sobremaneira ampliada. E a história tende a se
repetir em potencialidade, e dá suas lições a cada
tempo, o que pode ser usado de forma sábia, a fim
de se utilizar das coisas seu favor.
Vemos pelo exposto que a gnosiologia é suficiente,
que é autossuficiente, uma vez que não depende
de poder ou dinheiro para se sustentar, mas que o
conhecimento é uma busca existencial, e é ela a
pedra de fundamento das coisas. Não se pode
arquitetar algo sem ideias, e nem em uma
igualdade absoluta ou fim de propriedade garantir
segurança. As pessoas possuem o seu
conhecimento, e é esse que deve ser seu valor, sua
moeda de troca. Cada vez mais vemos que esse
41
conhecimento é buscado por mais pessoas, e que
elas podem por ele conquistar mais bens e
propriedades, e que isso se conquista com muito
trabalho e cerebralidade. Também percebemos que
a indústria, ou mesmo antes o agronegócio, se
aperfeiçoaram pelo conhecimento, e que esse que
ampliou a sua eficiência econômica. Com a era da
informação notamos por fim que cada vez mais
temos uma panlogia, um conhecimento de tudo, e
sem reservas ou exclusões, uma vez que não
desperdiçamos experiências e nem aprendizados.
Conquistamos assim cada vez mais competências
para viver melhor e mais plenamente, numa
existência digna, valorizando cada um, em sua
individualidade e gênio.
42
O capital “constante”O capital “constante”O capital “constante”O capital “constante”
Cléverson Israel Minikovsky
O que Marx chama de capital constante é
absolutamente inconstante e mutante. O que Marx
vê como empecilho à realização de mais-valia na
sua pureza eu vejo como fonte de mais-valia.
Porque todo o capital é variável inclusive a força de
trabalho, mas não somente ela. Se um ramo de
produção funciona como reprodução simples então
a força de trabalho é capital constante. O que Marx
chama de capital constante é a mediação
necessária que se traduz nos meios de produção o
que inclui a natureza, os instrumentos de produção,
a matéria-prima e os materiais acessórios. O capital
inteligente, ou seja, aquela massa de matéria que
encarna o grau de desenvolvimento de uma
civilização é o determinante na criação de valor. O
trabalho é um fenômeno físico mensurável em
joules. E o trabalho não é uma prerrogativa
43
humana. É assim que uma retroescavadeira
gigante em poucas horas faz o trabalho que levaria
meses para ser feito por milhares de homens com
pá e picareta. O conhecimento faz o operador da
retroescavadeira produzir por milhares. E por isso
mesmo a retroescavadeira não pode ser vista como
óbice à realização de mais-valia, mas em primeiro
lugar como a promotora da criação de riqueza. A
riqueza é transformação. Quanto mais
transformação, mais riqueza. Muito trabalho com
pouca transformação é valor escasso, pouco
trabalho humano (compensado pela facilidade da
técnica) e muita transformação é sinônimo de muita
riqueza. O conhecimento é agente de
transformação. Não há economia sem pensamento
produtivo. Pensar é causar. A formação para o
trabalho é o carro-chefe do desenvolvimento de um
país. Um país pobre pode alcançar e ultrapassar
um país rico se o primeiro investir em educação e o
segundo sucatear escolas e universidades.
Capitalismo é feito de conhecimento. E
conhecimento é algo muito amplo. O conhecimento
44
é informação, mas mais que isto, é uma plataforma
que produz cidadão e ser humano. Ele traz consigo
uma frequência mental, uma mentalidade. É assim
que a Revolução Industrial inglesa deve ser
colocada como momento necessário na sequência
Renascença, Reforma Protestante e Revolução
Francesa. Quando Marx via comunidades vivendo
em economia não capitalista dizia ele que faltava a
base material para o capitalismo. O que ele não
percebia é que a base material só é o reflexo da
base intelectual. Em um país superequipado com
pensamento pobre tudo vai à bancarrota, mas num
país com mentes operantes criar as condições
sobre as quais o capital opera é questão de dois
toques. A emersão da Alemanha e do Japão depois
da Segunda Grande Guerra são a prova do quão
rápido um país pode reerguer-se com empenho,
trabalho e intelecção. Marx vislumbrou em primeiro
lugar o direito do trabalhador. Mas nos países em
que se ama mais o trabalho e a responsabilidade
mais do que o direito laboral a tendência é a alta
dos salários, inclusive daqueles menos
45
qualificados. Muito errada é a teoria de Marx sobre
o salário. O que manda no salário são duas coisas:
a lei da oferta e da procura e o marco legal. De
formas que nos contratos clandestinos o que é
pago a um trabalhador individualmente é
insuficiente para a sua manutenção e dos seus
dependentes. O que manda no valor do salário de
um trabalhador é a sua raridade aliada ao seu
preparo intelectual. Pois ainda que um saber seja
estratégico se há um excesso que a ele se dedica
ele terá pouco valor. A análise de Weber sobre a
influência de algo ideal como a religião sobre a
expansão ou consolidação do sistema capitalista é
a grande prova de que qualquer sistema de ideias
pode gera riqueza desde que seja comprometedor
ou impregnante como o discurso religioso. O
próprio milagre grego do século VI a. C. é resultado
de uma espécie de iluminismo da Antiguidade. A
sociedade grega torna-se próspera por romper com
a mitologia. Da mesma forma que séculos depois a
sociedade europeia iria atingir a maturidade por
romper de alguma forma com o catolicismo. Confiar
46
mais no próprio intelecto do que na autoridade
religiosa gera espírito de independência. Condição
necessária para desencadear iniciativa privada e
empreendedorismo. Marx disse que não se deve
defender liberdade religiosa, mas que o homem
precisa se libertar da religião. Não procede o
argumento. O homem é um ser essencialmente
religioso, ainda que sua religião seja o cientificismo,
o marxismo ou o ceticismo. A liberdade religiosa é
apenas uma parcela da liberdade de pensamento e
expressão. A teoria econômica de Marx é uma
fraude. Ela é absolutamente parcial.
Aprioristicamente seleciona a força de trabalho do
trabalhador como fonte do valor e pressupõe aquilo
que deveria demonstrar. O valor emerge da
totalidade do conjunto e não é faculdade exclusiva
de nenhum elemento da cadeia produtiva ainda que
ela absolutamente inexista sem o capital humano.
Os pilares da economia são natureza, trabalho,
capital e inteligência. Se faltar qualquer um dos
quatro o lucro torna-se irrealizável. Ou, como quer
Marx, a mais-valia torna-se irrealizável. O demérito
47
do marxismo é tirar do ser humano sua
responsabilidade. Sartre é mil vezes mais coerente
do que Marx. Porque para Sartre, se Deus não
existe, tudo depende de nós. Para Marx, não, a
culpa não é nem dos capitalistas, mas das
estruturas. Sataniza-se sabe Deus o quê! O
marxismo é uma teologia sem satanás. Todos e
ninguém é culpado. Enquanto que no cristianismo o
justo morre na cruz o marxismo prega na cruz seu
inimigo, mau e perverso, que é uma enteléquia.
Marx não se dá conta, mesmo sendo genuinamente
judeu, de que todos os dias de nossa vida há um
exército em nossa retaguarda e o Mar Vermelho
diante de nós. O que fazer? Revolução? Política?
Murmurar? Nada disso, apenas marchar. Mas Marx
quer o céu aqui e agora, ele não reconhece que o
deserto é inevitável. Numa coisa Marx está certo:
na ideia de beligerância. Mas ele luta contra o
inimigo errado. Temos de lutar contra nós mesmos,
contra nossa natureza carregada de instintos. O
inimigo não está fora, mas dentro de nós. A vida é
uma luta. Mas é a própria dialética que ensina que
48
a antítese é o não eu que em última instância saiu
do próprio eu em si. Temos como grande desafio a
aceitação de nós mesmos. Não é fácil para o
homem aceitar sua natureza decaída. Sendo
limitados gostaríamos de ser ilimitados. O que
escrevo não é aceito pelos filósofos da linguagem,
pois eu estaria trabalhando com uma linguagem
enfeitiçada. Mas um padrão de linguagem só pode
ser abalado por um discurso que sintonize no
mesmo dial. Os lutadores precisam lutar com
paridade de armas. O conceito de mais-valia é tão
ruim quanto o de inconsciente. Mais-valia é
inconsciente foram diabólicas expressões que
cunhamos para poder em cima delas erigir nossos
pretextos. Quando Freud fala em inconsciente está
apenas constatando que a humanidade de seu
tempo estava carente de conhecimento. Enfim,
Freud fala do não-conhecimento. E ignorância se
combate com conhecimento. Estás neurótico? Leia
um livro, pesquise, escreva, esforce-se para
compreender. O impotente que procura um
psicanalista é como alguém que entrega o relógio
49
do seu pulso a um guru e sempre pergunte a ele
que horas são. Faz sentido? Não, não faz sentido
algum. Um autor que une catolicismo, marxismo e
psicanálise tem tudo para ser um fenômeno
editorial. Longe de mim vender-me em troca do vil
metal. O filósofo tem compromisso com a verdade e
não com a boa vizinhança. O que acontecerá a este
escrito? Será lançado à crítica roedora dos ratos?
Sim, é isto mesmo. Porque o Brasil é uma pátria de
vendidos. Valoriza o estrangeiro e a prata da casa é
desprezada. Só num terra muito medíocre é que
tanto se insiste na famigerada “humildade
científica”. Vá para os diabos a tal humildade. Eu
quero ser um pensador e não um monge. Porque
os alemães podem escrever obras com títulos
pomposos como O Capital ou O Anticristo e nós
precisamos ser sempre os humildezinhos, os
infantis, os que repetem mas não pensam nada por
si mesmos? O Brasil é e continuará sendo uma
nação de crianças enquanto não alcançar a
maturidade do pensamento filosófico. A
característica do pensamento filosófico é que
50
embora ele se insira numa tradição, é original e
pioneiro. Ele abarca a totalidade e é exauriente. Ele
não pede licença, não se curva aos poderosos, tem
aversão à humildade e a nada se incardina a não
ser à sua própria ideologia. O que a civilização
grega fez há 2.400 anos o Brasil, passados
quinhentos anos, não conseguiu fazer. Até quando?
Só chegaremos à maturidade filosófica quando o
letrado for a regra e o analfabeto funcional a
exceção. É a procura que gera a oferta. Se o leitor
brasileiro buscasse um pensamento filosófico
brasileiro sobrariam filósofos em todos os rincões.
Mas a decadência da conversação, da audição e da
visão tem prevalecido sobre o discurso solene.
Voltemos à famigerada “humildade científica”.
Cientificamente falando a palavra “humildade” é
uma palavra vazia de sentido e absolutamente
inútil. Ou bem se é um cientista ou bem se é um
humilde. Não é possível viver ambas as dimensões
ao mesmo tempo. Eu optei por ser cientista. O
marxismo é a grande teoria que invalida a si
mesmo. Como pode pretender o marxismo ser uma
51
crítica à sociedade capitalista se a superestrutura é
reflexo e confirmação da infraestrutura? O que
Marx põe em movimento é antípoda da sua
epistemologia. O marxismo é uma contradição
performativa. Ele diz exatamente sobre aquilo de
que não se pode falar segundo ele mesmo. Para
Marx o pensamento é resultado, mas ao fazer esta
afirmação pose de figurão e de livre-pensador. Para
Marx elaborar sua visão de mundo ele escreve
como se estivesse em outro planeta. É como se ele
dissesse que a visão dele é totalizante, mas ele
próprio fica de fora de sua visão de mundo. O que
seria Marx? Um burguês? Um proletário? Nada
disso, ele foi um guru, um ser avesso às estruturas
capitalistas. Marx foi uma mosca branca quando
sua teoria dizia que todas as moscas deveriam ser
pretas. Como pensar a um só tempo em dialética e
sociedade comunista duradoura? É como digo, o
marxismo é autofágico. Como falar em “homem
total” e negar a religião? O marxismo é muito mais
alienante do que o capitalismo. Porque o marxismo
faz o homem se sentir explorado e mal consigo
52
mesmo. A consciência de classe é fator de
rebaixamento da autoestima. Ninguém é alienado
até descobrir-se nessa situação. Assim como não
havia nudez no paraíso, não obstante a ausência
de indumentária, antes do pecado. O marxismo é
uma mentira que se apresenta como verdade.
Mais-valia é realidade, mas o processo não ocorre
tal como foi teorizado de inteligência do que do
trabalho. Aliás, a evolução do homem consiste cada
vez mais nisso: poupar o corpo e cobrar do
intelecto. Marx é como a parteira que está com o
bebê recém-nascido nas mãos e só fala da morte
do ancião que aguarda aquele que um dia ficará
alquebrado pelos muitos anos. Se a Idade Média
durou mil anos porque o capitalismo iria naufragar
em poucas décadas? A força de trabalho é um
elemento da cadeia produtiva. É certo que se trata
de um elemento especial na medida em que é
dotado de sentimento, afeto, inteligência, desejo,
vontade, família, paradoxos existenciais, aspirações
filosóficas e espirituais. Justamente por esse
elemento ser tudo isso merece tratamento digno e
53
diferenciado. Mas o ser humano evolui quando
sobre seus ombros é posta responsabilidade é não
quando é brindado com paternalismo. O nível de
exploração da sociedade inglesa da época de Marx
sobre a classe trabalhadora é injustificável. Mas isto
é página virada. Hoje as mais altas taxas de
exploração sobre a força de trabalho ocorrem
justamente nos países que se dizem socialistas. Se
eu não estivesse numa democracia capitalista
dificilmente poderia escrever estas páginas ou
aprimorar meu pensamento de modo que venho
fazendo. Marx diz que as ideias dominantes de uma
determinada época são as ideias da respectiva
classe dominante. Em certos tempos e lugares o
marxismo foi o pensamento dominante, mas o
capesinato e o operariado nunca foram a classe
dominante. O socialismo sempre foi um movimento
de elite, de intelectuais. As massas são incapazes
de se autorregular, de se auto-organizar e de
autoarticular-se. Marx transforma a História numa
engrenagem que impreterivelmente caminha para a
sociedade sem classes. Mas o que se viu em todo
54
o mundo foi o socialismo implantar-se à custa de
muita militância e de muito doutrinamento. Em
nenhum lugar do planeta surgiu o socialismo de
forma espontânea. Aliás, se o socialismo realmente
fosse um fenômeno social espontâneo Marx e
Engels nunca teriam escrito n’O Manifesto do
Partido Comunista “proletários de todos os países,
uni-vos!”. O capitalismo de O Capital é o
capitalismo na sua pureza. Mas capitalismo no
mundo empírico nunca é puro, mas sempre
mesclado com outros elementos. E dentre estes
elementos eu destacaria o conhecimento como o
primordial. O capitalismo é filho do cientificismo.
Não parece estar próximo o fim do paradigma
cientificista. A ciência é um fenômeno gnosiológico
que veio para ficar. O que irá acontecer será
mudança dentro do bojo da própria ciência. Isto
significa que continuaremos sendo capitalistas, mas
o que irá ocorrer é mudança dentro do próprio
capitalismo. Ciência e capitalismo são
racionalização e racionamento, respectivamente, de
experiência e de recursos materiais. São faces de
55
uma mesma moeda. Iluminismo aplicado ao estudo
é ciência e Iluminismo aplicado à atividade
produtiva é capitalismo. O socialismo é filho do
Iluminismo conquanto não passe de um capitalismo
de Estado. Assim como os gregos eram filósofos e
o cristianismo forçou um retrocesso à religião
proporcionando uma síntese filosófico-teológica,
assim também somos servos da ciência e haverá
um retrocesso à filosofia e está por vir uma síntese
científico-filosófica. Marx e Engels comparam a
propalação do socialismo com a expansão do
cristianismo. Ora, então eles estão admitindo que
discurso socialista é discurso religioso. Além do
mais, no ano 100 d. C. já se dizia que o cristianismo
estava descaracterizado. Ora, isto já era uma
prévia do lixo que o socialismo iria se tornar nas
mãos de terríveis ditadores. O marxismo se tornou
realidade social, instância de poder, plataforma de
civilização, mas ele nasce em primeiro lugar dentro
do cérebro e do gabinete do senhor Marx. O
socialismo científico é ciência. Sim, ainda que
ciência de má qualidade e hoje completamente
56
obsoleta. O materialismo histórico é uma teoria
científica. E neste sentido o materialismo histórico
solapa a si mesmo. Porque ele diz que tudo
depende do modo como ganhamos a vida, mas
esta própria concepção só vem à lume na cabeça
do cientista social. Marx e Engels utilizaram a
noosfera para dizer que ela não era importante. É
como eu escrever um tratado em língua inglesa
para dizer que a língua inglesa é algo
desimportante. Ou então escrever um compêndio
acerca da inutilidade da grafia. Nesta aporia
metem-se Marx e Engels. O mais incrível de tudo é
que a teoria da pouca valia do conhecimento
redundou em uma série de revoluções em torno do
mundo. As teorias que mais movem o mundo são
as mais contraditórias. É assim que o cristianismo
se expande ordenando amor ao inimigo e o
budismo dizendo que a realidade é uma ilusão. O
ser humano quer e sonha com um conhecimento
profundo da realidade. Ele não busca algo
superficial, mas uma metanarrativa. isto é, um
conjunto de representações de mundo que
57
ultrapasse a película duríssima do fenômeno tal
como se exibe nos lugares-comuns. E o marxismo,
a seu modo, preenche esta lacuna. Quem não tem
religião espiritual tem religião cívica e o marxismo
está dentro disso. No processo de
desencantamento do mundo a própria religião, para
subsistir, precisa se transformar em ciência. E o
kardecismo e o positivismo estão dentro disso. Ou
a religião torna-se ciência ou a ciência torna-se
religião. O judaísmo e o cristianismo são as mais
honestas das religiões: elas deixam claro que sem
o salto da fé não se chega a lugar nenhum. Mas
com as novas religiões e com o marxismo tudo
muda: os princípios basilares das doutrinas são
tomados como postulados científicos
autoevidentes, o que não passa de um artifício que
precisa ser desmascarado. A ciência está mais na
forma do que nos fundamentos. Porque quando o
assunto é fundamento todos os saberes, sejam
teológicos, filosóficos ou científicos estão na areia
movediça. Tudo o que sabemos aprendemos de
trás para frente. Nossas mestras são as
58
consequências. Não conseguimos conhecer algo
pelo começo até chegar no final. Começamos a
perceber o erro ou o acerto quando já é tarde. Daí a
importância de se considerar a experiência alheia
antes que nos arrisquemos. Marx conseguiu ver o
lado ruim do capitalismo, mas jamais vislumbrou
que o remédio recomendado fosse pior do que a
doença. O marxista é alguém que se coloca no
ponto de vista de Marx. Mas não é a humanidade
que tem de se dobrar ao gênio, pelo contrário, o
gênio é um serviçal da humanidade. Por falar nisso,
o erro comum e genérico de todo filósofo, e eu
mesmo estou dentro disso, é tentar trazer o outro
para o meu ponto de vista quando a receita do
sucesso recomenda o contrário: entrar no ponto de
vista do outro e com ele concordar, ajudando-o a
atingir suas metas e não as metas próprias. Qual a
missão do socialismo? Ser governo ou construir
uma sociedade justa? Porque se o critério for a
justiça social é melhor entregar a administração da
coisa pública aos capitalistas civilizados. Digo
civilizados porque devem pensar também no povo e
59
não só no interesse de suas empresas. Não diria
socialistas civilizados porque se se trata de
socialista, automaticamente se trata de algo que
não funciona direito. Precisamos de uma política de
centro. E se o centro é pouco representado isto se
deve em grande medida por faltar uma teoria
desenvolvida focada no centro. O centro é a classe
dos que mais pensam, é a classe média. Mas a
classe média é rotariana, ela é altamente
profissional, mas vê a si mesma como agente de
transformação social calcado no filantropismo.
Como não tem as privações da classe trabalhadora
e nem paixão por dominar como a classe alta limita-
se a ser gestora do Município. Não é fácil ser
teórico da classe média. Porque os seus desafios
são médios. Só uma situação de extremismo dá
conta de produzir uma teoria radical. É neste
sentido que de certa forma o quarto estado tem sua
base teórica mais consistente do que a burguesia.
A teoria é o vapor da panela de pressão. Se não há
pressão interna não há extrusão teórica. A
Inglaterra da Revolução Industrial pode ser
60
comparada a uma grande câmara de compressão.
Com efeito, foi um período de produção teórica sem
antecedentes. Hoje se produz mais teoria do que
no século XIX, mas o que escrevemos hoje ainda
em grande medida é reflexo dos primórdios do
capitalismo e dos impactos mundiais causados
pelas Duas Grandes Guerras. Há gente em cada
esquina pensando, refletindo, meditando e
escrevendo livros. E o grande problema é o
desconhecimento recíproco. As editoras
referenciam poucos autores e tudo gira em torno
deles. Mesmo os autores denominados alternativos
estudam, esquadrinham e decompõem os
clássicos. Não se consegue mudar o eixo da
discussão. Penso que no mundo da noosfera
deveria haver uma troca entre o que é pensado no
centro e o que é pensado na periferia. Os
bastidores da história são muito mais os
silenciadores de muitas vozes do que o microfone
destes ou daqueles. O homem mais revolucionário
do mundo padece vida e morte no anonimato se
não for calçado por fatores extracognitivos. Esta é
61
uma das grandes barreiras relativas da produção
de conhecimento. Mas de acordo com Hegel, Marx
e Engels existe a linha nodal. Dois ou três traços
podem passar desapercebidos. Mas a luz não se
coloca debaixo do alqueire. De que valeria o sal se
não mais salgasse? Assim é a teoria cujo condão é
instigar o ser humano à reflexão. O gnosiologismo
histórico, como toda outra grande teoria, crucifica a
si mesmo pelo paradoxo em que se mete. Ele é
coerente por ser uma teoria que valoriza a teoria,
por ser um conhecimento que valoriza o
conhecimento, mas o conhecimento quase sempre
trata de outra coisa que não o conhecimento. Nada
impede que haja o conhecimento pelo
conhecimento. Mas em função desta
inaplicabilidade prática imediata poucas pessoas
nutririam interesse por tal abstração, razão pela
qual ela deve ser matéria de estudo apenas para
aqueles que estão nos níveis mais elevados. O
gnosiologismo histórico tem os mesmos méritos e
os mesmos defeitos de todos os outros sistemas e
correntes filosóficos. O mérito do gnosiologismo
62
histórico é fazer o que ninguém vinha dando conta
de fazer: captar o espírito do momento. Ao contrário
do que se costuma ensinar nas escolas, no mundo
antigo a escrita era usada por pessoas comuns,
para contratos, cartas e recados e não era
prerrogativa exclusiva de sacerdotes.
Posteriormente, com o arruinamento das estruturas
sociais é que surge a teocracia e, esta sim, iria
monopolizar o conhecimento. O conhecimento,
como a economia que tem crescimento, expansão,
euforia, crise e estagnação, também passa por
reveses. A noosfera, de quando em vez, dá marcha
à ré, ainda que se trate sempre de fenômeno
isolado e não generalizado. A queda do Império
Romano foi a queda do conhecimento militar, a
queda do conhecimento burocrático, a queda do
conhecimento jurídico e filosófico. Ela mostra que
todo processo civilizatório é uma troca. Não é fácil
inculcar latinidade no bárbaro. A velocidade
exagerada da expansão pode pôr a perder toda a
energia do conjunto comprometendo o âmago do
processo civilizatório que no caso em tela,
63
geograficamente falando, era Roma. A sociedade
medieval é esta miscelânea de germanidade e
romanismo que teve como metanarrativa o
cristianismo, maximamente importante no processo
de acomodação social e civilizatório. Toda noosfera
- e isto vale para a religião e para a ciência – tem a
natureza de revolucionar continuamente a vida das
comunidades e de fazer a poeira assentar. É mais
ou menos como agitar uma caixa repleta de detritos
leves que quando disposta em repouso faz todas as
partículas voltarem exatamente para onde estavam.
Marx é o Lutero da economia. Ele mostra que
assim como Roma perde o poder pelo abuso do
poder, o mesmo acontece com os dirigentes do
capitalismo quando se prevalecem de seus
superpoderes. Nisto, exatamente e somente nisto o
marxismo é válido: como modo de mostrar que as
coisas podem ser diferentes. Que o máximo
exercício do poder gera seu antônimo. O Brasil está
passando por um momento de profunda
contradição social. Ao mesmo tempo em que
diversas políticas sociais estão sendo implantadas
64
há um problema que não se resolve e ainda cresce.
É o problema do agigantamento do Estado e do seu
custo. A despesa estatal cresce mais rapidamente
do que o Produto Interno Bruto. É assim que este
modelo faz com que nos Estados Unidos da
América um produto custe um terço do valor real
pelo qual é vendido no Brasil além de o cidadão
ianque ter um salário muito melhor do que o
brasileiro. Esta contradição mostra duas coisas: o
inchamento da máquina pública e a corrupção que
consome divisas da nação. se for para mudar o
estado de coisas pela força do voto precisaremos
melhorar em muito a nossa educação. Numa época
em que para rodar 5.000 jornais a off set não
necessita mais do que 14 minutos somos
autorizados, no mínimo, a deduzir duas coisas: em
primeiro lugar que as máquinas cada vez mais
farão nosso trabalho e que a força de trabalho será
cada vez mais relativizada e, em segundo lugar,
que nunca antes de nós a humanidade conseguiu
levar tão rápido e a tantas pessoas cultura,
informação, ideias, valores, ideologias e todo modo
65
de pensar. Muito conhecimento e pouca força
braçal, este é o nosso tempo. Foi-se o tempo da
mão-de-obra. Vivemos a época da cabeça-de-obra.
E isto é tão real que, por incrível que pareça falta
mão-de-obra. É uma tendência que cria seu
reverso. Todos foram para os bancos universitários
e faltam carpinteiros, pedreiros, encanadores e
eletricistas. Quando há pouco tempo faltava quem
fizesse manutenção de computadores uma
multidão foi para esta área. E hoje são poucos os
prestadores de serviços que conseguem faturar alta
com manutenção de equipamentos de informática.
No lugar da manutenção prevalece o ramo da
compra e venda. Pois quando a máquina fica
avariada prefere-se comprar uma nova do que
consertar a velha. Até porque as tecnologias da
informação são as que mais rapidamente ficam
sucateadas. Como diria Max Weber, o caminho do
homem de conhecimento é ser superado e ficar
para trás. O conhecimento é irônico. Desbanca as
autoridades, volta-se contra si mesmo. Nada
poupa, nada perdoa, tudo revoluciona e tudo
66
transforma. O conhecimento é ígneo, é dinâmico.
Ele não se cansa de se autorreciclar. Há só uma
maneira de conferir durabilidade ao conhecimento:
quando ele se apega às instituições. As instituições
são essencialmente conservadoras. É curioso que
uma teoria revolucionária como o socialismo
científico hoje seja alvo de cuidados conservativos.
Existem vários institutos no mundo que têm como
objetivo a conservação e reprodução do marxismo.
E muitos deles ficam em países capitalistas. O
marxismo apregoou o fim do capitalismo, mas
depende de personalidades jurídicas burguesas
para resistir ao tempo. Que piada, que paradoxo. O
marxismo se tornou exatamente isto: um credo,
uma religião, uma postura filosófica equiparável ao
tomismo ou ao personalismo. As premissas do
marxismo são tão indemonstráveis quanto as
premissas de qualquer outra corrente filosófica ou
quanto as premissas da pior e mais absolutista
religião. Marxismo é credo com aparência de
ciência. O marxismo, assim como a filosofia, nasce
do espanto. Mas enquanto os gregos se
67
espantavam com as contradições do mundo físico,
Marx se espanta com as contradições do mundo
social. E Marx erra na receita justamente porque
erra na abordagem. Marx foi tendencioso e parcial.
Ele finge ser refém de um método lhano e neutro,
mas uma leitura mais profunda mostra que tudo o
que ele escreve é feito de trás para frente. Desde a
primeira linha de O Capital ele já sabia a que
conclusões chegaria. Já disseram isto e eu
endosso: as melhores abordagens marxistas são
abordagens de fracassos. Mas apurar o erro ou sua
causa é coisa grande. Porém, o que se deseja é
chegar à fórmula do sucesso. Dizem os marxistas
que, e Saramago está dentro disso, o marxismo
decepciona porque promete muita coisa e acaba
não cumprindo enquanto que o capitalismo
simplesmente diz: o mundo está aí, vire-se! Ora,
por que é que alguém tem de prometer alguma
coisa para mim? Os Estados capitalistas são os
que menos prometem e mais fazem. O nosso país
só poderá fazer alguma coisa por nós se antes
disso nós fizermos alguma coisa por ele. O
68
marxismo ensina o poder que o conhecimento tem
e o quanto é arriscado misturar ciência (economia)
com ideologia (justiça social). O coração do homem
tem razões que a própria razão desconhece. Ele
tende irracionalmente para este ou para aquele
lado. E a teoria é uma ideia pronta, uma noção
preconcebida. As pessoas vestem o
existencialismo, o marxismo ou a seicho-no-ie
como aquele casaco que encontra na loja e por
acaso dá certo com seu manequim. E o sujeito fica
ideologicamente fantasiado com aquele discurso
até que se lhe ofereçam uma peça mais atrativa. E
nós brasileiros que defendemos Marx somos como
aqueles indigentes que recebem das instituições
filantrópicas blusas e casacos vindos da Alemanha
porque seus donos os iriam jogar fora. Exatamente
isto, não tem o que pôr ou tirar. O problema não é a
produção, o problema é a propriedade privada do
conhecimento. O marxismo é como aquele faminto
que olha para um compêndio de astronomia e lê
“gastronomia”. Não ocorre a Marx que o problema
não está no capitalismo, mas num tipo de
69
capitalismo. Marx saiu fugido do curso de direito.
Que pena! Porque se ele tivesse perseverado
descobriria que o direito é um ramo autônomo e
tem poder de domesticar as relações econômicas.
É muito melhor viver numa sociedade capitalista
servida de uma boa legislação trabalhista a viver
num país comunista em que o Juiz Trabalhista é
capacho do Estado conquanto juiz da causa e
demandante são ambos dependentes do Estado. O
Judiciário dos países comunistas não tem
independência nenhuma em relação ao Executivo.
No comunismo se forma um bloco monolítico
Estado-Partido Comunista-Conhecimento-Cultura-
Mídia-Exército. Exatamente o mesmo que ocorre no
capitalismo, mas no comunismo a ditadura é mais
forte. Não existe sistema social sem controle social.
Todo sistema de ideias, aliás, tem como meta
controlar pessoas. Mas o nível de controle das
pessoas em países comunistas é extremo,
verdadeiramente policialesco. A sociedade aberta,
para usar uma expressão de Popper, fomenta mais
a produção de conhecimento. Porque o
70
conhecimento e seu processo de produção
requerem liberdade e até uma certa anarquia para
se consolidarem. Nada pode tolher a
espontaneidade da empiria. O mais belo do
conhecimento é que ele sempre fica como legado.
Acabar com o direito hereditário não é ir contra o
capitalismo apenas, é ir contra a própria natureza.
A espécie faz continuamente este trabalho de
passar a informação genética aos descendentes,
inclusive aquelas agregadas pela variabilidade
ocorrida pela fusão cromossômica. Ter de começar
tudo do zero a cada geração é desperdício de tudo:
de economia, de inteligência, de experiência, de
vivência. A lei da vida é esse “heredes”. Como é
duro a um homem pôr-se no mundo sem um
empurrão dos antecessores. Só mesmo o
terrorismo marxista para banir Confúcio da China.
Mas ele está voltando com força total. Porque
Confúcio sempre foi e sempre será mais do que
Marx e quejandos. O marxismo pode ser encarado
como omissão dos cristãos. Porque se cristianismo
sempre tivéssemos vivido jamais haveria espaço
71
para o marxismo. O marxismo só recebe oiças em
um mundo decadente e decaído. O marxismo
prospera onde o conhecimento é apenas meio (de
obter lucro) e não um fim em si mesmo. Onde se
desenvolve o conhecimento livremente não sobra
espaço para ódio entre irmãos. O brasileiro pobre e
o brasileiro rico têm mais coisas em comum do que
imaginam. Mais que mescla de sangue português,
afro e tupi, mais que o belo idioma português, mais
que o mesmo querido torrão. É como se
estivéssemos dentro da mesma nave. Se a nava se
desgovernar não esta ou aquela classe, mas todos
nós estaremos perdidos. Quem é liderança deve
saber que não há razão para sufocar novas
lideranças e quem está entrando na elite agora
deve referendar os veteranos. É de grande valia a
política afirmativa em favor da mulher, do negro, do
índio, do drogado, da prostituta, do homossexual,
mas nossa sociedade não se divide em custas
castas como na Índia, a seriação social é
essencialmente econômica. Não há problema que
hajam ricos, o que não pode haver são os
72
miseráveis. Acertada a filosofia do PT nacional
“país rico é país sem pobreza”. Não temos que
expropriar os ricos, temos sim, que melhorar as
condições de vida dos empobrecidos, excluídos e
desvalidos. O Brasil, não fosse o inchamento da
máquina pública e a corrupção, seria o melhor dos
mundos possíveis: economia capitalista e Estado
promotor de políticas inclusivas para
contrabalançar. Muitos líderes mundiais
conquistaram as massas em prol de muitas causas.
E quase sempre um item da pauta é a educação.
Mas para nós a educação e o conhecimento não
são lados possíveis, pelo contrário, eles abarcam
todos os lados. País que investe em educação
resolve o problema educacional e todos os demais
problemas. A escola forma o engenheiro, o bom
político, o economista, o empresário, o técnico e
toda mão-de-obra qualificada e toda a consciência
cívica e cidadã. A educação é o começo, o meio e o
fim. As pessoas instruídas e lidas são mais
responsáveis, mais pontuais, mais engajadas e
mais participativas. A escola forma agentes de
73
mudança. O Brasil é um país que não cresce mais
por falta de competência. Precisamos nos
capacitar, precisamos adquirir habilidades. O
conhecimento é tão mais importante do que uma
ideologia que, em se encontrando a cura de
determinada doença, é possível promover o bem
estar de um grande número de pessoas, o que
supera a política pública de natureza vária. É assim
que cito a insuficiência renal, o infarto, o diabetes e
o câncer. Banidas estas doenças a expectativa de
vida do ser humano seria superior a cem anos. E
tudo isso depende de pesquisa e estudo. O máximo
que o governo pode e deve fazer, que é também o
mínimo, é fomentar a pesquisa. O conhecimento
deve ter como um de seus papéis, uma vez que o
colocamos como base de tudo, organizar e zelar
pela funcionalidade social. E isto nos leva à
reflexão de que o preso comum é pior inimigo da
sociedade do que o preso político. E geralmente as
coisas são tomadas ao contrário. Pune-se com a
morte o preso político e se é complacente com o
preso comum. Pena de morte aos irrecuperáveis! O
74
preso político deve ter direito a um processo penal
mais lento, melhor instruído, exaurientemente
assegurados o contraditório e a ampla defesa. O
preso irrecuperável deve ter um processo mais
célere e que assegure apenas o mínimo suficiente
a quem é sabidamente culpado. Crimes culposos
devem ter a marcha chamada “normal”. Tão
importante quanto promover a mudança é fazer isto
de uma maneira confortável e não traumática. É
altamente discutível o emprego da violência no
processo de transformação social. Por exemplo, se
o problema é o preço do combustível, o que resolve
quebrar de lojas e agências bancárias ou incendiar
ônibus? Não há nexo etiológico entre uma coisa e
outra. O que precisamos fazer e que efetivamente
não fazemos é fiscalizar os que elegemos. E caso a
vitória nas urnas privilegie o nosso rival partidário
isto não nos tira o direito legítimo de cobrar dele
diligência na coisa pública. Em tempos de grande
mídia como a em que vivemos não se justifica
bastidorismo da atuação de parlamentares e
executivos. O problema vai desde o financiamento
75
de campanhas que torna nossos políticos capachos
dos ricos, e com eles toda a nação, até a atuação
após a investidura e empoderamento. Somos uma
nação de leigos. Somos vítimas de um leiguismo
que inquina até os patamares mais altos da
formação acadêmica. De maneira tal que professor
universitário bem sucedido é o carismático e
brincalhão e não aquele que domina o conteúdo. E
o populismo que se vive na academia, ou melhor,
até mesmo na academia se alastra a todos os
ambientes. Esse lado excessivamente afetivo do
brasileiro traduz a influência afro no Brasil,
predominantemente límbica. Recordo apenas que
as culturas mais bem sucedidas são neocorticais e
não límbicas. Bem acertada a teoria de Daniel
Goleman de acordo com a qual a inteligência e a
emoção são dois fenômenos inseparáveis e
trabalham sempre e necessariamente juntas. O
ensino, ainda que preconize o lado cognitivo do ser
humano, prepara não só para a execução de
tarefas, mas também para o modo como tratamos
as outras pessoas. É por isso que a revolução do
76
conhecimento abarca a revolução da emoção. O
marxismo falha também nisso: ele defende a
estimulação de várias emoções altamente
negativas: a cobiça, a inveja, o ódio, o
revanchismo, o ciúme, o complexo de inferioridade,
a inimizade. Não entende Marx que semeando este
tipo de semente a lavoura se perde tanto para A
quanto para B. nisso Hitler estava certo! Em alguma
coisa ele defendia que o operário alemão deveria
fazer ginástica, primar pela saúde e pela higiene e
deveria andar bem vestido e asseado. Não é
andando maltrapilho que alguém irá conseguir
alguma coisa. Quando a pessoa ajuda a si mesma
fica mais fácil ajudá-la. Nada pior do que tentar
ajudar a quem não ajuda a si mesmo e nem quer
ser ajudado. O socialismo peca também nisto. Trata
os homens igualmente. É um erro distribuir
tratamento igualitário. Quando o sujeito é mais
aplicado e mais organizado temos maiores razões
para tratá-lo de melhor forma. O problema do
capitalista é quando seu sistema meritocrático não
permite que o marginal adentre no centro.
77
Entendemos que mesmo que uma pessoa ou grupo
de pessoas tenham sido relapsas a vida inteira,
elas têm o direito de dar uma guinada na vida e
viver como vivem os organizados. Não há mal em
haver classes sociais. O mal é quando elas se
estratificam, se sedimentam e perdem a
flexibilidade de maneira que tudo trava
estaticamente. Deve haver algum modo de um não
prestigiado atingir o prestígio. Entendemos que um
desses meios é o próprio conhecimento. O
conhecimento deve tirar o marginal da
marginalidade e guindá-lo ao mais respeitável
patamar social. Outro meio de ascensão social
deve ser o trabalho árduo combinado com
poupança. E por isso é imprescindível que o salário
cubra a subsistência do trabalhador e de sua
família e que ainda remanesça um excedente
conversível em entesouramento. Outra via deve ser
a política: de modo que a carreira pública traga à
existência aquele que galgou popularidade junto às
massas. O conhecimento pode não deixar ninguém
milionário – embora em alguns casos ele até possa
78
fazer isto – mas quem é perito em seu ofício fome
não passa. Marx não percebeu que a acumulação
do capital passa pela acumulação do conhecimento
e que não há regra mais eficiente para distribuir
renda como distribuir conhecimento. O
conhecimento não é algo que se aprisiona dentro
de uma grade curricular. Os cidadãos precisam
estuda assim como os atletas costumam fazer
ginástica. Tem de ser diário, tem de ter uma
mística. O estudo é semelhante a uma
espiritualidade. O conhecimento é o encontro do
homem consigo mesmo. E este “consigo mesmo”
tem dois lados: o leitor/estudante se reconhece
como parte do objeto cognoscível e com o autor da
obra, e vê o seu eu projetado no bem cultural. Marx
diz que a jornada de trabalho deve diminuir, que os
salários devem aumentar, mas não diz o que fazer
com a pletora de tempo e dinheiro. Nós
respondemos: deve acumular e produzir
conhecimento. Porque um tempo livre mal
aproveitado pode ser até pior do que um dinheiro
mal empregado. Alan Kardec fala que a
79
desigualdade social seria injustificável se existisse
só uma vida. É verdade, o mundo material traduz o
mundo espiritual. E o crescimento do espírito
depende do nosso padrão de comportamento no
mundo empírico. Expropriar o burguês é negar o
próprio carma, é querer burlar o mundo espiritual
que por sobrenatureza é imburlável. Marx quer que
o operário se liberte continuando ser operário. Mas
o que defendemos é que quando o operário se
torna o melhor dos operários ele é guindado a um
grau de maior responsabilidade como a chefia ou
supervisão. Pois se é diligente consigo mesmo o
será com os demais. O que Marx propõe é como se
as crianças quisessem mandar no mundo sem
largar sua infantilidade, sua imaturidade e os tiques
da pouca desenvoltura. Como diria Bill Gates, você
não terá uma sala com mesa, telefone, computador
e internet antes que tenha condições de adquirir
tais coisas com o seu próprio dinheiro. O PT só
conseguiu para si o Governo Federal quando
descobriu que as dívidas do país deveriam ser
pagas, que não se pode dar moratória e nem elevar
80
exorbitantemente o salário mínimo. O PT adquiriu a
noção de que tudo precisa sair de algum lugar, a
começar pelo dinheiro de campanha.
Conhecimento não é algo tântrico, embora
tantrismo também seja conhecimento, mas algo
próximo e inseparável das atividades humanas e do
cotidiano de todos nós. Marx escreveu que o judeu
não poderia ser emancipado enquanto o Estado
fosse cristão e enquanto ele próprio fosse judeu.
Um seria incapaz de outorgar e outro seria incapaz
de receber. O que Marx não percebe é que o
proletariado não pode ser governo enquanto
continuar sendo proletário. A prova disso é que em
todos os países socialistas as altas instâncias são
ocupadas por intelectuais e não por operários e
agricultores. A classe operária nunca foi uma classe
revolucionária. Ela apenas foi usada para tais fins.
Quando um operário revoluciona a sua vida o
primeiro passo que toma é deixar de ser operário.
O acadêmico que cultiva o marxismo na academia
é como um poetazinho que escreve versos num
caderno que nem seus amigos leem. Não foi por
81
acaso que Marx na sua juventude foi poeta e
romântico. Do ponto de vista estritamente racional o
marxismo é insustentável. O capitalismo quer sua
cabeça, o marxismo quer seu coração. Eu ajo
racionalmente. Como observaria Weber a ação ou
é política, ou tradicional, emotiva ou racional. O
marxismo é uma ação emotiva. Mas o marxismo é
vazio como um fantasma. O bom marxista não dá
esmola e nem pratica caridade. Ele prefere ver se
agudizarem as contradições do capitalismo para
que a revolução estoure antes. Ou seja, o
marxismo ama o homem abstrato e odeia o homem
concreto. É uma antropologia misantrópica. Não é
por acaso que o socialismo seja o partido dos
intelectuais: intelectual não gosta de gente, gosta
de papel. Uma coisa está relacionada à outra mas
não é exatamente a mesma coisa. Os intelectuais
não fumam, eles comem tabaco. Isto traduz a sua
ansiedade, a sua angústia e obsessividade. O
próprio Marx disse do seu Capital que não pagaria
nem os charutos que ele fumou enquanto o
escrevia. Embora o marxismo seja uma coleção de
82
teses muito ruins é de se reconhecer que há toda
uma literatura, pró, contra, após, ao lado e sobre
Marx e os seus defensores. O que não funcionou e
nunca funcionará na prática é lenha para a
discussão acadêmica. Questão de época tal como
foi o debate entre os gregos pagãos e os cristãos. É
realmente uma pena que o cristianismo tenha
deixado de ser aquele acordeão que abre e fecha e
que emite som. Precisamos reabilitar o cristianismo.
O cristianismo é um tipo de conhecimento muito
mais útil do que o marxismo. O cristianismo é o
miolo do processo universal de humanização e
civilizamento. Mesclar cristianismo e marxismo é
como jogar areia dentro do melhor vinho que ficou
guardado até agora. É bem verdade que o
cristianismo não é nem socialista e nem capitalista,
ele é uma terceira coisa. Mas na prática não há
como ser só cristão. Nossa natureza exige de nós
que estejamos inseridos num modo de produção
social. Independente de onde se está o cristão é
convidado a ser fator de mudança ou, como dizem
as Sagradas Escrituras, “sal da terra e luz do
83
mundo”. Tão importante quanto o conhecimento é,
outrossim, o que fazemos com ele e como o
processamos. Os livros que escrevo não são livros
de conhecimento. Diferentemente disso, são livros
de processamento de conhecimento. O que
escrevo é uma autoavaliação, é uma tomada de
consciência. Penso que este tipo de serviço serve
não só para mensurar o intelecto do redator, mas
para fazer um feedback de nós mesmos enquanto
humanidade. É claro que o limite do conhecimento
é ele mesmo, assim como Marx constata que o
limite do capital é ele mesmo. Li bem mais de
10.000 livros mas este é um recorte muito pequeno
quando paragonado com o todo. O escrito do autor
é como o brilho de uma estrela: quando ele chega
em certas galáxias a estrela não existe mais, mas a
luz emitida por ela continua viajando no seu ímpeto.
Isto somos nós: poeira estelar, e nesta qualidade,
somos premiados e padecemos com suas
características. Filhos de Abraão, filhos da
promessa. O que é um grão de areia na orla da
praia, isto é o homem no universo. O conhecimento
84
é a tomada de consciência de todas as nossas
grandezas e de todas nossas pequenezas. Em que
pese a ditadura do proletariado como etapa
mediana e necessária para a sociedade sem
classes, o socialismo científico se confunde com o
anarquismo. Mas enquanto o anarquismo quer de
imediato a supressão do Estado, o marxismo quer
primeiro empregá-lo para homogeneizar a
sociedade estruturada na diferença. O que muda é
o caminho, a meta é a mesma. O fato de tanto o
marxismo quanto o anarquismo desejarem o
ateísmo prova a aversão que eles têm pelos
princípios hierarquizantes da realidade. Toda
religião ou sistema de ideias que se assemelhe
prega e ensina hierarquização. Quando a liderança
age mal se confunde a pessoa do líder com a
função que ele ocupa, o que são coisas diferentes.
Deve-se depor a não autoridade e não o cargo que
a autoridade ocupa. O cargo é necessário e, mais
do que isso, imprescindível. Se quem tem
experiência de liderança erra, o que fazer e o que
esperar de quem é novato? Os capitalistas teriam
85
tudo para serem os melhores estadistas. Mas o seu
governo fica aquém do governo da esquerda
porque eles pensam mais em suas empresas do
que nos rumos da nação e porque temem melhorar
as condições gerais do povo com medo de suscitar
concorrência para si próprio. É por isso que quem
não tem nada a perder “a não ser seus grilhões”
pode e efetivamente vem fazendo um governo
melhor do que o da direita. Marx diz que “as ideias
dominantes de uma determinada época espelham
as ideias da classe dominante”. Vamos partir do
pressuposto de que esta assertiva está correta.
Então, se a sociedade da nossa época é a
sociedade do conhecimento é porque os
protagonistas da história querem ver crescer o
conhecimento. Mas vejamos bem: como controlar a
esclarecidos? Divulgando o conhecimento científico
e filosófico não se estaria preparando a cama para
o inimigo? Isto apenas prova que o conhecimento é
algo que transcende a esquematologia das classes
tal como nos é apresentada pelo marxismo. Não é
o capitalismo que se utiliza do conhecimento para
86
se expandir, ao contrário, o conhecimento se serve
do capitalismo e de todo modo de produção social
para crescer. A grande plataforma é o
conhecimento e todo o mais está cabido dentro
dele. Em que pese a inteligência em certa medida
ser totalmente individual, o conhecimento é maior
do que o indivíduo. O conhecimento é
essencialmente estruturalista. Ele passa pelos
indivíduos e é maior do que eles. O conhecimento
transcende até mesmo os gênios. O conhecimento,
com a ajuda da escrita, é uma coisa em si mesmo,
pairando como a estratosfera sobre a litosfera. E já
aproveitando a terminologia, gosto de usar o termo
noosfera porque dá a noção de nicho, de um quase
lugar, ou de um lugar acabado e completo, porém
virtual. É como se o conhecimento tivesse os seus
próprios fins e empregasse os homens ao seu
serviço. Isto explicaria porque em tantas e tantas
vezes há confronto entre o interesse real dos
homens e o universo de teorias. O conhecimento
não sai do homem, o homem sai do conhecimento.
O conhecimento até pode ser criação do ser
87
humano, mas em dado período da história a
criatura domina por completo o criador. Tudo
passa, menos o escrito, menos o sabido, menos o
teorizado. A escrita é o que dá a noção exata do
que somos hoje para aqueles que virão a ser num
futuro mais ou menos remoto. O conhecimento é
uma câmara de conversação e este monólogo s
situa dentro disso. Hegel chamou de linha nodal a
transferência do aspecto quantitativo cumulativo em
dimensão qualitativa. É assim que aquecendo a
água ela chega a cem graus e se torna vapor. Eu,
por minha vez, crio o conceito de gnosioinversão:
de acordo com este conceito o ser humano vai
agregando conhecimento de modo que numa
primeira etapa ele possui uma carga de
conhecimento, todavia, o acúmulo constante de
conhecimento vai esbarrar em uma linha a partir da
qual não é mais a pessoa que tem o conhecimento,
mas é o conhecimento que tem a pessoa. Com o
passar dos anos a base físico-orgânica do
conhecimento se retrai e aí a pessoa é trasladada
para um plano superior, para após a total falência
88
de sua inteligência adquirir conhecimentos
superiores. Creio firmemente nisso. A semente
precisa morrer para germinar. Nascimento é morte
e morte é nascimento. O conhecimento é a única
instância que se pode tirar e tirar, encher mentes e
a fonte nunca se esgota. Este é o tesouro da vida
eterna ou com certeza parte dele. Ainda que um dia
passe todo o conhecimento humano, ainda que não
haja civilização, que as bibliotecas sejam tragadas
pelas espécies remanescentes, tudo terá valido à
pena. Porque se algo tem prazo de validade
durante algum tempo serviu. Algo não precisa ser
útil sempre, basta ter sido útil uma coleção de
vezes e representar um elo na cadeia de produção
do conhecimento. Precisamente este livro que está
em suas mãos, caro leitor, pode não ser um
incunábulo (livro escrito antes de 1.500), mas quem
sabe todo livro escrito antes de 2.100 receba um
apelido e daqui uns 400 anos esta brochura ou o
que dela sobrar esteja nas mãos de um
colecionador. O fato de a população mundial estar
à beira de um recesso na densidade populacional e
89
o conhecimento segue crescendo
exponencialmente, apenas fica clara a autonomia
do conhecimento. Posso ter taxa decrescente
populacional e taxa crescente gnosiológica ao
mesmo tempo. Isto não significa que uma está na
razão inversa da outra, mas que o liame entre
ambas é tênue. O conhecimento é refém dos
idiomas, ainda que certas linguagens como a da
matemática, a da lógica e a da informática serem
universais. O fato de eu expressar uma ideia
universal a partir de um idioma empregado por uma
comunidade finita de pessoas, por maior que ela
seja, é a prova de que o infinito cabe dentro do
finito e de que o universal cabe dentro do singular e
do particular. No fundo, os idiomas locais
conseguem expressar ideias abstratas e universais
porque há uma plataforma invisível e apriorística
comum a todos os idiomas. E quanto maior a
comunidade de falantes mais elevados são os
pensamentos que se podem pensar naquele
idioma. Além da questão da extensão a
profundidade é também muito importante. É assim
90
que um idioma falado por um povo que enfrenta
muitas adversidades é mais comunicativo do que
um idioma falado na comodidade. O conhecimento
deve ser como um bom vinho que se bebe
diariamente, porém, com moderação. O momento
do conhecimento é um instante gostoso e
prazeroso em que o homem faz só com o cérebro o
que as gerações anteriores dependiam inteiramente
do corpo para fazer. Não sem razão um dos
diálogos platônicos chame-se O Banquete. O
conhecimento é bebida e comida, é uma refeição. E
o intelectual profissional que se dedique ao
conhecimento ou à escrita com exclusividade é um
devorador. Com seu apetite insaciável abarrota as
almas alheias com o que escreve. O conhecimento
é essa multiplicação que começa com uns
apoucados elementos e do que sobra se recolhem
doze cestos cheios. Ele é algo que cresce de
dentro para fora como uma massa levedada. É
como a ameba que para crescer põe no seu bojo o
que no exterior estava. O conhecimento é como
uma massa abatumada que para ficar mais macia
91
precisa ser traquejada. Não podemos perder a
prática de pensar e repensar a teoria. De tanto se
pensar os velhos padrões criam-se padrões novos.
Algo só é totalmente superado quando é totalmente
compreendido. A propósito, tudo o que é totalmente
compreendido necessariamente é relegado às
coisas que estão superadas. Se queremos,
portanto, superar o marxismo primeiro teremos de
exauri-lo. E o que estou fazendo é exatamente isto.
O conhecimento é como a velocidade: até 120 km/h
você é motorista, depois disso você é passageiro.
Eu há muito tempo entreguei as rédeas de minha
vida ao conhecimento.
92
O conhecimento criadorO conhecimento criadorO conhecimento criadorO conhecimento criador
Mariano Soltys
O conhecimento guarda em si a prática e o
empirismo. Não apenas empirismo, mas uma
dimensão de transformação, mesmo sem ser
comunista. Como já falamos, os homens não são
iguais, e nem querem ser iguais. Seu conhecimento
se tornou a propriedade privada e a virtualização do
mundo uma razão cibernética. O conhecimento se
torna sim criador, uma instância de garantia de
construção existencial e da sociedade, sendo
também fundamento da responsabilidade e da
ética. Virtualização é realização. Não se trata
apenas de trabalhar, mas de intelectualizar e
superar a dimensão povo-senhor, mas de estar
além das classes. O capital é uma garantia
individual, faz mesmo parte de uma idiossincrasia.
Seja o primitivo com seu machado, arco-e-flecha,
93
lança, tapera, ou qualquer outro objeto, seja no
pós-moderno que tem seus mil objetos de
entretenimento e ocupação, como celulares,
tablets, pads etc. Vale que tudo isso é resultado do
conhecimento, e os senhores pensadores de
antanho, Marx e Engels, fundaram antes de tudo
um conhecimento, e nada além disso. O
conhecimento continua, ao lado de outros saberes,
e o sistema por ele fundado já não vingou, uma vez
o ser humano naturalmente capitalista, pela
vantagem que se deseja ter em relação a uma
situação anterior.
Não é apenas a procura do trabalho que levará a
adquirir o capital, mas a procura do conhecimento,
que garante não apenas o trabalho, mas a
existência plena e digna. O ser humano é o que
conhece. Desde que cria e sustenta seus filhos, até
os bebês em seu desenvolvimento, ambos têm a
capacidade de conhecer para viver. Se precisa
conhecer para se alimentar, uma vez que doutro
modo se comeria pedras. Tem de se conhecer para
enfrentar os bullyngs do dia a dia, como todo o
94
relacionamento que o indivíduo tem, de enfrentar.
Seja quando procura uma tarefa que evidencie seu
talento pessoal, a fim de semear futura carreira. O
conhecimento segue uma linguagem e essa é
aberta. A liberdade do ser está nele escrita. A
ignorância é que escraviza e domina as massas.
Ter o capital sem saber manejá-lo é uma forma de
se entrar em dívidas maiores, uma vez que vivemos
no império do crédito. Garantindo-se mais, se deve
mais. E não se sabendo administrar o dinheiro, fato
é que cedo ou tarde virá a mesma insolvência ou
falência, essa produzida pela falta de conhecimento
ou ignorância. Não existe meio de se lidar com o
capital sem tirar algum proveito dele. Não se trata
de defender obuso de juros, mas sim de se
procurar meios meio gravosos de se lidar com o
dinheiro. Esse meio menos gravoso é o
conhecimento, que levará a sociedade a condenar
formas abusivas de relações econômicas, o que
antes exige uma ética superior. Sem ética superior,
não se pode mudar a economia. Não ter capital é
muitas vezes fato por não se ter capacidade para
95
possuí-lo. Claro que se tendo o capital, deve-se
saber manejá-lo, e para condenar seus abusos, se
deve ter conhecimento. Não adianta apenas acabar
com a propriedade privada, e nem se pode assim
fazê-lo, uma vez que é o conhecimento. Deixar com
que as pessoas deixem de possuir objetos, nada
mais é que ferir sua idiossincrasia. Não se melhora
uma sociedade acabando com a intimidade e
dignidade das pessoas, e nem acabando com sua
religião ou crença pessoal, seja qual for. E o que o
humano pensa, ele cria.
Lucro verdadeiro é o acúmulo de sabedoria, que
leva a saúde e ao necessário ao campo material.
Muitas vezes as pessoas acham que compram a
saúde. Vemos pelo contrário, que é o conhecimento
que garante uma melhor qualidade de vida. Não
apenas se consultando médicos e nutricionistas,
mas de uma consciência pessoas e mesmo
responsabilidade. Possui meramente objetos, ou
patrimônio, em nada muda essa condição. São os
hábitos e o que a pessoa conhece que a
transforma. E a sabedoria se encontra
96
especialmente na filosofia e na religião. Claro que
cada um busca de acordo com seu íntimo essas
metanarrativas, mas resta que isso não se compra,
mas exige uma busca e trabalho. O trabalho
intelectual está além do intelectual, mas faz parte
da vida de todas as pessoas. Pois antes de
desapegar tem de possuir algo. Pois o que se têm é
o que já está potencialmente construído em seu
interior. O sustento material é apenas um simulacro
grosseiro daquele sustento espiritual, que dá base
a ipseidade humana. Não se pode comprar ou
vender sem se ter alguma vantagem. Nem se
conhecer sem fazer algum uso do conhecimento. A
inflação de algo existe na medida em que se deseja
evoluir. Nem as amebas são diferentes. Claro que
se precisa ter mecanismos de defesa e saber onde
se investe. Pois há quem mais lucre, e há quem
lucre muito pouco. A concorrência e uma série de
fatores alteram essas coisas. Mas sobre a
sabedoria, esta garante se encontrar de modo
algorítmico uma solução matemática para os
impasses da vida. Pois a sabedoria constrói a
97
realidade. E isso depende de se conhecer, mesmo
não se admitindo conhecer nada. E existem ricos
nada sábios, mesmo que morreram precocemente.
Somos na medidas em que exercitamos nosso ser,
e não meramente quando exercitamos o ter. Claro
que se ter pode ser consequência do saber, e isso
nem mesmo importa para o sábio. O sábio superou
já as posses mesquinhas e injustas. O fundador da
justiça não se contamina com mero colecionismo
de bugigangas e hedonismos. Ele supera o Lobo
de Wall Street, uma vez que não entra nas
armadilhas da sociedade pós-moderna, e menos
ainda no materialismo.
Com o conhecimento se pode manter uma
sociedade justa e manter o acesso ao capital a
cada um, na medida de seu conhecimento. Já
repetimos várias vezes no sentido do sábio ser
aquele que merece estar no poder, e não meros
falastrões do populismo. Pois há aquele que é
liderado e aquele que lidera. A evolução é que cada
um lidere a si mesmo. Mas enquanto convivemos
em sociedade, fato é que conhecer é mesmo levar
98
até a responsabilidade. Cada um na medida do que
pode lhe imputar. Pois os valores sofreram uma
transformação, como já demonstrou Nietzsche. Não
se pode mudar os valores, mas eles mudam de
acordo com o que deseja a vontade. Vivemos
nessas representações que estão muito além
daquilo que possuímos materialmente. Há mesmo
valores, como a felicidade, que estão muito além do
capital. Desde os avanços da psicologia e mais
recentemente das neurociências, percebemos que
muitas vezes mesmo com poucas propriedades, se
pode ser feliz. Esse mimetismo social que garante a
adaptação às dificuldades, das quais apenas uma é
a de ordem material ou financeira. Muito pelo
contrário, parece que com quanto mais se possui,
mais problemas se têm. Hoje existem tantos
programas sociais e garantias em um governo
constitucional democrático, que os pobres chegam
a ter mais garantias que os ricos. Temos bolsas,
programas de apoio, ações afirmativas,
compensações raciais e econômicas, créditos
especiais e tudo mais. O Estado se tornou de tal
99
forma justo e paternalista, que vale ter o arquétipo
da pobreza. Mas o conhecimento em meio a isso
tudo será ainda mais garantindo, e vemos a
semente disso já ocorrer na inflação de cursos
universitários. O ensino à distância marca esse
primeiro passo a uma democratização do ensino.
Faltam apenas cursos de mestrado e doutorado
nesse meio, para vermos um verdadeiro acesso
além de grupos de elite, não elite econômica, mas
sim uma elite de confrarias. O conhecimento salva
muitas pessoas, e a ignorância que antes
bloqueava a evolução, essa sempre individual e
com reflexos coletivos, mas que garante que todos
busquem o seu capital, mesmo com antigas
mazelas como a mais valia, juros abusivos etc.
A mais valia verdadeira é aquele conhecimento que
é apropriado e não divulgado, aquele conhecimento
que é secreto. O trabalhador em meio a isso tudo é
enganado duas vezes, ou melhor, muitas vezes.
Mas na medida em que conhece supera essa
limitação. E por isso de se levar as novas
pesquisas para os bancos das escolas, e se
100
difundir novas filosofias. A sociedade vive muito no
passado, e por isso se ilude com questões de raça,
classe, nação, e tantas limitações. Já que vivemos
numa economia do ócio alimentado pela
informação, nada impede que usemos esses meios
para revolucionar. Isso nada tem a ver com fim de
propriedade, com comunismo ou igualdades não
existentes. Antes que cada um seja reconhecido na
sua diferença e tenha acesso ao saber, seja de
qual ordem for. Mesmo se sabendo da conspiração
que é envolvido. O povo tem direito de conhecer. E
o conhecimento nada impede, a não ser que seja
ignorância. A luz em meio a isso tudo se reveste de
força, de algo que impede aqueles antigos erros e
manipulações. Muitas guerras foram ilusões ou
jogos de xadrez mundial. Os líderes que moveram
o inocente até a morte é que deveriam estar no
xadrez. Então não se trata tanto naquele valor que
se perde ao produzir, mas naquele conhecimento
que se perde ao se existir. E as diversas ilusões e
vícios alimentados que correm paralelamente com
essa alienação. O povo deixa de conhecer, e não
101
conhecendo defende causa ainda mais mentirosas.
Isso ocorreu na política de diversas eras.
Alimentadas por dinheiro e concentração do saber,
essa “política” nada teve a ver com teorias
democráticas, ou mesmo filosóficas. A república
verdadeira deveria ser uma cidade divina, onde
cada um pudesse manifestar seu talento e ter seu
devido sustento, e, ainda seu capital. Claro que
nenhum excesso é bom, como lembrou Aristóteles,
e que se deve superar a intemperança, as paixões
e algo que afasta das virtudes, como entendia
Platão. Mas o segredo em meio a isso tudo foi o
problema, e esse o verdadeiro. Talvez porque deva
existir em certa medida, a fim de se evitar a revolta.
O humano precisa viver tudo, mas é uma conquista
que se saiba de tudo. O conhecimento é a
característica darwinista impressa no ser humano.
É isso que faz sua seleção natural, e o material é
apenas um reflexo desse saber impresso na alma e
naquele pode humano, que é superior a sua força
física.
102
O trabalhador sofreu porque deixou o conhecimento
nas mãos alheias. Ele mesmo permitiu uso e
cumpriu uma função. Não pode administrar porque
não tinha o conhecimento. Sartre em entrevista
falou do papel do intelectual junto ao povo, e
mesmo assim não vimos grande efetividade nessa
mediação. Não se trata apenas de trair o meio
burguês, mas sim de mostrar seu conhecimento
superior. Porque o intelectual é por natureza
anticomunista. No começo ele abraça essa
característica de lutar pelos excluídos, ou por
aquelas classes que não partilham do poder. Daí de
a noosfera estar em todo o lugar, mas de o
intelectual cumprir um papel, só por ele exercido.
Frente à noção sensualista do trabalhador, fica com
a diferença de linguagem. O corpo tem uma
linguagem e a lógica um pouco outra. Enquanto a
cultura popular investe cada vez mais no culto ao
corpo. Isso sempre esteve mais que simbolizado
nas danças e na cultura do excesso. E o papel do
intelectual é em muito colocar aquela linguagem
científica e filosófica na linguagem do maior número
103
de pessoas. Não se trata de trair a burguesia, mas
de mais uma vez partilhar do segredo. Isso pode
até ser inserido na cultura popular, e com o acesso
a um conhecimento sintonizado com os meios
disponíveis na pós-modernidade. Para tanto, o
conhecimento faz do intelectual não um traidor,
mas o principal instrumento de poder, seja em
cargos públicos, com professores e toda a gama de
profissionais liberais. E uma nova didática se faz
necessária a fim de aproximar o intelectual do povo,
e óbvio tudo se envolve em um entretenimento,
longe daquele ensino sacrifical. Mas não é o fim da
propriedade para o trabalhador, mas que ele
conquiste essa propriedade das próprias mãos.
A existência dos ricos é na verdade uma simulação
da riqueza espiritual. Não se trata essa última de
qualquer injustiça, mas sim de mérito. E a riqueza
material é o coroamento da capacidade de criação
pelo conhecimento. Uma grande empresa muitas
vezes começa em um planejamento numa simples
folha de papel. O conhecimento constitui de um
mimetismo criador que nos leva até a Sabedoria
104
Universal, digna de um Criador Primeiro. Um
panlogismo. Para tanto, uma consciência do Todo.
A chave disso talvez esteja em faixas mais
profundas de consciência, que já se chamou de
subconsciente, superconsciente e mais nomes.
Antes de um trabalho apenas físico, o que constitui
o progresso é uma sintonia com a inflação de
sabedoria, mais simples na forma de conhecimento.
Claro que esse saber muitas vezes não está em
meios ortodoxos. Logo o rico na verdade usa de
grande parcela de sua intuição. Por esse meio ele
acessa a linguagem de faixas superiores de
consciência, que lhe guia em negócios prósperos e
que acabam na riqueza. Isso nem mesmo depende
de mero conhecimento acadêmico, mas é uma
nova práxis que está além do trabalho, e que
tampouco depende de exploração de trabalho
demasiada. Com esse guia interior, o rico consegue
investir naquilo que multiplica seu dinheiro,
diferentemente do comum do povo, que investe em
campos pouco prósperos. Claro que cada tempo ou
aeon tem seus negócios mais rentáveis, de acordo
105
com as características de arquétipos, reflexos de
estrelas ou palavras de poder. Essa linguagem do
segredo é uma conquista, não apenas de pessoas,
mas de mercados e de um todo. Compreender esse
Todo faz que se encontre a riqueza cedo ou tarde.
Mas ainda não é a plenitude humana, a qual está
mais em um conhecimento divino, em uma gnose
que supera esses apegos e características de
materialismo.
As gerações de direitos têm seu come no saber.
Assim, após as conquistas materiais de
propriedade e capital, igualdade e dignidade, meio-
ambiente e tecnologias, vemos que foram apenas
estádios preparatórios ao direito de sabedoria ou
conhecimento, esse gnosiologismo. Uma vez que
estamos em outra fase histórica, numa Era que
vem se iniciando. Após todas essas garantias
constitucionais e democráticas, apenas resta
aquele bem maior, o próprio saber. Tristemente
ainda não temos um ensino gratuito em todos os
níveis, e mesmo em níveis básicos há um forte
comércio de Universidades. É dever do Estado
106
garantir o pleno estudo em todos os níveis, mesmo
em mestrado, doutorado e pós-doutorado. Vemos
já um progresso em programas governamentais e
na multiplicação de cursos superiores, em
diversificas áreas e disciplinas. Essa noosfera é
uma garantia ligada ao pilar de nossos valores, que
é a dignidade. Quando Kant falava nesse bem
humano, nos deixou de herança algo que nos torna
além de corpo ou objeto, ou do trabalhador além de
sua força de trabalho, e além daquilo que é sua
função. Claro que se deve ampliar as garantias do
trabalhador, a fim de garantir que adquira o capital.
Para tanto, imaginemos o trabalhador e mesmo a
massa como uma administradora e circuladora
desse dinheiro. Isso garante que todos tenham sua
participação no mercado, e isso revela o segredo a
todos. Mas até que a consciência evolua para tal,
cabe a que se busque o conhecimento. Deve-se
assim investir em pesquisas e na ciência. Também
na filosofia, pois garante um meio superior de cura
e de paz social. Desta feita, as conquistas que já
foram devem se somar ao conhecimento, que é o
107
centro daquilo que garante o capital. Isso está já
inserido no capitalismo, que parece que se moldou
a democracia. Essa compreensão do dever-ser
acaba por fazer uma ética superior, digna de um
humanismo. Vemos assim nesse contrato que se
partilha com o estado, muitas vezes negando certas
parcelas da personalidade, uma forma de se
assegurar a vida e a dignidade. Logo, o cidadão é
tanto cidadão na medida em que tem capacidade e
conhecimento. Não se pode responsabilizar quem
tem conhecimento inferior, ou falta de consciência
de seus atos. Assim, a geração dos direitos tem
seu ápice no conhecimento (gnosiologismo), que
acaba garantindo aqueles anteriores, em especial a
propriedade.
E o que está oculto está inconsciente, ou melhor,
subconsciente. Para tanto, em nosso tempo a
parapsicologia tem de ser uma forte base a
filosofia, mostrando o funcionamento da mente e do
mundo. Desde Rhine que devemos levar em conta
que o mundo tem ligações invisíveis, e que a
capacidade humana é maior do que antes se
108
pensou. O conhecimento quando era elitista ou de
classes reservava esse poder a sacerdotes,
políticos e magos. No Brasil possuímos Oscar
Quevedo, e no campo filosófico, Fídias Teles. Cada
vez percebemos mais que existe uma emergência
de se compreender a dualidade humana, e a
existência de uma alma que supera a limitação da
matéria, esta na linguagem do corpo. Também
superamos aquele limite inicial de Malthus, onde a
mera alimentação se tornava o limitador da
existência humana. As necessidades básicas foram
garantidas por gerações de direitos, ou era de
direitos já conquistadas. Uma vez resolvida a
questão da fome mundial, que tem suma
importância, resta apenas garantir oi sustento
espiritual. Isso está em se conhecer os segredos da
mente, estes já conhecidos de certas confrarias
antigas. O estudo merece uma disciplina específica
de ciência da mente, superando a antiga psicologia
sexista, bem como a mera biologia. Claro que se
deve somar conhecimentos e tudo é necessário,
como já falei em minha Panlogia. Fato é que vemos
109
as pessoas demonstrarem que não basta um mero
conhecimento acadêmico, nos antigos moldes que
ele vinha se realizando. O conhecimento tem de
chegar a níveis superiores. Mesmo o uso da fé e de
toda a experiência da humanidade tem de ser
levada em conta. Mesmo de conhecimentos
populares e da prática do dia a dia, que tem
resultado positivo. Temos no Brasil ainda o filósofo
Herculano Pires, que faz uma espécie de ponte
entre parapsicologia e espiritismo. Fato é com o
tempo percebemos que nossa mente tem potencial
que pode garantir não apenas a aquisição de
propriedade, mas uma existência sustentável e
mesmo feliz. A regra seria que aplicássemos o uso
correto da mente para ter uma existência digna.
Isso altera todo o campo da formação e educação,
bem como um treino que valorize mais os aspectos
intuitivos e paranormais das pessoas, para que
estas usem isso ao seu favor. O conhecimento é o
centro disso, não o mero trabalho, pelo menos não
daquele meramente braçal. Claro que a função
desse labor é essencial, e que devemos sempre
110
valorar todos os níveis de colaboração social. Deve
ser punido todo e qualquer desestímulo de pais em
relação a filhos na educação, e cada mensagem
inserida na mente das crianças deve ser policiada e
treinada, para que não se crie pessoas com
possível fracasso. Cada um deve ser estimulado
em sua metanarrativa, se não por sua família, que
seja pelo Estado, que também usa de uma
ferramenta paternalista. Isso exige uma
transformação nas leis, bem como nos costumes. O
conhecimento tem de ser o centro da cultura, a fim
de que seja usado com essas ciências mentais, e
que isso resulte em um uso mais pleno das
potencialidades interiores. As ferramentas de uso
do subconsciente devem ser estudadas a ponto de
conseguir um domínio e uso favorável. Hoje
percebemos um uso negativo disso, onde muitos
atraem o negativo e não progridem, na vida,
perdendo o acesso ao capital. E o subconsciente é
uma chave que estava antes na religião, fé, magia
e tantos outros meios, como a intuição ou mesmo
certos talentos inexplicados. Todos têm sua
111
potencialidade, e cada um descobrirá sua
verdadeira natureza e vontade rumo a isso. O
conhecimento será a chave disso, e não mero fim
da propriedade, comunismo, bem como qualquer
limitação de direitos individuais ou fim de
capitalismo.
112
A Acumulação PrimitivaA Acumulação PrimitivaA Acumulação PrimitivaA Acumulação Primitiva
Cléverson Israel Minikovsky
O próprio Marx reconheceu que a sua teoria da
acumulação primitiva representa em sua grande
teoria o que o pecado original representa para a
teologia. Assim, se fulminarmos o que Marx
escreveu acerca deste tema, tudo rui em uníssono.
Marx mostra que o sistema capitalista é atávico. No
sentido de que o proletário reproduz o proletariado
e o burguês perpetua a sua cômoda situação. Os
desvalidos sempre serão marginalizados e a
acumulação na mão dos capitalistas crescerá cada
vez mais. O que com muita propriedade Marx
pergunta é: como foi o início do processo? Como
que uns homens foram despojados e outros
concentraram em suas mãos os meios de
produção? E a resposta que ele dá é essa: foi
através do esbulho. O que Marx admite como regra
eu o coloco como exceção. Marx explica que a
113
grande divisão social do trabalho cindida em
administradores e trabalhadores nasceu do
esbulho. Para mim o que existe é o inverso disso: o
esbulho nasce da divisão social do trabalho. Eu só
começo a ser explorado a partir do momento em
que um produz e outro pensa a produção. Mas
quem define quem pensa o processo produtivo?
Simples: o que tem mais conhecimento acerca
deste processo. A acumulação de conhecimento
gera a tença dos meios de produção. Até porque
você pode dar os meios de produção de presente
para quem nada sabe que eles vão se estragar sem
que nada seja produzido. O know how vem antes
dos instrumentos. Com conhecimento facilmente
adquiro os meios de produção. Mas se tenho os
meios de produção e sou um analfabeto
tecnológico nenhum resultado surtirá. A diligência,
aliada ao conhecimento e ao espírito de
parcimoniosidade, gera sim uma acumulação
primitiva sem que seja necessária a violência ou o
atentado contra o patrimônio e a dignidade de
terceiros. Além disso, há a aptidão natural. Pois os
114
homens naturalmente tendem a ter espírito de
liderança ou a serem subservientes. Outra questão
de ordem que merece ser colocada em pauta é um
marco temporal. A acumulação primitiva não é algo
recente, mas perde-se na noite dos tempos lá na
Mesopotâmia. A partir do momento em que há a
Revolução Agrícola começa a haver excedente de
alimentos. E todas as outras profissões não
agrícolas começam a florescer. Assim, quando em
função do aumento da população, complexificação
da sociedade e surgimento de novas demandas
surgem novos papéis sociais. E aí começa a
dissociar quem produz a mais-valia e quem dela se
apropria. É assim que surge o clero, a judicatura, a
medicina, o artesão, o comerciante, etc...
Repetimos: e a DST que engendra a acumulação e
a acumulação não cria, mas apenas itera a DST.
Claro, chegados aqui, entramos num círculo
vicioso. No sentido de que alguém está em
determinado papel social por se apropriar da mais-
valia e se apropria da mais-valia por estar em
determinado cargo social. Quanto ao fato de um
115
encaminhar-se para a administração da coisa
pública, outro para assuntos de somenos
importância, outro para a força braçal e outro para a
atividade intelectual isto se deve à variabilidade
genética aliada à construção social da
individualidade de cada sujeito social. A todo
instante vemos pessoas migrarem de classes
sociais mais baixas para mais altas e quebrarem
empresas familiares. Nada é estático como Marx
supunha, tudo é dinâmico. Dentro do raciocínio de
Marx, ou seja, que a primeira acumulação se deu
com o esbulho está correta a ideia de revanche,
seja ela, os expropriados expropriarem os
expropriadores. Mas se se nega o esbulho, nega-se
também a ideia de revide. Nas chamadas
sociedades primitivas também se veem a divisão
social de trabalho e as regalias que dela decorrem.
Marx coloca as coisas do seguinte modo: os
burgueses só ficam com a vantagem e o capital e o
proletário só fica com o trabalho e a desvantagem.
Mas não é assim que funcionam as coisas. O
capitalista tem responsabilidade, precisa cuidar da
116
logística da coisa enquanto o proletário só tem de
trabalhar e aguardar comodamente seu salário. A
ousadia de empreender desde o início está
presente na burguesia. A ideia de esbulho tem de
ser revogada em nome da omissão dos dominados.
Quando o mundo comportava uma pequena
população a terra pertencia, guardadas as
proporções, para quem tinha a maior plantação ou
o maior rebanho. E o grande agricultor e o maior
pastor era o mais proativo. Assim os que fazem, os
que trabalham mais do que o necessário, os que
conhecem mais do que o meramente elementar
naturalmente aglutinam em torno de si todas as
coisas, inclusive os meios de produção. A riqueza
concentrada no mundo traduz muito mais o grau de
comprometimento das grandes personalidades e o
desleixo dos menos dotados do que algum tipo de
relação intrinsecamente injusta. Há famílias que há
séculos se mostram organizadas e é claro que o
fidalgo já nascerá em melhor situação do que o filho
do acaso. O marginalizado é o omisso. A riqueza
de um homem é o indicador do seu nível de
117
responsabilidade, comprometimento, liderança,
conhecimento e proatividade. A riqueza e a pobreza
são a expressão máxima da lei do retorno. Muito
importante além esforço pessoal é que o sujeito
tenha tato de perceber o que é e o que não é
promissor. Sim, porque quantidades idênticas de
esforço podem render resultados completamente
diferentes. Onde Marx vê os cercamentos eu vejo o
minifúndio sendo aglutinado pelo latifúndio porque a
produção agrícola impõe uma escala mínima de
produção do que a agricultura de subsistência não
dá conta. O capitalismo não precisa preparar seu
campo de atuação pela violência, são processos
que ocorrem naturalmente. Quem precisa
artificialmente fazer acontecer é o socialismo. Não
é necessário ser um super-homem para ser elite.
Qualquer sujeito que em algum aspecto da
personalidade esteja pouco acima da média já
consegue lugar ao Sol. A retórica foi o primeiro
capital do primeiro capitalista. Porque quando um
sujeito que nada possui convence outros nove a
trabalhar para ele acontecerá naturalmente o líder
118
entesourar mais que seus colaboradores. Ser
burguês não é ser dono dos meios de produção,
pelo contrário, é a capacidade de mobilizar pessoas
em que a mobilização de coisas é só uma
consequência. É mais fácil conseguir riqueza pelas
pessoas do que pessoas pela riqueza embora
ambas as premissas estejam corretas. O maior
patrimônio do capitalista é abstrato e ideal. Vã
sabedoria querer fazer dos meios de produção o
centro de tudo. Não há nada de concreto que
substitua a experiência de um empreendedor. Não
adianta presentear a classe dos trabalhadores com
os meios de produção enquanto eles próprios não
forem suficientemente organizados e arrojados para
fazerem esta conquista para si mesmos através do
empenho exclusivamente seu. Porque manter sua
atividade envolve o mesmo ou até maior grau de
dificuldade do que chegar ao patamar de se lançar
à iniciativa. Como observa Aristóteles, na natureza
tudo segue um fim por si só e a violência consiste
em mudar a posição natural das coisas pela força.
A comandita é o melhor exemplo jurídico do que
119
pretendo explicar. Em suma, o sujeito pode até não
ter capital, mas constrói seu patrimônio pela via
única e insubstituível da ousadia casada com a
habilidade. Nunca houve esbulho. E quando houve
foi uma circunstância excepcional e isolada. O que
sempre houve e sempre haverá são os homens de
comportamento heroico, os medianos e os
refratários. Os medianos são capitaneados pelos
heroicos e os refratários existem, dentre outras
coisas, para ser mais uma justificativa à existência
do Estado. Refratário é aquele que abalroa um
carro se lhe é dado um carro, pede demissão do
emprego sem ter outro emprego em vista, quando
servindo ao Exército é expulso por indisciplina, é
encontradiço em clínicas psiquiátricas e nos
presídios. Encaixam-se nesse perfil os criminosos
de toda ordem, drogados e prostitutas. Os heroicos
são os dirigentes: da religião, da economia e da
política. Nunca houve na empiria o nó górdio que
Marx faz nascer na teoria, seja ele, o nó da grande
ruptura. É a própria dialética, conceito idolatrado
pelo próprio Marx, que demonstra que o somatório
120
gradual e persistente de pequenas mudanças faz a
quantidade converter-se em qualidade. Assim, o
mundo dividido em classes ilustra um processo
longo e contínuo em que uma classe hereditária de
acumuladores de pequenas vantagens aumento o
referido cabedal até que surgisse a diferença
abissal que existe hoje. É como digo, Marx pensa
as coisas de trás para frente. Ele inventa uma
acumulação primitiva para justificar sua ideia de
esbulho. Ele inventa uma problematização teórica
para embutir na cabeça do leitor uma ideia
preconcebida. A acumulação primitiva de Marx
pode ser comparada à teoria do pacto social: a um
artifício para forçar a admissão de uma coleção de
valores. Mas o suposto teórico nada tem a ver com
a consistência da história nas suas bases fáticas.
Assim como o pecado original na teologia é uma
metáfora, pois Adão, em verdade, nunca existiu,
também a acumulação primitiva é a metafórica e
não tem fundamento “in re”. A acumulação primitiva
é um conceito mágico e encantado da teologia
marxiana. Não há nada melhor para fazer inquinar
121
uma metanarrativa – e o capitalismo é uma
metanarrativa – do que macular sua etiologia. É
mais ou menos como denegrir a imagem concreta
por ser filho de relação adulterina. É como o cego
de nascença do evangelho. O capitalismo nasce de
uma coisa bonita que é a vontade de superação de
certos indivíduos, em primeiro lugar em relação a si
mesmos, e, depois, em relação aos demais. A
cumulatividade das vitórias é que torna uns mais
proeminentes que outros. Diria até que quem é
poder não quer deixar os outros crescerem. Mas
quem sempre foi desleixado terá de dar conta dos
músculos alheios adicionais oriundos do seu estilo
omisso e despreocupado. O capitalismo é como um
concurso: a cada prova fracassada aumenta o grau
de dificuldade das posteriores. E não adianta
questionar as regras. Pelo contrário, tem de se
cumprir as regras. Em verdade digo: é mais fácil,
apesar de toda dificuldade, o operário se tornar
também ele capitalista do que criar uma sociedade
socialista que funcione. Uma sociedade socialista é
uma sociedade sem classes à medida que todos
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são capitalistas. Enquanto nem todas as pessoas
estiverem preparadas para serem capitalistas não
dará certo a sociedade socialista. Quem não
consegue o menos, não consegue o mais. Quem
sequer consegue viver o judaísmo, com maior
razão será incapaz de viver o cristianismo. Não há
dúvida de que em regra o trabalhador coloca mais
valor no que produz do que aquilo que ele retira da
cadeia produtiva como salário. Mas isto não justifica
a criação de teorias mirabolantes como a teoria da
acumulação primitiva. O burguês só pode extrair
mais valor do seu colaborador do que aquele que
ele se apropria porque no pretérito ele próprio ou
um ancestral seu deu de si ao mundo mais do que
aquilo que a média costumava oferecer. Como diria
a passagem do evangelho que elucida bem o perfil
dos axiomas do mundo espiritual: tirai a mina do
que só tem uma e dai àquele que tem dez. Isto não
é uma regra capitalista, é uma regra que
transcende todo e qualquer modo de produção,
contexto histórico ou geográfico. Quando se passa
de um nível a outro, acontece como ao contribuinte
123
previdenciário: preencheu os requisitos – agora,
além de não precisar contribuir – vai receber pago.
Quem não sabe viver e superar a dificuldade não
está preparado para viver e fruir a facilidade. Marx
faz da virtude um vício, faz do plus um minus,
transforma o esforço em esbulho. O capitalista não
realiza violência contra terceiro, mas contra si
mesmo. Ele cobra de si. E de tanto cobrar de si
passa a ter o direito de cobrar dos outros. Nos
Manuscritos Econômico Filosóficos é que Marx
elucida bem a natureza da acumulação primitiva: o
ser é sacrificado em nome do ter, o interior é
sacrificado em nome do exterior, o ideal em nome
do material. O capitalista em primeiro lugar mortifica
a si mesmo para só então sacrificar os que se lhe
subordinam. Acumulação primitiva é trabalho duro e
mortificação. O capitalismo é uma religião. Ele
cobra conduta compatível dos seus asseclas.
Correta em linhas gerais está a ideia de mais-valia:
é tipicamente uma ideia de sobra, de excedente.
Fazer sobrar é produzir e abdicar a um só tempo. O
excedente é positivo enquanto fruto do trabalho e é
124
negativo enquanto renúncia de fruição. O
excedente é uma lei natural. Porque é um princípio
que a biosfera tem mais a oferecer do que o
homem necessita dela retirar. A natureza ajuda
quem com ela colabora. E a primeira natureza a ser
trabalhada pelo homem é a natureza que está no
próprio homem. Os princípios são democráticos,
eles não são classistas. Qualquer um, por mais
excluído e marginalizado que seja, que trabalhar
com obtemperança e fidelidade aos princípios da
natureza alcançará êxito. A natureza não escolhe
raça, cor, condição, família, status social ou
patamar econômico. Entregue uma caneta a um
semianalfabeto ou a um intelectual: cada qual
escreverá um texto compatível com seu nível de
intelecção. Mas a caneta será tão submissa ao
semianalfabeto quanto ao letrado. Da mesma forma
o papel aceitará a grafia de um e de outro. Não me
venha Marx dizer que o intelectual nasceu em
berço de ouro e o semianalfabeto em berço de
palha. O certo é que do fato de as conquistas de
uma geração serem transmissíveis às
125
supervenientes isto não invalida o jogo. Até porque
aquele que optou pela carreira da erudição poderia
ter escolhido ser um pródigo ou doidivanas. A teoria
da acumulação primitiva é um fetiche, uma
reificação, um amuleto. Teoria sem poder heurístico
algum maquia a verdadeira origem acerca da
desigualdade entre os homens. É uma inverdade,
uma hipótese que só poder ser defendida por um
sicofanta. Ainda que a teoria da acumulação
primitiva fosse verdadeira a propriedade privada
não seria ilegítima. Porque se nos dias de hoje a
virtude é a liderança e o empreendedorismo, no
passado a virtude era a força. Desde a época da
suposta acumulação primitiva o critério mudou
dezenas de vezes e quem era elite ontem continua
sendo elite hoje. Não se trata de sujeitos mais
proeminentes do que a média? Se quem usurpou
conseguiu manter até hoje, mereceu, então, o
prêmio oriundo da usurpação. O sujeito que
assume a bandeira, assume a consciência de
classe, assumiu o próprio fracasso. Ele confessou
que não tem condições de melhorar e quer ser
126
promovido sem deixar de ser o que é. Enquanto na
religião Cristo justifica a todos pelo seu sacrifício
pessoal na cruz, no capitalismo cada um deve ser
pessoalmente crucificado sem vicários, de modo
que o enfrentamento é indelegável. O socialismo
vai na contramão disso. Abole a meritocracia com
os dizeres: “a cada um conforme sua necessidade,
de cada um de acordo com sua capacidade”. É
certo? Não, não é! Quem está montado na
estrutura, para Marx tem demérito, para mim, tem
mérito. Até porque, se formos suficientemente
fortes, podemos derrubar quem está encastelado
sermos nós mesmos a dianteira do carro de
jagrená. O mundo é dos fortes. É ilógico usar da
força para prestigiar a fraqueza. Se a fraqueza é
tão boa quanto dizem os socialistas ela deve, no
mínimo, ter capacidade de velar por si própria. Marx
forjou uma ideologia a favor dos desvalidos ainda
que ao preço da fraude científica. O agir de Marx foi
tendencioso e imoral. Não se deve usar de mentira
ainda que a pretexto de favorecer uma boa causa.
O marxismo é religião e, como diria Helena
127
Blavatsky, nenhuma religião é superior à verdade.
Só que enquanto o cristianismo, só para
exemplificar, indica o mau caminho e oferece como
alternativa o bom caminho, o marxismo condena o
capitalismo e não oferece subterfúgio. O remédio
vem a ser pior do que a suposta doença. O Capital
de Marx é como um auto judicial fraudulento em
que o capitalismo é condenado de maneira injusta,
sem direito ao contraditório e à ampla defesa. A
teoria da acumulação primitiva de Marx é de
consequências muito sérias. Pois o fundamento da
ordem jurídica em sua perspectiva seria a máxima
injustiça. Daí o entender de Marx que o Estado e o
direito que dele decorre seriam uma superestrutura
visando à mantença do status quo. Uma coisa é
certa: o direito realmente é conservador. Ele reforça
a diferença. Mas devo fazer uma salva ao direito.
Ele implicitamente diz: quem alcançou tal posição
social tem estas e mais aquelas prerrogativas. Mas
veja-se bem: todo aquele que lograr alcançar uma
posição mais elevada terá exatamente as mesmas
prerrogativas. É como se o direito dissesse “todo
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verde é detentor de tal e tal comodidade” e, assim
que você se torna um verde, passa também a
usufruir das mesmas comodidades. O direito, com
algumas exceções como o direito do trabalho e o
do consumidor, é a arte de dizer o direito do mais
forte. E isto é tão verdadeiro que nas repúblicas
socialistas praticamente todas as ações são contra
o Estado e, através do seu Judiciário, o Estado dá
razão a si mesmo. O direito cria o processo para
dizer que houve uma discussão, uma apreciação da
matéria, um procedimento, enfim. O direito justifica
sempre o poder, qualquer que seja o poder.
Todavia, não vejo nada de errado no fato de o
Judiciário ser um poderoso ingrediente da ordem
capitalista. Principalmente quando se fulmina a
teoria da acumulação primitiva caem por terra as
críticas ao Judiciário enquanto legitimador. Ainda
que a acumulação primitiva tenha sido realmente
um esbulho então precisaríamos contextualizar este
esbulho para a época do homem caçador nos
primórdios do patriarcado. Ou até muito antes disso
quando nem bem homens nós éramos. Imagino
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duas figuras simiescas antropoides disputando uma
carcaça. Quem logrará êxito? Não exatamente o
mais forte, mas o mais resiliente. E resiliência é
persistência, é paciência, é resolução, é
determinação. Ora, estas virtudes merecem ser
premiadas. Porque se a diferença nasce com a
acumulação primitiva então antes deste evento
todos eram iguais. O próprio Marx fala no
“comunismo primitivo”. Ora, se um igual suplantou e
transcendeu outro igual isto significa que ele teve
uma virtude, um mérito pessoal. Ele despendeu um
esforço que outro não despendeu por comodidade.
Não bastasse a igualdade de condições nas quais
se deu a suposta acumulação primitiva, temos de
considerar os efeitos benéficos deste fenômeno.
Todas as instituições, o direito, os valores, a
garantias, nascem da acumulação. Se não
houvesse esse primeiro passo, no dizer de
Spencer, da homogeneidade para a
heterogeneidade, não haveria civilização, não
haveria sociedade, seríamos um bando de animais
mais semelhantes aos outros animais do que àquilo
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que somos hoje. Questionar a acumulação primitiva
equivale a questionar tudo o que temos e somos,
tudo em que acreditamos. A admissão da teoria
marxiana da acumulação primitiva conduz ao
niilismo, o que é razão forte o suficiente para
taxarmos esta teoria de irracional e completamente
absurda. Que lugar deve ocupar a teoria da
acumulação primitiva de Marx? Seu lugar é o lugar
de uma reflexão crítica e relativizante. Não deve ser
encarada como um dogma de fé e muito menos
como verdade absoluta. É apenas um dos modos
possíveis de explicar como as coisas aconteceram
e, como demonstramos, é, na verdade, a pior
forma. Sempre terá valor enquanto algo teorético e
livresco, que é a característica da maior parte dos
trabalhos dos filósofos famosos.
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Posfácio
A tentativa da obra é superar o materialismo
histórico. Da mesma forma que em A Iniciativa
tentei superar a teoria da mais-valia. Precisamos
enterrar estes jurássicos. Nesta obra pude contar
com a colaboração de Mariano Soltys que escreveu
o capítulo segundo e o quarto. O primeiro, o
terceiro e o quinto são de minha verve. O
materialismo histórico até hoje foi um membro do
corpo que dizia que o organismo não é importante.
Ou seja, parte da noosfera que pauta-se sobre a
premissa de que a noosfera não é importante.
Apontamos e corrigimos este defeito. O tripé do
marxismo é materialismo histórico, mais-valia e
acumulação primitiva. Detonamos as bases teóricas
de ambos os três pontos de vista. Enquanto um
prédio velho não é implodido ele continua de pé, e
minamos e implodimos o edifício até pulverizá-lo.
Agora basta removermos os entulhos. Obrigado por
ter nos acompanhado até aqui.
Cléverson Israel Minikovsky, pensador.
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