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[REVISTA CONTEMPORÂNEA ] Ano 5, n° 8 | 2015, vol.2 ISSN [22364846] 1 “Coisas da Quinta-Coluna”: teatro e política na capital paraense durante a Segunda Guerra Mundial (1942 – 1943) Tunai Rehm * Desde a chegada de Getúlio Vargas ao poder, o governo brasileiro buscou atenuar as liberdades propostas pelo federalismo e, em contrapartida, ampliar o poder de uma centralização administrativa. Com a instauração do chamado Estado Novo, no ano de 1937, o governo federal passou a por em prática uma verdadeira ditadura, valorizando o Estado forte e controlador das ações da sociedade. Seu interesse estava em ter o governo federal como o epicentro do controle nacional brasileiro. Fosse nas esferas econômica, política, educacional ou cultural, todos deveriam ser norteados por uma política pública que encontrava no seu chefe de Estado o representante maior do interesse nacional. Durante esse momento de imposição política, diversos órgãos foram criados, inimigos reprimidos e a censura amplamente utilizada. E em 1942, desde o fim dos laços diplomáticos do Brasil com os países do Eixo, a II grande guerra passa a ganhar sentido objetivo, seja no discurso ou nas práticas desenvolvidas pelo próprio Estado brasileiro. Dessa forma, as políticas públicas passam a ser pensadas e desenvolvidas tendo como pano de fundo o grande conflito bélico mundial e, para isso, decisões foram pensadas e articuladas com os ideais de valorização do elemento nacional e na defesa do território. No plano da política cultural, Getúlio Vargas visava criar no Brasil os contornos da chamada cultura nacional. Seu interesse estava em construir um país que * Mestre em História pelo programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará.

“Coisas da Quinta-Coluna”: teatro e política na capital ... · A produção parece não ter tido grande notoriedade pós-Segunda Guerra Mundial, contudo, no contexto beligerante,

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[REVISTA  CONTEMPORÂNEA  ]  Ano  5,  n°  8  |  2015,  vol.2      ISSN  [2236-­‐4846]  

 

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“Coisas da Quinta-Coluna”: teatro e política na capital paraense

durante a Segunda Guerra Mundial (1942 – 1943)

Tunai Rehm*

Desde a chegada de Getúlio Vargas ao poder, o governo brasileiro buscou

atenuar as liberdades propostas pelo federalismo e, em contrapartida, ampliar o poder

de uma centralização administrativa. Com a instauração do chamado Estado Novo, no

ano de 1937, o governo federal passou a por em prática uma verdadeira ditadura,

valorizando o Estado forte e controlador das ações da sociedade. Seu interesse estava

em ter o governo federal como o epicentro do controle nacional brasileiro. Fosse nas

esferas econômica, política, educacional ou cultural, todos deveriam ser norteados por

uma política pública que encontrava no seu chefe de Estado o representante maior do

interesse nacional.

Durante esse momento de imposição política, diversos órgãos foram criados,

inimigos reprimidos e a censura amplamente utilizada. E em 1942, desde o fim dos

laços diplomáticos do Brasil com os países do Eixo, a II grande guerra passa a ganhar

sentido objetivo, seja no discurso ou nas práticas desenvolvidas pelo próprio Estado

brasileiro. Dessa forma, as políticas públicas passam a ser pensadas e desenvolvidas

tendo como pano de fundo o grande conflito bélico mundial e, para isso, decisões

foram pensadas e articuladas com os ideais de valorização do elemento nacional e na

defesa do território.

No plano da política cultural, Getúlio Vargas visava criar no Brasil os

contornos da chamada cultura nacional. Seu interesse estava em construir um país que * Mestre em História pelo programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará.

 

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conhecesse a si mesmo, que conhecesse sua história. Sua ênfase partia da elaboração

de uma política cultural financiada e administrada pelo próprio Estado. Em alguns

casos, como o do cinema, por exemplo, a administração federal não deu conta do

financiamento, mas deteve seu controle com mecanismos estatais. Para compreender

tais ações, concordo com Lia Calabre quando analisa que a política cultural deva ser

pensada como “um conjunto de ações elaboradas e implementadas de maneira

articulada pelos poderes públicos, pelas instituições civis, pelas entidades privadas,

pelos grupos comunitários (...), visando satisfazer as necessidades culturais do

conjunto da população” (CALABRE, 2009, p.12).

Nessa medida, a prática cultural deixa de ser única e exclusivamente papel

estatal e abre espaço, inevitavelmente, a expressões autônomas através de iniciativas

particulares. É bem verdade que, neste momento, o Estado se fará presente na

regulação, fiscalização e no financiamento de diversos setores midiáticos e artísticos.

Dentro desta conformação, com este artigo pretendo enfatizar o teatro paraense como

um campo profícuo para estabelecer uma relação entre arte, política e guerra. O

teatro, com a conquista de espaço no cenário cultural paraense, contará com o apoio

da mídia e autoridades políticas, naquele momento.

Desta forma utilizo como objeto de análise a peça teatral “Coisas da Quinta-

Coluna”, de Divaldo Ribeiro. Afirmando que refletir sobre a peça não é somente

tomar conhecimento de sua realização, mas, sobretudo, conhecer os sujeitos que

participaram da encenação, seus produtores, apresentações e quais implicações sociais

geram a relevância do tema.

A produção parece não ter tido grande notoriedade pós-Segunda Guerra

Mundial, contudo, no contexto beligerante, além de passar um tempo relativamente

extenso em cartaz, alcançou grandes públicos e saudações nos jornais, por parte de

autoridades locais. A peça traz reforço a uma política de construção da imagem dos

chamados quintacolunistas, que, resumidamente, representavam espiões a serviço dos

seus países – inimigos do Brasil na guerra: Alemanha, Itália e Japão.

Para compreender os sentidos que ela ganha e suas implicações práticas, faço

uso do conceito de “Representação”, tal como elaborado por Roger Chartier. As

apresentações e o roteiro atuam na constituição de um imaginário - produzido em

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conjunto com as autoridades políticas, por meio de discursos e práticas - que se

efetiva na realidade e na construção do mundo social. Dessa forma, partindo do

campo simbólico do inimigo do Brasil naquele momento, determinadas ações serão

tomadas – seja por parte da população ou das autoridades políticas – de acordo com as

apropriações feitas do imaginário da época (CHARTIER, 1990, p. 20-21).

Nessa perspectiva, a peça teatral Coisas da Quinta – Coluna, enquanto um

produto do imaginário da época será o objeto de análise do presente artigo. Para

compreendê-la, os recursos midiáticos e o campo artístico foram propositalmente

utilizados, no intuito de compreender a representação da chamada Quinta-Coluna1,

durante a Segunda Guerra Mundial, no estado do Pará. Para isso, os jornais da capital

paraense foram fundamentais, afinal, oferecem informações preciosas acerca da

propaganda; de quem seriam os homenageados da noite; sobre os horários e a

programação do que ocorreria na ribalta dos teatros da capital.

Por meio da linha editorial lançada, os periódicos expõem sua posição

contribuindo para a formação de opiniões dos seus leitores. Para ampliar a discussão

do que era reproduzido na época, fiz uso do cruzamento de fontes, jornais que

circulavam na capital como A Vanguarda, Folha do Norte e Folha Vespertina com a

chamada literatura de Cordel, e com a poesia do paraense Lindolfo Mesquita,

conhecido como Zé Vicente.

Tais veículos de comunicação passaram a sofrer forte pressão quando, pouco

antes do início da Segunda Guerra Mundial, durante o Estado Novo, foi criado o

1 Quinta – Coluna foi um termo cunhado durante a Guerra Civil Espanhola. Esta fazia referência a um grupo formado por espiões instalados na capital que passariam informações acerca de estratégias, organização e ações do grupo governista. Durante a Segunda Guerra Mundial o termo será apropriado e utilizado pelos aliados para classificar os espiões que atuavam em favor dos países do Eixo. Em todo o Brasil, assim como nos jornais paraenses, serão veiculadas informações sobre possíveis agentes que estariam a serviço do eixo em território nacional. Alemães, italianos e japoneses foram amplamente hostilizados por meio da imprensa. Ver: ALMEIDA, Tunai Rehm Costa. Achsenmächte,Potenze dell'Asse, Sujikukoku na Amazônia: imagens, narrativas e representações da Quinta Coluna no Pará (1939-1945). Dissertação. Ufpa, 2015.

 

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Departamento de Imprensa e Propaganda. Este órgão centralizou ações e a

administração das chamadas políticas culturais do país. “Do oral ao escrito; do visual

ao sonoro; das grandes cerimônias públicas às restritas às hostes do interior do poder

(...), o intuito desse aparato de poder seria o de nada deixar escapar à coordenação e

ao controle do Estado”, aponta a historiadora Eliana Dutra (DUTRA, 2013, p.256). A

fim de que seus braços tivessem longo alcance, foi organizado em cinco divisões:

Divulgação, Radiodifusão, Cinema e Teatro, Turismo e Imprensa.

Para tornar eficiente o seu controle, cada estado possuía um departamento

local. No Pará, a filial foi criada em 1941. O cargo de diretor foi ocupado inicialmente

por Arnaldo Valente Lobo, que se retirou do cargo após ser nomeado desembargador

do estado, assumindo em seu lugar o poeta e jornalista Lindolfo Mesquita. Atrelado

ao Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) foi criado o Serviço de

Publicidade Propaganda, da prefeitura de Belém (SPP). Este órgão tinha a

incumbência de divulgar o que serviria de incentivo à opinião pública, rememorar

fatos históricos nacionais e, além disso, aconselhar a população no intuito de encaixá-

la em um estilo de vida ideal (COSTA, 2009, p.15).

Apesar de o DIP ter sido instituído somente em 1941, antes mesmo, já

existiam medidas governamentais que miravam o cerceamento da divulgação de

ideias. Exemplo disso ocorreu em 18 de Outubro de 1939. Uma portaria lançada pelo

governo passou a proibir a realização de reuniões em lugares fechados. Para que

ocorressem sem represálias ou proibição, era necessária uma licença prévia da Chefia

de Polícia, que ficava responsável por avaliar a conveniência ou não de sua

ocorrência. Era hábito, também, nesse momento publicar em jornais o convite para

festejos, reuniões, homenagens etc. Contudo, somente poderia ser propalado na

imprensa após a liberação da polícia (COSTA, 2009, p.28).

Esse controle e restrições deveriam ser consentidos para serem reproduzidos.

Era necessário construir a imagem do presidente para que ele fosse respeitado e seus

interesses e medidas obedecidos. Assim, a fim de promover restrições ao arbítrio da

população, o governo se utilizou do apelo emocional e provocou um “aquecimento de

sensibilidades”. Segundo Maria Helena Capelato, os meios de comunicação tem papel

fundamental nisto, mas os sinais emotivos podem também ser captados e

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intensificados através da literatura, teatro, pintura, arquitetura, ritos, festas,

comemorações, manifestações cívicas e esportivas. Todos os elementos citados

podem ser combinados de diversas maneiras provocando diferentes apropriações que,

por sua vez, obterão resultados diversos (CAPELATO, 1999, p. 168). Por meio desses

outros veículos, apoio minha análise do uso do teatro como meio político e cultural de

construção e reprodução da imagem do inimigo brasileiro, o Quinta-Colunista.

O Teatro em Tempos de Guerra

Durante a Era Vargas, a produção cultural brasileira seguiu múltiplos caminhos.

O Teatro não deixou de ser um palco explorado pelos artistas. Estes também

construíram, através de suas experiências, os sentidos de sua realidade vivenciada

naquele instante. Aqui meu interesse é utilizar a peça teatral Coisas da Quinta-

Coluna, do polivalente artista popular, Divaldo Ribeiro, conhecido depois como Zé

Gamela, para compreender de que maneira o teatro pode ser fonte da construção de

uma dada realidade. Mais do que isso, compreender de que forma uma peça teatral

contribui para reforçar e reproduzir a representação daqueles que ficaram conhecidos

como Quinta-Colunistas.

Aconteceu, foi no teatro Odeon. Era a demonstração de como agiam os

inimigos. Utilizava-se da sátira para tratar o assunto nada feliz da espionagem durante

a guerra. As luzes da ribalta foram acesas e a peça encenada. O Jornal Folha do Norte

anunciava: “Primeira peça anti-nazista a ser encenada hoje, às 20 horas”. A primeira

apresentação na capital fazia homenagem ao brigadeiro do ar, Fernando Savaget. Os

ingressos variavam de preço, aqueles que hoje corresponderiam a entradas “inteiras”

 

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custavam 5$000, enquanto isso, estudantes e militares pagavam o que hoje

corresponde à “meia-entrada”, 2$5002 (FOLHA DO NORTE, 1942, p.3).

No Brasil, o teatro se fortaleceu com a chegada de Vargas ao poder, pois há a

institucionalização da política cultural, pensada como uma responsabilidade do

Estado. Ao mesmo tempo em que fomenta a produção artística e contribui para a

valorização dos grupos artísticos, o governo também passa a interferir nas etapas de

produção, nas construções intelectuais e artísticas, no intuito de criar uma espécie de

cultura homogênea que representaria os valores nacionais (CAMARGO, 2011, p.2).

Isso implica dizer que Vargas intentava criar uma cultura nacional pelos mais

diferentes vieses, buscando unidade.

Mesmo antes de chegar ao poder, o nome do presidente já possuía

reconhecimento no meio da classe artística. Em 1924 foi lançado o Decreto nº 4.790,

que define os direitos autorais dos artistas no Brasil. Mas, o que se popularizou

mesmo e fez ecoar o nome de Vargas nos meios artísticos foi o decreto nº 5.492 de 16

de Julho de 1928, erroneamente conhecido como "Lei Getúlio Vargas". O dispositivo

ampliou os efeitos às composições musicais e peças de teatro quando executados,

representados ou transmitidos pela radiotelefonia (CAVALCANTE, 2012, p.101). O

decreto promove o “regulamento dos Serviços Teatrais, com normas específicas

tratando das empresas, dos contratos, dos artistas e dos auxiliares teatrais, das horas

de trabalho e da fiscalização do direito de autor” (CALABRE, 2009, p.34).

Apesar das leis criadas na década de 1920, o princípio do investimento público

no teatro do Brasil data de 14 de Setembro de 1936. A partir de então é criada a

Comissão de Teatro Nacional. Esta possuía como função a edificação e decoração dos

teatros, a preparação de atores, a história da literatura dramática brasileira e

portuguesa, tradução de peças estrangeiras, o teatro lírico e coreográfico, o teatro

infantil (CAMARGO, 2011, p.3). O órgão conjugou artistas e intelectuais de diversas

áreas e dessa forma acabou se materializando em grupo diversificado, tendo como

participantes: o teatrólogo e jornalista Benjamin Lima; o artista plástico Celso Kelly;

2 Como curiosidade, é interessante notar que nesse momento ainda se utilizava o padrão monetário dos Mil Réis. Contudo, em Novembro do mesmo ano de 1942, o padrão foi alterado para o Cruzeiro. A nova moeda brasileira substituía a divisão milesimal e simplificava suas notas com o corte de zeros. Online: http://www.bcb.gov.br/?CEDMOEBR. Acesso em 28 de Novembro de 2015.

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o músico Francisco Mignone; o escritor e jornalista, Múcio Leão; o teatrólogo

Oduvaldo Vianna; além deles, também figuraram neste heterogêneo grupo: Olavo de

Barros, ator, diretor teatral e membro da Casa dos Artistas e o intelectual, professor

acadêmico Sérgio Buarque de Hollanda (CAVALCANTE, 2012, p. 105).

O governo de Vargas criou uma política pública focada em intervenções

culturais. O presidente pretendia criar valores “genuinamente” brasileiros que

caracterizassem os valores da nação. Por isso, as peças produzidas no país por muitas

vezes enfocavam processos históricos ou grandes personalidades da história. Peças

com essas características apresentavam caráter educativo. Ângela Cavalcante, ao

retratar a experiência e vivência de Viriato Correa, afirma que peças como Tiradentes,

por exemplo, possuíam grande apelo pedagógico; por isso, eram estimuladas pelo

Serviço Nacional de Teatro indo ao encontro do interesse varguista com as obras

teatrais (CAVALCANTE, 2012, p.109).

Por mais que existisse uma tradição de grupos menores e amadores, o teatro na

década de 1930 começa a se tornar cada vez mais popular e, nessa toada, alguns

artistas tornam-se mais conhecidos. A fim de ampliar o mercado do entretenimento e

expandir o circuito teatral, o Estado passa a subvencionar excursões com peças da

capital para o interior do país, sem deixar de oferecer certo auxílio a grupos amadores.

No âmbito legislativo, a lei nº 378 de 13 de Janeiro de 1937, no artigo 49,

fixava a Comissão de Teatro Nacional como um órgão permanente ao qual competiria

estudar, em todos os aspectos, o problema do teatro nacional e propor ao governo

medidas cabíveis para sua conveniente solução (CALABRE, 2009, p. 35). Além de

Companhias de Comédia e de grupos amadores, a Comissão Nacional foi importante

para o subsídio a grandes espetáculos que não foram abertos à concorrência. Como

exemplo, O Guarani, de Carlos Gomes (CAMARGO, 2011, p.5). Ainda no ano de

1937, a Comissão sai de cena dando lugar ao Serviço Nacional de Teatro.

 

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Na Revista paraense Terra Imatura, de 1939, correspondente de Porto Alegre,

Jonas Carvalhosa, faz uma reportagem com um dos maiores dramaturgos da cena

teatral brasileira naquele momento, Procópio Ferreira. O artista é caracterizado como

“grande estudioso das coisas do teatro, de um observador sagaz e, sobretudo, de um

espírito acurado e brilhante”. Ao analisar a cena do país, pontua a existência de

grandes nomes, contudo com ressalvas. Cita o exemplo de Viriato Correa que,

segundo ele, produzia peças muito bem feitas tecnicamente “porém é um teatro

destinado unicamente a provocar o riso e não tem outra finalidade a não ser essa”.

Quando questionado sobre as peças produzidas pelo dramaturgo Joraci Camargo, a

opinião não permanece a mesma. O repórter relata a emoção nos olhos do

entrevistado, que descreve a atuação do outro como uma mudança no cenário das

peças de teatro brasileiras. Para Procópio, o diferencial de Joraci era “o seu teatro

diferente, um teatro que fazia rir, mas que, sobretudo, fazia pensar, um teatro humano

e social” (TERRA IMATURA, 1939, p.33).

O teatrólogo analisa a peça não somente como o efeito que ela é capaz de

gerar nas pessoas. Para além, é necessário ter uma profundidade na mensagem

repassada e no conteúdo representado no palco. Se a lógica de Procópio Ferreira for

estendida ao público, é possível compreender o sentido que fez a peça Coisas da

Quinta-Coluna, no Pará, ser um sucesso em termos de plateia e, mais do que isso, de

interesse de uso pelas autoridades políticas.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial e o Brasil se posicionando

favorável aos Aliados - rompendo os laços diplomáticos com os países do Eixo -

torna-se urgente e necessário para o Estado a valorização do patriotismo e dos

interesses nacionais. O meio cultural foi instrumento de grande importância para a

reprodução da representação de alemães, italianos e japoneses no Brasil: os

“inimigos” do país. Os Súditos do Eixo, como ficaram conhecidos, foram por muitas

vezes julgados como Quinta-Coluna, ou seja, espiões defensores dos ideais dos países

autoritários.

É nesse contexto que se circunscreve o objeto estudado neste artigo.

Percebendo o Teatro como meio importante para a reprodução de imagens

(estereótipos) da representação da Quinta-Coluna, atento para a peça Coisa da

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Quinta-Coluna. Antes de falar das apresentações e repercussão do período, interessa

apresentar o seu idealizador, Divaldo Ribeiro, principal responsável pela conquista

rápida de espaço no circuito teatral paraense e que conseguiu, com sucesso, diversas

apresentações no ano de 1942.

O Homem por trás da ribalta, Divaldo Ribeiro

Divaldo Ribeiro, o Zé Gamela, como ficou conhecido, nasceu em Vila

Wagner, situada na cidade de Lençóis, no estado da Bahia. Desde pequeno conviveu

com a labuta diária, aos treze anos já trabalhava no garimpo. Depois, seguindo os

passos do pai, acabou atuando também no cangaço e se tornando líder popular,

ganhando, inclusive em memórias, o papel de herói (SOUSA, 2014, Online).

Foi ator, circense, diretor de teatro, mas, ganhou notoriedade mesmo com a

sua produção na literatura de cordel. Do gabinete do vereador de Niterói, Jayme

Suzuki veio a Moção de Aplauso (In Memoriam) ao artista brasileiro. Em palavras

concisas, mas não por isso menos importantes, a história de Zé Gamela é perlustrada

identificando seus trabalhos, suas lutas e interesses. Nas palavras do político: Zé Gamela tem no seu currículo uma série de atividades: garimpeiro, cangaceiro, aprendiz de marinheiro, sargento, gerente de hotel, diretor de jornal, palhaço, ator, diretor de teatro, cordelista. Com Dety Ribeiro, sua esposa, mambembou pelo Brasil com vários circos, peças e paródias. Construiu mais de oito circos, escreveu centenas de cordéis, textos teatrais e paródias (NITERÓI, 2013)

No ano de 2003, após sua morte, em memória ao falecido poeta, o contista,

ensaísta e poeta Gonçalo Ferreira da Silva se utilizou de uma das especialidades do

homenageado, a literatura de cordel, para reunir em uma série de pequenos cordéis

uma homenagem contando vida e obra de Zé Gamela (SILVA, 2003, p.5). Carvalho

Branco deixa alguns traços que devem ser lembrados:

 

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Seus cordéis são verdadeiros Ensinamentos perfeitos Trabalhou com marinheiros; ao labor, homens, afeitos Teatro Experimental é cultura natural. Da vida tirou proveitos! (BRANCO, 2003, p.3)

  Ao longo da vida, Divaldo Ribeiro ainda foi fundador, na década de 1950 do

Teatro do Trabalhador, no Rio de Janeiro. Um defensor da cultura popular advogou

ao longo da vida para que todos tivessem acesso aos meios culturais como, por

exemplo, o teatro. Ainda chegou a ser preso 13 vezes. Um caso emblemático ocorreu

em Niterói quando foi preso na Avenida Amaral Peixoto vestido de Cristo, e sua

esposa, Dety, de Nossa Senhora (NITEROI, 2013). Faleceu no dia 12 de Dezembro de

2002 aos 88 anos de idade, em Niterói, no Rio de Janeiro.

Em sua história fica marcada também a excursão por Belém no ano de 1942.

Chegando como um desconhecido, foi com a peça Coisas da Quinta-Coluna que fez

sucesso e em curto espaço de tempo, obteve o interesse de autoridades políticas, do

público, e marcou sua história no teatro paraense.

O Teatro e o inimigo: “Coisas da Quinta-Coluna”

O jovem artista Divaldo Ribeiro não obteve o mesmo reconhecimento artístico

que outros de sua época. Seu nome deve ser lembrado em sua polivalência artística e

multifacetada produção. Essencialmente, esteve em sua maturidade ligado à cultura

popular, seja através do teatro ou literatura de cordel. Minha preocupação aqui está

em explorar sua produção teatral e perceber como, naquele momento de guerra, a

peça nos permite compreender a representação criada e reproduzida acerca da Quinta-

Coluna que, supostamente, estaria atuando no Pará e como o poder público contribuiu

para a repercussão e popularização da peça.

Desde a criação do Teatro da Paz, no ano de 1878, construído em um período

de intensa valorização e gozo das benesses promovidas pela economia da borracha,

Belém havia se tornado um palco para grandes apresentações teatrais. Mesmo antes, é

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possível afirmar que a cidade já havia construído uma cultura teatral por mais que

nem sempre contasse com o apoio do Estado, ou então, por vezes, ele até o

atrapalhasse. O período de grande imponência econômica ganhou a alcunha de Belle

Époque e deu àquele momento contornos de um fausto sobre a capital do Pará. Várias

companhias internacionais aportaram em solo amazônico para se apresentar no

principal, porém não único teatro da capital. Foram tempos de influência francesa nos

hábitos e costumes, tecidos eram importados da Europa, um código de posturas regia

os modos com que a população deveria se portar e as próprias casas comerciais

faziam referência à Europa, como por exemplo a loja Paris N’América. Com a

decadência da principal produção da economia paraense, encontrou-se no teatro

regional um “substituto dos lazeres importados, certamente mais sofisticados e caros”

(SALLES, 1994, p.7).

Ainda assim, na capital paraense, Coisas da Quinta-Coluna tem primeira

encenação no dia 16 de Julho de 1942. Pelas circunstancias e o momento vivenciado

no país – fim da diplomacia com países autoritários, hostilidades aos chamados

súditos do eixo, torpedeamento de navios brasileiros e acirramento de ânimos – a peça

exercia um caráter apelativo sobre a população que lia as notícias convidativas nos

jornais. A novidade da peça começava a circular pela capital paraense e ainda que a

propaganda fosse escrita, tinha potencial para alcançar analfabetos e letrados. Afinal,

as conversas e comentários faziam circular a notícia pela capital.

Apesar de descrita nas páginas dos periódicos como de interesse geral, as

fontes pesquisadas demonstram que em A Vanguarda, notícias da peça foram

veiculadas em maior número e mais entusiasmadas, o que não ocorreu da mesma

forma na Folha do Norte ou Folha Vespertina. Ao que tudo indica A Vanguarda,

enquanto jornal defensor dos interesses do Estado, ou que, pelo menos em sua linha

editorial, propalava um discurso alinhado ao governista, noticiava de maneira

corriqueira o sucesso da peça, de sua evolução, da aceitação do público, daqueles que

 

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seriam homenageados – geralmente membros das forças armadas ou civis com

participação no governo. É bem verdade que a hipótese da imposição e/ou

interferência do Departamento de Imprensa e Propaganda deve ser levada em

consideração. Contudo, por mais que essa coerção tenha existido, ainda assim, nas

páginas da Folha do Norte, há uma diferença notória entre sua forma de divulgar a

peça e a forma de divulgação d’A Vanguarda.

Em O Beijo de Lamourette, o historiador Robert Darnton apresenta

determinada realidade vivenciada por ele em sua história como jornalista.

Apresentando o cenário da redação de um jornal, contribui de maneira decisiva para o

cuidado que se deve ter ao tomar os periódicos como fonte de pesquisa. Faz

compreender que em cada publicação existe uma complexa rede de interesses,

alianças políticas e acima do jornalista uma linha editorial que influencia no que será

lançado como notícia. Dessa forma, manchetes, colunas, opiniões e propagandas

publicadas nos jornais em Belém seguem cartilhas estabelecidas pela própria direção

e seus editores. As informações como são reveladas ao público são pensadas e

ordenadas de modo que a leitura que é feita parte da própria leitura que o corpo

editorial do periódico faz da realidade vivenciada. Assim, “converter os fatos em

matérias e publicar as matérias é uma questão do que pode caber em termos culturais

– convenções narrativas e tradições jornalísticas que funcionam como uma maneira de

dar uma forma ao amontoado confuso e ruidoso dos fatos do dia”. (DARNTON,

2010, p.14).

Tal perspectiva é possível ser constatada em A Vanguarda quando o periódico

noticia que o artista em sua peça “mostra claramente as misérias, as traições da Quinta

Coluna”. Logo, era importante “ajudar este jovem patrício que vive enfrentando as

dificuldades da vida teatral e que além de bom ator é um idealista inteligente que ama

(...) o Brasil e os sagrados princípios da Democracia” (A VANGUARDA, 1942, p.2).

A encenação vai aos poucos ganhando força e uma representação cada vez mais

significativa. Não à toa é classificada como uma “positiva demonstração de repulsa

aos princípios nazistas”. Além de ser um mecanismo de entretenimento, a peça

também tinha a função de representar o sentimento patriótico que deveria emanar da

população belenense. Portanto, ela surgia num momento oportuno de necessário

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incentivo aos valores nacionais. Por isso, esperava-se que o Teatro Odeon estivesse

“repleto do que há[via] de mais puro, de mais seleto em nosso meio: - Brasileiros,

verdadeiramente Brasileiros” (A VANGUARDA, 1942, p.4). Dessa forma, com a

encenação esperava-se além de enaltecer os valores patrióticos do público, alcançar a

população lhe apresentando o inimigo e mostrando suas estratégias de ação ou

armadilhas, ou seja, a encenação assumia caráter pedagógico, ensinando sobre a

Quinta-Coluna.

O espetáculo elaborado pelo casal Divaldo e Dety Ribeiro, apresentava na

ribalta personagens bem caricatos e estereotipados que buscavam deixar claro quem

eram os quinta-colunistas. A peça contava com um casal de espiões nazistas, um

integralista, um japonês, um inglês e filha e dois brasileiros que possuíam um discurso

patriótico de defesa da democracia e honra do país, como personagens participantes

da trama (A VANGUARDA, 1942, p.4). Perceba, os elementos os quais queria

evidenciar como inimigos e aliados foram bem distribuídos entre os personagens. Do

lado adversário estava o casal de nazistas representando a imagem repercutida dos

alemães; o japonês – cuja idoneidade moral e caráter foi alvo de desconfiança por

parte de alguns – e os que faziam representar a Quinta-Coluna entre os nacionais

brasileiros, os integralistas. Era necessário representar os aliados a partir da antítese

dos seus inimigos. Neste caso, o inglês – representante da liberal democracia e forte

opositor ao totalitarismo e, além deste, brasileiros que enfaticamente defendiam a

honra do país e a pátria.

Poeta Cordelista daquele período, Zé Vicente escreveu no ano seguinte o

poema O Brasil rompeu com eles, cordel que se utilizava de um vocabulário popular

para entoar e caracterizar os inimigos brasileiros. De maneira jocosa reforçava no

imaginário popular o que era constantemente publicado nas páginas dos jornais e já

caricaturado no espetáculo. Dessa forma, versa que: Quem torcer por alemão

 

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Só pode ser traidor, Se torcer por japonês Por nós nega o seu amor, Se pela Itália torcer Rebenta como um tumor (VICENTE, Zé. 1943, p.7).

É interessante notar que no mesmo ano da publicação deste livreto, o poeta,

que se chamava Lindolfo Mesquita, assume o cargo de Diretor do Departamento

Estadual de Imprensa e Propaganda do Pará. Se levarmos em conta que os nomes

alçados a participar do poder público são aqueles que se identificam com a política

vigente, logo, é fácil compreender as intenções do poeta popular. Ou seja, seus versos

entoados representam a ratificação da proposta de construção e reprodução da

imagem do inimigo por parte, também, do próprio governo.

E a peça continuava o seu circuito na capital. “Coisas da Quinta-Coluna”

continuava no mercado, e no jornal é divulgado o convite para o que significaria “um

grande acontecimento artístico na vida paraense” e, além disso, segundo o mesmo, o

espetáculo inevitavelmente agradaria ao público, pois, após os dois atos da trama,

haveria mais um “ato variado” que, segundo avaliação do periódico, era “muito bem

organizado” (A VANGUARDA, 1942, p.4).

No dia seguinte à primeira apresentação, congratulações aos artistas foram

anunciadas pelo que foi classificado como “extraordinário espetáculo”. Em avaliação

noticiada, a aceitação teria sido tão positiva que, em todas as cenas, pôde-se ver e

ouvir o apelo do público para que fossem repetidas. Inclusive, o prometido e noticiado

“ato variado” teria sido um verdadeiro sucesso (A VANGUARDA, 1942, p.2).

Nesta época, Belém da década de 1940, não era difícil tornar-se conhecido.

Com uma população de número restrito (em torno de 207 mil habitantes, na capital),

não era tarefa das mais árduas conseguir que seu nome fosse ventilado pela cidade.

Pelo menos é a percepção de Murilo Menezes, escritor e morador da cidade. Segundo

ele, o indivíduo “pode ser desconhecido para muita gente, mas se ele for honesto e de

ação produtiva, o seu nome constará no cadastro da sociedade”. Ele faz uma

comparação com as grandes capitais, como, por exemplo, o Rio de Janeiro. Conta que

numa capital como a carioca, “o cidadão é um grão de areia num deserto, um humilde

anônimo que se perde no formigueiro anônimo”. (MENEZES, 1954, p.17). Assim,

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ostentar uma imagem de grande popularidade seria mais fácil na capital paraense do

que em outros centros brasileiros, onde a população é maior tal como o número de

personalidades que buscam tornarem-se notórias.

Nessa perspectiva enquadra-se Divaldo Ribeiro. Sem tanto reconhecimento no

Centro-Sul do país - se comparado com outros artistas - em Belém, precisou apenas

de uma apresentação para tornar-se reconhecido e a peça ganhar maiores proporções.

Sem dúvida, seu nome começou a circular de forma cada vez mais intensa nas casas,

nas ruas, ou ainda nos estabelecimentos comerciais. Para uma pequena cidade nos

trópicos como a capital paraense, a peça contribuiu de maneira significativa para

disseminar a imagem do inimigo como também favorecer a imagem de artistas e

autoridades políticas que foram alvo de homenagens. Encenar numa cidade, de certa

maneira, isolada no país, onde as informações chegavam com dificuldades, assim

como, alimento e qualquer produto importado, contribuía de maneira significativa

para a construção do imaginário da população e à reprodução da representação da

Quinta-Coluna como um perigo iminente à cidade.

Com o sucesso e a repercussão, o espetáculo criou a necessidade de um palco

maior e mais espaços na plateia, para que mais pessoas pudessem acompanhar a

trama. Não demorou muito e a peça mudou de ares. Anteriormente encenada no

Odeon, teatro de menor porte, localizado na Praça Justo Chermont, passou a ser

apresentado no suntuoso teatro da cidade, o Teatro da Paz. Filho do período de grande

prosperidade econômica da região, o local é até os dias atuais a principal referência

em apresentações de grande porte na cidade de Belém.

Para esta apresentação não faltaram referências nos jornais. No dia 28 de

Julho, era publicado que Divaldo Ribeiro desejava apresentar a peça para a população

mostrando a forma misteriosa e traiçoeira como atuava a Quinta-Coluna no Brasil. A

apresentação ia acontecer no dia 01 de Agosto e, segundo a reportagem, ele teria dito

que procuraria Ernesto Pinto, que naquele momento ocupava o posto de delegado do

 

16  

trabalho, a fim de encenar a peça para operários sindicalizados no mesmo teatro (A

VANGUARDA, 1942, p.3). Desde o dia 30 daquele mês já era possível ver no

noticiário da capital os valores das entradas para o espetáculo. Os lugares mais

baratos eram o setor Paraíso no valor de 2$; as galerias 3$ e as cadeiras 5$. Em

compensação, os valores de camarotes representavam mais que o dobro dos outros.

Camarotes 2ª 20$; Os camarotes 1ª 30$ e as Frisas 35$ (AVANGUARDA, 1942, p.2).

Divaldo Ribeiro acreditava que a arte pertencia ao povo e deveria ser encenada para

ele. Buscava assim levar arte a todos, sem distinções sociais. Mostra disso foi em

1956 quando criou no Rio de Janeiro o Teatro do Trabalhador. Mesmo com

dificuldades, sobreviveu e conseguiu mantê-lo até sofrer com perseguições políticas e,

finalmente, fechar as portas (SOUSA, 2014).

De fato, é possível perceber a preocupação do autor em agregar diferentes

grupos da sociedade em seus espetáculos. Exemplo nítido é a apresentação que

ocorreu em 06 de Agosto. Promoveu uma apresentação para referências políticas do

estado, contudo, também foram oferecidos ingressos para os colégios. Além de os

jovens serem vistos, nos discursos da época, como importantes para a defesa do

território nacional, também deve se levar em conta que as escolas possuíam pessoas

de diferentes rendas e poder aquisitivo e que teriam condições de assistir a

apresentação (A VANGUARDA, 1942, p.3).

A peça representava uma homenagem feita ao comandante da 8ª região

militar, sediada em Belém, General Zenóbio da Costa e ao Almirante Gustavo

Goulart. Para o dia da apresentação eram esperadas autoridades políticas como o

então Interventor do Estado, José da Gama Malcher, o diretor de Educação e Cultura,

além do prefeito da capital, Abelardo Condurú. Considerada a primeira peça anti-

nazista que foi encenada na capital paraense, mais uma vez, o jornal convidava o

público anunciando que os ingressos já estavam se esgotando e ao mesmo tempo

alertando aos leitores que para “uma representação que marcará mais um

acontecimento na vida artística da capital paraense” e, portanto, enquanto patriotas,

não poderiam perder o espetáculo (A VANGUARDA, 1942, p.2).

O público no teatro deveria seguir determinadas normas e instruções. O

Regulamento Interno da Polícia Civil a encarregava da fiscalização do

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comportamento dos espectadores. Dentre as obrigações dos guardas, como eram

chamados, estava: “obrigar que os espectadores ocupem os lugares indicados pelos

números das entradas”, tal como, não consentir que o espectador peça a execução de

outra peça, música ou recitação qualquer que não faça parte do espetáculo. Cabia ao

público, portanto, seguir regras, como a proibição do chapéu dentro do teatro. (PARÁ,

1937, p.107 – 108).

Fazendo referência aos atores que fizeram parte da encenação como grupo de

apoio, estavam artistas que atuavam em Belém como Henrique Reis, Gene Bem,

Eloyde Walthon, Januário Carneiro, J. Amaral e também Alba Oliveira. Figurariam

como ponto:3 Paula Castro; ensaiador: Duarte Silva e a parte musical do espetáculo

teria o auxílio da orquestra dirigida pelo maestro Pinto de Almeida, apelidado de Tatá

(A VANGUARDA, 1942, p.3). Ao analisar as fontes, não fica clara a motivação do

uso de artistas da própria região. Provavelmente, o fato estaria atrelado ao aspecto

financeiro deixando a apresentação menos onerosa. Ainda assim, é possível conjeturar

que tenha sido uma exigência das autoridades que financiavam o espetáculo.

Passados três dias da última apresentação, mais uma vez a peça seria

encenada. Ocorreria às 15:00 horas e a promessa era a venda a preços populares.

Estes variavam entre o preço da Entrada de 2$ e para Estudantes, Militares e

Operários que pagavam 1$ (A VANGUARDA, 1942, p.4). Devido ao sucesso das

apresentações anteriores, esperava-se um grande público, casa cheia. O diferencial

nesse momento era a possível participação de pessoas com um menor poder

aquisitivo. No caso, tanto o interesse de Divaldo Ribeiro quanto de quem o financiou

era o de levar ao conhecimento de todos, independentemente das condições materiais,

a “simpática campanha contra o nazi-nipo-integralismo” (A VANGUARDA, p.3).

3 Pessoa que fica escondida durante a peça que lê em voz baixa o texto para os atores quando esquecem as falas.

 

18  

Partindo do que foi posto e do que as fontes pesquisadas nos permitem inferir,

havia um claro interesse político com a autorização para encenação, além do esforço

de divulgação para que a peça de fato fosse contracenada. Adalberto Paranhos

defende que “O teatro, seja autodenominado político, engajado, revolucionário ou até

apolítico, é sempre político, independentemente da consciência que seus autores e

protagonistas tenham disso” (PARANHOS, 2012, p.35). Isso nos possibilita empregar

o sentido de político em múltiplos aspectos. Coisas da Quinta-Coluna se apresenta

enquanto um teatro político, pois: defende um ponto de vista e faz da ribalta um meio

para externá-lo; e, além disso, também faz apologia e homenagens a autoridades

políticas ou militares relacionados, de alguma forma, ao meio da vida política da

capital. Esta situação pode ser percebida em contexto nacional. Fato é que o Estado é

nesse momento o principal financiador dos grupos teatrais, inclusive, muitos pedidos

de auxílio eram feitos às autoridades políticas como ao Presidente ou ao Ministro

Gustavo Capanema. Estes, por sua parte compareciam a festas, demonstrando-se

interessados, mandavam cartas parabenizando os artistas e participando ativamente no

processo de concessões. É importante perceber que alguns artistas possuíam certa

proximidade ao presidente, o que facilitava o processo dos subsídios. Figuras

conhecidas na época, como Procópio Ferreira, Jayme Costa e Luiz Iglézias são alguns

nomes que podem ser citados (CAMARGO, 2011, p. 9).

É necessário ressaltar, o teatro funcionava como um produto orientado pelos

interesses governamentais do Estado Novo. As autoridades políticas acabavam, no

fim, controlando a produção cultural através do Departamento de Imprensa e

Propaganda do governo federal e suas filiações estaduais. Assim, os artistas que

mantinham relações com parte do governo se beneficiavam da política vigente. No

Pará, Divaldo Ribeiro se utilizou da influência e relações com autoridades da política

regional para manter-se em cartaz nos teatros de Belém. Exemplo é a apresentação

prestada ao general Zenóbio da Costa, outra ainda mais simbólica, a programada para

servir de homenagem à Amaral Peixoto.

Divaldo Ribeiro entrou em contato através de um telégrafo com o Interventor

do Rio de Janeiro, Amaral Peixoto. Em mensagem, avisou que iria encenar uma peça

dedicando-a ao governante carioca. Como resposta, o secretário do governo do Rio de

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Janeiro, Heitor Gurgel, via rádio informou “o prazer de agradecer em nome do sr.

Interventor federal a representação da comédia em homenagem à ação s. excia. contra

a quinta coluna” (A VANGUARDA, 1942, p.3). A Vanguarda ratificaria a notícia

confirmando que haveria uma nova apresentação da peça, contudo, ainda não

confirmando a data. Acreditava-se apenas na possibilidade de o governador e prefeito

aceitarem novamente patrocinar a encenação devido aos “dotes cívicos e a posição

definida no momento” (A VANGUARDA, 1942, p.3).

O jornal Folha do Norte em 13 de Agosto de 1942 noticiou o que, na época,

poderia ser compreendido como uma afronta aos interesses nacionais e ao mesmo

tempo, uma demonstração da real existência dos inimigos eixistas em território

brasileiro. Reproduzindo artigo publicado pelo periódico carioca, A Noite, o jornal

noticia que Divaldo Ribeiro, autor da peça teria sofrido “sabotagens dos

quintacolunistas” que pretendiam boicotar a peça para que não fosse apresentada ao

público paraense. Segundo o que foi divulgado, o autor deveria tomar cuidado com

possíveis agressores defensores dos países do eixo, o que teria sido alertado pelo dono

da pensão em que estava hospedado. Apesar de a notícia apenas especular uma

suposta intenção, sem ação concreta, foi o suficiente para intitular a manchete “o

autor de ‘coisas da 5ª Coluna’ foi ameaçado de agressão” (FOLHA DO NORTE,

1942, p.6).

Com a popularidade e interesse da peça bem delineados, cabia à imprensa

fazer o seu papel e noticiar mais uma vez o espetáculo em Belém. No dia 03 de

Setembro já é o início da chamada para que o público se prepare. Local e data já

estavam definidos. A Apresentação iria ocorrer no Teatro da Paz no dia 14, com o

apoio do interventor do estado e do prefeito (A VANGUARDA, 1942, p.3). Não

ocorreu. Sem justificativas, a peça simplesmente passou a ser anunciada em outra

data. Dessa vez, iria ser encenada no dia 18 de Setembro, ainda no mesmo teatro (A

VANGUARDA, 1942, p.4). Acompanhando os rastros deixados pelas fontes, o jornal

 

20  

continuou divulgando datas. A encenação passou a ser marcada para o dia 22 de

Setembro e depois foi anunciado que “brevemente” seria apresentada ao público.

Neste último anúncio, uma novidade. A data foi remarcada e o interventor Amaral

Peixoto seria representado pelo prefeito de Belém (A VANGUARDA, 1942, p.4).

Infelizmente, devido à ausência de maiores informações nas fontes

pesquisadas, não foi possível compreender com precisão o porquê de o evento não ter

ocorrido. Contudo, é possível conjeturar que por problemas, desinteresse ou outros

compromissos o interventor carioca não pode ou não quis estar presente nos dias

marcados para a peça. Ao que parece, não fazendo sentido a encenação de Abelardo

Condurú no lugar do outro, a apresentação acabou por não ocorrer.

No fim, a trajetória de Divaldo Ribeiro no circuito de Teatro paraense foi

profícua. Rendeu-lhe fama, adjetivos lisonjeiros, e tornando-o figura respeitada pelas

autoridades públicas paraenses. É interessante perceber como, no momento da guerra,

uma peça de teatro consegue mobilizar de forma significativa a sociedade. Com a

caracterização dos personagens e o contexto em que se insere, é possível afirmar que

Coisas da Quinta-Coluna foi uma peça que se encaixou perfeitamente com os

interesses do governo, de suas intenções para a cultura nacional e, mais do que isso,

reproduziu no palco a representação de quem eram os inimigos do Brasil.

A peça apropriada como um instrumento político deixa uma semente plantada

na capital paraense. Os frutos começam a ser colhidos um ano após a iniciativa do

casal Ribeiro. Uma caravana passa pela capital tendo a frente o artista Raul Roulien, e

deixa suas marcas. Depois disso, o teatro começa a ganhar forma em Belém, não é a

toa que novas peças surgem, mesmo que sem a atenção e o brilho de Coisas da

Quinta-Coluna.

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O Legado se materializa: O Teatro de Guerra em Belém

O Pará tornou-se palco para o circuito de teatro nacional voltado para a guerra.

Passado um ano após Coisas da Quinta – Coluna, chegava ao estado uma caravana

dirigida pelo ator Raul Roulien, o chamado “Teatro de Guerra” que, patrocinado pelas

“mais altas autoridades civis e militares da República” prometia espetáculos teatrais e

radiofônicos a soldados e operários (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).

No momento da guerra o teatro ganha novos contornos necessários para

aproximar o momento beligerante à população e, ao mesmo tempo, também

demonstram o uso político dos financiadores das encenações para aflorar o sentimento

patriótico dos moradores da cidade de Belém. Voltada para as classes trabalhadoras, a

primeira apresentação, tinha como efeito agradar, nas palavras do Ministro

Marcondes Filho, aqueles “que se entregam ao árduo trabalho que este momento

exige”. Não aportava em Belém somente o espetáculo teatral, devido ao seu

envolvimento na produção de uma filmagem acerca das Forças Armadas Brasileiras,

faria, além das peças, filmagens na base aérea. Para contribuir e participar do filme,

foram selecionados alguns sujeitos locais por meio de seleção da imprensa paraense

(FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).

O patrocínio para trazer o artista à Belém do Pará foi oferecido por

autoridades políticas e nomes das forças armadas. O Interventor Amaral Peixoto, o

Ministro Eurico Gaspar Dutra, João Mendonça Lima, Marcondes Filho, Gustavo

Capanema, brigadeiro do Ar Guedes Muniz, coronel João Alberto, capitão A. Dutra

de Menezes, Guilherme Guinle, Euvaldo Lodi, J. Daudt de Oliveira e Gilberto

Andrade. Por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda que no Pará estava

sob a administração de Lindolfo Mesquita, favorecia por meio da imprensa a

publicidade de eventos como o espetáculo. Mais uma vez, o teatro passou a ser

utilizado como instrumento político.

 

22  

A propaganda impressa nas páginas de jornal trazia a imagem das autoridades

políticas como Interventor Federal, no Pará, Joaquim Magalhães Barata ou do

Presidente da República, Getúlio Vargas. O DIP cuidava para que a imagem do

governo fosse sempre lembrada, tal como, a propaganda acerca da comissão que

patrocinou o evento. Dessa vez, a promessa era a de participação do interventor

federal e do General Francisco de Paula Cidade, Comandante da 8ª região militar.

Fazia-se necessária a aproximação do gestor com a população, mais especificamente,

com os trabalhadores, tal como, com um agente do exército e o povo que defende

(FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).

A peça ocorreria no Teatro da Paz. A “Caravana Magalhães Barata”

homenagearia o Interventor federal. Subiu ao palco em 5 de Outubro de 1943.

Contaria com a participação do ator Raul Roulien, “o artista do Brasil”; Rosina Pagã,

“a estrela do encantamento”; Saddi Cabral “Grande nome no rádio brasileiro”;

Domingos Terra, “O Comico irresistível”; Conceição Andrade, “A garota de

‘Sarong’”; Carmem Azevedo, “A Impecável atriz”; Henrique Fernandes, “o aplaudido

Ator Gener”; e contava com a Direção Musical do Maestro José Lopes Filho. O

espetáculo se iniciaria com a apresentação acerca do “teatro de guerra”. Num segundo

momento, o “artista do Brasil” aparecia oferecendo a peça aos soldados e operários do

Brasil. Já num terceiro momento seria apresentada a peça “O Patinho de Ouro”,

caracterizada como “Engraçadíssima comédia para rir durante 2 horas” e uma

“magistral interpretação de Roulien”. E como momento final, um ato variado que

finalizaria a apresentação.

O Sucesso parece ter ocorrido rapidamente. Não precisou de muito tempo e os

jornais novamente voltaram a veicular notícia referente ao ator. Dessa vez, em grande

manchete, a propaganda fazia referência a dois conjuntos que juntos fariam uma

mesma apresentação. Patrocinado pelo empresário Felix Roqcue, a estreia ocorreria

dia 10 de Outubro de 1943, no teatro Coliseu, localizado no centro da capital

paraense, na Avenida Nazaré. A data marcava um dia especial, coincidia com o Círio

de Nazaré, festa religiosa que até os dias atuais atrai fiéis de várias partes do país para

a cidade de Belém. Provavelmente pensada para esse período, pois o grande número

de pessoas circulando pela capital paraense contribuiria para aumentar o público no

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teatro. Outro elemento da propaganda chama a atenção, uma página inteira nos alerta

para o espetáculo que, como uma de suas chamadas, se utiliza da expressão da guerra

Blitzkrieg: “Uma Blitzkrieg de alegria no Teatro Coliseu Sensacional! Sensacional!”.

Nada mais oportuno. O termo faz referência à estratégia de batalha alemã conhecida

como “guerra relâmpago” em que utilizava de todo o poderio bélico para de maneira

rápida não dar chances ao adversário. Nos primeiros momentos da guerra, essa

estratégia foi decisiva para sucessivas vitórias dos alemães sobre as nações inimigas.

No teatro, provavelmente, a metáfora faria referência aos atores que não teriam

piedade de seus espectadores e promoveriam risos na plateia, sem dar chances para

outro tipo de reação (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).

O elenco da peça contava com atores nacionais e que possuíam interessantes

epítetos. Rosina Pagã era conhecida como “a estrela máxima do rádio e cinema

brasileiros”; Saddi Cabral , “o grande ator do teatro nacional”; Conceição Andrade ,

“A encantadora Vedette”; Domingos Terras , “o imperador das gargalhadas”;

Carmem de Azevedo, “magnífica dama central”, Henrique Fernandes, “ator

genérico”; Dercy Gonçalves, “o demônio do riso”; Humberto Catalano, “irresistível

ator cômico”; Flora Matos, “o samba em pessoa que Belém Admira”; Duo Navarro,

“bailes do México”; Raquel Pucci, “a rainha do tango argentino”; Aida Bruno “eximia

atriz bailarina e cantora”. A direção artística da peça ficava a encargo de Saddi

Cabral, a direção cênica de De Chocolat e, para tornar o espetáculo ainda maior, a

participação de duas orquestras com a direção de Kalúa.

O chamado Teatro de Guerra de Roulien criou raízes em Belém. Não precisou

de muito tempo para que se formasse o “Teatro Estudantil de Guerra”. O empresário

da capital, Isaac Faria, foi o idealizador do projeto que reuniu um grupo de atores

paraenses. A encenação iria ocorrer e os ensaios começam a acontecer, a estreia foi

marcada para ocorrer no dia 26 de Novembro. Nome recorrente como benemérito do

grupo e grande patrocinador da trupe, Felix Roqcue, será associado ao grupo nos

 

24  

jornais. Dessa feita, ganha a alcunha de “patriota e amigo dos estudantes”. Com a data

da primeira apresentação se aproximando, os estudantes são convidados a conceder

uma entrevista na Sede da Folha do Norte, local onde também era produzido o jornal

Folha Vespertina (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.1).

O grupo formado por estudantes que integravam o espetáculo contava com

Isaac Faria, organizador e também diretor do conjunto; Delbanor Dias, ator e “galã”;

Alcy Araujo, “Announcieur”; Silézio Queiroz, pianista; Carlos Moura, diretor de

cena; Emilinha Gentil, atriz e “estrela da companhia”; Iêda Sampaio de Aquino,

cantora de samba e também de canções internacionais; Graziela Melo Dias, cantora de

Foxs; e contava ainda com as atrizes Orovida Franco, Mariza de Matos Costa e

Marilú Ramos.

As apresentações do grupo estavam agendadas. Sua estreia ia ocorrer na boate

do clube da Tuna – naquele momento conhecida como Grêmio Desportivo e

Recreativo Tuna Luso Comercial – no dia 26 de Novembro às oito horas da noite. O

público selecionado seria somente dos que faziam parte da lista de associados do

clube. Contudo, dois dias depois, mais um espetáculo já estava previsto para ocorrer

e, dessa vez, no mesmo salão, conjugando convidados e ingressos sendo vendidos

para o público em geral. O grupo ainda faria novas aparições em Bragança, retornaria

a Belém e partiria rumo a Manaus e outras cidades da região norte. Mais uma vez, foi

reiterado o apoio de uma autoridade militar, o Comandante da 8ª Região, o General

Paulo Cidade (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.1).

O jornal Folha Vespertina classificava no dia seguinte como “coroada de

êxito” a estreia do Teatro Estudantil de Guerra. Com poucos recursos, tendo em vista

a formação do grupo por estudantes, o jornal relata que houve uma grande comoção

sobre o público que não cansou de aplaudir os artistas amadores que se apresentaram.

A apresentação iniciou as 20 horas e 15 minutos e seus diversos números foram

descritos com destaque. Dentre eles, Emilinha Gentil considerada a grande estrela do

conjunto e que empolgou o público com a canção “aquarela do Brasil”. Importante é

destacar o papel de Almir Nobre que homenageou o grupo das “Folhas” (representam

os jornais Folha do Norte e Folha Vespertina) (FOLHA VESPERTINA, 1943, p.3).

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E as apresentações foram ocorrendo. A Folha Vespertina continuou

publicando os dias das apresentações. Dentre eles, o propagandeado quarto

espetáculo. Dessa vez, não mais no clube da Tuna Luso, mas sim, no Clube do Remo.

A apresentação ocorreria no dia 16 de Dezembro novamente às 20h. Com um

programa dividido em duas partes, o primeiro possuía oito apresentações e o segundo,

com nove, era encerrado por meio da “apoteose”, quando todos os atores

participavam com o acompanhamento do pianista Silézio Queiroz ao fundo dando

linhas finais ao espetáculo enquanto as cortinas se fechavam (FOLHA

VESPERTINA, 1943, p.2).

Conclusão

Ao abrir as cortinas, a ribalta ecoou a voz de sujeitos, personagens e criou

relações entre o palco e o público. Este formado por pessoas de diferentes grupos da

sociedade, desde autoridades políticas notórias e militares de alta patente até humildes

trabalhadores. Tendo esta conjuntura, é possível perceber as relações estabelecidas

entre os sujeitos históricos e como, neste momento, as políticas culturais foram

promovidas pelo Estado e, por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda,

houve necessidade de afirmação dos valores defendidos pelo governo varguista; o que

desemboca em uma notável e importante relação entre a política e o teatro.

Nesses laços formados e fortalecidos encontra-se como pano de fundo o

cenário da Segunda Guerra Mundial, no mundo e, no Brasil, o Estado Novo. Tal

contexto tem de ser pensado como um momento singular em que foram construídas e

reproduzidas imagens e representações de aliados e inimigos. Seja por meio dos

periódicos, literatura de cordel ou ainda, do teatro, diversas foram as formas

encontradas para enfatizar o papel dos espiões e os mecanismos que haviam criado

para atuar no país.

 

26  

Ao fazer a investigação histórica, o que as fontes nos possibilitam perceber é

que, Coisas da Quinta-Coluna, não foi uma exceção à regra proposta naquele

momento. Circunscrito no período do Estado Novo e, mais do que isso, influenciado

pelos interesses do Brasil e sua entrada na guerra, seu ideólogo e produtor, Divaldo

Ribeiro, foi beneficiado pelos próprios interesses políticos do contexto. Ao perceber

as prerrogativas de que poderia usufruir quando estabelece laços com autoridades

locais, ele se utiliza do discurso e do apoio governamental para garantir a vida da peça

que construiu a sua história na capital paraense.

O teatro, dessa forma, atuou como meio eficaz da construção e reprodução

acerca da imagem e de uma suposta forma de atuação dos inimigos do Brasil, naquele

momento. Ao seguir o fio que conduz aos rastros de uma rede de relações

estabelecidas naquele contexto, é possível compreender o porquê da notoriedade e o

incentivo dado à peça de um autor desconhecido no meio paraense. Obviamente, não

se deve menosprezar a atuação e a competência do artista na produção do espetáculo,

contudo, é necessário perceber que o apoio e o interesse da classe política

contribuíram de maneira fundamental para o sucesso de crítica e de público.

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