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COLEÇÃO PROINFANTIL

Coleção Proinfantil Módulo II

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  • COLEO PROINFANTIL

  • PRESIDNCIA DA REPBLICAMINISTRIO DA EDUCAO

    SECRETARIA DE EDUCAO A DISTNCIA

  • COLEO PROINFANTILMDULO IIunidade 7livro de estudo - vol. 2Karina Rizek Lopes (Org.) Roseana Pereira Mendes (Org.)Vitria Lbia Barreto de Faria (Org.)

    Braslia 2005

    Ministrio da EducaoSecretaria de Educao a Distncia

    Programa de Formao Inicial para Professores em Exerccio na Educao Infantil

  • Livro de estudo: Mdulo II / Karina Rizek Lopes, Roseana Pereira Mendes, Vitria Lbia Barreto de Faria, organizadoras. Braslia: MEC. Secretaria de Educao Bsica. Secretaria de Educao a Distncia, 2005.

    76p. (Coleo PROINFANTIL; Unidade 7)

    1. Educao de crianas. 2. Programa de Formao de Professores de Educao Infantil. I. Lopes, Karina Rizek. II. Mendes, Roseana Pereira. III. Faria, Vitria Lbia Barreto de.

    CDD: 372.2

    CDU: 372.4

    Ficha Catalogrfica Maria Aparecida Duarte CRB 6/1047

    L788

  • MDULO IIunidade 7livro de estudo - vol. 2

  • SUMRIO

    B - ESTUDO DE TEMAS ESPECFICOS 8

    FUNDAMENTOS DA EDUCAO O BRINQUEDO E A BRINCADEIRA ...................................................... 9Seo 1 O brinquedo como produo cultural e histrica ............ 1 1

    Seo 2 A cultura ldica .................................................................. 17

    Seo 3 Ontem e hoje: a criana e suas formas de brincar .......... 23

    Seo 4 O brincar e a construo de significados ......................... 28

    ORGANIZAO DO TRABALHO PEDAGGICO O FAZ-DE-CONTA INFANTIL E AS MLTIPLAS FORMAS DE

    REPRESENTAO E ExPRESSO PELA CRIANA ............................... 41Seo 1 Contextos ldicos .............................................................. 44

    Seo 2 Motricidade, afetividade, expressividade,

    pensamento e linguagem na aprendizagem ................... 53

    Seo 3 Corporeidade e o desenvolvimento da sexualidade da criana ........................................................................... 59

    Seo 4 Observar, registrar e avaliar a brincadeira infantil ......... 66

    c ATIVIDADES INTEGRADoraS 74

  • 8b - ESTUDO DE TEMAS ESPECFICOS

    8

  • 9FUNDAMENTOS DA EDUCAoO brinquedo e a brincadeira

    No h dvida que brincar significa sempre libertao.

    Walter Benjamin1

    1BENJAMIN, Walter. Reflexes: a criana, o brinquedo, a educao. So Paulo: Summus Editorial, 1984. p. 64.

  • 10

    ABRINDO NOSSO DILOGO

    Ol, professor(a)!

    Estamos iniciando mais uma unidade, trazendo o brinquedo e a brincadeira para o centro do nosso estudo. Este tema nos lembra a infncia e a criana, principalmente quando entendemos que o brinquedo e a brincadeira so meios significativos de interao da criana com a realidade.

    Por isso, entender a relao entre o brinquedo, a brincadeira e a criana se torna fundamental para que voc desenvolva uma prtica que leve em conta a criana e seu jeito particular de ver o mundo.

    Nesta unidade, desejamos que, alm de aprender sobre o papel do brinquedo em uma perspectiva da reproduo social, cultural e histrica e, ainda, alm de conhecer a importncia da brincadeira como forma privilegiada de as crianas pequenas conhecerem, compreenderem e se expressarem no mundo, voc possa rememorar sua prpria experincia com o brinquedo e a brincadeira.

    DEFININDO NOSSO PONTO DE CHEGADA

    Objetivos especficos desta rea temtica:

    1. Entender o papel do brinquedo em uma perspectiva da reproduo social e tambm em uma perspectiva de produo cultural e histrica.

    2. Entender o significado da cultura ldica construda nas brincadeiras infantis.

    3. Conhecer as formas de brincar da criana ontem e hoje.

    4. Entender o brincar como forma privilegiada de as crianas pequenas conhe-cerem, compreenderem e se expressarem no mundo.

    CONSTRUINDO NOSSA APRENDIZAGEM

    Esta rea temtica est dividida em quatro sees: a primeira seo vai apresentar o brinquedo na perspectiva da sua produo cultural e histrica, mostrando que o brinquedo traz consigo uma histria e um contexto que ajuda a compreender as relaes estabelecidas entre adultos e crianas; a segunda discute o significado da cultura ldica enquanto uma construo da criana nas brincadeiras infantis; a terceira enfatiza as diferentes imagens de crianas e as diversas infncias que podem ser reconhecidas na nossa sociedade,

  • 11

    podendo ser identificadas nas formas de brincar da criana em diferentes tempos e espaos; e a quarta apresenta o papel do brincar na construo de uma viso de mundo pela criana e na possibilidade que ele oferece para a criana conhecer, compreender e se expressar no mundo.

    Seo 1 O brinquedo como produo cultural e histrica

    Objetivo a ser alcanado nesta seo:- Entender o papel do brinquedo em uma perspectiva da reproduo social e tambm em uma perspectiva de produo cultural e histrica.

    O brinquedo sempre lembra um tempo determinado e uma histria.

    Quem j no ouviu falar do Stio do Pica-Pau Amarelo e da boneca de pano chamada Emlia? Eles fazem parte das histrias escritas por Monteiro Lobato no incio do sculo XX. Com o trecho transcrito a seguir, Monteiro Lobato comea o seu livro Reinaes de Narizinho.

    Numa casinha branca, l no sitio do Pica-Pau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos. Quem passa pela estrada e a v na varanda, de cestinha de costura ao colo e culos de ouro na ponta do nariz, segue seu caminho pensando: Que tristeza viver assim to sozinha neste deserto... Mas engana-se. Dona Benta a mais feliz das vovs porque vive em companhia da mais encantadora das netas Lcia, a menina do narizinho arrebitado, ou Narizinho, como todos dizem. Narizinho tem sete anos, morena como jambo, gosta muito de pipoca e j sabe fazer uns bolinhos de polvilho bem gostosos.

    Na casa ainda existem duas pessoas tia Nastcia, negra de estimao que carregou Lcia em pequena, e Emlia, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo. Emlia foi feita por tia Nastcia, com olhos de retrs preto e sobrancelhas to l em cima que ver uma bruxa. Apesar disso, Narizinho gosta muito dela; no almoa nem janta sem a ter ao lado, nem se deita sem primeiro acomod-la numa redinha entre dois ps de cadeira.

    LOBATO, Monteiro, 1993, p. 13.

  • 12

    Jos Bento Monteiro Lobato

    Escritor, romancista e jornalista brasileiro, nasceu em Taubat, So Paulo, no dia 18 de abril de 1882, e faleceu na capital de So Paulo em 4 de julho de 1948. Em 1918 editou seu primeiro livro de contos, Urups, com grande sucesso, e iniciou sua atividade editorial fundando primeiro a empresa Monteiro Lobato & Cia., depois Companhia Grfica-Editora Monteiro Lobato. Estreou em 1921 na literatura infantil com A menina do narizinho arrebitado (reeditado depois como Reinaes de Nari zinho). Escreveu a seguir O Saci, O Marqus de Rabic, Fbulas e Jeca Tatu zinho, com milhes de exemplares vendi dos. Lobato conseguiu criar um mundo novo, repleto de personagens clebres, como D. Benta, Pedrinho, Narizinho e Emlia.

    Atividade 1

    a) E voc, recorda-se dos brinquedos da sua infncia? Talvez seja um tempo bem distante, talvez no to distante assim. Pode ser que sejam tantos brinquedos e tantas brincadeiras... mas pode ser que um brinquedo tenha sido especial. Voc pode descrever esse brinquedo?

    b) Por que voc escolheu esse brinquedo?

    c) Esse brinquedo foi feito por algum ou foi comprado?

    Vamos ler o texto que se segue com ateno e pensar em algumas questes importantes sobre o brinquedo e a infncia:

    - Uma boneca de pano como a Emlia, feita em casa num processo de intera-o, liga adultos e crianas, evoca a histria cultural do brinquedo enquanto um objeto ligado infncia. Essa histria comeou com o prprio reconhe-cimento da infncia como uma fase especfica da vida.

  • 13

    Pulando foguinho,

    Cenas infantis. Sandra Guinle

    Como visto no Mdulo I, Philippe Aris, pesquisador francs, estudou a histria social da criana e da famlia na Europa. Aris constatou que, at o sculo XVI, a criana ainda no ocupava um lugar significativo nessa sociedade. Assim que conseguia sobreviver aos primeiros anos de sua vida, logo ingressava no mundo adulto, usando os mesmos trajes e participando das mesmas atividades. A alta mortalidade infantil no permitia um apego maior dos adultos com as crianas.

    Na sociedade feudal, a criana era identificada com o adulto. Com o aparecimento da sociedade capitalista urbano-industrial, mudou tambm o papel e a insero da criana na comunidade. As condies de vida melhoraram, novas relaes sociais foram estabelecidas, em particular na famlia, e a criana passou a ter um espao mais garantido na sociedade. Surgiu um novo sentimento em relao infncia, especialmente porque as pessoas comearam a ter conscincia da particularidade infantil, ou seja, as coisas da criana que a diferenciavam do ser adulto. Desse modo, a criana passou a ter coisas direcionadas para ela: por exemplo, ganhou roupas especiais, diferentes daquelas que os adultos usavam.

    Aris identifica, ento, a partir dessa poca, duas atitudes aparentemente contra-ditrias, fruto do sentimento moderno da infncia: a paparicao, uma atitude de graa e encanto para com a criana por consider-la pura e ingnua, e uma outra atitude, severa, a partir da compreenso da criana como um ser imperfeito e incompleto e que, por isso, precisava da moralizao e da educao feitas pelo adulto. Por uma atitude ou por outra, a infncia passou a ser reconhecida como uma fase especfica da vida, com suas caractersticas e necessidades. Dessa forma, as crianas foram sendo alvos de aes especficas voltadas para elas. Isso possibilitou que o brinquedo fosse identificado como um objeto infantil.

  • 14

    Compreendendo um pouco mais

    Essa idia de uma infncia a ser protegida ou moralizada nasceu a partir das relaes estabelecidas na sociedade burguesa da Europa do sculo XVIII e XIX. Estabeleceu-se, assim, uma idia universal de infncia e de criana, como se todas as infncias fossem semelhantes e todas as crianas passassem pelas mesmas fases no seu desenvolvimento. Hoje, a partir de muitas pesquisas e estudos realizados, podemos compreender que, como a sociedade burguesa na Europa produziu uma determinada viso da infncia, tambm outras condies sociais, econmicas e histricas produziro outros significados para a infncia. A parti cularidade infantil precisa ser entendida, ento, a partir da sociedade na qual a criana est inserida e das relaes que adultos e crianas estabelecem entre si.

    Atividade 2

    Vamos pensar juntos sobre algumas questes do texto que acabamos de ler:

    a) Nos sculos anteriores ao sculo XVI, o que acontecia com a criana assim que ela conseguia sobreviver aos seus primeiros anos de vida?

    b) Explique, de acordo com o texto, o que a particularidade infantil.

    c) O texto fala de dois sentimentos que surgiram em relao infncia. Voc pode explic-los com as suas palavras?

    d) Ao longo da Histria, o que possibilitou a identificao do brinquedo como um objeto infantil?

    Para voc refletir . . .

    Olhando para a sociedade na qual voc est inserido, voc pode identificar diferentes infncias? Ou seja, crianas que vivem sob diferentes condies sociais e econmicas? Do que ser que elas brincam? Que brinquedos possuem?

  • 15

    Continuando nossa conversa

    Ainda l no sculo XVIII, antes de aparecerem as indstrias que passaram a fabricar objetos em srie, tudo era feito de forma artesanal. A partir do sculo XIX, com a revoluo industrial, o brinquedo deixa de ser o resultado de um processo domstico de produo, em que adultos e crianas se envolviam com a criao de brinquedos artesanais, e passa a ser comercializado. Hoje, no s podemos encontrar milhares de brinquedos iguais, como tambm em muitos pases do mundo meninas e meninos brincam de Barbie e tm video games do Digimon ou Bay Blade, que so bonecos.

    Dessa forma, os brinquedos trazem sempre a imagem do seu tempo. Com certeza, h cem anos atrs no encontraramos foguetes, robs, video games ou Barbies em lojas de brinquedos para crianas. Olhando os brinquedos das crianas, podemos compreender muitas coisas da sociedade em que vivem e tambm as relaes que as prprias crianas estabelecem com o seu meio.

    Voc pode pensar melhor sobre isso a partir do(s) brinquedo(s) que voc resgatou na memria da sua infncia, nas questes a), b) e c) da Atividade 1, no incio deste volume. Pode ser um brinquedo artesanal ou industrializado, pode ser especfico da regio onde voc mora ou uma boneca que faz parte do universo infantil de crianas de outros pases tambm.

    Luiz Fernando Verssimo um escritor gacho que assina colunas dirias na imprensa brasileira e tem obras adaptadas para cinema, teatro e televiso. Leia com ateno a crnica seguinte escrita por ele:

  • 16

    A Bola

    O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao

    ganhar a sua primeira bola do pai. Uma nmero 5 sem tento oficial de couro.

    Agora no era mais de couro, era de plstico. Mas era uma bola.

    O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse Legal!. Ou o que os garo-

    tos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou no querem magoar o

    velho. Depois comeou a girar a bola, procura de alguma coisa.

    Como que liga? perguntou.

    Como, como que liga? No se liga.

    O garoto procurou dentro do papel de embrulho.

    No tem manual de instruo?

    O pai comeou a desanimar e a pensar que os tempos so outros. Que os tempos

    so decididamente outros.

    No precisa manual de instruo.

    O que que ela faz?

    Ela no faz nada. Voc que faz coisas com ela.

    O qu?

    Controla, chuta...

    Ah, ento uma bola.

    Claro que uma bola.

    Uma bola, bola. Uma bola mesmo.

    Voc pensou que fosse o qu?

    Nada no.

    O garoto agradeceu, disse legal de novo, e dali a pouco o pai o encontrou

    na frente da tev, com a bola nova do lado, manejando os controles de um

    videogame. Algo chamado Monster Ball, em que times de monstrinhos dis-

    putavam a posse de uma bola em forma de bip eletrnico na tela ao mesmo

    tempo que tentavam se destruir mutuamente. O garoto era bom no jogo. Tinha

    coordenao e raciocnio rpido. Estava ganhando da mquina.

    O pai pegou a bola nova e ensaiou algumas embaixadas. Conseguiu equilibrar

    a bola no peito do p, como antigamente, e chamou o garoto.

    Filho, olha.

    O garoto disse legal, mas no desviou os olhos da tela. O pai segurou a bola

    com as mos e a cheirou, tentando recapturar mentalmente o cheiro de couro.

    A bola cheirava a nada. Talvez um manual de instruo fosse uma boa idia,

    pensou. Mas em ingls, para a garotada se interessar.

    VERSSIMO, L. F. Comdias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 41, 42.

  • 17

    Tanto a bola quanto o video game so brinquedos que servem de suporte para uma determinada brincadeira. A partir do ponto de vista de quem constri (seja ele um objeto artesanal ou industrial), a bola ou o video game vo sempre conservar o seu carter de brinquedo. Do ponto de vista de quem brinca, o brinquedo pode ser qualquer objeto utilizado como suporte para a brincadeira. s vezes, as crianas se envolvem por um longo tempo com um cabo de vassoura ao qual conferiram um significado de espada ou cavalo de pau. No podemos esperar que a criana veja um determinado brinquedo com o nosso ponto de vista adulto. Por isso, no trabalho que realizamos com a criana fundamental observarmos do que ela brinca e com o que ela brinca e disponibilizar diferentes objetos sejam eles considerados brinquedos ou no que possam servir de suporte para as suas brincadeiras.

    Assim, podemos entender que cada brinquedo pode ter diferentes significados a partir das condies histricas e sociais que se estabelecem em cada contexto.

    Atividade 3

    Bem, chegamos ao final desta primeira seo. O que voc destacaria, de tudo o que estudamos at agora, como o que mais chamou a sua ateno?

    Sugerimos levar e discutir com o seu grupo, no encontro quinzenal, os pontos destacados por voc.

    Seo 2 A cultura ldica

    Objetivo desta seo: Discutir o significado da cultura ldica construda nas brincadeiras infantis.

    Nesta segunda seo, vamos discutir sobre a cultura ldica. Um pesquisador francs, chamado Gilles Brougre, tem estudado a criana a partir da sua dimenso cultural e entende a brincadeira como o lugar em que a criana traduz e recria as imagens daquilo que ela vive a partir das suas interaes com o mundo. E, assim, ele afirma que:

    A cultura ldica , antes de tudo, um conjunto de procedimentos que permitem tornar a brincadeira possvel.

  • 18

    Observemos como Cndido Portinari pintou as brincadeiras infantis:

    Cndido Portinari, Futebol 1935 Pintura a leo/tela 97 x 130cm

    Cndido Portinari, Meninos Pulando Carnia 1957

    Pintura a leo/madeira 53.5 x 64.5cm

    Cndido Portinari, Meninos no Balano 1960

    Pintura a leo/tela 61 x 49cm

    O pintor Cndido Portinari (1903-1962) um dos principais representantes do modernismo brasileiro. Se voc quiser conhecer mais sobre o pintor e sua obra, acesse o site do Projeto Portinari na internet www.portinari.org.br

  • 19

    Atividade 4

    a) Voc j trouxe para este estudo a lembrana do seu brinquedo preferido. E agora, que tal trazer memria a sua brincadeira ou brincadeiras prediletas da sua infncia?

    b) E as crianas com as quais voc trabalha, do que elas mais gostam de brincar?

    c) O que voc percebe que mais influencia essas brincadeiras?

    d) Caso voc conhea outros quadros que retratem as brincadeiras infantis, seria interessante mostr-los s crianas e conversar sobre esses pintores.

    Pode ser que as crianas de hoje brinquem de coisas semelhantes quelas que permearam a sua infncia (ou no). No entanto, cada criana vai ser influenciada pelo contexto no qual ela est inserida. O importante entender que a brincadeira vai se organizando a partir dos objetos disponveis que a criana tem para eleger como brinquedos e tambm das experincias que ela estabelece com o seu meio. Assim, a criana brinca com o que ela tem mo (que ela transforma em brinquedo) e com o que tem na cabea (a sua imaginao).

    Voltemos ao pesquisador Gilles Brougre. Leia, com ateno, o que ele escreve sobre a cultura ldica:

    A criana brinca com o que ela tem mo e com o que ela tem na cabea.

    A brincadeira humana supe um contexto social e cultural. preciso efetivamente romper com o mito da brincadeira natural (para Gilles Brougre, a criana no nasce sabendo brincar, ela aprende a entrar no universo da brincadeira a partir das relaes que estabelece com o seu meio). A criana est inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos esto impregnados por essa imerso inevitvel. No existe na criana uma brincadeira natural. A brincadeira um processo de relaes interindividuais (relao de uma pessoa com a outra), portanto, de cultura. preciso partir dos elementos que ela vai encontrar em seu ambiente imediato, em parte estruturado por seu meio, para se adaptar s suas capacidades. A brincadeira pressupe uma aprendizagem social: aprende-se a brincar. A brincadeira no inata (no sentido de que a criana j nasce com esse potencial de brincar). A criana pequena iniciada na brincadeira por pessoas que cuidam dela.

    BROUGRE, G. 2001. p. 97, 98.

  • 20

    Atividade 5

    A partir do texto lido, procure destacar duas questes que voc considera fundamentais para o seu trabalho com a criana, justificando a sua escolha. O que for levantado por voc poder ser tema de discusso no grupo quinzenal.

    Estamos aprendendo que a criana, ao brincar, estabelece regras e comportamentos que so compartilhados. A isso chamamos cultura ldica. Ento, preciso esclarecer mais especificamente o significado das palavras neste conceito fundamental: cultura ldica.

  • 21

    Atividade 6

    Entendemos por cultura os significados que os seres humanos do s suas produes. Aquilo que o ser humano produz vai formando uma teia de significados, isto , a sua cultura. Por outro lado, a produo ldica a capacidade que a criana tem de reordenar os elementos retirados da realidade, organizando novas combinaes e produzindo novos significados, ou seja, a prpria brincadeira.

    O relato abaixo traz a observao de algumas crianas de 4 e 5 anos. Em seguida, h algumas perguntas para voc responder:

    [Numa escola de Educao Infantil algumas crianas esto espera do sinal da entrada.] Cris est correndo na parte de cimento que fica junto entrada. Vai e volta. Bel observa a amiga e diz para uma outra menina que a amiga est correndo. Cris, ento, pra e diz que est brincando e explica: tem que ir at o porto verde e voltar. Ela criou a brincadeira e explica as suas regras. Faz isso mais trs vezes. Outras quatro crianas esto sentadas, observando. Um menino decide ir brincar de correr tambm. Cris explica que tem que ir at o final da quadra e voltar. Logo so trs crianas indo e vindo (...). Uma menina maior segura a mo da irm menor. Cris, que comeou a brincadeira, logo impe: no, no pode segurar a mo, assim no vale. As meninas obedecem e logo soltam as mos. (BARBOSA, 2004)

    a) Ao observar a ao de Cris na hora da entrada, qual a concluso de Bel?

    b) No entanto, Cris d uma outra explicao. Qual ?

    c) Quais eram as regras estabelecidas por Cris na sua brincadeira?

    d) Com as suas palavras, como voc explica esse relato a partir do conceito de cultura ldica trazido por Gilles Brougre?

    Cenas infantis. Sandra Guinle

  • 22

    Se, por um lado, importante a presena do adulto para colocar a criana em contato com a cultura, por outro lado, fundamental que tambm possamos perceber a criana como um ser que produz cultura. E principalmente atravs da brincadeira, na interao com o outro, que a criana se apropria e recria o mundo a sua volta.

    Atividade 7

    Vamos terminar esta seo com uma poesia de Carlos Drummond de Andrade. Como vimos no Mdulo I, Carlos Drummond um poeta mineiro, nascido em Itabira, em 1902. Ele morreu em 1987, deixando como herana para ns, brasileiros, vrios livros de crnicas e poesias.

    A rua diferente

    Na minha rua esto cortando rvoresbotando trilhosconstruindo casas.Minha rua acordou mudada.Os vizinhos no se conformam.Eles no sabem que a vida tem dessas exigncias brutas.S minha filha goza o espetculoe se diverte com os andaimes, a luz da solda autgenae o cimento escorrendo nas frmas.

    ANDRADE, Carlos Drummond de. 2002. p. 35.

    Enquanto os vizinhos no se conformavam com as obras na rua, qual era a reao da filha do poeta?

    As crianas podem dar outros significados quilo que os adultos s vem com seus olhos, limitados pelos sentidos que eles j elaboraram para os diferentes acontecimentos do seu cotidiano. As crianas, no entanto, esto sempre criando novos significados. As crianas so produtoras de cultura!

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  • 23

    Para voc refletir ...Prezado(a) professor(a),

    Estamos vendo que, tanto o brinquedo quanto a brincadeira so muito importantes na vida da criana.

    Agora, para voc refletir: que lugar a brincadeira tem ocupado no trabalho que voc realiza com as crianas? Voc observa as crianas brincando? O que elas elegem como brinquedo em suas brincadeiras? Do que elas brincam? Como voc pode ampliar esse universo da brincadeira, contribuindo para que a criana seja produtora de cultura?

    Val

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    Seo 3 Ontem e hoje: a criana e suas formas de brincar

    Objetivo desta seo:- Conhecer as diferentes formas de brincar da criana, as diferentes imagens de criana e as diversas infncias que podem ser reconhecidas em nossa sociedade.

    Como vimos na primeira seo, as crianas sob determinada condio social e econmica estaro vivendo diferentes infncias. Se, por um lado, as condies sob as quais as crianas vivem produzem diferentes infncias, por outro, h uma coisa que as torna semelhantes: sua capacidade de criar, de imaginar, de trazer o mundo real para o mundo da imaginao e da fantasia.

  • 24

    Na seo anterior, aprendemos que a criana constri uma cultura ldica a partir dos significados que ela confere s suas aes, nas relaes que ela estabelece com o seu meio. Na produo de uma cultura ldica, as crianas vo se socializando e compartilhando suas brincadeiras.

    Levando em considerao as diferentes condies e os tempos dos acontecimentos ao longo da histria, podemos pensar na infncia de ontem e na infncia de hoje. O que mudou? O que permanece semelhante?

    Num passado no muito distante...

    Em 1944, um pesquisador brasileiro chamado Florestan Fernandes fez um estudo sobre brincadeiras infantis na cidade de So Paulo. Seu principal interesse foi estudar grupos de crianas acima de 6 anos que brincavam nas ruas. Ele descobriu que as crianas iam brincar nas ruas e se organizavam em grupos que eram chamados trocinhas. Inicialmente, as crianas de uma vizinhana se reuniam para brincar de roda, pique etc. Depois, aos poucos, iam formando laos de amizade e as brincadeiras de rua se transferiam para os quintais onde as meninas brincavam de comidinha, casinha, papai e mame. Os meninos, por sua vez, que comeavam jogando informalmente, medida que o grupo fortalecia seus laos de amizade, formavam times que podiam at receber nomes especficos como Infantil Estrela etc. O que o estudo desse pesquisador enfatizou foi a importncia dos brinquedos de roda e dos jogos para a formao das trocinhas. Toda uma cultura se forma a partir dessas relaes estabelecidas, tendo como suporte as brincadeiras das crianas na rua: quem pode brincar, as regras das brincadeiras, a linguagem utilizada, estabelecendo termos especficos desse contexto (trocinhas, ficando de mal, ficando de bem, brincar de casinha etc.). A essas construes das crianas, Florestan Fernandes chama cultura infantil (o que se aproxima muito da idia de cultura ldica trazida por Gilles Brougre). Ao perguntar s crianas onde aprendiam determinada brincadeira, Florestan normalmente ouvia: aprendi na rua. Dessa forma, a rua era o espao privilegiado de troca e aprendizagem entre as crianas.

    As brincadeiras que apareciam nas ruas traziam sempre, na sua origem, traos da cultura dos adultos, como romances velhos que eram transformados em jogos

  • 25

    dramatizados como A Canoa Virou, Ciranda a Roda etc. Essas composies so bem antigas e aparecem em romances velhos, por volta do sculo XVI. Ao longo de todos esses anos as crianas vo reelaborando essas brincadeiras e enriquecendo a cultura infantil. Isso no incrvel? Ento podemos concluir que a cultura infantil, se pensarmos junto com Florestan Fernandes, ou a cultura ldica, como aprendemos com o Gilles Brougre, constituda por elementos da cultura do adulto que so ressignificados pelas crianas e por dados elaborados pelas prprias crianas.

    Bem, vamos refletir sobre o que acabamos de ler?

    Atividade 8

    Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar. Vamos dar a volta e meia, meia volta vamos dar...

    Pique-ajuda...

    Bento que bento o frade...

    Batatinha frita um, dois, trs...

    Cenas infantis. Sandra Guinle

    Voc pode lembrar de outros jogos e brincadeiras de roda?

    Seria interessante se voc brincasse com as crianas da sua turma as brincadeiras que acabou de lembrar.

    So brincadeiras de roda e jogos infantis semelhantes a esses que Florestan Fernandes encontrou ao observar as crianas na cidade de So Paulo. Essas brincadeiras valorizam a socializao e a produo coletiva. Fora do grupo no h piques ou brincadeiras de roda.

    Vamos ver, ento, o que pudemos aprender com as idias desse texto que acabamos de ler. Voc pode anotar as respostas no seu caderno.

  • 26

    a) O que Florestan Fernandes est entendendo como cultura infantil?

    b) No estudo que Florestan Fernandes realizou, qual foi o espao privilegiado para a produo da cultura infantil? Por qu?

    c) Ao descrever as brincadeiras da sua infncia na Atividade 5, voc se identi-ficou com essa realidade trazida por Florestan Fernandes? Por qu?

    d) E, no cotidiano da sua escola, algumas dessas brincadeiras aparecem entre as crianas? Quais?

    E hoje? Onde brincam e quais so as brincadeiras das crianas?

    Ser que podemos reconhecer na criana de hoje aquela infncia estudada por Florestan Fernandes? preciso pesquisar. Mas certamente podemos identificar uma outra infncia sendo vivida por muitas crianas nos dias atuais. Ser que as crianas ainda brincam na rua e formam grupos? O que ser que influencia as brincadeiras das crianas hoje? Procure pesquisar em seu espao de trabalho as brincadeiras das crianas. Voc tambm pode pedir que elas desenhem as brincadeiras das quais mais gostam, digam as regras e vocs podero construir coletivamente um pequeno livro sobre os brinquedos e brincadeiras preferidas pelo grupo.

    H um estudo realizado pela professora Raquel Salgado, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sobre do que as crianas esto brincando atualmente. Ela escreveu um artigo falando sobre a influncia dos desenhos animados na construo dos significados e das brincadeiras das crianas. Ela comea esse artigo trazendo a letra da msica do desenho animado chamado Pokmon. Vejamos:

    Meu compromisso sempre vencer. Liberdade! Nova era vai chegar.Pra ser um mestre, Pokmon-Mestre, eu vou escrever a nova histria.Vou ser um Mestre-Pokmon!Ser algum com um poder maior que voc j tem. E com a alegria de viver, ningum vai me deter. O sonho poder! Temos que pegar!O seu destino voc quem faz, se simplesmente, realmente voc tentar. Voc hoje o melhor e seu prmio foi o maior. s seguir o caminho do sol.

    SALGADO, Raquel, 2003. p.75.

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    No desenho animado Pokmon, os principais personagens so um menino chamado Ash e seu amigo monstrinho Pikachu. O professor Oak deu para Ash o monstrinho Pikachu. Ash e Pikachu fazem parte de um universo de fantasia, um mundo particular. Nele, os monstrinhos vivem soltos como animais selvagens e so classificados em quinze gneros. H, por exemplo, os do tipo drago e venenoso. As pessoas desse mundo esto envolvidas com um nico objetivo: capturar mais e mais bichos. Para comear a caada, preciso possuir pelo menos um, j que s um Pokmon pode lutar com outro. Quem pega um deles guarda-o numa bola especial, a pokbola. Cada monstrinho deve ser treinado pelo seu dono (ou seja, qualquer criana que possua um Pokmon). Esse desenho animado de origem japonesa e foi criado por Satoshi Tajiri e, desde 1996, tem despertado a ateno de milhares de crianas ao redor do mundo (Revista Nova Escola, maro de 2000).

    Muitas crianas hoje esto em contato dirio com esses desenhos e trazem para o universo das suas brincadeiras essas informaes. Os desenhos animados que seguem a mesma linha do Pokmon, como Digimon, Dragon Ball Z, entre outros, trazem a idia de uma criana auto-suficiente e que no precisa de ningum para aprender. Ela pode tudo sozinha (como percebemos a partir da letra da msica). As brincadeiras coletivas, na rua, so substitudas pela televiso. A possibilidade de aprender coletivamente acaba sendo substituda por brincadeiras individuais como a do menino na crnica apresentada anteriormente, que no sabia o que fazer com a bola, ou pelo menos nem se interessou, enquanto brincava solitrio com o seu video game.

    Provavelmente no podemos impedir que as crianas estejam diante da televiso ou diante de um video game, mas podemos criar, na Educao Infantil, espaos

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    de coletividade e resgate dessa cultura infantil. Podemos observar as crianas e valorizar a sua cultura ldica.

    A criana apresentada nesses desenhos de hoje, que j aprendeu tudo, ou quase tudo, descartando a presena de algum que ensine, traz consigo a idia de um ser humano individualista, uma criana onipotente e independente em relao aos adultos.

    Para voc refletir e discutir com outros(as) professores(as) em seu encontro quinzenal:

    O que voc tem valorizado na sua prtica enquanto professor(a) da Educao Infantil? Que espao as crianas tm encontrado para criar cultura? H um espao privilegiado para a brincadeira como elemento fundamental nesse processo?

    Seo 4 O brincar e a construo de significados

    Objetivo desta seo:- Discutir o brincar como forma privilegiada das crianas pequenas conhecerem, compreenderem e se expressarem no mundo.

    Chegamos quarta e ltima seo desta rea temtica. Voc pode concordar conosco que brincar uma forma privilegiada de as crianas pequenas conhecerem, compreenderem e se expressarem no mundo. Mas, na verdade, como isso acontece?

    J aprendemos que no existe uma nica infncia, isto porque cada poca da nossa vida deve ser compreendida a partir das condies histrico-sociais que a produziram. No entanto, muitas vezes continuamos com a mesma idia identificada por Aris ao estudar a histria social da criana e da famlia na sociedade europia a partir do sculo XIII. Ora vemos a criana como ingnua e pura, algum que precisa ser protegido, ora lidamos com a criana como algum incompleto, como um ser que precisa ser preenchido de coisas boas para no se tornar algo ruim. Mas estamos aprendendo que a criana, ao mesmo tempo em que fundamental estar inserida em uma cultura para aprender, um ser humano de pouca idade, com capacidade de produzir cultura, de construir significados. Isto fundamental, porque o conceito que voc tiver de in-fncia e de criana ir sustentar a sua prtica.

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    Atividade 9

    O que voc leva em considerao quando planeja uma atividade para as crianas? Seria interessante anotar essas idias no seu caderno para discuti-las no encontro quinzenal. O que ser que os(as) seus(suas) colegas de formao tambm levam em considerao?

    Quando no compreendemos as crianas enquanto produtoras de cultura, corremos o risco de produzir e planejar coisas para elas seus brinquedos, a organizao dos espaos, as propostas a partir do modo como os adultos interpretam o possvel sentido que as crianas do ao mundo.

    Vejamos agora parte de uma outra crnica do escritor Luiz Fernando Verssimo, na qual ele traz mais uma imagem da sua infncia:

    Vivendo e...

    Eu sabia fazer pipa e hoje no sei mais. Duvido que se hoje pegasse uma bola de gude conseguisse equilibr-la na dobra do dedo indicador sobre a unha do polegar, quanto mais jog-la com a preciso que tinha quando era garoto. Outra coisa: acabo de procurar no dicionrio, pela primeira vez, o significado da palavra gude. Quando era garoto nunca pensei nisso, eu sabia o que era gude. Gude era gude.

    Bolinha de gude, Cenas infantis. Sandra Guinle

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    Juntando-se as duas mos de um determinado jeito, com os polegares para dentro, e assoprando pelo buraquinho, tirava-se um silvo bonito que inclusive variava de tom conforme o posicionamento das mos. Hoje no sei mais que jeito esse. Eu sabia a frmula de fazer cola caseira, algo envolvendo farinha e gua e muita confuso na cozinha, de onde ramos expulsos sob ameaas. Hoje no sei mais. A gente comeava a contar depois de ver um relmpago e o nmero a que chegasse quando ouvia a trovoada, multiplicado por outro nmero, dava a distncia exata do relmpago. No me lembro mais dos nmeros.

    Lembro o orgulho com que consegui, pela primeira vez, cuspir corretamente pelo espao adequado entre os dentes de cima e a ponta da lngua de modo que o cus-pe ganhasse distncia e pudesse ser mirado. Com prtica, conseguia-se controlar a trajetria elptica da cusparada com uma mnima margem de erro. Era puro instinto. Hoje o mesmo feito requereria complicados clculos de balstica, e eu provavelmente s acertaria a frente da minha camisa. Outra habilidade perdida.

    Na verdade, deve-se revisar aquela antiga frase. vivendo e desaprendendo. No falo daquelas coisas que deixamos de fazer porque no temos mais as condies fsicas e a coragem de antigamente, como subir em bonde andando mesmo porque no h mais bondes andando. Falo da sabedoria desperdiada, das artes que nos abandonaram. Algumas at teis. Quem nunca desejou ainda ter o cuspe certeiro de garoto para acertar em algum alvo contemporneo, bem no olho, depois sair correndo? Eu j.

    VERSSIMO, L. F. 2001. p. 45, 46.

    Atividade 10

    Voc se lembra de alguma coisa que sabia fazer na infncia e que agora no sabe mais? O qu? Ser que os seus colegas de formao tambm tm experin-cias semelhantes?

    Recordando o seu prprio universo da brincadeira infantil, o escritor constata que muitas coisas que ele sabia fazer j no sabe mais. Isso significa que as crianas sabem muitas coisas das quais ns, adultos, j nos esquecemos ou talvez nem tenhamos tomado conhecimento.

    Walter Benjamin, um filsofo alemo que viveu na primeira metade do sculo XX, escreveu sobre o conceito de infncia e de criana. Para ele, a criana no ingnua nem inocente, mas tem uma certa falta de habilidade para lidar com o mundo em

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    oposio segurana dos adultos. Mas exatamente por no dominar as coisas ao seu redor (em oposio a um adulto que pensa que domina), por no ter todas as respostas, a criana reinventa o mundo. De uma folha de rvore faz um assobio, de um cuspe ou um relmpago, faz um jogo... Para Walter Benjamin, a incompletude da criana que torna possvel a inveno. Ele escreveu: a criana aquela que pode fazer saltar de um simples pedacinho de madeira, uma pinha ou uma pedrinha as mais diferentes figuras. Ou seja, a criana aquela que de um cabo de vassoura faz espada, cavalo, muleta, tudo o que a sua imaginao mandar.

    Voc lembra de algum momento em que as crianas usaram a imaginao para dar outros significados a diferentes objetos ou situaes? Certamente, o cotidiano da Educao Infantil est repleto de tempos e espaos em que a imaginao da criana inventa e reinventa o mundo.

    Um outro pesquisador, que tambm tem nos ajudado a compreender a importncia da brincadeira para o desenvolvimento da criana, Lev Semynovitch Vygotsky. Como Walter Benjamin, Vygotsky tambm viveu na primeira metade do sculo passado. J analisamos alguns conceitos de Vygotsky sobre linguagem e pensamento, na Unidade 6 deste Mdulo II. Psiclogo e cientista, Vygotsky pesquisou o desenvolvimento infantil e destacou a importncia da brincadeira para esse desenvolvimento.

    Para este autor, como vimos na Unidade 5 de FE deste mdulo, a brincadeira atende sempre a uma necessidade da criana, motivando a sua ao sobre o mundo, embora deixe claro que nem toda necessidade gera uma brincadeira. Essa necessidade surge a partir de algo que no pode ser realizado a no ser no

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    mundo da imaginao, por serem necessidades que no podem ser atendidas de modo imediato. Assim, ao brincar, a criana cria uma situao imaginria, de modo a atender, pelo menos nesse universo imaginrio, essa necessidade.

    No entanto, ao imaginar esse universo onde podem encontrar as respostas para suas necessidades, a criana o faz a partir do prprio conhecimento que ela tem do mundo. Dessa forma, toda a imaginao que d incio brincadeira vem atravessada pela prpria cultura, gerando regras para a brincadeira.

    Atividade 11

    Leia com ateno a descrio de uma observao da brincadeira de cinco meninas em uma praa da cidade do Rio de Janeiro:

    um espao cercado, aberto ao pblico, arrumado pelo McDonalds. Crianas que aparentemente no se conhecem, brincam juntas nos brinquedos. Penso assim porque os adultos que esto com elas, cada um em um canto diferente da praa, no se comunicam entre si. Num brinquedo que parece uma nave espacial, esto brincando cinco meninas de idades bem diferentes: 2 anos, 5 anos, 8 anos, 9 anos, 10 anos (idades aproximadas). A que parece mais velha a me. As de 5 e 9 anos, so irms. A de 8 anos empregada e a de 2 anos filha. A menina que est no papel da empregada recebe ordens das duas irms: mandam que ela acabe de varrer e limpar tudo porque, quando elas voltarem, querem tudo limpinho. Quando as meninas saem, a menina que est vivendo o papel da empregada fala: Eu no vou limpar porcaria nenhuma, eu vou dormir. E entra na casa. Quando as irms voltam do passeio a menina que a empregada diz: Olha s, eu estava dormindo, ento vocs chegavam e brigavam comigo. Ela volta a dormir e as duas meninas brigam com ela: Acorda! Anda! Vai trabalhar! Limpe tudo agora. A me, que est dentro da casa, concorda e a manda trabalhar. Chega mais uma menina, que diz: Eu quero brincar, e uma das irms pergunta para a menina mais velha que est no papel da me: ela pode entrar?. De repente, a brincadeira se desfaz e elas vo para o outro brinquedo, assim, no mais que de repente. (BARBOSA, 2003. p. 3).

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    Voc identifica brincadeiras semelhantes entre as crianas com as quais voc trabalha? Procure observar as crianas brincando e depois relatar uma dessas situaes em seu caderno.

    Na descrio anterior (como provavelmente tambm acontece com as crianas que voc descreveu), durante o tempo todo a imaginao, a fantasia e a realidade se cruzam. As meninas interrompem a brincadeira para inserir um novo elemento, ou organizar a fala seguinte e logo continuam a brincadeira. Transitam com muita propriedade entre a fantasia e a realidade. Elas usam o brinquedo e elas dizem o enredo. No h um tempo pr-determinado para a brincadeira. As crianas determinam quando comear e quando parar, ou quando simplesmente interromper para recomear daqui a pouco.

    Bem, talvez voc trabalhe com crianas que ainda esto aprendendo a brincar, pois, segundo Vygotsky, entrar nesse mundo do faz-de-conta depende da capacidade de simbolizar. Ou seja, tornar presentes objetos ou situaes ausentes atravs da imaginao. A princpio os objetos tm uma fora determinante sobre a criana: uma escada para subir, objetos so para tirar e colocar, uma porta para abrir e fechar, determinando, assim, o que ela pode ou no fazer. Se o objeto no est presente, se a criana no pode v-lo, a ao tambm vai estar ausente: ela no pode imaginar-se subindo numa escada se no h escada para subir. A partir de um determinado momento do seu desenvolvimento, a criana passa a criar aes na imaginao, no dependendo mais do objeto. Assim, a criana adquire a capacidade de se comportar no s a partir daquilo que v concretamente, mas tambm tendo como suporte para a sua ao os significados que ela atribui aos objetos.

    A criana se encanta com o mundo e, por meio da imaginao, cria e recria a realidade, subvertendo a ordem das coisas. Precisamos aprender com as crianas. Aprender a alegria de ver, em cada pedao do nosso cotidiano, oportunidades, no para fazer sempre o mesmo, mas para ver o novo, para fazer sempre de novo, aquilo que para ns, adultos, j est revestido de significados endurecidos e enraizados na falta de imaginao, fantasia, criao.

    Aparentemente, esse brincar da criana, muitas vezes, parece no ter um valor pedaggico e, nesta compreenso, o tempo de brincar acaba sendo um momento em que o(a) professor(a) no se envolve com o grupo. Ser que professor(a) pode brincar? Conseqentemente, embora se considere a brincadeira algo importante para a criana, s brincar, ou um brincar que no seja dirigido pelo(a) professor(a), pode parecer menos importante, como um momento em que as crianas no precisam do(a) professor(a) ou que no se est trabalhando nada.

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    Segundo Vygotsky, a ao na esfera imaginativa, numa situao imaginria, a criao das intenes voluntrias e a formao dos planos da vida real e motivaes que envolvem os desejos tudo aparece no brinquedo. Vygotsky entende que a brincadeira cria uma zona de desenvolvimento proximal da criana, pois ela tem a oportunidade de ser aquilo que ainda no , pode agir como se fosse maior do que na realidade e pode saber e usar coisas que lhe so proibidas.

    Como voc j estudou nas Unidades 2 e 4 do Mdulo II, a Zona de Desenvol-vimento Proximal a distncia existente entre o nvel de desenvolvimento real e o nvel de desenvolvimento potencial. Ou seja, o espao entre aquilo que a criana sabe fazer por si mesma e o que ela pode fazer com a ajuda de algum.

    No faz-de-conta, a criana ultrapassa os limites reais do seu desenvolvimento, agindo na zona de desenvolvimento proximal. Dessa forma, diferentes situaes do criana essa oportunidade, de ser mais do que ela realmente , tornando-se motivaes para as brincadeiras.

    Agora, vamos terminar relembrando e refletindo sobre o que aprendemos nesta ltima seo.

    Atividade 12

    Pensando em situaes que ocorrem no seu cotidiano, na sua prtica, escolha um dos temas abaixo e escreva um texto:

    a) Enquanto para muitas pessoas a incompletude da criana para ser preen-chida pelo adulto, Walter Benjamin v a a possibilidade da inveno e da imaginao de um mundo onde a criana subverte a ordem das coisas: de uma tampa de panela ela faz um volante de carro.

    b) Segundo Lev Vygotsky, a possibilidade da brincadeira surge a partir da capa-cidade que a criana adquire em criar situaes imaginrias. Ela usa os seus conhecimentos da realidade para recriar um mundo em que ela pode saber e usar coisas que lhe so proibidas. Na brincadeira, a criana ultrapassa os limites reais do seu desenvolvimento.

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    para relembrar

    O brinquedo sempre nos leva a um tempo determinado e a uma his-tria.

    A particularidade infantil precisa ser entendida a partir da sociedade na qual a criana est inserida e das relaes que adultos e crianas estabe-lecem entre si.

    No sculo XVIII, antes de aparecerem as indstrias que passaram a fabricar objetos em srie, tudo era feito de forma artesa-nal. A partir do sculo XIX, com a Revo-luo Industrial, o brin quedo deixa de ser o resultado de um processo domstico de produo e passa a ser comercializado.

    A cultura ldica um conjunto de procedi-mentos que permite tornar a brincadeira possvel. A criana constri uma cultura ldica a partir dos signifi cados que ela confere s suas aes, nas relaes que ela estabelece com o seu meio.

    A cultura infantil, se adotarmos a expres so de Florestan Fernandes, ou a cultura ldica, seguindo Gilles Brougre, cons tituda por elementos da cultura do adulto que so ressignificados pelas crianas.

    Para Walter Benjamin, a incompletude da criana que torna possvel a inveno.

    Segundo Vygotsky a ao na esfera imaginativa, numa situao ima-ginria, a criao das intenes voluntrias e a formao dos planos da vida real e motivaes que envolvem os desejos tudo aparece no brinquedo.

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    ABRINDO NOSSOS HORIZONTES

    Aprendemos nesta unidade o valor do brinquedo e da brincadeira para a aprendi zagem e para o desenvolvimento da criana. importante, ento, que estejamos sempre pensando em ampliar esse universo da brincadeira.

    O seu trabalho como professor(a) na Educao Infantil pode ser mediador do resgate de espaos coletivos, de brincadeiras e jogos que favoream o compartilhar de experincias.

    Quando trazemos coisas prontas, quando definimos e pensamos pela criana todas as respostas possveis, estamos limitando as possibilidades para que a sua imaginao faa parte da nossa proposta pedaggica. Para isso, precisamos proporcionar momentos, no cotidiano da Educao Infantil, para que as crianas brinquem, no porque esto no tempo livre, mas porque planejamos e entendemos o lugar fundamental que a brincadeira ocupa no desenvolvimento infantil.

    Que novas brincadeiras podem surgir? Como ampliar esse universo da brincadeira e do brinquedo na Educao Infantil?

    - Observar atentamente do que as crianas brincam: Trazer novos objetos que possam servir de suporte (brinquedo) para novas idias e fantasias. Por exemplo, se as crianas brincam de fazer bolo no ptio, oferea recipientes de diferentes formas e tamanhos ou traga objetos que possam servir para enfeitar suas produes. No se esquea que a brincadeira da criana. Ela quem dirige e d os rumos para a sua imaginao.

    - Fazer, junto com as crianas e suas famlias, uma pesquisa de brincadeiras e jogos que fazem parte das suas histrias de ontem e de hoje. Depois, vocs podem aprender a brincar. Lembre-se: podemos aprender com os mais velhos, mas tambm podemos aprender com as crianas.

    - Organizar e valorizar um espao na sua sala, ou na escola, para a dramati-zao, onde a brincadeira do faz-de-conta (ou o jogo simblico) ganha uma dimenso significativa.

    GLOSSRIO

    Sociedade feudal: organizao econmica, social e poltica da Europa na Idade Mdia, em que pequenos proprietrios se submetiam a um poderoso senhor; homens pobres, mas livres, juravam fidelidade ao grande senhor em troca de proteo.

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    Sociedade capitalista urbano-industrial: organizao econmica, social, e poltica que sucedeu o feudalismo. O trabalho artesanal e a vida no campo cedem lugar vida na cidade e s industrias (fbricas com mquinas para o processo de produo seriada).

    Solda autgena: diz-se da unio de dois metais pelo derretimento parcial dos mesmos. (Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa)

    SUGESTES PARA LEITURA

    BENJAMIN, Walter. Reflexes: a criana, o brinquedo, a educao. So Paulo: Summus Editorial, 1984.

    BROUGRE, Gilles. Brinquedo e cultura. Coleo: Questes da nossa poca, n 43. So Paulo: Cortez, 2001.

    LOBATO, Monteiro. Reinaes de Narizinho. So Paulo: Brasiliense, 1993. p. 13.

    RICE, Chris & Melanie. As Crianas na Histria: Modos de vida em diferentes pocas e lugares. So Paulo: tica, 1999.

    SANTA ROSA, Nereide Schiaro. Brinquedos e Brincadeiras. So Paulo: Moderna, 2001.

    VYGOTSKY, L. S. A formao social da mente. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. Rio de Janeiro: Record, 2002.

    ARIS, Philippe. Histria social da Criana e da famlia. Rio de Janeiro: LTC, 1981.

    BARBOSA, Silvia Nli F. Corre vai, vai mais uma vez! Um estudo exploratrio sobre o espao e o tempo da brincadeira de crianas em um shopping. 26 Reunio Anual da ANPEd, Minas Gerais, outubro de 2003.

    BARBOSA, Silvia Nli F. Nas tramas do cotidiano: adultos e crianas construindo a educao infantil. Dissertao Mestrado em Educao. Departamento de Educao, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, 2004.

  • 38

    BENJAMIN, Walter. Reflexes: a criana, o brinquedo, a educao. So Paulo: Summus Editorial, 1984.

    BROUGRE, Gilles. Brinquedo e cultura. Coleo: Questes da nossa poca, n 43. So Paulo: Cortez, 2001.

    FERNANDES, Florestan. As trocinhas do Bom Retiro. In: FERNANDES, Florestan. Folclore e mudana social na cidade de So Paulo. Petrpolis: Vozes, 1979.

    LOBATO, Monteiro. Reinaes de Narizinho. So Paulo: Brasiliense, 1993. p. 13.

    Revista Nova Escola. Ano XV, n 130. So Paulo: Abril Cultural, maro de 2000.

    SALGADO, Raquel Gonalves. Eu tenho a fora!: os super-heris mirins nos desenhos animados e na vida. In: SOUZA, Solange Jobim. Educao@Ps-Modernidade: Crnicas do Cotidiano e fices cientficas. Rio de janeiro: 7 letras, 2003.

    VERSSIMO, L. F. Comdias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

    VYGOTSKY, L. S. Imaginacin y el arte en la infancia. Mxico: Hispanica, 1987.

    VYGOTSKY, L. S. A formao social da mente. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

  • 39

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    ORGANIZAO DO TRABALHO PEDAGGICOO faz-de-conta infantil e as mltiplas formas de representao e expresso pela criana

    Ateno detetive

    Se voc for detetive,descubra por mimque ladro roubou o cofredo banco do jardime que padre disse ammpara o amendoim.

    Se voc for detetive,faa um bom trabalho:me encontre o dentistaque arrancou o dente do alhoe a vassoura sabidaque deixou a louca varrida.

    Se voc for detetive,um ltimo lembrete:onde foi que esconderamas mangas do coletee quem matou os piolhosda cabea do alfinete?

    Jos Paulo Paes1

    1 Jos Paulo Paes autor de poesias para crianas, publicadas em vrios livros. A que voc leu no incio desse texto encontra-se no livro . So Paulo: Editora tica, 1990.

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    ABRINDO NOSSO DILOGO

    Prezado(a) professor(a),

    Voc j parou para pensar que grande parte das atividades que as crianas realizam pode ser proposta atravs de jogos e brincadeiras? J percebeu o quanto o brincar importante na vida da criana?

    Assim como o alimento e o afeto, o brincar e as brincadeiras devem fazer parte da vida da criana, desde muito cedo. No toa que se observa a alegria de um beb quando se mostra a ele um objeto e esconde-o para, em seguida, tornar a mostr-lo. Essa mesma alegria percebida quando, ao invs de um objeto, uma pessoa, brincando com o beb, desaparece e aparece novamente. So essas experincias e brincadeiras que vo estimulando e desenvolvendo os sentidos de um recm-nascido, levando-o percepo de sons, do movimento dos objetos, de canes de ninar, das conversas, dos abraos etc.

    Como as instituies de Educao Infantil podem incentivar a brincadeira entre as crianas, mesmo entre os bebs? Que tipos de brincadeiras podem ser promovidas com crianas bem pequenas? Como os(as) professores(as) podem contribuir para o desenvolvimento dessas crianas?

    Aprender significa fazer. Quanto mais a criana consegue expressar seus sentimentos, desejos e emoes atravs das artes plsticas, da msica e das brincadeiras, por exemplo, mais condies ela ter de viver situaes de aprendizagem. Nessas situaes, a criana vai descobrindo, conhecendo seu prprio corpo e como pode utiliz-lo para se expressar, para se comunicar com o mundo. Essas descobertas que a criana vai fazendo trazem muitos desafios e dvidas ao() professor(a). Qual a melhor maneira de responder s perguntas que as crianas fazem? Como lidar com as brincadeiras nas quais as crianas esto descobrindo seu prprio corpo e o corpo dos colegas? Qual deve ser a atitude do(a) professor(a) com relao s brincadeiras consideradas prprias para meninos e para meninas?

    Nesta unidade, sugerimos a voc algumas formas de lidar com essas e outras situaes do dia-a-dia das instituies de Educao Infantil, refletindo sobre elas a partir de temas j abordados em outras unidades do Mdulo II. Esperamos que voc possa aproveitar bastante este estudo!

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    DEFININDO NOSSO PONTO DE CHEGADA

    Estudamos em unidades anteriores o papel do ldico e a importncia do brincar para as crianas de todas as idades, inclusive o beb. Nesta unidade, pretendemos sugerir meios para garantir que as brincadeiras sejam parte significativa nesse perodo da vida dos pequenos.

    Ao final desta rea temtica, o que se espera que sejam alcanados os seguintes objetivos especficos:

    1. Compreender a importncia de favorecer mltiplas interaes das crianas com seus pares, com os adultos e com o ambiente, criando oportunidades para que as crianas partilhem a construo de brincadeiras variadas.

    2. Analisar situaes cotidianas envolvendo crianas pequenas, compreendendo o desenvolvimento como processo que envolve diferentes reas do compor-tamento humano.

    3. Refletir sobre o corpo e o desenvolvimento da sexualidade da criana pe-quena do ponto de vista da cultura.

    4. Desenvolver meios para observar e promover o brincar das crianas nas ins-tituies de Educao Infantil.

    CONSTRUINDO NOSSA APRENDIZAGEM

    Esta rea temtica apresenta quatro sees: a primeira sugere formas variadas de interaes das crianas entre si, com adultos e com o ambiente e prope a construo de brincadeiras com as crianas; na segunda seo voc convidado a refletir sobre a criana em movimento e a importncia do corpo na construo do conhecimento; na terceira seo vamos relacionar esse conhecimento do corpo com a questo da sexualidade e como esta se modifica ao longo da primeira infncia; e, finalizando, a quarta seo requer do(a) professor(a) especial ateno no sentido de incentivar a criana. Tal incentivo se d medida que o(a) professor(a) compreende a ao da criana e o que a motiva, da a importncia de que ele(a) saiba observar e registrar as atividades desenvolvidas nas instituies de Educao Infantil. Voc j estudou esses temas nas primeiras unidades deste mdulo. Aqui vamos apenas relembrar e enfatizar o que h de mais importante para o(a) professor(a) observar para promover o desenvolvimento das crianas atravs de suas brincadeiras.

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    Seo 1 Contextos ldicos

    Objetivo a ser alcanado nesta seo:- Compreender a importncia de favorecer mltiplas interaes das crianas com seus pares, com os adultos e com o ambiente, criando oportunidades para que elas compartilhem a construo de brincadeiras variadas.

    Podemos comear a desenvolver este objetivo observando o quadro a seguir, pintado por Hans Thoma.

    Hans Thoma, Crianas brincando de roda - 1872

    No quadro que voc observou, as crianas parecem estar muito felizes e vontade em sua brincadeira. Parece haver companheirismo e familiaridade entre elas. Entretanto, esses laos de amizade e companheirismo so construdos, da a importncia de que as crianas encontrem, no ambiente da creche, da pr-escola, ou da escola, condies favorveis para estabelecer laos de amizade umas com as outras. A chegada das crianas na instituio de Educao Infantil um momento bastante importante para elas e tambm para o(a) professor(a), pois em muitos casos este o momento em que elas vo se conhecer, estabelecendo os primeiros contatos mais sistemticos com pessoas fora de seu ambiente familiar.

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    Atividade 1

    Como levar um grupo novo de crianas a estabelecer um bom relacionamento entre elas e voc? Para facilitar esse entrosamento, permitindo o estabeleci-mento de uma convivncia de respeito, de cooperao e de solidariedade, como voc as recebe num primeiro momento? Voc pode escrever um pouco sobre isso no seu caderno para comentar com seus(suas) colegas do PROINFANTIL no prximo encontro quinzenal.

    As sugestes que oferecemos a seguir podem ajudar voc, professor(a), e as crianas a viverem o momento da chegada delas na instituio de forma prazerosa.

    Pode-se preparar um local com jogos de encaixe, de montar, massa de modelar, lpis de cor e tambm livros de histrias para as crianas folhearem livremente. Esse material pode ser colocado em mesas ou disposto em cantos sobre tapetes e, medida que as crianas forem chegando, o(a) professor(a) vai sugerindo uma dessas atividades para que elas participem. Isso pode deix-las mais vontade e facilitar a comunicao entre elas. Os materiais de sucata, devidamente limpos para serem utilizados, tambm despertam muito o interesse das crianas.

    Val

    ria

    Mo

    urt

    h

    de

    Oliv

    eira

    O tema da adaptao ser tratado em outro mdulo de forma mais detalhada. Por ora, vamos oferecer algumas sugestes de atividades que podem favorecer o processo de adaptao das crianas instituio de Educao Infantil, j que estamos tratando de como se iniciam os relacionamentos.

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    Ao iniciar um trabalho com um grupo, primeiramente bom conhecer cada criana pelo nome. Este procedimento ajuda a criana a perceber que faz parte de um grupo que ela vai precisar conhecer, j que parte dele. fundamental saber o nome de todos e, se houver apelido, perguntar como a criana prefere ser chamada. Para facilitar esse entrosamento, sugerimos as atividades a seguir. Voc e o grupo podem criar outras.

    Exemplo 1

    Depois que as crianas tiverem chegado e tido oportunidade de se envolverem por algum tempo com os materiais dispostos no local, propor que todos se sentem formando um crculo. Em seguida, pedir que cada criana fale seu nome (o(a) professor(a) pode repetir o nome de cada um). O ltimo a se apresentar deve ser o(a) professor(a), falando seu nome.Pode-se, ainda, mostrar outra forma de dizer o nome usando som: bater palmas para cada slaba que forma um nome. Por exemplo, Marina ficaria assim: Ma ri na (bater uma palma para cada slaba). interessante perguntar s crianas se elas tm outras idias para a brincadeira.

  • 47

    Exemplo 2

    Pedir que cada criana repita o prprio nome e, em seguida, pedir que diga uma palavra cujo som final seja semelhante ao do seu nome.

    Ex.: Joo feijoMaria tia

    A proposta pode ficar mais complexa ao se pedir criana que forme uma frase com essas palavras.

    Ex.: Joo gosta de feijo.Maria visitou a sua tia.

    O Livro dos Jogos e das Brincadeiras para todas as idades, escrito por H. Brando e M. Froesler um livro fundamental para professores(as), educadores(as), terapeutas, enfim, profissionais que acreditam no valor e significado que os jogos e brincadeiras desempenham na vida da criana. O livro rene um acervo significativo com tudo que se relaciona a jogos, brincadeiras, brinquedos cantados etc. Muito bom mesmo.

    Repare, professor(a), que, da mesma forma que a brincadeira facilita a integrao de grupos, ela tambm pode favorecer o desenvolvimento de outras habilidades da criana, que tornam possvel um relacionamento mais estreito entre pares ou mesmo em pequenos grupos. Aos poucos, a criana vai interagindo, no s com seus colegas, mas tambm com crianas de outros grupos e adultos que fazem parte do seu dia-a-dia. A poesia a seguir mostra, de forma ldica, as muitas possibilidades de brincar com os sons, as palavras, com a linguagem enfim.

    Voc pode ler a poesia a seguir para as crianas e depois pode escolher com elas de que brincadeiras querem brincar. Caso alguma no seja conhecida de todos, voc a ensina. Pode, ainda, brincar junto com as crianas, mesmo que elas j saibam brincar sozinhas.

  • 48

    Balanando,Cenas infantis. Sandra Guinle

    Brincadeiras

    Uni duni t,salam minge.Um sorvete color,o escolhido foi voc.

    No parece passarinho,no parece aviador,mas passa sempre voandopelo escorregador.

    Sobe, sobe para o cu,desce, desce para o cho.A menina na gangorrabalana meu corao.Todo o mundo sai a toda,correndo atrs do colega. preciso estar pertona hora do pega-pega.

    Rodando no gira-gira,parece que a vida vira,parece que a roda roda,girando no gira-gira.

    Quem foge, cai na risada.Quem procura, no sossega.Escorrega tropeando,no jogo da cabra-cega.Fao tnel, fao estrada,fao largo com baleia,fao castelo gigantenaquele tanque de areia.

    Quem quiser brincar comigo,vem aqui, levanta a mo.Ficam trs de cada lado,vai ser polcia e ladro.

    corcunda, cabeludo,tem chifre e anda de quatro,no monstro, nem fantasma:vai pular aula de teatro.

    Pega, joga, dribla, passa,corre, chuta, cai e rala,cabeceia, grita, pula,vai e volta atrs da bola.

    Sobe l, mas desce logo,parece at uma dana.A viagem nunca chega,para quem brinca na balana.

    gostoso e divertidono tem risco nem perigo.A vida ganha sentido,quando se tem um amigo.

    Que desgraa, que desgosto,que maldade, que castigo,que pobreza, que tristezaa vida sem um amigo!

    Dezenove poemas desengonados.

    Ricardo Azevedo.

  • 49

    Atividade 2

    Que atitudes voc acha que o(a) professor(a) de Educao Infantil pode tomar quando percebe que algumas crianas demonstram certa dificuldade em participar de atividades que acontecem fora da rotina pr-estabelecida? Voc j teve um problema como este? Se j teve, seria interessante descrever o que aconteceu em seu caderno para trocar idias com os(as) colegas do PROINFANTIL no prximo encontro quinzenal.

    Atividade 3

    As crianas precisam estabelecer vnculos com outros adultos que trabalham na instituio, como tambm se sentirem vontade no espao que ocupam.

    Na sua prtica, o que voc faz para que as crianas estabeleam vnculos com as pessoas que trabalham na instituio? Anote sua resposta em seu caderno e leve-a para ser discutida com os(as) colegas do PROINFANTIL no prximo encontro quinzenal.

    Uma atividade interessante a ser feita quando as crianas ainda precisam se sentir mais confiantes em relao s outras crianas e adultos da instituio lev-las a conhecer todos os setores desse espao, como tambm as pessoas que nele trabalham. Orientadas pelo(a) professor(a), as prprias crianas podem fazer perguntas aos funcionrios, tais como: Como seu nome e qual o trabalho

  • 50

    que voc faz aqui? Voc gosta de trabalhar em lugares que tm crianas? Voc precisa de uniforme para trabalhar? Os(as) professores(as) conhecem voc? Essas perguntas podem ter sido planejadas antes da visita ou no.

    Terminada a visita, para que a atividade seja mais completa, voc pode propor:

    a) Um registro ilustrado dessa experincia (pedir que as crianas desenhem a visita).

    b) Um registro escrito dessa experincia: as crianas contam o que ocorreu e voc escreve em letras grandes o que elas esto falando. Depois, este registro pode ficar exposto na sala, sendo retomado sempre que vocs quiserem se lembrar da visita.

    c) A construo de um painel coletivo com desenho, pintura, ou mesmo uma brincadeira com msica, para expresso de movimentos e emoes.

    Atividades como essa permitem que as crianas conheam a instituio, deixando-as mais seguras para interagirem no s com os outros, colegas e adultos, mas tambm com o ambiente onde se encontram.

    A instituio um espao onde ela vai dividir com os outros tudo o que faz, inclusive as aes para chamar a ateno da professora. Assim, o papel do(a) professor(a) o de despertar a curiosidade das crianas para conhecer esse ambiente, seus espaos e pessoas, mostrar diferentes formas de explor-lo atravs de brincadeiras e mostrar as variadas formas de as crianas se expressar a respeito dele.

    Val

    ria

    Mo

    urt

    h

    de

    Oliv

    eira

  • 51

    Professor(a), como dissemos em Abrindo nosso dilogo e em outras unidades, por meio das brincadeiras e dos jogos que a criana, gradativamente, vai conseguindo construir seu conhecimento, constituir-se enquanto pessoa, relacionar-se com o outro, aprender e trocar com o grupo ao qual pertence.

    Em se tratando de Educao Infantil, a criana est comeando a desenvolver suas habilidades para as brincadeiras de modo gera,l e para a brincadeira do faz-de-conta, em especial, nas quais as regras ainda no esto estabelecidas. Nesse sentido, a liberdade de ao das crianas deve ser muito grande (tomando-se o cuidado para que as brincadeiras no ponham em risco a segurana delas). Por outro lado, observa-se ainda que, nessas atividades, as crianas criam e mudam as regras, de acordo com os interesses imediatos da brincadeira. Voc, professor(a), pode contribuir para que as crianas vivam esses momentos de forma prazerosa e proveitosa. Para isso, sempre bom conhecer um pouco mais sobre o tema. O livro sugerido no quadro a seguir pode ser til para voc

    FRIEDMAN, A. Brincar: crescer e aprender O resgate do jogo infantil. So Paulo: Editora Moderna, 1996.Esse livro tem como objetivo resgatar as brincadeiras e o jogo infantil, num tempo em que eles tm sido esquecidos. Numa linguagem clara e afetiva, com base em estudos e pesquisas, a autora nos mostra sua importncia e o benefcio que trazem para a vida da criana e de todos ns.

    Atividade 4

    No quadro a seguir, a professora Marlia Amorim descreve como as crianas com as quais trabalhava brincavam de Batatinha frita, um, dois, trs!

    Costumo sempre dar como exemplo o jogo da batatinha frita. Com crianas menores, antes de construrem o grupo e a regra, em geral, acontece assim: o lder do jogo aquele que conta batatinha frita, um, dois, trs e verifica quem deve voltar ao comeo, por ter se mexido modifica sua postura no decorrer do jogo. medida que as crianas chegam mais perto de seu posto e aproxima-se o momento de ced-lo a outro, ele prolonga o tempo de espera, at que todos se mexam e tenham que voltar ao incio. O jogo no acaba nunca e seu poder se mantm.

  • 52

    A brincadeira Batatinha frita um, dois, trs acontece da seguinte maneira:

    Coloque uma criana de costas para o resto do grupo. As demais crianas encostam as costas numa parede olhando para o que est na frente. Este conta: Batatinha frita, um, dois, trs! e vira-se rapidamente. Enquanto ele estiver contando, o grupo, ajoelhado ou se arrastando, move-se para chegar perto do comandante, mas quando este se vira os demais ficam imveis. Quem for visto se movendo, volta para a parede do incio. O que chegar primeiro assume o comando.

    Agora a sua vez! Pense numa brincadeira que as crianas da regio onde voc trabalha costumam brincar. Escreva como se brinca e como as crianas costumam se comportar quando realizam a brincadeira.

    Se voc quiser conhecer mais experincias da professora Marlia Amorim, sugerimos o livro comentado no quadro a seguir.

    AMORIM, M. Atirei o pau no gato a pr-escola em servio. Editora Brasiliense, 1986.

    A leitura desse livro deveria servir de base para todos que esto comeando a trabalhar com criana. Fazendo uso de uma linguagem simples e coloquial, Marlia conta suas experincias, prticas e conhecimentos sobre seu fazer com crianas e leva-nos a refletir sobre o nosso tambm.

  • 53

    Sabe-se que a criana, ao brincar, cria, inventa, imita e muda a brincadeira sempre que sente necessidade. No faz-de-conta, sempre troca os papis, ora sendo filha, ora se colocando no papel de me, por exemplo. Imita tambm o(a) professor(a), representa personagens dos contos de fadas. Essas histrias so repletas de situaes em que os conflitos e medos so resolvidos com coragem, ousadia, justia, astcia e amor. Assim, medida que trabalha suas emoes, a criana vai, ao mesmo tempo, conseguindo resolver seus conflitos, vai se conhecendo, sendo capaz de ver o outro e se inserindo em seu contexto.

    atravs dessas experincias que a criana se constitui uma pessoa individual, capaz de fazer escolhas, dizer o que pensa, participar e contribuir com o grupo a que pertence.

    Para favorecer esse fazer da criana, fundamental que o espao em que ela se encontra oferea recursos e materiais, como fantasias variadas, bolsas, culos, sapatos, maquiagem, espelho, chapus, mscaras, lenos de tamanhos variados, se possvel. Objetos de brinquedo que imitam os usados em casa, como panelas, pratos, talheres, vassouras, bonecas de tamanhos e tipos diferentes etc.

    Esses objetos vo permitir que as crianas expressem suas emoes, representando situaes variadas que vivenciam no seu cotidiano. O recomendado que se crie um espao no ambiente da instituio onde a criana fica. Havendo esse espao, bom que ele seja renovado periodicamente, para sugerir outros inventos e manter o interesse do grupo por ele. Os objetos que compem esse espao estaro ganhando papis e significados surpreendentes a partir das atividades das crianas.

    Na prxima seo, vamos continuar falando sobre a capacidade da criana de criar, desde que esteja motivada e se sinta vontade para expressar como percebe a realidade em que vive. Sua imaginao, ainda livre de padres pr-estabelecidos, cria situaes repletas de significados.

    Seo 2 Motricidade, afetividade, expressividade, pensamento e lin-guagem na aprendizagem

    Objetivo da seo:- Refletir sobre situaes cotidianas com crianas pequenas, apontando a necessidade de se ter uma viso de desenvolvimento como processo que envolve diferentes reas do comportamento humano.

  • 54

    Cena 1

    Lembrando coisas

    No comeo do dia, uma criana queria contar um segredo para a professora e perguntou se podia falar no ouvido, sem que ningum escutasse:

    Criana (baixinho): Sonhei com a Vilma.Professora: mesmo! E o sonho foi legal?Criana: Foi!Professora: Tinha mais algum no seu sonho?Criana: Ah! Tinha o Jorge.Professora: E onde vocs estavam no seu sonho?Criana: Numa floresta.

    Da a professora props que ela contasse o sonho na rodinha para todos os amigos, porque o sonho era legal e muito bom sonhar. Ela, sorrindo meio sem graa, disse que no. Mas, na hora, ela contou at mais coisas que aconteceram no sonho.

    KRAMER, S. Com a pr-escola nas mos uma alternativa curricular para a Educao

    Infantil. So Paulo: Editora tica, 1997. p. 43-44.

  • 55

    Ao nascer, o ser humano d incio ao seu processo de aprendizagem. As etapas de desenvolvimento pelas quais a criana passa so igualmente importantes e necessrias. A criana aprende balbuciando, chorando, sorrindo, rolando, engatinhando, ficando de p, andando e falando!

    A fala marca o momento em que a criana comea a se expressar, atravs da linguagem oral, dizendo o que sente, pensa e quer. Voc viu na unidade anterior que, mesmo no entendendo o significado de todas as palavras que ouve, a criana s vai aprender e desenvolver sua fala na troca com o outro. De tanto ouvir e repetir os sons, antes desconhecidos, a criana comea a entender seus significados e a comunicar-se em diferentes situaes. Assim, importante que a criana tenha a oportunidade de falar e de ouvir o que os outros dizem. As rodas de conversa so um momento importante na rotina da Educao Infantil para que a criana possa falar de seus sentimentos, de suas vivncias, medos, ansiedades e descobertas. Nesses momentos, professor(a), seu papel muito importante, ouvindo o que as crianas dizem, fazendo comentrios e incentivando os mais tmidos a se expressarem.

    Professor(a), sempre que possvel, responda com outra pergunta a pergunta feita por alguma criana. Assim fazendo, voc estar estimulando-a a pensar, a buscar respostas consigo mesma antes de ouvir a sua. Isso no significa que voc no v responder, informar, lhe fornecer novos dados sobre sua cultura, mas importante que a criana tente descobrir e encontrar respostas baseadas em seus conhecimentos e experincias antes de ouvir a resposta dada pelo adulto e tomar as suas prprias decises. Em algumas situaes, mais importante permitir que a prpria criana formule respostas para suas indagaes.

  • 56

    Nessa fase, em algumas situaes, ainda prevalecem a comunicao e as expresses atravs do uso do corpo. Assim, vale considerar as brincadeiras, jogos, brinquedos cantados, msicas que contemplem movimentos, gestos e expresses corporais.

    atravs do corpo que a criana d incio ao seu processo de comunicao e conhecimento do mundo. Enquanto cresce, a criana vai conhecendo seu prprio corpo e aprendendo a gostar e cuidar dele. Atividades que exploram o espao com relao s posies longe/perto, dentro/fora, em cima/embaixo, frente/atrs ajudam a criana a reconhecer os limites do espao onde se encontra e saber se situar e situar os outros. Conhecer seu corpo e suas possibilidades desperta o desejo de explorar essas possibilidades e ajuda a criana a enfrentar desafios que exijam movimentos e habilidades corporais, alm de possibilitar que ela use seu corpo para expressar sentimentos e emoes.

    Brincar com as crianas de Seu mestre mandou pode ajud-las a explorar a localizao do corpo no espao. As regras da brincadeira so as seguintes:

    Seu mestre mandou

    A brincadeira comea com a definio de algum para ser o mestre. A princpio, o mestre pode ser o(a) professor(a), alternando essa posio com outras crianas na seqncia da brincadeira.

    O mestre vai dando ordens que o grupo deve cumprir: Seu mestre mandou coar a cabea! Seu mestre mandou tocar o p! Seu mestre mandou ficar atrs da porta! Seu mestre mandou ficar na frente da mesa etc.

    A brincadeira continua enquanto houver interesse. O critrio para escolha do novo mestre pode ser combinado com as crianas: o primeiro a errar a ordem do mestre, ou aquele que obedecer a ordem mais depressa, ou, ainda, aquele que no errar nenhuma ordem. Essa brincadeira tambm conhecida como Seu macaco mandou.

  • 57

    Outra atividade pode ser desenvolvida a partir da poesia abaixo.

    Era uma vez

    Um dia a meninacriana se fez...Faz-de-conta,conto de fada,ciranda de roda,roda pio,cama de gato,bolinha de sabo,cabra cega,amarelinha,salada, saladinha,batatinha frita,um, dois, trs...Passa o anel,passando o basto,passa-passa...E a crianaEra uma vez!

    Paisagens da infncia. Ftima Miguez. Victor Tavares (il.)

    Voc pode comear recitando a poesia para as crianas. Nesse momento, voc pode usar e abusar da expresso corporal e das mudanas na entonao da voz. Em seguida, voc pode perguntar s crianas quais das brincadeiras que aparecem na poesia elas conhecem, escolhendo algumas para brincar. A escolha das brincadeiras pode ser motivo de discusso entre as crianas, o que vai exigir de voc habilidade para combinar as preferncias de maneira que todos sejam atendidos. O que for combinado deve ser cumprido.

    Algumas brincadeiras podem ser difceis de fazer no lugar onde voc trabalha. Voc pode, ento, explicar como a brincadeira e porque no possvel realiz-la naquele momento. Posteriormente, voc poder procurar um local e planejar a ida das crianas at l para fazer a brincadeira.

  • 58

    ATIVIDADE 5

    Das brincadeiras citadas na poesia, quais voc conhece? J brincou de alguma delas com as crianas? Quais? Escreva em seu caderno como foi uma experincia sua com o grupo de crianas com o qual voc trabalha ao brincar de uma dessas brincadeiras.

    Cndido Portinari, Menino com pio 1947 Pintura a leo/tela 65 x 54cm

    A figura acima mostra o quadro Menino com pio, de Antnio Cndido Portinari. A brincadeira de pio muito comum em vrias regies do Brasil e tambm citada na poesia Era uma vez. Na regio em que voc trabalha, as crianas brincam de pio? Com quais outros brinquedos elas brincam?

    Os textos que voc tem estudado neste mdulo tm mostrado os benefcios que o brincar traz vida da criana: ela se sente feliz, autoconfiante e estimulada em sua aprendizagem, com vontade de conhecer tudo que a cerca. Outras atividades podem estimular a brincadeira entre as crianas. A leitura de histrias, por exemplo, oferece s crianas oportunidades para imaginarem novos enredos para suas brincadeiras.

    H muitas formas de explorar com as crianas a leitura de histrias. Ao cont-las, importante que o(a) professor(a) use muitos recursos expressivos: fazer diferentes vozes, gesticular, criar um clima de suspense etc. Esses recursos fazem com que a criana se envolva na histria, despertando seu interesse e sua curiosidade. Voc pode convidar as crianas a recontarem a histria a seu modo, usando ou no o livro. interessante tambm, no caso do uso do livro, pedir que as crianas prestem bastante ateno nas ilustraes, contando o que vem. A partir da histria, podem ser desenvolvidas dramatizaes, teatrinhos de fantoches e/ou de vara, dentre outras atividades.

  • 59

    Algumas vezes, quando o(a) professor(a) utiliza o livro para contar histrias, algumas crianas demonstram o desejo de levar o livro para casa. Quando mais de uma criana manifesta esse mesmo desejo, voc pode discutir com o grupo uma forma de resolver a questo. Voc pode ajudar, mas deve esperar que a deciso venha do grupo. Tente apenas contribuir, lembrando criana que levar o livro para casa, traz-lo de volta para os colegas.

    ATIVIDADE 6

    No seu planejamento dos dois ltimos meses, h atividades relacionadas ao desenvolvimento da linguagem, psicomotor, scio-afetivo e cognitivo? Se a resposta for sim, escolha duas dessas atividades que tenham sido do agrado das crianas, avaliando esse resultado. Por que voc acha que elas se interessaram?

    Se a resposta for no, o que voc considera estar impedindo, ou dificultando, o desenvolvimento desse tipo de atividade? Seria importante voc anotar suas dificuldades e discuti-las com seu tutor e/ou com seus(suas) colegas do PROINFANTIL.

    Seo 3 Corporeidade e o desenvolvimento da sexualidade da criana

    Objetivo desta seo:- Refletir sobre o corpo e o desenvolvimento da sexualidade da criana pequena, do ponto de vista da cultura.

  • 60

    Cena 2

    Na aula de Educao Fsica, o professor percebe que os meninos esto debochando de um colega que usa uma camiseta rosa. O menino fica triste e o professor conversa com as outras crianas, que tm entre 4 e 5 anos, sobre as razes do deboche. Explica que tanto homens quanto mulheres podem usar qualquer cor de roupa, pois no existem cores s de homem ou s de mulher. No dia seguinte, o professor vai, ele prprio, vestido com uma camisa rosa.

    Professores(as) de Educao Infantil se deparam, em seu cotidiano, com diversas situaes como a descrita no quadro acima, em que as crianas discriminam colegas por utilizarem roupas ou fazerem brincadeiras consideradas prprias a meninos ou meninas.

    So tambm comuns situaes nas quais as crianas tocam seu prprio corpo ou o corpo dos colegas com curiosidade, descobrindo sua sexualidade e deixando o(a) professor(a) muitas vezes em dvida sobre qual atitude tomar.

    Falar de sexualidade exige do(a) professor(a) coragem, conhecimento e sensibilidade para tratar de algo to polmico. O tema da sexualidade deve fazer parte do currculo de todas as instituies educacionais, entretanto estas instituies esto sujeitas s normas da cultura do meio social onde esto inseridas. Por isso, cada instituio tratar o tema da sexualidade a partir do conhecimento e da disponibilidade que tm os profissionais que nela atuam, dependendo da maneira como pensam, percebem e entendem essa questo.

  • 61

    A sexualidade faz parte da vida do ser humano desde o seu nascimento. Entretanto, sabemos que a cultura social que dita os padres normais e corretos dos comportamentos prprios ao gnero feminino ou masculino.

    O psiquiatra e neurologista austraco Sigmund Freud desenvolveu estudos que revolucionaram nossa maneira de compreender a sexualidade. Estes estudos evidenciam que os comportamentos e sentimentos erticos tm incio com o nascimento da criana, modificando-se ao longo do seu desenvolvimento. Assim como todas as funes humanas, a sexualidade parte da vida das pessoas, sendo, por isso, natural. Conseqentemente, deve ser tratada com naturalidade. Segundo Freud, o desenvolvimento da sexualidade infantil passa por fases nas quais a fonte de prazer se localiza em partes distintas do corpo. Essas fases so: inicialmente de 0 a 2 anos, mais ou menos, a satisfao sentida atravs da boca; em seguida, de 2 a 4 anos, mais ou menos, a satisfao sentida atravs do nus e se relaciona ao esfncter e uretra; e depois a satisfao sentida, tambm, atravs dos rgos genitais (pnis ou vagina).

    Durante essas fases, a criana tem muitas fantasias e, alm de prazer, vive momentos de angstia, sensaes de perda, sofrimentos e dor. Todos esses sentimentos vo interferir no modo como a criana vai viver e experimentar sua sexualidade. importante que o(a) professor(a) compreenda como a criana est vivendo esta sexualidade para poder atuar como um(a) mediador(a) seguro(a) desse processo.

    Com crianas que levam tudo boca, importante ter o cuidado de que os objetos estejam limpos, tenham um tamanho adequado para no serem engolidos e sejam feitos de material atxico, pois certamente sero levados boca, considerando que desta forma que a criana conhece e experimenta o mundo sua volta.

    Mais tarde, o prazer est ligado ao controle dos esfncteres. A reteno e expulso das fezes e urina , para a criana, uma fonte de prazer. Sabendo disso, o(a) professor(a) de Educao Infantil pode contribuir para que a fase na qual a criana est aprendendo a usar o vaso sanitrio, deixando as fraldas, seja vivida com naturalidade e sem presses excessivas. preciso reconhecer que cada um tem seu prprio ritmo, evitando situaes como levar todas as crianas ao mesmo tempo ao banheiro, mesmo que algumas no manifestem essa vontade, ou deix-las por longo tempo sentadas no vaso sanitrio ou penico.

    Quando a criana descobre os rgos genitais como fonte de prazer, ela pode passar a tocar seus rgos com freqncia.

  • 62

    Ainda beb, a criana descobre que tocar em partes de seu corpo lhe proporciona

    uma sensao de prazer. A esse toque, d-se o nome masturbao. Ao descobrir

    as partes mais sensveis de seu corpo, sempre que sentir necessidade ou vontade,

    a criana voltar a tocar essas partes para se auto-satisfazer. Essa explorao

    do prprio corpo um processo de descoberta perfeitamente natural, que

    s deve preocupar pais e educadores quando se torna obsessivo. Se a criana

    deixa de brincar para ficar se masturbando, isso pode significar um alerta de

    que alguma coisa no est bem com ela. Pode ser que ela esteja ansiosa com

    alguma coisa que est lhe acontecendo em casa ou na escola, por isso pais e

    educadores devem estar atentos, observando o comportamento da criana para

    identificar o que est lhe causando ansiedade.

    Quando o(a) professor(a) percebe que alguma criana, em especial, passa muito

    tempo tocando o prprio corpo, alheia quilo que est se passando sua volta,

    sua atitude deve ser natural, chamando a criana a participar das atividades

    que esto sendo desenvolvidas, brincando com ela e procurando despertar seu

    interesse para outras situaes que estejam acontecendo. Proibies e castigos

    no surtem qualquer efeito positivo, pelo contrrio, aumentam a ansiedade,

    fazendo com que a criana sinta uma necessidade ainda maior de se masturbar.

    importante, tambm, conversar com a famlia da criana para entender o que

    est se passando com ela fora do ambiente da instituio.

    Outra situao bastante comum aquela em que as crianas se envolvem em

    brincadeiras amorosas, nas quais reproduzem atitudes, dilogos, situaes que

    observam entre os adultos, principalmente aquelas situaes veiculadas pela

    mdia atravs das telenovelas. Brincadeiras de mdico e de papai e mame

    tambm so jogos amorosos infantis que acontecem com freqncia. O que

    motiva essas brincadeiras a curiosidade natural que impulsiona muitas outras

    aes da criana. Curiosidade com relao a seu prprio corpo e com relao ao

    corpo do outro tambm. Como sabemos, a brincadeira o meio privilegiado que

    a criana encontra para lidar com o mundo real. Com relao sexualidade no

    diferente: brincando que a criana vai aprendendo a lidar com tudo que novo

    e desperta seu interesse. importante que tanto pais quanto professores(as)

    percebam que tais brincadeiras no tm um carter ertico ou sexual, no as

    interpretando com a cabea do adulto. Tambm importante nessas situaes,

    como em todas as outras que acontecem no cotidiano das instituies de

    Educao Infantil, que o(a) professor(a) esteja atento(a), observando o que

    acontece para intervir com naturalidade, sugerindo a substituio da brincadeira

    quando esta extrapolar.

  • 63

    O(a) professor(a) pode ajudar a criana a conhecer melhor seu prprio corpo, e o dos colegas, desenvolvendo atividades diversas, tais como:

    - Observar-se ao espelho, fazendo depois um auto-retrato.

    - Desenhar o corpo do colega. Uma criana se deita no cho, sobre uma folha de papel pardo, enquanto outra faz o contorno de seu corpo. Em seguida, so acrescentados os detalhes, com a ajuda do grupo: olhos, boca, nariz etc. im-portante que o(a) professor(a) no adote uma postura de censura se as crianas lembrarem, por exemplo, de desenhar no boneco os rgos genitais.

    - Sentir os diferentes ritmos do corpo: as batidas do corao aps uma corrida, a respirao etc.

    A seguir, vo dois exemplos de atividades que tambm tm o objetivo de conhecer melhor o corpo, explorando suas possibilidades, e que voc pode realizar com as crianas.

    1. Cabea, ombro, joelho e p

    Neste brinquedo cantado, voc nomeia e toca as partes do corpo, junto com as crianas, cantando uma msica:

    Cabea, ombro, joelho e pJoelho e p, joelho e p.

    Olhos, ouvidos, boca e narizCabea, ombro, joelho e p.

    Caso voc no saiba a melodia, pode inventar uma ou apenas falar os versos.

  • 64

    2. Pula um pouco

    Nesta brincadeira, voc vai cantando e executando a ao com as crianas:

    Pula um pouco, pula um pouco. Pula, pula, pula.

    Pula um pouco, pula um pouco. Como bom!

    Voc pode trocar o verbo pular por marchar, andar, danar, deitar etc.

    Mesmo antes da criana nascer, ela j comea a fazer parte do gnero a que pertence, sendo marcada por ele. Se menino, espera-se que siga o modelo masculino: os pais compram roupas na cor azul, a decorao do ambiente onde a criana ficar segue padres masculinos, espera-se que v gostar de futebol etc. Se for menina, segue o modelo feminino: roupas cor-de-rosa, bonecas etc. Esses modelos so reforados no s pela famlia e pelas instituies educacionais, como tambm pela Igreja, pela mdia etc. O objetivo desse reforo conseguir a construo de um sujeito disciplinado, capaz de controlar seus sentimentos e impulsos sexuais para enquadr-los nos comportamentos esperados. Com isso, a cultura social procura definir o que considera normal para uma identidade masculina e uma feminina.

    Entretanto, a criana muitas vezes subverte esses papis e o brinquedo o espao onde essa subverso se expressa. Muitas vezes os meninos gostam de se envolver em brincadeiras consideradas prprias s meninas e as meninas demonstram interesse pelas brincadeiras consideradas apropriadas aos meninos. Nessas situaes, as instituies educacionais tm um papel muito importante no sentido de promover prticas que tenham por obje