Upload
vuongnguyet
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Colecção O Essencial
CoordenaçãoMaria Helena Mira MateusFaculdade de Letras da Universidade de Lisboa
ILTEC
Alina ViIIalvaFaculdade de Letras da Universidade de Lisboa
°f8swcial
LINGuíSTICA
Maria Helena Mira MateusAlina Villalva
Colecção O CssendalCoordenação· Ma' H I .. na e ena Mlfa Mateus e Alina Víllalva
CAMIN-IO
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICAAutoras: Maria Helena Mira Mateus
Alina ViIIalvaDesign gráfico' da capa: José SerrãoIlustração da capa: Reprodução de uma iluminura
. da árvore de gramática inclufda nas GrammaticesRudimenta, de João de Barros (c. 1540)© Editorial Caminho, SA, Lisboa - 2006Tiragem: 5000 exemplaresImpressão e acabamento: Tipografia Lousanense, L.d.
Data de impressão: Fevereiro de 2006Depósito legal: 238 708/06ISBN 972-21-1777-7
www.editorial-caminho.pt
o Essencial é uma colecção dedicada à divulgação do
conhecimento que tem vindo a ser produzido no domínio
da linguística, particularmente no que diz respeito ao Por
tuguês.
Esta colecção é constituída por vinte volumes que tra
tam independentemente matérias diversas, mas estão
organizados de acordo com uma estrutura comum. Em
cada volume poderá o leitor encontrar, na secção Antesde mais... , uma informação sumária sobre as questões pos
teriormente desenvolvidas. Perguntas interessantes& respostas conhecidas abre espaço para a apresentação
dos assuntos próprios de cada volume, segundo as esco
lhas do seu ou seus respectivos autores. A informação
aqui apresentada é complementada pelo conteúdo do
Glossário, que dispõe alfabeticamente os termos funda
mentais de cada disciplina. Os leitores que desejarem
aprofundar os seus conhecimentos encontrarão algumas
sugestões em Outras leituras.Esta série destina-se a um público alargado com forma
ção muito diversa, que procure consolidar um nível mé
dio de cultura geral. Destina-se, em particular, a todos os
profissionais que usam a língua como ferramenta de tra
balho, dos professores de Português aos tradutores e dos
jornalistas aos criadores literários. Dada a profusão de
relações de interdisciplinaridade em que a linguística par
ticipa, esta série também deverá interessar a profissionais
de diversas formações e actividades, como psicólogos, so
ciólogos, terapeutas da fala, agentes culturais e políticos.
- - ---- --- -- -~-- ----
íNDICE
11 Antes de mais...
19 Perguntas interessantes & respostas conhecidas
21 Como se sabe que uma língua é uma língua?29 De onde vem a reflexão sobre a linguagem e as línguas?39 Onde começa a linguística?49 Será a linguística uma ciência?55 Do que trata a linguística?79 Para que serve a linguística?
93 Glossário
101 Outras leituras
107 Referências
------------ --------
A reflexão sobre as línguas vem de há muito tempo, mas alinguística é uma ciência recente, pouco divulgada e mal conhe- .cida. Ainda menos conhecida é a actividade dos que trabalhamem linguística - os linguistas. Serão pessoas que sabem muitaslínguas? Ou serão aqueles cuja especialidade consiste apenas nadecisão sobre o correcto uso da língua (escrita e oral), no conhecimento da origem das palavras ou na informação sobre se existeuma região onde se fale 'bem' uma determinada língua? É certoque o linguista tem conhecimentos em qualquer um destes domínios, mas a sua actividade ultrapassa muitíssimo este tipo de problemas.
Vejamos algumas perguntas a que a linguística procura darresposta: Como aprendemos a falar? Quais as característicascomuns e as que diferenciam as línguas? Como se relaciona ouso da língua com a actividade do nosso cérebro? Por que variamas línguas, por que desaparecem umas e surgem outras? E mais,muitas mais são as questões com que se preocupam os que estudam a linguagem e as línguas. Dar a conhecer o que constitui aciência da linguagem e a actividade dos linguistas é o objectivo dacolecção que se inaugura com este livro e que, para tal, é constituídopor uma apresentação geral do que se entende hoje como linguística. Comecemos, então, por indagar como se define este termo.
Quando procuramos uma definição de linguística em dicionários gerais ou especializados, em enciclopédias ou em obras dedicadas especificamente a esta área, encontramos, em síntese,uma frase do tipo: Iingurstica é o estudo cientrficoda linguagem
--- --------------------- ..- ---_J
14 • MARIA HELENA MIRA MATEUS! ALlNA VILLAL VA
humana e das línguas naturais. Para quem nunca teve contactocom esta disciplina, a definição pode causar alguma perplexidade:
... línguas naturais... Mas haverá línguas 'não-naturais'? E porquê estudar só as naturais?
Comecemos por esta questão das línguas naturais. Este é ono~e dado a línguas como o Português, o Francês, o Irlandês ouo Arabe, já que podem ser aprendidas como língua materna, masque também é dado ao Latim 1, que ainda hoje pode ser aprendidoe falado, mas que já não está disponível como língua materna' ouao Sânscrito, que perdura na índia apenas como língua sagr~da.
As línguas artificiais
. Integrado n~ colecção Construir a Europa, Umberto Eco [081 pubh~ou um. ~~salo, onde estabelece uma tipologia das ( línguas constrUlda~ a.rtlflclalmentell com base na identificação dos seus objectivos.Eco distingue assim:
• as línguas que buscam a perfeição estrutural ou funcional comoas línguas filosóficas criadas em Inglaterra nos séculos XVI" e XVIII(que procuravam substituir o Latim por outra língua veicular), comoo Lo!ba.n (uma língua oral criada com o propósito de eliminar a~mblguld~de) ou como o Láadan (que é apresentada como umahngua mais adequada à expressão das mulheres);
• as chamadas línguas internacionais, como o Esperanto ou o Ido(que pretende ser um aperfeiçoamento do Esperanto);
• e aslrnguas secr~t~s ou cifradas, .como a Língua dos Pês, quetem algum prestigio entre as crianças, ou o Minderico doscardadores e negociadores de lã de Minde, no início do século XVIII,q~e f~z lembrar os sistemas de criptologia que os meios de comunlcaçao actualmente disponíveis tornam cada vez mais necessários.
Fora dest~ tipologia fic?m ai~da várias línguas artificiais, como, porexemplo, o Khngon, uma Ilngua Inventada para os alienrgenas do StarTrek.
1 Latim é um termo que recobre sistemas linguísticos muito distintos: do Lati.m ~Iássico dos textos literários de autores consagrados, aoLatim EcleSIástiCO usado regularmente na liturgia católica até ao início doséculo XX, por exemplo.
o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 15
Ainda que a questão da origem das línguas continue a fazerparte da lista dos temas em debate, o que se sabe é que as línguas naturais (e mais especificamente, as protolínguas de quenão existem registos materiais) são manifestações espontâneasda capacidade de linguagem, ou seja, não foram construídas 'pelo'homem, foram construídas 'com' o homem. Pelo contrário, aslínguas artificiais foram arquitectadas deliberadamente por umapessoa ou por um pequeno grupo de pessoas, num tempo relativamente curto e, portanto, não se desenvolveram espontaneamente numa comunidade de falantes, nem nunca foram aprendidascomo língua materna. Por outras palavras, as línguas artificiaissão definidas à partida, enquanto as línguas naturais correspondem à activação de um potencial inscrito no código genético humano.
O interesse da linguística pelas línguas naturais e o complementar desinteresse pelas línguas artificiais (embora haja algunstrabalhos de descrição da forma como estas línguas se organizam) decorrem do entendimento da linguística como uma ciênciacognitiva, o que nos conduz à segunda questão:
... linguagem humana... Mas haverá linguagem 'não-humana'?E porquê restringir?
Esta restrição põe fora do alcance da linguística outros sistemas de comunicação, como o das linguagens dos animais, quesão igualmente naturais, mas se distinguem da linguagem humana (são clássicos os exemplos de comunicação entre abelhas ouentre golfinhos); ou o de formas de comunicação codificadas,como a linguagem das flores, a linguagem dos tambores ou aindalinguagens de programação.
Quando a 'linguagem' se acrescenta o adjectivo 'humana',o que se pretende é referir exclusivamente a actividade que decorre da existência geneticamente determinada da faculdade dalinguagem. Ora, se este é um mecanismo universal, então a relação com a gramática das línguas também é universal, o queimplica que todas as línguas possuem propriedades comuns.A estas propriedades dá-se o nome de universais linguísticos: porexemplo, o conjunto de sons que podem ser utilizados pelaslínguas naturais é universal; tal como a presença de elementos
16 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 77
(a linguagem humana e as línguas naturais) é uma abordagemobjectiva, sistemática, rigorosa e teoricamente enquadrada.No entanto, a demonstração de que a linguística é uma ciência,como sucede com qualquer outro domínio do conhecimento, e emparticular com as chamadas ciências humanas, é uma tarefa exigente. A afirmação serve, então, para já, como uma declaraçãode princípios e a demonstração virá um pouco mais adiante nestelivro.
A natureza concisa das definições deixa entrever que muitofica de fora. Fecha-se então, aqui, a definição da enciclopédia e
abre-se a porta a uma visita guiada pelas diversas dimensões destedomínio do conhecimento, que é a linguística.
fundamentais na frase.como o sujeito e o predicado. A par dos universais linguísticos.comuns a todas as línguas, há característicasparticulares que as diferenciam: por exemplo,nem todas as línguastêm uma flexão verbaltão rica como a do Português; nem todas aslínguas têm acento fixona última sílaba de cadapalavra, como o Francês.
Compete, pois, àlinguística contemporânea estudar a capacidade humana de falar e decompreender enunciados linguísticos e estabelecer a relação entrea faculdade da linguagem e as línguas que aactualizam.
A última das questões suscitadas pela definição apresentada noinício diz respeito ao carácter científico dos es-tudos linguísticos:
... estudo científico... Mas porquê 'científico'? E 'científico'por oposição a quê?
Esta restrição serve, antes de mais, para garantir que a abordagem que a linguística faz ao seu objecto de conhecimento
---------------,A faculdade da linguagem
O conhecimento dos processos cognitivos ligados às formas de comportamentohumano alcançou enormes progressos nasegunda metade do século xx. o que tornouposslvel afirmar que esses processos decorrem de uma base genética universal. Sendoa linguagem uma forma de comportamentohumano. já que todos os seres humanosfalam. deve então também admitir-se a existência de uma capacidade do sistema cognitivo. inata e universal, que lhe está associada.É essa capacidade. a que se dá o nome defaculdade da linguagem. que permite a realização de actividade linguística, ou seja, quepermite compreender e construir, com basenumas poucas dezenas de sons e numconhecimento gramatical implfcito. uma infinidade de expressões linguísticas.
A existência da faculdade da linguagemnão é. porém. uma hipótese assente apenasna constatação da universalidade dos processos cognitivos e de que todos os homensfalam. Esta hipótese é também sustentadapela forma como se processa a aquisição dalíngua. Trata-se de um processo comum atodas as crianças. qualquer que seja o estímulo linguístico a que são expostas. isto é.qualquer que seja a Ifngua que ouvem falar àsua volta. Em tempo incrivelmente breve. eperante dados incompletos. a competêncialinguística é rapidamente adquirida. Essaaprendizagem não pode provir senão de ummecanismo cognitivo universal e genético especialmente preparado para esse fim.
----- - _. -------"""'----------------
COMO SE SABE QUE UMA LíNGUAÉ UMA LíNGUA?
Se, entre outras competências, à linguística cabe o estudodas línguas, então justifica-se reflectir sobre o que é uma língua econceitos relacionados, como dialecto, sociolecto, idiolecto e variedade.
O entendimento comum destes termos faz com que se aceiteque dialecto identifica o sistema linguístico próprio de uma dadaregião (como o dialecto de Lisboa, por exemplo); que língua remete para o sistema linguístico que conjuga todos os dialectosfalados num país (o Português é uma língua); e que variedade sejainterpretada como a manifestação nacional que uma língua falada em países diversos assume em cada um deles (o PortuguêsEuropeu é uma variedade do Português). Sociolecto fica fora destahierarquia de conceitos, embora se possa definir como um conjunto de idiolectos que corresponde a um recorte social da língua(pode falar-se no sociolecto dos adolescentes, dos surfistas oudos economistas). O termo sociolecto tende a ser substituído pordialecto (que ganha em generalidade), encontrando mesmo umadesignação específica para algumas destas realidades, como noscasos de 'economês' ou de 'futebolês'. Idiolecto, que identifica osistema linguístico de cada falante, individualmente considerado,é um conceito praticamente desconhecido.
O que o entendimento comum destes termos mostra é que adefinição destes conceitos não assenta em critérios de naturezalinguística. Deste ponto de vista, uma língua é um sistema decomunicação que faz uso da faculdade da linguagem activada pelaexposição dos falantes a estímulos linguísticos, durante o cha-
22 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALINA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LlNGUfSTlCA • 23
Eduardo Paiva Raposo (*) [151
(*) Os números delimitados por parênteses rectos remetem para asreferências bibliográficas que encontra no final.
A língua portuguesa
«A realidade da noção de línguaportuguesa, aquilo que lhe dá umadimensão qualitativa para além deum mero estatuto de repositório devariantes, pertence, mais do que aodomínio lingUístico, ao domínio dahistória, da cultura e, em última instência, da política. Na medida em quea percepção destas realidades forvariando com o decorrer dos tempose das gerações, será certamente deesperar, concomitantemente. queaextensão da· noção de língua portuguesa varie também.))
o Português Brasileiro
Muitos intelectuais brasileiros,particularmente no início do século xx, procuraram atribuir ao Português Brasileiro o estatuto de línguae de língua distinta do Português Europeu. O carácter voluntarista destatentativa condenou-a ao fracasso.
Em contrapartida, tem-se vindo avulgarizar, em Portugal, a opinião(algo pejorativa) de que a línguafalada pela crescente comunidadeimigrante brasileira é o 'brasileiro'.Talvez os portugueses ainda nãotenham compreendido as implicações desta posição: de um ponto devista estratégico, a unidade linguística entre Portugal e o Brasil interessa ao Brasil e interessa também aPortugal.
Por outro lado, em determinadas circunstâncias, o termo língua não chega paraidentificar o conceito, razãopela qual a linguística faz usode distinções como línguamaterna, língua segunda, língua estrangeira, língua oficial,língua de trabalho, língua decomunicação, língua franca oulíngua ágrafa, para referir apenas alguns exemplos.
Face a esta variedade terminológica, não é, pois, fácildeterminar o número de línguas existentes no mundo:tudo depende do que se considera ser uma língUa ou seclassifica como dialecto. Encontram-se algumas referên-cias a um número próximo dos 3000, mas o The Ethn%gue [9l,uma base de dados sobre as línguas do mundo, apresenta um totalde 6809, sendo que a Europa contribui com apenas 3% (ou seja230 línguas, muitas das quais estão quase extintas). Étambém interessante notar que 96% das línguas existentes no mundo são faladas por apenas 4% da população mundial; que cerca de 80% daslínguas são faladas apenas em um país e que cerca de 20 línguassão faladas por vários milhões de pessoas em diversos países.
O interesse destes dados não é meramente estatístico. O volume de Abril de 2000 do The Courier [181 é dedicado aos conflitos e à coexistência das diferentes línguas do mundo. Aí se chamaa atenção para o facto de metade da população mundial usar apenas oito línguas, enquanto um sexto das línguas do mundo sãofaladas apenas na Nova Guiné. O mesmo documento refere o alastramento do Inglês como meio de comunicação mundial (vistocomo resultado de um fenómeno de imperialismo cultural). E menciona ainda o facto de grande número das chamadas línguasminoritárias estarem a desaparecer a um ritmo cada vez mais
mado período de aquisição da língua. Ora, do ponto de vista dalinguística, o conceito de dialecto pode ser definido da mesmaexacta maneira.
Tem, aliás, sido defendido por muitos linguistas que devemser tratados no âmbito de uma política linguística. Os critérios ob-
jectivos (como a inteligibilidade mútua, o número defalantes, a coesão geográfica e política da comunidade de falantes) nem semprepermitem identificar comclareza o que é uma línguae o que é um dialecto.
Na verdade, são muitosos casos em que sistemaslinguísticos diferentes sãoclassificados ora como línguas diferentes, ora comouma língua e um dialectodessa língua. Por exemplo,o facto de o Português e oGalego serem, por alguns,consideradas duas línguas,
. ainda que derivadas de um mesmo Galaico-Português saído damatriz latina, não pode deixar de ser relacionado com a soberaniados países onde essas línguas são originalmente faladas: o Galego,em Espanha; o Português, em Portugal. Em contrapartida, que oPortuguês Europeu e o Português Brasileiro sejam considerados amesma língua é o resultado, por vezes contestado, de um dadopercurso histórico, quer por via da herança que Portugal partilhacom o Brasil, quer pela vontade que o Brasil sentirá de manter aconexão com Portugal. A escolha do Português, língua falada nassedes do poder político desde o início da colonização europeia,poderá servir esse fim.
24 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 25
Varíedades dó Português
Português Falado. Documentos Autênticos [1 O] é um registo (com cerca de9 horas de gravação e transcrição ortográfica alinhada com o som). quer deconversas informais quer de intervenções mais formais, exemplificativo doPortuguês falado em todos os paises deexpressão oficial portuguesa.
;"""''1,cabo vH1l."
m.cauf·'"
moçambique
braslf
lul"é-!)l....,
póf1I.llillr
.10 lomn"prlnclpe
dmor-lfll~8::'~ ,'o !'
PortuguêsFalado DOCUMENTOS
AUT~NTICOSGrtv.ç~j'~ .udlo com tr.n'çrl~lo .Ilnh,ada
lInaola
zação do uso de tecnologias multimédia, como a televisão, tendea esbater as diferenças dialectais.
Por outro lado, ainda que o Português não seja a única línguaoficial de Portugal, é esta a língua falada por maior número defalantes e a que tem maiores possibilidades de crescimento. Asoutras línguas oficiais são a Língua Gestual Portuguesa e oMirandês. A Língua GestualPortuguesa é utilizada porboa parte da comunidadesurda portuguesa comolíngua materna. Esta línguasó foi oficialmente reconhecida em 2003, facto queveio a permitir, por exemplo, a escolarização dosseus falantes nesta língua.O Mirandês3, que é umalíngua de origem asturo-Ieonesa e não galaico-portuguesa (como o Português),tem estatuto de língua oficiai desde 1999, mas sóé falado por um pequenonúmero de falantes, numaregião do Nordeste transmontano, o que a caracteriza como língua minoritáriae, a prazo, pode pôr emcausa a sua sobrevivência.Para além das línguas oficiais há, em Portugal, comunidades falantes de línguas estrangeiras, como o Crioulo Caboverdiano, oRomeno ou o Ucraniano.
Por último, a distribuição geográfica das comunidades falantes do Português assegura a presença desta língua na Europa (Portugal), em África (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique
Repartição das línguas por continentes
África 30%
acelerado (sendo que comunidades linguísticas formadas por umnúmero de indivíduos inferior a 100 000 não asseguram a sobrevivência da sua língua).
O nome das línguas é outra das questões que pode suscitarcontrovérsia. Parece ser um facto pacífico, esperável até, que emPortugal se fale Português, mas que esse seja o nome da línguafalada no Brasil é um dado que só é compreensível à luz do contexto histórico de formação desse país. Por outro lado, que umadas línguas oficiais de Espanha seja o Espanhol, quando esse nomecorresponde a uma renomeação do Castelhano, é um facto quemuitos dos falantes nativos das restantes línguas oficiais de Espanha (como o Catalão ou o Basco) têm dificuldade em aceitar.
A caracterização linguística de Portugal mostra-nos que acomunidade de falantes é maioritariamente falante nativa do Português, o que significa que se trata de uma comunidade que nãoé afectada por muitas tensões linguísticas. Por um lado, as descrições da diversidade do Português no território de Portugal (cf.[06al e [07]) mostram uma divisão mais ou menos estável entreos dialectos setentrionais (que incluem os dialectos transmontanos, minhotos e beirões), os dialectos centro-meridionais (que incluem os dialectos do Centro e do Sul) e os dialectos insulares(dos Acores e da Madeira)2. Sabe-se, no entanto, que a general i-
2 Há registos sonoros dos dialectos portugueses em www.institutocamoes.pt/cvc/hlp/geografia/mapa06.html
3 Sobre este assunto pode consultar-se mirandes.no.sapo.pt
26 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 27
4 Dados do Ethnologue Survey (1999), disponfveis em web.archive.orglweb/19990422030645/www.sil.org/ethnologueltop100.html
A situação do Português é, pois, complexa e merecedora deatenção linguística e política. No conjunto das línguas do mundo,o Português é uma das mais faladas: embora a ordenação daslínguas varie de autor para autor, em função dos dados considerados e das fontes utilizadas, a graduação mostra com clareza queo Português ocupa uma das posições de topo. Vejamos o seguinte
exempl04:
Esta descrição do 'valor' do Português numa hierarquizaçãodas línguas do mundo pode induzir no erro de que há línguas
melhores ou mais importantes do que outras. Não é esse o sentido que deve ser dado ao que acaba de ser dito: não é por serfalada por mais pessoas, em mais países ou em mais instituiçõesinternacionais que uma língua ganha maior valor intrínseco. O queessas medidas asseguram é a vitalidade da língua e alguma garantia da sua preservação, com o que isso pode significar de vantagem para as comunidades que a falam. Do ponto de vistalinguístico, o número de falantes de uma língua ou o prestígiointernacional que ela possa ter são critérios de comparação abso
lutamente vazios de significado.A presunção de que há línguas melhores ou mais importantes
do que outras radica integralmente em raciocínios preconceituosos,semelhantes, aliás, aos que tomam a norma de uma língua comoum dialecto mais 'correcto', 'respeitável' ou 'sofisticado' do que
e São Tomé e Príncipe), na América do Sul (Brasil) e na Ásia (TimorLorosae e, residualmente, Macau). O reconhecimento do Portu
guês como língua de trabalho em organizações internacionais,como a União Europeia, o Mercosul ou a Organização de UnidadeAfricana, vem desta disseminação pelos diversos continentes. Acomunidade internacional falante de Português já encontrou,mesmo, uma instituição sua representante, a Comunidade dosPaíses de Língua Portuguesa. A esta diversidade geográfica cor
responde uma esperável diversidade linguística.
Os crioulos de base portuguesa
A propósito da diversidade do Português não pode deixar dereferir-se o papel desta língua na formação de um grande númerode crioulos:
«Os crioulos são línguas natUrais, de formação rápida, criadas pelanecessidade de expressão e comunicaçãoplena entre indivíduosinseridos em comunidades multilingues relativamente estáveis. Chamam-se de base portuguesa os crioulos cujo léxico é, na sua maioria,de origem portuguesa. No entanto; do ponto de vista gramatical, oscrioulos são línguas diferenciadas e autónomas. I...)
Em África formaram-se os Crioulos da Alta Guiné (em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Casamansa) e os do Golfo da Guiné (em SãoTomé, Príncipe ~ Ano Bom). Classificam-se como Indo-port\.lguesesos crioulos da India (de Diu, Damão, Bombaim, Korlai, Quilom,Cananor, Tellicherry, Cochim é Vaipim e da Costa de Coromandel ede ~engala) e os crioulos do Sri-Lanka, anti~()Ceilão (Trincomalee eBattlcaloa, Mannar e zona de Puttallam). NaAsia surgiram ainda crioulos de base portuguesa na Malásia (Malaca, Kuala Lumpur eSingapura)' e em algumas ilhas da Indonésia (Java, Flores,remate,Ambom, Macassar e Timor) conhÇlcidos soba designaçãode Malaioportugueses. Os criOlJlos Sino~portugueses S~qOS de Macau eHong-Kong. Na América encontramos ainda um crioulo que se poderá considerar de base ibérica, já que o português partilha com o castelhanoa origem de uma grande parte do léxico (o Papiamento de Curaçau,Aruba e Bonaire, nas Antilhas) e um outro brioulohO SlJriname, oSaramacano, que, sendo de base inglesa, manifesta no seu léxicouma forte influência portuguesa.)
Dulce Pereira [06 b]
1. Chinês, Mandarim2. Espanhol3. Inglês4. Bengali5. Hindi/Urdu6. Português7. Russo8. Japonês9. Alemão
10. Chinês, Wu
885,000,000332,000,000322,000,000189,000,000182,000,000170,000,000170,000,000125,000,000
98,000,00077,175,000
28 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA
outros ou aos que consideram que os crioulos não são línguas ousão línguas 'deficientes', ou ainda àqueles que afirmam que agramática de uma dada língua é mais complexa ou difícil do quea de outra. Não existe qualquer fundamento linguístico para nenhum destes raciocínios - trata-se de manifestações de uma ideologia que reconhece aos detentores do poder direitos que nãoreconhece aos restantes indivíduos e que defende que o acessoao poder passa pela imitação dos poderosos.
DE ONDE VEM A REFLEXÃOSOBRE A LINGUAGEM E AS LíNGUAS?
As notícias conhecidas sobre a origem das línguas humanassituam-nos entre 100 000 e 20 000 a. C. Sabe-se que o tractovocal evoluiu de uma forma não-humana, de modo a permitir oestabelecimento de um sistema de comunicação rápido e eficaz,ainda que à custa de uma perda de proficiência no sistemarespiratório e na deglutição. Também se sabe que o tracto vocalde um Neandertal é semelhante ao de uma criança recém-nascida nossa contemporânea, o que permite pôr a hipótese de que asua acuidade linguística seria idêntica. A origem das reflexõessobre as línguas tem, naturalmente, de ser posterior. O que sesegue procura dar conta dos pontos de viragem na história destedomínio do conhecimento.
A INVENÇÃO DA ESCRITA
Povos como os egípcios ou os sumérios, que inventaram formas de escrita numa época longínqua situada entre o IV e o II milénios a. C" tiveram necessariamente que tomar consciência daestrutura da sua língua para a escrever. A invenção da escrita teriaque levar a uma reflexão sobre a natureza da língua, visto tratarse de uma técnica que deveria dar conta dos elementos da línguafalada separando, pelo menos, as frases umas das outras. Tantoos egípcios quanto os sumérios escreviam já frases constituídaspor uma sucessão de símbolos que correspondiam às palavras.
•
Alfabetos
3D • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
Alfabeto latino
As primeiras descrições linguísticas conhecidas foram produzidas em obras de gramáticos hindus, no I milénio a. C. Na índiaantiga, o Sânscrito (palavra que significa 'perfeito') era considerado como uma língua mágica e sagrada e, por essa razão, nãopodia sofrer a menor alteração de pronúncia ao ser usada nos rituais religiosos. É, pois, em consequência de uma preocupaçãoreligiosa que as descrições desta língua vão surgir.
O mais conhecido dos gramáticos hindus é Panini, que viveuno século V ou IV a. C. A descrição dos sons, a representaçãodas sílabas por diferentes caracteres conforme as consoantes eas vogais que as constituem, as regras ou definições com que oautor explica a construção das frases ou dos nomes compostosmostram um conhecimento aprofundado do funcionamento doSânscrito. Esta preocupação com a preservação da pureza dalíngua, ou seja, com as consequências da mudança linguística- atitude que caracteriza a gramática de Panini e dos restantesgramáticos hindus -, irá sendo retomada ao longo dos séculos epersiste ainda nas chamadas gramáticas normativas, como, porexemplo, as gramáticas escolares destinadas ao ensino da língua.
As PRIMEIRAS GRAMÁTICAS
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 31
OS GREGOS E OS ROMANOS
O estudo das línguas desenvolvido pelos gregos orienta-se emdois sentidos. Por um lado, a curiosidade e o interesse acerca daorigem da linguagem, da mudança e da diversidade linguísticalevam a reflexões filosóficas como as que encontramos em Platão(428-348 a. C.l e em Aristóteles (384-322 a. C.). O ponto crucial destas reflexões situa-se na discussão entre a defesa, feitapor Platão no Crátílo [13], de que as palavras reflectem, por natureza, a realidade que nomeiam, e a convicção aristotélica deque o seu significado resulta de um acordo entre os homens e,portanto, é convencional [01].
Outros autores procuraram alcançar um conhecimento maisaprofundado acerca do funcionamento da sua língua. A análisedo Grego em todos os seus níveis começa por permitir um aper-
Além disso, os hieróglifos egípcios associavam frequentementeimagens de objectos reais a sons. Por sua vez, entre 1500 e 1000a. C., os chineses utilizavam ideogramas, ou seja, pequenos desenhos que representam objectos ou conceitos e correspondem
a palavras monossilábicas,para representar outras palavras. Um dicionário chinêsdo século I a. C. regista 9000símbolos correspondentes a9000 palavras. Há portanto,tanto num caso como nooutro, uma análise, aindaque muito elementar, de certas unidades básicas das línguas como as frases e aspalavras.
Foram, porém, os fenícíos, que inventaram um alfabeto de base fonética nasegunda metade do II milénioa. C., os primeiros a tomarconsciência dos sons que
constituíam a sua língua. Embora não possua caracteres que representem as vogais, este sistema de escrita pode classificar-secomo um sistema de base fonética. E é este alfabeto fenício,reinterpretado primeiro pelos gregos e pelos romanos depois, queestá na base do alfabeto usado pela generalidade dos sistemasde escrita contemporâneos:
{ ~ 1 4 ~ Y 8 ~ ~ L ~ ~ O 7 ~ ~ W t V ~ ZA B CG D E F H IJ K L M N o P Q R S T U X Z
vw
Os alfabetos de base fonética sãolistas de símbolos gráficos convencionalmente ordenados, que representam sons. A estes símbolos dá-se onome de grafemas.
Um sistema de escrita de basefonética corresponde a um avanço nahistória do conhecimento, já que a relação entre um som e um símbolo gráfico pode ser mais universal do que arelação que envolve um conjunto desons associado a um significado, rela"ção que s6 é compreensível numadada língua particular.
Alfabeto fenício
32 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
feiçoamento do alfabeto, mas também conduz à elaboração degramáticas. A autoria da primeira gramática grega, que distingueoito partes do discurso5 - artigo, nome, pronome, verbo, particípio, advérbio, preposição e conjunção - é atribuída a Dionísio deTrácia (170-90 a. C.l. A análise sintáctica do Grego é desenvolvida na obra de Apolónio Díscolo (século II d. C.) que, na esteirade Aristóteles, considera que a estrutura da frase assenta em doiselementos fundamentais: o sujeito e o predicado.
O conhecimento da língua e o desenvolvimento da gramáticaentre os gregos estiveram intimamente ligados à preocupação coma interpretação dos textos dos poetas antigos, sobretudo doscélebres poemas épicos Ilíada e Odisseia, atribuídos a Homero(século IX ou VIII a. C.), dando, deste modo, origem à criação dafilologia, disciplina que estuda as línguas a partir de textos, literários ou não.
As obras dos gramáticos gregos e a sua doutrina gramaticaltiveram repercussão sobretudo no oriente grego, chegando tardiamente ao ocidente da Europa, através dos gramáticos latinos.Nas palavras de Mounin, «se Roma merece um capítulo numahistória da linguística, é bem menos por ter produzido que porhaver transmitido» [12]. Na realidade, e apesar de as obras dosgramáticos latinos serem mais demoradamente descritas na história da linguística do que as dos gregos, o seu mérito é sobretudo o de nos terem dado a conhecer as reflexões gramaticais efilosóficas dos seus antecessores, na linha, aliás, de outros ensinamentos que Roma foi buscar à Grécia subjugada.
No entanto, também se deve ter em conta a importância dosgramáticos latinos, sobretudo porque muitas das suas obras apontam, originalmente, para uma finalidade diferente do estudo filosófico ou da doutrina gramatical. Note-se, por exemplo, que Varrão(116-27 a. C.), um gramático latino, distingue o uso da línguacomum do uso literário (considerado como o bom uso), presta umaatenção especial às questões etimológicas e procede a uma codi-
5 Chama-se 'partes do discurso' ou 'partes da oração' às categoriassintácticas, como 'verbo', 'adjectivo' ou 'advérbio', que também podemser designadas categorias gramaticais.
o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 33
ficação das regras fundamentais da língua latina. Por outro lado,a obra de Quintiliano (c. 40-100 d. C.), professor de retórica, destinava-se basicamente a formar o orador que utilizava a língua paraconvencer o seu auditório. E não se pode esquecer, por fim, EliusDonatus (século IV d. C.), autor da obra De Partibus Orationis,que se ocupa, como Dionísio de Trácia, da categorização das palavras.
A IDADE MÉDIA
Os gramáticos latinos mantiveram-se como modelo durantetoda a Idade Média. Nos países nórdicos e anglo-saxónicos, asgramáticas latinas foram as primeiras a ser sistematicamente ela~
boradas para o ensino de uma língua estrangeira - neste caso oLatim que, durante séculos, cumpriu a função de língua franca.
Nos países de matriz românica, o estudo das línguas vernáculas - como as várias línguas faladas na Europa Ocidental _era feito, até meados do século XVI, a partir de gramáticas escritas em Latim e que seguiam o modelo das primitivas gramáticaslatinas. A partir dessa altura, a alfabetização recebeu um notávelimpulso, que prosseguiu com a possibilidade de difusão dos textos escritos, nos quais se incluíam as gramáticas. A partir daBíblia de Mainz, com apenas 42 linhas e cujos cerca de 180 exemplares foram impressos entre 1452 e 1455 nas oficinas deGutenberg (ou talvez a partir da Ars Minor, uma gramática escolar de Elius Donatus cuja edição pode ter antecedido a da Bíbliade Gutenberg), a tipografia assegurou uma difusão muito maior amuitos mais textos. As gramáticas das línguas vernáculas e escritas nessas mesmas línguas passaram, assim, a chegar maisfacilmente às mãos dos estudantes da época.
Em Portugal, onde já se falava Português há alguns séculos,a Gramática da Linguagem Portuguesa que Fernão de Oliveira publicou em 1536, e a Gramática da Língua Portuguesa (1540), deJoão de Barros, são as primeiras gramáticas do Português, escritas em Português. Além de se tratar de obras escritas em vernáculo, estas gramáticas fornecem informações sobre a construçãodas palavras e das frases. Mas a área do estudo das línguas que
.f{.
34 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 35
A Ortografiade Nunes de Leão
Alguns exemplares estão disponíveis nos reservados da Biblioteca Nacional. A folha derosto aqui reproduzida provém daedição digitalizada, que pode serconsultada em purl.pt/15.
A edição mais recente, que éa 4.a, tem introdução, notas e leitura de Maria Leonor CarvalhãoBuescu e foi publicada pela Imprensa Nacional ... Casa da Moeda, em 1983.
tence aos primórdios do Renascimento e pode localizar-se no início do século XIV, a partir de um tratado de Dante sobre catorzedialectos italianos6 , que mostra a sensibilidade do poeta às diferenças dialectais, embora as considere pouco dignas da «verda
deira língua italiana»,É também no final da Idade
Média e no início do Renascimento que se dá um incremento doensino da leitura e da escrita emvernáculo, correspondendo às necessidades provocadas pelas circunstâncias históricas da época(como por exemplo as viagensmarítimas e as consequentestrocas económicas). Durante aprimeira metade do século XVI,
surgem numerosas Cartinhas, ouCartilhas, para aprender a ler, utilizadas em Portugal mas tambémenviadas para terras longínquas,como a Cartinha publicada emconjunto com a Gramática deJoão de Barros, ou a indicação,datada de 1512, de um enviode livros para a fndia com a seguinte informação «Remete-seum caixote de Cartilhas paraCochim» [111.
A partir do século XVI publicam-se várias Ortografias, dasquais vale a pena destacar a Ortografia da Língua Portuguesa, deDuarte Nunes de Leão (1576), as
6 Apesar de escrito em Latim, no De Vulgari Eloquentia /1304-1305),Dante faz um elogio da língua vulgar, que no seu caso é o Toscano, língua que está na base do moderno Italiano.
conheceu maior desenvolvimento durante e a partir do século XVI
foi a fonética, em consequência da importância que se deu, pelaprimeira vez, à língua falada. A descrição que Fernão de Oliveirafaz das vogais e das consoantes do Português é um interessantíssimo exemplo do lugar de relevo em que o autor colocava asquestões de articulação dos sons.
o RENASCIMENTO E O INTERESSE PELO VERNÁCULO
Com o Renascimento desenvolveu-se, de forma sistemática,o estudo das línguas particulares. Afastando-se da tradicionalatenção dada a aspectos gerais que ultrapassavam as línguas individuais (por exemplo, as definições genéricas de 'sujeito' e 'predicado' como partes indispensáveis da oração), os gramáticoscomeçaram a examinar as características que distinguiam as línguas entre si. O começo do interesse pela variação dialectal per-
A primeira gramática portuguesa
A primeira edição da Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernãode Oliveira, foi publicada em Lisboa, em 1536. O único exemplar conhecido desta edição pertence à Biblioteca Nacional, que, em 1981, editouum fac-simile. Mais recentemente foidisponibilizada uma versão integral naSérie Memória da Ungua da BibliotecaNacional Digital (purl.pt/120j, de queaqui se reproduz a folha de rosto.
A terceira edição é de 1933 e foipreparada por Rodrigo de Sá Nogueira (Lisboa: José Fernandes Júnior). Em 1975,a edição e notas preparadas por MariaLeonor Carvalhão Buescu são publicadas pela Imprensa Nacional - Casa daMoeda. A edição mais recente, fixadapor Amadeu Torres e Carlos Assunção,foi publicada em 2000 pela Academia dasCiências de Lisboa.
36 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 37
__________________~!:...._ ___Il
o Verdadeiro Método de Vieira
A.Série Memória da Língua daBiblioteca Nacional Digitaldisponibiliza uma reprodução digitalizada da1.• edição do Verdadeiro Método deEstudar, em purl.pt/118.
. Exis~e uma edição em cinco volumes, de. António Salgado Júnior,publicada -pela Sá da CQsta .. Elntre1949 e 1952.
A Gramática Filosófica
A Série Memória da Língua da Biblioteca Nacional Digital disponibilizauma reprodução digitalizada da 1.a edição da Gramática Filosófica, publicadaem 1822, pela Academia das Ciênciasde Lisboa (purl.pt/128).
incluindo a 'ortografia bárbara' ou a 'sintaxe solecista', termosusados para referir erros de ortografia e de sintaxe.
A par desta perspectiva prática do ensino e do estudo da língua, os séculos XVII e XVIII foram pródigos em reflexões filosóficas sobre a linguagem humana e as características universais daslínguas. Tendo como exemplo a Grammaire Générale et Raisonéedos franceses Arnault e Lancelot (1660), surgiram nos séculosseguintes, em várias línguas, gramáticas filosóficas que procuravam os fundamentos da capacidade humana de falar e interpretavam as estruturas das línguas de acordo com aspectos lógicosdo pensamento. Em Portugal, a obra mais notável e conhecidaneste domínio foi a Gramática Filosófica da Língua Portuguesa,de Jerónimo Soares Barbosa.
Regras Gerais, Breves e Compreensivas da Melhor Ortografia, deBento Pereira (1666), e a Ortografia ou Arte de Escrever e Pronunciar com Acerto a Língua Portuguesa, de Madureira Feijó (17341.
Entre os séculos XVI e XVIII, o ensino das línguas vernáculasocupou um espaço progressivamente mais amplo. Em Portugal, apar das gramáticas, das cartinhas e das ortografias, surgiramdicionários e vocabulários - são descrições do léxico da língua por-
tuguesa em que o Latim ocupava já uma parte diminuta.Notável neste domínio é o Vocabulário de Rafael de Bluteau,uma obra enciclopédica em dezvolumes, publicada entre 1712
e 1721.Foi também no século XVIII,
e com o firme apoio do Marquês de Pombal, que floresceue se impôs a importância daaprendizagem do Portuguêsnas escolas básicas. Luís António Verney inicia o seu Verdadeiro Método de Estudarpara ser Útil à República e àIgreja, Proporcionado ao Estiloe Necessidade de Portugal(1746) pela afirmação de queé necessário aprender a gramática da língua materna comobase e 'porta' para outros estudos. Foi, aliás, a preocupaçãocom o ensino da 'norma culta'e da correcta ortografia e sintaxe que levou à criação, no tempo de Pombal, da Real MesaCensória, cuja função consistiaem eliminar os textos que apresentassem aspectos censurá-
____________~ veis de conteúdo ou de forma,
ONDE COMEÇA A LINGuíSTICA?
Pode dizer-se que a especulação acerca da origem das línguasé quase infrutífera: não há registos e não há como contornar aefemeridade da produção linguística. Os enunciados vivem enquanto são produzidos e recebidos, pelo que deles mais não pode restar do que a memória nos falantes envolvidos na situação deenunciação. Saber se a capacidade de linguagem nasceu com aespécie humana, ou se o desenvolvimento do homo loquens (expressão latina usada para referir a espécie humana dotada decapacidade de linguagem) é posterior, e se todas as línguas têmorigem num único sistema linguístico ou se a diversidade é umdado de partida, são desígnios tão (in)alcançáveis, para já, quantoo do conhecimento da origem e evolução da própria humanidade.
A dificuldade de encontrar uma teoria satisfatoriamente explicativa acerca da origem de todas as línguas levou a Société deLinguistique de Paris a aprovar, em 1866, uma moção proibindoqualquer referência à origem da linguagem nas suas reuniões. Estaproibição não fez, contudo, desaparecer o interesse pela relaçãohistórica e genealógica entre as línguas. Foi, aliás, esse interesseque motivou a enorme aceitação com que foi recebida uma conferência sobre o Sânscrito, apresentada por William Jones, umestudioso de línguas orientais, na Sociedade Asiática de Bengala,em 1786. Nessa conferência, Jones afirmou que o Sânscrito possuía uma estrutura maravilhosa, mais perfeita do que o Grego emais abundante do que o Latim, mas que, simultaneamente, evidenciava um estreito parentesco não só com essas duas línguasmas também com o Céltico, o Gótico e o antigo Persa. A existên-
40 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 41
J~
,I
A palavra 'linguística'
Cabe aqui abrir um parêntese sobre a utilização do termo linguística, já que alguma relação existe entre o seu uso e. a consideraçãoda linguística como um domínio científico.'Sprachwissenschaft', 'Iinguistics', 'Iinguistique'e 'linguística' são termos de línguas diferentes(Alemão, Inglês, Francês e Português, respectivamente) que não começaram a ser usados simultaneamente. Com os linguistas alemães, otermo Sprachwissenschaft surgiu a partir da segunda metade do século XIX. O uso dos termosequivalentes nas outras línguas é bem posterior.Vale como curiosidade referir que, até há bem~ouco tempo, a palavra inglesa 'Iinguist' significava, sobretudo, 'aquele que sabe línguas'.A România (designação que engloba o conjunto dos parses românicos) também foi muitorenitente na substituição da denominação tradiCional de filologia (que estuda textos escritos)pela de 'linguística' quando se tratava do estudo das línguas. Note-se, por exemplo, que nosanos 50 do século XX as disciplinas que tratavam de língua na Faculdade de Letras de lisboa - mesmo quando já se falava do trabalhode Saussure - se chamavam 'Filologia Portuguesa' e 'Gramática Comparativa'.
vivo que nasce, cresce e morre aproximou o seu estudo das hipóteses formuladas por Darwin sobre a origem das espécies e a suaevolução por meio de uma selecção natural. No entanto, não foipor causa deste enfo-que histórico queessa época foi entendida como a do nascimento da linguísticacomo ciência. Foi simem consequência dadescrição sistemática, rigorosa e comparada das unidadesfonéticas e morfológicas das línguas emanálise. Não se tratava já de estudar aspectos históricosou filosóficos através das línguas, mas,como dizia FranzBopp [05], as línguaseram estudadas por simesmas, como objecto e não como meiode conhecimento.
Este é o momento em que se considera que a linguísticase constitui como umdomínio do conheci-
me~to. A. marca visível aparece nos trabalhos de toda uma plêiadede investigadores alemães e nórdicos, maioritariamente redigidose~ Ale~ão, que fixaram a relação entre as línguas indo-europeias,eVidenCiando as correspondências fonéticas e morfológicasdetectadas na análise das línguas escandinavas e germânicas,do Grego e do Latim, do Lituano, do Arménio, do Sânscrito e doIraniano.
cia de um tal parentesco poderia vir a mostrar que todas derivavam de uma fonte comum que talvez já não existisse, sendo portanto necessário proceder a uma comparação do Sânscrito comlínguas europeias, para que se pudesse ir mais longe no conhecimento da sua origem e das suas características gramaticais. Seesse parentesco viesse a ser provado, então a língua falada naíndia antiga e as línguas que estavam na base das línguas europeias actuais teriam tido uma 'mãe' comum. A hipótese da existência dessa protolíngua desconhecida veio a ser aceite, tratando-sede uma recriação a partir dos aspectos comuns que era possíveldetectar entre as suas 'filhas' (as línguas antigas da índia e daEuropa), ou seja, entre as línguas a que se podia ter acesso, fosse directo, através de documentos escritos, ou indirecto, analisando as línguas contemporâneas. Essa protolíngua passou a serdenominada Indo-europeu.
Iniciou-se, então, a grande empresa dos linguistas da épocaque, seguindo o interesse contemporâneo pela descoberta dasorigens do pensamento e da religião, o estenderam ao estudo daslínguas, tomando em mãos o trabalho de estabelecer sistematicamente a comparação entre elas. Dos estudiosos comparatistascujas obras ainda hoje são merecedoras de atenção, destacam-se Rasmus Rask (1787-1832), filólogo dinamarquês, e Franz Bopp(1791-1867), filólogo alemão, que estabeleceram princípios emétodos para o estudo comparado das línguas a partir da análisefilológica de textos. A estes nomes deve acrescentar-se o deWilhelm von Humboldt (1767-1835), linguista e político alemãoque se interessou pela relação entre o homem e a linguagem (<<alíngua é o órgão que forma o pensamento») e associou a estasreflexões o conceito de que a superioridade de uma língua estariarelacionada com a superioridade do povo que a falava.
Assim, o final do século XVIII encontrou uma forma de contornar o problema do desconhecimento da origem das línguas, propondo que o caminho fosse percorrido em retrocesso, com basena observação directa dos dados linguísticos e numa rigorosametodologia de trabalho. A pouco e pouco, a análise comparadadas línguas foi abrindo caminho para o estabelecimento da suagenealogia, em sintonia, aliás, com os métodos científicos seuscontemporâneos: o entendimento da língua como um organismo
I~
42 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 43
7 A expressão latina a quo significa 'data a partir da qual se começaa contar um prazo'.
A Língua portuguesa
A Série Memória da Língua da Biblioteca Nacional Digital disponibilizauma reprodução digitalizada da 1."edição de A Língua Portuguesa, empurl.pt/141 e uma outra da 2." edição,de 1887, emendada e aumentadapelo autor, em purl.pt/30.
A Esquisse de Leite de Vaconcelos
A Esquisse foi publicada em1901. Em 1987, o Centro de linguística da Universidade de Lisboa patrocinou uma reimpressão da 2." edição,que inclui aditamentos e correcçõesdo autor. A Série Memória da Línguada Biblioteca Nacional Digital disponibiliza uma reprodução digitalizadada 2." edição em purl.pt/160.
não tinham sido estudadossistematicamente.
A orientação que tomaram os estudos das línguaselaborados pelos sucessoresdos linguistas da primeirametade do século XIX foicontestada pela geraçãoseguinte, a geração dos neogramáticos (uma traduçãodesajeitada do termo originalalemão - Junggrammatiker -que significava 'jovens gramáticos'), cujas perspectivas se desenvolveram durante o final do século XIX e a primeira metade doséculo XX. Aceitando um ponto de vista eminentemente histórico, os neogramáticos introduziram a hipótese da existência deleis fonéticas de carácter absoluto, como as leis de Grimm, queestabeleceram correspondências fonéticas a partir da evolução depalavras cognatas em línguas irmãs. Por exemplo: as palavrascomeçadas por [f], no Português, correspondem com muita frequência a palavras começadas por uma consoante aspirada, noCastelhano: farinha / harina, filho / hijo). Estas leis eram apresentadas como universais, ou seja, aplicar-se-iam cegamente sobreos sons e explicariam as mudanças linguísticas de uma forma idêntica para todas as línguas. A atestação de pares de palavras comofogo / fuego veio a mostrar que a realidade é um pouco mais complexa, dado que, neste caso, a evolução fonética não gerou o resultado previsto. Apesar de objecções deste tipo, esta foi umaépoca em que floresceram as gramáticas históricas das línguaseuropeias. As seguintes obras merecem especial relevo, pela indubitável importância que têm para o conhecimento da história
do Português: a Sintaxe Histórica Portuguesa de Epifânioda Silva Dias foi publicada em191 8 e o Compêndio de Gramática Histórica Portuguesade José Joaquim Nunes foipublicado em 1919.
,~ ._--------_.
IA Série Memória da Língua da
Biblioteca Nacional Digital disponibiliza uma reprodução digitalizada da1." edição da Sintaxe Histórica empurl.pt/190.
Importa agora sublinharduas importantes orientações que se manifestaram noestudo das línguas durante asegunda metade do séculoXIX. A primeira resulta de umcrescente interesse pela descrição das línguas vivas, faladas pelas populaçõescontemporâneas. É neste
quadro que Adolfo Coelho publica A Lfngua Portuguesa: Fonologia,Etimologia, Morfologia e Sintaxe, sendo a data da sua publicação- 1868 - considerada por Leite de Vasconcelos (médico de formação de base, mas notável como etnólogo, arqueólogo e filólogo)o «limite a quo da filologia científica portuguesa»7.
A segunda orientação dominante está relacionada com o desenvolvimento da fonética. Assente em métodos experimentais,beneficiou do progresso da física e da anatomia que permitiu aconstrução de instrumentos adequados à análise do chamadocontínuo sonoro e dos movimentos articulatórios ligados à produção dos sons da fala. Em simultâneo, com o progresso dosestudos fonéticos, o estudo histórico ou diacrónico, que relacionava estados de língua separados no tempo, era substituído poruma abordagem sincrónica, que prestava atenção aos diversosfenómenos linguísticos que caracterizam um único momento naexistência de uma língua. É este o contexto que justifica que, naprimeira metade do século XX, os estudos de dialectologia e degeografia linguística passassem a primeiro plano na atenção dadapelos linguistas à língua falada. Este interesse foi suscitado pelotrabalho de Jules Gilliéron, dialectólogo de origem suíça que, naúltima década do século XIX, preparou o Atlas Linguistique de laFrance, publicado entre 1902 e 1923. Em Portugal, a Esquissed'une Dialectologie Portugaise, de Leite de Vasconcelos, deua conhecer as particularidades dos dialectos portugueses que ainda
44 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
~\
A linguística portuguesa fora de portugal \
O interesse pelo estudo do Português não tem fronteiras, ~omo ber;' Io demonstra o trabalho de Jules Comu, autor da primeira gramatica hlsto- irica do Português, publicada em 1888, em Alemão, com o título Grammatik Ider portugiesischen Sprache; ou o livro Altportugiesisches: Elementarb~ch, \de Joseph Hüber, publicado em 1933 e traduzido em 1986 com o titulo :Gramática do Português Antigo; e ainda From Latm to Portuguese, queEdwin Williams apresentou em 1938 e que só em 1975 fOI traduzida com
o título Do Latim ao Português. . IPapel particularmente relevante neste domínio é o que cabe ao ~rasli,
I com linguistas como Said Ali. autor de diversos textos de ref~rencla.A sua Gramática Histórica [da Língua Portuguêsa]. de 1931 (que reune dOIsvolumes anteriormente publicados - a Lexeologia do Português H~stórico,de 1921, e a Formação de Palavras e Sintaxe do Português HIstor~co, de1923). foi, à data da sua publicação, um trabalho inovador e mantem-se,até hoje, como uma referência incontornável.
o SÉCULO XX
Descobertas as relações genéticas entre as línguas e algumasdas bases fonéticas da mudança linguística, chega-se ao século xxe ao início da pesquisa que olha para as línguas na sua especificidade, como expressão de uma faculdade humana. Por reacçãoao positivismo dos neogramáticos, e admitindo uma dimensão psicológica para além da dimensão mecânica anteriormente reconhecida, surgiu na Europa, durante a primeira metade deste século,a corrente que iria ocupar durante largos anos o lugar mais importante no estudo da ciência da linguagem e das demais ciências humanas. Trata-se do estruturalismo, corrente de pensamentoque se baseava na importância que a 'forma' vinha assumindo narecém-criada psicologia, e na perspectiva de que a linguagem erauma actividade com uma estrutura especial, ou seja, uma actividade que funcionava em sistema. Enquanto, na Europa, essa vertente das teorias psicológicas influenciou largamente a linguística,nos Estados Unidos da América foi a teoria do comportamento,que relacionava estímulo e resposta, o instrumento que os linguis-
o ESSENCIAL SOBRE LlNGufSTlCA • 45
tas norte-americanos usaram para explicar o funcionamento dalinguagem.
A estas duas vertentes do estruturalismo estão ligados osnomes de dois grandes linguistas: Ferdinand de Saussure (1857-191~), na Europa [17], e Leonard Bloomfield (1887-1949), naAmérica do Norte [04]. Para a história da linguística um dos maisrelevantes movimentos da época foi a criação, em 1926, do Círculo Linguístico de Praga, que estabeleceu uma coordenacão nosestudos da fonética e da fonologia das línguas e represent~u umainovação nos métodos de análise estruturais. Os linguistas maisnotáveis deste grupo foram o polaco Baudouin de Courtenay(1845-1929) e os russos Nicolai Trubetzkoi (1890-19381 e RomanJakobson (1896-1982).
Para todos estes linguistas, 'estrutura' significa um conjuntode elementos que constituem um sistema pelas relações que estabelecem entre si. Assim, por exemplo, afirmar que as línguas têmuma estrutura fonológica significa que se servem de um conjuntode sons que funcionam nas palavras por contraste e na relacãode uns com os outros. O conceito de estrutura é uma prese~çaconstante nos trabalhos dos linguistas da época, motivando acriação de métodos e técnicas de descrição e análise próprios.Os dados em que assentam as descrições das línguas constituemo corpus que, na perspectiva estrutural, deve ser recolhido juntodos falantes para atestar as particularidades e os elementos quepertencem, na realidade, à língua em estudo. Os bons resultadosda investigação realizada no que diz respeito à descrição das línguas, com metodologias de trabalho claras e sistemáticas, e quese tornaram visíveis no efectivo progresso do conhecimento lingUí~tico, co.nvid~ram outras ciências humanas, como a antropologia, a sociologia e a arqueologia, a adoptar os instrumentos deanálise que a linguística desenvolveu.
. E~ Portugal, a perspectiva estruturalista está presente, pelapr.lmelra vez, na obra de Jorge de Morais Barbosa (cf. [03]), pubhcad~ em 1965. No Brasil, também nos anos 60, distinguiu-seJoaquim Mattoso da Câmara Jr., que, por oposicão ao mecanicismo reinante na época na linguística norte-ame~icana tomouentão como referência a visão mentalista desenvolvida p~r Sapir(cf.[16]).
46 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 47
Esta é uma representação formal extremamente elementar,mas que cobre todas as frases que integrem apenas um sintagma nominal e um sintagma verbal, como é o caso de:
O irmão do meu cunhado tem um carro descapotável.
[F [o irmão do meu cunhado]sN [tem um carro descapotável]sv IF
A vantagem de um modelo de análise linguística que utilizeeste tipo de representação face aos modelos não-formalizadosreside no acréscimo de capacidade explicativa e na melhoria daclassificação das estruturas complexas. A linguística é um domínio em que o objecto do conhecimento é descrito por si próprio:é a língua que permite descrever a língua. Sendo a ambiguidade8
8 A ambiguidade é uma propriedade das línguas naturais. Neste sentido, ambiguidade não é sinónimo de imprecisão. O que esta propriedadequer dizer é que determinadas unidades linguísticas permitem mais do queuma interpretação. É o que sucede numa frase como o João trouxe umlivro do colégio, em que do colégio tanto pode ser '0 local de onde o Joãotrouxe o livro', como '0 possuidor do livro'. Por vezes, o contexto permiteseleccionar a interpretação adequada, mas há circunstâncias em que talnão é possível.
Ainda que seja equivalente à anterior, a representação formaldas frases que mais se vulgarizou foi a dos chamados indicadores sintagmáticos, mais conhecidos como árvores. Os parênteses são substituídos por ramos que nascem no nó que domina eterminam no(s) nó(s) dominado(s). Os ramos que se unem na base,formando um triângulo, indicam que o constituinte que dominamnão está plenamente analisado:
SV
~tem um carro descapotável
F
SN
~o irmão do meu cunhado
A LINGuíSTICA FORMAL
A linguística foi precursora na adopção da abordagem estruturalista, mas também recorreu a outros domínios do conhecimento, como a lógica, a estatística e a computação, para encontrarinstrumentos de análise.
Foi durante o século XIX e o início do século XX que a lógicaabandonou certos fundamentos que remontavam a Aristóteles (porexemplo, a noção filosófica abstracta de 'forma' por oposição àde 'matéria') e, tomando a matemática como modelo, construiuuma linguagem constituída por símbolos e regras para a expressão do conteúdo do pensamento lógico.
Na interacção da matemática com a lógica foram adoptadosinstrumentos teóricos como os sistemas formais ou a lógica de predicados, que influenciaram profundamente os estudos linguísticosa partir de meados do século XX. OS linguistas passaram, desdeentão, a recorrer a representações formais das unidades e dosprocessos linguísticos. De uma forma muito simplificada, pode dizer-se que os elementos concretos são substituídos por símbolosque permitem representar, de um modo abstracto, as relações entreos elementos dos sistemas linguísticos. A utilização destes instrumentos por linguistas norte-americanos desenvolveu, por exemplo,a análise das frases em constituintes imediatos, ou seja, em unidades menores do que a frase, como o sintagma nominal e o sintagma verbal (representados respectivamente por SN e SVI. e a análisedos sintagmas em constituintes menores, até chegar às palavras.
Quando se representa a unidade 'frase' por F, a unidade que incluio nome e os seus especificadores e modificadores por SN e o verboe seus complementos por SV, podem apresentar-se as relações entreestas três unidades através de uma representação, que faz usode parênteses rectos para mostrar os limites de cada constituintee as suas relações hierárquicas. Por exemplo, em: [F [SNI [SVIl
F:
• [SNI e [SVI são unidades do mesmo nível, linearmente dispostas pela ordem apresentada: [SNI precede [SVI e [SVI éprecedido por [SNI;
• [FI domina [SNI e [SVI ou, inversamente, [SNI e [SVI sãodominados por [FI.
48 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA
uma das propriedades das línguas naturais, só a utilização de umsistema formal permite descrever os fenómenos linguísticos de
forma inequfvoca.
As árvores do conhecimento
O uso da metáfora da árvore na representação das estrutura~ linguísticas não é original. No domínio dos estudos linguísticos, reglsta-~e aárvore da gramática, uma elegante iluminura incluída nas GrammatlcesRudimenta, um manual (incompleto) deensino de verbos, datado de 1538, que r.........- ..---~••iíJoão de Barros dedicou à Infanta D. Ma- !ria. A primeira utilização da árvore como finstrumento para a representação do fconhecim~nto é, contud?,.bastante mais I.antiga: a arvore de PortlrlO encontra-se I "na tradução para Latim que este fidlósdOfO I.. ~.t'f~..l'fenício (século III a. C.) fez do trata o as ~, , .,,1categorias de Aristóteles [141. Na tradição : ... ~......generativa, as árvores (invertidas) mos- I ~
tram a hierarquia dos constitUintes: os ra- Imos indicam relações de domínio entrenós (os pontos onde pode haver ramificação), que são identificados por etiquetas categoriais.
SERÁ A LINGuíSTICA UMA CIÊNCIA?
Esta dúvida sobre o carácter científico da linguística é comuma todas as chamadas ciências sociais ou humanas. Tal como emrelação à psicologia, à sociologia ou à antropologia, também noâmbito dos estudos da linguagem convivem diversas formas deconhecimento, que vão desde as abordagens filosóficas e históricas às construções teóricas e formalizadas, passando pelas descrições pré-científicas e pelas aplicações em domfnios de grandediversidade, da sociologia à informática, às neurociências ou aoensino. Esta multiplicidade de tratamentos decorre da próprianatureza da linguagem, que é simultaneamente veículo de integração social (a Ifngua é uma das formas de comunicação comos outros) e factor constituinte da construção do indivfduo: emboa medida, é através da Ifngua que as pessoas vão integrando aexperiência da sua vivência. Na verdade, a relação da actividadelingufstica com os factos históricos e sociais, com o universopsicológico e com a criação artfstica, coloca o estudo da linguagem e das Ifnguas no centro de uma constelação formada pormúltiplas interacções com outras formas de comportamento humano. Além disso, como já foi dito, a especificidade da linguagem humana leva a uma coincidência entre o objecto de análise eo meio com que se explicita e produz essa análise: é com palavras que se estudam as palavras. Estes aspectos particulares doestudo da linguagem permitem, estimulam e valorizam interpretações e análises subjectivas e não-cientfficas.
Por todas estas razões tem sido diffcil o caminho de quemdefende que a lingufstica é uma ciência. Para justificar esta afir-
A LINGuíSTICA TEÓRICA
o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 51
Reflections on LanguageReflexões sobre a LinguagemLisboa: Edições 70
Knowledge of Language. ItsNature, Origin and UseO Conhecimento da Língua, suaNatureza, Origem e UsoLisboa: Caminho
1995 The Minimalist Program1999 O Programa Minimalista
Lisboa: Caminho
1994
1986
19751971
~'\I
Chomsky em Português I
I,!1965 Aspects of the Theory of Syntax1975 Aspectos da Teoria da Sintaxe
Coimbra: Arménio Amado
outros domínios que procedem de modo idêntico - a linguísticateórica é um deles.
Ainda que os anteriores paradigmas da análise linguística,como, por exemplo, o do estruturalismo, constituam quadros teóricos coerentes, é no início da segunda metade do século xxque a linguística teórica conhece um desenvolvimento de maiorrelevo. Trata-se da Teoria Generativa, indissociavelmenteligada à publicação, em 1957, do livro Aspects of the Theory ofSyntax, de Noam Chomsky.
A relevância da TeoriaGenerativa é tributária deum conjunto de factores.Antes de mais, esta proposta teórica retoma e desenvolve a hipótese daexistência de uma capacidade específica do homem,denominada faculdade dalinguagem, que tem sidoentendida como um dos factores principais, senão omais importante, na distinção entre o homem e osanimais.
Na sequência desta hipótese, a Teoria Generativadefende que todas as línguas do mundo compreendem um mesmo conjunto de princípios, a que dá o nome de Gramática Universal (GU). Por outras palavras, as línguas 'escolhem' o modode aplicação dos princípios da Gramática Universal. E defendetambém que a diversidade linguística resulta da selecção de umdos possíveis modos de aplicação desses princípios, ou seja, daparametrização dos princípios da GU. Este desenvolvimento daTeoria Generativa é chamado Teoria dos Princípios e Parâmetros.
o CONCEITO DE CIÊNCIA
mação é, pois, necessário reflectir sobre as características essenciais do que se considera ser uma ciência e verificar se essascaracterísticas também existem neste domínio do saber.
Resta dizer que todos estes requisitos têm de ser cumpridosno quadro de uma dada escolha teórica, que explicite um conjunto de hipóteses coerentemente formuladas que permitam descrever e analisar um dado domínio do conhecimento.
Estas são características das áreas habitualmente consideradas'científicas', como a física, a biologia ou a matemática, mas há
Pode definir-se ciência como um conhecimento sistematizadodo que vulgarmente se denomina 'o real'. Para que seja consideradacientífica, a forma de produzir esse conhecimento deve obedecera um conjunto de requisitos que permitam, em idênticas circunstâncias, a sua verificação. Esses requisitos incluem, entre outros:
• uma clara delimitação do objecto de estudo: não é possívelestudar tudo ao mesmo tempo, é preciso garantir que o estudo seja exequível;
• a escolha de uma metodologia de trabalho: é necessário definir como se constitui um objecto de estudo e como se vaiestudar o que se pretende conhecer;
• uma descrição rigorosa dos dados, que permita uma representação formalizada das estruturas, das relações e das funções das unidades que constituem o objecto de estudo, demodo a garantir que os mesmos dados possam voltar a seranalisados;
• a formulação de hipóteses que dêem a conhecer a porção de'real' analisada, sabendo-se que as hipóteses validadas porum dado estudo científico poderão vir a ser rejeitadas pelashipóteses colocadas por um estudo posterior e que essa rejeição não deve ser entendida como um retrocesso, mas simcomo um progresso no desenvolvimento do conhecimentocientífico.
50 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
52 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
o Parâmetro do Sujeito Nulo
No Português. a presença de um sujeito foneticamente realizadopode ser dispensada. Vejam-se frases como:
Eu fui à praia. vs. Fui à praia.
Tu queres ir ao cinema? vs. Queres ir ao cinema?Em Inglês ou em Francês, a explicitação do sujeito é obrigatória:
I went to the beach. vs. *went to the beach.
Tu veux aller au cinema? vs. * veux aller au cinema?
No quadro da Teoria dos Princípios e Parâmetros" o Portuguêsé classificado como uma língua de sujeito nulo. ou seja, como umalíngua que marca positivamente o Parâmetro do Sujei~o Nulo. Pelocontrário, o Francês e o Inglês marcam este mesmo parametro nega-
tivamente.
Resta saber o que está na base dessas 'escolhas' que semanifestam nas diferenças entre línguas. A diversidade resulta,por um lado, da evolução que as línguas tiveram dura~t~ séculos,pelo facto de serem faladas por comunidades que vIviam se~a
radas política e geograficamente (assim aconteceu com as \Inguas românicas e a sua diferenciação do Latim, ou com aslínguas germânicas, derivadas do antigo Germânico). Por outrolado a diversidade surge do contacto entre línguas diferentes, emcon~equência de movimentações dos povos, ao longo da sua his-
tória.À Gramática Universal pertencem categorias universais, como
'vogal' e 'consoante', 'sujeito' e 'predicado' ou 'nome' e 'ver~o'.Mas estas categorias universais são concretizadas de forma diferente nas diversas línguas. Por exemplo, em algumas línguas, comoo Alemão ou o Latim, o 'caso', que é uma categoria universal,manifesta-se morfologicamente nos sufixos dos nomes e adjectivos indicando-se através desses sufixos se o nome ocorre como'suj~ito' ou como 'complemento' da frase (em Latim, rosa é aforma sujeito, rosam é a forma complemento directo); outras línguas, como o Português, manifestam o caso por meio da col?c~ção do nome na frase (em a rosa é bela, rosa ocorre na poslçao
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 53
de sujeito; em quero a rosa, rosa ocorre em posição de complemento directo) ou antepondo uma preposição (com a rosa,da rosa)9.
Uma outra preocupação da Teoria Generativa consiste na procura de uma adequada descrição do modo como o conhecimentolinguístico está organizado no cérebro dos falantes. Esta preocupação deu origem à idealização de um modelo de gramática queexplicita os domínios que a integram, ou seja, os seus módulos,e o modo como estes módulos se relacionam. Em geral, e apesardas divergências que as diferentes propostas teóricas em confrontoencerram, um modelo de gramática inclui um módulo lexical - oléxico; um módulo que se encarrega da geração das estruturaslinguísticas - a sintaxe; um módulo que trata da interpretaçãosemântica dos enunciados - a semântica; e um módulo que seencarrega da materialização dos enunciados - a fonologia. Umoutro aspecto fundamental na concepção do modelo de gramática é a hipótese de existência de diferentes níveis de representação, que vão do mais abstracto - chamado representacãosubjacente - a um nível mais concreto, próximo da materialização do enunciado, com a representação de superfície.
Em suma,ao descrever uma língua, a investigação linguísticadesenvolvida no quadro da Teoria Generativa, procura conheceros princípios da Gramática Universal e os parâmetros da variacãoresponsáveis pela diversidade linguística. .
A Teoria Generativa não é a única abordagem teórica disponível para quem trabalha em linguística, mas é, sem dúvida, a maisrelevante na segunda metade do século XX, quer pela coerênciae dinamismo das hipóteses que coloca quer pelo volume de trabalho produzido sobre um grande número de línguas, num grande número de países.
9 No Português, a pronominalização mostra vestígios da variacãocasual lexicalmente realizada. Assim, quando rosa é sujeito, o pron;meque a substitui é diferente daquele que ocorre quando rosa é objecto directo:
a rosa é bela ~ ela é belaquero a rosa ~ quero-a
j
I ii____J ~;,í
-,:;'~
I
DE QUE TRATA A LINGuíSTICA?
Já vimos que a linguística se ocupa do conhecimento dalinguagem e das línguas humanas, mas, para ir mais longe na explicitação do que é o seu objecto de trabalho, é essencial compreender que essa não é uma tarefa globalmente realizável:nenhum linguista estuda a capacidade de linguagem ou uma língua na sua totalidade, nem exaustivamente. O que os linguistasfazem é delimitar um objecto de estudo, seleccionando um determinado aspecto de um determinado fenómeno, num determinadodialecto de uma determinada língua, por exemplo.
A primeira escolha recai geralmente sobre uma língua ou umpequeno conjunto de línguas. Imaginemos que a selecção recaisobre o Português. Globalmente considerada como sistema linguístico, a 'língua portuguesa' é uma abstracção necessária à suadescrição enquanto língua particular, que, nessa perspectiva, sedistingue e contrasta com as restantes línguas naturais. Os seusdiferentes usos no espaço e no tempo revelam a existência devariação nos diversos módulos da gramática permitindo, assim,em função quer de factores internos quer de factores externos àlíngua, a caracterização de dialectos, de sociolectos e até deidiolectos.
Simplificando, pode dizer-se que a linguística reconhece, deforma mais ou menos estável, um conjunto de diferentes disciplinas. Em alguns casos, as disciplinas são fundadas a partir da identificação de unidades de análise (para os sons, a fonologia ea prosódia; para as palavras, o léxico e a morfologia; para asfrases, a sintaxe; e para o texto, a linguística textual). Noutros
56 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VAo ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 57
OS SONS DA FONOLOGIA E DA PROSÓDIA
As mais pequenas unidades que se analisam em linguísticasão os sons. Para os estudar é necessário que o contínuo sonoroseja registado, o que, em geral, é feito por transcrição fonética.
Para mais facilmente poder ser reconhecida, a transcrição fonética é delimitada por parêntesis rectos (Le, [ J) e as representações mais abstractas, ou seja,as representações fonológicas, são delimitadas por barras oblíquas (i.e. / IJ.
...--------------------~-___J
tuavôpó
[uI[o][::lI
[U] atum[õ] bom
[w] pau
[kl carro[gl gatolSl chave[31 já(PI venho[tI mal
deparapá
banco
tudoucaçacasanãovalhacarro
[i][uI[aI
!iiI
[tI[d][sI[zl[nl[A:)[RI
vivêpé
pábemfévêmãolácaro
Vogais nasaisfí] sim[el pente
Semivogais ou glidesUI pai
Consoantes[pI[bl[f][v][mI[I][r]
A transcrição fonética
A transcrição fonética é uma representação dos sons da fala que utilizaum alfabeto fonético criado com base nas propriedades acústicas e articulatórias dos sons. Se especificar com pormenor as variações de pronúncia,é uma 'transcrição fonética estreita'; se for pouco especificada, é uma 'transcrição fonética larga',
O Alfabeto Fonético Internacional (AFI) tem como objectivo tornar possível a representação dos sons de todas as línguas do mundo, fazendo corresponder ao mesmo símbolo um mesmo som, qualquer que seja a Ifnguaem que ocorra. Os símbolos do Alfabeto Fonético Internacional necessáriospara transcrever a norma-padrão do Português Europeu são os seguintes:
Vogais orais[i][e][e]
casos, a identificação das disciplinas assenta na atenção dada àconstrução do significado dos enunciados (como a semântica e a
pragmática). Noutros ainda, a linguística pode centrar a sua aten:
cão no conhecimento da variedade linguística dominante (que e
~ dialecto socialmente mais prestigiado, falado na contempora
neidade por um maior número de pessoas, e geralmente designa
do como norma-padrão), ou no estudo da variação, quer no tempo
(que cabe à linguística histórica) quer no espaço (com a dialecto
logia e a linguística comparada),
Os DOMíNIOS DAS UNIDADES DE ANÁLISE
Os enunciados linguísticos são contínuos sonoros, limitados
por pausas que podem ser motivadas por exigências fisiológ.i~as,
como a inspiração de ar, por razões de processamento COgnitiVO,
como as hesitacões na escolha de uma palavra, ou ainda por necessidades co~unicativas, como as interrupções solicitadas pe
los interlocutores. O que as pausas não permitem é a inequívocaidentificacão das unidades que a análise linguística reconhece
essa é u~a operação realizada num determinado quadr~ teórico,
o que explica por que razão nem todos os autores consideram as
mesmas unidades ou as consideram do mesmo modo. Um dos
exemplos clássicos de discordância entre li~guis~as, no q~e. ~iz
respeito à identificação das unidades de análise, e o da deflnlçaodo conceito de morfema: para os linguistas da escola norte-ame
ricana 'morfema' identifica a menor unidade portadora de significacão (a palavra livros, por exemplo, é formada por três
morfemas: livr-, -o e -sI; para os linguistas da escola europeia (par
ticularmente francesa) 'morfema' identifica apenas as unidades
mínimas que representam relações gramaticais (como o -o e o -s
finais de livros).Vejamos, então, como se caracteriza cada um dos domínios
da linguística que se fundam na segmentação do contínu~ sonoro, começando pelas unidades menores, os sons, e terminando
nas maiores, que são os textos.
Pares mínimosfigo -? fogo -? fungo mágoa -? água -? éguafila -? filha -? fita lado -? dado -? fado
Classificação básica dos sons ·'1O sistema de sons de qualquer língua possui, II
obrigatoriamente. vogais e consoantes, e facultativamente semivogais que, em conjunto com as vogais, constituem os ditongos (em Português. aspalavras pau e pai têm ditongos em que as semivogais estão representadas pelas letras <u> e <i».
As vogais são sons harmónicos e as consoantes são ruído. A variação das vogais (por exemplo,a diferença entre abertas. como [a) de pá, e fechadas, como [uI de tu) é produzida pela deslocaçãodo corpo da língua nos eixos vertical e horizontal.Na produção das vogais nasais, o ar passa não sópela cavidade oral mas também pela cavidade nasal. Na produção das vogais orais o ar passa apenas pela cavidade oral.
As consoantes têm duas formas de classificação:
• o modo de articulação (por exemplo, asoclusivas como /p/ ou /t/, as fricativas como /s/ ou/vi. ou as nasais como /m/ ou /n/);
• o ponto de articulação (podem ser dentaiscomo /t/ ou labiais como /f/ ou, ainda. velares como/g/).
l~! 58 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA!
Este é um tipo de registo que procura usar um símbolo diferentepara representar cada som (por exemplo, a palavra casa em Português representa-se como [kázu)).
Do ponto de vista do seu funcionamento na língua, os sonsconstituem um sistema, quer dizer, só cumprem a sua funcão emcontraste com os restantes elementos. O estudo do funcionamentodos sons integrados num sistema é objecto da fonologia e da prosódia. Mas o que significa 'funcionar na língua'?
Tomemos como exemplo o sistema das vogais em Português.Esse sistema inclui todas as vogais que, ao serem substituídaspor outras numa sequência de sons, criam uma nova palavra dalíngua. Neste caso, as vogais que assim 'funcionam' têm um papellinguístico e chamam-se fonemas ou segmentos. Por exemplo, aspalavras fala, com vogal tal, e fila, com vogal Iii, que têm significados diferentes, mostram que estas duas vogais fazem parte dosistema do Português. Neste sistema não entram, por exemplo,vogais como o /ü/ francês da palavra reçu, que significa 'recebido'. Duas palavras cujo significado se distingue pela existência
de um únicofonema diferente constituem um parmínimo.
As unidades da fonologia são abstractas, mas os falantes têm uma representação mental dessas unidades. A sua realização faz-se atravésdos sons da fala. Por razões várias (diferenças dialectais, individuais, dificuldades articulatórias, etc.), esses sons podem apresentar alguma variação fonética, mas são interpretados pelos falantesda língua como um único fonema (por exemplo, a palavra partir,
. em Português Europeu, pronuncia-se com a vogal /a/ reduzida,representada foneticamente por [u], enquanto em Português Brasileiro se pronuncia com o /a/ aberto, [a]; trata-se, pois, do mesmo fonema). Todos os sons com valor distintivo são classificadosde acordo com as suas propriedades articulatórias e acústicas.
Quando se estuda o sistema de sons de uma língua devemser consideradas também as alterações que se verificam nessenível, quer em consequência de mudanças históricas, quer em re-
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 59
sultado da utilização quotidiana dalíngua em váriassituações. Essasalterações integram-se nos chamados processosfonológicos, quepodem actuar deum modo geral,suprimindo, acrescentando ou modificando sons: asupressão da vogalfinal não-acentuada em palavrascomo bate [bát] oufome [fj"m], no Português Europeucoloquial, denomina-se uma 'apócope'; a inserção deum [i] no PortuguêsBrasileiro, em formas como captar [kapitát], designa-se 'epêntese';a modificação de uma vogal que se torna semelhante a outra queestá próxima é uma 'assimilação', como na forma antiga mirabiliaque se tornou a actual maravilha. Outros processos actuam sobre grupos de sons como sucede, no Português Europeu, com asvogais não-acentuadas que se pronunciam de forma reduzida,sendo este um dos factores que distingue, de imediato, as variedades europeia e brasileira da língua portuguesa (comparem-seas realizações de parar [purár] / [parár] ou poder [pudérl / [podér]respectivamente do Português Europeu e do Português Brasileiro.
Os sons das línguas não possuem apenas as propriedadesarticulatórias que diferenciam um lal de um iii ou de um 10/. Elestêm também propriedades prosódicas, como a intensidade (a vogai pronunciada com maior intensidade é a que contém o acentoda palavra), a duração (em certas línguas as vogais podem con-
60 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VAo ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 61
As PALAVRAS DA LEXICOLOGIA E DA MORFOLOGIA
Um outro tipo de unidades linguísticas, talvez aquele que osfalantes mais facilmente identificam, é o das palavras. Delas seocupam duas disciplinas: a lexicologia, que estuda o léxico de umalín.gua, ou seja, o repositório das palavras e de todas as suas propriedades; e a morfologia, que trata do conhecimento da estruturainterna e dos mecanismos de formação de palavras.
A LEXICOLOGIA
O léxico das línguas é uma entidade abstracta: ilimitada notempo, dado que integra todas as palavras, de todas as sincronias,da formação da língua à contemporaneidade; ilimitada no espaço, dado que compreende todas as palavras de todos os dialec-tos; e irrestrita na adequação ao real, dado que inclui as palavrasde todos os registos de língua. Mas será que o léxico só contémpalavras? Não, o léxico integra também unidades menores do queas palavras e que servem para formar novas palavras, como oradical eucalipt- e o sufixo -iz(ar), que se combinam no verboeucalíptizar, um neologismo que os falantes conseguem interpretar porque conhecem as partes que o constituem. Por outro ladoé no léxi~o que cabe o registo de expressões sintácticas cuja in~terpretaçao requer uma aprendizagem específica: é esse conhecimento que faz com que brinco de princesa possa ser o 'nomed.e ~~a flor' e não um 'tipo de brinco', ou esticar o pernil sejaSinOnimo de morrer e não de 'alongar a perna'.
A esta diversidade de tipos de unidades lexicais (radicaisafixos, palavras e expressões sintácticas), que se junta à inexis~tência de fronteiras ou de filtros que limitem o conjunto do possível,acresce todo o universo de neologismos trazidos por empréstimo~como os frequentes galicismos do século XIX, de que maquilhar~ um ex~mplo, ou os anglicismos do final do século XX, cuja vita-lidade nao cessou ainda de crescer, o que é atestado por formas
! como secanear ou fidebeque - se forem estas as melhores grafias[ para ~s palavras). Falt~ acrescentar a formação morfológica, res-i ponsavel pelo aparecimento de palavras como eucalíptizar ou
~ I ministricida, e a pura invenção de palavras, que é um processoAmanhã vens jantar cá a casa? ~ raro na formação de neologismos. A condição necessária para o
~""~",.~~_" ".._.__.. t :J
~Amanhã vens jantar cá a casa.
trastar pelo tempo de pronunciação, sendo umas breves e outraslongas), e a altura ou tom (a sequência de tons das vogais deuma palavra ou frase constitui a entoação).
Porém, no Português, o tom e a duração não permitem distinguir significados, ao contrário de que acontece em outras línguas, como o Mandarim, em que a mesma sequência de sons,por exemplo ma, pode ter significados diferentes se a vogal laltiver um tom baixo ou um tom alto; ou como no Latim, em que aduração da vogal numa mesma sequência pode indicar a funçãosintáctica da palavra - rosa, com vogal final breve, é nominativo(tem função de sujeito) e com vogal final longa, rosã, é ablativo(tem uma função complementar).
Uma outra propriedade prosódica, a intensidade, está relacionada com o acento tónico da palavra e marca uma sílaba que épronunciada com mais força, tornando-se proeminente na sequência de sílabas que constituem a palavra. Em Português, todas aspalavras possuem acento, sendo possível distinguir duas palavrascom as mesmas vogais mas com acento em sílabas diferentes(por exemplo, dúvida e duvida, em que o diacrítico (f) marca olugar do acento na palavra esdrúxula dúvida, que assim se distingue de duvida).
As unidades prosódicas contribuem largamente para o ritmoque caracteriza cada língua. Em Português, a menor unidade prosódica, que é a sílaba, tem características particulares (por exemplo, só certas sequências de duas consoantes podem pertencer àmesma sílaba: Ibrl integra a segunda sílaba de pobre mas a sequência Istl pertence a duas sílabas na palavra pasta). Pela funçãoque têm as unidades prosódicas na caracterização e funcionamentodas línguas, elas são o objecto de estudo da prosódia.
Estas características prosódicas, ou traços prosódicos, relacionam a fonologia com outros módulos da gramática. Por exemplo, ao estabelecerem a diferença de significado entre uma frasedeclarativa e uma frase interrogativa por meio de entoação diferente com que é produzida a mesma sequência de palavras:
Frase declarativa Frase interrogativa
62 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA
._---------.--------------------....,...---.."
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 63
aparecimento de novas palavras reside na capacidade de cada umadelas vir a ser utilizada e compreendida pela comunidade linguística e não em factores de ordem gramatical.
O léxico é, pois, o módulo que contém o que pode ser vistocomo a matéria-prima para a construção e a compreensão deenunciados linguísticos e que, por esta razão, se relaciona comtodos os outros módulos da gramática. Mas não é um mero repositório de formas: a cada unidade lexical está associado um conjunto de propriedades que vai permitir a sua integração, quer emestruturas de palavras complexas quer em frases. Vejamos algumas destas propriedades:
• A categoria sintáctica (i. e. adjectivo, preposição, etc.) é umadas propriedades basilares da palavra. É ela que condiciona asua distribuição na frase. Por exemplo, querendo modificar onome casa de modo a dar conta de duas das suas características, a idade e o material de construção, pode recorrer-se aum adjectivo, como novo, ou a um nome, como pedra. Noprimeiro caso, basta pospor o adjectivo ao nome - casa nova;no segundo caso, o nome tem de ser integrado numa expressão com preposição, como em casa de pedra.
• As categorias morfossintácticas esclarecem, por exemplo,acerca da natureza de palavra variável (como os verbos) ouinvariável (como os advérbios) e das categorias de variaçãoformal (género e número, para as palavras de natureza nominal; tempo, modo, aspecto, pessoa e número para os verbos,por exemplo).
• A representação fonológica, como I#kaz +a#l, de casa, ouI#man +u#l, de mão, permite, depois de processada pelafonologia, chegar a uma dada realização fonética (['kazuJ e['mãw], nos exemplos anteriormente considerados).
• A representação semântica garante que a cada conjunto desons corresponda um dado significado ('casa', por exemplo,receberá uma informação semântica do tipo 'inanimado' e'contável' e uma paráfrase, mais ou menos complexa, como'construção tipicamente destinada a habitação humana').
• Às palavras está ainda associada informação sobre o seu per-
curso histórico. Como, por exemplo, a informação sobre a origem das palavras, que é geralmente chamada etimologia: umapalavra como livro está associada ao étimo latino LlBER,aldeia tem como étimo o árabe AD-DA YHA.
Cada unidade lexical pode ainda ser portadora de outras informações. É o caso de restrições quanto ao uso, como as indicações relacionadas com o registo de língua em que as palavraspodem ocorrer (veja-se o contraste entre cara, face e focinho).É também com base neste tipo de informação que se pode estabelecer uma distinção entre o léxico geral e léxicos de especialidade: o primeiro integra as palavras que podem ser utilizadas emqualquer contexto discursivo. Os léxicos de especialidade só encontram adequação em contextos discursivos pré-estabelecidos.Note-se que uma palavra que se integre num vocabulário geralconhecerá menos restrições de ocorrência do que uma palavraespecificamente destinada a um uso mais formal, ou outra cujaocorrência possa até ferir a susceptibilidade de quem a ouve forade um contexto informal e não-familiar.
Sendo o léxico formado por uma tão grande quantidade deinformação, não pode deixar de obedecer a princípios de organização interna. Na verdade, o léxico é uma entidade multi-estruturada, ou seja, estruturada de acordo com diversos princípios, semque nenhum deles exclua os restantes. Ainda que os falantespossam não ter consciência dessa classificação, um dos princípiosde organização do léxico é o da categorização gramatical. A informação crucial diz respeito à categoria sintáctica, que permite,por exemplo, distinguir os adjectivos dos advérbios, dos nomes,das preposições e dos verbos, para referir apenas as categoriasprincipais. Mas o léxico também se estrutura a partir de algumascategorias morfossintácticas: no caso do Português, o valor degénero dos nomes, que subdivide este grupo em dois novos conjuntos (o dos nomes femininos e o dos nomes masculinos) comconsequências visíveis nas marcas de concordância sintáctica(veja-se, por exemplo, que sendo carta, notícia ou mensagemnomes femininos, é no feminino que ocorre um modificadoradjectival - carta I notícia I mensagem secreta; em contrapartida, sendo recado, bilhete ou apontamento nomes masculinos, é
64 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALINA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LlNGUfSTlCA • 65
livr(o)) e palavras complexas (como livrarí(a)): o radical das palavras simples não pode ser decomposto em unidades menores maso radical das palavras complexas é formado por diversas ~nidades. Nestas se inclui, obrigatoriamente, um radical simples e umprefixo (cf. des-Ieal), um sufixo (cf. livr-ari(a)), ou mesmo outroradical (cf. insect-i-cid(a)).
Simples ou complexas, as palavras do Português dividem-seainda por dois grupos: o das palavras flexionáveis, subconjunto das palavras variáveis, que apenas inclui aquelas que variamde forma sistemática. No Português, este é o caso dos nomesque variam em número (cf. livro-livros) e dos verbos que variamem tempo (cf. canto-cantei). O segundo é o grupo das palavrasque nunca podem ser flexionadas, como os advérbios, por exemplo.
Identificados os constituintes morfológicos, compete à morfologia explicitar a forma como eles se estruturam, quer na disposição linear, quer no relacionamento hierárquico. No Português,por exemplo, a estrutura interna das palavras exige o reconhecimento de que ao radical se associa um especificador morfológicoque, nos verbos, é a vogal temática - (por exemplo, o -a final decanta) - e, nas outras palavras, é o índice temático (por exem~Io, o -e final em dent~). Em conjunto com o radical, este especificador forma o tema. E a esta estrutura que se juntam os sufixosde flexão, responsáveis por boa parte da variação morfossintácticadas palavras.
As FRASES DA SINTAXE
A MORFOLOGIAPara além das propriedades que as caracterizam e que condi
cionam a sua integração em frases, as palavras são estruturasanalisáveis em unidades menores, como o radical e os afixos. Estesúltimos incluem, por sua vez, unidades de muito diversa natureza, dos sufixos de flexão (como o -s final de livros ou o -va e o-mos de estudávamos) aos sufixos derivacionais (como os queformam nomes agentivos, que -dor - programador - e -ista - es-teticista - exemplificam) ou aos prefixos modificadores (como in-, Para construir um enunciado, as palavras combinam-se emum prefixo de negação, que ocorre em inaceitável), e das vogais frases, mas a relação entre as palavras e a frase não é uma rela-de ligação (como o -i- de insecticida ou o -0- de biodiversidade) à çã? directa: as palavras pertencentes a categorias principais, ouvogal temática (como o -a da primeira conjugação, em cantar, o seja, os nomes, os adjectivos, os verbos, as preposicões e os-e da segunda, em beber e o -i da terceira, em fugir) dos verbos. advérbios, constituem-se como núcleo de uma unidade'maior osA todas estas unidades se dá o nome de constituintes morfoló- sintagmas, formando, respectivamente, sintagmas nomin~is
gicos. ~djectivais, verbais, preposicionais e adverbiais. Os sintagma~No radical estão as propriedades nucleares da palavra, como Integram obrigatoriamente um núcleo, distinguindo-se, em segui-
a categoria sintáctica e o seu significado básico. É também no da, aqueles que exigem a presença de complementos, como osradical que se encontra a diferença entre palavras simples (como I verbos transitivos ou as preposições, daqueles que não exigem
___ mU ._ .__ ummm m ____J'-------------~.
no masculino que ocorre um modificador adjectival - recado // bilhete / apontamento secreto).
Um outro princípio, de natureza semântica, reparte as palavras por categorias de significação, com base em relações desemelhança, como a sinonímia (aluno e estudante são nomessemanticamente muito próximos), de oposição, como a antonímia(alto e baixo são qualificadores que se situam nos pólos opostosde um mesmo eixo) ou de inclusão, como a hiponímia e ahiperonímia: por exemplo, vaca é um hipónimo de bovídeo, ouseja o significado de vaca está incluído no significado dohiperónimo bovídeo, no sentido em que bovídeo é a classe a quepertencem as vacas.
Um terceiro princípio de organização do léxico é de naturezafonética, dando origem, por exemplo, ao subconjunto das palavras que começam por uma consoante vibrante (veja-se a popularidade de um 'trava-línguas' como .,. o rato roeu a rolha dagarrafa de rum do rei da Rússia... ). É provável que a facilidade nodesenho de rimas varie em função do maior ou menor grau depreponderância deste princípio no léxico de cada falante.
66 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ALlNA VILLALVA
complementos, como os verbos intransitivos e a generalidade dosnomes e dos adjectivos. Assim, é porque incluem constituintesque exigem a presença de complementos que frases como *estamenina ofereceu 9 ou *esta menina ofereceu chocolates a nãopodem ser consideradas como frases bem construídas no Português. É, no entanto, muito frequente que o núcleo dos sintagmasseja acompanhado por especificadores e por modificadores li. e.,determinantes, como em a menina; pronomes possessivos, comoem minha amiga; demonstrativos, como em esta menina, ou outros sintagmas, como em menina bonita ou menina de ouro).
Qualquer que seja o seu grau de complexidade interna, os sintagmas que constituem a frase estabelecem entre si determinadas relações gramaticais relativamente ao predicado verbal, comosujeito, objecto directo, objecto indirecto ou oblíquo, com basenas quais é estabelecida a ordem básica das palavras na frase.No Português, em que a ordem das frases é normalmente sujeito-verba-objecto (pelo que se denomina uma língua SVO), muitas frases são constituídas por um sujeito e um predicado verbal,que são as relações gramaticais básicas (por exemplo, o gato mia).Se o predicado verbal for transitivo, a frase integra ainda um complemento directo, ou objecto directo, que é também uma relaçãogramatical central (por exemplo, a menina comeu um chocolate).Outra relação gramatical central é o complemento ou objecto indirecto (por exemplo, a menina ofereceu um chocolate à amiga).Além destas relações gramaticais, existem outras denominadasoblíquas que cumprem diversas funções sintácticas (por exemplo, de localização em o livro estava na biblioteca, ela foi a Barcelona).
A descrição das estruturas sintácticas estabelece ainda umadistinção entre frases simples, correspondendo a orações quecontêm uma única relação de predicação (como a menina estádoente) e frases complexas que podem incluir duas ou mais orações ligadas por coordenação (como em ele foi ao aeroporto masnão embarcou), por aposição (como em o Presidente da República,
9 Usa-se um asterisco no início de uma expressão linguística paraassinalar que se trata de uma expressão agramatical.
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 67
disseram na televisão, decidiu dissolver o Parlamento) e por subordinação (como em o crítico disse que o filme era espectacular).
Tanto as frases simples quanto as complexas são aindacaracterizáveis como frases declarativas, interrogativas, imperativas ou exclamativas. Em alguns casos, a distinção é sintacticamente determinada, como na frase interrogativa o que é que vaisfazer hoje?, ou na imperativa não digas nada. Noutros casos, aidentificação do tipo de frase depende da entoação com que épronunciada. A frase simples vamos almoçar é declarativa seconstituir uma mera afirmação, é interrogativa se for uma pergunta, é imperativa se se tratar de uma ordem e é exclamativa seexprimir uma avaliação.
o TEXTO
Tal como as palavras se combinam em frases, também as frases se integram numa rede que as relaciona umas com as outrase com o contexto em que são produzidas. Essa rede é o texto.Numa interpretação mais estrita, texto identifica apenas um segmento escrito e o discurso remete para uma sequência oral. Numainterpretação mais lata, texto é uma unidade de análise linguísticaque tanto diz respeito ao oral quanto ao escrito, incluindo aindadiscurso espontâneo e discurso preparado.
Para que um texto seja reconhecido como tal, deve possuircertas propriedades, como estar de acordo com a situação emque é produzido, transmitir informação relevante e respeitar condições que garantam a sua boa-formaçaão. Entre os elementosdos textos existem relações de vários tipos. A coesão frásica dizrespeito à relação entre os elementos que constituem uma frase:por exemplo, a concordância entre sujeito e verbo. A coesãointerfrásica tem a ver com a ligação entre frases, próximas oudistantes entre si (por exemplo, a relação entre duas oraçõescoordenadas: eu comprei um vestido e ela comprou uma mala).Por sua vez, quando a relação entre os elementos cognitivos apresentados no texto e o conhecimento que temos do mundo nospermite inferir um sentido global e aceder à compreensão, falamos em coerência textual (por exemplo, a sequência visitar outros continentes ajuda-nos a compreender melhor a relatividade
68 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 69
Desconversar
Os DOMíNIOS DA SIGNIFICAÇÃO
A SEMÂNTICA
Para além das disciplinas que nascem da segmentação dosenunciados linguísticos em unidades de análise, a linguística integra ainda outras disciplinas. Duas delas, a semântica ea pragmática, tratam das questões da significação.
cutor segue quando entra num intercâmbio comunicativo. Esteprincípio desdobra-se nas chamadas máximas conversacionais: ada qualidade, que assume que os falantes tentam dizer aquilo queé verdadeiro, a da quantidade, relacionada com a informação dada,que não deve ser excessiva nem insuficiente; a da relevância, queimplica que o que for dito venha a propósito; e a do modo, segundo a qual o locutor deve evitar ser obscuro, ambíguo, prolixoou desordenado.
o significado dos textos, das frases e das palavras é o objectodo estudo da semântica. As propriedades semânticas das línguasnaturais podem, pois, estudar-se em todos os níveis linguísticos.Tanto a semântica frásica quanto a semântica de texto estudamaspectos do significado das orações integradas num enunciado,podendo ser entendidas como proposições lógicas constituídaspelo predicado e seus argumentos. Por exemplo, em a Inês ofereceu um jantar aos amigos, o verbo - ofereceu - é o predicado, eas expressões nominais - a Inês, um jantar, aos amigos - são osargumentos da proposição. É neste domínio que se integra a semântica das categorias gramaticais, como tempo, aspecto ounome. Tomemos o caso do 'tempo', Os tempos gramaticais parecem estar ordenados de forma linear, organizando-se em trêsdomínios: o 'passado', o 'presente' e o 'futuro'. Mas, na realidade,a nossa utilização dos tempos dos verbos não corresponde a estaorganização linear, até porque associamos ao tempo a dimensãode 'duração'. Exemplificando: ao descrever um acontecimentohistórico passado no século XV, podemos usar o tempo verbal,.resente', o chamado 'presente histórico' (como na frase no
dos nossos conceitos de vida só é compreendida se recorrermosa um conhecimento que não está nas palavras ditas: nomeadamente, se soubermos que noutros continentes existem outros
povos com outras formas de vida).Um tipo particular de texto é o que se estabelece numa situa
cão de interaccão verbal entre, pelo menos, um locutor e umInterlocutor, o~ seja, quando duas pessoas conversam. Umaconversa é uma situação linguística extremamente condicionada,embora as restrições não sejam explicitadas com muita frequência. Numa conversa há um início - um meter conversa - (porexemplo, preciso de falar contigo... ; podemos conversar cinco minutos?; olá... ) e um fim (por exemplo, bom, tenho de me ir embora... ; então, para já, ficamos assim, não é?; já viste as horas?),
facilmente reconhecíveis pelos interlocutores. Pelomeio, há uma construção interpessoalque pressupõe ummínimo de cooperação entre os participantes: mesmoque queiram discutir, os interlocutorestêm de concordar em discutir.Isto pressupõe quecada participanteaceita fazer contribuições para aconversa Que seiam pertinentes,dada a direcção tomada ÇlO{ esta.Este é o princ\pioôe cooperação:caôa \ocutOf assume Que o interlo~
Isto parece uma conversa de surdos!Pára lá com a conversa de chacha...Já chega de conversa fiada!Posso falar?Oeixa-me falar...Não me interrompa...Agora quem fala sou eu!Está caladol
Frases como estas são frequentemente utilizadas em situações em que o respeito pelas máximas conversacionais pode estar em risco. Mas osucesso da comunicação também pode serameaçado por enunciados irónicos ou sarcásticosde um dos interlocutores se o outro não os reconhecer como tal. Por exemplo, Quando, num dia de
\
chuva, alguém diz está um lindo dia! e o outro responde acha que sim?
Um outro 'actor de perturbação diz respeito a
\enos de avaliação Que um locutor 'az do seu inter-
\
Iocutor, por exemplo, Quanto àin'ormação Que estepossui acerca do tema da con\Jersa·.
A. A Maria já voltou.'C. Sim? Mas onde é que ela foi?
"----~---_._----_.----------~_ ..-----
r-,IIr
70 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
reinado de D. Manuel I, Portugal descobre o caminho marítimopara a índia); quando informamos alguém da nossa intenção depraticar uma acção posterior ao momento da fala, utilizamos frequentemente o 'presente' (por exemplo, vou ao cinema amanhã,frase em que a semântica do advérbio permite localizar a acçãonum ponto do futuro apesar de o verbo estar flexionado no presente).
Na semântica de texto são também analisadas as funçõestemáticas, ou seja, as funções de 'agente', de 'alvo', ou outrascumpridas por elementos da frase. Na frase anterior, a Inês tem afunção de 'agente', e aos amigos tem a função de 'alvo'.
A semântica lexical, que, como o próprio nome indica, estáintimamente relacionada com o léxico, trata sobretudo da significação das palavras e das relações semânticas entre as unidadeslexicais (por exemplo, a relação entre sinónimos como belo e formoso, ou entre antónimos como triste e alegre).
A PRAGMÁTICA
Independentemente da estrutura gramatical usada para construir um enunciado linguístico, é necessário reconhecer que nemtodos os enunciados são do mesmo tipo. A distinção fundamentai opõe aqueles que veiculam informação (por exemplo, li estelivro em meia hora) aos enunciados que servem para alterar umdado estado de coisas e que são chamados actos de fala. Quando alguém diz prometo que acabo este trabalho hoje ou juro quenão fui eu ou apenas desculpa!, esse alguém está a fazer algumacoisa: está a comunicar ao interlocutor uma determinada intenção e espera que este a interprete adequadamente.
Para que os actos de fala sejam bem sucedidos devem res-. peitar algumas condições, a que se dá o nome de condiçõesde felicidade. Uma destas condições está relacionada com oreco'r:lhecimento da autoridade do locutor: para que um acto defala do tipo venham jantar a minha casa amanhã seja entendidocomo um convite efectivo e fiável é necessário que os interlocutores saibam que o locutor é o dono da casa, por exemplo. Poroutro lado, as expectativas do interlocutor não podem ser frustradas, o que poderá suceder, por exemplo, se a opinião de que
o ESSENCIAL SOBRE LlNGU{STlCA • 71
alguém está muito bonita hoje for acompanhada por uma expressão facial que a contrarie. A última é uma condição de sinceridade, que faz com que um pedido de desculpa possa, de facto, seraceite.
O uso que os falantes fazem da sua língua é muito condicionado pelo contexto de interacção social em que esse uso ocorre.Ainda que o constrangimento não seja explicitado, a verdade éque, de um modo geral, os falantes sabem como 'comportar-se'Iinguisticamente em situações diversas. Assim, o relato de umatentativa de assalto feito por um dado cidadão ao seu grupo deamigos não será idêntico àquele que o mesmo cidadão fará naesquadra da polícia. Também um adolescente que gostaria de saircom o carro do pai e que desejaria que o irmão lhe devolvesse oseu perfume preferido se dirigirá aos seus dois interlocutores deforma muito distinta.
Estes constrangimentos manifestam-se de forma diversa emdiferentes línguas: a análise das chamadas formas de tratamento(por exemplo, tu já leste o jornal? vs. você já leu o jornal? vs. oSenhor Doutor já leu o jornal? vs. Vossa Excelência já leu o jornal?) mostra óbvios contrastes entre o Português Europeu e oPortuguês do Brasil. A variação também é frequente no que dizrespeito à escolha de uma estratégia de expressão da delicadeza:enquanto o Português recorre ao pretérito imperfeito do indicativo para suavizar uma ordem (telefonavas-me logo à noite?), oInglês não dispensa a palavra please (please call me tonight).
Os DOMíNIOS DA MUDANÇA E DA VARIAÇÃO
Todas as disciplinas da linguística vistas até agora podemestabelecer como objecto de estudo o sistema linguístico do dialecto habitualmente conhecido como norma, tal como esse dialectose manifesta contemporaneamente. Quando o objecto de estudoincide sobre um outro dialecto é hábito identificar esse estudoem função da variação considerada. Assim, a variação temporalconstitui-se como o domínio da linguística histórica; da variaçãono espaço ocupam-se a dialectologia e a linguística comparada.
72 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VAo ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 73
A LINGuíSTICA HISTÓRICA
Hoje em dia é quase um lugar comum dizer que as línguas
são entidades dinâmicas e que variam ao longo do tempo, embo
ra o confronto dos falantes com os casoS de mudança em cursonão cause exactamente a mesma reacção. Como se chega a essa
afirmacão? Confrontando uma língua contemporânea com fases
anteri~res dessa mesma língua ou dois estádios passados da
mesma língua. Por outras palavras, o conhecimento da mudança
linguística não pode olhar para o processo de evolução, ma~ pode
comparar diferentes estádios da existência de uma língua. E esse
o objecto de conhecimento da linguística histórica, também cha
mada linguística diacrónica.
A comparação de diferentes estádios de uma língua pressu
põe a capacidade de acesso aos dados. Os dados das sincroniasmais recentes ou estão directamente acessíveis (o linguista des
crev~ o seu próprio conhecimento da língua) ou existem registos
relativamente abundantes e fiáveis. Quem quiser descrever algum
aspecto do dialecto de Lisboa no segundo quartel do século xxencontra, por exemplo, nos diálogos de filmes como A Cancão,de Lisboa (1933), O Pai Tirano (1941), O Pátio das Canti~as(1942) ou O Leão da Estrela (1947) um bom acervo ,de informa
ção. Quanto ao acesso a fontes de sincronias mais distantes, há
restrições relacionadas com a disponibilidade das necessárias tec
nologias: o estudo da oralidade, por exemplo, só é possível a partirda invenção do registo do som, em 1898 (com o 'Telegraphone'
de Poulsen). Para a maior parte do período de vida do Português,
o acesso aos dados fica, pois, restringido a fontes escritas, que
I( Mudança em curso tambe' - - t d dm nao sao o as o mesmo tipo: os textos mais antigos
I A flexão verbal da segunda pessoa do singular do pretérito perfeito pode são necessariamente manuscritos (cuja leitura exige com frequên-I ser considerada como um caso de mudança linguística em curso. O sufl- cia o recurso a conhecimentos especializados, como os da! xo que real'lza esta flexão é -ste (por exemplo, compraste, leste, ,~or~nlste), paleografia); os que se seguem à descoberta da imprensa são ma-I mas a realização mais frequente no Português Europeu talvez Ja nao seja .
f' [1 f I ( nuscntos ou impressos, dos incunábulos (que são os primeiros
[' esta, talvez seja aquela que acrescenta ao su IXO um s no ma por exem-"d ' ) livros impressos) aos mais variados tipos de documentos da ac-I pio, tu "comprastes, tu "lestes, tu ormlste~.,. ' 'i A crescente popularidade destas formas nao ficara a dever-se a Igno- tualidade. A outra distinção tem a ver com a origem das fontes\ rância dos falantes (embora um ensino do Português menos permlss~vo escritas, particularmente no que diz respeito à sua natureza lite-I, do que o actual pudesse ter contido por mais algum tempo esta tenden- rária ou outra, como por exemplo os textos de natureza adminis-'\ cia de mudança). Na verdade, há uma conjunção de factores que a_ propicia: trativa ou as gramáticas.
I •por um lado, -stes é um sufixo de flexão eXistente no Portugues - trata- A mudança linguística pode afectar qualquer aspecto de um-se do sufixo de segunda pessoa do plural do mesmo paradigma da fle- sistema linguístico. As primeiras descrições destes fenómenosxão verbal (exs. vós comprastes, vós lestes, vós dormistes); ocuparam-se exclusivamente de aspectos fonéticos (como, por
• por outro lado, esta segunda pessoa do plural tende a ser eliminada de exemplo, o desaparecimento de consoantes intervocálicas naqualquer paradigma da flexão verbal (pelo menos no dlalect~ de Lisboa), passagem do Latim para o Português: FILU > fiol, mas tambémsendo substituída por uma forma de segunda pessoa e flexao de tercel- outros domínios das línguas são afectados por fenómenos de
ra (d. vocês compraram, vocês ler~m, vocês.~ormiram); I I mudança linguística. Continuando a contrastar o Latim com• por último, dado que, com excepçao do pretento perfeito, todas as se-, I o Português, pode referir-se o caso da mudança de género em
gundas pessoas do singular terminam em Is], o aparecimento desta I alguns nomes (por exemplo, DOLOR era um nome masculino emconsoante também no pretérito perfeito configura um caso de regulan- Ir.,, Latim, dor é um nome feminino em Português), a mudança de con-zação do paradigma, I jugação em alguns verbos (por exemplo, TORRERE era um verbo
Parecem, pois, estar reunidas todas as condições que um processo f da segunda conjugação em Latim, torrar é um verbo da primeira
de mudança linguística requer para ser bem sucedido. ! conjugação em Português), a mudança que provoca o desapare-
__J.....J J
74 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
A DIALECTOLOGIA
o ESSENCIAL SOBRE LINGUíSTICA • 75
o objecto de estudo da dialectologia são os dialectos pertencentes a uma determinada língua.
A generalidade das descrições do Português realizadas emPortugal incide sobre o dialecto de Lisboa, considerado como norma-padrão do Português Europeu. Note-se que não se trata deum dialecto superior do ponto de vista linguístico. No que respeitaà realização de uma língua em diversas regiões (à sua distribuiçãogeográfica), as variedades regionais, ou dialectos, têm idênticoestatuto linguístico. Assim, o termo 'dialecto' não refere uma formadiferente (ou desprestigiada) de falar uma língua, mas sim a forma de falar uma língua conforme a região a que pertence o falante.
Existe, com frequência, uma estreita relação entre a dialectologia e a linguística histórica. Na verdade, é fácil encontrar exemplos de dialectos que mostram semelhanças com sincroniaspassadas de um outro dialecto. É por esta razão que se pode falar de dialectos mais ou menos conservadores (alguns dialectosdas Beiras, por exemplo, conservam a consoante fricativa [~L
habitualmente designada como 's beirão', que tem a mesma pronúncia do s do Latim.
No território de Portugal continental, que não é muito extenso e que está quase integralmente coberto pelas redes de transmissão de som e imagem, a variação dialectal tende a diminuir.Énos arquipélagos da Madeira e dos Açores, nomeadamente nesteúltimo, que ainda se encontram alguns dialectos que apresentamclaras diferenças em relação à maioria dos dialectos continentais.
Os métodos de trabalho da dialectologia são exigentes, querno que diz respeito à selecção dos informantes, quer quanto aoregisto dos dados obtidos. Os atlas e os mapas dialectais representam graficamente a distribuição dos dialectos de uma região,seja um país ou um conjunto de países em que as línguas estãorelacionadas.
A dialectologia é uma área da linguística com grande tradiçãoem Portugal. Além de trabalhos parciais (como, por exemplo, oAtlas Linguístico e Etnográfico dos Açores), os dialectólogos portugueses colaboram no Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugale da Galiza (ALEPG) e no Atlas Linguarum Europae (ALE). Todosestes Atlas contêm uma parte referente aos dialectos do Português Europeu.
cimento de algumas palavras (os chamados arcaísmos, comoluscar, substituído por brincar, ou fiúza, abandonado em proveitode confiança), ou o aparecimento de palavras novas (chamadasneologismos, como telemóvel ou vitrocerâmica).
Quanto ao modo de .actuação de um processo de mudancalinguística, sabe-se que ele é desencadeado por um pequeno nÚmero de falantes, relativamente a um pequeno número de situações linguísticas, que progressivamente alastra de forma a atingira globalidade dos contextos linguísticos apropriados e, finalmente,se generaliza a toda a comunidade linguística.
Quanto à motivação, é provável que ela se encontre na própria natureza humana: em causas de natureza social, como a
diversidade geográfica, noconfronto do velho com onovo, em deficiências naaprendizagem da língua ou naprocura de um acréscimo deprestígio social. A mudançalinguística também pode serdesencadeada por razões denatureza linguística, como ocontacto entre línguas, oupela busca de um ponto deequilíbrio entre a simplificaçãodo sistema e a garantia da suaeficácia, como sucede com as
mudanças fonéticas que desencadeiam mudanças morfológicasou sintácticas.
A variação geográfica é outra das vertentes da diversidadelinguística. De um modo geral, a dialectologia, a que também sedá o nome de geografia linguística, ocupa-se da variação dentrodo espaço que a convenção dominante aceita tratar-se de umalíngua. Éhoje em dia comummente aceite, no domínio dos estudoslinguísticos, que dialecto e norma não são conceitos opostos _pelo contrário, a norma é um dos dialectos de uma língua. Assim,
A história das línguas
À linguística histórica está intimamente associada uma outra disciplina,chamada história da língua. Em relação ao Português, a História da Línguapreocupa-se com o relacionamento defenómenos de mudança linguísticacom os dados da ocupação do território português e do contacto de portugueses com populações falantes deoutras línguas.
76 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLAL VA
o 'p 'c
g~~ntO
.>J!.c:
.<~"o
c c~ ~ :.<:~ cn'I :.a ::J
.g o .E 'Ec c: :c ::>
- tO'ccc :.=
.= ~ ~o li) c:
:J QlOl a: caQl
~
oo êi'i
Ol> ::;ca ca tOüi ~
tOQl o6 o ti
.:t= c: bca li) tO >CD <Ql :J Qi:J li) .~
!! <Ql ...J cn:J li)
tO Ol <Qlo E Ql "tJ Cll 2 cQl C tO:J iSo
~:::l
cn ZQ) li)a. o <Qlo U C> li)"- 'E ..E o <Ql li):::l oca Ol -c cUJ E c: c: tO
6 Q;Ql Cll tO
E 15 .>J!."C 'CC c.9 tO Ql
~LI: Z
o .s::.tO li)
E 'õQl -c
<i: >= oc:
.!2E ~'';:::;ca-l
oc: li)
tO <Qlli) o .s:: :J
<Ql 'Cll "2 OltJ
~:Jc: li) t::Cll Cll tO ou: u u c..
li) li)<Ql <Ql
~~o <3.!!1u ~
'';:::;
:ai oU .tOo ~
~ QlQl ~
..o ca'pWU
A LINGuíSTICA COMPARADA
o terceiro tipo de estudos da variação linguística analisa línguas diferentes. Este tipo de análise assenta em bases científicas, como já ocorria na comparação entre línguas desenvolvida apartir dos finais do século XVIII. Havia, então, a preocupação deidentificar relações históricas entre as línguas, preocupação a quese juntou, posteriormente, uma análise comparativa com o objectivo de estabelecer uma tipologia linguística assente nas propriedades dos sistemas gramaticais.
Os estudos comparativos que se desenvolveram sobretudo noséculo XIX produziram uma classificação genética das línguas eforam responsáveis pelo aparecimento das chamadas famílias delínguas, frequentemente representadas por uma espécie de árvore genealógica. Na família românica, por exemplo, o Latim é a língua-mãe, o Português é uma língua-filha e o Castelhano, o Catalão,o Francês, o Italiano ou o Romeno são as suas línguas-irmãs.A família românica é descendente do Indo-Europeu, que, como jáfoi dito, é uma língua reconstruída de que não existe qualquervestígio material. Esta classificação genética das línguas não é,pois, isenta de críticas e discussões. A família das línguas de matriz indo-europeia (entre as quais se inclui o Latim) pode ser representada do modo expresso na página seguinte.
Apesar de ser dominante em toda a Europa, a matriz indo-europeia coexiste com algumas pequenas bolsas linguísticas dedistinta natureza: o Basco resistiu à invasão indo-europeia; o Húngaro, o Estónio e o Finlandês são línguas pertencentes à famíliaurálica; e o Turco é uma das línguas da família altaica. Na Ásia,línguas como o Malaio ou o Tamil, faladas na índia, pertencem àfamília dravídica, enquanto na China e no Tibete se encontram aslínguas sino-tibetanas. África contém mais línguas do que todosos outros continentes (cerca de 2000, faladas por 480 milhõesde pessoas): de entre os muitos grupos linguísticos deve realçar-se o ramo Bantu, a que pertence a maioria das línguas nacionaisde Angola e de Moçambique.
A tipologia linguística tradicional, estabelecida no início doséculo XIX, reconhece três tipos de línguas com base na estruturadas palavras: línguas isolantes, em que as palavras são invariáveis
'~.-- ---------------------------
78 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
e as relações gramaticais são determinadas pela ordem de palavras (é o caso do Chinês ou do Vietnamita); línguas flexionais,em que as palavras exibem afixos de flexão que expressam relações gramaticais (por exemplo, o Latim ou o Português); e línguasaglutinantes, em que as palavras são construídas pela aglutinação de unidades (como o Japonês ou o Turco). Mas muitaslínguas são de tipo misto, contendo palavras invariáveis eflexionadas, e expressando, por vezes, as categorias gramaticaisatravés da ordem de palavras.
A dificuldade de classificação das línguas a partir de um tãopequeno conjunto de propriedades gramaticais acabou por conduzir ao quase abandono desta categorização. Em seu lugar, têmvindo a surgir estudos que descrevem um determinado fenómeno linguístico (ou conjunto de fenómenos linguísticos co-relacionados) em diversas línguas, o que permite encontrar critérios deproximidade entre línguas e conduz à identificacão dos universaislinguísticos. .
Note-se, para concluir, que a comparação entre línguas podecontribuir para a (in)validação de hipóteses da história e de ciências sociais como a sociologia ou a antropologia.
PARA QUE SERVE A UNGU{ST\CA?
No início deste capítulo vale a pena relatar um episódio queteve lugar, há alguns anos, numa Faculdade de Letras portuguesa. Na conclusão do primeiro curso de Linguística, os estudantesquiseram conversar com os seus professores, para lhes perguntar qual a designação que tinham como profissionais e o quepoderiam fazer com o curso que acabavam de concluir. Aparentemente, a primeira pergunta tem resposta fácil: os profissionaisque trabalham em linguística são linguistas. A resposta à segunda questão é mais extensa: vai da contribuição para o avanço doconhecimento nos diversos domínios da linguística e dos domínios interdisciplinares que envolvem a linguística como um dosparceiros às diversas profissões relacionadas com o uso e os utilizadores das línguas. Vejamos, então, quem são e o que fazemos linguistas.
QUEM SÃO OS LINGUISTAS?
Linguista é uma profissão da segunda metade do século XX:
só comecou a haver linguistas depois de a linguística se ter instituído co~o um domínio do conhecimento. Antes de haver linguistas houve gramáticos, como Fernão de Oliveira, foneticistas, comoGonçalves Viana, filólogos, como Adolfo Coelho e dialectólogoscomo Leite de Vasconcelos.
Nos últimos anos, a formação dos linguistas conheceu,em Portugal, uma notória evolução: a primeira licenciatura em
80 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 81
10 Os planos de estudos destas licenciaturas em universidades portuguesas podem ser consultados em www.fl.ul.pt/dlgr/licJing.htm nple em www.fcsh.unl.pt/linguistica/maior.html.
A profissão de linguista
A profissão de linguista é tãorecente que, em Portugal, ainda nãoaparece registada na ClassificaçãoNacional de Profissões (documentopatrocinado pelo Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho, cujaúltima versão conhecida data de 1994).
I
No grupo dos 'especialistas das profissões intelectuais e científicas' há lugar
lapenas para 'filólogos', 'tradutores' e'intérpretes'.'-...~--------------'
----------------"procura que, anoA Associação Portuguesa de linguísticaapós ano, tem ga-
rantido o preenchi- Fundada em 1984, a Associação Portugue-mento de todas as sa de Linguística [02] é uma instituição que con-vagas disponíveis. grega ageneralidade dos linguistas portuguesesTratando-se de uma e também muitos linguistas de outros países
que se interessam pelo Português. A APL or-formação académica ganiza anualmente uma reunião científica que irecente, não são ain- acolhe a apresentação de um grande númeroda muito numerosos de trabalhos de investigação em linguística (pos-os profissionais cre- teriormente publicados nos volumes de Actas)denciados. Ainda e patrocina, pontualmente, a realização de ou
tras reuniões de idêntico teor.menos numerososA APL atribui anualmente um prémio dirigi-
são aqueles que, do a sócios não doutorados que submetam umaté agora, já encon- trabalho de investigação sobre o Português. )traram colocação ~fora das universida-
des ou dos centros de investigação. A profissão de linguista estarápróxima de um ponto de viragem, em que o reconhecimento domercado de trabalho se torna indispensável, mas, para que issoaconteça, é necessário mostrar, quer aos futuros profissionais queraos potenciais empregadores, para que servem estes profissionais.
o QUE FAZEM OS LINGUISTAS?
o entendimento comum acerca do que fazem os linguistasassenta na expectativa de que se trata de pessoas cujo uso dalíngua é modelar e cuja proficiência linguística passa pelo domínio de várias línguas. Ainda que estas sejam qualidades desejáveis para qualquer falante, logo também para um linguista, o seuperfil profissional é bem mais variado e exigente. Vejamos, então, no que consiste esta actividade, repartida pelas diferentesáreas de especialidade.
INVESTIGAÇÃO FUNDAMENTAL
Como sucede com qualquer outra ciência, a investigaçãofundamental em linguística é indispensável para o progresso do
linguística10 surgiu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em1987; a segunda foi criadana Faculdade de CiênciasSociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,seis anos mais tarde. Umpouco antes, tivera início aformação pós-graduada emlinguística, com diversoscursos de mestrado em diversas universidades, e,
mais recentemente, foi a vez da institucionalização de cursos dedoutoramento.
Anteriormente, a formação em linguística era assegurada pelas licenciaturas em filologia clássica, românica ou germânica, quedesenvolviam planos de estudos muito dirigidos ao conhecimento dos textos literários. No início dos anos 80 do século XX, estes cursos foram substituídos pelas licenciaturas em línguas eliteraturas clássicas e modernas. Para além da mudança de nome,a reforma destes cursos introduziu grandes alterações nos pIanos de estudos, abrindo espaço para uma formação mais sistemática em áreas estruturantes da linguística, como a fonologia ea sintaxe, e em domínios de aplicação, como a psicolinguística ea sociolinguística, sem esquecer o lugar para a filologia e o estudo da história da língua. Quanto à formação pós-graduada, regista-se, ao longo do século XX, a apresentação de um crescentenúmero de dissertações de doutoramento, laboriosa e individualmente preparadas por docentes universitários contratados para oensino de matérias de linguística, sob a supervisão de um ou doisprofessores orientadores.
A preparação académica dos linguistas está, pois, hoje emdia, basicamente assegurada, quer pela oferta de cursos quer pela
~.'
i----f 82 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
conhecimento nesta área e também em áreas relacionadas. Porinvestigação fundamental entende-se a procura da explicação parao funcionamento do seu objecto de estudo (neste caso, a linguagem e as línguas), observando os dados do real e propondo umateoria para a explicitação desse saber.
A investigação fundamental em linguística tem-se orientadoprincipalmente para a discussão das seguintes questões:
• Elaboração de teorias linguísticas que permitam explicar ofuncionamento das línguas; neste sentido, é possível falar deteoria da gramática, teoria fonológica, teoria morfológica, teoria sintáctica ou teoria semântica.
• Conhecimento da faculdade da linguagem.
• Conhecimento da gramática das línguas particulares nos seusdiversos domínios de análise, como a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica.
Em Portugal este tipo de trabalho é geralmente desenvolvidono âmbito de universidades e centros de investigação, financiadosmaioritariamente pelo Estado, mas também por algumas entidades de capitais privados, nomeadamente no quadro de programasde mecenato científico, o que depende, quase integralmente, daexistência de uma política científica esclarecida. Regra geral, esteé um tipo de trabalho que não gera receitas, pelo que não podeauto-sustentar-se. Note-se que uma comunidade científica que nãodesenvolve investigação fundamental fica dependente dos resultados da investigação externa e sem capacidade crítica para osavaliar. Além disso, a inexistência de investigação fundamentalnão permite construir aplicações credíveis.
O perfil dos investigadores também merece comentário. Trata-se de uma actividade que requer uma especialização estrita,com o que isto implica de exigência no conhecimento do 'estadodas artes'; de criatividade que garanta a originalidade das hipóteses formuladas; e de persistência na procura dos melhores resultados. Compreende-se, pois, que o número de candidatos ao seuexercício não seja muito grande e compreende-se também que areacção da generalidade das pessoas ao tipo de trabalho que caracteriza a investigação fundamental seja quase sempre de sur-
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 83
presa. No caso específico da investigação em linguística, a surpresa está quase sempre relacionada com o aparato formal utilizado, com o grau de abstracção exigido e com a aparente faltade utilidade prática do trabalho realizado.
As DESCRiÇÕES E ANÁLISES
Sem descrições rigorosas dos dados da realidade não é possível fazer investigação fundamental. Trata-se de trabalhos dereferência, fundamentais no sentido em que potenciam quer osavanços teóricos quer os desenvolvimentos práticos. As descrições necessárias para a investigação em linguística incidemsobre os vários domínios da gramática das línguas, estudadas emsi mesmas ou numa perspectiva comparada, com os seguintesobjectivos:
• Descrição de fenómenos linguísticos (fonológicos, lexicais,morfológicos, sintácticos, semânticos).
• Descrição de fenómenos de interface (entre a fonologia e amorfologia, ou entre a morfologia e a sintaxe, por exemplo).
• Descrição de fenómenos de mudança linguística.
• Descrição de fenómenos de variação linguística,
Quanto maior for o número de línguas descritas, mais aprofundado será o conhecimento das características da linguagemhumana. Quando se trata de línguas já estudadas, as descriçõespartem de conhecimentos anteriores e enquadram-se numa teoria considerada mais explicativa. A descrição das línguas poucoconhecidas ou nunca estudadas, como algumas línguas africanase ameríndias, os crioulos ou as línguas gestuais, é um instrumento de grande importância para o esclarecimento de questões antropológicas, etnológicas e sociológicas, gerais ou específicas, dospovos que falam essas línguas. A descrição de línguas ágrafas,por exemplo, é condição indispensável para a criação de uma ortografia para essas línguas.
Tal como a investigação fundamental, a elaboração de descrições e análises linguísticas é patrocinada fundamentalmentepelas universidades, correspondendo a trabalhos académicos
84 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 85
GRAMÁTICAS
11 Em Grego Antigo, a forma grammatikê significava 'a ciência ou aarte de ler e escrever',
(como as dissertações de mestrado e de doutoramento) ou a relatórios de projectos de investigação, Mas há materiais produzidosa partir de trabalhos deste tipo que têm um uso mais alargado.É o caso das gramáticas, dos dicionários ou dos atlas e mapas
dialectais.
Outros repertórios de palavras
Outros instrumentos para o conhecimento do léxico de uma línguasão os glossários, que contêm aspalavras raras ou pouco conhecidasde um documento, obra ou época,acompanhadas da respectiva definição, e os vocabulários, que sãolistas exaustivas de um corpus. Designam-se também como vocabulários os inventários das palavras maiSjfrequentes de uma língua.
___~_,_._••_,, ,. • •• ._." o••
Os objectos comummente utilizados para o conhecimento doléxico de uma língua são os dicionários. Convém esclarecer queentre o léxico de uma língua e os dicionários disponíveis para essalíngua existem grandes diferen-ças. Os dicionários correspon
dem inevitavelmente a umaparte do léxico da língua. Quan
to mais não seja por razões deexequibilidade, devem os lexicógrafos dicionaristas procederà delimitação do âmbito do dicionário, que pode, assim, serum dicionário das palavras emuso à data da sua elaboração,um dicionário de neologismosou um dicionário de termos técnicos.
A ausência de uma palavra num determinado dicionário nãodeve, pois, ser interpretada ligeiramente como indiciadora da suainexistência: pode tratar-se de uma palavra que cai fora do escopodo dicionário; que, por erro, não foi incluída; ou, ainda, que nãoprecisa de estar dicionarizada por ser um produto previsível dosrecursos morfológicos disponíveis (como sucede com a maioria
DICIONÁRIOS
os falantes quanto ao uso da língua consagrado pela norma.A Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunhae Lindley Cintra (Lisboa: João Sá da Costa) é uma gramática deste tipo.
Uma outra acepção deste termo é aquela que identifica aschamadas gramáticas de referência. São também manuais, mas,
neste caso, o objectivo é explicitar o conhecimento produzidoacerca de uma língua, de forma exaustiva e sistemática. Trata-sede trabalhos baseados na investigação linguística e destinadosa quem procura estudar uma língua e não apenas um uso dessalíngua. A esta categoria pertence, por exemplo, a Gramática daLíngua Portuguesa, de Mateus et aI. (Lisboa: Caminho),
Há diversas interpretações para o termo gramática e mesmodiferentes objectos a que se dá este nome. A interpretação maiscomum é aquela que identifica manuais que têm como objectivo
ensinar 'o que se devedizer', qual é o uso'correcto' de uma língua. Estas são as gramáticas normativas
(porque descrevem odialecto consideradocomo a norma de umalíngua), também chamadas gramáticas
prescritivas (porque
apresentam conjuntosde regras e excepções)ou gramáticas tradicionais (porque o seuformato é muito próximo do formato das primeiras gramáticasgregas 11 e latinas).
Trata-se, neste últimocaso, de gramáticas
escolares apropriadas ao ensino da língua, manuais de gramáticadestinados ao uso corrente, cuja consulta deverá esclarecer
Outras 'gramáticas'
Gramática pode não referir um manuale sim o próprio objecto do conhecimento.É neste sentido que se fala de gramáticauniversal, como o conjunto de princípiosque dão forma à faculdade da linguagem; degramática particular, como equivalente desistema linguístico; ou mesmo de gramática interiorizada, quando se faz apelo aoconhecimento da língua que cada falantepossui e que é responsável pela sua produção e compreensão de enunciados.
Resta, por último, dizer que é a partir dovalor de gramática, enquanto equivalente desistema linguístico, que se estabelece umvalor mais geral que permite a referência aqualquer sistema. Nesta acepção, é possível encontrar expressões como' gramáticada criação', 'gramática da pintura' ou 'gramática do teatro de vanguarda'.
12 Tal como o próprio alfabeto latino, a ordenação alfabética sofreualguns reajustes com o correr do tempo e a variação de língua para língua, mas pode alicerçar-se na ordenação do alfabeto fenício de há cercade 3000 anos.
Forma de citação
Como é sabido, algumas palavraspodem apresentar mais do que umaforma - estas são as palavras variáveis. Os dicionários não incluem todasas formas das palavras variáveis. Emgeral, os dicionários incluem apenasuma das formas, dando-lhe o nome deforma de citação. No Português, a forma de citação dos verbos éaforma doinfinitivo impessoal; aforma de citaçãodas palavras de natureza nominal é aforma do singular e a forma do masculino, nos casos em que a variaçãoem género é possível.
"\~-
Il
86 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
dos advérbios em -mente, como necessariamente, ou com diminutivos em -inho, como livrinho).
Note-se que a organização típica dos dicionários em suporteimpresso, que é a ordenação alfabética, não corresponde a nenhuma das típicas estruturas do léxico. Veja-se, por exemplo, adificuldade do 'jogo das letras', quando é necessário encontrarnomes de países, de cidades, de animais ou de plantas começa-
dos por S, I ou Z. Com efeito,a ordenação alfabética 12 nãoencontra motivação nos sistemas linguísticos das línguas em que é utilizada, oque talvez lhe garanta o sucesso internacional de quedesfruta na elaboração deste tipo de documentos deconsulta pontual. Já a concepção dos dicionários electrónicos se aproxima mais doque a linguística hoje sabeacerca do léxico das línguasnaturais, permitindo pesquisas combinadas, não só poruma forma de citação, mas
por sequências menores localizadas em qualquer ponto da palavra e por qualquer uma das suas propriedades.
Não existe apenas um tipo de dicionários. A variação depende, sobretudo, do número de línguas envolvidas (o que permitedistinguir. dicionários monolingues de dicionários bilingues eplurilinguesl e do âmbito do dicionário. Neste caso, é necessárioseparar os dicionários de carácter geral dos dicionários especializados, também chamados dicionários técnicos ou terminologias.
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 87
A esta última categoria pertencem os dicionários relativos aoléxico de determinadas ciências, tecnologias ou artes, mas também objectos como os dicionários etimológicos ou os dicionáriosde neologismos.
Tradicionalmente os dicionários são apresentados como livros,estando os verbetes (ou entradas) dispostos por ordem alfabética.Os avanços tecnológicos dos últimos 50 anos estão a mudar estaforma de apresentação tradicional: os dicionários electrónicospermitem utilizações muito mais ágeis e proveitosas e apresentam muito menos restrições quanto ao volume de dados.
INVESTIGAÇÃO INTERDISCIPLINAR
Muitos linguistas desenvolvem trabalhos de investigação interdisciplinar, que envolvem mais do que um domínio de especialização. É o que sucede, por exemplo, com a sociolinguística, apsicolinguística ou a neurolinguística, que cruzam a linguística comas ciências sociais e as neurociências.
A SOCIOLlNGuíSTICA
As relações entre a língua e a estrutura e funcionamento dasociedade são estudadas pela sociolinguística, um ramo da linguística que se ocupa dos usos da língua, tomando em consideração os factores sociais e culturais que caracterizam uma dadacomunidade de falantes. Os conceitos de língua materna ou primeira (a língua em que a criança faz a aquisição de linguagem),língua segunda (diferente da língua materna e usada com um fimespecífico como a educação ou a administração pública) e línguaestrangeira (adquirida com finalidades sociais ou de investigação)são definidos no âmbito da sociolinguística. É também a sociolinguística que estuda as consequências do contacto entre línguasdecorrente de processos históricos de migração e colonização,analisando as mudanças linguísticas responsáveis pela criaçãode línguas mistas que se caracterizam por ter mais do que umalíngua na sua origem como os pidgins e os crioulos. Em circunstâncias especiais, a sociolinguística identifica formas de comunicação que ocorrem em mais do que uma língua em consequênciada localização geográfica dos falantes, como ocorre com os
APLICAÇÕES
Há diversos domínios de aplicação da linguística. Os maiscomummente considerados dizem respeito ao ensino das línguas,à tradução, à computação e à consultaria.
Aquisição da língua
A aquisição da língua é um processo desencadeado de forma involuntária em todas as crianças e que actua deforma muito semelhante, apesar dasdiferenças entre línguas aprendidas.
O processo de aquisição de linguagem pode ser visto como a activaçãoda faculdade de linguagem, face aosdados linguísticos a que a criança temacesso. Este processo decorre numbreve espaço de tempo e envolve uma Igrande complexidade de operações. ;- ---- -- --~~--~~~---- - -~/
88 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
habitantes de localidades fronteiriças que utilizam uma misturade Português e Espanhol denominada familiarmente 'portunhol'.
Duas das tarefas que competem à sociolinguística são a definição da norma-padrão e a inventariação de objectivos e estratégias que devem caracterizar uma política de língua.
• O uso das línguas é, naturalmente, um domínio de relevo queexige a observação e análise das línguas e a consideração defactores sociais e culturais de uma comunidade linguística.Um dos problemas mais discutidos em relação a qualquer língua - tendo presente que ela varia no tempo e no espaço - éa determinação da norma-padrão. A norma deverá ser tida emconta no ensino, com a responsabilidade que lhe cabe na formação de todos os 'utentes profissionais' da língua, ou seja,dos próprios professores, dos jornalistas, dos escritores oudos políticos, para dar apenas alguns exemplos. O uso danorma (ou, inversamente, o uso de um outro registo linguístico) caracteriza o nível de escolarização do indivíduo, a suaproveniência e o seu enquadramento social.A escolha da variedade social e dialectal que deve ser considerada como norma-padrão é uma questão delicada: se, doponto de vista linguístico, todas as variedades são igualmente válidas desde que sirvam para a comunicação dos falantes, já numa perspectiva social a escolha de um determinadodialecto como dialecto da norma é um factor de discriminação positiva, pelo que, geralmente, coincide com o dialectodo estrato da população que possui maior prestígio e poder.De um modo geral, o dialecto elegido como norma-padrão é odialecto falado na sede do poder político de um país.
• A determinação dos objectivos e das estratégias de uma política de língua é outro dos domínios que compete à sociolinguística. A utilização de uma língua oficial ou de mais do queuma; os problemas respeitantes ao multilinguismo, por exemplo, com a consideração das consequências do bilinguismo anível individual; o interesse pela preservação das línguasminoritárias, ou de menor expansão internacional, numa sociedade multilingue. Todas estas são questões que devem serequacionadas por uma política linguística.
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 89
A PSICOLINGuíSTlCA, A NEUROLlNGuíSTlCA
E A LINGuíSTICA CLíNICA
A psicolinguística trata do estudo das relações entre a linguagem, ou o funcionamento de uma língua particular, e os processoscognitivos que estão na base da produção linguística. Tratando-se de um campo interdisciplinar, é indispensável o concurso deespecialistas de diversas formações para o estudo das bases neurológicas do processo deaquisição de linguagem e do (seu desenvolvimento. Entramnesta consideração, por umlado, as análises dos dadosda língua realizadas por linguistas, por outro, o estudoda memória e da atenção e oconhecimento das áreas docérebro ligadas ao processamento e compreensão dafala e da escrita, que são dodomínio da neurolinguística.
O estudo das patologiasda linguagem, quer se trate delíngua falada, escrita ou gestual, por ter de se desenvolver em interacção com os conhecimentos das neurociências, denomina-sefrequentemente como linguística clínica. A maioria das perturbações de linguagem é constituída pelos diversos tipos de afasias queresultam de doenças ou traumatismos cerebrais e estão relacionadascom diferentes áreas do cérebro. As afasias provocam incapacidade de produção (afasia expressiva e afasia motora) ou de compreensão da fala (afasia de Wernicke e afasia fluente), quer no que respeitaao vocabulário (afasia nominal), quer às estruturas gramaticais (afasia sintáctica) ou a outros aspectos da língua oral ou escrita.
---------------------------:---------------90 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLAL VA
o ENSINO E A FORMAÇAo DE PROFESSORES DE LINGUA
O ensino de línguas é um dos domínios de aplicação da linguística, que permite hierarquizar aprendizagens em função dacomplexidade dos fenómenos linguísticos envolvidos e tambémpermite encontrar estratégias adequadas à resolução de problemas suscitados pela consolidação das competências linguísticasaprendidas.
Neste domínio, há que distinguir o ensino da língua maternado ensino das outras línguas (língua segunda ou línguas estrangeiras). O ensino da língua materna não apresenta uma línguanova, não ensina a falar - todos os estudantes de língua maternasão falantes nativos dessa língua. Neste caso, o ensino da línguaé o ensino de um uso específico dessa língua, geralmente o usoconsagrado pela norma, e é a consideração da língua como umobjecto de conhecimento, o que passa pela explicitação do sabergramatical de cada aluno.
O ensino das línguas estrangeiras tem outras características:em muitos casos, inicia-se com o primeiro contacto dos estudantes com essas línguas: trata-se, pois, de adquirir competênciaslinguísticas diferentes. Numa fase inicial, a aprendizagem de umalíngua estrangeira encontra semelhanças com a aquisição de linguagem levada a cabo nos primeiros anos de vida e não as aulasde língua materna.
Uma outra distinção que deve ser feita, no domínio do ensinoe aprendizagem das línguas, é a distinção entre a aprendizagemdo oral e a aprendizagem do escrito, dado que as competênciasenvolvidas nestes duas actividades linguísticas não são idênticas.
A formação de professores é outra das áreas em que se tornaindispensável a aplicação dos conhecimentos em linguística. Nestaformação há que considerar a pré-graduação e a pós-graduação.Normalmente, os professores de língua recebem uma formaçãogeral e teórica na licenciatura obtida nas universidades e nas escolas de ensino superior, com uma componente prática dirigidapara o domínio das línguas em que se preparam. Os professoresque se destinam ao ensino não universitário têm um complemento de preparação pedagógica e didáctica, podendo, posteriormente,seguir um curso de pós-graduação.
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 91
TRADUçAoGlobalmente considerada, a tradução é a conversão de uma
língua para outra. O tradutor deve traduzir para a sua língua materna (ou que usa habitualmentel - a língua alvo - mas tem queconhecer bem a língua de que parte - a língua de origem ou língua fonte. Existem traduções de vários tipos: considerando a traducão de textos escritos, devemos estabelecer uma diferença entrea t~aducão literária e a traducão técnica. No primeiro caso, é necessári~ que o tradutor tenha um conhecimento satisfatório doconteúdo do texto originário e de aspectos culturais e sociais
. (como questões de moda ou tabus linguísticos) que estão relacionados com a utilização da língua de origem e devem reflectir-se na língua alvo. No caso da tradução técnica, é aconselhávelalgum contacto com a área em que se situa a tradução (informática, gastronomia, electricidade ou outra) e uma procura de apoionas terminologias e nas obras especializadas do domínio em causa.
Quando a oralidade é o meio utilizado na tradução quer comoponto de partida, quer como ponto de chegada - ou seja, na traducão simultânea -, o tradutor é normalmente denominado'intérprete'; a mesma designação cabe ao tradutor que parte da
língua oral para uma língua gestual.
LINGulSTICA COMPUTA CIONALA linguística computacional engloba o tratamento automá
tico de todas as áreas da língua, ou seja, a descrição de qualquermódulo da gramática de uma língua natural, de modo a que essadescrição pode ser compreendida e trabalhada por uma máquina.Esta actividade também pode ser designada processamento das
línguas naturais (PLN).O trabalho neste campo necessita da colaboração entre lin-
guistas, que conhecem o funcionamento das estruturas da língua,e especialistas na construção de sistemas informáticos, produzindo aplicações em diversos domínios:
• A traducão automática é um sistema informático que permite obter'traducões entre duas ou mais línguas. Uma das modalidades mai~ comuns de tradução automática é a traduçãoassistida por computador, que permite a um tradutor humano
-~--------------~._-------
92 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLALVA
servir-se de vários módulos informáticos que ajudam no estabelecimento de correspondências entre as línguas (fonte ealvo). Nestes módulos incluem-se gramáticas e dicionárioselectrónicos de sinónimos e outros. Trata-se de módulos quememorizam expressões frequentes numa língua, léxicos informatizados, analisadores morfológicos e sintácticos ecorrectores ortográficos, sintácticos e até estilísticos.
• As bases de dados linguísticos e os corpora informatizadossão recursos de armazenamento de dados linguísticos compossibilidade de consulta interrelacionada, responsáveis, porexemplo, pelo aparecimento de dicionários electrónicos.
• Os sistemas de síntese e reconhecimento de fala são construídos com base em padrões fonéticos de uma língua, quepermitem reconhecê-Ia e produzi-Ia automaticamente. Aplicações deste tipo são usadas, por exemplo, em investigaçõespoliciais, para determinação das características fonéticas dafala de um indivíduo com o objectivo de o identificar a partirde gravações de voz.
CONSUL TORIA LINGuíSTICA
Por último, os linguistas podem participar na vida das empresas e das instituições, sempre que o uso da língua esteja em questão, assegurando uma maior eficácia comunicativa quer atravésda revisão linguística dos textos quer do esclarecimento de dúvidas dos falantes. Estas são as funções dos consultores linguísticos.
GLOSSÁRIO
AFASIA - Perturbação da linguagem devida a danos cerebraisque afectam a capacidade dofalante para produzir ou compreender as estruturas linguísticas. A afasia pode afectar osníveis fonológico, morfológicoou sintáctico, lexical ou semântico da língua.
AQUISlçAo DA LiNGUA - Processo durante o qual a criançaaprende a sua língua maternapor simples exposição à línguautilizada no meio em que estáinserida.
BILINGUISMO - Capacidade decomunicar e de se expressarem duas línguas diferentes, resultante de um contacto frequente com essas duas línguas(por exemplo, um filho de mãeportuguesa e pai francês podetornar-se bilingue nestas duaslínguas). No caso de o indivíduopossuir essa capacidade de expressão em mais do que duaslínguas, com as quais contacta
regular e frequentemente,pode considerar-se multilingue.Existem vários graus de multilinguismo, verificando-se,quase sempre, uma especialização do uso das línguasconforme asituação comunicacional, o contexto ou o tipo deinterlocutor. O ambiente multilingue, quer de indivíduos querde comunidades, é mais frequente do que se pode supore é muitas vezes decorrente oupromovido por políticas linguísticas específicas.
CONTíNUO SONORO - Designaçãodo nível oral da fala que se baseia no facto de, nesse nível,ela ser constituída por uma sucessão de sons em que nãoexiste separação entre as unidades da língua.
CRIOULO- Língua materna de umacomunidade que surge emcircunstâncias especiais (normalmente, em consequênciade um processo de colonização)
96 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 97
e tem como base um pidgin (porexemplo, o Crioulo Caboverdiano ou o Crioulo Guineense).
DIALECTO - Variedade de uma língua conforme as regiões emque é falada (por exemplo, odialecto de Lisboa, de Faro, deÉvora). O termo variedade éhabitualmente usado em português para designar o conjuntode dialectos de uma língua quese falam num determinado país(por exemplo, o Português Europeu e o Português Brasileirosão duas variedades da línguaportuguesa) .
DISLEXIA - Tipo de afasia que secaracteriza pela incapacidadede compreender palavras escritas.
ESTRUTURALISMO - Trata-se damais importante corrente filosófica e metodológica das ciências humanas na primeirametade do século xx. Segundoesta perspectiva, a realidade eas formas de comportamento- nomeadamente a linguagem - são sistemas organizados em unidades e relaçõesentre essas unidades, sistemas que são encarados, pois,como estruturas. Esta visão domundo e das actividades humanas motivou a criação demétodos e técnicas própriospara o estabelecimento dos sistemas das línguas numa baseempírica (por exemplo, o méto-
do de construção dos pares mínimos para identificar os fonemas de uma língual.
FACULDADE DA LINGUAGEM - Capacidade humana, inata e universal, que permite aaquisiçãorápida das regras de funcionamento da língua que a criançaouve durante os primeiros anosde vida e que lhe possibilita aconstrução progressiva da respectiva gramática.
GRAMÁTICA - Estudo do funcionamento das línguas, geralmentede uma língua, com referênciaaos seus aspectos fonológicos,morfológicos, sintácticos e semânticos. O termo gramáticaaplica-se ao livro que explicitaesse estudo mas pode também aplicar-se ao conhecimento implícito que os falantes têmdo funcionamento da sua língua.
GRAMÁTICA DESCRITIVA - Estudoque descreve o funcionamento dos sistemas de elementosque pertencem aos vários níveis da língua (ou seja, dossons, das palavras e das frases)e da interrelação existente entre esses sistemas, tomandocomo base tanto a sua utilização oral como a escrita. Tome-se como exemplo a NovaGramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha eLuís Lindley Cintra (a primeiraedição é de 1984 e foi publica-
da em Lisboa, pelas EdiçõesJoão Sá da Costa).
GRAMÁTICA INTERIORIZADA
Conhecimento que o falantetem do modo de funcionamento da sua língua, das estruturasgramaticais e lexicais. Esteconhecimento é adquirido inconscientemente durante operíodo da aquisição da língua.
GRAMÁTICA NORMATIVA - Manualque estabelece qual o dialectoaceite como norma-padrão deuma língua e que contém umconjunto de regras impostaspor um grupo socioculturalmente dominante a um ouvários grupos de falantes. Asgramáticas escolares são gramáticas normativas.
GRAMÁTICA UNIVERSAL - Conjunto dos princípios universais queregulam a construção de umagramática e das possibilidadesde aplicação desses princípiosa uma língua particular.
LiNGUA - Existem diversas acepções para este termo. A maiscomum é aquela que identificaos limites geográficos de umsistema linguístico de comunicação entre indivíduos, geralmente definidos em termospolíticos (regra geral, esseslimites são definidos pelas fronteiras de um país), o que permite referências como 'línguaportuguesa', 'língua francesa'ou 'língua chinesa'. Num outro
sentido, língua refere o conhecimento e o uso que cada falante tem e faz da faculdade dalinguagem que lhe é própria,enquanto participante da espécie humana.
líNGUA ARTIFICIAL - Opõe-se a língua natural por se tratar deuma língua construída por umapessoa ou por um grupo depessoas com uma intençãodeterminada e num tempo relativamente curto, não sendo,portanto, aprendida como língua materna. O Esperanto éuma língua artificial.
líNGUA ÁGRAFA - Língua que nãopossui uma representação escrita.
líNGUA DE COMUNICAÇÃO - língua franca através da qual osfalantes de línguas diferentescomunicam.
LiNGUA DE TRABALHO - Língua escolhida em organismos internacionais plurilingues como umadas línguas utilizadas em reuniões de trabalho.
líNGUA ESTRANGEIRA - Línguanão materna aprendida no contexto escolar que tem comofinalidade ampliar conhecimentos, desenvolver investigação epermitir contactos sociais decarácter internacional.
líNGUA FRANCA - Língua que utilizam falantes de diferentes línguas para comunicar nas suasrelações sociais, diplomáticas e
----1I
98 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 99
comerciais. O Português foi língua franca nos portos da índiae do Sudeste da Ásia até meados do século XIX, permitindo ocontacto entre europeus e asiáticos.
líNGUA GESTUAL - A línguagestual, criada para utilizaçãode surdos, é constituída por sistemas de sinais e tem características particulares de cadacomunidade que a usa, existindo, portanto, a Língua GestualPortuguesa, a francesa ou outra. Habitualmente, os sinaisdas línguas gestuais correspondem a palavras e a unidadesgramaticais.
LlNGUA MATERNA (OU PRIMEIRA)
Língua que se fala em torno deuma criança durante os primeiros anos de vida e através daqual ela adquire o uso da língua.
LlNGUA NACIONAL, VERNÁCULA OU
NATIVA - Língua utilizada noquotidiano pelos elementos deuma sociedade para quem élíngua materna, podendo coincidir, ou não, com a língua oficiai dessa sociedade.
líNGUA NATURAL - Língua que sedesenvolve espontaneamenteno seio de uma sociedade (porexemplo o Português ou oFrancês) e que é aprendidacomo língua materna.
LlNGUA OFICIAL - Língua utilizadana escolarização e nos contactos administrativos, oficiais e
internacionais dos elementosde uma sociedade para quempode ser, ou não, língua materna. Quando essa sociedade éconstituída por comunidadesou grupos de pessoas com línguas maternas diferentes, oEstado determina qual a língua(ou línguas) que deve(m) serconsiderada(s) língua oficial.São exemplos desta política linguística certos países africanoscomo Angola e Moçambiqueque têm o Português comolíngua oficial ou, na Europa, oLuxemburgo que tem como línguas oficiais o Alemão, o Francês e o Luxemburguês.
líNGUA SEGUNDA - Língua nãomaterna (da maioria) dos falantes de uma determinadasociedade, ou de grupos deimigrantes, usada como meiode escolarização e como línguaveicular nas instituições administrativas e oficiais. A aprendizagem da língua segundafaz-se normalmente no contexto escolar e permite a inserçãodo indivíduo no sistema sociopolítico dominante, constituindomesmo um factor de ascensãosocial.
LINGUAGEM - Meio de comunicação humana e de expressãopessoal que utiliza, de formasistemática e convencional,sons, sinais ou símbolos escritos. O termo 'linguagem' é
usado, também, para referirsistemas de programação informática e certas formas decomunicação entre animais.
,NORMA (OU NORMA-PADRÃO)
Variedade dialectal e sociolinguística utilizada no uso da língua em contexto escolar e nosmeios de comunicação. A norma-padrão coincide, geralmente, com a variedade dialectal esociolectal dominante (em Portugal considera-se como norma-padrão avariedade utilizadana região de Lisboa-Coimbrapela classe social escolarizada).
PATOLOGIAS DE LINGUAGEM - Deficiências da linguagem que semanifestam na fala (compreensão e produção) e que têmorigem nos sistemas neuropsicológicos que estão na base daprodução linguística. A maioriadas perturbações da linguagemé constituída pelos diversostipos de afasias que estão relacionadas com diferentesáreas do cérebro e provocamincapacidade de produção oucompreensão da fala no querespeita ao vocabulário, às estruturas gramaticais ou a outros aspectos da língua oral ouescrita.
PIDGIN - Tipo de língua reduzidae mista que tem como origemo contacto prolongado entre falantes de línguas diversas quenecessitam de comunicar en-
tre si. Esta necessidade decomunicação resulta de os falantes se encontrarem numasituação de escravidão ou precisarem de estabelecer relações comerciais ou outras,sem a possibilidade de aprendizagem de uma língua segunda.
POLITICA LINGuíSTICA - Conjuntode intenções e decisões dogoverno de um país relativas aouso oficial de uma ou maislínguas e à determinação danorma-padrão, tanto no querespeita à língua oral como àescrita (as reformas ortográficas são exemplo de acções depolítica linguística). Faz parte,igualmente, da política linguística a forma de divulgação deuma língua como língua estrangeira ou segunda de acordocom o contexto em que é ensinada.
PROTOlÍNGUA - Língua de que nãoexistem registos materiais masque se considera ser a origemde uma família de línguas (ou deum ramo de uma família). A reconstituição de uma protolínguafaz-se a partir de aspectoscomuns das línguas derivadas.
SOCIOLECTO - Variedade de umalíngua que caracteriza um meiosociocultural.
UNIVERSAIS DE LINGUAGEM - Propriedades que as línguas naturais possuem em comum. Osuniversais linguísticos podem
100 • MARIA HELENA MIRA MATEUS / ALlNA VILLAL VA
ser universais formais (as condições abstractas a que obedece uma gramática) e universaissubstantivos (as categorias linguísticas como 'nome' ou 'verbo' que são necessárias para
analisar uma língua), Podemainda ser considerados osuniversais de acordo com determinada área da gramática(universais fonológicos, semânticos ou outros),
OUTRAS LEITURAS
----------- -------------------
~----------------------------------~- -------
Segue-se a indicação dos textos considerados mais relevantespara aprofundar conhecimentos no domínio da linguística. Sempreque possível e justificado, é dada informação sobre traduções emPortuguês e sobre a disponibilidade de edições em linha. A listagemé alfabética (considerando o patronímico do primeiro autor).
David Crystal1987 The Cambridge Encyclopedia of Language
Cambridge University Press1993 Enciclopedia deI Lenguaje de la Universidad
de CambridgeMadrid: Taurus
Esta enciclopédia, elaborada com a colaboração de muitos especialistas, aborda, nas suas 480 páginas, doze temas que dizemrespeito à linguagem e às línguas: ideias populares sobre a linguagem, linguagem e identidade, a estrutura da linguagem e os meiosde que se servem as línguas: a fala e a audição, a escrita e a leitura,as línguas gestuais; a aquisição da língua, a linguagem e o cérebro, as línguas do mundo e no mundo e, por fim, a linguagem e acomunicação. Profusamente ilustrada, é uma 'obra útil, informativae formativa. Lamentavelmente não existe tradução portuguesa.
Isabel Hub Faria, Carlos Gouveia, Emília Pedro e Inês Duarte(organizadores)
1996 Introdução à Linguística Geral e PortuguesaLisboa: Editorial Caminho
104 • MARIA HELENA MIRA MA TEUS I ALlNA VILLALVA
Este livro possui uma introdução panorâmica com apresentação dos doze capítulos que o constituem. Nesses capítulos sãotratados os aspectos biológicos, cognitivos e de representaçãoda linguagem verbal, os domínios da fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática e, ainda, questões de interaccão verbal e de variação linguística. Cada capítulo é realizadopor um ou mais especialistas e pode ser entendido como um textointrodutório ou como uma síntese do estado da arte na respectiva
área.
Victoria Fromkin e Robert Rodman1983 An Introduction to Language1993 Introdução à Linguagem
Coimbra: AlmedinaTrata-se de uma boa introdução aos problemas da linguística
e da natureza das línguas. A obra está dividida em quatro partes:a natureza da linguagem humana, aspectos gramaticais, aspectos sociais das línguas e aspectos biológicos da linguagem. Nosaspectos gramaticais, todas as áreas da linguística são consideradas: fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, existindo, até, um excurso sobre a escrita. Cada capítulo, que terminacom um resumo, é acompanhado de exercícios e referências bi
bliográficas.
Georges Mounin1967 Histoire de la Linguistique des Origines au XX' Siec/e
Paris: PUFsld História da Linguística. Das Origens ao Século XX
Porto: DespertarEmbora a data da edição francesa mostre que este trabalho
tem quase 40 anos, a verdade é que não perdeu utilidade e continua a ser um dos livros mais completos e interessantes sobre ahistória da linguística. A par de um conhecimento profundo doacervo bibliográfico original e dos estudos sobre essa bibliografia, o autor tem uma opinião crítica sobre os gramáticos e linguistas que desenvolveram o estudo da linguagem e das línguas,destacando, de forma criteriosa, os trabalhos de maior relevo emcada época ou movimento. A parte do estudo dedicada à antigui-
o ESSENCIAL SOBRE LINGuíSTICA • 105
dade é não só substancial pela quantidade de informação transmitida, como original e notável no modo como essa informação éorganizada e interpretada. O livro termina com uma breve introdução à linguística do século XX.
Steven Pinker1994 The Language Instinct: the New Science
of Language and MindLondres: Penguin
2002 O Instinto da Linguagem: Como a Mente Criaa LinguagemSão Paulo: Editora Martins Fontes
Steven Pinker é um dos maiores especialistas mundiais noestudo das relações entre linguagem e cognição. Nesta obra, defende a teoria de que a linguagem é inata e que os homens possuem uma gramática universal comum. Além de apresentar comoargumento da sua opinião a formação das línguas crioulas, o autor considera o modo como se processam a aquisição da língua eas relações entre linguagem e mente como apoios à sua teoria.Pinker utiliza um estilo agradável e serve-se muitas vezes de exemplos do quotidiano para desenvolver o conceito de que a linguagem é um instinto humano cuja presença no nosso cérebro decorreda evolução da humanidade.
Maria Francisca Xavier e Maria Helena Mateus (organizadoras)1990 Dicionário de Termos Linguísticos, Volume I1992 Dicionário de Termos Linguísticos, Volume II
Lisboa: Edições Cosmoss/d www.ait.pt/recursos/dic_term_ling/index2.htm
Esta obra pode ser consultada com proveito quando se necessita obter, de forma rápida e eficiente, uma informação respeitante a aspectos gerais ou particulares do estudo da linguísticae das línguas. O Volume I contém 1468 termos das áreas de filologia, fonética, fonologia, linguística histórica, pragmática, prosódia e sociolinguística. O Volume II contém 1756 termos dasáreas de morfologia, lexicologia e terminologia, semântica, sintaxe,psicolinguística e, ainda, um número apreciável de termos gerais.Todos os termos têm uma definição concisa e precisa (cuja fonte
106 • MARIA HELENA MIRA MATEUS I ALlNA VILLALVA
vem explicitada no caso de tal se justificar), bem como a indicação da área em que se integra e o respectivo equivalente em Inglês. Frequentemente, foram introduzidos equivalentes emFrancês. Grande parte das entradas contém a indicação de termos relacionados e de sinónimos. Ambos os volumes têm índices remissivos e uma bibliografia final.
REFERÊNCIAS
I~
[O 1] Aristótelesc. 350 a. C. Organon
1985 Tradução portuguesa. Volume I.Lisboa: Guimarães Editores
[02] Associação Portuguesa de Linguísticawww.apl.org.pt/Undex.htm
[03] Jorge Morais Barbosa
1965 Études de Phon%gie Portugaise1983 2." edição
Universidade de Évora
[04] Leonard Bloomfield1933 Language
Nova Iorque: Holt
[05] Franz Bopp
1833-1852 Verg/eichende Grammatik des Sanskrit, Zend,Griechischen, Lateinischen, Litauischen,Alts/awischer, Gotischen und Deutschen
1866-1868 Grammaire Comparée des Langues /ndo-européennes, Comprenant /e Sanscrit, /e Zend,I'Arménien, /e Grec, /e Latin, /e Lithunien,I'Ancien S/ave, le Gothique et I'AI/emandTradução francesa da 2." ediçãoParis: Imprimerie Impériale
,1. 1 I
."
110 • MARIA HELENA MIRA MATEUS/ ALlNA VILLALVA
[06] Centro Virtual Camõesa. www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/geografial
dialectosportugueses.pdfb. www.instituto-camoes.pt/cvc/tempolinguaI03.html
fIt
o ESSENCIAL SOBRE LlNGufSTlCA • 111
[13] Platãoc. 360 a. C. Crátílo1963 Tradução portuguesa
Lisboa: Livraria Sá da Costa
[071 Luís Filipe Lindley Cintra1971 Nova proposta de classificação dos dialectos
Galego-Portugueseswww.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/biblioteca/novaproposta.pdf
[141 Porfírio1994 Isagoge: Introdução às Categorias
de AristótelesLisboa: Guimarães
[081 Umberto Eco1993 La Ricerca de/la Lingua Perfetta1996 A Procura da Língua Perfeita
Lisboa: Editorial Presença
[15] Eduardo Paiva Raposo1984 Algumas observações sobre a noção
de "língua portuguesa"Boletim de Filologia 29: 592
Ferdinand de Saussure191 6 Cours de Linguistique Générale
Redigido por Charles Bally e Albert Sechehaye1978 Curso de Linguística Geral
Lisboa: Dom Quixote
Edward Sapir1921 Language1954 A Linguagem: Introdução ao Estudo da Fala
Tradução portuguesa de Joaquim MattosoCâmara Jr.Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro
[091 The Ethnologuewww.ethnologue.com
[10] Instituto Camões e Centro de Linguística da Universidadede Lisboa2001 Português Falado. Documentos Autênticos
CD-Rom
[111 Maria Helena Mira Mateus2001 Caminhos do Português - Exposição
Comemorativa do Ano Europeu das Línguas.CatálogoLisboa: Biblioteca Nacional
[1 2] Georges Mounin1967 Histoíre de la Linguistique des Origines
au XXe SiecleParis: PUF
sld História da Linguística. Das Origensao Século XXPorto: Despertar
[161
[171
[18] Unesco2000 The Courier 4
www.unesco.org/courier/2000_04/uk/doss03.htm#top
COLECÇÃO O ESSENCIAL
o Essencial sobre LinguísticaMaria Helena Mira Mateus e Alina Villalva
o Essencial sobre a História do PortuguêsEsperança Cardeira
o Essencial sobre a Sintaxe do PortuguêsAndré Eliseu
o Essencial sobre o Ensino da Língua MaternaMaria José Ferraz
o Essencial sobre Crioulos de Base PortuguesaDulce Pereira
o Essencial sobre SemânticaAna Cristina Macário Lopes e Graça Rio-Torto
o Essencial sobre a Ortografia do PortuguêsMaria Helena Mira Mateus
O Essencial sobre Processamento de Fala para o PortuguêsFernando Martins
O Essencial sobre Pragmática LinguísticaJosé Pinto de Lima
O Essencial sobre o Léxico do PortuguêsAlina Villalva
O Essencial sobre Dicionários do PortuguêsMargarita Correia
O Essencial sobre Fonética, Fonologia e ProsódiaMaria Helena Mira Mateus e Ana Isabel Mata
O Essencial sobre Texto e DiscursoCarlos Gouveia
O Essencial sobre Gramáticas do PortuguêsMaria Helena Mira Mateus
O Essencial sobre Jornalismo LinguísticoAlina Villalva e André Eliseu
O Essencial sobre Norma e VariaçãoMaria Helena Mira Mateus
O Essencial sobre VozIsabel Hub Faria
O Essencial sobre Formação de PalavrasAlina Villalva
O Essencial sobre o Ensino do PortuguêsAna Isabel Mata
O Essencial sobre Política Linguística para o PortuguêsAlina Villalva