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Novo Código de Processo Civil Lei Maria da Penha STJ e a aplicação às contravenções penais Tópicos sobre a cobrança de alimentos Recuperação Judicial da Empresa Perspecvas para o futuro CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB Como fomentar o exercício da advocacia pro bono no Brasil? DEZEMBRO | 2015 Repositório Autorizado de Jurisprudência | STF Registro nº 049 INT-11 | TST – Registro nº 36/2010 | ISBN 978-85-8390-025-2

CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB Como fomentar o

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Repositório Autorizado de Jurisprudência | STF Registro nº 049 INT-11 | TST – Registro nº 36/2010 | ISBN 978-85-8390-025-2

AGOSTO| 2015

Novo Códigode Processo Civil

Lei Maria da PenhaSTJ e a aplicação às

contravenções penaisTópicos sobre

a cobrança de alimentos

RecuperaçãoJudicial da Empresa

Perspectivas para o futuro

CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OABComo fomentar o exercício da advocacia pro bono no Brasil?

DEZEMBRO | 2015

Repositório Autorizado de Jurisprudência | STF Registro nº 049 INT-11 | TST – Registro nº 36/2010 | ISBN 978-85-8390-025-2

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O dia 4 de novembro de 2015 fi cará mar-cado para sempre

na vida dos advogados como a data de publica-ção do novo Código de É� ca e Disciplina da OAB. No bojo desse novo regu-lamento foi incluído o ar-� go 301 que, felizmente, regulamenta a prá� ca da advocacia pro bono para pessoas � sicas no Brasil.

Vale lembrar, porém, que a discussão acerca da a� vidade da advocacia pro bono, está intrinse-camente ligada a nossa atual e dura realidade social, a qual carece de atenção e clama por dire-

trizes mais fi rmes e medi-das cria� vas para que possamos dar as devidas soluções aos problemas enfrentados.

Trata-se, portanto, de dis-cussão de extrema rele-vância, pois não há como deixar de considerarmos e tratarmos esse tema, ora decorrente de uma evidente necessidade social, e que agora regu-lamentado, certamente importará na mudança do rumo de nossas a� vi-dades.

Em todo esse contexto, podemos dizer que esta-mos em pleno gozo do

Estado Democrá� co de

Direito, por meio do

qual todos nós deve-

mos, naquilo em que

somos melhores, pro-

mover melhorias para o

bem-estar social. E, nesse

caso, qual seria a melhor

contribuição que um

colega advogado poderia

dar à sociedade se não

o exercício da advoca-

cia pro bono? Afi nal, o

exercício da profi ssão do

advogado é, para a nossa

sociedade, o verdadeiro

protagonista do acesso à

Jus� ça. Em outras linhas,

vale dizer que o exercício

da advocacia pro bono

pelos advogados possui

Advocacia pro bono no Brasil: ilicitude ou heroísmo?

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a mesma importância que, para os médicos, o socorro imediato de

algum indivíduo doente e desamparado.

Como sabemos, um médico, por sua é� ca e juramento, não pode

recusar, a quem quer que seja, socorro imediato em

situações de urgência e, nesse sen� do, de forma quase que emblemá� ca,

os advogados também não deveriam ignorar a

função social da profi s-são. Cabe à OAB, assim, regular e fomentar de

forma saudável esse � po de a� vidade, e não res-

tringir ou coibir quem a pra� ca.

Inclusive, sob essa ó� ca,

encontramos plena razão em ter sido o exercício da

advocacia resguardada pela Cons� tuição Federal de 1988, ao prever, no

Título IV (Da Organização dos Poderes), Capítulo IV

(Das Funções Essenciais à Jus� ça), no ar� go 1332,

que “o advogado é fi gura indispensável à adminis-tração da jus� ça, (...)”.

Afi nal, não se faz Jus� ça sem a intervenção e auxí-

lio de um advogado pre-parado e competente.

Ainda assim, é válido des-tacar que a nossa atual Carta Magna, em seu ar� go 5º, inciso XXXV, por meio do qual garante que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judi-ciário lesão ou ameaça a direito”, somente será possível de concre� zá-lo ao conjugá-la à prerroga-� va de que algumas a� -vidades são priva� vas da advocacia.

Dessa forma, para que possa ter esse acesso ao Poder Judiciário, somente será possível por meio de um advogado, pelo que devemos concluir que o advogado é essencial e indispensável ao acesso à jus� ça, pois não seria possível, por exemplo, postular em juízo, acerca de lesão ou ameaça a direito, sem o nosso auxí-lio. Ainda que tenham sido criados os Juizados Especiais, perante os quais é possível atuar sem a assistência de um advogado, é preciso observar que, para asse-gurar a efe� va e plena garan� a dos direitos pre-vistos em nossa atual Carta Magna, bem como na legislação infracons-� tucional, é essencial e imprescindível a atuação do advogado.

Inclusive, o exercício da advocacia é tão impres-cindível ao acesso à Jus-� ça que foi destacada sua indispensabilidade na Lei Federal 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Bra-sil (OAB), ao prever que: “Art. 2º – O advogado é indispensável à admi-nistração da jus� ça”, “§ 1º – No seu ministé-rio privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.”

O advogado tem como obje� vo primordial pos-sibilitar a defesa dos interesses de seu cliente, seja pessoa � sica ou pes-soa jurídica, seja perante a esfera judicial, como também perante a esfera extrajudicial, por meio da inves� dura que lhe é atribuída, assegurando, dessa forma, o acesso à Jus� ça e ao contraditório e à ampla defesa, possi-bilitando, desta forma, o pleno acesso à jus� ça. Nesse contexto, impor-tante destacar os ensina-mentos de José Afonso da Silva ao afi rmar que “A advocacia não é ape-nas um pressuposto da formação do Poder Judi-ciário. É, também, neces-

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sária ao seu funciona-

mento”.3

É certo dizer que, na

inves� dura de advogado,

tentamos e pensamos,

a todo o momento e em

nossa ro� na de traba-

lho, na possibilidade de

resguardar os interesses de nossos clientes em conformidade ao que é assegurado de direito, respeitando, sempre, nosso ordenamento jurí-dico vigente. Desta feita, percebemos que a advo-cacia é, sem dúvidas, caracterizada como “fun-ção essencial à Jus� ça” e não é possível garan� r o acesso à Jus� ça sem a atuação de um advogado.

Por outro lado, é conhe-cida a realidade brasileira na qual nem todos os jurisdicionados podem contratar e pagar um advogado para verem seus direitos serem res-guardados. De igual forma, sabemos que a máquina estatal é inefi -ciente e não concede o devido apoio a todos que precisam. A Defensoria Pública, apesar dos seus esforços, a� nge pequena minoria dos hipossufi -cientes e é incapaz de dar cabo a todas as deman-das jurídicas que surgem.

Afi nal, como podemos pensar em solucionar os problemas jurídicos afetos à grande parcela da sociedade, especial-mente em relação àque-les que não possuem

condições de pagar os honorários advoca� cios?

O acesso à Jus� ça àquele que não têm condições fi nanceiras de arcar com os custos rela� vos aos honorários advoca� cios é tema de suprema impor-tância que, inclusive, foi devidamente tratado por Cassio Scarpinella Bueno,4 nos seguintes termos:

(...) A preocupação aqui espelhada re-pousa, fundamental-mente, na criação de mecanismos para que todos os cidadãos, in-dependentemente de suas condições eco-nômicas ou fi nancei-ras, tenham acesso ao “serviço judiciário” no sen� do de que te-nham condições con-cretas de requerer a proteção judicial (a tutela jurisdicional) nos casos em que ela se faz necessária e indispensável. É nes-te contexto que sur-gem as defensorias públicas, as leis de assistência judi ciária gratuita e outras ini-cia� vas similares. O que importa desta-car, a este respeito, é

“Afinal, como podemos pensar em solucionar os problemas jurídicos afetos à grande parcela da sociedade, especialmente em relação àqueles que não possuem condições de pagar os honorários advocatícios?”

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que a marginalização destas pessoas do sis-tema judiciário signifi -ca, de uma só vez, sua marginalização do próprio sistema jurídi-co considerado como um todo, porque, sem adequada proteção jurisdicional, sem con-dições efe� vas de rea-lização concreta dos direitos é, até mesmo, di� cil de dis� nguir o plano do direito mate-rial de meras listas de-claratórias de direito. O problema que põe para o processualista, como forma de lidar também com estas realidades sociais e polí� cas, viabilizando que elas sejam reali-zadas no sen� do de tornadas realidade palpável, concreta, mediante a inter-venção e atuação do Estado-juiz.

Nesse contexto, temos que considerar que no Brasil, infelizmente, o acesso à Jus� ça ainda não é igualitário. Podemos destacar, segundo dados fornecidos pelo IBGE de 2011, que o Brasil � nha 16,2 milhões de cida-dãos abaixo da linha da pobreza,5 os quais, den-

tre outros mais, não con-seguiriam custear sequer as próprias necessidades básicas e, quiçá, o traba-lho de um advogado para que lhes assis� ssem junto ao Poder Judiciário.

No entanto, embora nosso país esteja repleto de problemas sociais e de difi culdades, não falta boa vontade dos nossos profi ssionais no intuito de resolver as carências sociais. Cada qual, seja médico, engenheiro, pro-fessor ou advogado, deve dar a sua parcela de con-tribuição para a solução dos nossos problemas, seja através do trabalho voluntário próprio ou através de apoio a ONGs e associações sérias.

No caso dos advogados, é necessário que haja uma plena conscien� zação de que a nossa função é cons� tucionalmente garan� dora da paz social e, por tal razão, não podemos nos furtar de apoiar as boas inicia� vas e, especialmente, aque-les que estejam desam-parados e injus� çados. Por outro lado, é neces-sário que a OAB regule e regulamente de forma adequada esse tema,

especialmente para que possamos garan� r tran-quilidade, seriedade e é� ca na maneira como são exercidas as inicia-� vas pro bono. O novo Código de É� ca é, por-tanto, um bom indício de que fi nalmente estamos caminhando na direção correta.

DO INÍCIO DA ADVOCACIA PRO BONO NO BRASILO exercício da advocacia pro bono no Brasil não é uma inicia� va nova e temos que conside-rar que, na advocacia, o altruísmo sempre esteve presente. Nesse sen� do, podemos destacar alguns advogados ilustres, tais como Luis Gonzaga Pinto da Gama, Rui Barbosa e Sobral Pinto como exem-plos de colegas que, no passado, atuaram de forma incisiva para a defesa dos mais necessi-tados e desamparados. O bom senso, à época, prevaleceu e seus fei-tos marcaram de forma incomparável a nossa profi ssão.

Lembramos, também, que em decorrência da

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campanha pela abolição da escravatura, a atua-ção de advogados como Luiz Gama, foi destacada por ter criado, através de uma estrutura jurídica adversa, rede de advo-gados e de organizações de solidariedade, que acabaram por es� mular e desenvolver inovado-ras estratégias de advo-cacia para a libertação de escravos africanos trazidos ilegalmente ao Brasil, bem como auxiliar escravos que tentavam comprar a sua liberdade. Hoje, não existe mais escravidão no Brasil – ou pelo menos não deveria exis� r – mas podemos garan� r que a falta de apoio jurídico àqueles que necessitam impac-tam de forma tão ou mais dolorosa ao sofrimento dos escravos que eram privados de sua liberdade na época imperial.

Ademais, sobre a prá� ca da advocacia pro bono no Brasil, merece des-taque a atuação de Rui Barbosa, que também par� cipou intensamente da campanha abolicio-nista ao lado de fi guras como Joaquim Nabuco. Rui Barbosa, como advo-gado, teve uma intensa

e fi rme atuação junto à Suprema Corte, desem-penhando papel notório, especialmente pela inter-posição de habeas corpus na defesa de dissiden-tes polí� cos, de ví� mas do arbítrio decorrente da sucessão de estados de exceção, e mesmo de pessoas comuns, em decorrência do sistema jurídico da Primeira República. Além disso, Rui Barbosa também recebia muita gente em sua casa, simplesmente para oferecer consultas jurídicas gratuitas, assim como Evandro Lins e Silva e Sobral Pinto, que tam-bém � nham o saudável e responsável hábito de oferecer consultas gratui-tas àqueles cidadãos que necessitavam.

Podemos observar, assim, que a atuação desses profi ssionais está predo-minantemente ligada à vontade de propiciar o acesso à jus� ça àqueles que não conseguiam ou que não possuíam con-dições de arcar com ver-bas honorárias, zelando, desta forma, pela garan-� a irrestrita e integral à defesa dos direitos fun-damentais, independen-temente do recebimento

“Ademais,

sobre a

prática da

advocacia

pro bono no

Brasil, merece

destaque a

atuação de

Rui Barbosa,

que também

participou

intensamente

da campanha

abolicionista

ao lado de

figuras como

Joaquim

Nabuco. (…)”

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de valores, sendo, por-tanto, desvinculada de qualquer cunho polí� co e/ou econômico, em prol do acesso à jus� ça.

É exatamente esse espí-rito e � pos de conduta que precisamos es� mular e fomentar ainda mais, sendo de fundamental importância a atuação da OAB na defesa daqueles que, por vontade própria, é� ca e sem interesses obscuros, decidem cum-prir com seu papel social. Para tanto, a advocacia pro bono não deve ser proibida ou restringida, mas sim regulamentada com bom senso e res-ponsabilidade social, nos limites e de acordo com a nossa Cons� tuição Fede-ral e com o próprio Esta-tuto da OAB.

O SURGIMENTO E DESENVOLVI-MENTO DO TERCEIRO SETOREm razão do crescimento e desenvolvimento de nossa sociedade, pode-mos destacar que com as inovadoras mudanças na esfera social e eco-nômica do país, � vemos o surgimento das a� vi-

dades de organizações denominadas por “não governamentais”, ONGs, as quais fazem parte do “Terceiro Setor da Econo-mia”, que ganharam lugar de destaque na prestação de serviços sociais nos úl� mos anos. A atuação dessas en� dades vincula-se, predominantemente, ao serviço assistencial de caridade que diz res-peito à convicção pessoal de cada voluntário, que se dedica a fazer o bem de forma gratuita aos demais.

Apesar das primeiras en� dades assistenciais fortes estarem ligadas à Igreja Católica, mais tarde essa convicção deixou lentamente o ambiente da religião e se expan-diu para o meio laico das organizações sociais.

De igual forma, seus fi ns também se ampliaram para englobar o respeito ao meio ambiente, a preservação da cultura, a prá� ca de a� vidades espor� vas, o amparo a pessoas com defi ciência ou determinada doença e seus familiares, entre outros.6

O Terceiro Setor cresceu, tornou-se robusto e hoje há poucas pessoas que não par� cipem ou auxi-liem de alguma forma esse � po de a� vidade. O trabalho voluntário, aliás, é exercido por mui-tos profi ssionais que ofe-recem de forma gratuita seu esforço às pessoas que dele necessitem sem condições de remunerá-lo. Exemplos diversos surgem: professores que dão aulas, médicos e den-

“O Terceiro Setor cresceu, tornou-se robusto e hoje

há poucas pessoas que não participem ou auxiliem de

alguma forma esse tipo de atividade. (…)”

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� stas que oferecem aten-dimento, nutricionistas que preparam cardápios e refeições etc.

Esses profi ssionais, por sua competência e dedi-cação põem à disposição das pessoas carentes aquilo que sabem fazer de melhor, tudo em prol de um mundo mais justo e igualitário. São, na grande parte das vezes, amparados por seus res-pec� vos Conselhos de Ordem que, se não pos-suem inicia� vas próprias de trabalho voluntário, incen� vam a par� cipação de seus profi ssionais em organizações e associa-ções sem fi ns lucra� vos.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)7 e o Conselho Regional de Far-mácia do Estado de São Paulo (CRFSP)8 são exem-plos de Conselhos Regio-nais que apoiam a prá� ca do trabalho voluntário, e a Ordem dos Advogados do Brasil, por sua rele-vância e força no cenário nacional, não pode fi car atrás.

É hora de mudar e fazer com que a OAB, mais uma vez, entre para a história

do Brasil como en� dade séria e preocupada com os nossos problemas sociais. É chegada a hora de juntos, fazermos a nossa parte; agora legi� -mados pelo novo Código de É� ca.

OUTRAS DIFICULDADES: A FALTA DE ESTRUTURA E SUCATEAMENTO DA DEFENSORIA PÚBLICAA bem da verdade, o apoio dos advogados não deveria fi car restrito ape-nas ao trabalho voluntá-rio direto, mas também à própria manutenção e expansão do Terceiro Setor, cujo formato com-porta grande estrutura dedicada às ações sociais, hoje organizadas e desen-volvidas de tal maneira que as an� gas associa-ções católicas sequer poderiam imaginar.

Apesar de toda estrutura dedicada à prestação de serviços assistenciais, ainda iden� fi camos gran-des gargalos de apoio e carências que persistem em diversas áreas. De

fato, não há plenitude em todas as ações; seja porque simplesmente ninguém oferece a assis-tência necessária, seja porque quem oferece e contribui com o seu tra-balho não possui estru-tura sufi ciente para aten-der a demanda.

É o segundo � po que, neste momento, merece nossa atenção, pois está relacionada à defi ciência enfrentada pelas Defen-sorias Públicas dos Esta-dos. Hoje, a demanda pelos defensores públicos é tamanha que verdadei-ros fi ltros foram criados para restringir o acesso, além, claro, de todos os problemas que natural-mente surgem em decor-rência da sua estrutura já insufi ciente. Assim, infe-lizmente, parte da popu-lação que mais necessita não consegue a� ngir o Judiciário – ou resolver seus problemas antes mesmo da judicializa-ção – especialmente pela falta de orientação e/ou auxílio necessário de um profi ssional do direito.

Somente para tomarmos como exemplo o Estado de São Paulo, o mais populoso do país, a

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Defensoria Pública do Estado conta com apenas 500 defensores, atuantes em 23 dos 645 municípios de São Paulo. O número médio de atendimentos em 2012 foi alarmante: três mil atendimen-tos por dia!9 O esforço sobre-humano realizado por esses profi ssionais, no entanto, não chega sequer a atender metade da população que neces-sita de assistência jurí-dica em todo o país. Em 2012, o Estado de Santa Catarina não � nha sequer defensores públicos, pois havia acabado de criar sua Defensoria por ordem do Supremo Tribu-nal Federal.

Apesar de sabermos que a Defensoria Pública não resolve e nunca resolverá todos os problemas jurí-dicos dos mais necessita-dos, é importante refl e� r-mos que a atuação dessa en� dade em nada confl ita com o conceito desenvol-vido pelas inicia� vas da advocacia pro bono. Afi -nal, ambas as inicia� vas são válidas e, somadas, trarão uma maior paz social e ajudarão a propa-gar jus� ça em nosso país, independentemente das condições econômicas ou

geográfi cas daqueles que mais precisam.

Não é demais registrar, também, que as Defenso-rias Públicas não podem e não deveriam re� rar do advogado aquilo que lhe é mais precioso: a sua verdadeira função social e inicia� va de poder e querer atuar em defesa de qualquer outro cida-dão ou causa que julgue ser de relevância ou, sim-plesmente, de sua simpa-� a é� ca e social.

A EXPERIÊNCIA PRO BONO NO BRASIL ATUAL: ILEGALIDADE OU HEROÍSMO?No cenário atual, ape-sar das adversidades, falta de apoio e de regu-lamentação adequada, não faltam profi ssionais advogados dispostos a ajudar e contribuir com a causa da advocacia pro bono. Advogados que dedicam grande parte do seu trabalho a serviço da sociedade e que o fazem, porém, sem qualquer for-malização ou reconheci-mento.

Tal circunstância se torna ainda mais grave se per-

cebermos que a a� vidade pro bono para pessoas � sicas somente agora está sendo regulamentada em nosso país, sendo que nos Estados de São Paulo e de Alagoas, essa prá� ca, em nosso sen� r, foi indevi-damente vedada, com sérios riscos ins� tucio-nais ao advogado que se preste ao auxílio gratuito de problemas jurídicos às pessoas � sicas.

Da forma como fora cons� tuída, chegamos à absurda constatação de que em um ato de solida-riedade – e cumprimento da sua tarefa social – o advogado poderia ter sua própria é� ca ques� onada e, inclusive, sofrer sérias sanções administra� vas da própria OAB!

Nesse sen� do, apesar de ter sido editada em 2002 pela Ordem dos Advoga-dos do Brasil – Seccional de São Paulo, a Resolução Pro Bono, que deveria ter o obje� vo principal de regulamentar o exercício da advocacia gratuita, trouxe grande limitação aos des� natários desse � po de atuação ao prever que o atendimento seria realizado, tão somente, para pessoas jurídi-

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cas sem fi ns lucra� vos, integrantes do Terceiro Setor, reconhecidamente desprovidos de recur-sos fi nanceiros. Dessa forma, a abrangência da advocacia pro bono foi até agora, antes do novo Código de É� ca, limitada aos des� natários indi-cados na Resolução Pro Bono, tendo sido vedada aos advogados a atuação gratuita para as pessoas � sicas.

Durante mais de uma década, vários advoga-dos de São Paulo atua-ram na “ilegalidade” e em desacordo com as próprias diretrizes da OAB-SP. Até então, auxi-liar de forma gratuita e voluntária qualquer cida-dão que � vesse urgência jurídica era considerado ato irregular e inade-

quado perante a Ordem.

Ilegalidade, porém, que

se transformou em pro-

fundo heroís mo e atos de

coragem, sobretudo para

aqueles que contrariam

incoerente e incons� tu-

cional regulamentação.

Sejam quais forem os

efeitos do novo Código de

� ca, precisamos ponde-

rar e garan� r que a oferta

de serviços gratuitos à

população carente (ou

qualquer outro indivíduo)

é direito e uma escolha

par� cular de cada advo-

gado. Diferente do Brasil,

país que ainda carece de

amadurecimento sobre

o tema, temos diversos

exemplos ao redor do

mundo de países mais

civilizados e conscientes

de suas responsabili-

dades.

A ADVOCACIA PRO BONO EM OUTROS PAÍSESNos Estados Unidos da

América, por exemplo,

a� vidade pro bono é

incen� vada pelas pró-

prias Bar Associa� ons,

correspondentes às sec-

cionais da Ordem dos

Advogados do Brasil.

A visão daquele país

sobre o tema é de que

a prestação de serviços

jurídicos às pessoas e

en� dades assistenciais

é essencial à própria

democracia, haja vista

que um dos pilares do

Estado Democrá� co é a

legalidade, que pode ser

adequadamente tutelada

através da Jus� ça e do

amplo acesso dos cida-

dãos ao Poder Judiciário.

“Sejam quais forem os efeitos do novo Código de Ética, precisamos ponderar e garantir que a oferta de serviços gratuitos à população carente (ou qualquer outro indivíduo) é direito e uma escolha particular de cada advogado. (…)”

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Em outra análise, impor-tante destacar que a a� vidade pro bono é, inclusive, requisito para admissão na New York State Bar Associa� on (NYSBA), que desde setembro/2012, exige dos candidatos a com-provação da prestação de 50 (cinquenta) horas de serviços pro bono para inscrever-se como advo-gado. Vinculado à NYSBA está o Department of Pro Bono Aff airs que concen-tra uma lista de volun-tários (pessoas � sicas, escritórios etc.) dispostos a auxiliar a população carente de New York a ter acesso à Jus� ça através da a� vidade pro bono. Criado em 1991, o Depar-tamento é respaldado pela Regra 6.1 das Regras de Conduta Profi ssional da NYSBA, que incen� va fortemente a par� cipa-ção dos advogados em a� vidades pro bono e a contribuir fi nanceira-mente com organizações que prestam serviços de assistência jurídica à população carente.

Podemos destacar, tam-

bém, que na Flórida a

a� vidade pro bono é

uma responsabilidade de

todos os advogados ins-

critos na Florida Bar, sob

a Regra 4-6.1 do regula-

mento interno. Uma boa

prá� ca dessa responsa-

bilidade corresponde a,

sem prejuízo do exce-

dente, prestação de 20

(vinte) horas anuais ou

uma contribuição anual

de, no mínimo, $350

(trezentos e cinquenta

dólares) a uma organiza-

ção que ofereça serviços

de assistência jurídica.

Ambos os Estados são

seguidos de perto por

outras seccionais esta-

duais nos EUA.

As incia� vas trazidas

pelos americanos com

relação a esse importante

tema nos causam certo

desconforto e nos trazem

a certeza de que estamos

indo na contramão do

caminho que deveria ser

seguido pela nossa classe

profi ssional. Enquanto lá,

em outros diversos paí-

ses, a advocacia pro bono

é requisito fundamental e

inafastável para o próprio

exercício da advocacia

privada, no Brasil tenta-

mos proibir as inicia� vas

de prestação de serviços

jurídicos gratuitos aos

indivíduos necessitados.

Já em Londres, a prá� ca do serviço pro bono é organizada pela Bar Pro Bono Unit, que reúne advogados/escritórios que se dispõem à prá� ca e seleciona casos de pes-soas que necessitam de assistência. Nos países de common law, o tra-balho do profi ssional do Direito é extremamente valorizado, diante do fato de que seus servi-ços são essenciais para o bom desenvolvimento da sociedade e para a redu-ção das desigualdades através de um Judiciário forte e bem organizado.

Na América La� na, porém, essa prá� ca infelizmente não tem sido implementada de maneira sa� sfatória. Com exceção do Chile, que recentemente criou a Fundación Pro Bono para ajudar a gerir a a� vidade, outros países não têm experiências tão sólidas. Nesse lapso, a Interna-cional Bar Associa� on redigiu, em 2008, a Pro Bono Declara� on in the Americas, com diretrizes sobre a prá� ca da a� vi-dade pro bono.10 O Brasil, por seu turno, pode sair na frente e desenvolver regulamentação sólida e

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séria a respeito do tema. É isso que se espera.

COMO FOMENTAR O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA PRO BONO NO BRASIL?Diante de tudo que já foi exposto, é inegável con-siderar a necessidade de es� mularmos o exercício da advocacia pro bono em nosso país. De fato, não podemos mais aguardar e é necessário unir forças para deliberar acerca da melhor forma de fomen-tarmos essa a� vidade. Inclusive, temos que con-siderar que a regulamen-tação da advocacia pro bono se fazia necessária para, também, evitar que eventuais atuações contrárias aos princípios é� cos da advocacia sejam propiciadas em razão de eventual proibição.

Por fi m, vale lembrar que as inicia� vas gratuitas dos advogados não trarão qualquer prejuízo ao pró-prio mercado da advoca-cia e à sustentabilidade dos profi ssionais do Direito, uma vez que os indivíduos benefi ciados pela a� vidade pro bono já não podem arcar com

os honorários que seriam devidos aos advogados e, mesmo se pudessem, não cabe à OAB limitar, res-tringir e coibir a vontade social e solidária de cada um dos seus membros.

Dessa forma, entende-mos que a proposta apre-sentada pelo Conselho Federal da OAB, no bojo do novo Código de É� ca, foi muito feliz e esclare-cedora para fi ns de regu-lamentação da a� vidade pro bono dos profi ssio-nais advogados.

Portanto, constata-se que: os advogados que se dedicam ao serviço assis-tencial pro bono não podem mais ser subme� -dos ao risco de sofrerem punições pelo respec� vo Conselho de É� ca e, em geral, serem generica-mente condenados por captação ilegal de clien-tela e concorrência des-leal.

Essa conduta repressiva causava enorme decep-ção e inibe os profi ssio-nais que queiram se dedi-car ou desejem pra� car a a� vidade pro bono e, também, algumas outras en� dades, como o Ins-� tuto Pro Bono, que, de

forma incansável, buscam regulamentar essa prá-� ca. O trabalho voluntá-rio do advogado vai além da mera esfera empresa-rial e concorrencial, pois diz respeito e contribui com a construção de uma sociedade mais igualitária e, sobretudo, à caridade e benevolência das pessoas que o prestam. A regula-mentação da a� vidade pro bono era necessária, justamente, para garan-� rmos a devida prote-ção aos bons advogados voluntários e, por outro lado, reprimir aqueles que, de má-fé, travestem seus serviços de “assis-tenciais” para cometer infrações é� cas e incom-pa� veis com a nossa nor-ma� va ins� tucional.

Não se pode presumir a má-fé de todos aqueles que dedicam parte de sua vida aos trabalhos de caridade. Afi nal, sabemos que juridicamente a má-fé deve ser provada, sendo esse corolário insculpido no nosso ordenamento jurídico cons� tucional e infracons� tucional.

Restringir a assistência jurídica pro bono apenas às en� dades do Terceiro Setor deixaria à mar-

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gem da Jus� ça dezenas de milhares de pessoas, latentes pelo auxílio de um advogado e, também, dezenas de milhares de advogados dispostos a

atendê-las, simplesmente

por suas convicções pes-

soais.

O exercício da advocacia

pro bono vai além de pura

caridade ou solidarie-dade: é a compreensão do verdadeiro papel do advogado na manuten-ção da democracia e da jus� ça no país.

Gustavo Gonçalves GomesSócio e Coordenador do Comitê de Responsabilidade Social

e advocacia pro bono da Siqueira Castro – Advogados

NOTAS:

1. Art. 30 – No exercício da ad-vocacia pro bono, e ao atuar como defensor nomeado, con-veniado ou da� vo, o advogado empregará o zelo e a dedicação habituais, de forma que a parte por ele assis� da se sinta ampa-rada e confi e no seu patrocínio.§ 1º – Considera-se advocacia pro bono a prestação gratuita, eventual e voluntária de servi-ços jurídicos em favor de ins-� tuições sociais sem fi ns eco-nômicos e aos seus assis� dos, sempre que os benefi ciários não dispuserem de recursos para a contratação de profi ssional.§ 2º – A advocacia pro bono pode ser exercida em favor de pessoas naturais que, igualmen-te, não dispuserem de recursos para, sem prejuízo do próprio sustento, contratar advogado.§ 3º – A advocacia pro bono não pode ser u� lizada para fi ns po-lí� co-par� dários ou eleitorais, nem benefi ciar ins� tuições que

visem a tais obje� vos, ou como instrumento de publicidade para captação de clientela.

2. Art. 133 – O advogado é in-dispensável à administração da jus� ça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profi ssão, nos limi-tes da lei.

3. José Afonso da Silva, Curso de Direito Cons� tucional Posi� vo, p. 596, 30ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

4. Cassio Scarpinella Bueno, Curso Sistema� zado de Direito Processual Civil, Teoria geral do direito processual civil, p. 81, 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

5. No� cia acessada em 17 de março de 2014, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,brasil-tem-16-2-milhoes-em-situacao-de-pobreza-extrema-aponta-ib-ge,714242,0.htm.

6. Para um panorama históri-co completo, ver car� lha do BNDES, disponível em h� p://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimen-to/relato/tsetor.pdf, acessada em 18 de março de 2014.

7. Ver reportagem disponível em http://www.cremesp.org.br/? siteAcao=Jornal&id=1825, aces-sada em 19 de março de 2014.

8. Ver reportagem disponível em h� p://portal.crfsp.org.br/comunicacao-principal/40-co-municacao/noticias/4228-po-pulacao-orientada.html, aces-sada em 19 de março de 2014.

9. Revista PRO BONO, Ins� tuto Pro Bono, 2013, p. 7.

10. Disponível em h� p://www.internationalprobono.com/resources/item.202075-Pro_Bono_Declara� on_in_the_Americas_English_language, acessada em 20 de março de 2014.

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