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COLEÇÃO MANUAIS DA PSICOLOGIA

COLEÇÃO MANUAIS DA PSICOLOGIA · A coleção Manuais de Psicologia é o melhor e mais completo conjunto de obras voltado para a capacitação e aprovação de psicológos em concursos

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COLEÇÃO MANUAIS DA

PSICOLOGIA

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COLEÇÃO MANUAIS DA

PSICOLOGIA

5PSICOPATOLOGIA

ROBERTA FERREIRA TAKEI

AUTORALUCIENE SANTOS FIGUEIREDO

COORDENADORA DA COLEÇÃO

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COLEÇÃO MANUAIS DA

PSICOLOGIA

5PSICOPATOLOGIA

ROBERTA FERREIRA TAKEI

AUTORALUCIENE SANTOS FIGUEIREDO

COORDENADORA DA COLEÇÃO

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2018© Todos os direitos autorais desta obra são reservados e protegidos à Editora Sanar Ltda. pela Lei no 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume ou qualquer parte deste livro, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, gravação, fotocópia ou outros), essas proibições aplicam-se também à edi-toração da obra, bem como às suas características gráficas, sem permissão expressa da Editora.

Título |Editor |

Projeto gráfico |Diagramação |

Capa |Copidesque |

Conselho Editorial |

PsicopatologiaGeisel AlvesBianca Vatiele RibeiroDiagramandoWesley AzevedoCarolina MeloCaio Vinicius Menezes NunesItaciara Lazorra NunesPaulo Costa LimaSandra de Quadros UzêdaSilvio José Albergaria da Silva

P814 Psicopatologia / Roberta Ferreira Takei, coordenadora. – Salvador : SANAR, 2018. 440 p. : il. ; 16x23 cm. – (Coleção Manuais em Psicologia ; v. 5). ISBN 978-85-5462-052-3 1. Psicopatologia. 2. Psiquiatria. 3. Saúde mental. 4. Transtornos mentais. I. Takei, Roberta Ferreira, coord. II. Série.

CDD: 616.89

Elaboração: Fábio Andrade Gomes - CRB-5/1513

Dados Internacionais de Catalogação-na- Publicação (CIP)

Editora Sanar Ltda.Rua Alceu Amoroso Lima, 172 - Caminho das ÁrvoresEdificio Salvador Office & Pool, 3º andarCEP: 41820-770Telefone: 71. [email protected]

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VOLUME 5- PSICOPATOLOGIA

A coleção Manuais de Psicologia é o melhor e mais completo conjunto de obras voltado para a capacitação e aprovação de psicológos em concursos públicos e pro-gramas de residências do Brasil. Elaborada a partir de uma metodologia que julgamos ser a mais apropriada ao estudo direcionado para as provas em Psicologia, contem-plando o 5º volume da coleção com os seguintes recursos:

Teoria esquematizada de todos os assuntos;Questões comentadas alternativa por alternativa (incluindo as falsas);Quadros, tabelas e esquemas didáticos;Destaque em negrito para as palavras-chave;Questões categorizadas por grau de dificuldade, de acordo com o modelo a seguir:

Elaborado por professores com sólida formação acadêmica em Psicologia, apre-sente obra é composta por um conjunto de elementos didáticos que em nossa ava-liação otimizam o estudo, contribuindo assim para a obtenção de altas performances em provas e concursos na Psicologia.

GEISEL ALVESEditor

FÁCIL

INTERMEDIÁRIO

DÍFICIL

APRESENTAÇÃO

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Roberta Ferreira Takei

Coordenadora

Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal da Bahia. Graduada em psico-logia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre e Doutora em Psicologia do Desenvolvimen-to pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia (POSPSI/UFBA). Possui formação em Psicanálise, atendendo principalmente crianças e adolescentes em contexto clínico. Professora de Psicologia em algumas instituições de ensino privado da cidade de Salvador. Também ministra cursos e seminários livres sobre atendimento infantil e temas em Psicanálise. Autora do blog Freudisplica.

Luciene Santos Figueiredo

Autora

Psicóloga (FSBA), Doutoranda (PDSE - U. Porto/UCSal) e Mestre em Família na Sociedade Contempo-rânea pela Universidade Católica do Salvador (Conceito CAPES 5); Especialista em Docência do Ensino Superior (ABEC-Cairu); Integrante do Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos CNPq. Autora de Livros na área de atuação; Leciona nas instituições: Faculdade Ruy Barbosa/Wyden e UNIME/Salvador en-tre outras faculdades no Estado da Bahia na Graduação e Pós-graduação. Tem experiência na área de Psicologia com ênfase em Saúde Mental, Psicopatologia, Sexualidade, Gênero e Família. Atua como Psicóloga Clínica (Nepente Multidisciplinaridade) com crianças, adolescentes, adultos e casais.

AUTORES

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ASPECTOS GERAIS DA SAÚDEMENTAL E PSICOPATOLOGIA

1. Introdução ......................................................................................................... 13 2. Conceitos, Domínio e Contextos: Saúde Mental, Doença Mental e

Loucura............................................................................................................... 142.1 Concepções e Referências da Loucura....................................................................... 15

3. O que há entre o Normal e o Patológico............................................................ 153.1 Conceitos de Normalidade em Psicopatologia e Saúde Mental.........................173.2 Conceitos de Normalidade em Saúde e Doença Mental...................................... 18

4. A História da Loucura e a (Im)Posição Centífica Da Doença Mental............... 205. Psicopatologia.................................................................................................... 23

5.1 Psicopatologia Geral.......................................................................................................... 255.2 Psicopatologia Fundamental.......................................................................................... 26

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

1. Introdução.......................................................................................................... 42 2. Objetivos............................................................................................................ 443. Contexto Clínico................................................................................................. 454. Contexto Organizacional................................................................................... 465. Contexto Hospitalar........................................................................................... 476. Contexto Escolar................................................................................................. 477. Contexto Jurídico............................................................................................... 488. Outros Contextos............................................................................................... 499. Etapas.................................................................................................................. 4910. Considerações Finais......................................................................................... 50

ASPECTOS GERAIS DA AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA,AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E O PSICODIAGNÓSTICO

1. introdução...........................................................................................................612. Domínios e Contextos na Elaboração Diagnóstica e Psicodiagnóstica..........623. Código internacional de Doenças – CID............................................................634. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM...................64

4.1 A 5.ª Edição (DSM-5)...........................................................................................................65 5. Diagnóstico em Psiquiatria............................................................................... 65

5.1 A Entrevista Psiquiátrica: Concepções Teóricas.........................................................665.2 Tipos de Diagnóstico......................................................................................................... 69

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

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6. Posições dos Limites do Diagnóstico.................................................................70 6.1 Aspectos e fenômenos do diagnóstico (DALGALARRONDO, 2008)6.................70

7. Avaliação Psicológica e o Psicodiagnóstico.......................................................707.1 A Entrevista Psicológica.....................................................................................................717.2 Principais Modelos do Psicodiagnóstico........................................................................727.3 Exame do Estado Mental...................................................................................................737.4 Avaliação Neuropsicológica.............................................................................................74

1.1 A Bateria de Testes..........................................................................................................74

ASPECTOS GERAIS DAS ALTERAÇÕES DASFUNÇÕES PSÍQUICAS

1. Introdução........................................................................................................ 1102. A Consciência e Suas Principais Alterações....................................................111

2.1 alterações quantitativas da consciência...................................................................1122.2 alterações quantitativas da consciência...................................................................112

3. A Atenção e Suas Principais Alterações...........................................................1133.1 Anormalidades (alterações) da atenção...................................................................114

4. A Orientação e Suas Principais Alterações......................................................1154.1 tipos de perturbações da orientação.........................................................................115

5. A Sensopercepção e Suas Principais Alterações.............................................1165.1 Alterações Quantitativas da Sensopercepção........................................................1165.2 Alterações Qualitativas da Sensopercepção............................................................117

1.1 Tipos de Ilusão..............................................................................................................1176. A Memória e Suas Principais Alterações..........................................................118

6.1 Tipos Específicos de Memórias.....................................................................................1196.2 Tipos de Memórias de Acordo a Estrutura Cerebral, Segundo Dalgalarrondo

(2008, p. 141)1.....................................................................................................................1196.3 6.3 Alterações Patológicas da Memória....................................................................119

6.3.1 Quantitativas..........................................................................................................119

6.3.1 Qualitativas (ou Paramnésia – Alterações Quanto a Evocação Memória)..120

7. A Afetividade e suas Principais Alterações......................................................1207.1 Afetividades e Contextos................................................................................................1217.2 Aspectos Psicodinâmicos da Afetividade na Concepção Freudiana................1227.3 Alterações Patológicas da Afetividade.......................................................................122

7.3.1 Alterações do Humor........................................................................................122

7.3.1 Alterações das Emoções e dos Sentimentos..................................................1238. A Vontade, A Psicomotricidade e Suas Principais Alterações.........................123

8.1 Alterações da Vontade.....................................................................................................1248.2 As Alterações da Psicomotricidade (Correia, 2014, p. 77)2..................................126

9. O Pensamento e Suas Principais Alterações....................................................1269.1 Alterações dos Elementos Constitutivos do Pensamento..................................127

9.1.1 Alterações dos Conceitos....................................................................................127

CAPÍTULO 4

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9.1.1 Alterações dos Juízos...........................................................................................127

1.1 Alterações do Pensamento......................................................................................128

2.2 Alterações no Processo de Pensar.........................................................................12810. O Pensamento e Suas Principais Alterações...................................................129

10.1 classificação do delírio segundo sua estrutura.......................................................13010.2 mecanismos formadores do delírio............................................................................13110.3 mecanismos de manutenção do delírio....................................................................13210.4 os conteúdos e tipos mais frequentes do delírio...................................................132

11. A Linguagem e Suas Principais Alterações.....................................................13311.1 Alterações Orgânicas........................................................................................................13411.2 Alteração da Linguagem Associada a Transtornos Psiquiátricos.....................135

12. A Personalidade e Suas Principais Alterações................................................13612.1 Transtornos de Personalidade......................................................................................13712.2 Transtorno da Personalidade Narcisista.....................................................................139

ASPECTOS GERAIS DOS PRINCIPAIS TRANSTORNOS

1. Int rodução.........................................................................................................1882. Grandes Síndromes Psiquiátricas e/ou Transtorno Mental...........................190

2.1 Breve Atenção Sobre a Avaliação Clínica..................................................................1913. Transtornos Ansiosos........................................................................................193

3.1 Transtorno de Ansiedade Generalizada....................................................................1933.2 Transtorno de Pânico........................................................................................................1943.3 Agorafobia...........................................................................................................................1953.4 No Transtorno de Ansiedade Social (Fobia Social)................................................1963.5 Transtorno Obsessivo-compulsivo e Transtornos Relacionados......................1973.6 Os Transtornos Relacionados a Trauma e a Estressores.......................................199

3.6.2 Transtorno de Estresse Pós-traumático..........................................................199

3.6.2 Transtornos de Adaptação..................................................................................2014. Transtornos Dissociativos de Sintomas Somáticos........................................202

4.1 O Transtorno Dissociativo de Identidade..................................................................2024.2 Transtorno de Despersonalização/Desrealização..................................................2034.3 Amnésia Dissociativa........................................................................................................204

5. Transtorno de Sintomas Somáticos e Outros Transtornos Relacionados.......2045.1 Transtorno de Sintomas Somáticos............................................................................2055.2 Transtorno de Ansiedade de Doença.........................................................................2055.3 Transtorno Factício...........................................................................................................206

6. Transtornos Bipolares e Transtornos Realacionados de Humor...................2066.1 Os Episódios de Mania e Hipomania..........................................................................207

7. Transtornos Depressivos..................................................................................2107.1 Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor...............................................2117.2 Transtorno Depressivo Maior........................................................................................2117.3 Transtorno Depressivo Persistente (Distimia)........................................................213

8. Espectro de Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos.........................214

CAPÍTULO 5

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8.1 Esquizofrenia......................................................................................................................2168.2 O Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos Envolvem o(s)....217

9. Transtornos Alimentares..................................................................................21710. Transtornos relacionados a substâncias e a transtornos Aditivos................219

10.1 Demência.............................................................................................................................22110.2 Delirium................................................................................................................................222

11. Transtornos de Personalidade.........................................................................22412. Transtornos Disruptivos do Controle de Impulsos e da Conduta..................225

ASPECTOS GERAIS DA REFORMA PSIQUIÁTRICAE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL

1. Introdução.........................................................................................................3422. Estigma Social na Loucura e Doença Mental..................................................3433. Historiografia da Reforma Psiquiátrica: Sócio, Político e Assistencial.............3444. Reforma Psiquiátrica e Saúde Mental..............................................................3465. As Conferências Nacionais de Saúde Mental...................................................3496. Política de Atenção Nacional Básica................................................................352

6.1 Princípios e Diretrizes da Saúde Mental na Atenção Básica..............................3556.2 As Ações de Apoio Matricial..........................................................................................356

7. Política Nacional de Humanização – Humanizasus.........................................3577.1 Princípios, Diretrizes e Dispositivos da PNH............................................................357

8. Rede de Atenção Psicossocial Serviços de Saúde Mental..............................3598.1 CAPS.......................................................................................................................................362

9. A Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas......................36510. A Psicologia no Âmbito das Políticas Públicas de Saúde...............................367

CAPÍTULO 6

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1CAPÍTULO

13

Aspectos gerais da Saúde Mental e Psicopatologia

O que você verá nesse capítulo:

IntroduçãoConceitos, domínios e contextos: Saúde Mental, Doença mental e LoucuraO que há entre o normal e o patológicoA história da loucura e a (im)posição científica da doença mentalPsicopatologia: abordagens e contextosQuadro ResumoQuadro EsquemáticoQuestões ComentadasReferências

1. INTRODUÇÃO

O estudo da Saúde mental envolve uma série de conceitos subjacen-tes em cada contexto histórico e, por consequente, diferentes expoentes teóricos. O que é a loucura? O que uma doença mental? O que é um do-ente mental? O que é normal e o que é patológico? Percorrendo a história recente, apreende-se que a loucura esteve ligada às várias acepções (mar-ginalidade, descriminação, desrazão, patologia ou possessão demoníaca), contudo, no que tange à referência de loucura, a maior parte da literatura construída pauta-se na insanidade, anormalidade ou doença mental.

As práticas de cuidado em saúde mental construídas para tratar a lou-cura de modo mais humanistas nos séculos XX e XXI, no âmbito da Re-forma Psiquiátrica trouxeram avanços assistenciais como os centros de atenção psicossocial (CAPS) e os serviços de residências terapêuticas (SRT). Contudo, os hospitais psiquiátricos ao longo da história foram espaços de

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ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE MENTAL E PSICOPATOLOGIA

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práticas ortopédicas no amparo aos pacientes acometidos de transtornos mentais, predominando as relações de dominação saber-poder, para além da perspectiva individual e psicologizante, centrada predominantemente no sujeito como mero portador de transtorno mental.

O manejo da loucura, do ponto de vista historiográfico, foi arqueologi-camente montado por Foucault, na obra História da Loucura (2008), com desdobramentos de análises em categorias auxiliares: biologia, família, moralidade, instituições, sexualidade, psicologia e psiquiatria, inscreven-do um silenciamento estratégico de práticas no cuidado à saúde mental. Há uma dominação de mente e corpo por um longo e perverso processo histórico. (FOUCAULT, 2008)1.

2. CONCEITOS, DOMÍNIOS E CONTEXTOS: SAÚDE MENTAL, DOENÇA MENTAL E LOUCURA

O conceito mais amplo de saúde mental segundo a Organização Mun-dial de Saúde (OSM) é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades cognitivas emocionais, adaptando-se às suas funções sociais da vida cotidiana, como ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. Justificando a concepção de saúde mental envol-ver os aspectos culturais, subjetivos e sociais do sujeito. A doença mental nem sempre é doença, pois pode ser uma representação com diferentes interpretações para dar sentido ao fenômeno do sofrimento mental (AL-VES, 2011)2.

O conceito de loucura posto como alteridade, diferença e estranha-mento pode parecer distante e indiferente, mas quem nunca apontou um louco ou algum comportamento como loucura? Assim, o conceito oscila e a sua acepção para esta experiência nem sempre é de origem orgânica, ou seja, doença. Cada sociedade com sua cultura produz sentidos outros à loucura, assim como inventa modos de ser louco (PELBART, 1989)3.

Figura 1 Concepções e interfaces da Loucura

Corpo/Mente

Saúde/Doença Normal/Patológico

Biologia

Homem

Ambiente

Fonte: autora

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CAPÍTULO 1

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Os binômios tradicionais: saúde/doença; corpo/mente; e normal/pato-lógico, compõem a compreensão das diferenças diagnósticas da loucura/doença mental. A condição de doente do ponto de vista biomédico (in-dependentemente de ser uma patologia mental) desvela no sujeito um sofrimento psíquico em função da sua condição geral de vida. Contudo, mesmo relativizando o conceito de loucura, compreendemos que ela se relaciona sobremaneira com a doença mental.

A doença mental é um conjunto de reações objetivas e subjetivas às al-terações de consciência, pensamentos e afetos que o sujeito experimenta sob a forma de sofrimento psíquico. O campo historiográfico da doença mental contorna as subjetividades de cada período da sociedade e suas representações culturais, mas, essa simbologia sócio-cultural ocorre, ape-nas, no campo epistemológico/conceitual da doença mental ora privile-giando a fisiologia ora enaltecendo a experiência do doente que é por ela cometido e, as práticas deste tipo de conhecimento (OLIVEIRA, 1999)4.

2.1 CONCEPÇÕES E REFERÊNCIAS DA LOUCURA

As aproximações e tensões entre a loucura, doença mental, a Psiquia-tria e a Psicologia são construções que se diferenciam por métodos de in-vestigação que emergem de campos de saber e produção científica, de poder e de ideologias que se pautam em referências (AMARANTE, 1998; ODA& DALGALARRONDO, 2000, 2001)5,6, tais como:

• Conceitos de loucura como doença psiquiátrica: em geral, fazem refe-rência aos transtornos crônicos, a psicose e a esquizofrenia.

• Conceitos de loucura na interface doença psiquiátrica tradicional: propõem interdependência dos conceitos psiquiátricos pela saúde mental, valorizando a concepção psicológico-filosóficos de loucura em detrimento da organicidade nosológica, que a Psiquiatria instituiu por concepções populares de loucura.

• Conceitos histórico-sociais de loucura: referem-se à historiografia da loucura e a institucionalização psiquiátrica promovendo a autonomia da Saúde Mental como campo de saber autônomo e independente.

3. O QUE HÁ ENTRE O NORMAL E O PATOLÓGICO

Qual seria o parâmetro entre o normal e o patológico? A variação de intensidades fisiológicas entre o normal e anormal constitui o patológi-co? O  que não é normativo social é anormal? Os déficits fisiológicos ou

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ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE MENTAL E PSICOPATOLOGIA

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psíquicos são patológicos? Canguilhem (2009)7, na sua obra O normal e o patológico, critica a ênfase quantitativa, naturalista e normativista que legitima o que é normal e o que patológico no campo da Psicologia pela linguagem e referencial da biologia e medicina.

Em termos mais simples: não existe um estado “normal” completo e, nem saúde perfeita. Mas, há um estabelecimento de critérios que nor-teiam os parâmetros de normalidade e de doença com concepções qua-litativas, qualitativas e psicopatológicas mediante o referencial em que o fenômeno se sustenta. Na modernidade, a sociedade do controle edifi-cou uma clínica para categorizar o sujeito normal e o sujeito louco. Nesta perspectiva, pensar em normalidade e patologia pode-se articular com doença e saúde, pois “[...] a doença deixa de ser objeto de angústia para o homem são, e torna-se objeto de estudo para o teórico da saúde. É no Patológico, com letra maiúscula, que se decifra o ensinamento da saúde [...]” (CANGUILHEM, 2009, p.12)7.

O saber científico da era moderna restaurou o estado normal com a anulação do patológico, que a medicina se referiu mais a saúde do que a normalidade até o século XVIII. A partir deste século da industrializa-ção, a saúde individual passou a ser indispensável ao funcionamento da nova organização social, em que o trabalho adquire uma representação eminentemente capitalista e se inscreve na capacidade do corpo “nor-mal” de resistir a quaisquer condições de trabalho. No século XIX, as no-vas vestimentas de normalidade e patologia ganham função na ciência psicológica. Para Foucault, a intervenção da psicologia no sujeito era a de normalizá-lo para o trabalho produtivo, categorizado os parâmetros entre normalidade e patologia e excluir a loucura passa a ser tarefa da psicolo-gia (FOUCAULT, 2008)1.

Foucault torna-se interlocutor privilegiado, tomando de empréstimo as noções de sujeito, normalidade e patologia, procurando ver as possi-bilidades de estabelecer uma relação entre ela e a subjetividade (FIGUEI-REDO, 2012)8. Ao longo da história, alguns conceitos ‘patológicos’ foram construídos como sinônimo de anormalidade e loucura, às vezes usados de forma despretensiosas, como o errante, o alienado, o subversivo, o atí-pico, o irregular, entre outros, seja para diminuir o peso do termo e estig-ma de louco ou pela própria linguagem médica. Por exemplo, a concep-ção de três autores, a saber:

• Patológico: o radical pathos, que quase invariavelmente representa a concepção médica de doença. É interessante ressaltar que a definição de “alienado” segue esta mesma linha. Segundo o Aurélio, o alienado, o

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CAPÍTULO 1

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louco, é aquele que, portador de uma perturbação mental, está incapa-citado de agir segundo as normas legais e convencionais de seu meio social (CECCARALLI, 2003, p.15)9.

• Patológico: no pensamento de Foucault, é um conceito operatório que utiliza como referencial “a doença”, onde o patológico ou a doença não é visto como uma essência contra a natureza da “normalidade”, mas significa a cômoda natureza dessa normalidade, num artifício inverso. A concepção foucaultiana parte de uma arqueologia histórica da lou-cura que só tem sentido no contexto social, conferindo-lhes, respecti-vamente, a acepção de desvio ou anormalidade e o status de excluído, diferente ou insano (FOUCAULT, 2008)1.

• Patológico: a demarcação entre o que pode ser considerado normal e o que é “patológico” não se refere, apenas, a uma variação quantitativa do normal. A condição de patológico não é a carência de uma norma, pois não existe vida sem normas de vida, e o estado patológico, do mes-mo modo, é uma forma de se viver. Assim, a conotação do patológico precede a relação de uma “norma que não tolera nenhum desvio das condições na qual é válida, pois é incapaz de se tornar outra norma” (CANGUILHEM, 2009, p.145)7.

3.1 Conceitos de normalidade em Psicopatologia e saúde mental

Existe um baixo consenso no que tange os conceitos de saúde e de normalidade na perspectiva psicopatológica. A demarcação é tênue ao que se toma como referência em meio ao normal e o patológico, por ve-zes, só perceptível quando as alterações comportamentais e mentais são de acuidade acentuada e de extensa duração.

A mesma dificuldade conceitual e prática é identificada no contexto de saúde mental, devido às diversas áreas de referência, a saber (DELGALAR-RONDO, 2008, p. 25-27)10:

• Psiquiatria legal ou forense: o conceito de anormalidade psicopato-lógica pode apresentar desdobramentos de ordem legais, criminais e éticas, inferindo em deliberações sociais, institucionais e legais de uma pessoa.

• Epidemiologia psiquiátrica: a consideração sobre normalidade reper-cute seja em uma problemática seja em objeto de trabalho e de pesqui-sa que promove os impactos e discussões sobre o uso e aprofundamen-to do conceito de normalidade em saúde. A referência epidemiológica é importante para se construir as políticas públicas de saúde no contex-

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ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE MENTAL E PSICOPATOLOGIA

18

to da saúde mental.• Psiquiatria cultural e etnopsiquiatria: o conceito de normalidade em

psicopatologia implica na apreciação do contexto sociocultural, sendo necessária a compreensão da relação entre o fenômeno supostamente patológico e o contexto social tomado como referência para significar o fenômeno culturalmente.

• Planejamento em saúde mental e políticas de saúde: precede consti-tuir critérios de normalidade, no que se refere às demandas assisten-ciais de determinado grupo populacional. As políticas de saúde insti-tuem alocação de serviços determinados em quantidade previamente mapeada à disposição de determinada comunidade com base em da-dos epidemiológicos em saúde em mental.

• Orientação e capacitação profissional: estabelece parâmetros que de-vem nortear condições para que pessoas que apresentem um distúr-bio ou déficits cognitivos possam, ou não, vir a conduzir veículos, porte de arma, máquinas perigosas, etc.

• Prática clínica: a partir de uma avaliação clínica é possível ponderar as circunstâncias para avaliar se determinado fenômeno é patológico ou normal.

3.2 Conceito de normalidade em saúde e doença mental

O conceito de normalidade relaciona-se com demarcação do que é saúde e do que é doença mental, significado esse que ecoa de forma plu-ral na saúde mental e, por isso, justifica-se a variação de critérios de nor-malidade (DELGARRONDO, 2008, p. 25-27)10:

• Normalidade como ausência de doença: refere-se ao parâmetro de saúde como a “ausência de sintomas, de sinais ou de doenças”. Onde o normal, nessa análise, seria aquele sujeito que não é diagnosticado com um transtorno mental específico. Essa é uma perspectiva precária, redundante e depreciativa, pois o ponto de investigação está no que “falta” e não naquilo que é ou que a pessoa apresenta.

• Normalidade ideal: por esse conceito, a normalidade assemelha-se a uma espécie de “utopia” e, por não ter juízo crítico ou referencial le-gítimos, demarca um padrão de normalidade, fazendo referência ao “sadio” e mais “evoluído” sem critério.

• Normalidade estatística: adota o critério de frequência e passa a ope-rar no que tange aos fenômenos quantitativos assentados em uma distribuição estatística na população geral, por exemplo: peso, altura,

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tensão arterial, horas de sono etc. Logo, quando um determinado dado é identificado com maior frequência, esse referencial é denominado “normal”. Dito isto, os sujeitos que se estabelecem estatisticamente fora (ou no extremo) de uma curva de distribuição normal passam a ser con-siderados anormais ou doentes.

• Normalidade com bem-estar: A Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu, em 1958, a saúde como o “completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente como ausência de doença”. É um conceito impreciso na sua interpretação, por não especificar qual é o parâmetro para ser considerado saudável.

• Normalidade funcional: é um conceito relativo usado quando se de-seja comparar o que é funcional e disfuncional em um sujeito, sendo patológico aquilo que for disfuncional e normal o que for funcional.

• Normalidade como processo: faz referência à dinâmica do desenvol-vimento psicossocial e envolve as mudanças e maturações ao longo do tempo.

• Normalidade subjetiva: a validade do conceito baseia-se na percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde, à suas próprias vivências subjetivas. Contudo, algumas patologias po-dem construir uma falsa subjetividade na sua condição, por exemplo, pessoas em fase maníaca podem apresentar um estado de felicidade que de fato não corresponde a uma realidade.

• Normalidade como liberdade: utiliza a orientação filosófica da feno-menologia-existencial em que a doença mental seria a perda da li-berdade existencial, vinculando-se às possibilidades de transitar, com graus distintos de liberdade, sobre o mundo e sobre o próprio destino.

• Normalidade operacional: estabelece de forma pragmática critérios arbitrários, em que o normal e o patológico passam a operar por essa redução prévia sem uma análise ou preocupação com possíveis consequências.

Figura 2 - Concepções de normalidade (Parâmetro ou referência)Fonte: autora

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Ausência de doença Saúde / Doença

Ideal "Utopia"

Estatística Frequência

Bem-estar OMS

Funcional Disfuncional

Processo Psicossocial

Subjetiva Subjetividade

Liberdade Filosofia

Operacional Pragmatismo

4. A HISTÓRIA DA LOUCURA E A (IM)POSIÇÃO CIENTÍFICA DA DOENÇA MENTAL

As manifestações patológicas anormais consideradas enquanto alte-rações de estados da normalidade são normatizadas e obedecem a uma espécie de medida sócio histórica que define, conceitua e determina as manifestações da personalidade. Norma, anormal, normalização, poder, controle, vigilância, isolamento e silenciamento são conceitos operató-rios que permitem circunscrever eventos singulares e relações de poder específicas, ao mesmo tempo em que ajudam a tornar manifesto certas conjunturas atuais e suas categorias de possibilidade.

Na Idade Antiga, a compreensão da loucura estava associada a um estado melancólico e à reflexividade da vida humana, o homem vivia permeado de alegorias metafísicas e cósmicas que lhe aproximavam da experiência de fragilidade diante da infinitude do mundo e constatação sobre a morte como uma espécie de “destino”. A loucura, inclusive, era considerada uma “privilégio” em que era possível alcançar a comunica-ção com o “divino”. No período pré-socrático, o homem não era respon-

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sável por sua loucura e quando “passava da medida” ou apresentava um “descomedimento” (hybris), não havia estigma sobre sua conduta. Zeus, o deus dos deuses, era a autoridade que aferia o que era um comportamen-to aceitável ou não aceitável e, em caso de embargo, emanava-lhe castigos pelas suas inadequações “sem-razão”. Essas repreensões causavam sofri-mento psíquico nas pessoas (PESSOTTI, 1995)11.

Adiante, na Idade Média, a loucura estava associada às forças místicas e sobrenaturais em que os loucos eram “os visionários” com alucinações (sem explicação), bruxarias e feitiçarias, que facilmente eram associadas à manifestações corpóreas do demônio e, por isso, destinados a fogueira e a inquisição. Não sendo possível questionar a dualidade de “sagrado e pro-fano” à medida que a hegemonia do cristianismo se impõe. O arquétipo mítico-teológico da antiguidade é substituído por uma visão racionalista cartesiana (moderna) dos contrassensos, das aberrações, restrições e fra-quezas humanas afastando definitivamente a influência divina na loucura.

No Renascimento, período marcado pelo “Golpe de Forças”, emerge de modo simbólico a loucura associada a uma figura da paisagem ima-ginária – a Nau dos Loucos – onde o “louco” se representa como sendo um forasteiro no barco que escorrega ao longo rios da Renânia e dos canais flamengos: “esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para outra”. O tratamento social pela exclusão despeja os errantes “loucos” às margens das cidades. “É para o outro mundo que parte o louco na sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca” (FOU-CAULT, 2008, p. 09)1.

Na Idade Moderna, a loucura é sinônima de desrazão reforçando a ideia de que o sujeito louco é desagregador da tradição familiar burguesa e, sendo um imoral social e alienado, resta-lhe o internamento “terapêuti-co” para a sua recuperação. Componentes psicológicos são sopesados na alienação da loucura, pelo viés cientificista, tomando-a como objeto médi-co. Robustecendo a construção histórica de que o corpo-louco deveria ser disciplinado as regras da sociedade pela sua boa conduta de moralidade (GOFFMAN, 1961; FOUCAULT, 2008)12,1.

Finalizando o século XVII e em princípio do XVIII, decai a crença e o ex-termínio das bruxas e, o inquisidor que sentenciava à fogueira, agora pode ser comparado à insurgência da figura do médico na identificação da lou-cura, mais tarde categorizada como doença mental, em que a prática da internação asilar, base da psiquiatria nascente, irá investigar, diagnosticar e “tratar” a loucura (FOUCAULT, 2008)1. Contudo, essa visão organicista do distúrbio no século XVIII pela medicina, a classificação anato-fisiológica, torna-se insuficiente para explicar a loucura.

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A tênue associação da psiquiátrica da loucura ao modo capitalista de produção constrói um olhar estigmatizante e considera desviantes sociais todos os sujeitos incapazes de atividades laborais, como mendi-gos, pobres de toda ordem e desempregados, as prostitutas, as mulhe-res nervosas, as histéricas, os prisioneiros, os epiléticos, os alquimistas, as crianças órfãs, as viúvas, os ateus, os profetas, as moças de família que fossem desvirginadas, as estéreis e até mesmo as mulheres que não se casavam (PESSOTTI, 1995; PELBART, 1989; FOUCAULT, 2008; MURARO 2009; ARBEX, 2013)11,3,1,13,14.

O século XIX começa com o Traité Médico-Philosophique de Pinel tra-zendo a nova concepção sobre a natureza e a causa da loucura, e inau-gura uma nova especialidade médica, a psiquiatria (PINEL, [1809]2005)15. A moral psiquiátrica enquadra os comportamentos, alienações e gestos dos insanos, estruturando sintomas e alterações morais em quadros noso-lógicos (essência da doença) da loucura, mas há uma percepção de como os “delírios” impactam a vida dos sujeitos por eles acometidos. Qual a ex-periência real da loucura, paixão, e como controlar esse corpo intenso? A terapêutica de asilar para correção de hábitos (modificação do compor-tamento) é sustentada pelo discurso teórico psiquiátrico em uma relação de saber-poder.

No século XX, a redução positivista da Psiquiatria de descrições clínicas “consistentes”, a exemplo do Compendium der Psychiatrie (Compêndio de psiquiatria), primeira edição publicada em 1883 pelo psiquiatra alemão Kraepelin (sendo a sétima edição publicada em 1904)15, sofre severas crí-ticas. A supervalorização das descrições clínicas centrava-se na nosografia da doença e estas foram fortemente censuradas por influência da propa-gação da fenomenologia de Husserl e da teoria psicanalítica. A experiên-cia pessoal passa a ser revalorizada pela Filosofia e pela psicopatologia, ou seja, um retorno à subjetividade anteriormente desprezada em razão da valorização positivista.

Assim, as contribuições de Kraepelin, Freud, Bleuler, Minkowski e Binswa-nger afastam o organicismo da doença mental que antes era uma deterio-ração de funções mentais e, agora é um conjunto de experiências únicas e ricas de significados. Na psicanálise Freudiana, o eu, seja neurótico e ou psi-cótico, implica em considerar as exigências instintivas do id e as exigências da realidade circunstante. “A neurose seria o efeito de um conflito entre o eu e o seu id, enquanto a psicose representaria o resultado análogo de uma perturbação semelhante nas relações entre o eu e o mundo externo [...] a neurose não renega a realidade, mas apenas não quer saber dela; a psicose, porém, renega a realidade e tenta substituí-la” (FREUD, 1996, p. 41-61)17.

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Na segunda metade do século XX, ocorre uma psiquiatrização da socie-dade (CASTEL, 1980), enaltecendo a medicalização da vida (ILLICH, 1975; FRIDSON, 1970)19,20 pela difusão da terapêutica farmacológica, “tratando e curando” os sintomas (pacificar os doentes) e colocando em questiona-mento os “diagnósticos” da doença mental e as suas teorias de sustenta-ção. A Psiquiatria farmacológica sustentada pela valorização da neurofi-siologia e neuroanatomia (cura) faz um retorno ao organicismo biológico, inaugurando a primeira publicação do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana (DSM) em 1952, que se trona o refe-rencial para propedêutica da doença mental.

No Brasil, Juliano Moreira, nas décadas iniciais do século XX, torna-se o fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil. Concentrando-se em neu-ropsiquiatria, escreveu sobre modelos assistenciais, discutindo e questio-nando a nosografia psiquiátrica, estudou as histórias da medicina e da as-sistência psiquiátrica no Brasil. Negou a teoria eugenista de raças mestiças, assim como negou os argumentos existentes na época que valorizavam que existiam doenças mentais próprias dos climas tropicais (RODRIGUES, 1890)20. Juliano Moreira concebia a ideia da profilaxia e da promoção da higiene mental (DALGALARRONDO, 1996; ODA & DALGALARRONDO, 2000, 2001)22,6.

Em meandros desse mesmo período, Franco Basaglia, psiquiatra ita-liano, opera uma radical crítica e transformação do saber, do tratamento e das instituições psiquiátricas (marcados por históricos de violência aos doentes) em nível mundial, inclusive, no Brasil. No contexto brasileiro, a partir da década de 70, esse movimento ganha força com as Conferências nacionais de saúde (CNS) propondo a desospitalização da doença mental. Essas críticas influenciam o movimento da Luta Antimanicomial e antipsi-quiatria que propõe resgatar a cidadania dos doentes mentais em defesas dos direitos humanos.

5. PSICOPATOLOGIA

Em sua etimologia a palavra psicopatologia (pathos, sofrimento ou doen-ça); (logos, logia, conhecimento) refere-se ao discurso “da paixão” ou “do afe-to psíquico”, considerando a experiência narrativa do sujeito que fala e do médico que constrói e interpreta seu discurso. No viés psicopatológico, o sofrimento psíquico refere-se à condição de ser passivamente afetado por algo da ordem da paixão que não se enleia nosos, inscrição da doença no corpo e não no discurso.

Pela narrativa o sujeito significa e dá sentido às suas ações levantan-

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ASPECTOS GERAIS DA SAÚDE MENTAL E PSICOPATOLOGIA

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do outras dimensões semânticas do pathos, que se refere antes de tudo a um estado anímico e não se reduz ao espectro das emoções, sendo “[...] um estado de sofrimento, de padecimento, de mobilização que dá sentido e orientação aos atos humanos” (PEREIRA, 2000)23. Em que “pas-sividade” faz referência ao termo “passivo” ou “paciente”, e a expressão “paixão” circunscreve a condição de “pulsão” de portador de sofrimento. Essas concepções não erradicam a doença, mas privilegiam a sua parci-mônia diante do adoecimento.

O Webter’s New International Dictionary define o termo psicopatologia como “o estudo científico das alterações mentais do ponto de vista psico-lógico”. H. B. English define-o como “a investigação sistemática dos estados mentais mórbidos” e L. E. Hinsie como “o ramo da ciência que trata da mor-bidade e patologia da psiquê ou mente”. Honório Delgado conceitua a psi-copatologia como “[...] o conjunto ordenado de conhecimentos relativos às anormalidades (anomalias e desordens) da vida mental, em todos os seus aspectos, inclusive suas causas e consequências, assim como os métodos empregados com o correspondente propósito” (PAIM, 1993, p. 01)24.

A área de concentração da Psicopatologia é interdisciplinar e, ao mes-mo tempo, interdependente, uma vez que pode ser compreendida por campos com diferentes objetivos, métodos e questões de análises, tais como: Antropologia, Biologia, Filosofia, História, Neurociências, Psicologia, Psiquiatria e a Sociologia. Esse campo de aproximação com outras áreas do conhecimento enaltece a colaboração inestimável da psicopatologia nos campos, como, por exemplo (DALGALARRONDO, 2008)10:

• Psicopatologia relacionada à Psiquiatria colabora no conhecimento dos fenômenos psíquicos anormais, pela apreensão do exame psíquico.

• Psicopatologia relacionada à Psicopatologia Forense colabora pela orientação e descrição dos sintomas subjetivos do sujeito conside-rado imputável.

• Psicopatologia relacionada à Psicologia do normal colabora estabele-cendo as diferenças efetivas entre os fenômenos psíquicos normais e patológicos.

• Psicopatologia relacionada à Psiquiatria transcultural, colabora apresen-tando as semelhanças e as diferenças nas manifestações da doença mental considerando as particularidades culturais de cada sociedade.

• Psicopatologia relacionada à Antropologia cultural colabora diferencian-do o que há de patológico nas crenças, regras de conduta e comporta-mento de determinado grupo social.

• Psicopatologia relacionada à Sociologia, colabora pelo viés científico: o que é desvio anormal de padrões de comportamento coletivo?

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A psicopatologia é uma ciência independente da Psiquiatria, mas os seus conhecimentos campos de atuação são complementares, assim como na Psicologia. A psicopatologia se pauta, diferentemente da psiquiatria, nas experiências e vivências que o adoecimento inscreve no sujeito que é acometido, ou seja, nos fenômenos anormais da vida mental e tem como método a fenomenologia não segregando corpo e mente. A complexidade do adoecimento mental e as diferentes abordagens psicopatológicas, por vezes, tende a não considerar a dimensão subjetiva do adoecimento e as expressões do sujeito que sofre, uma vez que os sinais e sintomas são cate-gorizados em signos de doenças e classificados nosologicamente.

A expressão pathos, refere-se à dimensão experiencial em seu caráter eminentemente qualitativo, avaliativo e holístico, no sentido da alteração de uma forma de vida em sua totalidade (SERPRA et al., 2007)24. Em 1913, o psiquiatra e filósofo Karl Jaspers (1883-1969), ao publicar Psicopatologia Geral (Psychopatologie)26, demarcou a emancipação da Psicopatologia do domínio da Psiquiatria. Compreendendo a dinâmica entre a subjetividade e a exigência científica do conhecimento positivista, ao passo que conce-be a importância do contorno fenomenológico como base dos fenôme-nos psicopatológicos subjetivos, mas não objetivos, mediante determina-das expressões, Jaspers propôs uma ponte possível entre a psicopatologia descritiva e a fenomenológica.

5.1 Psicopatologia Geral

Figura 3 – As psicopatologias

Psicopatologia

Descritiva

Explicativa

Manifestaçõesobjetivas -

Observação

Manifestaçõessubjetivas

Psicodinâmica

Comportamental

Fonte: Sims, 2001 referencia Andrew Sims. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. 376 páginas.