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Colecção O Essencial Coordenação Maria Helena Mira Mateus Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa ILTEC Alina ViIIalva Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa °f8sw cial LINGuíSTICA Maria Helena Mira Mateus Alina Villalva Colecção O Cssendal Coordenação· Ma' H I . . na e ena Mlfa Mateus e Alina Víllalva CAMIN-IO

Colecção O Essencial Coordenação Maria Helena Mira … · conceitos relacionados, como dialecto, sociolecto, idiolecto e va

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Colecção O Essencial

CoordenaçãoMaria Helena Mira MateusFaculdade de Letras da Universidade de Lisboa

ILTEC

Alina ViIIalvaFaculdade de Letras da Universidade de Lisboa

°f8swcial

LINGuíSTICA

Maria Helena Mira MateusAlina Villalva

Colecção O CssendalCoordenação· Ma' H I .. na e ena Mlfa Mateus e Alina Víllalva

CAMIN-IO

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICAAutoras: Maria Helena Mira Mateus

Alina ViIIalvaDesign gráfico' da capa: José SerrãoIlustração da capa: Reprodução de uma iluminura

. da árvore de gramática inclufda nas GrammaticesRudimenta, de João de Barros (c. 1540)© Editorial Caminho, SA, Lisboa - 2006Tiragem: 5000 exemplaresImpressão e acabamento: Tipografia Lousanense, L.d.

Data de impressão: Fevereiro de 2006Depósito legal: 238 708/06ISBN 972-21-1777-7

www.editorial-caminho.pt

o Essencial é uma colecção dedicada à divulgação do

conhecimento que tem vindo a ser produzido no domínio

da linguística, particularmente no que diz respeito ao Por­

tuguês.

Esta colecção é constituída por vinte volumes que tra­

tam independentemente matérias diversas, mas estão

organizados de acordo com uma estrutura comum. Em

cada volume poderá o leitor encontrar, na secção Antesde mais... , uma informação sumária sobre as questões pos­

teriormente desenvolvidas. Perguntas interessantes& respostas conhecidas abre espaço para a apresentação

dos assuntos próprios de cada volume, segundo as esco­

lhas do seu ou seus respectivos autores. A informação

aqui apresentada é complementada pelo conteúdo do

Glossário, que dispõe alfabeticamente os termos funda­

mentais de cada disciplina. Os leitores que desejarem

aprofundar os seus conhecimentos encontrarão algumas

sugestões em Outras leituras.Esta série destina-se a um público alargado com forma­

ção muito diversa, que procure consolidar um nível mé­

dio de cultura geral. Destina-se, em particular, a todos os

profissionais que usam a língua como ferramenta de tra­

balho, dos professores de Português aos tradutores e dos

jornalistas aos criadores literários. Dada a profusão de

relações de interdisciplinaridade em que a linguística par­

ticipa, esta série também deverá interessar a profissionais

de diversas formações e actividades, como psicólogos, so­

ciólogos, terapeutas da fala, agentes culturais e políticos.

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íNDICE

11 Antes de mais...

19 Perguntas interessantes & respostas conhecidas

21 Como se sabe que uma língua é uma língua?29 De onde vem a reflexão sobre a linguagem e as línguas?39 Onde começa a linguística?49 Será a linguística uma ciência?55 Do que trata a linguística?79 Para que serve a linguística?

93 Glossário

101 Outras leituras

107 Referências

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ANTES DE MAIS...

A reflexão sobre as línguas vem de há muito tempo, mas alinguística é uma ciência recente, pouco divulgada e mal conhe- .cida. Ainda menos conhecida é a actividade dos que trabalhamem linguística - os linguistas. Serão pessoas que sabem muitaslínguas? Ou serão aqueles cuja especialidade consiste apenas nadecisão sobre o correcto uso da língua (escrita e oral), no conhe­cimento da origem das palavras ou na informação sobre se existeuma região onde se fale 'bem' uma determinada língua? É certoque o linguista tem conhecimentos em qualquer um destes domí­nios, mas a sua actividade ultrapassa muitíssimo este tipo de pro­blemas.

Vejamos algumas perguntas a que a linguística procura darresposta: Como aprendemos a falar? Quais as característicascomuns e as que diferenciam as línguas? Como se relaciona ouso da língua com a actividade do nosso cérebro? Por que variamas línguas, por que desaparecem umas e surgem outras? E mais,muitas mais são as questões com que se preocupam os que es­tudam a linguagem e as línguas. Dar a conhecer o que constitui aciência da linguagem e a actividade dos linguistas é o objectivo dacolecção que se inaugura com este livro e que, para tal, é constituídopor uma apresentação geral do que se entende hoje como linguís­tica. Comecemos, então, por indagar como se define este termo.

Quando procuramos uma definição de linguística em dicioná­rios gerais ou especializados, em enciclopédias ou em obras de­dicadas especificamente a esta área, encontramos, em síntese,uma frase do tipo: Iingurstica é o estudo cientrficoda linguagem

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14 • MARIA HELENA MIRA MATEUS! ALlNA VILLAL VA

humana e das línguas naturais. Para quem nunca teve contactocom esta disciplina, a definição pode causar alguma perplexidade:

... línguas naturais... Mas haverá línguas 'não-naturais'? E por­quê estudar só as naturais?

Comecemos por esta questão das línguas naturais. Este é ono~e dado a línguas como o Português, o Francês, o Irlandês ouo Arabe, já que podem ser aprendidas como língua materna, masque também é dado ao Latim 1, que ainda hoje pode ser aprendidoe falado, mas que já não está disponível como língua materna' ouao Sânscrito, que perdura na índia apenas como língua sagr~da.

As línguas artificiais

. Integrado n~ colecção Construir a Europa, Umberto Eco [081 pu­bh~ou um. ~~salo, onde estabelece uma tipologia das ( línguas cons­trUlda~ a.rtlflclalmentell com base na identificação dos seus objectivos.Eco distingue assim:

• as línguas que buscam a perfeição estrutural ou funcional comoas línguas filosóficas criadas em Inglaterra nos séculos XVI" e XVIII(que procuravam substituir o Latim por outra língua veicular), comoo Lo!ba.n (uma língua oral criada com o propósito de eliminar a~mblguld~de) ou como o Láadan (que é apresentada como umahngua mais adequada à expressão das mulheres);

• as chamadas línguas internacionais, como o Esperanto ou o Ido(que pretende ser um aperfeiçoamento do Esperanto);

• e aslrnguas secr~t~s ou cifradas, .como a Língua dos Pês, quetem algum prestigio entre as crianças, ou o Minderico doscardadores e negociadores de lã de Minde, no início do século XVIII,q~e f~z lembrar os sistemas de criptologia que os meios de comu­nlcaçao actualmente disponíveis tornam cada vez mais necessários.

Fora dest~ tipologia fic?m ai~da várias línguas artificiais, como, porexemplo, o Khngon, uma Ilngua Inventada para os alienrgenas do StarTrek.

1 Latim é um termo que recobre sistemas linguísticos muito distin­tos: do Lati.m ~Iássico dos textos literários de autores consagrados, aoLatim EcleSIástiCO usado regularmente na liturgia católica até ao início doséculo XX, por exemplo.

o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 15

Ainda que a questão da origem das línguas continue a fazerparte da lista dos temas em debate, o que se sabe é que as lín­guas naturais (e mais especificamente, as protolínguas de quenão existem registos materiais) são manifestações espontâneasda capacidade de linguagem, ou seja, não foram construídas 'pelo'homem, foram construídas 'com' o homem. Pelo contrário, aslínguas artificiais foram arquitectadas deliberadamente por umapessoa ou por um pequeno grupo de pessoas, num tempo relati­vamente curto e, portanto, não se desenvolveram espontanea­mente numa comunidade de falantes, nem nunca foram aprendidascomo língua materna. Por outras palavras, as línguas artificiaissão definidas à partida, enquanto as línguas naturais correspon­dem à activação de um potencial inscrito no código genético hu­mano.

O interesse da linguística pelas línguas naturais e o comple­mentar desinteresse pelas línguas artificiais (embora haja algunstrabalhos de descrição da forma como estas línguas se organi­zam) decorrem do entendimento da linguística como uma ciênciacognitiva, o que nos conduz à segunda questão:

... linguagem humana... Mas haverá linguagem 'não-humana'?E porquê restringir?

Esta restrição põe fora do alcance da linguística outros siste­mas de comunicação, como o das linguagens dos animais, quesão igualmente naturais, mas se distinguem da linguagem huma­na (são clássicos os exemplos de comunicação entre abelhas ouentre golfinhos); ou o de formas de comunicação codificadas,como a linguagem das flores, a linguagem dos tambores ou aindalinguagens de programação.

Quando a 'linguagem' se acrescenta o adjectivo 'humana',o que se pretende é referir exclusivamente a actividade que de­corre da existência geneticamente determinada da faculdade dalinguagem. Ora, se este é um mecanismo universal, então a rela­ção com a gramática das línguas também é universal, o queimplica que todas as línguas possuem propriedades comuns.A estas propriedades dá-se o nome de universais linguísticos: porexemplo, o conjunto de sons que podem ser utilizados pelaslínguas naturais é universal; tal como a presença de elementos

16 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 77

(a linguagem humana e as línguas naturais) é uma abordagemobjectiva, sistemática, rigorosa e teoricamente enquadrada.No entanto, a demonstração de que a linguística é uma ciência,como sucede com qualquer outro domínio do conhecimento, e emparticular com as chamadas ciências humanas, é uma tarefa exi­gente. A afirmação serve, então, para já, como uma declaraçãode princípios e a demonstração virá um pouco mais adiante nestelivro.

A natureza concisa das definições deixa entrever que muitofica de fora. Fecha-se então, aqui, a definição da enciclopédia e

abre-se a porta a uma visita guiada pelas diversas dimensões destedomínio do conhecimento, que é a linguística.

fundamentais na frase.como o sujeito e o pre­dicado. A par dos uni­versais linguísticos.comuns a todas as lín­guas, há característicasparticulares que as dife­renciam: por exemplo,nem todas as línguastêm uma flexão verbaltão rica como a do Por­tuguês; nem todas aslínguas têm acento fixona última sílaba de cadapalavra, como o Fran­cês.

Compete, pois, àlinguística contemporâ­nea estudar a capacida­de humana de falar e decompreender enuncia­dos linguísticos e esta­belecer a relação entrea faculdade da lingua­gem e as línguas que aactualizam.

A última das ques­tões suscitadas pela de­finição apresentada noinício diz respeito ao ca­rácter científico dos es-tudos linguísticos:

... estudo científico... Mas porquê 'científico'? E 'científico'por oposição a quê?

Esta restrição serve, antes de mais, para garantir que a abor­dagem que a linguística faz ao seu objecto de conhecimento

---------------,A faculdade da linguagem

O conhecimento dos processos cogniti­vos ligados às formas de comportamentohumano alcançou enormes progressos nasegunda metade do século xx. o que tornouposslvel afirmar que esses processos decor­rem de uma base genética universal. Sendoa linguagem uma forma de comportamentohumano. já que todos os seres humanosfalam. deve então também admitir-se a exis­tência de uma capacidade do sistema cogni­tivo. inata e universal, que lhe está associada.É essa capacidade. a que se dá o nome defaculdade da linguagem. que permite a rea­lização de actividade linguística, ou seja, quepermite compreender e construir, com basenumas poucas dezenas de sons e numconhecimento gramatical implfcito. uma in­finidade de expressões linguísticas.

A existência da faculdade da linguagemnão é. porém. uma hipótese assente apenasna constatação da universalidade dos proces­sos cognitivos e de que todos os homensfalam. Esta hipótese é também sustentadapela forma como se processa a aquisição dalíngua. Trata-se de um processo comum atodas as crianças. qualquer que seja o estí­mulo linguístico a que são expostas. isto é.qualquer que seja a Ifngua que ouvem falar àsua volta. Em tempo incrivelmente breve. eperante dados incompletos. a competêncialinguística é rapidamente adquirida. Essaaprendizagem não pode provir senão de ummecanismo cognitivo universal e genético es­pecialmente preparado para esse fim.

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PERGUNTAS INTERESSANTES& RESPOSTAS CONHECIDAS

COMO SE SABE QUE UMA LíNGUAÉ UMA LíNGUA?

Se, entre outras competências, à linguística cabe o estudodas línguas, então justifica-se reflectir sobre o que é uma língua econceitos relacionados, como dialecto, sociolecto, idiolecto e va­riedade.

O entendimento comum destes termos faz com que se aceiteque dialecto identifica o sistema linguístico próprio de uma dadaregião (como o dialecto de Lisboa, por exemplo); que língua re­mete para o sistema linguístico que conjuga todos os dialectosfalados num país (o Português é uma língua); e que variedade sejainterpretada como a manifestação nacional que uma língua fala­da em países diversos assume em cada um deles (o PortuguêsEuropeu é uma variedade do Português). Sociolecto fica fora destahierarquia de conceitos, embora se possa definir como um con­junto de idiolectos que corresponde a um recorte social da língua(pode falar-se no sociolecto dos adolescentes, dos surfistas oudos economistas). O termo sociolecto tende a ser substituído pordialecto (que ganha em generalidade), encontrando mesmo umadesignação específica para algumas destas realidades, como noscasos de 'economês' ou de 'futebolês'. Idiolecto, que identifica osistema linguístico de cada falante, individualmente considerado,é um conceito praticamente desconhecido.

O que o entendimento comum destes termos mostra é que adefinição destes conceitos não assenta em critérios de naturezalinguística. Deste ponto de vista, uma língua é um sistema decomunicação que faz uso da faculdade da linguagem activada pelaexposição dos falantes a estímulos linguísticos, durante o cha-

22 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALINA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LlNGUfSTlCA • 23

Eduardo Paiva Raposo (*) [151

(*) Os números delimitados por parênteses rectos remetem para asreferências bibliográficas que encontra no final.

A língua portuguesa

«A realidade da noção de línguaportuguesa, aquilo que lhe dá umadimensão qualitativa para além deum mero estatuto de repositório devariantes, pertence, mais do que aodomínio lingUístico, ao domínio dahistória, da cultura e, em última ins­tência, da política. Na medida em quea percepção destas realidades forvariando com o decorrer dos tempose das gerações, será certamente deesperar, concomitantemente. queaextensão da· noção de língua portu­guesa varie também.))

o Português Brasileiro

Muitos intelectuais brasileiros,particularmente no início do sécu­lo xx, procuraram atribuir ao Portu­guês Brasileiro o estatuto de línguae de língua distinta do Português Eu­ropeu. O carácter voluntarista destatentativa condenou-a ao fracasso.

Em contrapartida, tem-se vindo avulgarizar, em Portugal, a opinião(algo pejorativa) de que a línguafalada pela crescente comunidadeimigrante brasileira é o 'brasileiro'.Talvez os portugueses ainda nãotenham compreendido as implica­ções desta posição: de um ponto devista estratégico, a unidade linguís­tica entre Portugal e o Brasil interes­sa ao Brasil e interessa também aPortugal.

Por outro lado, em deter­minadas circunstâncias, o ter­mo língua não chega paraidentificar o conceito, razãopela qual a linguística faz usode distinções como línguamaterna, língua segunda, lín­gua estrangeira, língua oficial,língua de trabalho, língua decomunicação, língua franca oulíngua ágrafa, para referir ape­nas alguns exemplos.

Face a esta variedade ter­minológica, não é, pois, fácildeterminar o número de lín­guas existentes no mundo:tudo depende do que se con­sidera ser uma língUa ou seclassifica como dialecto. En­contram-se algumas referên-cias a um número próximo dos 3000, mas o The Ethn%gue [9l,uma base de dados sobre as línguas do mundo, apresenta um totalde 6809, sendo que a Europa contribui com apenas 3% (ou seja230 línguas, muitas das quais estão quase extintas). Étambém inte­ressante notar que 96% das línguas existentes no mundo são fala­das por apenas 4% da população mundial; que cerca de 80% daslínguas são faladas apenas em um país e que cerca de 20 línguassão faladas por vários milhões de pessoas em diversos países.

O interesse destes dados não é meramente estatístico. O volu­me de Abril de 2000 do The Courier [181 é dedicado aos confli­tos e à coexistência das diferentes línguas do mundo. Aí se chamaa atenção para o facto de metade da população mundial usar ape­nas oito línguas, enquanto um sexto das línguas do mundo sãofaladas apenas na Nova Guiné. O mesmo documento refere o alas­tramento do Inglês como meio de comunicação mundial (vistocomo resultado de um fenómeno de imperialismo cultural). E men­ciona ainda o facto de grande número das chamadas línguasminoritárias estarem a desaparecer a um ritmo cada vez mais

mado período de aquisição da língua. Ora, do ponto de vista dalinguística, o conceito de dialecto pode ser definido da mesmaexacta maneira.

Tem, aliás, sido defendido por muitos linguistas que devemser tratados no âmbito de uma política linguística. Os critérios ob-

jectivos (como a inteligibi­lidade mútua, o número defalantes, a coesão geográ­fica e política da comunida­de de falantes) nem semprepermitem identificar comclareza o que é uma línguae o que é um dialecto.

Na verdade, são muitosos casos em que sistemaslinguísticos diferentes sãoclassificados ora como lín­guas diferentes, ora comouma língua e um dialectodessa língua. Por exemplo,o facto de o Português e oGalego serem, por alguns,consideradas duas línguas,

. ainda que derivadas de um mesmo Galaico-Português saído damatriz latina, não pode deixar de ser relacionado com a soberaniados países onde essas línguas são originalmente faladas: o Galego,em Espanha; o Português, em Portugal. Em contrapartida, que oPortuguês Europeu e o Português Brasileiro sejam considerados amesma língua é o resultado, por vezes contestado, de um dadopercurso histórico, quer por via da herança que Portugal partilhacom o Brasil, quer pela vontade que o Brasil sentirá de manter aconexão com Portugal. A escolha do Português, língua falada nassedes do poder político desde o início da colonização europeia,poderá servir esse fim.

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Varíedades dó Português

Português Falado. Documentos Au­tênticos [1 O] é um registo (com cerca de9 horas de gravação e transcrição orto­gráfica alinhada com o som). quer deconversas informais quer de interven­ções mais formais, exemplificativo doPortuguês falado em todos os paises deexpressão oficial portuguesa.

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zação do uso de tecnologias multimédia, como a televisão, tendea esbater as diferenças dialectais.

Por outro lado, ainda que o Português não seja a única línguaoficial de Portugal, é esta a língua falada por maior número defalantes e a que tem maiores possibilidades de crescimento. Asoutras línguas oficiais são a Língua Gestual Portuguesa e oMirandês. A Língua GestualPortuguesa é utilizada porboa parte da comunidadesurda portuguesa comolíngua materna. Esta línguasó foi oficialmente reconhe­cida em 2003, facto queveio a permitir, por exem­plo, a escolarização dosseus falantes nesta língua.O Mirandês3, que é umalíngua de origem asturo-Ieo­nesa e não galaico-portu­guesa (como o Português),tem estatuto de língua ofi­ciai desde 1999, mas sóé falado por um pequenonúmero de falantes, numaregião do Nordeste trans­montano, o que a caracte­riza como língua minoritáriae, a prazo, pode pôr emcausa a sua sobrevivência.Para além das línguas oficiais há, em Portugal, comunidades fa­lantes de línguas estrangeiras, como o Crioulo Caboverdiano, oRomeno ou o Ucraniano.

Por último, a distribuição geográfica das comunidades falan­tes do Português assegura a presença desta língua na Europa (Por­tugal), em África (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique

Repartição das línguas por continentes

África 30%

acelerado (sendo que comunidades linguísticas formadas por umnúmero de indivíduos inferior a 100 000 não asseguram a sobre­vivência da sua língua).

O nome das línguas é outra das questões que pode suscitarcontrovérsia. Parece ser um facto pacífico, esperável até, que emPortugal se fale Português, mas que esse seja o nome da línguafalada no Brasil é um dado que só é compreensível à luz do con­texto histórico de formação desse país. Por outro lado, que umadas línguas oficiais de Espanha seja o Espanhol, quando esse nomecorresponde a uma renomeação do Castelhano, é um facto quemuitos dos falantes nativos das restantes línguas oficiais de Es­panha (como o Catalão ou o Basco) têm dificuldade em aceitar.

A caracterização linguística de Portugal mostra-nos que acomunidade de falantes é maioritariamente falante nativa do Por­tuguês, o que significa que se trata de uma comunidade que nãoé afectada por muitas tensões linguísticas. Por um lado, as des­crições da diversidade do Português no território de Portugal (cf.[06al e [07]) mostram uma divisão mais ou menos estável entreos dialectos setentrionais (que incluem os dialectos transmonta­nos, minhotos e beirões), os dialectos centro-meridionais (que in­cluem os dialectos do Centro e do Sul) e os dialectos insulares(dos Acores e da Madeira)2. Sabe-se, no entanto, que a general i-

2 Há registos sonoros dos dialectos portugueses em www.instituto­camoes.pt/cvc/hlp/geografia/mapa06.html

3 Sobre este assunto pode consultar-se mirandes.no.sapo.pt

26 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 27

4 Dados do Ethnologue Survey (1999), disponfveis em web.archive.orglweb/19990422030645/www.sil.org/ethnologueltop100.html

A situação do Português é, pois, complexa e merecedora deatenção linguística e política. No conjunto das línguas do mundo,o Português é uma das mais faladas: embora a ordenação daslínguas varie de autor para autor, em função dos dados considera­dos e das fontes utilizadas, a graduação mostra com clareza queo Português ocupa uma das posições de topo. Vejamos o seguinte

exempl04:

Esta descrição do 'valor' do Português numa hierarquizaçãodas línguas do mundo pode induzir no erro de que há línguas

melhores ou mais importantes do que outras. Não é esse o senti­do que deve ser dado ao que acaba de ser dito: não é por serfalada por mais pessoas, em mais países ou em mais instituiçõesinternacionais que uma língua ganha maior valor intrínseco. O queessas medidas asseguram é a vitalidade da língua e alguma ga­rantia da sua preservação, com o que isso pode significar de van­tagem para as comunidades que a falam. Do ponto de vistalinguístico, o número de falantes de uma língua ou o prestígiointernacional que ela possa ter são critérios de comparação abso­

lutamente vazios de significado.A presunção de que há línguas melhores ou mais importantes

do que outras radica integralmente em raciocínios preconceituosos,semelhantes, aliás, aos que tomam a norma de uma língua comoum dialecto mais 'correcto', 'respeitável' ou 'sofisticado' do que

e São Tomé e Príncipe), na América do Sul (Brasil) e na Ásia (TimorLorosae e, residualmente, Macau). O reconhecimento do Portu­

guês como língua de trabalho em organizações internacionais,como a União Europeia, o Mercosul ou a Organização de UnidadeAfricana, vem desta disseminação pelos diversos continentes. Acomunidade internacional falante de Português já encontrou,mesmo, uma instituição sua representante, a Comunidade dosPaíses de Língua Portuguesa. A esta diversidade geográfica cor­

responde uma esperável diversidade linguística.

Os crioulos de base portuguesa

A propósito da diversidade do Português não pode deixar dereferir-se o papel desta língua na formação de um grande númerode crioulos:

«Os crioulos são línguas natUrais, de formação rápida, criadas pelanecessidade de expressão e comunicaçãoplena entre indivíduosin­seridos em comunidades multilingues relativamente estáveis. Cha­mam-se de base portuguesa os crioulos cujo léxico é, na sua maioria,de origem portuguesa. No entanto; do ponto de vista gramatical, oscrioulos são línguas diferenciadas e autónomas. I...)

Em África formaram-se os Crioulos da Alta Guiné (em Cabo Ver­de, Guiné-Bissau e Casamansa) e os do Golfo da Guiné (em SãoTomé, Príncipe ~ Ano Bom). Classificam-se como Indo-port\.lguesesos crioulos da India (de Diu, Damão, Bombaim, Korlai, Quilom,Cananor, Tellicherry, Cochim é Vaipim e da Costa de Coromandel ede ~engala) e os crioulos do Sri-Lanka, anti~()Ceilão (Trincomalee eBattlcaloa, Mannar e zona de Puttallam). NaAsia surgiram ainda criou­los de base portuguesa na Malásia (Malaca, Kuala Lumpur eSingapura)' e em algumas ilhas da Indonésia (Java, Flores,remate,Ambom, Macassar e Timor) conhÇlcidos soba designaçãode Malaio­portugueses. Os criOlJlos Sino~portugueses S~qOS de Macau eHong­-Kong. Na América encontramos ainda um crioulo que se poderá con­siderar de base ibérica, já que o português partilha com o castelhanoa origem de uma grande parte do léxico (o Papiamento de Curaçau,Aruba e Bonaire, nas Antilhas) e um outro brioulohO SlJriname, oSaramacano, que, sendo de base inglesa, manifesta no seu léxicouma forte influência portuguesa.)

Dulce Pereira [06 b]

1. Chinês, Mandarim2. Espanhol3. Inglês4. Bengali5. Hindi/Urdu6. Português7. Russo8. Japonês9. Alemão

10. Chinês, Wu

885,000,000332,000,000322,000,000189,000,000182,000,000170,000,000170,000,000125,000,000

98,000,00077,175,000

28 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA

outros ou aos que consideram que os crioulos não são línguas ousão línguas 'deficientes', ou ainda àqueles que afirmam que agramática de uma dada língua é mais complexa ou difícil do quea de outra. Não existe qualquer fundamento linguístico para ne­nhum destes raciocínios - trata-se de manifestações de uma ideo­logia que reconhece aos detentores do poder direitos que nãoreconhece aos restantes indivíduos e que defende que o acessoao poder passa pela imitação dos poderosos.

DE ONDE VEM A REFLEXÃOSOBRE A LINGUAGEM E AS LíNGUAS?

As notícias conhecidas sobre a origem das línguas humanassituam-nos entre 100 000 e 20 000 a. C. Sabe-se que o tractovocal evoluiu de uma forma não-humana, de modo a permitir oestabelecimento de um sistema de comunicação rápido e eficaz,ainda que à custa de uma perda de proficiência no sistemarespiratório e na deglutição. Também se sabe que o tracto vocalde um Neandertal é semelhante ao de uma criança recém-nasci­da nossa contemporânea, o que permite pôr a hipótese de que asua acuidade linguística seria idêntica. A origem das reflexõessobre as línguas tem, naturalmente, de ser posterior. O que sesegue procura dar conta dos pontos de viragem na história destedomínio do conhecimento.

A INVENÇÃO DA ESCRITA

Povos como os egípcios ou os sumérios, que inventaram for­mas de escrita numa época longínqua situada entre o IV e o II mi­lénios a. C" tiveram necessariamente que tomar consciência daestrutura da sua língua para a escrever. A invenção da escrita teriaque levar a uma reflexão sobre a natureza da língua, visto tratar­se de uma técnica que deveria dar conta dos elementos da línguafalada separando, pelo menos, as frases umas das outras. Tantoos egípcios quanto os sumérios escreviam já frases constituídaspor uma sucessão de símbolos que correspondiam às palavras.

Alfabetos

3D • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA

Alfabeto latino

As primeiras descrições linguísticas conhecidas foram produ­zidas em obras de gramáticos hindus, no I milénio a. C. Na índiaantiga, o Sânscrito (palavra que significa 'perfeito') era conside­rado como uma língua mágica e sagrada e, por essa razão, nãopodia sofrer a menor alteração de pronúncia ao ser usada nos ri­tuais religiosos. É, pois, em consequência de uma preocupaçãoreligiosa que as descrições desta língua vão surgir.

O mais conhecido dos gramáticos hindus é Panini, que viveuno século V ou IV a. C. A descrição dos sons, a representaçãodas sílabas por diferentes caracteres conforme as consoantes eas vogais que as constituem, as regras ou definições com que oautor explica a construção das frases ou dos nomes compostosmostram um conhecimento aprofundado do funcionamento doSânscrito. Esta preocupação com a preservação da pureza dalíngua, ou seja, com as consequências da mudança linguística- atitude que caracteriza a gramática de Panini e dos restantesgramáticos hindus -, irá sendo retomada ao longo dos séculos epersiste ainda nas chamadas gramáticas normativas, como, porexemplo, as gramáticas escolares destinadas ao ensino da língua.

As PRIMEIRAS GRAMÁTICAS

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 31

OS GREGOS E OS ROMANOS

O estudo das línguas desenvolvido pelos gregos orienta-se emdois sentidos. Por um lado, a curiosidade e o interesse acerca daorigem da linguagem, da mudança e da diversidade linguísticalevam a reflexões filosóficas como as que encontramos em Platão(428-348 a. C.l e em Aristóteles (384-322 a. C.). O ponto cru­cial destas reflexões situa-se na discussão entre a defesa, feitapor Platão no Crátílo [13], de que as palavras reflectem, por na­tureza, a realidade que nomeiam, e a convicção aristotélica deque o seu significado resulta de um acordo entre os homens e,portanto, é convencional [01].

Outros autores procuraram alcançar um conhecimento maisaprofundado acerca do funcionamento da sua língua. A análisedo Grego em todos os seus níveis começa por permitir um aper-

Além disso, os hieróglifos egípcios associavam frequentementeimagens de objectos reais a sons. Por sua vez, entre 1500 e 1000a. C., os chineses utilizavam ideogramas, ou seja, pequenos de­senhos que representam objectos ou conceitos e correspondem

a palavras monossilábicas,para representar outras pala­vras. Um dicionário chinêsdo século I a. C. regista 9000símbolos correspondentes a9000 palavras. Há portanto,tanto num caso como nooutro, uma análise, aindaque muito elementar, de cer­tas unidades básicas das lín­guas como as frases e aspalavras.

Foram, porém, os fení­cíos, que inventaram um al­fabeto de base fonética nasegunda metade do II milénioa. C., os primeiros a tomarconsciência dos sons que

constituíam a sua língua. Embora não possua caracteres que re­presentem as vogais, este sistema de escrita pode classificar-secomo um sistema de base fonética. E é este alfabeto fenício,reinterpretado primeiro pelos gregos e pelos romanos depois, queestá na base do alfabeto usado pela generalidade dos sistemasde escrita contemporâneos:

{ ~ 1 4 ~ Y 8 ~ ~ L ~ ~ O 7 ~ ~ W t V ~ ZA B CG D E F H IJ K L M N o P Q R S T U X Z

vw

Os alfabetos de base fonética sãolistas de símbolos gráficos convencio­nalmente ordenados, que represen­tam sons. A estes símbolos dá-se onome de grafemas.

Um sistema de escrita de basefonética corresponde a um avanço nahistória do conhecimento, já que a re­lação entre um som e um símbolo grá­fico pode ser mais universal do que arelação que envolve um conjunto desons associado a um significado, rela"ção que s6 é compreensível numadada língua particular.

Alfabeto fenício

32 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA

feiçoamento do alfabeto, mas também conduz à elaboração degramáticas. A autoria da primeira gramática grega, que distingueoito partes do discurso5 - artigo, nome, pronome, verbo, particí­pio, advérbio, preposição e conjunção - é atribuída a Dionísio deTrácia (170-90 a. C.l. A análise sintáctica do Grego é desenvol­vida na obra de Apolónio Díscolo (século II d. C.) que, na esteirade Aristóteles, considera que a estrutura da frase assenta em doiselementos fundamentais: o sujeito e o predicado.

O conhecimento da língua e o desenvolvimento da gramáticaentre os gregos estiveram intimamente ligados à preocupação coma interpretação dos textos dos poetas antigos, sobretudo doscélebres poemas épicos Ilíada e Odisseia, atribuídos a Homero(século IX ou VIII a. C.), dando, deste modo, origem à criação dafilologia, disciplina que estuda as línguas a partir de textos, literá­rios ou não.

As obras dos gramáticos gregos e a sua doutrina gramaticaltiveram repercussão sobretudo no oriente grego, chegando tar­diamente ao ocidente da Europa, através dos gramáticos latinos.Nas palavras de Mounin, «se Roma merece um capítulo numahistória da linguística, é bem menos por ter produzido que porhaver transmitido» [12]. Na realidade, e apesar de as obras dosgramáticos latinos serem mais demoradamente descritas na his­tória da linguística do que as dos gregos, o seu mérito é sobretu­do o de nos terem dado a conhecer as reflexões gramaticais efilosóficas dos seus antecessores, na linha, aliás, de outros ensi­namentos que Roma foi buscar à Grécia subjugada.

No entanto, também se deve ter em conta a importância dosgramáticos latinos, sobretudo porque muitas das suas obras apon­tam, originalmente, para uma finalidade diferente do estudo filo­sófico ou da doutrina gramatical. Note-se, por exemplo, que Varrão(116-27 a. C.), um gramático latino, distingue o uso da línguacomum do uso literário (considerado como o bom uso), presta umaatenção especial às questões etimológicas e procede a uma codi-

5 Chama-se 'partes do discurso' ou 'partes da oração' às categoriassintácticas, como 'verbo', 'adjectivo' ou 'advérbio', que também podemser designadas categorias gramaticais.

o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 33

ficação das regras fundamentais da língua latina. Por outro lado,a obra de Quintiliano (c. 40-100 d. C.), professor de retórica, des­tinava-se basicamente a formar o orador que utilizava a língua paraconvencer o seu auditório. E não se pode esquecer, por fim, EliusDonatus (século IV d. C.), autor da obra De Partibus Orationis,que se ocupa, como Dionísio de Trácia, da categorização das pa­lavras.

A IDADE MÉDIA

Os gramáticos latinos mantiveram-se como modelo durantetoda a Idade Média. Nos países nórdicos e anglo-saxónicos, asgramáticas latinas foram as primeiras a ser sistematicamente ela~

boradas para o ensino de uma língua estrangeira - neste caso oLatim que, durante séculos, cumpriu a função de língua franca.

Nos países de matriz românica, o estudo das línguas ver­náculas - como as várias línguas faladas na Europa Ocidental _era feito, até meados do século XVI, a partir de gramáticas escri­tas em Latim e que seguiam o modelo das primitivas gramáticaslatinas. A partir dessa altura, a alfabetização recebeu um notávelimpulso, que prosseguiu com a possibilidade de difusão dos tex­tos escritos, nos quais se incluíam as gramáticas. A partir daBíblia de Mainz, com apenas 42 linhas e cujos cerca de 180 exem­plares foram impressos entre 1452 e 1455 nas oficinas deGutenberg (ou talvez a partir da Ars Minor, uma gramática esco­lar de Elius Donatus cuja edição pode ter antecedido a da Bíbliade Gutenberg), a tipografia assegurou uma difusão muito maior amuitos mais textos. As gramáticas das línguas vernáculas e es­critas nessas mesmas línguas passaram, assim, a chegar maisfacilmente às mãos dos estudantes da época.

Em Portugal, onde já se falava Português há alguns séculos,a Gramática da Linguagem Portuguesa que Fernão de Oliveira pu­blicou em 1536, e a Gramática da Língua Portuguesa (1540), deJoão de Barros, são as primeiras gramáticas do Português, escri­tas em Português. Além de se tratar de obras escritas em verná­culo, estas gramáticas fornecem informações sobre a construçãodas palavras e das frases. Mas a área do estudo das línguas que

.f{.

34 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 35

A Ortografiade Nunes de Leão

Alguns exemplares estão dis­poníveis nos reservados da Bi­blioteca Nacional. A folha derosto aqui reproduzida provém daedição digitalizada, que pode serconsultada em purl.pt/15.

A edição mais recente, que éa 4.a, tem introdução, notas e lei­tura de Maria Leonor CarvalhãoBuescu e foi publicada pela Im­prensa Nacional ... Casa da Moe­da, em 1983.

tence aos primórdios do Renascimento e pode localizar-se no iní­cio do século XIV, a partir de um tratado de Dante sobre catorzedialectos italianos6 , que mostra a sensibilidade do poeta às dife­renças dialectais, embora as considere pouco dignas da «verda­

deira língua italiana»,É também no final da Idade

Média e no início do Renascimen­to que se dá um incremento doensino da leitura e da escrita emvernáculo, correspondendo às ne­cessidades provocadas pelas cir­cunstâncias históricas da época(como por exemplo as viagensmarítimas e as consequentestrocas económicas). Durante aprimeira metade do século XVI,

surgem numerosas Cartinhas, ouCartilhas, para aprender a ler, uti­lizadas em Portugal mas tambémenviadas para terras longínquas,como a Cartinha publicada emconjunto com a Gramática deJoão de Barros, ou a indicação,datada de 1512, de um enviode livros para a fndia com a se­guinte informação «Remete-seum caixote de Cartilhas paraCochim» [111.

A partir do século XVI publi­cam-se várias Ortografias, dasquais vale a pena destacar a Or­tografia da Língua Portuguesa, deDuarte Nunes de Leão (1576), as

6 Apesar de escrito em Latim, no De Vulgari Eloquentia /1304-1305),Dante faz um elogio da língua vulgar, que no seu caso é o Toscano, lín­gua que está na base do moderno Italiano.

conheceu maior desenvolvimento durante e a partir do século XVI

foi a fonética, em consequência da importância que se deu, pelaprimeira vez, à língua falada. A descrição que Fernão de Oliveirafaz das vogais e das consoantes do Português é um interessan­tíssimo exemplo do lugar de relevo em que o autor colocava asquestões de articulação dos sons.

o RENASCIMENTO E O INTERESSE PELO VERNÁCULO

Com o Renascimento desenvolveu-se, de forma sistemática,o estudo das línguas particulares. Afastando-se da tradicionalatenção dada a aspectos gerais que ultrapassavam as línguas in­dividuais (por exemplo, as definições genéricas de 'sujeito' e 'pre­dicado' como partes indispensáveis da oração), os gramáticoscomeçaram a examinar as características que distinguiam as lín­guas entre si. O começo do interesse pela variação dialectal per-

A primeira gramática portuguesa

A primeira edição da Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernãode Oliveira, foi publicada em Lisboa, em 1536. O único exemplar conhe­cido desta edição pertence à Biblioteca Nacional, que, em 1981, editouum fac-simile. Mais recentemente foidisponibilizada uma versão integral naSérie Memória da Ungua da BibliotecaNacional Digital (purl.pt/120j, de queaqui se reproduz a folha de rosto.

A terceira edição é de 1933 e foipre­parada por Rodrigo de Sá Nogueira (Lis­boa: José Fernandes Júnior). Em 1975,a edição e notas preparadas por MariaLeonor Carvalhão Buescu são publica­das pela Imprensa Nacional - Casa daMoeda. A edição mais recente, fixadapor Amadeu Torres e Carlos Assunção,foi publicada em 2000 pela Academia dasCiências de Lisboa.

36 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 37

__________________~!:...._ ___Il

o Verdadeiro Método de Vieira

A.Série Memória da Língua daBiblioteca Nacional Digitaldisponibi­liza uma reprodução digitalizada da1.• edição do Verdadeiro Método deEstudar, em purl.pt/118.

. Exis~e uma edição em cinco vo­lumes, de. António Salgado Júnior,publicada -pela Sá da CQsta .. Elntre1949 e 1952.

A Gramática Filosófica

A Série Memória da Língua da Bi­blioteca Nacional Digital disponibilizauma reprodução digitalizada da 1.a edi­ção da Gramática Filosófica, publicadaem 1822, pela Academia das Ciênciasde Lisboa (purl.pt/128).

incluindo a 'ortografia bárbara' ou a 'sintaxe solecista', termosusados para referir erros de ortografia e de sintaxe.

A par desta perspectiva prática do ensino e do estudo da lín­gua, os séculos XVII e XVIII foram pródigos em reflexões filosófi­cas sobre a linguagem humana e as características universais daslínguas. Tendo como exemplo a Grammaire Générale et Raisonéedos franceses Arnault e Lancelot (1660), surgiram nos séculosseguintes, em várias línguas, gramáticas filosóficas que procura­vam os fundamentos da capacidade humana de falar e interpre­tavam as estruturas das línguas de acordo com aspectos lógicosdo pensamento. Em Portugal, a obra mais notável e conhecidaneste domínio foi a Gramática Filosófica da Língua Portuguesa,de Jerónimo Soares Barbosa.

Regras Gerais, Breves e Compreensivas da Melhor Ortografia, deBento Pereira (1666), e a Ortografia ou Arte de Escrever e Pronun­ciar com Acerto a Língua Portuguesa, de Madureira Feijó (17341.

Entre os séculos XVI e XVIII, o ensino das línguas vernáculasocupou um espaço progressivamente mais amplo. Em Portugal, apar das gramáticas, das cartinhas e das ortografias, surgiramdicionários e vocabulários - são descrições do léxico da língua por-

tuguesa em que o Latim ocupa­va já uma parte diminuta.Notável neste domínio é o Vo­cabulário de Rafael de Bluteau,uma obra enciclopédica em dezvolumes, publicada entre 1712

e 1721.Foi também no século XVIII,

e com o firme apoio do Mar­quês de Pombal, que floresceue se impôs a importância daaprendizagem do Portuguêsnas escolas básicas. Luís An­tónio Verney inicia o seu Ver­dadeiro Método de Estudarpara ser Útil à República e àIgreja, Proporcionado ao Estiloe Necessidade de Portugal(1746) pela afirmação de queé necessário aprender a gramá­tica da língua materna comobase e 'porta' para outros es­tudos. Foi, aliás, a preocupaçãocom o ensino da 'norma culta'e da correcta ortografia e sinta­xe que levou à criação, no tem­po de Pombal, da Real MesaCensória, cuja função consistiaem eliminar os textos que apre­sentassem aspectos censurá-

____________~ veis de conteúdo ou de forma,

ONDE COMEÇA A LINGuíSTICA?

Pode dizer-se que a especulação acerca da origem das línguasé quase infrutífera: não há registos e não há como contornar aefemeridade da produção linguística. Os enunciados vivem enquan­to são produzidos e recebidos, pelo que deles mais não pode res­tar do que a memória nos falantes envolvidos na situação deenunciação. Saber se a capacidade de linguagem nasceu com aespécie humana, ou se o desenvolvimento do homo loquens (ex­pressão latina usada para referir a espécie humana dotada decapacidade de linguagem) é posterior, e se todas as línguas têmorigem num único sistema linguístico ou se a diversidade é umdado de partida, são desígnios tão (in)alcançáveis, para já, quantoo do conhecimento da origem e evolução da própria humanidade.

A dificuldade de encontrar uma teoria satisfatoriamente ex­plicativa acerca da origem de todas as línguas levou a Société deLinguistique de Paris a aprovar, em 1866, uma moção proibindoqualquer referência à origem da linguagem nas suas reuniões. Estaproibição não fez, contudo, desaparecer o interesse pela relaçãohistórica e genealógica entre as línguas. Foi, aliás, esse interesseque motivou a enorme aceitação com que foi recebida uma con­ferência sobre o Sânscrito, apresentada por William Jones, umestudioso de línguas orientais, na Sociedade Asiática de Bengala,em 1786. Nessa conferência, Jones afirmou que o Sânscrito pos­suía uma estrutura maravilhosa, mais perfeita do que o Grego emais abundante do que o Latim, mas que, simultaneamente, evi­denciava um estreito parentesco não só com essas duas línguasmas também com o Céltico, o Gótico e o antigo Persa. A existên-

40 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 41

J~

,I

A palavra 'linguística'

Cabe aqui abrir um parêntese sobre a utili­zação do termo linguística, já que alguma re­lação existe entre o seu uso e. a consideraçãoda linguística como um domínio científico.'Sprachwissenschaft', 'Iinguistics', 'Iinguistique'e 'linguística' são termos de línguas diferentes(Alemão, Inglês, Francês e Português, respec­tivamente) que não começaram a ser usados si­multaneamente. Com os linguistas alemães, otermo Sprachwissenschaft surgiu a partir da se­gunda metade do século XIX. O uso dos termosequivalentes nas outras línguas é bem posterior.Vale como curiosidade referir que, até há bem~ouco tempo, a palavra inglesa 'Iinguist' signi­ficava, sobretudo, 'aquele que sabe línguas'.A România (designação que engloba o conjun­to dos parses românicos) também foi muitorenitente na substituição da denominação tra­diCional de filologia (que estuda textos escritos)pela de 'linguística' quando se tratava do estu­do das línguas. Note-se, por exemplo, que nosanos 50 do século XX as disciplinas que trata­vam de língua na Faculdade de Letras de lis­boa - mesmo quando já se falava do trabalhode Saussure - se chamavam 'Filologia Portugue­sa' e 'Gramática Comparativa'.

vivo que nasce, cresce e morre aproximou o seu estudo das hipó­teses formuladas por Darwin sobre a origem das espécies e a suaevolução por meio de uma selecção natural. No entanto, não foipor causa deste enfo-que histórico queessa época foi enten­dida como a do nas­cimento da linguísticacomo ciência. Foi simem consequência dadescrição sistemáti­ca, rigorosa e compa­rada das unidadesfonéticas e morfoló­gicas das línguas emanálise. Não se tra­tava já de estudar as­pectos históricosou filosóficos atra­vés das línguas, mas,como dizia FranzBopp [05], as línguaseram estudadas por simesmas, como objec­to e não como meiode conhecimento.

Este é o momen­to em que se consi­dera que a linguísticase constitui como umdomínio do conheci-

me~to. A. marca visível aparece nos trabalhos de toda uma plêiadede investigadores alemães e nórdicos, maioritariamente redigidose~ Ale~ão, que fixaram a relação entre as línguas indo-europeias,eVidenCiando as correspondências fonéticas e morfológicasdetectadas na análise das línguas escandinavas e germânicas,do Grego e do Latim, do Lituano, do Arménio, do Sânscrito e doIraniano.

cia de um tal parentesco poderia vir a mostrar que todas deriva­vam de uma fonte comum que talvez já não existisse, sendo por­tanto necessário proceder a uma comparação do Sânscrito comlínguas europeias, para que se pudesse ir mais longe no conheci­mento da sua origem e das suas características gramaticais. Seesse parentesco viesse a ser provado, então a língua falada naíndia antiga e as línguas que estavam na base das línguas euro­peias actuais teriam tido uma 'mãe' comum. A hipótese da existên­cia dessa protolíngua desconhecida veio a ser aceite, tratando-sede uma recriação a partir dos aspectos comuns que era possíveldetectar entre as suas 'filhas' (as línguas antigas da índia e daEuropa), ou seja, entre as línguas a que se podia ter acesso, fos­se directo, através de documentos escritos, ou indirecto, anali­sando as línguas contemporâneas. Essa protolíngua passou a serdenominada Indo-europeu.

Iniciou-se, então, a grande empresa dos linguistas da épocaque, seguindo o interesse contemporâneo pela descoberta dasorigens do pensamento e da religião, o estenderam ao estudo daslínguas, tomando em mãos o trabalho de estabelecer sistemati­camente a comparação entre elas. Dos estudiosos comparatistascujas obras ainda hoje são merecedoras de atenção, destacam­-se Rasmus Rask (1787-1832), filólogo dinamarquês, e Franz Bopp(1791-1867), filólogo alemão, que estabeleceram princípios emétodos para o estudo comparado das línguas a partir da análisefilológica de textos. A estes nomes deve acrescentar-se o deWilhelm von Humboldt (1767-1835), linguista e político alemãoque se interessou pela relação entre o homem e a linguagem (<<alíngua é o órgão que forma o pensamento») e associou a estasreflexões o conceito de que a superioridade de uma língua estariarelacionada com a superioridade do povo que a falava.

Assim, o final do século XVIII encontrou uma forma de con­tornar o problema do desconhecimento da origem das línguas, pro­pondo que o caminho fosse percorrido em retrocesso, com basena observação directa dos dados linguísticos e numa rigorosametodologia de trabalho. A pouco e pouco, a análise comparadadas línguas foi abrindo caminho para o estabelecimento da suagenealogia, em sintonia, aliás, com os métodos científicos seuscontemporâneos: o entendimento da língua como um organismo

I~

42 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 43

7 A expressão latina a quo significa 'data a partir da qual se começaa contar um prazo'.

A Língua portuguesa

A Série Memória da Língua da Bi­blioteca Nacional Digital disponibilizauma reprodução digitalizada da 1."edição de A Língua Portuguesa, empurl.pt/141 e uma outra da 2." edição,de 1887, emendada e aumentadapelo autor, em purl.pt/30.

A Esquisse de Leite de Vaconcelos

A Esquisse foi publicada em1901. Em 1987, o Centro de linguís­tica da Universidade de Lisboa patro­cinou uma reimpressão da 2." edição,que inclui aditamentos e correcçõesdo autor. A Série Memória da Línguada Biblioteca Nacional Digital dispo­nibiliza uma reprodução digitalizadada 2." edição em purl.pt/160.

não tinham sido estudadossistematicamente.

A orientação que toma­ram os estudos das línguaselaborados pelos sucessoresdos linguistas da primeirametade do século XIX foicontestada pela geraçãoseguinte, a geração dos neo­gramáticos (uma traduçãodesajeitada do termo originalalemão - Junggrammatiker -que significava 'jovens gramáticos'), cujas perspectivas se desen­volveram durante o final do século XIX e a primeira metade doséculo XX. Aceitando um ponto de vista eminentemente histó­rico, os neogramáticos introduziram a hipótese da existência deleis fonéticas de carácter absoluto, como as leis de Grimm, queestabeleceram correspondências fonéticas a partir da evolução depalavras cognatas em línguas irmãs. Por exemplo: as palavrascomeçadas por [f], no Português, correspondem com muita fre­quência a palavras começadas por uma consoante aspirada, noCastelhano: farinha / harina, filho / hijo). Estas leis eram apresen­tadas como universais, ou seja, aplicar-se-iam cegamente sobreos sons e explicariam as mudanças linguísticas de uma forma idên­tica para todas as línguas. A atestação de pares de palavras comofogo / fuego veio a mostrar que a realidade é um pouco mais com­plexa, dado que, neste caso, a evolução fonética não gerou o re­sultado previsto. Apesar de objecções deste tipo, esta foi umaépoca em que floresceram as gramáticas históricas das línguaseuropeias. As seguintes obras merecem especial relevo, pela in­dubitável importância que têm para o conhecimento da história

do Português: a Sintaxe His­tórica Portuguesa de Epifânioda Silva Dias foi publicada em191 8 e o Compêndio de Gra­mática Histórica Portuguesade José Joaquim Nunes foipublicado em 1919.

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IA Série Memória da Língua da

Biblioteca Nacional Digital disponi­biliza uma reprodução digitalizada da1." edição da Sintaxe Histórica empurl.pt/190.

Importa agora sublinharduas importantes orienta­ções que se manifestaram noestudo das línguas durante asegunda metade do séculoXIX. A primeira resulta de umcrescente interesse pela des­crição das línguas vivas, fa­ladas pelas populaçõescontemporâneas. É neste

quadro que Adolfo Coelho publica A Lfngua Portuguesa: Fonologia,Etimologia, Morfologia e Sintaxe, sendo a data da sua publicação- 1868 - considerada por Leite de Vasconcelos (médico de for­mação de base, mas notável como etnólogo, arqueólogo e filólogo)o «limite a quo da filologia científica portuguesa»7.

A segunda orientação dominante está relacionada com o de­senvolvimento da fonética. Assente em métodos experimentais,beneficiou do progresso da física e da anatomia que permitiu aconstrução de instrumentos adequados à análise do chamadocontínuo sonoro e dos movimentos articulatórios ligados à pro­dução dos sons da fala. Em simultâneo, com o progresso dosestudos fonéticos, o estudo histórico ou diacrónico, que relacio­nava estados de língua separados no tempo, era substituído poruma abordagem sincrónica, que prestava atenção aos diversosfenómenos linguísticos que caracterizam um único momento naexistência de uma língua. É este o contexto que justifica que, naprimeira metade do século XX, os estudos de dialectologia e degeografia linguística passassem a primeiro plano na atenção dadapelos linguistas à língua falada. Este interesse foi suscitado pelotrabalho de Jules Gilliéron, dialectólogo de origem suíça que, naúltima década do século XIX, preparou o Atlas Linguistique de laFrance, publicado entre 1902 e 1923. Em Portugal, a Esquissed'une Dialectologie Portugaise, de Leite de Vasconcelos, deua conhecer as particularidades dos dialectos portugueses que ainda

44 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA

~\

A linguística portuguesa fora de portugal \

O interesse pelo estudo do Português não tem fronteiras, ~omo ber;' Io demonstra o trabalho de Jules Comu, autor da primeira gramatica hlsto- irica do Português, publicada em 1888, em Alemão, com o título Grammatik Ider portugiesischen Sprache; ou o livro Altportugiesisches: Elementarb~ch, \de Joseph Hüber, publicado em 1933 e traduzido em 1986 com o titulo :Gramática do Português Antigo; e ainda From Latm to Portuguese, queEdwin Williams apresentou em 1938 e que só em 1975 fOI traduzida com

o título Do Latim ao Português. . IPapel particularmente relevante neste domínio é o que cabe ao ~rasli,

I com linguistas como Said Ali. autor de diversos textos de ref~rencla.A sua Gramática Histórica [da Língua Portuguêsa]. de 1931 (que reune dOIsvolumes anteriormente publicados - a Lexeologia do Português H~stórico,de 1921, e a Formação de Palavras e Sintaxe do Português HIstor~co, de1923). foi, à data da sua publicação, um trabalho inovador e mantem-se,até hoje, como uma referência incontornável.

o SÉCULO XX

Descobertas as relações genéticas entre as línguas e algumasdas bases fonéticas da mudança linguística, chega-se ao século xxe ao início da pesquisa que olha para as línguas na sua especifici­dade, como expressão de uma faculdade humana. Por reacçãoao positivismo dos neogramáticos, e admitindo uma dimensão psi­cológica para além da dimensão mecânica anteriormente reconhe­cida, surgiu na Europa, durante a primeira metade deste século,a corrente que iria ocupar durante largos anos o lugar mais im­portante no estudo da ciência da linguagem e das demais ciên­cias humanas. Trata-se do estruturalismo, corrente de pensamentoque se baseava na importância que a 'forma' vinha assumindo narecém-criada psicologia, e na perspectiva de que a linguagem erauma actividade com uma estrutura especial, ou seja, uma activi­dade que funcionava em sistema. Enquanto, na Europa, essa ver­tente das teorias psicológicas influenciou largamente a linguística,nos Estados Unidos da América foi a teoria do comportamento,que relacionava estímulo e resposta, o instrumento que os linguis-

o ESSENCIAL SOBRE LlNGufSTlCA • 45

tas norte-americanos usaram para explicar o funcionamento dalinguagem.

A estas duas vertentes do estruturalismo estão ligados osnomes de dois grandes linguistas: Ferdinand de Saussure (1857­-191~), na Europa [17], e Leonard Bloomfield (1887-1949), naAmérica do Norte [04]. Para a história da linguística um dos maisrelevantes movimentos da época foi a criação, em 1926, do Cír­culo Linguístico de Praga, que estabeleceu uma coordenacão nosestudos da fonética e da fonologia das línguas e represent~u umainovação nos métodos de análise estruturais. Os linguistas maisnotáveis deste grupo foram o polaco Baudouin de Courtenay(1845-1929) e os russos Nicolai Trubetzkoi (1890-19381 e RomanJakobson (1896-1982).

Para todos estes linguistas, 'estrutura' significa um conjuntode elementos que constituem um sistema pelas relações que esta­belecem entre si. Assim, por exemplo, afirmar que as línguas têmuma estrutura fonológica significa que se servem de um conjuntode sons que funcionam nas palavras por contraste e na relacãode uns com os outros. O conceito de estrutura é uma prese~çaconstante nos trabalhos dos linguistas da época, motivando acriação de métodos e técnicas de descrição e análise próprios.Os dados em que assentam as descrições das línguas constituemo corpus que, na perspectiva estrutural, deve ser recolhido juntodos falantes para atestar as particularidades e os elementos quepertencem, na realidade, à língua em estudo. Os bons resultadosda investigação realizada no que diz respeito à descrição das lín­guas, com metodologias de trabalho claras e sistemáticas, e quese tornaram visíveis no efectivo progresso do conhecimento lin­gUí~tico, co.nvid~ram outras ciências humanas, como a antropo­logia, a sociologia e a arqueologia, a adoptar os instrumentos deanálise que a linguística desenvolveu.

. E~ Portugal, a perspectiva estruturalista está presente, pelapr.lmelra vez, na obra de Jorge de Morais Barbosa (cf. [03]), pu­bhcad~ em 1965. No Brasil, também nos anos 60, distinguiu-seJoaquim Mattoso da Câmara Jr., que, por oposicão ao meca­nicismo reinante na época na linguística norte-ame~icana tomouentão como referência a visão mentalista desenvolvida p~r Sapir(cf.[16]).

46 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 47

Esta é uma representação formal extremamente elementar,mas que cobre todas as frases que integrem apenas um sintag­ma nominal e um sintagma verbal, como é o caso de:

O irmão do meu cunhado tem um carro descapotável.

[F [o irmão do meu cunhado]sN [tem um carro descapotável]sv IF

A vantagem de um modelo de análise linguística que utilizeeste tipo de representação face aos modelos não-formalizadosreside no acréscimo de capacidade explicativa e na melhoria daclassificação das estruturas complexas. A linguística é um domí­nio em que o objecto do conhecimento é descrito por si próprio:é a língua que permite descrever a língua. Sendo a ambiguidade8

8 A ambiguidade é uma propriedade das línguas naturais. Neste sen­tido, ambiguidade não é sinónimo de imprecisão. O que esta propriedadequer dizer é que determinadas unidades linguísticas permitem mais do queuma interpretação. É o que sucede numa frase como o João trouxe umlivro do colégio, em que do colégio tanto pode ser '0 local de onde o Joãotrouxe o livro', como '0 possuidor do livro'. Por vezes, o contexto permiteseleccionar a interpretação adequada, mas há circunstâncias em que talnão é possível.

Ainda que seja equivalente à anterior, a representação formaldas frases que mais se vulgarizou foi a dos chamados indicado­res sintagmáticos, mais conhecidos como árvores. Os parênte­ses são substituídos por ramos que nascem no nó que domina eterminam no(s) nó(s) dominado(s). Os ramos que se unem na base,formando um triângulo, indicam que o constituinte que dominamnão está plenamente analisado:

SV

~tem um carro descapotável

F

SN

~o irmão do meu cunhado

A LINGuíSTICA FORMAL

A linguística foi precursora na adopção da abordagem estru­turalista, mas também recorreu a outros domínios do conhecimen­to, como a lógica, a estatística e a computação, para encontrarinstrumentos de análise.

Foi durante o século XIX e o início do século XX que a lógicaabandonou certos fundamentos que remontavam a Aristóteles (porexemplo, a noção filosófica abstracta de 'forma' por oposição àde 'matéria') e, tomando a matemática como modelo, construiuuma linguagem constituída por símbolos e regras para a expres­são do conteúdo do pensamento lógico.

Na interacção da matemática com a lógica foram adoptadosinstrumentos teóricos como os sistemas formais ou a lógica de pre­dicados, que influenciaram profundamente os estudos linguísticosa partir de meados do século XX. OS linguistas passaram, desdeentão, a recorrer a representações formais das unidades e dosprocessos linguísticos. De uma forma muito simplificada, pode di­zer-se que os elementos concretos são substituídos por símbolosque permitem representar, de um modo abstracto, as relações entreos elementos dos sistemas linguísticos. A utilização destes instru­mentos por linguistas norte-americanos desenvolveu, por exemplo,a análise das frases em constituintes imediatos, ou seja, em unida­des menores do que a frase, como o sintagma nominal e o sintag­ma verbal (representados respectivamente por SN e SVI. e a análisedos sintagmas em constituintes menores, até chegar às palavras.

Quando se representa a unidade 'frase' por F, a unidade que incluio nome e os seus especificadores e modificadores por SN e o verboe seus complementos por SV, podem apresentar-se as relações entreestas três unidades através de uma representação, que faz usode parênteses rectos para mostrar os limites de cada constituintee as suas relações hierárquicas. Por exemplo, em: [F [SNI [SVIl

F:

• [SNI e [SVI são unidades do mesmo nível, linearmente dis­postas pela ordem apresentada: [SNI precede [SVI e [SVI éprecedido por [SNI;

• [FI domina [SNI e [SVI ou, inversamente, [SNI e [SVI sãodominados por [FI.

48 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA

uma das propriedades das línguas naturais, só a utilização de umsistema formal permite descrever os fenómenos linguísticos de

forma inequfvoca.

As árvores do conhecimento

O uso da metáfora da árvore na representação das estrutura~ linguís­ticas não é original. No domínio dos estudos linguísticos, reglsta-~e aárvore da gramática, uma elegante iluminura incluída nas GrammatlcesRudimenta, um manual (incompleto) deensino de verbos, datado de 1538, que r.........- ..---~••iíJoão de Barros dedicou à Infanta D. Ma- !ria. A primeira utilização da árvore como finstrumento para a representação do fconhecim~nto é, contud?,.bastante mais I.antiga: a arvore de PortlrlO encontra-se I "na tradução para Latim que este fidlósdOfO I.. ~.t'f~..l'fenício (século III a. C.) fez do trata o as ~, , .,,1categorias de Aristóteles [141. Na tradição : ... ~......generativa, as árvores (invertidas) mos- I ~

tram a hierarquia dos constitUintes: os ra- Imos indicam relações de domínio entrenós (os pontos onde pode haver ramifi­cação), que são identificados por etique­tas categoriais.

SERÁ A LINGuíSTICA UMA CIÊNCIA?

Esta dúvida sobre o carácter científico da linguística é comuma todas as chamadas ciências sociais ou humanas. Tal como emrelação à psicologia, à sociologia ou à antropologia, também noâmbito dos estudos da linguagem convivem diversas formas deconhecimento, que vão desde as abordagens filosóficas e históri­cas às construções teóricas e formalizadas, passando pelas des­crições pré-científicas e pelas aplicações em domfnios de grandediversidade, da sociologia à informática, às neurociências ou aoensino. Esta multiplicidade de tratamentos decorre da próprianatureza da linguagem, que é simultaneamente veículo de inte­gração social (a Ifngua é uma das formas de comunicação comos outros) e factor constituinte da construção do indivfduo: emboa medida, é através da Ifngua que as pessoas vão integrando aexperiência da sua vivência. Na verdade, a relação da actividadelingufstica com os factos históricos e sociais, com o universopsicológico e com a criação artfstica, coloca o estudo da lingua­gem e das Ifnguas no centro de uma constelação formada pormúltiplas interacções com outras formas de comportamento hu­mano. Além disso, como já foi dito, a especificidade da lingua­gem humana leva a uma coincidência entre o objecto de análise eo meio com que se explicita e produz essa análise: é com pala­vras que se estudam as palavras. Estes aspectos particulares doestudo da linguagem permitem, estimulam e valorizam interpre­tações e análises subjectivas e não-cientfficas.

Por todas estas razões tem sido diffcil o caminho de quemdefende que a lingufstica é uma ciência. Para justificar esta afir-

A LINGuíSTICA TEÓRICA

o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 51

Reflections on LanguageReflexões sobre a LinguagemLisboa: Edições 70

Knowledge of Language. ItsNature, Origin and UseO Conhecimento da Língua, suaNatureza, Origem e UsoLisboa: Caminho

1995 The Minimalist Program1999 O Programa Minimalista

Lisboa: Caminho

1994

1986

19751971

~'\I

Chomsky em Português I

I,!1965 Aspects of the Theory of Syntax1975 Aspectos da Teoria da Sintaxe

Coimbra: Arménio Amado

outros domínios que procedem de modo idêntico - a linguísticateórica é um deles.

Ainda que os anteriores paradigmas da análise linguística,como, por exemplo, o do estruturalismo, constituam quadros teó­ricos coerentes, é no início da segunda metade do século xxque a linguística teórica conhece um desenvolvimento de maiorrelevo. Trata-se da Teoria Generativa, indissociavelmenteligada à publicação, em 1957, do livro Aspects of the Theory ofSyntax, de Noam Chomsky.

A relevância da TeoriaGenerativa é tributária deum conjunto de factores.Antes de mais, esta propos­ta teórica retoma e desen­volve a hipótese daexistência de uma capacida­de específica do homem,denominada faculdade dalinguagem, que tem sidoentendida como um dos fac­tores principais, senão omais importante, na distin­ção entre o homem e osanimais.

Na sequência desta hi­pótese, a Teoria Generativadefende que todas as línguas do mundo compreendem um mes­mo conjunto de princípios, a que dá o nome de Gramática Uni­versal (GU). Por outras palavras, as línguas 'escolhem' o modode aplicação dos princípios da Gramática Universal. E defendetambém que a diversidade linguística resulta da selecção de umdos possíveis modos de aplicação desses princípios, ou seja, daparametrização dos princípios da GU. Este desenvolvimento daTeoria Generativa é chamado Teoria dos Princípios e Parâmetros.

o CONCEITO DE CIÊNCIA

mação é, pois, necessário reflectir sobre as características essen­ciais do que se considera ser uma ciência e verificar se essascaracterísticas também existem neste domínio do saber.

Resta dizer que todos estes requisitos têm de ser cumpridosno quadro de uma dada escolha teórica, que explicite um conjun­to de hipóteses coerentemente formuladas que permitam descre­ver e analisar um dado domínio do conhecimento.

Estas são características das áreas habitualmente consideradas'científicas', como a física, a biologia ou a matemática, mas há

Pode definir-se ciência como um conhecimento sistematizadodo que vulgarmente se denomina 'o real'. Para que seja consideradacientífica, a forma de produzir esse conhecimento deve obedecera um conjunto de requisitos que permitam, em idênticas circuns­tâncias, a sua verificação. Esses requisitos incluem, entre outros:

• uma clara delimitação do objecto de estudo: não é possívelestudar tudo ao mesmo tempo, é preciso garantir que o estu­do seja exequível;

• a escolha de uma metodologia de trabalho: é necessário defi­nir como se constitui um objecto de estudo e como se vaiestudar o que se pretende conhecer;

• uma descrição rigorosa dos dados, que permita uma repre­sentação formalizada das estruturas, das relações e das fun­ções das unidades que constituem o objecto de estudo, demodo a garantir que os mesmos dados possam voltar a seranalisados;

• a formulação de hipóteses que dêem a conhecer a porção de'real' analisada, sabendo-se que as hipóteses validadas porum dado estudo científico poderão vir a ser rejeitadas pelashipóteses colocadas por um estudo posterior e que essa re­jeição não deve ser entendida como um retrocesso, mas simcomo um progresso no desenvolvimento do conhecimentocientífico.

50 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA

52 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA

o Parâmetro do Sujeito Nulo

No Português. a presença de um sujeito foneticamente realizadopode ser dispensada. Vejam-se frases como:

Eu fui à praia. vs. Fui à praia.

Tu queres ir ao cinema? vs. Queres ir ao cinema?Em Inglês ou em Francês, a explicitação do sujeito é obrigatória:

I went to the beach. vs. *went to the beach.

Tu veux aller au cinema? vs. * veux aller au cinema?

No quadro da Teoria dos Princípios e Parâmetros" o Portuguêsé classificado como uma língua de sujeito nulo. ou seja, como umalíngua que marca positivamente o Parâmetro do Sujei~o Nulo. Pelocontrário, o Francês e o Inglês marcam este mesmo parametro nega-

tivamente.

Resta saber o que está na base dessas 'escolhas' que semanifestam nas diferenças entre línguas. A diversidade resulta,por um lado, da evolução que as línguas tiveram dura~t~ séculos,pelo facto de serem faladas por comunidades que vIviam se~a­

radas política e geograficamente (assim aconteceu com as \In­guas românicas e a sua diferenciação do Latim, ou com aslínguas germânicas, derivadas do antigo Germânico). Por outrolado a diversidade surge do contacto entre línguas diferentes, emcon~equência de movimentações dos povos, ao longo da sua his-

tória.À Gramática Universal pertencem categorias universais, como

'vogal' e 'consoante', 'sujeito' e 'predicado' ou 'nome' e 'ver~o'.Mas estas categorias universais são concretizadas de forma dife­rente nas diversas línguas. Por exemplo, em algumas línguas, comoo Alemão ou o Latim, o 'caso', que é uma categoria universal,manifesta-se morfologicamente nos sufixos dos nomes e adjecti­vos indicando-se através desses sufixos se o nome ocorre como'suj~ito' ou como 'complemento' da frase (em Latim, rosa é aforma sujeito, rosam é a forma complemento directo); outras lín­guas, como o Português, manifestam o caso por meio da col?c~­ção do nome na frase (em a rosa é bela, rosa ocorre na poslçao

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 53

de sujeito; em quero a rosa, rosa ocorre em posição de com­plemento directo) ou antepondo uma preposição (com a rosa,da rosa)9.

Uma outra preocupação da Teoria Generativa consiste na pro­cura de uma adequada descrição do modo como o conhecimentolinguístico está organizado no cérebro dos falantes. Esta preocupa­ção deu origem à idealização de um modelo de gramática queexplicita os domínios que a integram, ou seja, os seus módulos,e o modo como estes módulos se relacionam. Em geral, e apesardas divergências que as diferentes propostas teóricas em confrontoencerram, um modelo de gramática inclui um módulo lexical - oléxico; um módulo que se encarrega da geração das estruturaslinguísticas - a sintaxe; um módulo que trata da interpretaçãosemântica dos enunciados - a semântica; e um módulo que seencarrega da materialização dos enunciados - a fonologia. Umoutro aspecto fundamental na concepção do modelo de gramáti­ca é a hipótese de existência de diferentes níveis de representa­ção, que vão do mais abstracto - chamado representacãosubjacente - a um nível mais concreto, próximo da materializa­ção do enunciado, com a representação de superfície.

Em suma,ao descrever uma língua, a investigação linguísticadesenvolvida no quadro da Teoria Generativa, procura conheceros princípios da Gramática Universal e os parâmetros da variacãoresponsáveis pela diversidade linguística. .

A Teoria Generativa não é a única abordagem teórica dispo­nível para quem trabalha em linguística, mas é, sem dúvida, a maisrelevante na segunda metade do século XX, quer pela coerênciae dinamismo das hipóteses que coloca quer pelo volume de tra­balho produzido sobre um grande número de línguas, num gran­de número de países.

9 No Português, a pronominalização mostra vestígios da variacãocasual lexicalmente realizada. Assim, quando rosa é sujeito, o pron;meque a substitui é diferente daquele que ocorre quando rosa é objecto di­recto:

a rosa é bela ~ ela é belaquero a rosa ~ quero-a

j

I ii____J ~;,í

-,:;'~

I

DE QUE TRATA A LINGuíSTICA?

Já vimos que a linguística se ocupa do conhecimento dalinguagem e das línguas humanas, mas, para ir mais longe na ex­plicitação do que é o seu objecto de trabalho, é essencial com­preender que essa não é uma tarefa globalmente realizável:nenhum linguista estuda a capacidade de linguagem ou uma lín­gua na sua totalidade, nem exaustivamente. O que os linguistasfazem é delimitar um objecto de estudo, seleccionando um deter­minado aspecto de um determinado fenómeno, num determinadodialecto de uma determinada língua, por exemplo.

A primeira escolha recai geralmente sobre uma língua ou umpequeno conjunto de línguas. Imaginemos que a selecção recaisobre o Português. Globalmente considerada como sistema lin­guístico, a 'língua portuguesa' é uma abstracção necessária à suadescrição enquanto língua particular, que, nessa perspectiva, sedistingue e contrasta com as restantes línguas naturais. Os seusdiferentes usos no espaço e no tempo revelam a existência devariação nos diversos módulos da gramática permitindo, assim,em função quer de factores internos quer de factores externos àlíngua, a caracterização de dialectos, de sociolectos e até deidiolectos.

Simplificando, pode dizer-se que a linguística reconhece, deforma mais ou menos estável, um conjunto de diferentes discipli­nas. Em alguns casos, as disciplinas são fundadas a partir da iden­tificação de unidades de análise (para os sons, a fonologia ea prosódia; para as palavras, o léxico e a morfologia; para asfrases, a sintaxe; e para o texto, a linguística textual). Noutros

56 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VAo ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 57

OS SONS DA FONOLOGIA E DA PROSÓDIA

As mais pequenas unidades que se analisam em linguísticasão os sons. Para os estudar é necessário que o contínuo sonoroseja registado, o que, em geral, é feito por transcrição fonética.

Para mais facilmente poder ser reconhecida, a transcrição fonética é delimi­tada por parêntesis rectos (Le, [ J) e as representações mais abstractas, ou seja,as representações fonológicas, são delimitadas por barras oblíquas (i.e. / IJ.

...--------------------~-___J

tuavôpó

[uI[o][::lI

[U] atum[õ] bom

[w] pau

[kl carro[gl gatolSl chave[31 já(PI venho[tI mal

deparapá

banco

tudoucaçacasanãovalhacarro

[i][uI[aI

!iiI

[tI[d][sI[zl[nl[A:)[RI

vivêpé

pábemfévêmãolácaro

Vogais nasaisfí] sim[el pente

Semivogais ou glidesUI pai

Consoantes[pI[bl[f][v][mI[I][r]

A transcrição fonética

A transcrição fonética é uma representação dos sons da fala que utilizaum alfabeto fonético criado com base nas propriedades acústicas e arti­culatórias dos sons. Se especificar com pormenor as variações de pronúncia,é uma 'transcrição fonética estreita'; se for pouco especificada, é uma 'trans­crição fonética larga',

O Alfabeto Fonético Internacional (AFI) tem como objectivo tornar pos­sível a representação dos sons de todas as línguas do mundo, fazendo cor­responder ao mesmo símbolo um mesmo som, qualquer que seja a Ifnguaem que ocorra. Os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional necessáriospara transcrever a norma-padrão do Português Europeu são os seguintes:

Vogais orais[i][e][e]

casos, a identificação das disciplinas assenta na atenção dada àconstrução do significado dos enunciados (como a semântica e a

pragmática). Noutros ainda, a linguística pode centrar a sua aten:

cão no conhecimento da variedade linguística dominante (que e

~ dialecto socialmente mais prestigiado, falado na contempora­

neidade por um maior número de pessoas, e geralmente designa­

do como norma-padrão), ou no estudo da variação, quer no tempo

(que cabe à linguística histórica) quer no espaço (com a dialecto­

logia e a linguística comparada),

Os DOMíNIOS DAS UNIDADES DE ANÁLISE

Os enunciados linguísticos são contínuos sonoros, limitados

por pausas que podem ser motivadas por exigências fisiológ.i~as,

como a inspiração de ar, por razões de processamento COgnitiVO,

como as hesitacões na escolha de uma palavra, ou ainda por ne­cessidades co~unicativas, como as interrupções solicitadas pe­

los interlocutores. O que as pausas não permitem é a inequívocaidentificacão das unidades que a análise linguística reconhece ­

essa é u~a operação realizada num determinado quadr~ teórico,

o que explica por que razão nem todos os autores consideram as

mesmas unidades ou as consideram do mesmo modo. Um dos

exemplos clássicos de discordância entre li~guis~as, no q~e. ~iz

respeito à identificação das unidades de análise, e o da deflnlçaodo conceito de morfema: para os linguistas da escola norte-ame­

ricana 'morfema' identifica a menor unidade portadora de signi­ficacão (a palavra livros, por exemplo, é formada por três

morfemas: livr-, -o e -sI; para os linguistas da escola europeia (par­

ticularmente francesa) 'morfema' identifica apenas as unidades

mínimas que representam relações gramaticais (como o -o e o -s

finais de livros).Vejamos, então, como se caracteriza cada um dos domínios

da linguística que se fundam na segmentação do contínu~ sono­ro, começando pelas unidades menores, os sons, e terminando

nas maiores, que são os textos.

Pares mínimosfigo -? fogo -? fungo mágoa -? água -? éguafila -? filha -? fita lado -? dado -? fado

Classificação básica dos sons ·'1O sistema de sons de qualquer língua possui, II

obrigatoriamente. vogais e consoantes, e facultati­vamente semivogais que, em conjunto com as vo­gais, constituem os ditongos (em Português. aspalavras pau e pai têm ditongos em que as semi­vogais estão representadas pelas letras <u> e <i».

As vogais são sons harmónicos e as consoan­tes são ruído. A variação das vogais (por exemplo,a diferença entre abertas. como [a) de pá, e fecha­das, como [uI de tu) é produzida pela deslocaçãodo corpo da língua nos eixos vertical e horizontal.Na produção das vogais nasais, o ar passa não sópela cavidade oral mas também pela cavidade na­sal. Na produção das vogais orais o ar passa ape­nas pela cavidade oral.

As consoantes têm duas formas de classificação:

• o modo de articulação (por exemplo, asoclusivas como /p/ ou /t/, as fricativas como /s/ ou/vi. ou as nasais como /m/ ou /n/);

• o ponto de articulação (podem ser dentaiscomo /t/ ou labiais como /f/ ou, ainda. velares como/g/).

l~! 58 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA!

Este é um tipo de registo que procura usar um símbolo diferentepara representar cada som (por exemplo, a palavra casa em Por­tuguês representa-se como [kázu)).

Do ponto de vista do seu funcionamento na língua, os sonsconstituem um sistema, quer dizer, só cumprem a sua funcão emcontraste com os restantes elementos. O estudo do funcionamentodos sons integrados num sistema é objecto da fonologia e da pro­sódia. Mas o que significa 'funcionar na língua'?

Tomemos como exemplo o sistema das vogais em Português.Esse sistema inclui todas as vogais que, ao serem substituídaspor outras numa sequência de sons, criam uma nova palavra dalíngua. Neste caso, as vogais que assim 'funcionam' têm um papellinguístico e chamam-se fonemas ou segmentos. Por exemplo, aspalavras fala, com vogal tal, e fila, com vogal Iii, que têm significa­dos diferentes, mostram que estas duas vogais fazem parte dosistema do Português. Neste sistema não entram, por exemplo,vogais como o /ü/ francês da palavra reçu, que significa 'recebi­do'. Duas palavras cujo significado se distingue pela existência

de um únicofonema dife­rente consti­tuem um parmínimo.

As unida­des da fonologia são abstractas, mas os falantes têm uma repre­sentação mental dessas unidades. A sua realização faz-se atravésdos sons da fala. Por razões várias (diferenças dialectais, indivi­duais, dificuldades articulatórias, etc.), esses sons podem apresen­tar alguma variação fonética, mas são interpretados pelos falantesda língua como um único fonema (por exemplo, a palavra partir,

. em Português Europeu, pronuncia-se com a vogal /a/ reduzida,representada foneticamente por [u], enquanto em Português Bra­sileiro se pronuncia com o /a/ aberto, [a]; trata-se, pois, do mes­mo fonema). Todos os sons com valor distintivo são classificadosde acordo com as suas propriedades articulatórias e acústicas.

Quando se estuda o sistema de sons de uma língua devemser consideradas também as alterações que se verificam nessenível, quer em consequência de mudanças históricas, quer em re-

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 59

sultado da utiliza­ção quotidiana dalíngua em váriassituações. Essasalterações inte­gram-se nos cha­mados processosfonológicos, quepodem actuar deum modo geral,suprimindo, acres­centando ou modi­ficando sons: asupressão da vogalfinal não-acentua­da em palavrascomo bate [bát] oufome [fj"m], no Por­tuguês Europeucoloquial, denomi­na-se uma 'apóco­pe'; a inserção deum [i] no PortuguêsBrasileiro, em formas como captar [kapitát], designa-se 'epêntese';a modificação de uma vogal que se torna semelhante a outra queestá próxima é uma 'assimilação', como na forma antiga mirabiliaque se tornou a actual maravilha. Outros processos actuam so­bre grupos de sons como sucede, no Português Europeu, com asvogais não-acentuadas que se pronunciam de forma reduzida,sendo este um dos factores que distingue, de imediato, as varie­dades europeia e brasileira da língua portuguesa (comparem-seas realizações de parar [purár] / [parár] ou poder [pudérl / [podér]respectivamente do Português Europeu e do Português Brasileiro.

Os sons das línguas não possuem apenas as propriedadesarticulatórias que diferenciam um lal de um iii ou de um 10/. Elestêm também propriedades prosódicas, como a intensidade (a vo­gai pronunciada com maior intensidade é a que contém o acentoda palavra), a duração (em certas línguas as vogais podem con-

60 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VAo ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 61

As PALAVRAS DA LEXICOLOGIA E DA MORFOLOGIA

Um outro tipo de unidades linguísticas, talvez aquele que osfalantes mais facilmente identificam, é o das palavras. Delas seocupam duas disciplinas: a lexicologia, que estuda o léxico de umalín.gua, ou seja, o repositório das palavras e de todas as suas pro­priedades; e a morfologia, que trata do conhecimento da estruturainterna e dos mecanismos de formação de palavras.

A LEXICOLOGIA

O léxico das línguas é uma entidade abstracta: ilimitada notempo, dado que integra todas as palavras, de todas as sincronias,da formação da língua à contemporaneidade; ilimitada no espa­ço, dado que compreende todas as palavras de todos os dialec-tos; e irrestrita na adequação ao real, dado que inclui as palavrasde todos os registos de língua. Mas será que o léxico só contémpalavras? Não, o léxico integra também unidades menores do queas palavras e que servem para formar novas palavras, como oradical eucalipt- e o sufixo -iz(ar), que se combinam no verboeucalíptizar, um neologismo que os falantes conseguem interpre­tar porque conhecem as partes que o constituem. Por outro ladoé no léxi~o que cabe o registo de expressões sintácticas cuja in~terpretaçao requer uma aprendizagem específica: é esse conhe­cimento que faz com que brinco de princesa possa ser o 'nomed.e ~~a flor' e não um 'tipo de brinco', ou esticar o pernil sejaSinOnimo de morrer e não de 'alongar a perna'.

A esta diversidade de tipos de unidades lexicais (radicaisafixos, palavras e expressões sintácticas), que se junta à inexis~tência de fronteiras ou de filtros que limitem o conjunto do possível,acresce todo o universo de neologismos trazidos por empréstimo~como os frequentes galicismos do século XIX, de que maquilhar~ um ex~mplo, ou os anglicismos do final do século XX, cuja vita-lidade nao cessou ainda de crescer, o que é atestado por formas

! como secanear ou fidebeque - se forem estas as melhores grafias[ para ~s palavras). Falt~ acrescentar a formação morfológica, res-i ponsavel pelo aparecimento de palavras como eucalíptizar ou

~ I ministricida, e a pura invenção de palavras, que é um processoAmanhã vens jantar cá a casa? ~ raro na formação de neologismos. A condição necessária para o

~""~",.~~_" ".._.__.. t :J

~Amanhã vens jantar cá a casa.

trastar pelo tempo de pronunciação, sendo umas breves e outraslongas), e a altura ou tom (a sequência de tons das vogais deuma palavra ou frase constitui a entoação).

Porém, no Português, o tom e a duração não permitem dis­tinguir significados, ao contrário de que acontece em outras lín­guas, como o Mandarim, em que a mesma sequência de sons,por exemplo ma, pode ter significados diferentes se a vogal laltiver um tom baixo ou um tom alto; ou como no Latim, em que aduração da vogal numa mesma sequência pode indicar a funçãosintáctica da palavra - rosa, com vogal final breve, é nominativo(tem função de sujeito) e com vogal final longa, rosã, é ablativo(tem uma função complementar).

Uma outra propriedade prosódica, a intensidade, está relacio­nada com o acento tónico da palavra e marca uma sílaba que épronunciada com mais força, tornando-se proeminente na sequên­cia de sílabas que constituem a palavra. Em Português, todas aspalavras possuem acento, sendo possível distinguir duas palavrascom as mesmas vogais mas com acento em sílabas diferentes(por exemplo, dúvida e duvida, em que o diacrítico (f) marca olugar do acento na palavra esdrúxula dúvida, que assim se distin­gue de duvida).

As unidades prosódicas contribuem largamente para o ritmoque caracteriza cada língua. Em Português, a menor unidade prosó­dica, que é a sílaba, tem características particulares (por exem­plo, só certas sequências de duas consoantes podem pertencer àmesma sílaba: Ibrl integra a segunda sílaba de pobre mas a se­quência Istl pertence a duas sílabas na palavra pasta). Pela funçãoque têm as unidades prosódicas na caracterização e funcionamentodas línguas, elas são o objecto de estudo da prosódia.

Estas características prosódicas, ou traços prosódicos, rela­cionam a fonologia com outros módulos da gramática. Por exem­plo, ao estabelecerem a diferença de significado entre uma frasedeclarativa e uma frase interrogativa por meio de entoação dife­rente com que é produzida a mesma sequência de palavras:

Frase declarativa Frase interrogativa

62 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA

._---------.--------------------....,...---.."

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 63

aparecimento de novas palavras reside na capacidade de cada umadelas vir a ser utilizada e compreendida pela comunidade linguís­tica e não em factores de ordem gramatical.

O léxico é, pois, o módulo que contém o que pode ser vistocomo a matéria-prima para a construção e a compreensão deenunciados linguísticos e que, por esta razão, se relaciona comtodos os outros módulos da gramática. Mas não é um mero repo­sitório de formas: a cada unidade lexical está associado um con­junto de propriedades que vai permitir a sua integração, quer emestruturas de palavras complexas quer em frases. Vejamos algu­mas destas propriedades:

• A categoria sintáctica (i. e. adjectivo, preposição, etc.) é umadas propriedades basilares da palavra. É ela que condiciona asua distribuição na frase. Por exemplo, querendo modificar onome casa de modo a dar conta de duas das suas caracterís­ticas, a idade e o material de construção, pode recorrer-se aum adjectivo, como novo, ou a um nome, como pedra. Noprimeiro caso, basta pospor o adjectivo ao nome - casa nova;no segundo caso, o nome tem de ser integrado numa expres­são com preposição, como em casa de pedra.

• As categorias morfossintácticas esclarecem, por exemplo,acerca da natureza de palavra variável (como os verbos) ouinvariável (como os advérbios) e das categorias de variaçãoformal (género e número, para as palavras de natureza nomi­nal; tempo, modo, aspecto, pessoa e número para os verbos,por exemplo).

• A representação fonológica, como I#kaz +a#l, de casa, ouI#man +u#l, de mão, permite, depois de processada pelafonologia, chegar a uma dada realização fonética (['kazuJ e['mãw], nos exemplos anteriormente considerados).

• A representação semântica garante que a cada conjunto desons corresponda um dado significado ('casa', por exemplo,receberá uma informação semântica do tipo 'inanimado' e'contável' e uma paráfrase, mais ou menos complexa, como'construção tipicamente destinada a habitação humana').

• Às palavras está ainda associada informação sobre o seu per-

curso histórico. Como, por exemplo, a informação sobre a ori­gem das palavras, que é geralmente chamada etimologia: umapalavra como livro está associada ao étimo latino LlBER,aldeia tem como étimo o árabe AD-DA YHA.

Cada unidade lexical pode ainda ser portadora de outras in­formações. É o caso de restrições quanto ao uso, como as indi­cações relacionadas com o registo de língua em que as palavraspodem ocorrer (veja-se o contraste entre cara, face e focinho).É também com base neste tipo de informação que se pode esta­belecer uma distinção entre o léxico geral e léxicos de especiali­dade: o primeiro integra as palavras que podem ser utilizadas emqualquer contexto discursivo. Os léxicos de especialidade só en­contram adequação em contextos discursivos pré-estabelecidos.Note-se que uma palavra que se integre num vocabulário geralconhecerá menos restrições de ocorrência do que uma palavraespecificamente destinada a um uso mais formal, ou outra cujaocorrência possa até ferir a susceptibilidade de quem a ouve forade um contexto informal e não-familiar.

Sendo o léxico formado por uma tão grande quantidade deinformação, não pode deixar de obedecer a princípios de organi­zação interna. Na verdade, o léxico é uma entidade multi-estrutu­rada, ou seja, estruturada de acordo com diversos princípios, semque nenhum deles exclua os restantes. Ainda que os falantespossam não ter consciência dessa classificação, um dos princípiosde organização do léxico é o da categorização gramatical. A in­formação crucial diz respeito à categoria sintáctica, que permite,por exemplo, distinguir os adjectivos dos advérbios, dos nomes,das preposições e dos verbos, para referir apenas as categoriasprincipais. Mas o léxico também se estrutura a partir de algumascategorias morfossintácticas: no caso do Português, o valor degénero dos nomes, que subdivide este grupo em dois novos con­juntos (o dos nomes femininos e o dos nomes masculinos) comconsequências visíveis nas marcas de concordância sintáctica(veja-se, por exemplo, que sendo carta, notícia ou mensagemnomes femininos, é no feminino que ocorre um modificadoradjectival - carta I notícia I mensagem secreta; em contraparti­da, sendo recado, bilhete ou apontamento nomes masculinos, é

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livr(o)) e palavras complexas (como livrarí(a)): o radical das pala­vras simples não pode ser decomposto em unidades menores maso radical das palavras complexas é formado por diversas ~nida­des. Nestas se inclui, obrigatoriamente, um radical simples e umprefixo (cf. des-Ieal), um sufixo (cf. livr-ari(a)), ou mesmo outroradical (cf. insect-i-cid(a)).

Simples ou complexas, as palavras do Português dividem-seainda por dois grupos: o das palavras flexionáveis, subconjun­to das palavras variáveis, que apenas inclui aquelas que variamde forma sistemática. No Português, este é o caso dos nomesque variam em número (cf. livro-livros) e dos verbos que variamem tempo (cf. canto-cantei). O segundo é o grupo das palavrasque nunca podem ser flexionadas, como os advérbios, por exem­plo.

Identificados os constituintes morfológicos, compete à mor­fologia explicitar a forma como eles se estruturam, quer na dis­posição linear, quer no relacionamento hierárquico. No Português,por exemplo, a estrutura interna das palavras exige o reconheci­mento de que ao radical se associa um especificador morfológicoque, nos verbos, é a vogal temática - (por exemplo, o -a final decanta) - e, nas outras palavras, é o índice temático (por exem­~Io, o -e final em dent~). Em conjunto com o radical, este especi­ficador forma o tema. E a esta estrutura que se juntam os sufixosde flexão, responsáveis por boa parte da variação morfossintácticadas palavras.

As FRASES DA SINTAXE

A MORFOLOGIAPara além das propriedades que as caracterizam e que condi­

cionam a sua integração em frases, as palavras são estruturasanalisáveis em unidades menores, como o radical e os afixos. Estesúltimos incluem, por sua vez, unidades de muito diversa nature­za, dos sufixos de flexão (como o -s final de livros ou o -va e o-mos de estudávamos) aos sufixos derivacionais (como os queformam nomes agentivos, que -dor - programador - e -ista - es-teticista - exemplificam) ou aos prefixos modificadores (como in-, Para construir um enunciado, as palavras combinam-se emum prefixo de negação, que ocorre em inaceitável), e das vogais frases, mas a relação entre as palavras e a frase não é uma rela-de ligação (como o -i- de insecticida ou o -0- de biodiversidade) à çã? directa: as palavras pertencentes a categorias principais, ouvogal temática (como o -a da primeira conjugação, em cantar, o seja, os nomes, os adjectivos, os verbos, as preposicões e os-e da segunda, em beber e o -i da terceira, em fugir) dos verbos. advérbios, constituem-se como núcleo de uma unidade'maior osA todas estas unidades se dá o nome de constituintes morfoló- sintagmas, formando, respectivamente, sintagmas nomin~is

gicos. ~djectivais, verbais, preposicionais e adverbiais. Os sintagma~No radical estão as propriedades nucleares da palavra, como Integram obrigatoriamente um núcleo, distinguindo-se, em segui-

a categoria sintáctica e o seu significado básico. É também no da, aqueles que exigem a presença de complementos, como osradical que se encontra a diferença entre palavras simples (como I verbos transitivos ou as preposições, daqueles que não exigem

___ mU ._ .__ ummm m ____J'-------------~.

no masculino que ocorre um modificador adjectival - recado // bilhete / apontamento secreto).

Um outro princípio, de natureza semântica, reparte as pala­vras por categorias de significação, com base em relações desemelhança, como a sinonímia (aluno e estudante são nomessemanticamente muito próximos), de oposição, como a antonímia(alto e baixo são qualificadores que se situam nos pólos opostosde um mesmo eixo) ou de inclusão, como a hiponímia e ahiperonímia: por exemplo, vaca é um hipónimo de bovídeo, ouseja o significado de vaca está incluído no significado dohiperónimo bovídeo, no sentido em que bovídeo é a classe a quepertencem as vacas.

Um terceiro princípio de organização do léxico é de naturezafonética, dando origem, por exemplo, ao subconjunto das pala­vras que começam por uma consoante vibrante (veja-se a popu­laridade de um 'trava-línguas' como .,. o rato roeu a rolha dagarrafa de rum do rei da Rússia... ). É provável que a facilidade nodesenho de rimas varie em função do maior ou menor grau depreponderância deste princípio no léxico de cada falante.

66 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA

complementos, como os verbos intransitivos e a generalidade dosnomes e dos adjectivos. Assim, é porque incluem constituintesque exigem a presença de complementos que frases como *estamenina ofereceu 9 ou *esta menina ofereceu chocolates a nãopodem ser consideradas como frases bem construídas no Portu­guês. É, no entanto, muito frequente que o núcleo dos sintagmasseja acompanhado por especificadores e por modificadores li. e.,determinantes, como em a menina; pronomes possessivos, comoem minha amiga; demonstrativos, como em esta menina, ou ou­tros sintagmas, como em menina bonita ou menina de ouro).

Qualquer que seja o seu grau de complexidade interna, os sin­tagmas que constituem a frase estabelecem entre si determina­das relações gramaticais relativamente ao predicado verbal, comosujeito, objecto directo, objecto indirecto ou oblíquo, com basenas quais é estabelecida a ordem básica das palavras na frase.No Português, em que a ordem das frases é normalmente sujei­to-verba-objecto (pelo que se denomina uma língua SVO), mui­tas frases são constituídas por um sujeito e um predicado verbal,que são as relações gramaticais básicas (por exemplo, o gato mia).Se o predicado verbal for transitivo, a frase integra ainda um com­plemento directo, ou objecto directo, que é também uma relaçãogramatical central (por exemplo, a menina comeu um chocolate).Outra relação gramatical central é o complemento ou objecto in­directo (por exemplo, a menina ofereceu um chocolate à amiga).Além destas relações gramaticais, existem outras denominadasoblíquas que cumprem diversas funções sintácticas (por exem­plo, de localização em o livro estava na biblioteca, ela foi a Bar­celona).

A descrição das estruturas sintácticas estabelece ainda umadistinção entre frases simples, correspondendo a orações quecontêm uma única relação de predicação (como a menina estádoente) e frases complexas que podem incluir duas ou mais ora­ções ligadas por coordenação (como em ele foi ao aeroporto masnão embarcou), por aposição (como em o Presidente da República,

9 Usa-se um asterisco no início de uma expressão linguística paraassinalar que se trata de uma expressão agramatical.

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 67

disseram na televisão, decidiu dissolver o Parlamento) e por su­bordinação (como em o crítico disse que o filme era espectacular).

Tanto as frases simples quanto as complexas são aindacaracterizáveis como frases declarativas, interrogativas, impera­tivas ou exclamativas. Em alguns casos, a distinção é sintactica­mente determinada, como na frase interrogativa o que é que vaisfazer hoje?, ou na imperativa não digas nada. Noutros casos, aidentificação do tipo de frase depende da entoação com que épronunciada. A frase simples vamos almoçar é declarativa seconstituir uma mera afirmação, é interrogativa se for uma per­gunta, é imperativa se se tratar de uma ordem e é exclamativa seexprimir uma avaliação.

o TEXTO

Tal como as palavras se combinam em frases, também as fra­ses se integram numa rede que as relaciona umas com as outrase com o contexto em que são produzidas. Essa rede é o texto.Numa interpretação mais estrita, texto identifica apenas um seg­mento escrito e o discurso remete para uma sequência oral. Numainterpretação mais lata, texto é uma unidade de análise linguísticaque tanto diz respeito ao oral quanto ao escrito, incluindo aindadiscurso espontâneo e discurso preparado.

Para que um texto seja reconhecido como tal, deve possuircertas propriedades, como estar de acordo com a situação emque é produzido, transmitir informação relevante e respeitar con­dições que garantam a sua boa-formaçaão. Entre os elementosdos textos existem relações de vários tipos. A coesão frásica dizrespeito à relação entre os elementos que constituem uma frase:por exemplo, a concordância entre sujeito e verbo. A coesãointerfrásica tem a ver com a ligação entre frases, próximas oudistantes entre si (por exemplo, a relação entre duas oraçõescoordenadas: eu comprei um vestido e ela comprou uma mala).Por sua vez, quando a relação entre os elementos cognitivos apre­sentados no texto e o conhecimento que temos do mundo nospermite inferir um sentido global e aceder à compreensão, fala­mos em coerência textual (por exemplo, a sequência visitar ou­tros continentes ajuda-nos a compreender melhor a relatividade

68 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 69

Desconversar

Os DOMíNIOS DA SIGNIFICAÇÃO

A SEMÂNTICA

Para além das disciplinas que nascem da segmentação dosenunciados linguísticos em unidades de análise, a linguística in­tegra ainda outras disciplinas. Duas delas, a semântica ea prag­mática, tratam das questões da significação.

cutor segue quando entra num intercâmbio comunicativo. Esteprincípio desdobra-se nas chamadas máximas conversacionais: ada qualidade, que assume que os falantes tentam dizer aquilo queé verdadeiro, a da quantidade, relacionada com a informação dada,que não deve ser excessiva nem insuficiente; a da relevância, queimplica que o que for dito venha a propósito; e a do modo, se­gundo a qual o locutor deve evitar ser obscuro, ambíguo, prolixoou desordenado.

o significado dos textos, das frases e das palavras é o objectodo estudo da semântica. As propriedades semânticas das línguasnaturais podem, pois, estudar-se em todos os níveis linguísticos.Tanto a semântica frásica quanto a semântica de texto estudamaspectos do significado das orações integradas num enunciado,podendo ser entendidas como proposições lógicas constituídaspelo predicado e seus argumentos. Por exemplo, em a Inês ofere­ceu um jantar aos amigos, o verbo - ofereceu - é o predicado, eas expressões nominais - a Inês, um jantar, aos amigos - são osargumentos da proposição. É neste domínio que se integra a se­mântica das categorias gramaticais, como tempo, aspecto ounome. Tomemos o caso do 'tempo', Os tempos gramaticais pa­recem estar ordenados de forma linear, organizando-se em trêsdomínios: o 'passado', o 'presente' e o 'futuro'. Mas, na realidade,a nossa utilização dos tempos dos verbos não corresponde a estaorganização linear, até porque associamos ao tempo a dimensãode 'duração'. Exemplificando: ao descrever um acontecimentohistórico passado no século XV, podemos usar o tempo verbal,.resente', o chamado 'presente histórico' (como na frase no

dos nossos conceitos de vida só é compreendida se recorrermosa um conhecimento que não está nas palavras ditas: nomeada­mente, se soubermos que noutros continentes existem outros

povos com outras formas de vida).Um tipo particular de texto é o que se estabelece numa situa­

cão de interaccão verbal entre, pelo menos, um locutor e umInterlocutor, o~ seja, quando duas pessoas conversam. Umaconversa é uma situação linguística extremamente condicionada,embora as restrições não sejam explicitadas com muita frequên­cia. Numa conversa há um início - um meter conversa - (porexemplo, preciso de falar contigo... ; podemos conversar cinco mi­nutos?; olá... ) e um fim (por exemplo, bom, tenho de me ir embo­ra... ; então, para já, ficamos assim, não é?; já viste as horas?),

facilmente reco­nhecíveis pelos in­terlocutores. Pelomeio, há uma cons­trução interpessoalque pressupõe ummínimo de coope­ração entre os par­ticipantes: mesmoque queiram discu­tir, os interlocutorestêm de concor­dar em discutir.Isto pressupõe quecada participanteaceita fazer contri­buições para aconversa Que se­iam pertinentes,dada a direcção to­mada ÇlO{ esta.Este é o princ\pioôe cooperação:caôa \ocutOf assu­me Que o interlo~

Isto parece uma conversa de surdos!Pára lá com a conversa de chacha...Já chega de conversa fiada!Posso falar?Oeixa-me falar...Não me interrompa...Agora quem fala sou eu!Está caladol

Frases como estas são frequentemente utiliza­das em situações em que o respeito pelas máxi­mas conversacionais pode estar em risco. Mas osucesso da comunicação também pode serameaçado por enunciados irónicos ou sarcásticosde um dos interlocutores se o outro não os reconhe­cer como tal. Por exemplo, Quando, num dia de

\

chuva, alguém diz está um lindo dia! e o outro res­ponde acha que sim?

Um outro 'actor de perturbação diz respeito a

\enos de avaliação Que um locutor 'az do seu inter-

\

Iocutor, por exemplo, Quanto àin'ormação Que estepossui acerca do tema da con\Jersa·.

A. A Maria já voltou.'C. Sim? Mas onde é que ela foi?

"----~---_._----_.----------~_ ..-----

r-,IIr

70 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA

reinado de D. Manuel I, Portugal descobre o caminho marítimopara a índia); quando informamos alguém da nossa intenção depraticar uma acção posterior ao momento da fala, utilizamos fre­quentemente o 'presente' (por exemplo, vou ao cinema amanhã,frase em que a semântica do advérbio permite localizar a acçãonum ponto do futuro apesar de o verbo estar flexionado no pre­sente).

Na semântica de texto são também analisadas as funçõestemáticas, ou seja, as funções de 'agente', de 'alvo', ou outrascumpridas por elementos da frase. Na frase anterior, a Inês tem afunção de 'agente', e aos amigos tem a função de 'alvo'.

A semântica lexical, que, como o próprio nome indica, estáintimamente relacionada com o léxico, trata sobretudo da signifi­cação das palavras e das relações semânticas entre as unidadeslexicais (por exemplo, a relação entre sinónimos como belo e for­moso, ou entre antónimos como triste e alegre).

A PRAGMÁTICA

Independentemente da estrutura gramatical usada para cons­truir um enunciado linguístico, é necessário reconhecer que nemtodos os enunciados são do mesmo tipo. A distinção fundamen­tai opõe aqueles que veiculam informação (por exemplo, li estelivro em meia hora) aos enunciados que servem para alterar umdado estado de coisas e que são chamados actos de fala. Quan­do alguém diz prometo que acabo este trabalho hoje ou juro quenão fui eu ou apenas desculpa!, esse alguém está a fazer algumacoisa: está a comunicar ao interlocutor uma determinada inten­ção e espera que este a interprete adequadamente.

Para que os actos de fala sejam bem sucedidos devem res-. peitar algumas condições, a que se dá o nome de condiçõesde felicidade. Uma destas condições está relacionada com oreco'r:lhecimento da autoridade do locutor: para que um acto defala do tipo venham jantar a minha casa amanhã seja entendidocomo um convite efectivo e fiável é necessário que os interlo­cutores saibam que o locutor é o dono da casa, por exemplo. Poroutro lado, as expectativas do interlocutor não podem ser frus­tradas, o que poderá suceder, por exemplo, se a opinião de que

o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 71

alguém está muito bonita hoje for acompanhada por uma expres­são facial que a contrarie. A última é uma condição de sincerida­de, que faz com que um pedido de desculpa possa, de facto, seraceite.

O uso que os falantes fazem da sua língua é muito condicio­nado pelo contexto de interacção social em que esse uso ocorre.Ainda que o constrangimento não seja explicitado, a verdade éque, de um modo geral, os falantes sabem como 'comportar-se'Iinguisticamente em situações diversas. Assim, o relato de umatentativa de assalto feito por um dado cidadão ao seu grupo deamigos não será idêntico àquele que o mesmo cidadão fará naesquadra da polícia. Também um adolescente que gostaria de saircom o carro do pai e que desejaria que o irmão lhe devolvesse oseu perfume preferido se dirigirá aos seus dois interlocutores deforma muito distinta.

Estes constrangimentos manifestam-se de forma diversa emdiferentes línguas: a análise das chamadas formas de tratamento(por exemplo, tu já leste o jornal? vs. você já leu o jornal? vs. oSenhor Doutor já leu o jornal? vs. Vossa Excelência já leu o jor­nal?) mostra óbvios contrastes entre o Português Europeu e oPortuguês do Brasil. A variação também é frequente no que dizrespeito à escolha de uma estratégia de expressão da delicadeza:enquanto o Português recorre ao pretérito imperfeito do indicati­vo para suavizar uma ordem (telefonavas-me logo à noite?), oInglês não dispensa a palavra please (please call me tonight).

Os DOMíNIOS DA MUDANÇA E DA VARIAÇÃO

Todas as disciplinas da linguística vistas até agora podemestabelecer como objecto de estudo o sistema linguístico do dialec­to habitualmente conhecido como norma, tal como esse dialectose manifesta contemporaneamente. Quando o objecto de estudoincide sobre um outro dialecto é hábito identificar esse estudoem função da variação considerada. Assim, a variação temporalconstitui-se como o domínio da linguística histórica; da variaçãono espaço ocupam-se a dialectologia e a linguística comparada.

72 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VAo ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 73

A LINGuíSTICA HISTÓRICA

Hoje em dia é quase um lugar comum dizer que as línguas

são entidades dinâmicas e que variam ao longo do tempo, embo­

ra o confronto dos falantes com os casoS de mudança em cursonão cause exactamente a mesma reacção. Como se chega a essa

afirmacão? Confrontando uma língua contemporânea com fases

anteri~res dessa mesma língua ou dois estádios passados da

mesma língua. Por outras palavras, o conhecimento da mudança

linguística não pode olhar para o processo de evolução, ma~ pode

comparar diferentes estádios da existência de uma língua. E esse

o objecto de conhecimento da linguística histórica, também cha­

mada linguística diacrónica.

A comparação de diferentes estádios de uma língua pressu­

põe a capacidade de acesso aos dados. Os dados das sincroniasmais recentes ou estão directamente acessíveis (o linguista des­

crev~ o seu próprio conhecimento da língua) ou existem registos

relativamente abundantes e fiáveis. Quem quiser descrever algum

aspecto do dialecto de Lisboa no segundo quartel do século xxencontra, por exemplo, nos diálogos de filmes como A Cancão,de Lisboa (1933), O Pai Tirano (1941), O Pátio das Canti~as(1942) ou O Leão da Estrela (1947) um bom acervo ,de informa­

ção. Quanto ao acesso a fontes de sincronias mais distantes, há

restrições relacionadas com a disponibilidade das necessárias tec­

nologias: o estudo da oralidade, por exemplo, só é possível a partirda invenção do registo do som, em 1898 (com o 'Telegraphone'

de Poulsen). Para a maior parte do período de vida do Português,

o acesso aos dados fica, pois, restringido a fontes escritas, que

I( Mudança em curso tambe' - - t d dm nao sao o as o mesmo tipo: os textos mais antigos

I A flexão verbal da segunda pessoa do singular do pretérito perfeito pode são necessariamente manuscritos (cuja leitura exige com frequên-I ser considerada como um caso de mudança linguística em curso. O sufl- cia o recurso a conhecimentos especializados, como os da! xo que real'lza esta flexão é -ste (por exemplo, compraste, leste, ,~or~nlste), paleografia); os que se seguem à descoberta da imprensa são ma-I mas a realização mais frequente no Português Europeu talvez Ja nao seja .

f' [1 f I ( nuscntos ou impressos, dos incunábulos (que são os primeiros

[' esta, talvez seja aquela que acrescenta ao su IXO um s no ma por exem-"d ' ) livros impressos) aos mais variados tipos de documentos da ac-I pio, tu "comprastes, tu "lestes, tu ormlste~.,. ' 'i A crescente popularidade destas formas nao ficara a dever-se a Igno- tualidade. A outra distinção tem a ver com a origem das fontes\ rância dos falantes (embora um ensino do Português menos permlss~vo escritas, particularmente no que diz respeito à sua natureza lite-I, do que o actual pudesse ter contido por mais algum tempo esta tenden- rária ou outra, como por exemplo os textos de natureza adminis-'\ cia de mudança). Na verdade, há uma conjunção de factores que a_ propicia: trativa ou as gramáticas.

I •por um lado, -stes é um sufixo de flexão eXistente no Portugues - trata- A mudança linguística pode afectar qualquer aspecto de um-se do sufixo de segunda pessoa do plural do mesmo paradigma da fle- sistema linguístico. As primeiras descrições destes fenómenosxão verbal (exs. vós comprastes, vós lestes, vós dormistes); ocuparam-se exclusivamente de aspectos fonéticos (como, por

• por outro lado, esta segunda pessoa do plural tende a ser eliminada de exemplo, o desaparecimento de consoantes intervocálicas naqualquer paradigma da flexão verbal (pelo menos no dlalect~ de Lisboa), passagem do Latim para o Português: FILU > fiol, mas tambémsendo substituída por uma forma de segunda pessoa e flexao de tercel- outros domínios das línguas são afectados por fenómenos de

ra (d. vocês compraram, vocês ler~m, vocês.~ormiram); I I mudança linguística. Continuando a contrastar o Latim com• por último, dado que, com excepçao do pretento perfeito, todas as se-, I o Português, pode referir-se o caso da mudança de género em

gundas pessoas do singular terminam em Is], o aparecimento desta I alguns nomes (por exemplo, DOLOR era um nome masculino emconsoante também no pretérito perfeito configura um caso de regulan- Ir.,, Latim, dor é um nome feminino em Português), a mudança de con-zação do paradigma, I jugação em alguns verbos (por exemplo, TORRERE era um verbo

Parecem, pois, estar reunidas todas as condições que um processo f da segunda conjugação em Latim, torrar é um verbo da primeira

de mudança linguística requer para ser bem sucedido. ! conjugação em Português), a mudança que provoca o desapare-

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74 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA

A DIALECTOLOGIA

o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 75

o objecto de estudo da dialectologia são os dialectos pertencen­tes a uma determinada língua.

A generalidade das descrições do Português realizadas emPortugal incide sobre o dialecto de Lisboa, considerado como nor­ma-padrão do Português Europeu. Note-se que não se trata deum dialecto superior do ponto de vista linguístico. No que respeitaà realização de uma língua em diversas regiões (à sua distribuiçãogeográfica), as variedades regionais, ou dialectos, têm idênticoestatuto linguístico. Assim, o termo 'dialecto' não refere uma formadiferente (ou desprestigiada) de falar uma língua, mas sim a for­ma de falar uma língua conforme a região a que pertence o falante.

Existe, com frequência, uma estreita relação entre a dialecto­logia e a linguística histórica. Na verdade, é fácil encontrar exem­plos de dialectos que mostram semelhanças com sincroniaspassadas de um outro dialecto. É por esta razão que se pode fa­lar de dialectos mais ou menos conservadores (alguns dialectosdas Beiras, por exemplo, conservam a consoante fricativa [~L

habitualmente designada como 's beirão', que tem a mesma pro­núncia do s do Latim.

No território de Portugal continental, que não é muito exten­so e que está quase integralmente coberto pelas redes de trans­missão de som e imagem, a variação dialectal tende a diminuir.Énos arquipélagos da Madeira e dos Açores, nomeadamente nesteúltimo, que ainda se encontram alguns dialectos que apresentamclaras diferenças em relação à maioria dos dialectos continentais.

Os métodos de trabalho da dialectologia são exigentes, querno que diz respeito à selecção dos informantes, quer quanto aoregisto dos dados obtidos. Os atlas e os mapas dialectais repre­sentam graficamente a distribuição dos dialectos de uma região,seja um país ou um conjunto de países em que as línguas estãorelacionadas.

A dialectologia é uma área da linguística com grande tradiçãoem Portugal. Além de trabalhos parciais (como, por exemplo, oAtlas Linguístico e Etnográfico dos Açores), os dialectólogos por­tugueses colaboram no Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugale da Galiza (ALEPG) e no Atlas Linguarum Europae (ALE). Todosestes Atlas contêm uma parte referente aos dialectos do Portu­guês Europeu.

cimento de algumas palavras (os chamados arcaísmos, comoluscar, substituído por brincar, ou fiúza, abandonado em proveitode confiança), ou o aparecimento de palavras novas (chamadasneologismos, como telemóvel ou vitrocerâmica).

Quanto ao modo de .actuação de um processo de mudancalinguística, sabe-se que ele é desencadeado por um pequeno nÚ­mero de falantes, relativamente a um pequeno número de situa­ções linguísticas, que progressivamente alastra de forma a atingira globalidade dos contextos linguísticos apropriados e, finalmente,se generaliza a toda a comunidade linguística.

Quanto à motivação, é provável que ela se encontre na pró­pria natureza humana: em causas de natureza social, como a

diversidade geográfica, noconfronto do velho com onovo, em deficiências naaprendizagem da língua ou naprocura de um acréscimo deprestígio social. A mudançalinguística também pode serdesencadeada por razões denatureza linguística, como ocontacto entre línguas, oupela busca de um ponto deequilíbrio entre a simplificaçãodo sistema e a garantia da suaeficácia, como sucede com as

mudanças fonéticas que desencadeiam mudanças morfológicasou sintácticas.

A variação geográfica é outra das vertentes da diversidadelinguística. De um modo geral, a dialectologia, a que também sedá o nome de geografia linguística, ocupa-se da variação dentrodo espaço que a convenção dominante aceita tratar-se de umalíngua. Éhoje em dia comummente aceite, no domínio dos estudoslinguísticos, que dialecto e norma não são conceitos opostos _pelo contrário, a norma é um dos dialectos de uma língua. Assim,

A história das línguas

À linguística histórica está intima­mente associada uma outra disciplina,chamada história da língua. Em rela­ção ao Português, a História da Línguapreocupa-se com o relacionamento defenómenos de mudança linguísticacom os dados da ocupação do territó­rio português e do contacto de portu­gueses com populações falantes deoutras línguas.

76 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLAL VA

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A LINGuíSTICA COMPARADA

o terceiro tipo de estudos da variação linguística analisa lín­guas diferentes. Este tipo de análise assenta em bases científi­cas, como já ocorria na comparação entre línguas desenvolvida apartir dos finais do século XVIII. Havia, então, a preocupação deidentificar relações históricas entre as línguas, preocupação a quese juntou, posteriormente, uma análise comparativa com o ob­jectivo de estabelecer uma tipologia linguística assente nas pro­priedades dos sistemas gramaticais.

Os estudos comparativos que se desenvolveram sobretudo noséculo XIX produziram uma classificação genética das línguas eforam responsáveis pelo aparecimento das chamadas famílias delínguas, frequentemente representadas por uma espécie de árvo­re genealógica. Na família românica, por exemplo, o Latim é a lín­gua-mãe, o Português é uma língua-filha e o Castelhano, o Catalão,o Francês, o Italiano ou o Romeno são as suas línguas-irmãs.A família românica é descendente do Indo-Europeu, que, como jáfoi dito, é uma língua reconstruída de que não existe qualquervestígio material. Esta classificação genética das línguas não é,pois, isenta de críticas e discussões. A família das línguas de ma­triz indo-europeia (entre as quais se inclui o Latim) pode ser re­presentada do modo expresso na página seguinte.

Apesar de ser dominante em toda a Europa, a matriz indo­-europeia coexiste com algumas pequenas bolsas linguísticas dedistinta natureza: o Basco resistiu à invasão indo-europeia; o Hún­garo, o Estónio e o Finlandês são línguas pertencentes à famíliaurálica; e o Turco é uma das línguas da família altaica. Na Ásia,línguas como o Malaio ou o Tamil, faladas na índia, pertencem àfamília dravídica, enquanto na China e no Tibete se encontram aslínguas sino-tibetanas. África contém mais línguas do que todosos outros continentes (cerca de 2000, faladas por 480 milhõesde pessoas): de entre os muitos grupos linguísticos deve realçar­-se o ramo Bantu, a que pertence a maioria das línguas nacionaisde Angola e de Moçambique.

A tipologia linguística tradicional, estabelecida no início doséculo XIX, reconhece três tipos de línguas com base na estruturadas palavras: línguas isolantes, em que as palavras são invariáveis

'~.-- ---------------------------

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e as relações gramaticais são determinadas pela ordem de pala­vras (é o caso do Chinês ou do Vietnamita); línguas flexionais,em que as palavras exibem afixos de flexão que expressam rela­ções gramaticais (por exemplo, o Latim ou o Português); e línguasaglutinantes, em que as palavras são construídas pela agluti­nação de unidades (como o Japonês ou o Turco). Mas muitaslínguas são de tipo misto, contendo palavras invariáveis eflexionadas, e expressando, por vezes, as categorias gramaticaisatravés da ordem de palavras.

A dificuldade de classificação das línguas a partir de um tãopequeno conjunto de propriedades gramaticais acabou por con­duzir ao quase abandono desta categorização. Em seu lugar, têmvindo a surgir estudos que descrevem um determinado fenóme­no linguístico (ou conjunto de fenómenos linguísticos co-relacio­nados) em diversas línguas, o que permite encontrar critérios deproximidade entre línguas e conduz à identificacão dos universaislinguísticos. .

Note-se, para concluir, que a comparação entre línguas podecontribuir para a (in)validação de hipóteses da história e de ciên­cias sociais como a sociologia ou a antropologia.

PARA QUE SERVE A UNGU{ST\CA?

No início deste capítulo vale a pena relatar um episódio queteve lugar, há alguns anos, numa Faculdade de Letras portugue­sa. Na conclusão do primeiro curso de Linguística, os estudantesquiseram conversar com os seus professores, para lhes pergun­tar qual a designação que tinham como profissionais e o quepoderiam fazer com o curso que acabavam de concluir. Aparen­temente, a primeira pergunta tem resposta fácil: os profissionaisque trabalham em linguística são linguistas. A resposta à segun­da questão é mais extensa: vai da contribuição para o avanço doconhecimento nos diversos domínios da linguística e dos domí­nios interdisciplinares que envolvem a linguística como um dosparceiros às diversas profissões relacionadas com o uso e os uti­lizadores das línguas. Vejamos, então, quem são e o que fazemos linguistas.

QUEM SÃO OS LINGUISTAS?

Linguista é uma profissão da segunda metade do século XX:

só comecou a haver linguistas depois de a linguística se ter insti­tuído co~o um domínio do conhecimento. Antes de haver linguis­tas houve gramáticos, como Fernão de Oliveira, foneticistas, comoGonçalves Viana, filólogos, como Adolfo Coelho e dialectólogoscomo Leite de Vasconcelos.

Nos últimos anos, a formação dos linguistas conheceu,em Portugal, uma notória evolução: a primeira licenciatura em

80 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 81

10 Os planos de estudos destas licenciaturas em universidades por­tuguesas podem ser consultados em www.fl.ul.pt/dlgr/licJing.htm nple em www.fcsh.unl.pt/linguistica/maior.html.

A profissão de linguista

A profissão de linguista é tãorecente que, em Portugal, ainda nãoaparece registada na ClassificaçãoNacional de Profissões (documentopatrocinado pelo Ministério das Activi­dades Económicas e do Trabalho, cujaúltima versão conhecida data de 1994).

I

No grupo dos 'especialistas das profis­sões intelectuais e científicas' há lugar

lapenas para 'filólogos', 'tradutores' e'intérpretes'.'-...~--------------'

----------------"procura que, anoA Associação Portuguesa de linguísticaapós ano, tem ga-

rantido o preenchi- Fundada em 1984, a Associação Portugue-mento de todas as sa de Linguística [02] é uma instituição que con-vagas disponíveis. grega ageneralidade dos linguistas portuguesesTratando-se de uma e também muitos linguistas de outros países

que se interessam pelo Português. A APL or-formação académica ganiza anualmente uma reunião científica que irecente, não são ain- acolhe a apresentação de um grande númeroda muito numerosos de trabalhos de investigação em linguística (pos-os profissionais cre- teriormente publicados nos volumes de Actas)denciados. Ainda e patrocina, pontualmente, a realização de ou­

tras reuniões de idêntico teor.menos numerososA APL atribui anualmente um prémio dirigi-

são aqueles que, do a sócios não doutorados que submetam umaté agora, já encon- trabalho de investigação sobre o Português. )traram colocação ~fora das universida-

des ou dos centros de investigação. A profissão de linguista estarápróxima de um ponto de viragem, em que o reconhecimento domercado de trabalho se torna indispensável, mas, para que issoaconteça, é necessário mostrar, quer aos futuros profissionais queraos potenciais empregadores, para que servem estes profissionais.

o QUE FAZEM OS LINGUISTAS?

o entendimento comum acerca do que fazem os linguistasassenta na expectativa de que se trata de pessoas cujo uso dalíngua é modelar e cuja proficiência linguística passa pelo domí­nio de várias línguas. Ainda que estas sejam qualidades desejá­veis para qualquer falante, logo também para um linguista, o seuperfil profissional é bem mais variado e exigente. Vejamos, en­tão, no que consiste esta actividade, repartida pelas diferentesáreas de especialidade.

INVESTIGAÇÃO FUNDAMENTAL

Como sucede com qualquer outra ciência, a investigaçãofundamental em linguística é indispensável para o progresso do

linguística10 surgiu na Fa­culdade de Letras da Uni­versidade de Lisboa em1987; a segunda foi criadana Faculdade de CiênciasSociais e Humanas da Uni­versidade Nova de Lisboa,seis anos mais tarde. Umpouco antes, tivera início aformação pós-graduada emlinguística, com diversoscursos de mestrado em di­versas universidades, e,

mais recentemente, foi a vez da institucionalização de cursos dedoutoramento.

Anteriormente, a formação em linguística era assegurada pe­las licenciaturas em filologia clássica, românica ou germânica, quedesenvolviam planos de estudos muito dirigidos ao conhecimen­to dos textos literários. No início dos anos 80 do século XX, es­tes cursos foram substituídos pelas licenciaturas em línguas eliteraturas clássicas e modernas. Para além da mudança de nome,a reforma destes cursos introduziu grandes alterações nos pIa­nos de estudos, abrindo espaço para uma formação mais siste­mática em áreas estruturantes da linguística, como a fonologia ea sintaxe, e em domínios de aplicação, como a psicolinguística ea sociolinguística, sem esquecer o lugar para a filologia e o estu­do da história da língua. Quanto à formação pós-graduada, regis­ta-se, ao longo do século XX, a apresentação de um crescentenúmero de dissertações de doutoramento, laboriosa e individual­mente preparadas por docentes universitários contratados para oensino de matérias de linguística, sob a supervisão de um ou doisprofessores orientadores.

A preparação académica dos linguistas está, pois, hoje emdia, basicamente assegurada, quer pela oferta de cursos quer pela

~.'

i----f 82 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA

conhecimento nesta área e também em áreas relacionadas. Porinvestigação fundamental entende-se a procura da explicação parao funcionamento do seu objecto de estudo (neste caso, a lingua­gem e as línguas), observando os dados do real e propondo umateoria para a explicitação desse saber.

A investigação fundamental em linguística tem-se orientadoprincipalmente para a discussão das seguintes questões:

• Elaboração de teorias linguísticas que permitam explicar ofuncionamento das línguas; neste sentido, é possível falar deteoria da gramática, teoria fonológica, teoria morfológica, teo­ria sintáctica ou teoria semântica.

• Conhecimento da faculdade da linguagem.

• Conhecimento da gramática das línguas particulares nos seusdiversos domínios de análise, como a fonologia, a morfolo­gia, a sintaxe e a semântica.

Em Portugal este tipo de trabalho é geralmente desenvolvidono âmbito de universidades e centros de investigação, financiadosmaioritariamente pelo Estado, mas também por algumas entida­des de capitais privados, nomeadamente no quadro de programasde mecenato científico, o que depende, quase integralmente, daexistência de uma política científica esclarecida. Regra geral, esteé um tipo de trabalho que não gera receitas, pelo que não podeauto-sustentar-se. Note-se que uma comunidade científica que nãodesenvolve investigação fundamental fica dependente dos resul­tados da investigação externa e sem capacidade crítica para osavaliar. Além disso, a inexistência de investigação fundamentalnão permite construir aplicações credíveis.

O perfil dos investigadores também merece comentário. Tra­ta-se de uma actividade que requer uma especialização estrita,com o que isto implica de exigência no conhecimento do 'estadodas artes'; de criatividade que garanta a originalidade das hipóte­ses formuladas; e de persistência na procura dos melhores resul­tados. Compreende-se, pois, que o número de candidatos ao seuexercício não seja muito grande e compreende-se também que areacção da generalidade das pessoas ao tipo de trabalho que ca­racteriza a investigação fundamental seja quase sempre de sur-

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 83

presa. No caso específico da investigação em linguística, a sur­presa está quase sempre relacionada com o aparato formal utili­zado, com o grau de abstracção exigido e com a aparente faltade utilidade prática do trabalho realizado.

As DESCRiÇÕES E ANÁLISES

Sem descrições rigorosas dos dados da realidade não é pos­sível fazer investigação fundamental. Trata-se de trabalhos dereferência, fundamentais no sentido em que potenciam quer osavanços teóricos quer os desenvolvimentos práticos. As descri­ções necessárias para a investigação em linguística incidemsobre os vários domínios da gramática das línguas, estudadas emsi mesmas ou numa perspectiva comparada, com os seguintesobjectivos:

• Descrição de fenómenos linguísticos (fonológicos, lexicais,morfológicos, sintácticos, semânticos).

• Descrição de fenómenos de interface (entre a fonologia e amorfologia, ou entre a morfologia e a sintaxe, por exemplo).

• Descrição de fenómenos de mudança linguística.

• Descrição de fenómenos de variação linguística,

Quanto maior for o número de línguas descritas, mais apro­fundado será o conhecimento das características da linguagemhumana. Quando se trata de línguas já estudadas, as descriçõespartem de conhecimentos anteriores e enquadram-se numa teo­ria considerada mais explicativa. A descrição das línguas poucoconhecidas ou nunca estudadas, como algumas línguas africanase ameríndias, os crioulos ou as línguas gestuais, é um instrumen­to de grande importância para o esclarecimento de questões an­tropológicas, etnológicas e sociológicas, gerais ou específicas, dospovos que falam essas línguas. A descrição de línguas ágrafas,por exemplo, é condição indispensável para a criação de uma or­tografia para essas línguas.

Tal como a investigação fundamental, a elaboração de des­crições e análises linguísticas é patrocinada fundamentalmentepelas universidades, correspondendo a trabalhos académicos

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GRAMÁTICAS

11 Em Grego Antigo, a forma grammatikê significava 'a ciência ou aarte de ler e escrever',

(como as dissertações de mestrado e de doutoramento) ou a re­latórios de projectos de investigação, Mas há materiais produzidosa partir de trabalhos deste tipo que têm um uso mais alargado.É o caso das gramáticas, dos dicionários ou dos atlas e mapas

dialectais.

Outros repertórios de palavras

Outros instrumentos para o co­nhecimento do léxico de uma línguasão os glossários, que contêm aspalavras raras ou pouco conhecidasde um documento, obra ou época,acompanhadas da respectiva defi­nição, e os vocabulários, que sãolistas exaustivas de um corpus. De­signam-se também como vocabulá­rios os inventários das palavras maiSjfrequentes de uma língua.

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Os objectos comummente utilizados para o conhecimento doléxico de uma língua são os dicionários. Convém esclarecer queentre o léxico de uma língua e os dicionários disponíveis para essalíngua existem grandes diferen-ças. Os dicionários correspon­

dem inevitavelmente a umaparte do léxico da língua. Quan­

to mais não seja por razões deexequibilidade, devem os lexi­cógrafos dicionaristas procederà delimitação do âmbito do di­cionário, que pode, assim, serum dicionário das palavras emuso à data da sua elaboração,um dicionário de neologismosou um dicionário de termos téc­nicos.

A ausência de uma palavra num determinado dicionário nãodeve, pois, ser interpretada ligeiramente como indiciadora da suainexistência: pode tratar-se de uma palavra que cai fora do escopodo dicionário; que, por erro, não foi incluída; ou, ainda, que nãoprecisa de estar dicionarizada por ser um produto previsível dosrecursos morfológicos disponíveis (como sucede com a maioria

DICIONÁRIOS

os falantes quanto ao uso da língua consagrado pela norma.A Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunhae Lindley Cintra (Lisboa: João Sá da Costa) é uma gramática des­te tipo.

Uma outra acepção deste termo é aquela que identifica aschamadas gramáticas de referência. São também manuais, mas,

neste caso, o objectivo é explicitar o conhecimento produzidoacerca de uma língua, de forma exaustiva e sistemática. Trata-sede trabalhos baseados na investigação linguística e destinadosa quem procura estudar uma língua e não apenas um uso dessalíngua. A esta categoria pertence, por exemplo, a Gramática daLíngua Portuguesa, de Mateus et aI. (Lisboa: Caminho),

Há diversas interpretações para o termo gramática e mesmodiferentes objectos a que se dá este nome. A interpretação maiscomum é aquela que identifica manuais que têm como objectivo

ensinar 'o que se devedizer', qual é o uso'correcto' de uma lín­gua. Estas são as gra­máticas normativas

(porque descrevem odialecto consideradocomo a norma de umalíngua), também cha­madas gramáticas

prescritivas (porque

apresentam conjuntosde regras e excepções)ou gramáticas tradi­cionais (porque o seuformato é muito próxi­mo do formato das pri­meiras gramáticasgregas 11 e latinas).

Trata-se, neste últimocaso, de gramáticas

escolares apropriadas ao ensino da língua, manuais de gramáticadestinados ao uso corrente, cuja consulta deverá esclarecer

Outras 'gramáticas'

Gramática pode não referir um manuale sim o próprio objecto do conhecimento.É neste sentido que se fala de gramáticauniversal, como o conjunto de princípiosque dão forma à faculdade da linguagem; degramática particular, como equivalente desistema linguístico; ou mesmo de gramá­tica interiorizada, quando se faz apelo aoconhecimento da língua que cada falantepossui e que é responsável pela sua produ­ção e compreensão de enunciados.

Resta, por último, dizer que é a partir dovalor de gramática, enquanto equivalente desistema linguístico, que se estabelece umvalor mais geral que permite a referência aqualquer sistema. Nesta acepção, é possí­vel encontrar expressões como' gramáticada criação', 'gramática da pintura' ou 'gramá­tica do teatro de vanguarda'.

12 Tal como o próprio alfabeto latino, a ordenação alfabética sofreualguns reajustes com o correr do tempo e a variação de língua para lín­gua, mas pode alicerçar-se na ordenação do alfabeto fenício de há cercade 3000 anos.

Forma de citação

Como é sabido, algumas palavraspodem apresentar mais do que umaforma - estas são as palavras variá­veis. Os dicionários não incluem todasas formas das palavras variáveis. Emgeral, os dicionários incluem apenasuma das formas, dando-lhe o nome deforma de citação. No Português, a for­ma de citação dos verbos éaforma doinfinitivo impessoal; aforma de citaçãodas palavras de natureza nominal é aforma do singular e a forma do mas­culino, nos casos em que a variaçãoem género é possível.

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dos advérbios em -mente, como necessariamente, ou com dimi­nutivos em -inho, como livrinho).

Note-se que a organização típica dos dicionários em suporteimpresso, que é a ordenação alfabética, não corresponde a ne­nhuma das típicas estruturas do léxico. Veja-se, por exemplo, adificuldade do 'jogo das letras', quando é necessário encontrarnomes de países, de cidades, de animais ou de plantas começa-

dos por S, I ou Z. Com efeito,a ordenação alfabética 12 nãoencontra motivação nos sis­temas linguísticos das lín­guas em que é utilizada, oque talvez lhe garanta o su­cesso internacional de quedesfruta na elaboração des­te tipo de documentos deconsulta pontual. Já a con­cepção dos dicionários elec­trónicos se aproxima mais doque a linguística hoje sabeacerca do léxico das línguasnaturais, permitindo pesqui­sas combinadas, não só poruma forma de citação, mas

por sequências menores localizadas em qualquer ponto da pala­vra e por qualquer uma das suas propriedades.

Não existe apenas um tipo de dicionários. A variação depen­de, sobretudo, do número de línguas envolvidas (o que permitedistinguir. dicionários monolingues de dicionários bilingues eplurilinguesl e do âmbito do dicionário. Neste caso, é necessárioseparar os dicionários de carácter geral dos dicionários especiali­zados, também chamados dicionários técnicos ou terminologias.

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 87

A esta última categoria pertencem os dicionários relativos aoléxico de determinadas ciências, tecnologias ou artes, mas tam­bém objectos como os dicionários etimológicos ou os dicionáriosde neologismos.

Tradicionalmente os dicionários são apresentados como livros,estando os verbetes (ou entradas) dispostos por ordem alfabética.Os avanços tecnológicos dos últimos 50 anos estão a mudar estaforma de apresentação tradicional: os dicionários electrónicospermitem utilizações muito mais ágeis e proveitosas e apresen­tam muito menos restrições quanto ao volume de dados.

INVESTIGAÇÃO INTERDISCIPLINAR

Muitos linguistas desenvolvem trabalhos de investigação in­terdisciplinar, que envolvem mais do que um domínio de especia­lização. É o que sucede, por exemplo, com a sociolinguística, apsicolinguística ou a neurolinguística, que cruzam a linguística comas ciências sociais e as neurociências.

A SOCIOLlNGuíSTICA

As relações entre a língua e a estrutura e funcionamento dasociedade são estudadas pela sociolinguística, um ramo da lin­guística que se ocupa dos usos da língua, tomando em conside­ração os factores sociais e culturais que caracterizam uma dadacomunidade de falantes. Os conceitos de língua materna ou pri­meira (a língua em que a criança faz a aquisição de linguagem),língua segunda (diferente da língua materna e usada com um fimespecífico como a educação ou a administração pública) e línguaestrangeira (adquirida com finalidades sociais ou de investigação)são definidos no âmbito da sociolinguística. É também a sociolin­guística que estuda as consequências do contacto entre línguasdecorrente de processos históricos de migração e colonização,analisando as mudanças linguísticas responsáveis pela criaçãode línguas mistas que se caracterizam por ter mais do que umalíngua na sua origem como os pidgins e os crioulos. Em circuns­tâncias especiais, a sociolinguística identifica formas de comuni­cação que ocorrem em mais do que uma língua em consequênciada localização geográfica dos falantes, como ocorre com os

APLICAÇÕES

Há diversos domínios de aplicação da linguística. Os maiscomummente considerados dizem respeito ao ensino das línguas,à tradução, à computação e à consultaria.

Aquisição da língua

A aquisição da língua é um proces­so desencadeado de forma involuntá­ria em todas as crianças e que actua deforma muito semelhante, apesar dasdiferenças entre línguas aprendidas.

O processo de aquisição de lingua­gem pode ser visto como a activaçãoda faculdade de linguagem, face aosdados linguísticos a que a criança temacesso. Este processo decorre numbreve espaço de tempo e envolve uma Igrande complexidade de operações. ;- ---- -- --~~--~~~---- - -~/

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habitantes de localidades fronteiriças que utilizam uma misturade Português e Espanhol denominada familiarmente 'portunhol'.

Duas das tarefas que competem à sociolinguística são a defi­nição da norma-padrão e a inventariação de objectivos e estraté­gias que devem caracterizar uma política de língua.

• O uso das línguas é, naturalmente, um domínio de relevo queexige a observação e análise das línguas e a consideração defactores sociais e culturais de uma comunidade linguística.Um dos problemas mais discutidos em relação a qualquer lín­gua - tendo presente que ela varia no tempo e no espaço - éa determinação da norma-padrão. A norma deverá ser tida emconta no ensino, com a responsabilidade que lhe cabe na for­mação de todos os 'utentes profissionais' da língua, ou seja,dos próprios professores, dos jornalistas, dos escritores oudos políticos, para dar apenas alguns exemplos. O uso danorma (ou, inversamente, o uso de um outro registo linguís­tico) caracteriza o nível de escolarização do indivíduo, a suaproveniência e o seu enquadramento social.A escolha da variedade social e dialectal que deve ser consi­derada como norma-padrão é uma questão delicada: se, doponto de vista linguístico, todas as variedades são igualmen­te válidas desde que sirvam para a comunicação dos falan­tes, já numa perspectiva social a escolha de um determinadodialecto como dialecto da norma é um factor de discrimina­ção positiva, pelo que, geralmente, coincide com o dialectodo estrato da população que possui maior prestígio e poder.De um modo geral, o dialecto elegido como norma-padrão é odialecto falado na sede do poder político de um país.

• A determinação dos objectivos e das estratégias de uma po­lítica de língua é outro dos domínios que compete à sociolin­guística. A utilização de uma língua oficial ou de mais do queuma; os problemas respeitantes ao multilinguismo, por exem­plo, com a consideração das consequências do bilinguismo anível individual; o interesse pela preservação das línguasminoritárias, ou de menor expansão internacional, numa so­ciedade multilingue. Todas estas são questões que devem serequacionadas por uma política linguística.

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 89

A PSICOLINGuíSTlCA, A NEUROLlNGuíSTlCA

E A LINGuíSTICA CLíNICA

A psicolinguística trata do estudo das relações entre a lingua­gem, ou o funcionamento de uma língua particular, e os processoscognitivos que estão na base da produção linguística. Tratando­-se de um campo interdisciplinar, é indispensável o concurso deespecialistas de diversas formações para o estudo das bases neu­rológicas do processo deaquisição de linguagem e do (seu desenvolvimento. Entramnesta consideração, por umlado, as análises dos dadosda língua realizadas por lin­guistas, por outro, o estudoda memória e da atenção e oconhecimento das áreas docérebro ligadas ao proces­samento e compreensão dafala e da escrita, que são dodomínio da neurolinguística.

O estudo das patologiasda linguagem, quer se trate delíngua falada, escrita ou gestual, por ter de se desenvolver em in­teracção com os conhecimentos das neurociências, denomina-sefrequentemente como linguística clínica. A maioria das perturba­ções de linguagem é constituída pelos diversos tipos de afasias queresultam de doenças ou traumatismos cerebrais e estão relacionadascom diferentes áreas do cérebro. As afasias provocam incapacida­de de produção (afasia expressiva e afasia motora) ou de compreen­são da fala (afasia de Wernicke e afasia fluente), quer no que respeitaao vocabulário (afasia nominal), quer às estruturas gramaticais (afa­sia sintáctica) ou a outros aspectos da língua oral ou escrita.

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o ENSINO E A FORMAÇAo DE PROFESSORES DE LINGUA

O ensino de línguas é um dos domínios de aplicação da lin­guística, que permite hierarquizar aprendizagens em função dacomplexidade dos fenómenos linguísticos envolvidos e tambémpermite encontrar estratégias adequadas à resolução de proble­mas suscitados pela consolidação das competências linguísticasaprendidas.

Neste domínio, há que distinguir o ensino da língua maternado ensino das outras línguas (língua segunda ou línguas estran­geiras). O ensino da língua materna não apresenta uma línguanova, não ensina a falar - todos os estudantes de língua maternasão falantes nativos dessa língua. Neste caso, o ensino da línguaé o ensino de um uso específico dessa língua, geralmente o usoconsagrado pela norma, e é a consideração da língua como umobjecto de conhecimento, o que passa pela explicitação do sabergramatical de cada aluno.

O ensino das línguas estrangeiras tem outras características:em muitos casos, inicia-se com o primeiro contacto dos estudan­tes com essas línguas: trata-se, pois, de adquirir competênciaslinguísticas diferentes. Numa fase inicial, a aprendizagem de umalíngua estrangeira encontra semelhanças com a aquisição de lin­guagem levada a cabo nos primeiros anos de vida e não as aulasde língua materna.

Uma outra distinção que deve ser feita, no domínio do ensinoe aprendizagem das línguas, é a distinção entre a aprendizagemdo oral e a aprendizagem do escrito, dado que as competênciasenvolvidas nestes duas actividades linguísticas não são idênticas.

A formação de professores é outra das áreas em que se tornaindispensável a aplicação dos conhecimentos em linguística. Nestaformação há que considerar a pré-graduação e a pós-graduação.Normalmente, os professores de língua recebem uma formaçãogeral e teórica na licenciatura obtida nas universidades e nas es­colas de ensino superior, com uma componente prática dirigidapara o domínio das línguas em que se preparam. Os professoresque se destinam ao ensino não universitário têm um complemen­to de preparação pedagógica e didáctica, podendo, posteriormente,seguir um curso de pós-graduação.

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 91

TRADUçAoGlobalmente considerada, a tradução é a conversão de uma

língua para outra. O tradutor deve traduzir para a sua língua ma­terna (ou que usa habitualmentel - a língua alvo - mas tem queconhecer bem a língua de que parte - a língua de origem ou lín­gua fonte. Existem traduções de vários tipos: considerando a tra­ducão de textos escritos, devemos estabelecer uma diferença entrea t~aducão literária e a traducão técnica. No primeiro caso, é ne­cessári~ que o tradutor tenha um conhecimento satisfatório doconteúdo do texto originário e de aspectos culturais e sociais

. (como questões de moda ou tabus linguísticos) que estão rela­cionados com a utilização da língua de origem e devem reflectir­-se na língua alvo. No caso da tradução técnica, é aconselhávelalgum contacto com a área em que se situa a tradução (informá­tica, gastronomia, electricidade ou outra) e uma procura de apoionas terminologias e nas obras especializadas do domínio em causa.

Quando a oralidade é o meio utilizado na tradução quer comoponto de partida, quer como ponto de chegada - ou seja, na tra­ducão simultânea -, o tradutor é normalmente denominado'intérprete'; a mesma designação cabe ao tradutor que parte da

língua oral para uma língua gestual.

LINGulSTICA COMPUTA CIONALA linguística computacional engloba o tratamento automá­

tico de todas as áreas da língua, ou seja, a descrição de qualquermódulo da gramática de uma língua natural, de modo a que essadescrição pode ser compreendida e trabalhada por uma máquina.Esta actividade também pode ser designada processamento das

línguas naturais (PLN).O trabalho neste campo necessita da colaboração entre lin-

guistas, que conhecem o funcionamento das estruturas da língua,e especialistas na construção de sistemas informáticos, produ­zindo aplicações em diversos domínios:

• A traducão automática é um sistema informático que permi­te obter'traducões entre duas ou mais línguas. Uma das mo­dalidades mai~ comuns de tradução automática é a traduçãoassistida por computador, que permite a um tradutor humano

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92 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA

servir-se de vários módulos informáticos que ajudam no esta­belecimento de correspondências entre as línguas (fonte ealvo). Nestes módulos incluem-se gramáticas e dicionárioselectrónicos de sinónimos e outros. Trata-se de módulos quememorizam expressões frequentes numa língua, léxicos infor­matizados, analisadores morfológicos e sintácticos ecorrectores ortográficos, sintácticos e até estilísticos.

• As bases de dados linguísticos e os corpora informatizadossão recursos de armazenamento de dados linguísticos compossibilidade de consulta interrelacionada, responsáveis, porexemplo, pelo aparecimento de dicionários electrónicos.

• Os sistemas de síntese e reconhecimento de fala são cons­truídos com base em padrões fonéticos de uma língua, quepermitem reconhecê-Ia e produzi-Ia automaticamente. Aplica­ções deste tipo são usadas, por exemplo, em investigaçõespoliciais, para determinação das características fonéticas dafala de um indivíduo com o objectivo de o identificar a partirde gravações de voz.

CONSUL TORIA LINGuíSTICA

Por último, os linguistas podem participar na vida das empre­sas e das instituições, sempre que o uso da língua esteja em ques­tão, assegurando uma maior eficácia comunicativa quer atravésda revisão linguística dos textos quer do esclarecimento de dúvi­das dos falantes. Estas são as funções dos consultores linguís­ticos.

GLOSSÁRIO

AFASIA - Perturbação da lingua­gem devida a danos cerebraisque afectam a capacidade dofalante para produzir ou com­preender as estruturas linguís­ticas. A afasia pode afectar osníveis fonológico, morfológicoou sintáctico, lexical ou semân­tico da língua.

AQUISlçAo DA LiNGUA - Proces­so durante o qual a criançaaprende a sua língua maternapor simples exposição à línguautilizada no meio em que estáinserida.

BILINGUISMO - Capacidade decomunicar e de se expressarem duas línguas diferentes, re­sultante de um contacto fre­quente com essas duas línguas(por exemplo, um filho de mãeportuguesa e pai francês podetornar-se bilingue nestas duaslínguas). No caso de o indivíduopossuir essa capacidade de ex­pressão em mais do que duaslínguas, com as quais contacta

regular e frequentemente,pode considerar-se multilingue.Existem vários graus de mul­tilinguismo, verificando-se,quase sempre, uma espe­cialização do uso das línguasconforme asituação comunica­cional, o contexto ou o tipo deinterlocutor. O ambiente multi­lingue, quer de indivíduos querde comunidades, é mais fre­quente do que se pode supore é muitas vezes decorrente oupromovido por políticas linguís­ticas específicas.

CONTíNUO SONORO - Designaçãodo nível oral da fala que se ba­seia no facto de, nesse nível,ela ser constituída por uma su­cessão de sons em que nãoexiste separação entre as uni­dades da língua.

CRIOULO- Língua materna de umacomunidade que surge emcircunstâncias especiais (nor­malmente, em consequênciade um processo de colonização)

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e tem como base um pidgin (porexemplo, o Crioulo Caboverdia­no ou o Crioulo Guineense).

DIALECTO - Variedade de uma lín­gua conforme as regiões emque é falada (por exemplo, odialecto de Lisboa, de Faro, deÉvora). O termo variedade éhabitualmente usado em portu­guês para designar o conjuntode dialectos de uma língua quese falam num determinado país(por exemplo, o Português Eu­ropeu e o Português Brasileirosão duas variedades da línguaportuguesa) .

DISLEXIA - Tipo de afasia que secaracteriza pela incapacidadede compreender palavras escri­tas.

ESTRUTURALISMO - Trata-se damais importante corrente filo­sófica e metodológica das ciên­cias humanas na primeirametade do século xx. Segundoesta perspectiva, a realidade eas formas de comportamento- nomeadamente a lingua­gem - são sistemas organiza­dos em unidades e relaçõesentre essas unidades, siste­mas que são encarados, pois,como estruturas. Esta visão domundo e das actividades hu­manas motivou a criação demétodos e técnicas própriospara o estabelecimento dos sis­temas das línguas numa baseempírica (por exemplo, o méto-

do de construção dos pares mí­nimos para identificar os fone­mas de uma língual.

FACULDADE DA LINGUAGEM - Ca­pacidade humana, inata e uni­versal, que permite aaquisiçãorápida das regras de funciona­mento da língua que a criançaouve durante os primeiros anosde vida e que lhe possibilita aconstrução progressiva da res­pectiva gramática.

GRAMÁTICA - Estudo do funciona­mento das línguas, geralmentede uma língua, com referênciaaos seus aspectos fonológicos,morfológicos, sintácticos e se­mânticos. O termo gramáticaaplica-se ao livro que explicitaesse estudo mas pode tam­bém aplicar-se ao conhecimen­to implícito que os falantes têmdo funcionamento da sua lín­gua.

GRAMÁTICA DESCRITIVA - Estudoque descreve o funcionamen­to dos sistemas de elementosque pertencem aos vários ní­veis da língua (ou seja, dossons, das palavras e das frases)e da interrelação existente en­tre esses sistemas, tomandocomo base tanto a sua utiliza­ção oral como a escrita. Tome­-se como exemplo a NovaGramática do Português Con­temporâneo, de Celso Cunha eLuís Lindley Cintra (a primeiraedição é de 1984 e foi publica-

da em Lisboa, pelas EdiçõesJoão Sá da Costa).

GRAMÁTICA INTERIORIZADA ­

Conhecimento que o falantetem do modo de funcionamen­to da sua língua, das estruturasgramaticais e lexicais. Esteconhecimento é adquirido in­conscientemente durante operíodo da aquisição da língua.

GRAMÁTICA NORMATIVA - Manualque estabelece qual o dialectoaceite como norma-padrão deuma língua e que contém umconjunto de regras impostaspor um grupo sociocultural­mente dominante a um ouvários grupos de falantes. Asgramáticas escolares são gra­máticas normativas.

GRAMÁTICA UNIVERSAL - Conjun­to dos princípios universais queregulam a construção de umagramática e das possibilidadesde aplicação desses princípiosa uma língua particular.

LiNGUA - Existem diversas acep­ções para este termo. A maiscomum é aquela que identificaos limites geográficos de umsistema linguístico de comuni­cação entre indivíduos, geral­mente definidos em termospolíticos (regra geral, esseslimites são definidos pelas fron­teiras de um país), o que per­mite referências como 'línguaportuguesa', 'língua francesa'ou 'língua chinesa'. Num outro

sentido, língua refere o conhe­cimento e o uso que cada falan­te tem e faz da faculdade dalinguagem que lhe é própria,enquanto participante da espé­cie humana.

líNGUA ARTIFICIAL - Opõe-se a lín­gua natural por se tratar deuma língua construída por umapessoa ou por um grupo depessoas com uma intençãodeterminada e num tempo re­lativamente curto, não sendo,portanto, aprendida como lín­gua materna. O Esperanto éuma língua artificial.

líNGUA ÁGRAFA - Língua que nãopossui uma representação es­crita.

líNGUA DE COMUNICAÇÃO - lín­gua franca através da qual osfalantes de línguas diferentescomunicam.

LiNGUA DE TRABALHO - Língua es­colhida em organismos interna­cionais plurilingues como umadas línguas utilizadas em reu­niões de trabalho.

líNGUA ESTRANGEIRA - Línguanão materna aprendida no con­texto escolar que tem comofinalidade ampliar conhecimen­tos, desenvolver investigação epermitir contactos sociais decarácter internacional.

líNGUA FRANCA - Língua que uti­lizam falantes de diferentes lín­guas para comunicar nas suasrelações sociais, diplomáticas e

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comerciais. O Português foi lín­gua franca nos portos da índiae do Sudeste da Ásia até mea­dos do século XIX, permitindo ocontacto entre europeus e asiá­ticos.

líNGUA GESTUAL - A línguagestual, criada para utilizaçãode surdos, é constituída por sis­temas de sinais e tem caracte­rísticas particulares de cadacomunidade que a usa, existin­do, portanto, a Língua GestualPortuguesa, a francesa ou ou­tra. Habitualmente, os sinaisdas línguas gestuais correspon­dem a palavras e a unidadesgramaticais.

LlNGUA MATERNA (OU PRIMEIRA)­

Língua que se fala em torno deuma criança durante os primei­ros anos de vida e através daqual ela adquire o uso da língua.

LlNGUA NACIONAL, VERNÁCULA OU

NATIVA - Língua utilizada noquotidiano pelos elementos deuma sociedade para quem élíngua materna, podendo coin­cidir, ou não, com a língua ofi­ciai dessa sociedade.

líNGUA NATURAL - Língua que sedesenvolve espontaneamenteno seio de uma sociedade (porexemplo o Português ou oFrancês) e que é aprendidacomo língua materna.

LlNGUA OFICIAL - Língua utilizadana escolarização e nos contac­tos administrativos, oficiais e

internacionais dos elementosde uma sociedade para quempode ser, ou não, língua mater­na. Quando essa sociedade éconstituída por comunidadesou grupos de pessoas com lín­guas maternas diferentes, oEstado determina qual a língua(ou línguas) que deve(m) serconsiderada(s) língua oficial.São exemplos desta política lin­guística certos países africanoscomo Angola e Moçambiqueque têm o Português comolíngua oficial ou, na Europa, oLuxemburgo que tem como lín­guas oficiais o Alemão, o Fran­cês e o Luxemburguês.

líNGUA SEGUNDA - Língua nãomaterna (da maioria) dos fa­lantes de uma determinadasociedade, ou de grupos deimigrantes, usada como meiode escolarização e como línguaveicular nas instituições admi­nistrativas e oficiais. A apren­dizagem da língua segundafaz-se normalmente no contex­to escolar e permite a inserçãodo indivíduo no sistema socio­político dominante, constituindomesmo um factor de ascensãosocial.

LINGUAGEM - Meio de comunica­ção humana e de expressãopessoal que utiliza, de formasistemática e convencional,sons, sinais ou símbolos es­critos. O termo 'linguagem' é

usado, também, para referirsistemas de programação in­formática e certas formas decomunicação entre animais.

,NORMA (OU NORMA-PADRÃO) ­

Variedade dialectal e sociolin­guística utilizada no uso da lín­gua em contexto escolar e nosmeios de comunicação. A nor­ma-padrão coincide, geralmen­te, com a variedade dialectal esociolectal dominante (em Por­tugal considera-se como nor­ma-padrão avariedade utilizadana região de Lisboa-Coimbrapela classe social escolarizada).

PATOLOGIAS DE LINGUAGEM - De­ficiências da linguagem que semanifestam na fala (compreen­são e produção) e que têmorigem nos sistemas neuropsi­cológicos que estão na base daprodução linguística. A maioriadas perturbações da linguagemé constituída pelos diversostipos de afasias que estão re­lacionadas com diferentesáreas do cérebro e provocamincapacidade de produção oucompreensão da fala no querespeita ao vocabulário, às es­truturas gramaticais ou a ou­tros aspectos da língua oral ouescrita.

PIDGIN - Tipo de língua reduzidae mista que tem como origemo contacto prolongado entre fa­lantes de línguas diversas quenecessitam de comunicar en-

tre si. Esta necessidade decomunicação resulta de os fa­lantes se encontrarem numasituação de escravidão ou pre­cisarem de estabelecer rela­ções comerciais ou outras,sem a possibilidade de aprendi­zagem de uma língua segunda.

POLITICA LINGuíSTICA - Conjuntode intenções e decisões dogoverno de um país relativas aouso oficial de uma ou maislínguas e à determinação danorma-padrão, tanto no querespeita à língua oral como àescrita (as reformas ortográfi­cas são exemplo de acções depolítica linguística). Faz parte,igualmente, da política linguísti­ca a forma de divulgação deuma língua como língua estran­geira ou segunda de acordocom o contexto em que é en­sinada.

PROTOlÍNGUA - Língua de que nãoexistem registos materiais masque se considera ser a origemde uma família de línguas (ou deum ramo de uma família). A re­constituição de uma protolínguafaz-se a partir de aspectoscomuns das línguas derivadas.

SOCIOLECTO - Variedade de umalíngua que caracteriza um meiosociocultural.

UNIVERSAIS DE LINGUAGEM - Pro­priedades que as línguas natu­rais possuem em comum. Osuniversais linguísticos podem

100 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA

ser universais formais (as con­dições abstractas a que obede­ce uma gramática) e universaissubstantivos (as categorias lin­guísticas como 'nome' ou 'ver­bo' que são necessárias para

analisar uma língua), Podemainda ser considerados osuniversais de acordo com de­terminada área da gramática(universais fonológicos, se­mânticos ou outros),

OUTRAS LEITURAS

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Segue-se a indicação dos textos considerados mais relevantespara aprofundar conhecimentos no domínio da linguística. Sempreque possível e justificado, é dada informação sobre traduções emPortuguês e sobre a disponibilidade de edições em linha. A listagemé alfabética (considerando o patronímico do primeiro autor).

David Crystal1987 The Cambridge Encyclopedia of Language

Cambridge University Press1993 Enciclopedia deI Lenguaje de la Universidad

de CambridgeMadrid: Taurus

Esta enciclopédia, elaborada com a colaboração de muitos es­pecialistas, aborda, nas suas 480 páginas, doze temas que dizemrespeito à linguagem e às línguas: ideias populares sobre a lingua­gem, linguagem e identidade, a estrutura da linguagem e os meiosde que se servem as línguas: a fala e a audição, a escrita e a leitura,as línguas gestuais; a aquisição da língua, a linguagem e o cére­bro, as línguas do mundo e no mundo e, por fim, a linguagem e acomunicação. Profusamente ilustrada, é uma 'obra útil, informativae formativa. Lamentavelmente não existe tradução portuguesa.

Isabel Hub Faria, Carlos Gouveia, Emília Pedro e Inês Duarte(organizadores)

1996 Introdução à Linguística Geral e PortuguesaLisboa: Editorial Caminho

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Este livro possui uma introdução panorâmica com apresenta­ção dos doze capítulos que o constituem. Nesses capítulos sãotratados os aspectos biológicos, cognitivos e de representaçãoda linguagem verbal, os domínios da fonética, fonologia, morfo­logia, sintaxe, semântica e pragmática e, ainda, questões de in­teraccão verbal e de variação linguística. Cada capítulo é realizadopor um ou mais especialistas e pode ser entendido como um textointrodutório ou como uma síntese do estado da arte na respectiva

área.

Victoria Fromkin e Robert Rodman1983 An Introduction to Language1993 Introdução à Linguagem

Coimbra: AlmedinaTrata-se de uma boa introdução aos problemas da linguística

e da natureza das línguas. A obra está dividida em quatro partes:a natureza da linguagem humana, aspectos gramaticais, aspec­tos sociais das línguas e aspectos biológicos da linguagem. Nosaspectos gramaticais, todas as áreas da linguística são conside­radas: fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, exis­tindo, até, um excurso sobre a escrita. Cada capítulo, que terminacom um resumo, é acompanhado de exercícios e referências bi­

bliográficas.

Georges Mounin1967 Histoire de la Linguistique des Origines au XX' Siec/e

Paris: PUFsld História da Linguística. Das Origens ao Século XX

Porto: DespertarEmbora a data da edição francesa mostre que este trabalho

tem quase 40 anos, a verdade é que não perdeu utilidade e con­tinua a ser um dos livros mais completos e interessantes sobre ahistória da linguística. A par de um conhecimento profundo doacervo bibliográfico original e dos estudos sobre essa bibliogra­fia, o autor tem uma opinião crítica sobre os gramáticos e linguis­tas que desenvolveram o estudo da linguagem e das línguas,destacando, de forma criteriosa, os trabalhos de maior relevo emcada época ou movimento. A parte do estudo dedicada à antigui-

o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 105

dade é não só substancial pela quantidade de informação trans­mitida, como original e notável no modo como essa informação éorganizada e interpretada. O livro termina com uma breve intro­dução à linguística do século XX.

Steven Pinker1994 The Language Instinct: the New Science

of Language and MindLondres: Penguin

2002 O Instinto da Linguagem: Como a Mente Criaa LinguagemSão Paulo: Editora Martins Fontes

Steven Pinker é um dos maiores especialistas mundiais noestudo das relações entre linguagem e cognição. Nesta obra, de­fende a teoria de que a linguagem é inata e que os homens pos­suem uma gramática universal comum. Além de apresentar comoargumento da sua opinião a formação das línguas crioulas, o au­tor considera o modo como se processam a aquisição da língua eas relações entre linguagem e mente como apoios à sua teoria.Pinker utiliza um estilo agradável e serve-se muitas vezes de exem­plos do quotidiano para desenvolver o conceito de que a lingua­gem é um instinto humano cuja presença no nosso cérebro decorreda evolução da humanidade.

Maria Francisca Xavier e Maria Helena Mateus (organizadoras)1990 Dicionário de Termos Linguísticos, Volume I1992 Dicionário de Termos Linguísticos, Volume II

Lisboa: Edições Cosmoss/d www.ait.pt/recursos/dic_term_ling/index2.htm

Esta obra pode ser consultada com proveito quando se ne­cessita obter, de forma rápida e eficiente, uma informação res­peitante a aspectos gerais ou particulares do estudo da linguísticae das línguas. O Volume I contém 1468 termos das áreas de filo­logia, fonética, fonologia, linguística histórica, pragmática, pro­sódia e sociolinguística. O Volume II contém 1756 termos dasáreas de morfologia, lexicologia e terminologia, semântica, sintaxe,psicolinguística e, ainda, um número apreciável de termos gerais.Todos os termos têm uma definição concisa e precisa (cuja fonte

106 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA

vem explicitada no caso de tal se justificar), bem como a indica­ção da área em que se integra e o respectivo equivalente em In­glês. Frequentemente, foram introduzidos equivalentes emFrancês. Grande parte das entradas contém a indicação de ter­mos relacionados e de sinónimos. Ambos os volumes têm índi­ces remissivos e uma bibliografia final.

REFERÊNCIAS

I~

[O 1] Aristótelesc. 350 a. C. Organon

1985 Tradução portuguesa. Volume I.Lisboa: Guimarães Editores

[02] Associação Portuguesa de Linguísticawww.apl.org.pt/Undex.htm

[03] Jorge Morais Barbosa

1965 Études de Phon%gie Portugaise1983 2." edição

Universidade de Évora

[04] Leonard Bloomfield1933 Language

Nova Iorque: Holt

[05] Franz Bopp

1833-1852 Verg/eichende Grammatik des Sanskrit, Zend,Griechischen, Lateinischen, Litauischen,Alts/awischer, Gotischen und Deutschen

1866-1868 Grammaire Comparée des Langues /ndo­-européennes, Comprenant /e Sanscrit, /e Zend,I'Arménien, /e Grec, /e Latin, /e Lithunien,I'Ancien S/ave, le Gothique et I'AI/emandTradução francesa da 2." ediçãoParis: Imprimerie Impériale

,1. 1 I

."

110 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ ALlNA VILLALVA

[06] Centro Virtual Camõesa. www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/geografial

dialectosportugueses.pdfb. www.instituto-camoes.pt/cvc/tempolinguaI03.html

fIt

o ESSENCIAL SOBRE LlNGufSTlCA • 111

[13] Platãoc. 360 a. C. Crátílo1963 Tradução portuguesa

Lisboa: Livraria Sá da Costa

[071 Luís Filipe Lindley Cintra1971 Nova proposta de classificação dos dialectos

Galego-Portugueseswww.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/biblioteca/novaproposta.pdf

[141 Porfírio1994 Isagoge: Introdução às Categorias

de AristótelesLisboa: Guimarães

[081 Umberto Eco1993 La Ricerca de/la Lingua Perfetta1996 A Procura da Língua Perfeita

Lisboa: Editorial Presença

[15] Eduardo Paiva Raposo1984 Algumas observações sobre a noção

de "língua portuguesa"Boletim de Filologia 29: 592

Ferdinand de Saussure191 6 Cours de Linguistique Générale

Redigido por Charles Bally e Albert Sechehaye1978 Curso de Linguística Geral

Lisboa: Dom Quixote

Edward Sapir1921 Language1954 A Linguagem: Introdução ao Estudo da Fala

Tradução portuguesa de Joaquim MattosoCâmara Jr.Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro

[091 The Ethnologuewww.ethnologue.com

[10] Instituto Camões e Centro de Linguística da Universidadede Lisboa2001 Português Falado. Documentos Autênticos

CD-Rom

[111 Maria Helena Mira Mateus2001 Caminhos do Português - Exposição

Comemorativa do Ano Europeu das Línguas.CatálogoLisboa: Biblioteca Nacional

[1 2] Georges Mounin1967 Histoíre de la Linguistique des Origines

au XXe SiecleParis: PUF

sld História da Linguística. Das Origensao Século XXPorto: Despertar

[161

[171

[18] Unesco2000 The Courier 4

www.unesco.org/courier/2000_04/uk/doss03.htm#top

COLECÇÃO O ESSENCIAL

o Essencial sobre LinguísticaMaria Helena Mira Mateus e Alina Villalva

o Essencial sobre a História do PortuguêsEsperança Cardeira

o Essencial sobre a Sintaxe do PortuguêsAndré Eliseu

o Essencial sobre o Ensino da Língua MaternaMaria José Ferraz

o Essencial sobre Crioulos de Base PortuguesaDulce Pereira

o Essencial sobre SemânticaAna Cristina Macário Lopes e Graça Rio-Torto

o Essencial sobre a Ortografia do PortuguêsMaria Helena Mira Mateus

O Essencial sobre Processamento de Fala para o PortuguêsFernando Martins

O Essencial sobre Pragmática LinguísticaJosé Pinto de Lima

O Essencial sobre o Léxico do PortuguêsAlina Villalva

O Essencial sobre Dicionários do PortuguêsMargarita Correia

O Essencial sobre Fonética, Fonologia e ProsódiaMaria Helena Mira Mateus e Ana Isabel Mata

O Essencial sobre Texto e DiscursoCarlos Gouveia

O Essencial sobre Gramáticas do PortuguêsMaria Helena Mira Mateus

O Essencial sobre Jornalismo LinguísticoAlina Villalva e André Eliseu

O Essencial sobre Norma e VariaçãoMaria Helena Mira Mateus

O Essencial sobre VozIsabel Hub Faria

O Essencial sobre Formação de PalavrasAlina Villalva

O Essencial sobre o Ensino do PortuguêsAna Isabel Mata

O Essencial sobre Política Linguística para o PortuguêsAlina Villalva