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Aula 01 - Civil 5 - Direitos Reais na coisa alheia de fruição e de garantia Introdução: para quem já está comigo há quatro semestres, vou começar repetindo palavras já conhecidas, mas em respeito aos novatos, bem como para que tais conceitos se fixem na memória dos mais antigos, vale a pena repetir: O Direito Patrimonial dispõe sobre as regras relativas à formação do patrimônio das pessoas, onde os particulares agem com grande liberdade, têm poder para fazer o que quiserem, e compreende praticamente todo o Direito Civil, exceto o Direito de Família. Como alguém forma seu patrimônio? Resposta: ao longo da vida , se relacionando com outraspessoas , através dos contratos , e se relacionando com as coisas , adquirindo propriedade . Assim, o nosso objetivo nesta vida é formar um patrimônio. Praticamente tudo que nós fazemos é movido por um interesse econômico- patrimonial, a fim de ganhar dinheiro. É por isso que a gente estuda, trabalha, etc. A gente não faz nada de graça. Perdoem-me os espiritualistas, mas eu acho que neste mundo competitivo todos nossos atos são movidos por um interesse patrimonial, inclusive nas doações, tanto que quando a gente dá um dinheirinho pro porteiro/zelador, por exemplo, a gente espera em troca que ele lave nosso carro, nos ajude com a feira, etc. Concordam? Reflitam! Eu não sou o dono da verdade, e acho que a maior função de um professor é fazer os alunos refletirem, reflitam, pensem então! Voltando ao Dir. Patrimonial, das relações das pessoas com outras pessoas cuida o Dir das Obrigações (ou Dir Pessoal), e a maior fonte de obrigação é o contrato . Já das relações das pessoas com as coisas cuida o Dir Real (ou Dir das Coisas), e o mais importante Direito Real é a propriedade . Celebrando contratos e adquirindo propriedade , as pessoas vão formando um patrimônio ao longo da vida, mas mesmo quando as pessoas ficam ricas, elas não param de trabalhar porque, após a morte, esperam deixar muito dinheiro para seus filhos. Da transmissão do patrimônio do morto para seus herdeiros cuida o Dir. das Sucessões, assunto de Civil 7, no final do curso. Percebam como o direito de propriedade e o direito de herança são fundamentais para o desenvolvimento de um país, pois são estes direitos que nos motivam a trabalhar, produzir e gerar riquezas por toda nossa vida.

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Direito das Coisas - Coisas Alheias

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Aula 01 - Civil 5 - Direitos Reais na coisa alheia de fruição e de garantia

           Introdução: para quem já está comigo há quatro semestres, vou começar repetindo palavras já conhecidas, mas em respeito aos novatos, bem como para que tais conceitos se fixem na memória dos mais antigos, vale a pena repetir:

            O Direito Patrimonial dispõe sobre as regras relativas à formação do patrimônio das pessoas, onde os particulares agem com grande liberdade, têm poder para fazer o que quiserem, e compreende praticamente todo o Direito Civil, exceto o Direito de Família.

            Como alguém forma seu patrimônio? Resposta: ao longo da vida, se relacionando com outraspessoas, através dos contratos, e se relacionando com as coisas, adquirindo propriedade.

            Assim, o nosso objetivo nesta vida é formar um patrimônio. Praticamente tudo que nós fazemos é movido por um interesse econômico-patrimonial, a fim de ganhar dinheiro. É por isso que a gente estuda, trabalha, etc. A gente não faz nada de graça. Perdoem-me os espiritualistas, mas eu acho que neste mundo competitivo todos nossos atos são movidos por um interesse patrimonial, inclusive nas doações, tanto que quando a gente dá um dinheirinho pro porteiro/zelador, por exemplo, a gente espera em troca que ele lave nosso carro, nos ajude com a feira, etc.

Concordam? Reflitam! Eu não sou o dono da verdade, e acho que a maior função de um professor é fazer os alunos refletirem, reflitam, pensem então!

Voltando ao Dir. Patrimonial, das relações das pessoas com outras pessoas cuida o Dir das Obrigações (ou Dir Pessoal), e a maior fonte de obrigação é o contrato.

Já das relações das pessoas com as coisas cuida o Dir Real (ou Dir das Coisas), e o mais importante Direito Real é a propriedade.

Celebrando contratos e adquirindo propriedade, as pessoas vão formando um patrimônio ao longo da vida, mas mesmo quando as pessoas ficam ricas, elas não param de trabalhar porque, após a morte, esperam deixar muito dinheiro para seus filhos. Da transmissão do patrimônio do morto para seus herdeiros cuida o Dir. das Sucessões, assunto de Civil 7, no final do curso. Percebam como o direito de propriedade e o direito de herança são fundamentais para o desenvolvimento de um país, pois são estes direitos que nos motivam a trabalhar, produzir e gerar riquezas por toda nossa vida.

Como se vê, o Dir. Patrimonial envolve o Dir das Obrigações (Civil 2 e 3), o Dir das Coisas (Civil 4 e 5), e o Dir das Sucessões (Civil 7). Só o Dir de Família está no Dir Civil mas não está no Dir Patrimonial. Realmente o Dir de Família é diferente, exige mais sensibilidade do jurista, veremos suas características no próximo semestre (Civil 6).

Em suma: o Dir. Patrimonial é a área do Dir Civil onde as pessoas se relacionam com as outras com grande liberdade, através dos contratos, e onde as pessoas se relacionam com as coisas, adquirindo propriedade, a fim de formar um patrimônio que será transferido a seus herdeiros após sua morte.

O Dir. Patrimonial é também conhecido como Autonomia Privada, pois a liberdade dos particulares é grande. Cada um de nós escolhe com liberdade o que deseja

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adquirir/vender/trocar e com quem deseja contratar. O Estado, o Poder Público, pouco interfere na vida particular das pessoas.

Espero assim tê-los situado, tê-los localizado dentro do curso de Dir Civil, esta que é a matéria mais extensa do curso de Direito, e na minha opinião a matéria mais importante, pois o Dir Civil é o nosso direito, é o direito das pessoas, dos cidadãos, de João, José e de Maria, desde antes do nosso nascimento até depois de nossa morte.

Pois bem, neste semestre, Civil 5, vamos concluir o Dir das Coisas ( = Dir Real), cujas normas tratam das relações das pessoas com as coisas.

O Dir das Coisas divide-se em:

a) direito real ilimitado: é o chamado “jus in re propria”, ou direito na coisa própria, que é a propriedade, o mais amplo, complexo e importante direito real, já estudado no semestre passado.

b) direitos reais limitados: são os chamados “jura in re aliena”, ou direitos nas coisas alheias, ou seja, nas coisas de propriedade dos outros. São vários os dir. reais limitados que nós vamos estudar este semestre, e que se subdividem em: 1) direitos reais de gozo ou fruição, 2) contratos com efeitos reais e 3) direitos reais de garantia.

O art. 1225 nos ajuda a conhecer os direitos reais em dez incisos. Acrescentem mais dois incisos neste artigo, a fim de conhecermos todos os direitos reais limitados:

- o inciso 7A, antes de penhor, que chamaremos de Direito Real de Preferência do Inquilino, previsto no art. 33 da lei 8.245/91;

- o inciso 10A, depois de anticrese, que chamaremos de Alienação Fiduciária em Garantia, prevista no Decreto Lei 911/69, e nos arts. 1361 a 1368 do CC. Não existe direito real sem previsão em lei, ao contrário dos contratos que podem ser criados pelas partes, que podem ser atípicos (art 425).

Os dez incisos do art. 1225, menos a propriedade, que já conhecemos, e mais os dois direitos reais que mandei acrescentar, somam onze assuntos para estudarmos este semestre. Os incisos 2 a 6 tratam dos direitos reais de gozo ou fruição, os incisos 7 e 7A são obrigações reais ( = contratos com efeitos reais) e os incisos 8 a 10A tratam dos dir. reais de garantia.

 

Aula 02 - Civil 5 - Direitos Reais na coisa alheia de fruição e de garantia (continuação)

Vimos na aula passada que nosso assunto este semestre serão os dez incisos do art. 1225, menos a propriedade, que já conhecemos, e mais os dois direitos reais que mandei acrescentar. Serão assim onze assuntos para estudarmos este semestre, que correspondem aos direitos reais limitados (o único direito real ilimitado é a propriedade). Estes onze assuntos estão divididos em três grupos: os direitos reais de gozo ou fruição,  as obrigações reais ( ou contratos com efeitos reais) e  os dir. reais de garantia.  

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Antes de começarmos a ver superfície (art. 1225, II), vamos tratar das características dos direitos reais limitados. São estas características que tornam os direitos reais mais fortes, mais seguros, mais importantes dos que os direitos pessoais (ex: uma hipoteca é superior a uma fiança; uma superfície é superior a uma locação, uma servidão predial é superior a uma obrigação de fazer, etc). Algumas destas características são conhecidas do semestre passado, pois são características também da propriedade, mas outras características são novas, vejamos:

1 – Sequela: vem do verbo “seguir”. Em linguagem popular sequela é consequência, resultado, então quem sofre um acidente fica com sequelas pelo corpo. Já em linguagem jurídica, sequela é a faculdade do titular do direito real de exercer o seu poder sobre a coisa, não importa com quem esteja a coisa. Orlando Gomes compara a sequela à lepra e afirma que o direito real adere à coisa como a lepra ao corpo do doente. Como a coisa objeto de direito real é individualizada, determinada, torna-se possível a perseguição (lembram do 475? Só dá pra fazer execução in natura pq a coisa é determinada). A sequela vem expressa no art. 1228, “in fine”: o titular do direito real tem o poder de reaver a coisa das mãos de qualquer pessoa que injustamente a possua ou detenha. Não só o proprietário, mas qualquer titular de direito real tem sequela sobre a coisa. (ex: A pede um empréstimo ao Banco e dá um terreno em hipoteca; se A não pagar a dívida, o Banco vai executar o terreno, mesmo que o terreno  tenha sido vendido por A para um terceiro; o direito do Banco adere à coisa, não importa com quem esteja a coisa; a relação é com a coisa, é real (res = coisa) e não pessoal; outro exemplo: eu tenho uma servidão predial de vista, de modo que no terreno da frente do meu edifício só se pode construir casa, eis que um novo proprietário resolve construir um edifício, não vai poder pois a minha relação é com o terreno, e não com o dono desse terreno, seja A, B ou C). Isso é sequela! Mas para a sequela valer contra todos (efeito erga omnes) é necessário a publicidade, que é uma característica que veremos no final da aula.

2 – Preferência: esta característica não se aplica a todos os direitos reais, mas apenas aos direitos reais de garantia - DRG. Os DRG são acessórios a uma dívida. Lembram da fiança? É aquele contrato acessório que não existe sem um contrato principal (ex: locação, mútuo) garantido pela fiança. Pois bem, os DRG servem para garantir as dívidas só que com mais segurança do que a fiança ou o aval, pois já sabemos que os Dir Reais são mais poderosos do que os Dir Obrigacionais (= Pessoais). E o que é preferência? É o privilégio de obter o pagamento de uma dívida com o valor do bem dado em garantia aplicado exclusivamente à satisfação dessa dívida. Ver 957 e 961 (obs: o crédito com hipoteca tem preferência sobre um crédito com fiança; já estudamos os privilégios creditórios em Civil 2, revisem este assunto).  Então, se um Banco empresta dinheiro a José e pede uma hipoteca ou penhor, tais bens hipotecados ou empenhados serão as garantias do Banco, e tais bens serão vendidos para satisfazer o Banco caso José não pague a dívida no vencimento. Voltaremos a este assunto após o 1º GQ.  

3 – Tipicidade: esta característica se aplica a todos os direitos reais. Não há direito real sem previsão em lei, por isso se diz que os DR são típicos, numerus clausus (= fechado). Já os contratos são numerus apertus, podem ser criados pelas partes (425).  Os DR são aqueles do 1225 com os dois acréscimos que eu fiz, ambos previstos em lei, um no próprio CC (a alienação fiduciária em garantia) e outro na lei de locação. Por que essa diferença entre os DR e os Dir Obrigacionais? Porque os DR são mais poderosos, têm efeito erga omnes (contra todos), por isso só a lei pode criá-los. Se João me deve dinheiro, eu não posso cobrar a dívida de José ou Maria, apenas de João pois o direito obrigacional é relativo. Já a minha propriedade sobre esta caneta eu exerço contra todos vocês, vocês todos tem que respeitar o meu direito real de propriedade sobre meus bens, é um direito absoluto (erga omnes).

4 – Elasticidade: é a qualidade dos DR que permite sua aquisição restitutiva. Exemplificando, vocês lembram que a propriedade é a soma de três faculdades:

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uso, fruição e disposição. Então no usufruto, o usufrutuário adquire o uso e a fruição da coisa, enquanto a disposição permanece com o proprietário (1394). Ao término do usufruto, o proprietário readquire as três faculdades.  Com o usufruto o direito do proprietário diminuiu, mas depois tornou a crescer ao término do contrato. A mesma coisa na superfície, que  é mais do que usufruto, então o superficiário adquire o uso, a fruição e uma parte da disposição. Só a “metade” da disposição é que permanece com o proprietário até o término da superfície. Os DR são assim elásticos, eles se comprimem e se expandem, feito uma sanfona. Veremos em breve usufruto e superfície.

5 – Publicidade: importante característica, junto com a sequela. Todo DR exige publicidade, a fim de que todos tenham conhecimento. Se a coisa é móvel, a publicidade se dá pelo uso. Mas se a coisa é imóvel, a publicidade se dá pelo registro no cartório de imóveis. Já falamos de registro no semestre passado, eu sei que vocês estão lembrados. Revisem registro de imóveis. Então propriedade imobiliária, superfície, usufruto, servidão predial, hipoteca, etc. só valem contra terceiros se estiverem devidamente registrados no cartório do imóvel (1227). Sem o registro não há publicidade e assim não se pode exercer a sequela. Para os móveis não há registro porque os bens móveis são muito variados e menos valiosos, mas para os imóveis o Estado criou um registro organizado a cargo dos Cartórios de Imóveis, que são cartórios particulares mas fiscalizados pelo Tribunal de Justiça. Os DR em geral são imobiliários. Dos doze que vocês conhecem, poucos se aplicam aos móveis: propriedade, penhor, alienação fiduciária e raramente usufruto. Os outros oito são direitos imobiliários.

Próxima aula: superfície.

 

Aula 03 - Civil 5 - Superfície

        Prevista no art. 1225, II e entre os arts. 1369 e 1377 do CC.

         A Superfície é o primeiro dos Direitos Reais Limitados que nós vamos estudar.

         Vocês sabem que a propriedade é o único dir. real ilimitado, e mesmo assim, modernamente, a propriedade não é mais tão ilimitada tendo em vista a função social da propriedade, o abuso de direito, os direitos de vizinhança, etc.

         Bem, a propriedade é a soma de três faculdade: uso, gozo e disposição (1228). Nos direitos reais limitados de gozo ou fruição nós temos, em geral, a transferência pelo proprietário a um terceiro de uma ou mais destas faculdades.  Por exemplo no direito real de uso se transfere o uso, no usufruto se transfere o uso e a fruição, etc.

         A superfície é o mais amplo direito real limitado pois, através dela, o proprietário transfere a um terceiro o uso, a fruição e quase a disposição do bem.

         Trata-se de um direito novo no nosso ordenamento que veio substituir a arcaica enfiteuse. A enfiteuse, prevista no velho CC, interessava à família Real (aos herdeiros de D. Pedro II) e à Igreja, tendo sido abolida pelo novo CC, que proibiu novas enfiteuses (art 2038).  Não confundam a enfiteuse, instituto ultrapassado de Direito Civil, com o aforamento, instituto moderno de Dir. Público, que vocês vão estudar em Dir. Administrativo. Muitos de nós, moradores de Recife, que vivemos perto da praia ou do rio ou do mangue, pagamos um foro à Marinha. Este

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aforamento público subsiste, a enfiteuse privada é que foi substituída pela superfície. As velhas enfiteuses permanecem até se extinguirem, novas enfiteuses é que estão proibidas.

         Pois bem, a superfície é um modo inteligente de exploração da propriedade imóvel urbana ou rural, para fins de, respectivamente, construção (nas cidades) ou plantação (no campo). (1369).

          A expectativa é a de que a superfície venha a diminuir a crise habitacional e agrária do país, estimulando os proprietários a cederem a terceiros o direito de morar e de plantar nos seus terrenos por prazo longo.

         Assim por exemplo, o herdeiro de uma fazenda que não tenha experiência para administrá-la, cede a alguém através de um contrato solene, via escritura pública, registrado no cartório de imóveis, o direito de produzir nas suas terras, mediante o pagamento de um aluguel.  Isto sempre pode ser feito por locação (arrendamento), mas por superfície (direito real) é mais seguro.

         Entre as vantagens para o proprietário se destacam a possibilidade de uso do subsolo, desde que não atrapalhe as atividades na superfície; assim nas áreas urbanas será possível o proprietário ceder a superfície para alguém construir um edifício, enquanto no subsolo o proprietário poderá explorar teatros e cinemas (ver pú do 1369).

         Outras duas vantagens para o proprietário: vê seu terreno conservado pelo superficiário, que o vigiará da invasão de terceiros; e ainda ao término do prazo da superfície, o proprietário, ou seu herdeiro, poderá ficar com as construções e benfeitorias, de regra sem indenizar o superficiário (1375).

         As vantagens para o superficiário são evidentes, afinal há muitas pessoas precisando de um lugar para morar nas cidades e de terras para produzir no campo; e a superfície, como de regra os direitos reais, perduram por décadas, transmitindo-se aos herdeiros, sem possibilidade de desistência do proprietário, afinal a relação jurídica que se estabelece é entre o superficiário e a coisa, diferente da locação ou arrendamento, que é um contrato entre pessoas.

         Espera-se que a superfície possa até aliviar o Poder Judiciário pois, sem dúvida, uma das causas da sobrecarga da Justiça é o inchaço das metrópoles, levando ao aumento das lides civis e penais; quando as pessoas moram amontoadas as pessoas brigam mais; se a superfície ajudar a manter o homem no campo, estará se contribuindo também para a diminuição da convulsão social, que sempre deságua no Judiciário.

         Só o tempo irá dizer se a superfície será usada pela sociedade e produzirá os efeitos desejados, mas pelo menos a previsão legal agora existe.

Veremos mais superfície nas próximas aulas.

 

Aula 04 - Civil 5 - Superfície (continuação)

            História: a superfície era conhecida do Direito Romano. Nosso país também conheceu no séc. XIX, até que o Código Civil velho a aboliu em 1917, e o novo Código de 2002 a ressuscitou.  Na Europa vários países admitem o direito real de

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superfície. Espera-se que o instituto venha diminuir a crise habitacional e agrária do Brasil neste séc. XXI, racionalizando o uso do solo urbano e contendo o homem no campo. A crise no campo (falta de estradas, ferrovias, água, sementes, armazéns, etc) traz as pessoas para as cidades, incha as metrópoles e provoca lides que sempre deságuam no Poder Judiciário, sobrecarregando a Justiça. Quanto mais amontoadas as pessoas vivem, mais tendem a brigar, por isso o êxodo rural é um problema judicial. O art. 5º, XXIII, da CF, determina que a propriedade atenderá sua função social, e a superfície é mais um modo de estimular o uso da propriedade, para que a terra rural e urbana não fiquem abandonadas.  A S é a separação do solo das benfeitorias (plantações e construções) em cima.

            Conceito de Orlando Gomes: superfície é o direito real de ter uma construção ou plantação em soloalheio (grifei). Lembrem-se que nós estamos estudando os dir. reais nas coisas alheias (jura in re aliena), porque o direito na coisa própria (jus in re propria) é a propriedade, já os direitos limitados deste semestre são nas coisas alheias, nas coisas dos outros. Eu não posso ter direito de superfície (ou servidão, usufruto, hipoteca, etc) no meu terreno, apenas no terreno dos outros, pois no meu terreno, se é meu,  o que eu tenho é propriedade.

            Voltando ao conceito, a S é o mais amplo direito real limitado de gozo ou fruição. O superficiário adquire o uso, a fruição e quase a disposição da coisa. Adquire o uso pois pode ocupar (tem a posse da coisa), adquire a fruição (ou gozo) porque pode explorar a coisa economicamente. E quase adquire adisposição porque pode, por exemplo, vender a superfície a terceiros, mas não pode dar destinação diversa ao terreno (art. 1374, ex: o proprietário cede a superfície da fazenda para agricultura, então o superficiário pode escolher se vai plantar cana ou soja ou milho, mas não pode decidir criar gado, pois pecuária e agricultura são coisas bem diferentes; escolher o que vai plantar estaria dentro do jus fruendi do superficiário, mas substituir agricultura por pecuária estaria mais próximo do jus abutendi pleno que só o proprietário tem).  

            A S está prevista no CC que traz um conceito legal do instituto no art. 1369. O conceito do código refere-se a “construção” em áreas urbanas, para fins de habitação, e a “plantação” em áreas rurais, incentivando a produção no campo. A lei 10.257/01 também dispõe sobre a S; esta lei é o Estatuto da Cidade, que vocês vão estudar em Dir. Administrativo.

            Espécies da S: de edificação (construção, habitação, urbana) e de plantação (rural).

Tempo da S: o CC exige superfície por tempo determinado, quanto tempo? Bem, vocês sabem que de regra os direitos reais são permanentes (duradouros), enquanto os direitos  obrigacionais são temporários (efêmeros). Assim, um arrendamento (locação) de uma fazenda pode até durar alguns anos, mas uma S de uma fazenda pode durar por décadas, cerca de trinta ou quarenta anos. Eu entendo que mais do que isso, mais do que uma geração, é exagero, afinal o art 1231 prescreve que a propriedade deve ser plena e exclusiva.

Na Bélgica o prazo máximo da S são cinquenta anos e na Áustria oitenta. O art 21 do referido Estatuto da Cidade permite que a S seja por tempo indeterminado, mas eu discordo, afinal não é da essência dos direitos reais limitados durarem para sempre. O que dura para sempre e deve ser plena é a propriedade (1231). Se alguém deseja adquirir a S de um terreno por oitenta ou cem anos, é mais razoável logo comprar o terreno porque depois desse tempo todo nenhum dos contratantes com certeza estará mais vivo.  

Limite: a S abrange parte do subsolo e o espaço aéreo do terreno razoáveis, úteis ao exercício, nos mesmos termos do nosso conhecido 1229. Mas não admite obra

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no subsolo, salvo se for expresso. Assim numa cidade, a S de um terreno não implica a S do subsolo, afinal ali o proprietário pode fazer uma garagem ou um teatro, enquanto o superficiário explora em cima um edifício (pú do 1369).

Construções e benfeitorias: com a S, as plantações e construções pertencem ao superficiário e o solo ao proprietário, mas ao término da S tais acréscimos (benfeitorias) passam, via de regra, ao proprietário, sem qualquer indenização ao superficiário (1375). O legislador sabiamente afastou a aplicação do 1219 e do 1255 para estimular a S. Lembram que eu já dizia isso a vocês, como o 1219 gera injustiças por admitir indenização por benfeitorias úteis sem autorização do proprietário? Vejam aulas do semestre passado. Na S este risco de injustiça está afastado.

Constituição da S: como se forma, como nasce, como se constitui a S? Por três modos:

a) contrato: o proprietário e o superficiário interessados celebram contrato de S, contrato solene via escritura pública, no Cartório de Notas (1369 e 215, § 1º), não podendo ser contrato por instrumento particular (redigido pelo advogado no escritório), muito menos verbal.  Tal escritura pública será depois registrada no Cartório de Imóveis, que é diferente do Cartório de Notas, já falamos disso no semestre passado.

b) testamento: José morre e deixa sua fazenda em superfície para João com a propriedade para Maria, fixando o prazo e o valor do aluguel pago pelo superficiário João para Maria. Este aluguel chama-se “canôn” e é facultativo (1370). João e Maria aceitam se quiserem, pois herança é como doação: é bom mas não é obrigatório. Qualquer dúvida no testamento, o Juiz decide, veremos isso em Civil 7. A sentença de partilha, no processo de inventário que apreciou o testamento do falecido José, será registrada no Cartório de Imóveis, pois não existe contrato, já que a S originou-se de um testamento.

c) usucapião: difícil na prática, pois se alguém tem a posse da construção ou da plantação, tem também a posse do solo, então com o tempo viria a adquirir a propriedade e não apenas a S do solo. Vai depender do animus do possuidor, se animus de dono ou animus de superficiário (ex: uma S celebrada por instrumento particular é nula, pois a lei exige instrumento público, mas passam dez anos e o superficiário permanece na coisa, vai terminar adquirindo a S pela usucapião, e pedir ao Juiz que assim declare por sentença – 1242).

Próxima aula: encerraremos superfície.

Aula 05 - Civil 5 - Transmissão de Superfície

a S se transmite a terceiros, ou por ato entre vivos, ou por “mortis causa” (1372). Se a transferência se dá entre vivos cabe exercer o direito de preferência para tornar plena a propriedade e extinguir a superfície. Esse direito de preferência é o nosso conhecido de Civil 3, vejam art. 513. Então se A da a B seu terreno em superfície, e A resolve vender a propriedade a C, A deve antes oferecê-la a B, para que B (que só tem a superfície) consolide a propriedade do terreno nas suas mãos; se é B que resolve vender a superfície a C (B pode vender a superfície a terceiros, isso faz parte do jus abutendi do superficiário), deve antes oferecer ao proprietário A, para voltar tudo para as mãos de A e extinguir o instituto (ver 1373, depois o 1231 que ressalta que a propriedade deve sempre ser plena e exclusiva; podemos concluir pelo 1231 que a propriedade é um direito tão complexo e absoluto, que a lei facilita sua manutenção nas mãos de uma só pessoa, admitindo-se  dir. reais na

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coisa alheia apenas como exceção). Na transferência da superfície a terceiros, por qualquer título, inter vivos ou mortis causa, gratuita ou onerosamente, não se pode pagar ao proprietário nenhuma taxa (pu do 1372; essa taxa existe no aforamento de Marinha e se chama laudêmio). O proprietário pode exercer a preferência, mas não pode cobrar um percentual sobre a venda feita pelo superficiário a um terceiro.

            Conteúdo da S: quais os principais direitos e deveres das partes no dir. real de superfície? Vejamos:

            - direitos do superficiário: 1) posse, uso e fruição do solo alheio, para construir ou plantar, na cidade ou no campo; 2 ) o dir de superfície pode ser alienado (vendido, doado, 1372) ou gravado (ex: fazer uma hipoteca), desde que pelo prazo máximo da superfície celebrada com o proprietário; 3) exercer a preferência se o proprietário quiser vender o imóvel a terceiros (1373).

            - deveres do superficiário: 1) utilizar o solo conforme contrato (1374; aqui está o jus abutendi do proprietário, então numa S para agricultura não se poderia usar a fazenda para pecuária ou criar camarão); 2) pagar o cânon (aluguel) ao proprietário se a S foi onerosa (1370); 3) devolver a coisa ao término do prazo; 4) conservar o imóvel, a construção, a plantação, inclusive proteger da invasão de terceiros; 5) pagar os tributos sobre o imóvel (1371); 6) dar preferência ao dono do solo caso queira transferir a superfície a um terceiro.

            - direitos do proprietário: 1) usar o restante do solo, inclusive o subsolo, desde que não atrapalhe as atividades na superfície (ex: garagem, teatro, boate, pú do 1369 e 1229); 2) receber o cânon se a S foi onerosa; 3) via de regra, direito às benfeitorias   ao término da superfície, ficando com as melhorias sem indenizar o superficiário (1375); 4) conservar a posse indireta e valer-se das ações possessórias para defender a coisa, na inércia do superficiário (1199).

            - deveres do proprietário: 1) não perturbar ou impedir a construção ou plantação no seu terreno; 2) dar preferência ao superficiário caso queira vender o imóvel a terceiros.

            Afirmo que as maiores vantagens para o proprietário fazer uma superfície são os três itens sublinhados acima; espero que com a divulgação da S, o instituto venha a ter aplicação prática.

            Diferenças para outros institutos:

            S x arrendamento (locação): 1) este é direito obrigacional, entre pessoas, enquanto a S é dir. real, muito mais seguro, solene e duradouro, com sequela e efeito erga omnes (ex: A arrenda sua fazenda a B por cinco anos, porém após dois anos A morre e seu filho C quer a fazenda de volta, vai então indenizar B e recuperar a terra; na superfície este risco não existiria, pois a relação não é entre pessoas, mas entre pessoa e coisa; o herdeiro do proprietário tem que respeitar a superfície pois o dir. real é erga omnes = absoluto); 2) existe direito de preferência na S, de modo que o superficiário pode se tornar dono da terra (1373), o que não existe no arrendamento; 3) a S pode ser gratuita (1370) e o arrendamento sempre é oneroso.

            S x enfiteuse: 1) o aluguel da enfiteuse (foro) é módico e invariável (678, velho CC), já o cânon da S tem um valor expressivo, devidamente corrigido ao longo dos anos; 2) a enfiteuse é perpétua (679), já a S é por prazo determinado, longo mas determinado, não é para sempre; 3) na enfiteuse paga-se uma taxa na transferência (686), o que não existe na superfície (pu do 1372).

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            S x usufruto: 1) usufruto é intuitu personae, intransferível inter vivos ou mortis causa, não podendo ser vendido ou deixado como herança; 2) o usufruto pode recair sobre móveis, a S é apenas imobiliária; 3) o usufruto é no máximo vitalício, enquanto a S pode ir além da vida do superficiário.

            S x propriedade: 1) o superficiário não pode dar destino ao solo diverso do acertado (1374) pois seu jus abutendi não é pleno; 2) se o superficiário morre sem herdeiros a S se extingue e não passa para o Município, como ocorre com a propriedade (1844).

            Extinção do dir. real de superfície: 1) decurso do prazo determinado do 1369; 2) abandono ou renúncia do superficiário; 3) resolução do contrato por descumprimento dos deveres das partes; 4) por um distrato; 5) pela confusão, quando por ex, o superficiário é filho do proprietário e herda o imóvel; 6) por desapropriação do imóvel (1376); 7) pela destruição da coisa (ex: o mar alaga a fazenda dada em superfície).

            Fim de superfície. Ótimo tema para a monografia do final de curso. Desenvolvam estas três aulas e divirtam-se!

Aula 06 - Civil 5 - Usufruto

            Numa ordem decrescente do direito real limitado de fruição mais amplo (superfície) para o mais restrito (habitação), usufruto está em segundo lugar, pois é menos do que superfície e é mais do que uso.

            Obs: observem que na ordem do 1225 eu pulei as servidões prediais, pois nas servidões não se destaca qualquer das faculdades do domínio; nas servidões não se destaca o uso, a fruição ou a disposição; bem, veremos servidões em breve.

            Então propriedade é uso + fruição + disposição; superfície é uso + fruição e parte da disposição; já usufruto é uso + fruição; uso é apenas uso e habitação é um mini-uso.

            Partes do usufruto: usufrutuário e nu-proprietário. Assim, numa coisa dada em usufruto ousufrutuário vai adquirir as faculdades de usar e fruir da coisa, enquanto o proprietário permanece com a disposição; como o proprietário fica despido da posse direta, administração, uso e fruição da coisa, ele é chamado de nu-proprietário, afinal a posse e o uso de uma coisa são mais visíveis do que a disposição; a posse que o nu-proprietário conserva é a posse indireta (lembram do 1197? Lembram da Teoria de Ihering do 1196? Para quem não lembra, acessem as aulas de Civil 4 que estão na internet).

            Conceito: usufruto é o direito real limitado de gozo ou fruição conferido durante certo tempo a uma pessoa, que a autoriza a ocupar a coisa alheia e a retirar seus frutos e utilidades (1394). É dir. real de gozo ou fruição, não é dir. real de garantia, nem é contrato com efeito real. O usufruto é mais amplo do que o uso e a habitação, e mais restrito do que a superfície.

            Tempo: usufruto é duradouro, o mais comum é o usufruto vitalício, enquanto viver o usufrutuário, pois o usufruto não se transfere, não pode ser vendido ou doado, nem inter vivos e nem mortis causa; o que pode ser cedido é o exercício do usufruto, mas não o direito real em si (ex: A dá a B uma fazenda em usufruto, mas B não sabe administrar, então aluga/arrenda está fazenda a C – 1393, 1399; esta “cessão do exercício” do 1393 se dá através de direito pessoal (locação,

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comodato), mas não através de direito real; o direito real de usufruto em si não se transfere).

            O usufruto pode ser hipotecado (dado em garantia a um credor) ? Não, pois quem não pode alienar não pode hipotecar (1420). A superfície pode ser hipotecada, pois já vimos que o superficiário pode alienar a superfície da coisa, o superficiário tem uma parcela do jus abutendi sobre a coisa, o usufrutuário não tem parcela da disposição, é só mesmo utendi e fruendi. 

            Usufruto é direito misto, pois incide sobre imóveis (ex: uma fazenda) e sobre móveis (ex: uma vaca/rebanho, da qual o usufrutuário pode explorar o leite e as crias). 1390, 1397.  O usufruto sobre imóveis, já sabemos, exige registro (1391), salvo no caso do 1689, I, quando é automático: este usufruto do direito de família se justifica para compensar as despesas que os pais têm com o sustento dos filhos, mas é muito raro, afinal poucos menores têm bens (Sandy e Junior?).  O usufruto sobre móveis se perfaz pela tradição (= entrega da coisa).

            Fundamento: a função moderna do usufruto é servir como meio de subsistência no âmbito familiar. Na prática hoje em dia nós só vamos encontrar usufrutos gratuitos e vitalícios no seio da família, com caráter alimentar ou para resolver problemas de partilha. É muito raro um usufruto oneroso, é melhor fazer uma superfície que tem mais vantagens. Ou se quiser uma coisa mais simples, é melhor e mais barato fazer uma locação ou comodato. Nosso CC é cheio de detalhes sobre usufruto que nós não vamos estudar por absoluta desnecessidade prática.

 Exemplos de usufruto na atualidade: 1) com caráter alimentar: um pai tem um filho desempregado/complicado, então dá a ele em usufruto gratuito e vitalício uma casa pra ele viver, e o filho poderá morar lá e alugar um quarto nos fundos a um terceiro, vender as frutas do quintal, etc.; 2) para resolver problema de partilha: um casal tem filhos e apenas um imóvel onde moram; o casal resolve se divorciar, com quem fica a casa? Sugestão: o marido sai de casa e o casal transfere a propriedade da casa para os filhos com usufruto gratuito e vitalício para a mãe; este é um acordo muito comum que se faz em divórcio; se os filhos crescerem e um dia quiserem vender a casa, vão vender com a mãe dentro porque usufruto é direito real, a mãe não pode ser obrigada a sair de jeito nenhum; chama-se isto de doação dos pais aos filhos em condomínio, com reserva de usufruto vitalício e gratuito para a mãe.   

            Extinção: o art 1410 traz os casos de extinção do usufruto, vamos comentá-los: I – extingue-se pela renúncia e morte, afinal o usufruto é intuitu personae e no máximo vitalício; é só a morte do usufrutuário que extingue o instituto, a morte do nu-proprietário não extingue, e seus herdeiros vão ter que respeitar o usufruto; II – alguma dúvida?; III – se a pessoa jurídica é usufrutuária, o prazo máximo são trinta anos; IV – ex: o filho atinge a maioridade e o pai perde o usufruto do 1689; V – se a coisa tinha seguro e foi destruída, o usufruto passa para a indenização, sub-roga-se na indenização, muda o objeto, de coisa para pecúnia, e o usufrutuário vai aplicar o dinheiro para ficar com os juros (= frutos civis = rendimentos, 1398), mas não com o principal (1407 e §§); VI – consolidação = confusão (ex: o pai dá a um filho o usufruto de um apartamento, então o pai morre e o filho herda o apartamento, consolidando nas suas mãos a propriedade plena, afinal direito real limitado na coisa própria é impossível); VII – o usufrutuário tem o dever de conservar a coisa, sob pena de resolução do usufruto; VIII – se o usufrutuário não usar a coisa, prescreve seu  poder sobre a coisa no prazo de dez anos do 205.    

            Fim de usufruto: próxima aula veremos uso e habitação.

 

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Aula 07 - Civil 5 - Usufruto (continuação)

            USO – É letra morta. É mais restrito do que superfície e usufruto e mais amplo do que habitação.  Historicamente era usado sobre escravos, mas modernamente não tem aplicação, e deveria ter sido suprimido pelo novo CC. 

            O usuário só tem o atributo do uso, do jus utendi,  da ocupação da coisa para o fim a que se destina. O usuário não pode fruir e nem dispor, mas tolera-se uma pequena fruição para consumo próprio, sem exploração econômica, sem comércio  (1412). Esta pequena fruição na verdade é um uso prático e varia de caso a caso (ver § § do 1412).  O § 2º é taxativo/exaustivo, não é exemplificativo, de modo que o rol das pessoas ali referidas não pode ser ampliado.

            Conceito de uso: é o direito real limitado sobre a coisa alheia que confere a seu titular a faculdade de, temporariamente, retirar a utilidade da coisa gravada.

            Em todo o resto, o uso se assemelha ao usufruto (1413) no que tange ao prazo, aplicação sobre móveis e imóveis, é intransferível, pode ser gratuito ou oneroso, etc .

            Já sabemos que o exercício do usufruto pode ser transferido (1393). E o exercício do uso? Com certeza não se pode transferir onerosamente (locação), porque aí haveria exploração econômica. Mas pode-se admitir a transferência gratuita, via empréstimo. Mesmo assim alguns autores discordam, pois o 1412 prescreve que o “usuário usará”, não se admitindo assim que um terceiro use, mesmo gratuitamente. O que vocês acham? Reflitam!

            Fica até difícil dar exemplo de uso, pois não se vê na vida moderna tal instituto.

 

            HABITAÇÃO – é o mais restrito dos direitos reais de gozo ou fruição. É um mini-uso, enquanto o uso seria um mini-usufruto. Embora mais restrito do que o uso, a habitação não é letra totalmente morta, pois existe uma aplicação prática para o instituto no art. 1831. O imóvel deve existir na herança, não sendo obrigação dos herdeiros comprá-lo, salvo se determinado em testamento pelo falecido. Veremos mais este assunto em Civil 7.

A habitação é assim mais útil modernamente do que o uso, pois serve para proteger vitaliciamente alguém, provendo-o de uma casa.

            Conceito: habitação é o direito real de uso gratuito de casa de morada, urbana ou rural. O titular vai residir com sua família em imóvel que não é seu.

            Então habitação é apenas para morar, sempre é gratuita, é intransmissível, personalíssima e não se aplica a móveis (1414). Percebam que pela redação do 1414, a habitação é um mini-uso e expressamente não pode ser cedida a terceiros, nem o exercício, muito menos o direito real em si.

            Próxima aula: servidão predial, assunto importante!

Aula 08 - Civil 5 - Servidão Predial

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            Servidão vem de “servitus”, que significa escravidão, submissão. E prédio em direito não significa edifício, mas sim imóvel, edificado ou não. De modo que em linguagem jurídica uma fazenda,   uma casa, um terreno,  etc. são exemplos de prédios. Servidão predial seria assim a submissão de um imóvel, tratando-se de assunto importante neste semestre, juntamente com superfície.

            A SP é um direito muito antigo, tão antigo quanto a propriedade, sendo conhecida dos romanos. Na SP não se destaca qualquer das faculdades do domínio (uso, fruição ou disposição), pois se trata de um limite ao domínio, semelhante aos nossos conhecidos direitos de vizinhança. Só que os DV são impostos pela lei para manter o bom convívio social (vide aulas do semestre passado) enquanto as SP são voluntárias, nascem da vontade das partes.

            Na SP teremos um prédio com uma vantagem, um benefício, sobre outro prédio, que sofrerá uma restrição, um ônus, de modo que os donos destes prédios vão poder explorar esta vantagem ou ser obrigados a suportar a restrição.

            O prédio com a vantagem chama-se prédio dominante e o prédio com a restrição chama-se prédio serviente, e seus donos é que vão se beneficiar ou prejudicar, afinal não existe relação jurídica sem sujeito. Existe sempre este binômio vantagem x restrição. Um imóvel vai servir a outro, beneficiando seus proprietários.

            Exemplos de SP: ilimitados, “numerus apertus”, a depender da necessidade e da criatividade das pessoas; as principais seriam servidão de vista, de ventilação, de passagem (ou de trânsito), de passar aqueduto, de retirar água, de retirar areia, de retirar pedra, de pastagem, de passar esgoto, etc.

            Então se A mora num apartamento perto da praia e quer garantir seu direito de vista ou ventilação sobre o mar, deve reunir o condomínio, procurar o proprietário do terreno da frente B e perguntar quanto ele quer para jamais construir ali um edifício. Pago o preço a B, A registra a servidão de vista no cartório de imóveis e curte a brisa para sempre (1378). Sem o registro em cartório a SP não vale contra terceiros, e equivale a uma obrigação de não-fazer (= direito pessoal, relativo, vinculado a duas pessoas, que não se exerce contra todos). É óbvio que o edifício de A vai ter que pagar por essa servidão, mas vão valorizar os apartamento. Já B vai receber uma quantia, mas vai restringir o uso do seu terreno da frente. Tratando-se de direito real, os futuros proprietários dos imóveis envolvidos vão para sempre se beneficiar ou se prejudicar, até que um novo acerto, um novo contrato, cancele a servidão, permitindo construções livres no terreno da frente (1387).  

            Conceito: SP é o direito real limitado, imobiliário, impessoal, acessório, indivisível, permanente, impresumível, que impõe a um imóvel um ônus (= uma restrição) em proveito de outro prédio, contíguo (= vizinho) ou não, de donos diferentes.

            Características e comentários ao conceito:

- É direito real limitado, pois o único direito real ilimitado é a propriedade.

- É imobiliário pois não incide sobre móveis, exigindo escritura pública e registro no Cartório de Imóveis.

- É impessoal pois se dá em favor do proprietário do prédio dominante, presente e futuro, prejudicando qualquer proprietário do prédio serviente.  É assim direito absoluto ( = erga omnes = que se exerce contra todos).

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- É acessório pois é um direito vinculado ao de propriedade, não podendo ser separado, de modo que quem adquire o prédio dominante adquire a vantagem, e quem adquire o prédio serviente tem que suportar a restrição. A servidão não se vende separadamente = inseparabilidade.

- É indivisível pois não se perde e nem se adquire por partes. Indivisível é o direito à servidão, mas as vantagens do seu uso podem ser divididas (ex: servidão de retirar água dividida por vários condôminos moradores do prédio dominante) 1386.

- É permanente pois dura anos, décadas, séculos, até ser cancelada, transmitindo-se inter vivos ou mortis causa aos novos proprietários dos terrenos. 

- É impresumível pois não se presume, na dúvida não existe servidão, na dúvida o que existe é propriedade plena (1231). Então se seu vizinho está acostumado há anos a atravessar o seu terreno como um atalho isso não se transforma em servidão de passagem, pois é mera tolerância/cortesia de sua parte que não gera posse, tratando-se de simples detenção do vizinho (1208, 1ª parte). Veremos na próxima aula como pode ocorrer excepcionalmente servidão por usucapião.

- É proveitosa pois a servidão pressupõe vantagem/utilidade para o prédio dominante, então por exemplo deve ser extinta uma servidão de retirar pedra se a pedreira se acabar (1378, 1388, II). Esta característica inclusive é o fundamento da SP. O que justifica a SP? O fato de tornar mais útil, mais agradável, mais valiosa, mais vantajosa a condição do prédio dominante.

- os prédios devem ser próximos, devem ser vizinhos, mas não necessariamente contíguos/limítrofes.

- finalmente, os donos têm que ser diferentes, pois é direito real na coisa alheia, restringe a propriedade de outrém, não sendo possível servidão predial na coisa própria (1378, 1389, I).       

            Formas de servidão: a depender da necessidade das partes e da característica dos prédios, a servidão pode consistir em 1) tolerar alguma coisa, é a servidão “in patiendo”, tem que ter paciência para suportar o vizinho passando, retirando areia, água, etc. 2) a outra forma é a servidão de abster-se de fazer alguma coisa, chamada “in non faciendo”, como por exemplo a servidão de não construir mais alto para manter a vista/ventilação do prédio dominante (1383). Observem que nunca cabe ao proprietário do prédio serviente fazer alguma coisa, sempre é suportar ou se abster em benefício do prédio dominante (1380 a 1382).

            Constituição: a SP se forma, via de regra, por contrato mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Imóveis. Também se admite por doação ou testamento (ex: A doa um terreno a B com servidão de passagem para o vizinho C). Admite-se também excepcionalmente SP pela usucapião, mas veremos isso na próxima aula.

 

 

Aula 09 - Civil 5 - Servidão Predial (continuação)

            Classificação:  as SP podem ser contínuas ou descontínuas, aparentes ou não-aparentes, vejamos:

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            - contínuas: são as servidões que dispensam ato humano de exercício, ou seja, subsistem continuamente, independente de alguma conduta humana fática, visível (ex: servidão de aqueduto, de passar esgoto, de ventilação/vista, são servidões que se exercem continuamente).

            - descontínua: é aquela que precisa ser exercida pelo proprietário do prédio dominante através da prática de determinado ato (ex: servidão de retirar água, areia, pedra, servidão de trânsito, de pastagem, etc).

            - aparente: se revela por alguma obra ou sinal externo (ex: o aqueduto, a tubulação do esgoto)

            - não-aparente: escapa à visão de terceiros, nada a identifica (ex: servidão de ventilação, de não construir mais alto).

            Saibam que esta classificação se combina entre si, de modo que as servidões contínuas podem ser aparentes (aqueduto) e não-aparentes (ventilação), como também pode haver servidões descontínuas e aparentes (servidão de trânsito por uma ponte) e descontínuas e não-aparentes (servidão de passagem a pé sem qualquer marca no caminho).

Todavia, de regra só as servidões contínuas e aparentes autorizam aquisição pela usucapião (1379). Então o simples atravessar o terreno do vizinho para encurtar caminho não é servidão, é mera tolerância, vimos isso na aula passada. Mas se A constrói um aqueduto no terreno de B, com o tempo A vai adquirir a servidão pela usucapião, afinal aqueduto é uma servidão contínua e aparente.

A jurisprudência também admite que uma servidão de trânsito (descontínua) se adquira pela usucapião caso o titular tenha realizado obras, como construir uma ponte ou pavimentar o caminho (aparente). Vide súmula 415 do Supremo: servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória. Qual o prazo? Dez ou quinze anos, a depender da boa-fé da pessoa, nos mesmos termos dos nossos conhecidos usucapião ordinário e extraordinário. O pú do 1379 exige vinte anos, mas eu entendo que bastam os quinze anos do 1238, e este pú do 1379 apenas repetiu o código velho (pú do 698) sem atentar para a redução do prazo da usucapião extraordinária feita lá em aquisição da propriedade.

Para admitir usucapião é imprescindível que a servidão seja aparente, pois as não-aparentes não ensejam posse, e sem posse não há usucapião.

Extensão: qual o limite das SP? A servidão se interpreta restritamente, de modo que na dúvida vai beneficiar o prédio serviente (1385). Então numa servidão de passagem a pé, não se pode transitar de carro (§§ 1º e 2º do 1385). Se o prédio dominante precisar de mais coisas do prédio serviente (ex: o aumento da boiada faz exigir mais capim na servidão de pastagem) deverá indenizar pelo excesso (§ 3º do 1385).

Extinção: as SP são permanentes, é possível até duram séculos (perpétuas?), mas a extinção pode se dar por vários motivos previstos no CC:

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a) desapropriação: se o Poder Público desapropriar o prédio serviente, a servidão se extingue e o proprietário do prédio dominante recebe parte da indenização para compensar a perda da vantagem. Se a desapropriação é do prédio dominante, a servidão também se extingue e a indenização deve levar em conta a valorização do prédio dominante.

b) renúncia: o proprietário do prédio dominante gratuitamente renuncia à servidão de modo expresso, lavrando-se em Cartório de Imóveis o cancelamento (1388, I). Sabemos que o proprietário pode renunciar à propriedade, quanto mais à servidão.

c) resgate: é a renúncia onerosa, ou seja, se na renúncia o proprietário do prédio dominante age por liberalidade, no resgate ele age por dinheiro, pois o proprietário do prédio serviente paga para recuperar a propriedade plena (1388, III); isso não pode ser imposto pelo prédio serviente, pois vai exigir acordo, da mesma forma que foi feito na constituição da servidão.

d) inutilidade: cessando a utilidade da servidão, cancela-se a restrição (1.388, II) ex: servidão de tirar pedra mas a pedreira se acabou; ex: servidão de passagem mas agora tem um caminho mais curto, melhor e público.

e) confusão: (1389, I) o proprietário do prédio dominante compra o prédio serviente, ou vice-versa.

f) pela extinção das obras (1389, II): ex: uma servidão de tirar pedra enquanto durar a construção de uma barragem no prédio dominante, assim concluída a barragem, cessa a servidão.

g) pelo não-uso: é o usucapião liberatório que se aplica às servidões descontínuas caso não utilizadas por dez anos (1389, III). Se deixa de usar por tanto tempo é porque deve ter perdido a utilidade, justificando-se sem dúvida a extinção. Numa servidão de vista (não-aparente) caso o dono do prédio serviente construa um edifício e o dono do prédio dominante não reclame por dez anos do início da construção, também se extinguirá a servidão.

h) pela destruição de qualquer dos prédios: o objeto do direito real é uma coisa, se esta coisa perece (ex: avanço do mar), extingue-se o direito ou a obrigação do dono da coisa.

 

 

Aula 10 - Civil 5 - Servidão Predial (continuação)

Nosso assunto este semestre são os direitos reais limitados, ou “jura in re aliena”, ou direitos nas coisas alheias, ou seja, nas coisas de propriedade dos outros. São onze os dir. reais limitados que nós vamos estudar este semestre, e que se subdividem em: 1) direitos reais de gozo ou fruição, 2) contratos com efeitos reais e 3) direitos reais de garantia.

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Já vimos os cinco direitos reais de gozo ou fruição: superfície, usufruto, uso, habitação e servidão. Veremos hoje os dois contratos com efeitos reais, ou contratos com obrigações reais.

A regra é um contrato produzir apenas efeitos/obrigações pessoais, e se resolver em perdas e danos quando descumprido (389, CC). O novo CC admite que os contratos em geral possam ter efeito real à luz do art 475, ao  prescrever que a parte lesada pode “exigir-lhe o cumprimento”. Bom, já falamos bastante disso em Civil 3, inclusive existe um comentário a esse artigo 475 no nosso site, confiram!

Então, se de um modo geral, todo contrato pode eventualmente ter efeito real, existem dois contratos que, pela sua importância, tem realmente efeito real, previsto expressamente em lei, que são a compra e venda de imóvel a prazo, e a compra pelo inquilino de imóvel  locado, vejamos:

1 – direito do promitente comprador, ou promessa de compra e venda com eficácia real, ou direito real de aquisição, são vários os nomes para o mesmo instituto: nós sabemos que a propriedade imóvel só se adquire pelo registro, então quando alguém compra uma casa, só será dono quando fizer o registro da escritura no Cartório de Imóveis, mesmo que já tenha pago o preço, ou mesmo que já tenha as chaves e a posse da casa (1227, 1245, § 1º). Imagine que alguém compre uma casa/apartamento a prazo, para pagar em cinco, dez, vinte anos, pois bem, após todo esse prazo, o comprador já morando no imóvel, já acostumado com a vizinhança, com os filhos estudando por perto, tendo realizado benfeitorias, etc, então após o pagamento integral do preço, o vendedor se recusa a fazer a escritura definitiva, optando por devolver o dinheiro ao comprador e recuperar o imóvel. Esta situação tem amparo na lei no art. 389 do CC novo e, principalmente no art. 1.088 do CC velho. Mas sem dúvida é algo injusto, por isso o legislador, através do Decreto Lei 58, de 1937, atribuiu efeito real ao contrato de compra e venda a prazo de imóvel, de modo que pago integralmente o preço, o vendedor fica obrigado a fazer a escritura definitiva, e se não o fizer, o Juiz fará no lugar do vendedor. Repetindo o problema: sempre que alguém compra um imóvel a prazo, faz uma escritura/contrato com o vendedor que se chama “promessa ou compromisso de compra e venda”, de modo que, pago integralmente o preço, o vendedor celebra com o comprador a escritura definitiva que será levada a registro no Cartório de Imóveis. Se tal promessa de compra e venda tiver uma cláusula de irretratabilidade ( = as partes não podem se arrepender) e se tal contrato for registrado no Cartório de Imóveis, uma vez pago todo o preço, o vendedor não pode se arrepender e terá que fazer a escritura definitiva, sob pena de adjudicação pelo Juiz. O referido DL 58/37 foi recepcionado pelo novo CC em dois artigos: 1.417 e 1.418. Observem que o 1.417 permite que a promessa seja feita por instrumento particular, dispensando a escritura pública, que só será exigida para o registro definitivo.

Entre 1917 (vigência do CC velho) e 1937 (vigência do DL 58) houve muita injustiça nesta questão, pois naquela época o país começava a desenvolver as cidades e muitos loteamentos foram feitos. As pessoas vinham do interior, adquiriam lotes nas cidades e passavam anos pagando, mas ao término do pagamento o vendedor preferia devolver o dinheiro e vender o lote a outro, pois com o crescimento das cidades tais loteamentos de início em lugares distantes, com o passar dos anos ficavam mais dentro das cidades e se valorizavam, sendo mais vantajoso para o vendedor devolver o dinheiro e revender a um terceiro.

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Após o DL 58/37 e agora com o novo CC, o comprador, registrando o contrato  do compromisso e pagando   integralmente o preço , se torna dono do bem que lhe foi prometido irretratavelmente à venda, independente de novo contrato definitivo de compra e venda, que se o vendedor se recusar a fazer, será feito pelo Juiz através da adjudicação (1417 e 1418).

Conceito: pelo direito do promitente comprador, o vendedor de imóvel fica obrigado a fazer a escritura definitiva após receber todo o preço, se no contrato   de promessa de compra e venda constar a cláusula de irretratabilidade e esse contrato   for registrado no Cartório de Imóveis.

Não esqueçam: o comprador tem que 1) incluir  a cláusula de irretratabilidade, 2) registrar o contrato do compromisso  e 3) pagar o preço todo para ter direito real à aquisição do imóvel.

O comprador fica assim com a posse e quase a propriedade, é só pagar as prestações todas ao longo dos anos que terá direito à escritura definitiva e ao registro. Se o comprador não pagar as prestações, o vendedor vai tomar o imóvel. O comprador fica responsável pelos impostos sobre o imóvel, e também pode hipotecar seu direito real de aquisição. Se durante o pagamento das prestações o vendedor morre ou aliena o imóvel a um terceiro, não tem problema, pois o direito do comprador se opõe erga omnes, o comprador poderá se valer da sequela e exercer seu poder sobre o bem, mesmo que o vendedor o tenha alienado. Se é o comprador que morre ou transfere seu direito a terceiros também não tem problemas, o sucessor poderá exercer o direito do antecessor.

Quem quiser saber mais sobre loteamentos, consulte a lei 6.766/79.

2 – direito real de preferência do locatário/inquilino: conceito: é o dir. real de preferência do inquilino na compra do imóvel locado, se o proprietário quiser aliená-lo. Este direito real visa facilitar a permanência do inquilino no lugar onde já mora ou trabalha. Então se A aluga uma casa/apartamento a B, e A resolver vender o imóvel a C durante o contrato, B terá direito de preferência caso o contrato de locação esteja averbado no Registro do Imóvel (vide arts. 27 a 34 da lei 8.245/91, especialmente o art. 33). O registro confere ao inquilino sequela sobre o imóvel, a ser exercida erga omnes. O proprietário deve dar ciência expressa ao inquilino através de carta com AR e o inquilino tem trinta dias para dizer se quer ou não exercer a preferência e comprar o imóvel. Se o proprietário não der ciência ao inquilino, este terá seis meses para pedir para si a adjudicação do imóvel, depositando em Juízo o preço do imóvel. Nesta hipótese, C vai buscar com A seu dinheiro de volta. Se o inquilino não quiser exercer a preferência, vai ter que desocupar o imóvel em até noventa dias, salvo se o contrato de locação for por prazo determinado, contiver cláusula de vigência em caso de alienação, e tal contrato estiver igualmente averbado no Registro de Imóveis (576, CC, e art. 8º da lei 8.245/91).

Bom, não vou mais me prolongar nestes assuntos afinal compra e venda e locação são contratos já estudados desde Civil 3.

Fim do assunto para o 1º GQ. Aguardo dúvidas e sugestões de vocês para as aulas até a prova. Se nada for requerido, a gente se vê na prova. Estudem e boa sorte! Usem meu e-mail apenas para dúvidas:[email protected]

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Aula 11 - Civil 5 - Direitos Reais de garantia

            Vamos começar hoje a terceira e última parte do estudo dos direitos reais limitados. Apenas relembrando a aula 1, os chamados “jura in re aliena”, ou direitos nas coisas alheias, ou seja, nas coisas de propriedade dos outros, se  dividem em: 1) direitos reais de gozo ou fruição, 2) contratos com efeitos reais e 3) direitos reais de garantia.

            Os três direitos reais de garantia clássicos, conhecidos dos romanos, são a hipoteca, o penhor e a anticrese. A alienação fiduciária é um direito real de garantia recente e muito utilizado hoje em dia. Estes quatro DRGs serão nossos companheiros neste final de semestre.

            O que é uma garantia? É uma segurança muito importante para o credor, pois aumentam as chances do credor receber aquilo que emprestou.

            Vocês lembram daquela frase, daquele raciocínio que eu gosto, e que reflete a essência do direito patrimonial privado: quando uma dívida não é paga no vencimento, o direito do credor mune-se de uma pretensão, e a dívida se transforma em responsabilidade patrimonial.

            Então se o devedor não pagar o credor, o credor vai se munir/vai se armar de uma pretensão, pretensão a que? A atacar, a executar, através do Juiz, o patrimônio do devedor para tomar seus bens e ser ressarcido.  E se o devedor não tiver bens? Ao credor só resta lamentar, é o chamado, em tom de brincadeira, “jus sperniandi”.

            Assim, para correr menos riscos, é prudente o credor exigir uma garantia do devedor para aumentar as chances do credor receber o pagamento em caso de insolvência do devedor.

            Esta garantia pode ser pessoal ou real. As garantias pessoais são o aval e a fiança. Aval vocês vão estudar em Dir Comercial/Empresarial e fiança nós já vimos em Civil 3.

            Quando a garantia é pessoal, uma outra pessoa garante o pagamento, mas o credor pode ter o azar do avalista/fiador também não possuir bens. Já quando a garantia é real uma coisa (ex: um imóvel, uma jóia, um carro) garante o pagamento caso o devedor não cumpra sua obrigação. Esta coisa é oferecida pelo próprio devedor e, via de regra, será vendida para satisfazer o credor, devolvendo-se o resto do preço ao devedor.  O direito do credor vai se concentrar neste bem do devedor (1419), mas caso não seja suficiente, outros eventuais bens do devedor serão executados (1430, 391, 942). A garantia real é assim mais segura para o credor do que a garantia pessoal, esta por sua vez já é melhor do que garantia nenhuma.  Eu digo que a garantia real é mais segura pois um imóvel, por exemplo, não pode desaparecer. Já uma jóia, como no penhor, fica com o credor, e se a dívida não for paga o credor vende a jóia que está consigo para se ressarcir.

            Conceito: direito real de garantia é aquele que confere a seu titular o privilégio de obter o pagamento de uma dívida com o valor do bem dado em garantia aplicado exclusivamente na satisfação dessa dívida.

 

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Características dos DRG:

            - é direito absoluto: como todo direito real, porque se exerce erga omnes = contra todos, desde que tenha publicidade com o devido registro no cartório de imóveis (1227).

            - é direito solene: o contrato tem várias formalidades do 1424; chama-se de especialização tal solenidade para identificar/especializar com precisão a dívida e a coisa dada em garantia.

            - é direito acessório pois o principal é a dívida que o DRG garante; a nulidade do DRG não anula a obrigação principal, o contrário sim (art. 184).

            - é típico porque exige previsão legal.

            - tem sequela, assim o credor pode perseguir o bem para executá-lo, não importa com quem o bem esteja (ex: se A pega um empréstimo e dá uma fazenda em hipoteca a um banco, e depois A vende a fazenda a B, o banco poderá executar a fazenda de B caso A não pague a dívida, 1475).

            - tem preferência: esta é uma característica exclusiva dos DRGs, que não encontramos nos direitos reais de gozo ou fruição. A preferência é o privilégio de ter o valor do bem dado em garantia aplicado prioritariamente à satisfação do crédito (1422). O direito real fica ligado à dívida. Quando estudamos os privilégios creditórios, vimos que os créditos reais tem prioridade no pagamento (961), mas não se esqueçam de que os créditos alimentícios, trabalhistas e tributários tem preferência sobre os créditos civis (pú do 1422). Revisem concurso de credores (Civil 2) pois é assunto importante e interessante para a monografia de final de curso, inclusive com as modificações recentes que a nova lei de falências trouxe, e que vocês vão estudar em Direito Comercial.

            - é vedado o pacto comissório: o credor com garantia real não pode ficar com o bem, deve vendê-lo caso a dívida não seja paga, devolvendo-se eventual sobra ao devedor; o pacto comissório é proibido por norma imperativa para impedir que o credor simplesmente alegue que a coisa dada em garantia vale menos do que o débito, por isso o credor deve vendê-la  (1428); porém admite-se que após o vencimento haja dação em pagamento por iniciativa do devedor e aceite do credor (pú do 1428 e 356).

Aula 12 - Civil 5 - Teoria Geral dos Direitos Reais de Garantia (continuação)

            Distinção entre os DRGs e os Direitos Reais de Gozo ou Fruição

            - os direitos reais de gozo ou fruição são autônomos, têm vida própria, têm existência independente, enquanto os DRGs são acessórios, só existem para garantir uma obrigação principal. Extinguindo-se a dívida pelo pagamento, os DRGs extinguem-se sem sequer produzir seus efeitos.

            - os DRGs têm tensão: trata-se do poder do credor de afrontar o devedor, ameaçando executar/vender a coisa dada em garantia caso a dívida não seja paga. Lembrem-se que o credor não pode ficar com a coisa pois o pacto comissório é expressamente vedado (1428). O devedor fica sob tensão de ser executado/processado e ter seu bem penhorado/vendido para satisfazer o credor. O credor tem assim jus vendendi, direito de vender a coisa dada em garantia caso o devedor não pague a dívida. Enquanto o DRG tem tensão e jus vendendi, o dir real

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de gozo ou fruição destaca uma das faculdades do domínio sobre a coisa alheia: o jus utendi, o jus fruendi ou o jus abutendi.

            - no direito real de fruição a posse da coisa sempre se transfere ao titular do direito real sobre a coisa alheia, então a posse sempre se transfere ao superficiário, usufrutuário, etc. Já nos DRGs a posse em geral não se transfere ao titular do direito, como no caso do credor hipotecário, do credor anticrético, do credor fiduciário e em algumas espécies de penhor (pú do 1431).  Salvo no penhor comum (1431), o titular do direito real de garantia sobre a coisa alheia  só assume a posse da coisa após o vencimento, para fins de execução e venda.  

            - o credor/titular do DRG tem direito ao valor da coisa para exercer o jus vendendi; já o titular do direito real de fruição tem direito à substância da coisa, ou seja, à coisa em si para exercer o jus utendi ou fruendi ou abutendi; lembro apenas que, excepcionalmente, na anticrese o credor não vai exercer o jus vendendi, mas sim o jus fruendi como compensação da dívida (1423 e 1506).

            Objeto dos DRGs: no penhor apenas móveis; na anticrese apenas imóveis; na hipoteca também apenas imóveis, com exceção para navios e aviões, face a seu valor e tamanho (pú do 1473); na alienação fiduciária tratada pelo CC apenas móveis (1361), mas existe uma lei 9.514/97 que dispõe sobre a alienação fiduciária sobre imóveis.

            Princípios dos DRGs:

            - só aquele que pode alienar é que pode dar em garantia (1420, 1ª parte); é por isso que já dissemos que o superficiário pode hipotecar, mas o usufrutuário não; o incapaz não pode dar em garantia; o cônjuge só pode dar em garantia com a autorização do outro cônjuge, pois embora tenha capacidade, lhe falta legitimidade (1647, I); o condômino pode dar em garantia sua fração ideal (§ 2º do 1420).

            - só as coisas que estão no comércio é que podem ser objeto de garantia real (1420, in fine), assim não podem ser dados em garantia os bens públicos e os bens gravados com cláusula de inalienabilidade (veremos isso em Civil 7, art 1911).

            - princípio da indivisibilidade: a garantia não se adquire e nem se perde por partes, ou seja, o pagamento de parte da dívida não implica em exoneração de parte da garantia, salvo acordo entre as partes (ex: A pede cem a um banco e oferece duas casas em garantia hipotecária, de modo que o pagamento de cinquenta não implica em liberação da hipoteca sobre uma das casas, salvo expresso acordo entre as partes, 1421).

            - princípio da garantia pessoal/patrimonial: se a coisa dada em garantia não for suficiente para satisfazer o credor, outros eventuais bens do devedor serão executados (1430, 391). Ressalto apenas que o credor tem preferência apenas sobre a coisa dada em garantia (1422, 958), pois em executando outros bens do devedor, seu crédito será quirografário, sem privilégio algum (957).  Não deixem de revisar concurso de credores.

            Antecipação de vencimento da obrigação: há situações na lei em que se permite a execução antes do vencimento da dívida, quando, por exemplo, o devedor entra em dificuldades financeiras (1425, II), ou a coisa dada em garantia se deteriora ou é desapropriada (1425, I, IV e V). O 1425 é semelhante ao 333. Sem dúvida a preservação do bem é a preservação da garantia. Cabe ao credor o ônus de provar a circunstância que levou à diminuição da garantia. 

            Próxima aula: penhor.

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Aula 13 - Civil 5 - Penhor

            A palavra penhor vem do latim “pignus”, por isso se diz credor pignoratício o credor que tem uma coisa empenhada como garantia. Não confundam penhor com penhora; penhor é direito real de garantia; penhora é ato do oficial de justiça no processo de execução, assunto que vocês vão estudar em processo civil; a coisa objeto de penhora se diz penhorada, e a coisa objeto de penhor se diz empenhada.

            Conceito de penhor: direito real de garantia sobre coisa móvel alheia cuja posse, no penhor comum, é transferida ao credor, que fica com o direito de promover a sua venda judicial e preferir no pagamento a outros credores, caso a dívida não seja paga no vencimento (1431).  A hipoteca, que veremos na próxima semana, incide sobre imóveis e a posse da coisa hipotecada fica com o devedor.

            Observem que o penhor só incide sobre móveis (ex: jóias, máquinas, animais, veículos) e que a posse da coisa, no penhor comum (ex: jóias), se transfere ao credor antes logo do vencimento. Já no penhor especial (ex: máquinas, animais, veículos), a coisa móvel permanece com o devedor, como na hipoteca, e só passa para o credor vender se a dívida não for paga (pú do 1431). No penhor comum, paga a dívida, o credor devolve o bem ao devedor.  O penhor especial (como a hipoteca e a alienação fiduciária) tem esta vantagem, de não desapossar o devedor de seu bem dado em garantia. O devedor obtém o empréstimo e ainda conserva a garantia consigo.

            O penhor, como toda garantia, tem importância social pois estimula o credor a emprestar, e quanto mais dinheiro na economia mais os consumidores se equipam, mais as lojas vendem, mais as fábricas produzem, mais os empresários lucram, mais empregos são gerados e mais impostos são arrecadados. Enfim, todos ganham e o crédito deve ser protegido para estimular o desenvolvimento social e econômico de qualquer país. Não tenham “pena” de devedor, tenham respeito pela importância do crédito.  Proteger o devedor é desestimular o credor a emprestar, e sem dinheiro a economia não funciona.

            Em nosso país é a Caixa Econômica Federal que tem o monopólio do penhor comum, e quem mais procura o “prego” ( = nome popular do penhor) são as mulheres para empenhar alianças, pulseiras e colares. A Caixa avalia a jóia e empresta 80% do valor da jóia, cobrando juros mensais até o efetivo pagamento da dívida. (Fonte: Revista Veja de 02.03.05). Os juros do penhor são menores do que os do cheque especial ou do cartão de crédito. Vale a pena!

            A coisa empenhada pode ser oferecida pelo devedor ou por um terceiro, assim nada impede que um amigo empreste uma jóia para alguém empenhar e obter um empréstimo. Mas este amigo não é co-devedor, de modo que o 1430 não incide sobre ele.

            Espécies de penhor:

            1 – Penhor comum ou convencional: é o penhor de jóias feito na CEF conforme já dito acima; celebra-se por contrato com as  formalidades do 1424, e registro no Cartório de Títulos e Documentos (1432). Não exige escritura pública, de modo que tal contrato pode ser feito por instrumento particular, ou seja, no escritório do advogado. No penhor comum a publicidade do penhor se dá pela transferência da posse ao credor, pois a coisa empenhada fica com o credor.

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            Direitos do credor pignoratício: adquire a posse da coisa empenhada, e pode retê-la e executá-la para vendê-la judicialmente até ser ressarcido do valor emprestado (art. 1433)

            Deveres do credor pignoratício: guardar a coisa como depositário, conservando-a e devolvendo-a ao proprietário após o pagamento da dívida; deve também o credor entregar ao devedor o que sobrar do preço da coisa, na hipótese de sua venda judicial para pagamento da dívida. (Art. 1435).

            Direitos e obrigações do devedor pignoratício: se opõem aos direitos e deveres do credor. O devedor conserva a propriedade e posse indireta da coisa empenhada até pagar a dívida.

            2 – Penhor legal: não depende de contrato, como o penhor convencional, mas sim é imposto pela lei nas hipóteses do art. 1467. Então o dono do hotel pode vender judicialmente a bagagem do hóspede para se ressarcir de eventuais diárias não pagas; é por isso inclusive que o preço das diárias fica exposto publicamente, muitas vezes acima do preço efetivo cobrado, afinal o hoteleiro está lidando com estranhos (vide 1468); idem o locador pode se apossar dos móveis do inquilino para se ressarcir de eventuais aluguéis não pagos (1469).

            O penhor legal é justo mas é polêmico, e deve ser feito sem violência, com ordem do Juiz, salvo situações de emergência, autorizando a lei excepcionalmente o penhor com as próprias mãos, mas repito sem violência (1470 – este artigo autoriza a justiça com as próprias mãos, mas se justifica pela ética e interesse econômico de proteger o credor). Nesta hipótese de penhor extrajudicial, o credor deverá imediatamente comunicá-lo ao Juiz, pois antes da homologação judicial o credor só terá detenção dos bens empenhados (1471).

            Demais espécies de penhor: próxima aula.

Aula 14 - Civil 5 - Espécies de penhor (continuação)

1 – Convencional

2 – Legal

3 – Penhor Rural: subdivide-se em agrícola e pecuário; o penhor agrícola incide sobre culturas e plantações (1442) e o penhor pecuário sobre animais domésticos (1444). Ambos exigem contrato solene (1424), seja particular ou público, registrado no Cartório de Imóveis do lugar da fazenda (1438). A posse da coisa empenhada permanece com o devedor, o que é uma grande vantagem para o devedor, como na hipoteca, e ao contrário do penhor convencional. O devedor fica assim utilizando os bens empenhados e usa o dinheiro para melhorar sua produção, trazendo progresso para o campo. É por isso que não se pode depois ter pena do devedor: ele usou o dinheiro do credor para gerar emprego e renda, e se por má-fé ou incompetência não obteve o resultado esperado, precisa pagar a dívida  e ter seus bens executados. Muitas vezes o devedor alega a “crise”, ou a “seca”, para justificar sua inadimplência, mas tais fatores sempre existiram e nunca impediram empresários mais capazes de se desenvolver. Proteger o devedor, como já disse, é prejudicar os bons pagadores e é frustrar o credor, que na próxima vez deixará de emprestar, ou vai  cobrar juros mais altos, ou exigir mais garantias, e sem crédito não existe progresso, perdemos todos.

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4 – Penhor Industrial: é o das máquinas e demais objetos do 1.447. Interessa ao Direito Comercial. Existem muitas normas, decretos e portarias regulamentando o penhor especial, que só vale a penas vocês conhecerem caso queiram se especializar neste assunto.

5 – Penhor Mercantil: é o das mercadorias depositadas em armazéns, conforme p.ú. do 1.447. Exige registro no Cartório de Imóveis do lugar do armazém (1.448).

6 – Penhor de direitos e de títulos de crédito: incide sobre o direito autoral ou sobre um cheque ou uma nota promissória (1451). Então o proprietário intelectual de obra autoral pode empenhá-la, afina o direito do autor, embora incorpóreo, também integra o patrimônio das pessoas. E tudo que é alienável é empenhável. Já vimos Direito do Autor no semestre passado, outro ótimo tema para a monografia de final de curso. O penhor de direitos exige registro no Cartório de Títulos e Documentos (1452). Já o penhor de título de crédito se perfaz pela tradição do título ao credor (1458).

7 – Penhor de veículos: é novidade do CC e é mais um instrumento para aumentar a venda de veículos, juntamente com o leasing, a venda com reserva de domínio e a alienação fiduciária (1461). Aplica-se também a caminhões, lanchas, etc. Já navios e aviões sujeitam-se a hipoteca, que veremos na próxima aula. Na prática a alienação fiduciária é mais utilizada por ser melhor para o credor, como veremos em breve. O penhor de veículos exige anotação no documento do veículo (1462). O art. 1463 traz uma determinação que deveria ser extensiva ao leasing e à alienação fiduciária, afinal já sabemos que o contrato de seguro é importante por dividir por muitos o prejuízo imposto a alguém pelo destino. A falta de seguro representa um grande problema para o devedor caso o veículo venha a sofrer um roubo ou acidente, pois o devedor fica sem o bem e ainda tem que pagar a dívida.

            Extinção do penhor: vejamos o art. 1436 e mais outras duas hipóteses:

            I – o penhor é direito acessório, assim a extinção da dívida, ou sua anulação, implica na extinção da garantia; se a dívida prescrever se torna obrigação natural, até pode ser espontaneamente paga (lembram?), mas a garantia se extingue.

            II – perecendo a coisa: a garantia consiste numa coisa que, se perecer, extinguirá a própria garantia (ex: jóia empenhada que é roubada na Caixa; o banco perde a garantia e vai ter que indenizar o devedor após o pagamento da dívida; se a coisa tinha seguro o credor vai se sub-rogar na indenização: vide § 1º do 1425).

            III – se o credor pode perdoar a dívida, pode também dispensar a garantia; a renúncia da garantia não implica em renúncia do crédito, o credor está simplesmente demonstrando que confia no devedor (§ 1º do 1436). A renúncia da garantia é unilateral, independe de aceitação do devedor, enquanto a remissão do crédito exige aceitação, afinal pagar é um direito e o devedor sempre pode consignar o pagamento.

            IV – o penhor é direito real na coisa alheia; não se admite penhor na coisa própria; se o credor comprar/herdar/ganhar a coisa empenhada extingue-se a garantia, mas a dívida permanece.

            V – isso ocorre no processo de execução, se o devedor não pagar a dívida;

            VI – pela resolução da propriedade: vimos propriedade resolúvel no semestre passado, então se o devedor dá uma coisa em garantia e depois vem a perder a propriedade sobre essa coisa, a garantia se extingue (ex: A herda uma jóia e dá essa jóia em garantia, só que depois se descobre que o testamento era falso, então A vai perder a jóia, vai ter sua propriedade resolvida/extinta).

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            VII – pelo decurso do prazo pois algumas espécies de penhor têm prazo máximo (1439, 1466).

            Extinto o penhor, deve ser cancelado o registro no mesmo cartório onde foi feito, para fins de publicidade (1437).

 

Aula 15 - Civil 5 - Hipoteca

            Na ótica do devedor, é o mais perfeito direito real de garantia porque não possui o inconveniente do penhor comum, quando a posse da coisa se transfere ao credor; na hipoteca a coisa dada em garantia permanece com o devedor; a hipoteca é também melhor do que a anticrese que está em desuso; e é melhor do que a alienação fiduciária que admite até a prisão civil do devedor. Veremos anticrese e alienação fiduciária em breve.

            Efeito da hipoteca: vincula um bem imóvel ao cumprimento e à extinção de uma dívida.

            Conceito: direito real de garantia sobre coisa imóvel que se conserva em poder do devedor, tendo o credor o direito de, após o vencimento, penhorar o bem hipotecado e promover a sua venda judicial, preferindo a outros credores, observada a ordem de registro no Cartório de Imóveis.

            Destaca-se no conceito:

            - imóveis: hipoteca é direito imobiliário, mas admite-se sobre navios e aviões em face de seu valor e tamanho, o que os torna facilmente individualizáveis (1473; risquem as expressões dos incisos II e III  que se referem à extinta enfiteuse, substituindo-as pelo direito de superfície, que já sabemos pode ser hipotecado).

            - se conserva com o devedor: grande vantagem da hipoteca sobre o penhor comum; o devedor recebe o empréstimo e pode investir na sua fazenda/fábrica dada em garantia, para melhorar a produção. O devedor pode até vender o imóvel a terceiros, afinal o credor exerce sequela sobre o bem, não importa quem seja seu dono. (1475 e pú; 303 – aceitação tácita do credor hipotecário, afinal a garantia é a coisa e não a pessoa do devedor).

            - penhorar: é ato do Oficial de Justiça, a mando do Juiz, no processo de execução, que vocês vão estudar em processo civil. Então se o devedor não pagar a dívida, o credor vai executar o bem hipotecado, e durante a execução se faz a penhora; então a coisa hipotecada e empenhada ( = penhor) sempre serão penhoradas no processo de execução para pagar o credor em caso de inadimplemento.

            - promover a venda: o credor exerce o jus vendendi após o vencimento; não pode o credor ficar logo com a coisa, pois é vedado o pacto comissório, já explicamos isso no 1428.

- preferindo: trata-se do direito de preferência, também já explicado; a garantia real prefere às demais garantias civis na hipótese de insolvência do devedor. Revisem concurso de credores em  Civil 2 (arts. 955 a 965), bom tema para a monografia de final de curso.

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- ordem de registro: a hipoteca admite sub-hipoteca, ou seja,  um imóvel pode ser hipotecado mais de uma vez ao mesmo credor ou a outrém mediante novo contrato, se o valor do bem for superior às dívidas que garante (ex: uma fazenda que vale cem pode suportar duas ou três hipotecas garantindo empréstimos de trinta, 1476). O mesmo bem pode ser objeto de várias hipotecas, mas em caso de inadimplemento será satisfeita inicialmente a hipoteca registrada em primeiro lugar (1493). O credor não pode deixar de registrar no Cartório de Imóveis. Cabe ao novo credor aceitar ou não um imóvel já com hipoteca anterior.  A ordem é tão importante que até a hora do registro é necessária para fins de preferência (1494).

Características:

- é direito acessório: porque garante uma dívida principal; não existe garantia sem uma obrigação principal.

- é direito indivisível: já explicamos no art. 1421, confiram numa das aulas atrás.

- é direito imobiliário: incide sobre imóveis como já vimos no 1473, admitindo-se sobre o direito real de superfície (o superficiário pode hipotecar a superfície e o proprietário a propriedade nua) e também sobreconstruções iniciadas de edifícios/navios/aviões (se a coisa está no projeto ainda não pode ser hipotecada por se tratar de coisa futura); admite-se sobre navios e aviões, embora coisas móveis, porque são bens muito valiosos e facilmente individualizáveis/identificáveis; a hipoteca dos navios é regida pela lei 7652/88 e dos aviões pela lei 7565/86 (vide pú do 1473).

Princípios:

- da especialização: o contrato de hipoteca deve conter a identificação precisa do bem gravado (1424) não se admitindo hipoteca genérica (sobre qualquer bem do devedor), e nem hipoteca futura (sobre bens a serem adquiridos pelo devedor).

- da publicidade: art. 1492 – com o registro a hipoteca passa a valer contra todos, é o que chamamos de efeito absoluto ou “erga omnes”; então quem comprar um imóvel hipotecado não pode depois impugnar a execução do bem pelo credor, alegando desconhecer o gravame, afinal o registro é público; hipoteca sem registro só vale entre as partes contratantes, como uma obrigação, e não como um direito real; a hipoteca das ferrovias deve ser feita apenas no Cartório de Imóveis do município da estação inicial da linha, caso contrário seria muito oneroso sair registrando em todas os municípios por onde a linha passe; 1502 – veremos mais hipoteca das vias férreas na próxima aula.

Sujeitos da hipoteca: o credor hipotecário e o devedor hipotecante que oferece a coisa hipotecada.

Forma da hipoteca: contrato com as formalidades do 1424, além da outorga uxória (autorização do cônjuge, 1647, I)  e mediante escritura pública (215, 1227).

Prazo da hipoteca: a hipoteca exige um prazo (1424, II), prorrogável por até trinta anos; findo este prazo deverão ser celebrados novo contrato e nova especialização, mas se mantendo a preferência do registro anterior (1485 e 1498).

 

Aula 16 - Civil 5 - Hipoteca (continuação)

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            Espécies:

            1 – Hipoteca convencional: é a mais comum pois deriva do acordo de vontades, se originando do contrato com as formalidades já nossa conhecidas (1424). É mais comum nos empréstimos (obrigações de dar) quando o devedor oferece uma coisa como garantia. Mas a hipoteca admite-se também para garantir obrigações de fazer e de não-fazer.  É possível também que terceiro assuma a garantia de outrem, oferecendo o terceiro bem seu em hipoteca de dívida alheia.

            2 – Hipoteca legal: não deriva de contrato mas da lei. É um favor da lei para proteger aquelas pessoas do art. 1489.  A lei exige garantia de certas pessoas para prevenir eventuais prejuízos. Visa ao ressarcimento de eventuais prejuízos causados, em geral, por quem administra bens alheios (ex: o Estado tem hipoteca legal sobre os bens dos seus tesoureiros e fiscais, inc I – esta norma deveria ser mais aplicada pelos governantes; outro ex: a vítima tem hipoteca sobre os bens do criminoso para satisfazer os danos materiais e morais decorrentes do crime, inc. III). Para valer perante as partes não exige contrato, é automático, mas para valer perante terceiros é necessário sentença do Juiz para especialização (individualização do bem) e o registro no Cartório de Imóveis (1497 e CPC arts. 1205 a 1210).

            3 – Hipoteca das vias férreas: compreende o solo, os trilhos, os terrenos marginais, as estações e os equipamentos, ou seja, todos os acessórios (1474, parte inicial). O registro deve ser feito no município da estação inicial da linha (1502). As estradas de ferro têm grande importância econômica, por isso que podem ser hipotecadas independentemente das terras que atravessem. Pena que em nosso país, principalmente no Nordeste, as ferrovias são tão poucas, o que leva ao desuso desta espécie de hipoteca.

             4 – Hipoteca dos recursos naturais (1473, V, c/c 1230): por disposição legal e pela sua importância estratégica, as jazidas minerais pertencem à União que tem preferência na sua exploração; mas se o Governo Federal der autorização para um particular explorar, poderá haver hipoteca do produto da lavra; as pedreiras podem ser hipotecadas mais facilmente pois independem de concessão do Estado para exploração. Mais sobre este assunto em Direito Constitucional e Administrativo (vide depois art. 176 da CF).

 

EXTINÇÃO da hipoteca: vamos acompanhar inciso a inciso do art. 1499:

I – a hipoteca é acessória, então extinta a obrigação principal, extingue-se a garantia.

II – extinta a coisa (ex: navio hipotecado afundou) extingue-se a garantia, salvo se a coisa tinha seguro ou alguém foi responsável pelo perecimento (§ 1o do 1425 – ocorre a sub-rogação na indenização, mas de qualquer modo a hipoteca se extingue pois não pode incidir sobre pecúnia).

III – resolvendo-se o domínio extinguem-se os direitos reais concedidos na sua pendência (revisem resolução da propriedade; ex: alguém compra uma casa com cláusula de retrovenda (505) e efetua uma hipoteca, porém depois vem a perder a casa porque o vendedor exerceu a opção de recobrá-la, vai se extinguir assim a hipoteca, 1359, e o credor poderá cobrar a dívida antecipadamente).

IV – o credor pode renunciar ao crédito, quanto mais à garantia; a renúncia à garantia deve ser expressa e é um sinal de que o credor confia no devedor, então o credor hipotecário transforma-se em mero credor quirografário.

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V – a remição é com “ç”; a remissão com dois “s” da dívida significa extinção da obrigação (inc. I) e a remissão da garantia significa renúncia (inc. IV). Remição com “ç” é o resgate do bem, liberando o bem do ônus pagando a dívida que o bem garante; visa mais extinguir o gravame do que a dívida. Vocês verão isso em processo civil e também no 1481. Ainda no 1478: o credor da 2a hipoteca pode remir a 1a hipoteca, pagando a dívida ao 1º credor e sub-rogando-se no seu crédito contra o devedor comum, a fim de que o imóvel não seja alienado.  Tanto no 1478 como no 1481 existe remição, só que a do 1481 é que efetivamente libera o imóvel, pois o 1478 apenas extingue a 1ª hipoteca.

VI – arrematação e adjudicação do imóvel são atos finais da ação de execução para satisfazer o credor, assunto que vocês vão estudar em processo civil.

VII – por sentença que anule a hipoteca caso, por exemplo, o contrato não atenda ao 1424 ou o devedor hipotecante não tenha legitimidade por faltar outorga uxória.

VIII – pela prescrição da dívida: a dívida não cobrada em dez anos (205) transforma-se em obrigação natural, mas a garantia se extingue.

XIX – pela confusão/consolidação: se o credor comprar/herdar/ganhar o bem hipotecado a garantia se extingue, afinal não pode haver hipoteca em bem próprio; lembrem-se que estamos estudando os direitos reais na coisa alheia (jura in re aliena), então não pode haver garantia na coisa própria, salvo a alienação fiduciária, que veremos na próxima aula, e tem natureza jurídica controvertida.

X – pela perempção: é o decurso do prazo máximo da hipoteca de trinta anos, salvo fazendo-se nova especialização (1485 e 1498). A hipoteca legal não tem prazo, persiste enquanto persistir a situação que a originou. 

Extinta a hipoteca por qualquer destes motivos, deverá ser cancelado o registro no Cartório de Imóveis (1500).

 

ANTICRESE – é direito real de garantia clássico, junto com o penhor e a hipoteca. Mas a anticrese está em desuso porque não permite o jus vendendi mas sim o jus fruendi. Ou seja, se o devedor não pagar a dívida o credor não vai vender o bem gravado, mas sim vai administrá-lo por até quinze anos para retirar os frutos, prestando contas e apresentando balanços, o que convenhamos é complicado (1423, 1506, 1507).  Na anticrese o credor vai se pagar pelas próprias mãos, ou seja, vai ter que trabalhar/administrar para se pagar. O devedor recebe o empréstimo e o credor recebe a coisa para usufruir.

Desvantagens da anticrese: 1 - o credor tem que trabalhar/gerenciar/administrar a coisa sob pena de perdas e danos para o devedor (1508); 2 - não pode haver sub-anticrese como pode haver sub-hipoteca; 3 - a coisa é entregue ao credor, enquanto na hipoteca, na alienação fiduciária e no penhor especial a coisa permanece com o devedor; 4 – o credor anticrético não se sub-roga na indenização em caso de destruição ou desapropriação do bem; a dívida não vai se extinguir, mas o credor torna-se quirografário (§ 2o do 1509)

 

Próxima e última aula: alienação fiduciária em garantia!

 

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Aula 17 - Civil 5 - Alienação Fiduciária em Garantia

            Este é o 11o e último assunto deste semestre, conforme art. 1225 do CC, com os dois acréscimos que eu fiz.

            A alienação fiduciária é um direito real de garantia, mas não é tão antigo/clássico como a hipoteca, o penhor e a anticrese. Por outro lado, a AFG é um direito moderno e muito utilizado pelo mercado na atualidade, apesar das suas controvérsias jurídicas.

            A AFG é muito usada na aquisição de automóveis e máquinas, semelhante ao leasing e à venda com reserva de domínio. Só que a AFG tem mais vantagens para o credor, por isso é a preferida do mercado, através de contratos de adesão.

            Conceito: AFG é um contrato pelo qual o devedor fiduciante transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel de um bem móvel para garantir o pagamento da dívida contraída, com a condição de, ao ser liquidada a dívida, o devedor recuperar a propriedade plena do bem transferido (1361).

            Exemplo: José precisa comprar um carro mas não tem dinheiro. Procura então um banco que empresta o dinheiro, José assim vai na loja, compra o carro e transfere a posse indireta e a propriedade resolúvel do carro para o banco, enquanto José fica com a posse direta (§ 2o do 1361). O dono do carro é o banco, mas a propriedade é resolúvel, ou seja, a propriedade do banco será resolvida/extinta quando José pagar todas as prestações. A propriedade só se transfere ao credor para fins de garantia. Com o implemento da condição, qual seja, o pagamento da dívida, o domínio do credor se resolve. Durante os meses/anos de pagamento José pode usar o carro pois tem sua posse direta. Mas se José não pagar as prestações, o banco vai tomar o carro, afinal o carro é de propriedade do credor.

Ficção jurídica: esta aquisição que o consumidor faz e transfere para o credor é mera ficção jurídica, não ocorre na prática. Na verdade, nas lojas de automóveis já existem financeiras (ex: Banco Fiat, Banco GM), de modo que esta operação é muito simples, basta a pessoa ter crédito, ou seja, ter nome limpo na praça e um bom contracheque para adquirir a prazo, mediante AFG.

            Natureza jurídica: é controvertida. Trata-se de direito real de garantia, só que a garantia é na coisa própria, e não na coisa alheia/do devedor, como os demais direitos reais de garantia. O banco, conforme o já lido 1361, torna-se proprietário resolúvel da coisa. Apesar de estarmos estudando os jura in re aliena (direitos na coisa alheia), a AFG é um direito real na coisa própria.

Mas esta não é a única controvérsia, pois a AFG desenvolveu-se no país no final da década de 60, quando estávamos no auge do regime militar. Foi publicado em 1969 o Decreto Lei 911,  hoje incorporado pelo novo CC, cuja redação agradou os bancos e foi alvo de críticas pela doutrina, por favorecer demais o credor. Mas é o que eu digo a vocês, proteger o devedor é desestimular o credor a emprestar, e sem crédito a economia não funciona. 

Características:

-         é negócio jurídico autônomo/principal, não é acessório, a AFG existe por si só.

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-         a posse do devedor é na condição de depositário, sujeito assim à prisão por até um ano caso descumpra seus deveres (1363).

-         o credor é proprietário, mas independentemente de tradição, pois a coisa é entregue ao devedor. (exceção ao 1267).

-         o contrato de AFG é formal/solene via instrumento particular (1362 e § 1o do 1361); não exige escritura pública mas também não pode ser verbal.

-         o devedor não pode alienar a coisa a terceiros, pois é mero possuidor, já o banco pode vender sua propriedade resolúvel, sem alterar as condições para o consumidor. Se o devedor alienar será preso como depositário infiel. A lei precisa ser dura para não dar margem a fraudes.

Objeto: a AFG do CC se aplica a móveis identificáveis e duráveis (ex: carros, máquinas, lanchas, etc...). A AFG para imóveis é regulada pela lei 9.514/97 e está ainda se desenvolvendo.

Obrigação do credor fiduciário/banco: transferir a propriedade da coisa ao consumidor após o pagamento integral do preço; se o banco não transferir, o consumidor pode exercer a seqüela para, através do Juiz, adquirir a propriedade do bem que tem apenas posse.

Direito do credor fiduciário/banco: 1) vender a coisa caso as prestações não sejam pagas (1364 – observem que a lei autoriza até a venda extrajudicial, o que é muito ágil para o banco que não fica com o carro parado, se deteriorando, em pátios pela cidade), sendo vedado o pacto comissório (1365, 1428), mas admitindo-se posterior dação em pagamento mediante acordo (pú do 1365 e pú do 1428). 2) Se mesmo vendida a coisa não satisfizer o crédito (ex: o carro está muito estragado), outros bens do devedor serão executados, por isso o devedor deve acompanhar a venda para obter um melhor preço (1366). 3) O banco pode também alienar o bem a terceiros, mesmo que as prestações do devedor estejam em dia, embora vá alienar apenas a propriedade resolúvel e a posse indireta. 4) Caso o devedor entre em insolvência ( = falência), não há risco para o credor pois o bem não estará sujeito ao concurso dos outros credores do devedor, já que o bem é de propriedade do credor fiduciário.

Obrigação do devedor fiduciante/consumidor: pagar as prestações e conservar a coisa, usando-a para o seu devido fim, como depositário que é.

Direito do consumidor: adquirir a propriedade da coisa após pagar todas as prestações, podendo reivindicar a coisa de quem a detenha, exercendo sequela.

Conclusão: a AFG é juridicamente controvertida, perigosa para o consumidor, mas de grande importância econômica e muito ágil em termos processuais. Trata-se sem dúvida da mais eficiente forma de garantia de proteção ao crédito existente no direito brasileiro.