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DIOGO L. MACHADO DE MELO CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, CLÁUSULAS ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002 MESTRADO EM DIREITO CIVIL PUC/SP SÃO PAULO 2006

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DIOGO L. MACHADO DE MELO

CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, CLÁUSULAS

ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002

MESTRADO EM DIREITO CIVIL

PUC/SP

SÃO PAULO

2006

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DIOGO L. MACHADO DE MELO

CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, CLÁUSULAS

ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Direito das Relações Sociais

(subárea de Direito Civil) sob orientação do

Professor Doutor RENAN LOTUFO.

PUC/SP

SÃO PAULO

2006

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3

Banca Examinadora

______________________________________________________

______________________________________________________

______________________________________________________

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Dedicatória

Ao amigo RENAN LOTUFO, como parte da (impossível) tarefa de retribuir o que

graciosamente recebi e aprendi. Por ter me mostrado que só quem ama é capaz de

ouvir e entender as estrelas, bem como a própria evolução e efetivação do direito.

À CELINA, por ter me ensinado, com seu jeito meigo e paciente, o que é amar e ser

amado, e por me permitir alcançar, ao seu lado, o sentido da felicidade a cada dia.

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AGRADECIMENTOS

Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és

responsável pela rosa ...

SAINT-EXUPÉRY

Para falar a verdade, sempre gostei dos agradecimentos que constam das

dissertações, teses e livros. Querendo ou não, neles estão, de fato, a história do

autor, o seu percurso até a consagração (e por que não, as causas do insucesso...)

de seu árduo trabalho. Confesso que relutei em fazê-los aqui. Mas o medo de não

tornar público este gesto de carinho e de reconhecimento, por mais paradoxo que

pareça, me fez tomar coragem. Antes de agradecimento, deve o leitor considerar

estas palavras parte de uma oração que, humildemente, faço por ter conseguido

chegar ao fim de mais este trajeto.

Não poderia deixar de agradecer, em primeiro lugar, com o coração cheio de

alegria, aos meus queridos e adorados pais, José Horácio de Melo e Sandra Marina

Machado de Melo. Exemplos de educadores e advogados, a quem tudo devo,

especialmente, por terem me dado todas as condições de sair da minha pequenina

cidade e realizar um sonho: estudar Direito na PUC/SP.

Também não posso deixar de agradecer meus queridos irmãos mais velhos,

Matheus e Rodrigo, que em cada gesto e a cada palavra de incentivo dão sentido à

família que nos une.

Ao vovô Roberto, que infelizmente não está mais conosco. Mesmo

contrariando muitos de seus conselhos (afinal, não segui a carreira de médico),

sempre fui mais amado do que merecia, e ainda sou pela vovó Manoela. Aliás,

falando de avós, também agradeço ao saudoso Francisco Thomaz de Carvalho

Filho, uma das pessoas mais brilhantes que conheci em vida. A presença constante

de sua imagem em minha memória me faz acreditar que é possível realizar os

sonhos sonhados tantas e tantas vezes ao seu lado. Por não ter dito tudo o que

poderia enquanto ele esteve vivo, rendo-lhe esta singela homenagem, prova de que

a amizade também transcende a existência do ser humano. Desse contato, acabei

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conhecendo seu filho, meu grande amigo (e compadre) Francisco Thomaz de

Carvalho Júnior (o Chico), a quem nutro profunda admiração e amizade. Aliás –

como ele sempre gosta de frisar – foi por indicação do Chico que comecei a

trabalhar, ainda como estagiário, no Renan Lotufo Advogados Associados.

Lembrando-me do escritório, hoje, já como advogado, não poderia deixar de

agradecer a todos que estiveram (e estão) comigo e que, de alguma forma,

ajudaram-me a dar cada passo, a crescer como estudante e como pessoa,

respeitando (silenciosamente) minhas graves limitações intelectuais. No escritório,

aprendi que o amor pelo Direito, a dedicação e o respeito ao próximo são condições

mínimas para o exercício da docência e da advocacia.

Por isso, agradeço a todos que passaram por ali, mas faço especial

agradecimento aos amigos Gilberto e Valéria. Foi com eles que passei grande parte

de minha vida profissional. Humildes funcionários, sempre me trataram com carinho

e me serviram com admirável dedicação, aturando pacientemente minhas rabugices

e manias, como fiéis ouvintes, em todo início do dia. Sem eles eu também não

estaria aqui.

Agradeço, ainda, pelo convívio com a amiga Maria Alice Zaratin Soares

Lotufo, exemplo de mulher, advogada, professora, minha confidente, incentivadora e

orientadora nas relações afetivas, suprindo a falta de minha mãe, que infelizmente

não pôde estar aqui durante todo o tempo. Agradeço também aos membros da

antiga formação do escritório, na pessoa de meus primeiros "chefes", Fernando

Sartori e Luciana Stocco Betiol, e hoje aos amigos Luiz Philipe Tavares Cardoso,

Juliana Maria Câmara e João Luís Zaratin Lotufo, pela paciência que tiveram comigo

na fase final deste trabalho.

Aos amigos Irineu Jorge Fava e Elcio Trujillo, ilustres magistrados, a quem

devo importante (e inesquecível) aprendizado, quando passei em estágio pela

Escola Paulista da Magistratura.

Ao professor Silvio Luís Ferreira da Rocha, pela oportunidade da primeira

monitoria em Direito Civil, enquanto aluno da graduação da PUC/SP.

Agradeço ao fraterno amigo e professor Cassio Scarpinella Bueno. Como

meu professor na graduação, foi o Cassio quem me inspirou, despertando em mim o

interesse pela docência, sendo o responsável pelo "empurrão inicial", confiando-me,

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hoje, a honrosa posição de assistente em uma de suas Cadeiras da PUC/SP.

Cassio, de coração, muito obrigado.

Agradecimento especial à amiga Susete Gomes Barné, pelas palavras de

apoio no curso de mestrado da PUC/SP.

Por último, agradeço a todos os membros do Instituto de Direito Privado

(IDP), especialmente pela imprescindível companhia e amizade dos professores

Rafael Marinangelo, Giovanni Ettore Nanni, Marcelo Benacchio, Hamid Charaf Bdine

Júnior, Ragner Limongeli Vianna e Fernando Rodrigues Martins (Mineiro).

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RESUMO

O presente trabalho volta-se ao estudo e à sistematização apartada das cláusulas

contratuais gerais no âmbito do direito privado, fornecendo subsídios para maior

compreensão e melhor aplicação dos contratos por elas contidos.

Partindo da premissa civil-constitucional e da recente doutrina dos contratos, buscar-

se-á contextualizar, historicamente, o surgimento e a utilidade das cláusulas

contratuais gerais.

Em um segundo momento, serão apresentadas as características específicas das

cláusulas contratuais gerais, suas diferenças de institutos afins, bem como a

demonstração de sua natureza jurídica, o que legitimará as conclusões sobre os

limites e as particularidades do seu controle e de sua interpretação.

As cláusulas contratuais gerais não contam com regramento específico em nosso

país, mas têm sido objeto de leis especiais em diversos países. Partindo de

experiências estrangeiras, serão apresentadas formas de controle das cláusulas

contratuais gerais consideradas abusivas, tecendo-se comparação com os métodos

de repressões administrativa, judicial e legislativa existentes em nosso país, em

especial, no Código Civil.

Para melhor compreensão do fenômeno, de sua existência independente e anterior

aos contratos de adesão que serão formados, também será feito um estudo sobre a

formação dos contratos e do processo de inclusão das cláusulas contratuais gerais

em contratos individuais, sem deixar de apontar, ainda, os mecanismos de tutela

existentes em favor do aderente nesta fase.

Por fim, retomadas as premissas dos estudos, serão dados subsídios para

interpretação das cláusulas contratuais gerais que, pelo caráter geral, abstrato e

rígido, impõe soluções que ultrapassam os interesses individuais das partes

diretamente atingidas, merecendo, portanto, uma interpretação típica, peculiar,

dados estes que fornecerão respaldo para compreensão e aplicação dos artigos 423

e 424 do Código Civil.

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ABSTRACT

The present work focuses the study and separate systematization of the general

contractual clauses in the field of private law, providing subsidies for a greater

understanding and better application of the contracts in which they are included.

From the civil-constitutional point of view, and according to the recent theory of

contracts, it will search to place the start and the usefulness of the general

contractual clauses inside a historical context.

Afterwards, the specific characteristics of the general contractual clauses, their

differences with similar principles, and the demonstration of its legal nature, which will

legitimate the conclusions on the limits and particularities of its control and

interpretation, will be presented.

Despite there is no specific regulation in our country, the general contractual clauses

have been the subject of special laws in several countries. Starting from foreign

experiences, ways for controlling the general contractual clauses considered as

abusive will be presented, comparing the methods for administrative, judicial and

legislative repression existing in our country, especially in the Civil Code.

For a better understanding of the phenomenon, its independent and prior existence

as regards the adhesion contracts which will be formed, a study on the contractual

formation and the process of including the general contractual clauses in individual

contracts will be performed, indicating further the mechanisms for protection existing

in favor of the adherent in this stage.

Finally, after retaking the premises of the study, subsidies for interpretation of the

general contractual clauses which, for its general, abstract and rigid character,

impose solutions transcending the individual interests of the directly affected parties,

and deserving therefore a typical, peculiar interpretation shall be given, data which

shall serve as basis for understanding and applying articles 423 and 424 of the Civil

Code.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13

PARTE I – ASPECTOS ATUAIS DO DIREITO PRIVADO E DA TEORIA GERAL

DOS CONTRATOS. CONTEXTO HISTÓRICO E UTILIDADE DAS CLÁUSULAS

CONTRATUAIS GERAIS .........................................................................................16

1 Premissas metodológicas para o estudo do direito privado e das cláusulas

contratuais gerais .................................................................................................16

1.1 Introdução ....................................................................................................16

1.2 O direito público e o direito privado..............................................................17

1.2.1 O direito privado no curso da história: breves digressões .....................19

1.2.2 A chamada “publicização” do direito privado .........................................25

1.2.3 A crise da dicotomia público e privado ..................................................29

1.3 Lineamentos do direito civil constitucional ...................................................30

1.3.1 Rumos do direito privado e do direito civil constitucional.......................35

1.3.2 A utilidade da autonomia do direito privado...........................................35

1.3.3 O direito civil constitucional e o Código Civil de 2002............................39

1.4 O estágio atual da teoria geral dos contratos...............................................43

1.4.1 Os “novos” princípios do contrato..........................................................49

1.4.2 Obrigação como relação jurídica complexa. Relevância para o estudo

dos contratos ..................................................................................................55

1.5 Contexto histórico do surgimento das cláusulas contratuais gerais: a

massificação das relações contratuais...............................................................58

1.6 As cláusulas contratuais gerais. utilidade.....................................................69

PARTE II – AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS ...........................................75

2 Características das cláusulas contratuais gerais ................................................75

2.1 Nota preliminar. elucidação terminológica....................................................75

2.1.1 Razões do uso do nome “cláusulas contratuais gerais” ........................75

2.1.2. Cláusulas contratuais gerais e contrato de adesão. Distinção .............79

2.2 Conceito .......................................................................................................83

2.2.1 Conceito ................................................................................................84

2.2.2. Descrições legais das cláusulas contratuais gerais..............................87

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2.3 Características essenciais das cláusulas contratuais gerais: unilateralidade,

predisposição, generalidade, abstração, rigidez ................................................90

2.3.1 Unilateralidade – observação necessária ..............................................90

2.3.2. Predisposição (pré-formulação, pré-formatação, pré-elaboração) .......94

2.3.3. Generalidade (e uniformidade) .............................................................96

2.3.4 Abstração (indeterminação).................................................................101

2.3.5 Rigidez.................................................................................................102

2.4 natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais.....................................104

2.4.1 Teoria normativista ..............................................................................105

2.4.2 Teoria contratualista ............................................................................107

2.4.3 Teoria eclética .....................................................................................109

2.5 Institutos afins – diferenças........................................................................115

2.6 Exemplos de incidência cláusulas contratuais gerais.................................118

3 As cláusulas contratuais gerais no direito estrangeiro .........................................122

3.1 Introdução ..................................................................................................122

3.2 Direito europeu. Antecedentes históricos da Diretiva n. 13,

de 05.04.1993............................................................................................122

3.3 Código Civil italiano....................................................................................125

3.4 AGB-Gesetz alemã e o BGB......................................................................126

3.5 Unfair Contracts Terms Act na Inglaterra ...................................................129

3.6 Loi sur la protection et l’information des consommateurs des produits et des

services e code de la consommation na frança ...............................................131

3.7 Suécia ........................................................................................................133

3.8 Standard contracts law em Israel ...............................................................134

3.9 Código Civil peruano..................................................................................135

3.10 Lei das cláusulas contratuais gerais de Portugal (Dec.-lei n. 446/1985)..136

2.11 Ley sobre condiciones generales de la contratación na Espanha (Lei n. 7,

de 13.04.1998) .................................................................................................137

PARTE III – CLÁUSULAS ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002.....................140

4 Sistemas de controle das cláusulas contratuais gerais abusivas ....................140

4.1 Introdução ..................................................................................................140

4.2 Controle administrativo. características......................................................143

4.3 Controle judicial. características.................................................................145

4.4 Controle de conteúdo ou legislativo – características. ...............................152

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12

4.5 Controle administrativo e controle judicial no direito brasileiro...................164

4.6 controle de conteúdo no Brasil – Parâmetros existentes no Código Civil de

2002 para caracterização das cláusulas abusivas e seu controle....................176

5 Considerações sobre o consenso e sobre a formação dos contratos no Código

Civil de 2002 ........................................................................................................198

5.1 Introdução ..................................................................................................198

5.2 Formas de expressão da manifestação da vontade...................................201

5.2.1 Declaração de vontade. Declarações verbais, escritas, simbólicas.....204

5.2.2 Declaração tácita e comportamento concludente. Silêncio .................207

5.2.3 Relações contratuais de fato. Observação necessária........................209

5.3 Formação dos contratos no Código Civil....................................................211

5.3.1 Consenso nos contratos entre ausentes .............................................219

5.3.2 Nota: consentimento no contrato de adesão .......................................222

5.3.3 Formação do contrato de adesão e das cláusulas contratuais gerais .223

5.4 O controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais na formação do

contrato de adesão ..........................................................................................227

6 Interpretação das cláusulas contratuais gerais.................................................235

6.1 Introdução ..................................................................................................235

6.2 Interpretação dos contratos. breves considerações...................................237

6.3 Aplicabilidade das regras de interpretação dos contratos às cláusulas

contratuais gerais.............................................................................................241

6.3.1. Interpretação das cláusulas contratuais gerais enquanto predispostas,

antes de estar inseridas em contratos individuais ........................................247

6.3.2 Interpretação das cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos de

adesão. O art. 423 do Código Civil ...............................................................250

6.4 A boa-fé e a função social na interpretação das cláusulas contratuais

gerais .........................................................................................................261

CONCLUSÃO..........................................................................................................270

REFERÊNCIAS.......................................................................................................273

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13

INTRODUÇÃO

Definitivamente, sistematizar um estudo sobre o tema cláusulas contratuais gerais

não é uma tarefa tranqüila. Há sempre o risco de se elaborar um trabalho

incompleto.

Exemplo disso é que, das poucas obras monográficas ou artigos existentes sobre o

tema, nenhuma delas optou pelo tratamento geral das cláusulas contratuais gerais:

ora se dá enfoque ao estudo dos sistemas de controle, ora da abusividade das

cláusulas contratuais gerais ou, ainda, no caso dos trabalhos estrangeiros, restringe-

se ao comentário das leis que regulam as cláusulas contratuais gerais em um dado

país. Nos trabalhos sobre os contratos de adesão, é dada ênfase à formação e ao

estudo dos contratos individuais, mas nenhuma atenção às cláusulas contratuais

gerais que os compõem.

O tema é extremamente rico e amplo, mas pouco explorado pela doutrina nacional.

Por isso, estando certo da dimensão do tema, aceitou-se o desafio de um estudo

geral das cláusulas contratuais gerais, tendo como parâmetro não o Código de

Defesa do Consumidor, mas as relações civis, empresariais e o Código Civil de

2002.

O presente trabalho volta-se, portanto, ao estudo de uma parte específica do direito

dos contratos ou, mais precisamente, das chamadas cláusulas contratuais gerais

(também denominada em doutrina como condições gerais dos contratos ou

condições gerais dos negócios), desde as origens dessa figura, de seu tratamento

no direito estrangeiro e o seu enquadramento no direito civil brasileiro.

As cláusulas contratuais gerais representam uma prática historicamente recente.

Apesar de encontrarmos na história exemplos remotos de sua utilização, sua

existência está intimamente ligada ao surgimento da sociedade industrializada e de

consumo, recebendo, por isso, forte resistência da doutrina clássica em aceitá-la,

acostumada com contratos parelhos, em que se exige prévia discussão, com estudo

focado exclusivamente no vínculo subjetivo (e exclusivo) das partes, abstraindo-se

completamente da dinâmica das relações sociais e do fato de que a relação

contratual também é fenômeno social, valor objetivo no qual as partes constituem,

extinguem ou modificam uma relação patrimonial própria.

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14

Por essa razão, além da contextualização histórica das cláusulas contratuais gerais,

a primeira parte do trabalho (Parte I) volta-se, propositadamente, à fixação das

diretrizes civis-constitucionais para o estudo dos contratos, que permitirão a melhor

compreensão dos subsídios teóricos de interpretação e de caracterização das

cláusulas contratuais gerais consideradas abusivas.

Por sua vez, a segunda parte do trabalho (Parte II) tem como enfoque o estudo das

cláusulas contratuais gerais propriamente ditas, suas notas características, sua

distinção com os contratos de adesão e institutos afins, sua natureza jurídica

(Capítulo 2). Ainda nessa parte, posteriormente, serão indicados os pontos básicos

do tratamento das cláusulas contratuais gerais na Comunidade Européia (Diretiva n.

13/1993), na Itália, bem como na Alemanha, Inglaterra, França, Suécia, Portugal,

Peru e Espanha (Capítulo 3), que, diferentemente do Brasil, contemplam um

tratamento legislativo específico sobre o tema, fornecendo importantes subsídios

para interpretação e aplicação do instituto em nosso sistema.

A terceira parte do estudo (Parte III) volta-se ao estudo da patologia das cláusulas

contratuais gerais, ou seja, da sua abusividade. Logo no Capítulo 4, serão

estudadas as características dos métodos de repressão administrativa, judicial e

legislativa das cláusulas contratuais gerais consideradas abusivas existentes no

direito estrangeiro e, posteriormente, as características desses controles em nosso

país, dando especial atenção aos subsídios para contenção da abusividade

existentes no Código Civil de 2002 que, ao contrário do Código de Defesa do

Consumidor, não dispõe de um elenco de cláusulas consideradas abusivas.

O tema não tem interesse apenas teórico, uma vez que o Código Civil, que

consagrou expressamente nos seus artigos o princípio da boa-fé objetiva e da

função social do contrato, deixou de trazer um regramento sistemático para o

problema das cláusulas contratuais consideradas abusivas. Por isso o trabalho

busca cuidar do problema das cláusulas abusivas especificamente no Código Civil,

excluindo-se do tema do trabalho a regulação de clausulas abusivas feitas para a

proteção do consumidor, que recebem tratamento especial no Código de Defesa do

Consumidor.

Não se nega a possibilidade de influência recíproca entre Código Civil e Código de

Defesa do Consumidor e o modo como ela poderia se dar, mas esse é um tema que

necessita de trato exclusivo, que não cabe nas pretensões deste trabalho. O simples

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15

tratar do tema especificamente no Código Civil pode ajudar, inclusive, em eventual

estudo comparado.

No Código Civil, o único artigo que trata, especificamente, do assunto é o art. 424,

pelo qual, nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia

antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. O que se

pretende demonstrar é como os princípios contratuais da boa-fé objetiva, da função

social e do equilíbrio contratual – que não está expresso no Código Civil – podem

ajudar no trato do tema das cláusulas contratuais gerais abusivas.

No Capítulo 5, será feito um estudo sobre a formação dos contratos e sobre o

consenso, permitindo o melhor estudo das cláusulas contratuais gerais na fase pré-

contratual, como também quando essas estiverem inseridas em contratos

individuais. Por fim, tendo sido fixada a noção da formação dos contratos e das

cláusulas, no último capítulo (Capítulo 6), será feito o estudo sobre o problema da

interpretação das cláusulas contratuais gerais e, mais uma vez, como a boa-fé e a

função social poderão fornecer diretrizes interpretativas para figura.

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16

PARTE I

ASPECTOS ATUAIS DO DIREITO PRIVADO E DA TEORIA GERAL DOS

CONTRATOS. CONTEXTO HISTÓRICO E UTILIDADE DAS CLÁUSULAS

CONTRATUAIS GERAIS

1

PREMISSAS METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DO DIREITO PRIVADO

E DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

1.1 INTRODUÇÃO

Durante séculos, o direito privado manteve-se intangível, no papel de sistematizar

regras sobre as atividades entre os entes privados, ao lado do direito público. No

curso da história contemporânea, por inúmeras razões que serão oportunamente

apontadas, esta dicotomia entre público e privado foi sendo relativizada, o que

motivou o surgimento de inúmeros estudos sobre um novo papel a cada um desses

ramos do direito.

Nesse contexto, surge o chamado direito civil constitucional, que altera o enfoque do

estudo do direito privado centralizado única e exclusivamente no Código Civil,

passando a ter como fonte de incidência direta a Constituição Federal, e que terá

especial importância na sua interpretação e no seu desenvolvimento.1

Indaga-se hoje sobre pertinência de uma configuração autônoma do direito privado

(e do próprio direito civil), exatamente pela preeminência do Texto Constitucional no

sistema jurídico e pelo fenômeno da publicização. Porém, em razão da incorporação

de inúmeros preceitos constitucionais pelo Código de 2002, questiona-se o próprio

caminho do direito civil constitucional nos dias de hoje. São inúmeros os trabalhos

dedicados às relações entre o direito constitucional e o direito civil e, de modo mais

amplo, sobre os caminhos a serem trilhados pelo direito privado. Como adverte J. J.

CANOTILHO, esses estudos, por vezes, denotam logo a matriz constitucionalista ou

civilista dos seus autores. Uns falam com arrogância sobre civilização do direito

constitucional e outros respondem com igual sobranceria da constitucionalização do

1 LARENZ, Karl. Derecho Civil – Parte General. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1978. p.

96-97.

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17

direito civil.2 O direito civil constitucional nunca esteve tão vigoroso e inabalável,

apesar das críticas infindáveis, servindo de importante vertente metodológica

indispensável para interpretação e aplicação das cláusulas contratuais gerais, razão

de ser deste trabalho.

1.2 O DIREITO PÚBLICO E O DIREITO PRIVADO

A distinção entre direito público e direito privado representa uma das mais antigas

dicotomias do Direito. Segundo TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., tratando-se de

lugares comuns, essas noções também não são logicamente rigorosas, são apenas

pontos de orientação e organização coerentes da matéria, que envolvem, por isso

mesmo, disputas permanentes, suscitando teorias dogmáticas diversas, cujo intuito,

na verdade, é conseguir o domínio mais abrangente e coerente possível dos

problemas.3 Normalmente, essa distinção é feita pelos mais variados critérios, que,

na maioria das vezes, são controvertidos.4

2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Dogmática de direitos fundamentais e direito privado. In:

SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 339. Vale aqui as indagações sugeridas por ERIK FREDERICO GRANSTRUP: "Um sem-número de jovens civilistas – acompanhado de um número não tão pequeno de veteranos – tem experimentado as trilhas do direito civil constitucional, ocasionando a pergunta que intitula este trabalho. Indaga-se, por ocasião, se isto seria uma nova disciplina, uma nova especialidade, ou até se afirma, levianamente, que se estaria diante de mero modismo intelectual. Parece-nos que a curiosidade incitada pela pergunta, bem como a necessidade de dar resposta adequada às reações superficiais, são motivos suficientes para dedicar um esforço explicativo". GRANSTRUP, Erik Frederico. Um exercício de direito civil constitucional. In: Temas de dissertação nos concursos da magistratura federal. Estudos em homenagem ao Professor Benedicto Celso Benício. São Paulo: Editora Federal, 2006. p. 81.

3 FERRAZ, Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao estudo do Direito – técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1991. p. 131. Destaca ainda o autor: “A distinção entre o direito público e privado não é apenas um critério classificatório de ordenação dos critérios de distinção dos tipos normativos. Com sua ajuda pode-se, é verdade, classificar normas, com seus diferentes tipos, em dois grandes grupos. O interesse da classificação, porém, é mais extenso. A distinção permite uma sistematização, isto é, o estabelecimento de princípios teóricos, básicos para operar as normas, de um ou de outro grupo, ou seja, princípios diretores no trato com as normas, com as suas conseqüências, com as instituições que elas se referem, os elementos congregados em sua estrutura. Estes princípios decorrem, eles próprios, do modo como a dogmática concebe o direito público e privado. E este modo, não podendo ter o rigor de uma definição, é, de novo, tópico, resulta da utilização de lugares comuns, de pontos de vista formados historicamente e de aceitação geral”.

4 Ulpiano, em Roma, referiu pela primeira vez a distinção, ao apontar a existência de duas perspectivas possíveis para o estudo do direito: a primeira concernente ao modo de ser do Estado romano (normas sobre a organização política e religiosa do Estado), a segunda relativa aos interesses privados. Apesar de os romanos conhecerem, portanto, a distinção entre o público e o privado, ela só viria a adquirir grande interesse após o advento do Estado de Direito: “Até então, o direito privado evoluíra muito e constantemente, enquanto o direito público se mantinha como categoria de pouca relevância, seja porque este último flutuou demais (pense, por exemplo, na diferença radical entre as regras que regularam o poder político na Idade Média e no Absolutismo), seja porque encerrava pequeno arsenal de normas (no período absolutista, por exemplo, tudo se

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PIETRO PERLINGIERI afirma que a unidade do fenômeno social e do ordenamento

jurídico exige o estudo de cada instituto nos seus aspectos ditos privatísticos e

publicísticos, mas destaca, como se verá, que essa dicotomia está em crise. Essa

distinção, que já os romanos tinham dificuldade em definir,5 consubstancia-se ora na

natureza pública do sujeito titular dos interesses, ora na natureza pública e privada

dos interesses,6 surgindo ainda os mais variados critérios para uma diferenciação.

Em famosa citação, NORBERTO BOBBIO reduz esses critérios a dois principais,

quais sejam, forma e matéria da relação jurídica. Segundo o mestre italiano, com

base na forma da relação jurídica, distinguem-se relações de “coordenação” entre

sujeitos de nível igual e relações de “subordinação” entre sujeitos de nível diferente,

em que um é superior e outro inferior: as relações de direito privado seriam

caracterizadas pela igualdade dos sujeitos e, portanto, seriam relações de

coordenação; as relações de direito público seriam caracterizadas pela desigualdade

dos sujeitos e, portanto, seriam relações de subordinação. Com base na “matéria”,

porém, que constitui o objeto da relação, distinguem-se os interesses ”individuais”,

que se referem a uma única pessoa, dos interesses “coletivos”, que se referem à

totalidade das pessoas, à coletividade. Levando em conta essa distinção, o direito

reduzia, em última análise, à regra de que o poder do Estado era ilimitado e devia ser acatado). A doutrina propôs diversos critérios; entre eles, o do sujeito e do interesse. Pelo primeiro, direito público é aquele que tem por sujeito o Estado, enquanto o privado é o que rege a vida dos particulares. Eu nada tenho contra esse critério, que define com razoável precisão o campo de aplicação do direito público. Mas não basta o jurista conhecer o campo de incidência do direito público, necessita, sobretudo saber das características dele. Caso contrário, de que adiantaria saber que o direito público é o que rege as relações envolvendo o direito privado? [...] De acordo com esse critério – o do interesse – seriam públicas as normas que tutelam interesses públicos e privadas as normas que regulam os interesses privados. Posto desse modo, há uma insuficiência séria nesse critério: ele não resolve o problema, apenas o transfere. Por ele, a dificuldade deixa de ser a diferença entre direito público e direito privado e se transfere para a distinção entre interesse público e privado. Realmente, sabendo que o direito público regula os interesses públicos, teremos que descobrir como apartá-los dos interesses privados! A doutrina, a partir daí, costuma se desviar, pondo-se a discutir, de acordo com a visão de cada pensador e se esquecendo completamente das normas jurídicas, o que é interesse público e o que é interesse privado: um dirá que interesse público é o que afeta toda a sociedade e não o indivíduo isoladamente, outro que o interesse público afeta preponderantemente a sociedade, embora possa interessar indiretamente ao indivíduo. Perceba, no entanto, que tais propostas de discriminação não partem de qualquer elemento sacado do direito positivo, mas sim de noções estranhas a ele; por isso, não têm serventia para a ciência do direito”. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do direito público. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 129-130.

5 A base de toda a construção sobre a dicotomia entre direito público e privado advém do trecho de Ulpiano no Digesto (1.1.1.2): Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem (Em tradução livre: O direito público diz respeito ao estado da coisa romana, à polis ou civitas; o privado, à utilidade dos particulares).

6 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 53.

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privado seria caracterizado pela proteção que oferece aos interesses privados e o

direito público, pela proteção oferecida aos interesses coletivos.7

Contudo, nem esses critérios não estão isentos de críticas. É cada vez mais visível

que nas relações jurídicas entre privados nem sempre as partes se encontram em

posição de igualdade, o que levou o direito a criar novos microssistemas justamente

para proteger a parte tida como hipossuficiente. E sabe-se que nem sempre o

Estado se relaciona com os sujeitos privados sob a forma de subordinação, pois,

percebendo sua incapacidade para atuar diretamente em todas as áreas em que

modernamente passa a intervir, cada vez mais o Estado transfere suas atividades à

iniciativa privada, mediante concessões, autorizações ou delegações de algumas de

suas funções, sendo que as relações que surgem entre os entes envolvidos são

presididas mais por um sentido de coordenação que propriamente por um de

subordinação.8 Assim, nessas breves linhas, percebe-se que a diferenciação não

pode mais ser feita aleatoriamente, pela simples eleição de critérios que nem

sempre representam a realidade, ganhando esta divisão mais ares de utilidade do

que, propriamente, de cientificidade.

1.2.1 O direito privado no curso da história: breves digressões

Segundo HANNAH ARENDT, a separação entre as esferas pública e privada é

caracterizada na cultura da Antiguidade de forma peculiar. A esfera privada

compreendia o reino da necessidade da atividade humana, cujo objetivo era atender

às exigências da própria condição animal do homem: alimentar-se, repousar,

procriar. A necessidade coage o homem e o obriga exercer um tipo de atividade

para sobreviver. A palavra “privado” tinha aqui o sentido de privus, ou seja, do que é

próprio, daquele âmbito em que o homem, submetido às necessidades da natureza,

buscava sua utilidade nos meios de sobrevivência. Nesse espaço, não havia

liberdade, pois todos, inclusive os senhores, estavam sob a coação da

necessidade.9

7 BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Brasília: Ed. UNB, 1984. p.

83. 8 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito

privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p. 14, nota 5.

9 ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense/Edusp, 1981. p. 31.

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Libertar-se dessa preeminente necessidade era privilégio de alguns: no curso da

história, percebe-se que apenas os cidadãos (cives) exerciam suas atividades no

âmbito da polis, da cidade. Particularmente, na Grécia Antiga, reunidos com os

iguais, participavam intensamente das grandes decisões envolvendo os interesses

da comunidade, havendo nessa época a interpenetração do público e do privado.

Em Roma, essas duas esferas são nitidamente separadas, já que havia pouca

participação direta dos cidadãos enquanto tais na esfera pública.10 Na Idade Média,

em razão da primazia da propriedade imobiliária sobre os demais institutos e da total

fragmentação das formações sociais, houve absorção do público pelo privado.

Nesse período, os senhores feudais exerciam verdadeira função pública sobre os

habitantes de seus feudos, estabelecendo regras obrigatórias, impondo e

arrecadando tributos, julgando seus servos e executando as suas decisões.

No início do século XVIII, ocorre a mais intensa divisão entre público e privado. O

direito público passa a ser visto como ramo do direito que disciplina as atividades do

Estado, sua estruturação e seu funcionamento, ao passo que o direito privado busca

a regulamentação, as relações entre os entes privados, que passa a ter todo o seu

arcabouço normativo nas grandes codificações. O direito privado ganha autonomia

no momento das grandes codificações civis, cujo marco, sem qualquer sombra de

dúvida, foi a Revolução Francesa. A Revolução tem como principal bandeira o

rompimento com a monarquia e a nobreza, com o clero e, além disso, é contra a

magistratura francesa. Segundo RENAN LOTUFO, o povo não mais aceitava que o

Direito favorecesse só a nobreza, porque, inexistindo um sistema de legislação

nacional, os juízes, sendo locais, sofriam a influência do seu meio e decidiam no

mais das vezes de acordo com a praxe e o costume, evidentemente favoráveis ao

status quo então vigente na França.11

Uma das razões que motivou a Revolução Francesa (e também a Revolução

Americana) ocorrida no último quartel do século XVIII, foi a total aversão à

intervenção do Estado nas relações entre os particulares, principalmente nas

relações econômicas. A Revolução Francesa insurgiu contra o Estado Absolutista,

10 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito

privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p.16

11 LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 22.

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no qual todo o poder estava concentrado nas mãos do soberano, e a nobreza

gozava de inúmeros benefícios em detrimento do restante da sociedade. No que

toca ao movimento americano, com a conquista da independência, tanto a

Declaração de Direitos da Virgínia quanto a Constituição norte-americana

consagraram como direito fundamental daquele povo a liberdade.

Em razão de tais circunstâncias, o revolucionário pleiteou a edição de uma nova

ordem jurídica. E assim, no caso da França, a nova Constituição francesa de três de

setembro de 1791 determinou que se elaborassem as novas leis, e essas deveriam

viger em todo o território nacional. Daí partiu-se para o trabalho de codificação,

sendo que, após tentativas frustradas, finalmente com Napoleão no poder, foi

promulgado o Código Civil francês.

A partir daquele momento, as demais legislações foram postas de lado. Toda a

França e também as nações vizinhas passaram a se centrar no Código Civil francês,

que refletiu em seu texto os princípios da Revolução (liberdade, fraternidade e

igualdade), focalizando dois outros valores fundamentais: propriedade e contrato. O

ideal revolucionário burguês de “garantir propriedade a todos” era realizado por meio

de contrato. Dessa forma, toda dogmática contratual foi construída, naquele período,

tendo como premissa a plena liberdade de contratar.

A liberdade era entendida como algo inato a todo ser humano, livre para contratar

como e com quem quiser.12 O direito privado passou a ser o centro dos interesses,

exatamente por representar o expurgo do Estado Absoluto.

Códigos surgiram por toda a Europa.13 Na Alemanha, o BGB (Bürgerliches

Gesetzbuch) nasceu para buscar a unificação do povo e da nação. O direito privado

12 LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo

Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. p. 22-23. 13 “O Code Civil exerce forte impacto em diversas legislações. Em primeiro lugar, nos países tocados

pela conquista napoleônica ou dos seus irmãos (Países Baixos, Itália, Espanha), ele afirmou-se ou serviu de modelo dos ulteriores códigos civis e comerciais, sobretudo na Itália (1865 a 1940), da Espanha, de Portugal, dos Estados latino-americanos, mesmo na Lousiana, este último caso servindo de testemunho digno de nota de codificação do tipo continental nos Estados Unidos da América; depois, na Bélgica, Luxemburgo, Holanda (por último em 1883); no fim do século XIX, com a derrocada do império otomano, também nos Bálcãs (Romênia 1865) e no Próximo Oriente (Egito, por volta de 1875/6). Ao lado do Code Civil a maior parte dos outros códigos napoleônicos foi adaptada integralmente com ligeiras adaptações. Só a pandectística e os dos modernos códigos da <família jurídica alemã> que daqui provieram (o BGB de 1900 e o ScwZGB de 1907/11) fizeram parar e eventualmente recuar a expansão do Code Civil, sobretudo na Europa do sueste (Hungria, Grécia, Turquia), no Extremo Oriente (China, Japão, Sião) e em alguns Estados sul-americanos. A Itália, pátria da ciência jurídica européia, constitui, neste plano, um caso especial. O Códice Civile

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se emancipava e era visto como autêntico baluarte da liberdade burguesa,

relegando o direito constitucional a um segundo plano.14

Naquele tempo, o direito constitucional (ou outra manifestação do direito público)

não exercia qualquer influência sobre o direito privado, mas este, ao contrário, tinha

notável influência sobre o direito constitucional. O recurso aos conceitos do direito

privado eram indispensáveis para a formação do chamado direito constitucional, que

estava mais próximo de um direito político.15

Viu-se até aqui que o individualismo é o valor a ser prestigiado, como reação natural

ao período estamental que caracterizou a era medieval, em que o valor do indivíduo

estava ligado não a suas características e seus méritos pessoais, mas ao estamento

social em que estava integrado. Enquanto a liberdade dos antigos permitia ao

cidadão intervir no espaço público, a liberdade, nessa época, significa a livre

movimentação no espaço econômico-privado.

italiano de 1865, fruto do movimento de unificação nacional, foi essencialmente copiado do Code Civil, cuja moldura jurídica e política se aparentava expressamente a Itália unificada. Pelo contrário, a florescente civilística italiana juntamente com a pandectista alemã inclinava-se muitas vezes para uma interpretação e um desenvolvimento histórico-romanístico que ultrapassavam cada vez mais o tipo francês no sentido da orientação típica da pandectista. No Codice Civile de 1942 esta evolução rematou-se num certo sentido. No entanto, esta nova codificação manteve-se ainda a ligação com a tradição legislativa do rissorgimento e da unificação nacional. Então, a ligação do direito civil italiano com a família jurídica francesa é garantida pela comunidade latina e pela consciência política da Revolução Francesa, que se tornou também na primeira revolução italiana; a sua ligação com a família alemã é mantida pela influência sempre forte da ciência pandectista do séc. XIX”. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1980. p. 395.

14 Aponta FRANZ WIEACKER: “O positivismo da ciência jurídica do século XIX tinha, com a formação de um sistema fechado de direito privado e de uma teoria geral do direito civil, não apenas imposto pela primeira vez no direito positivo as exigências metodológicas do jusracionalismo, mas tinha ao mesmo tempo exprimido do ponto de vista espiritual a imagem jurídica da sociedade civil de seu tempo. O direito privado e a teoria geral do direito civil tornaram-se assim em modelos mesmo para as restantes disciplinas da ciência jurídica, nomeadamente para o direito penal e para o direito político”. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. p. 628.

15 Citando Laband e Otto Von Gierke, KONRAD HESSE aponta que: “En el ámbito del Derecho Político retornan numerosos conceptos cuya determinación científica se producido en el campo del Derecho Privado, pero que, de acuerdo con su esencia, no son conceptos del Derecho Privado, sino conceptos generales del Derecho. Sólo necesitan, en efecto, ser depurados de las notas distintivas especificadamente jurídico-privadas. Para in correcto entendimiento de esto último, la simple transposición de conceptos y reglas jurídico-civiles a las relaciones de Derecho Político ciertamente no resulta provechosa. La ciencia del Derecho Privado ha cobrado en líneas generales tanta ventaja sobre todas las demás disciplinas jurídicas que éstas no han de recatarse en aprender de su hermana mayor, con la actual situación de la literatura del Derecho Político, y especialmente del Derecho del Reich, es mucho menos de temer que termine resultando demasiado civilística a que sea ajurídica y se hunda al nivel de los comentarios políticos de ocasión. Sin duda, los conceptos generales del Derecho se han desarrollado prefentemente en el Derecho privado”. HESSE, Konrad.Derecho constitucional y derecho privado. Madrid: Civitas, 1995. p. 43.

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A ideologia individualista do período pós-Revolução Francesa é bem explicada por

FÁBIO KONDER COMPARATO:16

[...] revolução, ao suprimir a dominação social fundada na propriedade da

terra, ao destruir os estamentos e abolir as corporações, acabou por

reduzir a sociedade civil a uma coleção de indivíduos abstratos,

perfeitamente isolados em seu egoísmo. Em lugar do solidarismo desigual

e forçado dos estamentos e das corporações de ofícios, criou-se a

liberdade individual fundada na vontade, da mesma forma que a filosofia

moderna substituíra a tirania da tradição pela liberdade da razão.

O êxito dessas revoluções culminou no estrondoso crescimento do comércio e da

atividade industrial, que resultou no período do liberalismo econômico, tão bem

ilustrado na célebre expressão laissez faire et laissez passer, le monde va de lui-

même, que orientou FRANÇOIS QUESNAY e os fisiocratas franceses do século

XVIII a guindarem a não-interferência do Estado como princípio basilar da economia.

Segundo EDWARD McNALL BURNS, a idéia do laissez faire compreendia noções

como a santidade da propriedade e os direitos do livre contrato e da livre produção.

Constituía-se na idéia de libertar a atividade econômica das restrições sufocantes

até então impostas pelo Estado.17

O intervencionismo estatal deveria ser mínimo. O papel do Estado, segundo ADAM

SMITH, seria o de apenas interferir para evitar a injustiça e a opressão, em prol do

progresso da educação e da proteção da saúde pública, e para a manutenção de

empresas necessárias, que nunca seriam instaladas pelo capital particular.18,19

16 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,

1999. p. 128. 17 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. 3. ed. São Paulo: Ed. Globo, 1955. v. 2.

p. 595. 18 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 596 19 Acerca dessa concepção liberal e individual no direito dos contratos, comenta ENZO ROPPO: “I

principi ideologici cui facciamo riferimento si possono ricondurre ad una sola idea: l`idea della libertà di contratto. In base ad essa, si affermava che la conclusione dei contratti, di ogni contratto, doveva essere una operazione assolutamente libera per i contraenti interessati: dovevano essere questi, nella loro individuale sovranità di giudizio e di scelta, a decidere se stipulare o non stipulare un certo contratto, a stabilire se concluderlo com questa o com quest`altra controparte, a determinare in piena autonomia il suo contenuto, obserendovi queste o quelle clausole, pattuendo questo o quel prezzo. I limiti ad una tale libertà si concepivano come esclusivemente negativi, come puri e semplici divieti”. ROPPO, Enzo. Il Contratto. Società editrice il Mulino, 1977. p. 31.

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Portanto, no século XIX, o direito privado teve como premissas o individualismo e o

patrimonialismo, sendo a propriedade privada e a liberdade contratual símbolos

fundamentais dos direitos de igualdade e liberdade dos cidadãos.

O Brasil também foi influenciado pelo contexto mundial, favorecendo o

desenvolvimento e a emancipação do estudo do direito privado na sua ordem

interna. O Código Civil de 1916 nasceu fruto das doutrinas individualista e

voluntarista que, incorporadas pelas codificações do século XIX, inspiram o

legislador brasileiro quando, na virada do século, redigiu nosso Código. Àquela

altura, o valor fundamental era a vontade individual.20

Cabia ao Código, do ponto de vista formal, prever a atuação dos sujeitos de direito

(contratante e proprietário) que nada mais queriam senão aniquilar os privilégios

feudais. Até então, não havia interferência do direito público no direito privado,

assumindo o Código Civil brasileiro o papel de estatuto único e monopolizador das

relações privadas.21

Durante o período que antecedeu a Constituição de 1988, pode se afirmar que no

Brasil todo o direito privado estava imbuído por essa filosofia patrimonialista e

individualista, tendo como único foco de incidência o Código Civil até então vigente.

Todo o direito de família, por exemplo, estava centrado única e exclusivamente na

figura do casamento, voltado em grande parte a questões patrimoniais daquele tipo

de família reconhecido. A propriedade, por sua vez, era considerada um direito

pleno, sendo definida como uma relação de dominação da pessoa sobre o bem, sem

intermediários, sob o prisma do direito subjetivo.22 O direito de contratar estava sob

20 Segundo GUSTAVO TEPEDINO: “Afirmava-se significativamente – e afirma-se ainda hoje nos

cursos jurídicos – que o Código Civil brasileiro, como os outros códigos de sua época, era a Constituição do direito privado. De fato, cuidava-se da garantia legal mais elevada quanto à disciplina das relações patrimoniais, resguardando-se contra a ingerência do Poder Público ou de particulares que dificultassem a circulação de riquezas. O direito público, por sua vez, não interferiria na esfera privada, assumindo o Código Civil, portanto, o papel de estatuto único e monopolizador das relações privadas. O Código almejava a completude, que justamente o deveria distinguir, no sentido de ser destinado a regular, através de situações-tipo, todas os possíveis centros de interesse jurídico de que o sujeito privado viesse a ser titular”. TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 2-3.

21 Dúvida não há de que a cultura francesa exerceu marcante influência em nosso país, sendo corrente o ensino da língua francesa nos cursos secundários e superiores. Essa influência, no campo do direito, fez com que sofrêssemos forte influência da escola da exegese, que leva o Código Civil ao centro das relações privadas. Nesse sentido, LOTUFO, Renan (Coord.). Apresentação. Direito civil constitucional. Caderno 1. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 8.

22 Previu o artigo 544 do Code Napoleon de 1804: “La proprieté le droit de jouir et disposer de choses de la manière le plus absolue”. No mesmo sentido, o art. 436 do Códice Civile de 1865: “La

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a égide da autonomia da vontade, sendo que as partes estavam livres para

contratar, sendo vedada qualquer interferência estatal sobre esse direito individual.

Mas a estabilidade e a segurança, fielmente retratadas pelo Código Civil de 1916,

entraram em declínio na Europa na segunda metade do século XIX (Revolução

Industrial), declínio intensificado com a eclosão da Segunda Guerra Mundial,

tornando-se inevitável a necessidade de uma intervenção estatal cada vez mais

acentuada na economia, o que forçou o legislador na edição de leis extracodificadas,

atendendo às demandas contingentes, com o intuito de reequilibrar o quadro social

delineado pela consolidação de novas castas econômicas que, de certa forma,

representavam as situações de iniqüidade que a Revolução Francesa procurou

aniquilar.

A partir daí, a legislação codificada apresenta sinais de esgotamento, há crise em

seu instrumental teórico, sendo visível a vocação expansionista da legislação

especial. O excesso do liberalismo, manifestado pela preeminência do dogma da

vontade sobre todas as situações jurídicas, cede às exigências das ordens pública,

econômica e social, que passam a prevalecer sobre o individualismo, funcionando

como fatores limitadores da autonomia privada individual, no interesse geral da

coletividade.23

1.2.2 A chamada “publicização” do direito privado

O direito privado não ficou incólume ao processo de transformação econômica,

social e jurídica que se iniciou na Primeira Guerra Mundial, sendo certo, ao contrário,

o forte impacto sentido em suas estruturas.

De um lado, floresceram as idéias modernas de Estado, assumindo funções antes

deixadas à iniciativa privada. Se o chamado mundo da segurança – que caracterizou

a era das codificações e das constituições liberais – representou, de certa forma, o

primado do direito privado sobre o direito público, essa relação se inverte com o

advento do constitucionalismo social e do conseqüente intervencionismo estatal

mais acentuado, fruto das concepções do Welfare State.

proprietà e il diritto di godere e disporre della cosa nela maniera piú absoluta”. Sobre a nova configuração desses institutos, ver item 3.2 infra.

23 Sobre ordem pública econômica e ordem pública social como limitadoras da autonomia privada no interesse geral, ver: SAVATIER, Renè. La théorie des obligations en Droit Privè Économique. 4. ed. Paris: Dalloz, 1979. p. 116 e seguintes. (item 116).

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Segundo NORBERTO BOBBIO:

[...] o primado do público significa o aumento da intervenção estatal na

regulação coativa dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos infra-

estatais, ou seja, o caminho inverso ao da emancipação da sociedade civil

em relação ao Estado, emancipação essa que fora o resultado da

ascensão da classe burguesa. Com o declínio dos limites à ação do

Estado, foi ele aos poucos se reapropriando do espaço conquistado pela

sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência

extrema do Estado total.24

Para GUSTAVO TEPEDINO, nesse primeiro momento de intervenção estatal, o que

existiam eram leis emergenciais, que não alteraram a centralização e a

exclusividade do Código Civil na disciplina das relações de direito privado, situação

pouco a pouco alterada pela premente necessidade do Estado em contemporizar os

conflitos sociais emergentes.25

Surgem leis em caráter emergencial ou conjuntural, registrando-se assim um

segundo momento na história do direito privado: o código perde a natureza de

exclusividade sobre as relações privadas, tornando-se direito comum, aplicável aos

negócios jurídicos em geral. O legislador levou a cabo longa intervenção

assistencialista, que se corporifica a partir dos anos 1930, cuja expressão, na teoria

das obrigações, constitui-se o fenômeno do dirigismo contratual.

No final da Segunda Guerra Mundial ocorreu a redemocratização do mundo. Na

Europa, os regimes totalitários abriram caminho para a constitucionalização de

inúmeros direitos fundamentais. Com a vitória das Nações Unidas, foi elaborada a

Declaração Universal dos Direitos do Homem, que passou a ser o grande centro

emanador de valores para todo o mundo, inclusive para o direito privado.26

24 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1987, p. 25. Apud NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p. 22.

25 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 5. 26 Em outro trabalho, NORBERTO BOBBIO destaca a importância da Declaração dos Direitos do

Homem para todos os ordenamentos do mundo: “Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, com a propriedade sacre et inviolable , foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. [....] Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de

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Lembra RENAN LOTUFO que quase todos os países do mundo, nesse período,

continuaram tendo os seus códigos, cujos textos eram anteriores a essa

remodelação trazida pelas constituições, sendo que:

[...] evidentemente que tais diferenças de datas importarão na exigência de

uma leitura diferenciada do direito privado. Muitas matérias relativas à

pessoa humana ascenderam, neste período, a nível Constitucional, sendo

necessário, portanto, uma ampla reforma de concepção do direito civil, bem

como toda uma reestruturação dos Códigos Civis.27

Cresceu na doutrina o entendimento de que o Estado deveria voltar a intervir nas

relações econômicas travadas entre particulares, visando assegurar o respeito aos

direitos fundamentais, garantir a existência de uma verdadeira igualdade, uma

igualdade substancial.

Definitivamente, o Código Civil perdeu seu papel de constituição de direito privado,

já que as constituições dos países passaram, paulatinamente, a definir

(expressamente) em seus textos princípios relacionados ao direito privado, antes

exclusivamente reservados ao Código Civil e ao império da vontade (função social

da propriedade, organização da família etc.), passando a integrar a ordem pública

constitucional.

Percebe-se, portanto, que a clássica noção de direito privado foi sendo, aos poucos,

superada. Defronte tantas alterações, direito privado e direito público tiveram seus

significados originários modificados: o direito privado deixou de ser,

necessariamente, o âmbito da vontade individual e o direito público não mais se

inspira na subordinação do cidadão.28

Outro fenômeno observado no direito privado foi que, ao lado dos códigos, as

legislações extravagantes tornaram-se mais freqüentes, retratando a intervenção do

legislador em uma nova realidade econômica e política no âmbito das relações

princípios fundamentais da conduta humana foi livre expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado.” BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Ed. Campus, 1992. p. 18.

27 LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil. In: SARLET, Ingo Wolgang. O novo Código Civil e a Constituição, 2003. p. 21.

28 MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. In: Revista de Direito Civil, São Paulo, RT, n. 65, p. 27, 1993.

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privadas. Surge a “era dos estatutos”, em que o legislador retira da principal lei civil

setores inteiros da atividade privada, estabelecendo diplomas setoriais, cada um

deles com vocação universalizante, autônoma e própria, disciplinando

exaustivamente inteiras matérias extraídas da incidência do Código Civil (Estatuto

da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Locações

etc.).29 Percebe-se que o direito privado perde a cômoda unidade sistemática, e a

liberdade, paradigma de tempos anteriores, abre espaço para outro princípio

fundamental: a igualdade.30

29 Como destaca GUSTAVO TEPEDINO, esses “estatutos” possuem peculiares características: em

primeiro lugar, destaca que essas legislações são de “objetivos”, indo muito além do que a simples garantia de regras aplicáveis aos negócios, valendo-se muitas vezes de estabelecer as chamadas “cláusulas gerais”, afastando-se da “técnica regulamentar” do Código. Em segundo lugar, percebe-se que a linguagem passa a ser menos jurídica e mais setorial, atendendo as exigências específicas (ex.: questões de informática, novas operações contratuais) trazendo muitas vezes dificuldades para o intérprete. Em terceiro lugar, destaca que o legislador, além de reprimir ou coibir certas práticas indesejadas, adota uma técnica de incentivo de comportamento, para com isso atingir os objetivos propostos por tais leis, revelando um novo papel, o que Norberto Bobbio chamou de “a função promocional do direito”. Em quarto, destaca que o legislador não mais cinge-se em regular situações patrimoniais, sendo que na esteira do texto constitucional o legislador cada vez mais condiciona a proteção das situações contratuais ou situações jurídicas tradicionalmente disciplinadas sob a ótica exclusivamente patrimonial ao cumprimento de deveres não patrimoniais. E em quinto lugar, aponta que aquele legislador do Código Civil que legislava de maneira geral e abstrata, tendo em mira o cidadão comum, dá lugar a um legislador-negociador, com vocação para a contratação, que produz a normatização para determinados grupos (locador e locatário, fornecedores e consumidores etc.). TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 8-9.

30 Repor a igualdade no centro da reflexão liberal foi uma das façanhas de JOHN RAWLS, professor da Universidade de Harvard, autor de uma das obras de filosofia política mais provocantes dos últimos 40 anos. RAWLS gastou cerca de 20 anos para desenvolver as idéias de Uma teoria da Justiça e mais 20 para debatê-las, mastigar as críticas e remontar sua concepção de sociedade bem ordenada. A idéia de uma sociedade pluralista bem ordenada exige, segundo o autor de Harvard, a noção de justiça como eqüidade (fairness), onde a idéia de promoção da igualdade ao lado da liberdade encontra-se tão bem explicada. RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. Brasília: Ed. UNB, 1981. p. 27 e ss. e 159-197.

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1.2.3 A crise da dicotomia público e privado

Tem-se que a distinção entre direito público e direito privado, segundo alguns

autores, está em crise.31 Em uma sociedade como a atual, torna-se difícil

individualizar um interesse exclusivamente privado, autônomo, independente,

isolado do interesse público.

A interpenetração do direito público e do direito privado, como se viu, é um ponto

característico da sociedade contemporânea, a significar uma profunda alteração nas

relações entre cidadão e Estado.

[...] daí a inevitável alteração dos confins entre o direito público e o direito

privado, de tal sorte que a distinção deixa de ser qualitativa e passa a ser

meramente quantitativa, nem sempre se podendo definir qual exatamente é

o território do direito público e qual o território do direito privado.32

Mas há de se destacar que esse fenômeno não foi somente percebido pelos

privatistas, ao contrário do que se pensava. Como comenta ADILSON DALLARI,

essa interpenetração também é sentida pelos publicistas, que percebem a forte

influência do direito privado sobre certos institutos do direito público, até então vistos

como intocáveis:

[...] pode-se falar até numa equiparação entre Direito Público e o Direito

Privado, eliminado o preconceito decorrente de uma antiqüíssima tradição

privatística, no sentido de ser o direito privado um direito civil modificado,

diferente, excepcional. Com o reconhecimento de que o Direito Público tem

fundamentos e princípios próprios, autônomos, que nada têm a ver com o

Direito Privado, provavelmente ficará mais clara a percepção de que ambos

os campos do conhecimento e de atuação possuem raízes comuns, que

estão na teoria geral do direito.33

31 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. 3. ed. Nápoles: Edizioni

Scientifiche italiane, 1994. p. 111. 32 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. 3. ed., p. 124. No mesmo sentido:

TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. p. 19.

33 DALLARI, Adílson Abreu. Emancipação do direito público no Brasil. In: Perspectivas do direito público – estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 104. No mesmo sentido, ver: COUTO E SILVA, Almir. Os indivíduos e o Estado na realização das tarefas públicas. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, RT, n. 209, 1999.

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30

A grande questão nos dias atuais é saber se esta chamada “crise” possui o condão

de gerar o total aniquilamento do direito privado e, mais especificadamente, do

direito civil. A nosso ver, apesar dessa nova leitura, o direito privado se mantém

intacto e, pelo próprio comando constitucional, deve ser preservado, eis que a sua

tutela representa a própria tutela dos direitos individuais e a consecução prática dos

direitos fundamentais previstos no Texto Maior.

1.3 LINEAMENTOS DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

Apesar de ser um fenômeno indubitável no mundo contemporâneo, a incidência

direta do Texto Constitucional no direito privado nem sempre foi aceita no curso da

História. Como escrito, nos primórdios dos ordenamentos, era o direito privado quem

fundamentava e dava subsídios teóricos para aestruturação dos Estados políticos.

Foi o liberalismo, que formalmente reconhecia todos os seres humanos como

universalmente iguais, o responsável pelo fato de que, no campo jurídico,

Constituição e direito privado (Código Civil) caminharam durante um longo período

paralelamente, como mundos que não se tocavam senão sob o aspecto formal.

A história do fenômeno da constitucionalização do direito privado não pode ser

contada sem referência à história da Alemanha. KONRAD HESSE narra que

naquele país, desde o advento da Constituição de Weimar, de 1919, importantes

modificações foram sentidas na relação entre o direito privado e o direito

constitucional. Se antes o direito privado servia de fonte para o direito político, e as

barreiras entre direito privado e Constituição eram intransponíveis, o sentido de

incidência dessa relação foi alterado nesse período e assim permanece até os dias

atuais.34

A primeira parte daquela Constituição descrevia a estrutura política e as tarefas do

Reich (competência legislativa da Câmara Federal para legislar sobre o direito civil,

por exemplo), mas pela primeira vez trazia importantes matérias na sua segunda

parte: previu, naquela época, os direitos e as obrigações fundamentais dos alemães,

em especial o alcance e a eficácia das garantias dos institutos privados.

A propriedade, o matrimônio, a família, a garantia constitucional da liberdade

contratual no tráfico econômico – até então considerados apenas preceitos

34 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho Privado. p. 48.

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programáticos, é bem verdade – vieram pela primeira vez estatuídos na

Constituição. Mas o importante é que, também pela primeira vez, uma Constituição

trouxe ao seu bojo normas de direito privado. Assim, desde a Constituição de

Weimar, a norma constitucional deixou de ser fonte exclusiva de direito público (que

regula forma de governo, sistema federativo, organização estatal etc.) para prever

também outras funções, como as relações entre os particulares.

Com o advento da Lei Fundamental da Alemanha, a primazia da Constituição sobre

as leis finalmente é reconhecida. Todavia, os fundamentos do direito privado não

são mais considerados intocáveis. Os direitos fundamentais,35 expressos pela Lei

Fundamental (que agora traz em um dos seus artigos a primazia da Constituição),

passam a ser imediatamente aplicáveis.36

A Lei Fundamental alemã, ao prever toda uma seção de direitos fundamentais

(inclusive com limitações e garantias aos institutos de direito privado), passa a incidir

em todos os âmbitos do Direito, mas em especial sobre o direito privado, sendo que

nenhuma prescrição jurídico-civil poderá estar em contradição com aqueles direitos

fundamentais, tendo de ser interpretados segundo seu espírito.37

Assim, no mundo moderno, percebe-se que, para garantir a aplicação do direito

privado, o papel da Constituição é de fundamental importância. É o degrau mais alto

do ordenamento jurídico. Todas as disposições devem a ela se sujeitar e respeitá-la.

As constituições da segunda metade do século XX deixam de ser documentos

meramente programáticos para se tornarem aplicáveis, direta e automaticamente.

Após a Segunda Guerra Mundial, inúmeros países incorporaram em suas

constituições direitos fundamentais. Dentre esses, inúmeros preceitos que eram até

35 O art. 1.º da Lei Fundamental contém um imperativo incondicionado: respeitar a dignidade da

pessoa humana e, no art. 2.º, atribui-se a cada qual o direito de desenvolver livremente a personalidade dentro de certos limites. Ambos princípios estão de acordo com o chamado personalismo ético no qual forma o fundamento ideológico do Código Civil alemão.

36 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p.65. 37 Segundo KARL LARENZ, sem dúvida o mais notável civilista contemporâneo, já em sua época

sustentava que a Lei Fundamental da República da Alemanha tem especial importância na interpretação e desenvolvimento do direito privado, eis que esta não se limitou a regular a organização do Estado, mas também contém, na parte dos direitos fundamentais e em outras seções, princípios jurídicos gerais que vinculam os Tribunais eis que direito de vigência imediata. As leis ordinárias que estejam em contradição com o princípio de status constitucional carecem de validade, eis que não podem ser interpretados conforme a Constituição. E de acordo com isso, os Tribunais terão que retificar as interpretações anteriores em desconformidade com os princípios da constituição, e as próprias lacunas só poderão ser eliminadas de acordo com esta. LARENZ, Karl. Derecho civil – Parte General. p. 96-97.

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então conhecidos como institutos tipicamente privados. Em razão dessas inovações

constitucionais, e por causa das diferenças de datas, tornou-se necessário que todo

o direito privado fosse lido não mais como antigamente, mas de maneira

diferenciada. Muitas matérias relativas à pessoa humana ascenderam, nesse

período, ao degrau Constitucional, sendo necessário, portanto, uma ampla reforma

de concepção do direito privado, bem como toda uma reestruturação dos códigos

civis.

Diante desse descompasso, os estudiosos do direito privado se viram obrigados a

uma nova empreitada, a um novo estudo, que muitos autores em diversas partes do

mundo chamaram de direito civil constitucional,38 pregando a inteligência do direito

civil e do direito privado, tendo como centro não mais o Código, mas a Constituição

dos respectivos países.

O fenômeno da constitucionalização do direito privado pode ser visto sob dois

enfoques. No primeiro deles, trata-se apenas da descrição do fato de que vários

institutos que tipicamente eram tratados apenas nos códigos privados (família,

propriedade etc.) passaram a ser disciplinados também nas constituições

contemporâneas. Numa segunda acepção, implica analisar as conseqüências, no

âmbito do direito privado, de determinados princípios constitucionais, especialmente

na área dos direitos fundamentais, individuais e sociais.39

Para o espanhol JOAQUÍN ARCE Y FLOREZ-VALDÉS, o direito civil constitucional

pode ser definido como:

[...] sistema de normas e princípios normativos institucionais integrados na

Constituição, relativos à proteção da própria pessoa e nas suas dimensões

fundamentais, familiar e patrimonial, na ordem de suas relações privadas

gerais, e concernentes àquelas outras matérias residualmente

consideradas civis, que têm por finalidade fixar as bases mais comuns e

abstratas da regulamentação de tais relações e matérias, as quais podem

38 FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. Los principios generales del derecho y su formulación

constitucional. Madrid: Civitas, 1990; PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982; FRANGI, Marc. Constitution et droit privè: les droits individeels et les droits economiques. Paris : Economica, 1992 ; KAYSER, Pierre . La protection de la vie privée par le droit. 3. ed. Paris : Economica, 1998 ; BALDASSARE, Antonio. Diritti della Persona e Valori Costituzionali. Torino: G. Giappichelli Editore, 1995.

39 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 22.

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ser eventualmente aplicadas de forma imediata ou podem servir de marco

de referência de vigência, validade, interpretação da normativa aplicável ou

de pauta para seu desenvolvimento.40

Para o catedrático da Universidade de Oviedo, o direito civil constitucional

apresenta-se não como uma parte do direito civil, mas como infra-estrutura do

mesmo, contribuindo para superar o fracionamento do saber jurídico, bem como de

alguns efeitos nocivos e secundários da dicotomia entre direito público e direito

privado, ressaltando a superioridade do ordenamento.41

Da mesma forma dos diversos países do mundo, a Constituição brasileira de 1988

passou a disciplinar diretamente matérias que até então tinham exclusivo tratamento

pela lei ordinária, muito particularmente por referir a matéria, até então, objeto de

regulação exclusiva do Código Civil de 1916. Pela primeira vez em nosso

ordenamento, uma Constituição da República trata, logo em sua primeira parte, em

seus primeiros títulos, dos chamados Princípios Fundamentais e dos Direitos e

Garantias Fundamentais, deixando as normas de organização político-estruturais em

segundo plano.42

Embora esse fato pareça algo irrelevante para muitos, os novos estudos da

civilística moderna não trataram tal dado como mero detalhe formal, mas como um

evidente atestado ideológico solidificado pelo constituinte originário, momento em

que deixou claro que os princípios fundamentais e os direitos inerentes à pessoa

humana deverão ser sempre antepostos (e nunca pospostos) às demais regras

constitucionais, precedendo às regras de organização do próprio Estado. Cumpre

relembrar o que expõe PENSOVECCHIO LI BASI, catedrático da Universidade de

Milão, para quem o interprete não deve esquecer que a Constituição contempla as

opções fundamentais de um dado sistema jurídico, devendo o intérprete atentar 40 FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. p. 178-179. 41 FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. p. 179. Da mesma forma para

PIETRO PERLINGIERI, que afirma que o direito civil constitucional não só se apresenta como um novo estágio, mas “quale resultato non solamente di una rilettura del codice civile e delle norme in genere alla lucce dei princípi costitucionali ai quali, com è noto, è riservato un rango superiore, ma anche del superamento della presunta contrapposizione tra norme giuridiche contenute nei codici e princípi politici contenuti nella Carta Costituzionale”. PERLINGIERI, Pietro. Scuole tendenze e metodi. Problemi del diritto civile. Napoli: Edizioni Scientifiche italiane, 1989. p. 84.

42 Não é por mera coincidência que os direitos individuais, quando previstos nas Constituições brasileiras, vieram tratados somente nos artigos finais do texto. Somente em 1988 esses dispositivos foram antepostos aos artigos de estruturação do Estado, sendo um evidente atestado ideológico, mostrando que os direitos do ser humano não podem mais ser relegados ao segundo plano.

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cuidadosamente para os valores políticos consagrados nos princípios fundamentais

nela esposados.43

Mesmo com muita resistência, a doutrina passou a aceitar a mudança de enfoque do

direito privado. O Código Civil deixa de ser o centro, passando para a Constituição à

condição de fonte propulsora de informações, sendo que os principais institutos do

direito privado (agora elevados ao status constitucional) deveriam ser revisitados

para a perfeita e adequada harmonização.44

Se o código mostrava-se incapaz de informar, com princípios estáveis, as regras

contidas nos diversos estatutos, não parece haver dúvida de que o Texto

Constitucional poderia fazê-lo, já que o constituinte, como foi dito, interveio (por meio

de princípios e normas) nas relações de direito privado, determinando os critérios

interpretativos de cada uma das leis especiais, recuperando-se, assim, o universo

desfeito, reunificando o sistema.

O direito privado pós-Constituição de 1988 passa a se desenvolver segundo os

critérios e princípios que a Constituição estatui.45 Não há duvidas de que a missão

do direito civil (e mais amplamente a do direito privado) reside na homologação ou

na concordância com os novos princípios constitucionais, o que não quer significar,

todavia, que seu futuro está em xeque ou, muito menos, que a Constituição bastará

para regular as relações jurídico-privadas. O que passou despercebido é que, nesse

contexto, o direito privado ganha força e uma vital capacidade renovadora dentro do

ordenamento, pelo que não poderá ser desconsiderado.

43 LI BASI, Pensovecchio. L´interpretazione delle Norme Costituzionali. Milão: Giuffrè, 1972. p. 62.

(Tradução livre). 44 Percebendo o fenômeno no direito privado francês, segundo BERTRAND MATHIEU, “la

constitutionnalisation du droit civil et la <<civilisation>> du droit constitutionnel sucitées par la jurisprudence du Conseil constitutionnel, développées par la doctrine, nécessitent aujourd’hui leurs prises em compte tant par lês avocats que par lês juges dans leur pratique quotidiennne. Qu’ils goûtent à ce vin nouveau!” MATHIEU, Bertrand. Droit constitutionnell et droit civil. Revue trimestrielle de droit civi, Paris, Sirey, p. 65, jan./mar. de 1994.

45 “La preminenza della Costituzione nella gerarchia delle fonti del diritto italiano ha un duplice significato. Da un primo punto di vista, la preminenza della Costituzione consiste nella funzione di legitimare i publici poteri ed anche di diciplinare la validità dell’attività legislativa. Da altro e più ampio punto de vista, la preminenza della Costituzione consiste nel fatto che essa esprime i princìpi dell’ordinamento giuridico, proclamando i diritti e i doveri fondamentali dei cittadini e dei gruppi sociali e delineando le strutture organizzative pubbliche. Perciò la Costituzione esprime la parte generale di tutto il diritto e cosi anche del diritto privato. Infatti le disposizioni circa i diritti e i doveri fondamentali dei cittadini e dei gruppi sociali non riguardano i solo i rapporti fra i cittadini e lo Stato, ma anche i rapporti dei cittadini fra loro”. TRIMARCHI, Pietro. Istitituzioni di diritto privato. 13. ed. Milano: Giuffrè, 2000. p. 26.

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1.3.1 Rumos do direito privado e do direito civil constitucional

Na verdade, o objetivo deste capítulo não é só assentar as premissas metodológicas

do desenvolvimento de todo o trabalho, sendo pertinente também para afastar dois

preconceitos da dogmática privatística contemporânea. Alguns autores defendem a

inutilidade da autonomia dogmática do direito privado, sob o argumento de que todo

o ordenamento já se encontra publicizado ou constitucionalizado, não havendo mais

motivos científicos para preservar a dicotomia entre público-privado. Para outros, o

advento do Código Civil de 2002, bem como a incorporação dos princípios da

eticidade e da socialidade,46 tornaria o direito civil constitucional algo inútil.

1.3.2 A utilidade da autonomia do direito privado

Segundo alguns autores, a dicotomia entre direito público e direito privado está em

crise; para nós, no entanto, isso não quer dizer que sob os planos científico e

sistemático o direito privado não mereça um tratamento particularizado. E, ainda, se

existe efetivamente essa suposta “crise”, isso não pode significar que todos os

preceitos privados se encontram publicizados, eis que, se assim fosse, não haveria

crise, mas total superposição do direito público sobre o direito privado. 47 Essa noção

é de suma importância para uma correta compreensão do fenômeno das cláusulas

contratuais gerais, bem como dos sistemas de controle e de sua abusividade.

O tratamento autônomo do direito privado não se mostra em nenhum momento

incompatível com o chamado direito civil constitucional. O direito civil constitucional,

como metodologia nova e revolucionária, mais do que representante, simplesmente,

da reconstrução da base e da aplicação de todo o direito privado, deve ser visto

46 REALE, Miguel. Visão Geral do novo Código Civil. In: Novo Código Civil brasileiro. Estudo

comparativo com o Código Civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e extravagante. 3. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 13.

47 Também é falsa a idéia de publicização do direito privado. Em ácida crítica a esse suposto fenômeno, são oportunas as palavras de MICHELE GIORGIANNI, professor emérito da Universidade de Roma: “assiste-se, assim, ao lento declínio da concepção, própria da publicística do final do século XIX, da supremacia do Direito Público sobre o Direito Privado, a qual cede a formulações menos extremadas ou mais agnósticas, enquanto se fazem cada vez mais insistentes e menos tímidas as tentativas de reavaliação da autonomia privada. Nisto, aliás, se deveria perceber uma ulterior contradição com o afirmado clima de ‘publicização’ do Direito Privado, se não se tratasse de dois fenômenos que se movem sobre dois planos diversos, como vimos acima. Em particular, aquela reavaliação da autonomia privada constitui simplesmente uma manifestação de alinhamento à reação generalizada contra o positivismo normativista”. GIORGIANNI, Michele. O direito privado e as suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, São Paulo, RT, v. 747, p. 55, jan. 1998.

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ainda como um sistema jurídico articulado, que contém e limita, outrossim, a

extensão das normas públicas.48

Portanto, nem mesmo a chamada constitucionalização do direito privado implica a

absorção deste último pelo direito constitucional. Ao contrário, como bem menciona

JULIO CESAR RIVERA, citado por EUGÊNIO FACCHINI NETO:

[…] la creación de las normas de Derecho Privado debe estar enderezada

a hacer eficazes esos princípios estructurales: sistema de vida

democrático, forma republicana de gobierno, igualdad, libre desarrollo de

personalidad y solidaridad.49

Na medida em que se sustenta a publicização ou a existência de um direito

constitucional civil,50,51 o direito privado corre o risco de perder sua identidade. A

distinção do Direito em ramos, até mesmo para os críticos da dicotomia público e

privado, é salutar para a sua sistematização, pois permite o estabelecimento de

princípios teóricos, básico para a operação das normas de um ou de outro grupo.

O direito privado já não mais atende apenas à autodeterminação individual, mas

também não atende à justiça social, desenvolvendo-se agora em uma nova

dimensão. Isso significa que a utilidade da autonomia do direito privado está

48 BARROS DIAS, José Joaquim de. Direito civil constitucional. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Direito

civil constitucional. Caderno 3. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 53. 49 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito

privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p.46.

50 “A adjetivação atribuída ao direito civil, que se diz constitucionalizado, socializado, despatrimonializado se por um lado quer demonstrar apenas e tão-somente a necessidade de sua inserção no tecido normativo constitucional e na ordem pública sistematicamente considerada, preservando, evidentemente, a sua autonomia dogmática e conceitual, por outro lado poderia parecer desnecessária e até errônea. Se é o próprio direito civil que se altera, por que adjetivá-lo? Por que não apenas ter a coragem de alterar a dogmática, pura e simplesmente? Afinal, um direito civil adjetivado poderia suscitar a imprevisão de que ele próprio continua como antes, servindo os adjetivos para colorir, com elementos externos, categorias que, ao contrário do que se pretende, permaneceriam imutáveis. Há que se advertir, no entanto, desde logo, que os adjetivos não poderão significar a superposição de elementos exógenos do direito público sobre conceitos estratificados, mas uma interpenetração do direito público e direito privado, de tal maneira a se reelaborar a dogmática do direito civil”. TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil, p.22.

51 “Si, por el contrario, la expresión adoptada fuese la de <Derecho constitucional civil> se supondria, gramaticalmente hablando, que su contenido material lo recibe del <Derecho constitucional> y que lo <civil> arroja una connotación de complementariedad, delimitadora de aquél. Conceptualmente no es así. El Derecho civil constitucional es, ante todo, Derecho civil y, desde luego, no es Derecho constitucional, aunque figure integrado en la Constituición; de outra parte, no toda la Constitución constituye el obeto del Derecho constitucional. FLÓREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. p. 184.

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acabada? Obviamente, não. O direito privado mantém sua vitalidade, devendo ser

considerado um setor jurídico próprio e irrenunciável, fundamental para preservação,

concretização e desenvolvimento da personalidade humana.

Mesmo com a mudança de enfoque, o direito privado não perde a sua autonomia

estrutural, mas, dentro dessa nova perspectiva constitucional, ganha força e

vitalidade para progredir em direção a um novo rumo.

Segundo KONRAD HESSE, duas são as razões de se considerar o direito privado

um setor autônomo e irrenunciável:

i) A personalidade do ser humano e o seu desenvolvimento pressupõem um

âmbito exclusivamente privado na vida de cada um, âmbito em que a pessoa

possa estar e permanecer incomunicável e tão fechado que autoridades não

possam nele interferir, sendo pressuposto fundamental da dignidade e da

liberdade. A tarefa do direito privado, assim, seria de defesa dessa

personalidade.

ii) É também preceito fundamental do Direito a autonomia privada e, em

particular, a forma de liberdade contratual. Esse é o aspecto ativo da

personalidade, âmbito em que a pessoa pode atuar de forma autônoma e

responsável, não sendo lícito convertê-la a simples meio para outros fins

sociais.52

Isso não significa que se deve resgatar o direito civil do século passado. Aqui, a

preservação tanto do direito público quanto do direito privado encontra suas

limitações no próprio sistema constitucional, que continua sendo o feixe de

incidência sobre as relações privadas autonomamente consideradas.

É dizer: o direito privado e o direito constitucional aparecem como partes

necessárias de uma ordem jurídica unitária que, reciprocamente, complementam-se,

apóiam-se e condicionam-se. O direito constitucional é de importância decisiva para

o direito privado, e vice-versa.

Segundo HESSE, o significado do direito constitucional para o direito privado

consiste nas insubstituíveis funções de garantia, orientação e impulso. Garantia – eis

que a Constituição preserva e resguarda importantes institutos jurídicos privados em

52 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p. 74-75.

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seu corpo, protege-os da supressão ou do esvaziamento por meio de leis,

assegurando-os de lesões do Estado ou de outros particulares. Orientação – a

Constituição expressa mandatos (como igualdades entre homens e mulheres, entre

filhos etc,) que deverão ser seguidos por todos que se submeterem a uma

vicissitude da vida civil. Impulso – o direito constitucional reage muito mais rápido às

mudanças da realidade hoje, graças à amplitude e à abertura de suas normas, que

são mais aptas a receber e tomar conta das transformações dos pressupostos e das

exigências, isso tudo mais rapidamente que o próprio direito privado.

Dessa forma, nem tanto pela hierarquia normativa, mas também sob o aspecto

prático, o Texto Constitucional torna-se meio para o desenvolvimento do direito

privado.53

Para JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO:54

Mas, se a abertura aos dados constitucionais vem trazer um acréscimo de

legitimação à tomada de medidas de tutela e compensação, pouco ou nada

contribui para mitigar as incertezas de fixação do seu âmbito operativo. De

facto, ao fazer apelo às categorias ‘poder privado’ ou ‘poder social’, como

critério de delimitação de um regime especial de eficácia dos direitos,

liberdades e garantias nas relações entre particulares, a constitucionalística

reedita, ao seu nível, as mesmas imprecisão e indeterminação de que

vimos padeceridênticos tópicos distintivos aplicados em direito privado. [...].

Nenhuma questão de direito privado e, em especial, a dos limites da

liberdade contratual, se resolve automaticamente pela teoria da função de

tutela dos direitos fundamentais. Por ela, apenas se obtém uma base de

fundamentação para a admissibilidade e exigibilidade de medidas de

controlo da contratação privada, acompanhada por alguns vagos pontos de

apoio à tarefa de concretização das normas pelas quais a protecção deve

efectivar-se. [...] A conclusão a tirar é a de que, nem quanto ao âmbito da

previsão, nem quanto à estatuição, as normas de controlo dos contratos

privados estão predeterminadas a nível da Constituição. Que o

reconhecimento de certos direitos, liberdades e garantias importam o dever

constitucional de assegurar a sua efectividade, é absolutamente certo. Que

o cumprimento desse dever se manifesta também na promulgação de

medidas especiais de tutela, nos casos de típica disparidade de poder

53 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p. 83. 54 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o

princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 2003. p. 141-142.

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negocial, não o é menos. A partir daí (a partir, exactamente, de onde

começam os concretos problemas de conformação dos interesses

privados) cessa o directo apoio que as normas constitucionais podem

prestar ao legislador ordinário.

Em resumo, as normas de direito privado também podem servir para a concretização

de imperativos de tutela de direitos fundamentais.55

Segundo KONRAD HESSE, não menos decisiva é a transcendência do direito

privado ao direito constitucional: em seu desenvolvimento diário, torna-se viável o

exercício efetivo dos direitos fundamentais previstos na Constituição, permitindo a

concretização de seu conteúdo e sentido, sendo que, sem as normas

regulamentares típicas do direito privado, não poderiam desenrolar nenhum papel ou

ter qualquer efeito. Além disso, o direito privado mostra-se importante para permitir o

desenvolvimento do ser humano esperado e desejado pela Lei Fundamental. O ser

humano livre e responsável só pode existir onde o ordenamento jurídico abre

possibilidades para autonomia de pensamento e de ação. E é exatamente ao direito

privado que cabe exercer essa função.56 Conclui-se, portanto, que não há “crise” e

muito menos declínio do direito privado. O direito civil (e, mais precisamente, o

direito privado sob a perspectiva civil-constitucional) só terá sentido se a autonomia

do direito privado for efetivamente reconhecida.

1.3.3 O direito civil constitucional e o Código Civil de 2002

Um segundo questionamento que se faz necessário é se a implantação de novos

preceitos fundamentais pela nova codificação civil e de dispositivos de caráter ético-

socializantes teriam feito com que o estudo do direito civil constitucional tivesse

perdido o significado.

Parece óbvio que a Constituição, em razão da preeminência hierárquica, sempre

incidirá sobre toda a legislação infraconstitucional, sob todo o ordenamento jurídico

nacional, bem como continuará sendo o feixe orientador, incidindo sobre as relações

privadas e tutelando os valores fundamentais.

Para o intérprete, bastaria o simples raciocínio descrito no parágrafo anterior para

concluir que a Constituição sempre incidirá sobre as relações de direito privado. A

55 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2003. p. 34. 56 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p.87-88.

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Constituição ocupa o topo da hierarquia das normas, e tudo que contrariá-la deverá,

ao menos em tese, ser abolido do sistema.

Todavia, nunca é demais lembrar que a comunicabilidade entre a norma

constitucional e o direito privado é um fenômeno recente, que necessita a cada dia

ser consolidado pela Ciência e pelos estudiosos.

O Código Civil de 2002, por suas próprias raízes metodológicas e filosóficas

(eticidade, sociabilidade, operabilidade, atividade57), não tem objetivo de ser um

Código fechado. Está permeado por valores que vão ao encontro do puro liberalismo

e do individualismo exacerbado, exatamente como informado pela Constituição de

1988. É um Código que está imbuído daquilo que o professor MIGUEL REALE

achou por bem nomear de princípio da socialidade, que significa que todos os

valores do Código encontram um balanço entre o valor do indivíduo e valor da

sociedade. Não exacerba o social e, ao mesmo tempo, procura, em todas as regras,

não exacerbar o individualismo.

A socialidade, a despatrimonialização do direito privado e o ideal de justiça social

não nasceram com o Código Civil de 2002, mas dos fundamentos da República

Federativa do Brasil estabelecidos no Texto Constitucional. Se hoje o Código traz

em seu bojo inúmeros preceitos que também são encontrados na Constituição,

nunca é demais lembrar que muitos desses só foram incorporados depois de um

processo de adaptação do então Projeto de Código ao sistema constitucional

vigente.58

Não se quer aqui desqualificar o papel do Código Civil de 2002 na vida dos cidadãos

comuns. É bem verdade que um Código, tal como o vigente, apenas favorece a

realização dos preceitos constitucionais, servindo as cláusulas gerais de porta de

entrada para os valores constitucionais dispostos no ordenamento. Tudo isso,

57 Este quarto princípio é acrescentado por RENAN LOTUFO. 58 Na fase final de tramitação do então Projeto do Código Civil, em razão do descompasso entre

algumas regras do projeto e o Texto Constitucional o Congresso brasileiro editou, em 28 de janeiro de 2000, a Resolução n. 1 de 2000, que deu a seguinte redação ao art. 139-A, § 1º, de 1970-CN: “O relator do projeto na Casa em que se finalizar a sua tramitação no Congresso Nacional, antes de apresentar perante a Comissão respectiva seu parecer, encaminhará ao Presidente da Casa, relatório apontando as alterações necessárias para atualizar o texto do projeto em face das alterações legais aprovadas durante o curso de sua tramitação”. De maneira jamais vista no ordenamento jurídico brasileiro, foi conferido ao relator geral do Projeto do Código Civil a competência para fazer a adaptação constitucional da redação final do que já estava aprovado, portanto, submetido efetivamente ao devido processo legislativo. Se houvesse algum conflito com a Constituição de 1988, poderia o relator fazer a adaptação do texto do projeto de Código Civil.

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porém, não quer dizer que o Código voltará a ser o centro do direito privado, eis que

sempre deverá estar em conformidade com o Texto Constitucional. Daí a

revitalização da importância do estudo do direito civil constitucional, que deverá

continuar fazendo a ligação entre a previsão normativa privada e a previsão

constitucional.59

Como lembrado por PIETRO PERLINGIERI, a codificação, por mais que contenha

cláusulas gerais ou que tenha intenções louváveis, jamais será suficiente para a

completa adequação do direito à realidade social e realidade normativa, concluindo

59 Um exemplo eloqüente e que mostra que a perspectiva civil-constitucional não pode ser

abandonada nem mesmo diante do novo Código Civil fica por conta da análise do art. 1.601, que pela primeira vez no sistema concede ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Vê-se que não é porque o aludido dispositivo está encartado dentro de um Código recheado de boas intenções, que reconhece expressamente em seu texto as outras entidades familiares, que propõe a igualdade entre os cônjuges e dos filhos que todos os dispositivos estarão em consonância com o Texto Constitucional. A análise civil-constitucional do instituto mostra-se necessária. E pela simples leitura do art. 1.601 se vê que o dispositivo não busca a proteção de ninguém, a não ser o próprio pai que vai se ver livre de suas obrigações, ver-se livre, por exemplo, dos alimentos que serão devidos por aquela filiação. Percebe-se que o dispositivo ora criticado prestigia o interesse patrimonial do até então “pai” em detrimento do interesse da dignidade que circunda a família. Rompe com toda sistemática da Constituição eis que, ao pretender regular matérias que vinham sendo disciplinadas pela nova ordem constitucional, retorna ao status patrimonialista e individualista até então vigente no Código de 1916. Se a expectativa era proteger a criança, com absoluta certeza, não é retirando a paternidade já reconhecida que tal objetivo será alcançado. Quando se fala da negatória de paternidade, o sentido de entidade de familiar e de personalidade deve ser levado em conta. Nos moldes do art. 1.601 do Código Civil de 2002, o que está se levando em conta é única e exclusivamente a proteção da personalidade do pai, sendo que as demais personalidades envolvidas (mãe, filho, por exemplo) foram ignoradas pelo legislador. Não se pode pensar em uma legislação sobre Direito de Família focando a proteção de uma única personalidade quando ela não é a única na relação jurídica em jogo. Família é pluralidade de direitos envolvidos, nos termos do art. 226 da Constituição Federal. Em seu âmbito, não se pode pensar em uma proteção exclusiva desse ou daquele direito, ainda mais de cunho eminentemente machista e preservadora das tradições do Código de 1916, que nada tem a ver, aliás, com a atual estrutura do Código de 2002.

No mais, é despropositado o argumento de que a possibilidade científica de um exame de DNA concebe a pessoa o direito de negar uma paternidade, direito esse sem qualquer limitação temporal, eterno. O que não foi levado em conta nesse raciocínio é a grande diferença que existe entre o direito de saber sua identidade genética e biológica e o direito de paternidade e de família. Dentro da família, o problema não é de biologia. O laço que une os personagens da relação familiar é a afeição.

Há uma profunda diferença entre paternidade biológica e afetiva, e o que a Constituição prestigia, como demonstrado, é a segunda. Não está se negando a importância da ciência até mesmo no seio familiar, como a questão dos transplantes, a necessidade de investigação genética para fins terapêuticos etc. Mas a importância biológica e de identidade genética está muito mais ligada ao direito de informação do que à aquisição de status de integrante de uma família. Maiores críticas ao artigo 1601 podem ser vistas no artigo “Questões pertinentes à investigação e à negatória de paternidade”, de autoria do Prof. RENAN LOTUFO. Nele, além das ácidas críticas ao tortuoso processo legislativo, o autor resgata a perspectiva civil-constitucional da Família, mesmo diante da nova filosofia do Código Civil de 2002. LOTUFO, Renan. Questões pertinentes à investigação e à negatória de paternidade. Revista Brasileira de Direito de Família – IBDFAM, São Paulo, Ed. Síntese, n. 8, p. 70-79, jan./fev./mar./ 2001.

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o professor de Camerino que nunca foi tão importante que a perspectiva civil-

constitucional seja mantida pelos civilistas, para que esta adequação seja

efetivamente realizada.60 É dizer, em breves linhas: não é pelo fato de o Código Civil

de 2002 ter incorporado a atual filosofia constitucional que ele estará imune à

permanente confrontação de seu texto com o Texto Constitucional. Aliás, como bem

lembrado por HESSE, nos dias de hoje, as Constituições alterem-se com muito mais

freqüência do que as legislações privadas, sendo comum, portanto, o descompasso

ou a não-recepção constante das novas previsões constitucionais à antiga legislação

infraconstitucional. Logo, o importante papel do Direito Civil Constitucional é manter

acessa a perspectiva de sua teoria, mesmo diante de um Código que apresenta

importantes progressos em relação à sistemática anterior.

Para JUDITH MARTINS-COSTA, os códigos civis elaborados da segunda metade do

século XX em diante já não têm a pretensão de plenitude legislativa, são mais

modestos em relação aos seus congêneres oitocentistas. Segundo a professora da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a finalidade, hoje, de um

Código Civil, é menos regulativa e mais ordenatória, no sentido de pôr ordem,

ordenar as relações interprivadas segundo certas técnicas e valores postos como

diretrizes, garantias e direitos fundamentais pela Constituição, sendo que as

características culturalistas do Código Civil de 2002, em vez de representar o retorno

à posição de supremacia como no século XVIII, deverá apenas servir para viabilizar

a incessante comunicação e complementaridade intertextual com a Constituição e

com os direitos fundamentais.61

É dizer: se o estudo do direito civil constitucional não inibiu o aparecimento de

diversos códigos civis pelo mundo ou até mesmo debates sobre a reforma de

códigos tidos como tradicionais, não significa dizer que o efetivo surgimento de um

novo Código importará o final do seu estudo. Como conclui RENAN LOTUFO:

[...] nada será como antes, porque tudo será conforme os ditames da

Constituição Federal. Não há qualquer incompatibilidade com as

tendências do direito moderno, mas há perfeita compatibilidade com o ideal

60 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. p. 81. 61 MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. In:

SARLET, Ingo Wolfgang (Org). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p. 77.

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de melhor distribuição de justiça, e uma melhor colocação do ser humano

dentro da sociedade e seu enfoque dentro do ordenamento.62

Assim, mesmo com a recente codificação, o direito civil constitucional mantém seu

papel fundamental de correlação da nova normativa com os direitos fundamentais

previstos na Constituição. Deve ser estudado como um sistema jurídico articulado,

que contém e limita, outrossim, a extensão das normas públicas. Mesmo diante das

inúmeras evoluções trazidas pelo Código Civil de 2002, o estudo do direito civil

constitucional mantém a vital importância para que a ligação entre os direitos

fundamentais e o Texto Constitucional seja feita de forma harmoniosa, atuando para

o preenchimento das cláusulas gerais e servindo de norte para a aplicação das

normas de direito privado.

Em nosso sentir, não é possível principiar o estudo das cláusulas contratuais gerais

sem partir da Constituição Federal, pois esta modificou completamente o alcance

dos conceitos usuais. E o direito civil constitucional, como exercício metodológico,

permite o constante renovar dos institutos típicos de direito privado.63

1.4 O ESTÁGIO ATUAL DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

O citado descompasso entre as previsões constitucionais e as previsões da

legislação ordinária também foi sentido no direito das obrigações, mais precisamente

no estudo dos contratos. A teoria geral dos contratos, tal como estudada sob a égide

do Código de 1916, não mais atendia às necessidades próprias da sociedade.64

62 LOTUFO, RENAN. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo

Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. p. 30 63 Ver GRAMSTRUP, Erik Frederico. Um exercício de direito civil constitucional. In: Temas de

dissertação nos concursos da magistratura federal. Estudos em homenagem ao Professor Benedicto Celso Benício. São Paulo: Editora Federal, p. 84.

64 Representação clara desse descompasso entre a Constituição e a Teoria Geral dos Contratos são dados por NATALINO IRTI. Destaca o mestre italiano que nas relações de massa nem sempre os contratos são feitos por escrito. Muitas vezes a aceitação se dará pelas chamadas condutas sociais típicas (Karl Larenz). Muitas vezes os contratos de massa são feitos em “silêncio” ou “sem diálogo”, por coisas, imagens de coisas, palavras ditadas, pré-escritas e outros símbolos. Ironicamente, NATALINO IRTI, no artigo denominado “Scambi senza accordo” denomina o homem atual não mais como homo loquens, dada a perda da importância da palavra e sim homo videns, em face da importância das sensações e sentidos, do toque à visão para a realização de um contrato. O homem de hoje não utiliza mais a linguagem para concluir um contrato. Em eloqüente trecho, destaca o autor: “ la parola possiede un contenuto teoretico, che l’occhio non può avere: la parola offre, la cosa si offre, la parola evoca l´assente, la cosa è presente; la parola chiede di esser capita, la cosa di essere ricevuta nella percezione visiva. Ecco perchè dove la cosa o l’immagine dela cosa prendono il luogo della parola, si estingue il dialogo e regna il silenzio”. IRTI, Natalino.

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Como dito em linhas atrás, o ordenamento jurídico brasileiro, ao eleger como

fundamento da República Federativa a preservação da dignidade da pessoa

humana (CF, art.1º, III) deixou expresso que todo raciocínio jurídico deverá levar em

conta a tutela do ser humano.

Em cada caso concreto,65 o princípio da dignidade da pessoa humana há de ser o

vetor interpretativo, inclusive no direito privado, pelo qual o intérprete sempre deverá

se orientar em seu ofício. E, segundo ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, “no

campo contratual, a dignidade humana, sob o ângulo da igualdade, também tem

concretização”.66

Há de ser observado que, além da dignidade da pessoa humana, a Constituição

Federal contempla, em seu art. 3º, inc. I, dentre outros objetivos da República

Federativa do Brasil, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Desse

dispositivo se extraem outros princípios fundamentais que, em um patamar mais

amplo, exercem influência estrutural na análise e no estudo dos contratos: a

liberdade, a justiça e a solidariedade social.

Das diversas interpretações que se extrai do conceito de liberdade previsto no art.

3º, inc. I, da CF, dentro dessa nova perspectiva de um direito civil franqueado à

incidência da Constituição no âmbito dos contratos, destaca-se a que é dada por

GIOVANNI ETTORE NANNI Ao tecer uma análise conjunta com o princípio da

dignidade da pessoa humana, este autor salienta que a liberdade estatuída na

Constituição não é mais aquela que confere aos contratantes a plena liberdade para

estabelecer o programa contratual. Há de se considerar também uma outra vertente,

a de que o:

Scambi senza accordo. : Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, Giuffrè, n. 2, p. 347-364, jun. 1998.

65 Dando um exemplo de concretude do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito dos contratos, cujo desrespeito, por si só, pode dar ensejo à resolução, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY traz o exemplo das chamadas “pegadinhas” dos quadros televisivos. Segundo o autor, em geral “tal quadro leva a exposição da pessoa ao ridículo, cujas circunstâncias, dependendo da hipótese concreta, podem perfeitamente significar atentado à dignidade da pessoa humana, por isso passível de vedação, mesmo que resulte, como sói acontecer, de ajuste entre o produtor do programa e sua vítima, portanto um contrato, mas dissociado de sua função social, o que é possível reconhecer inclusive mercê da iniciativa do Ministério Público, representante da sociedade, a quem o valor em tela é afeto”. GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 124.

66 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade humana. In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 21.

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[...] pleno exercício de um direito é atado à liberdade, razão pela qual é

inerente a qualquer negócio jurídico a garantia de liberação de seus

protagonistas. [...] é assegurado a qualquer pessoa o direito de

desvincular-se de uma relação jurídica, por aplicação do princípio

constitucional da liberdade. A forma usual desse fato é por meio do correto

cumprimento da obrigação, adimplemento e conseqüente quitação.

Todavia, em determinadas e excepcionais situações, quando plenamente

configurada anormalidade, ilegalidade ou inequívoco desequilíbrio no

negócio, é possível buscar a liberação, desde que seja preservada a

igualdade de sacrifícios entre as partes. 67

Quanto à justiça social, idéia trazida pelo mesmo dispositivo constitucional (CF, art.

3.º, I), segundo CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,68 é ela quem dá substrato à

chamada justiça contratual, na medida em que:

[...] impõe novo padrão de conduta das partes que transacionam e que,

também, determina e assegura o equilíbrio de suas prestações. Não se

espera, por identidade de motivos, que os contratantes possam agir de

forma desleal, que fujam de um padrão de retidão comportamental, ou que

possam contratar ou manter-se vinculados, tal como na origem, de maneira

excessivamente desequilibrada, o que, de resto, não seria leal nem

permitiria fosse o contrato visto como instrumento de cooperação e

colaboração entre as partes.

Já a solidariedade social também exerce especial papel dentro dos novos estudos

do direito civil. Sobre a importância da evolução do conceito de solidariedade no

curso da história do Direito Privado, sintetiza FRANZ WIEACKER que:

[...] tornou-se significativo da evolução do direito privado o facto de a

solidariedade social não se ter circunscrito à limitação dos direitos privados

pelo direito público, mas ter também começado a insinuar-se, através da

jurisprudência, na concepção das relações contratuais, intersubjectivas,

dos direitos patrimoniais e, sobretudo, do direito de propriedade, nas suas

relações com os outros particulares. Com isto, coloca-se ao sistema de

direito privado a questão de princípio de uma nova justificação das figuras

67 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 145. 68 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 33.

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centrais do direito subjectivo, da autonomia privada, do contrato, da

propriedade e da liberdade de associação. 69

Para PIETRO PERLINGIERI, o solidarismo constitucional, mesmo em sua máxima

amplitude, e com todas as dificuldades de interpretação, deve se voltar à proteção

da pessoa. A solidariedade supera a individualidade, não se concebendo um

desenvolvimento superior àquele do pleno desenvolvimento do homem.70 Nesse

contexto, as relações privadas, tal como estudadas e reconhecidas em décadas ou

séculos anteriores, não deverão ficar limitadas ao olhar exclusivo e estático sobre as

partes envolvidas, e sim inseridas em um contexto mais amplo de direitos e

limitações, antes e após a sua extinção.71 Nos contratos, essa solidariedade

concebe o substrato genérico da chamada função social dos contratos.

Em comentário a um dispositivo similar na Constituição italiana (art. 2.o), MASSIMO

BIANCA72 expõe que a solidariedade social corresponde ao ideal do sistema,

exigindo que os contratos, ao lado de satisfazer a função individual, sirvam para

tornar os indivíduos substancialmente mais iguais. Mas a incidência da solidariedade

no âmbito dos contratos não pára por aí. Não se resume a um simples comando

genérico e exterior, tendo também repercussão interna na relação entre os

contratantes.

Sob o ponto de vista intrínseco, a mencionada solidariedade impõe um dever de

cooperação (un’attività di cooperazione73) entre os sujeitos contratantes, para impor

a todos deveres positivos de colaboração na efetivação do programa contratual.

Para DENIS MAZEAUD, a solidariedade entre credores e devedores deve significar

69 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. p. 719. 70 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. p. 167 e 168. 71 “Desenha-se a conduta de solidariedade entre sujeitos de direito, aqui particularizando a figura dos

sujeitos contratantes, à atenção que deve ser dispensada, tanto na formação quanto na definição do negócio jurídico, no senso de ser imperiosa a colaboração entre eles, especialmente, mas não exclusivamente, no momento da execução contratual. Em uma expressão, a solidariedade constitucional é corretora das autonomias privadas envolvidas na relação jurídica, sem embargo de alguma outra função essencial ao próprio contrato.” NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2001. p. 179.

72 BIANCA, Massimo. Diritto civile: il contrato. v. 3. Milão: Giuffrè, 1987. p. 33. 73 BETTI, Emilio. Teoria generale delle obbligazione. v.1. Milão: Giuffrè, 1953. p. 16. No mesmo

sentido, v. BARCELONA, Pietro Diritto privato e società moderna. Napoli: Jovene Editore, 1996. p. 485-492 (“rapporti di cooperazione e l’obbligazione”).

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a cooperação e a colaboração até mesmo como forma de evitar (ou ao menos

aliviar) a exclusão social e, com isso, preservar a dignidade da pessoa humana.74

Dentro dessas perspectivas, tem-se que o contrato não é e nem pode ser

considerado um instrumento de opressão e exploração. O abuso do mais forte sobre

o mais fraco produz um efeito anti-social. Devem ser garantidas aos contratantes as

condições mínimas de igualdade. Mas, ao contrário da impressão de alguns

civilistas,75 o contrato não morreu nem tende a desaparecer. O que mudaram foram

os paradigmas constitucionais e a filosofia do sistema, não podendo o direito

privado, repita-se, ficar alheio a essa mudança, aguardando estático que a realidade

econômica de hoje se adapte aos vetustos institutos herdados das codificações civis

dos séculos passados.

Sintetizando as idéias expostas até agora: segundo análise sistemática do Texto

Constitucional, deve ser abolido das relações contratuais o exercício descomedido

da vontade. Não se fala mais em autonomia da vontade, mas em autonomia privada,

que deve ser entendida como o poder reconhecido pela ordem jurídica ao ser

humano, prévia e necessariamente qualificado como sujeito jurídico, de jurisdicizar a

sua atividade, realizando livremente negócios jurídicos e determinando os

respectivos efeitos.76

74 MAZEAUD, Denis. Loyautè, solidarieté, fraternité: la nouvelle devise contractuelle? L’avenir du

droit: mélanges en hommage à François Terré. Paris: PUF, 1999. p. 623. 75 Por exemplo, ver GILMORE, Grant. La morte del contratto. Milano: Giuffrè, 1988 (tradução de

Andrea Fusaro), com ensaio introdutório “Il contratto tra passato e avvenire”, de GUIDO ALPA, p. IX-XXVII.

76 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. p.11. A autonomia privada é dotada de poder normativo, limitada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o ordenamento estatal concede aos particulares uma esfera de poder para normatizarem, para realizarem a norma concretamente, estabelecendo regras entre si, as quais se obrigam, e o ordenamento reconhece a validade de tais regras, bem como a necessária observância a elas. A autonomia privada, como poder normativo, ou no melhor dizer, como potestade, concede aos particulares o poder de efetuar negócio jurídico, esse, a seu turno passa a criar uma norma que deverá ser observada pelos próprios sujeitos que o criaram. A autonomia privada é aquela que o sistema confere aos particulares como potestade, para criar a auto-regulação. Para LUIGI FERRI autonomia privada se caracteriza como poder normativo e o negócio jurídico como fonte normativa. FERRI, Luigi. La autonomia privada. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1969. p. 105. Luigi Ferri assinala ainda que a concepção do direito como vontade objetiva não exclui a idéia que a norma pode ser criada por sujeitos. A vontade subjetiva atua como matriz e no momento que o direito nasce é precisamente aquele no qual a norma se converte em tal separação de sua matriz, ou seja, no qual se conclui o processo de objetivação da vontade. (p. 137). A autonomia privada sofre restrições, e não poderia ser diferente. A autonomia privada não prevê uma liberdade absoluta, pois não existe liberdade contra o sistema do direito. Assim, à ela se impõem as restrições decorrentes do próprio ordenamento jurídico, que tem de ter univocidade, e por assim ser, a autonomia privada tem de ser exercida dentro dos limites da ordem pública e da observância aos valores e preceitos constitucionais. Para JOAQUIM DE SOUZA RIBEIRO (O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da

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Os estudos contemporâneos sobre a estrutura do contrato fizeram que a definição

voluntarista se tornasse completamente superada, quando muito insuficiente para

defini-lo em seus atuais contornos. Em última análise, o contrato, hoje, ostenta não

só uma nova estrutura:

[...] como também, e ainda de maior relevância, novo papel a

desempenhar, nova função que o ordenamento, em maior ou menor

escala, e malgrado sem desconsiderar seu atributo de exercício de uma

liberdade individual, inafastável igualmente ao desenvolvimento da pessoa

humana, enquanto tal, lhe reserva para cumprir objetivos sociais eleitos

dentro do sistema.

Para MASSIMO BIANCA,77 a superação do dogma da vontade é, por assim dizer,

um resultado adquirido no próprio plano do direito positivo. A disciplina legislativa do

contrato, em alguns países, superou a excessiva valorização da vontade interna da

parte. O contrato não é valorado como um fenômeno psíquico nem como um

liberdade contratual, p. 236) a autonomia privada se revela por uma concedida reserva às partes para gerirem seus próprios interesses, longe da intervenção estatal. Significa o reconhecimento de um espaço de livre manifestação de um poder ordenante que não tem que prestar contas à entidade que o reconhece, a não ser as que respeitam à estrita observância dos seus limites de atuação. A autonomia privada é condição necessária à autodeterminação, que, constituindo um valor em si, em termos de realização da personalidade individual, é também um elemento imprescindível a uma ordem econômica que promove a eficiência na aplicação de recursos. Mas, mesmo nas zonas em que essa possibilidade é genuína, a autodeterminação não é o único valor em campo, tendo que conviver com outros valores que também estruturam normativamente a esfera das relações privada. A autonomia da vontade era vista numa concepção tipicamente voluntarista e individualista, que era coerente com um modelo econômico liberal e capitalista, no qual a liberdade de contratar era levada a extremos. A autonomia da vontade tinha no contrato seu principal instrumento, pois esse era o mecanismo de circulação da propriedade e das relações entre as partes, às quais se impunha uma igualdade formal, muitas vezes eqüidistante da realidade na qual se verificava uma flagrante desigualdade. Essa concepção foi superada na medida em que os valores constitucionais e as normas de ordem pública passaram a limitá-la, e como já afirmado, concedendo aos particulares uma esfera: a da autonomia privada. Assim, a autonomia da vontade passa a ser exercida dentro do âmbito da autonomia privada. A vontade continua a ser de extrema importância, mas não mais numa concepção liberal exacerbada. Há que se consignar a necessidade da preservação da autonomia da vontade dentro da autonomia privada, pois o contrato tem que ser auto-regulamentação, e nele tem de existir ao menos um mínimo de vontade.

77 BIANCA, Massimo. Diritto civile: il contrato. v. 3. p. 20. Sobre os efeitos de considerar o contrato como fato social, aborda FERNANDO NORONHA: “se um contrato deve ser consolidado como fato social, como temos insistido, então a sua real existência há de importar-se por si mesma, para poder ser invocada contra terceiros, e, às vezes, até para ser oposta por terceiros às próprias partes. Assim é que não só a violação de contrato por terceiro pode gerar a responsabilidade civil deste (como quando terceiro destrói a coisa que devia ser prestada, ou na figura da indução ao inadimplemento de negócio jurídico alheio), como também terceiros podem opor-se ao contrato, quando sejam por ele prejudicados o instituto da fraude contra terceiros é exemplo típico disto”. NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 119.

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simples acordo de vontades, mas como um fenômeno social,78 um valor objetivo no

qual as partes constituem, extinguem ou modificam uma relação própria (patrimonial

ou não),79 sobre o qual recaem novos princípios e novas premissas, realçado em

novas bases constitucionais, exercendo um novo papel dentro da sociedade. A visão

do contrato como um instrumento de normação de relações sociais permite dar

relevo a aspectos estruturais e funcionais da realidade a ordenar. Segundo

JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO,80 analisar o contrato como instrumento de

normação das relações sociais, permite a ligação entre as partes e ganha então

novas tonalidades, que lhe são transmitidas pela sua inserção num determinado

campo objetivo de atividade, com as suas exigências próprias e as suas conexões

de sentido que ultrapassam a relação e o querer individuais.

1.4.1 Os “novos” princípios do contrato

Na visão clássica, herdada do século XIX, três eram os princípios fundantes da

disciplina do direito contratual: liberdade das partes (ou autonomia da vontade, a

designar a plena liberdade de contratar), o princípio da força obrigatória do contrato

(pacta sunt servanda) e o princípio da relatividade de seus efeitos. Todo o edifício do

contrato se assentava sobre a vontade individual, que era a razão de ser da sua

força obrigatória.

78 Nesse sentido, afirma RICARDO LORENZETTI que “O contrato atual não é um assunto individual,

mas que ‘tem passado a ser uma instituição social que não afeta somente os interesses dos contratantes. À sociedade, representada pelo Estado e outras entidades soberanas, atribui-se o controle de uma parte essencial do Direito Contratual”. LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Saraiva. p. 551. No mesmo sentido, ver NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. Novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 24

79 Esta é a síntese da definição encontrada em alguns Códigos do Mundo: Código Civil Francês: “Le contrat est une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s'obligent, envers une ou plusieurs autres, à donner, à faire ou à ne pas faire quelque chose.”; Código Civil de Quebec: “Le contrat est un accord de volonté, par lequel une ou plusieurs personnes s'obligent envers une ou plusieurs autres à exécuter une prestation.”; Código Civil Português: “Contrato é o acordo, por que duas ou mais pessoas transferem entre si algum direito, ou se sujeitam a alguma obrigação”; Código Civil italiano: “o contrato é um acordo entre duas ou mais pessoas para constiuir, regular, ou extinguir entre estes uma relação jurídica patrimonial”; Código Civil Espanhol: “ El contrato existe desde que uma o varias personas consienten em obligarse, respecto de otra o otras, a dar alguna cosa o prestar algún servicio”; Digesto de Direito civil Inglês: “ un contrat est ine convention qui crée ou que est destinée à créer ine obligation juridique entre lês parties qui la concluent”; Código Civil Argentino: “Hay contrato cuando varias personas se ponen de acuerdo sobre una declaración de voluntad común, destinada a reglar sus derechos”; Código Civil Mexicano: “Contrato es un convenio por el que dos o más personas se transfiren algún derecho o contraen alguna obligación”; Outros Códigos evitaram definição (alemão, soviético, suíço, polonês).

80 RIBEIRO, Joaquim Sousa. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 18.

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Diante das novas perspectivas do direito civil, muitos juristas sustentaram que tais

princípios não poderiam mais subsistir. Porém, refletindo sobre a principiologia do

novo direito contratual, ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO,81 professor titular da

Universidade de São Paulo, explica que se vive hoje em um momento que ele

denomina de hipercomplexidade:

Os anteriores [princípios dos contratos] não devem ser considerados

abolidos pelos novos tempos, mas, certamente, deve-se dizer que viram

seu número aumentado pelos três novos princípios. Quais são esses novos

princípios? A boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico do contrato e a função

social.

É dizer: a hipercomplexidade da atual teoria geral dos contratos é um fenômeno que

explica a conjugação e a congregação entre velhos e novos princípios, submetidos

ao programa constitucional, formatando um novo modelo de pensar o contrato.

Assim, a tarefa do intérprete será, portanto, conciliar os princípios clássicos de

índole liberal, com os princípios contemporâneos, de índole social e tutelar, num

equilíbrio o mais fiel possível ao compromisso que a esse respeito foi firmado na

arena constitucional.82

Assim, ao lado da força obrigatória dos contratos, da liberdade contratual e da

intangibilidade dos efeitos do contrato, são agregados outros três princípios para

harmonização e desenvolvimento da teoria contratual: boa-fé objetiva, equilíbrio

contratual e função social dos contratos, que serão fundamentais na limitação da

predisposição de cláusulas contratuais gerais, além da descoberta da abusividade

de sua utilização.

Conceituar a função social do contrato não é algo fácil, seja por sua vagueza, seja

pela equivocidade dos seus significados. Em trabalho específico sobre o tema, que

lhe rendeu, aliás, o grau de doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica

81 Conforme sistematização de ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, “são três os princípios do

direito contratual que vêm do século passado, giram eles em torno da autonomia da vontade e assim se formulam: a) as partes podem convencionar o que querem, e como querem, dentro dos limites da lei – princípio da liberdade contratual lato sensu; b) o contrato faz lei entre as partes, pacta sunt servanda – princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais; c) o contrato somente vincula as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros – princípio da relatividade dos efeitos contratuais”. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do direito contratual e desregulamentação do mercado – Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento - função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual. Em Estudos e Pareceres de Direito Privado. p. 140.

82 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. p.111.

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de São Paulo (PUCSP), CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY salienta que o

contorno primeiro, genérico e básico da função social do contrato está, antes de

tudo, na promoção daqueles objetivos do Estado Social, na eficácia dos valores

básicos do ordenamento, que deve servir para influenciar situações concretas de

preservação da dignidade e do solidarismo.83 Percebe ainda um aspecto extrínseco

(ou ultra partes) desse princípio, vertente pouco estudada em doutrina, e mitiga a

relatividade dos efeitos do contrato, não mais concebendo o seu estudo como algo

impermeável às relações sociais que o circundam.

Nessa acepção, expõe TERESA NEGREIROS84 que:

[...] o princípio da função social encontra fundamento constitucional no

princípio da solidariedade, a exigir que os contratantes e os terceiros

colaborem entre si, respeitando as situações jurídicas anteriormente

constituídas, ainda que as mesmas não sejam providas de eficácia real [...]

O estudo do princípio da função social do contrato visa verificar de que

modo se dá a interação entre tal princípio e o clássico princípio da

relatividade, que, em sentido oposto, postula o isolamento da relação

contratual, circunscrevendo seus efeitos aos contratantes.

O contrato, segundo a nova acepção da função social, não é visto como um átomo,

algo que somente interessa às partes, transcendendo sua finalidade também no

âmbito social, desde a sua concepção até após a sua conclusão. Lembra, neste

ponto, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,85 de que a expansão da oponibilidade

dos ajustes, por si só, já significa um complemento à sua força obrigatória:

[...] na medida em que garante, posto que diante de terceiros, a plena

eficácia do quanto contratado. Sem contar, ainda, no mínimo a

comunicação de deveres contratuais anexos ou garantias contratuais a

terceiro não contratante. Sempre, destarte, uma releitura que a função

83 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 123. 84 NEGREIROS, TERESA. Teoria do Contrato. p. 210. 85 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato, p. 134. Apesar de não ser o objeto do

presente estudo, o alargamento do conceito de oponibilidade do ajuste, vem se considerando integrar o que se convencionou chamar de tutela externa do crédito, que segundo CARLOS DA MOTA PINTO, citado por CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY e TERESA NEGREIROS, “significa a existência dum dever geral de abstenção de quaisquer terceiros, relativamente à obrigação concebida como valor patrimonial”.Por entender que a questão de responsabilidade do atravessador está fundada no dever geral de não lesar ou no abuso do direito, temática que foge o presente estudo, fica aqui apenas a menção, como nota das transformações do estudo da função social.

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social impõe acerca da situação do terceiro em face de um contrato e

mesmo dos contratantes em face do terceiro.

A boa-fé objetiva, por sua vez, também é agregada aos novos estudos dos

contratos. Segundo KARL LARENZ, o personalismo ético, que eleva o respeito pela

dignidade pessoal de cada ser humano à categoria de imperativo moral supremo,

não seria suficiente para fundamentar uma ordem jurídica (ou as relações privadas)

se não interviesse também um elemento ético-social: e esse elemento indispensável

é a boa-fé. Uma sociedade na qual cada indivíduo desconfiasse do próximo seria

semelhante a um estado de guerra latente e, em vez da paz, dominaria a discórdia.86

Hoje não há mais dúvidas de que a boa-fé estudada nos contratos é a objetiva, um

standard, um dever imposto às partes para agirem de acordo com determinados

padrões (de correção, lisura, honestidade etc.) socialmente recomendados. É

denominada boa-fé, lealdade ou confiança,87 adjetivos que realçam o escopo desse

princípio: a tutela das legítimas expectativas da contraparte, para a garantia da

estabilidade e da segurança das transações.

É sempre bom lembrar que, no âmbito dos contratos, a boa-fé se traduz em três

comandos, três funções distintas e conjugadas:

i) função interpretativa (as partes devem proceder de acordo com a boa-fé

quando se trate de determinar o sentido das estipulações contidas em

determinado contrato);

ii) função de integração ou supletiva (amplia os deveres de comportamento

de credor e devedor) e 88

iii) função de controle (marca os limites dos direitos que o credor tem de

exercer contra o devedor).

86 LARENZ, Karl. Derecho Civil - Parte general. p. 58. 87 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 136. 88 O segundo comando em que se desdobra o princípio da boa-fé (função supletiva ou de integração)

possui maior relevância para o estudo da responsabilidade pós-contratual. Segundo ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “a boa-fé não deve, como sucede correntemente, a ser citada apenas como mero arrimo verbal dos passos efectuados ou como simples meio de justificar, a nível de plausibilidade, uma solução baseada noutras latitudes [...]. Na busca de fórmulas concretizadoras está a fundamentação da c.p.p.f [responsabilidade pós-contratual] através da boa-fé. Como elementos mediadores, têm sido apontados: princípio da confiança, lealdade, protecção” MEZEZES CORDEIRO, Antonio. Da pós-eficácia das obrigações. In: Estudos de direito civil. v. I. Coimbra: Almedina, 1994. p. 168. Ver também TEPEDINO, Gustavo. Obrigações - estudos na perspectiva civil-constitucional. p. 35 e 36.

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Segundo essa função supletiva, os direitos e deveres das partes não são, para cada

uma, apenas o de realizar a prestação estipulada no contrato ou, eventualmente,

cumprir os itens acrescidos por outros deveres previstos pelas partes e, ainda, os

estabelecidos nas leis supletivas ou imperativas, aplicáveis ao negócio celebrado. A

boa-fé, nesse sentido, impõe a observância de muitos outros deveres de conduta

que podem gerar, mesmo diante da extinção da prestação principal, uma

responsabilização pelo descumprimento por esses específicos deveres. Em sua

vertente supletiva, a boa-fé, além de integrar as lacunas do contrato, cria o que se

vem chamando de deveres jurídicos acessórios, laterais,89 instrumentais ou

secundários das obrigações e dos contratos.

Explicando esse desdobramento que a boa-fé traz ao âmbito das obrigações, explica

ANTUNES VARELLA que os chamados deveres principais são aqueles que definem

o núcleo, o tipo da relação, são aqueles que se traduzem na realização da prestação

debitória. Eles seriam, afinal, o débito da concepção clássica da obrigação (exemplo:

pagar o preço devido e entregar a coisa certa no processo de compra e venda;

ceder ao uso e pagar o aluguel no caso de locação).

Já os deveres secundários são aqueles destinados a preparar o cumprimento ou a

assegurar a perfeita execução da prestação principal. São aqueles dirigidos à

realização de prestações ainda específicas, estabelecidas no programa contratual,

mas diferentes da prestação principal (no caso da compra e venda, o dever do

vendedor de entregar ao comprador os documentos necessários ao registro

translativo; na locação, o dever do locatário de devolver o bem findo o prazo do

ajuste etc.).

Há ainda uma terceira modalidade de deveres no âmbito da relação obrigacional: os

chamados deveres laterais, essenciais ao correto processamento da relação

obrigacional em que a prestação se integra. Não diz respeito a prestação, principal

ou auxiliar. Antes, visam proteger a pessoa e os bens da outra parte contra riscos de

danos e, em geral, auxiliar a realização das finalidades da própria relação

obrigacional (no caso do contrato de compra e venda, seria o dever do vendedor de 89 Optarei, por recurso de método, pela nomenclatura deveres laterais, uma vez que a denominação

deveres acessórios pode dar ao leitor a falsa noção de que esses sejam deveres dependentes da prestação contratual principal, o que não é verdade. Alguns deveres não são autonomamente exigíveis enquanto outros independem da prestação principal, por exemplo, o dever de lealdade do empregador em relação a ex-empregada no sentido de informar a existência de um antigo vínculo contratual.

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prestar assistência, caso o comprador precise de uma retificação dos dados do

registro imobiliário).90

São todos aqueles deveres decorrentes do fato jurígeno obrigacional cujo escopo

não seja, diretamente, a realização ou a substituição da prestação, sendo possível

concluir, assim, que esses deveres estão presentes, em maior ou menor grau, no

conteúdo normativo das relações obrigacionais.91

São exemplos desses deveres, no âmbito dos contatos: deveres de informação, de

sigilo, de transparência, de cooperação, de confiança, de cuidado, de previdência,

de segurança, de prestar contas etc. FERNANDO NORONHA, apoiado nos

ensinamentos de MENEZES CORDEIRO,92 reduz a três genéricos deveres laterais

que sintetizariam os já mencionados:93 deveres de proteção (as partes, enquanto

perdure um fenômeno contratual, permanecem ligadas, cabendo evitar que, durante

esse fenômeno, sejam-lhes infligidos danos mútuos, pessoais ou em seu

patrimônio); esclarecimento (as partes estão obrigadas a, na vigência do contrato

que as une, informarem-se mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo,

de ocorrências que, com ele, tenham por certa a relação e, ainda, de todos os

efeitos que, da execução contratual, possam advir) e, por fim, de lealdade (obrigam

as partes a, na pendência contratual, absterem-se de comportamentos que possam

falsear o objetivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas

consignadas).

Dentre seu vasto plexo de atuação, sedimenta-se a idéia de que a boa-fé gera

inúmeros deveres de conduta, não podendo se estudar a relação obrigacional com

olhos voltados exclusivamente na prestação principal ou no vínculo.

A violação dos deveres laterais de conduta gera as mais diversas conseqüências. Às

vezes implica a invalidação94 do próprio negócio ou, até mesmo, a própria

responsabilidade pré-contratual (invocação da culpa in contrahendo), hipóteses que

90 VARELLA, João Matos Antunes. Das obrigações em geral. v. 1. Coimbra: Almedina, 10. ed., 2000.

p. 122 e 124. Os exemplos são de FERNANDO NORONHA. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 162.

91 FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 75.

92 MENEZES CORDEIRO, Antônio Manoel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. v. 1. Coimbra: Almedina, 1984. p. 615-620.

93 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 160. 94 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p 163.

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fogem, obviamente, do presente trabalho, mas que, reconhecidamente, possuem o

mesmo fundamento: a ofensa aos deveres gerados pela boa-fé.

Constata-se, portanto, que a concepção do contrato como fenômeno social, bem

como os princípios da função social como a boa-fé, dão novas bases à interpretação

dos contratos, permitindo a visualização dos novos deveres entre os contratantes,

viabilizando uma extensão e uma dimensão até então não concebidas pelos estudos

tradicionais, franqueando-se uma abertura até então ignorada.95

1.4.2 Obrigação como relação jurídica complexa. Relevância para o estudo dos

contratos

Uma última consideração merece ser feita antes de se adentrar ao estudo específico

das cláusulas contratuais gerais, que permitirá a melhor compreensão do fenômeno.

Durante muito tempo, o estudo do direito das obrigações ficou única e

exclusivamente centrado na estática observação dos sujeitos da relação, preso na

análise exclusiva do vínculo obrigacional, na relação entre crédito e débito entre as

partes. A relação jurídica obrigacional, como vimos, era vista como simples vínculo

jurídico entre o credor e o devedor, não se considerando as vicissitudes que

circundavam esta relação, muito menos os períodos anteriores e posteriores da sua

existência. Não se levava em conta a estrutura dinâmica da obrigação, que envolve

um conjunto de atos (atividades) para a concretização de determinado fim, ou, em

outras palavras, ao adimplemento do credor.

Concebia-se a noção de obrigação como vínculo jurídico por força do qual uma

pessoa ficava subordinada a outra, condicionada a dar, a fazer ou a não fazer

alguma coisa. A obrigação tinha uma única finalidade: a prestação, concebida como

único dever principal.

Em razão de todas as reflexões expostas nos itens anteriores, a doutrina começou a

questionar até que ponto a relação obrigacional poderia ser concebida dessa

maneira, centrada exclusivamente no vínculo. E, em razão de novas influências e de

95 “Os deveres secundários comportam tratamento que abranja toda a relação jurídica. Assim, podem

ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem em indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, da guarda de cooperação, de assistência”. SILVA, Clóvis do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976. p. 113.

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transformações mundiais, KARL LARENZ, na Alemanha, apoiado nos estudos de

HERMAN STAUB e HENRICH SIBER, passou a defender, categoricamente, que o

espectro obrigacional deveria ser estudado como um todo, não de forma isolada,

mas como uma relação jurídica total.96

Na concepção clássica de relação obrigacional, tem-se apenas a sua moldura, seu

aspecto externo, definido exclusivamente pelos seus elementos: os sujeitos, o objeto

e o vínculo de sujeição que liga o devedor ao credor, o crédito e a dívida, sem

mencionar os múltiplos deveres, sujeições ou poderes que decorrem daquela

relação. Na metáfora usada por JUDITH MARTINS-COSTA,97 vista a relação

obrigacional dessa maneira, percebe-se que entre os sujeitos nada mais existe do

que o crédito e a dívida, como se os circundasse uma espécie de buraco negro, tal

qual o misterioso vazio que ameaça a camada de ozônio da terra.

A partir dessas constatações, a doutrina moderna passou a conceber a relação

obrigacional em sua dinâmica e sob o ponto de vista global. Alarga-se a abrangência

da relação obrigacional de uma simples prestação para considerar também todos os

deveres correlatos. Vista de tal maneira, a relação obrigacional engloba, além do

direito de crédito e do dever de prestar, outros elementos, como os deveres laterais.

Em suma, trata-se de uma relação obrigacional complexa.

Sob outro prisma, mas a significar o mesmo fenômeno, a relação obrigacional passa

a ser considerada também processo. Ou seja, percebeu-se que a relação

obrigacional era composta por uma sucessão de atos tendentes a um fim, qual seja,

a satisfação do interesse do credor, enfatizando, neste enfoque, o seu caráter

dinâmico, em que as várias fases que nascem nada mais são que fases para a

consecução do fim daquela relação, a ser considerado bem antes de quando a lei

fixa como formado o contrato.

Na obrigação entre o comprador e o vendedor de um automóvel, por exemplo, o

conteúdo exclusivo desta obrigação não são os deveres de pagar o preço e a

correspectiva entrega do bem. Há também os deveres secundários (guardar o

automóvel, deixar pronta a documentação) e os deveres laterais (informar sobre as

96 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. p. 37. 97 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999. p. 384.

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condições de funcionamento daquele automóvel, sobre problemas constatados por

outros proprietários etc.).

Em um contrato de transporte de coisa (CC, arts. 743 e ss.), o objeto do contrato

não se resume ao transporte de um bem determinado em troca de determinada

remuneração (dever principal). Cabe ao contratante, em caso de exigência, fornecer

descrição detalhada sobre os bens a serem transportados (CC, art. 744, parágrafo

único – dever secundário). E ainda: em caso de alguma particularidade sobre

durabilidade, acondicionamento ou qualquer outro dado relevante que gere o perigo

de perecimento da coisa, o transportador deve ser informado, cumprindo-se, assim,

o dever lateral de informação gerado pela cláusula de boa-fé. Em caso de eventual

perecimento da coisa transportada, não basta ao julgador investigar o

descumprimento da obrigação principal (simples dever de transportar por parte da

transportadora ou, ainda, invocar a cláusula de incolumidade do bem transportado).

Tem ele o dever de avaliar toda a complexidade da relação, conforme foi apontada,

inclusive se a transportadora fora informada de determinada particularidade que

imporia, por exemplo, um acondicionamento especial da coisa, para só daí se avaliar

a imputação de eventual responsabilidade.

Sobre essa transição da estruturação da relação obrigacional, comenta MARIO

JULIO DE ALMEIDA COSTA:98

[...] a perspectiva da obrigação que se esgota no dever de prestar e no

correlato direito de exigir ou pretender a prestação corresponde à

orientação clássica, de fundo atomístico. Todavia, a doutrina moderna,

sobretudo por mérito dos autores alemães, evidenciou a estreiteza de tal

ponto de vista e a necessidade de superá-lo [...] Deste modo, numa

compreensão globalizante da situação jurídica creditícia, apontam-se, ao

lado dos deveres de prestação – tanto deveres principais de prestação

como deveres secundários –, os deveres laterais (nebenpflichten), além de

direitos potestativos, sujeições, ônus jurídicos, expectativas jurídicas, etc.

Todos os referidos elementos se coligam em atenção a uma identidade de

fim e constituem o conteúdo de uma relação de caráter unitário e funcional:

a relação obrigacional complexa, ainda designada relação obrigacional em

sentido amplo ou, nos contratos, relação contratual.

98 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito das Obrigações. Coimbra: Almedina, 5. ed., 1999. p. 58.

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No Brasil, a estruturação da relação obrigacional como um processo tem como seu

grande precursor CLÓVIS DO COUTO E SILVA, que em obra específica sobre o

tema,99 logo nas considerações iniciais, assevera que:

[...] a obrigação, vista como processo, compõe-se, em sentido largo, do

conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor.

Dogmaticamente, contudo, é indispensável distinguir os planos em que se

desenvolve e se adimple a obrigação. Os atos praticados pelo devedor,

bem assim como os realizados pelo credor, repercutem no mundo jurídico,

nele ingressam e são dispostos e classificados segundo uma ordem,

atendendo-se aos conceitos elaborados pela teoria do direito. Esses atos,

evidentemente, tendem a um fim. E é precisamente a finalidade que

determina a concepção da obrigação como processo.

Percebe-se, então, que as obrigações são compostas por relações jurídicas

complexas, dinâmicas, e que somente chegarão a um bom fim se contar com a

colaboração leal dos participantes, em cumprimento a todos os deveres impostos

pela boa-fé, e não aos exclusivos comandos da lei e das próprias partes. A estrutura

obrigacional complexa, com as características apontadas anteriormente, é uma

exigência da nova feição do direito civil constitucional, sendo que o contrato e as

relações nele inseridas não teriam o mínimo de efetividade se submetidos a uma

relação jurídica simples.100

1.5 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS: A

MASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS

Se o surgimento das cláusulas contratuais gerais está atrelado ao surgimento do

contrato de adesão e às contratações em massa,101 podemos afirmar que estas têm

como origem as mudanças econômicas, sociais e políticas ocorridas no início e em

meados do século XIX. Nesse período, as evoluções tecnológicas e dos meios de

99 SILVA, Clóvis do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976. p. 9

e 10. 100 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. p. 149. 101 Vale, todavia, a advertência feita por EWOUD HONDIUS, que vê sinais do que seriam hoje as

cláusulas contratuais gerais nas formulae compiladas pelos pontífices romanos, nos módulos dos trabelliones medievais e nos usos de comerciantres do século XVII, que predispunham suas próprias cláusulas standard no campo dos seguros. HONDIUS, Ewoud H. Il controllo sulle condizioni generali nel diritto olandese. BIANCA, Massimo (Coord.). Le condizioni generali di contratto. Milão: Giuffrè, 1981. p. 407. Para outros, o surgimento das cláusulas contratuais estaria no invitatio ad offerendum, tema que será abordado no curso do trabalho.

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produção ocorridas na Europa, com a chamada Revolução Industrial,102 refletiram-se

diretamente na transformação das formas clássicas de contratação, passando por

uma adequação às novas condições do mercado capitalista.

A chamada contratação em massa surgiu com a Revolução Industrial e se

desenvolveu com a conseqüente Revolução Comercial, que progressivamente

expandiu o comércio e os serviços de modo a abranger cada vez mais bens

destinados a mais pessoas colocadas a maior distância.

O aumento da produção industrial levou à maior circulação de mercadorias,

aumentando o consumo e a necessidade de meios financeiros para sustentá-la. Tais

transformações atingiram o contrato em sua substância, fazendo que ele deixasse

de ser um acordo de vontades fundado em uma discussão prévia.

Se, naquela época, os contratos eram dominados pelas idéias do liberalismo puro,

trazidas pelos ideais da Revolução Francesa, que tinham como base de sustentação

que todos os contraentes eram iguais, com o passar do tempo, com o crescimento

industrial e econômico aliado à total abstenção estatal na formação dos contratos,

percebeu-se que o dogma da igualdade dos contraentes não correspondia à

realidade, verificando-se que o contraente mais forte economicamente impunha o

que e como contratar. A vontade de uma das partes era apenas deduzida, quando

não forçada por contingências.

Cabe lembrar de que, até então, o contrato era tido como instrumento de

circulação de riquezas, constituindo-se em adequado e legítimo mecanismo para

que a classe burguesa, ascendente, tivesse à sua disposição um meio legal para

102 "Esta técnica de conclusão dos negócios [contrato standard] começa a afirmar-se, de modo

significativo – na prática dos mercados capitalistas – sobretudo na época subseqüente à Revolução Industrial do início do século dezenove. Na Europa desses anos, os progressos das técnicas produtivas, a descoberta de novas fontes de energia e a mais racional e intensa utilização das já conhecidas, a diferente organização do trabalho no interior das empresas, a crescente dimensão destas [e do volume dos capitais nelas empregues] atingem todos os sectores da economia com um impacto sem precedentes. E por reflexo directo destas transformações, cada um dos sectores conhece – em várias formas e medidas – a estandardização das relações contratuais que se desenrolam no seu seio. Delinear esta evolução de formas e técnicas de contratação significa, ao mesmo tempo, percorrer as vicissitudes de algumas das fundamentais <<instituições do capitalismo>>".Estandardizam-se os títulos de crédito que, pelo seu próprio papel de instrumentos de mobilização e multiplicação da riqueza, tendem, cada vez mais, a assumir vestes de títulos <<de massa>>" [...] "Rigidamente uniformes passam a ser as <<condições>> com que os bancos negociam com os seus clientes. E ainda, a introdução e a extensão das redes ferroviárias e das linhas de navegação a vapor – meios que inauguram a era dos transportes de massa – abrem ao fenómeno da contratação uniforme novos relevantíssimos sectores." ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 313.

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obter da classe aristocrática, em decadência, a tradição do bem jurídico mais

importante para aquele sistema jurídico que era o real imobiliário. Naquela época,

estava consagrado o dogma da vontade, e o contrato havia sido definido como

instrumento de sua convalidação. A vontade individual seria a única fonte de todas

as obrigações jurídicas, sendo ela, por conseqüência, a única fonte de justiça. Sobre

o pensamento kantiano reinante na ocasião, explica de NORBERTO BOBBIO que:

“a aquisição de um direito pessoal só pode acontecer através da ação do outro, ou

seja, por meio de um acordo entre a minha vontade e a do outro, ou seja, pacto". 103

Sob o ideário liberal, durante os séculos XVIII e XIX, os juristas construíram os

princípios da liberdade contratual, da força obrigatória dos contratos e de seu efeito

relativo, decorrentes todos eles do contexto político e filosófico então em voga: a

autonomia da vontade. Assim, podiam as partes contratantes escolher o respectivo

parceiro contratual, estipulando o conteúdo do ajuste que viessem a firmar

(liberdade contratual); aquilo por elas deliberado passava a vinculá-las em definitivo

(força obrigatória dos contratos), não alcançando, contudo, terceiros, estranhos ao

pacto contratual (efeito relativo do contrato).

Até então, não era o Estado o fomentador das relações contratuais, mas o próprio

homem, revestido do direito subjetivo absoluto, tendo como pressuposto a igualdade

entre seus pares.

A Revolução Industrial, a fabricação em série, o investimento em poderosas técnicas

publicitárias de venda, o consumo em massa, levaram à dificuldade dos contratos de

se formarem paritariamente, com a discussão pelos contraentes de todas as

cláusulas contratuais.

Como visto, na época contemporânea (final do século XIX e início do século XX),

iniciaram-se as primeiras idéias contrárias ao individualismo exagerado. A

intervenção do Estado passou a ser exigida para que fosse obtido o equilíbrio

contratual mínimo. Por isso, o contrato passa a sofrer limitações publicísticas. A

concepção oitocentista do contrato, focada no liberalismo exacerbado, abre espaço

para o estudo do contrato em sua concepção social e solidária com forte

interferência de um Estado garantista.

103 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. p. 108.

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Nas explicações de PAULO NALIN:104

A exploração desacerbada, pelo liberalismo clássico, do exercício da

autonomia da vontade (liberdade contratual) entra em processo autofágico.

O homem contratante acabou no final do século passado e início do

presente, por se deparar com uma situação inusitada, qual seja, a da

despersonalização das relações contratuais, em função de uma

preponderante massificação, voltada ao escoamento em larga escala, do

que se produzia nas recém-criadas industrias.

A realidade social, portanto, passou a reclamar por um novo paradigma para estudo

e compreensão dos contratos. O modelo teórico estabelecido outrora se mostrava

francamente inadequado em face da estandardização da economia, a qual terminou

por provocar um sério abalo na, até então, sólida e inabalável teoria contratual. A

moldura descrita pelo Code Civil francês (e de outros que o seguiram) já não

representava mais os fatos encontrados em sociedade, em que a liberdade

contratual não mais explicava a falta de liberdade em sentido material. Conclui

PAULO NALIN:105

Eis o caos do modelo clássico de contrato, emoldurado em um sistema

jurídico que não mais reflete a realidade fática, por força da abrupta

mudança da maneira de se contatar. Relevante dizer que a decadência da

clássica definição de contrato não se aplica a todas as modalidades

contratuais, por esta razão se fazendo, presente, ainda, o contrato paritário.

Por outro lado, é inegável a afirmação de que o contrato paritário, neste

tempo de relação de mercado, é a exceção, a partir do qual não se pode

pretender seja ele a âncora epistemológica de todo o entendimento sobre o

instituto.

Já não se via, com freqüência, parceiros contratuais firmando contratos gré a gré.

Cada vez mais as empresas passaram a estipular condições para serem utilizadas

numa quantidade indeterminada de operações de venda de mercadorias e,

posteriormente, de prestação de serviços.

A compreensão do contrato modificou-se perante a nova realidade política,

econômica, social e jurídica que foi se formando, adaptando-se à intensidade das

104 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 109. 105 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 111.

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relações jurídicas, cada vez mais despersonalizadas, em face da produção em

grande escala.

Oportuno lembrar que esta evolução no modo de contratar era inevitável e até

propiciadora de inegáveis vantagens: simplificação, economia de tempo, redução de

custos nas transações, uniformização no tratamento dos clientes ou dos

fornecedores de uma mesma empresa. Mas ela trazia (e ainda traz) também as

desvantagens inerentes à supressão ou à redução da liberdade de negociação e a

não adaptação a interesses particulares, colocando uma das partes em condições

de abusar do seu poder negocial e de desequilibrar o balanço contratual a seu favor.

A ciência jurídica cedo se apercebeu da especificidade do fenômeno, que, no

princípio do século XX, recebeu o seu primeiro batismo doutrinário com o epíteto de

contratos de adesão, inventado pelo jurista francês RAYMOND SALEILLES, em seu

livro De la déclaration de volonté. Contribution à l'étude de l'acte juridique dans le

code civil alleman, de 1901.

Referindo-se à mesma situação, outros preferiam salientar, em vez dos limites de

negociação a que uma das partes está de fato sujeita, o conteúdo repetitivo dos

contratos formados, usando expressões como “contrato standard ou padronizado”,

"contratos-tipo” ou “contrato pré-redigido”.

A incidência da mesma idéia sobre um alvo diferente (em vez do resultado obtido, as

cláusulas a partir das quais os contratos se formam) gerou a expressão de origem

germânica cláusulas contratuais gerais (Allgemeine Geschäftsbedingungen),

introduzidas por LUDWIG RAISER, em 1935, e depois recebida na designação da lei

alemã (AGB-Gesetz, de 1976).106 Este é justamente o campo de incidência de nosso

trabalho.

Tem-se, portanto, que a relação jurídica contratual não é feita somente entre dois

sujeitos. Nos dias de hoje, o mais comum é exatamente o contrário: relações

jurídicas plúrimas, coletivas, difusas, massificadas. O modelo estático da compra e

venda, do bilateral e comutativo, é substituído por modelos complexos, múltiplos,

conexos, nos quais, em um dos pólos, pode ser encontrada uma variada gama de

sujeitos. Por isso, a massificação das relações negociais passou a exigir uma

106 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I – Conceito. Fontes. Formação. Coimbra: Almedina,

2003. p. 143, referindo-se ao livro Das recht der allgemeinen geschäftsbedingungen, de 1935. Traduz bedingungen por “cláusulas” e não “condições”.

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abordagem do contrato diversa daquela dada pelos juristas do final do século XIX e

que serviram de norte para a maior parte de nossa legislação civil, em especial o

Código Civil de 1916.

Segundo ORLANDO GOMES,107 se no quadro tradicional do contrato as relações se

compunham de cláusulas postas pelas partes no momento em que exercem a

atividade criadora, nos dias de hoje, exige-se a sucessão de vínculos de conteúdo

uniforme; as cláusulas ou regras preexistem à sua constituição e merecem particular

análise dos estudiosos contemporâneos.

Para ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:108

Apesar de algumas declarações de princípios que acompanham a sua

publicação, o Código em vigor exprime, em grande parte, ainda uma

sociedade pré-industrial: apenas no domínio das obrigações –

designadamente no que toca à sua circulação – houve progresso mais

sensível. O fenómeno do relativo defasamento das codificações civis é

comum e surge apontado, com freqüência, na doutrina. Não se deve, daí,

retirar uma sua incapacidade para intervir: enquanto suportes da Ciência

do Direito, os códigos civis, desde que lhe sejam sensíveis, sofrem, no seu

aparente imobilismo, uma contínua evolução. [...] Deparamos com uma

desarticulação dos contratos, processada através de sucessivas massas

de regras, de filiação histórico-cultural diversa. Dentro deste panorama, a

parte atinente à formação foi, aparentemente, a mais causticada: pela sua

filiação jusracionalista e através do pandectismo, ela originou esquemas

conceptuais vigorosos, mas – fatalmente – desligados da efectiva realidade

humana e social implícita na contratação.

Uma advertência, contudo, deve ser feita. Há de ser observado que nem mesmo as

concepções sociais do contrato ou o surgimento dos microssistemas protetivos, com

previsão de intervenções voltadas para o interesse de categorias específicas

(consumidor, locatário, seguros, construção civil etc.), puderam ser considerados

fenômenos suficientes para se explicar ou conter as mutações do direito dos

contratos.

A sociedade de consumo massificada, a diversificação das relações sociais, a

insuficiência da atuação do Estado e o individualismo crescente proporcionam, na 107 GOMES, Orlando. Contrato de adesão – Condição geral dos contratos. São Paulo: RT, 1972. p.

36. 108 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. p. 594.

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verdade, uma crise sociológica, denominada por muitos de pós-moderna.109 Tempos

de ceticismo quanto à capacidade da ciência do direito de dar respostas adequadas

e gerais aos problemas que perturbam a sociedade atual. Explica CLÁUDIA LIMA

MARQUES que:110

[para alguns] o pós-modernismo é uma crise de desconstrução, de

fragmentação, de indeterminação à procura de uma nova racionalidade, de

desregulamentação, e de deslegitimação de nossas instituições, de

desdogmatização do direito, para outros, é um fenômeno de pluralismo e

relativismo cultural arrebatador a influenciar o direito. Este fenômeno

aumenta a liberdade dos indivíduos, mas diminui o poder do racionalismo,

da crítica em geral, da evolução histórica e da verdade, também em nossa

ciência, o direito. Fenômeno contemporâneo à globalização e à perda da

individualidade moderna, assegura novos direitos individuais à diferença,

destaca os direitos humanos, mas aumenta o radicalismo e o

conservadorismo acrítico das linhas tradicionais. [...] Vivemos efetivamente

um momento de mudanças, não só legislativas, mas políticas e sociais. Os

europeus estão a denominar este momento de queda, rompimento ou

ruptura, de fim de uma era e de início de algo novo, ainda não identificado,

de pós-modernidade. Seria a crise da era moderna e de seus ideais

concretizados na Revolução Francesa, de liberdade, de igualdade e de

fraternidade, que não se realizaram para todos, nem são hoje considerados

realmente realizáveis. Momento em que se desconfia da força e suficiência

do direito para servir de paradigma à organização das sociedades

democráticas, atualmente em um capitalismo neoliberal bastante agressivo,

com fortes efeitos perversos e de exclusão social. Vivemos em um

momento de mudança também no estilo de vida, da acumulação de bens

materiais, passamos a acumulação de bens imateriais, dos contratos de

dar, para os contratos de fazer, do modelo imediatista da compra e venda

para um modelo duradouro da relação contratual, da contratação pessoal

direta para o automatismo da contratação à distância por meios eletrônicos,

da substituição, da terceirização, das parcerias fluidas e das privatizações,

de relações meramente privadas para as relações particulares de iminente

interesse social ou público.

109 Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, a base da expressão parece ter surgido na França, em

especial, na revista Droit et Societé. Ver MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 155.

110 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 156.

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Um dos elementos que contribuem para esta fase de suposta desestruturação

teórica é o avanço dos mercados111 e da globalização.

Se todo o direito contratual associa-se, de maneira íntima, a uma determinada

ordem de produção, é necessário, portanto, pensar a ordem de mercado no qual o

novo direito contratual vai se formando. Não se pode deixar de levar em conta quais

são as mudanças ocorridas nesta seara e em que medida estas vão afetar o regime

das relações contratuais.112

A expansão econômica do capitalismo e as correlativas transformações do modelo

social provocam sensíveis alterações com reflexos no papel do contrato na esfera

econômica. A aceleração do processo produtivo e o incremento geral das trocas,

com acesso cada vez mais alargado da população às relações de consumo, a

universalização do mercado, com sua progressiva extensão a todas as zonas da

vida social (incluindo cultura e lazer), e a empresarialização da atividade econômica

"são fatores que, paralela e conjugadamente, não só impulsionam um enórme

acréscimo do uso e da importância do instrumento contratual, como contribuem para

a sua mudança de fisionomia."113

A globalização é um fato histórico. A maioria dos países optou pelo modo capitalista

de produção, dando a sensação de que não seria mais necessária a manutenção

das propostas do Welfare State. Resultado da globalização e, com ela, da exigência

de competitividade e de flexibilidade dos mercados, a doutrina identifica, agora, um

movimento de desregulamentação estatal das relações contratuais, fruto mesmo do

próprio enfraquecimento, diante de formas mais fluidas de estruturação da

civilização, da noção de Estado como modelo de organização política. Acerca dessa

questão, explica CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,114 acreditando, todavia, no

espaço de atuação dos princípios welfaristas do contrato, dado o conteúdo de que

se revestem:

111 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto dei contratti gra persona e mercato. Napoli: Ed. Scientifiche italiane,

2003; GRISI, Giuseppe. L’Autonomia privata: diritto dei contratti e disciplina costituzionale dell’economia. Milão: Giuffrè, 1999; GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica.

112 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 49.

113 RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 17-18.

114 GODOY, Cláudio Luiz. Função social do contrato. p. 11.

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Especialmente no campo do direito econômico, assim, em particular,

quando se examinam os contratos, a pós-modernidade forja também uma

nova realidade jurídica. Veja-se que, ainda uma vez, conforme observação

de Ronaldo Porto Macedo Jr., no exato momento em que o sistema

econômico se altera na direção do que denomina especialização flexível,

em que se procura, no lugar da produção manufatureira de larga escala e

de massa, mesmo que de todo não abandonada, o oferecimento de um

produto com tecnologia e qualidade únicas, ainda dotado de serviço de

apoio ou assistência singular, destarte produzido em menor escala, as

relações contratuais – em regra, de conteúdo rígido e predeterminadas,

consumadas de forma instantânea, descontínua e regulamentadas por leis

intervencionistas, cedem às redes de contratos, já logo no contexto de uma

atividade produtiva caracterizada pela parceria e pela terceirização, bem

assim pelos contratos, mesmo ao nível final do consumo, e não só no

processo de produção, de longa duração (contratos relacionais), infensos à

rigidez de modelos e conteúdos preestabelecidos, dada a constante

atualização dos produtos e necessidade, por conseguinte, de constante

mutação e adaptação às contingências sobrevindas no seu interregno. Daí,

enfim, o questionamento da atualidade, ainda, de um modelo welfarista, a

que se atribui certa rigidez limitativa, intervencionista e regulamentadora

própria do processo produtivo de massa e de larga escala, compatíveis

com os contratos firmados de forma anônima, genérica e descontínua, mas

não com uma política produtiva globalizada, especializada e flexibilizada,

marcada por relações contratuais contínuas e de longa duração.

De fato, no Estado brasileiro, não podemos negar o jogo de forças existentes entre a

livre iniciativa e a justiça social (CF, art. 3.º, I e art. 170). Segundo PAULO NALIN,115

a união das transformações sociais, filosóficas e econômicas, motivadoras daquilo

que se convencionou chamar de pós-modernismo , gerando a superação do modelo

puramente social do contrato.

Portanto, a questão social deve ser considerada, conjuntamente, com o problema

econômico e jurídico. Diante desse cenário mundial, ensaiando uma possível (e

desejável) harmonização das posições, afirma MARCELO BENACCHIO,116 em

recente defesa do grau de doutorado na PUC/SP:

115 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 123. 116 BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil de terceiro por lesão à situação jurídica contratual.

2005. Tese (Doutorado em Direito) – PUC/SP, São Paulo. p. 29.

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A compreensão do contrato nesse início de século, flagrantemente, em

crise de paradigma, situa-se na busca de um equilíbrio entre uma

concepção solidária voltada à realização da dignidade da pessoa humana e

do bem comum e outra de eficiência econômica guiada pelas necessidades

do mercado, note-se que tanto um valor como outro estão presentes na

Constituição Federal, portanto, mesmo que se tivesse por socialmente mais

justo, em um país com tanta desigualdade como o nosso, eventualmente,

inclinar-se pelo modelo social, não podemos cerrar nosso pensamento à

realidade neoliberal econômica que nos cerca e sua influência na

legislação, políticas governamentais, quaisquer que sejam a orientação

paritária e, até mesmo, decisões judiciais; daí estar superada, senão

impossível, a aplicação do paradigma anterior – a concepção puramente

social do contrato, que passa a ser funcionalizada pelo aspecto econômico,

havendo mesmo uma aproximação entre a ciência jurídica e econômica

para o enquadramento teórico ora proposto. Não estamos a pregar a volta

do liberalismo, aliás, impossível em face de nossos valores constitucionais,

mas sim que a compreensão do contrato não pode negar a influência

econômica, constitucionalmente assegurada pelo modelo capitalista

abraçado pelo nosso Estado, de forma que a autodeterminação das

pessoas, associada à rapidez da informação e o desejo do consumo,

limitam, senão dificultam uma concepção puramente social.

Segundo o mesmo autor,117 o contrato hoje é dotado de maior reconhecimento da

autonomia privada, na busca de menor intervenção estatal, o que não significa,

adverte, ausência de intervenção heterônoma, típicas nas relações entre

fornecedores e consumidores, patrões e empregados etc. Todavia, nos contratos de

grande circulação, como entre empresas transacionais, em que, eventualmente, não

haja repercussão social (ou quando esta não for acentuada), a tendência será a de

uma interferência mínima, de uma não regulamentação heterônoma.118

Não se pretende, neste ponto, tratar detalhadamente de todas as questões

socioeconômicas relevantes ocorridas no século XX, mas tecer algumas

117 BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil de terceiro por lesão à situação jurídica contratual.

p. 28. 118 Explicando as origens e as causas da heteronomia, comenta JUDITH MARTINS-COSTA: "No

estado contemporâneo, a ordem da autonomia veio a entrecruzar com a ordem da heteronomia, por conta, fundamentalmente: i) do reconhecimento, pelo Direito, da concreta diferença entre as pessoas; ii) da adoção de políticas públicas por meio de instrumentos jurídico-econômicos; e iii) a globalização da economia, com estabelecimento de inter-relações jurídicas em nível mundial". MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. São Paulo: Método, 2005. p. 132.

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considerações que revelam, de alguma maneira, conseqüências nas estruturas

contratuais, especialmente no que diz respeito à formação e à nova conformação

dos contratos.

Com esta exposição, tem-se que não há como negar que os princípios welfaristas

dos contratos, fruto de recente conquista de nosso ordenamento,119 ainda possuem

grande espaço de atuação. Aliás, repita-se mais uma vez, a ordem jurídica brasileira

não é um sistema axiologicamente neutro, uma vez que o constituinte originário

expressou sua opção pelos princípios fundamentais, o que, por evidente, repercutirá

na interpretação das normas jurídicas privadas, fato ainda não descoberto pela

jurisprudência e por grande parte da doutrina.

Ao mesmo tempo, não podemos negar a influência da economia no

desenvolvimento e na interpretação do direito contratual. Isso não quer dizer que

estamos obrigados, a partir de então, a uma análise econômica do direito.120 O que

se pretende, com estas breves considerações, é apenas (e tão-somente), que seja

feita a consideração jurídica do econômico quando do estudo dos contratos, ainda

119 Vale aqui a advertência de PIETRO PERLINGIERI: "La storia tuttavia conferma che

l'istituzionalizzazione del mercato non può prescindere dall'assunzione di un garante sterno, sia esso la morale o il diritto; la società non è riducibile al mercato e alle sue sole regole; il diritto al quale spetta la regolamentazione della società, indica limiti e correttivi, dettati non soltanto dal perseguimento della ricchezza ma da valori e interessi diversi. In questo contesto la stessa iniziativa economica è stata configurata come l'adempimento di un dovere etico-religioso, cogliendo le basi culturali della non facile distinzione tra uomo e cittadino da un lato e produttore e consumatore dall'altro, tra solidarietà anche umana e civile e solidarietà soltanto economica e corporativa. Il <<buon diritto [...] non è quello che si pone all'esclusivo o prevalente servizio delle ragioni economiche ma quello che sa contrapporsi as esse, impedendo la mercantilizzazione della società e la identificazione (e l'saurimento) dei diritti civili e dei diritti umani naturali con quelli economici, siano essi di matrice proprietaria o imprenditoriale-contrattuale. [....] Il mercato vale per ciò che è, non semplicemente perché c'è esso merita un elogio debole ovvero condizionato senza confondere le ragioni economiche e gli argomenti etici: sono questi ultimi che meritano priorità e forniscono all'economia un fondamento etico che, nella concreta realtà storica, sappia coniugare efficienza economica e diritti umani, mercato e democrazia". PERLINGIERI, Pietro. Mercato, solidarietà e diritti umani. In: PERLINGIERI, Pietro. Il diritto dei contratti fra persona e mercato. p. 246 e 267.

120 Para PIETRO PERLINGIERI, "L'analisi economica del diritto, quale luogo di confronto tra diritto ed economia, comporta seri rischi quando: a) diventa la prospettiva esclusiva di lettura degli istituti giuridici e non riconosce i suoi limiti (in quanto la società non si esaurisce in rapporti economici o nella categoria della patrimonialità); b) trascura che ciò che è patrimonialmente conveniente non sempre risponde all'etica ed al rispetto della dignità della persona; c) non considera che efficienza e giustizia sono aspetti a volte conflittuali i quali vanno coordinati dal potere politico e rimessi alla sua decisione. Il rischio sta anche nell'saltazione dell'analisi economica del diritto come una moda della nouvelle vague, apprezzata e incoraggiata anche da qualche illustre maestro. [...] Il diritto è cultura, moderno strumento di promozione e di vita; esso non recepisce acriticamente contenuti e decisioni dei potere forti come operazione meccanica: chiunque interpreta la legge avverte che questa interpretazione non è né quantitativa, né matematica". PERLINGIERI, Pietro. Economia e diritto. In: Il diritto dei contratti fra persona e mercato. Napoli: Edizioni Scientifiche italiane, 2003. p. 273-274.

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mais quando estamos diante das cláusulas contratuais gerais, intimamente ligadas à

exigência de plena utilização da capacidade produtiva empresarial, responsável por

assegurar a grande movimentação econômica,121 nacional e transacional.

1.6 AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. UTILIDADE

Antes de se estudar a estrutura daquilo que se conhece por cláusulas contratuais

gerais, é preciso saber sua função e sua utilidade.122

As sociedades técnicas industriais caracterizam-se por uma acentuada integração. A

multiplicação exponencial das necessidades sociais precisa ser preenchida,

suscitando uma coordenação geral de esforços e, ao mesmo tempo, uma acentuada

circulação de bens e serviços.

Para MENEZES CORDEIRO:123

A idéia de tráfego negocial de massas permite entender, de modo

impressivo, o aumento da actividade jurídica. As pessoas celebram, no seu

dia-a-dia, inúmeros negócios de que dependem para uma coexistência

inteiramente desprovida de particulares imprevistos. As empresas, por seu

turno, concretizam as funções económicas que desenvolvem através de

um fluxo contínuo de actos cuja eficácia é a sua própria actividade. Em

termos psicológicos, sociológicos ou culturais, seria deslocado pretender

encontrar, na antecâmara de cada um dos incontáveis negócios

concretizados em cada momento, todo um processo de formação

minimamente desenvolvido. A realidade decorre de modo diferente: os

negócios formam-se e executam-se a um ritmo de todo incompatível com

um esquema negocial que faculte aos intervenientes um consciente

exercício das suas liberdades de celebração e de estipulação. [....] As

cláusulas contratuais gerais devem-se às necessidades de rapidez e de

normalização ligadas à moderna sociedade técnica, como foi referido. Não

há que perder tempo em negociações relativas a actos correntes, enquanto

as entidades que actuam com recurso às cláusulas devem, por razões que

121 Para GARCIA-AMIGO, "Las condiciones generales de los contratos son una manifestación típica

del Derecho de la economía moderna". GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1969. p. 13.

122 Valiosos são os ensinamentos de Norberto Bobbio: "In parole povere, coloro che si sono dedicati alla teoria generale del diritto si sono preoccupati molto di piú di sapere ,<<come il diritto sia fatto>> che <<a che cosa serva>>. La conseguenza è stata che l' analisi strutturale è stata condotta molto più a fondo dell'analisi funzionale". BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione, 2. ed. Milão: Edizioni di comunità, 1984. p. 63 (verso una teoria funzionalistica del diritto).

123 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. p. 595 e 599.

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se prendem com o seu funcionamento, conhecer de antemão o tipo de

vinculações a que vão ficar adstritas. Elas devem-se, ainda, à procura de

maiores lucros, generalizada pela concorrência.

Essas observações constam também da Exposição de Motivos do Decreto-Lei n.

446/1985, de 25 de outubro, que regulam as cláusulas contratuais gerais em

Portugal, coordenada por MÁRIO JULIO DE ALMEIDA COSTA,124 designado pelo

Ministro da Justiça daquele país para elaboração do citado corpo legislativo:

As sociedades técnicas e industrializadas da actualidade introduziram,

contudo, alterações de vulto nos parâmetros tradicionais da liberdade

contratual. A negociação privada, assente no postulado da igualdade

formal das partes, não corresponde muitas vezes, ou mesmo via de regra,

ao concreto da vida. Para além do seu nível atomístimo, a contratação

reveste-se de vectores colectivos que o direito deve tomar conta. O

comércio jurídico massificou-se: continuamente, as pessoas celebram

contratos não precedidos de qualquer fase negociatória. A prática jurídico-

econômica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas

uniformizam os seus contratos, de modo a acelerar as operações

necessárias à colocação dos produtos e a planificar, nos diferentes

aspectos, as vantagens e as adstrições que lhes advêm do tráfico jurídico.

[...] As cláusulas contratuais gerais surgem como um instituto à sombra da

liberdade contratual. Numa perspectiva jurídica, ninguém é obrigado a

aderir a esquemas negociais de antemão fixados para uma série indefinida

de relações concretas. [...] e, fazendo-o, exerce uma autonomia que o

direito reconhece e tutela. [...] Apresentam-se as cláusulas contratuais

como algo de necessário, que resulta das características e amplitude das

sociedades modernas. Em última análise, as padronizações negociais

favorecem o dinamismo do trafico jurídico, conduzindo a uma

racionalização ou normalização e uma eficácia benéficas aos próprios

consumidores.

Esta também é a constatação do civilista espanhol GARCIA-AMIGO,125 feita bem

antes da edição da lei portuguesa:

En nuestra opinión, este fenómeno de la producción en gran escala implica,

por parte de la empresa, dos impulsos o tendencias juridicas

124 Exposição de Motivos do Ministério da Justiça ao Decreto-Lei n. 466/85, de 25 de outubro de

1985, que institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais em Portugal. 125 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 14.

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fundamentales: uno, socialmente saludable, a saber, la tendencia a

racionalizar todos sus medios y entre ellos los instrumentos técnicos

jurídicos de colocación de sus productos o servicios en el mercado –

queremos referirnos a la racionalización del contrato mediante la

prerredacción de condiciones generales permanentes y abstractas [...] Es

evidente que el nascimiento de las condiciones generales de los contratos

se deve a las exigencias que la moderna economía demanda a la

dogmática del contrato, como vehículo jurídico utilizado para el intercambio

de los bienes en una economía basada en la división del trabajo: ellas

representan un paso más en la evolución técnica de dicho instrumento

jurídico y corresponden a las necesidades económico sociales de nuestra

época.

A predeterminação do conteúdo contratual permite a racionalização e a conseqüente

redução dos custos de comercialização para a empresa, uniformização de

procedimentos no âmbito administrativo, com reflexo sobre o preço cobrado do

adquirente final (consumidor ou não), constituindo-se no aspecto positivo da

utilização de cláusulas contratuais gerais.

Na apresentação de sua coletânea sobre as cláusulas contratuais gerais, explicando

as características e os principais problemas a serem enfrentados pela doutrina em

relação ao tema, MASSIMO BIANCA,126 explica que:

La necessità di sottrarre alla contrattazione i rapporti di erogazione dei beni

e servizi è una fondamentale necessità di tutta l'attività impreditoriale, sia

essa o no a gestione capitalistica. L'uniformità di contenuto negoziale è

infatti uno degli imprescindibili pressuposti della programmazione

aziendale, la quale deve poter contare sulla previsione più esatta possibile

dei costi e dell'impegno richiesti dalle richiesti dalle prestazioni rese ai terzi.

Si aggiunga che la negoziazione del contenuto dei singoli rapporti non

sarebbe comunque compatibile con la certezza e speditezza richieste dai

contratti di massa. Nel dettare un regolamento contrattuale uniforme

l'impresa realizza quindi un 'imprescindibile esigenza di uniformità che è

legata alla stessa massificazione dei rapporti. In tal modo, tuttavia,

l'uniformità è raggiunta attraverso un regolamento unilaterale che utilizza la

forma del contratto sottraendosi a quel controllo che l'ordinamento aveva

tradizionalmente rimesso alle stesse parti interessate nel libero esercizio

della loro autonomia negoziale.

126 "Presentazione". Em Le Condizioni Generali di contratto. BIANCA, C. Massimo. t. 1. Milão: Giuffrè,

1979. p. VII.

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72

A formulação das cláusulas contratuais gerais, como técnica de contratação em

massa, é resultante da realidade socioeconômica subjacente, fundada também em

causas de naturezas econômica e administrativa, próprias da organização

empresarial, a começar pela redução dos custos de negociação, economia de

tempo, dos meios etc. Além disso, a uniformização contratual impõe um limite à

iniciativa individual dos prepostos e auxiliares127 do empreendedor,128 impedindo

uma dispersão das cláusulas contratuais gerais, o que seria prejudicial à viabilidade

dos projetos em seu conjunto, bem como aos padrões da negociação. Aliás, como

observa JACQUES GUESTIN,129 a adesão é psicologicamente facilitada com a

apresentação de textos impressos.

Sem contar que as cláusulas contratuais representam importante coeficiente para a

fixação do preço uniforme dos bens e serviços, servindo de importante critério,

ainda, para criação de base de cálculo na estipulação, por exemplo, do prêmio e dos

benefícios de seguro130 etc. Em função da relação custo de produção e preço é que

as cláusulas contratuais são editadas, para se atingir, de forma plena, as finalidades

de lucro, razão de ser da própria atividade empresarial.

Na tentativa de catalogar os fatores econômico-sociais que motivam a criação e a

utilização das cláusulas contratuais gerais, PAULO LUIZ NETTO LÔBO131 chega à

seguinte enumeração:

[...] a) a explosão demográfica, que em cinqüenta anos fez crescer a

população mundial em níveis superiores aos dos últimos dois mil anos; b) a

acelerada urbanização e suas demandas de serviços; c) o gigantismo

empresarial e a concentração de capitais privados ou estatais; d) o

fornecimento de bens e serviços em grande escala; e) o consumo em

massa; f) a racionalização e a redução dos riscos das empresas em suas

relações com outras empresas e com o consumidor final; g) a

impossibilidade real de tratativas individuais entre o grande fornecedor e

127 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. p. 222. 128 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. p. 143. 129 "L'adhésion est psychologiquement facilitée par l'utilisation de textes imprimés, qui paraissent de

ce fait intangibles, et par le sentiment d'une égalité de traitement, facilement confondue avec la justice".GHESTIN, Jacques. Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et droits européens. In: La protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons franco-belges. Paris: L.G.D.J., 1996. p. 2.

130 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 33. 131 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:

Saraiva, 1999. p. 12.

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todos os que necessitam dos bens e serviços; h) a desigualdade de poder

negocial (bargain power) entre a grande empresa e os que se encontram

em estado de necessidade na demanda dos bens e serviços

imprescindíveis à vida cotidiana ou de debilidade econômica, i) o uso

disseminado da computação – que exige rápido formalismo – nas relações

negociais; j) a utilização massiva de propaganda, nem sempre veraz,

através dos modernos meios de comunicação, induzindo necessidades de

consumo; l) a elevação da consciência jurídica no que se refere à tutela do

consumidor

As cláusulas contratuais, portanto, permitem a racionalização das atividades

empresariais, evitando a repetição de atos idênticos, propiciando a redução dos

custos e dos preços de bens e serviços disponibilizados ao público. Permitem a

simplificação (e a aceleração) da conclusão dos negócios, e ainda, sob o ponto de

vista do gestor predisponente, um maior controle dos riscos comuns nas relações de

mercado. Segundo alguns, se o direito não se adaptasse a essa realidade,

passando a exigir, tal como o modelo clássico, o prévio acordo para integralização

das cláusulas contratuais gerais nos contratos individuais, a economia e as próprias

relações sociais "entrariam em colapso."132

De toda sorte, no mais das vezes, emprega-se o expediente das cláusulas

contratuais gerais para obter, contratualmente, a exclusão de responsabilidade

quanto a vício ou defeito decorrente de produto ou serviço fornecidos, bem como a

transferência dos riscos do negócio para a outra parte aderente e a formação de

132 LOBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas, p. 18. Segundo

ÁGUILA-REAL, a utilização das cláusulas contratuais gerais responde a uma necessidade financeira das grandes, médias ou mesmo pequenas empresas, que por seu intermédio conseguem atingir uma série de finalidades, entre as quais: racionalização via estandardização das operações comerciais, com vistas à redução dos custos de celebração e regulação dos contratos; divisão das tarefas entre os membros da organização empresarial, facilitando a sua coordenação; cálculo antecipado dos custos de produção dos bens e serviços comercializados. Fixando em cláusulas contratuais gerais a regulação para todos os contratos que celebre, o conteúdo e os prazos de garantia que assume, as variações na qualidade dos produtos que admite ou os gastos e prestações acessórias que estão a cargo do vendedor, permite o cálculo antecipado os custos da produção de seus bens e serviços. ÁGUILA-REAL, Jesús Alfaro. Función económica y naturaleza jurídica de las condiciones generales de la contratación. In: MENÉNDEZ, Aurélio; LEÓN, Luis Díez-Picazo. Comentários a la ley sobre condiciones generales de la contratación. Madrid: Civitas, 2002. p. 76. Ver também ROPPO, Enzo. O contrato. p. 314-316 ("estes contratos constituem produto ineliminável da moderna organização da produção e dos mercados, na exacta medida em que funciona como decisivo factor de racionalização e de economicidade da actuação empresarial").

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cartéis,133 legitimando a manipulação de preços sem causa antecedente – o que

revela seu lado negativo.

Não há como negar que as cláusulas gerais podem ser consideradas instrumento do

poder empresarial. Aliás, segundo alguns, a característica marcante das cláusulas

contratuais gerais é a desigualdade entre as partes.134

O utilizador das cláusulas contratuais gerais (denominado predisponente, pessoa

que faz a proposta nos seus termos ou que aceita quando elas as acompanhem)

goza, em regra, de larga superioridade econômica e científica em relação ao

aderente, sendo inevitável o abuso, que muitas vezes não consegue ser coibido,

pela falta de legislação específica, corroborada pelo pouco desenvolvimento

doutrinário acerca do tema, gerando, obviamente, certa insegurança. Muitas vezes,

no afã de se tutelar, a todo custo, o contraente mais fraco, o instituto é mal aplicado,

fechando os olhos, sem justificativa plausível, a características135 e às

especificidades das cláusulas contratuais gerais, como, por exemplo, a rigidez, a

abstração e a inalterabilidade por acordo, ignorando que a peculiaridade do

fenômeno impõe soluções que ultrapassam, na maioria das vezes, interesses

individuais das pessoas diretamente atingidas.

133 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 28 e 33. 134 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. p. 599. Segundo ENZO

ROPPO, "aqui, a origem das restrições à liberdade contratual radica, ao fim e ao cabo, no próprio princípio da liberdade contratual". ROPPO, Enzo. O contrato. p. 318.

135 Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO, "a formação tradicional do aplicador do direito conduz a uma atividade de interpretação jurídica que ignora a especificidade das condições gerais, aplicando-se indiscriminadamente o princípio pacta sunt servanda. A cláusula geral da boa-fé é escassamente valorizada. A situação apenas se modifica quando há legislação específica". LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 18.

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75

PARTE II

AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

2

CARACTERÍSTICAS DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

2.1 NOTA PRELIMINAR. ELUCIDAÇÃO TERMINOLÓGICA

2.1.1 Razões do uso do nome “cláusulas contratuais gerais”

Antes de fixarmos um conceito, importante uma elucidação prévia, a legitimar a

escolha pela nomenclatura cláusulas contratuais gerais. Em alguns países, podemos

constatar variantes de nomenclatura. A lei alemã (Gesetz zur Regelung des Rechts

der Allgemeinen Geschäftsbedingungen – lei para regulamentação do regime das

condições gerais dos negócios ou, resumidamente, AGB – Gesetz), de 9 de

dezembro de 1976, que então regulava com exclusividade a matéria, foi traduzida

pelos autores portugueses e brasileiros como Regulamento das Condições Gerais

dos Negócios (a tradução literal de Geshäft seria, para alguns, sinônimo de

negócio). NELSON NERY JÚNIOR136 explica que:

A denominação dada pela Lei Alemã para o Regulamento das Condições

Gerais dos Negócios, de 9 de dezembro de 1976, encontra respaldo na

tradição que teve origem no trabalho de Ludwig Raiser, já mencionado. A

doutrina alemã toma o termo condição ("Bedigung") por cláusula, seguindo-

se a ela a literatura jurídica italiana, a teor do art. 1.341 do Código Civil

italiano, que acolheu a denominação condizioni generale di contratto para o

instituto aqui analisado.

Como veremos, as disposições da ABG-Gesetz foram incorporadas no Código Civil

alemão, nos §§ 305 a 310.

Por sua vez, dada a previsão do art. 1.341 do Código Civil de 1942, os autores

italianos preferem a expressão condições gerais dos contratos (condizioni generali di

contratto).

136 NERY JR., Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). Código

brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. São Paulo: Forense Universitária. p. 447.

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Os autores portugueses utilizam a expressão cláusulas contratuais gerais, em

consonância com o nome da lei que as disciplinam (Decreto-lei n. 446/1985).

Os autores espanhóis empregam a expressão condiciones generales de contrato ou

condiciones generales de la contratación, tal como previsto na Lei 7, de 13 de abril

de 1998 (lei sobre as condições gerais da contratação – LCGC), que regula a

matéria.

Sobre a questão da nomenclatura, observou ORLANDO GOMES:137

A expressão condições gerais do contrato padece de impropriedade

técnica, tanto no emprego do substantivo como do adjetivo. O termo

técnico para designar qualquer proposição contratual é cláusula. Na

terminologia jurídica, o vocábulo condição tem significado peculiar, que se

não compadece com a acepção em que se acha empregado para nomear

o fenômeno da preconstituição unilateral do esquema do contrato. Do

mesmo modo é ambígua a qualificação dessas cláusulas. Não é a

generalidade que as distingue, mas a uniformidade. Reconhecendo a

inadequação da palavra, preferem alguns a expressão condições uniformes

de contrato.

De fato, no Direito brasileiro, o termo condição tem significação jurídica própria. Nos

termos do art. 121 do Código Civil, considera-se condição a cláusula que, derivando

exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a

evento futuro e incerto. Costuma-se caracterizar a condição como cláusula,

determinação acessória, em virtude da qual se estabelecem modificações à

vantagem criada pelo negócio jurídico. O evento, a que se refere a lei, é um

acontecimento qualquer, desde que seja futuro e incerto (futuridade e incerteza).

Pois, se o acontecimento não for futuro, não haverá condição, tanto quanto se for

certo ou impossível. É um acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia

do negócio jurídico.138 Ora, se o termo técnico para designar qualquer proposição

contratual é cláusula, entendemos como válida a crítica do termo condições gerais

dos contratos, não sendo apropriado falar-se em condição em substituição ao termo

cláusula.139

137 GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 7. 138 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 343. 139 Segundo MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, evitou-se

também em Portugal o termo condição "que, na nomenclatura jurídica, tem um sentido

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Há aqueles autores, como PAULO LUIZ NETTO LÔBO,140 que preferem o termo

condição, pois, ao denominá-las de cláusulas:

[...] as leis portuguesa e peruana não afastam a pretensa ambigüidade de

condições. Ao contrário, agravam-na, gerando confusão sentido tradicional

de cláusulas contratuais, isto é, dos dispositivos inseridos em contratos e

decorrentes de acordo de vontades ou de declarações concordes. Cláusula

supõe contrato; não pode antecedê-lo. Como parte supõe todo.

Ao mesmo tempo, não podemos confundir cláusulas contratuais gerais com as

cláusulas gerais. As cláusulas gerais representam uma técnica de legislar, pela qual

o legislador, com uma linguagem intencionalmente fluída e ampla extensão de seu

campo semântico, dirige-se ao juiz de modo a lhe conferir um mandato (ou

competência) para que, diante dos casos concretos, crie, complemente ou

desenvolva normas jurídicas.141

Segundo ALBERTO GOSSON JORGE JÚNIOR,142 as cláusulas gerais são normas

jurídicas dotadas de uma função peculiar, diferenciada das demais normas, por

carregarem uma amplitude semântica ou valorativa maior que a generalidade das

disposições normativas. Diferenciando as clausulas gerais das cláusulas contratuais

gerais, informa o autor que "as cláusulas gerais por nós estudadas, que se

caracterizam como normas legais dotadas de conteúdo polissêmico ou

valorativamente aberto, propondo todo um variado leque de interpretações a

desafiar a argúcia dos intérpretes".143

A técnica de legislar mediante cláusulas gerais opõe-se à casuística, casuística esta

entendida como a configuração da hipótese legal – enquanto somatório dos

pressupostos que condicionam a sua estatuição – que circunscreve particulares

grupos de casos na sua especificidade própria. Na cláusula geral há intencional

imprecisão dos termos da fattispécie que contém. Nelas, é usado em grau mínimo o

consagrado. Mas apropriada se mostra, pois, a palavra 'cláusula', tecnicamente correcta e tradicional para designar dispositivos inseridos em contratos ou a isso destinados". ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais – anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. Coimbra: Almedina, 1990. p. 18.

140 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 33. 141 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito civil. p. 303. 142 JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva,

2004. p. 22. 143 JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo Código Civil. p. 23.

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princípio da tipicidade: dotadas de grande abertura semântica, não pretendem as

cláusulas dar resposta, precisamente, a todos os problemas da realidade, uma vez

que estas respostas são progressivamente construídas pela jurisprudência.

Como técnica legislativa, a cláusula geral constitui uma disposição normativa que

utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente aberta,

fluída ou vaga, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, a

qual é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe mandato (competência) para que, à

vista dos casos concretos, crie, completamente ou desenvolva normas jurídicas.

Devem ser consideradas meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no

ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda não expressos

legislativamente, de standard, máximas de conduta, arquétipos de comportamento,

das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas,

viabilizando a sistematização do ordenamento jurídico.144

144 Há diferença de grau entre as normas estabelecidas casuisticamente e as compreendidas em

cláusulas gerais no que concerne ao modo de estabelecimento (definição) da hipótese legal e da conseqüência que lhe é correlata, o que refletirá, na diferença metodológica concernente ao modo de raciocínio hábil a operar a sua aplicação. Diferenciam-se ainda das normas que caracterizam conceitos jurídicos indeterminados possuem uma diferença funcional: nas cláusulas gerais, a conseqüência jurídica só é formada à vista do caso concreto, sendo necessário precisar a hipótese e estabelecer as conseqüências conforme o instrumental oferecido pelo sistema (onde há, inclusive, cooperação da doutrina); nos conceitos jurídicos indeterminados, as conseqüências já estão estabelecidas de modo geral e abstrato no caso concreto. Os conceitos indeterminados podem referir-se a realidades fáticas ou a valores, e confusão entre esses conceitos e as cláusulas gerais cinge-se, evidentemente, aos conceitos indeterminados que refiram valores. A distinção, para KARL ENGISCH, seria de grau, e não de natureza. Afirma o autor: “De facto, as cláusulas gerais não possuem, do ponto de vista metodológico, qualquer estrutura própria. Elas não exigem processos de pensamento diferentes daqueles que são pedidos pelos conceitos indeterminados, os normativos e os discricionários. [...] O verdadeiro significado das cláusulas gerais reside no domínio da técnica legislativa. Graças à sua generalidade, elas tornam possível sujeitar um mais vasto grupo de situações, de modo ilacunar e com possibilidade de ajustamento, a uma conseqüência jurídica”. ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 8. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gubenkian, 2001. p 233. JUDITH MARTINS-COSTA afirma que a diferença estaria no plano funcional, exigindo-se do juiz, na aplicação da cláusula geral, maior amplitude no exercício do seu poder criativo do juiz. E numa certa medida, afirma que o processo de pensamento das cláusulas gerais difere do processo de pensamento do conceito indeterminado. É que a vagueza semântica dos conceitos indeterminados permite alguma abertura a mudanças de valoração. O procedimento de aplicação da norma possuidora de conceito indeterminado, no entanto, seria o da subsunção, ao contrário do que ocorre com as cláusulas gerais. O juiz realizaria mera interpretação da norma para subsumir-lhe determinado fato: “Enquanto nos conceitos indeterminados o juiz se limita a reportar ao fato concreto o elemento (vago) indicado na fattispecie (devendo, pois, individuar os confins da hipótese abstratamente posta, cujos efeitos já foram predeterminados legislativamente), na cláusula geral a operação intelectiva do juiz é mais complexa. Este deverá, além de averiguar a possibilidade de subsunção de uma série de casos-limite na fattispecie, averiguar a exata individuação das mutáveis regras sociais às quais o envia a metanorma jurídica. Deverá, por fim, determinar também quais são os efeitos incidentes ao caso concreto, ou, se estes já vierem indicados, qual a graduação que lhes será conferida no caso concreto, à vista das possíveis soluções existentes no sistema”. MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito Privado. p. 326. Assim, o magistrado ao aplicar uma cláusula geral terá o poder-

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2.1.2. Cláusulas contratuais gerais e contrato de adesão. Distinção

Por último, para melhor precisar o conceito e evitar equívocos posteriores, parece-

nos conveniente separar a noção das cláusulas contratuais gerais dos contratos de

adesão,145 conceitos que muitas vezes são usados indiscriminadamente, tanto pela

doutrina quanto pela jurisprudência, como se os conceitos não fossem distintos.

ORLANDO GOMES, em sua obra monográfica dedicada ao tema, trata as duas

categorias como se fossem espécies do mesmo gênero, todavia, na mesma obra,

adverte que:146

dever de: 1.º) conferir o conteúdo da cláusula geral; 2º) verificar se a cláusula geral foi atendida no caso concreto; 3º) estabelecer as conseqüências em caso de descumprimento da cláusula geral, criando os deveres a serem cumpridos pelas partes para atender à cláusula geral.

145 Esta diferenciação é feita por M. GARCIA-AMIGO: "Nos interesa ante todo resaltar que no es lo mismo hablar de contratos por adhesión – entendiendo este concepto em el sentido originário y doctrinalmente clásico de la expresión – que de condiciones generales de los contratos – o, si se quiere, de contratos celebrados por adhesión a condiciones generales -. Em efecto, los contatos por adhesión se caracterizan fundamentalmente porque una de las partes intervinientes em el mismo no hace más que prestar su asentimiento a uma normativa de la relación contractual rígidamente, ya provenga de la Administración – caso, por ejemplo, de las concesiones de servicios públicos". [...] "Las condiciones generales, por el contrario, son formuladas siempre privadamente – em nuestro concepto – por uno de los contratantes o por la asociación o asociaciones em que se agrupan los futuros contratantes eventualmente o de forma permanente – o por un tercero – sin que importe el hecho de que a veces deban ser autorizadas o aprobadas (no constitutivamente) por la Administración - ; em todo caso, su rigidez no llega al extremo de que al momento de celebrarse el contrato singular em base a ellas no permitan la estipulación de condiciones particulares que las contradigan, las cuales, por su especialidad, prevalezcan sobre las primeras; y sin que el contrato singular con las condiciones generales prive a éstas de su verdadera esencia o naturaleza peculiar. Por tanto, el contrato por adhesión es más amplio, de um lado, que figura de las condiciones generales, mientras que es más limitado por outra parte; lo cual no impide que a veces coincidan, por ejemplo, em el supuesto de que el predisponente de condiciones generales no este dispuesto – y no modifique nunca hecho – sus condiciones generales al momento y por virtud de estipulaciones particulares em el negocio concreto. Pero aun en este supuesto de coincidencia, dichos conceptos se refieren a dos momentos lógica y cronológicamente diversos: las condiciones generales son redactadas previamente a la conclusión de los contratos o um número indefinido de ellos em base a las mismas; los contratos por adhesión, em cambio, son actos concretos que dan virtualidad jurídica normativa a las condiciones generales, ya redactadas, para cada relación contractual concreta y son perfectamente independientes de todos y cada uno de los demás contratos por adhesión que se celebren em base a las mismas condiciones generales". GARCIA AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 135-136). No mesmo sentido, CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA: "Um grande setor da doutrina, no continente europeu, com exclusão da França, especialmente a partir do segundo decênio do século, prefere a expressão condições gerais do contrato. Esta expressão incorre nas mesmas imprecisões da outra, que veio substituir, isto é, também focaliza apenas um dos lados da relação jurídica, o do fornecedor de produtos ou de serviços, chamando a atenção para um outro momento, embora o mais importante, o da gênese da relação contratual, bem como a problemática central do tema e da série de questões que em torno dele se suscitam, deixando de lado a declaração de aceitação do aderente e os problemas que lhe dizem respeito". MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 28.

146 GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 4. Explica o autor que a doutrina francesa, no geral, não distingue as cláusulas contratuais gerais do contrato de adesão (contrat d'adhesion), embora alguns autores se utilizem de ambas as expressões.

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A figura jurídica nomeada contrato de adesão apresenta-se sob duplo

aspecto, conforme o ângulo de que seja focalizada. Considerada na

perspectiva da formulação das cláusulas por uma das partes, de modo

uniforme e abstrato, recebe a denominação de condições gerais dos

contratos e é analisada à luz dos princípios que definem a natureza desse

material jurídico. Encarada no plano da efetividade, quando toma corpo no

mundo da eficácia jurídica, é chamada contrato de adesão e examinada no

prisma do modo por que se formam as relações jurídicas bilaterais. A bem

dizer, a cumulação dos dois aspectos significa que se apresentam como

dois fenômenos lógica e cronologicamente diversos do mesmo fenômeno.

Em seu livro Contratos, por sua vez, deixa ainda mais claro que:147

A se considerar mais abrangente uma denominação sem o sentido restrito

de contrato de adesão, é preferível aceitar-se, apesar da impropriedade, a

de condições gerais do contrato, adotada nos Códigos e leis específicas e

divulgada em monografias. A tal ponto se difundida, que os autores já se

referem a essa figura pelas letras iniciais, as mesmas nas línguas

neolatinas, c.g.c. Nem por isso será despropositado conservar a expressão

contratos de adesão, de uso corrente na literatura jurídica, e bem

significativa do processo técnico de formação do vínculo de conteúdo

predeterminado.

Explica ainda ANTÓNIO PINTO MONTEIRO:148

Há, assim, que separar duas fases: a da elaboração das cláusulas, que

antecede e abstrai dos contratos que venham futuramente a celebrar-se, a

qual é uma fase estática, e a da celebração de cada contrato singular, isto

é, a fase em que se celebra efectivamente o contrato com alguém, que é a

fase dinâmica em que se constitui a relação contratual, em que se conclui o

contrato dito de adesão e que integra aquelas cláusulas. Estas duas fases

constituem dois momentos distintos do processo de contratação. E

originam diferentes designações para o mesmo fenômeno: com efeito,

contratos de adesão, condições gerais dos contratos, cláusulas contratuais

gerais, contratos "standard" etc. tem sido, como se sabe, a terminologia

utilizada em vários direitos para designar a mesma realidade. Pondo de

lado a distinção entre contratos de e por adesão – que poucos seguidores

tem tido –, a alternativa tem-se colocado entre as expressões contratos de

147 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999. p. 121. 148 PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e

soluções.Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, ano 2, v. 7, p. 7-8, 2001.

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adesão e cláusulas contratuais gerais (ou condições gerais dos contratos).

Ora, se é certo que se trata, freqüentemente, de designar de forma diversa

o mesmo processo, a verdade é que, em rigor, a fórmula contratos de

adesão é mais ampla, podendo não coincidir com a expressão cláusulas

contratuais gerais. Na verdade, em regra, o contrato de adesão é concluído

através de cláusulas contratuais gerais, mas pode acontecer que falte às

cláusulas pré-formuladas o requisito da generalidade (ou da

indeterminação) caso em que haverá contrato de adesão (estando

presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez)

sem se poder falar de cláusulas contratuais gerais. Estas últimas são

previamente elaboradas, numa palavra, tendo em vista a celebração, no

futuro, de múltiplos contratos, que serão de adesão, mas tais contratos não

deixarão de o ser se faltarem às cláusulas pré-formuladas os requisitos da

generalidade e indeterminação.

Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO:149

O contrato de adesão não contém apenas condições gerais. Pode haver

cláusulas negociadas ponto por ponto e outras partes que componham a

declaração comum das partes contratantes. As cláusulas datilografadas em

contrato impresso e padronizado são particulares e preferem às condições

gerais. [...] No contrato de adesão há um espaço, por menor que seja,

insuscetível à predisposição, ficando sob o regime comum do negócio

jurídico. [...] As condições gerais podem ser inseridas em contratos de

conteúdo negociado, e somente na parte relativa a elas pode ser o contrato

considerado de adesão. [...] O contrato de adesão não é geral. Gerais são

as condições às quais adere necessariamente.

A expressão contratos de adesão tem subjacente um modo particular de formação

de contratos – a obtenção do consenso por adesão. Por influência francesa, ainda

se fala em contrato de adesão, mas, a nosso sentir, a locução é imprópria, por

estarmos falando do conteúdo (contrato de compra e venda, de doação, de

sociedade etc.) e não do modo de celebração. Pensada inicialmente para contratos

padronizados formados por meio de cláusulas contratuais gerais, abrange, a rigor,

uma categoria mais ampla de contratos, porque aquela particularidade de formação

não é específica deles, verificando-se igualmente em alguns contratos

individualizados. Por isso optamos pela nomenclatura cláusula contratual geral (e

149 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 38-41.

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não cláusula geral contratual), evitando-se confusões terminológicas com o

fenômeno que abaixo será descrito.

A denominação unitária mais antiga (contrato de adesão) abrangente das duas

categorias, segundo abalizada doutrina,150 surgiu no começo do século, por obra de

RAYMOND SALEILLES, em obra intitulada De la declaration de la volonté.151

Contudo, como observado por PAULO LUIZ NETTO LOBO,152 o próprio SALEILLES

percebera a diferença em sua obra, declarando expressamente que o contrato de

adesão seria aquele que aderisse a condições gerais (que adhére aux conditions

générales).

A relação existente entre as cláusulas contratuais gerais e o contrato de adesão é,

respectivamente, de conteúdo e continente,153 ou seja, o contrato de adesão é o

instrumento que concretiza os efeitos das cláusulas contratuais gerais.

Não se trata de preciosismo diferenciar tais figuras. Em caráter exemplificativo, a

ilustrar a grande importância de tal distinção, cumpre consignar que, atualmente,

inúmeros autores europeus têm debatido sobre o campo de incidência da Diretiva

Européia 13/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os

consumidores, exatamente porque, segundo parte da doutrina, essa legislação

restringe seu âmbito aos contratos de adesão (e não às cláusulas contratuais gerais)

com os consumidores. Valerão, por exemplo, as soluções da lei portuguesa

(Decreto- lei n. 446/1985), tal como as soluções de todas as leis que disciplinam o

problema sob o prisma das cláusulas contratuais gerais, para todos os contratos de

adesão? Serão as normas consagradas em tais leis aplicáveis sempre que

estivermos diante de um contrato de adesão ou, tão-somente quando ele tiver sido

concluído com base em cláusulas contratuais gerais?

Explica, mais uma vez, ANTÓNIO PINTO MONTEIRO:154

150 LIMBACH, Francis. Le consentemente contractuel à l'épreuve des condition génerales - de l'utilité

du concept de déclaration de volonté. Paris: L.G.D.J., 2004. p. 4; GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 4; LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 20; CAMARGO SOBRINHO, Mário de. Contrato de adesão - e a necessidade de uma legislação específica. São Paulo: Lex Editora S.A. p. 54; MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 17.

151 SALEILLES, Raymond. De la déclation de volonté. Paris: F. Pchon-Successeur, 1901. p. 229- 230. 152 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 30. 153 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 38. 154 PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e

soluções. Revista Trimestral de Direito Civil, p. 8-9.

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Na verdade, em regra, o contrato de adesão é concluído através de

cláusulas contratuais gerais; mas pode acontecer que falte às cláusulas

pré-formuladas o requisito da generalidade (ou da indeterminação), caso

em que haverá contrato de adesão estando presentes as características da

pré-disposição, unilateralidade e rigidez) sem se poder falar de cláusulas

contratuais gerais. Estas últimas são previsamente elaboradas, numa

palavra, tendo em vista a celebração, no futuro, de múltiplos contratos, que

serão de adesão – mas tais contratos não deixarão de o ser se faltarem às

cláusulas pré-formuladas os requisitos da generalidade e da

indeterminação. [...] a não identificação destas expressões constitui, desde

logo, um primeiro problema, particularmente sentido nos países como

Portugal e Alemanha, que, dispondo de legislação sobre cláusulas

contratuais gerais, têm de a estender a todos os contratos de adesão

quando o aderente for um consumidor, por força da Directiva comunitária

de 1993. [...] Devo chamar a atenção para que o problema não se restringe

às relações de consumo. Se é verdade que a protecção do consumidor

passa pelo controlo dos contratos de adesão, os problemas não devem, de

todo o modo, confundir-se nem identificar-se. Pois se é certo que a

necessidade de controlar tais contratos é maior quando a contraparte da

empresa for um consumidor, a verdade é que o problema é mais amplo,

não se esgota na protecção do consumidor, colocando-se também nas

relações contratuais entre empresários.

Por tais razões, optamos, logo no início, por apresentar a distinção das cláusulas

contratuais gerais dos contratos de adesão, permitindo o enfrentamento de uma

série de discussões propostas pela doutrina, discussões que, em grande parte, são

originadas da confusão de tais institutos, sem prejuízo de novas abordagens a

respeito dessa diferença no decorrer do trabalho.

2.2 CONCEITO155

155 Preferiu-se o termo "conceito", sem preocupação na sua distinção com o termo "definição" que,

segundo EROS GRAU, entre estes existe diferença: "os conceitos jurídicos, vimos, são expressados através de termos: o termo é o signo do conceito. Ora, porque esses termos são colhidos na linguagem natural, que é virtualmente ambígua e imprecisa, inúmeras vezes textos normativos operam a enunciação estipulativa de conceitos, ou seja, definem os seus respectivos termos. O que se tem referido por 'conceito estipulativo ou legal' corresponde, em regra, a uma definição, que o texto normativo contempla visando a superar a ambigüidade ou imprecisão do

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2.2.1 Conceito

Do ponto de vista lógico, a ciência é uma construção conceitual. É um conjunto de

conceitos dispostos segundo certas conexões ideais, estruturados de acordo com

princípios ordenadores que os subordinam a uma unidade sistemática. Os

elementos conceituais não se justapõem, "mas se articulam, obedecendo a relações

lógico-formais de caráter necessário. A ciência é um sistema conceitual e, tanto mais

é o rigor científico de um conhecimento quanto mais acentuado é o seu aspecto

sistemático."156 O conceito tem, para que sua pretensão de validade seja efetiva,

uma base no plano da objetividade. Todos os planos da objetividade estão, em

princípio, abertos à conceituação. O conceito simplesmente "põe o objeto o que

significa, contrapõe o pensamento a algo que se apresenta com uma consciência

definida". O conceito não reproduz o objeto e com ele não se confunde. Como

observou LOURIVAL VILANOVA: 157

[...] a tarefa de desarticular o real em séries é cumprida pelo conceito. [...]

Esta província de objetos que se chama 'social' consta de fatos múltiplos

como os fatos políticos, econômicos, jurídicos, éticos, religiosos. Cada uma

destas categorias de fatos é objeto de disciplinas científicas particulares. O

social é o ponto de interseção no qual todos esses fatos diversos se unem.

O conceito jurídico capta algumas notas particularizantes de um objeto que se situa

no plano social, da interação, da convivência.158 Na verdade, os conceitos jurídicos

termo de certo conceito. A definição jurídica, pois - 'para os efeitos desta lei entende-se por [...]' - , é a explicitação do termo do conceito e não deve ser confundida com o conceito jurídico. Este é o signo de uma significação, expressado pela mediação do termo. A definição jurídica está referida ao termo, e não diretamente ao conceito; consubstancia – repita-se – uma explicitação do termo do conceito. Não fora virtualmente ambígua e imprecisa a linguagem jurídica, bastar-nos-iam os conceitos jurídicos, sendo prescindíveis as definições ou 'conceitos estipulativos ou legais'. Mas não é bem e apenas assim, contudo. Muitas vezes o ordenamento jurídico alberga conceitos que, embora diversos, são expressados por um mesmo termo. Nesta hipótese, sob o mesmo termo conceitual – o que torna ainda mais complexo e desafiador, para o intérprete, o problema da ambigüidade dos termos e expressões jurídicos – sob o mesmo termo conceitual, dizia eu, repousam, plasmados pelo ordenamento, distintos conceitos jurídicos. A distinção entre tais conceitos é evidente, visto que, embora destacados de um núcleo conceitual comum, as coisas, estados ou situações a que são aplicados sujeitam-se a diversos regimes jurídicos ou a diversas normas jurídicas". GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 224. No mesmo sentido, WARAT, Luis Alberto. Semiótica y derecho. Buenos Aires: Ediciones Eikón. p. 90-106.

156 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In: Escritos Jurídicos e filosóficos. v. 1. São Paulo: IBET, 2003. p. 4.

157 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In: Escritos Jurídicos e filosóficos. p.14 e 15. 158 Enciclopédia Saraiva do Direito. v. 17 (Conceito Jurídico). São Paulo: Saraiva, 1977. p. 36.

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não são referidos a objetos, mas sim a significações, produto de uma reflexão, de

uma suma de idéias.159

Ao descrever o fenômeno, CLÁUDIA LIMA MARQUES160 explica que se entende

como contratos submetidos às cláusulas gerais aqueles contratos, escritos "ou não

escritos", em que um contratante aceita, tácita ou expressamente, que cláusulas pré-

elaboradas pelo outro contratante, de forma unilateral e uniforme, para um número

indeterminado de relações contratuais, venham a disciplinar o seu contrato

específico. Complementa a autora:161

Assim, condições gerais dos contratos (CONDGs) é aquela lista de

cláusulas contratuais pré-elaboradas unilateralmente para um número

múltiplo de contratos, a qual pode estar ou não inserida no documento

contratual e que um dos contratantes oferece para reger a relação

contratual no momento de sua celebração. Trata-se, portanto, de uma

técnica de pré-elaboração do conteúdo de futuros contratos.

Para MASSIMO BIANCA,162 em texto específico sobre o tema, as condições gerais

dos contratos são as cláusulas que um sujeito, o proponente, utiliza para regular

uniformemente as suas relações contratuais, se caracterizando, antes de tudo, pela

generalidade da cláusula predispostas.

Segundo LUIS DIEZ-PICAZO,163 por cláusulas contratuais gerais deve se entender o

conjunto de normas ou de regras, unilateralmente ditadas por uma empresa

mercantil ou industrial, ou por um grupo de empresas, a fim de que, por meio destas,

se regulamentem todas as operações e contratos que estas mesmas empresas ou

grupo de empresas celebrem em suas atividades comerciais.

159 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do direito. p. 214 160 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - o novo regime das

relações contratuais. p. 66. 161 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - o novo regime das

relações contratuais. p. 67. 162 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contrato. In: Realtà sociale ed effetività della norma -

scritti giuridici. v. 2, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 475.Esta é a mesma definição trazida pelo autor em Diritto civile - il contratto, p. 341/342 ("Le condizioni generali di contratto sono le clausule che un soggeto, il predisponente, utilizza per regolare uniformemente i suoi rapporti contrattuali. La nozione di condizioni generali si puntualizza anzitutto in relazione al caracttere generale delle clausule predisposte").

163 DIEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho patrimonal. Madrid: Editorial Tecnos, 1970. p. 236.

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Mais sintético é o conceito dado por ALMENO DE SÁ:164

As cláusulas contratuais gerais nos surgem como estipulações

predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma

generalidade de pessoas, para serem aceitas em bloco, sem negociação

individualizada ou possibilidade de alterações singulares.

Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO:165

As condições gerais dos contratos constituem regulação contratual

predisposta unilateralmente e destinada a se integrar de modo uniforme,

compulsório e inalterável a cada contrato de adesão que vier a ser

concluído entre o predisponente e o respectivo aderente.

Para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA:166

Podem assim definir-se cláusulas contratuais gerais como proposições

destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos

quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse

efeito, as pré-elaborou ou adaptou.

As cláusulas contratuais gerais, portanto, são estipulações redigidas, prévia e

unilateralmente, pelo proponente, para utilização reiterada em uma série

indeterminada de futuros contratos singulares, cujos destinatários limitar-se-ão a

aceitá-las em bloco, sem nenhuma possibilidade de alterar o seu conteúdo.

Visam "moldar a vontade"167 dos intervenientes nos negócios jurídicos a que as

mesmas respeitam. Estes, subscrevendo-as, como proponentes, ou aceitando-as,

como destinatários, assumem posições negociais. São pré-elaboradas, existindo

disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha. Apresentam-se de maneira

generalizada, ou seja, podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como

proponentes, quer como destinatários. Apresentam-se rígidas, independentemente

de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações.

164 SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. Coimbra:

Almedina, 2005. p. 212. 165 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 24. 166 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I – Conceito. Fontes. Formação. p. 148. 167 Expressão usada por MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO.

Cf. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais - anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 2.

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Em suma, dos conceitos abordados, infere-se que as cláusulas contratuais gerais

ostentam as seguintes características: predisposição; unilateralidade; abstração e

inalterabilidade; aparecem, assim, como as características essenciais do conceito,

que serão estudadas e particularizadas adiante. Características que, de resto, não

devem ser tomadas como elementos autônomos ou isolados, mas sim como

parcelas de um todo: elas só ganham sentido na unidade conceitual, sendo certo

que todas, reciprocamente, implicam-se.

2.2.2. Descrições legais das cláusulas contratuais gerais

Em todo o mundo, podemos encontrar algumas disposições normativas específicas

que se preocuparam em conceituar as cláusulas contratuais gerais, fato que merece

ser colacionado no presente trabalho.

A lei alemã para o Regulamento das Condições Gerais dos Negócios (Gesetz zur

Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen - AGB-Gesetz), de

1976, no seu § 1.º conceitua as cláusulas contratuais gerais como "aquelas

condições previamente formuladas para uma série indeterminada de contratos, que

uma das partes propõe à outra, na conclusão de um contrato."168

A Lei das Cláusulas Contratuais Gerais de Portugal (Decreto-lei n. 446/1985, com as

alterações introduzidas pelo Decreto-lei n. 249/1999), logo no seu art. 1.º, conceitua

as cláusulas contratuais gerais:

1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação

individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem,

respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.

2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em

contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o

destinatário não pode influenciar. 3 - O ônus da prova de que uma cláusula

contratual geral resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre

quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.

A Lei de Israel (Standard contracts law, Lei n. 5.743/1982) define o contrato standard

como aquele em que as cláusulas contratuais foram predispostas por uma das

168 Hoje esta é a redação do § 305 (1) do BGB.

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partes, para servir a uma série de contratos nos quais as pessoas não se encontram

identificadas, nem definidas, pela quantidade ou pela identidade.169

O Código Civil peruano, em seu art. 1.392, assinala que:

Las cláusulas generales de contratación son aquellas redactadas previa y

unilateralmente por una persona o entidad, en forma general y abstracta,

con el objeto de fijar el contenido normativo de una serie indefinida de

futuros contratos particulares, con elementos propios de ellos.

A Lei sobre as Condições Gerais da Contratação da Espanha (Lei n. 7, de 13 de

abril de 1998) também apresenta conceituação, em seu art. 1.º:170

[...] são condições gerais da contratação as cláusulas predispostas cuja

incorporação ao contrato seja imposta por uma das partes, com

independência de sua autoria material, de sua aparência externa, de sua

extensão e quaisquer outras circunstâncias, havendo sido redigidas com a

finalidade de ser incorporadas a uma pluralidade de contratos.

Apesar de tratar expressamente da matéria, o Código Civil italiano (arts. 1.341 e

1.342)171 não se preocupou em dar um conceito, mas, pela primeira vez em um

Código Civil, fixou as notas características do instituto, preocupando-se com a

conscientização do aderente quando de sua adoção. Mais recentemente, o Código

Civil de Quebec, na esteira do Direito francês, em que não há a preocupação em se

distinguir as expressões, em seu art. 1.379,172 regula, sob uma mesma epígrafe,

169 Art. 2 : “standard contract” as “the text of a contract, all or part of the conditions of which have been

determined in advance by one party in order to serve as conditions of many contracts between him and persons undefined as to number or identity".

170 "Son condiciones generales de la contratación las cláusulas predispuestas cuya incorporación al contrato sea impuesta por una de las partes, con independencia de la autoría material de las mismas, de su apariencia externa, de su extensión y de cualesquiera otras circunstancias, habiendo sido redactadas con la finalidad de ser incorporadas a una pluralidad de contratos".

171 "Art. 1.341 Condizioni generali di contratto Le condizioni generali di contratto predisposte da uno dei contraenti sono efficaci nei confronti dell'altro, se al momento della conclusione del contratto questi le ha conosciute o avrebbe dovuto conoscerle usando l'ordinaria diligenza (1.370, 2.211). In ogni caso non hanno effetto, se non sono specificamente approvate per iscritto, le condizioni che stabiliscono, a favore di colui che le ha predisposte, limitazioni di responsabilità, (1.229), facoltà di recedere dal contratto(1.373) o di sospenderne l'esecuzione, ovvero sanciscono a carico dell'altro contraente decadenze (2.964 e seguenti), limitazioni alla facoltà di opporre eccezioni (1.462), restrizioni alla libertà contrattuale nei rapporti coi terzi (1.379, 2.557, 2.596), tacita proroga o rinnovazione del contratto, clausole compromissorie (Cod. Proc. Civ. 808) o deroghe (Cod. Proc. Civ. 6) alla competenza dell'autorità giudiziaria".

172 "1.379 - Le contrat est d'adhésion lorsque les stipulations essentielles qu'il comporte ont été imposées par l'une des parties ou rédigées par elle, pour son compte ou suivant ses instructions, et qu'elles ne pouvaient être librement discutées. Tout contrat qui n'est pas d'adhésion est de gré à

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tanto o contrato de adesão quanto as cláusulas contratuais gerais, apresentando, na

oportunidade, alguns traços característicos.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) também não trouxe

definição das cláusulas contratuais gerais, apenas o que vem a ser contrato de

adesão (art. 54173), perfilhando a tradição francesa, confundindo duas categorias

distintas e, nesse caso da legislação especial, restringindo sua incidência para as

relações de consumo, pressupondo a vulnerabilidade do consumidor. Foi a primeira

lei brasileira que regulou o contrato de adesão, definindo-o e fornecendo seu regime

jurídico e o método para sua interpretação.

O Código Civil brasileiro de 2002 não se preocupou em definir cláusulas contratuais

gerais, trazendo apenas uma tímida positivação sobre os contratosde adesão, em

apenas dois artigos (arts. 423 e 424174).

gré." Sobre os contratos de adesão, consultar ainda o Código Europeu dos Contratos, arts. 39, 40 e 41 (Analyse du texte contractuel et évaluation des éléments extrinsèques à l’acte – expressions ambiguës – expressions obscures); Código Civil de Quebec, art. 1432; Código Civil russo, art. 428; Código Civil alemão, § 305c.

173 "Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1.° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato; § 2.° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2.° do artigo anterior; § 3.° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor; § 4.° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão; § 5.° (Vetado)."

174 "Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio".

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2.3 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS:

UNILATERALIDADE, PREDISPOSIÇÃO, GENERALIDADE, ABSTRAÇÃO, RIGIDEZ

2.3.1 Unilateralidade – observação necessária

As cláusulas contratuais gerais, conforme o exposto, podem constituir o conteúdo de

contratos de adesão de puro direito privado, como também o conteúdo de contratos

de adesão em que colabora um elemento qualquer de direito público, incluindo-se

entre estes últimos os contratos administrativos e os celebrados por empresas

concessionárias de serviços públicos com os usuários de tais serviços.

Deixando de lado as cláusulas contratuais gerais que coincidem com normas legais

ou administrativas (que formam os contratos administrativos ou os regrados de

qualquer forma pela administração), as demais procedem todas da autonomia

privada, que pode se manifestar de diversas formas, que dão origem a classes

distintas de cláusulas contratuais gerais. Quanto à origem, elas podem ser

formuladas:175

(i) unilateralmente, o que dá origem a cláusulas contratuais gerais unilaterais

(einseitige Bedingungen), seja por uma só empresa, cláusulas contratuais

gerais particulares (einzelnen Bedingungen), seja por uma associação de

empresas, cláusulas contratuais gerais de grupo (Verbandsbedingungen);

(ii) bilateralmente, sempre mediante um contrato ou um acordo normativo

entre as duas categorias de interessados na relação contratual de que se

cuida, acordo este que pode ser obrigatório para todos os agrupados nas

associações que as estipulam: contratos normativos bilaterais e obrigatórios

(schuldrechtliche zweiseitige Normenverträge), como seria o caso dos

convênios coletivos de trabalho ou mediante acordo meramente diretivo ou

indicativo (zweiseitige Richtlinienverträge), cuja normativa necessita ser

aceita todas as vezes no contrato singular: tal é o caso de muitíssimas

cláusulas contratuais gerais na prática alemã – allgemeine deutsche

Spediteurbedingungen, Deutsche Einheitmietvertrag etc.;

(iii) desinteressadamente, por um terceiro que não tem interesses na relação

contratual de que se trate, dando origem a cláusulas contratuais gerais

175 GARCIA-AMICO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 143-144.

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neutras (neutrale Bedingungen), como seria o caso das cláusulas contratuais

gerais redigidas por um mediador (Maklerbedingungen) ou por um notário etc.

Em resumo, quanto às origens da predisposição, as cláusulas contratuais gerais

podem ser efetivadas pelo próprio predisponente, por terceiros, pela administração

pública, por acordo entre as empresas.

Para o nosso estudo, interessam as cláusulas contratuais gerais elaboradas pelo

próprio predisponente, por uma empresa, grupo de empresas ou até mesmo por

terceiros, as quais virão a constituir o conteúdo de uma série indeterminada de

futuros contratos de adesão de direito privado. Excluiremos de nosso estudo as

cláusulas contratuais gerais predispostas pela administração pública.

O que precisa ficar bem claro é que, apesar da multiplicidade de origens, essa

predisposição será ato unilateral do predisponente.

A forma mais comum é aquela em que as cláusulas contratuais gerais são

materialmente criadas pelo próprio predisponente. Nesse caso, não é possível

verificar, com tanta nitidez, as fases de elaboração e de imposição de tais cláusulas,

ao contrário de quando elas são criadas por terceiros ou pela administração pública.

As grandes empresas costumam registrar, no Registro de Título de Documentos, as

cláusulas contratuais de que predispõem, fazendo a elas remissão quando da

celebração dos contratos individuais.

As cláusulas contratuais gerais também podem ser elaboradas por terceiros.

Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO:176

Em muitos setores, onde predominam os pequenos empreendimentos,

utilizam-se formulários, vendidos em papelarias, contendo condições gerais

(algumas abusivas). A adoção desses formulários, e o uso constante nas

relações negociais, caracteriza predisposição. Alguns formulários de

condições gerais têm recebido o patrocínio e a autoria de órgãos de

176 LÔBO, Paulo Luiz Netto. p. 72. Para ALMENO DE SÁ, as cláusulas contratuais gerais podem ser

elaboradas por terceiros, e não por um dos contraentes. No entanto, tal ocorrência não modifica a sua natureza de cláusula geral. SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p. 215-217. O mesmo autor entende que igualmente não altera a caracterização como cláusula contratual geral a complementação dos modelos de contrato, desde que não se ingresse no conteúdo material do contrato. Tampouco ocorre a desnaturação, para este autor, se forem efetuados contratos entre associações representativas de direitos coletivos, a estipulação de cláusulas efetivamente negociadas ou a existência das cláusulas contratuais gerais em segmento externo ao instrumento do contrato.

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proteção do consumidor. Quando a utilização das cláusulas contratuais

gerais elaboradas por terceiros se dá em casos isolados, não há

predisposição.

Mas sobre esta questão, vale uma observação importante. Explica CLÁUDIA LIMA

MARQUES177 que as cláusulas devem ser elaboradas unilateralmente por um dos

contraentes, ou mesmo por terceiros, e são oferecidas à aceitação do outro. Quando

as cláusulas são formadas por um terceiro (tabelião, imobiliária, associação de

empresários etc.), para a doutrina portuguesa, o importante é a existência de

cláusulas contratuais gerais, independentemente de terem sido elaboradas pelo

proponente ou por terceiro. Já a doutrina alemã utiliza como critério o fato de o

terceiro ser neutro na relação contratual ou não. Segundo a autora, a primeira

solução é mais justa, porque ao Direito interessa a técnica de pré-elaboração

unilateral e de simples opção de aceitação para o outro contraente e não a ideologia

do elaborador das cláusulas contratuais gerais.

Comentando essa particularidade da doutrina portuguesa, em especial, o art. 2.º do

Decreto-lei n. 446/1985,178 MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA e ANTÓNIO

MENEZES CORDEIRO179 observam que a lei portuguesa se preocupa com a

existência efetiva de cláusulas contratuais gerais, atenta à necessidade de tutelar a

parte negocial fraca ou desfavorecida.

Constata-se, portanto, que as cláusulas gerais, na maioria das vezes, são

materialmente elaboradas pelo proponente. Mas existem casos em que o

proponente apenas se utiliza das cláusulas, elaboradas materialmente por terceiros.

Pode ocorrer de o verdadeiro autor material das cláusulas ser entidade ou pessoa

diversa. Nem por isso deixaremos de estar diante das cláusulas contratuais gerais.

Deve ficar claro, portanto, que quando falamos em unilateralidade não estamos

afirmando que só haverá cláusulas contratuais gerais se estas forem produzidas

materialmente pelo proponente. A autoria intelectual e material dessas cláusulas não 177 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 68. 178 "Art. 2.º – O artigo anterior abrange, salvo disposição em contrário, todas as cláusulas contratuais

gerais, independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros". Para o art. 1.1. da lei espanhola sobre as cláusulas contratuais gerais, a autoria material não é nota exclusiva para sua configuração.

179 ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais. Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 19.

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corresponde ao critério distintivo. Seja quem for o mentor intelectual de tais

cláusulas, o fato é que estas são utilizadas e impostas pelo proponente sem

participação ou negociação do aderente no seu conteúdo. A predisposição é posta e

imposta, ou apenas imposta, pelo predisponente, não sendo objeto de acordo,

tratativa ou negociação prévia.

GÁRCIA AMIGO180 é mais flexível quanto à análise dessa característica,

ponderando que o aderente, no iter progressivo da formação das cláusulas

contratuais gerais, pode até ter algum tipo de participação (preenchimento do nome,

fixação de termos, local de pagamento etc.). Mas essa participação, por ser

extremamente limitada (quase nula), não tem o condão de caracterizar uma

bilateralidade.

Normalmente, a doutrina trata da característica da unilateralidade em conjunto com

a característica da predisposição. Por serem características distintas, optamos pelo

tratamento em separado. Aqui, o enfoque não é, ainda, o aspecto temporal, mas

quem é o responsável pela imposição dos clausulados do futuro contrato e se existe

ou não negociação na fixação de seu conteúdo.

As cláusulas contratuais gerais são fixadas e impostas exclusivamente por um dos

contratantes, o predisponente, e aceitas (ou não) pelo outro, o aderente. Fala-se em

unilateralidade porque cabe apenas a uma das partes, sem negociação com a outra,

estipular as cláusulas. Pouco importa, repita-se, a autoria intelectual de tais

cláusulas.

O fato de ter a sua elaboração submetida a outrem (advogado contratado pela

empresa, sindicato, notário etc.), portanto, não retira seu caráter de unilateralidade.

O que importa é a idealização do conjunto de clausulado e na sua imposição a outro

contratante, sem que este tenha qualquer tipo de participação ou ingerência na sua

configuração.

Esta característica já serviria para não enquadrar as cláusulas contratuais gerais nos

tradicionais quadros do contrato. Como afirma JOAQUIM DE SOUZA RIBEIRO:181

180 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 87 181 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato - as cláusulas contratuais gerais e o

princípio da liberdade contratual. p. 278.

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Dito de maneira simplista, pode afirmar-se que esta tese é a expressão

radical, sem concessões, da idéia de que, estando a liberdade contratual

ao serviço da autodeterminação da pessoa, dela faz parte, como nota

essencial, a participação (ou possibilidade de participação) na modelação

do conteúdo do contrato. Aceitar, como manifestação genuína de liberdade

contratual, menos do que isso, equivaleria a despojá-lo do seu sentido e

valor, simultaneamente lhe retirando a sua base de legitimação.

Ocorre que, como observado pelo próprio autor, a liberdade negocial precisa ser

adaptada à nova realidade, em que falamos, propositadamente, em autonomia

privada e não mais em autonomia da vontade. Em alguns países,182 as cláusulas

contratuais gerais só se incorporarão no contrato se tiverem sido comunicadas ao

aderente e este acordar na sua inclusão. Além disso, não se nega a possibilidade de

controle posterior das cláusulas consideradas abusivas, mas, ainda que em novos

termos, permanece em doutrina a acentuação da unilateralidade das cláusulas

contratuais gerais.

2.3.2. Predisposição (pré-formulação, pré-formatação, pré-elaboração)

Como afirmado anteriormente, a predisposição não se confunde com a redação das

cláusulas contratuais gerais (que podem ser elaboradas pelo predisponente e por

terceiros). Ocorre a predisposição quando estas ingressam na atividade do

predisponente, tornando aplicáveis a todos os futuros contratos individuais. A

predisposição significa o ato de fazer existirjuridicamente as cláusulas contratuais

gerais e se revela de formas variadas (avisos, documentos, prospectos,

regulamentos, instruções etc.). Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,183 é "ato unilateral

não receptício" e que:

A função da predisposição é qualquer coisa de análogo à função da lei.

Consiste em fixar uma regra de comportamento (donde seu teor abstrato),

voltada a disciplinar o contrato, do qual derivam direitos e obrigações,

constituindo antecedente necessário de aplicação e concretização.

182 Por exemplo, § 2º do AGB-Gesetz. 183 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p 26 e 58.

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CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA184 sintetiza esses elementos da predisposição e

ressalta a sua importância:

Predisposição unilateral inclui a idéia de pré-elaboração, isto é, de

elaboração anterior ao contrato, mas completa-a com mais duas idéias: a

iniciativa da elaboração (ou da adopção de cláusulas elaboradas por

outrem – cf. art. 2.º, in fine) é unilateral, porque cabe apenas a uma das

partes, sem prévia negociação com a outra, e é programada quanto à

intenção de inserir tais cláusulas em futuros contratos. Sem estes

complementos conceptuais entrariam também no âmbito do regime das

cláusulas contratuais gerais, por exemplo, aquelas que, em contrato

normativo, tenham sido acordadas pelas partes para uso em futuros

contratos.

Quando se fala que as cláusulas contratuais gerais são predispostas, significa dizer

que estas são organizadas ou redigidas previamente pelo proponente, a ser

oferecido ao aderente que, em momento posterior, aceitará ou não o futuro contrato.

São pré-redigidas antes do consenso, fixadas com anterioridade ao começo da fase

de negociação do contrato. Como se verá, as cláusulas contratuais gerais se

formam e existem juridicamente em momento anterior ao futuro contrato, e sua

formação não se confunde com a formação do contrato de adesão.

Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, a predisposição de cláusulas contratuais

gerais é conseqüência histórica da sociedade industrial.185 Na vida contemporânea,

contratos com essa característica são inúmeros. Afirma a autora que atualmente

existem quase que somente contratos nos quais o conteúdo vem determinado por

cláusulas contratuais gerais.

É possível entender essa característica como a elaboração prévia das cláusulas de

um contrato, anteriormente à sua celebração entre os contratantes. As cláusulas

contratuais gerais são elaboradas em momento anterior ao início da fase de

negociação (rectius: adesão) contratual.

Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, não é necessário que tais cláusulas

contratuais, fixadas de antemão, sejam escritas em formulários contratuais ou em

outros documentos expostos ao público. As cláusulas são consideradas pré- 184 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I – Conceito. Fontes. Formação. p. 148. 185 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das

relações contratuais. p. 69.

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elaboradas também quando estão arquivadas em um computador e impressas na

hora para o cliente, ou datilografadas segundo um formulário, "mesmo de memória

pelo advogado da empresa,"186 daí admitir que as cláusulas contratuais gerais sejam

"não escritas".

Como vimos, a redação antecipada das cláusulas deve ser efetuada por apenas

uma das partes, imposta de maneira unilateral, para que a outra apenas manifeste

sua aceitação a elas. Ademais, deve estar presente a intenção do contraente que

procede a tal elaboração de utilizar o modelo de contrato previamente redigido para

uma multiplicidade de contratos futuros. Trata-se da criação de uma base para

regular situações jurídicas posteriores com diversos parceiros contratantes. Equivale

a dizer que tais cláusulas são criadas para uma pluralidade de casos ou contratantes

supervenientes.

ALMENO DE SÁ187 complementa o assunto ao afirmar que basta a intenção

almejada, qual seja, a finalidade da pré-elaboração – a utilização das cláusulas

contratuais gerais para situações futuras – para se configurarem as condições

gerais. É irrelevante que tais circunstâncias venham a se concretizar ou não. Tal

observação corrobora com o nosso entendimento, no sentido de que, mesmo que as

cláusulas contratuais gerais não façam parte de nenhum contrato individual, estas

não podem ser tratadas como fatos sem relevância jurídica. Há cláusulas contratuais

gerais que chegam a ser registradas em Cartório de Registros de Títulos e

Documentos, viabilizando a conclusão de que, com a predisposição das cláusulas

contratuais gerais, reunidas as demais características, elas passam a ter existência

jurídica.

2.3.3. Generalidade (e uniformidade)

Só é possível compreender as cláusulas contratuais gerais se entendermos sua

dimensão coletiva. Só merecem qualificação de cláusulas contratuais gerais as

cláusulas que não têm como destinação uma contraparte determinada, não podendo

se apresentar com conformação moldada para uma concreta relação contratual,188

186 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das

relações contratuais. p. 67. 187 SÁ, Almeno de. Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas. p. 214-215. 188 RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o

princípio da liberdade contratual. p. 447.

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revestindo-se, por isso, de caráter geral e abstrato. A elaboração sem prévia

negociação individual só é um dado qualificante do fenômeno se houver a intenção

de utilização reiterada das cláusulas numa série de contratos que se projeta a

concluir. Quando há a generalidade, a unilateralidade e a predisposição também

ganham relevo diferenciador.

Como observa ANTEO GENOVESE,189 essa "vontade geral", uniformizadora do

conteúdo de uma multiplicidade de contratações futuras, é o elemento

especificamente distintivo das cláusulas contratuais gerais, porque não

compartilhado com qualquer outra manifestação e, ao mesmo tempo, determinante,

porque por ele se explicam os restantes, quer o modo de conformação (pré-

formulação), quer o modo de ingresso (por adesão, sem negociação) em cada

contrato singular.

A visão das "duas dimensões" é imprescindível para o estudo das cláusulas

contratuais gerais. Segundo JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO:190

Uma visão atomística, tomando como ponto de referência as relações inter

partes no quadro de cada negócio, não dá conta da natureza peculiar do

fenómeno das ccg, em reação a outras formas de manifestação do poder

contratual. Nesta óptica reducionista, o universo do discurso contém-se

necessariamente nos limites da esfera intersubjectiva, com tendência para

remeter para o domínio do juridicamente irrelevante os dados que não se

amoldam ao paradigma individualista do contrato. Exprimindo-se à escala

colectiva, de organização e adminstração de toda uma actividade jurídico-

económica, a prévia regulamentação da série, mais ou menos ampla, de

contatos a que ela vai dar lugar é desvalorizada como um elemento de

facto, do âmbito do puramente empírico ou sociológico, posto realize um

autónomo interesse de uniformização e obtenção de vantagens, não

confundível com o prosseguido por cada um dos actos singulares. [...]

Dimensão colectiva e dimensão individual subentendem-se

reciprocamente, estabelecendo entre si direcções de sentido cruzadas: se

a preformulação é um acto preparatório, finalizado à modelação do

conteúdo de uma pluralidade de contratos a celebrar, só atingindo o seu

objecto uniformizador com a efectiva inclusão das cláusulas em cada um

189 GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão,

Giuffrè, 1961. p. 803. 190 RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o

princípio da liberdade contratual. p. 452 - 454.

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desses contratos, a padronização do conteúdo destes só se explica por

aquele momento genético, por resultar de uma matriz comum, situada fora,

e a montante, de cada relação singular. Ainda que a eficácia reguladora

das ccg tenha fundamento pactício, não dispensando a contratualidade, a

aceitação individual dos sujeitos a que se aplicam, ela constitui a

efectivação in actu de uma planificada ordenação englobante, pré-existente

a cada uma das relações a que se aplica. [...] Dimensão colectiva e

dimensão individual são movidas por lógicas distintas, se não, mesmo,

contraditórias, o que torna a compatibilização entre ambas altamente

problemáticas. Se atendermos preferencialmente à primeira, tenderemos a

dar relevo determinante aos interesses normalmente coenvolvidos naquele

tipo de operação; se olharmos mais para a segunda, é inevitável a

consideração das particularidades do caso concreto e do horizonte

individual dos sujeitos da relação. A resposta a este conflito de fundo cunha

decisivamente as intervenções legislativas nesta matéria, quer quanto à

seleção dos níveis e instrumentos materiais-processuais de controlo, quer

quanto aos critérios interpretativos e de apreciação de validade das

cláusulas.

As peculiaridades das cláusulas contratuais gerais impõem soluções que

ultrapassam o âmbito de interesses individuais diretamente envolvidos. É preciso,

portanto, tomarmos ciência da dimensão coletiva das cláusulas contratuais gerais,

sob pena de entendermos parcialmente o fenômeno.

As cláusulas contratuais gerais são destinadas a um número múltiplo de contratos, a

uma infinidade de operações de fornecimento de mercadorias e serviços e a uma

generalidade de pessoas, para serem aceitas em bloco, tornando-se eficazes na

medida em que são integradas, de modo uniforme, em um dado contrato de adesão.

A generalidade ou a uniformidade diz respeito à aplicação ou à utilização das

cláusulas contratuais gerais predispostas. Significa que tais clausulados se destinam

a uma pluralidade de contratos do mesmo tipo ou da mesma classe.

Explica FRANCESCO MESSINEO191 que:

Può, azitutto, volersi dire che la clausola è generale, perché si pone come

antitetica ala clausola <<especiale>>, o <<specifica>>, o <<particulare>>;

e, dall'antitesi, l'aggettivo trae significato di <<normale>>, o di <<usuale>>.

Ovvero, si vuol significare che una clausola è generale, quando sia

191 MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. v. XXI, t. 1. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1973. p. 425.

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congruente e applicabile a qualsiasi e a ciascuna figura di un dato tipo; può

dirsi, cioè, che la clausola è <<comune>> a tuta la serie dei contratti, aventi

un certo contenuto, e si potrà introdurla in ciascuno di essi.

Nas explicações de MASSIMO BIANCA:192

Il predisponente è di solito un impreditore che utiliza le clausole generale

per disciplinare in modo uniforme i rapporti di erogazione di beni e servizi

alla clientela. Il predisponente utiliza per regolare uniformemente i suoi

rapporti contrattuali. [...] La nozione di condizioni generali si puntualizza

anzitutto in relazione al carattere genrale delle clausole predisposte. [...] La

destinazione, si aggiunga, deve risultare obiettivamente dall'uso

generalizzato delle condizioni generali da parte del predisponente. Questo

carattere si evidenzia quando il predisponente si avvale di moduli o

formulari per disciplinare uniformemente i propri rapporti contrattuali. L'uso

occasionale di moduli o formulari predisposti per una disciplina contrattuale

uniforme esula invece dal fenomeno delle condizioni generali pur

rimanendo assoggetato alla disciplina delle clausole vessatorie.

As cláusulas contratuais gerais representam parte do fenômeno de contratação

uniformizada, estandardizada, daí o geral contido na nomenclatura. Inexistirá

cláusula geral contratual quando estivermos diante de clausulados voltados para

sujeitos determinados.

Há que ser salientado, todavia, que para alguns autores as cláusulas contratuais

gerais não perderão o caráter de generalidade se pré-formuladas para atender a

uma demanda específica dentro de uma unidade comercial, admitindo-se, neste

caso, a utilização de cláusulas contratuais gerais para um número determinado de

contratos. Por exemplo, quando uma empresa deseja se livrar do estoque de um

dado produto, pré-formulando as cláusulas contratuais gerais que regularão esse

número limitado de operações de venda.193

Essa ponderação também é feita por ALMENO DE SÁ:194

192 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). In: Realtà sociale ed

effetività della norma. v. II, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 476. 193 Exemplo criado por EDUARDO MESSIAS GONÇALVES DE LYRA JÚNIOR. LYRA JÚNIOR,

Eduardo Messias Gonçalves. Contratos de Adesão e condições gerais dos contratos. Revista dos Tribunais, n. 828, p. 25, out./ 2004.

194 SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p. 214-215.

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100

Não interessa, todavia, saber se as cláusulas em jogo se aplicaram, de

facto, numa multiplicidade de casos; decisivo é tão só o propósito de sua

utilização numa série de negócios, assim se relevando fundamental, para

este efeito, a finalidade intencionada com a pré-elaboração. É suficiente,

deste modo, a intenção de usar as condições pré-formuladas em propostas

dirigidas a uma generalidade de pessoas, o que implica determinar se está

ou não projectada, ab initio, uma utilização múltipla. A mesma idéia se

aplica, para lá do utilizador, a entidades que elaboram ou recomendam

condições negociais gerais, como, por exemplo, associações de interesses,

pois também aí é bastante o desígnio da sua predisposição para uma

multiplicidade de negócios jurídicos, ainda que o utilizador concreto apenas

uma vez a elas tenha recorrido. Se o dono de uma fracção autónoma

recorre ao contrato-modelo elaborado por uma associação de proprietários

para concretizar a sua relação contratual de arrendamento com o inquilino,

estão presentes as características da pré-formulação e da generalidade.

Se, porém, forem predispostas certas condições negociais, não com o

intuito de uma múltipla utilização, antes apenas para integrarem um

contrato singular, já não estaremos perante cláusulas contratuais gerais.

Só assim deixará de ser se, por qualquer razão, tais condições passarem a

ser reiteradamente utilizadas em futuros contratos, pois nessa altura,

relativamente a estes contratos, o propósito da utilização plural tem

objectivamente de presumir-se. Em contrapartida, se dada empresa

elabora um primeiro projecto de contrato para ser subscrito por aquele

concreto primeiro cliente que lhe aparece, mas já com o desígnio de o

utilizar numa série de contratos futuros, estaremos sem dúvida perante

cláusulas contratuais gerais.

O que vale, portanto, é a intenção de utilizar as cláusulas pré-formuladas em

propostas dirigidas a uma generalidade de pessoas, não interessando, todavia,

saber se tais cláusulas serão aplicadas, de fato, a uma multiplicidade de relações.

O elemento da generalidade é expressamente encontrado no art. 7.2 da Diretiva

Européia n. 13/1993, que disciplina as cláusulas abusivas nos contratos celebrados

com consumidores, ao referir-se a "cláusulas contratuais redigidas com vista a uma

utilização generalizada".

Além de ser voltada a uma coletividade e ao público em geral, o alvo deve ser

indeterminado. E é preciso também que a cláusula seja abstrata, indeterminada. Tal

característica será objeto do tópico seguinte.

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101

2.3.4 Abstração (indeterminação)

As cláusulas contratuais gerais são destinadas a um número não determinado de

utilizações. Explica MASSIMO BIANCA,195 com fundamento na jurisprudência

italiana, que: "Nella correta definizione giurisprudenziale le condizioni sono destinate

a regolare una serie indefinita di rapporti contrapponendose alle clausole

specificamente elaborate per singoli rapporti".

PAULO LUIZ NETTO LÔBO prefere a nomenclatura abstração196 porque as

cláusulas contratuais gerais, ao serem editadas, não regulam relações jurídicas

concretas. Os contratos individuais, pelos quais as cláusulas contratuais gerais

produzem efeitos concretos, permanecem sujeitos ao regime jurídico dos negócios

jurídicos.

Segundo ORLANDO GOMES, na generalidade insere-se a abstratividade, tomada a

expressão no sentido de que as mesmas cláusulas se repetem inexoravelmente no

conteúdo das relações concretas. O propósito de uniformidade não seria alcançado

se as cláusulas do esquema se exaurissem com sua aplicação. As cláusulas têm de

ser formuladas de modo abstrato, para que, ao elaborá-las, quem as redige não

pense no caso concreto, nem nos possíveis contratantes singulares: "o requisito de

abstratividade possui, portanto, dupla significação, a de inesgotabilidade e a de

abstração propriamente dita, no sentido de indeterminação e desconhecimento dos

destinatários".197

Todavia, há de se considerar que, em alguns casos, as cláusulas contratuais gerais

podem ser destinadas a uma pluralidade determinada de situações ou destinatários.

Nem por isso a característica de abstração estará de fora. Na maciça maioria dos

casos, seu criador ou utilizador tem o propósito de aplicá-las a uma série

indeterminada de relações jurídicas.

Segundo ALMENO DE SÁ,198 não é imprescindível que o texto predisposto tenha

sido concebido para um número indeterminado de utilizações. As cláusulas

contratuais gerais podem visar a uma pluralidade determinada de destinatários, já

195 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto. In: Realtà sociale ed effetività della norma. p.

477. 196 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 26. 197 GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 11. 198 SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p.215.

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102

que "uso indeterminado", constante do conceito, não deixa de existir quando da

identificação de círculo de parceiros, efetivos ou potenciais, pelo utilizador das

cláusulas. O autor dá como exemplos os contratos de edição preparados por

determinada editora para concluir com cada um dos autores de uma obra coletiva;

os contratos predispostos por uma construtora referentes à alienação de frações

(identificadas) de um edifício recentemente construído; bem como dos concursos

públicos limitados a um número prefixado e identificado de concorrentes, ainda que

o contrato final venha a ser concretizado apenas com um deles.199

Assim, o caráter geral, abstrato e uniforme não é alterado quando as cláusulas

contratuais gerais são incorporadas aos contratos individuais. A relação originária

continua sendo entre o predisponente e a comunidade indeterminada de

destinatários.

2.3.5 Rigidez

As cláusulas contratuais gerais são elaboradas sem prévia negociação individual, de

tal modo que sejam recebidas em bloco por quem as subscreva ou as aceite. Os

intervenientes não têm possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo,

nelas, alterações.

Explica MESSINEO200 que da própria característica da generalidade é que se

deduzem, como conseqüência, a inderrogabilidade das cláusulas contratuais gerais,

sua uniformidade e, conseqüentemente, sua rigidez (ou não-flexibilidade).

Para ORLANDO GOMES,201 as cláusulas contratuais gerais são rígidas porque

devem ser uniformes, isto é, não seria possível, para quem as predetermina, admitir

alterações atribuindo-lhes uma flexibilidade que anularia seu intento e desfiguraria a

fattispecie: não se elaboram as cláusulas contratuais gerais senão para regular

uniformemente futuros e eventuais vínculos contratuais ou, em outras palavras,

tornar possível a pluralidade de contratações uniformes. Assim, a uniformidade 199 Tais observações levaram a alguns autores, como JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, a preferir a

nomenclatura generalidade ao invés de indeterminação. A indeterminação pode dar a idéia de que o instituto exige indeterminação do número e da identidade dos potenciais contratantes, o que a letra da lei não parece constituir obstáculo. O significado "multiplicidade" exprime-se melhor com a palavra "generalidade", menos marcada e mais neutra que "indeterminação". RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 447 e ss.

200 MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. p. 431. 201 GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 10.

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103

(conseqüentemente, a rigidez) é uma exigência da racionalização da atividade

econômica que se propõe a se desenvolver. Admitir uma flexibilidade seria tornar

impraticável o exercício de uma dada atividade cujo destino é uma infinidade de

relações.

Em relação à imodificabilidade das cláusulas contratuais gerais, vale aqui a

colação de uma observação, feita por ALMENO DE SÁ:202 "No que

concerne ao vector da imodificabilidade, deve assinalar-se que os

contratos-modelo negociados entre associações representativa dos

interesses de ambos os lados de um certo sector económico não deixam

de ser formados por verdadeiras cláusulas contratuais gerais. Com efeito,

o evento da elaboração é, por si só, irrelevante para este efeito, sendo

certo que não se verifica, na hipótese, qualquer negociação das partes

efectivamente intervenientes na conclusão do acordo. Para determinarmos

se existe ou não imodificabilidade das cláusulas em análise importa

considerar as reais partes contratantes. A negociação a nível colectivo não

retira, portanto, ao contrato-modelo o seu caráter de acordo

estandardizado. Se as condições negociadas a nível associativo não se

tornam parte integrante do contrato, mas antes tal só pode verificar-se por

força de uma ulterior aceitação individualizada, então só relativamente a

este momento tem sentido discutir se as cláusulas foram ou não

negociadas. Deste modo, não é o recurso a condições-modelo

coletivamente negociadas que logra afastar a aplicação da lei: continuamos

perante verdadeiras cláusulas contratuais gerais."

As cláusulas contratuais gerais apresentam-se rígidas, independentemente de

obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações. Há de se

lembrar, todavia, que a inclusão dessas cláusulas é possível nos contratos de

adesão (como, por exemplo, § 1.º do art. 54 do CDC) e que, existindo juridicamente

as cláusulas contratuais gerais, são passíveis de controle ou de alteração pelos

órgãos legitimados na tutela de interesses meta-individuais (CDC, art. 82).

A característica da rigidez, no sentido de inalterabilidade, de mera possibilidade de

aceitação ou de recusa das cláusulas em bloco, tem sido atenuada por algumas

legislações do mundo. Por exemplo, nos termos do art. 7.º do Decreto n. 446/1985

de Portugal, já alterado pela Diretiva n. 13/1993, da Comunidade Européia, o

aderente pode provocar a eliminação ou a modificação de alguma ou de algumas

202 SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p. 216-217.

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cláusulas, prevalecendo aquelas que tenham sido especialmente negociadas, sem

afastar, quanto às restantes, a natureza e o regime legal próprios das cláusulas

contratuais gerais. Percebe-se, portanto, que a rigidez não constitui requisito jurídico

essencial, mas uma característica tendencial, que passa a ser relativizada tendo em

vista a proteção dos contratantes mais fracos, presumidamente vulneráveis, que

aceitam um ou outro método de contratação de massa.

2.4 NATUREZA JURÍDICA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

A indagação sobre a natureza jurídica dos institutos é comum nos campos da

dogmática jurídica. Por meio da comparação com institutos conhecidos, a

determinação da natureza passa então a ser a identificação de uma grande

categoria jurídica em que se enquadre o instituto em análise. E não só por meio de

uma análise conceitual, a determinação da natureza jurídica de um instituto deverá

ser feita mediante a determinação dos seus efeitos. A categoria jurídica a que se

chegar deverá exprimir sinteticamente um regime positivamente estabelecido.203

Falar sobre a natureza jurídica de um dado instituto representa, a rigor, o esforço em

melhor sistematizar, no campo do Direito, um fenômeno que não parece estar

catalogado nas categorias tradicionalmente assentadas. É o que se pretende fazer

com as cláusulas contratuais gerais.

Sob perspectivas opostas, duas teses fundamentais se formaram acerca da

natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais:204 para primeira corrente, as

cláusulas contratuais gerais seriam identificáveis às normas jurídicas (natureza

normativa). Para uma segunda corrente, as cláusulas contratuais seriam o contrato

(natureza contratual). Tais construções partem da observação de que tal fenômeno

representa um desvio do esquema normal do contrato. No segundo grupo, situam-se

quantos entendem que esse desvio não sacrifica a natureza contratual das cláusulas

contratuais gerais. Todavia, no primeiro grupo, estão os que nele vêem tamanha

distorção que, embora não subtraia do campo negocial, o desfiguraria como

contrato. Falemos um pouco dessas teorias, sem a preocupação das subdivisões e

nuanças de cada uma. 203 ASCENSÃO, José de Oliveira. Natureza jurídica. Enciclopédia Saraiva do Direito. p. 96. 204 "Con riguardo alle condizioni generali di contratto si pone il problema teorico di fondo se esse

abbiano natura negoziane, e cioè siano riconducibili al contenuto dell'accordo contrattuale ovvero se abbiano natura normativa". BIANCA, Massimo. Diritto Civile - il contratto. v. 3. p. 342.

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105

2.4.1 Teoria normativista

Os seguidores desta teoria sustentam que as cláusulas contratuais gerais seriam

equiparáveis à norma jurídica, devendo seu regime jurídico ser estruturado conforme

a lei. São vários os pontos de confluência entre a lei (em sentido material) e as

cláusulas contratuais gerais, quais sejam:205

i) dirigem-se à generalidade das pessoas não tendo destinatário unipessoal;

ii) não disciplinam uma situação concreta, determinada, mas situações

abstratas, hipotéticas, que, ao se concretizarem, provocam a eficácia da

respectiva norma;

iii) são predispostas, produzindo efeitos independentemente de

consentimento dos destinatários. O aderente fica vinculado às condições

gerais independentemente de seu consentimento, tal como ficaria em face de

normas supletivas destinadas a regular o negócio jurídico contratual à falta de

estipulação contrária pelos contratantes;

iv) normalmente tem vigência indeterminada;

v) a interpretação de seu conteúdo é uniforme, não varia de destinatário para

destinatário;

vi) devem respeitar o ato jurídico perfeito.

As doutrinas normativistas mais recentes tentam fundamentar a natureza normativa

das cláusulas contratuais gerais em sua equiparação a outras regulações emanadas

de instituições extra-estatais, cujo caráter vinculante resulta aparentemente difícil de

fundar no consentimento dos que a elas se submetem. A questão da vontade

unilateral, que para SALEILLES representava a justificativa para a não-aplicação do

regime contratual, já se encontra ultrapassado.

Alguns autores italianos, baseando-se na força vinculante de algumas cláusulas

contratuais gerais, sustentam a natureza normativa dessas cláusulas.

MASSIMO BIANCA206 afirma que as cláusulas contratuais gerais representam dado

da realidade normativa do ordenamento, considerando-as normas objetivas da

disciplina do contrato, originadas do poder normativo do predisponente. Segundo o

205 Relação idealizada por LÔBO, Paulo Luiz Netto . Condições gerais dos contratos e cláusulas

abusivas. p. 188. 206 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto, usi negoziali e principio di effetività. In: Realtà

sociale ed effetività della norma. p. 207.

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106

autor italiano, somente tendo em mente essa visão será possível um controle

jurídico adequado:

Vorrei fare seguito a quanto è stato detto dall'amico Lipari e dall'amico

Perlingieri a proposito del principio di effetività. Principio che ho qui inteso

richiamare in termini semplici, cioè, in termini d'esigenza d'un rilevamento

del <<fenomeno>> normativo che concerne le c.g.c. Tali termini

indubbiamente prospettano anche l' accertamento della concreta

applicazione della legge scritta ma esigono, comunque, un' integrale

visione delle regole di ordine effetivamente operanti. [...] Se aderendo a

questa esigenza di cogliere il significato normativo reale che attiene

all'esperienza delle c.g.c. si dovesse arrivare a questo risultato, cioè a

prendere atto che in definitiva al di là della formula della legge c'è

veramente in potere regolamentare dell'impreditore (sia esso o no abusivo),

allora si potrebbe forse impostare più utilmente il problema della ricerca

degli strumenti per una più congrua regolamentazione di tale esperienza (e

non voglio dire semplicemente strumenti di tutela del contraente debole).[...]

In altri termini, se si prende atto di una dimensione delle c.g.c, che supera

la pattuizione dei singoli rapporti, allora si traterà di trovare su un altro piano

rimedi più efficaci: cioè non al livello sporadico delle decisioni che può

prendere il giudice nel caso concreto ma su un piano che si misuri

direttamente col potere regolamentare dll'impreditore.

Como dito, os atuais seguidores da tese normativa não se preocupam mais em

caracterizar a vontade. Mudaram radicalmente o enfoque, entendendo seus atuais

formuladores constituir a melhor fundamentação para o controle abstrato e para o

caráter objetivo que terminou predominando no direito das cláusulas contratuais

gerais. O grande problema (e que ainda motiva uma série de críticas) é que os

seguidores dessa corrente não levam em consideração a relação contratual

subjacente.

Defendendo a natureza normativa nas cláusulas contratuais gerais, mas negando

estas como fontes de direito, é a posição de MARIA CONSTANZA,207 professora de

Direito Civil da Universidade de Milão, em artigo publicado em uma das primeiras

coletâneas sobre o assunto, organizada por MASSIMO BIANCA:

207 COSTANZA, Maria. Natura normativa delle condizioni. In: BIANCA, C. Massimo. Le Condizioni

Generali di contratto. v. 1. Milão: Giuffrè, 1979. p. 159.

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107

Piú che fenomeno contrattuale, dunque, le condizioni generali di contratto si

pongono come fatto normativo, come creazione di un ordinamento

giuridico, di una organizzazione di rapporti da parte di soggetti diversi da

quelli che instituzionalmente sono a ciò preposti: le emprese, o, piú in

generale, gli enti economici. Pertanto le c.g.c. representano un ordinamento

alternativo rispetto a quello legislativo, di produzione non statuale, ma

neppure di tipo individuale. Come le norme predisposte dallo Stato, esse,

infatti, sono dotate di un certo grado di astrattezza e di un potenziale di

utilizzabilità su vasta scala, ma d'altra parte non sono <<fonte di diritto>> se

non di fatto ed esclusivamente nell'ambito di operatività del soggetto che le

ha poste in essere. Del resto ciò è comprensibilie in un assetto pluralistico

come quello della società contemporanea, dove gra l'individuo e lo Stato

esiste l'ente colletivo, e dove di conseguenza sempre piú rapidamente si

sta ripercorrendo a ritroso il passaggio dallo <<status al contratto>>.

Assim, as cláusulas contratuais gerais emanariam do poder normativo do

predisponente. A autora observa, todavia, que no plano teórico permanece aberto o

problema da natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais, se elas são

aplicações de um poder normativo privado ou da autonomia negocial, sendo que a

atenção da doutrina, revela MASSIMO BIANCA,208 voltou-se decisivamente para um

outro aspecto, qual seja, o da tutela do aderente. Qualquer que seja a solução dada

ao problema da natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais, prevalece o

reconhecimento de que a posição do aderente não é tão protegida pelos tradicionais

remédios concedidos pela disciplina tradicional do contrato, o que, aliás, não poderia

ser diferente, uma vez que o aderente, por não ter a oportunidade de influir no

conteúdo do contrato quando da sua formação, acaba aderindo a cláusulas tidas

como abusivas, merecendo, portanto, a proteção da lei, o que vem ocorrendo com a

edição de novas normas de proteção do aderente, com as consubstanciadas nos

arts. 1.469-bis, 1.469-sexies do Código Civil italiano, introduzidos pela reforma

propugnada pela Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia. Mas, conclui o autor

italiano, limitar a considerar as cláusulas contratuais gerais como cláusula contratual

parece ser inadequado à realidade socioeconômica do fenômeno.

2.4.2 Teoria contratualista

208 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). In: Realtà sociale ed

effetività della norma. Milão: Giuffrè, 2002. p. 531-546.

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108

Os contratualistas, como a própria expressão revela, incluem as cláusulas

contratuais gerais na categoria dos contratos.

Valem-se da perspectiva unitária francesa: cláusula contratual geral e contrato de

adesão representam as duas faces do mesmo fenômeno. E, assim sendo, o ato de

adesão seria uma declaração de aceitar (aceitação), uma forma de consentimento,

não sendo a predisposição unilateral algo que descaracterizaria o contrato, já que é

comum um dos contratantes apresentar o instrumento do contrato pré-formulado ao

outro, que o aceita. Como cláusula contratual geral e contrato de adesão estão

umbilicalmente ligados, quando se fala de um deles está se falando da técnica

negocial do outro. Se o contrato de adesão é o veículo de implementação das

cláusulas contratuais gerais, a natureza jurídica deles se confundem.

Além disso, as cláusulas contratuais gerais não poderiam ser equiparadas à lei em

sentido estrito porque:209

i) a lei é editada por órgão público que detém titularidade de poder estatal e

competência legislativa, as cláusulas contratuais gerais são editadas por

quem exerce atividade econômica privada;

ii) a lei persegue a finalidade pública e o bem coletivo; as cláusulas

contratuais gerais perseguem finalidade privada;

iii) a lei incide (produz efeitos) sobre os fatos (suporte fático) e quando estes,

por ela mesma previstos, acontecem; as cláusulas contratuais gerais

dependem de integração a cada contrato individual para que produzam

efeitos concretos;

iv) a lei não precisa ser conhecida prévia e efetivamente para que possa ser

eficaz; a eficácia das cláusulas contratuais gerais depende do cumprimento

da prestação de meios de cognoscibilidade, por parte do predisponente;

v) o legislador não é parte interessada nos negócios jurídicos que à lei ficam

sujeitos, o predisponente é parte interessada em todos os contratos sujeitos a

cláusulas contratuais gerais;

vi) a lei (no Estado de Direito) assenta-se no princípio da igualdade; na

aplicação das cláusulas contratuais, favorece-se uma das partes (o aderente).

209 Observações de LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p.

189.

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109

O raciocínio da corrente contratualista parte do fundamento de que a autonomia

categorial das cláusulas contratuais gerais seria incompatível com o negócio jurídico,

que já absorve satisfatoriamente tal figura. Não podem ser confundidos com normas

ou preceitos, eis que são simples cláusulas contratuais.

Depois de apurada análise da natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais no

direito comparado,210conclui GARCIA AMIGO:211

Después de la exposición de cuanto antecede, la conclusión que se impone

es la de que en estado actual de nuestro Derecho positivo vigente, las

condiciones generales de contrato en todas sus manifestaciones no tienen

otro valor que el que les confiere el contrato de cuyo contenido normativo

forman parte - es decir, que aceptamos en toda su pureza y con todas sus

consecuencias la tesis contractual. Con ello quire significarse que antes de

ser contenido del consentimiento de las partes, las condiciones generales

no son nada juridicamente. [...] contrato es la única via posible para que los

particulares puedan autorregular sus proprias relaciones contractuales. [...]

Por todo ello, cabe concluir que las condiciones generales de los contrato

son un simple proyecto de lex contractus, y, como tal, no vinculante para

nadie.

Sendo contrato (ou parte dele), as cláusulas contratuais gerais deverão ser

interpretadas como os negócios jurídicos em geral (CC, art. 112), sendo o aderente

parte contratual concreta. Elas integram a oferta e seguem a sua sorte.

2.4.3 Teoria eclética

Talvez o chamado "recente retorno"212 dos adeptos da teoria normativista tenha

motivado o repensar da corrente contratualista, até então reconhecidamente

majoritária no direito comparado e brasileiro.

Para CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA,213 todavia, não parece

correta a tese de que as cláusulas contratuais gerais constituam um tertium genus,

uma declaração negocial de natureza especial:

210 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. Madrid: Revista de Derecho

Privado, 1969. p. 100-131. 211 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 162-164. 212 RIZO, Vito. Condizioni generali del contratto e predisposizione normativa. Camerino: Scientifiche

italiane, 1983. p. 29-33.

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110

[...] somos mais inclinados a crer, como já se viu, que as condições gerais,

uma vez emitidas e colocadas à disposição do público, isto é, levadas ao

conhecimento deste, por qualquer forma, integram uma proposta negocial,

do gênero de uma promessa irrevogável de contratar, gerando no aderente

um direito potestativo, de emitir a declaração de aceitação, não mais

podendo o estipulante eximir-se de contratar, naquelas condições

predispostas.

KARL LARENZ214 foi um dos grandes encorajadores da teoria normativista, mas

que, ao mesmo tempo, advertia que as cláusulas contratuais gerais não poderiam

ser consideradas verdadeiras normas jurídicas, abrindo caminhos para a adoção de

uma teoria eclética, sem qualquer tentação simplista que o ecletismo provoca. Para

o mestre alemão, as cláusulas contratuais gerais têm o caráter de normas, mas lhes

falta a eficácia normativa, a obrigatoriedade do direito objetivo, posto que nem

mesmo o empresário que as estabelece está facultado a criar direito:

Las condiciones generales de contratación no contienen una regulación

sólo para un caso concreto, sino para una generalidade de casos y para un

número indeterminado de negocios. Tienen, por lo tanto, el carácter de

normas. Pero les falta la validez normativa, la obligatoriedad del Derecho

objetivo, puesto que ni el empresario que las establece está facultado para

crear derecho, ni se trata de un derecho consutuedinario por faltarles el

requisito de la convicción jurídica predominante en la comunidad. Las

condiciones generales de contratación sólo adquieren vigencia, caso por

caso, cuando el cliente se somete a ellas. Mediante esta sumisión llegan

ser formalmente derecho contractual, que en el supuesto concreto

únicamente vincua a los contratantes, y ello en base a su acuerdo.

Pois bem. A tese normativa põe em relevo o ato de predisposição das cláusulas

contratuais gerais, a tese contratualista atribui relevo ao momento em que as

cláusulas contratuais gerais são integradas ao contrato. Percebendo a

complementabilidade das duas teorias, busca a teoria eclética uma solução fora dos

quadros parciais apresentados por elas.

213 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 152. 214 LARENZ, Karl. Derecho de obligaziones. v. 1 Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958.

p. 127.

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O maior defensor da teoria eclética em nosso país é PAULO LUIZ NETTO LÔBO.

Ele explica as razões da confusão entre as teorias:215

A confusão que se fez entre contrato de adesão e condições gerais

embaralhou os critérios distintivos, contribuindo para a dúvida ainda hoje

reinante. O direito alemão ignorou o contrato de adesão, e atribuiu

exclusividade às condições gerais. O direito francês ignorou as condições

gerais e atribuiu exclusividade ao contrato de adesão. As duas figuras,

entretanto, são individuais e interdependentes. O contrato de adesão é

negócio jurídico contratual concreto que adere às condições gerais. O

contrato de adesão só existe a partir do acordo que unifica oferta e

aceitação. Não há qualquer diferença de natureza jurídica substancial entre

ele e o contrato regular. Não se pode falar em predisposição de contrato de

adesão. Não há controle abstrato ou concreto da validade e da eficácia do

contrato de adesão, mas das condições gerais que ele suporta. A validade

do contrato de adesão rege-se pelas regras comuns dos negócios jurídicos

(nulidade, anulabilidade, deficiência). Do conteúdo do contrato de adesão

destacam-se as condições gerais que estão sujeitas a regras próprias de

validade (são abusivas ou não), de eficácia (se foram juridicamente

integradas ao contrato de adesão) e de interpretação (interpretação típica).

No contrato de adesão, a oferta é oferta ao público (fornecimento de bem

ou serviço) e a aceitação ocorre quando o aderente se determina pela

declaração ou pela utilização do bem ou serviço. O aderente não adere ao

contrato de adesão, porque antes do acordo não há contrato. Tampouco

adere às condições gerais. Estas são eficazes quando integradas ao

contrato individual, licitamente, até mesmo quando o aderente desprová-

las. [...] não se deve, pois, confundir eficácia concreta das condições

gerais, em um determinado contrato, com sua existência. O contrato não

dá vida às condições gerais; individualiza a eficácia. Esta eficácia, apesar

de delimitada pela relação jurídica concreta que se formou, tem alcance e

conteúdo típicos, idênticos a todos os demais contratos que derivam ou

venham aderir às mesmas condições gerais. Mais uma vez, recordamos o

exemplo analógico das normas dispositivas, que dependem de omissão

(falta de negociação em contrário) dos contratantes para ser eficazes

(incidirem), sendo antes existentes e válidas. [...] Se as condições gerais

fossem inexistentes antes da integração ao contrato, como se explicaria o

controle preventivo abstrato que atua no plano de validade? Condições

gerais são invalidades antes de se integrarem a qualquer contrato. Como

se invalidaria o que é inexistente? Portanto, as condições gerais existem e 215 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 197.

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são válidas ou inválidas (nulas) antes de sua integração aos contratos

individuais.

PONTES DE MIRANDA216 aproxima as cláusulas contratuais gerais da oferta ao

público. Segundo o autor:

Alguns negócios jurídicos bilaterais podem resultar de atitude ou de ato que

signifique manifestação de vontade do agente ou de outrem. As figuras

mais freqüentes são a das estradas de ferro, a dos ônibus ou dos bondes,

a das barcas e a dos outros transportes públicos. O problema é assaz

complexo e temos de evitar soluções apressadas que fornecem à

homogeneidade de construção o que é heterogêneo. A concepção mais

encontrável é a que considera o contrato de transporte como oferta ao

público, de modo que, em todos os casos, quem dêle se utiliza aceita.

Esta é a tese defendida por ANTEO GENOVESE.217 Em trabalho monográfico,

ocupa-se do exame das cláusulas contratuais na fase anterior à formação do

contrato, examinando se estas têm ou não natureza contratual. Para o autor, as

cláusulas contratuais gerais seriam uma declaração ao público, contendo a

expressão de uma vontade geral à medida que não só tendem a disciplinar

uniformemente uma pluralidade de negócios, endereçando a uma pluralidade de

sujeitos. Trata-se de uma declaração única, de caráter geral, não tendo o

predisponente que cuidar de dar a conhecer a cada interessado, por se tratar de

uma cognoscibilidade típica.

Com uma observação um pouco diferenciada, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA218

diz que:

Antes da inserção, as cláusulas contratuais gerais não são ainda parte do

contrato que se tem em vista e não é sequer certo que venham a ser

incluídas em algum contrato. Mas isto não implica que não tenham eficácia

jurídica. Em primeiro lugar, porque estão sujeitas a controlo jurisdicional

através da ação inibitória regulada pelos artigos 25 e seguintes. Em

segundo lugar, porque podem gerar a confiança dos destinatários quanto

aos seus aspectos favoráveis ou no sentido de que outras mais

216 PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado . t. 38. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p.

29. 217 GENOVESE, Anteo. Le condizioni generali di contratto. Pádua: Cedam, 1954. p. 120 e ss. 218 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I. Conceito. Fontes. Formação. 2. ed. p. 155.

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desfavoráveis não serão predispostas. Podem, mesmo quando

correspondam à plenitude do projecto contratual, ter a natureza de

propostas ao público. Em qualquer caso, a elaboração e a publicação das

cláusulas contratuais gerais é facto juridicamente relevante enquanto acto

preparatório da formação de contratos. Em si mesmas as cláusulas

contratuais gerais têm a potencialidade para, sem transformação

intrínseca, se actualizarem como parte do conteído de futuros contratos.

São portanto sempre enunciados contratuais gerais, isto é, enunciados

negociais com vocação para se integrarem numa pluralidade de contratos.

Criticando esta posição, pondera PAULO LUIZ NETTO LÔBO,219 insistindo que a

confusão entre os conceitos adesão e cláusulas contratuais gerais pode gerar a

unificação de figuras distintas:

A oferta, embora constituindo negócio jurídico unilateral autônomo, tem

vida efêmera,220 pois destina-se a formar com aceitação o acordo que dá

existência ao contrato. Esta é sua raison d'être: fundir-se com outra

declaração, extinguindo-se para dar existência a outro ser jurídico. A oferta

pode incluir condição em sentido estrito, termos, encargos, que não se

confundem com as condições gerais. A oferta ao público, embora

destinando-se à coletividade, é sempre concreta; não é abstrata

(fornecimento de determinados bens ou serviços). As condições gerais não

estabelecem vínculo porque nada ofertam, não integram a oferta. A

integração apenas se dá ao contrato individual quando ele se conclui.

Podem não ser integradas se a prestação de meios objetivos de

cognoscibilidade não for cumprida, apesar de incorporadas ao instrumento

do contrato. A oferta já vincula quando emitida. As condições gerais não se

extinguem quando o contrato se conclui, quando há o acordo, ao contrário

da oferta. Se o objeto é ilícito, nulo é o contrato, ao passo que a nulidade

das condições gerais em princípio não afeta a validade do contrato. A

oferta no contrato de adesão é oferta ao público e o contrato de adesão é o

219 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 200. 220 Sobre a questão da duração da oferta ao público, cumpre colacionar os ensinamentos de DARCY

BESSONE: "a questão da duração da oferta ao público não é destituída de dificuldades (...) O termo final constitui outro problema. Vivante considera a proposta persistente durante o tempo estabelecido no anúncio, ou determinado pela natureza do negócio. A publicação da revogação, quando a oferta for sem prazo, operará em relação ao futuro, mas não a respeito dos atos praticados por confiança na proposta. Tratando-se de proposta que, por sua natureza, deva ser considerada permanente, vigorará, enquanto não for retirada. Vivante fala, com razão, no senso jurídico do público, que confia na oferta e conta com a sua execução, para justificar a responsabilidade de que o ofende, perturbando, maliciosamente, o mercado com ofertas que não queria ou não possa manter. É de acordo com esse senso jurídico que as circunstâncias deverão ser ponderadas". BESSONE, Darcy. Do contrato. Teoria Geral. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 140.

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contrato onde se individualiza a eficácia das condições gerais. Essa

estreita interligação levou muitos a unificar as figuras.

Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,221 as cláusulas contratuais gerais são editadas

para regular o contrato de adesão e, por isso, antecedem a oferta ao público, tendo,

portanto, função distinta. Assim, conclui que as cláusulas contratuais gerais são atos

normativos-negociais, ou atos mistos típicos, levando em consideração o caráter

heterônomo dessas, eis que:

Não faz sentido a contraposição condições gerais–contrato, porque um tipo

não afasta outro; complementam-se. As condições gerais aproximam-se

analogicamente das normas jurídicas dispositivas, mas não têm a mesma

natureza. Não têm o bônus da lei, mas o ônus: devem ter o sentido que

beneficie a coletividade destinatária e não a quem editou. Daí serem

interpretadas segundo valores típico-sociais e tendo em vista um aderente

típico, abstrato, abandonando-se qualquer pesquisa de intenção das

partes. [...] As condições gerais tanto têm natureza de atividade, sob a

perspectiva do predisponente (função parcialmente normativa), quanto de

ato, sob a perspectiva do aderente (função parcialmente negocial). Têm

uma dimensão individual e uma dimensão coletiva. [...] Em suma, as

condições gerais são dotadas de natureza mista típica de ato normativo e

ato negocial, de atividade e de ato, localizando-se entre a norma jurídica e

o negócio jurídico, como regulamento contratual abstrato que pressupõe

validade, eficácia e interpretação típicas. O direito das condições gerais

fundamenta-se, de um lado, no controle da atividade do predisponente e,

de outro, na defesa e favorecimento do aderente, tendo por finalidade o

justo equilíbrio de direitos e obrigações entre ambos.

Concordamos com essa posição, situando as cláusulas contratuais gerais no meio

do caminho entre a norma jurídica geral e o negócio jurídico contratual. De fato, as

cláusulas contratuais gerais não são normas jurídicas, mas é possível uma aplicação

analógica com estas.

Também não podemos afirmar que, antes da integração ao contrato, a cláusula

contratual geral tem natureza de negócio jurídico contratual, ou ainda afirmarmos

que, antes da formação do contrato de adesão, estas devem ser consideradas

221 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 201- 203.

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inexistentes juridicamente. Antes de estarem inseridas nos contratos, elas podem

ser consideradas negócio jurídico unilateral.222

Atentos a esses detalhes, será possível entendermos o modo peculiar de

interpretação e de controle judicial das cláusulas contratuais gerais, que se

diferenciam, por tais razões, de um contrato individual, constituindo-se a melhor

fundamentação para o controle abstrato e para o caráter objetivo que hoje

predomina no direito das cláusulas contratuais gerais.

2.5 INSTITUTOS AFINS – DIFERENÇAS

As cláusulas contratuais gerais não se confundem com o contrato-tipo. Segundo o

art. 1.342 do Código Civil italiano,223 contrato-tipo é aquele que é concluído mediante

módulos ou formulários, podendo, por isso, levar a uma confusão com as cláusulas

contratuais gerais. 222 A definição de negócio jurídico, segundo AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio Jurídico -

existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 15, deve ser formulada do ponto de vista estrutural, ou seja, não deve se procurar saber como ele surge ou atua, mas o que ele é. Em concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide. A peculiaridade do negócio jurídico é que estando na dependência dos efeitos que foram manifestados como queridos, o direito, para realizar essa atribuição, exige que a declaração tenha uma série de requisitos, ou seja, que ela seja válida. Eis aí o plano da validade a se interpor entre existência e eficácia. Quando se fala em elemento do negócio jurídico, deve ser entendido tudo aquilo que compõe sua existência no campo do direito (p. 30). No âmbito do negócio jurídico temos i) elementos gerais, isto é, comuns a todos os negócios; ii) elementos categoriais, isto é, próprios de cada tipo de negócio; iii) elementos particulares, isto é, aqueles que existem em um negócio determinado, sem serem comuns a a todos ou certos tipos. Os elementos gerais são aqueles indispensáveis à existência de todo e qualquer negócio: a forma (que a declaração toma), objeto (isto é, seu conteúdo), e as circunstâncias negociais (aquele "quid" que faz com que uma declaração de vontade seja vista socialmente, como destinada à produção de efeitos jurídicos). Há também os elementos gerais extrínsecos, que são o também indispensáveis: o agente, lugar e tempo. Partindo dessas noções, podemos defender que, enquanto não inserido em um contrato individual, as cláusulas contratuais gerais são negócio jurídico unilateral. Como explica SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA, "todo negócio jurídico exige, como elemento essencial, a exteriorização de vontade dirigida a provocar uma consequência jurídica, chamada vontade do negócio. O negócio jurídico unilateral conteria somente a declaração de vontade de uma parte, como o testamento e a promessa pública, enquanto o negócio jurídico bilateral, ou contrato, conteria declarações de vontade correlativas e recíprocas de duas ou mais partes. A oferta seria uma dessas declarações de vontade que, uma vez aceita, forma o contrato. Por isso a oferta é qualificada como uma declaração de vontade receptícia. A oferta é uma das duas declarações de vontade necessárias à formação dos contratos". ROCHA, Silvio Luís. A oferta no Codigo de defesa do consumidor. São Paulo: Lemos Editorial, 1997. p. 38-39. Ver ainda ROCHA, Silvio Luís. Curso avançado de direito civil. v. 3 São Paulo: RT, 2002. p. 78.

223 "Art. 1342 - Contratto concluso mediante moduli o formulari - Nei contratti conclusi mediante la sottoscrizione di moduli o formulari, predisposti per disciplinare in maniera uniforme determinati rapporti contrattuali, le clausole aggiunte al modulo o al formulario prevalgono su quelle del modulo o del formulario qualora siano incompatibili con esse, anche se queste ultime non sono state cancellate (1370). Si osserva inoltre la disposizione del secondo comma dell'articolo precedente".

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Explica DARCY BESSONE:224 225

O contrato-tipo não é pactum de contrahendo, porque as partes não se

obrigam a contratar. É, antes, pactum de modo contrahendi, uma vez que

preestabelece conteúdo para os contratos que venham a querer concluir.

Distingue-se, pois, da promessa de contratar. [...] a principal diferença entre

o contrato tipo e o contrato de adesão é fornecida pela bilateralidade ou

unilateralidade de sua criação. O primeiro é formulado por acordo das

partes, como conteúdo prévio de eventuais contratos futuros, ao passo que

o segundo é elaborado por uma só das partes, cabendo à outra tão-

somente aderir ao contexto unilateralmente preparado.

FRANCESCO MESSINEO,226 por sua vez, faz algumas observações sobre o

contrato-tipo em contraposição com o contrato de adesão (composto por cláusulas

contratuais gerais), mas, no fim, reconhece não ser fácil a distinção entre tais

figuras:

il contratto-tipo è il frutto dell'opera concorde delle due parti (e, quindi, è

necessariamente noto ad entrambe, sì che nessuna dovrebbe restarne

pregiudicata, per ignoranza del su contenuto); e constituisce uno schema

concreto, che è destinato a disciplinare una serie di contratti [....]. Dal punto

di vista statistico, ocorre dire che, di regola, il contratto-tipo è bilaterale, in

quanto frutto di collaborazzione (preceduta da dibatti e a parità di

condizioni) gra le parti. [...] Non è agevole fissare la distinzione interna tra

contratto-tipo e contratto per adesione. Le due figure non si differenziano

sotto l'aspetto della ,,fissità>> del contenuto; come tali, ainzi, esse sono

analoghe e si contrappongono entrambe al contratto a contenuto variabile

[...] L'altra differenza – strutturale o formale – va risposta, probabilmente,

nel fatto che lo schema del contratto-tipo constituisce il risultato d'una

elaborazione del contenuto di esso, condotta – a parità di condizioni – dai

224 BESSONE, Darcy. Do contrato. Teoria Geral. p. 61. 225 Expondo o que seria o contrato-tipo, sem, contudo, apresentar uma distinção segura com as

cláusulas contratuais gerais, MÁRIO DE CAMARGO SOBRINHO: "Nos contratos-tipo a técnica de formação é análoga. É comum, hoje em dia, as partes recorrerem a fórmulas tipo, que servem de modelo para os contratos que pretendam concluir entre elas. Encontram-se impressas nas livrarias, nas bancas de revistas, à disposição de quem as queira utilizar. Formas prontas dos mais variados contratos, como, por exemplo, os contratos de locação. Podem ser elaborados pelas empresas ou pela Administração Pública, para servirem de modelos para futuros contratos." SOBRINHO, Mário de Camargo. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação específica. São Paulo: Lex Editora S.A., 2000. p. 61.

226 MESSINEO, Francesco. Il contratto in genere. v. XXI, t. I. Milão: Giuffrè, 1973. p. 680 e 682.

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117

raprresentanti delle due categoria di futuri contraente interessati; laddove lo

schema del contratto per adesione è elaborato sempre dalla sola parte, che

abbiamo designato como economicamente più forte e dove, quindi, vi ha

disparità di condizioni. Pertanto, se anche il contratto-tipo fosse elaborato, e

il suo contenuto fosse prestabilito, da una sola delle parti, esso

coinciderebbe con il contratto per adesione.

O contrato-tipo pode não ser predisposto unilateralmente, podendo as partes que o

utilizam consentir e negociar todos os seus termos. O contrato-tipo é padronizado,

mas não é imposto por uma parte à outra. A possibilidade de alteração, impossível

nas cláusulas contratuais gerais, caracteriza o contrato-tipo, que pode ser alterado

sem quebra de sua substância, pelas partes que o estabelecerem em declaração

comum.

Mas é errado pensar que o contrato-tipo é um modelo facultativo. Pode a lei ou ato

administrativo impor uma fórmula tipo de contrato. Exemplo que pode ser citado é a

exigência do art. 18, VI, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979),

que subordina o registro do loteamento ou desmembramento à juntada de "exemplar

de contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de

cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta

lei".

As cláusulas contratuais gerais também não podem ser confundidas com a

convenção coletiva ou com o acordo normativo,227 concluído entre entidades

representantes de categorias econômicas opostas e destinado a fixar um

regulamento uniforme e abstrato das relações jurídicas do setor, prevenindo ou

regulando conflitos de interesses. Por não serem unilateralmente predispostas, por

terem a função de regulamento de lei (não se destinando à integração de contratos),

227 Sobre a definição de "acordo", importa trazer a manifestação de EMILIO BETTI: “O negócio

(bilateral ou plurilateral) de interesses opostos ou divergentes é o contrato; pelo contrário, o negócio (sobretudo o plurilateral, mas também o bilateral), com interesses paralelos ou convergentes para um escopo comum, costuma qualificar-se como <<acordos>>, no sentido mais restrito que, doutrinariamente, se convencionou dar a este termo. Para compreender bem a distinção entre o contrato e acordo em sentido estrito, é preciso ter em conta a relatividade destas qualificações. << Contrato>> e <<acordo>> não designam categorias de negócios claramente antitéticas (que elas não são antitéticas, é logo demonstrado pela simples reflexão de que o acordo, no sentido lato, é o primeiro requisito do contrato: art. 1325, n. 1, do Cód. Civil)”. BETTI, Emilio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. t. II. Coimbra: Coimbra editora, Trad. Fernando de Miranda, 1969. p. 198.

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por terem eficácia imediata e serem passíveis de negociação, não podem ser

confundidos com as cláusulas contratuais gerais.

RUY CIRNE LIMA,228 em curto parecer publicado na Revista de Direito Civil, explica

que os acordos normativos possuem conteúdo exclusivamente normativo, com

aplicação ao status que, pela submissão às mesmas normas, atribui ao co-

contratante.

PAULO LUIZ NETTO LÔBO229 dá como exemplo de convenção coletiva não só a

convenção coletiva de trabalho, mais comum nos dias de hoje, mas também a

convenção coletiva que disciplina a concessão comercial entre produtores e

distribuidores de veículos automotores de via terrestre, prevista na Lei n. 6.729/1979

que, no seu art. 17, determina que a convenção coletiva celebrada entre fabricantes

e concessionários, por intermédio de entidades representativas, terá força de lei por

ser aplicável também a quem dela não participou diretamente, desde que

pertencente a uma das categorias econômicas.

Há de se destacar, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 107,

introduz a possibilidade de convenção coletiva de consumo como meio de solução

de conflitos coletivos em que fornecedores e consumidores, por intermédio de suas

entidades representativas, estabelecem condições para certos elementos da relação

de consumo, de modo a atuarem nos contratos individuais ("meio de regular

condições"). Independem de integração contratual para produzirem efeitos.

2.6 EXEMPLOS DE INCIDÊNCIA CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

As cláusulas contratuais gerais são encontradas em diversos ramos de atividade,

recebendo a alcunha de "normas gerais" ou, como é mais comum, de "condições

gerais" e que, na maioria das vezes, são de difícil acesso aos destinatários da

aceitação.230

228 LIMA, Ruy Cirne. Contrato e acordo normativo. Revista de Direito Civil, São Paulo, RT, ano 7, n.

26, p. 179-180, out./dez. 1983. 229 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 44. 230 Na contratação do serviço de provedores de internet é comum a cláusula contratual no seguinte

sentido: "a aceitação total das condições, regras e normas descritas neste regulamento, assim como das disposições constantes nas 'condições gerais de contratação do serviço X banda larga’, no contrato da operadora, no plano participante escolhido, bem como das demais regras e condições contratuais aplicáveis". Em regra, estas cláusulas contratuais gerais não se encontram escritas em nenhum lugar do site. Nos bilhetes de passagem aérea, as transportadoras declaram

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Em todas as atividades econômicas voltadas a uma infinidade de negócios

(instituição financeira, instituição de seguro e previdência, franquias, cartões de

crédito, vendas por mala direta, leasing, fornecimento público de luz, telefone, água,

gás, correios, transporte de pessoas e coisas etc.) o predisponente faz remissão às

cláusulas contratuais gerais que integrarão o contrato a ser celebrado. Em grande

parte das situações, são feitas restrições aos direitos dos aderentes, adaptando as

cláusulas em conformidade com a atividade desenvolvida, sem deixar de serem

feitas, aliás, referências aos artigos do Código de Defesa do Consumidor. Não é

possível catalogarmos todas as situações em que elas incidem, o que não impede,

todavia, de ilustrarmos algumas situações encontradas na prática em que a

juridicidade das cláusulas contratuais gerais são questionadas nos tribunais.

É muito comum nos depararmos com cartão-proposta de algum tipo de seguro,

impondo, sem que a maioria dos futuros segurados saiba, a outorga de procuração

ampla ao estipulante com "direito de agir em seu nome no cumprimento e na

alteração de todas as cláusulas gerais e especiais".

Essa disposição, com algumas variantes, também pode ser encontrada no contrato

de adesão referente à prestação dos serviços de distribuição de gás canalizado. No

Estado de São Paulo, por exemplo, no contrato oferecido pela Companhia de Gás

de São Paulo (CONGÁS), a cláusula nona dispõe expressamente caber à

predisponente dirimir toda e qualquer divergência oriunda do contrato, alterando-o,

caso necessário.

No mesmo contrato, podemos encontrar a cláusula geral que autoriza a

predisponente a suspender o fornecimento de gás, sem aviso prévio, por razões de

ordem técnica ou de segurança, e com aviso prévio, por falta de pagamento da

fatura de gás, depois de decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias para o segmento

residencial e 30 (trinta) dias para os demais segmentos (cláusula quinta).

Mais comum é a utilização das cláusulas contratuais gerais em licitações, apontando

as características do futuro contrato a ser celebrado.

que se reservam o direito de recusar o transporte de qualquer pessoa que tenha adquirido um bilhete em violação às leis aplicáveis ou a tarifas, "normas e regulamentos do transportador”. As normas e regulamentos do transportador não estão transcritos no bilhete.

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120

Nos contratos de emissão e utilização de cartão de crédito, o aderente declara que

dará por reconhecida e aceita a exatidão da prestação de contas e da liquidez do

débito, se não reclamar num prazo determinado a partir do vencimento do extrato

mensal, sem qualquer ressalva para atraso de entrega do extrato, nomeando foro da

sede da administradora do cartão para dirimir as controvérsias entre o aderente e o

predisponente. Nas cláusulas contratuais gerais envolvendo serviços de cartão de

crédito, é comum a estipulação de multa de 100% por uso indevido do cartão. Nos

casos de seguro de automóveis, consta de algumas cláusulas contratuais gerais de

alguns contratos previsão de multa de 100% sobre o valor de franquia paga ao

segurado em caso de inexatidão de informações fornecidas no ato da contratação.

Nas cláusulas contratuais gerais de apólice de seguros de automóveis, por sinal, a

relação de danos não coberta pelo seguro deixa a impressão de restarem poucas

hipóteses de danos indenizáveis. No caso de cancelamento do contrato, o segurador

reterá, do prêmio recebido, uma parte proporcional ao tempo decorrido, para cobrir

"despesas operacionais".

Como afirmamos em linhas anteriores, nada impede que a autoria intelectual das

cláusulas contratuais gerais seja feita por um grupo de empresas. A título de

exemplo, podemos citar um acordo de acionistas entre fundos de investimentos por

meio do qual são estipuladas cláusulas contratuais gerais para investimento em

ações, aquisição de participações relevantes em empresas, bem como a aferição de

lucro para seus investidores, por intermédio de uma gestão influente e controlada,

pela venda dos ativos que compõem sua carteira por preços superiores àqueles

pelos quais os adquiriu, ao final do prazo de duração do fundo. Como afirma RENAN

LOTUFO,231 em parecer específico sobre esta questão, ainda que o regime jurídico

do fundo seja especial, e não regulado pelo nosso direito positivo à época da oferta

feita, tem-se que o negócio se originou sob a forma da invitatio ad oferendum, ou

seja, ofereceu-se a oportunidade de quem quiser vir a manifestar vontade no mesmo

sentido, mediante adesão ao que estava previamente fixado como causa final. O

que estava estabelecido são as cláusulas gerais, que não ficam submetidas à livre

negociação com os interessados em aderir ao contrato, o exercício de sua

231 Ver parecer do Professor RENAN LOTUFO, juntado na Ação judicial n. 2004.001.038.949-7, em

curso perante a 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro. Inédito.

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121

autonomia privada fica limitado aos elementos concretos de sua identidade e do

valor que querem investir, pois o caso é de fundo de investimento especial.

Nas cláusulas contratuais gerais de shopping centers, na maioria das vezes

registradas em Cartórios de Títulos e Documentos, podemos encontrar, de forma

expressa, cláusula obrigando o aderente lojista a manter a loja aberta (ou fechada)

nos dias e horários estabelecidos pelos proprietários do shopping. Também pode ser

encontrada previsão autorizando o acesso dos funcionários do proprietário do

shopping aos livros contábeis e ao caixa do aderente, pelo tempo que julgarem

necessário, com o fim de controlar a atividade econômica, fiscalizando sua

compatibilidade com o restante dos negócios e as perspectivas econômicas daquele

empreendimento.

Os contratos de incorporação imobiliária também são precedidos do uso de

cláusulas contratuais gerais. Algumas dessas cláusulas autorizam o incorporador a

alterar, unilateralmente, o projeto apresentado ao adquirente. Também é comum que

algumas cláusulas transfiram os riscos e a responsabilidade do empreendimento

para o adquirente da unidade autônoma, ou cláusulas determinando a perda total ou

parcial das prestações pagas pelo adquirente da unidade autônoma.

Por enquanto, não cabe analisar se há ou não abusividade em tais situações. Aliás,

é importante dizer desde já que, ao contrário do que se pode pensar, com a

proliferação dos estudos consumeristas, é que nem todas as cláusulas contratuais

gerais são consideradas abusivas.

Outros exemplos de utilização das cláusulas contratuais gerais serão dados no

curso deste trabalho.

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122

3

AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO

3.1 INTRODUÇÃO

Este capítulo é destinado a tecer um panorama geral das legislações específicas

sobre as cláusulas contratuais gerais em diversas partes do mundo, sem prejuízo de

novas (e inevitáveis) abordagens acerca do direito estrangeiro no curso do trabalho,

em especial, no item sobre o controle das cláusulas contratuais gerais consideradas

abusivas. Frise-se, no mais, que a pretensão aqui não é o estudo pormenorizado de

direito comparado, mas sim apontar, ainda que brevemente, algumas das mais

importantes legislações sobre as cláusulas contratuais gerais ao redor do mundo.

3.2 DIREITO EUROPEU. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA DIRETIVA N. 13, DE 05.04.1993

De acordo com ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, 232 durante o século XX, o

tratamento das cláusulas contratuais gerais se desenvolveu em quatro fases no

continente europeu.

Inicialmente, aplicavam-se regras gerais para se resolver os problemas advindos da

existência de cláusulas contratuais gerais nos contratos. A falta de uma legislação

específica passou a ser sentida, uma vez que as cláusulas contratuais gerais

definem uma maneira diferenciada de formação dos contratos.

Nesse primeiro período, conseguiu-se uma autonomização jurisprudencial que,

conjuntamente com o estudo doutrinário desenvolvido, que buscava soluções

adequadas ao regime próprio das cláusulas contratuais gerais, fez que o legislador

positivasse regras específicas para proteção dos contratantes. Destacaram-se

regras atinentes à exclusão de cláusulas não conhecidas pelo aderente e à

invalidação de cláusulas despropositadas, isto é, que estivessen fora da

normalidade e frustrassem os objetivos do negócio.

As cláusulas contratuais gerais passaram a sofrer regulação em pequena escala, o

que pode ser retratado pela positivação do art. 1.341 do Código Civil italiano,233

232 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português. I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed.

Coimbra: Almedina, 2005. p. 600.

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123

insuficiente para tutelar os contratantes ou viabilizar seu conhecimento daquilo que

estava sendo contratado. Muitos contratos regidos por cláusulas contratuais gerais

se formavam por comportamentos concludentes, de forma que o conhecimento das

cláusulas pelo aderente nem sempre era possível. Ademais, ainda que se

reconheçam a inconveniência e os abusos de certas cláusulas predispostas, muitas

vezes o aderente pode preferir aceitá-las, seja por necessidade, seja por

conveniência, a fim de evitar conseqüências que possam se originar em razão de

sua discordância.

Assim, afigurou-se necessária a regulamentação do tema das cláusulas contratuais

gerais por uma legislação mais ampla, que se ocupasse não só da forma de

contratação, mas que passasse a cuidar do conteúdo dos contratos que as

contivessem.

Em 16 de novembro de 1976, foi adotada pela Comunidade Européia (Conselho da

Europa) a Resolução n. 47, que cuidou de condições gerais abusivas nas relações

de consumo e de formas de seu controle. Essa resolução serviu como estímulo ao

desenvolvimento de legislações que regulassem a matéria. Para esse diploma legal,

seriam cláusulas contratuais gerais abusivas aquelas que geram desequilíbrio de

direitos e obrigações que gerem prejuízo ao consumidor. Tais idéias serão

desenvolvidas no próximo capítulo.

233 De acordo com EWOUD H. HONDIUS a lei polonesa de obrigações, editada em 1933, foi a

primeira norma reguladora de condições gerais. HONDIUS, Ewoud H. Il controllo sulle condizioni generali nel diritto olandese. BIANCA, Massimo. (Coord.). Le condizioni generali di contratto. p. 407 e ss. Essa lei precedeu a previsão sobre condições gerais conferida pelo Código Civil italiano, de 1942, o qual foi o primeiro diploma codificado a tratar do assunto. GOMES, Orlando. Contrato de adesão. p. 131, noticia, ainda, a existência de previsão no Código Civil da Etiópia, de 1960, que, em seus artigos 3135, também tratou do tema. Esse código divide as cláusulas contratuais gerais em três espécies: i) condições gerais para contratos administrativos; ii) condições gerais para os contratos privados aprovados pela Administração Pública; iii) condições gerais para os contratos privados não aprovados pela Administração Pública. Este Código também é trabalhado por M. GARCIA-AMIGO, em seu Condiciones generales de los contratos. p. 53. Na esteira de outras legislações, nos Estados Unidos foi editado, em 1975, o “Magnusson-Moss Warrranty – Federal Trade Comission Improvement Act”, também chamado “Warranty Act”. À época, foi considerada um “bill of rights” dos consumidores. Buscou assegurar o direito à informação dos consumidores, possibilitado pelo emprego de vocabulário simplificado nas condições gerais, acessível a esse público. Além disso, o “Warranty Act” definiu formas de controle, adotando um sistema misto – administrativo e judicial, o primeiro exercido pela “Federal Trade Comission” e o segundo por meio de propositura de “class actions” (ação que visa a assegurar direitos difusos). O foco do “Warranty Act” são as cláusulas de garantia, tidas como instrumento contra condições gerais abusivas. Para tanto, além de prever o uso de uma linguagem clara na redação dessas cláusulas, elencou ainda um rol exemplificativo de cláusulas abusivas. As características das cláusulas contratuais gerais nos Estados Unidos serão retomados quando do estudo das cláusulas abusivas.

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124

Por tal resolução, foi estabelecido que os Estados-membros deveriam criar

instrumentos legais efetivos contra cláusulas contratuais gerais abusivas inseridas

nas relações de consumo, de forma a prevenir sua introdução nos contratos,

principalmente quando ficasse evidente a impossibilidade de o consumidor influir no

seu conteúdo. Enfatize-se que o referido diploma legal pugnava para que fossem

instituídos meios que permitissem ao consumidor o conhecimento prévio das

cláusulas contratuais gerais.

Não havia na Resolução n. 47 formas bem definidas de controle, sistematizadas,

mas ela já fornecia subsídios para que ele acontecesse (como a existência de

procedimentos judiciais céleres e com valor acessível – no caso de controle

repressivo – e a criação de um órgão administrativo ou judiciário para evitar que a

inserção de cláusulas abusivas acontecesse – na hipótese de controle preventivo).

Essa resolução teve grande repercussão nos Estados-membros da Comunidade

Européia, que passaram a legislar, internamente, sobre o assunto.

Em um momento posterior, principalmente a partir da década de 1980, criou-se,

aliada à noção das cláusulas contratuais gerais, a idéia de tutela do consumidor. No

dizer de MENEZES CORDEIRO:

A tónica da generalidade, que primeiro justificara as intervenções

legislativas correctoras, veio a ceder espaço à da pré-formulação: trata-se

dum esquema indirecto destinado a proporcionar, dentro de cada contrato,

a sindicância directa à luz do Direito do consumo.234

Concretizando esse entendimento, foi editada a Diretiva n. 13, em 05 de abril de

1993, pela Comunidade Econômica Européia (CEE). Esse regulamento buscou: i)

uniformizar a legislação sobre cláusulas contratuais gerais nos países que compõe a

Comunidade, a fim de estimular a livre concorrência, já que as empresas passariam

a se comportar de acordo com um regramento mais unificado, o que facilitaria sua

atuação no mercado e ii) introduzir a temática dos direitos do consumidor, em razão

da sua hipossuficiência diante dos agentes econômicos. Assim, tendo em vista as

disparidades das legislações dos diversos Estados-membros e entendendo que eles

deveriam legislar no sentido de se evitar cláusulas abusivas, estabeleceu-se uma

234 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed. p.

604.

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diretiva mínima pela qual os Estados poderiam dispor mais, e não menos, do que ali

se declara.

Diversas críticas foram feitas às suas disposições. MENEZES CORDEIRO as

enumera.235 A primeira delas é que adotou a nomenclatura “cláusulas abusivas”,

perfilhada ao Direito francês. Ademais, misturou os conceitos das cláusulas

contratuais gerais com o dos contratos pré-formulados e com o de contratos de

adesão. A Diretiva comunitária relativa a cláusulas abusivas tem como alvo

cláusulas contratuais que não tenham sido objeto de negociação individual (art. 3º,

inc. I), independentemente de essas cláusulas merecerem ou não a qualificação de

cláusulas contratuais gerais, o que ocasionou inúmeros problemas de aceitação da

Diretiva, como em Portugal. A diretiva aplica-se, portanto, a todos os contratos de

adesão, abrangendo não só os contratos padronizados por cláusulas contratuais

gerais, como também contratos individualizados contendo cláusulas

especificadamente concebidas por uma das partes para a aplicação em determinado

contrato.

Para o autor português, esta diretiva usou conceitos, como o da boa-fé, que

demonstram uma dificuldade em serem aplicados uniformemente nos diversos

países componentes da comunidade. Apesar dessas críticas, entretanto, a Diretiva

n. 13/1993 influenciou as legislações no sentido de expandir seu alcance.

3.3 CÓDIGO CIVIL ITALIANO

O primeiro artigo que disciplinou o assunto no Código Civil italiano foi o art. 1.341,

que ainda aborda os critérios de eficácia e traz uma lista das cláusulas consideradas

abusivas, as quais não são nulas de pleno direito, e sim ineficazes. Poderão ser

tidas por eficazes se forem aprovadas por escrito, conforme a previsão do parágrafo

único do mesmo artigo. No entanto, verifica-se que, nesta parte, tal disposição do

Código Civil italiano conduz ao direito contratual comum. É trazida a idéia de

consentimento, própria dessa área de estudo.

PAULO LUIZ NETO LÔBO236 informa que houve um afastamento dessa disposição

literal da lei, negando validade à hipótese de aprovação por escrito quando as

235 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed. p.

605. 236 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 95.

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circunstâncias do caso conduzirem à conclusão de que não havia, de forma efetiva,

esse conhecimento e a posterior aceitação. Essa previsão permitiu que as decisões

judiciais, nos primeiros anos de vigência desse código, favorecessem fortemente os

predisponentes, que eram protegidos pela “presunção legal de cognoscibilidade do

aderente”.237

O segundo artigo que regula a matéria é o art. 1.342, que cuida dos contratos feitos

com o uso de formulários (contratos-tipo), isto é, modelos predispostos para regular

contratos posteriormente celebrados de modo uniforme, cuja distinção já foi por nós

apresentada.

Em 1996, adaptando-se à Diretiva n. 13/1993, foi inserido o Capítulo XIV-bis ao

Código Civil italiano no Livro do Direito das Obrigações, criando-se os arts. 1.469-bis

(Clausole vessatorie nel contratto tra professionista e consumatore); 1.469-ter

(Accertamento della vessatorietà delle clausole); 1.469-quater (Forma e

interpretazione); 1.469-quinquies (Inefficacia); 1.469-sexies (Azione inibitoria)238. As

disposições da diretiva foram pura e simplesmente incorporadas ao novo texto legal

citado: definição da cláusula abusiva, critério para determinação da abusividade da

cláusula, enumeração taxativa das cláusulas que se presumem abusivas, deixando

o ônus da prova em contrário a cargo do estipulante das cláusulas contratuais

gerais.

3.4 AGB-GESETZ ALEMÃ E O BGB

A AGB-Gesetz (Lei sobre as condições gerais dos negócios da Alemanha), de 1976,

influenciou a criação de novas leis em diversos países, inclusive a edição da própria

Diretiva Européia. Essa repercussão deu-se inclusive no Brasil, no Código de

Defesa do Consumidor. No entanto, na reforma do BGB em 2001/2002, pela Lei de

Modernização do Direito das Obrigações, que teve como objetivo adaptar a lei

237 BIANCA, C. Massimo, em sentido contrário, defendendo a disposição do Código Civil italiano: “La

circostanza che l’aderente abbia effettiva conoscenza delle clausole vessatorie non gli consente comunque di discuterle. Le condizioni generali sono predisposte proprio per evitar ela negoziazione del contenuto del contratto e quindi, di regola, l’aderente no ha altra scelta che accettare o rifiutare il contratto cosi come esso è predisposto. Ma anche questa scelta è in realtà illusoria già per lê tendenze degli imprenditori del settore ad utilizzare teste analoghi di condizioni generali. Condizioni Generali di Contratto.Diritto comparato e straniero”, em “Realtá sociale ed effettività della norma”, Scritti Giuridici, volume secondo – “Obligazioni e Contratti Responsabilità”, t. II, Giuffrè Editore, 2002. p. 518.

238 Capo aggiunto dall'art.25, l. 6 febbraio 1996, n.52, in attuazione della direttiva 93/13/CEE .

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nacional às novas estipulações de diretivas comunitárias, bem como harmonizar

previsões gerais e especiais em matéria de inadimplemento, a exemplo do que

ocorreu com a Lei Scrivener, na França, teve por bem transpor a matéria tratada

pela lei para um Código, mas agora não ao de consumo, mas a um código civil.

Nessa transposição, as disposições da AGB- Gesetz pouco foram modificadas.

MENEZES CORDEIRO,239 ao discorrer sobre a opção legislativa inicial pela inserção

do conteúdo da AGB-Gesetz em lei autônoma, e não no corpo do BGB, e só

posteriormente no código, afirma:

O AGBG fora adoptado como lei autónoma por duas razões: pelo respeito

que se decidiu tributar à velha concepção liberal do BGB e pela idéia de

que, no fundo, se trataria de mero diploma marginal, virado para uma franja

de contratos. O primeiro aspecto é reversível: o respeito pelo BGB

justificaria que o mesmo fosse mantido em vida, sendo actualizado. O

segundo foi refutado pelos factos: a grande maioria dos contratos passa,

hoje, por cláusulas contratuais gerais, de tal modo que, em termos

quantitativos, o próprio BGB acabaria por ser uma ‘lei franja’. Optou-se,

pois, pela integração do AGBG no BGB. Consubstancia-se uma solução

propugnada na altura, mas que não deixou de encontrar oposição; tratar-

se-ia de uma iniciativa-surpresa, totalmente inesperada; o AGBG nem seria

uma lei relativa a consumidores; não haveria, finalmente, qualquer défice

de aplicação.

A existência da cláusula geral da boa-fé permite que se estabeleça um controle de

cláusulas contratuais gerais baseado no sistema de cláusulas gerais, garantindo ao

julgador o poder de reconhecer a abusividade, ainda que as cláusulas contratuais

gerais não constem nas listas de cláusulas abusivas.240

239 CORDEIRO, António Menezes. Da modernização do Direito Civil. I – Aspectos Gerais. p. 120-121. 240 C. MASSIMO BIANCA, ao tratar das mudanças empreendidas pela “AGB-Gesetz”, discorre sobre

o § 9 desse diploma (hoje equivalente ao § 307, I: “Momento importante di questa riforma è l’ampiezza del richiamo al principio della buona fede. Questo principio è già fattivamente operante nell’ordinamento, ma il suo richiamo sta a sottolineare il riconoscimento attribuito al potere discrezionale del giudice nel valutare il rapporto secondo criteri di giustizia sostanziale al di là del contenuto del contratto”. BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero. In: Realtá sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo – Obligazioni e Contratti Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 522.

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128

Ocupou-se a legislação de tentar assegurar que o aderente pudesse conhecer as

condições gerais antes de externar o seu consentimento.241 Foram estabelecidas

ainda como regras condutoras da interpretação de cláusulas abusivas a prevalência

do acordo individual e a interpretatio contra stipulatorem.

Uma crítica que se faz à AGB-Gesetz (e hoje ao BGB) é a ausência de previsão de

um sistema de controle administrativo preventivo. Quanto ao controle preventivo,

são previstas ações inibitórias ou de retratação para quem, respectivamente, aplica

ou recomenda o emprego de cláusulas abusivas. Essas ações têm por objetivo elidir

a utilização de cláusulas contratuais gerais abusivas.

Não são acobertados os direitos das sucessões e das sociedades, bem como certos

tipos de fornecimento de serviços públicos e produtos. Estão excluídas também as

cláusulas contratuais gerais usadas por pessoa jurídica de direito público e por

comerciantes, se elas forem praticadas habitualmente por força do ramo da

atividade. Os direitos do trabalho, antes excluídos da proteção conferida pela ABG-

Gesetz, passaram a ser abarcados quando houve a sua transposição para o BGB.

Temos, portanto, que no Livro 2 (Direito das relações obrigacionais), Seção 2

(Configuração das relações obrigacionais mediante cláusulas contratuais gerais) do

Código Civil alemão, foram reguladas as previsões acerca desse tema, antes em lei

especial. No § 305, repete o BGB a definição do que vem a ser cláusulas contratuais

gerais. No § 305b, prescreve o Código sobre a prevalência dos acordos individuais

sobre o regramento genérico, em clara adesão ao disposto na Diretiva Européia. No

§ 307, tece explicações sobre o controle de conteúdo das cláusulas contratuais

gerais.

241 “La riforma tedesca si occupa anche dell’aspetto dei requisiti de inclusione delle clausole nel

contenuto del contratto, richiedendo che esse siano indicate espressamente dal predisponente o, se cio è particolarmente difficile, che esse siano rese chiaramente visibili nel luogo di conclusione del contratto. L’aderente deve comunque avere assicurata la possibilita (in zumutbarer Weise), e deve essere d’accordo su di esse. In tal modo, è stato affermato , la riforma tedesca avrebbe respinto il principio italiano dell’inclusione della clausula nel contratto in base al principio della sua << conoscibilità>> da parte dell’adererente. La riforma risponde allá specifica esigenza di tutela dei consumatori e, seguendo la tendenza rilevata in altre riforme, è destinata ai contratti in cui l’aderente no è um imprenditore nell’esercizio della sua attività professionale. Ache ai contratti fra imprenditori trova per altro applicazione la clausola generale che sancisce l’inefficacia delle clausole che pregiudicano sproporzionatamente l’aderente in contrasto col principio di buona fede”. BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero. In: Realtá sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo – Obligazioni e Contratti Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 523.

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129

No regramento da matéria hoje feito no BGB, foi definida como princípio basilar da

eficácia e da interpretação das cláusulas contratuais gerais a cláusula geral de boa-

fé, consignada no § 307, I, (equivalente ao § 9, 1, da AGB-Gesetz) do supracitado

diploma legal, sob o nomen juris Inhaltskontrolle (controle de conteúdo). O texto

desse parágrafo veda a estipulação de cláusulas que gerem ao aderente

desvantagem desarrazoada.

No § 308, estão enumeradas as cláusulas anuláveis, com a possibilidade de

valoração do julgador segundo o caso concreto, mantendo o que a doutrina

denomina de lista cinza. Já no § 309, traz o BGB o elenco das cláusulas proibidas,

sem possibilidade de valoração pelo magistrado, denominada lista negra. No § 310,

restringe o BGB o âmbito de aplicação das cláusulas contratuais gerais.

3.5 UNFAIR CONTRACTS TERMS ACT NA INGLATERRA

Na fase anterior à Diretiva Comunitária, existia na Inglaterra o Unfair Contract Terms

Act – UCTA, de 1977. Em período posterior, a Diretiva foi recepcionada pelo Unfair

terms on consumer Contracts regulations 1994, entrando em vigor em 1995.

A proteção contra as cláusulas contratuais gerais abusivas instalou-se na Inglaterra

de uma forma dúplice.

O primeiro mecanismo para evitar a sua incidência foi o controle por um órgão

administrativo (Director General of Fair Trading Office), que tem por função estimular

a adoção de condições não abusivas por associações profissionais de categoria e

empresas. Isso se faz pela indicação para que apliquem os chamados codes of

practice, que são modelos de regulação de contratos de uma forma leal e uma forma

de valoração do regulamento negocial adotado. Ao órgão administrativo compete

ainda fazer cessar práticas abusivas e pode agir como uma corte especial contra as

práticas comerciais restritivas (como a Restrictive Practices Court, mencionada no

Restrictive Practices Act, de 1956).

Verifica-se que o Unfair Contracts Terms Act (UCTA), de 1977, teve por finalidade

combater cláusulas abusivas, que eram objetivamente caracterizadas segundo

critérios definidos em lei até então atípicos no sistema da common law.

Enquanto não existia uma lei específica para tutela do consumidor, a UCTA conferia

atenção especial aos contratos de fornecimento ou venda de produtos, para uso dos

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consumidores. Considerava inválidas cláusulas que excluam os predisponentes de

responsabilidade e dos riscos, ou que lhes possibilite alterar o conteúdo do contrato

ou recusar a prestação, a menos que sua inclusão atenda à razoabilidade.242

Nos arts. 15 a 25 do UCTA, estão definidos os critérios para se aferir a razoabilidade

das condições gerais, ou seja, a viabilidade ou não de serem inseridas no contrato.

O Anexo II do mesmo diploma descreve os fatores a serem considerados no teste

de razoabilidade: o poder de barganha dos contraentes (bargaining positions), o

atendimento das expectativas do aderente, a livre concordância do aderente às

condições gerais, se conhecia sua existência, se a exclusão da responsabilidade do

predisponente era razoável e praticável, se os produtos pedidos pelo aderente foram

adaptados por força de pedido especial. Entretanto, a jurisprudência tem decidido

caso a caso, com aplicação de outros parâmetros para aferir a razoabilidade.

O Unfair terms in consumer contracts regulations de 1994 teve por escopo fazer

atuar a Diretiva Comunitária n. 13/1993 dentro do ordenamento inglês. Logo nos

primeiros artigos (1.º e 2.º), está explicitado o âmbito de aplicação das Regulations

("aplicam-se a qualquer cláusula contida nos contratos celebrados entre um

vendedor ou fornecedor e um consumidor quando as referidas cláusulas não tenham

sido individualmente negociadas"). As cláusulas abusivas são tratadas no art. 4.º. Há

a repetição do disposto na diretiva, incorporando ao ordenamento jurídico inglês a

regra geral de abusividade ("cláusula abusiva quer dizer a que, contrária às

exigências da boa-fé, causa desequilíbrio significativo nos direitos e obrigações das

partes". Para verificar se uma cláusula satisfaz as exigências da boa-fé, haverá de

se ter em conta às matérias especificadas na Schedule 2 das Regulations, segundo

a qual, na avaliação da boa-fé, haverá de se ter em conta a força do poder de

barganha das partes, se o consumidor foi induzido a aceitar a cláusula, se os bens

ou os serviços foram vendidos ou prestado em razão de uma encomenda especial

do consumidor etc. No art. 6.º, são dispostas as regras sobre interpretação. No art.

242 BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero, In: Realtá

sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo – Obligazioni e Contratti Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 520: “Per quanto riguarda lê dirette limitazioni all’autonomia conttratuale, dopo vari interventi legislativi, aventi oggetti più delimitati, si è giunti nel 1977 all’emanazione dell’ “Unfair Contract Terms Act”, riguardante in generale i contratti di cui è parte um consumatore o um aderente alle clausole generali scritte dalla controparte. Tale legge, tra l’altro, vieta le clausole di esonero da responsabilità in favore dell’imprenditore o predisponente, e quelle que gli attribuiscono la facoltà di variarei l contenuto del contratto o di rifiutare la prestazione, salvo che dette clausole soddisfino il requisito della ragionevolezza (reasonableness).

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131

8.º, estão dispostas as regras para prevenção do uso continuado das cláusulas

abusivas.

Os efeitos de aplicação da UCTA diferem dos que derivam das Regulations de 1994.

Esta última faz previsão da aplicação de um test of fairness (aferição de

razoabilidade) com a conseqüente ineficácia da cláusula considerada abusiva. Ao

contrário, a UCTA de 1977 estabelece, sem mais, a ineficácia de algumas cláusulas

típicas, enquanto outras o são apenas se excederem o critério de razoabilidade.

Percebe-se, portanto, que na Inglaterra coexistem vários regimes legislativos

dispondo muitas vezes sobre as mesmas questões, pelo menos estreitamente

conexas e que operam de forma simultânea ou alternativa: o UCTA, as Regulations,

a Diretiva Comunitária e a common law.243 Ao que parece, as Regulations se

propõem a aplicar a Diretiva Comunitária como legislação nacional, enquanto a

common law, nas matérias em que a UCTA e as Regulations dizem respeito, servirá

de importante meio de integração de lacunas e não propriamente de regulação de

casos concretos a partir do que nesses diplomas está disposto.244

A UCTA refere-se, em especial, às cláusulas de exclusão e limitação de

responsabilidade, enquanto as Regulations se referem a todas as cláusulas de um

contrato. O UCTA se refere a todos os tipos de contrato, enquanto as Regulations se

referem apenas aos contratos padronizados, standards. O UCTA tutela tanto os

empreendedores quanto os consumidores, e Regulations, como foi dito, voltam-se

aos consumidores pessoas físicas.245

3.6 LOI SUR LA PROTECTION ET L’INFORMATION DES CONSOMMATEURS DES PRODUITS ET

DES SERVICES E CODE DE LA CONSOMMATION NA FRANÇA

A Lei n. 78-23, de 1978, também chamada Lei Scrivener, estipulou a proteção dos

consumidores contra as cláusulas abusivas. O conceito de cláusula abusiva nessa

lei incluía, além do desequilíbrio entre os contratantes, o abuso do poder econômico

(art. 35, Após 1978, foram promulgadas na França diversas leis posteriores tentando

regular a questão da abusividade e as relações de consumo. Os textos legislativos

243 ver BRADGATE, Robert. Experience in the United Kingdom ("to an English lawyer the Unfair

Terms Directive was a curious mixture of the familiar and the strange"). p. 26. 244 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 209. 245 ALPA, Guido; ANDENAS, Mads. Fondamenti del diritto privato europeo. Giuffrè, 2005. p. 406-412.

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132

eram numerosos, muitas vezes tratavam de matérias que não guardavam coerência

entre si. Em 1982, a então Ministra do Consumo, Mme. LALUMIÉRE, sensível a

esses problemas, criou uma comissão de reforma do direito do consumo. Os

trabalhos dessa comissão retomaram em 1989, sob o impulso da secretária de

Estado encarregada do consumo, Mme. NIERTZ, tendo sido apresentado um

segundo relatório em 1990. Esta Comissão propunha-se a substituir os textos legais

existentes por um código. Mas, diante da dificuldade de submeter ao parlamento um

texto de mais de 300 artigos, o governo francês optou por uma solução menos

ambiciosa, que foi a de compilar textos até então existentes, sem modificação. Em

26 de julho de 1993, procedendo à compliação dos textos legislativos existentes,

criou-se o Code de la Consommation na França, que ainda recebe severas críticas,

por causa da falta de coerência e por não ser considerado completo.

O conceito de cláusula abusiva passou a constar no art. L 132-1 do Code de la

Consommation. Em 1995 a redação desse artigo seria alterada pela Lei n. 95-96, a

qual inseriu nesse diploma legal as disposições da Diretiva n. 13/1993, da

Comunidade Econômica Européia.

Por essa última lei, o art. L 132-1 passou a ter a seguinte redação, no que tange ao

conceito de cláusula abusiva:

Dans les contrats conclus entre professionnels et non-professionnels ou

consommateurs, sont abusives les clauses qui ont pour objet ou pour effet

de créer, au détriment du non-professionnel ou du consommateur, un

déséquilibre significatif entre les droits et obligations des parties au contrat.

Portanto, segundo a legislação francesa, basta que haja desequilíbrio significativo

entre direitos e obrigações entre os contratantes, prejudicando o consumidor ou os

não-profissionais, para que a cláusula seja considerada abusiva.

Não foi incorporado ao conceito da redação atual do art. L 132-1 do Code de la

Consommation o elemento da boa-fé (art. 3, al. 1, da Diretiva n. 13/1993: en dépit de

l’exigence de bonne foi) o que seria motivado por uma busca de um conceito

objetivo de consumidor. Aplica-se o art. L 132-1, portanto, a todos os contratos,

desde que celebrados entre profissionais e não profissionais ou consumidores. Não

há exigência pela lei de que se trate de contratos de adesão ou com cláusulas

predispostas para que incida a proteção contra a abusividade.

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133

Conforme as disposições inseridas no Code de la Consommation, no Livro I, Título

III, Seções I e II, três são as possíveis formas de controle das cláusulas abusivas,

concentrando-se suas atividades no controle administrativo. De um lado, há os

decretos do Conselho de Estado e, do outro, a atuação da Comissão de Cláusulas

Abusivas, que recebe a incumbência da legislação para elaborar listas de cláusulas

abusivas e recomendar às empresas que se abstenham de utilizá-las em seus

contratos. Essa Comissão, constituída de magistrados, juristas e representantes

classistas de empresários e consumidores, não tem qualquer poder de decisão;

recebe consultas e emite recomendações. O objetivo das recomendações é de

convidar os predisponentes a modificar ou suprimir de seus contratos as condições

abusivas e de informar os contratantes-consumidores.246 Voltaremos a abordar as

características dessa comissão quando da apresentação das características do

controle de conteúdo realizado na França.

3.7 SUÉCIA

Na Suécia, desde 1910, foram surgindo regras para proteção específica do

consumidor em razão do grande processo de industrialização naquele país. Esse

processo de positivação de regras se intensificou na década de 1960 e chegou ao

ápice em 1971, com a Lei de Cláusulas Contratuais Abusivas,247 a qual instituiu um

controle preventivo, que incide também sobre cláusulas individuais.

A proteção dada ao consumidor na Suécia se dá em três âmbitos, conforme explica

MÁRIO DE CAMARGO SOBRINHO:248

i) a proteção do consumidor em relação à publicação e à venda;

ii) a proteção do consumidor sobre as cláusulas contratuais gerais abusivas;

iii) vigilância dos produtos e informação do consumidor.

246 CALAIS-AULOY, Jean. Les clauses abusives en droit français. In: GHESTIN, Jacques. Les clauses

abusives dans les contrats types en France et en Europe. Paris: LGDJ, 1991. p. 117. 247 Nos países nórdicos (Finlândia, Noruega e Suécia), em 1976, foi inserida uma seção (seção 36),

introduzindo nesses países regras sobre contratos desleais (unfair contracts terms), aplicadas aoconsumidor. Esta Seção 36 também foi integrada na Finlância e na Noruega em 1982 e 1986, respectivamente. Ver WILHELMSSON, Thomas. A nordic perspective. The integration of Directive 93/13 into the national legal sistems. Disponível em: <http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/safe_shop/unf_cont_terms/event29_01.pdf> Acesso em: 13 ago. 2006.

248 CAMARGO SOBRINHO, Mário de. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação específica. p. 112-113.

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134

Além disso, existe na Suécia o Tribunal de Mercado, composto por consumidores e

representantes dos sindicatos, de trabalhadores do comércio e da indústria. Possui

tal órgão poderes para expedir mandados contra produtores. A atuação dele é

provocada pelo Ombudsman do Consumidor,249 que detém papel fiscalizatório, a fim

de averiguar a ocorrência de violação às leis de consumo. Antes, todavia, de

ingressar com manifestação junto ao Tribunal de Mercado, deve-se tentar

negociação com as empresas. O primeiro modelo de controle administrativo das

cláusulas contratuais gerais foi o sueco que, infelizmente, tem sido muito criticado e

não tem obtido o êxito que dele se esperava.250

A Diretiva n. 13/1993, da CEE, foi integrada ao ordenamento jurídico sueco pelo ato

de proteção ao consumidor (Consumer Protection Act) de 1994 que, em conjunto

com o Contracts Act Section 36, prescrevem regras para proteção dos aderentes

(consumidores ou não) contra as cláusulas consideradas abusivas.

3.8 STANDARD CONTRACTS LAW EM ISRAEL

A lei israelita, de 1982, tem como ponto marcante a criação do Tribunal Especial de

Contratos Standard, o qual substituiu um Conselho (Board) previsto por uma lei de

1964,251 o qual não atingiu os objetivos a que se prestava. Esse tribunal é composto

249 Conforme narra C. MASSIMO BIANCA: “Il sistema attuato nell’ordinamento svedese si fonda

principalmente sul controllo preventivo del Consumer Ombudsman, quale organo autônomo e quale direttore del National Board for Consumer Policies, e sul controllo giurisdizionale di uma speciale Corte del Mercato. Il Consumer Ombudsman há um complesso compito di verifica e di indirizzo dell’attività negoziale delle imprese che comporta, tra l’altro, um diretto intervento al fine di eliminare o modificare lê clausole che determinano um abusivo squilibrio delle posizioni contrattuali. Di fronte al persistente uso di clausole “eccesive” il Consumer Ombudsman nonchè anche associazioni di categoría possono adire la Corte del Mercato, la quale può interdire all’imprenditore di usare nel futuro e nei contratti analoghi clausole identiche o sostanzialmente identiche.Vários outros países além da Suécia, adotaram textos gerais, instituindo a figura do Ombudsman (órgão especial de amparo ao consumidor, que atende às reclamações dos consumidores, inclusive defendendo judicialmente ações dignas da proteção estatal), a saber: Noruega, 1972; Dinamarca, 1974, Finlândia, 1978, como, dentre os primeiros, o Japão (“Lei fundamental sobre proteção do consumidor”, 1968); o México (“Lei federal de proteção do consumidor, 5.2.1976); e a Áustria (“Lei de proteção do consumidor”, 1979).

250 WILHELMSSON, Thomas. A nordic perspective. The integration of Directive 93/13 into the national legal sistems. p. 20.

251 C. MASSIMO BIANCA trata de algumas funções do “Board”, no regime da “Standard Contract Law” do ano de 1964: “Il controllo admministrativo è previsto relativamente alle condizioni generali onerose indicate nella stessa legge, ed è esercitato da uma specifica commissione, il Board, già prevista dalla Restrictive Trade Practices Law del 1959. Al Board possono ricorrere le imprese che intendono ottenere uma preventiva approvazione delle proprie condizioni generali e, per questa via, l’ulteriore insindacabilità delle condizioni stesse da parte dell’autorità giudiziaria. A seguito di um emendamento del 1969 il ricorso al Board può essere proposto dall’Attorney General e dalle legittimate associazoni di consumatori per ottenere la cancellazione delle condizioni

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135

por juízes de carreira e membros da sociedade civil, sendo dois deles indicados pelo

Ministério da Justiça como representantes de associações de consumidores. Tem

como funções: i) controle preventivo abstrato; ii) controle judicial concreto. Quanto

ao primeiro, dá-se pela apresentação das cláusulas contratuais gerais ao órgão

judicial pelo predisponente, mas essa não é obrigatória, é uma opção deste. No

entanto, a aprovação garante sua validade pelo prazo de cinco anos e produz efeito

vinculante contra todos, inclusive o Tribunal. O segundo se faz pela invalidação ou

alteração das cláusulas contratuais gerais que conflitem com a lei, o que pode ser

pleiteado pelo Ministério Público, pelo Comissário de Proteção dos Consumidores,

por qualquer autoridade pública ou associação de consumidores.

A lei não faz referência à cláusula geral da boa-fé, porém o modelo adotado pela

verificação de vantagem indevida supre essa omissão.

Após definir condição (como sendo uma estipulação predefinida pelo predisponente

e integrada a um contrato standard), a lei conceitua sua abusividade como a

determinação de vantagem que prejudique direito do aderente. Também há a

enumeração de dez espécies de condições abusivas, sobre as quais incide uma

presunção de que causem desvantagem ao aderente.

3.9 CÓDIGO CIVIL PERUANO

O Código Civil do Peru, em vigor desde 1984, aborda, no livro em que cuida das

obrigações, dos temas “contratos de adesão” e “condições gerais dos contratos”. E

faz a distinção entre esses institutos.

Referido código não reconhece a validade de "condições gerais" que exonerem ou

limitem a responsabilidade, o que difere da maioria das legislações, que a

reconhecem em certas situações.

De acordo com esse diploma, os contratos atípicos podem conter "condições

gerais". No entanto, estas não terão validade nos contratos típicos, se conflitarem

com as normas próprias desses contratos, como nosso art. 424 do Código Civil de

2002. Segundo o diploma, as cláusulas contratuais podem ser de duas espécies:

aprovadas pela autoridade administrativas ou não.

abusive”.(“Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero”, em “Realtá sociale ed effettività della norma”, Scritti Giuridici, volume secondo – “Obligazioni e Contratti Responsabilità”, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 521).

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136

As cláusulas contratuais gerais, submetidas à análise da autoridade e por ela

aprovadas, integram os contratos individuais. É o Poder Executivo quem define

quais tipos de fornecimento de bens ou serviços se sujeitam à aprovação prévia.

Prevê ainda o código que as partes podem optar pela não-integração de certas

cláusulas já aprovadas pela autoridade, isto é, que determinadas cláusulas

submetidas ao crivo da autoridade administrativa não integrem o contrato. Nessas

cláusulas, o consentimento do aderente é dispensável e obriga desde que o seu

comportamento social permita supor que houve a cognição, ainda que esta não

tenha, na realidade, se consolidado.

Diversamente ocorre com as cláusulas contratuais gerais não aprovadas pela

autoridade administrativa. Sua eficácia depende do conhecimento do aderente, o

que significa que tenha podido conhecer as cláusulas.

3.10 LEI DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS DE PORTUGAL (DECRETO-LEI N.

446/1985)

O Decreto-lei n. 446, de 1985, foi editado em Portugal para regular as cláusulas

contratuais gerais naquele país. É considerada norma bastante moderna e

detalhista, dividindo o tema em oito capítulos.

Essa norma definiu o princípio da boa-fé como critério essencial à validade ou não

das cláusulas contratuais gerais. É ele que vai nortear a análise das condições, para

se saber se são válidas ou abusivas, e, conseqüentemente, inválidas.

Definiram-se duas listas de cláusulas abusivas, uma para relações entre entes

empresariais e outra para relações com consumidores. Em cada uma delas existem

cláusulas absolutas e relativamente proibidas.

Em 31 de agosto de 1995 foi publicado o Decreto-lei n. 220/1995, que alterou o

Decreto para integrar a Diretiva n. 13/1993 em Portugal. Aproveitou o legislador para

modificar outras normas. Em 1999, a lei portuguesa foi alvo de novas modificações

(Decreto-lei n. 249/1999).

Para a lei portuguesa, são cláusulas contratuais gerais as elaboradas sem prévia

negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem,

respectivamente, a subscrever ou aceitar, bem como às cláusulas inseridas em

contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário

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137

não pode influenciar. O ônus da prova de que uma cláusula contratual geral resultou

de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda se beneficiar do

seu conteúdo.

Há também na lei o âmbito de sua incidência (art. 3.º), a forma de inclusão das

cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares (capítulo II), as regras sobre os

meios de interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais (capítulo III), o

princípio geral para proibição das cláusulas contratuais gerais (boa-fé, art. 15), as

cláusulas absolutamente proibidas e relativamente proibidas para os empresários ou

entidades equiparadas (arts. 17 a 19); bem como as cláusulas absolutamente

proibidas ou relativamente proibidas para os consumidores finais (arts. 20 a 22). No

último capítulo (Capítulo VI), é feita previsão das disposições processuais no âmbito

das cláusulas contratuais gerais, com especial regulação para ação inibitória.

Segundo ANTÓNIO PINTO MONTEIRO,252 o Decreto-lei n. 249/1999, que alterou o

Decreto n. 446/1985, visou sanar um "diferendo com a Comissão Européia", já que

no entender desta o legislador português não teria transposto devidamente a

Diretiva n. 13/1993, que pretende abarcar todos os contratos de adesão (entre

profissionais e consumidores), ao passo que a lei portuguesa, sendo uma lei sobre

as cláusulas contratuais gerais, só se aplicaria, aparentemente, aos contratos de

adesão que tivessem por base cláusulas contratuais gerais.

3.11 LEY SOBRE CONDICIONES GENERALES DE LA CONTRATACIÓN NA ESPANHA (LEI N. 7,

DE 13.04.1998)

A primeira lei que tratou a matéria na Espanha foi a Lei n. 26/1984, que estabeleceu

normas reguladoras das condições gerais e consignou a sua obediência aos

princípios da boa-fé e do equilíbrio entre as prestações. Essa lei autorizava ainda a

exclusão de cláusulas abusivas de contratos de adesão, se estas infringissem os

supracitados princípios.

Em 1998, foi editada a Lei n. 7, que tinha por objetivo a transposição das regras

contidas na Diretiva n. 93-13, de 1993. Além disso, promoveu alterações na Lei n.

26/1984, incrementando os dispositivos relativos ao controle de conteúdo das

252 PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e

soluções. In: Revista Trimestral de direito civil. p. 25-26.

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cláusulas contratuais gerais. Referida lei previu ainda o controle de inclusão e de

incorporação dessas cláusulas aos contratos.

À Lei n. 26, de 1984, foi acrescido o art. 10-bis, que conceitua cláusula abusiva

como a estipulação não negociada individualmente e que, em inobservância da boa-

fé, causem desequilíbrio importante entre as partes, em prejuízo do consumidor. A

definição é a mesma dada pela Diretiva n. 93-13, em seu art. 3.º, al.. 1 repete a

previsão dessa diretiva a lista exemplificativa de cláusulas abusivas, inserida no

mesmo art. 10-bis, acrescidas de outras que o legislador espanhol entendeu haver

importância em serem coibidas.

No Capítulo I da Lei n. 7/1998, encontramos as disposições gerais, fixando os

âmbitos objetivo e subjetivo da incidência da lei. No Capítulo II, são fixadas as

regras de não incorporação ou de nulidade das cláusulas contratuais gerais. O

Capítulo III dispõe sobre um interessante sistema de registro das cláusulas

contratuais gerais (a cargo do "Registrador de la propiedad y mercantil, conforme a

las normas de provisión previstas en la Ley Hipotecaria").253 Nos Capítulos V e VI

253 Por representar especificidades, colaciona na íntegra o artigo 11 da citada Lei, sobre o registro

das cláusulas contratuais gerais:

"Artículo 11. Registro de Condiciones Generales. 1. Se crea el Registro de Condiciones Generales de la Contratación, que estará a cargo de un Registrador de la Propiedad y Mercantil, conforme a las normas de provisión previstas en la Ley Hipotecaria. La organización del citado Registro se ajustará a las normas que se dicten reglamentariamente. 2. En dicho Registro podrán inscribirse las cláusulas contractuales que tengan el carácter de condiciones generales de la contratación con arreglo a lo dispuesto en la presente Ley, a cuyo efecto se presentarán para su depósito, por duplicado, los ejemplares, tipo o modelos en que se contengan, a, instancia de cualquier interesado, conforme a lo establecido en el apartado 8 del presente artículo. No obstante, el Gobierno, a propuesta conjunta del Ministerio de Justicia y del Departamento ministerial correspondiente, podrá imponer la inscripción obligatoria en el Registro de las condiciones generales en determinados sectores específicos de la contratación. 3. Serán objeto de anotación preventiva la interposición de las demandas ordinarias de nulidad o de declaración de no incorporación de cláusulas generales, así como las acciones colectivas de cesación, de retractación y declarativa previstas en el capitulo IV, así como las resoluciones judiciales que acuerden la suspensión cautelar de la eficacia de una condición general. Dichas anotaciones preventivas tendrán una vigencia de cuatro años a contar desde su fecha, siendo prorrogable hasta la terminación del procedimiento en virtud de mandamiento judicial de prórroga. 4. Serán objeto de inscripción las ejecutorias en se recojan sentencias firmes estimatorias de cualquiera de las acciones a que se refiere el apartado anterior. También podrán ser objeto de inscripción, cuando se acredite suficientemente al Registrador, la persistencia en la utilización de cláusulas declaradas judicialmente nulas. 5. El Registro de Condiciones Generales de la Contratación será público. 6. Todas las personas tienen derecho a conocer el contenido de los asientos registrales. 7. La publicidad de los asientos registrales se realizará bajo la responsabilidad y control profesional del Registrador. 8. La inscripción de las condiciones generales podrá solicitarse: a) Por el predisponente. b) Por el adherente y los legitimados para la acción colectiva, si consta la autorización en tal sentido del predisponente. En caso contrario, se estará al resultado de la acción declarativa. c) En caso de anotación de demanda o resolución judicial, en virtud del mismo mandamiento, que las incorporará. 9. El Registrador extenderá, en todo caso, el asiento solicitado,

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são retomadas as questões relativas ao registro, regulando a publicidade das

sentenças, bem como as informações públicas sobre as cláusulas contratuais

gerais, que são fornecidas e disponibilizadas pelos notários e registradores. No

Capítulo IV, a lei espanhola detalha as regras sobre as ações coletivas de cesación,

retractación e declatativa das cláusulas contratuais gerais, cujas particularidades

serão explicadas no título seguinte. O Capítulo VII regula o regime sancionador pela

ruptura do sistema repressivo das cláusulas contratuais gerais ou pela continuidade

do uso das cláusulas consideradas abusivas.

Na Espanha, o controle das cláusulas denominadas abusivas não foi catalogado na

Lei sobre Condições Gerais da Contratação (LCGC), mas na Lei Geral para Defesa

dos Consumidores e Usuários (LGDCU), responsável pela integralização da Diretiva

n. 13/1993 da Comunidade Européia no ordenamento espanhol.

previa calificación de la concurrencia de requisitos establecidos. 10. Contra la actuación del Registrador podrán interponerse los recursos establecidos en la legislación hipotecaria.

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140

PARTE III

CLÁUSULAS ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002

4

SISTEMAS DE CONTROLE 254 DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

ABUSIVAS

4.1 INTRODUÇÃO

Para ENZO ROPPO,255 o problema das cláusulas contratuais gerais dos contratos é,

hoje, o problema do seu controle. Para o mestre italiano, a abusividade do uso das

cláusulas contratuais gerais (cláusulas abusivas) é efeito do progresso da sociedade

capitalista, resultante das regras da competitividade e da livre-concorrência,

conseqüência inevitável do fenômeno de massificação contratual. É precisamente

esta injustiça, característica do uso abusivo das cláusulas contratuais gerais, que

justifica a tentativa de sua regulamentação normativa. Trata-se de uma resposta do

direito a um problema econômico e social.

Como veremos, as cláusulas contratuais gerais que, eventualmente, destruam a

relação de equivalência pressuposta pelo princípio da justiça contratual deverão ser

controladas, objetivando a igualdade jurídica das partes. Constatada, muitas vezes,

a inoperância funcional da autonomia privada,256 o ordenamento institui medidas de

tutelas compensatórias a favor do contraente em situação de inferioridade, lançando

mão de instrumentos que intentam melhorar a autodeterminação das partes no

contrato.

255 Esta expressão tem assento em algumas legislações do mundo, como o § 8 da AGB-Gesetz,

sendo que por ela se refere a averiguação da conformidade dos termos das cláusulas contratuais gerais aos específicos limites traçados pelos diversos diplomas. Ainda que o termo "controle" tenha conquistado o seu recorte no direito administrativo, a propriedade do seu uso neste contexto pareceu-nos indiscutível, se tivermos presente que, nas suas múltiplas aplicações e significados, ele denota sempre a idéia de um juízo sobre a conformidade de um ato ou modelo, norma, princípio ou critério, além de ser expressão constantemente usada pelos livros especializados da matéria.

255 ROPPO, Enzo. I contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. p. 548 e 552.

256 RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato - as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 441.

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141

A denominação cláusula abusiva não é antiga. No Brasil e na lei, esta nomenclatura

foi legitimada com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Todavia, a noção

de abusividade já era conhecida, fruto das idéias trazidas pelas cláusulas leoninas e

pelas condições protestativas. Na noção que se tem de cláusulas abusivas, é levada

em consideração a idéia de grave desequilíbrio entre direitos e obrigações, de

quebra de relação de equivalência pressuposta na generalidade dos contratos

comutativos, construções que devem ser aprofundadas, dada à falta de previsão de

listas de cláusulas abusivas no Código Civil de 2002, que só poderá ser feito com o

auxílio dos princípios contratuais da boa-fé, da justiça contratual e da função social

dos contratos.

Podemos dizer, desde já, que cláusulas abusivas serão aquelas que desequilibram,

de maneira significativa, a relação de equivalência entre direitos e obrigações257 de

uma e outra parte, que pode motivar um controle preventivo e abstrato, como

também um controle individual e concreto.

O objetivo do trabalho é reforçar que o fenômeno das cláusulas contratuais gerais

abusivas não é exclusivo dos contratos de consumo, podendo aparecer também em

outros contratos. Daí a necessidade de se estudar os parâmetros existentes no

Código Civil de 2002 para essa caracterização.

São vários os métodos possíveis de controle das cláusulas contratuais gerais

consideradas abusivas, com vista à sua eliminação, sobretudo daquelas que se

insiram em contratos padronizados e de adesão.

Segundo ANTÓNIO PINTO MONTEIRO,258 os problemas eventualmente existentes

nas cláusulas contratuais gerais devem propiciar vias adequadas à sua solução.

Esses problemas são, fundamentalmente, de três ordens: no plano da formação do

contrato, é possível o aumento considerável do risco de o aderente desconhecer

257 Na doutrina italiana, é feita uma classificação das cláusulas abusivas entre cláusula abusiva

propriamente dita (em sentido estrito) e cláusula surpresa: As primeiras são as cláusulas de desequilíbrio, ou seja, são aquelas que desequilibram significativamente a relação de equivalência entre direitos e obrigações de uma e outra parte. As denominadas cláusula-supresa são aquelas que se escondem atrás de estipulações que defraudam os deveres de lealdade e colaboração pressupostos pela boa-fé, sujeitando o consumidor ao risco de se ver posto diante de situações diversas daquelas com que razoavelmente pudesse contar, legitimando um controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais. Apesar desta diferenciação não ter sido levada em conta para o desenvolvimento do trabalho, cabe menção de sua existência.

258 PINTO MONTEIRO, António. Contratos de Adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e soluções. Revista Trimestral de Direito Civil. p. 10.

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cláusulas que vão fazer parte do contrato; no plano do conteúdo, é possível a

inserção de cláusulas chamadas abusivas; no plano processual, mostra-se

inadequado e insuficiente o controle judiciário, que atua apenas a posteriori, a

depender da iniciativa processual do lesado, tendo efeitos circunscritos ao caso

concreto. Assim, comenta o civilista português que:

[...] um controlo eficaz terá de actuar em três direções: pela consagração

de medidas destinadas a obter, em cada contrato que se venha a concluir,

um efectivo e real acordo sobre todos os aspectos da regulamentação

contratual; pela proibição de cláusulas abusivas, e pela atribuição de

legitimidade processual activa a certas instituições (como o Ministério

Público) ou organizações (como as associações de defesa do consumidor)

para desencadearem um controlo preventivo (que além de permitir superar

a habitual inércia do aderente se mostra bem mais adequado à

generalidade e indeterminação que caracteriza este processo judicial), isto

é, um controlo sobre as "condições gerais" antes e independentemente de

já haver sido celebrado um qualquer contrato.

Temos, portanto, dois grupos de situações patológicas: por um lado, a celebração de

contratos singulares sem a observância de certas regras pré-negociais, aplicáveis

qualquer que seja seu conteúdo. Por outro lado, a celebração dos mesmos contratos

com um conteúdo que a lei vede.

Um dos primeiros autores a classificar os sistemas de controle das cláusulas

contratuais gerais foi ENZO ROPPO.259 Explica o autor italiano que o controle das

cláusulas abusivas pode ser confiado à lei, à administração, aos juízes e, por último,

às organizações de fornecedores e consumidores. Segundo ele, teremos, assim,

quatro sistemas de controle cogitáveis: legislativo (controle de conteúdo),

administrativo, judicial e voluntário.260 Alerta, todavia, que nenhum destes quatro

processos de controle é concebível na sua pureza, isto é, aplica-se com a exclusão

dos outros. Por exemplo, não se conceberia um controle judicial sem que

previamente a lei estabelecesse os termos em que eles pudessem ser feitos. Em

259 Em outro trabalho: ROPPO, Enzo. Contratti standard: autonomia e controlli nella disciplina delle

attività negoziali di impresa. Milão: Giuffrè, 1975. E no estudo: ROPPO, Enzo. Il contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. Bolonha: Il mulino, 1977. p. 551 e ss.

260 Segundo o autor, até então não havia sido dado valor autônomo ao controle voluntário. Este tem funcionado na Inglaterra, por meio dos Códigos de conduta, sujeitos a aprovação do Director of the Office of Fair Trading. No Brasil, seria equiparado à convenção coletiva de consumo, previsto no artigo 107 do CDC. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. p. 552 e 554.

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contrapartida, a lei, sozinha, seria inócua, se juízes e administração não zelassem

pela sua observância.

Quando falamos das restrições legais no período de formação dos contratos

contidos de cláusulas contratuais gerais, estaremos diante daquilo que a doutrina

denomina controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais. Por opção

metodológica, as características deste controle serão abordadas no Capítulo 5,

sobre a formação dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais.

Por outro lado, quando estamos diante de leis que disciplinam ou trazem listas

únicas de cláusulas consideradas nulas ou anuláveis, estaremos diante do que a

doutrina denomina controle de conteúdo (ou legislativo) das cláusulas contratuais

gerais. Fala-se em conteúdo porque, cumpridos os requisitos de incorporação e

inclusão de tais cláusulas, estas passam a formar o conteúdo do contrato, cabendo

desde já uma crítica, pois, como veremos, nada impede que haja um controle

legislativo preventivo e abstrato, sem que exista o conteúdo de um contrato a ser

considerado.

Parte das características e exemplos das listas de cláusulas proibidas foi vista no

capítulo sobre as cláusulas contratuais gerais no direito positivo estrangeiro e

nacional (Parte II), mas serão novamente abordadas neste capítulo.

Também como forma de tutela contratual do aderente temos aquela que se realiza

mediante o controle administrativo ou pela via judicial, sendo que, ambos os casos,

abstrato ou concreto, também serão objetos de estudo neste capítulo.

4.2 CONTROLE ADMINISTRATIVO. CARACTERÍSTICAS

O controle administrativo é aquele feito por entidades diferentes do Poder Judiciário,

fora da esfera de uma ação judicial. É identificado pelo simples fato da presença ou

da intervenção (não importa a que título) de um órgão ou de uma entidade da

administração pública.261

O controle administrativo preventivo abstrato tem como principal modelo o

Ombudsman do consumidor Sueco (Konsumentombudsman)262. Há também este

261 ROPPO, Enzo. I contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il

controllo sociale delle attività private. p. 541. 262 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 77. Segundo o

mesmo autor, essa é a primeira lei israelita destinada às cláusulas contratuais gerais. Datada de

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controle na Inglaterra, por meio do Director General of Fair Trading Office, mas que

há muito tempo vinha sendo criticado pela insuficiência de sua atuação.263

Singulariza-se esse sistema pela aprovação prévia das cláusulas contratuais gerais

através da autoridade administrativa, em caráter abstrato, para que possam produzir

efeitos nos contratos individuais. O fornecedor de bens ou de serviços, que pretenda

utilizar cláusulas contratuais gerais terá de, antes, submetê-las ao juízo da validade

da autoridade administrativa, de cuja decisão favorável dependerá sua eficácia.

Poucos países são os que realizam o controle administrativo. O país que dá maior

valor a esta modalidade de controle das cláusulas contratuais gerais é a França.

Neste país, de um lado temos os decretos do Conselho de Estado e, do outro, a

atuação da Comissão de Cláusulas Abusivas,264 que recebe a incumbência por parte

da legislação de elaborar listas de cláusulas abusivas e recomendar às empresas

que se abstenham de utilizá-las em seus contratos. Essa Comissão, constituída de

magistrados, juristas e representantes classistas de empresários e consumidores,

não tem qualquer poder de decisão; apenas recebem consultas e emitem

recomendações. O objetivo das recomendações é o de convidar os predisponentes

1964, privilegiava o controle administrativo preventivo. Muito se escreveu comentando os avanços que ela introduziu. A realidade da aplicação, todavia, não correspondeu às expectativas que gerou. O controle abstrato se exercia através de um conselho (Board), mas dependia da iniciativa voluntária do predisponente em submeter ao Conselho as cláusulas contratuais gerais que pretendia utilizar. Somente cerca de sessenta contratos de adesão a cláusulas contratuais gerais foram apreciados durante os dezoito anos de vigência da lei. Os predisponentes preferiram a mais vantajosa e menos arriscada (para eles) via do litígio judiciário. A nova lei de 1982 criou um tribunal específico (Standard Contracts Tribunal) que atua por provocação dos interessados (predisponentes, Ministério Público, organizações de consumidores, autoridades públicas) com poderes para aprovar e invalidar cláusulas contratuais gerais, imunizando-as da intervenção posterior da Justiça Comum e decidindo em caráter abstrato. O controle judicial concreto, para invalidar cláusulas contratuais gerais já integradas a contratos, pode ser efetuado tanto pelo tribunal quanto pela Justiça Comum (incidental). A nova lei deu certo. Em menos de três anos de sua vigência, o tribunal já havia aprovado quase setenta contratos de adesão a cláusulas contratuais gerais. O tribunal adquiriu credibilidade, inclusive, por contar com magistrados de carreira e com representantes classistas de organizações de consumidores. Em alguns casos, a legislação determina a prévia aprovação, como ocorre com as cláusulas contratuais gerais dos cartões de crédito. Apesar das cautelas legais, as fraudes existem, pois as empresas aprovam certas cláusulas contratuais gerais e utilizam outras.

263 BRADGATE, Robert. Experience in the United Kingdom. The integration of Directive 93/13 into the national legal sistems. Disponível em: http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/safe_shop/unf_cont_terms/event29_01.pdf

264 Segundo MÁRIO DE CAMARGO SOBRINHO, (o novo Código Civil Holandês (Burgerlijk Wetboek) faz previsão da formação, modificação e anulação de cláusulas contratuais gerais através de uma Comissão designada pelo Ministério da Justiça. A lei israelita de 1964, como já mencionado na nota anterior, também criou comissão mista (judicial e administrativa) que resolveria problemas das cláusulas contratuais gerais nas instâncias do empresário, permanecendo reservada a atuação judicial para os casos de recursos contra as soluções dessa Comissão. SOBRINHO, Mário Camargo de. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação específica.. p. 198.

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a modificarem ou suprimirem as condições abusivas e de informar os contratantes-

consumidores. Voltaremos a abordar as características dessa Comissão quando

apresentarmos as características do controle de conteúdo realizado na França.

Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,265 o controle administrativo preventivo

demonstrou ser um sistema de difícil implementação, de frágeis resultados, apesar

de a doutrina especializada considerá-lo o mais adequado à tutela do aderente. As

críticas ao sistema preventivo concentram-se no receio da burocratização excessiva

em prejuízo de atividades que se caracterizam por rápida mobilidade e adaptação.

Sem contar que, nem sempre os órgãos administrativos podem impor alguma coisa.

Na maioria das vezes, apenas recomendam a supressão de cláusulas contratuais

gerais. Como veremos adiante, não podemos negar a existência deste sistema de

controle também no Brasil.

4.3 CONTROLE JUDICIAL. CARACTERÍSTICAS

Apesar de esse não ser um estudo de direito processual civil, não poderíamos deixar

de mencionar que uma das modalidades importantes de controle das cláusulas

contratuais gerais abusivas é o chamado controle judicial. Nele, caberá ao Poder

Judiciário, no exercício da jurisdição (com força de coisa julgada, portanto) julgar a

validade e a eficácia das cláusulas contratuais gerais em cada caso. Representa a

projeção processual do controle de inclusão e do controle de conteúdo das cláusulas

contratuais gerais. Aqui, deixa-se ao juiz o poder de individualizar as cláusulas que

considera abusivas.

Pode ser realizado em abstrato ou em concreto. O primeiro é um controle realizado

antes que as cláusulas contratuais gerais incorporem-se aos contratos singulares,

possuindo, pois, natureza preventiva. Tem como objeto suprimir cláusulas

contratuais gerais antes da sua incorporação nos contratos singulares, daí a

abstração deste controle judicial. É realizado para inibir a incorporação de cláusulas

abusivas em contratos singulares, sendo realizado, em regra, por meio de ações

coletivas, a serem propostas por entes legitimados.

Já o segundo controle judicial é incidental, verificado a posteriori, depois que os

contratos foram celebrados mediante a adesão às cláusulas contratuais

265 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 79.

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predispostas. É realizado tendo como objeto contratos já celebrados, contidos por

cláusulas abusivas, tendo natureza repressiva, realizado pelos afetados por tais

cláusulas contratuais gerais mediante a propositura de ações judiciais. Os efeitos

das decisões nelas proferidas são, em regra, inter partes.

O estabelecimento de um procedimento de controle abstrato (abstraktes

Kontrollverfahren) foi uma das principais novidades introduzidas com a promulgação

da Lei Alemã AGB-Gesetz, em 1976. Durante a votação desta lei, várias propostas

derrotadas tentaram introduzir o controle administrativo.266 De certa forma, tentou-se

dar resposta à constatada insuficiência dos mecanismos de controle judicial

concreto, destinados a combater o emprego de cláusulas contratuais gerais

abusivas em ações judiciais. O § 18 da AGB-Gesetz autorizava a publicação do

dispositivo da sentença para a máxima publicidade destas decisões. As cláusulas

consideradas nulas também eram registradas (§ 20), podendo o Tribunal, em alguns

casos, comunicar em ofício o Bundeskartellant para inscrição e registro das

cláusulas abusivas, que deveria ser cancelado depois de vinte anos.

Em Portugal, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG 446/85, alterada pelos

Decretos n. 220/1995 e 249/1999 e 323/2001), além do controle judicial concreto, faz

previsão de um controle judicial abstrato das cláusulas contratuais gerais. De acordo

com os arts. 25 e 26 da Lei é possível a chamada ação inibitória, em que "as

cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, podem ser proibidas

por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos

singulares", sendo que: "A acção destinada a obter a condenação na abstenção do

uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais só pode ser intentada: a)

Por associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito

previsto na legislação respectiva; b) Por associações sindicais, profissionais ou de

interesses econômicos legalmente constituídas, atuando no âmbito das suas

266 Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO, Um dos críticos do sistema da lei alemã diz que as normas

jurídicas estão sendo contrariadas pela ausência de eficácia social (efetividade) apropriada. As associações de consumidores que receberam legitimidade processual são subsidiadas pelo Estado, dispondo de orçamentos modestos para fazer frente às organizações empresariais poderosas que utilizam cláusulas contratuais gerais. Inexistiria pesquisa empírica que pudesse traçar o grau de resposta social às intenções da lei. Na maior parte dos casos, o conflito tem sido resolvido de forma amigável, individualmente, evitando-se a via judicial e restando sem solução os casos análogos. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos conratos e cláusulas abusivas. p. 82.

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atribuições; c) Pelo Ministério Público, oficiosamente, por indicação do provedor de

Justiça ou quando entenda fundamentada a solicitação de qualquer interessado".

Comentando as linhas gerais do modelo de controle judicial português, ALMENO DE

SÁ267 salienta que:

A fiscalização das condições gerais processa-se, em primeiro lugar, na

forma de controlo incidental, isto é, no âmbito de um litígio referente a

cláusulas de um contrato concluído entre determinado utilizador e o seu

parceiro negocial [...] Ao lado deste tipo de fiscalização, funciona um

processo abstracto de controlo, destinado a erradicar do tráfico jurídico

condições gerais iníquas, independentemente da sua inclusão efectiva em

contratos singulares. Consagrou-se, com esta finalidade preventiva, o

sistema da acção inibitória: visa-se que os utilizadores de condições gerais

desrazoáveis ou injustas sejam condenados a absterem-se do seu uso ou

que as organizações de interesses que recomendem tais condições aos

seus membros ou associados sejam condenadas a abandonarem essa

recomendação. [...] Relativamente ao modelo anterior, trata-se de um

novum substancial, cujas características essenciais se traduzem no seu

carater colectivo, com a atribuição de legitimidade de iniciativa a

associações ou organizações de interesses, e na eficácia ultra partes da

decisão proferida no processo judicial.

Optou o legislador português, na esteira da lei alemã, por confiar a tarefa de

fiscalização preventiva das cláusulas contratuais gerais ao Poder Judiciário e não

aos órgãos administrativos. Transitada em julgado a ação inibitória, as cláusulas

contratuais gerais não poderão ser incluídas em contratos singulares, em que o

demandado venha a celebrar posteriormente. Se não for acatada a decisão judicial,

vindo o demandado a incluir, mais tarde, em um contrato singular, cláusulas

anteriormente proibidas em ação anterior, pode a contraparte invocar uma espécie

de declaração incidental de nulidade, invocando a decisão contida na decisão

inibitória.

Ficam, portanto, consagrados dois caminhos dirigidos a assegurar a tutela dos

interessados contra cláusulas contratuais gerais iníquas ou abusivas: para as

cláusulas já integradas em contratos singulares, é possível buscar a sua nulidade

267 SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2.ed. p. 77.

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(art. 12) e, quanto às cláusulas ainda não integradas em contratos singulares,

recorre-se ao esquema da ação inibitória.268

Em Portugal, as cláusulas contratuais gerais são registradas. Por isso, nos termos

do art. 30 da LCGC, "a decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais

especificará o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta

do seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a proibição se reporta. A pedido

do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo

modo e durante o tempo que o tribunal determine" e, nos termos do art. 34, "Os

tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço (de registro) previsto no

artigo seguinte, cópia das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos

princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o uso ou a

recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas

inseridas em contratos singulares", permitindo uma maior difusão dos julgados.

Falando-se em registro das cláusulas contratuais gerais consideradas abusivas, é

importante mencionar que dentre vários aspectos relevantes que compõem a política

de controle e proteção dos consumidores dos Estados-membros da Comunidade

Européia, merece destaque a formação de uma base de dados, denominada base

CLAB,269 na qual consta o repertório de jurisprudência das cláusulas abusivas da

Comunidade Européia, aqui entendido jurisprudência como sendo qualquer

aplicação concreta da Diretiva n. 13/1993, CEE; logo, não é composta só por

decisões ou acordos judiciais, mas também por decisões administrativas, acordos

voluntários e decisões arbitrais. Em termos concretos, a União Européia adotou uma

base de dados, cujo conteúdo está na internet, disponibilizado por alguns critérios de

busca previamente dispostos (tipo de contrato, setor econômico, circunstâncias

contratuais mais corriqueiras etc). Tenta-se, assim, estabelecer um local comum

para que todos os Estados-membros adquiram uniformidade de decisões e de

práticas contratuais anti-abusivas.

Há também agora previsão da azione inibitoria no Código Civil italiano (CC, art.

1.469-sexies), destinada a combater a abusividade em abstrato da cláusula

268 ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.

Anotações ao Decreto-lei n. 446/85. p. 56. 269 European Database on Case Law Concerning Unfair Contractual Terms. Disponível em:

http://ec.europa.eu/clab/index.htm e em: https://adns.cec.eu.int/CLAB/SilverStream/Pages/pgHomeCLAB.html.

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contratual geral, inibindo seu uso.270 O legislador italiano, atento ao art. 7.º da

Diretiva Européia, optou também por uma forma de controle judicial preventivo e

abstrato das cláusulas contratuais gerais.

Na Espanha, a Lei sobre as Condições Gerais da Contratação (LCGC) também

disciplinou, no capítulo IV, o procedimento de controle abstrato das cláusulas

contratuais gerais, prescrevendo esta Lei três tipos de ações coletivas,271 previstas

no art. 12: i) a chamada ação declaratória (acción declarativa), que tem como

objetivo o reconhecimento de uma cláusula como contratual geral e,

conseqüentemente, imposição de sua inscrição no Registro de Cláusulas

Contratuais Gerais; ii) a ação de cessação (acción de cesación) e; iii) ação de

retratação (acción de retractación), que tem como objetivo o combate às cláusulas

contratuais gerais ilícitas e abusivas. A acción de cesación se destina a obter

sentença por meio da qual se condene o demandado a eliminar suas cláusulas

contratuais gerais reputadas nulas e a se abster de continuar a utilizá-las. Na acción

de retractación, pede-se que o demandado (utilizador das cláusulas contratuais

gerais) faça a retratação de sua recomendação de uso das cláusulas contratuais

gerais.

270 Segundo CRISTINA MENICHINO, a legitimação ativa desta ação não ficou exclusiva das

associações de consumidores, mas também foi conferida a camara de comércio, industria, artesanato e agricultura, bem como às associações profissionais. MENICHINO, Cristina. Clausole abusive nei contratti del consumatore: una comparazione tra il diritto italiano e brasiliano. In: NALIN, Paulo (Coord.). A autonomia privada na legalidade constitucional. Curitiba: Juruá, 2006. p. 230.

271 "Artículo 12. Acciones de cesación, retractación y declarativa. 1. Contra la utilización o la recomendación de utilización de condiciones generales que resulten contrarias a lo dispuesto en esta Ley, o en otras leyes imperativas o prohibitivas, podrán interponerse, respectivamente acciones de cesación y retractación. 2. La acción de cesación se dirige a obtener sentencia por medio de la cual se condene al demandado a eliminar de sus condiciones generales las que se reputen nulas y a abstenerse de utilizarlas en lo sucesivo. Declarada judicialmente la cesación, el actor podrá solicitar del demandado la devolución de las cantidades cobradas en su caso, con ocasión de cláusulas nulas, así como solicitar una indemnización por los daños y perjuicios causados. En caso de no avenirse a tal solicitud, podrá hacerse efectiva en trámite de ejecución de sentencia. 3. Por medio de la acción de retractación se insta la imposición al demandado, sea o no el predisponente, de la obligación de retractarse de la recomendación que haya efectuado de utilizar las cláusulas de condiciones generales que se consideren nulas y de abstenerse de seguir recomendándolas en el futuro, siempre que hayan sido efectivamente utilizadas por el predisponente en alguna ocasión. 4. La acción declarativa tendrá por objeto el reconocimiento de una cláusula como condición general de contratación e instar su inscripción únicamente cuando ésta sea obligatoria conforme al artículo 11.2, inciso final, de la presente Ley".

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A legitimação ativa vem prevista no art. 16.272 O resultado dessas demandas

determinará273 a inscrição do resultado em um registro das cláusulas contratuais

gerais. Aliás, todo caso em que houver prosperado uma ação coletiva ou uma ação

individual de nulidade ou de não incorporação relativa às cláusulas contratuais

gerais, o juiz ordenará ao titular do Registro de Cláusulas Contratuais Gerais a

inscrição da sentença.274

Nessas linhas gerais sobre o sistema de controle judicial é importante mencionar

que este é combatido por estar limitado aos casos concretos, deixando à margem

muitas situações que, pela inércia dos lesados, violam a lei, favorecendo os abusos.

Os Tribunais, diz-se, demoram a decidir, tornando irrecuperáveis os múltiplos

prejuízos cometidos, alguns em grande escala. A derrota no Judiciário é um mal

menor para o predisponente, pelos ganhos e benefícios já obtidos.

Outro motivo levantado para considerá-lo um controle insuficiente é o fato de

alcançar, em regra, um número escasso de contratantes, muitas vezes sem atenção

à generalidade e abstração das próprias cláusulas contratuais gerais, não se

estendendo o controle à totalidade dos sujeitos suscetíveis de serem afetados pelo

272 "Las acciones previstas en el artículo 12 podrán ser ejercitadas por las siguientes entidades:1. Las

asociaciones o corporaciones de empresarios, profesionales y agricultores que estatutariamente tengan encomendada la defensa de los intereses de sus miembros. 2. Las Cámaras de Comercio, Industria y Navegación. 3. Las asociaciones de consumidores y usuarios que reúnan los requisitos establecidos en la Ley 26/1984, de 19 de julio, General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios, o, en su caso, en la legislación autonómica en materia de defensa de los consumidores".

273 "Artículo 21. Publicación. El fallo de la sentencia dictada en el ejercicio de una acción colectiva, una vez firme, junto con el texto de la cláusula afectada, podrá publicarse por decisión judicial en el «Boletín Oficial del Registro Mercantil» o en un periódico de los de mayor circulación de la provincia correspondiente al Juzgado donde se hubiera dictado la sentencia, salvo que el Juez o Tribunal acuerde su publicación en ambos, con los gastos a cargo del demandado y condenado, para lo cual se le dará un plazo de quince días desde la notificación de la sentencia. Artículo 22. Inscripción en el Registro de Condiciones Generales. En todo caso en que hubiere prosperado una acción colectiva o una acción individual de nulidad o no incorporación relativa a condiciones generales, el Juez dictará mandamiento al titular del Registro de Condiciones Generales de la Contratación para la inscripción de la sentencia en el mismo".

274 "Artículo 23. Información. 1. Los Notarios y Registradores de la Propiedad y Mercantiles advertirán en el ámbito de sus respectivas competencias de la aplicabilidad de esta Ley, tanto en sus aspectos generales como en cada caso concreto sometido a su intervención. 2. Los Notarios, en el ejercicio profesional de su función pública, velarán por el cumplimiento, en los documentos que autoricen, de los requisitos de incorporación a que se refieren los artículos 5 y 7 de esta Ley. Igualmente advertirán de la obligatoriedad de la inscripción de las condiciones generales en los casos legalmente establecidos. 3. En todo caso, el Notario hará constar en el contrato el carácter de condiciones generales de las cláusulas que tengan esta naturaleza y que figuren previamente inscritas en el Registro de Condiciones Generales de la Contratación, o la manifestación en contrario de los contratantes. 4. Los Corredores de Comercio en el ámbito de sus competencias, conforme a los artículos 93 y 95 del Código de Comercio, informarán sobre la aplicación de esta Ley. "

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abuso do predisponente na utilização das cláusulas contratuais gerais. Sem contar

que o reconhecimento da abusividade de uma cláusula, nem sempre, é tornado

público, já que nem todos os países possuem um sistema de registro de cláusulas

consideradas abusivas pelos Tribunais, relegando a tarefa de registro à doutrina e à

jurisprudência dos Tribunais.

Muitas vezes os juizes, desatentos à natureza das cláusulas contratuais gerais, no

afã de proteger o aderente, sem qualquer previsão legal ou administrativa,

consideram nula uma cláusula contratual geral pela abusividade, levando em conta

apenas o desequilíbrio econômico pessoal entre as partes que, como demonstramos

anteriormente (Parte II), é presumido nos casos de cláusula contratual geral. Daí a

importância de caracterizá-las e circunscrever seu regime. Nunca é demais lembrar

que nem todas as cláusulas contratuais gerais estarão sujeitas ao microssistema

protetivo das relações de consumo, como veremos a seguir.

A falta de uma política legislativa em direção de controle abstrato e homogêneo das

cláusulas contratuais gerais provoca sérias deficiências no controle judicial, podendo

gerar, inclusive, sérios prejuízos a uma efetiva tutela do contraente prejudicado por

alguma espécie de abusividade, como lembra MASSIMO BIANCA.275

O controle judicial concreto, por melhor que seja realizado, está dependente da

iniciativa processual do lesado, que normalmente evita expor-se a litígio judicial com

o predisponente empresário, dotado de meios e recursos superiores. O controle

judicial abstrato e preventivo, por sua vez, depende da eficiência e participação dos

órgãos legitimados.276

275 "Un'ulteriore critica è rivolta contro la capacità di giudici e dottori a farsi portatori di una politica del

diritto omogenea ed efficiente, e a valutare le conseguenze economiche dei loro giudizi, che in un'analisi economica di costi e benefici potrebbero anche dare alla fine un risultato negativo o potrebbero favorire certe imprese a dano di altre". BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto - tutela dell'aderente. In: Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 537.

276 Segundo ENZO ROPPO, em trabalho publicado em 1977, "gli strumenti del controllo giudiziale tuttavia non valgono di per sé soli ad integrare il complesso ed incisivo sistema di garanzie del pubblico che il diffondersi delle prassi di contrattazione standardizzata rende oramai indifferibile. Ed un consistente filone di letteratura provvede ad identificare gli elementi che determinano l'obiettiva insufficienza delle tecniche di intervento affidate alla giurisdizione. Tra questi elementi, due (riconducibili all'operare di altrettanti principi del diritto processuale, in tema rispettivamente di estensione della efficacia del giudicato e di iniziativa in ordine all'avvio del meccanismo processuale) devo segnalarsi in modo particolare:a) il controllo giudiziale opera solo con riferimento al singolo caso dedotto in lite (laddove per fronteggiare adequatamente un fenomeno per sua natura <<di massa>> come quello della contrattazione standardizzata, ocorrono interventi di portata ed efficacia quanto piú possibile generali, tecniche di raggio operativo quanto piú possibile ampio); b) il controllo giudiziale in linea di principio opera soltanto se l'aderente assuma

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A tendência do direito encaminha-se para o abandono do controle judicial exclusivo

em favor de um sistema mais complexo e integrado, que combina a ação preventiva

da autoridade administrativa com o controle abstrato realizado pelos Tribunais.

4.4 CONTROLE DE CONTEÚDO OU LEGISLATIVO – CARACTERÍSTICAS.

Como vimos, a patologia das cláusulas contratuais gerais se configura nas

chamadas cláusulas abusivas. Sua nulidade não decorre de ilicitude, mas de

desconformidade com a justiça contratual.277

Chama-se de controle de conteúdo aquele feito por meio de previsões normativas

(gerais ou casuísticas) em que o legislador fixa os padrões legais das cláusulas

contratuais, enumerando aquelas que considerará absoluta ou relativamente

proibidas. Normalmente, os sistemas adotam dois critérios: um geral, através de

uma cláusula standard, e um específico, mediante o uso de um elenco de cláusulas

abusivas, tentando impor um controle ao conteúdo dos contratos a serem

formulados.

Os parâmetros legislativos de controle das cláusulas contratuais gerais estão cada

vez mais universalizados. De maneira geral, as listas de cláusulas proibidas são

muito próximas nas legislações que estão cuidando da matéria em todo o mundo. A

aproximação dos vários sistemas demonstra que o problema da abusividade das

cláusulas é comum e não respeita fronteiras nem ideologias.

O primeiro texto oficial aludindo a cláusulas abusivas é a Resolução n. 76-47, de 16

de dezembro de 1976, adotada pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa.

Nesse mesmo ano, em 8 de abril, a Câmara de Comércio e Industria de Paris havia

aprovado um relatório sobre "As cláusulas abusivas nos contratos de consumo".278 A

primeira lei que consagrou a nova denominação foi a Lei francesa 23/1978, relativa à

proteção dos consumidores contra as cláusulas abusivas.

l'iniziativa (e il rischio) di un processo contro il predisponente. ROPPO, Enzo. I contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. p. 560.

277 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições Gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 5. 278 GUESTIN, Jacques. Les obligations, Le contrat. p. 483. Consta que no projeto constava "clauses

leonines" alterado para "clauses abusives".

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A mais difundida designação das cláusulas (hoje) chamadas abusivas ainda é a de

cláusulas leoninas,279 mas outras denominações são encontradas na doutrina.

Algumas dessas cláusulas são assimiladas às condições potestativas, mas outras

denominações, mais ou menos correntes, tanto lá fora como aqui, eram as de

cláusulas iníquas, desleais, injustas (unfair clauses), onerosas, opressivas,

vexatórias (ex.: clausole vessatorie).

Foi o Código Civil italiano de 1942 o primeiro que tentou regulamentar o fenômeno

da contratação padronizada, enumerando no art. 1.341 nove espécies de cláusulas

que, segundo o preceito, "em todo caso não tem efeito, se não forem

especificamente aprovadas por escrito", em que a doutrina e jurisprudência italiana

passaram a chamá-las de clausole vessatorie.280

Fora da Itália, talvez tenha sido nos países da Common law, em especial nos

Estados Unidos, que há mais tempo se caracterizou uma figura similar à de cláusula

abusiva. Nos Estados Unidos era conhecida, desde há muito tempo, a noção de

unconscionable clause (cláusula exorbitante). O Uniform Commercial Code,

elaborado nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, fez previsão expressa

neste sentido, em sua Seção 2-302.281 O American Restatement of Contracts 2.ed.

(1979) ampliou o preceito, impondo, na Seção 205, o dever de agir in good faith and

fair dealing (de boa-fé e com conduta justa e correta). 279 Se atualmente cláusula abusiva é noção legal, ela não surgiu apenas com o reconhecimento

legislativo de sua existência. Cláusulas com essa natureza já eram sancionadas anteriormente, embora então se falasse em figuras como cláusulas potestativas e cláusulas leoninas. Falava-se em cláusulas potestativas para desiginar aquelas estipulações que davam a uma das partes a faculdade de modificar unilateralmente os termos do contrato, atentando o acordo de vontades (consensus). Nos termos do artigo 11, 2ª parte do Código Civil de 1916 (hoje artigo 122, 2ª parte, do Código Civil de 2002) poderia ser argüido a nulidade das cláusulas se sujeitassem o contrato "ao arbítrio de uma das partes". A velha cláusula leonina de tradição multissecular era expressiva até na referência ao que pressupõe de imposição do mais forte sobre o mais fraco.

280 "In ogni caso non hanno effetto, se non sono specificamente approvate per iscritto, le condizioni che stabiliscono, a favore di colui che le ha predisposte, limitazioni di responsabilità, (1229), facoltà di recedere dal contratto (1373) o di sospenderne l'esecuzione, ovvero sanciscono a carico dell'altro contraente decadenze (2964 e seguenti), limitazioni alla facoltà di opporre eccezioni (1462), restrizioni alla libertà contrattuale nei rapporti coi terzi (1379, 2557, 2596), tacita proroga o rinnovazione del contratto, clausole compromissorie (Cod. Proc. Civ. 808) o deroghe (Cod. Proc. Civ. 6) alla competenza dell'autorità giudiziaria".

281 § 2-302. Unconscionable contract or Clause: (1) If the court as a matter of law finds the contract or any clause of the contract to have been unconscionable at the time it was made the court may refuse to enforce the contract, or it may enforce the remainder of the contract without the unconscionable clause, or it may so limit the application of any unconscionable clause as to avoid any unconscionable result. (2) When it is claimed or appears to the court that the contract or any clause thereof may be unconscionable the parties shall be afforded a reasonable opportunity to present evidence as to its commercial setting, purpose and effect to aid the court in making the determination.

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A Diretiva da Comunitária Européia n. 13, de 1993, relativa às cláusulas abusivas

nos contratos celebrados com os consumidores, define cláusula abusiva: "uma

cláusula que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva

quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio

significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes

decorrentes do contrato", advertindo, todavia, que se concluirá que uma cláusula

não foi objeto de negociação individual "sempre que a mesma tenha sido redigida

previamente e, conseqüentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu

conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão". (art. 3.º). Há também

nesta Diretiva um anexo contendo uma lista indicativa de cláusulas que podem ser

consideradas abusivas.282

282 "Art. 3.º (3) O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser

consideradas abusivas [...] Anexo – Cláusulas previstas no n. 3 do artigo 3.º: 1. Cláusulas que têm como objectivo ou como efeito: a) Excluir ou limitar a responsabilidade legal do profissional em caso de morte de um consumidor ou danos corporais que tenha sofrido em resultado de um acto ou de uma omissão desse profissional; b) Excluir ou limitar de forma inadequada os direitos legais do consumidor em relação ao profissional ou a uma outra parte em caso de não execução total ou parcial ou de execução defeituosa pelo profissional de qualquer das obrigações contratuais, incluindo a possibilidade de compensar uma dívida para com o profissional através de qualquer caução existente; c) Prever um compromisso vinculativo por parte do consumidor, quando a execução das prestações do profissional está sujeita a uma condição cuja realização depende apenas da sua vontade; d) Permitir ao profissional reter montantes pagos pelo consumidor se este renunciar à celebração ou à execução do contrato, sem prever o direito de o consumidor receber do profissional uma indemnização de montante equivalente se for este a renunciar; e) Impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado; f) Autorizar o profissional a rescindir o contrato de forma discricionária sem reconhecer essa faculdade ao consumidor, bem como permitir ao profissional reter os montantes pagos a título de prestações por ele ainda não realizadas quando é o próprio profissional que rescinde o contrato; g) Autorizar o profissional a pôr termo a um contrato de duração indeterminada sem um pré-aviso razoável, excepto por motivo grave; h) Renovar automaticamente um contrato de duração determinada na falta de comunicação em contrário por parte do consumidor, quando a data limite fixada para comunicar essa vontade de não renovação do contrato por parte do consumidor for excessivamente distante da data do termo do contrato; i) Declarar verificada, de forma irrefragável, a adesão do consumidor a cláusulas que este não teve efectivamente oportunidade de conhecer antes da celebração do contrato; j) Autorizar o profissional a alterar unilateralmente os termos do contrato sem razão válida e especificada no mesmo; k) Autorizar o profissional a modificar unilateralmente sem razão válida algumas das características do produto a entregar ou do serviço a fornecer; l) Prever que o preço dos bens seja determinado na data da entrega ou conferir ao vendedor de bens ou ao fornecedor de serviços o direito de aumentar os respectivos preços, sem que em ambos os casos o consumidor disponha, por seu lado, de um direito que lhe permita romper o contrato se o preço final for excessivamente elevado em relação ao preço previsto à data da celebração do contrato; m) Facultar ao profissional o direito de decidir se a coisa entregue ou o serviço fornecido está em conformidade com as disposições do contrato ou conferir-lhe o direito exclusivo de interpretar qualquer cláusula do contrato; n) Restringir a obrigação, que cabe ao profissional, de respeitar os compromissos assumidos pelos seus mandatários, ou de condicionar os seus compromissos ao cumprimento de uma formalidade específica; o) Obrigar o consumidor a cumprir todas as suas obrigações, mesmo que o profissional não tenha cumprido as suas; p) Prever a possibilidade de cessão da posição contratual por parte do profissional, se esse facto for susceptível de originar uma diminuição das garantias para o consumidor, sem que este tenha dado o seu acordo; q) Suprimir ou entravar a

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Na Alemanha, o controle das cláusulas contratuais gerais não está mais na lei

especial de 1976 (AGB-Gesetz), repetidamente mencionada por ser um corpo

legislativo de grande importância para o estudo e desenvolvimento do tema. Hoje a

matéria se encontra regulada no próprio Código Civil (BGB), recentemente alterado

pela Lei de Modernização do Direito das Obrigações de 1º de janeiro de 2002

(Gesetz zur Modernisierrung des Schuldrechts), que teve como objetivo integrar ao

Código as Diretivas Comunitárias e a multiplicidade de normas especiais até então

vigentes no ordenamento alemão.

Em relação à inserção das regras das cláusulas contratuais gerais no Código Civil

Alemão, explica ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:283

O AGBG foi transposto 'em bloco' para o BGB reformado. Pretendeu

manter-se incólume a base textual que possibilitara inúmeros afinamentos

doutrinários e jurisprudenciais. Foi acolhida a parte substantiva da lei,

tendo-se condensado, em 10, os seus 14 §§: §§ 305 a 310 do BGB, nova

versão. Os comentários já surgidos aos novos §§ 305 a 310 do BGB

mantêm o desenvolvimento do AGBG. Entre as (escassas) novidades

conta-se o seu alargamento ao contrato de trabalho.

Assim, a partir de então, o controle de conteúdo das cláusulas contratuais gerais do

contrato não está mais na lei especial, mas no próprio Código Civil Alemão.

Já na lei especial de 1976 (AGB-Gesetz), a boa-fé (§ 9) era considerada o critério

geral e residual de definição da cláusula abusiva. Quando a cláusula duvidosa não

correspondesse a nenhuma das cláusulas enumeradas nas listas da lei especial, o

controle deveria se operar com fundamento na boa-fé contratual objetiva, proibindo

as cláusulas que acarretem desvantagem ao aderente de maneira não razoável,

notadamente as que desprezavam os princípios gerais positivados nas leis ou

desnaturassem o próprio contrato. Esta previsão da lei especial ainda permanece,

agora transportada para o § 307 do BGB.284

possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigando-o a submeter-se exclusivamente a uma jurisdição de arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à sua disposição ou impondo-lhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia normalmente a outra parte contratante."

283 MENEZES CORDEIRO. António. Da modernização do Direito Civil. Aspectos gerais. p. 121. 284 "§ 307 - Controllo contenutistico: Le clausule delle condizioni generali di contratto sono inefficaci se

svantaggiano in modo inadequato la controparte dell'utilizzatore in contrasto con i dettami di bona fede. Uno

svantaggio inadeguato puó derivare anche dal fatto che la clausola non è chiara e comprensibile." ("§ 307

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O AGB-Gesetz já estabelecia duas listas indicativas de cláusulas em que o

legislador reputava como abusiva. As cláusulas da primeira lista (§ 10, hoje

transportada para o § 308 do BGB) são as cláusulas suscetíveis de serem anuladas

pelo juiz, mediante análise da hipótese concreta285 (divieti di clausole con possibilità

di valutazione – Klauselverbote mit Wertungsmöglichkeit).

As cláusulas da segunda lista (§ 11, hoje transportada para o § 309 do BGB) são as

cláusulas consideradas nulas, assim entendidas sem que haja possibilidade de

ponderação e apreciação de circunstâncias pelo juiz (divieti di clausole senza

possibilità di valutazione – Klauselverbote ohne Wertungsmöglichkeit). Essas

hipóteses são consideradas pelo legislador presumidamente injustas pela própria

natureza, independentemente das circunstâncias fáticas, devendo, pois, ser

retiradas imediatamente de circulação. Enquanto acción de retractación as primeiras

são chamadas pela doutrina de lista cinza, estas são denominadas de lista negra de

cláusulas abusivas.286 Como veremos, inúmeras legislações copiaram o modelo

alemão, fazendo previsão de uma cláusula geral de abusividade, bem como listas de

cláusulas abusivas, admitindo maior ou menor ponderação no caso concreto.

Quando a cláusula duvidosa não corresponde a nenhuma das hipóteses descritas, o

controle será feito segundo a cláusula geral de boa-fé prevista no § 307 do BGB

(hoje Inhaltskontrolle e não mais Generalklausel como o § 9 da AGB-Gesetz), em

que o magistrado terá que avaliar, no caso concreto, a existência de desvantagem

excessiva.

Pouco tempo depois da AGB-Gesetz, na França, sobreveio a Lei 23, de 10 de

janeiro de 1978, conhecida pelos consumeristas como Lei Scrivener, (em

homenagem a secretária de Estado encarregada do consumo naquele Estado). Esta

lei foi incorporada ao Code de la consommation que, recentemente, foi modificado

Review of subject-matter - (1) Provisions in standard business terms are invalid if, contrary to the requirement of good faith, they place the contractual partner of the user at an unreasonable disadvantage. An unreasonable disadvantage may also result from the fact that the provision is not clear and comprehensible.").

285 Evita-se, aqui, a expressão "juízo de conveniência e oportunidade", próprio de juízo administrativo discricionário, que deve ser evitado quando do estudo dos atos jurisdicionais, evitando-se confusão de conceitos, em especial, com eventual arbitrariedade. O juiz não produz normas livremente. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. p. 52-53.

286 Entre outros ver MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. 3 ed. p. 627; PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e soluções. Revista Trimestral de Direito Civil. p. 16.

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pela Lei n. 95/1996, transpondo para o ordenamento francês a Diretiva n. 13/1993

da Comunidade Européia.

Segundo JACQUES GUESTIN e ISABELLE MARCHESSAUX VAN MELLE,287 se

cláusula abusiva na França era definida como cláusulas impostas aos não-

profissionais ou consumidores mediante abuso do poder econômico e conferindo ao

estipulante uma vantagem excessiva (dois elementos, portanto: abuso do poder

econômico e vantagem excessiva), agora, em recente alteração (L. 132-1)288 serão

consideradas abusivas as cláusulas que têm por objeto criar, em detrimento do não

profissional ou consumidor, um desequilíbrio significativo entre as partes do contrato.

A nova definição suprimiu o elemento abuso de poder econômico, de difícil

comprovação.

O controle de conteúdo das cláusulas abusivas na França é extremamente

complexo, operando-se por meio de três listas.289 De um lado, os decretos do

Conselho de Estado, podendo determinar, mediante a expedição deses decretos, os

tipos de cláusulas que deverão ser vistas como abusivas no sentido da definição

287 GUESTIN, Jacques. Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et droits

européens. In: La protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons franco-belges. p. 52. Ver ainda MARQUES, Cláudia Lima. Nova lei francesa sobre defesa do consumidor - a transformação da diretiva comunitária sobre cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, RT, n. 17, p. 353-364, 1996.

288 "Dans les contrats conclus entre professionnels et non-professionnels ou consommateurs, sont abusives les clauses qui ont pour objet ou pour effet de créer, au détriment du non-professionnel ou du consommateur, un déséquilibre significatif entre les droits et obligations des parties au contrat."

289 [...] "Article 132.1: Des décrets en Conseil d'Etat, pris après avis de la commission instituée à l'article L. 132-2, peuvent déterminer des types de clauses qui doivent être regardées comme abusives au sens du premier alinéa. Une annexe au présent code comprend une liste indicative et non exhaustive de clauses qui peuvent être regardées comme abusives si elles satisfont aux conditions posées au premier alinéa. En cas de litige concernant un contrat comportant une telle clause, le demandeur n'est pas dispensé d'apporter la preuve du caractère abusif de cette clause. Ces dispositions sont applicables quels que soient la forme ou le support du contrat. Il en est ainsi notamment des bons de commande, factures, bons de garantie, bordereaux ou bons de livraison, billets ou tickets, contenant des stipulations négociées librement ou non ou des références à des conditions générales préétablies. Sans préjudice des règles d'interprétation prévues aux articles 1156 à 1161, 1163 et 1164 du code civil, le caractère abusif d'une clause s'apprécie en se référant, au moment de la conclusion du contrat, à toutes les circonstances qui entourent sa conclusion, de même qu'à toutes les autres clauses du contrat. Il s'apprécie également au regard de celles contenues dans un autre contrat lorsque la conclusion ou l'exécution de ces deux contrats dépendent juridiquement l'une de l'autre. Les clauses abusives sont réputées non écrites. L'appréciation du caractère abusif des clauses au sens du premier alinéa ne porte ni sur la définition de l'objet principal du contrat ni sur l'adéquation du prix ou de la rémunération au bien vendu ou au service offert pour autant que les clauses soient rédigées de façon claire et compréhensible. Le contrat restera applicable dans toutes ses dispositions autres que celles jugées abusives s'il peut subsister sans lesdites clauses. Les dispositions du présent article sont d'ordre public".

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geral do art. 132-1, alínea 2, do Código de Consumo Francês, vinculando as partes

e os juízes. Esta lista é denominada pela doutrina francesa de liste grise290 (lista

cinza).

Além disso, um anexo, de 1995, fornece uma lista indicativa e não-exaustiva de

cláusulas que poderão ser consideradas como abusivas desde que preencham as

condições estabelecidas na primeira alínea (art. 132-1, 3). Esta lista é igual à lista da

Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia.

Por fim, uma Comissão de Cláusulas Abusivas é encarregada de investigar se os

modelos de convenções291 habitualmente propostos pelos profissionais e seus

contratantes não-profissionais ou consumidores, verificando se estas contêm (ou

não) cláusulas abusivas, expedindo recomendações (recommandations), em que

são declaradas séries de cláusulas abusivas.

No sistema Italiano, existem duas listas de cláusulas abusivas, além da cláusula

geral de abusividade292 e da enumeração da segunda parte do art. 1.341, do Código

Civil. Uma lista de cláusulas, também denominada lista cinza (lista grigia) em que se

presumem vexatórias (vessatorie), admitindo, contudo, prova em sentido

contrário.293 Em outra lista (lista nera),294 as cláusulas são consideradas ineficazes

290 "Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et droits européens". Em La

protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons franco-belges. Paris: L.G.D.J., 1996, p. 46.

291"Article 132-2: La commission des clauses abusives, placée auprès du ministre chargé de la consommation, connaît des modèles de conventions habituellement proposés par les professionnels à leurs contractants non professionnels ou consommateurs. Elle est chargée de rechercher si ces documents contiennent des clauses qui pourraient présenter un caractère abusif."

292 1469-bis (Capo aggiunto dall'art. 25, l. 6 febbraio 1996, n.52, in attuazione della direttiva 93/13/CEE): "vessatorie le clausole che, malgrado la buona fede, determinano a carico del consumatore un significativo squilibrio dei diritti e degli obbblighi derivanti dal contratto". (Na verdade, o trecho "malgrado la buona fede" representa a tradução do artigo 3 da Diretiva 13/93).

293 1469-bis: (...) Si presumono clausole vessatorie fino a prova contraria le clausole che hanno per oggetto o per effetto di: 1) escludere o limitare la responsabilità del professionista in caso di morte o danno alla persona del consumatore, risultante da un fatto o da un'omissione del professionista; 2) escludere o limitare le azioni o i diritti del consumatore nei confronti del professionista o di un'altra parte in caso di inadempimento totale o parziale o di adempimento inesatto da parte del professionista; 3) escludere o limitare l'opponibilità da parte del consumatore della compensazione di un debito nei confronti del professionista con un credito vantato nei confronti di quest'ultimo; 4) prevedere un impegno definitivo del consumatore mentre l'esecuzione della prestazione del professionista è subordinata ad una condizione il cui adempimento dipende unicamente dalla sua volontà; 5) consentire al professionista di trattenere una somma di denaro versata dal consumatore se quest'ultimo non conclude il contratto o ne recede, senza prevedere il diritto del consumatore di esigere dal professionista, il doppio della somma corrisposta se è quest'ultimo a non concludere il contratto oppure a recedere; 6) imporre al consumatore, in caso di inadempimento o di ritardo nell'adempimento, il pagamento di una somma di denaro a titolo di

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risarcimento, clausola penale o altro titolo equivalente d'importo manifestamente eccessivo; 7) riconoscere al solo professionista e non anche al consumatore la facoltà di recedere dal contratto, nonché consentire al professionista di trattenere anche solo in parte la somma versata dal consumatore a titolo di corrispettivo per prestazioni non ancora adempiute, quando sia il professionista a recedere dal contratto; 8) consentire al professionista di recedere da contratti a tempo indeterminato senza un ragionevole preavviso, tranne nel caso di giusta causa; 9) stabilire un termine eccessivamente anticipato rispetto alla scadenza del contratto per comunicare la disdetta al fine di evitare la tacita proroga o rinnovazione; 10) prevedere l'estensione dell'adesione del consumatore a clausole che non ha avuto la possibilità di conoscere prima della conclusione del contratto; 11) consentire al professionista di modificare unilateralmente le clausole del contratto, ovvero le caratteristiche del prodotto o del servizio da fornire, senza un giustificato motivo indicato nel contratto; 12) stabilire che il prezzo dei beni o dei servizi sia determinato al momento della consegna o della prestazione; 13) consentire al professionista di aumentare il prezzo del bene o del servizio senza che il consumatore possa recedere se il prezzo finale è eccessivamente elevato rispetto a quello originariamente convenuto; 14) riservare al professionista il potere di accertare la conformità del bene venduto o del servizio prestato a quello previsto nel contratto o conferirgli il diritto esclusivo d'interpretare una clausola qualsiasi del contratto; 15) limitare la responsabilità del professionista rispetto alle obbligazioni derivanti dai contratti stipulati in suo nome dai mandatari o subordinare l'adempimento delle suddette obbligazioni al rispetto di particolari formalità; 16) limitare o escludere l'opponibilità dell'eccezione d'inadempimento da parte del consumatore; 17) consentire al professionista di sostituire a sè un terzo nei rapporti derivanti dal contratto, anche nel caso di preventivo consenso del consumatore, qualora risulti diminuita la tutela dei diritti di quest'ultimo; 18) sancire a carico del consumatore decadenze, limitazioni della facoltà di opporre eccezioni, deroghe alla competenza dell'autorità giudiziaria, limitazioni all'allegazione di prove, inversioni o modificazioni dell'onere della prova, restrizioni alla libertà contrattuale nei rapporti con i terzi; 19) stabilire come sede del foro competente sulle controversie località diversa da quella di residenza o domicilio elettivo del consumatore; 20) prevedere l'alienazione di un diritto o l'assunzione di un obbligo come subordinati ad una condizione sospensiva dipendente dalla mera volontà del professionista a fronte di un'obbligazione immediatamente efficace del consumatore. 1469-ter. "Accertamento della vessatorietà delle clausole. La vessatorietà di una clausola è valutata tenendo conto della natura del bene o del servizio oggetto del contratto e facendo riferimento alle circostanze esistenti al momento della sua conclusione ed alle altre clausole del contratto medesimo o di un altro collegato o da cui dipende. La valutazione del carattere vessatorio della clausola non attiene alla determinazione dell'oggetto del contratto, né all'adeguatezza del corrispettivo dei beni e dei servizi, purché tali elementi siano individuati in modo chiaro e comprensibile. Non sono vessatorie le clausole che riproducono disposizioni di legge ovvero che siano riproduttive di disposizioni o attuative di principi contenuti in convenzioni internazionali delle quali siano parti contraenti tutti gli Stati membri dell'Unione europea o l'Unione europea. Non sono vessatorie le clausole o gli elementi di clausola che siano stati oggetto di trattativa individuale. Nel contratto concluso mediante sottoscrizione di moduli o formulari predisposti per disciplinare in maniera uniforme determinati rapporti contrattuali, incombe sul professionista l'onere di provare che le clausole, o gli elementi di clausola, malgrado siano dal medesimo unilateralmente predisposti, siano stati oggetto di specifica trattativa con il consumatore."

294 1469-quinquies. (...) Sono inefficaci le clausole che, quantunque oggetto di trattativa, abbiano per oggetto o per effetto di: 1) escludere o limitare la responsabilità del professionista in caso di morte o danno alla persona del consumatore, risultante da un fatto o da un'omissione del professionista; 2) escludere o limitare le azioni del consumatore nei confronti del professionista o di un'altra parte in caso di inadempimento totale o parziale, o di adempimento inesatto da parte del professionista; 3) prevedere l'adesione del consumatore come estesa a clausole che non ha avuto, di fatto la possibilità di conoscere prima della conclusione del contratto. L'inefficacia opera soltanto a vantaggio del consumatore e può essere rilevata d'ufficio dal giudice. Il venditore ha diritto di regresso nei confronti del fornitore per i danni che ha subito in conseguenza della declaratoria d'inefficacia delle clausole dichiarate abusive. E' inefficace ogni clausola contrattuale che, prevedendo l'applicabilità al contratto di una legislazione di un Paese extracomunitario, abbia l'effetto di privare il consumatore della protezione assicurata dal presente articolo, laddove il contratto presenti un collegamento più stretto con il territorio di uno stato membro dell'Unione europea.

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mesmo se objeto de tratativa. Importante: a sanção pela estipulação de cláusula

abusiva na Itália é a ineficácia.295

Na Espanha, o controle de conteúdo das cláusulas denominadas abusivas não foi

catalogado na Lei sobre Condições Gerais da Contratação (LCGC), mas na Lei

Geral para Defesa dos Consumidores e Usuários (LGDCU), por força da

integralização da Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia. Na exposição de

motivos da própria Lei sobre Condições Gerais da Contratação,296 o legislador deixa

claro que, apesar do catálogo de cláusulas abusivas em uma lei especial, nada

impede que haja abusividade entre os não-consumidores. No art. 10 bis (e anexo)297

295 MENICHINO, Cristina. Clausole abusive nei contratti del consumatore:una comparazione tra il

diritto italiano e brasiliano. In: NALIN, Paulo (Coord.). A autonomia privada na legalidade constitucional. p. 234. (1469-quinquies. Inefficacia. Le clausole considerate vessatorie ai sensi degli articoli 1469-bis e 1469-ter sono inefficaci mentre il contratto rimane efficace per il resto).

296 Segundo consta da Exposição de Motivos da própria Lei 7/98 (Lei sobre Condições Gerais da Contratação): "Esto no quiere decir que en las condiciones generales entre profesionales no pueda existir abuso de una posición dominante. Pero tal concepto se sujetará a las normas generales de nulidad contractual. Es decir, nada impide que también judicialmente pueda declararse la nulidad de una condición general que sea abusiva cuando sea contraria a la buena fe y cause un desequilibrio importante entre los derechos y obligaciones de las partes, incluso aunque se trate de contratos entre profesionales o empresarios. Pero habrá de tener en cuenta en cada caso las características específicas de la contratación entre empresas. En este sentido, sólo cuando exista un consumidor frente a un profesional es cuando operan plenamente la lista de cláusulas contractuales abusivas recogidas en la Ley, en concreto en la disposición adicional primera de la Ley 26/1984, de 19 de julio, General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios, que ahora se introduce. De conformidad con la Directiva transpuesta, el consumidor protegido será no sólo el destinatario final de los bienes y servicios objeto del contrato, sino cualquier persona que actúe con un propósito ajeno a su actividad profesional. En el artículo 10 bis y en la disposición adicional primera de la misma Ley, que lo desarrolla, se han recogido las cláusulas declaradas nulas por la Directiva y además las que con arreglo a nuestro Derecho se han considerado claramente abusivas".

297 "Lei 26/1984 (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios) Artículo 10 bis. 1. Se considerarán cláusulas abusivas todas aquellas estipulaciones no negociadas individualmente que en contra de las exigencias de la buena fe causen, en perjuicio del consumidor, un desequilibrio importante de los derechos y obligaciones de las partes que se deriven del contrato. En todo caso se considerarán cláusulas abusivas los supuestos de estipulaciones que se relacionan en la disposición adicional de la presente Ley. El hecho de que ciertos elementos de una cláusula o que una cláusula aislada se hayan negociado individualmente no excluirá la aplicación de este artículo al resto del contrato. El profesional que afirme que una determinada cláusula ha sido negociada individualmente, asumirá la carga de la prueba. El carácter abusivo de una cláusula se apreciará teniendo en cuenta la naturaleza de los bienes o servicios objeto del contrato y considerando todas las circunstancias concurrentes en el momento de su celebración, así como todas las demás cláusulas del contrato o de otro del que éste dependa. 2. Serán nulas de pleno derecho y se tendrán por no puestas las cláusulas, condiciones y estipulaciones en las que se aprecie el carácter abusivo. La parte del contrato afectada por la nulidad se integrará con arreglo a lo dispuesto por el artículo 1258 del Código Civil. A estos efectos, el Juez que declara la nulidad de dichas cláusulas integrará el contrato y dispondrá de facultades moderadoras respecto de los derechos y obligaciones de las partes, cuando subsista el contrato, y de las consecuencias de su ineficacia en caso de perjuicio apreciable para el consumidor o usuario. Sólo cuando las cláusulas subsistentes determinen una situación no equitativa en la posición de las partes que no pueda ser subsanada podrá declarar la ineficacia del contrato.

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3. Las normas de protección de los consumidores frente a las cláusulas abusivas serán aplicables, cualquiera que sea la Ley que las partes hayan elegido para regir el contrato, en los términos previstos en el artículo 5 del Convenio de Roma de 1980, sobre la Ley aplicable a las obligaciones contractuales". (Disposición adicional primera. Cláusulas abusivas):

A los efectos previstos en el artículo 10 bis, tendrán el carácter de abusivas al menos las cláusulas o estipulaciones siguientes: I. Vinculación del contrato a la voluntad del profesional. 1.ª Las cláusulas que reserven al profesional que contrata con el consumidor un plazo excesivamente largo o insuficientemente determinado para aceptar o rechazar una oferta contractual o satisfacer la prestación debida, así como las que prevean la prórroga automática de un contrato de duración determinada si el consumidor no se manifiesta en contra, fijando una fecha límite que no permita de manera efectiva al consumidor manifestar su voluntad de no prorrogarlo. 2.ª La reserva a favor del profesional de facultades de interpretación o modificación unilateral del contrato sin motivos válidos especificados en el mismo, así como la de resolver anticipadamente un contrato con plazo determinado si al consumidor no se le reconoce la misma facultad o la de resolver en un plazo desproporcionadamente breve o si previa notificación con antelación razonable un contrato por tiempo indefinido, salvo por incumplimiento del contrato o por motivos graves que alteren las circunstancias que motivaron la celebración del mismo. En los contratos referidos a servicios financieros lo establecido en el párrafo anterior se entenderá sin perjuicio de las cláusulas por las que el prestador de servicios se reserve la facultad de modificar sin previo aviso el tipo de interés adeudado por el consumidor o al consumidor, así como el importe de otros gastos relacionados con los servicios financieros, cuando aquéllos se encuentren adaptados a un índice, siempre que se trate de índices legales y se describa el modo de variación del tipo, o en otros casos de razón válida, a condición de que el profesional esté obligado a informar de ello en el más breve plazo a los otros contratantes y éstos puedan resolver inmediatamente el contrato. Igualmente podrán modificarse unilateralmente las condiciones de un contrato de duración indeterminada, siempre que el prestador de servicios financiero esté obligado a informar al consumidor can antelación razonable y éste tenga la facultad de resolver el contrato, o, en su caso, rescindir unilateralmente sin previo aviso en el supuesto de razón válida, a condición de que el profesional informe de ello inmediatamente a los demás contratantes. 3.ª La vinculación incondicionada del consumidor al contrato aun cuando el profesional no hubiera cumplido con sus obligaciones, o la imposición de una indemnización desproporcionadamente alta, al consumidor que no cumpla sus obligaciones. 4.ª La supeditación a una condición cuya realización dependa únicamente de la voluntad del profesional para el cumplimiento de las prestaciones, cuando al consumidor se le haya exigido un compromiso firme. 5.ª La consignación de fechas de entrega meramente indicativas condicionadas a la voluntad del profesional. 6.ª La exclusión o limitación de la obligación del profesional de respetar los acuerdos o compromisos adquiridos por sus mandatarios o representantes o supeditar sus compromisos al cumplimiento de determinadas formalidades. 7.ª La estipulación del precio en el momento de la entrega del bien o servicio, o la facultad del profesional para aumentar el precio final sobre el convenido, sin que en ambos casos existan razones objetivas o sin reconocer al consumidor el derecho a rescindir el contrato si el precio final resultare muy superior al inicialmente estipulado. Lo establecido en el párrafo anterior se entenderá sin perjuicio de la adaptación de precios a un índice, siempre que sean legales y que en ellos se describa explícitamente el modo de variación del precio. 8.ª La concesión al profesional del derecho a determinar si el bien o servicio se ajusta a lo estipulado en el contrato. II. Privación de derechos básicos del consumidor. 9.ª La exclusión o limitación de forma inadecuada de los derechos legales del consumidor por incumplimiento total o parcial o cumplimiento defectuoso del profesional. En particular las cláusulas que modifiquen, en perjuicio del consumidor, las normas legales sobre vicios ocultos, salvo que se limiten a reemplazar la obligación de saneamiento por la de reparación o sustitución de la cosa objeto del contrato, siempre que no conlleve dicha reparación o sustitución gasto alguno para el consumidor y no excluyan o limiten los derechos de éste a la indemnización de los daños y perjuicios ocasionados por los vicios y al saneamiento conforme a las normas legales en el caso de que la reparación o sustitución no fueran posibles o resultasen insatisfactorias. 10. La exclusión o limitación de responsabilidad del profesional en el cumplimiento del contrato, por los daños o por la muerte o lesiones causados al consumidor debidos a una acción u omisión por parte de aquél, o la liberación de responsabilidad por cesión del contrato a tercero, sin consentimiento del deudor, si puede engendrar merma de las garantías de éste. 11. La privación o restricción al consumidor de las facultades de compensación de créditos, así como de la de retención o consignación. 12. La limitación o exclusión de forma inadecuada de la facultad

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da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Usuários, estão prescritas as

cláusulas abusivas.

Como já dissemos, o The Unfair Terms in Consumer Contracts Regulations em 1994

introduziu no ordenamento inglês a Diretiva n. 93/1913, do Conselho das

Comunidades Européias. Estas regulations não estão confinadas as exemption

clauses. O test of unfairness, de acordo com a Reg. 4, em conformidade com o art.

3.º da Diretiva européia, coloca como limitador a boa-fé (good faith)298.

Por sua vez, em Portugal, o Decreto-lei n. 446/1985 estabelece o controle de

conteúdo no Capítulo V ("Cláusulas contratuais gerais proibidas") sendo que a

Seção I trata do controle das cláusulas contratuais gerais nas "relações entre

empresários ou entidades equiparadas.”299 Já a Seção II é reservada à disciplina do

controle de conteúdo nas "relações com consumidores finais.”300

Em ambas as seções há duas listas (exemplificativas) contendo cláusulas

absolutamente proibidas301 (arts. 18 e 21) e cláusulas relativamente302 proibidas

(arts. 19 e 22). Na Seção I, há a previsão de o princípio geral de controle de

conteúdo das cláusulas contratuais gerais (art. 15), com a seguinte previsão: "são

proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé".

Percebe-se, portanto, que o legislador português adotou o modelo alemão, também

enumerando uma série de cláusulas que proíbe em termos absolutos, ao lado de

outras, cuja proibição é relativa. O sistema é completado com a consagração de

uma cláusula geral, assente na boa-fé. Mas há uma novidade: em termos claros,

separam-se as relações entre empresários ou entidades equiparadas, das relações

com consumidores finais, dedicando, a cada uma delas, uma seção própria. A

del consumidor de resolver el contrato por incumplimiento del profesional. 13. La imposición de renuncias a la entrega de documento acreditativo de la operación. 14. La imposición de renuncias o limitación de los derechos del consumidor."

298 BRADGATE, Robert. Experience in the United Kingdom. The integration of Directive 93/13 into the national legal sistems. Disponível em: <http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/safe_shop/unf_cont_terms/event29_01.pdf>

299 "Nas relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica, aplicam-se as proibições constantes desta secção".

300 "Nas relações com consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas pelo artigo 15.º aplicam-se as proibições da secção anterior e as constantes desta secção."

301 São proibidas em termos absolutos, não permitem a valoração judicial. 302 Permitem ao tribunal a sua apreciação em cada caso concreto, ainda que segundo um modelo

objetivo. Permitem uma valoração judicial.

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importância desta distinção, segundo ANTÓNIO PINTO MONTEIRO,303 é que,

enquanto nas relações entre empresários ou entidades equiparadas, as cláusulas

absolutas ou relativamente proibidas são apenas as que constam, respectivamente,

dos arts. 18 e 19, nas relações com consumidores finais; além dessas cláusulas, são

igualmente proibidas, de modo absoluto ou apenas relativo, as que constam dos

arts. 21 e 22. Ou seja, tratando-se de relações com consumidores finais, são

proibidas tanto as cláusulas indicadas na Seção III, como as cláusulas proibidas da

Seção II.

Sobre a previsão do art. 15 (cláusula geral de boa-fé) no direito português, vale

colacionar as críticas de J. OLIVEIRA ASCENSÃO:304

Por que se recorreu então à cláusula geral da boa-fé, que parece tão

afastada desta problemática? Por razões que só se compreendem à luz da

ordem jurídica alemã, de onde esta consideração do tema é derivada. Aí,

doutrina e jurisprudência procuraram, antes de haver qualquer previsão

legal da matéria das cláusulas contratuais gerais, um princípio no qual

fosse possível amparar o controle destas cláusulas. Tendo oscilado entre a

boa-fé e os bons costumes, acabaram por se fixar na cláusula geral de

boa-fé. Com isto alteraram o sentido normal da boa-fé, empurrando-a para

uma função de controle objetivo do conteúdo de certas cláusulas que não

estava no âmbito normal do princípio. Mas as razões pragmáticas e a

escassez de alternativas levaram a esta opção. Conseqüentemente,

quando a lei alemã (AGB Gesetz) surgiu, havia um largo trabalho

doutrinário, assente na boa-fé, que ficou legalmente consolidado. Por isso,

o princípio geral elegido para reger a proibição de cláusulas gerais,

atendendo ao conteúdo destas, foi o princípio da boa-fé. (...) E olhando a

cláusula por si, há que reconhecer que ela não explica nada. Antes passa

ao lado da questão a resolver. O que estava em causa era determinar

quando é que uma cláusula geral não pode ser admitida, por implicar um

desequilíbrio intolerável, em detrimento do destinatário. É uma questão

puramente objetiva, em que se pondera o conteúdo das prestações. O

recurso à boa-fé não adianta. Nada esclarece sobre a desproporção, ou o

grau de desproporção, que deve existir para que a situação se torne

juridicamente intolerável. E esse é que é o problema verdadeiro. Não

custas acreditar que tenha sido ainda por influência da orientação alemã 303 MONTEIRO, António Pinto. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e

soluções. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, Padma, v. 7, p. 15, jul./set. 2001. 304 ASCENSÃO, J. Oliveira. Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa-fé. Revista

Forense, p. 110-111.

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que a previsão da boa-fé foi introduzida na diretriz sobre cláusulas

abusivas."

A grande crítica da doutrina portuguesa a respeito deste tema fica por conta da

convocação do princípio da boa-fé, sem que seja indicada, de forma expressa, uma

medida que marque o seu sentido,305 cabendo à jurisprudência a fixação de seu

alcance.306 Em Portugal, a sanção para aposição de uma cláusula abusiva é a da

nulidade da cláusula, podendo ser argüida a qualquer tempo, pelos legitimados a

ação inibitória, pelo contratante prejudicado, podendo, ainda, ser declarada de ofício

se for o caso.

4.5 CONTROLE ADMINISTRATIVO E CONTROLE JUDICIAL NO DIREITO BRASILEIRO

Em relação ao controle administrativo e controle judicial das cláusulas contratuais

gerais dirigidas aos consumidores, o texto legislativo de referência é o Código de

Defesa do Consumidor. Na redação aprovada pelo Congresso Nacional, o CDC

brasileiro optava por um sistema misto, atribuindo-se o controle administrativo

abstrato preventivo ao Ministério Público, sem prejuízo do controle judicial concreto.

O Presidente da República, ao sancionar a lei, vetou todos os dispositivos que

cuidavam do controle preventivo das cláusulas contratuais gerais e das cláusulas

abusivas (CDC, arts. 51, § 3.º, 54, § 5.º, e 83, parágrafo único), eliminando esse

importante meio de efetividade da tutela legal do contratante-consumidor.

O art. 51, § 3.º, estabelecia que o Ministério Público poderia efetuar, mediante

inquérito civil,307 o controle administrativo abstrato das cláusulas contratuais gerais,

cuja decisão teria caráter geral. O § 5.º do art. 54 do CDC, por sua vez, determinava

305 Nesse sentido, SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2.

ed. p. 36. 306A Diretiva Européia n. 13/1993, reiteradamente citada neste trabalho, estabelece somente as

regras mínimas, deixando aos Estados-membros a possibilidade de, no respeito pelo Tratado CEE, assegurarem um nível de proteção mais elevado do consumidor através de disposições nacionais mais rigorosas que a presente diretiva. De acordo com tais regras mínimas, são três as referências usadas para caracterizar a abusividade: a não negociação do contrato, a boa-fé e o desequilíbrio. Fora de contratos padronizados e de adesão, a decretação de abusividade fica a critério dos legisladores nacionais. A referência apenas à boa-fé e não também ao princípio da justiça contratual compreende-se, porque na tradição germânica, que influenciou fortemente a Diretiva, não é dado relevo autônomo ao segundo.

307 No inquérito civil o Ministério Público pode arregimentar documentos, informações, ouvir os interessados, a fim de formar sua opinião sobre a existência ou não de cláusula abusiva em determinado contrato de consumo. Há que se lembrar que o inquérito civil é ato privativo do membro do Ministério Público, não dispondo os outros órgãos legitimados do mesmo instrumento de controle.

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a remessa do formulário-padrão ao Ministério Público, para se efetivar o controle. O

parágrafo único do art. 83 admitia o controle preventivo abstrato de caráter judicial

por meio de ação promovida pelo Ministério Público, por entidade estatal, por

associação civil de defesa do consumidor ou por qualquer outro interessado.

Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,308 após os vetos, não se pode cogitar do controle

administrativo preventivo abstrato das cláusulas contratuais gerais, o que significa

lamentável recuo diante da tendência mundial e significativa barreira à efetividade da

proteção legal dos interesses difusos dos contratantes-consumidores. Mas admite o

autor, posição que concordamos, que possa ser explorada amplamente a

competência do Ministério Público para promover um controle administrativo

preventivo, através da feitura de inquéritos civis, preparatórios da ação civil pública,

por força do que lhe atribui a Constituição, nos arts. 127 e 129, III, e a Lei n. 7.347,

de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), com as alterações

introduzidas pelo próprio Código de Defesa do Consumidor.309

Partindo da premissa de que o chamado controle administrativo é aquele que ocorre

fora da esfera judiciária, realizado pelas autoridades administrativas, há que ser

lembrado que o controle administrativo das cláusulas contratuais gerais não se

resume a atuação do Ministério Público. Alguns órgãos poderão exercer um poder

de fiscalização e regulamentação (por meio de decretos, portarias e outros atos

administrativos) dirigido ao estabelecimento de padrões para que os administrados

possam exercer uma atividade controlada e fiscalizada pelo Poder Público.

Isso ocorre, por exemplo, por intermédio dos PROCONs, atuando na defesa dos

consumidores. No setor de seguros, que deve obedecer às normas traçadas pela

308 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 81. 309 Segundo NELSON NERY JÚNIOR, o veto constante do CDC não tem nenhum efeito prático, pois

continuam em vigor as disposições sobre o inquérito civil, poderoso instrumento de prevenção e de composição de conflitos de consumo, que continuará sendo utilizado pelo Ministério Público no desempenho de seus deveres institucionais, o que era feito bem antes da edição do CDC, na cidade de São Paulo, instaurava inquérito civil para apuração da existência de cláusulas abusivas em formulários utilizados para escola de línguas da capital, a fim de se evitar a propositura de ação civil pública contra tais escolas. NERY JR., Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). Código brasileiro de Defesa do Consumidor - comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. p. 455. Esta é a mesma posição de ARRUDA ALVIM, segundo o qual "nem pelo fato de ter havido esse veto, deixa de ser suscetível de utilização o inquérito civil, menos com vistas a dele fazer nascer uma 'decisão' do Ministério Público, o que desconheceria frontalmente o núcleo do veto, mas com vistas à tentativa de um acordo , que, fracassado, poderá levar à propositura de ação pelo Ministério Público". ARRUDA ALVIM, J. M. Cláusulas Abusivas e seu controle no direito brasileiro". Revista de Direito do Consumidor, n. 20, p. 277, 1996.

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SUSEP (Superintendência de Seguros Privados)310 e com as atividades bancárias,

que sofrem o controle do Banco Central do Brasil (BACEN). É comum também, vale

lembrar, a edição de Portarias contendo listas de cláusulas abusivas311 pela

Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão do Ministério da Justiça, com o

objetivo de orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Sem contar a

atuação das Agências Reguladoras (ANEEL, ANATEL, ANP, ANS, ANTT, ANVISA),

verdadeiras autarquias especiais, detentoras de poder regulamentar, com a

competência para fiscalizar a atuação dos particulares em diversos setores de

atividades (setores de telefonia, execução de serviços de petróleo, setor de saúde

etc.) que, de certa forma, têm exercido influência312 sobre os contratos celebrados

mediante o oferecimento de cláusulas contratuais gerais.

Mesmo fora das relações de consumo, podemos vislumbrar na atuação da

Comissão de Valores Mobiliários (CVM), instituída pela Lei n. 6.385/1976, exercício

de controle sobre eventuais cláusulas contratuais gerais,313 não diretamente

310 A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência

privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada pelo Decreto-lei n. 73, de 21 de novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, do qual fazem parte o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, o IRB Brasil Resseguros S.A., as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização, as entidades de previdência privada aberta e os corretores habilitados. Com a edição da Medida Provisória n. 1.940-17, de 06.01.2000, o CNSP teve sua composição alterada.

311 Ver Portarias n. 4/98, 3/99, 3/01, 5/02, 7/03 da Secretaria de Direito Econômico. 312 A título exemplificativo, em 27 de julho de 2006, foi veiculado pela imprensa (Revista Consultor

Jurídico) que o TJ/SP vetou aumento de 46,1% em plano de saúde. A Golden Cross só pode aumentar a mensalidade em 11,75% – percentual permitido pela Agência Nacional de Saúde – e não em 46,1% no plano de saúde coletivo da Sociedade Beneficente dos Empregados da Eletropaulo. O entendimento foi do desembargador Paulo Eduardo Razuk, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele aplicou o percentual fixado pela ANS para não comprometer o equilíbrio financeiro do contrato. A Sociedade Beneficente dos Empregados da Eletropaulo alegou que o funcionário pode ser penalizado com um reajuste maior do que teria se contratasse o plano de saúde individualmente. “Desta maneira, o benefício passa a ser ônus, o que não se pode permitir”, afirmou a advogada Joanna Paes de Barros, do escritório Emerenciano Baggio e Associados, que representou a entidade. Para o desembargador, o aumento das mensalidades traria risco à saúde, principalmente para as pessoas idosas que deixariam de pagar o plano por conta do aumento abusivo. Assim, ele determinou que a Golden Cross emita novos boletos para pagamento das mensalidades, com o reajuste autorizado pela ANS. A multa diária, em caso de descumprimento, é de R$ 300.

313 A Lei que criou a CVM (6.385/1976) e a Lei das Sociedades por Ações (6.404/1976) disciplinaram o funcionamento do mercado de valores mobiliários e a atuação de seus protagonistas, assim classificados, as companhias abertas, os intermediários financeiros e os investidores, além de outros cuja atividade gira em torno desse universo principal. A CVM tem poderes para disciplinar, normatizar e fiscalizar a atuação dos diversos integrantes do mercado. Seu poder normatizador abrange todas as matérias referentes ao mercado de valores mobiliários. Cabe à CVM, entre outras, disciplinar as seguintes matérias: registro de companhias abertas; registro de distribuições de valores mobiliários; credenciamento de auditores independentes e administradores de carteiras de valores mobiliários; organização, funcionamento e operações das bolsas de valores; negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários; administração de carteiras e a

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relativas aos valores mobiliários negociados (que, aliás, não possuem natureza

custódia de valores mobiliários; suspensão ou cancelamento de registros, credenciamentos ou autorizações; suspensão de emissão, distribuição ou negociação de determinado valor mobiliário ou decretar recesso de bolsa de valores; O sistema de registro gera, na verdade, um fluxo permanente de informações ao investidor. Essas informações, fornecidas periodicamente por todas as companhias abertas, podem ser financeiras e, portanto, condicionadas a normas de natureza contábil, ou apenas referirem-se a fatos relevantes da vida das empresas. Entende-se como fato relevante, aquele evento que possa influir na decisão do investidor, quanto a negociar com valores emitidos pela companhia. A CVM não exerce julgamento de valor em relação à qualquer informação divulgada pelas companhias. Zela, entretanto, pela sua regularidade e confiabilidade e, para tanto, normatiza e persegue a sua padronização. A atividade de credenciamento da CVM é realizada com base em padrões pré-estabelecidos pela Autarquia que permitem avaliar a capacidade de projetos a serem implantados. A Lei atribui à CVM competência para apurar, julgar e punir irregularidades eventualmente cometidas no mercado. Diante de qualquer suspeita a CVM pode iniciar um inquérito administrativo, através do qual, recolhe informações, toma depoimentos e reúne provas com vistas a identificar claramente o responsável por práticas ilegais, oferecendo-lhe, a partir da acusação, amplo direito de defesa. O Colegiado tem poderes para julgar e punir o faltoso. As penalidades que a CVM pode atribuir vão desde a simples advertência até a inabilitação para o exercício de atividades no mercado, passando pelas multas pecuniárias. A CVM mantém, ainda, uma estrutura especificamente destinada a prestar orientação aos investidores ou acolher denúncias e sugestões por eles formuladas. Quando solicitada, a CVM pode atuar em qualquer processo judicial que envolva o mercado de valores mobiliários, oferecendo provas ou juntando pareceres. Nesses casos, a CVM atua como "amicus curiae" assessorando a decisão da Justiça. Em termos de política de atuação, a Comissão persegue seus objetivos através da indução de comportamento, da auto-regulação e da auto-disciplina, intervindo efetivamente, nas atividades de mercado, quando este tipo de procedimento não se mostrar eficaz.No que diz respeito à definição de políticas ou normas voltadas para o desenvolvimento dos negócios com valores mobiliários, a CVM procura junto a instituições de mercado, do governo ou entidades de classe, suscitar a discussão de problemas, promover o estudo de alternativas e adotar iniciativas, de forma que qualquer alteração das práticas vigentes seja feita com suficiente embasamento técnico e, institucionalmente, possa ser assimilada com facilidade, como expressão de um desejo comum.A atividade de fiscalização da CVM realiza-se pelo acompanhamento da veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participam e aos valores mobiliários negociados. Dessa forma, podem ser efetuadas inspeções destinadas à apuração de fatos específicos sobre o desempenho das empresas e dos negócios com valores mobiliários. De acordo com a lei que a criou, a Comissão de Valores Mobiliários exercerá suas funções, a fim de: assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários; evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários negociados no mercado; assegurar o acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido; assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários; estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários; promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social das companhias abertas. Ver PAPINI, Roberto. Sociedade Anônima e Mercado de Valores Mobiliários. 2 ed.; COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 2. Valores mobiliários são instrumentos de captação de recursos, para o financiamento da empresa, explorada pela sociedade anônima que os emite, e representam, para quem os subscreve ou adquire, uma alternativa de investimento. Alguns autores dão aos valores imobiliários a natureza de títulos de crédito. Na verdade, o titular do valor mobiliário é credor da sociedade anônima emitente, o titular do valor mobiliário não tem, perante a sociedade emissora, nenhum direito creditício (ex. como é o caso do Commercial Paper, mas em outras, como acontece no caso do bônus de subscrição). Em se tratando de valores mobiliários, como as ações, a gama de direitos conferidos ao acionista é muito mais extensa, compreende não só o crédito pelos dividendos ou juros sobre o capital próprio, mas também os direitos de fiscalizar e, por vezes, intervir na administração da empresa. Assim, afirma que, nem sempre os valores mobiliários asseguram direitos creditícios, não atendendo ao primeiro requisito dos títulos de crédito".

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contratual) mas sobre eventual contrato entre empresas e antes do oferecimento de

valores mobiliários ao público, dispostas a oferecer algo ao mercado. A nosso ver, a

própria exigência de registro na CVM para negociar em bolsa e balcão já é, por si

só, uma espécie de controle administrativo das cláusulas gerais da negociação em

bolsa.

Também não poderíamos ignorar, a priori, eventual intervenção (preventiva ou

repressiva) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)314 para, por

exemplo, coibir ato danoso à concorrência praticado por algum agente econômico ou

empresa predisponente, que, por exemplo, em eventual contrato de distribuição,315

estabeleça cláusulas contratuais gerais prejudiciais ou restritivas ao mercado.316

314 O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, criado em 1962 e transformado, em

1994, em Autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, tem suas atribuições previstas na Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994. Ele tem a finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exercendo papel tutelador da prevenção e repressão do mesmo. O CADE é a última instância, na esfera administrativa, responsável pela decisão final sobre a matéria concorrencial. Assim, após receber os pareceres das duas secretarias (Seae e SDE) o CADE tem a tarefa de julgar os processos. O órgão desempenha, a princípio, três papéis: 1. Preventivo; 2. Repressivo e 3. Educativo. O papel preventivo corresponde basicamente à análise dos atos de concentração, ou seja, à análise das fusões, incorporações e associações de qualquer espécie entre agentes econômicos. Este papel está previsto nos artigos 54 e seguintes da Lei n. 8.884/1994. Os atos de concentração não são ilícitos anticoncorrenciais, mas negócios jurídicos privados entre empresas. Contudo, deve o CADE, nos termos do artigo 54 da Lei n. 8.884/1994, analisar os efeitos desses negócios, em particular, nos casos em que há a possibilidade de criação de prejuízos ou restrições à livre concorrência, que a lei antitruste supõe ocorrer em situações de concentração econômica acima de 20% do mercado de bem ou serviço analisado, ou quando uma das empresas possui, no mínimo, quatrocentos milhões de faturamento bruto. Caso o negócio seja danoso à concorrência, o CADE tem o poder de impor obrigações – de fazer e de não-fazer – às empresas como condição para a sua aprovação, determinar a alienação total ou parcial dos ativos envolvidos (máquinas, fábricas, marcas, etc.), ou alteração nos contratos. O papel repressivo corresponde à análise das condutas anticoncorrenciais. Essas condutas anticoncorrenciais estão previstas nos artigos 20 e seguintes da Lei n. 8.884/1994 e na Resolução n. 20 do CADE, de forma mais detalhada e didática. Neste caso, o CADE tem o papel de reprimir práticas infrativas à ordem econômica, tais como: cartéis, vendas casadas, preços predatórios, acordos de exclusividade, dentre outras. É importante ressaltar que a existência de estruturas concentradas de mercado (monopólios, oligopólios), em si, não é ilegal do ponto de vista antitruste. O que ocorre é que nestes há maior probabilidade de exercício de poder de mercado e, portanto, maior a ameaça potencial de condutas anticoncorrenciais. Tais mercados devem ser mais atentamente monitorados pelos órgãos responsáveis pela preservação da livre concorrência, sejam eles regulados ou não.

315 Segundo PAULA A. FORGIONI, contrato de distribuição é "bilateral, sinalagmático, atípico e misto, de longa duração, que encerra um acordo vertical, pelo qual um agente econômico (fornecedor) obriga-se ao fornecimento de certos bens ou serviços a outro agente econômico (distribuidor), para que este os revenda, tendo como proveito econômico a diferença entre o preço de aquisição e de revenda e assumindo obrigações voltadas à satisfação das exigências do sistema de distribuição do qual participa". FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. São Paulo: RT, 2006. p. 116. A autora cita interessante exemplo em que o CADE atuou para dirimir se era possível o agente econômico, (editoras) através de cláusulas contratuais gerais, estipular o preço de revenda das livrarias. (p. 171).

316 A Lei n. 8.884/1994 também estabelece hipóteses de controle pelo CADE em atos e contratos nos seguintes termos: "Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de

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No Brasil, o controle judicial das cláusulas contratuais gerais pode ser feito mediante

ação autônoma, proposta com esta finalidade, por diversos interessados. Em

primeiro lugar, para expurgar as cláusulas consideradas abusivas, estão legitimados

os consumidores lesados, por meio de ação individual autônoma. Depois, estará o

Ministério Público, que pode recorrer a juízo não só na hipótese do art. 51, § 4.º 317

do CDC, como por meio da ação coletiva prevista no art. 82 do CDC, e ainda por

meio da ação civil pública. Em terceiro lugar, o controle judicial pode ser provocado

pelas outras entidades legitimadas, ao lado do Ministério Público, para a defesa de

interesses ou direitos difusos ou coletivos (CDC, arts. 81 e 82): associações de

consumidores, União, os Estados e Municípios, e ainda órgãos oficiais criados para

defesa de consumidores (ex.: PROCONs).

Aliás, uma das mais significativas inovações do direito processual, para tornar o

direito do consumidor efetivamente realizável, é a ação civil pública (e congêneres:

class action, ação inibitória, association claim), em que os legitimados a agir não

postulam direitos ou interesses individuais nem de terceiros, mas os interesses

comunitários, difusos, subjetivamente indetermináveis. A eficácia erga omnes da

decisão judicial constitui outro avanço. Em sede de cláusulas contratuais gerais, o

controle judicial, antes circunscrito ao episódico controle do ato, assumiu a função

de controle da predisposição, conseqüentemente, da atividade jurídica do

predisponente em sua complexidade. Por certo, esse conjunto de controles não

impede que a lesão aos direitos do aderente prossiga.

Portanto, o controle judicial poderá ser sucessivo como também preventivo. Afinal,

nos termos do art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, a lei não poderá excluir do

Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito. Apesar do veto ao parágrafo

qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do Cade. § 1º O Cade poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as seguintes condições: I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro; III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços; IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados".

317 A solicitação a que se refere o § 4.º do art. 51 não é vinculativa para o Ministério Público, não sendo esta condição de procedibilidade, podendo o Ministério Público promover estas ações independentemente de solicitação.

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único do art. 83 do CDC,318 não ficou vedado o controle abstrato de cláusulas

inseridas em reais contratos de consumo, com a proibição de sua inserção em

futuros contratos, o que não deixa de ser forma de controle preventivo.

Como explica KAZUO WATANABE,319 talvez o uso da expressão “controle abstrato”

tenha assustado o Executivo. A expressão completa é controle abstrato e

preventivo, o que significa que a tutela processual prevista somente poderá ser

postulada em relação a determinado contrato que um fornecedor esteja em vias de

ofertar ou mesmo já tenha ofertado ao público. O escopo do processo preventivo

será a proteção de todos os consumidores coletivamente considerados e que ainda

não tenham concluído qualquer contrato com o fornecedor. Assim, o âmbito de

controle exercitável pelos órgãos legitimados abrange não só as cláusulas de

contratos já concluídos mediante adesão dos consumidores a cláusulas contratuais

gerais, como também os formulários em que estão as cláusulas contratuais gerais e

que se transformarão em futuros contratos de adesão.

Esse controle, como já dito, pode ser promovido por outros órgãos legitimados, e

não só as associações de proteção aos consumidores. Vale frisar novamente que,

sendo o CADE autarquia legitimada para propositura de ações civis públicas para

defesa da ordem econômica e da livre concorrência (LACP, art. 5.º, II), não podemos

deixar de mencionar a possibilidade de controle judicial das cláusulas contratuais

gerais que envolvam esta matéria, por iniciativa deste órgão.320

Importante lembrarmos que, apesar de não existirem regras específicas regulando o

controle judicial abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais (tal como nos

casos em que são dirigidas aos potenciais consumidores), existe no Brasil, ainda

que para restritas hipóteses, a possibilidade desta modalidade de controle para as

relações de não-consumo. Se imaginarmos o CADE, na qualidade de autor de ação

civil pública, ingressando com ação contra uma rede de supermercados ou uma

determinada distribuidora de produtos, acusando-a de praticar preços abaixo do

custo, em prejuízo da livre concorrência, pedindo ao juízo a alteração de suas

318 O parágrafo único do art. 83 do CDC foi vetado. Nele continha o seguinte preceito: "poderá ser

ajuizada, pelos legitimados no artigo anterior ou por qualquer interessado ação visando o controle abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais".

319 WATANABE, kazuo. Disposições Gerais. In: Código brasileiro de Defesa do Consumidor - comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. p. 748.

320 Sobre as formas de intervenções do CADE, ver SCARPINELLA BUENO, Cassio. Amicus curiae no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 321-335.

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práticas comerciais, a conseqüência desta demanda pode ser a alteração de

cláusulas contratuais gerais que ainda não foram inseridas em um contrato

empresarial. Não haveria, nesse caso, benefícios diretos ao consumidor, sendo

esses, quando muito, apenas indiretos. Nada impede, em tese, que uma dada

associação (de representantes comerciais, distribuidores etc.) ingresse com ação

civil pública (LACP, art. 5.º, II), para que seja impedida inserção de uma cláusula

contratual geral em suas transações comerciais por representar ofensivo à ordem

econômica e a concorrência.

O controle judicial (e administrativo) das cláusulas contratuais gerais deveria

obedecer as suas características, em especial, a abstração, rigidez e uniformidade.

Afinal, se o direito processual é informado pelas peculiaridades do direito material, o

controle judicial das cláusulas contratuais gerais não pode ser feito tendo em conta,

tão-somente, os aspectos pessoais e individuais do futuro contraente.

Essas peculiaridades do direito material levaram o professor KAZUO WATANABE,321

em parecer inédito, a concluir que as ações individuais que veiculem a mesma

pretensão da ação coletiva ou de uma outra ação individual com o mesmo escopo

são inadmissíveis por significarem um bis in idem, que poderá dar origem a conflitos

práticos, e não apenas lógicos, de julgados, o que o nosso ordenamento jurídico não

tolera (daí, os institutos da litispendência e da coisa julgada). Segundo o

processualista, muitos erros têm sido cometidos na práxis forense pela desatenção

dos operadores do direito às peculiaridades da relação jurídica material em face da

qual é deduzido o pedido de tutela jurisdicional, como a inadmissível fragmentação

de um conflito coletivo em múltiplas demandas coletivas, quando seria admissível

uma só, ou senão a propositura de demandas pseudoindividuais fundadas em

relação jurídica substancial de natureza incindível. Um caso paradigmático desses

equívocos na atualidade, que vem causando enormes embaraços a nossa Justiça, é

o pertinente às tarifas de assinatura telefônica. Em um só Juizado Especial Cível da

Capital de São Paulo, foram distribuídas mais trinta mil demandas individuais dessa

espécie que, em nosso sentir, na conformidade das ponderações a seguir

desenvolvidas, são demandas pseudoindividuais.

321 WATANABE, Kazuo. Relação entre demanda coletiva e demandas individuais. In: PELLEGRINI,

Ada; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coords). Direito Processual Coletivo em perspectiva e Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, a ser publicado em breve pela DPJ Editora.

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Sobre os problemas causados por um controle judicial individual precipitado, sem a

percepção da dimensão das cláusulas contratuais gerais, orienta-nos KAZUO

WATANABE para a importância do controle administrativo e judicial abstrato,322

como sendo aquele que melhor responde às necessidades do direito material

envolvido, cuja transcrição se mostra elucidativa:

Em todo o Estado de São Paulo, há mais de 130.000 feitos dessa natureza,

que são idênticos aos ajuizados, aos milhares, em vários outros Estados da

Federação. Analisando o caso sob o ângulo da legitimação “ad causam”,

afirma FLÁVIO LUIZ YARSHELL, com todo o acerto, que, “se o que se

pretende é, de alguma forma, alterar a regulação a cargo da agência, então

parece não ser lícito impor provimento jurisdicional pretendido sem a

presença daquele que será diretamente afetado pela modificação de um

dado estado jurídico”. Anota que todos os agentes econômicos sujeitos à

regulação em dado segmento econômico deveriam figurar no pólo passivo

“porque todos eles – destinatários que são de regulação ditada por

determinada agência – compõem uma relação jurídica incindível: não seria

possível alterar a regulação para um sem alterar para todos.” (Grifo nosso.)

(LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Brevíssimas reflexões a

propósito da legitimidade passiva nas ações civis públicas envolvendo

atividades sujeitas à regulação. In: Tutela Coletiva. Atlas, 2006, p. 112). A

análise do regime jurídico a que está submetida concessão do serviço de

telecomunicações é fundamental para o assentamento da correta

conclusão a respeito da questão em estudo. [...] Após a flexibilização do

monopólio estatal da exploração dos serviços públicos de

telecomunicações, manteve o Estado o poder regulatório do setor, tendo

sido criada para esse fim, pela Lei n. 9.472/1997, a Agência Nacional de

Telecomunicações – ANATEL. A participação da iniciativa privada na

322 Vale citar a existência do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, que traz

disposições específicas a respeito desse importante e controvertido tema. Assim dispõe o seu art. 6.º: “Relação entre demanda coletiva e ações individuais – A demanda coletiva não induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou interesses próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 12 deste Código) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação individual”. [...] § 3.º – “O Tribunal, de ofício, por iniciativa do juiz competente ou a requerimento da parte, após instaurar, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão de processos individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos referidos a relação jurídica substancial de caráter incindível, pela sua própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as questões devam ser decididas de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada demanda coletiva versando sobre o mesmo bem jurídico”.§ 4.º – “Na hipótese do parágrafo anterior, a suspensão do processo perdurará até o trânsito em julgado da sentença coletiva, vedada ao autor a retomada do curso do processo individual antes desse momento.”

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exploração dos serviços de telecomunicações é feita mediante autorização,

concessão ou permissão. [...] O contrato de concessão deve indicar,

conforme dispõem os arts. 93, n. VII, e 103, § 3.º, as tarifas a serem

cobradas dos usuários e os critérios para seu reajuste e revisão. À Agência

(ANATEL) foi atribuída a competência para “estabelecer a estrutura tarifária

para cada modalidade de serviço” (art. 103, caput) e a incumbência de

“controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços

prestados no regime público” (art. 19, n. VII). Significa isto que as

concessionárias de serviços de telecomunicações estão submetidas a uma

política regulatória a cargo da ANATEL – Agência Nacional de

Telecomunicações, inclusive no tocante à fixação de tarifas. A estrutura

tarifária é fixada no próprio contrato de concessão, celebrado pelas

Concessionárias com a ANATEL. Essa estrutura tarifária deve ser aplicada

de modo uniforme em relação a todos os usuários e, sem que a respeito

dela haja decisão da ANATEL, não poderá ser feita qualquer alteração por

iniciativa da Concessionária. Qualquer modificação na cesta tarifária, como

a exclusão da tarifa de assinatura, como é pretendido nas ações coletivas e

nas demandas pseudoindividuais acima mencionadas, afetará

profundamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de

concessão, que é um dos direitos básicos da Concessionária e sem esse

equilíbrio estará irremediavelmente comprometido o cumprimento das

várias obrigações e metas estabelecidas no contrato de concessão. Os

contratos celebrados com os usuários, de prestação de serviço telefônico,

são umbilicalmente ligados ao contrato de concessão, devendo observar as

condições neste estabelecidas pelo Estado, não assistindo à

Concessionária o direito de estabelecer qualquer regra de sua livre

escolha, mormente em matéria de tarifas. [...] Pela natureza unitária e

incindível e pelas peculiaridades já mencionadas do contrato de

concessão, qualquer modificação na estrutura de tarifas, inclusive por

decisão do Judiciário, somente poderá ser feita de modo global e uniforme

para todos os usuários. Jamais de forma individual e diversificada, com a

exclusão de uma tarifa em relação apenas a alguns usuários e sua

manutenção em relação aos demais. [...] A obrigatoriedade de tratamento

igualitário dos usuários resulta não somente das próprias peculiaridades, já

mencionadas, do contrato de concessão, como também de preceitos legais

expressos que disciplinam a prestação do serviço de telecomunicação

(arts. 106 e 107 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9.472/1997) [...]

Dispõe o art. 106: “A concessionária poderá cobrar tarifa inferior à fixada

desde que a redução se baseie em critério objetivo e favoreça

indistintamente todos os usuários, vedado o abuso do poder econômico”. E

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o art. 107 assim soa: “Os descontos de tarifa somente serão admitidos

quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições,

precisas e isonômicas, para sua fruição”. [...] Resulta de todas essas

considerações que qualquer demanda judicial, seja coletiva ou individual,

que tenha por objeto a impugnação da estrutura tarifária fixada pelo Estado

no exercício do seu poder regulatório, somente poderá veicular pretensão

global, que beneficie todos os usuários, de modo uniforme e isonômico,

uma vez que a estrutura tarifária, como visto, deve ter natureza unitária

para todas as partes que figuram no contrato de concessão e nos contratos

de prestação de serviços de telefonia. Uma ação coletiva seria mais

apropriada para essa finalidade. As ações individuais, acaso fossem

admissíveis, e não o são, devem ser decididas de modo global, atingindo

todos os usuários, em razão da natureza incindível da relação jurídica

substancial. Todas elas, na verdade, buscam a tutela de posições

individuais que “se inserem homogeneamente na situação global” (na

expressão de BARBOSA MOREIRA, v. citação supra), de modo que a

decisão deve ser do mesmo teor para todos que se encontrem na mesma

situação jurídico-substancial, o que significa que uma só demanda seria

suficiente para a proteção da totalidade de usuários. Essas ações

individuais são similares às ações individuais movidas por um ou alguns

acionistas para a anulação de deliberação assemblear ou à ação individual

movida por uma vítima contra a poluição ambiental praticada por uma

indústria. E não teria aplicação a regra expressa no art. 104 do Código de

Defesa do Consumidor, pois, a relação jurídica substancial que integra o

objeto litigioso do processo é de natureza unitária e incindível, sendo

inadmissível sua atomização em pretensões individuais referidas a um

ponto da situação global (v.g.,estrutura tarifária) em que deve haver

necessariamente a inserção uniforme de todos usuários, sob pena de

impossibilidade de subsistência da própria relação global. A solução que

seria mais apropriada, em nosso sentir, na conformidade das ponderações

acima desenvolvidas, seria a proibição de demandas individuais referidas a

uma relação jurídica global incindível. Porém, a suspensão dos processos

individuais poderá, em termos práticos, produzir efeitos bem próximos da

proibição, se efetivamente for aplicada pelo juiz da causa. A importância do

dispositivo está em procurar disciplinar uma situação que, na atualidade,

em virtude da inexistência de uma regra explícita, está provocando

embaraços enormes à Justiça, com repetição absurda de demandas

coletivas e também de pseudo-demandas individuais, cuja admissão, muito

ao contrário de representar uma garantia de acesso à justiça, está se

constituindo em verdadeira denegação da justiça pela reprodução, em

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vários juízos do país, de contradição prática de julgados, que se traduzem

num inadmissível tratamento discriminatório dos usuários dos serviços de

telecomunicação.

Repita-se, mais uma vez, que o controle abstrato e homogêneo das cláusulas

contratuais gerais é o que se apresenta mais eficaz e o que melhor atende as suas

peculiaridades, mas que, infelizmente, tem se restringido à tutela do consumidor.

Talvez o conhecimento da dimensão e da repercussão social, jurídico e econômica

das cláusulas contratuais gerais seja útil para, por meio de uma nova leitura dos

mecanismos processuais conhecidos, seja permitido um controle judicial mais efetivo

e consectâneo das especificidades do instituto.

Portanto, para fins deste trabalho, importante mencionar que o controle judicial

preventivo (abstrato) é feito, quase que em sua maioria, na defesa da

vulnerabilidade dos consumidores, o que não quer dizer que os contratos entre não-

consumidores não possam ser alvo de tutela preventiva e coletiva. Assim, sempre

que for admitido pela legislação, os órgãos fiscalizadores das atividades controladas

pelo Poder Público poderão exercer o controle administrativo ou judicial preventivo

das cláusulas contratuais gerais.

De toda forma, podemos concluir que o sistema brasileiro aproximou-se, assim, do

sistema alemão da AGB-Gesetz, cuja maior crítica reside na ausência de um

controle preventivo administrativo.

Por último, apesar das sugestões de lege ferenda propugnado pela doutrina,323 não

há um sistema de registro das cláusulas consideradas abusivas pelo judiciário.

Quando muito, temos apenas disponível no site dos Tribunais um acervo on-line de

jurisprudência, com os mais variados assuntos. As serventias extrajudiciais, salvo

algumas hipóteses restritas,324 ainda não atuam no registro do modelo das cláusulas

contratuais gerais, não havendo entre estes e o Ministério Público um canal de

comunicação para combate de cláusulas potencialmente abusivas.

323 SOBRINHO, Mário de Camargo. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação

específica. p. 207. 324 Exemplo que pode ser citado é a exigência do art. 18, inc. VI da Lei de Parcelamento do Solo

urbano (Lei n. 6.766/79), que subordina o registro do loteamento ou desmembramento à juntada de "exemplar de contrato-padrão de promessa de venda ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta lei".

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176

4.6 CONTROLE DE CONTEÚDO NO BRASIL – PARÂMETROS EXISTENTES NO CÓDIGO CIVIL DE

2002 PARA CARACTERIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS E SEU CONTROLE

Para as relações de consumo, o controle de conteúdo das cláusulas contratuais

gerais está disciplinado no Capítulo VI, Título I, do CDC, mais precisamente, nos

arts. 51 e 53. Apesar de não ser um trabalho voltado à análise do Código de Defesa

do Consumidor (mas sim do Código Civil), não podemos ignorar essa importante

regulação. A proteção contra cláusulas consideradas abusivas, no Brasil, é

considerada um dos direitos fundamentais dos consumidores (CDC, art. 6.º, IV).

No Código de Defesa do Consumidor, não temos duas listas, mas apenas uma única

lista exemplificativa, enumerando cláusulas consideradas abusivas (lista negra),

prevista no art. 51.325 Diferentemente da previsão de outros países, não se admite

prova contrária da abusividade. O caput do artigo citado é peremptório: estas

cláusulas serão nulas de pleno direito.

325 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento

de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III – transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V – (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. Outra norma importante norma de controle de conteúdo disposta no CDC é o § 1.º, que se presume exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2.° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3.° (Vetado). § 4.° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

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Dentro desse elenco de cláusulas abusivas, podemos encontrar o inciso IV, do art.

51. Da mesma forma que o atual § 307 do BGB, temos no Brasil um critério geral326

de abusividade, considerando como abusivas as cláusulas que estabeleçam

"obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em

desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade".

Esse critério geral de controle de conteúdo deve ser levado a cabo quando se

estiver diante de uma situação concreta insuscetível de ser enquadrada em qualquer

uma das hipóteses de cláusulas abusivas enumeradas pelo mesmo artigo. E

segundo o legislador, as 15 (quinze) hipóteses de cláusulas abusivas são

consideradas, ex lege, nulas de pleno direito.

Segundo ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO:327

O rol de cláusulas abusivas, no art. 51 do CDC, tem bem o espírito de

ecletismo, próprio do direito brasileiro. Admitiu, como fundamento dos

vários incisos, tanto a explicação francesa de abusividade, que é a de

desequilíbrio entre direitos e deveres (incs. IX, X, XI e XIII), quanto a

alemã, de boa-fé (incs. IV e VIII) não se limitando, de resto, às duas

orientações (inc. XIV). Quanto ao seu sistema, o CDC foi também dúplice:

não ficou numa dicção que, à moda de cláusula geral, abarcasse toda e

qualquer hipótese, nem optou por soluções tópicas, com a enumeração

exaustiva de cláusulas abusivas. O art. 51 fez as duas coisas: trouxe lista

de cláusulas abusivas e inciso genérico. Essa solução mista tem, por sua

vez, a nosso ver, dupla vantagem: resolve problemas concretos (com a

lista) e dá ao juiz arma para modificar cláusulas abusivas não previstas

(inciso genérico).

O que deve ser salientado nesse trabalho é que o controle de conteúdo das

cláusulas abusivas também existirá fora dos contratos de consumo, fato que tem

326 Evita-se aqui a denominação cláusula geral, por entender que o preceito normativo é caso de

conceito jurídico indeterminado. Nestas, o legislador se limita a reportar, ao fato concreto, o elemento vago indicado na fattispecie, individualizando a hipótese abstratamente posta, cujos efeitos foram predeterminados legislativamente. São normas cujo grau de vagueza existe, mas é mínimo, implicando ao juiz somente o poder de estabelcer o significado do enunciado normativo. A consequência normativa está prevista no art. 51, caput: a cláusula será nula de pleno direito. Neste sentido ver MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. p. 296-348 (a linguagem e as funções das cláusulas gerais); JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo Código Civil. p. 4; MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 1175-1176.

327 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A relação jurídica resultante do contrato para operacionalização e realização de sorteios não é relação de consumo. In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 233.

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passado despercebido com a salutar expansão dos estudos de direito do

consumidor. O controle da abusividade de uma cláusula inserida em um contrato

individual decorre da aplicação de princípios gerais do sistema, não representando

fenômeno restrito às relações de consumo, sendo viável o seu reconhecimento em

todo e qualquer contrato.

Não se nega, nem se afirma, a possibilidade de influência recíproca entre o Código

Civil e o Código de Defesa do Consumidor, e o modo como ela pode se dar, mas

esse é um tema que necessita de trato exclusivo, que não caberia nas pretensões

desse trabalho.

O fato é que a difusão das cláusulas contratuais gerais forçou o legislador das

relações de consumo a regulamentar, nos arts. 51 e 53, as cláusulas abusivas,

baseando-se nas previsões estrangeiras nesse sentido. Mas, se as cláusulas

contratuais gerais não são privativas às relações de consumo, a sua abusividade

também não o é.

Na verdade, se observarmos corretamente, o Código Civil de 2002 apresenta uma

norma expressa sobre cláusula abusiva, que é o art. 424. Este dispositivo em nada

contraria os dispositivos do CDC, ao contrário, reforça-os, como conclui CLÁUDIA

LIMA MARQUES, em estudo sobre possíveis diálogos entre o CDC e o Código Civil

de 2002.328

Temos que lembrar que o modelo brasileiro é sui generis. Temos dois Códigos

separados e autônomos, com normas especiais (e cláusulas gerais) especiais que

se voltam para a proteção do consumidor, presumindo-o vulnerável e definido de

forma especial. Segundo previsão Constitucional (CF, art. 5.º, XXXII, 170, V, e art.

48 do ADCT), quis que o CDC fosse voltado para as relações entre consumidores e

328 "Para apresentar este diálogo novo no sistema de direito brasileiro, quero concentrar-me um pouco

no fenômeno do combate às cláusulas abusivas. Isto porque o novo Código Civil unitário de 2002, de forma expressa, em seu art. 422, obriga a todos os contratantes (leigos e profissionais) a guardar na conclusão e na execução dos contratos os princípios da probidade e da boa-fé. Da mesma forma, o Código novo limita a liberdade contratual geral à função social do contrato (art. 421) assim como traz normas sobre o controle (art. 424) e a interpretação dos contratos de adesão (art. 423) entre "civis" e entre "empresários" (art. 966 e seguintes do CC/2002). Mas, em verdade, na parte geral dos contratos, o CC/2002 traz apenas uma norma sobre cláusulas abusivas, o art. 424, que em nada colide ou conflita com os arts. 51, 53 e 54, do CDC, ao contrário reforça o mesmo espírito [...] Logo, conclui-se que não há conflito possível entre o art. 424 e as normas do CDC, há na verdade diálogo neste sistema plural. MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. In: Codigo de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 - convergências e assimetrias. São Paulo: RT. p. 47.

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fornecedores, e não o Código Civil. E como lembra CLÁUDIA LIMA MARQUES,329

não há conflito real entre essas leis, somente antinomias, em sua maior parte

aparentes e não reais, que podem ser resolvidas com o uso da aplicação ordenada,

subsidiária e especial do CDC e do Código Civil de 2002:

[...] útil, pois, é a idéia de diálogo das fontes, diálogo que significa a

aplicação simultânea, coordenada e sistemática destas duas leis principais

e coexistentes no Direito Privado brasileiro. Três serão, em resumo, os

diálogos entre o CC/2002 e o CDC: o diálogo sistemático de coerência, o

diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade em

antinomias (reais ou aparentes) e diálogo de coordenação e adaptação

sistemática.

Ou seja, quis a Constituição que fosse dado tratamento diferenciado aos diferentes,

o que vem concretizado nas leis especiais (ex.: CDC), mas nem por isso

concluiremos que os iguais, submetidos à regulação do Código Civil, estarão

desprotegidos.

Portanto, fora dos contratos de consumo,330 nas mais variadas atividades (e que

também envolvem o oferecimento de cláusulas contratuais gerais), as cláusulas

abusivas também poderão ser detectadas e, por isso, de alguma forma controladas.

Cite-se, por oportuno, o enunciado n. 172 da III Jornada do Conselho da Justiça

Federal, que sobre o art. 424 do Código Civil diz:

As cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações jurídicas

de consumo. Dessa forma, é possível a identificação de cláusulas abusivas

em contratos civis comuns, como, por exemplo, aquela estampada no art.

424 do Código Civil de 2002.

Nos contratos celebrados entre empresas e seus fornecedores rurais, em contratos

empresariais (celebrados entre empresas e com finalidade empresarial, nos moldes 329 MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o

Código Civil de 2002. In: Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 – convergências e assimetrias. p. 81.

330 Questão interessante, mas que foge do objeto e dos limites deste trabalho, é saber se é aplicável a definição do art. 54 do CDC às relações entre não consumidores, expandindo aquela definição. Concordamos com a conclusão de CLÁUDIA LIMA MARQUES, para quem a definição do que é um contrato de adesão entre empresários será outra, que não a do art. 54 do CDC. Não que a definição legal do microssistema não seja usada no caso, mas tão somente para afirmar que o caso é diferente. MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. In: Codigo de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 - convergências e assimetrias. p. 48.

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dos arts. 966 e 981 e seguintes do CC, ou seja, não sendo uma dessas a

destinatária final), existirão cláusulas contratuais gerais e, potencialmente, poderão

existir cláusulas abusivas. Entre empresas, poderemos ter o clássico contrato de

compra e venda, até certas figuras tidas como modernas, como os contratos de

distribuição, de franquia, de faturização etc.331 Em alguns contratos de locação de

imóveis para fins comerciais, como nos de shopping centers, vimos que este

assumirá, na maioria das vezes, características padronizadas específicas, podendo

estar contido por cláusulas contratuais gerais que coloquem uma das partes em

situação iníqua, de profundo desequilíbrio, contrariando o preceito da justiça

contratual. Daí a utilidade de uma noção geral de abusividade, segundo os preceitos

gerais dispersos pelo Código Civil.

Em resumo, onde existir cláusula marcada pela posição de força, de superioridade

de uma das partes contratantes, impondo um desequilíbrio contratual, de vantagens

e riscos, estaremos diante de uma cláusula (contratual geral ou não) abusiva, que a

ordem jurídica corrige ou, antes, deverá impedir.332

Nos contratos de distribuição, por exemplo, são conhecidas as cláusulas contratuais

gerais que impõem aos distribuidores o compromisso de adquirirem uma quota

mínima mensal do produto, ou compras de estoques de reposição,

independentemente de haverem ou não conseguido escoar a quantidade

anteriormente adquirida. Nestes contratos, de resto, os distribuidores ficam à mercê

dos concedentes, sem que haja um critério lógico para legitimação desta exploração.

Um critério para o controle normativo para tais previsões precisa ser demonstrado e

efetuado, sob pena de se legitimar a insegurança jurídica, admitindo o prosperar de

relações abusivas.

As cláusulas contratuais gerais, como vimos, nunca chegaram a ser acolhidas

expressamente pelo direito positivo brasileiro. Regras que lhe são especificamente

dirigidas noutras ordens jurídicas, até então são impensáveis no Brasil. Mas nem por

331 A franquia consiste no licenciamento do uso da marca, acompanhada de assistência

mercadológica, fonecimento de know how etc. O contrato de franquia liga uma pessoa a uma empresa, para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de comercializar marcas ou produtos de sua propriedade, sem que, contudo, a essas estejam ligadas por vínculo de subordinação. Na faturização, há a venda do faturamento, ou negociação de créditos, pela sua transferência para uma dada empresa, que assume o risco do seu não pagamento. Ver FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 104.

332 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. p. 49.

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isso estas deixam de estar ínsitas na disciplina dos contratos de adesão, tal como

participam da listagem das cláusulas abusivas, se o seu conteúdo for abusivo.

Mesmo explorando todas as potencialidades de expansão das previsões legais, não

é possível chegar, sem dificuldades, a um sistema integrado na disciplina das

cláusulas abusivas. O sistema civil – que não o do consumidor – está ainda por

completar. Mas não podemos olvidar que em toda e qualquer relação contratual,

mesmo onde não haja presunção de vulnerabilidade, mercê de sua submissão aos

princípios gerais do sistema, poderá ser configurada a abusividade que reclame o

controle das cláusulas que a denotem.

Para CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,333 cláusula abusiva é:

[...] essencialmente aquela que vem marcada pela unilateralidade que é

resultado da posição de força, de superioridade de uma das partes

contratantes, impondo um desequilíbrio contratual, de vantagens e riscos,

que a ordem jurídica corrige ou, antes, impede. Seu fundamento, hoje,

menos que no abuso de direito e na explicitude da lei, está ligado à

exigência de que as contratações decorram de um comportamento leal e

de cooperação entre os contraentes. Ou seja, relacionam-se boa-fé

objetiva e justiça contratual de tal arte que o comportamento solidário seja

o pressuposto necessário para uma contratação justa, que, de seu torno,

não se compadece com a previsão de resultado desigual por conta da

desigualdade substancial das partes.

Se não temos definição no Código do que vem a ser cláusula abusiva, temos que

socorrer às cláusulas gerais de controle existentes em nosso país, bem como em

legislações de diversos países, enumeradas acima. Sem a pretensão de

formularmos uma definição exaustiva, é possível concluir que uma cláusula

contratual será considerada abusiva quando, ainda que abstratamente predispostas,

sejam tendentes a criar direitos e obrigações considerados iníquos,

desproporcionais, que promovam desvantagem exagerada a uma das partes,

fenômenos incompatíveis com os princípios da boa-fé, do equilíbrio e da função

social dos contratos.

Quais são, portanto, os parâmetros de controle de conteúdo contidos no Código Civil

de 2002, para tutela de tais situações?

333 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 49.

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Como sabemos, todo negócio jurídico deve ser interpretado segundo os ditames da

boa-fé (CC, art. 113). Aliás, a boa-fé é um dos elementos de validade do negócio

jurídico, como bem salienta RENAN LOTUFO334 em comentários ao art. 104 do

Código Civil. Cabe lembrar, ainda, que nos termos do art. 122 do Código Civil, está

vedado em nosso sistema a pura potestatividade,335 ou seja, aqueles negócios em

que haja condição fazendo depender a eficácia do ajuste à vontade exclusiva de

uma das partes, dada a configuração de claro abuso da posição contratual.

O princípio da boa-fé, mais do que qualquer outro, caracteriza-se pela sua

multifuncionalidade. Desempenha funções normativas de concretização reguladora,

de integração e também de delimitação. Pelos critérios da boa-fé, alçamos a

indicação precisa dos modos corretos de efetuar a prestação e de exigir o seu

cumprimento, preenchemos integrativamente, com deveres secundários e deveres

laterais, o conteúdo vinculativo da relação. Por ele, demarcamos certos limites ao

exercício legítimo de um poder formalmente reconhecido pela ordem jurídica. No

quadro de uma dada estrutura de posições negociais voluntariamente assumidas na

consecução de certos interesses, a boa-fé determina o programa obrigacional apto a

realizá-los do modo normativamente adequado.

Assim como em outros ordenamentos, no Brasil, a boa-fé também exercerá

importante papel no controle de conteúdo das cláusulas contratuais gerais abusivas.

334"Mas, no âmbito do Direito contemporâneo há um elemento, que deve sempre estar presente, a

boa-fé. A boa-fé há que reger o mundo do negócio jurídico. Portanto, desde o início da formação da vontade, é necessário que a boa-fé esteja presente, que se mantenha na sequência, ou seja, mesmo depois de emitida a declaração e a recepção, e permaneça até depois da execução do próprio negócio. A boa-fé aqui referida é a que se denomina de boa-fé objetiva. LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 284.

335 Em comentários ao art. 122, expõe RENAN LOTUFO que: "Cabe observar que parte da doutrina divide as condições ilícitas em: a) Condições ilícitas propriamente ditas – contrárias à ordem publica e às normas jurídicas cogentes que inclusive punem a existência de tal comportamento (ex.: prometo a alguém dinheiro se roubar outra pessoa); b) Condições imorais – são as contrárias aos bons costumes, salientando que a moralidade ou imoralidade serão verificadas segundo o caso concreto nos colocado à frente; c) Condições impossíveis – física ou juridicamente impossíveis; d) Condições puramente potestativas – a doutrina divide a condição potestativa em: pura, simples e mista. A condição potestativa é pura quando é estabelecida exclusivamente pelo arbítrio de uma parte (ex: vendo minha casa se gostares de Maria), como vemos na segunda parte do art. 122. Estas são vedadas pelo prescrito no presente artigo. A condição potestativa é mista quando depende da vontade das partes que figuram no negócio jurídico. A potestativa é simples quando o fato depende da vontade da pessoa, mas não só da pessoa. Para sua caracterização concorrem certas circunstâncias. A condição potestativa enseja muita dúvida na aplicação prática pelos leigos, em razão do disposto na última parte do art. 122, porque a interpretação desprovida dos recursos da hermenêutica leva a afirmar que há uma condição potestativa proibida por lei, quando não se trata de potestativa pura, mas sim de potestativa mista.". LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. p. 347.

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183

A doutrina coloca como questão fundamental se a referência à boa-fé, na cláusula

geral de controle, remete para uma apreciação da conduta do utilizador ou fixa um

parâmetro exclusivamente atinente ao conteúdo das cláusulas. Trata-se de saber se

a contrariedade à boa-fé é uma componente adicional do juízo de abusividade, a

somar ao desequilíbrio do conteúdo, ou se, pelo contrário, basta o conteúdo

significativamente desequilibrado para que, sem mais, a cláusula deva ser

considerada abusiva. Para se apreciar o caráter abusivo da estipulação bastará

proceder a uma valoração do seu conteúdo ou, mais do que isso, é também

necessário emitir uma apreciação negativa do utilizador?

A vingar a segunda hipótese, a cláusula geral de controle, com base na boa-fé,

conteria dois critérios autônomos, de aplicação cumulativa: só seria ineficaz, nula ou

anulável a estipulação cujo conteúdo ineqüitativo resultasse de um comportamento

abusivo do utilizador. Sendo assim, não seria afastando as circunstâncias atinentes

à relação singular e ao seu processo formativo que justificariam um conteúdo

desequilibrado, em termos de se ajuizar a cláusula como não contrária à boa-fé.

Averiguar se há um prejuízo desproporcional ou um desequilíbrio significativo,

implica, a nosso ver, uma apreciação puramente objetiva, identificando e medindo os

efeitos vantajosos e desvantajosos que a cláusula provoca.

Mas se assim é, poderá se entender que seria inútil uma referência expressa à boa-

fé também para se fixar parâmetros atinentes ao conteúdo. Só situando a referência

em outro campo normativo, o da regulação e valoração de condutas, se preservaria

a sua autonomia como critério de controle.

Se concebermos a proibição de certos conteúdos como uma concretização dos

ditames da boa-fé, de acordo com o modelo explicativo traçado anteriormente, o

princípio atuaria aqui como uma dupla face: em restrição direta à liberdade

contratual, por um lado, e como padrão de condutas negociais, por outro.

Impor-se-ia, nesta ótica, um duplo controle, ou um controle em dois momentos

sucessivos, distintos um do outro: apurar-se-ia, em primeiro lugar, se o conteúdo é

significativamente desequilibrado, para depois se ajuizar se tal conteúdo viola a boa-

fé.

No ordenamento alemão, predominou quase unanimemente uma concepção

objetivista de controle. Tal refletiu-se na sistemática da AGB-Gesetz, que apresenta

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184

como uma das suas características marcantes e inovadoras a separação nítida entre

o controle de inclusão e o controle de conteúdo. Por controle de conteúdo, aqui,

deveria se entender controle exclusivamente dos termos contratuais, em si mesmos,

sem atender a variáveis que não lhes dissessem respeito.

Mas há que ser observado que o preenchimento do critério de valoração do

conteúdo não pode ser desligado do critério de intervenção, isto é, das razões que

aqui o legitimam. A boa-fé faz ponte entre ambos: a rígida predeterminação

unilateral dos termos do contrato justifica restrições à liberdade de sua conformação,

de modo que os interesses desprovidos de tutela autônoma não sejam seriamente

lesados.

Segundo JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO,336 as exigências da boa-fé, aqui, se

referem ao conteúdo do contrato. Tendo um alcance multifacetado, o princípio,

nessa sua específica valência normativa, e sem prejuízo de todas as suas outras

projeções funcionais, constitui-se também, nesse âmbito, como fundamento

normativo e critério de restrições à liberdade de fixação do conteúdo, traduzindo-se

em proibições de afastamento, para lá de certa medida, dos parâmetros de uma

equilibrada composição de interesses. A boa-fé impõe que o predisponente exercite

o seu poder unilateral sem sacrificar, além do razoável, os interesses do aderente.

Será a boa-fé, de igual modo, que orientará a valoração do conteúdo, para formação

de um juízo quanto à observância desse comando normativo e, logo, quanto à

eficácia da cláusula. Em vez de atuar como padrão de conduta, dentro de um quadro

de uma relação já constituída, modelando integrativa e restritivamente os

procedimentos a adotar, a boa-fé incidirá antes, já sobre a conformação das

estipulações que se propõem determinar o conteúdo contratual, independentemente

da conduta objetiva do utilizador, traçando limites concretos que ele deverá

imperativamente observar, como condição de validade das cláusulas que pretende

pôr em vigor.

A conclusão a tirar é a de que o princípio geral de proibição de cláusulas contrárias à

boa-fé se desdobra num dúplice e diferenciado critério de valoração: uma delas se

integra num dos círculos funcionais comuns do princípio, traduzindo-se na violação

de expectativas geradas pelo processo de relacionamento e pelos efeitos práticos

336 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato - as cláusulas contratuais e o princípio da

liberdade contratual. p. 406 e ss.

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normais do tipo contratual escolhido. A nulidade das cláusulas não se pretende com

o seu conteúdo intrínseco, mas com a divergência entre ele e o horizonte de

representações e de expectativas do aderente quanto às conseqüências vinculativas

do contrato. Mas cabe também aquela função que é mais marcante no regime

próprio dos contratos de adesão, que é a consideração da boa-fé como fundamento

de limites à liberdade de estipulação. Quando estamos diante do controle abstrato,

não há qualquer espaço para a tutela de expectativas. Por isso o controle abstrato é,

sempre, um controle objetivo de conteúdo das cláusulas contratuais predispostas,

em si mesma e à luz do tipo contratual que se inserem.

Contrariamente aos direitos alemão e português, em que a cláusula geral de

controle de conteúdo dos contratos de adesão é de aplicação uniforme a todos os

contratos de adesão, quer o aderente seja ou não um consumidor, no Direito

brasileiro teremos regimes diferenciados para as relações de consumo e para as

relações que não possuem essa natureza, aplicando-se a esses casos as regras do

Código Civil de 2002.

Diferentemente do CDC, o Código Civil não possui uma cláusula geral de controle

de conteúdo específica para os contratos de adesão e para as cláusulas contratuais

gerais. Mas está positivado o princípio da boa-fé, que dá conteúdo a várias cláusulas

gerais, em especial aquela prevista no art. 422, prescrevendo que os contratantes

são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,

os princípios da probidade e boa-fé. Essa cláusula geral tem um alcance genérico,

abarcando também as cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão,

exercendo importante papel na tutela dos contraentes em situação contratual

objetivamente inibidora da defesa de interesses próprios.

Assim, mesmo não contando com uma cláusula geral de controle de conteúdo dos

contratos de adesão, os arts. 113 e 422 do Código Civil permitem a conclusão de

que a obrigação de guardar a boa-fé, no âmbito das cláusulas gerais e dos contratos

de adesão, importa em não aproveitar abusivamente a iniciativa de formulação

unilateral do conteúdo das cláusulas gerais para obter vantagens exageradas, em

lesão significativa dos interesses da contraparte.

Mas não é só: todos os contratos deverão atender uma função social. A liberdade de

contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos (CC,

art. 421), ou seja, o contrato não se limita a revestir passivamente a operação

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econômica de um véu legal de per si não significativo, mas deve orientar as

operações econômicas de forma a atender os princípios básicos de nossa

sociedade: a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa; a eqüidade; a solidariedade e a produção de riquezas (CF, arts. 1.º e 3.º).

Toda vez que a operação econômica revestida pelo contrato violar um desses

objetivos, tem-se que ele não cumpre sua função social. Muitas vezes o contrato

pode ter um objeto lícito, apenas raramente a imoralidade ou a finalidade escusa

mostram sua face; a convenção é irrepreensível na aparência; só o fim

cuidadosamente escondido revela-se imoral quando é conhecido. Para a apreciação

do cumprimento pelo contrato, de sua função social, não pode o juiz ter em mente

apenas o objeto, mas, sobretudo o fim visado pelas partes, o que pode ser denotado

de suas próprias condutas.

A função social do contrato, nas palavras de ANTONIO JUNQUEIRA DE

AZEVEDO337 é:

[...] preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social

harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade

quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas. A idéia de

função social do contrato está claramente determinada pela Constituição,

ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre

iniciativa (art. 1.°, inciso IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição

de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes,

desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem

importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da

Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro [...].

A função social atua sempre quando estejam presentes interesses metaindividuais

mas, também, interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana, bem

como ultra partes, emanando efeitos sobre terceiros não integrantes da relação

contratual.338 Para fins desse trabalho, importa consignar que a função social,

prevista no art. 421 do Código Civil, desempenha papel análogo ao desempenhado

337 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Os princípios do atual direito contratual e a desregulamentação

do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 142.

338 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. p. 137; LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2002. p. 52-53.

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pelo art. 51 do CDC, podendo o magistrado, avaliadas e sopesadas as

circunstâncias do caso, determinar a nulificação das cláusulas contratuais abusivas,

inclusive para o efeito de formar, pregressivamente, catálogos de abusividade.339

Há de ser lembrado, ainda, que nosso Código coíbe o abuso do direito (CC, art.

187),340 determinando ser abusivo o ato do titular de um direito que, ao exercê-lo,

excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela

boa-fé ou pelos bons costumes. Segundo PAULA A. FORGIONI,341 abuso de direito

pode concretizar-se mediante o abuso de dependência econômica, desde que o

exercício das prerrogativas contratuais seja contrário ao seu "fim econômico" ou à

"boa-fé".

Sobre a possibilidade de abuso de direito nos contratos de distribuição, comenta a

professora associada de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP:

Nos casos dos contratos de distribuição, o fim econômico das cláusulas

que asseguram ao fornecedor direitos em relação à sua rede de

distribuição deve ser entendido como o aumento do grau de eficiência

jurídica global do escoamento da produção, sem a injusta exploração dos

revendedores. Igualmente, a boa-fé que alude o texto do Código diz

339 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. p. 167. 340 Nem todos os autores aceitam a invocação da teoria do abuso de direito para qualificação e

controle das cláusulas abusivas. De fato, quando se fala em cláusulas abusivas, está se atuando sobre a liberdade de conformação de conteúdos contratuais, que desempenha função distinta da proibição do abuso do direito. Esta última asserção parece ser contrariada pela quase universal qualificação como cláusulas abusivas, daquelas estipulações que são contidas por inadmissíveis, em razão de seu conteúdo. Com origem na ordem jurídica francesa, o termo vulgarizou-se. O abuso de que aqui se trata não se enquadra no contexto dogmático do abuso do direito. De fato, porque está em causa a determinação limitativa do conteúdo do contrato, não de restrições ao exercício de posições dele derivadas! Não se visa fixar um limite à disciricionariedade de atuação do agente dentro de uma relação já eficazmente constituída, mas antes, traçar limites a respeitar para a sua válida constituição. Não pode, pois, negar-se que a boa-fé intervém como norma de validade, não como princípio definidor de comportamentos negociais. E o juízo de validade é, neste domínio, um puro juízo de compatibilidade entre a normação privada e o sistema jurídico em que ela visa integrar-se. Assim, há que se advertir que controle de conteúdo não é o mesmo que controle de exercício de um direito. A sua incidência se dá antes, é prévia a este, pois o que se procura é verificar se a cláusula, nas circunstâncias concretas da relação, representa uma ilegitimidade de conduta, sancionada pelo abuso de direito. Ver, sobre esta questão, RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do Contrato - As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 500.

341 FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 428.

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respeito àquela objetiva, que aumenta o grau de confiança e coíbe a

frustração da legítima expectativa. 342

Poderão existir contratos padronizados por cláusulas contratuais gerais nas relações

interempresariais (ex.: franquia, distribuição, faturização etc.), ou seja, cláusulas

estipuladas sem que haja prévia negociação sobre o conteúdo contratual,

unilateralmente predispostas, gerais e abstratas, marcadas por uma rigidez,

podendo justificar a investigação sobre sua invalidade por abusividade. O fato de

não ser uma relação de consumo, tal como preconizada pelo CDC, não significa que

não se poderá invocar as normas previstas no Código Civil. Se as cláusulas

contratuais gerais forem ofensivas à boa-fé objetiva, ou ao princípio da função social

dos contratos, ou ainda, se representarem alguma espécie de abuso de direito,343 o

controle de conteúdo de tais cláusulas estará justificado.

Esse ideal de justiça contratual pode ser aferido também quando o legislador vedou

a prática do ato jurídico lesionário (CC, art. 157, c/c o art. 171, ll) ou se admite possa

o magistrado reduzir eqüitativamente a pena convencional estipulada pelos

contratantes, quando parte da obrigação principal tiver sido adimplida pelo devedor,

ou quando a penalidade se mostrar excessiva, em vista da natureza e finalidade do

negócio (CC, art. 413).

Não é suficiente que o contrato seja precedido de cláusulas contratuais gerais para

que cláusula supostamente abusiva seja considerada nula. Também não basta o

desequilíbrio econômico entre as partes para se considerar a abusividade de uma

cláusula. O que se pode discutir é a ausência de um equilíbrio entre direitos e

deveres de uma e outra parte, permitindo, por isso, que se questione a existência de

uma justiça substancial.

342 Há que ser lembrado, ainda, que está presente na legislação de defesa da concorrência, quando

se proíbe, no bojo da Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, a imposição de preços excessivos, ou o aumento injustificado do preço de bens ou serviços (art. 21, XXIV).

343 O abuso de direito, caso represente ato atentatório à boa-fé, pode ser invalidado. Em parecer sobre esta questão, RENAN LOTUFO concluiu que caberia "invalidação da deliberação da assembléia, por ter ocorrido desrespeito a requisito de validade, boa-fé, com restauração da proporcionalidade dos cargos e liberdade da indicação direta dos cargos e liberdade da indicação direta dos ocupantes de mandato representativo da M." Ou seja, o abuso do direito não é somente ato ilícito (art. 187, CC), podendo ter repercussões, ainda que indiretas, no âmbito de validade dos negócios. (Ver Parecer, Processo Judicial n. 583.00.2006.163.669-0, em curso na 33ª Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, inédito).

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A questão sobre o equilíbrio contratual e os parâmetros para sua investigação

quando da formação de um contrato (precedido por cláusulas contratuais gerais)

merece também uma observação apartada.

Há diversas formas pelas quais o princípio do equilíbrio contratual é identificado.

Mesmo que haja divergências em sua conceituação, a doutrina não deixa de

reconhecê-lo. Alguns entendem nem ser o equilíbrio um princípio autônomo, mas

incluso no campo da boa-fé objetiva. Outros tratam do equilíbrio econômico entre

prestação e contraprestação. Há ainda os que se referem a equilíbrio de direitos e

deveres, vantagens e desvantagens, ônus e riscos. Também quanto ao combate de

cláusulas abusivas, em situações de extrema desigualdade ou vulnerabilidade, se

menciona equilíbrio contratual. E há, por fim, os que enxergam na solidariedade

social, a chave para se entender o equilíbrio contratual. As condições econômicas

pessoais de cada parte não são levadas em cotejo para essa investigação.

Ao discorrer sobre o equilíbrio contratual, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY

expõe o pensamento de que em virtude da desigualdade intrínseca de determinadas

relações contratuais, exige-se um modelo que corrija tal desequilíbrio, imposto por

inspiração solidarista.344 Ressalta também que, por incidir sobre situações que o

justo, o equilíbrio, a equação contratual se faz diretamente afetada, deve ser

concebido como princípio autônomo, interpenetrado, contudo, com os demais

princípios.345

Com base nos ensinamentos de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO,346 CLÁUDIO

LUIZ BUENO DE GODOY propõe, para o trato das cláusulas abusivas, um

relacionamento entre equilíbrio contratual e boa-fé objetiva:347

Evidente que a desigualdade pode existir nos contratos, bastando recordar

os contratos gratuitos. O problema está em que essa desigualdade precisa

ter sido livre e conscientemente querida. A cláusula ou as cláusulas que a

344 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 31. 345 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 32. 346 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. v. 1. p. 649-660. 347 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 49. Para alguns autores, o núcleo

da cláusula geral de boa-fé, para fins de controle de conteúdo das cláusulas contratuais gerais abusivas, é a causação de um prejuízo desproporcional ao aderente, como resultado do conteúdo ineqüitativo da estipulação, oferecendo-se como índice de qualidicação e padrão e medida do desequilíbrio relevante. Para aqueles que acreditam que o equilíbrio é decorrência automática da boa-fé, as cláusulas abusivas são-no porque gravosamente ineqüitativas, sem mais, porque significativamente desequilibradoras das posições contratuais.

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induzem precisam ter sido desejadas, realmente ajustadas, entabuladas na

exata conformidade, inclusive, com a natureza do contrato que se

consuma. E isso se presume incorrer nas relações de consumo em que

haja imposição de condições gerais, decerto que não por presunção, mas

pode de fato incorrer também nos ajustes que não envolvam um trato

consumerista. [...] A boa-fé e, acrescentamos nós, a justiça contratual, não

admitem prejuízos graves, inflingidos por via contratual, salva a presença

de animus donandi ou similar.348

CLÁUDIA LIMA MARQUES,349 por exemplo, não vê o equilíbrio contratual como

princípio autônomo, mas decorrência da boa-fé objetiva. Aliás, enquanto vigente, o

AGB Alemão não fazia previsão de equilíbrio em sua redação, tão somente de boa-

fé, o que foi mantido no atual BGB.

FERNANDO NORONHA,350 por sua vez, distingue equivalência entre prestação e

contraprestação e distribuição eqüitativa de ônus e riscos. O primeiro remonta à

teoria escolástica do justum pretium: fundamento da figura da lesão nos contratos

durante a Idade Média. Tal teoria foi desvalorizada, no decorrer da história,

principalmente em virtude do liberalismo. Contudo, citando LARENZ, o autor

esclarece que esse princípio permaneceu subjacente a vários artigos do Código Civil

de 1916, como os que limitam o valor da cláusula penal, ou dão ao juiz poder de

reduzi-lo. Já a distribuição eqüitativa (ou justa) de ônus e riscos visa à repartição

equilibrada de benefícios e encargos entre as partes e é vislumbrado,

principalmente, nos contratos de adesão, nas chamadas cláusulas abusivas que

colocam o consumidor em desvantagem exagerada.

Não cabe a esse trabalho apontar a mais (ou menos) correta corrente. Aliás, pode-

se dizer que nenhuma dessas formas de visão do princípio é a priori, certa ou

348 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 51. 349 “A boa-fé objetiva valoriza os interesses legítimos que levam cada uma das partes a contratar, e

assim, o direito passa a valorizar, igualmente e de forma renovada, o nexo entre as prestações, sua interdependência, isto é, o sinalagma contratual (nexum). Da mesma forma, ao visualizar, sob influência do princípio da boa-fé objetiva, a obrigação como uma totalidade de deveres e direitos no tempo e ao definir também como abuso a unilateralidade excessiva ou o desequilíbrio irrazoável da engenharia contratual, valoriza-se, por conseqüência, o equilíbrio intrínseco da relação em sua totalidade e redefine-se o que é razoável em matéria de concessões do contraente mais fraco”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. p. 241. Observa ainda a autora que não havia no AGBG da Alemanha menção expressa sobre o equilíbrio contratual. Esta noção foi desenvolvida pela jurisprudência como incluída no princípio da boa-fé.

350 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. p. 222-223.

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errada. Revelam, na verdade, algum conteúdo, ou aspecto de equilíbrio,

equivalência, na relação contratual. Além disso, algumas delas revelam mais

concepções de sociedade, ou fenômenos sociais, do que propriamente um princípio

claro, com aplicabilidade definida.

ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO351 esclarece que no tocante ao conteúdo do

equilíbrio contratual, há dois aspectos a serem tratados. Um deles é o equilíbrio

econômico entre prestação e contraprestação. O outro é o equilíbrio de direitos e

deveres contratuais. Na lesão, por exemplo, a figura é relacionada a desequilíbrio

econômico entre prestação e contraprestação, no momento de conclusão do

contrato. Já as cláusulas abusivas estão ligadas, em princípio, ao desequilíbrio entre

direitos e deveres. Em regra, os contratos devem garantir um critério paritário de

distribuição dos bens, devendo as prestações de um e de outro contratante,

supondo interdependentes, guardarem entre si um nível de razoável

proporcionalidade.352 A predisposição unilateral e a generalidade antecedente da

cláusula contratual geral não é um obstáculo para um controle que garanta um

equilíbrio entre os contratantes.353 Uma vez demonstrada a exagerada discrepância

entre as obrigações assumidas por cada contratante, será passível o controle das

cláusulas contratuais gerais aderidas aos contratos individuais.

Vale uma última observação em relação ao equilíbrio contratual como mecanismo de

controle das cláusulas contratuais gerais. Qualquer contrato possui sua particular

lógica econômica.354 Quando inserida em um contrato individualizado, o

351 “Até mesmo no direito brasileiro, em que há confusão entre desequilíbrio econômico e

desequilíbrio de direitos e deveres, as duas hipóteses, in concreto, não podem ser tratadas da mesma forma”. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A lesão como vício do negócio jurídico. A lesão entre comerciantes. Formalidades pré-contratuais. Proibição de venire contra factum proprium e ratificação de atos anuláveis. Resolução ou revisão por fatos supervenientes. Excessiva onerosidade, base do negócio e impossibilidade da prestação (parecer). In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 116.

352 Observação feita por NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos paradigmas. p. 166. 353 Certamente, la singola clausola gravosa per l'aderente puó comportare per qut'ultimo un

particulare vantaggio, ma si tratta allora di vedere se all'interno del rapporto contrattuale il relativo regolamento ritrovi un suo complessivo equilibrio rendendo giustificata la clausola nell'economia del contratto. L'idea che le clausole vessatorie comportino sempre una corrispondente agevolazione a favore degli aderenti non ha invece alcun riscontro nell'esperienza. La tensione verso un equilibrio contrattuale è attivata dalla contrattazione su un piano di parità, mentre la predisposizione unilaterale del regolamento contratuale non è spinta ad un contemperamento dei contrapposti interessi. BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto - tutela dell'aderente. In: Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 536.

354 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto - tutela dell'aderente. In: Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 539.

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desequilíbrio propiciado pelas cláusulas contratuais gerais não poderá mais ser

avaliado em abstrato, mas no contexto daquele dado contrato. Entendemos, todavia,

que nem por isso o magistrado estará desobrigado de considerar, em seu juízo, o

contexto anterior à inserção da cláusula ao contrato individual, bem como o contexto

global que motiva e que sustenta a existência jurídica daquelas cláusulas contratuais

gerais.

Mais uma vez tomando como exemplo as peculiaridades do contrato de distribuição.

Na análise da abusividade, não se pode prestigiar uma solução sem a observância

da fluência das relações do mercado e a eficiência do sistema de distribuição. O

ganho global (e não individual, derivado de comportamento egoísta ou oportunista)

também deve ser cotejado na investigação de eventual desequilíbrio.355 Em resumo,

no momento do exercício do controle sobre uma atividade que envolva o

oferecimento de cláusulas contratuais gerais, mesmo diante de um contrato

individual, deve ser sempre lembrado que estas cláusulas não são oferecidas para

um exclusivo contrato, mas para uma infinidade destes, interligados por uma mesma

causa jurídico-econômica.

Estas questões serão retomadas no Capítulo 6, sobre interpretação. Antes, três

últimas observações merecem ser feitas antes de concluírrmos o presente

capítulo.356

Primeiro, importante lembrar que, enquanto que no CDC há a presunção da

vulnerabilidade do consumidor (CDC, art. 4.º, I), nas relações de não-consumo, a

abusividade das cláusulas contratuais gerais não poderá ser presumida, como faz o

art. 51, caput, do CDC. Ao contrário, haverá uma presunção de não abusividade,

355 FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 433. A professora cita interessante julgado

paradigma (de 1974), hoje comum em nossos Tribunais, em que um posto de bandeira branca ingressou em juízo para forçar a empresa AGIP a continuar a lhe fornecer combustível, devendo ser declarada abusiva a prática de se fornecer combustível exclusivamente a postos de sua bandeira. Não haveria novidade nenhuma se o Tribunal alemão apenas julgasse improcedente a demanda. A curiosidade fica por conta de o Tribunal ter investigado minuciosamente as atividades da fornecedora, e concluísse que esta não poderia fornecer para outros postos de gasolina senão os de sua bandeira, considerando fato relevante a queda de 30% das vendas da AGIP pela falta de combustível no mercado daquela época e a possibilidade de, em caso de procedência, viabilizar a ruptura e ruína daquela fornecedora de combustível e do sistema de distribuição. (p. 435).

356 A AGBG dava importante orientação para se descobrir a desproporção: "na dúvida, é de considerar um prejuízo desproporcionado quando uma disposição: 1. seja inconciliável com princípios fundamentais da regulação legal e que se entendeu não acordar, 2. limite de tal modo direitos ou deveres que resultem da natureza do contrato que a obtenção do escopo contratual seja posta em perigo". Ver MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 656.

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cabendo a parte interessada a sua prova. O modo de contratar por adesão não

conhece fronteiras, invadindo não apenas o dia-a-dia do consumidor, mas,

igualmente, as relações negociais entre empresários. O problema da contratação

estandardizada não se esgota na proteção ao consumidor, embora a necessidade

de proteção se apresente maior quando a contraparte da empresa possa ser

enquadrada daquela figura.

Os efeitos do controle das cláusulas contratuais gerais, em um contrato específico,

também merecem ser mencionados. Ao que parece, o CDC estabelece apenas duas

alternativas para o contrato com alguma cláusula contratual geral considerada

abusiva (CDC, art. 51, § 2.º): ou a validade daquele com extirpação desta cláusula,

ou nulidade quando esta não seja extirpável.

Para nós, o Código Civil preconiza uma terceira solução, perfeitamente de acordo

com o sistema legal, que seria a eliminação da abusividade da cláusula pela

redução desta a limites razoáveis e justos. Em diversos dispositivos do Código, é

oferecida esta solução (CC, art. 157, § 2.º; art. 317, art. 413; art. 442, art. 452, art.

479 etc.).

O Código Civil de 2002 pouco nos orienta sobre o controle de conteúdo das

cláusulas contratuais gerais abusivas. Mas, ao que parece, o legislador deixou

expressa a conseqüência da utilização de cláusulas contratuais gerais proibidas,

pois, prescreve o seu art. 424, que são nulas as cláusulas que estipulem renúncia

antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Mesmo assim,

entendemos que não está afastada a possibilidade de se manter o contrato com a

adequação da cláusula contratual geral, observado, sempre, as características

econômico-jurídicas deste fenômeno.

A título exemplificativo, cite-se que, no plano das relações comerciais internacionais,

os princípios UNIDROIT estabelecem a possibilidade de invalidação de um contrato

ou cláusula individual desde que ao tempo de sua conclusão aquele ou esta

outorguem, injustificadamente, uma vantagem excessiva a uma das partes em

detrimento da outra (art. 3.10); alternativamente e mediante manifestação do

interessado, permite-se, outrossim, a possibilidade de adequação da estipulação

contratual inválida, de modo a adequá-la às práticas comerciais razoáveis, justas.

Nosso Código não está em dissonância, portanto, com as previsões do comércio

internacional.

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Deve ser lembrado, ainda para justificar a manutenção dos negócios, que o Código

Civil de 2002 está também ancorado no princípio da conservação do negócio

jurídico, o qual estabelece a manutenção da atividade negocial para a consecução

do fim prático perseguido pelos envolvidos,357 como explica RENAN LOTUFO, em

comentários ao art. 170 do Código Civil, sobre a conversão dos negócios jurídicos,

que reflete bem esta questão no Código.

Verifica-se que a grande questão que se põe quando da análise dos problemas

decorrentes da contratação por adesão e cláusulas contratuais gerais prende-se ao

controle do conteúdo contratual quando o aderente não seja um destinatário final

dos produtos e serviços que lhe sejam fornecidos, ou melhor, quando ele não se

enquadre na figura descrita pelo caput do art. 2.º do CDC.

Por tais razões, entendemos não ser possível, a priori, afirmar categoricamente que

a manifesta injustiça do conteúdo das cláusulas contratuais gerais levará à situação

de invalidade ou de ineficácia de uma cláusula, sendo este ainda um movimento a

ser perseguido pelo direito positivo, tornando-se inviável uma resposta imediata para

tal questão, sem o cotejo de numerosas situações. Cabe-nos, no entanto,

observarmos as diretrizes do Código.

A nulidade, anulabilidade e ineficácia das cláusulas seguem os mesmos critérios das

invalidades do negócio. Mas a posição por esta ou aquela sanção dependerá de

confrontação em cada caso concreto. E mesmo assim, se o caso for previsto como

de nulidade, mas a sanção se mostrar exagerada em relação ao caso concreto,

sempre deve ser viabilizada a manutenção de todo o negócio.

Aliás, esta foi uma das críticas colacionadas por CUSTÓDIO DA PIEDADE

UBALDINO MIRANDA,358 atendo-se às peculiaridades do Código Civil, que objetiva

a manutenção dos negócios, bem como das cláusulas contratuais gerais, abstratas e

genéricas:

Que dizer do sistema de nulidades, estabelecido pelo legislador nacional

para as cláusulas abusivas? A pergunta é pertinente, especialmente tendo-

se em vista o tipo de sanções estabelecido pelas legislações até aqui

examinadas, mais precisamente a italiana e a alemã, e que é a ineficácia

da cláusula abusiva. Um argumento que pode ser lembrado para não se

357 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. p. 471. 358 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino Miranda. Contrato de adesão. p. 218.

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admitir a nulidade é que, podendo ela ser alegada por qualquer

interessado, inclusive pelo próprio estipulante das condições gerais,

certamente importaria num inadmissível venire contra factum proprium.

Nem se diga que deveria ter-se estabelecido uma nulidade relativa, porque

esta é determinada em benefício de certas pessoas, daquelas mesmo para

a proteção de cujos interesses foi estabelecida foi estabelecida a

anulabilidade, ao contrário das nulidades absolutas que são ditadas em

função de um interesse público. Ora, a nulidade das cláusulas abusivas

inseridas nas condições gerais, especialmente se tiver em conta as

cláusulas negociais gerais são estatuídas para reger uma série

indeterminada de relações jurídicas, decorre de um interesse público, do

interesse geral da contratação e não do interesse particular ou individual de

quem quer que seja, inclusive do aderente. A solução seria, ou considerar-

se a cláusula ineficaz, a pedido do aderente prejudicado, isto é, privá-la de

efeito em relação a ele, ou estabelecer-se uma nulidade que poderia ser

alegada apenas pelos órgãos encarregados de promover o controle

preventivo ou judicial da cláusula, a começar pelo MP.

Por último, ainda que o critério a ser adotado para o controle das cláusulas

contratuais gerais estabelecidas entre empresários deva ser um pouco mais flexível,

com vistas às peculiaridades de cada caso concreto, não existe uma razão plausível,

de outra sorte, para simplesmente subtrairmos esta modalidade de relação jurídica

do controle dos órgãos jurisdicionais. Vimos que também nas relações comerciais

existe a possibilidade do desequilíbrio, da existência de uma parte contratual mais

frágil, que não consegue influir sobre as cláusulas contratuais gerais pré-formuladas

pela outra, podendo existir um conseqüente desequilíbrio entre direitos e deveres. O

conhecimento das particularidades e vicissitudes de cada tipo de relação jurídica, e

a observância das cláusulas gerais de controle presentes no Código Civil de 2002

permitem um maior aproveitamento do eventual controle judicial.359

359 Esta é uma das críticas de MASSIMO BIANCA ao sistema de controle judicial italiano: "Una prima

critica muove dal bilancio deludente della nostra passata esperienza, che ha mostrato un'efficienza ridotta del controllo giudiziario. La mancanza di un principio ordinatore su cui fondare tale controllo e il difficile emergere della consapevolezza a che i contratti con i consumatori debbono essere governati da regole diverse da quelle tradizionali, concorrebbero a catterizare uno stile italiano che non ha inciso sulla prassi contrattuale delle imprese. Questo rilievo coglie una sicura realtà, rappresentata del l'estrema cautela dei nostri giudici nell'avvalersi delle clausole generali previste dal nostro codice in materia contrattuale. Tale atteggiamento trova almeno in parte spiegazione nella forma di una tradizione di non intervento ancora alimentata in dottrina con l'invocazione del principio della intangibilità della volontà contrattuale. Per superare questo atteggiamento giurisprudenziale appare tuttavi idonea una previsione normativa che investa specificamente il giudice del compito di valutare l'abusività delle condizioni generali di contratto alla streua dei

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As peculiaridades das relações jurídicas deverão ser levadas em conta. Tomemos

como exemplo a cláusula de não indenizar. Enquanto o CDC, o art. 51, I, prescreve

como nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem

a responsabilidade do fornecedor, não podemos ter o mesmo raciocínio nas

relações privadas em geral.

Como consignado por ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO,360 são nulas as

cláusulas de não indenizar que i) exonerem o agente em caso de dolo; ii) vão

diretamente contra norma cogente, iii) isentam de indenização o contratante em

caso de inadimplemento da obrigação principal ou, iv) interessem diretamente à vida

e à integridade física das pessoas. No primeiro caso, admitir validade dessas

situações seria dar uma autorização para delingüir, sendo que a nulidade das

segundas decorre do art. 166, II e VII do CC/2002. A nulidade da terceira hipótese

decorre da proibição das condições puramente protestativas (CC, art. 122) e a

nulidade das últimas resultam da Constituição Federal. Assim, da mesma forma,

seriam lícitas as cláusulas de não indenizar que não ofendam a nenhum princípio de

ordem pública, ou a obrigação afastada pela cláusula não é da essência do contrato.

Segundo o professor titular de Direito Civil da USP, se a cláusula de não-indenizar

não se subsume a nenhuma das quatro hipóteses descritas, não há que se falar em

nulidade nem abusividade de tais disposições, observando, portanto, a diferença de

tratamento do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.

Mas, do mesmo modo que os aderentes consumidores, os empresários que não

estejam agindo dentro de seu campo de atuação apresentam unequal bargaining

power em face do predisponente, quando lhes sejam submetidas cláusulas

contratuais gerais para aceitação.

Sempre que uma das partes do contrato possa, por si própria, derrogar as normas

dispositivas, especialmente aquelas que integram a disciplina do respectivo tipo

contratual, isto significa que a ela se confere a possibilidade de dar ao seu interesse

um aspecto e uma organização diversa do que tenha o legislador, em caráter médio,

entendido como équo e racionaI, de repartir os ônus, riscos, sacrifícios e vantagens

principi di equità e di corretezza". BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto – tutela dell'aderente. Em Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 536.

360 Cláusula cruzada de não indenizar (corss-waiver of liability), ou cláusula de não-indenizar com eficácia para ambos os contratantes. Renúncia ao direito de indenização. Promessa de fato de terceiro. Estipulação em favor de terceiro. In: Estudos e pareceres de Direito Privado. p. 201.

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contratuais de uma maneira diversa daquela tida pelo legislador como abstratamente

justa; de atribuir ao outro contraente sacrifícios e riscos maiores que aqueles que ao

legislador tenha parecido correto acometer-lhe; de atribuir a si próprio lucros e

vantagens superiores àquelas que na avaliação do legislador se representariam

devidas na hipótese.

Isso vale tanto para as relações jurídicas estabelecidas entre fornecedores e

consumidores como para as relações comerciais que os fornecedores formalizem

entre si, quando submetidas a cláusulas contratuais gerais impostas por uma das

partes contratantes a outra. Em ambas as situações, há que respeitar o princípio do

equilíbrio contratual. Em ambas as hipóteses se combaterão as situações ofensivas

à justiça contratual, de iniqüidade e de desvantagem exagerada, resguardada,

todavia, as particularidades de cada tipo de relação jurídica.

Entendemos, portanto, que a tutela do aderente tanto pode ser efetuada pelo Código

de Defesa do Consumidor como pelos princípios e regras consagrados no Código

Civil. Um equilíbrio, de modo que um dos contratantes não aufira, em face do outro,

vantagem manifestamente excessiva (em relação aos direitos e deveres contratuais)

respondendo ao ideal de justiça contratual que permeia nosso ordenamento jurídico.

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5

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONSENSO E SOBRE A FORMAÇÃO DOS

CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

5.1 INTRODUÇÃO

Não podemos falar das cláusulas contratuais gerais, de sua existência juridicamente

independente sem saber como se formam os contratos. Daí a necessidade de um

capítulo próprio, em que seja abordada, ainda que brevemente, a formação dos

contratos individuais, o que contribuirá para uma maior compreensão do tema.

Tratar de consenso contratual significa tratar de vontades que se convergem para a

criação de uma norma individual e concreta: o contrato. Com o consenso há a

criação de uma norma, que nascendo já não mais pertence às partes que passam a

se obrigar sobre o que convergiram. Os criadores se curvam à criatura.Como bem

lembra RENAN LOTUFO361 “não basta que haja vontade, é preciso que o sujeito de

direito torne sua vontade cognoscível objetivamente, melhor, que seja conhecida

pelos destinatários para que possa produzir efeitos”.

Portanto, a externação da vontade requer o uso de uma linguagem. Nesse sentido,

importante traçar algumas linhas acerca da linguagem contratual e a forma de

expressão do consenso.

Para ENZO ROPPO,362 o processo de formação do contrato como correspondência

de atos humanos a um modelo legal – a questão de saber se um contrato se formou

ou não fica reduzida à questão de verificar se determinados fatos da esfera

psicofísica do sujeito (as “vontades” dos contratantes, devidamente manifestadas e

fundidas numa unidade) geraram um certo fenômeno (o “consenso” contratual) do

qual o contrato constitua justamente o “produto mecânico”.

Por sua vez, PAULO DA MOTA PINTO363 afirma que:

A necessidade de uma qualquer manifestação exterior para se poder

afirmar a existência de um negócio jurídico é ponto que não parece que

possa ser razoavelmente contestado. O direito só pode contar com

361 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 283. 362 ROPPO, Enzo. O contrato. p. 90-91. 363 MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente

no negócio jurídico. Coimbra: Livraria Almedina, 1995. p. 439.

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realidades exteriores quer como momentos constitutivos dos factos a que

atende, quer, tão-só, como elementos probatórios, indícios, de factos

internos, não objectivos, com relevância jurídica.

Essa necessária manifestação exterior remete à linguagem envolvida para a

manifestação da vontade.

GREGORIO ROBLES,364 ao tratar da teoria comunicacional do direito, não restringe

texto ao texto escrito; considerando também o texto não escrito, manifestado

oralmente, porém suscetível de transcrição. Igualmente deve ser considerado texto a

linguagem simbólica – dos sinais – que apesar de não verbalizada pode ser

verbalizada por aquele que domina o significado dos símbolos. Além destes, há as

obras humanas resultantes de uma ação criativa que também transmitem uma

mensagem, apesar de ser subjetiva. Para o autor, o direito se manifesta na vida

social dos homens primordialmente como um sistema de comunicação que

possibilita a sua organização, permitindo o intercâmbio e a regulação das ações.

Como sistema de comunicação, o direito é linguagem, ou em outras palavras, o

direito é texto.

Corroborando o pensamento, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA afirma:365

A percepção sensorial (necessária quer para a recepção presencial quer

para a captação de comunicações à distância) constitui capacidade

exclusiva das pessoas físicas. Mas – não se esqueça – o conhecimento

efectivo, mesmo em relação a pessoas jurídicas, depende sempre, em

última análise, da interpretação de sinais recebidos pela vista, pelo ouvido

ou por outro sentido de uma pessoa natural. Importa por isso delimitar o

círculo de pessoas físicas cujo poder de recepção serve como modo de

extensão do poder de recepção de outras pessoas.

Dessa forma, o sujeito da interpretação e da compreensão pode ser o sujeito

considerado isoladamente, mas também o sujeito social, o grupo, a sociedade,

sendo possível falar em uma interpretação individual e uma interpretação coletiva ou

social da mesma realidade. Esta última estabelece uma compreensão dominante da

realidade.

364 ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito.

Barueri: Manole, 2005 (prólogo). 365 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos l – Conceitos. Fontes. Formação. 2. ed. p. 97.

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200

Portanto, texto não é apenas o texto escrito, mas qualquer realidade suscetível de

interpretação. Pode-se afirmar, portanto, que toda realidade humana e,

conseqüentemente, toda realidade social, é um texto enquanto se apresenta como

algo que temos que ler e interpretar para poder compreender.

As palavras-chave da filosofia hermenêutica são ler, interpretar e compreender. A

teoria comunicacional assume o caráter lingüístico do direito e, conciliando o método

analítico com o hermenêutico, tem como escopo investigar os diferentes discursos

que se produzem em seu âmbito. Para entender uma realidade social, primeiro é

necessário realizar uma leitura dessa realidade, de forma a desvendar seus signos,

sua linguagem; posteriormente, interpretar, descobrir o sentido dessa realidade com

a finalidade de poder compreendê-lo.

Segundo CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY:366

[...] interpretar um contrato, com efeito, significa buscar apreender o

alcance não da vontade de cada qual dos contratantes, mas sim do

consenso de ambos, do que tenha sido sua intenção comum, objetivada no

ajuste. Portanto, procura-se a vontade contratual.

A vontade contratual pode ser manifestada de diversas formas, desde a linguagem

advinda do comportamento expressivo até às estritamente formais.

Em qualquer tipo de contrato seja o dito consensual, os reais, os formais, os

solenes, sempre haverá de ter uma convergência de vontades, uma linguagem

expressiva, dentre outros requisitos, para que se crie o programa contratual.

Todavia, nem sempre é fácil se delimitar tal linguagem, justamente porque essa

linguagem tem de exercer uma função de declaração de vontade é que ela ganha

contornos especiais. A linguagem para ser hábil a formar o contrato pelo consenso

tem que externar a vontade das partes.

Como ensina RENAN LOTUFO:367

A declaração é uma manifestação de vontade em prol da validade do novo

negócio jurídico, mesmo quando veiculada por um ato de comunicação

social, visto que o que se pretende é estabelecer uma nova norma que

366 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. p. 76. 367 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. p. 290.

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incidirá sobre os próprios iminentes. Não se reduz, pois, a um ato de

comunicação, mas é também um ato de realização.

Importa destacar que o homem sempre buscou externar a sua vontade, apesar dos

limites de linguagem e dos sistemas políticos e econômicos.

A maneira como se realiza o consenso, como a vontade das partes é manifestada e

reconhecida pelos seus interlocutores, sofreu alterações no curso da história,

principalmente em razão da evolução do homem.

5.2 FORMAS DE EXPRESSÃO DA MANIFESTAÇÃO DA VONTADE

Sempre que se reporta ao consenso ou ao acordo de vontades, ao contrato, remete-

se à linguagem escrita, àquilo que está no papel, mas não se pode deixar de

perceber que desde os tempos antigos o comportamento expressivo das partes, que

também é uma forma de linguagem como já visto, também é uma expressão do

encontro de vontades.

Ao tratar da evolução das formas contratuais CLÓVIS BEVILACQUA368 relata que:

Os primeiros contratos foram naturalmente permutas, trocas de objectos

por objectos, como já nol-o dissera o jurista Paulus. [...]. Essas primeiras

permutas, versando sempre sobre objectos moveis; fructas, animaes,

utensilios, remontam a epochas longinquas: à epocha quartenaria, quando

começaram a ser ensaiadas a divisão do trabalho e a troca de serviços,

multiplicando o poder de acção das sociedades incipientes. Com a era

neollithica, aumenta a indústria e, com ella, as relações commerciaes se

amiudam exigindo um grande número de convenções.Como se

executariam essas convenções, não é asado affirmar, sendo conjecturas

possiveis mas inverificaveis quaesquer que se aventurem. Não creio,

porém, que os primeiros contractos se fizessem por uma espécie de guerra

como se imagina d’Aguano, que é levado a pensar assim pelo que ainda

hoje praticam os nubianos. O que é exacto e o que o uso de realisar

contractos perante exercitos nos faz acreditar é que todo o grupo se

considerava solidário com os pactuantes, assistindo ao acto e mostrando-

se prompto a correr em defeza dos seus. O que se pode ainda

deprehender da presença dos dois exercitos na celebração das permutas e

compras é que os rudes traficantes de outrora eram, a princípio,

acompanhados por toda a tribu a que pertenciam, sempre que

368 BEVILACQUA, Clovis. Direito das obrigações. São Paulo: Officina Dois Mundos, 1896. p. 47.

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202

emprehendiam suas excursões mercantis, e, mais tarde por fortes

contingentes armados, para não serem facilmente esbulhados. O direito

que, a esse tempo, se isolasse da força material estaria muito arriscado a

succumbir imediatamente. Ainda hoje, em muitos paizes, as viagens se

realisam por caravanas preparadas para defenderem, com as armas, os

haveres que transportam. Mas não constitue, por certo, esse apparato um

revestimento, uma forma para os contractos. Adiantando-nos um pouco no

evoluir dos direitos obrigacionaes, encontraremos entre os povos barbaros

variadas formas de effectuar permutas que é embaraçoso, si não

impossível, descobrir os elos de um desdobramento progressivo, como nol-

os ostentam periodos posteriores, principalmente o que é representado

pelo direito romano. Letourneau nos refere muitos modos de contratar

usados por povos incultos, dentre os quaes destacarei alguns que me

parecem mais elucidativos. Na Colombia russa, o extrangeiro vinha

depositar, na orla do mar, as mercadorias que desejava vender, e retirava-

se em seguida. O indígena, por seu turno, quando os estranhos

desertavam a praia, trazia os objectos que possuia e julgava equivalentes,

collocava-os ao lado das mercadorias offertadas e retirava-se. Voltava o

estrangeiro, e, si convinha-lhe a troca, carregava os objectos do indigena

abandonando os seus; si, porém, não lhe pareciam de valor sufficiente a

equipararem-se com as suas mercadorias, affastava-se novamente,

deixando tudo em seu logar, para que o indígena viesse acrescentar

alguma coisa ao preço oferecido. Si não chegavam a um accordo, cada

qual retirava-se para o seu lado, conduzindo o que lhe

pertencia.Similhantemente praticavam no Novo Mexico os hespanhoes e

os indios, pendurando em cruzes fincadas à margem do caminho as

mercadorias que desejavam permutar. Na Australia, existem individuos

consagrados ao commercio, cujos cordões umbelicaes são trocados

previamente, como para significar que esses individuos se prendem, por

laços de parentesco, a tribu com a qual vão commerciar, e, portanto, são

garantes da boa fé que deve presidir às negociações com ella realisadas.

[...] Em epocha ulterior apparecem formalidades, reaes ou symbolicas,

essenciaes ou accessorias, tendentes a assegurar a manifestação da

vontade. [...].

O referido autor continua sua explanação cuidando da evolução da teoria jurídica

obrigacional, reportando-se ainda à evolução dos contratos relatando que também

para os romanos, a figura mais antiga de contrato é o da troca, que era um contrato

real e concluído em um só momento.

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É com a compra e venda, denominada no antigo direito romano de mancipatio, a

designar transferência de propriedade, que se apresenta a forma jurídica exclusiva

de um contrato e servirá para todos os contratos bilaterais reais, únicos possíveis

então, e que constituem o primeiro grau da evolução obrigacional, segundo o

esquema de IHERING.

Em seguida, aparece uma forma contratual de obrigação de prestação futura, que

são os contratos unilateralmente reais, que faz nascer o vínculo obrigacional da

conjunção coligante da promessa com a prestação, que na verdade, era o

empréstimo.

A seguir ingressam outras figuras de contrato: o depósito, o comodato, a doação por

mortis causa, a doação modal, e ainda vieram se enquadrar nessa categoria de

contratos unilateralmente reais os inominados, que no Direito romano são sempre de

natureza real.

A promessa recíproca se afirma como elemento fundamental do contrato,

dispensando a base de uma prestação prévia, tal avanço é alcançado pelos

contratos consensuais, sendo que se incluem três tipos na classe dos bilateralmente

promissórios: a compra e venda, a locação e a sociedade.

Num outro estágio já aparece o mandato, iniciando a classe dos contratos que se

perfazem com a afirmação da promessa por só uma das partes, que IHERING

classificou como unilateralmente promissórios.

Com o desaparecimento do nexum e com o enfraquecimento dos dois contratos

formais: litteratum obligatio e a estipulatio, surgiu a necessidade de constatar-se a

obrigação por meio epistolar no qual o devedor conhecesse o seu débito.

Aduz ainda CLÓVIS BEVILACQUA que o direito primitivo, olhando somente o

formalismo solene com que reveste as ações humanas para a sanção legal, não se

preocupa nem com o erro, nem com a lesão, com a violência ou com o dolo. Mas o

direito pretoriano foi aos poucos introduzindo novos elementos, até transformá-la na

teoria clássica das obrigações como foram transmitidas nas compilações de

JUSTINIANO.

Também no direito germânico o formalismo vai perdendo força, e com o contato dos

dois sistemas jurídicos, o processo de simplificação tomou mais vigor, apesar da

ação regressiva do direito feudal.

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Conclui o autor que a constituição das sociedades modernas, a descoberta da

América e a criação das novas indústrias, dentre outros, fizeram nascer novas

figuras de contratos, bem como novos aspectos de obrigações, mas essas criações

entraram no organismo jurídico das obrigações sem perturbá-lo, sem revolucioná-lo,

sendo necessária apenas a adequação à estrutura já existente.

As lições de CLÓVIS BEVILACQUA são relevantes para o presente trabalho, pois

demonstram como o comportamento expressivo foi vital para os contratos nas

épocas mais distantes, e por mais que esses contratos tenham a característica de

serem reais, visto que a entrega da coisa ou troca de coisas, já que os primeiros

contratos eram as permutas, integravam o contrato, há que se destacar que as

partes tinham que concordar acerca da troca para que ela se consolidasse, ou seja,

elas tinham que convergir quanto ao objeto e quantidade da troca, ocorrendo o

consenso para então ocorrer a entrega recíproca dos objetos permutados.

Demonstra ainda, essa rápida incursão histórica, que o homem, ser social, sempre

buscou a interlocução e ao interagir se fez capaz de estabelecer relações sociais e

jurídicas.

Desde os primórdios tem-se que o homem sempre buscou manifestar sua vontade e

como procurou o acordo de vontades, o consenso, quando era de seu interesse.

5.2.1 Declaração de vontade. Declarações verbais, escritas, simbólicas

A declaração de vontade é uma manifestação consciente de vontade, emitida por

um sujeito de direito, que a declara perante um destinatário certo, ou perante uma

coletividade presente, ou, ainda, perante destinatário certo ou coletividade ausentes,

mas alcançáveis por meio desta, com a qual se objetiva atingir determinado efeito

jurídico.369

Para ser válida, a declaração de vontade do contratante deve ser direcionada ao

conteúdo real do contrato, atenta ao fim que o direciona a realizar o negócio. Já que,

a mera vontade não manifestada é apenas um desejo na mente do homem, sendo,

dessa forma, incapaz de gerar efeitos no mundo jurídico.370

369 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. p. 289. 370 O negócio jurídico não pode ser reduzido à declaração de vontade. Como observa PAULO DA

MOTA PINTO, para quem “a distinção entre negócio jurídico e a declaração negocial reflete-se praticamente na necessidade, para a formação do negócio jurídico, de outros atos além das

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205

O direito pátrio previu no art. 107 do Código Civil que a validade da declaração de

vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a

exigir.

MASSIMO BIANCA371 afirma que o contrato é validamente estipulado mediante

acordo expresso ou mediante acordo tácito. Em geral, a declaração se aperfeiçoa

com a emissão e externada por meio objetivamente perceptível. Ressalta ainda que

conforme a indicação da doutrina alemã a declaração de vontade caracteriza

especificamente o elemento da intencionalidade do ato como declaração em

confronto com o destinatário.

Analisando o meio empregado para emanação das declarações de vontade, a

doutrina as distingue em verbais, escritas e simbólicas.

As declarações verbais são aqueles que decorrem da palavra falada e recepcionada

pela parte para a qual se destina. Importante ressaltar que a distância entre as

partes e o meio utilizado para a transmissão da palavra são completamente

irrelevantes, bastando que, pronunciada, a palavra seja recepcionada e entendida

pelo destinatário.

ORLANDO GOMES337722 considera uma declaração como escrita quando a palavra é

expressa de:

[...] forma manuscrita, datilografada ou impressa, salientando que, para que

a vontade declarada por escrito seja tida como autêntica, é necessária a

assinatura do declarante, assinatura esta que pode ser autógrafa ou

hológrafa, permitindo, em alguns casos, sua substituição pela impressão

digital do declarante.

declarações de vontade, necessidade essa que é posta em relevo quando se define o primeiro como fato jurídico voluntário 'cujo elemento essencial' é integrado por uma ou mais declarações.”. MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico. p. 447. Continua o autor sua explanação aduzindo que "A declaração pode ser definida a partir de diversos pontos de vista, nomeadamente tendo em conta o fim prosseguido pelo seu autor, o evento realizado pelo acto, ou o modo de acção". Ainda nessa discussão, Renan Lotufo articula que: "ao analisar a declaração de vontade fá-lo primeiro do ponto de vista da vontade, para depois distinguir a vontade da declaração. A vis cognoscitiva: nihil volitum nisi praecognitum (força do conhecimento: nenhuma vontade sem prévio conhecimento), e a vis appetitiva (força do apetite): desejo". O autor arremata a discussão ao afirmar que “do exame dos confrontos doutrinários e da análise da estrutura do negócio jurídico pode-se chegar a admitir a declaração como preceito”. LOTUFO, Renan. Código civil comentado. Parte Geral. p. 290.

371 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 213. Observa o autor que, nos casos que a lei exige a forma expressa, é controverso se é possível admitir uma manifestação tácita de vontade.

372 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 50.

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206

Quando a declaração for emanada por gestos ou sinais, como a mímica ou o sinal

feito por um licitante em um leilão, ela será tida como simbólica. Dependendo do

momento de manifestação de cada uma dessas declarações, elas receberão uma

denominação própria e estarão submetidas a regras específicas direcionadas à

formação da relação ou vínculo contratual. PAULO DA MOTA PINTO373 ao discorrer

acerca dos elementos para a delimitação da declaração negocial, quando trata do

problema jurídico (e não psicológico, sociológico, filosófico ou lingüístico), afirma

que:

A noção de declaração negocial deve ser determinada a partir da sua

relevância prático-normativa. Não parecem juridicamente convincentes,

portanto, as tentativas de a formular pelo recurso directo aos resultados

obtidos por uma ciência auxiliar, isto é, considerando decisivas as

conclusões sobre o que, psicologicamente é uma declaração de vontade,

relativas ao que, numa perspectiva sociológica, pode ser considerada como

uma vinculação declarativa, ou, ainda, por uma análise filosófico-lingüística

do acto produtor de efeitos jurídico-negociais. Como já Julius Binder

salientou, o problema da declaração de vontade não é filosófico ou

psicológico (e também não, diríamos, sociológico ou analítico-linguístico),

mas antes “exclusivamente uma questão da ciência do direito positivo”. [...]

Em face dessa dificuldade de princípio, que assenta na autonomia da

declaração jurídico negocial e da sua dogmática (em última análise, na

própria autonomia valorativa do Direito), as mais pertinentes considerações

sociológicas, filosóficas, semióticas, linguísticas ou de outro tipo, podem

perder parte significativa de seu peso. E, mais precisamente, podem não

ser suficientes para fundar uma teoria da declaração negocial (isto, já para

não falar do referido desvio psicologístico, cuja crítica está feita). O

problema da declaração de vontade e do negócio jurídico é, como se disse,

jurídico-normativo, e não pura e simplesmente teórico. Não está em causa

uma pretensão de conhecimento (de verdade) teórico, mas de validade

prática (de justiça, num sentido amplo) da respectiva regulamentação. Não

podem assim ser aceitas tentativas de resolver as questões jurídicas

fundamentais, como a da atendibilidade da vontade ou de elementos

objectivos, através do recurso directo a perspectivas de outras ciências. Os

dados de disciplinas auxiliares são importantes – eventualmente mesmo

indispensáveis – para aferir a adequação da regulamentação ao seu

“domínio normativo”, condicionando esta “lógica das coisas”, em certa

373 MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente

no negócio jurídico. p. 162 e ss.

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medida, o espaço de liberdade do legislador. [...] Os contributos que se

procurem obter noutras ciências carecem, portanto, de uma tradução ao

nível jurídico-normativo e dogmático, através do correspondente trabalho

doutrinal (pois que é essa uma das suas tarefas específicas), mostrando

como a regulamentação respectiva se pode adequar a esses dados.

Sem dúvida, o autor português coloca a grande questão a ser enfrentada, baseado,

sobretudo, no ordenamento jurídico português e em consonância com o objeto

central de sua obra que é a declaração tácita e o comportamento concludente no

negócio jurídico. Entretanto, essa questão deve ser também enfrentada por nós, já

que o comportamento expressivo, concludente, em qualquer situação, sempre

importará em uma interpretação de atos, sendo ainda necessário transformá-lo ou

transportar de uma linguagem simbólica para uma linguagem verbalizada,

declarativa, apta e hábil para formar o programa contratual.

5.2.2 Declaração tácita e comportamento concludente. Silêncio

Conforme exposto, o modo mais comum de manifestação exterior da vontade é a

linguagem escrita ou falada. Na maioria dos casos os contratos são concluídos

dessa maneira. Entretanto, pode ocorrer que um contrato se conclua onde a vontade

se manifeste por sinais diferentes da linguagem escrita ou falada.

ENZO ROPPO374 relata que em algumas regiões camponesas italianas, a venda de

gado só se efetiva quando as partes apertam as mãos de uma maneira determinada.

Um aceno de cabeça pode significar também um pronunciamento “sim”. Nesses

casos, a vontade de contratar é expressa, uma vez que o sinal é intencionalmente

utilizado, é imediatamente dirigido a comunicar à outra parte aquele determinado

sentido volitivo.

Aduz ainda o mesmo autor que há outros casos em que a vontade de concluir um

contrato não é comunicada mediante uma declaração, mas resulta de outros

comportamentos do sujeito. Fala-se em manifestação tácita de vontade. LUIZ

EDSON FACHIN,375 sobre vontade de concludência e o valor jurídico do

comportamento, salienta que:

374 ROPPO, Enzo. O contrato. p. 93. 375 FACHIN, Luiz Edson. Aggiornamento do direito civil brasileiro a confiança negocial. Disponível em:

<http://www.uel.br/cesa/dir/pos/publicacoes/publuizf.html.> Acesso em: 11 de julho de 2006.

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208

Assentado que a expressão do consentimento não exige necessariamente,

forma, a concludência de um comportamento permite deduzir certo sentido

ou conteúdo negocial, sendo legítimo falar-se em negócio jurídico por

comportamento concludente. Desse modo, conforme Carlos Alberto da

MOTA PINTO 'a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a

dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso, seja

forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente

social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”. A regra é essa: na

falta de imposição, essa “liberdade de eleição formal” aí se apresenta. [...].

Não é mister que o contraente faça declaração formal, por meio da palavra

escrita ou falada, pois será suficiente que se possa traduzir o seu querer

por uma atitude inequívoca e induvidosa (RT, 160:140; RF 106:305). [...]

Na presença de negócio jurídico por comportamento concludente trata-se

daqueles “casos em que a vontade de concluir um contrato não é

comunicada mediante uma declaração de tal gênero, mas resulta de outros

comportamentos do sujeito: fala-se, a este propósito, numa manifestação

tácita de vontade” (ROPPO, Enzo. O contrato. p. 94). É inegável, no

entanto, que os fatos concludentes não se confundem com a declaração

inferida, como acentua muito bem o professor Paulo da MOTA PINTO,

evitando-se aí “uma confusão entre a base para a inferência de um

significado e o resultado.

O Código Civil brasileiro 376 ao imprimir a regra geral da liberdade das formas

permitiu também a declaração tácita e o comportamento expressivo ou concludente

como formas de exteriorização da vontade que gera o consenso, pois são aptas a

alcançarem a esfera do destinatário, apesar de ter suprimido o disposto no art. 1.079

do Código Civil de 1916 que pregava a hipótese de aceitação tácita, nos casos em

que a lei não exigisse que fosse expressa. Conclui-se, portanto, com PAULO DA

MOTA PINTO377 que na realidade, é certo que uma declaração “tácita”, realizada

através de comportamentos concludentes, pode igualmente chegar à esfera do

destinatário, bastando para isso que se tornem conhecidos ou sejam recebidos os

fatos concludentes.

376 O Código Civil português, no art. 217 positivou a diferença entre a declaração expressa e a tácita

da seguinte forma: (Declaração expressa e declaração tácita) 1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. 2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.

377 MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da. Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico. p. 737.

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209

Cumpre ressaltar que o silêncio não pode ser confundido com a manifestação tácita

ou implícita, ou ainda com o comportamento concludente. Isso porque, o silêncio

corresponde à abstenção completa, tanto de palavras como de atos ou fatos. Porém,

em se caracterizando o denominado silêncio circunstanciado ou qualificado, pode

ser admitido como manifestação de vontade, devendo o consentimento ser inferido

do comportamento omissivo da parte. O que se obtém, assim, é uma presunção de

vontade. Conforme dispõe o art. 111 do Código Civil, “o silêncio importa anuência,

quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a

declaração de vontade expressa.”

Segundo MASSIMO BIANCA378 o silêncio, por si só, não exprime nenhum consenso

e não impõe um ônus ou dever ao sujeito. A intenção negocial só deve ser

considerada, como dito, se aliada ao complexivo e circunstancial comportamento do

sujeito, vinda a exprimir o significado do consenso e decorrente de expressa

previsão pela parte ou pela lei, concluindo que o silêncio pode ter relevância por

uma expressa previsão das partes ou da lei.

5.2.3 Relações contratuais de fato. Observação necessária

Nos dias de hoje, dada a complexidade das relações sociais, há total abstração da

capacidade dos agentes e da intenção dos figurantes, imputando-se conseqüências

assemelhadas aos contratos. Menores, loucos, impossibilitados de consentir

necessitam transportar-se, comprar, alimentar-se. Como vimos, inúmeras obrigações

nascem e se extinguem, sem que haja qualquer manifestação expressa ou

declaração de vontade encaminhada para esse fim.

Não é incomum que, na vida cotidiana, um incapaz pratique um ato sem que isso

seja eivado de nulidade ou deixado de produzir a correlata obrigação. Procurando

explicar estas situações, a doutrina construiu a teoria das relações contratuais de

fato, com larga aceitação na Alemanha.379 Segundo a doutrina, tais fenômenos não

seriam contrato, mas relações protocontratuais, em que o Direito atribuiria efeitos

idênticos aos contratos.

378 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 214. 379 PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de direito privado. p. 32.

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210

Todavia, para KARL LARENZ,380 estas situações deveriam ser aproximadas ao

regime contratual. Nestas situações, o que existe são condutas socialmente típicas,

com um consentimento fictício, mantendo-se tais relações no modelo contratual.

380 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. v. 1. Madrid: Editorial Revista de Direito Privado, 1958.

p. 58-61. (II. Obligaciones derivadas de conducta social típica (“relaciones contractuales de hecho”) – EI moderno tráfico en masa trae consigo que en algunos casos, de acuerdo con la concepción del tráfico, se asuman deberes, nazcan obligaciones, sin que se emitan decIaraciones de voluntad encaminadas a tal fino. En lugar de las declaraciones surge la oferta pública, y de hecho de una prestación y la aceptación de hecho de esta prestación por el que toma parte en el tráfico. Ambas, la oferta pública de hecho y la aceptación de 'hecho de la prestación, no suponen (a falta de la correspondiente conciencia de declaración) declaraciones de voluntad, pero sí implican una conducta que por su significado social típico tiene los mismos efectos jurídicos; que la actuación jurídica negocial. Tal es. p. ej., el caso de la utilización del tranvía, del autobús, de una balsa o de un vehículo análogo del transporte público. Es ficticio el considerar, como se intentó antes, que la marcha del tranvía encierra una oferta idéntica y continuada para concluir contratos de transporte, cuya aceptación reside en el hecho de tomar el tranvía. EI que utiliza el tranvía está, según el criterio del tráfico, obligado al pago del precio del trayecto según Ia tarifa y tiene derecho a ser transportado de acuerdo con las condiciones de la tarifa, sin tener en cuenta si su intención consistía eu emitir una declaración de voluntad de tal contenido, si tiene o no capacidad negocial, e incluso si conoce o no la tarifa. EI suponer que concurre, en tales casos, la conclusión de un contrato encuentra, a mi juicio, un obstáculo en el hecho de que quien utiliza un medio cualquiera del transporte público no está desde luego en la situación de aquel a quien se ha hecho una oferta actual, y que sólo ha de pensar si ha de aceptarla, rechazarla o acaso ha de hacer una contraproposición. Se encuentra más bien en la situación general de toda persona que toma parte en el tráfico y piensa si ha de hacer uso de un medio de transporte está al servicio de todos. Si hace uso de ese medio de transporte, entonces en la consecuencia jurídica de su modo de obrar reside el que con ello haya nacido una relación jurídica, un contrato de transporte, y no porque esa consecuencia jurídica se haya querido o declarado, sino porque, de acuerdo con los puntos vista generales del tráfico, su conducta está indudablemente unida esa consecuencia. No podrá alegar la excepción de que creía que el transporte era gratuito, impugnando así su declaración por eror, o la de que es limitadamente capaz y su represente legal no estaba conforme en que utilizase el tranvía. La admisibilidad de tales objeciones no se ajustarían a la esencia cuestión, a su significado social típico. En el estado de nuestros días, que se ha impuesto en general la misión de crear aquellas condiciones que en una era técnica deben concurrir para que la convivencia humana sea posible en espacio limitado, se explotan numerosas empresas de suministro de servicios por instituciones de carácter jurídico-público o por Corporaciones, en especial por entidades de carácter municipal, y bajo formas del Derecho público. Tal ocurre con los ferrocarriles, el correo, el servicio de limpiezas, el suministro de agua, etc. En tales casos la utilización de las correspondientes instalaciones se produce de acuerdo con los preceptos de carácter jurídico-público, y no en armonía con las normas privadas; las “exacciones" (precios de tarifa) a pagar podrán ser exigidas por el procedimiento de apremio, y aun cuando antes se estimaba admisible la competencia de los tribunales ordinarios para las divergencias derivadas, p. ej., de una relación de uso del teléfono, RG consideraba como "contrato de Derecho público" (RGZ, 155, 334), deberá sostenerse actualmente la competencia de la Administración. Pero aún hoy ocurre que en muchos casos los servicios de agua, gas y electricidad, así como algunas empresas de transporte, se explotan por sociedades de carácter privado (con intervención o no del Estado), y en tales casos no hay razón alguna para considerar según el Derecho público las relaciones de uso que deriven de aquellos servicios (3). Por el contrario, nacen en tales casos relaciones de suministro a las que habrán de aplicarse directamente, y no por vía de analogía, las normas del Derecho privado relativas a los contratos correspondientes. En este punto no cabe hacer una diferencia sobre si en el caso concreto se concluye un contrato, en que, p. ej., el usuario dirige a la empresa de gas o de electricidad una solicitud de conexión y ésta acepta dicha solicitud, o bien si, no mediante declaración alguna (ni siquiera tácita), se produce de hecho una utilización accesible a todos. Incluso en el segundo caso nace una relación obligatoria, sobre cuya ejecución han de aplicarse las normas sobre obligaciones contractuales (contratos de suministros), mientras que por el contrario son inaplicables los preceptos sobre conclusión de negocios jurídicos y

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211

O tema ainda não se encontra pacificado em doutrina, restando muito a ser

esclarecido. Mas é possível apontar que nas relações contratuais de fato, não há

aceitação nem conhecimento, mas simples condutas fáticas a que se atribuem

efeitos jurídicos. Ao contrário, as cláusulas contratuais gerais se voltam à

individualização contratual, por meio das quais produzem efeitos, embora seja

irrelevante o consentimento do aderente exigindo-se, todavia, o conhecimento prévio

do aderente. O contrato de adesão, composto por cláusulas contratuais gerais, se

forma por oferta e aceitação.

5.3 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL

A questão da determinação exata do momento de formação do vínculo contratual é

matéria de singular importância dentro do tema proposto e, em conseqüência,

merece maior aprofundamento em seu estudo.

A fundamental necessidade de se verificar com precisão o momento de formação do

contrato encontra amparo, entre outros motivos, na necessidade de se determinar o

instante em que começa a ser eficaz o contrato, ou em que momento o programa

contratual começa a incidir na esfera jurídica das partes, tal como por estas

preconizado.

contratos. Trátase, por consiguiente, en estas "relaciones de obligación derivadas de conducta social típica" de relaciones jurídicas que intrínsecamente han de considerarse según el Derecho de obligaciones, a pesar de que su nacimiento no exige la existencia de un contrato. G. Haupt fué el primero que reconoció la peculiaridad de estas relaciones proponiendo para ellas la denominación de "relaciones contractuales de hecho"; pero entendemos que esta denominación no es muy afortunada, ya que induce a la conclusión de que al propio tiempo se trata de procesos extrajurídicos. No cabe, naturalmente, hablar siquiera de esto; lo que ocurre es que lo que atribuye significado jurídico a estos procesos no es la voluntad jurídica negocial de los participantes, sino la valoración jurídica que obtienen en el tráfico por suponer una conducta social típica. El reconocimiento de tales relaciones obligatorias, que intrínsecamente han de ser consideradas según el Derecho contractual, está en la misma línea de los "'hechos típicos de declaración con efectos normativos." (p. ej., el silencio a la carta de confirmación en el tráfico mercantil) (4), en que tampoco depende la cuestión de si en el caso concreto concurren los requisitos para la existencia declaración de voluntad válida. En los casos concretos no puede, evidentemente, habIarse de "supuestos de decIaración", entendidos en su significado típico, sino únicamente de determinada en el tráfico. Concretamente se trata de la aceptación de una prestación que está a disposición de todos en las condiciones de la tarifa. No es aconsejable extender a otros supuestos de los ya señaIados la categoría de las obligaciones derivadas de conducta social, típica, ya que entonces sería muy difícil la delimitación, y con ello habrían de considerarse justificadas las objeciones hechas por H. LEHMANN contra la doctrina de Haupt. Ahora bien, Limitándose a la aceptación tácita de una prestación de suministro accesible a todos (en determinadas circunstancias), esta categoría es imprescindible para explicar teóricamente, sin ficciones los fenómenos del tráfico actual".

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212

Segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:381

O problema da formação do contrato que sofre controvérsia entre os

autores, deve ser resolvido com a fixação do momento em que se dá a

conjugação ou o acordo das vontades. No instante em que estas,

manifestadas segundo a forma livre ou determinada, conforme o caso,

justaponham-se ou coincidam, ou se encontrem, nesse momento nasce o

contrato.

Como já manifestado, o contrato exige que haja o consenso. Se não houver o

consenso, a obrigação contratual não nasce. Para ENZO ROPPO,382 numa

perspectiva realista, o juízo sobre se um contrato se formou ou não constitui o

resultado de uma qualificação de determinados comportamentos humanos, operada

por normas jurídicas. A formação do contrato consiste num processo, isto é, uma

seqüência de atos e comportamentos humanos, coordenados em si mesmos,

segundo o modelo pré-fixado convencionalmente.

Segundo MASSIMO BIANCA383 o principal esquema de formação do contrato é

aquele que se articula na proposta e na aceitação, que manifestam a vontade

contratual das partes. E por isso elas devem ter o requisito fundamental da

idoneidade e expressarem o consenso constitutivo do contrato.

O contrato é o resultado de uma série de momentos ou fases, que às vezes se

interpenetram, mas que em detida análise perfeitamente se destacam: negociações

preliminares, proposta e aceitação. Negociações preliminares são as conversações

prévias, sondagens e eventuais trocas de minutas.

Lembra MENEZES CORDEIRO384 que a formação do negócio jurídico opera em um

nível de acentuada abstração, a sua formação implica atividades de complexidade

muito variável: em concreto, um negócio pode ocorrer de imediato, através de um

simples assentimento ou, pelo contrário, implicar complexas atividades

preparatórias. Importante, portanto, que a doutrina civil recupere a idéia de processo

e a idéia de dinamicidade das técnicas de contratação para explicar a formação

deste negócio jurídico. Descreve o autor português: 381 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3 Contratos. Rio de Janeiro: Forense,

2004. p. 36. 382 ROPO, Enzo. O contrato. p. 90-91. 383 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 218. 384 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. I, t. I. 3. ed. p. 489.

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213

Em moldes descritivos, a formação cabal de um contrato minimamente

complexo apresenta a seguinte seqüência: obtenção de informações,

borrão de projecto de contrato, aplicação hipotética de contrato,

concretização de critérios de decisão, superação de conflitos objectivos,

negociações contratuais, instrução e aconselhamento, elaboração do

documento contratual.

De tais negociações não surgem relações individuais típicas de contrato, são

negociações com responsabilidade social.

As negociações preliminares são relações que impõem determinados deveres de

conduta, tais como boa-fé, lealdade, confiança, os quais rompidos podem gerar a

responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo). No período pré-contratual,

independentemente da posterior celebração de um contrato válido, as partes

deveriam, desde logo, observar certos deveres por a lei assim exigir; desde a fase

preparatória, as partes devem respeitar os deveres de lealdade, de informação e de

confiança advindos da boa-fé, sob pena de serem responsabilizados pela quebra de

tais deveres.

Para CARLYLE POPP,385 a principal característica desta fase de negociações

preliminares é a não obrigatoriedade, argumentando ainda que:

Isto porque realizar negociações é um direito concedido pelo ordenamento,

de natureza constitucional, que autoriza a livre celebração de negócios

jurídicos. Optar pela celebração ou não é um direito que assiste a cada um

dos negociantes. Este direito volta-se a dizer, é cada vez mais limitado,

limitação esta diretamente proporcional ao incremento da boa-fé objetiva

nas relações jurídicas. Não celebrar o negócio jurídico é um direito que

assiste ao tratante, desde que aja dentro dos limites da boa-fé e não viole a

confiança alheia.

O momento seguinte é o oferecimento da proposta que já traz força vinculante,

conforme estabelecido no art. 427 do Código Civil: “A proposta de contrato obriga o

proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou

das circunstâncias do caso.”

385 POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá,

2003. p. 230.

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214

A declaração inicial, que visa a suscitar o contrato, chama-se proposta ou oferta.

Quem a emite é denominado proponente ou policitante.

A declaração que lhe segue, indo ao seu encontro, chama-se aceitação,

designando-se aceitante (ou oblato) o seu declarante.

Considera-se policitação ou proposta, a declaração inicial emanada do policitante,

ou proponente, na qual este manifesta sua intenção de se vincular com a outra

parte. O policitante é aquele que suscita a formação do contrato por intermédio de

uma declaração unilateral de vontade que, salvo disposição em contrário, tem por

característica fundamental vinculá-lo aos termos da proposta por ele feita.

Note-se que a policitação ou proposta, também chamada de oferta, há de conter

todos os elementos essenciais do negócio jurídico proposto, de forma que deve ser

séria, completa, precisa e inequívoca, de tal sorte que a simples aceitação basta à

conclusão do negócio e, conseqüentemente, à formação do vínculo contratual.

Assim expõe Orlando Gomes:338866

[...] Deve, por conseguinte, ser completa, precisa, inequívoca e

determinada, quer nos pontos principais quer nos secundários que forem

importantes, pois um contrato só se tem por celebrado quando as partes

houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas

tenha julgado necessário o acordo.

Complementando, expõe MENEZES CORDEIRO:387

A proposta contratual, para o ser efectivamente, deve reunir três requisitos

essenciais, apontados nas diversas obras de doutrina: deve ser completa,

deve revelar uma intenção inequívoca de contratar, deve revestir a forma

requerida para o negócio jurídico em jogo.

A proposta é uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa para

aquele (pessoa ou grupo) com quem deseja contratar.

Importante observar que a proposta há de ser dirigida a uma pessoa determinada ou

determinável. Mesmo nos casos das propostas ad incertam personam ou ad incertas

personas, dirigidas ao público ou a determinada parcela de pessoas, a parte

386 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 58. 387 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. I, t. I. 3. ed. p. 552.

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215

destinatária da oferta se torna determinada quando ocorre a aceitação. Assim, ainda

que incerta a pessoa a quem se dirige a proposta, ela há de ser determinável. Nos

dizeres de DARCY BESSONE,338888 a proposta “não é dirigida à massa anônima, mas

a cada um do público".

O Código Civil disciplinou a oferta ao público no art. 429389 – a oferta ao público

equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o

contrário resultar das circunstâncias ou do uso – admitindo ainda a sua

revogabilidade (parágrafo único).

Como observado acima, em regra, a policitação implica na sua obrigatoriedade,

conforme estatuído no art. 427 do Código Civil, pois cria no oblato a convicção do

contrato em perspectiva, com todas as suas conseqüências e tem ainda por escopo

assegurar a estabilidade das relações sociais. A proposta carrega consigo o impulso

decisivo para a celebração do contrato, exprimindo uma declaração de vontade

definitiva, o que a difere das negociações preliminares, que carecem de tal

característica.390

Tem-se, portanto, que a vinculação do proponente ou do fornecedor é a regra em

nosso ordenamento jurídico, admitindo-se, entretanto, as exceções previstas nos

arts. 427, segunda parte, e 428 e incisos, todos do Código Civil.391 A proposta não

tem força absoluta, gerando direitos e obrigações típicos do contrato, pois se assim

fosse iria se igualar ao próprio contrato.

A oblação ou aceitação é a aquiescência a uma proposta. É a declaração de

vontade que vai ao encontro da proposta, manifestando a concordância da parte

aceitante, também chamada de oblato, em aderir aos termos ofertados pelo

388 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 135. 389 No Código de Defesa do Consumidor, a oferta ao público está disciplinada no art. 35. 390 Conforme Caio Mário da Silva Pereira, citando CARRARA, os pontos de distinção entre proposta e

negociações preliminares: A) a proposta é um elemento de formação contratual; as negociações não são. B) a proposta tem efeito jurídico específico; as negociações não têm. C) a proposta é um negócio jurídico; as negociações não são. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 41.

391 "Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente."

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216

policitante. Com a oblação, desde que feita dentro de determinado prazo, completa-

se a formação da relação contratual, obrigando o proponente a cumprir sua oferta.

A aceitação pode ser expressa ou tácita, salvo nos contratos solenes, devendo

ainda ser oportuna, ou seja, que tenha sido formulada dentro do prazo concedido

pelo policitante.

Ocorre aceitação tácita nas circunstâncias previstas no art. 432 do Código Civil, que

determina: "se o negócio for daqueles, em que se não costuma a aceitação

expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato,

não chegando a tempo a recusa", valendo-se nesse ponto, do disposto acerca da

declaração tácita e do comportamento concludente.

Nesse sentido, afirma DARCY BESSONE:339922

As leis da lógica – acrescenta – mais do que as normas jurídicas,

conferem-lhe eficácia, dada a incompatibilidade entre os fatos e a uma

vontade diversa daquela que deles resulta. Diz-se, então, que é tácita a

manifestação quando a vontade deva ser inferida de atos ou fatos que não

comportem outra explicação.

Para que a aceitação seja considerada como tal, é imprescindível que ela

corresponda a uma adesão integral à proposta, nos moldes em que foi formulada.

As duas declarações de vontade devem ser coincidentes para que o contrato se

forme.

Do contrário, não há consenso, há dissenso. No dizer de ORLANDO GOMES:339933

Se divergem ou não se ajustam perfeitamente, há dissenso. A divergência

pode manifestar-se em relação a pontos essenciais ou secundários. No

primeiro caso, ocorre dissenso manifesto e, à evidência, o contrato não se

forma, por necessário que o desacordo se dê em relação a condições

decisivas do contrato. Se ocorre relativamente ao conteúdo das

estipulações, ou à sua interpretação, dissenso não há. Do dissenso

manifesto distingue-se o dissenso oculto, no qual proponente e aceitante

pensam ter concordado sobre proposições em relação às quais realmente

discordavam. O dissenso manifesto importa a formação do contrato; o

392 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 117. 393 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 65-66.

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217

dissenso oculto determina a sua invalidade, atingindo, como terá sido o

consentimento, pelo vício do erro.

Em diversos negócios é comum a efetivação pela outra parte de uma

contraproposta, nesses casos se aplica a regra do art. 431 do nosso Diploma Civil,

onde é estabelecido que: “A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou

modificações, importará nova proposta..””

Havendo disparidade, no caso de o oblato oferecer sua aceitação parcial, sem se

submeter a todos os requisitos ofertados pelo proponente, a aceitação será, na

verdade, uma nova proposta, passando o oblato para a condição de proponente. Por

outro lado, havendo oferta alternativa, o oblato deverá ter o cuidado de indicar, em

sua aceitação, qual a de sua escolha. Não procedendo assim, poderá o proponente

considerar como aceita qualquer uma das alternativas ofertadas. Convém ressaltar

que existem duas hipóteses em que a oblação poderá deixar de gerar o

aperfeiçoamento do contrato, desvinculando o ofertante do cumprimento de sua

proposta.

A primeira delas, segundo o art. 430 do Código Civil, ocorre quando a aceitação é

oportuna, porém, por circunstâncias imprevistas contrárias à vontade do oblato,

chega ao conhecimento do proponente fora do prazo estabelecido na proposta.

Neste caso, o policitante, se não quiser levar adiante o negócio, deverá comunicar

imediatamente ao oblato o ocorrido, sob pena de responder por perdas e danos.

A outra hipótese na qual a aceitação não tem o condão de efetivar o negócio jurídico

refere-se aos casos onde ocorre a devida retratação por parte do oblato. De fato,

consoante o dispõe o art. 433 do Código Civil, inexistirá a aceitação se, antes dela

ou juntamente com ela, chegar ao proponente a retratação do aceitante. Trata-se do

arrependimento do oblato em ter aceitado a proposta do policitante. Para que a

recusa seja efetiva, é mister que haja total obediência ao prazo consignado no texto

legal supracitado, caso contrário, chegando a retratação tardiamente ao

conhecimento do proponente, o aceitante continuará vinculado ao contrato. Em

suma, pode-se dizer que com a aceitação, por meio da subscrição pelos

contratantes no documento final, a proposta se extingue, dando lugar à formação do

contrato.

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218

A formação de todo contrato se baseia no consenso. Conforme mencionado, o

consenso é um dos elementos intrínsecos do contrato, revelador do acordo de

vontades, exprimindo a formação do negócio jurídico bilateral.

Com o acordo de vontades – consenso – forma-se o contrato. De fato, a

convergência volitiva é suficiente para criar um contrato válido, uma vez que, em

regra, não se exige forma especial para sua constituição, e mesmo que exista essa

forma especial não exclui o consenso, antes o prestigia, dando-lhe formatos ou

solenidades especiais. Entretanto, como regra geral, o simples consentimento é

suficiente para validar e tornar perfeita a relação contratual.

Segundo DARCY BESSONE,339944 “a manifestação da vontade não depende de

formalidades extrínsecas, podendo verificar-se por qualquer meio apto a revelá-la”.

Para MASSIMO BIANCA,395 o acordo pode ser definido como o recíproco consenso

das partes em comando ao programa contratual, ou seja, em ordem à constituição,

modificação ou extinção de uma relação jurídica patrimonial. Segundo o referido

autor, o acordo integra a fattispecie contratual, pois é fato no qual se identifica o

contrato. Assim, o contrato é concluído (e nasce) quando se aperfeiçoa o acordo

entre as partes. O acordo é um fenômeno da vida social disciplinado pelo direito. A

constatação da conclusão do contrato ocorre quando há a constatação de um fato e

a sua correspondência à regra que se condiciona à relevância jurídica.

Para ENZO ROPPO396 o contrato é um negócio bilateral, sendo necessário que

existam pelo menos duas partes e que cada uma delas exprima sua vontade de

sujeitar-se àquele determinado regulamento das recíprocas relações patrimoniais,

que resulta do conjunto de cláusulas contratuais. É necessário, em concreto, que

uma parte proponha aquele determinado regulamento e a outra parte aceite. O

contrato se forma precisamente quando essa proposta e aceitação se encontram,

dando lugar àquilo que se conhece por consenso contratual.

Sintetizando o posicionamento até então explanado sobre o consenso na formação

dos contratos: não é necessário que os contratantes façam uma declaração formal,

por meio da palavra escrita ou falada, pois é suficiente, como já argumentado, que

se possa traduzir o seu querer por uma atitude inequívoca, evidente e certa, de 394 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 117. 395 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 159 e ss. 396 ROPPO, Enzo. O contrato. p. 73

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219

modo expresso, quando os contraentes se utilizam de qualquer veículo para

exteriorizar sua vontade, seja verbalmente, usando palavra falada, em qualquer

suporte físico inclusive o eletrônico, ou ainda que seja por mímica.

5.3.1 Consenso nos contratos entre ausentes

O consenso pode se dar entre ausentes. É certo questionar a mantença de tal

distinção, pois frente os progressos tecnológicos, pessoas separadas por oceanos

podem efetuar tratativas como se estivessem frente a frente. DARCY BESSONE397

com fundamento em MARGHIERI, contesta a exatidão dessas expressões,

propondo uma outra distinção, de maior interesse prático, baseada na

simultaneidade, ou não, das declarações e de sua percepção pelas partes a que

foram dirigidas.

Todavia, apesar da procedência das críticas, cumpre colacionar alguns aspectos

relevantes de tal distinção.

Para os contratos entre presentes não existe lapso temporal entre a proposta e o

aceite e, por isso, tem-se a formação do vínculo contratual instantaneamente, uma

vez que à parte é dada a possibilidade de conhecer a declaração de vontade da

outra no instante em que esta é emitida. Havendo a união coincidente de vontade

dos contratantes, perfeito e acabado estará o contrato, em razão do consenso.

Vale anotar que CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA398 aduz que quanto aos

contratos efetuados por telefone, o legislador pátrio pronunciou-se pela teoria

preconizada por GABBA, abarcando o critério da distância loci que acaso separa os

contratantes como elemento informativo, e adotando a possibilidade de direta

comunicação entre eles.

Em relação aos contratos realizados entre ausentes, dentre os quais se destacam

aqueles por correspondência epistolar ou telegráfica e os celebrados via e-mail,399

resta claro que o proponente não pode pretender resposta instantânea. Nesses

397 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 150. 398 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 42 e ss. Conforme o citado

autor, Gabba preconiza a relevância da circunstância temporal, entendendo que o que tem significação para a solução do problema (se a via telefônica revela formação de contratos entre presentes ou entre ausentes) é o fato de os contratantes, embora não se vejam, poderem comunicar-se diretamente, ouvir-se mutuamente, propor e aceitar imediatamente. E como tudo isso é possível, o contrato é inter praesentes.

399 Nesse caso, quando a aceitação não é manifestada instantaneamente.

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220

casos, a espera se faz necessária, pois será o tempo necessário para que a oferta

seja recebida pelo oblato, ponderada e a ela dada resposta. Não existe um prazo

certo, mas um certo prazo (chamado de prazo moral) visto que variável com o vulto

do negócio envolvido.400

Um ponto relevante para a doutrina, quanto aos contratos entre ausentes, refere-se

a precisar em que momento o contrato é formado. Para tal questão, destacam-se

quatro sistemas principais, a saber:401

i) sistema da cognição (ou informação) – considera-se o contrato concluído

quando o proponente toma conhecimento da aceitação de sua proposta. O

inconveniente desta teoria resulta do fato de ela dificultar a determinação do

exato momento em que o contrato se formou, pois fica ao arbítrio do ofertante

procrastiná-lo.

ii) sistema da agnição (ou declaração) – o contrato se forma no momento em

que o destinatário da oferta formula a declaração de aceitação, subdividindo-

se em três subespécies:

a) declaração propriamente dita (ou simples aceitação): considera-se

formado no momento em que o aceitante declara a vontade de aceitar

a proposta. A comunicação da aceitação não constitui requisito de

perfeição do contrato. Critica-se essa teoria por ela também dificultar a

determinação do exato momento em que o contrato se forma, pois fica

ao arbítrio do aceitante concluir e desfazer ocontrato.

b) expedição: a celebração do contrato se opera quando a

comunicação da aceitação, tais como carta, telegrama, é expedida.

Considera-se formado no envio da aceitação.

c) recepção: o momento do aperfeiçoamento do contrato é aquele em

que o ofertante recebe a resposta à sua proposta, mesmo que não a

leia.

Dentre elas, recebem maior relevância a teoria da expedição e a teoria da recepção,

subespécies da teoria da agnição.

400 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 43. 401 Entre outros ver BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 151.

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221

A teoria da expedição, conforme CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA402 é a melhor,

embora não seja perfeita, pois evita o arbítrio dos contratantes e reduz ao mínimo a

álea de ficar uma declaração de vontade, prenhe de efeitos, na incerteza de quando

se produziu. De outro lado, afasta dúvidas de natureza probatória, pois que a

expedição da resposta se reveste de ato material que a depreende do

agente.ORLANDO GOMES403 esclarece que de acordo com a teoria da recepção:

[...] o contrato só se forma quando o proponente recebe a resposta do

aceitante, não é necessário tenha conhecimento do seu conteúdo,

bastando que esteja em condições de conhecê-la, por ter chegado a seu

destino. A teoria da recepção pode ser considerada variante do sistema da

cognição, uma vez que a lei presuma a recepção. No momento em que a

declaração chega ao destinatário.

Note-se que, para a subteoria da recepção, não é exigido que o proponente tenha

conhecimento do conteúdo da correspondência, mas apenas que este a tenha

efetivamente recebido. Pelo que se percebe, a lei presume, com a simples recepção,

que o ofertante tem o conhecimento do teor da declaração de vontade expedida pelo

oblato. Quanto ao ordenamento pátrio, o Código Civil reporta-se no artigo 434 à

teoria da expedição, ao prescrever que os contratos entre ausentes tornam-se

perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto (...).

Todavia, como observa DARCY BESSONE404 ao se verificar o que dispõe o art. 433

– considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao

proponente a retratação do aceitante – percebe-se um ecletismo e uma incoerência,

pois se o contrato se forma com a expedição da aceitação, não seria possível a

retratação desta, mas a rescisão do contrato, já formado.

Também no art. 430 há a previsão da recepção da aceitação pelo proponente. O

Código Civil adotou, portanto, a teoria da agnição, na subteoria da expedição, ainda

que de forma mitigada, pois, como dito, não a manteve em sua integridade:405

Na verdade, recusando efeito à expedição se tiver havido retratação

oportuna, ou se a resposta não chegar ao conhecimento do proponente no

402 PEREIRA, Caio. Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 47. 403 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 69. 404 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 153. 405 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 48.

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222

prazo, desfigura a teoria da expedição, admitindo um pouco a da recepção

e um pouco a da informação, o que é um mal, já que a imprecisão

doutrinária na fixação do conceito perturba a boa aplicação dos princípios.

[...] Estamos em que o Código Civil proclamando a regra, segundo a qual

os contratos entre ausentes se formam com a expedição da resposta (art.

434), aderiu à teoria, que perfurou das exceções mencionadas.

O Código Civil aceitou a teoria da agnição ou da declaração em sua segunda

modalidade, isto é, da expedição, por ser considerada pela maioria dos juristas e

das legislações, como a alemã e a suíça, a mais correta e a que melhor atende às

necessidades da vida e à natureza das coisas. Contudo, a mesma autora ao

ponderar o disposto no art. 433, conclui que se pode afirmar que o vínculo contratual

se torna obrigatório, em nosso direito, no momento da expedição da aceitação, salvo

algumas exceções, quando se aplica a subteoria da recepção.

5.3.2 Nota: consentimento no contrato de adesão

Após uma tentativa frustrada de se construir uma nova dogmática e nova categoria

jurídica, sustentando uma suposta inexistência de consentimento nos contratos de

adesão,406 percebeu-se que não existiriam justificativas para a qualificação de uma

nova categoria jurídica. Sem necessidade de maiores digressões a respeito, tem-se

que os contratos de adesão são contratos, sendo que a adesão seria, em resumo,

forma de expressão da vontade negocial, que não nega, nem mesmo desvirtua, a

natureza contratual do vínculo jurídico a ser formado. Trata-se de um contrato no

qual o consentimento se manifesta de modo diferente.

406 LIMBACH, Francis. Le consentement contractuel à l’épreuve des conditions générales. p. 83-84

("L’ancienne doctrine relative au contrat d’adhésion comptait un certain nombre de partisans il y a encore une trentaine d’année. Il convient de citer surtout la thèse de M. Berlioz intitulée «Le contrat d’adhésion ». Dans cet ouvrage, l’auteur propose une systématique qui, tout en admettant le principe de la formation d’un contrat, fait place à certaines idées de filiation anticontractualiste. [...] Il étudie la conclusion d’un contrat d’adhésion non pas en tant que rencontre de volontés par le jeu d’une offre e d’une accpetation et conteste que la «stipulation» et l’ «adhésion» aient une nature commune. La première constituerait une volonté «permanente, inaltérable et dont l’existence dépasse celle du contrat». En revanche, la seconde serait «temporaire et limitée au contrat», étant définie comme «un acte par lequel la partie contractante qui sait que l’autre se soumettre por cette transaction aux termes et conditions de cette stipulation». Au lieu de déterminer les conditions dans lesquelles des conditions générales peuvent entrer dans le contrat, M. Berlioz effectue a posteriori une «limitation de la portée de l’adhésion» en dressante une liste des hypothèses où les clauses envisagées par le stipulant se trouvent exclues de champ contractuel. M. Berlioz part d’un «consentemente en bloc» à la différence des contract individuels «formés par accord des volontés».")

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223

O contrato de adesão não é um ato unilateral, eis que não há vontade única. Aliás,

tanto é verdade que existe manifestação de vontade do aderente que, nos termos do

art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, é possível que este exerça o direito de

arrependimento, no prazo de (7) sete dias. Só se arrepende quem manifesta e

exercita uma dada vontade. Uma vez que é incontestável a participação do

aderente, o ato, sob esse aspecto, há de ser considerado bilateral.

5.3.3 Formação do contrato de adesão e das cláusulas contratuais gerais

Nos contratos de adesão, a fase das negociações preliminares não existe. O

esquema contratual está pronto, devendo aceitá-lo integralmente quem se proponha

a travar a relação concreta. Aceita a proposta, o contrato está formado, do mesmo

modo que em outras espécies de contrato.

Mas como observa ORLANDO GOMES,407 sempre haverá cláusulas que não podem

ser pré-estabelecidas e, de modo geral, elementos imprevisíveis. Sempre ficará uma

faixa mais larga ou mais estreita, na qual poderão caber entendimentos prévios

entre os contratantes, se bem que, na maioria das vezes, o contato prévio se destine

somente à determinação de dados pessoais, dispensáveis em vários contratos de

adesão.

Lembra o mesmo autor que, em algumas legislações do mundo, é possível a

modificação das cláusulas gerais, mediante acordo entre as partes. Em ocorrendo

esta hipótese, em que as partes travam entendimentos acerca do conteúdo do

contrato a concluir, pode se falar em negociações preliminares.

O mecanismo de formação desses contratos de adesão, compostos por cláusulas

contratuais gerais, é o mesmo da categoria geral dos contratos, exceto no tocante à

iniciativa da proposta. Tanto proposta e aceitação, nesses casos, estarão sujeitas às

regras gerais, tal como acima exposto. Nos contratos de adesão, explica

MESSINEO, existe uma situação inicial de disparidade entre as partes contratantes,

uma parte, dotada de particular força contratual, impõe o esquema a outra. É

prendere o lasciare.408

407 GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 41. 408 MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. p. 422.

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224

Importante ressaltar, permitam-nos mais uma vez, que a formação das cláusulas

contratuais gerais deve ser diferenciada da formação do contrato de adesão, o que

fica ainda mais claro apartir da apresentação deste capítulo.

As cláusulas contratuais gerais se formam em momento anterior, antes mesmo da

formação do contrato de adesão. O ato de predispor as cláusulas contratuais gerais

é ato jurídico em sentido amplo, não pode ser considerado um ato destituído de

juridicidade. No momento em que são editadas pelo predisponente e eventualmente

registradas (ex.: escritura declaratória de normas gerais de um shopping center409

para os futuros lojistas) para integrarem os contratos de adesão que eventualmente

serão concluídos, foi dada publicidade a um ato cuja existência jurídica é

inquestionável, embora dependente de eficácia concreta.

A maior parte da doutrina, que normalmente confunde cláusula contratual geral com

o próprio contrato de adesão, conclui por considerar aqueles clausulados

predispostos como irrelevantes jurídicos, antes da integração, antes de se inserirem

no contexto de um contrato individual. Para aqueles que adotam esta postura, até

então, a elaboração das cláusulas contratuais gerais não significa criação de um

negócio jurídico, mas puro e simples fato interno na esfera do proponente, de forma

que sua transcendência jurídica somente começa a partir do momento em que

passa a ser conteúdo das declarações contratuais de vontade. Segundo ORLANDO

GOMES,410 “a relação jurídica é criada contratualmente, provocando o acordo de

vontades, a incorporação das condições gerais ao seu conteúdo como parte

integrante da lex contractus".

Como observa PAULO LUIZ NETTO LÔBO,411 resgatando os ensinamentos de

PONTES DE MIRANDA, os autores que avançaram um pouco mais perceberam que

a formação das cláusulas contratuais gerais antecedem a formação do próprio

contrato, e nem por isto podem ser consideradas como fatos destituídos de

juridicidade, aproximando o seu estudo da oferta ao público e da invitação a ofertar.

409 Exemplo dado por LÔBO, Paulo Luiz Netto.Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas.

p. 35. 410 GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 43. 411 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 37.

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225

Segundo ORLANDO GOMES,412 quando um fornecedor ou uma empresa toma a

iniciativa da proposta, estaremos diante da chamada oferta ao público, considerando

perfeito e acabado o contrato no momento em que o cliente declara a aceitação,

freqüentemente sob a forma de comportamento típico. Quando a iniciativa é do

consumidor ou do cliente, estaremos diante do convite à oferta, considerado

concluído o contrato quando a fornecedora aceita. Ou seja, na invitação à oferta

(invitationes ad offerendum), conclui-se o contrato quando o fornecedor aceita a

manifestação de interesse do cliente. Segundo o autor, a rigor, a adesão se

manifesta, em seu significado próprio, na hipótese de oferta ao público, mas isso

não significa que o inverso não o seja.

Como vimos no Capítulo 2 da Parte II, há que ser salientado que alguns autores,

como MENEZES CORDEIRO,413 distinguem oferta ao público das cláusulas

contratuais gerais. Para o autor português, oferta ao público é uma modalidade

particular de proposta contratual, caracterizada por ser dirigida a uma generalidade

de pessoas. Como qualquer proposta contratual, a oferta ao público deve reunir três

requisitos fundamentais: deve ser completa, deve compreender a intenção

inequívoca de contratar e deve apresentar-se na forma requerida para o contrato a

celebrar. As cláusulas contratuais gerais, por sua vez, embora genéricas, não

surgem necessariamente como proposta e implicam uma rigidez que não se

conforma, de modo necessário, a oferta ao público.

412 GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 42. Criticando esta

distinção, ver CUSTÓDIO PIEDADE UBALDINO MIRANDA (Contrato de Adesão. p. 153-154): "Quando aquele dispositivo declara que toda a informação, veiculada por qualquer meio de comunicação, com relação a produtos e serviços apresentados, obriga o fornecedor e integra o contrato que vier a ser celebrado, está dizendo, em outras palavras, que o proponente é o estipulante das condições gerais de venda do produto ou da prestação do serviço. Além disso, custa conceber o cliente (e não a empresa) como proponente, porque, se ele propõe um negócio jurídico, cujas condições são formuladas pela contraparte, quer dizer que tomou a si as condições gerais, como proponente, não sobrando, assim, espaço para uma posterior adesão às mesmas. Dizendo de outro modo: se o usuário tomou a si as condições gerais e com base nelas fez uma proposta negocial, como falar-se em qualquer adesão?Teria, assim, de se concluir que o aderente é a empresa; nesse caso, porém, além do mais seria de se perguntar a que se presta, ou porque se exige, do próprio formulador das cláusulas predispostas, uma posterior adesão a elas. Por tudo isso, parece-nos, data vênia, que dizer-se que a inversão “não retira da figura os traços distintivos”, ou que “não se desconjunta em razão do modo como se arma”, não se torna compreensível. Aliás, o autor não explicita de que modo a inversão opera, especialmente no direito brasileiro, e que tem sido admitida por certos autores italianos, em razão da formulação do art. 1.341 do Códice Civile, parecendo-nos que só pode ocorrer quando o contrato é entre duas empresas, como se verá adiante".

413 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. I, t. I. 3. ed. p. 557.

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226

Observa PAULO LUIZ NETO LÔBO414 que, enquanto a oferta ao público se forma in

concreto, as cláusulas contratuais se formam in abstrato, razão pela qual se mostra

necessária a distinção quanto ao momento de formação:

As condições gerais formam-se independentemente da oferta ao público. A

oferta ao público (e nunca as invitações à oferta) compõe o contrato

individual quando se conclui. As condições gerais delimitam, condicionam e

regulam tanto a oferta ao público quanto o contrato de adesão,

heteronomamente, externamente. Quando o motorista do veículo ingressa

em um estacionamento pago, aceita a oferta ao público do fornecedor

desse serviço. O aviso colocado na entrada, de exoneração de

responsabilidade por furto, não integra a oferta. Impõe-se ao contrato

concluído mesmo que não tenho havido aceitação ou até rejeição expressa

pelo usuário do serviço. O contrato se concluiu com a oferta e a aceitação

e a condição geral a ele se integra no momento da conclusão, sem ter feito

parte de uma (oferta) ou de outra (aceitação). Nas condições gerais, de um

lado, existe a predisposição unilateral (predisponente), e, de outro, o

conhecimento (aderente). Sem conhecimento do aderente, o contrato não

adere às condições gerais (estas não se integram). Contudo, conhecimento

(ou dever de cognoscibilidade, no direito italiano) não é aceitação. Não

existe a presunção de conhecimento das condições gerais, o que é mais

um fator distintivo com a lei em geral (Lei de Introdução, art. 3.º A lei incide

mesmo quando não conhecida).

Mesmo que se discuta a eficácia das cláusulas contratuais gerais em relação ao

eventual contratante, bem como a necessidade da ciência por parte dos

destinatários, o fato é que estas cláusulas podem ser consideradas formadas em

abstrato. Com base nos ensinamentos de MESSINEO, aponta o autor o traço

fundamental das cláusulas contratuais gerais: o fundamento de eficácia não reside

em um fato volitivo das partes, mas em um fato cognoscitivo do aderente, sendo

irrelevante a aceitação ou até mesmo a aprovação.

As cláusulas contratuais podem existir, ser válidas e nunca produzir efeitos, caso

nenhum contrato de adesão venha a ser concluído. O fato é que, quando elaboradas

pelo predisponente, elas existem, mesmo que não exista (ou que esteja formado) o

contrato de adesão. Repita-se: não podem ser consideradas como irrelevantes

jurídicos pelo fato de não ter sido celebrado um contrato de adesão.

414 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 37-38.

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227

5.4 O CONTROLE DE INCLUSÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS NA FORMAÇÃO DO

CONTRATO DE ADESÃO

As cláusulas contratuais gerais, como podemos observar, não possuem força de

normas legais ou regulamentos, elas necessitam ser inseridas em um contrato para

que ganhem força obrigatória em relação às partes contratantes envolvidas.

Logo, não basta que o predisponente determine ao seu departamento jurídico que

elabore uma lista de cláusulas ou condições gerais e estas fiquem nas mãos do

gerente da loja para que desta vontade unilateral do fornecedor se originem direitos

e deveres para os futuros contratantes. As cláusulas contratuais gerais terão de ser

inseridas nos contratos.

O tema da inclusão de cláusulas contratuais gerais nos contratos de massa

fechados pelos fornecedores de bens e serviços com consumidores é um dos temas

mais delicados do novo direito dos contratos, pois, como sabemos, nem sempre

estes contratos de massa terão a forma escrita.

Quando falamos na aceitação das cláusulas contratuais gerais, ou, mais

particularmente, quando falamos na inclusão das cláusulas contratuais gerais nos

contratos individuais de consumo, segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES,415 deve ser

observado o princípio da transparência, significando que as cláusulas contratuais

gerais unilateralmente elaboradas pelo predisponente só integrarão o contrato se o

consumidor conhecimento delas ou pelo menos tiver tido a oportunidade de ter

conhecimento de sua inserção no contrato, antes ou durante a celebração do

contrato, e aceitar o seu uso. Se o consumidor não foi informado de seu uso, se não

houve transparência, o silêncio do consumidor não será interpretado como tendo

aceito a inclusão das cláusulas contratuais gerais.

A doutrina alemã preocupou-se desde cedo com o problema e desenvolveu algumas

linhas básicas para a inclusão de cláusulas contratuais gerais nos contratos de

massa. Vejamos, é necessário que exista o chamado pacto de inserção ou pacto de

inclusão das cláusulas contratuais gerais, este pacto não constitui um contrato em

separado, mas faz parte do próprio contrato de consumo. A regra do art. 46416 do

415 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. ed. p. 70. 416 Nos termos do art. 46 do CDC, os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão

os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio do seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão

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228

CDC trata do controle de incorporação das condições gerais ou do controle de

formação ou conclusão dos contratos de consumo em geral, malgrado não se refira

a esse tipo controle de forma expressa, como fazem as normas da Lei sobre as

Condições Gerais de Contratação Espanhola.417 Com efeito, ela impõe, no momento

do seu sentido e alcance". Disposição similar pode ser encontrada em algumas legislações pelo mundo, como no art. 6.º do Decreto-lei n. 446/1985 de Portugal. Não está se discutindo aqui o momento em que as cláusulas contratuais gerais se tornam eficazes, ou sobre o exercício de manifestação de vontade do aderente em aceitar tais cláusulas. Vale então a observação feita por RIBEIRO, JOAQUIM DE SOUSA. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 301-302: "Com isso queremos apenas evidenciar que aceitação do aderente tem um distinto significado, consoante se refere a cláusulas individualmente acordadas ou a ccg recebidas em bloco. Mas não estamos a pressupor a existência de declarações autónomas. Muito embora a doutrina alemã tenha falado durante muito tempo num acordo de inclusão (Einbeziehungsabrede), parecendo apontar para um acordo específico sobre a vigência das ccg, é hoje ponto assente que o contrato que inclui ccg se aperfeiçoa, como qualquer outro contrato, com a unitária declaração de aceitação, abrangendo globalmente todas as cláusulas que constam da proposta ou para que ela remete [...] Mas, se a aceitação a que se refere o art. 4.° não pressupõe um acto específico de concordância com a vigência das ccg, reportando-se antes à declaração que, conjugando-se com a proposta, aperfeiçoa o contrato, n o seu conjunto, então há que dizer que o preceito nada acrescenta, nem sequer no plano formal, à tutela do consentimento do aderente. Toda a ênfase, só esse ponto de vista, recai sobre as obrigações de comunicação e de informação impostas ao utilizador pelos arts. 5.° e 6.° do Decreto-lei n. 446/1985. Cumpridas as regras procedimentais aí cominadas, se o contrato vier a celebrar-se, (o que, naturalmente, exige a aceitação da proposta), nele se incluirão as ccg precedentemente comunicadas de modo regular, sem necessidade, sequer de uma adesão em forma expressa; se não se verificar a aceitação, é evidente que a inclusão se não dá, pela simples razão de que nem chega a haver contrato. Não se trata, pois, de um requisito de inclusão suplementar, mas, pelo contrário, da extensão do âmbito de eficácia de uma declaração – aceitação –, sempre indispensável à efectivação de qualquer contrato, como negócio jurídico bilateral. Não significando a ulterior imposição de' uma condição de vigência das ccg, para além das que sustentam o contrato, a disposição será mais explicável por um intuito de certificação e reafirmação do fundamento contratual das ccg, em rejeição clara das teses normativistas outrora defendidas.Cumpre notar, por outro lado, que o dispositivo do art. 4.° só se adequa às situações contratuais em que o aderente a ccg é simultaneamente o aceitante de uma proposta que as inclui. Já não assim quando ele assume a veste proponente, de subscritor de uma proposta formulada nos termos prefixados pelo utilizador das ccg. Nessa posição, a que alude o art. 1.° (onde aponta os proponentes indeterminados que se limitam a subscrever as ccg) e o art. 2.º in fine (na parte em que refere as ccg elaboradas pelo destinatário), muito embora as ccg só se jncluam no contrato com a aceitação, a verdade é que a adesão a essas cláusulas não nos é dada por esse acto (que compete, nestas circunstâncias, ao utilizador), mas antes pela anterior concordância do aderente em subscrever uma proposta que as incorpora ou para elas remete. E – mais importante ainda, sobretudo no quadro de um diploma cujo objectivo primordial é a tutela do aderente – a vinculação deste às ccg não é coetânea da celebração do contrato, pela aceitação, produzindo-se antes, nos termos gerais, no momento em que a proposta chega ao poder ou é conhecida do destinatário (arts. 224, 1.º, e 230 do Código Civil) – nesse caso, o próprio utilizador das ccg. O que é de particular relevo em relação às cláusulas que não se destinam a integrar o conteúdo do contrato (situando-se, medida, fora do âmbito do art. 4.°), mas antes a regular a sua formação como, por exemplo, as previstas na aI. a) do art. 19)".

417 À semelhança das já comentadas normas do art. 7.º, alíneas a e b, da Lei sobre as Condições Gerais da Contratação (LCGC), de 1998, e do art. 10, § 1.º, alínea a, da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Usuários (LGDCU), de 1984, a norma do art. 46 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), inserta no capítulo que trata da proteção contratual do consumidor, estabelece que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance” (itálicos nossos). Segundo NELSON NERY JR, a disposição do art. 46 do CDC é a projeção, sob o

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229

da formação do contrato ou previamente à sua conclusão, a observância do requisito

da cognoscibilidade, ao prescrever que “os contratos que regulam as relações de

consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de

tomar conhecimento prévio de seu conteúdo”. Por outro lado, a mesma norma impõe

que se atenda ao requisito da compreensibilidade, ao afirmar que os mesmos

contratos também não obrigarão o consumidor “se os respectivos instrumentos

forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.

Cumpre esclarecer que a norma do art. 46 do CDC, em razão de sua própria

formulação, parece referir-se aos contratos de consumo concluídos por adesão a

condições gerais predispostas (ou contratos de adesão), e não aos contratos de

consumo negociados ou paritários, porque a efetiva negociação prévia e bilateral

pressupõe o conhecimento e a compreensão, por ambas as partes, das cláusulas

contratuais. Com efeito, no exercício de sua autonomia privada – ou

autodeterminação bilateral –, as partes contraentes dão conformação ao conteúdo

das cláusulas contratuais que irão regular seus interesses negociais. Talvez para

prevenir o risco de que, mesmo num contrato de consumo que não seja de adesão –

um contrato paritário (grès a grès) –, o consumidor venha a celebrar o contrato sem

pleno conhecimento ou sem compreender o exato sentido de suas cláusulas, o

legislador não tenha limitado o alcance da aludida regra aos contratos de adesão.

Para esses, estabeleceu regras específicas, no Capítulo VI (Da proteção contratual),

Seção III (Dos contratos de adesão), constituída esta seção por apenas três

disposições: art. 54, caput, e §§ 3.º e 4.º, que se juntam à do precitado art. 46 e

prescrevem os requisitos necessários à formação de todos os contratos de

consumo, negociados ou de adesão.

ponto de vista prático, do direito básico do consumidor à informação adequada sobre os produtos e serviços, em toda a sua extensão (qualidade, quantidade, conteúdo, riscos que apresentem etc.). Interpretando a norma em exame, explica – com o que concordamos plenamente – que “dar oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o consumidor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contratuais gerais do futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do conteúdo do contrato. Não satisfaz a regra a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleológico [...] da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato, especialmente sobre as cláusulas restritivas de direitos do consumidor, que, aliás, deverão vir em destaque nos formulários dos contratos de adesão (art. 54, § 4.º, CDC). (Código brasileiro de defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. p. 473).

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230

Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES,418 são três os pré-requisitos do pacto de

inclusão: o primeiro requisito é que o consumidor tenha sido informado pelo

fornecedor de que condições gerais serão usadas no futuro contrato. Normalmente o

consumidor será informado pelo fornecedor no momento do fechamento do contrato

que o fornecedor usa cláusulas contratuais gerais para todos os seus contratos.

Para a doutrina alemã não basta que após o fechamento do contrato o fornecedor

dê um recibo para o consumidor, onde no verso estejam impressas as cláusulas

contratuais gerais pactuadas. Os consumidores têm que ter sido informados antes

do fechamento do contrato da utilização das cláusulas contratuais gerais (Lei alemã,

AGBG § 2.º, I), assim também se o contrato for por escrito, deve haver uma menção

em seu texto sobre a utilização das cláusulas contratuais gerais.

A idéia básica é que, as cláusulas contratuais gerais podem influenciar a decisão do

consumidor e, portanto, seria um dever do fornecedor informar sobre o uso. Na

disciplina do Código de Defesa do Consumidor brasileiro, as cláusulas contratuais

gerais fazem parte da oferta que o fornecedor faz ao público, existindo assim um

dever de informar ao consumidor dessas cláusulas contratuais gerais, que farão

parte do futuro contrato (nesse sentido, os arts. 30 e 46 do CDC419). Há também um

dever expresso de redação clara e destacada nas cláusulas contratuais gerais

(CDC, art. 46 c/c art. 54, § 4.º).

Excepcionalmente, em alguns tipos de contrato, nos quais seria difícil haver uma

menção expressa da utilização de cláusulas contratuais gerais na hora da

celebração dos contratos, como, por exemplo, nos contratos verbais, nos contratos

de transporte em ônibus, contratos automatizados, nos de guarda de automóveis em

estacionamentos, a doutrina germânica impõe a afixação das cláusulas contratuais

418 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. p. 71. 419 Em interessante observação sobre o art. 31 do CDC, SILVIO LUIS FERREIRA DA ROCHA

comenta que "Não obstante o teor do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor brasileiro, entendemos que a oferta, sem se desclassificar para simples convite a ofertar, pode deixar de observar o dever de informar estabelecido no referido artigo, bastando, para a sua obrigatoriedade, informações que permitam a identificação do bem e o seu preço. Isso porque o artigo 31 tratou de instituto diverso da oferta, quando criou o dever pré-contratual de informar; as formalidaes e garantias impostas visam proteger os consumidores e, portanto, só podem ser invocadas em benefício destes. Desta forma, a declaração de vontade que apenas indique o bem ou o serviço e o respectivo preço nem por isso deixa de ser qualificada como oferta que confere ao consumidor o poder de exigir o seu cumprimento" (ROCHA, Silvio Luís Ferreira. A oferta no Código de Defesa do Consumidor. p. 101).

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231

gerais em lugar visível no local em que o contrato será fechado, para o consumidor

possa tomar conhecimento destas, se quiser.

O segundo pré-requisito para a inclusão das cláusulas contratuais gerais é subjetivo,

é a possibilidade de o consumidor tomar conhecimento do conteúdo real das

cláusulas contratuais gerais. Isto é não basta a simples menção de que cláusulas

contratuais gerais serão usadas no contrato, é necessário que o homem comum

possa ler e entender o que significam aquelas cláusulas, quais as obrigações e os

direitos que está aceitando (assim, também, a contrario sensu, art. 46, in fine, do

CDC). Relembre-se aqui, que não raramente o vendedor procura introduzir suas

cláusulas contratuais gerais no contrato de modo um pouco furtivo: um texto

impresso em letras pequenas, de cor verde, um texto longo, de difícil leitura,

impresso no verso de documentos. Nesse sentido, a exigência do CDC420 de maior

transparência e destaque (veja art. 4.º, caput, art. 46 e art. 54, § 4.º).

O terceiro requisito é a aceitação, tácita ou expressa, do consumidor. Assim, se o

fornecedor informa sobre a utilização das cláusulas contratuais gerais e o

consumidor tendo tido a oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo das

cláusulas contratuais gerais impostas, aceita a oferta e fecha o contrato de

consumo, aceitou a inclusão das cláusulas contratuais gerais em seu contrato

específico. Também prevê a doutrina que possa haver uma aceitação anterior ao

contrato, em uma convenção básica ou em um pré-contrato, principalmente no caso

de relação contratual reiterada entre dois comerciantes. Note-se que o problema da

inclusão de cláusulas contratuais gerais nos contratos é em última análise, um

problema de interpretação da declaração de vontade do consumidor.

O consumidor precisa manifestar a sua concordância com a validade das cláusulas

contratuais gerais e, uma vez inseridas nos contratos de consumo, as cláusulas

contratuais gerais serão submetidas a um outro tipo de controle, que, no caso da Lei

420 O art. 54, caput, define o contrato de adesão, enquanto o § 3.º estabelece que “os contratos de

adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor” (itálicos nossos), e o § 4.º dispõe que “as cláusulas que implicarem limitação de direitos do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão” (itálicos nossos). Estas duas últimas disposições legais, como se deduz claramente do seu teor, impõem ao predisponente das condições gerais do contrato os requisitos da compreensibilidade e da perceptibilidade. Não estabelece sanção expressa para o descumprimento desses requisitos, a exemplo da norma do art.46, como já apontamos, que é a não-obrigatoriedade dos contratos celebrados em desrespeito ao nela estabelecido, vale dizer, a ineficácia desses contratos.

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232

alemã, a um controle judicial, que declarará ineficazes as cláusulas abusivas

eventualmente existentes nas cláusulas contratuais gerais aceitas.

A nosso ver, os contratos de adesão celebrados sem observância do estabelecido

nos §§ 3.º e 4.º do art. 54 são ineficazes, porque contrariam expressamente

disposições legais. Adotando-se outra linha de raciocínio, da qual não concordamos,

poderia se afirmar que as cláusulas que foram redigidas em desacordo com o

estabelecido nesses dispositivos legais, por serem prejudiciais ao consumidor,

seriam nulas de pleno direito. O fundamento dessa nulidade pode ser buscado no

art. 51 do CDC, inciso XV, que considera nulas, de pleno direito, as cláusulas que

“estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor”, vale dizer, de

acordo com as norma que integram o sistema de defesa do consumidor, constituído,

fundamentalmente, pelo microssistema do Código de Defesa do Consumidor; ou no

inciso IV, que estabelece que são nulas, de pleno direito, as cláusulas que sejam

incompatíveis com a boa-fé.

Só que, esses fundamentos, invocados para defender a nulidade, dizem respeito ao

controle de conteúdo, não ao controle de incorporação. Por isso entendemos que o

caso é de ineficácia da cláusula em relação ao aderente.

Todavia, não obsta a que se combinem os dois tipos de controle, como revela a

experiência de outros ordenamentos jurídicos.421

Assim, o CDC prevê, portanto, o controle de incorporação ou formação do contrato

de consumo, nos arts. 46 e 54, §§ 3.º e 4.º, para todos os contratos de consumo,

principalmente para aqueles que formam a sua maciça maioria, que são os contratos

concluídos por adesão a cláusulas contratuais gerais predispostas. Ao lado desse

controle, disciplina o controle de conteúdo das cláusulas integrantes dos contratos

de consumo, como vimos no Capítulo 4 deste trabalho.

421 Cabe falar de uma particularidade em termos de comparação da legislação espanhola com a

brasileira. A LCGC espanhola estabelece, como sanção, que as cláusulas predispostas que não preencham os requisitos de incorporação não se incorporam aos contratos (vide art. 7.º, caput), enquanto a brasileira indica a sanção da não-obrigatoriedade das cláusulas contratuais que não atendam aos mesmos requisitos de incorporação (art. 46). É só uma questão de semântica, pois, em termos práticos, a não-incorporação ao contrato (de que fala a lei espanhola) e a não-obrigatoriedade dos contratos de consumo (de que trata a lei brasileira) têm o mesmo efeito, que é a ineficácia das cláusulas contratuais nessas condições. Tanto assim é que a LCGC espanhola, no Capítulo II, determina a ineficácia, por não incorporação, das cláusulas que não reúnam os requisitos necessários à sua incorporação ao contrato.

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Apesar de o Código Civil de 2002 não fazer previsão detalhada sobre o

procedimento de formação dos contratos de adesão, muito menos sobre alguma

espécie específica de controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais, nem por

isso os futuros aderentes das relações civis (ou não de consumo) estarão

desprotegidos.

Nunca é demais lembrar que há também no Código Civil o dever de transparência,

oriundo do dever geral de boa-fé (CC, art. 422) que pautará o predisponente na

elaboração e oferecimento das cláusulas contratuais gerais. Como afirmamos, não

há mais dúvidas que a boa-fé estudada nos contratos é a objetiva, um standard, um

dever imposto às partes para agirem de acordo com determinados padrões (de

correção, lisura, honestidade, transparência etc.) socialmente recomendados. É

denominada boa-fé, lealdade ou confiança,422 adjetivos que realçam o escopo desse

princípio: a tutela das legitimas expectativas da contraparte, para a garantia da

estabilidade e segurança das transações, que será assegurado com o mínimo de

conhecimento do aderente. Por isso entendemos que mesmo nas relações civis, há

o direito do aderente a uma cognoscibilidade prévia, não podendo este ser alvo

surpresa, ainda que sejam características das cláusulas contratuais gerais a

unilateralidade, predisposição, generalidade, abstração e rigidez.

Há que ser lembrado, ainda, que no âmbito do Código Civil, o direito à informação

assume relevância para configurar o dolo negativo praticado por um dos

contratantes, nos termos do art. 147 do Código Civil: "Nos negócios jurídicos

bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade

que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela

o negócio não se teria celebrado". Por isso, segundo RENAN LOTUFO423 que "tem-

422 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 136. 423 LOTUFO, Renan. Código civil comentado. v. 1. p. 403. ("Para se obter a correta qualificação

necessária se faz o exame do contexto relacional de uma situação dada, e aqui, no art. 147, temos clara a imposição do dever de não silenciar, do dever de comunicar. Decorrente dessa visão geral, precedente à referência especifica ao artigo, tem-se os deveres de informação no âmbito contratual, que são não só relevantes na fase pré-negocial, como na fase de execução, e, no mais das vezes o de abstenção, ou de sigilo na pós-contratual. A caracterização é efetivamente de dever e não de ônus, conforme as lições de CANARIS e F. BYDLINSKI, dois dos maiores civilistas contemporâneos, muito referidos por PAULO DA MOTA PINTO, e sem suas obras de direito privado traduzidas dentre nós. Refere em nota de rodapé o autor português, que os mestres, alemão e austríaco, vêem um dever porque a violação leva a uma responsabilidade pelo interesse contratual positivo. Em hipóteses outras pode-se ter a configuração de ônus de não manter o silêncio. O silêncio referido no artigo em exame é o intencional, que a doutrina refere como sendo o dolo por omissão, ou dolo negativo, o qual proporciona vício ao consentimento não pela conduta ativa do agente, mas por sua reticência maliciosa".

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se os deveres de informação no âmbito contratual, que são não só relevantes na

fase pré negocial, como na fase de execução, e, no mais das vezes o de abstenção,

ou de sigilo na pós-contratual".

A grande questão fica em saber qual é o efeito civil da quebra do dever de

transparência (oriundo da cláusula geral de boa-fé) das cláusulas contratuais gerais

nos contratos individuais. Em nosso entender, caso o aderente comprove que não

teve condições de tomar ciência de uma cláusula contratual geral, ou comprovando

que esta cláusula contratual geral não é de uso corrente (o que gera, assim, seu

desconhecimento), por não estar previsto no rol do art. 166 e 167 do Código Civil,

esta deverá ser considerada ineficaz em relação a este, sofrendo os efeitos de uma

proposta não feita (CC, art. 427).424 Obviamente que, se a cláusula contratual geral

estipular renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do

negócio, esta será considerada nula, pela própria redação do art. 424 do Código

Civil.425

424 Consta do § 3º da AGB-Gesetz a proibição de cláusula surpresa, determinando que "não se

tornam parte integrante do contrato as cláusulas incluídas em condições gerais dos contratos que, de acordo com as circunstâncias e especialmente segundo a aparência externa do contrato, são tão invulgares que o aderente não deve contar com elas".

425 De certa forma, consta do Projeto-lei n. 6.960/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, uma tentativa de controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais: "os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo aderente" Esta proposta foi vetada pelo Deputado Vicente Arruda sob a seguinte justificativa: Art. 423 – É desnecessário definir contrato de adesão e estabelecer que eles devem ser redigidos em termos claros e que suas cláusulas serão interpretadas de maneira mais favorável ao aderente, pois tudo isto já foi definido pela doutrina, jurisprudência e legislação (Código de Defesa do Consumidor). Pela manutenção do texto que dispõe que as cláusulas ambíguas ou contraditórias serão interpretadas em favor do aderente. Pela rejeição."

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235

6

INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS

6.1 INTRODUÇÃO

A interpretação do direito é costumeiramente apresentada ou descrita como

atividade de mera compreensão do significado das normas jurídicas: ou o intérprete

identifica o significado da norma, ou o determina. Apesar dessas variantes (ato de

conhecimento ou ato de vontade), permanece a idéia fundamental de que interpretar

é identificar ou determinar (= compreender) a significação426 de algo.

Interpretamos o direito, comenta EROS GRAU,427 não somente porque a linguagem

jurídica é ambígua e imprecisa, mas porque interpretação e aplicação do direito

representam uma só operação, de modo que interpretamos para aplicar o direito e,

ao fazê-lo, não nos limitamos a interpretar e compreender os textos normativos, mas

também compreendemos e interpretamos os fatos.428 A interpretação não é mera

compreensão dos textos e dos fatos, vai bem além disso. A interpretação do direito é

constitutiva: partimos da compreensão dos textos e dos fatos, passamos pela

produção das normas que devem ser ponderadas para a solução do caso e finda

426 O estudo da linguagem nos remete necessariamente ao sentido do vocábulo signo. Signo –

unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, tem o status lógico da relação (tipo especial de objetos, designam ou representam outros etc). No signo um suporte físico (palavra falada ou palavra escrita) se associa a um significado (algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária, atual ou passada) e a uma significação (noção, idéia ou conceito em nossa mente). (Termos sublinhados – terminologia husserliana – outros autores atribuíram outras denominações). Suporte físico, significado e significação formam pontos da relação triádica que á a idéia do signo. Síntese: A linguagem é um sistema de sinais ou signos, os signos são objetos que indicam ou representam outros objetos. A fumaça é um signo ou sinal de fogo, a cicatriz é sinal ou signo de uma ferida; manchas na pele de um determinado formato são signos de sarampo etc. O processo de comunicação, expresso em linguagem, pode ser definido como uma mensagem transmitida por uma série de signos que possuem uma significação. Para melhor elucidar essa definição, é necessário elucidar o conceito de significação. Significação, de acordo com o autor, consiste na relação entre signo e fenômeno, cuja representação o signo traz à mente humana. A significação pode ser natural ou artificial. Já o significado é sempre artificial, intencional e mais ou menos convencional. A significação é a relação dos signos com os fenômenos e o significado é a relação dos símbolos com aquilo que simbolizam. Ver GUIBOURG, Ricardo. “Qué me dice!” Oraciones, proposiciones y estado de cosas”. Introducion al conocimento científico. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires. p. 17-19.

427 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. p. 8. 428 "Descobre-se que a interpretação de um texto não diz apenas com o sentido de cada uma das

palavras, nem mesmo apenas com a significação a ser atribuída a uma seqüência de palavras e frases, mas à significação dessas palavras e frases a partir de um contexto e das funções que a experiência indica ser atribuíveis ao que o texto descreve ou refere". MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. São Paulo: Método, 2005. p. 129.

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236

com a escolha de uma determinada solução para este, consignada na norma de

decisão. O texto normativo não se completa no sentido nele impresso pelo

legislador, a completude do texto somente é atingida quando o sentido por ele

expressado é produzido, como nova forma de expressão pelo intérprete. O intérprete

desvencilha a norma de seu invólucro, operando a mediação entre o caráter geral do

texto normativo e sua aplicação particular: "opera a sua inserção na vida”.429

A interpretação, no âmbito da teoria geral dos contratos, não se distancia destas

premissas.430 Mas não podemos tratar da interpretação dos negócios jurídicos sem

constantes incursões na hermenêutica das leis. Particularmente, na interpretação de

um contrato, na verdade, estamos na procura do significado que deve ser atribuído

ao conteúdo deste contrato para, com isso, precisarmos os efeitos jurídicos que ele

deve produzir.

Como afirmamos na Parte II, Capítulo 2, as cláusulas contratuais gerais merecem

uma interpretação peculiar, ao lado da interpretação comum dos negócios jurídicos

aos que se integrarão. As peculiaridades das cláusulas contratuais gerais, pelo

caráter geral, abstrato e rígido, impõem soluções que ultrapassam o âmbito de

interesses individuais das partes diretamente atingidas. Apresentemos, agora, estas

particularidades, o que nos permitirá angariar subsídios teóricos para interpretação

de outros dispositivos do Código Civil de 2002, em especial, do art. 423 e 424.

429 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. p. 27. 430 A interpretação dos contratos apresenta peculiaridades distintas da interpretação da lei. A lei é

predisposta pela autoridade legislativa, o contrato é fruto de acordo das partes. A lei é abstrata e geral, o contrato é concreto e relativo às partes. A lei não depende de consentimento ou aprovação dos destinatários para valer e ser eficaz; o contrato vale e é eficaz a partir do consentimento tido como suficiente. A finalidade da lei é regular interesses coletivos ou públicos, a do contrato a de regular interesses particulares e determinados. A aplicação da lei não leva em conta a intenção de quem a edita, a do contrato tem como fundamental a intenção comum das partes. A lei é uma regulamentação heterônoma, o contrato é uma regulamentação autônoma. Mas, no fundo, a interpretação do contrato e a da lei são idênticas no que tem de essencial, são declarações que se revelam ao direito de forma objetivas sendo irrelevantes os aspectos subjetivos de sua criação.

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237

6.2 INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS. BREVES CONSIDERAÇÕES

Interpretação contratual é a operação que viabiliza a cientificação do significado

(juridicamente relevante) do acordo contratual, assegurando o conhecimento do

conteúdo substancial do contrato.431

Para que se fale em interpretação dos contratos, devemos pressupor existência de

contrato,432 bem como uma controvérsia instaurada e não resolvida pelos

contratantes a respeito do conteúdo deste mesmo contrato. Esta controvérsia pode

recair sobre todo o conteúdo (conjunto de cláusulas articuladas que o compõem) ou

sobre apenas parte dele (uma ou algumas cláusulas contratuais). A interpretação

será necessária quando começar o dissenso, não importando mais o querer das

partes, mas o sim o querer do contrato.433

431 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. – Il contratto. p. 377. 432 Operação preliminar da interpretação – verificação da existência do contrato – em primeiro lugar, é

necessário averiguar se o contrato efetivamente está no plano da existência, individualizar todas as cláusulas e as determinações sobre as quais são externadas a comum intenção das partes e em terceiro lugar, esclarecer ou decifrar eventuais expressões idiomáticas ou duvidosas elaboradas pelas partes. CARRESI, Franco. Il contrato. v. XXI. t. II. Milão: Giuffrè, 1987. p. 512.

433 LOTUFO, Renan. Aula Interpretação, na cadeira "Os contratos e o novo Código Civil", na Pós- Graduação em Direito Civil da PUC/SP, em 18 de abril de 2006. Segundo JUDITH MARTINS-COSTA: Os contratos constituem, precipuamente, atos de comunicação, pelo qual as pessoas intentam enquadrar a vida social dos negócios de acordo com os princípios da autonomia privada, da imputação responsável dos próprios comportamentos e da confiança, pressuposto da própria sociabilidade. (MARTINS-COSTA, Judith. "O método de concreção e a interpretação dos contratos". In: Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p. 131.) Complementa a autora: "Se a teoria da interpretação exposta por Savigny na primeira metade do século XIX pode sobreviver até hoje com um portentoso monumento à atividade intelectiva, isso decorreu de seu ajuste à vida, vale dizer, da genial capacidade do grande jurista para pensar uma estrutura hermenêutica adaptada e adaptável à realidade. É de ajuste à vida, e não de rígidos tipos que trata a atividade hermenêutica. Bem por isso, é que carecemos no mundo dos contratos de uma teoria da hermenêutica contratual ajustada à paradoxal realidade que se conecta a despersonalização conseqüente à globalização com a subjetividade como presença concreta - assim se indicando o eu não independente de particularidades. Para lidar com tão fundo paradoxo o Código Civil oferece o postulado fático-normativo das circunstâncias do caso. Que os intérpretes logrem, pois, atendê-lo, entreouvindo, pelas linhas do sistema, o eco do mundo real, pano de fundo de uma partitura a ser laboriosamente composta entre o Direito e realidade". (MARTINS-COSTA, Judith. "O método de concreção e a interpretação dos contratos". In: Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.155). Segundo a mesma autora, vivemos hoje o fenômeno da pluralização da subjetividade jurídica, dando motivos para o que a autora chama de concreção contratual. "O contrato são os contratos, empregando-se o mesmo signo lingüístico como fórmula para designar: i) esquemas de ação exclusivamente interindividual, numa lógica econômica individualizadora (tais quais os contratos paritários, fundados no poder de auto-regulamentação e no dever de colaboração); ii) esquemas de ação interindividual e explicáveis, do ponto de vista econômico, numa "lógica de massa" (contratos formados por adesão e em escala massiva, mas admitindo, ainda, certa atenção à subjetividade dos contratantes, como os contratos de fornecimento de certos bens de consumo); iii) esquemas de ação metaindividual,

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Para interpretação contratual, o intérprete deverá se valer de critérios interpretativos

fixados em lei ou em ditados das regras da experiência. Até mesmo por não ser

objeto central desse trabalho, poderíamos dizer, resumidamente, que esses critérios

filiam-se a duas correntes, denominadas subjetiva e objetiva.434,435

Na chamada interpretação subjetiva, busca-se a intenção comum das partes. É

guiada pelo princípio da investigação da vontade real, mas, ao contrário do que se

pensa, não significa que o Juiz deva se transformar num pesquisador da espera

psíquica das partes,436 nem que a vontade de cada uma delas, ao consentir, tenha

relevância por si só.437 Segundo ORLANDO GOMES,438 este princípio hermenêutico

compreensíveis, economicamente, numa lógica de massa ou grande escala (formado por adesão a condições gerais de negócios, sem considerações relevantes à individualidade dos contratantes, como os contratos bancários); iv) esquemas de ação transpessoal e cuja racionalidade ultrapassa a esfera do indivíduo, só se explicando numa dimensão comunitária (como os contratos de fornecimento de energia elétrica ou os de seguro) ou global (como os contratos firmados no âmbito de grupos, redes, cadeias ou conglomerados empresariais que ultrapassam as fronteiras nacionais). MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133.

434 Importante observar que esta separação é meramente formal, não existindo hierarquia entre estes tipos de interpretação. Esses tipos podem perfeitamente se complementar, prevalecendo um em relação a outro quando muito, em alguns casos.

435 “Na interpretação dos contratos, distingue-se a interpretação subjetiva da objetiva”. “A interpretação subjetiva tem por fim a verificação da vontade real dos contratantes, enquanto a interpretação objetiva visa a esclarecer o sentido das declarações que continuem dúbias ou ambíguas por não ter sido possível precisar a efetiva intenção das partes. A interpretação objetiva é subsidiária, pois suas regras só se invocam se falharem as que comandam a interpretação subjetiva”. (p. 224-225). “Para cumprir sua tarefa, deve o intérprete examinar o contrato precipuamente do ponto de vista da vontade das partes, como visto. O legislador o ajuda, à medida que dita preceitos interpretativos. Juntamente com as normas destinadas a orientá-lo no sentido de buscar a verdadeira intenção dos contratantes, ditam-se regras para a solução de dúvidas que perdurem após a pesquisa feita para a descoberta da vontade real do contrato em exame. Passa-se, nesses casos, da interpretação subjetiva para a objetiva, sem deixar de reconhecer que as regras desta podem ser aplicadas concomitantemente para ajudar a investigação da intenção das partes”. “Três princípios dominam a interpretação objetiva: 1 – princípio da boa-fé; 2 – princípio da conservação do contrato; 3 – princípio da extrema ratio (menor peso e equilíbrio das prestações)”. GOMES, Orlando. Contratos. p. 227.

436 Segundo EMILIO BETTI: "[...] è tenere per fermo che oggetto d'interpretazione giuridica (come, del resto, ache storica) possono essere soltanto atteggiamenti steriormente riconoscibili nel mondo sociale: non già una <<volontà>>, che sia rimasta mero fatto psicologico, senza darsi un'oggetivazione adeguata, che la renda, per l'appunto, oggetivamente riconoscibile". BETTI, Emilio. Interpretazione dela legge e degli atti giuridici. Milão: Giuffrè, 1971. p. 386-387.

437 Para ENZO ROPPO, “a comum intenção das partes não equivale a desenvolver uma tarefa de introspecção mental, não significa individualizar as atitudes psíquicas e volitivas reais e concretas das partes, no momento da conclusão do contrato, sendo que essa exploração psíquica levaria a resultados inconvenientes e arbitrários". ROPPO, Enzo. O contrato. p. 171.

438 GOMES, Orlando. Interpretação do contrato. Cláusula protestativa. Mora e inadimplemento. In: Novíssimas questões de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 321. Explica EMILIO BETTI que, quando falamos em recognicibilidade objetiva, "deve interndersi che gli attegiamenti in questione siano riconoscibili, non già a chicchessia, dovunque e comunque sia, ma dove e come essi avevano rilevanza giuridica in confronto della controparte interessata – quando c'è una controparte

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é acolhido na maioria das legislações, tendo o intérprete de descobrir a intenção dos

declarantes e não a vontade de cada uma das partes do contrato. Cabe-lhe perquirir

a intenção comum, a vontade contratual, levando em consideração as duas

declarações.

Assim, tem-se que a intenção comum possui, ao menos, duas acepções: i) a

primeira, dita psicológica, identifica a comum intenção na vontade real da parte; ii)

objetiva, identifica a comum intenção no valor objetivo do contrato reconhecível das

congruentes declarações e condutas das partes.439 A interpretação subjetiva seria a

interpretação destinada a fixar a “comum intenção das partes” sobre a base de

declarações e comportamentos imediatamente referidos pelas próprias partes. Para

pesquisar a intenção comum, o intérprete tem a sua disposição algumas regras,

normatizadas ou não.

Na interpretação subjetiva, deve ser respeitada a autonomia privada como uma

possibilidade dos particulares estabelecerem as normas que disciplinarão

determinada relação intersubjetiva, e, desse modo, desdobra-se em preservar a

opção feita pelas partes, mesmo que à luz do interesse público, não seja a melhor

escolha. A princípio, será inadmissível qualquer iniciativa judicial que, a pretexto de

interpretar o contrato, atribua a este um significado não partilhado por nenhuma das

partes, ao argumento de aquele significado ser mais desejável do ponto de vista do

interesse geral. Interpretar um contrato é coisa diversa de modificá-lo.

O art. 112 prescreve que "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção

nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem".440 Ao se debruçar

sobre um contrato, segundo este dispositivo, deve o interprete investigar a comum

intenção das partes, tomando por base as declarações de vontade, concretizando a

autonomia privada.

Pode acontecer que, não obstante o emprego apropriado deste critério, o intérprete

não consiga reconstruir, de modo adequado, a citada comum intenção das partes

sobre a base de declarações e comportamentos imediatamente referidos às próprias

partes. Daí a necessidade de se recorrer a outros modelos interpretativos, dando ao

o nella cerchia sociale del disponente (quando contraparte non c'è) e in conformità con la struttura tipica del negozio in questione". BETTI, Emilio. Interpretazione dela legge e degli atti giuridici. p. 387.

439 Nesse sentido, ver BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. – Il contratto. p. 388. 440 Ver, por exemplo, Código Civil Francês, art. 1.156, Código Civil italiano, 1.362, BGB § 133.

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contrato o sentido, entre os expostos em juízo pelas partes, que melhor corresponda

a valores de objetiva sensatez, equidade e funcionalidade, ditos de interpretação

objetiva.441

A interpretação objetiva se apresenta como forma subsidiária de interpretação.

Recorre-se a ela quando a atividade interpretativa subjetiva não produziu resultados

favoráveis e o juiz não conseguiu estabelecer satisfatoriamente a intenção real das

partes. Consiste na adoção de regras para solucionar dúvidas que perdurem após a

exaustão da interpretação subjetiva, tendo como resultado a valoração do acordo

sobre a base de uma valoração normativa.442

Por exemplo, se o art. 112 concretiza a autonomia privada, privilegiando-se a

comum intenção das partes, o art. 113, na medida em que prescreve que "os

negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de

sua celebração", concretiza o princípio da boa-fé, que deverá permear todo e

qualquer negócio jurídico, não só como requisito de validade, servindo também de

base para busca de uma justiça contratual. Esta norma impõe a interpretação

objetiva do contrato, para a busca de uma justiça contratual, segundo valores

objetivamente traçados pelo legislador.

A interpretação objetiva integra as lacunas da autonomia privada, supre os modos

deficientes do seu exercício, permite-lhe funcionar, respeitando, todavia, a lógica e o

espírito das suas escolhas.

Trabalhando com a vontade das partes é interpretação, mas se o contrato não

proporciona tais dados, a necessidade de dar solução ao dissídio impele à prática de

um outro tipo de atividade: a integração. Aqui, criam-se novas normas estranhas à

vontade das partes.

É bom lembrarmos que, quanto aos critérios de interpretação contratual, expõe

RENAN LOTUFO,443 não podemos nos esquivar da teoria subjetiva ou abraçarmos a

441 ROPPO, Enzo. O contrato. p. 172.

442 BIANCA, Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 406. 443 Aula "Interpretação", na cadeira "Os contratos e o novo Código Civil", no Pós-Graduação em

Direito Civil da PUC/SP, em 18 de abril de 2006. Ver também LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado, v. 1. p. 309 (Assim, se "F arrendava um quarto de minha casa, ocupando eu o resto da casa. O contrato do novo arrendamento está assim redigido – dei de aluguel a F minha casa por tantos anos e pelo preço do arrendamento antecedente. Não é possível que o locatário pretenda ter alugado toda a casa, porque, ainda que as palavras – a minha casa –, no sentido gramatical signifiquem a casa inteira, não um quarto, é visível que o intuito foi renovar o

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teoria objetiva (interpretação fiel ao texto da declaração). Devemos sempre apontar

na direção de um critério intermediário, onde avulta a preocupação com a confiança

despertada no destinatário da declaração de vontade, e onde ressalta a

responsabilidade do declarante. Nestes termos, há a conciliação com a idéia que se

deve atender à intenção objetivada e não a uma qualquer intenção, sem qualquer

correspondência com o texto da declaração.

6.3 APLICABILIDADE DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS ÀS CLÁUSULAS

CONTRATUAIS GERAIS

Visto, ainda que brevemente, os caracteres gerais da interpretação contratual, é

possível agora ingressarmos, propriamente, no tema da interpretação das cláusulas

contratuais gerais.

A interpretação das cláusulas contratuais gerais, enquanto "prius relativamente à

fiscalização do conteúdo”,444 acaba por assumir um relevo decisivo, pois dela

depende a exposição de uma cláusula que, aparentando lisura ou equilíbrio, possa

vir a se revelar merecedora de censura das regras definidoras de abusividade do

conteúdo. Por sinal, antes do aparecimento de modelos positivados de controle, a

interpretação das cláusulas contratuais gerais era estudada propriamente como

modelo ou instrumento de controle oculto de conteúdo, como se vê na

sistematização proposta por GARCIA-AMIGO.445 A interpretação goza de

precedência lógica sobre eventual espécie de controle das cláusulas contratuais

gerais. Ante a ausência de regras específicas sobre o controle das cláusulas

arrendamento do quarto e esta intenção deve prevalecer às palavras do escrito”.). Ainda sobre o embate sobre interpretação subjetiva e interpretação objetiva, vale colacionar os ensinamentos de JUDITH MARTINS-COSTA que, diante das tendências culturais, econômicas, científicas e sociológicas de nosso tempo, conclui: "De tudo resulta um novo modo de pensar-se a hermenêutica contratual. O intérprete não mais – ou não mais apenas – se vê às voltas da "comum intenção" dos contratantes. Cabe-lhe, agora, compreender o ajuste, considerando a racionalidade econômica e estratégica do sistema contratual no qual eventualmente alocados os singulares acordos; atentar para as circunstâncias que ditaram a sua conformação e para a posição concreta dos contraentes, pois o princípio da desigualdade material convive com o da igualdade formal; ter presentes os motivos que ensejaram o ato comunicativo, percebendo, no espírito e na letra do Código Civil, o relevantíssimo papel reservado às circunstâncias do caso".(MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133).

444 SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. p. 64.

445 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 187 ("finalmente, el terceiro y más utilizado medio de control de las condiciones generales abusivas ha sido el de aplicar a favor del adherente algunas de las reglas de interpretación contractual"). Ver também ORLANDO GOMES. Contrato de adesão. p. 114.

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242

contratuais gerais, preferia-se lançar mão da técnica interpretativa, permitindo

realizar, por via oblíqua, uma correção do conteúdo do contrato.

A grande questão fica por conta de se saber qual é o tipo de interpretação a que as

cláusulas contratuais gerais estão sujeitas: se a elas se aplicam as regras de

interpretação dos negócios jurídicos ou não. Sobre esta questão, expõe ALMENO

DE SÁ:446

O ponto de partida é o de que a interpretação se deve processar em

conformidade com as regras gerais aplicáveis aos negócios jurídicos, pois

também aqui se trata de encontrar o sentido normativamente vinculante de

uma dada declaração. Por outro lado, a submissão de princípio àquelas

regras parece estar igualmente justificada, porque também aqui não são de

afastar as razões de tutela do tráfico e da confiança do declaratário que

conduzem a uma certa objectivação do processo de descoberta do sentido

decisivo das declarações negociais. O que não significa que não existam

ou não se tenham desenvolvido, neste domínio, regras hermenêuticas

especiais ou ajustamentos daquelas que comummente se aplicam no

âmbito dos negócios jurídicos, em consonância com a especificidade que

aqui se joga, particularmente a circunstância de se tratar de condições

contratuais que não são recortadas sobre uma concreta situação jurídica

para um cliente singular, como sucede nos contratos individuais, mas antes

de condições 'postas' para regular de modo uniforme relações contratuais a

concretizar no âmbito de uma pluralidade de futuros negócios, com um

círculo maior ou menor de potenciais clientes. É neste contexto que surge a

questão de saber se deverá acolher-se um específico princípio de

'intepretação objectiva', próprio do fenómeno das condições gerais do

contrato, ou se não deverá antes propugnar-se o recurso a cânones

hermenêuticos que acentuem a dimensão individualizada do quid

interpretando.

Quando se fala em interpretação objetiva (típica, generalizadora447) das cláusulas

contratuais gerais, deve ser entendida como a interpretação que busca a obediência

a critérios típicos, uniformes ou generalizantes, consagrando, em vez de uma

orientação que atende à diversidade de circunstâncias e momentos do caso

singular, a abstração e a rigidez do fenômeno. Importa neste método interpretar as

446 SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. p. 65. 447 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. p. 624; SOUSA RIBEIRO,

Joaquim de Sousa. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 309.

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cláusulas contratuais gerais em si mesmas, a fim de obter soluções uniformes para

todos os contratos concluídos ou a concluir com base nessas cláusulas, buscando

um sentido da cláusula que venha a constituir como solução geral para a típica e

sempre repetida oposição de interesses que nela se manifestam.

Segundo esta forma de interpretar, as cláusulas contratuais gerais deveriam ser

interpretadas de forma típica, ou seja, de maneira sempre idêntica e sem

consideração ao caso concreto, precisamente porque foram redigidas de forma geral

e abstrata, anteriormente ao nascimento das relações contratuais singulares, das

quais passarão a ser normas reguladoras, assegurando a identidade de sua

interpretação. Aqui, explica EMILIO BETTI,448 parte-se do critério de classificar por

tipos ou classes as declarações ou comportamentos, levando em consideração o

gênero de circunstâncias em que se desenvolvem e a que correspondem, atribuindo

a cada um de tais tipos um significado constante, sem ter conta daquela que no caso

concreto passa ser a efetiva e diversa opinião das partes.

Essa orientação, partiu, fundamentalmente, da doutrina produzida na Alemanha.449

Explica KARL LARENZ:450

Análogos principios son también válidos para la interpretación de las

condiciones generales de contratación. Se trata de cláusulas contractuales

formuladas genéricamente – condiciones de sumistro, condiciones de

pago, especificaciones sobre garantía, responsabilidad por daños y

perjuicios, efectos de la demora y otras análogas que modifican la

regulación legal – en que un empresario en particular o todos los

empresarios de un determinado ramo acostumbran a basar todos los

negocios concluidos por ellos con sus clientes. Tales contratación no son,

ciertamente, Derecho Objetivo, por lo general obtienem validez jurídica

debido solamente a que pasan a ser parte integrante de un contrato en

particular mediante una referencia en las declaraciones contractuales. No

obstante, son una parte integrante de orden muy peculiar: no están

estipuladas para el caso particular de que se trate, sino que, conforme a la 448 BETTI, Emilio. Interpretazione Della Legge e Degli Atti Giuridici: Teoria Generale e Dogmática. p.

406 ("L'interpretazione tipica parte, invece, dal criterio di classificare per tipi o classi le dichiarazioni e i comportamenti, avendo riguardo al genere di circunstanze in cui si svolgono e a cui rispondono, e a ciascuno di tali tipi attribuisce un significato costante, senza tener conto di quella che nel caso concreto può essere stata la effetiva, diversa opinione delle parti").

449 Citando ULMER e URSULA STEIN, que se pronunciam contra uma interpretação das ccg conforme os acordos individuais, ver SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310.

450 LARENZ, Karl. Derecho civil – parte general. p. 468.

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voluntad de quien de ellas se sirve, deben ser válidas de forma siempre

invariable para una pluralidad indeterminada de casos. [...] Ello hace que se

excluya a su vez en su interpretación la consideración de las circunstâncias

que eran conocidas o podían ser conocidas solamente por el cliente en

cuestión [...].

Por outro lado, a chamada interpretação individual das cláusulas contratuais gerais

se volta, ao contrário, às representações individuais dos contraentes. Faz-se

prevalecer o sentido resultante da individualização da relação contratual, atendendo-

se, de forma determinante, às circunstâncias próprias do dado contrato. Considera,

portanto, declarações e comportamentos na sua específica concretude, tendo em

conta as circunstâncias individuais do caso.451 Por isso, as cláusulas contratuais

gerais deveriam se submeter a idênticas regras interpretativas do negócio jurídico

contratual.

Essa foi a opção de Portugal, como se lê no art. 10 do Decreto-lei n. 4.46/1985, que

prescreve que "as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de

harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios

jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se

incluam". Sobre a opção portuguesa, comentam MARIO JULIO DE ALMEIDA

COSTA e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:452

O princípio geral estabelecido para a interpretação e a integração das

cláusulas contratuais gerais é o da aplicação das regras relativas à

interpretação e integração dos negócios jurídicos, genericamente versadas

nos artigos 236 e seguintes do Código Civil [...]. Salienta o trecho final do

preceito um aspecto da maior importância: a interpretação e a integração

das cláusulas contratuais gerais devem fazer-se sempre dentro do contexto

de cada contrato singular em que incluam. Recusou-se a possibilidade de

interpretações ou integrações realizadas na base exclusiva das próprias

cláusulas contratuais gerais, dando-se prevalência a uma justiça

individualizadora. As circunstâncias concretas dos contratos singulares

podem, de facto, levar a resultados interpretativos ou integrativos diferentes

dos propiciados por elencos abstractos de cláusulas, permitindo uma

justiça material mais apurada.

451 BETTI, Emilio. Interpretazione Della Legge e Degli Atti Giuridici: Teoria Generale e Dogmática. p.

405. 452ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.

Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p.31.

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245

Em atualização ao seu Tratado, reafirma ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:453

Esse preceito [art. 10 da LCCG] revela a dois níveis: impede as próprias

cláusulas contratuais gerais de engendrarem outras regras de

interpretação; remete para uma interpretação que tenha em conta apenas o

contrato singular. Ambos os aspectos são importantes: o primeiro por ter

conteúdo dispositivo próprio; o segundo, por cortar cerce uma dúvida bem

conhecida da doutrina especializada e que se prende com o perpétuo

confronto entre as tendências generalizadora e individualizadora da justiça:

a tendência generalizadora exigiria que as cláusulas contratuais gerais

fossem interpretadas em si mesmas, sobretudo quando surjam completas,

de modo a obter soluções idênticas para todos os contratos singulares que

se venham a formar com base nelas; a individualizadora, pelo contrário,

abriria as portas a uma interpretação singular de cada contrato em si, com

o seguinte resultado, paradoxal na aparência, as mesmas cláusulas

contratuais gerais poderiam propiciar, conforme os casos, soluções

diferentes. O artigo 10 da LCCG aponta para a segunda solução.

Não é sempre que encontramos regras positivas específicas sobre a interpretação

das cláusulas contratuais gerais, como no caso da lei portuguesa. Por isso, onde

não há prevalência expressa por uma ou outra corrente, faz-se funcionar a regra da

interpretação mais favorável à contraparte do predisponente (ao aderente), existente

no art. 1.370 do Código Civil italiano, bem como em outros ordenamentos,454 o que

453 Tratado de direito civil português. v. I, t. I. p. 625. No mesmo sentido ver SOUSA RIBEIRO,

Joaquim de Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310.

454 A regra da interpretação favorável ao aderente é originada de um antigo cânon do direito romano que, adaptado às vicissitudes do direito atual foi sintetizado na expressão interpretatio contra stipulatorem . Citando SALVATORE DI MARZO, PAULO LUIZ NETTO LÔBO dá a notícia que esta regra tem origem em três fragmentos do Digesto, atribuídos aos jurisconsultos Labeão, Papiniano e Ulpiano (D. 18,1,21: Labeo scripsit obscuritatem pacti nocere potius debere venditori qui, id dixerit quam emptori, quia potuit re integra apertius dicere; D.2, 14,39, de Papiano: Veteribus placet pactionem obscuram vel ambiguam venditori et qui locavit nocere in quorum fuit potestate legem apertius conscribere; D, 45,1,38,18, de Ulpiano: In stipulationibus cum quaeritur, quid actum sit, verba contra stipulatorem interpretanda sunt.). Condições Gerais dos Contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 138. Outros ordenamentos que também se valeram dessa prescrição: Codigo Civil francês (art. 1.162), Código Civil espanhol (art. 1.288), Código Civil italiano (art. 1.370), Código Civil panamenho (art. 1.139), Código Civil uruguaio (art. 1.304), Código Civil portoriquenho (art. 1.240). Código Civil de Quebec (art. 1.432), Código Civil russo (art. 428). O texto dos princípios do UNIDROIT (relativos aos contratos de comércio internacional) contém uma norma referida a este princípio (art. 4.5) que dispõe: “Se as cláusulas de um contrato ditadas por uma das partes não são claras, se preferirá interpretação que prejudique que prejudique aquela parte”. A Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia também tem esta disposição (art. 5.º), o Decreto n. 446/1985 de Portugal (art. 11 – Cláusulas Ambíguas), a Lei espanhola sobre as cláusulas conratuais gerais (7/1998) também tem a mesma regra (Artículo 6. Reglas de interpretación. 1. Cuando exista contradicción entre las condiciones generales y las condiciones particulares específicamente previstas para ese contrato, prevalecerán éstas sobre aquéllas, salvo

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foi repetido no Código Civil Brasileiro, no art. 423: "quando houver no contrato de

adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação

mais favorável ao aderente". Trata-se de um auxiliar hermenêutico, cujo sentido se

traduz, substancialmente, em fazer prevalecer os interesses do aderente sobre os

interesses do predisponente. Esta prevalência radica na idéia de que seria justo

responsabilizar o predisponente pelo conteúdo das cláusulas contratuais gerais por

ele predispostas, introduzidas unilateralmente no regramento contratual, sem

influência da outra parte, cabendo-lhe, portanto, suportar o risco de uma possível

ambigüidade. Seria uma forma de compensação no sentido de que aquele que retira

vantagens da predisposição, deve igualmente suportar os incômodos ligados à falta

de clareza das formulações utilizadas.

A grande questão neste capítulo fica por conta de saber qual dessas correntes

devemos aplicar no Brasil, levando-se em consideração a interpretação das

cláusulas contratuais gerais.

Em primeiro lugar, entendemos que nenhum desses critérios de interpretação pode

ser, a priori, desprezado. De fato, como afirmamos no curso do trabalho, as

cláusulas contratuais gerais possuem características próprias, mas não podemos

ignorar que, mais cedo ou mais tarde, elas terão eficácia dentro de uma relação

contratual individual que, ao mesmo tempo, não poderá ser desprezada.

Para a continuidade do tema, entendermos ser útil a separação em fases para o

estudo e aplicação de um processo de interpretação das cláusulas contratuais

gerais. Em primeiro lugar, analisemos as cláusulas contratuais enquanto

predispostas para, somente depois, em um segundo momento, tratarmos destas

enquanto inseridas em um dado contrato individual. Há, assim, que separar duas

fases: a da elaboração das cláusulas, que antecede e abstrai dos contratos que

venham futuramente a se celebrar; e a da celebração de cada contrato singular, isto

é, a fase em que se celebra efetivamente o contrato com alguém, em que constitui a

que las condiciones generales resulten más beneficiosas para el adherente que las condiciones particulares. 2. Las dudas en la interpretación de las condiciones generales oscuras se resolverán a favor del adherente. 3. Sin perjuicio de lo establecido en el presente artículo, y en lo no previsto en el mismo, serán de aplicación las disposiciones del Codigo Civil sobre la interpretación de los contratos). O BGB reformado manteve esta regra em seu corpo, no § 305c.

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relação contratual, em que se conclui o contrato dito de adesão e que integra

aquelas cláusulas.455 A primeira fase seria estática, a segunda, dinâmica .

6.3.1. Interpretação das cláusulas contratuais gerais enquanto predispostas,

antes de estar inseridas em contratos individuais

Enquanto predispostas, sem estar inseridas em um contrato individual, as cláusulas

contratuais gerais existem, não exercendo, todavia, a eficácia a que foram

programadas.

Vimos no curso do trabalho que as cláusulas contratuais gerais se formam em

momento anterior, antes mesmo da formação do contrato de adesão. O ato de

predispor as cláusulas contratuais gerais não pode ser considerado um ato

destituído de juridicidade. No momento em que são editadas pelo predisponente e

eventualmente registradas (ex.: escritura declaratória de normas gerais de um

shopping center456 para os futuros lojistas) para integrarem os contratos de adesão

que eventualmente serão concluídos, foi dada publicidade a um ato cuja existência

jurídica é inquestionável, embora dependente de eficácia concreta.

Como dissemos, a maior parte da doutrina, que normalmente confunde cláusula

contratual geral com o próprio contrato de adesão, conclui por considerar aqueles

clausulados predispostos, antes da integração, de se inserirem no contexto de um

contrato individual como irrelevantes jurídicos. Para aqueles que adotam essa

postura, a elaboração das cláusulas contratuais gerais não mereceriam sequer

interpretação, eis que aquele ato representaria puro fato interno do proponente, de

forma que sua transcendência jurídica somente começa a partir do momento em que

passa a ser conteúdo das declarações contratuais de vontade, o que não é verdade.

A formação das cláusulas contratuais gerais antecedem a formação do próprio

contrato, e não podem ser consideradas como fatos destituídos de juridicidade.

As cláusulas contratuais podem existir, ser válidas e nunca produzir efeitos, caso

nenhum contrato de adesão venha a ser concluído. O fato é que, quando elaboradas

pelo predisponente, elas existem, mesmo que não exista (ou que esteja formado) o

contrato de adesão. 455 MONTEIRO, António Pinto. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e

soluções. Revista trimestral de direito civil, ano 2. v. 7, p. 7, jul./set. de 2001. 456 Exemplo dado por LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas.

p. 35.

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A maior prova de existência jurídica das cláusulas contratuais gerais (independente

do contrato de adesão, portanto) é a possibilidade de seu controle administrativo e

judicial preventivo e abstrato, ou seja, antes mesmo de serem inseridas em um

contrato individual. Vimos a importância deste controle no curso da exposição.

E nessa primeira fase, em que as cláusulas contratuais gerais ainda encontram-se

predispostas, mas sem estarem inseridas em um contrato individual, entendemos

que devem ser aplicadas as regras de interpretação típica, devendo se respeitar, em

sua inteireza, a abstração, generalidade, uniformidade e rigidez das cláusulas

contratuais gerais predispostas. Caso uma das cláusulas seja eliminada, deve se

averiguar a pertinência da subsistência das demais. Ainda que neste momento as

cláusulas predispostas sejam consideradas um negócio jurídico unilteral, o intérprete

deve ter em conta o aderente típico, o contratante indeterminado normal, para que

se avalie a repercussão e a danosidade daquelas cláusulas para a sociedade como

um todo.

Tal como a lei, as cláusulas contratuais gerais são voltadas a regular uma

pluralidade indeterminada de casos futuros, não importando as circunstâncias

individuais em que se tornaram conteúdo de um contrato no caso concreto.

Se as regras de interpretação dos contratos têm como objeto o acordo, pressupondo

que o contrato seja concluído entre as partes e que tenha tido dissenso sobre seu

conteúdo, estas não se aplicam, nesta fase, às cláusulas contratuais gerais, por

possuírem existência distinta do negócio jurídico a que serão integralizadas.

Nas cláusulas contratuais gerais não temos interesse comum das partes, tal como

preconizado no art. 112 do Código Civil. A vontade do futuro aderente não exerce

qualquer influência na predisposição e nem pode impedir a integralização daquelas

cláusulas no dado contrato, a não ser que não as aceite integralmente. As cláusulas

contratuais gerais se dirigem uniformemente à generalidade dos contratos, de forma

abstrata, não sendo possível a obtenção de uma vontade ou intenção comum dentro

do espectro dos possíveis contratantes.457

457 "Esse fato, de a declaração negocial do estipulante, integrada por cláusulas negociais gerais, tal

como a lei, dirigir-se à coletividade, para a adesão dos que queiram contratar, logo revela que não importam, aqui, pelo menos em regra, as circunstâncias individuais ligadas à pessoa do destinatário. Isso quer dizer, em outras palavras, que não há que resolver, pelo menos em princípio, conflitos de interesses entre dois sujeitos de uma relação jurídica determinada, mas entre o estipulante das condições gerais e todos os outros sujeitos com quem, por força da

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Ao que parece, foi essa a motivação da Diretiva Européia sobre cláusulas abusivas

(n. 13/1993) que, no art. 5.º, mesmo prescrevendo a aplicação da regra interpretatio

contra stipulatorem, deixa claro que esta regra não é aplicável no âmbito dos

processos de controle abstrato (ação inibitória do art. 7.º), até porque, nesta fase,

não existirão aderentes ou contratos individuais para que se favoreça esta ou aquela

parte. No contexto de processos de controle abstrato, não estarão em causa

cláusulas individuais, mas cláusulas contratuais gerais em seu estágio típico, voltado

a uma utilização generalizada.

Apesar de não fazer esta divisão por nós adotada, vale aqui as considerações feitas

por PAULO LUIZ NETTO LÔBO,458 para quem a interpretação típica é aplicada

incondicionalmente, em qualquer fase da existência das cláusulas contratuais gerais:

Os caracteres da interpretação contratual revelam sua inaplicação às

condições gerais. Nestas, não há vontade ou declaração comum. A

vontade ou a declaração do aderente não representa qualquer papel, não

contribui para a predisposição nem pode impedir a integração do contrato.

As condições gerais não são declarações formadoras do contrato. Não

participam da existência e da validade do contrato em si. Sua integração ao

contrato é apenas no plano da eficácia. O contrato existe, é válido, mas

seus efeitos estão delimitados pelos efeitos das condições gerais

predispostas. As condições gerais dirigem-se uniformemente à

generalidade dos contratos individuais que vierem a ser concluídos. É

inconcebível obter-se uma vontade ou intenção comum de todos os

contratantes aderentes em conjunto (atuais e potenciais). Haveria

possibilidade de investigar-se a intenção comum se as condições gerais

integrassem a oferta, mesmo como oferta ao público, e pudessem ser

objeto de acordo, de negociação em cada contrato individual. [...] A

pesquisa da intenção comum nas condições gerais conduziria a ressaltar a

vontade única do predisponente, sobretudo quando a simples interpretação

literal fosse considerada suficiente para resolver o conflito de interesses.

[...] A interpretação das condições gerais aproxima-se dogmaticamente da

declaração de aceitação destes, na forma de adesão ao conteúdo contratual, aquele firma relações jurídicas, sem prejuízo de poder havê-los também entre o estipulante e cada contratante singular, isto é, individualmente considerado. O que quer dizer que o contrato de adesão visa realizar uma composição de interesses entre, não apenas dois sujeitos de uma relação jurídica determinada, mas entre um sujeito, o estipulante, por um lado, e uma pluralidade de sujeitos, por outro lado, de relações jurídicas que se vão determinando à medida em que eles, por uma declaração de aceitação, aderem ao conteúdo contratual". MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 236.

458 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 129.

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250

interpretação da lei. Mas a lei independe de qualquer pressuposto para ser

eficaz, isto é, incide automaticamente sobre o suporte fático por ela

previsto toda a vez que ela se concretiza. A lei e as condições gerais são

abstratas e gerais. No entanto, a primeira é editada por autoridade

legislativa competente e persegue interesses públicos, e as condições

gerais são pelo próprio interessado nos seus efeitos.

Assim, para a interpretação das cláusulas contratuais gerais se aplicam critérios

especiais que, de alguma forma, busquem dirimir conflitos de interesses que se

reproduzem na série de contratos em que são inseridas.459 No objeto de análise do

intérprete não há, neste período, aderente concreto, devendo ter como parâmetro

apenas o aderente abstrato a que se destinam as cláusulas contratuais gerais,

tomando em conta a conduta que se presume seja adotada por qualquer pessoa

(parte) que ingresse naquele programa predeterminado.

6.3.2 Interpretação das cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos de

adesão. O art. 423 do Código Civil

Se fôssemos analisar estaticamente o fenômeno, o estudo sobre interpretação das

cláusulas contratuais gerais poderia ser encerrado no tópico anterior, enquanto

estas, em sua pureza e autonomia, ainda não estão inseridas em um contrato.

Poderia parecer que, daí em diante, seria um problema dos estudos sobre o contrato

de adesão, e não mais dos das cláusulas contratuais gerais. Mas isso seria ignorar a

dinâmica460 do estudo e a fase mais importante das cláusulas contratuais gerais,

459 GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão:

Giuffrè, 1961. p. 806. 460 CARNELLUTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Ed. Lejus, 2ª reimpressão, 2000. p.

35. Ver ainda SCARPINELLA BUENO, Cássio. Execução provisória e antecipação da tutela: conserto para a efetividade do processo. Nele o autor enfatiza, com palavras singelas e exemplos ilustrativos, o caráter dinâmico do direito, fenômeno que não pode ser esquecido por aquele que faz ciência. A transcrição se faz obrigatória, não só pela clareza e pela riqueza das reflexões contidas no texto, mas também como forma de dividir com o leitor a profunda admiração que sinto pelo citado autor: “Os textos legais são meras representações gráficas de ordens de conduta na sociedade, aptas a regular relações intersubjetivas. Diferentemente, as anotações doutrinárias e jurisprudenciais em uma lei são, assim como a música que ouvimos, interpretações. E, como toda interpretação, sujeita a um momento específico, que é a combinação de vários e diversos elementos — voluntários ou involuntários — interagindo sobre ela. Resultado dessa combinação e interação de elementos? Diferenças e distinções de resultados em igual proporção às interpretações. Embora possam ter muito em comum, os “Códigos” e as “leis” editados por esta ou aquela editora, anotados ou coordenados por este ou aquele autor, não são a lei. Mais do que isso, é um erro tomarmos este ou aquele “Código” como sinônimo da lei que queremos conhecer. Mesmo, repito, o texto da lei publicada no Diário Oficial. Aí se lê sua mera representação. A lei não está no “Código” e não está no Diário Oficial. Evidente: a importância dessas “representações gráficas” para o sistema de direito brasileiro — escrito — é essencial e indesmentível. No entanto,

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qual seja, quando efetivamente ganham eficácia no mundo jurídico, em uma relação

individualizada.

Como já dissemos, as regras de interpretação dos contratos têm como objeto o

acordo, pressupondo que o contrato seja concluído entre as partes e que tenha tido

dissenso sobre seu conteúdo. Dissemos ainda no curso do trabalho que as

cláusulas contratuais gerais são estipulações redigidas, prévia e unilateralmente,

pelo proponente, para utilização reiterada em uma série indeterminada de futuros

contratos singulares, cujos destinatários limitar-se-ão a aceitá-las em bloco, sem

essas representações simplesmente não são a própria lei e, mais amplamente, não são o próprio direito. E o exemplo que colhi nos idos de meu quinto ano da faculdade é, ao menos para mim, a demonstração inequívoca do acerto dessa conclusão. Tanto quanto cada sinfonia que escuto com aquele maestro e que me revela um ponto seu diferente. Tudo graças à interpretação da obra ou do objeto que se pretende conhecer. A lei e o direito, assim, dependem de sua interpretação para se realizarem. É nesse sentido que me tenho preocupado em encarecer o que estou denominando estática e dinâmica do ordenamento jurídico. A estática corresponde ao sentido literal do texto normativo, à compreensão de sua representação gráfica no Diário Oficial ou no “Código” que se compra na livraria. É aquilo que se lê e que se interpreta com obediência às regras gramaticais. Em suma, a primeira forma de contato com a lei. Já que somos operadores do direito (não creio que não-operadores do direito um dia pretendam ler esta introdução), é obrigação, para conhecermos um texto de lei, ao menos, lê-lo, decifrando o que sua representação gráfica significa. É o mínimo que se pode fazer. Acredito que por causa da dinâmica do direito que, ao meu ver, nada mais pretende ser do que o direito aplicado ao caso concreto, de acordo com as características de cada caso concreto, para curar os interesses do caso concreto, valorados estes (os interesses) e aquelas (as características) pelo intérprete. É a lei e o direito interpretados. E a dinâmica do direito não é o resultado de uma leitura, de um julgado, de uma conclusão. É, antes, o conjunto de todos esses fatores. Por isso nem sempre o que se lê no texto legal corresponde ao que ocorre na jurisprudência deste ou daquele outro tribunal. É o direito vivo, que se vive, que se experimenta, que se sente na sociedade: é o direito interpretado.[...] Talvez tudo isso só seja mera e insignificante conseqüência de observação que não é estranha a ninguém: o direito é daquelas matérias que se denominam humanas – ciências humanas – e que, em função de sua própria natureza, exclui, aprioristicamente, um certo ou um errado.Não digo que não seja assim. Ao contrário, é este o ponto que mais encareço nas oportunidades que tenho de referir-me ao tema. Precisamente em função dessa característica é que a distinção entre a estática e a dinâmica é fundamental. Trata-se, em verdade, da utilização de instrumentos inafastáveis de trabalho para pesquisa de um mesmo objeto, seja ele notas em uma partitura – mera representação gráfica da música –, seja ele textos de lei – mera representação gráfica de ordens de conduta intersubjetivas –, seja a combinação de ambos [...] Em consideração que tem de aplicar-se ao direito, ‘As artes da humanidade podem ser classificadas de diversas maneiras. Por exemplo, podemos dividir as artes em visuais (pintura, escultura, arquitetura, mímica), auditivas (música, declamação) e as que dependem da combinação das duas anteriores (retórica, teatro, ópera e balé). Ou, também, podemos distinguir as artes entre as que são criadas em definitivo (escultura, arquitetura, cinema) e as que precisam ser recriadas para serem vividas – assim, cada apresentação de uma peça de teatro, de uma dança ou de uma peça musical são fenômenos únicos, que podem ser similares a outras apresentações da mesma obra, mas que jamais serão idênticos entre si’. Como bem acentua Eros Grau: ‘É do presente, na vida real, que se toma as forças que conferem vida ao Direito – e à Constituição. Assim, o significado válido dos princípios é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente’. E citando, em seguida, Von Ihering: ‘Não é, pois, o conteúdo abstrato das leis, nem a justiça escrita no papel, nem a moralidade das palavras, que decidem o valor dum direito; a sua realização objetiva na vida, a energia, por meio da qual o que é conhecido e proclamado, como necessário, se atinge e executa – eis o que consagra ao direito o seu verdadeiro valor’.” SCARPINELLA BUENO, Cassio. Execução provisória e antecipação da tutela: conserto para a efetividade do processo. p. 1-4.

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nenhuma possibilidade de alterar o seu conteúdo. Visam, na verdade, moldar a

vontade461 dos intervenientes nos negócios jurídicos a que as mesmas respeitam.

Estes intervenientes, subscrevendo-as, como proponentes, ou aceitando-as, como

destinatários, assumem posições negociais. São cláusulas contratuais pré-

elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha.

Apresentam-se de maneira generalizada, ou seja, podem ser utilizadas por pessoas

indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários. Por fim,

apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes,

sem possibilidade de alterações. São atos normativo-negociais, levando em

consideração o caráter heterônomo destas.

Por mais que nosso plano de análise esteja agora voltado para um contrato

específico - uma vez que este clausulado predisposto faz parte agora de um contrato

- por mais que adotemos as regras da interpretação deste negócio jurídico, em que

os contraentes não são mais abstratos,462 as características essenciais do conceito

das cláusulas contratuais gerais (predisposição; unilateralidade; abstração e

inalterabilidade), bem como suas peculiaridades não poderão ser desprezadas nesta

segunda fase (dinâmica), agora quando inseridas em um contrato.

Só não falaremos mais em abstração no sentido de desconsiderar a existência de

um contrato e da outra parte, que exerce vontade contratual463 e agora, em caso de

ambigüidade e contrariedade, deverá ser favorecida. Mas isso não quer dizer que

deve ser abandonada a idéia de se continuar interpretando este contrato de adesão

em obediência a critérios típicos uniformes e generalizantes. Podemos até falar na

existência do sujeito concreto,464 já que estamos diante de um contrato. Todavia,

para fins de interpretação, o parâmetro continuará sendo a conduta daquele homem

típico, ou, segundo a legislação portuguesa, será o do contratante indeterminado

que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de

aderente real (Decreto-lei n. 446/1985, art. 11), que se presume seja adotada

461 Expressão usada por MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO.

Cf. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais – anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 2.

462 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). Em Realtà sociale ed effettività della norma. v. II, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 539.

463 Ainda que mínima, é bem verdade. No entanto, pode se arrepender. (CDC, art. 49). 464 Contra: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:

Saraiva, 1991, p.132.

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razoavelmente por qualquer pessoa que ingresse na qualidade de contratante

daquele determinado serviço ou bem oferecido. Este dispositivo comprova que,

mesmo optando por uma interpretação individualizada da cláusula contratual geral, a

legislação portuguesa não abandona por completo as características das cláusulas

contratuais gerais após a sua inserção em contratos individuais.

Por mais que não exista norma expressa no mesmo sentido que o artigo 10 do

Decreto-lei n. 446/1985 Português, entendemos que, inseridas em um contrato, as

cláusulas contratuais gerais deverão ser interpretadas e integradas de harmonia

com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos.465

Todavia, por mais que as representações individuais dos contraentes passem a ser

consideradas, isto não significa que, dentro da interpretação do contrato de adesão,

devemos buscar a declaração de vontade tal como preconizada pela interpretação

subjetiva, mas sim segundo uma valorização normativa, que atenda as

peculiaridades do ato de predisposição e a abstração das cláusulas contratuais

gerais, com o fim de se garantir a segurança do tráfico jurídico, impedindo

subjetivações e flutuações de sentido.

Enquanto disposições contidas em um contrato (ainda que referidas), a interpretação

das cláusulas contratuais gerais deverá observar as regras gerais de interpretação

dos contratos, sem olvidar, todavia, as características peculiares deste fenômeno,

todo o contexto jurídico, social e econômico pela qual foram predispostas.

Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO:466

[...] As condições gerais, além do caráter de generalidade, são abstratas e

prosseguem sendo abstratas quando integrados seus efeitos aos contratos.

Sua interpretação é uniforme, idêntica, a todos os contratos, não se

particulariza. [...]. A pesquisa da intenção comum, nas condições gerais,

conduziria a ressaltar a vontade única do predisponente, sobretudo quando

a simples interpretação literal fosse considerada suficiente para resolver o

conflito de interesses. [...] Na aplicação do princípio pacta sunt servanda, o

juiz não pode, em princípio, revisar o conteúdo do contrato. Se a cláusula é

465 Nesse sentido, BIANCA, Massimo. Diritto civile - il contratto. Milão: Giuffrè, 1987. p. 347;

CASSOTTANA, Marco. Il problema dell'interpretazione delle condizioni generali di contratto. In: BIANCA, Massimo. Le condizioni generali di contrato. v. I. Milão: Giuffrè, 1979. p. 123-170; SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 2003.

466 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 129.

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clara, precisa, sem ambigüidade, não contrária à ordem pública nem aos

bons costumes, ele deverá aplicá-la sem que possa intervir a pretexto de

justiça ou equidade.

O sentido a ser atribuído às cláusulas contratuais não pode ser individualizado para

cada contrato singular, divergente em cada caso, mas geral e constante para todos

os contratos e a todos os aderentes da categoria contemplada. Prevalecem as

circunstâncias externas à vontade, partindo-se de um tipo a que se atribui um

resultado uniforme, sem ter em contata aquela que, no caso concreto, possa ser a

efetiva e diversa opinião das partes. O que importa são os pontos de vista objetivos,

julgando-se o conjunto dos casos típicos afetados. Mesmo diante de uma relação

jurídica concreta,467 deve-se partir da abstração e generalidade, características

marcantes das cláusulas contratuais gerais.

Mesmo que rapidamente, cabe ainda mencionar que, em se tratando de relações de

não-consumo, ou, mais especificadamente, de relações empresariais, deve ser

observada a praxis e a racionalidade própria que envolve esses tipos de

contratos.468 Ainda que seja dever de todo intérprete conhecer a fundo a realidade

do seu plano de análise, este se acentua quando estamos dentro de um ramo em

que a fluência das relações de mercado são, eminentemente, ditadas por normas

originadas pelos próprios comerciantes (lex mercatoria). A racionalidade do agente

econômico e a busca da eficiência do sistema, comenta PAULA FORGIONI,469 são

fatores de que o direito empresarial necessita (e sempre necessitou) para assegurar

o funcionamento adequado do mercado e a sua preservação. Ainda que a teoria

geral dos contratos se expanda para todo tipo de relação jurídica contratual, não

podemos olvidar que os contratos empresariais tem fundamento próprio, ou, na

467 Não se despreza, portanto, a utilidade do raciocínio por concreção. Pelo contrário, vale a sua

utilização também aqui, tendo em vista a função econômico-social do contrato. Por raciocínio de concreção entenda-se: "método hermenêutico pelo qual as pelo qual as normas de dever-ser, consideradas como "modelos de ordenamento materialmente determinados, são compreendidas em essencial coordenação com o caso concreto, que os complementa e lhes garanta força enunciativa". (MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133)

468 Vale colacionar, mais uma vez, as ponderações de JUDITH MARTINS-COSTA, para quem um dos elementos de concreção das circunstâncias do caso, que devem ser levadas em conta quando da interpretação dos contratos, é a função econômico social do negócio. Não se trata, repita-se, de acolhimento do movimento law and economics, pois, como já afirmamos, este não traz um modelo útil para compreensão do sistema jurídico como um todo.

469 Contrato de distribuição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 513.

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expressão de FÁBIO KONDER COMPARATO,470 obedecem uma lógica diversa

daqueles civis ou consumeristas, o que influenciará, inevitavelmente, sua

interpretação. Se já estava claro que, quem ingressa em um contrato, não o faz por

amor ou por filantropia, mas visando a realizações de negócios (bons negócios), que

permitam lucro e circulação de bens e serviços, esta realidade deve ser acentuada

nestes tipos de contrato, em que todo um contexto econômico-financeiro foi levado

em conta para predisposição e oferecimento das cláusulas ao público. Essas

peculiaridades, que decorrem das práticas e causas empresariais, merecem

especial consideração quando da interpretação das cláusulas contratuais gerais.

Nesta seara, não há presunção de vulnerabilidade e, todas as técnicas protetivas a

serem utilizadas não podem abortar a lógica de funcionamento do mercado.471

Deve o magistrado optar por uma interpretação que atenda aos interesses de um

aderente padrão, observado sempre o seu círculo social, ou, ainda, o fim econômico

perseguido pelos contratantes. Explica ANTEO GENOVESE:472

Per l'interpretazione delle condizioni generali si aplicano criteri speciali,

tenendo presente che con esse si regola un conflitto di interessi che si

riproduce in modo sostanzialmente simile in tutta la serie dei contratti in cui

si inseriscono. Le stesse regole interpretative sono influenzate dalla

tipizzazione delle situazioni in cui si aplicano, tenendo a ordinare

dichiarazioni e comportamenti dei soggetti per tipi e classi, anziché ad

identificarli con criteri strettamente individuali.

Não cabe ao magistrado, portanto, a revisão discricionária dos contratos de forma

particularizada, individual, sem a devida atenção ao equilíbrio-econômico financeiro

pela qual foram concebidas as cláusulas contratuais gerais.473 Em outras palavras,

470 COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de janeiro:

Forense, 1981. p. 246. 471 Por ex.: Segundo MARCO CASSOTTANA, nas práticas empresariais, em caso de cláusulas

obscuras, devemos interpretá-las adequando-as ao significado em uso daquela particular atividade. CASSOTTANA, Marco. Il problema dell'interpretazione delle condizioni generali di contratto. Em BIANCA, Massimo. Le condizioni generali di contrato. v. I. Milão: Giuffrè, 1979. p. 149.

472 GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão: Giuffrè, 1961, p. 806; GENOVESE, Anteo. Le condizioni generali di contratto. Pádua: Cedam, 1954. p. 221.

473 Durante um certo tempo na jurisprudência, contratos do Sistema Financeiro de Habitação foram revisados indiscriminadamente, pelo uso da Tabela Price, sob o fundamento de que ela tabela seria forma de capitalização de juros. Hoje esta orientação não mais existe. Captada a dimensão do sistema de amortização e o equilíbrio econômico financeiro propiciado por este índice, o STJ passou a admitir seu uso no seguinte sentido: "CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA

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pondera CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA,474 não há que se

resolver, pelo menos em principio, conflitos de interesses entre dois sujeitos de uma

relação jurídico determinada, mas entre o estipulante das cláusulas contratuais

gerais e todos os outros sujeitos com quem, por força da declaração de aceitação

destes, formam os mesmos contratos. Neste tipo de contrato, deve-se compor

interesses não apenas entre dois sujeitos de uma relação jurídico determinada, mas

entre um sujeito, o estipulante de um lado, e uma pluralidade de sujeitos, por outro

lado, de relações jurídicas que se vão determinando à medida em que eles aderem

ao conteúdo contratual.

Ao julgador, não se atribui o juízo de discricionariedade ou de subjetividade. Não se

pode admitir a interpretação das cláusulas contratuais gerais senão de um modo

geral (não particularizado) para cada aderente, daí a necessidade de uma exposição

de critérios.

Em primeiro lugar, expõe PAULO LUIZ NETTO LÔBO,475 o princípio básico que

deverá nortear a interpretação das cláusulas contratuais gerais é o equilíbrio efetivo

dos poderes contratuais, que tentará equalizar a desigualdade preexistente nestes

tipos de situações, em que inexiste acordo em sua criação e eficácia, estando

subjacente, ainda, a desigualdade de poderes econômicos. Este princípio se

consuma por meio da antiga regra interpretatio contra stipulatorem, hoje prevista no

art. 423 do Código Civil e no art. 47 do CDC.

FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.ATUALIZAÇÃO DE SALDO DEVEDOR. TAXA REFERENCIAL. POSSIBILIDADE.AMORTIZAÇÃO. TABELA PRICE. LEGALIDADE. 1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de admitir-se, nos contratos imobiliários do Sistema Financeiro da Habitação, a TR como fator de atualização monetária quando este for o índice ajustado contratualmente. 2. Não é ilegal a utilização da tabela Price para o cálculo das prestações da casa própria, pois, por meio desse sistema, o mutuário sabe o número e os valores das parcelas de seu financiamento.Todavia, tal método de cálculo não pode ser utilizado com o fim de burlar o ajuste contratual, utilizando-se de índice de juros efetivamente maiores do que os ajustados. 3. Recurso especial provido.( Resp n. 755340/MG, 2ª Turma, rel. Min. João Otávio Noronha, julg. em 11.10.2005, DJ 20.02.2006. p. 309) Sobre a legalidade da adoção do Sistema Francês de Amortização nos contratos de mútuo para aquisição de imóvel pelo SFH. Precedentes: REsp 600.497/RS, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 21/02/2005; AgRg no Ag 523.632/MT, 3ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 29/11/2004; REsp 427.329/SC, 3ªT., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 09/06/2003.

474 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. São Paulo: Atlas, 2002, p. 236. 475 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:

Saraiva, 1991. p. 130-141.

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Segundo CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA,476 em interpretação ao

art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, enquanto não contínhamos o art. 423

do Código Civil em nosso ordenamento:

Como no contrato de adesão, o conteúdo contratual é preenchido, na sua

maior parte, pela declaração do predisponente, sempre que o aderente

tenha entendido essa declaração num sentido diferente do atribuído pelo

declarante, há que determinar-se qual deve ser o sentido prevalente. Ora,

já se viu que não interessa aqui, pelo menos em princípio, um sentido

individual, mas típico, aquele que seria atribuído por um aderente abstrato,

hipotético, integrante do círculo social de que se trata, supondo-se que seja

de mediana inteligência e ilustração e que tenha agido com a diligência

normal. Embora seja esta, em princípio, a diretiva da interpretação, nessa

forma de contrato pode ocorrer que o intérprete, ao termo da atividade

interpretativa, não chegue a um resultado líquido, seguro, deparando-se

com dois sentidos igualmente possíveis, mas que um deles se revele mais

apto a favorecer os interesses do declarante. Nesse caso, diz a lei, o

intérprete deverá optar pelo outro sentido, por se revelar uma interpretação

mais favorável ao aderente. O que não quer dizer é que o preceito legal em

causa em nada interfere com a interpretação típica sugerida para o

contrato de adesão, no plano normativo, querendo apenas significar que,

dentre dois ou mais sentidos típicos, possíveis da declaração, deverá o

intérprete optar por aquele que se revele mais eficaz para que, no conflito

de interesses instaurado entre o estipulante e o aderente, o deste último

seja satisfeito.

Segundo este dispositivo (CC, art. 423), em caso de dúvida, as cláusulas contratuais

gerais deverão ser interpretadas a favor do aderente e contra quem as predispôs.

Aceita-se o desequilíbrio prévio das partes, de sorte que se deve interpretar a favor

de quem só pode aderir, como forma de reequilibrá-las. Fica evidente que se deve

buscar manter o contrato, mas na forma menos prejudicial ou agressiva ao que não

teve alternativa se não a de aderir, portanto numa situação que a lei toma como de

inferioridade. Busca-se o reequilíbrio, a eqüitatividade, posto que, no âmbito

contratual, deve existir paridade de sacrifícios, nunca a submissão de uma parte à

476 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 239.

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outra, para que seja viável o cumprimento da prestação e ocorra a liberação de

quem deve prestá-la.477

Essas contradições e ambigüidades não são tão fáceis de imaginar na prática, até

porque, em regra, a predisposição das cláusulas gerais é precedida de um trabalho

intenso, recheado de cálculos e estudo minucioso do texto que será oferecido ao

público. Mas, por exemplo, se as cláusulas contratuais gerais fazem previsão de

cobertura de todos os riscos (all risks), mas, no final do mesmo formulário, fazem

remissão a uma Convenção Internacional que limita a indenização e cobertura para

mercadorias extraviadas (ex.: Convenção de Varsóvia), deve se prestigiar aquela

cláusula que beneficie o aderente, devendo o predisponente arcar com os prejuízos

da estipulação contraditória de cláusulas.478

477 Anotações ao art. 423 do Código Civil de 2002 feitas por RENAN LOTUFO. (LOTUFO, Renan.

Código Civil comentado. v. III, t. I. São Paulo: Saraiva, 2006, no prelo). 478 Outro exemplo de contradição entre os clausulados pode ser visto no julgado do STJ:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL (PES). ALTERAÇÃO DA CATEGORIA PROFISSIONAL DO MUTUÁRIO. PERCENTUAL DE COMPROMETIMENTO DA RENDA. ADEQUAÇÃO E RESTABELECIMENTO DO PERCENTUAL DE COMPROMETIMENTO DA RENDA ORIGINALMENTE PACTUADO. PREQUESTIONAMENTO. 1. Não tendo o acórdão recorrido tratado especificamente de artigos legais tidos como violados, in casu, o art. 6.º, § 1.º da LICC e o art. 1.256 do Código Civil (1916), não há como se tê-los prequestionados, mormente quando a parte não instiga o Tribunal a quo a fazê-lo, pelas vias processuais adequadas. 2. Esta Corte já firmou seu entendimento de que a União não é parte legítima para figurar no pólo passivo das ações que têm como objeto o reajuste das prestações da casa própria, sendo uníssona a jurisprudência no sentido de se consagrar a tese de que a Caixa Econômica Federal, como sucessora do BNH, deve responder por tais demandas. A ausência da União como litisconsorte não fere, portanto, o conteúdo normativo do art. 7.º, III, do Decreto-Lei n. 2.291, de 1986. 3. “Nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação há de se reconhecer a sua vinculação, de modo especial, além dos gerais, aos seguintes princípios específicos: a) o da transparência, segundo o qual a informação clara e correta e a lealdade sobre as cláusulas contratuais ajustadas, deve imperar na formação do negócio jurídico; b) o de que as regras impostas pelo SFH para a formação dos contratos, além de serem obrigatórias, devem ser interpretadas com o objetivo expresso de atendimento às necessidades do mutuário, garantindo-lhe o seu direito de habitação, sem afetar a sua segurança jurídica, saúde e dignidade; c) o de que há de ser considerada a vulnerabilidade do mutuário, não só decorrente da sua fragibilidade financeira, mas, também, pela ânsia e necessidade de adquirir a casa própria e se submeter ao império da parte financiadora, econômica e financeiramente muitas vezes mais forte; d) o de que os princípios da boa-fé e da eqüidade devem prevalecer na formação do contrato.”(Resp n. 85.521-PR, D.J. 03.06.1996, Rel. Min. José Delgado) 4. Nos casos de financiamento habitacional pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), as cláusulas contratuais de vinculação dos reajustes das prestações ao Plano de Equivalência Salarial (PES), bem como aquelas concernentes à relação prestação/percentual de comprometimento de renda devem ser interpretadas de modo mais favorável à parte presumidamente hipossuficiente, isto é, o mutuário. Assim, quando a Lei, a um só tempo, traz dois dispositivos que em sua aplicação se apresentam contraditórios, há de se prestigiar aquele que beneficie a parte mais fraca: o mutuário/hipossuficiente. 5. A possibilidade de “renegociação da dívida junto ao agente financeiro, visando restabelecer o comprometimento inicial da renda” (art. 9.º, § 6.º, do Decreto-lei n. 2.164/1984) deve garantir a manutenção do comprometimento da renda/prestação, conforme o percentual inicialmente acordado. Desse modo, em havendo redução de renda em decorrência de mudança de categoria profissional, pode o mutuário ter o seu contrato

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Frise-se, por oportuno, que a regra prevista no art. 423 do Código Civil e no art. 47

CDC não interfere na tipicização da interpretação sugerida para as cláusulas

contratuais gerais.479

Por entender didático e elucidativo, colacionamos aqui alguns passos para

interpretação das cláusulas contratuais gerais, sugeridos pela doutrina especializada

e por nós consultada:480

i) Cabe ao intérprete definir se a hipótese se enquadra na fattispecie

cláusulas contratuais gerais ou se é regida pelo direito comum dos contratos,

uma vez que nem todos os contratos com redação predispostas podem ser

entendidos como cláusula contratual geral;481

ii) O intérprete deve averiguar a existência, ao lado das cláusulas contratuais

gerais, de cláusulas negociadas, sobre as quais prevalecerá a interpretação

comum dos contratos. Temos aqui, forma mais clara, a incidência de um

revisto, de forma a restabelecer a relação de comprometimento renda familiar/prestação mensal do financiamento, originalmente pactuada. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na parte conhecida, negado provimento. (Resp 568510/PB, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, julg. 28.09.2004, DJU 08.11.2004. p. 170).

479 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 239. 480 Segue-se, em parte, a didática proposta de LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos

contratos e cláusulas abusivas. p. 133-138. ("Todos os critérios enunciados possuem em comum o cariz objetivo. Em suma, a interpretação típica das condições gerais assenta-se em: a) equilíbrio efetivo ou igualdade jurídico-material dos poderes e posições contratuais; b) defesa do aderente-consumidor; c) interpretação favorável ao aderente típico; d) conduta social típica do aderente, sendo irrelevante a vontade ou intenção; e) interpretação diferenciada para as cláusulas particulares e para as condições gerais do mesmo contrato de adesão; f) prevalecimento das cláusulas particulares quando incompatíveis com as condições gerais, g) prevalecimento das normas dispositivas do contrato nominado sobre as condições gerais; h) ocorrência dos fatores de eficácia, especialmente dos meios de cognoscibilidade prévia; i) compatibilidade com a lista de cláusulas abusivas; j) compatibilidade com o princípio da boa-fé; l) observância do princípio de conservação dos negócios jurídicos, salvo onerosidade excessiva, m) presunção de inexistência de acordo para cláusulas particulares, no caso de atividades oligopolizadas ou monopolizadas; n) interpretação uniforme e invariável, sendo irrelevantes os aspectos particulares de cada contrato individual"). Ver ainda, MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 238; MONTEIRO, António Pinto. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e soluções. Revista Trimestral de Direito Civil, ano 2, v. 7, p. 7, jul./set. 2001; SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310-315; BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). In: Realtà sociale ed effettività della norma. v. II, t. II. Milão: Giuffrè, 2002, p. 539 e ss.; CASSOTTANA, Marco. Il problema dell'interpretazione delle condizioni generali di contratto. In: BIANCA, Massimo. Le condizioni generali di contrato. p. 128 e ss.

481 Cabe lembrar, mais uma vez, que nem todos os contratos de adesão serão formados por cláusulas contratuais gerais. Pode acontecer, como salientamos, que falte às cláusulas pré-formuladas o requisito da generalidade (ou da indeterminação) caso em que haverá contrato de adesão (estando presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez) sem se poder falar de cláusulas contratuais gerais. Para nós, cláusulas contratuais gerais são previamente elaboradas, tendo em vista a celebração, no futuro, de múltiplos contratos, que serão de adesão. A generalidade e indeterminação nem sempre serão encontradas no contrato de adesão.

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dúplice critério de interpretação do contrato de adesão: para as cláusulas

contratuais gerais, deve ser seguido o padrão típico de interpretação,

enquanto que para as cláusulas particulares, pode se buscar a intenção

comum das partes. E quando houver incompatibilidade entre as cláusulas

contratuais gerais e as cláusulas particulares negociadas, estas terão

preferência sobre aquelas, prestigiando-se, assim, a autonomia privada das

partes;482

iii) Quando o contrato de adesão for um contrato típico ou nominado

(recebendo do ordenamento jurídico um regramento particular, portanto) e

houver incompatibilidade entre as cláusulas contratuais gerais e as normas

dispositivas a ele aplicáveis, estas preferirão àquelas. Aliás, este é o sentido

do art. 424 do Código Civil de 2002, ao declarar nula as cláusulas de contrato

de adesão que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante

da natureza do negócio. Sabendo-se que o contrato de adesão vem com

suas cláusulas predispostas, imutáveis, não se pode pretender que o

aderente entre na relação contratual renunciando direitos que irão nascer a

seu favor, em razão do próprio contrato.483

iv) Deve ser avaliado se as cláusulas contratuais gerais foram licitamente

integradas ao contrato individual. Aqui, devem ser retomadas as idéias do

controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais;

v) As cláusulas contratuais gerais devem ser confrontadas com a lista de

cláusulas abusivas previstas em lei e, se esta não existir, deverá o intérprete

verificar a compatibilidade das cláusulas contratuais gerais com a boa-fé

objetiva, a função social dos contratos e a justiça contratual, parâmetros

482 Se constava uma cláusula que restringia a proteção do segurado na Europa, e o segurado referiu-

se expressamente ao agente que contratava tendo em vista uma viagem a Ancara (parte asiática da Turquia), deve ser entendido, neste caso, a aceitação pela companhia, sem reservadas, da proposta contratual, implicando a interpretação da cláusula em sentido conforme ao tácito acordo individual, como abrangendo também a parte asiática da Turquia. (SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310). Esta previsão é encontrada no BGB reformado (§ 305b – prevalenza degli accordi individuali).

483 O art. 424 não traduz uma tipificação completa e fechada dos limites de conteúdo, mas apenas uma menção especial de uma cláusula de cunho intensamente lesivo. Daí o alcance do princípio da boa-fé não se esgotar nessa regra, até porque, como a moderna metodologia não se cansa de salientar, os princípios normativos nunca se deixam encerrar inteiramente nas malhas dos enunciados normativos que tipificadoramente os acolhem.

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genéricos (e constitucionais) para averiguação da existência (ou não) da

abusividade e dosviabilizadores do controle de conteúdo.

6.4 A BOA-FÉ E A FUNÇÃO SOCIAL NA INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS

GERAIS

Vimos que a boa-fé objetiva,484 como dever imposto às partes para agirem de

acordo com determinados padrões (de correção, lisura, honestidade etc.)

socialmente recomendados, também exerce importante papel na interpretação das

cláusulas contratuais gerais. Aliás, como mencionamos na Parte II, Capítulo 2, e

Parte III, Capítulo 4, algumas legislações específicas ao redor do mundo485 fazem

previsão específica sobre o papel da boa-fé neste contexto, em especial para o

controle das chamadas cláusulas abusivas, como o faz a Diretiva n. 13/1993, da

Comunidade Européia, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com

os consumidores, em que é definida a cláusula abusiva da seguinte forma: "uma 484 “O princípio da boa-fé foi consagrado pela primeira vez no art. 157 do Código Civil alemão nestes

termos: “os contratos devem ser interpretados tal como o exijam a confiança e a lealdade recíprocas em correlação com os usos do comércio. Tomou, entretanto, significação especial nas legislações que o receberam como norma subsidiária da interpretação subjetiva, aplicável quando haja dúvida acerca da intenção comum dos contratantes. Trata-se de uma regra que contribui para precisar o que se deve entender como o consenso, assim considerado o encontro e a combinação de duas vontades para a produção de feitos jurídicos vinculativos. O processo interpretativo empregado para reconstruir e determinar o comum intento prático das partes de um contrato é guiado pelo critério da boa-fé, devendo assim se entender por intenção comum o que, como declaratários, podiam os contratantes entender a declaração recebida ou deduzir do comportamento de outro declarante. Consagra-se, por outras palavras, a concepção objetivista da interpretação explicitada no Código Civil português (art. 236) e explicada pela necessidade de proteger a legítima expectativa de cada um dos contraentes e de não perturbar a segurança do tráfico. Devem-se investigar os possíveis sentidos da declaração e acolher o que o destinatário podia e devia atribuir-lhe com fundamento nas regras comuns da linguagem e no particular modo de se comunicar e se entender com a outra parte. Torna-se claro, nesse entendimento, que o princípio da boa-fé na interpretação dos contratos é uma aplicação particular do princípio mais amplo da confiança e auto-responsabilidade segundo o qual deve reconhecer a validade de uma declaração negocial quem a emitiu por forma que o destinatário não possa, com a diligência ordinária, emprestar-lhe outro sentido, pouco importando o que o declarante quis realmente atribuir. O que em suma importa é o significado objetivo que o aceitante de proposta de contrato “podia e devia entender razoavelmente segundo a regra da boa-fé”. “Sob invocação da óbvia razão de que a interpretação é obra do intérprete, há quem sustente que a regra segundo a qual o contrato deve ser interpretado de boa-fé constitui norma de comportamento dirigida a quem o deva interpretar, só tendo valor quando várias soluções se apresentam como igualmente possíveis, hipótese em que deve adotar aquela que mais se harmonize à lei moral e torne o regulamento contratual mais justo e eqüitativo. Nesse modo de entender, o princípio da boa-fé na interpretação careceria de maior significação em desacordo com a opinião dominante que lhe atribui grande importância, mesmo quando seja considerado um processo interpretativo subsidiário, como na legislação italiana.” GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 227-228.

485 No nosso caso, o inc. IV do art. 51: são nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

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cláusula que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva

quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio

significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e as obrigações das

partes decorrentes do contrato". (art. 3.º). A boa-fé objetiva, como preceito

normativo, exige a mediação concretizadora, deixando ao magistrado a possibilidade

de atingir toda as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências

fundamentais de justiça.486

Como dissemos, a boa-fé se traduz em três comandos, três funções distintas e

conjugadas: função interpretativa (as partes devem proceder de acordo com a boa-

fé quando se trate de determinar o sentido das estipulações contidas em

determinado contrato); função de integração ou supletiva (amplia os deveres de

comportamento de credor e devedor) e; por último, função de controle (marca os

limites dos direitos que o credor tem a faculdade de exercer contra o devedor).

Sem nos desprendermos das outras funções, para este capítulo, especial destaque

merece ser dado à função interpretativa da boa-fé. É verdade que, em matéria de

cláusulas abusivas, é esta a função sobre a qual a jurisprudência é chamada mais

freqüentemente a se pronunciar. Quando a cláusula duvidosa não corresponde a

nenhuma das cláusulas enumeradas nas listas de leis especiais, o controle de

conteúdo deve se operar com fundamento na boa-fé contratual objetiva, proibindo as

cláusulas que acarretem desvantagem ao aderente de maneira não razoável,

notadamente as que desprezavam os princípios gerais positivados nas leis ou

desnaturassem o próprio contrato.

A legislação portuguesa sobre cláusulas contratuais gerais (Decreto n. 446/1985),

também coloca a boa-fé como princípio geral para proibição das cláusulas abusivas

(art. 15) e, além disso, prescreve, no art. 16, parâmetros para sua concretização:

Na aplicação da norma anterior [são proibidas as cláusulas contratuais

gerais contrárias à boa-fé] devem ponderar-se os valores fundamentais do

direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A

confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas

contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular

celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos

486 ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.

Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p.39.

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atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente,

procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.

Sobre o papel da boa-fé nas cláusulas contratuais gerais, comentam os autores da

lei portuguesa, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA e ANTÓNIO MENEZES

CORDEIRO:487

Com o objectivo de auxiliar, sem tolher, as tarefas de concretização da

boa-fé, apontam-se directivas suficientemente elásticas. Não se ultrapassa,

todavia, o mínimo de precisão indispensável à sua utilidade nas decisões

jurídicas. A indicação básica reside numa remissão para os valores

fundamentais do direito, relevantes em face da situação concreta. [...] A

confiança legítima tem, no Código Civil, através da boa-fé, uma proteção

alargada. [...] A boa-fé objetiva, por seu turno, ao vedar comportamentos

enganosos, in contrahendo, na execução dos contratos ou no simples

exercício dos direitos, ou ao proibir práticas como a de venire contra factum

proprium prossegue os mesmos escopos. A propósito das cláusulas

contratuais gerais, o legislador não inova neste ponto: apenas expressa, no

domínio sensível do tráfico negocial de massas, a necessidade de

concretizar em moldes adaptados, um princípio reitor tradicional do direito

privado. [...] Perante a problemática das cláusulas contratuais gerais, o

legislador, sempre em termos elásticos, para que não resulte manietada a

evolução futura, indicia os factores mais significativos, susceptíveis de criar

nas partes situações de confiança: o sentido global das cláusulas

contratuais gerais, o processo de formação do contrato singular celebrado

e o teor deste. As cláusulas contratuais gerais que ofendam a confiança

legítima – portanto, a confiança não contrária a outros valores jurídicos ou

aos deveres de indagação que no caso caibam – provocada pelos referidos

factores ou por outros elementos atendíveis são opostas à boa-fé e, como

tais, proibidas. [...] As cláusulas contratuais gerais, através dos tipos

negociais que prefigurem, indiciam, no seu conjunto, os objectivos

prosseguidos pelas partes. Esses objectivos devem obter realização

prática. Em conseqüência, são opostas à boa-fé e, assim, proibidas, as

cláusulas que, sem justificação legítima, os contrariem, dificultem ou

impeçam.

Assim, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, a boa-fé exerce importante papel

para descoberta da abusividade e, conseqüentemente, do controle dos conteúdos

487 ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.

Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p. 40-41.

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contratuais obtidos pela adesão a estas cláusulas. Como concretização da boa-fé,

coloca-se uma "bitola de um certo equilíbrio contratual"488 entre as vantagens

auferidas, graças ao contrato, pelas partes, não se admitindo prejuízos

desproporcionados. O dever de atuação segundo a boa-fé implica não prejudicar,

mediante cláusulas contratuais gerais, de modo desproporcionado à contraparte,

desproporção esta que deverá ser investigada no caso concreto, levando-se em

conta o contexto pelo qual as cláusulas foram predispostas, atento aos fins destas,

cotejando com os fins que o contrato questionado permita obter.

Como sabemos, todo negócio jurídico deve ser interpretado segundo os ditames da

boa-fé (CC, art. 113). Aliás, como salientado por diversas vezes neste trabalho, a

boa-fé é um dos elementos de validade do negócio jurídico.489 Dessa maneira, não

há como negar a incidência da boa-fé para interpretação das cláusulas contratuais

gerais, integrando a estas os deveres de lealdade, proteção e informação, impondo,

ainda, limitações aos direitos subjetivos, quando estes conflitarem com o interesse

perseguido pelo contrato. Permite-se a tutela da razoável confiança criada pelas

cláusulas, sem ignorar os comportamentos de quaisquer das partes, levando em

conta um critério de diligência normal.

Vale, no entanto, uma observação. Não há que se esperar a formulação de lei

expressa, contendo listas de cláusulas consideradas abusivas para se punir uma

ofensa à cláusula geral de boa-fé. Justamente por ser cláusula geral, deverá o juiz

concorrer ativamente para a formulação da norma, em que considerará a noção de

boa-fé efetivamente vigente (não a dele, mas aquela objetivamente considerada) e

estabelecerá as conseqüências jurídicas desta violação. Como cláusula geral, a boa-

fé é medida e diretiva para pesquisa da norma de decisão, da regra a aplicar no

caso concreto, sem hipótese normativa preconstituída, mas que será preenchida

com a mediação concretizadora do intérprete julgador.490

Nas cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos empresariais, a boa-fé não

desempenha uma função moral, desconectada da realidade dos negócios e fundada

em valores canônicos ou em outros que não a busca do melhor funcionamento do

488 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 656. 489 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. p. 284. 490 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. p. 296-348 (A linguagem e as funções das

cláusulas gerais).

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265

mercado. Nessa seara, a boa-fé reforça as possibilidades de confiança dos agentes

econômicos no sistema, diminuindo riscos e fazendo aflorar um maior grau de

segurança e de previsibilidade. A boa-fé, no sistema de direito empresarial, é um

catalisador de fluência das relações de mercado.491 Ela vem relacionada ao uso e ao

costume da praça, ou seja, ela é objetiva e não pinçada no íntimo dos partícipes da

avença.

Geralmente, a infração a boa-fé se deduz de que o predisponente criou uma

situação sobre a qual o aderente podia confiar.492 A partir do instante em que essa

quebra da confiança trabalha contra o próprio Direito, é natural e desejável que

normas jurídicas procurem forçar os agentes econômicos ao seu respeito. Por isso,

o sistema de direito empresarial como um todo (também) deve ser voltado à tutela

de princípios como a boa-fé e a confiança. Negócios que são possíveis em um

ambiente institucional com fortes garantias de cumprimento das obrigações podem

não ser viáveis em ambientes institucionais fracos – porque não seria compensador

para as partes negociarem nessa última situação. E uma das funções do direito

empresarial é, justamente, buscar a criação de um ambiente que faça as

negociações compensatórias. Conclui-se, portanto, que a interpretação segundo a

boa-fé promove o encontro dos valores das cláusulas contratuais gerais com os

valores típicos-sociais.493

A função social494 também será fundamental para interpretação das cláusulas

contratuais gerais, espraiando uma eficácia interpretativa,495 concedendo importante

491 FORGIONI, Paula. Contrato de distribuição. p. 552 e 559. 492 Por exemplo, pode ser que contratos celebrados por prazo determinado, uma das partes pode ser

levada a crer na sua prorrogação além do termo contratado. Esta é uma atuação da boa-fé, que viabiliza esta interpretação, bem como coíbe abusos. Segundo PAULA FORGIONI (Contrato de distribuição. p. 493): "Imaginemos, por exemplo, um contrato de concessão comercial celebrado pelo prazo de oito anos. No último ano de vigência, a fornecedora exige da distribuidora a realização de investimentos consideráveis, criando a legítima expectativa de renovação. O ordenamento jurídico protege o distribuidor contra uma brusca modificação da atitude esperada do fornecedor, que andaria contra a boa-fé e os usos e costumes comerciais (boa-fé objetiva, apurada conforme o comportamento normalmente esperado dos agentes econômicos daquele mercado). Em face da requisição do fornecedor, o distribuidor pode supor a extensão do prazo, com aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem suas decisões. Esse comportamento do fornecedor, em face da práxis do mercado, há de ser considerado com declaração de sua intenção de prorrogar a avença. Trata-se de um comportamento social típico, apto a produzir efeitos jurídicos. Igualmente entende-se que o distribuidor aceitou a recondução , a partir do momento em que obrou como lhe foi solicitado".

493 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 146.

494 "[...] Este princípio difere do da ordem pública, tanto quanto a sociedade difere do Estado; trata-se de preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto

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266

parâmetro para descoberta das cláusulas abusivas, desempenhando importante

papel de controle, uma eficácia negativa, vedando cláusulas que atentem contra

seus propósitos, servindo de ponte para aplicação de hipóteses de abusividade a

casos fora do CDC.496

Sobre a atuação da função social em contratos em que há a utilização de cláusulas

contratuais gerais, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY497 dá interessantes

exemplos de sua incidência, como o caso de contratos de seguro-saúde, em que é

normal a presença de cláusulas de recusa do pagamento de internação, por

doenças cobertas, depois de certo tempo, pacificando-se o entendimento na

jurisprudência, com base na aplicação da função social, o entendimento pela

abusividade do limite temporal para internação em casos de urgência, bem como o

alargamento injustificado do prazo de carência. Nos casos de contratos de

fornecimento de água e luz, a função social impõe a verificação, no caso, se há

causa razoável para inadimplência, suspendendo a cobrança, fixando prazo

razoável para quitação e fornecendo cotas mínimas para atendimento básico, bem

como a necessidade, sempre, em qualquer hipótese, da notificação e do aviso

prévio ao corte.498

aqueles que prejudiquem a coletividade (por exemplo, contratos contra o consumidor) quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas [...]. A idéia de função social do contrato está claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (art. 1.º, inc. IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro – de resto, o art. 170, caput, da Constituição da República, de novo, salienta o valor geral, para a ordem econômica, da livre iniciativa". AZEVEDO, Antonio Junqueira de. "Os princípios do atual direito contratual e a desregulamentação do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquilina do terceiro que contribui para inadimplemento substancial". In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 141.

495 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 166. 496 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social dos Contratos. p. 167. 497 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social dos Contratos. p. 173 e 177 498 Como não pode a concessionária deixar de fornecer o serviço, também não pode o usuário negar-

se a pagar o que consumiu sob pena de se admitir o enriquecimento sem causa, com a quebra do princípio da igualdade de tratamento das partes. Com esse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que endossou o corte do fornecimento de energia elétrica de usuário inadimplente no pagamento de suas contas. No caso, a Light Serviços de Eletricidade S.A. suspendeu, por falta de pagamento, o fornecimento de energia elétrica à empresa Mottasport Academia Ltda., após prévio aviso comprovado nos autos do processo. Inconformada com a decisão, a empresa recorreu ao STJ alegando ilegalidade da suspensão devido à violação dos princípios da continuidade e da dignidade da pessoa humana. Acompanhando o voto da relatora, ministra Eliana Calmon, a Turma negou provimento ao recurso especial e manteve acórdão do

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267

A nosso ver, outra aplicação da função social dos contratos precedidos de cláusulas

contratuais gerais é a correção de abusividade na eleição de foro. Em sendo

TJRJ. De acordo com a ministra, a paralisação do serviço impõe-se quando houver inadimplência, repudiando-se a interrupção abrupta, sem o aviso prévio, como meio de pressão para o pagamento das contas em atraso. Ou seja, é permitido o corte de serviço, mas com o precedente aviso de advertência. Na hipótese dos autos, sustentou a relatora, a suspensão ocorreu em virtude do inadimplemento do recorrente no pagamento de suas contas, estando o consumidor avisado previamente de que tal fornecimento seria interrompido. Segundo a ministra Eliana Calmon, admitir o inadimplemento por um período indeterminado sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada e comprometendo o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos, inclusive, no princípio da modicidade. "O custo do serviço será imensurável a partir do percentual de inadimplência, e os usuários que pagam em dia serão penalizados com possíveis aumentos de tarifa", sustentou a relatora. Em seu voto, a ministra também ressaltou que a política tarifária do setor de fornecimento de energia é fortemente regulada e estabelecida pelo Poder Público, tanto é que as tarifas têm valores diferenciados, sendo classificadas por faixas distintas conforme a atividade ou nível socioeconômico do consumidor, estando fora de questão admitir-se a prestação gratuita dos serviços. "Se à prestadora do serviço exige-se o fornecimento de serviço continuado e de boa qualidade, respondendo ela pelos defeitos, acidentes ou paralisações, pois é objetiva a sua responsabilidade civil; como então aceitar-se a paralisação no cumprimento da obrigação por parte do consumidor?", questiona a ministra em seu voto. Segundo a ministra Eliana Calmon, tal aceitação levaria à idéia de se ter como gratuito o serviço, o que não pode ser suportado por quem fez enormes investimentos e conta com uma receita compatível com o oferecimento dos serviços. Para a ministra, na atualidade, os serviços essenciais são prestados por empresas privadas que recompõem os altos investimentos com o valor recebido dos usuários por meio dos preços públicos ou tarifas, sendo certa a existência de um contrato estabelecido entre concessionária e usuário e não sendo possível a gratuidade de tais serviços. A ministra Eliana Calmon concluiu o voto explicando seu posicionamento em termos normativo, ontológico e capitalista: "Sob o aspecto da norma específica, estão as concessionárias autorizadas a suspender os serviços quando não pagas as tarifas; sob o aspecto ontológico, não se conhece contrato de prestação de serviço firmado com empresa pública, cujo não-pagamento seja irrelevante para o contratado; sob o ângulo da lógica capitalista, é impossível a manutenção de serviço gratuito por parte de grandes empresas que fazem altos investimentos". O tema é polêmico. Em seu voto, de nove páginas, a ministra Eliana Calmon reconhece que a suspensão de serviço público por falta de pagamento não constitui um direito absoluto e admite que o tema encontra divergências no próprio STJ, embora hoje, majoritariamente, colham-se depoimentos em favor da legalidade do corte de fornecimento em razão do inadimplemento.Citando vários autores e juristas, a ministra ressalta que o que define a natureza jurídica da prestação do serviço essencial é o seu do sistema de remuneração. Assim, sustenta a ministra Eliana Calmon, não se há de confundir taxa com tarifa ou preço público, como já advertido pela Súmula 545/STF: se o serviço público é remunerado por taxa, não podem as partes cessar a prestação ou a contraprestação por conta própria; se for por tarifa, que é uma remuneração facultativa oriunda da relação contratual na qual impera a manifestação da vontade, o particular pode interromper o contrato. Segundo a ministra, doutrinariamente ainda não há unidade sobre o tema, pois uma corrente defende a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) somente aos serviços remunerados por tarifa e uma outra entende que o CDC é aplicável indistintamente a todos os serviços, sejam eles remunerados por taxa ou tarifa. "Lamentavelmente o impasse doutrinário não foi ainda solucionado pela jurisprudência, extremamente vacilante nesse especial aspecto, inclusive nesta Corte de Justiça", ressalta a ministra em seu voto, acrescentando que se filia à primeira corrente. Embora seja permitida a suspensão do serviço público por falta de pagamento, a ministra Eliana Calmon adverte que ela não constitui direito absoluto: "o fornecedor tem o dever de colaborar para que o consumidor possa adimplir o contrato, criando condições para o regular pagamento". Isso porque o pequeno inadimplemento do consumidor se confunde com a mera impontualidade, sem gerar as conseqüências de um corte de fornecimento. "Daí a obrigatoriedade de o fornecedor estabelecer ao usuário datas opcionais para o vencimento de seus débitos, além de prazo para proceder-se à interrupção quando houver inadimplência". ( STJ, Resp 798204/RJ, rel. Min. ELIANA CALMON, julg. em 17.08.2006).

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268

cláusula integrante de um negócio mais vasto,499 independentemente do tipo

contratual (de adesão ou paritário) ou da modalidade de relação jurídica em questão

(de consumo, civis, empresariais) deverá sempre ser observado os princípios da

função social e do equilíbrio dos contratos. Uma cláusula eletiva de foro não poderá,

por exemplo, colocar uma das partes em nítida desvantagem, causando profundo

desequilíbrio, dificultando o cumprimento de uma dada obrigação ou o próprio direito

de defesa de um dos sujeitos etc.

Os tribunais, aos poucos, vão consolidando o entendimento já pacificado em

doutrina, no sentido de se considerar ineficaz a cláusula contratual que estipula o

foro de eleição em contrato de adesão, que imponha o desequilíbrio à parte

aderente, em especial nas relações de consumo, em que é presumida a

vulnerabilidade do consumidor (CDC, art. 4.º, I), sendo-lhes garantido, como direito

básico, a facilitação da defesa de seus direitos (CDC, art. 6.º, VIII). Em sucessivas

decisões,500 o Superior Tribunal de Justiça afastou a incidência da Súmula 33501 do

próprio STJ, permitindo com que a cláusula de eleição de foro, inserta no contrato de

adesão, fosse declarada nula de ofício, permitindo que o juiz declinasse sua

competência em favor do foro do domicílio do consumidor.

Na verdade, mesmo que a relação não seja de consumo, não se pode perder de

vista que a função social do contrato representa um princípio de ordem pública (CC,

art. 2.035, parágrafo único), cuja violação, portanto, poderá ser reconhecida de ofício

pelo magistrado, independentemente de pedido da parte ou do interessado, a

qualquer tempo e em qualquer grau ordinário de jurisdição (CPC, art. 303, III). Se a

499 António Menezes Cordeiro. Tratado de direito civil português. I, t. III. p. 365. 500 "Competência. Conflito. Foro de Eleição. Código de Defesa do Consumidor. Banco. Contrato de

Abertura de Crédito em conta especial. - O Código de Defesa do Consumidor orienta a fixação da competência segundo o interesse público e na esteira do que determinam os princípios constitucionais do acesso à justiça, do contraditório, ampla defesa e igualdade das partes. Prestadoras de serviços, as instituições financeiras sujeitam-se à orientação consumerista. – É nula a cláusula de eleição de foro inserida em contrato de adesão quando gerar maior ônus para a parte hipossuficiente defender-se ou invocar a jurisdição, propondo a ação de consumo em local distante daquele em que reside. – Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Canoas". (CC 32868/SC, 2ª Seção, rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 18.02.2002, DJ 11.03.2002, p. 160). "Execução - Foro de eleição. Hipótese em que a eleição de foro diverso daquele em que domiciliado o devedor acarreta-lhe notáveis dificuldades para o exercício de sua defesa. Nulidade da cláusula de eleição e reconhecimento de que, tendo em vista o disposto no Código de Defesa do Consumidor (arts. 1.º e 6.º, VIII), possível o reconhecimento, de ofício, da incompetência. Inaplicabilidade da Súmula 33. Precedentes do STJ". (Resp n. 196067/MG, 3ª Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, julg. 24.08.1999, DJ 03.11.1999, p. 112).

501 "A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício".

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269

cláusula de eleição não cumprir a função social – cláusula geral, cujo

descumprimento deverá ser avaliado em cada caso concreto – esta poderá ser

anulada, mesmo sem provocação das partes. O acesso à justiça deve ser

preservado, como direito fundamental (CF, art. 5.º, XXV). Aliás, diante dessas

diretrizes de direito material, a Lei n. 11.208, publicada em 16 de fevereiro de 2006,

acrescentou o parágrafo único ao art. 112 do CPC, tornando agora expresso que: "A

nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada

de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu."

Os contratos existem para instrumentalizar as relações econômicas, mas que a

função social do contrato surge para reafirmar princípios fundamentais como o da

dignidade humana e da solidariedade (CF, art. 1.º, III, e 3.º, I). A caracterização da

função social como princípio não é antagônica, muito pelo contrário, deve ser

amplamente compreendida, tendo por efeito a funcionalização das situações

jurídicas à ordem constitucional.502 Isso não quer dizer que a função econômica do

contrato foi afastada: ao mesmo tempo em que deve haver conciliação entre os

interesses particulares e os da coletividade, os direitos individuais devem ser

respeitados, posto que protegidos constitucionalmente.

As cláusulas contratuais gerais, portanto, continuam sendo importante instrumento

de racionalização das atividades empresariais, evitando a repetição de atos

idênticos, propiciando a redução dos custos e dos preços dos bens e serviços

disponibilizados ao público. Representam a simplificação (e a aceleração) da

conclusão dos negócios, e ainda, sob o ponto de vista do gestor predisponente, um

maior controle dos riscos comuns nas relações de mercado, e que devem ser

entendidas em apartado dos contratos que fazem parte. Mas para cumprir esses

objetivos, os princípios fundamentais impostos pela Constituição Federal devem ser

preservados, e a função social permite a integração desses princípios, sem que seja

afastada sua função econômica, viabilizando, assim, o favorecimento da sociedade

como um todo.

502 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato – novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.

209.

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270

CONCLUSÃO

O contrato não deve ser valorado como um fenômeno psíquico nem como um

simples acordo de vontades, mas como um fenômeno social, um valor objetivo no

qual as partes constituem, extinguem ou modificam uma relação própria (patrimonial

ou não), sobre o qual recaem novos princípios e novas premissas, realçados em

novas bases constitucionais que exercerão influência direta no estudo das cláusulas

contratuais gerais.

A expansão econômica do capitalismo, bem como as correlativas transformações do

modelo social, provoca sensíveis alterações com reflexos no papel do contrato na

esfera econômica. A aceleração do processo produtivo e o incremento geral das

trocas, com acesso cada vez mais alargado da população às relações de consumo,

a universalização do mercado e a empresarialização da atividade econômica são

fatores que, paralela e conjugadamente, não só impulsionam um enorme acréscimo

do uso e da importância do instrumento contratual como contribuem para a sua

mudança de fisionomia. Por isso vimos (Parte I) que não há como estudar as

cláusulas contratuais gerais sem que seja feito, ao menos, a consideração jurídica

do econômico, uma vez que estas estão intimamente ligadas à exigência de plena

utilização da capacidade produtiva empresarial, responsável por assegurar a grande

movimentação econômica nacional e transacional.

A racionalização e a conseqüente redução dos custos de comercialização para a

empresa, a uniformização de procedimentos no âmbito administrativo, com reflexo

sobre o preço cobrado do adquirente final (consumidor ou não), a necessidade de

fornecimento de bens e serviços em grande escala, a necessidade de racionalização

e a redução dos riscos das empresas em suas relações com outras empresas e com

o consumidor final, a impossibilidade real de tratativas individuais entre o grande

fornecedor e todos os que necessitam dos bens e serviços são algumas dentre as

inúmeras razões da utilização das cláusulas contratuais gerais.

Cláusulas contratuais gerais não se confundem com os contratos de adesão, nem

são partes indispensáveis de um mesmo processo. A rigor, a fórmula contratos de

adesão é mais ampla, normalmente concluído por meio de cláusulas contratuais

gerais, mas pode acontecer que falte às cláusulas pré-formuladas o requisito da

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271

generalidade (ou da indeterminação) caso em que teremos o contrato de adesão

(estando presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez)

sem se poder falar de cláusulas contratuais gerais. Estas últimas são previamente

elaboradas, tendo em vista a celebração, no futuro, de múltiplos contratos, que

serão de adesão, mas tais contratos não deixarão de o ser, se faltarem às cláusulas

pré-formuladas os requisitos da generalidade e indeterminação. Os contratos de

adesão nem sempre conterão cláusulas contratuais gerais e nem sempre são

voltados à multiplicidade e à generalidade de contratantes.

São estipulações redigidas, prévia e unilateralmente, pelo predisponente, para

utilização reiterada em uma série indeterminada de futuros contratos singulares,

cujos destinatários limitar-se-ão a aceitá-las integralmente, sem nenhuma

possibilidade de alterar o seu conteúdo. Os intervenientes, subscrevendo-as ou

aceitando-as, como destinatários, assumem posições negociais. São pré-

elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha.

Voltam-se a um número múltiplo de contratos, a uma infinidade de operações de

fornecimento de mercadorias e serviços e a uma generalidade de pessoas, para

serem aceitas em bloco, sem possibilidade de alteração, tornando-se

individualmente eficazes na medida em que são integradas, de modo uniforme, em

um dado contrato de adesão. Ostentam, pois, as características da unilateralidade,

predisposição, generalidade, abstração, rigidez (Parte II, Capítulo 2) que não se

alteram quando incorporadas aos contratos individuais.

As cláusulas contratuais gerais não são normas jurídicas, mas originadas do ato de

autonomia privada do predisponente, sendo possível, para fins de interpretação,

uma aplicação analógica com aquelas. Antes da integração do contrato de adesão,

as cláusulas contratuais gerais existem juridicamente, sendo, inclusive, alvo de

possível controle abstrato e preventivo. Todavia, não podemos afirmar que estas

possuem, exclusivamente, natureza contratual. Para nós, as cláusulas contratuais

gerais possuem natureza mista, típica de ato normativo e de ato negocial, como

regulamento contratual abstrato que pressupõe validade, eficácia e interpretação

típicas.

Antes da sua integração ao contrato de adesão, as cláusulas contratuais gerais não

possuem natureza de negócio jurídico contratual. Nem por isso deverão ser

consideradas irrelevantes jurídicos. Somente atentos a estas peculiaridades é que

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272

será possível entendermos o modo peculiar de interpretação das cláusulas

contratuais gerais, que se diferenciam, por tais razões, do controle de um contrato

individual, constituindo a melhor fundamentação para o controle abstrato e para o

caráter objetivo que hoje predominam no direito das cláusulas contratuais gerais.

Estas, antes de estarem inseridas em um contrato, possuem eficácia jurídica, prova

que estão sujeitas a controle, e ainda, porque despertam a confiança dos

destinatários quanto aos seus aspectos.

Dentre as diversas formas de se coibir as cláusulas contratuais gerais abusivas,

foram descritos no trabalho as características gerais do chamado controle

administrativo, judicial e legislativo (ou de conteúdo).

Em relação ao controle judicial, ficou demonstrado que este, se puramente

individual, voltado a um número escasso de contratantes, será insuficiente. O

controle judicial (e administrativo) das cláusulas contratuais gerais deve obedecer as

suas características, em especial, a abstração, rigidez e uniformidade destas. O

controle judicial abstrato e homogêneo é o que se apresenta mais eficaz e o que

melhor atende as peculiaridades do instituto, mas que, infelizmente, tem se

restringido à tutela do consumidor. Se o direito processual é informado pelas

peculiaridades do direito material, o controle judicial das cláusulas contratuais gerais

não pode ser feito tendo em conta, tão somente, os aspectos pessoais do futuro ou

do atual contratante. Muitos erros são cometidos no dia-a-dia forense, justamente

pela desatenção dos operadores do direito às peculiaridades da relação jurídica

material, em face da qual é deduzido o pedido de tutela jurisdicional, com a

inadmissível fragmentação de um verdadeiramente abstrato e coletivo conflito.

No plano do controle de conteúdo, as cláusulas contratuais gerais deverão ser

consideradas abusivas quando promoverem o desequilíbrio significativo da relação

de equivalência entre direitos e obrigações de uma e outra parte, podendo motivar,

daí, controle preventivo e abstrato, como também um controle individual e concreto.

Essa patologia das cláusulas contratuais gerais não é fenômeno exclusivo dos

contratos de consumo, podendo aparecer também noutros contratos. E no Código

Civil de 2002 há vários dispositivos servirão de parâmetro para esta caracterização,

bem como os princípios da boa-fé, da justiça contratual e da função social dos

contratos. (Parte III, Capítulo 4).

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273

Os efeitos do reconhecimento desta abusividade dependerão do caso concreto, que

poderá variar entre a ineficácia, anulabilidade ou até nulidade das cláusulas

contratuais gerais.

Enquanto não inseridas em contratos individuais, não há dúvidas que as cláusulas

contratuais gerais deverão seguir as regras de interpretação típica, atendendo a

abstração, indeterminação e rigidez do fenômeno. As cláusulas são interpretadas

entre si mesmas, até porque não há, neste momento, relação jurídica subjacente.

Mas mesmo incorporadas aos negócios jurídicos, ainda que façam parte de um dado

programa contratual, ou que existam partes contratuais individualizadas, as

características das cláusulas contratuais gerais nos permitem concluir que o sentido

a ser atribuído a estas cláusulas não pode ser individual e divergente, mas constante

a todos os aderentes da categoria contemplada. Sendo composto por cláusulas

contratuais gerais, abstratas e rígidas, só pode valer, também nesta fase, uma

interpretação típica, aplicando-se critérios especiais que, de alguma forma,

respeitem estas características das cláusulas e busquem dirimir conflitos de

interesses reproduzindo a série de contratos em que são (e serão) inseridas. E para

que haja a constante interligação e comunicação dos programas constitucionais ao

programa contratual, também na interpretação das cláusulas contratuais gerais, a

boa-fé e a função social exercerão importante papel.

O art. 423 do Código Civil de 2002 em nada interfere com a interpretação típica

sugerida para as cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos de adesão,

querendo apenas significar que, dentre dois ou mais sentidos típicos, possíveis da

declaração, deverá o intérprete optar por aquele que se revele mais eficaz para que,

no conflito de interesses instaurado entre o estipulante e o aderente, o deste último

seja satisfeito. Trata-se de um auxiliar hermenêutico, presente em diversos

ordenamentos, radicado na idéia de que seria justo responsabilizar o predisponente

pelo conteúdo das cláusulas contratuais gerais por ele predispostas, introduzidas

unilateralmente no regramento contratual, sem influência da outra parte, cabendo-

lhe, portanto, suportar o risco de uma possível ambigüidade, como forma de

compensação, no sentido de que aquele que retira vantagens da predisposição,

deve igualmente suportar os incômodos ligados à falta de clareza das formulações

utilizadas.

REFERÊNCIAS

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