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Colégio Nossa Senhora do Rosário

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Estudantes do segundo ano do ensino médio das turmas de 2012

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ImagensInternet

Autoria Estudantes do segundo ano do Ensino Médio - Turmas de 2012

Organização Professora Eclícia Pereira

Obra de incentivo à escrita e à leitura

Projeto Gráfico e Diagramaçãocortesia de

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“Os poetas dizem a verdade quando dizem que, ao começar escrever um poema, não sabem o que vão dizer. Escrevemos para dizer o não dito, e para conhecê-lo.”

Octavio Paz

Escrever textos interessantes sobre temas escolhidos por outras pessoas, como se uma encomenda fosse, em situações que fogem ao controle destes jovens autores, representa a conquista de um espaço para a inventividade, para o prazer de dar vida a personagens e de contar histórias envolventes. Os textos aqui apresentados resultam desse momento mágico de jovens escritores que revelam não só o conheci-mento acumulado ao longo da formação educacional, mas também uma visão de mundo apurada e estilos marcantes. Justamente por isso, recebem nosso reconhecimento e nossos aplausos com a certeza de que proporcionarão leituras prazerosas e gratas surpresas a este público que agora se apresenta como leitor deveras.

Professora Eclícia Pereira

Razão de ser

Escrevo. E pronto. Escrevo porque preciso

preciso porque estou tonto. Ninguém tem nada com isso. Escrevo porque amanhece.

E as estrelas lá no céu Lembram letras no papel,

Quando o poema me anoitece. A aranha tece teias.

O peixe beija e morde o que vê. Eu escrevo apenas.

Tem que ter por quê?...

Paulo Leminski

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O abrir dos olhos - Arthur Orlando de Azevedo PiresUm novo recomeço - Ana Carolina Barudi Lopes ChiroO toque de recolher - Bárbara Consani de SiqueiraBig city night - Beatriz Camy ConsolinMorcego - Camila Campos Claro Olandim Lado A, Lado b - Felipe Gabrieli Ventura SecoVai ser outro dia - Felipe Perri SalzgeberO artista que aprendeu a sentir - Gabriella Sammarone LimaE a noite levou... - Gabriel Santos Carvalho da SilvaNoite adentro - Guilherme Lobão Tavares da SilvaMeia-noite na Avenida Paulista - Isabella Matsumoto da Cruz Oliveira Descoberta da Noite - João Victor de CarvalhoTodos sabem o que você fez na noite passada - Marcella Ormastroni MarettiPulo da noite - Juan Davi Ruiz PerezAo anoitecer... - Letícia Helena Paulino de AssisA segunda face da cidade - Lucio Schiavon YamamotoLuz - Marina NogueiraA face oculta da cidade - Tamara Alba dos SantosNoite maldormida - Victória Marchetti PintoCidade com insônia - Victoria Santoro

ÍNDICE

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Eduarda caminhava pela calçada da rua Alberto Caeiro, indo em direção à sua casa. Os carros passavam velo-zes ao seu lado, e ela andava apressada como de cos-

tume. Não que tivesse algo para fazer, pois, na verdade, não tinha, mas esse era o ritmo da cidade. São Romão era uma grande metrópole na região sudeste do país, com todas as características próprias do gênero: imensos prédios isolan-do o céu da vista, ruídos e barulhos incessantes, iluminação constante e, acima de tudo, um ritmo que não parava nunca. Entrando, em seu prédio, a garota acabou tro-peçando num dos degraus da escada e caiu com o joe-lho no chão de pedra bruta, sentindo então a inevitável dor. Incomodada com a sensação, ela se sentou nesse mesmo degrau e descansou até que a dor passasse ou, ao menos, diminuísse. Naquele momento, ela olhou para a rua (coisa que raramente fazia) e observou o mo-vimento. No entanto, o que ela viu foi um jogo de luzes, um malabarismo de tons tão intenso que hipnotizava. Os carros zuniam enquanto jogavam luzes ama-reladas ao vento e depois acrescentavam a vermelha. As pessoas andavam com um compasso perfeito, lembrando--lhe os exércitos em marcha nos filmes. Tudo fluía com um padrão e, ao mesmo tempo, caoticamente. Estarrecida, ela saiu do prédio para admirar a dança. A dor fora completamente esquecida, pois Eduarda agora via um lado da cidade que nunca antes havia visto. – Bonito, não? – disse, com uma voz bai-xa e fraca, um senhor de idade sentado na calçada.O homem parecia ser um dos únicos ali que não es-

O abrir dos olhos

Arthur Orlando de Azevedo Pires

tavam fazendo algo. Ele apresentou-se como João e indagou-a sobre o que ela achara da dança. – Nunca havia parado para pres-tar atenção no movimento que me cercava. – São raros os que têm tempo para a beleza.Um grupo de seis adolescentes e uma senho-ra de idade aproximavam-se do homem, voltan-do-se para a rua também. O homem disse que eles eram um grupo denominado Os Redescobridores. Os garotos e garotas – Arthur, Carla, Rodrigo, Luisa, Bruce e Jéssica – haviam sido abandonados pe-los pais ao nascer, mas foram encontrados por João e sua mulher, dona Augusta, e criados na casinha dos dois em uma região periférica da cidade. O objetivo dele era mostrar às pessoas a cidade que eles não viam. Diaria-mente o grupo fazia diversas ações por toda a cidade, como cobrir estátuas com sacos de lixo, pintar portas de museus e galerias, traçar setas nas calçadas apontan-do para pontos culturais, entre outras. Ao ser questio-nado sobre a necessidade daquilo, João explicou a ela: – A cidade clama por atenção. As pessoas agora a tratam como um mero caminho, um lugar por onde elas têm que passar. Mas a cidade também é beleza. Esse espe-táculo de luz, som e movimento que você vê ocorre todos os dias, mas é totalmente ignorado por todos. Tentamos ape-nas ajudá-los a redescobrir a cidade. Abrimos os seus olhos.Eduarda, maravilhada como que via, ligou para seus pais e, quando chegaram, abriu seus olhos também. Ficaram os onze sentados na calçada, admiran-do o que por tanto tempo ignoraram. A garota, então, comprometeu-se a participar do grupo com seus no-vos amigos e passou a ver a cidade com outros olhos.

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Ana Carolina Barudi Lopes Chioro

Sentado na minha cadeira, no escritório onde traba-lho, depois de ter passado o dia todo lá, ainda não tinha ido embora. Permaneci ali, pois não tinha mais

vontade de voltar para casa e viver aquela minha rotina de sempre, com o mesmo cansaço e a mesma vontade de ir dormir logo, para que o novo dia chegasse mais rápido.Meu escritório se encontrava de frente para a Aveni-da Paulista, onde centenas de pessoas passam por dia, mas, nesse momento, ela estava vazia, assim como eu. Era como se a noite trouxesse memórias ruins e complexas demais para o brilho do Sol nos trazer. Decidi sair do escritório e caminhar pela avenida, qualquer coisa era melhor que voltar para casa. Já era uma e meia da manhã, em dias de expediente era difícil encon-trar alguém vagando pelas ruas da cidade nesse horário. Mas, de repente, escutei umas vozes e risadas, olhei à minha volta e não consegui ver nada. Andei um pouco mais e me deparei com um grupo de jovens que encapuzavam as estátuas da avenida com sacos de lixo. No começo não estava entendendo o motivo daquilo, quan-do um dos jovens me chamou e perguntou se eu podia aju-dá-los, eu decidi aceitar, afinal tudo de novo que acontecesse comigo, naquele momento, teria muita importância. Descobri que o objetivo daquele ato era chamar a atenção das pessoas para as obras de arte que havia em nos-sa cidade, que com a correria do dia a dia nem eram notadas.Eu mesmo nunca tinha reparado nelas, depois da-quele momento, comecei a ver coisas que antes não chamavam minha atenção, o que despertou em mim uma vontade maior de buscar coisas novas, de desco-brir que a vida não tem que ser uma rotina, que po-demos fazer dela um motivo para começar, a cada dia uma nova maneira de viver. Confesso que, depois da-quela noite, senti vontade de voltar para a minha casa.

Um novo recomeço

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Como em mais um sábado à noite, Adriana es-tava sentada na cadeira falando sem parar so-bre o novo produto que sairia nas lojas nas

próximas semanas, para dez pessoas que tinham a mesma vontade de perder o badalado sábado à noite.Como diretora de marketing de uma das mar-cas mais importantes de maquiagem do país, não tinha muito tempo para descanso. O relógio marcava nove e meia quando acabou a reunião e pôde, finalmente, pensar em ir para casa. Para seu maior desespero, o estacionamento onde seu carro estava guardado estava trancando e o vigia dormindo. Fazia barulho e o homem não acorda-va, e para piorar não havia ninguém a quem pe-dir ajuda, até o segurança já havia ido embora.Estressada com a situação, decidiu pegar um táxi e resolveria o problema do carro no dia seguinte. Próximo dali, havia um grupo de três pessoas, sen-do duas mulheres e um homem, no ponto de táxi, arrumados como se fossem ao evento do ano.Um senhor de idade parou o carro e abriu as portas para os jovens entrarem. Instantaneamente, o velho percebeu que Adriana não fazia parte do grupo e falou: “–Senhora, o próximo táxi só chegará daqui a duas horas. A frota foi reduzida esta noite!”. Uma das mulheres ofereceu dividir o táxi com ela. Sem ter outra opção, entrou no carro.

O toque de recolherBarbara Consani Siqueira

O assunto não era o melhor de se ouvir, falavam sobre como iriam encontrar um tal de Edgar e Vânia para irem a um bar na Quinta Avenida. Sem perceber já estava entretida e foi convidada a se juntar ao grupo na sua jornada. Não pensou duas vezes e aceitou o convite.A primeira parada foi feita em um banco. Sacaram di-nheiro e foram parar em uma lanchonete na qual todos desceram para comer bem, pois a noite ia ser longa.Pegaram um ônibus até a Quinta Avenida e no meio do caminho embarcaram o tal Edgar e Vânia. O lugar era um bar com música tipo sertane-ja. Adriana nunca imaginou como era bom dançar uma música country. Saíram de lá umas quatro para às cinco da manhã e foram a uma padaria onde toma-ram café e seguiram para casa de uns amigos da tur-ma, lá uma famosa “houseparty” estava acontecendo.Nostalgiada com a sua noite, não queria que ela acabasse. Perguntou a uma das mulheres se eles não se can-savam e, então, ela respondeu: “– A noite não pode parar, te-mos que viver cada vez mais”. Adriana abriu um longo sorri-so e continuou dançando com a certeza de que nunca tinha aproveitado tanto a vida e de que nunca estivera tão feliz.

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É o fim, adeus”. Essas foram as palavras ouvidas por Carlos na noite de sexta-feira. Poucas, mas suficien-tes para acabar com seu estado psicológico. Ele, que

sempre fora tão orgulhoso, trabalhava, mandava nas pes-soas, controlava a situação, se sentiu sem rumo ao perce-ber que a realidade fugira de seus planos. E, pela primeira vez, decidiu fazer algo fora do planejado, algo que não es-tava em sua agenda, tampouco em sua rotina. Parou em um bar qualquer na Avenida Paulista e começou a beber. A cachaça estava totalmente fora de seus padrões de bebida, mas o que importava?As horas passavam e ele ia se embriagando. Foi quando um grupo de hippies passou em frente ao bar e viu o esta-do no qual ele se encontrava. Eles estavam em cinco, um casal de namorados, dois meninos e Lucy, que foi quem o viu e resolveu chamá-lo para se unir ao grupo. Ele não pensou duas vezes, acredito eu que na verdade nenhuma. E, então, sem destino definido, eles partiram.Lucy sem dúvidas era a mais louca do grupo, e obviamen-te todos seguiam suas ideias, afinal o único objetivo ali era aproveitar a cidade ao máximo, sem preocupações. Quando Carlos inventou de falar que São Pau-lo era uma cidade cinza e sem graça, soou como uma ofensa para eles e principalmente para a maluquinha do grupo, que não deixou barato. A noite estava ape-nas começando e eles ainda tinham muito que ver.Foram todos para o centro, conseguiram subir em todas as grandes esculturas de lá, fazendo saltos e piruetas perso-

Big city night

Beatriz Camy Consolim

nalizados. Subiram no mais alto de todos os prédios para tentar ver alguma estrela. Nenhuma resolveu aparecer, porém a lua, por si só, já bastava. Lucy fazia palhaçadas e brincava com as pessoas na rua a todo momento, o que ia encantando cada vez mais nosso “empresário controlador”. Conversavam com mendigos, paravam em ba-res, encontravam músicos e dançavam com eles no meio da rua. E foi assim, em uma noite que tinha tudo para ter sido ruim, que Carlos teve alguns dos melho-res momentos de sua vida. Conheceu pessoas, viu luga-res que nem sabia que existiam e em outros, que pare-ciam ser sem graça, ele se divertiu. São Paulo tinha uma nova cara, uma outra imagem, um significado diferente. A noite parecia não ter fim, até que o sol re-solveu começar a mostrar um pouco de sua graça. To-dos iam se despedindo, mas Carlos não queria deixar Lucy. Ela era tão doce e envolvente e ele sentiu algo muito forte por ela, sem entender o que era, e esta-va evidente que foram passar o resto da noite juntos. Definitivamente eles aproveitaram, e muito, essa parte final. Às duas horas da tarde Carlos acor-dou, porém sozinho. Ela não estava mais lá. Ele sen-tia fortes dores de cabeça, em seu celular havia vá-rias ligações perdidas de sua ex-noiva e em cima da cama, apenas o colar que Lucy usava na noite anterior.

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Estava cansado das caras com sorrisos falsos, de fi-car preso em divisórias. Larguei o escritório. Por um tempo, sobrevivi com as economias, mas

chegou um momento em que tive de arrumar um emprego... Escolhi um diferente de todos, anormal, perturbador. Fui ser barman em uma casa noturna. Meu chefe arranjou um cubículo para mim, mas no primeiro dia eu dormi no palco das me-ninas. Elas me fizeram ser parte da apresenta-ção, e, quando acordei em meio a tantos corpos exuberantes, levei o maior susto da minha vida.Cada dia eu conhecia mais sobre cada uma.Trudes tinha um filho, Carmem era “trans”, Lulu não usava batom vermelho. Eu as amava, conhecia todos os seus segredos, as protegia de qualquer infeliz. – Hoje é “níver” da Miriam, você vem, Toni? –Claro, claro! – foi uma fes-ta deliciosa, sem todos aqueles homens.Ah, se elas soubessem como eu odiava aqueles clien-tes. Elas os protegiam, mas eu estava certo em des-denhá-los. Desde quando a casa abriu aquela noi-te, ele a observou com aquele olhar doentio. Vivi ia fechar a casa daquela vez, e restavam lá dentro eu e ela.

Morcego

Camila Campos Claro Olandim

Eu lavando a louça, ela se trocando, mas es-tava demorando muito. Claro, estava morta! O ho-mem ainda sobre seu corpo nu. A faca que eu usa-va para cortar limão não tinha mais essa função. Ela perfurava a pele de homicidas, transformava seus rostos em monstruosas pinturas carmim. Meu chefe assis-tiu enquanto eu degolava o assassino, e ele não aprovou.Corri, com minhas damas da noite chorando, me pedin-do para ir rápido, para escapar da polícia que chegava. E foi aqui que parei, junto aos sem-teto, ga-nindo por um pão. A polícia me persegue, me chamando de “serial killer”. Agora as calçadas são minha casa, inváli-dos, meus companheiros, banho-me quando pos-so. Caí nas drogas, virei uma escória para a hu-manidade, inútil. Me escondo em mantas e corro noite adentro, como um morcego fugindo da luz.Essa narrativa, escrita nos panfletos com fotos das moças que um dia conheci, tem um final incer-to, que pode ser levado pelo vento a qualquer hora.

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De casa para a escola, da escola para casa. Essa era a rotina semanal de Vinícius. O garoto do terceiro ano do ensino médio reservava suas

tardes para estudar e se informar. Só saía de casa aos fins de semana, para aproveitar eventos culturais espa-lhados pela cidade. Sua experiência com aquele am-biente diversificado e agitado era basicamente diurna; raramente jantava fora ou permanecia até altas horas pelas ruas, e quando o fazia era por motivos familiares. Essa personalidade, no entanto, tinha justificati-va: o maior sonho de Vinícius era entrar com lou-vor em uma faculdade de arquitetura renomada. O tempo passou e devido à grande dedicação e ao mérito do garoto, o sonho foi alcançado. O cur-so envolvia o urbanismo, que também fascinava Viní-cius, pois, apesar de não sair muito, ele era um admira-dor da cidade, ou melhor, da visão que tinha da cidade. No curso, formou novas amizades e passou a se en-volver mais com as pessoas ao seu redor. Foi exa-tamente por esse caminho que Vinícius pas-sou a enxergar a cidade de um jeito diferente...A visão que tinha do ambiente urbano era de um lugar cheio de edifícios e movimen-tos, onde ocorria a interação entre as pessoas. Esse ponto de vista não era incorreto, porém foi complementado a partir do momento em que Vinícius passou a sair mais vezes durante a noite, com suas novas amizades. Bares, baladas, feiras noturnas, lugares desco-nhecidos pelo garoto passaram a ser experimentados, de-vido à influência de seus amigos. Para ele, aquilo tudo era de outro mundo, ainda tinha o ingênuo pensamento de que a cidade parava à noite para que todos fossem dormir. Pobre Vinícius. No início, não sabia nem como se compor-tar em lugares como aqueles. Porém, conforme se acos-tumava, seu gosto por aquele tipo de vida aumentava. Passou a chegar muito tarde em casa, pre-ocupando seus pais. O ambiente noturno da cida-de e as pessoas que o compõem mudaram o garoto.

Felipe Gabrieli Ventura Seco

Deparava-se com os mais diversos tipos de pessoas: gente que saiu do trabalho e foi festejar, jo-vens que bebiam demasiadamente... Seus amigos mais próximos eram do tipo que gostava de festejar a noi-te toda, explorando a cidade, por isso mostraram esse ponto de vista, essa forma de viver a cidade ao garoto.Enfim, a cidade, agora vista também de outra forma, transformou Vinícius completamente. Seu fascínio, ago-ra, já não era por arquitetura e urbanismo, mas sim pe-los jeitos de viver a cidade, o que o levava a explorá-los.

Certo dia, o professor de Vinícius quis levar a turma para uma aula de campo. Foram à visita de uma antiga casa, famosa na cidade por seu design e por sua arquitetura dife-renciada. O antigo Vinícius ficaria fascinado por ela, o novo só pensava no que faria naquela para explorar a cidade.

Lado A, Lado B

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Manoel Garcia tinha apenas dezesseis anos e já começava sua vida de trabalhador. Mané, como era carinhosamente chamado pe-

los íntimos, acordava antes do sol todos os dias. Arru-mava suas coisas, ajudava seus pais e partia, ainda que com o conhecido sono adolescente, a trabalhar na feira.Quando chegava em casa, pouco depois do sol se pôr, banhava-se e só via sua cama, sua melhor ami-ga nas noites frias e precoces de Mané. Deitava-se e, em menos de cinco minutos, tinha o sono mais pesado do mundo. Só acordaria no dia seguinte.Eis que, num dia de agosto ou setembro, o garoto pe-gou uma gripe daquelas que derrubam até cavalo. Sem conseguir ao menos respi-rar decentemente, seus pobres pais opta-ram por lhe dar um dia de descanso. E assim foi.Mané se levantou depois do meio-dia, mas apenas para comer. Passou o resto do dia da mesma forma que pas-sara o começo, dormindo como não dormia há anos.Mas, sabemos que o pior da gripe vem à noi-te. Dores de cabeça, nariz entupido e febre. Não conseguia dormir. Preferiu, então, dar uma volta na rua do pacato bairro onde morava.

Vai ser outro diaFelipe Perri Salzgeber

Passou pela casa do vendeiro, da costureira e de seu amigo por pelo menos três vezes, quando come-çou a sentir sono. Decidia voltar para casa no mo-mento em que ouviu um barulho. Era grave e con-tínuo, como gritos de uma discussão em grupo. Parecia que vinha da cidade, a uns dois quilômetros dali. Cidade que, para Mané, era um grande formi-gueiro de pessoas grudadas às suas rotinas e esquecidas do que realmente era viver de maneira feliz e integral.O som se aproximava e ficava cada vez mais for-te, já fazendo os aguçados ouvidos do garoto co-meçarem a coçar. Em um período de meia hora já se viam as pequenas cabeças se aproximando. Elas conversavam entre si, discutindo as suas vi-das e andando pela cidade ao mesmo tempo.Ao verem Mané, as cinquenta ou sessenta pesso-as chamaram-no para integrar o grupo. O garo-to, um tanto relutante de início, cedeu à insistên-cia, com a condição de que o passeio fosse breve.Andaram pela cidade, falando sobre as construções, as lojas, as pessoas. À noite era diferente, tudo era mais bonito. A escuridão amedrontava, mas ao mesmo tempeo es-timulava-os a ir mais longe e conhecer mais. Mané já via a cidade como um ser que interagia com as pes-soas. Mas, para isso, bastava conhecê-la de verdade.Ao chegar em casa, o garoto correu para a cama, apenas fingindo que dormia. Seu pai o “acordou” para o trabalho e, com muito prazer, Mané ia ao en-contro de sua nova amiga novamente: a cidade.

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Tornei-me artista depois de 24 primaveras, vi que não sabia nada de nada. Bom, eu sabia rabis-car. Desde pequeno pegava o giz e saía pintan-

do a parede do corredor lá de casa. Acho que minha mediocridade teve o incentivo de minha mãe, que, ao invés de me repreender, me estimulava a continuar com os rabiscos. Assim eu cresci. Não conheci meu pai, aquele que acredito que seria o único a brigar comigo. Virei artista, o que não me exigiu muita prática ou qualquer habilidade. Meus rabiscos passaram para as telas e a burguesia os adorava. Será que eles sabiam que seus próprios filhos faziam rabiscos melhores que os meus? Talvez não. Enfim, fiquei rico sem depositar qual-quer tipo de sentimento nas minhas telas. Porém, nenhum dinheiro era capaz de trazer sentimentos marcantes e fortes, aqueles que eu pro-curava toda noite, vagando pelas ruas de São Paulo.E foi em uma noite quente em São Paulo (o milagre começou no QUENTE) que saí para jantar. Troquei minha busca por sentimentos por uma pizza. E posso dizer com toda certeza do mundo que eu não teria mudado essa escolha por nada! Pois foi naquela hora que o sentimento foi atrás de mim.Saí da pizzaria e me deparei com um grupo de jo-vens “lacrando” uma galeria de arte. Na verdade, eles que se depararam comigo, que os encarava. Ao passarem por mim, olha-ram para trás e disseram: “Você não vem?”.Assustado, abobalhado, estupefato e encantado, as-senti e os segui. Eles corriam e riam enquanto encapu-zavam estátuas nas praças públicas. E, por algum mo-

O artista que aprendeu a sentir

Gabriella Sammarone Lima

tivo, algo lá dentro de mim despertou, me fez esquecer de tudo e me fez correr e rir com os jovens. Não sabia o que era aquilo dentro de mim, mas era bom, leve e livre.Não conseguia dormir naquela noite, não por insônia ou qualquer outra coisa. Estava eufórica, feliz. Refleti sobre as ações daquele grupo por horas, e a beleza das razões daquilo pulavam da minha cabeça sem parar! Desisti de dormir, saí da cama e, de pijama mesmo, comecei a pintar. Pintei com o coração, com a alma, com a imaginação... Tudo transbordava de mim naturalmente. Chame do que preferir , mas tinha amor naquelas telas. Al-guns dias depois, meu trabalho estava nas galerias. O mais engraçado foi ver a reação dos meus burgueses, eles odia-ram todas as telas, isso porque eles querem uma obra fria, sem conteúdo, como suas almas. Não me apeguei aos seus comentários, galerias internacionais amaram minhas telas. O que eu pintei? Eu pintei a cidade. Seus en-contros e desencontros, sua complexidade magnífi-ca ao lado de sua fraqueza estrutural. Sua beleza está na sua confusão e na diversidade que ela nos traz.Na mesma noite, os jovens daquela outra noi-te foram ver minhas telas. Eles só fizeram um úni-co comentário que significou tudo para mim:– Ainda bem que alguém entendeu o que a gente quis dizer.

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O inverno paulista estava mais rigoroso do que nun-ca. Para nós, que vivemos em um país tropical, essa rigorosidade significa 10ºC. André, ao con-

trário da maioria da população, preferia o clima frio. Ora, pensava ele, para que passarmos calor até derre-termos se no frio basta um casaco para nos proteger?Tinha um tipo físico delgado e era esportis-ta, jogava, nos tempos livres, futebol e vôlei. Na flor da idade, acabara de passar na fa-culdade. Iria cursar economia em uma faculda-de pública. Escolheu o período noturno, já que reveza com o pai ao volante do táxi da família. Esse trabalho era necessário para ajudar nas contas de casa.Por conta do trabalho, nunca ficava de-pois da aula na faculdade para uma cervejinha. Dois meses se passaram sem ele mudar sua rotina até o dia cinco de abril, véspera de feriado e uma quarta-feira.André aceitou os convites e foi ao bar para a confraternização.Conversa vai, conversa vem, reparou em uma estudante na mesa em que ele estava. Chamava-se Tatiana, mas todos a chamavam de Tati; ela cursava Filosofia. Amiga de infância de Jorge, colega de curso do nosso protagonista, ele era more-no, tinha estrutura média e realmente era muito bonito.Ele e ela conversaram muito sobre diversos assun-tos, de cultura ao futuro profissional dos dois. Fica-ram uma hora e meia conversando até Tati pedir a palavra para revelar uma ideia que ela tinha tido.Como todos os presentes eram politizados e cultos, Tati começou a criticar os habitantes de São Paulo que, mes-mo em uma cidade como essa, não se interessavam por cultura e afins. Tati, depois das críticas, revelou-lhes a ideia que tivera para chamar atenção dos alienados. A ideia era simples, mas seria o bastante para chamar atenção. Ela disse que bastaria tampar as es-culturas e estátuas de São Paulo com um saco de lixo. O grupo ficou em frenesi. Todos logo se em-polgaram e começaram a decidir quando e como agir. Depois de muita discussão, ficou decidido que eles se separariam em dois carros, um para a zona sul e para o centro e outro para o restante da cidade.

E a noite levou...Gabriel Santos Carvalho da Silva

Ficou decidido também que a ação se daria na madrugada seguinte e que o ponto de encontro seria o bar, às onze horas. André nem dormiu tama-nha a empolgação. Trabalhou, mas sempre pensando em como seria a madrugada. Arrumou-se e pegou o ônibus que ele pegava sempre para ir à faculdade. Chegando ao bar, quase todos já es-tavam lá, inclusive Tati com seu Maverick.Os grupos partiram às onze e dez. Além de André, o encarregado de colorir os sacos por ser o mais alto e o mais ágil, estavam Tati, o motorista, Jorge, o co-piloto e Allan, que ajudaria André com os sacos. A noite estava tranquila e o grupo não se deparou ne-nhuma vez com carros da polícia ou coisa parecida.Vinte estátuas, ou três horas depois, o gru-po se retirou. Tati deixou Jorge e Allan no cen-tro, onde os dois dividam um apartamento. Já passava das duas, e foi só nesse momento que André percebeu o que a frase “a noite é uma crian-ça queria dizer”. Era a vez de André ser deixado em casa. Ao chegar à frente de sua casa, André se virou para agra-decer, mas não houve tempo. Os dois foram pegos por uma onda de atração e desejo que durou até os primeiros raios do sol darem a sua graça. Depois desse momento, os dois começaram a namorar. Tati descobriu que estava grávida. Quem diz que a noite não (g)era uma criança?

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Havia chegado do trabalho, sem mais força al-guma. Um dia como qualquer outro, sem sair da uniformidade da vida monótona da cidade.

Nada além de frustração e tédio na minha mente e corpo.Não, nada de descanso, pois tinha mais trabalho a fazer. Tinha que sair e tirar algumas fotos para a revista. Nem banho tomei, tomaria quando voltasse. Larguei tudo em casa e, com a câmera em mãos, pus-me a andar. Pas-sos rápidos e longos, pois não tinha tempo a perder.Não sabia o que estava fazendo, pois a noite era para mim uma desconhecida. Estava parado no meio de uma ponte, mirando com a câmera para o infinito, nada enxergava naquela escuridão, até que algumas pessoas sentaram-se numa praça que ali do lado havia. Um homem, mais ou me-nos da minha idade, se aproximou de mim para fumar um cigarro. Alguns momentos depois se apresentou, Luís, e questionou o que eu fazia naquela ponte. Disse-lhe que estava ali a trabalho, então ele pe-gou a câmera e colocou no meu bolso, perguntou meu nome e me levou até seus amigos para me apresentá-los.Luís convidou-me para ir com eles a uma festa perto dali. Embora incomodado com o horário, aceitei o convite. Andamos e andamos, a cada passo a cidade se transfor-mava. Não conhecia aquele lado da cidade, a noite dava uma cara nova àquele lugar que sempre foi uma mes-cla de estresse e pressa. Andava eu agora com passos lentos e calmos, pois estava aproveitando o momento.Alguns minutos depois lá estávamos na festa.

Era uma casa imensa de onde saía música, lu-zes e pessoas. Conheci muita gente lá, até encontrei um colega de trabalho. Dançávamos, ríamos e nos di-vertíamos, coisa que não fazia há muito tempo. Nunca imaginei que a noite pudesse ser tão boa. Tudo de ruim que eu carregava saiu de mim. Me sentia leve e feliz.Já era tarde, mas não para eles que decidiram an-dar pela cidade, casas noturnas, bares e ruas. Andá-vamos sem parar e sem cansar. Conhecíamos pes-soas e lugares novos nessa aventura noite adentro. Nada nos atrapalhava enquanto aquele sol dormia. Todos ali trabalhavam no fim da tarde, só eu que trabalhava o dia todo. Precisava voltar para casa, mas Luís insistia que eu fosse com eles até um parque que ficava na parte alta da cidade. Não podia recusar depois de tudo.Caminhamos pra cima e pra baixo em direção ao parque. Chegando lá, todos nos sentamos no chão mes-mo, forrado por uma grama macia. Alguns se deleita-vam e dormiam, outros conversavam, mas eu só podia admirar aquela vista maravilhosa de um ambiente ur-bano iluminado por poucas luzes e postes. Via dali os dois lados da cidade, dividida pelo rio e pelas pontes. Coloquei a mão na bolsa e senti a câmera. Sa-quei-a para fora e gravei aquela imagem linda. Em pou-cas horas consegui uma aventura, a foto que precisava e uma história para a matéria da revista: Noite adentro.

Noite adentroGuilherme Lobão Tavares da Silva

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Eu andava pelas movimentadas ruas da Ave-nida Paulista, numa sexta-feira à noite, de-pois de um longo dia de trabalho. Eu só pen-

sava em chegar em casa, tomar um banho e dormir até domingo. Boa ideia. Talvez eu devesse fazer isso.Saí de meus pensamentos por conta de um grupo ba-rulhento que vinha atrás de mim. Estavam em cinco, três mulheres e dois homens, e não paravam de rir das histórias que o homem barbudo do grupo contava. Já estava próximo do metrô Brigadeiro quando um menino veio tentar me assaltar. Na hora, eu não sabia o que fazer, estava sem reação, mas aquele mesmo gru-po barulhento veio me ajudar a espantar o jovem ladrão.Agradeci pela ajuda, me sentindo meio culpado por ter xingado mentalmente aquele grupo. Já ia voltando para o meu caminho, quando uma das mulheres perguntou se eu gostaria de me juntar a eles. Primeiramente, fiquei indeciso se aceitaria ou não, mas, afinal, o que eu tinha a perder? Fazia dias que não saía e me divertia, era só trabalho, trabalho e mais trabalho. Então resolvi aceitar. Ficamos andando pela Avenida Paulista até pararmos em um bar, enquanto conversávamos so-bre tudo. Nunca pensei que teria tanto assunto para falar com estranhos e agora eu sei porque riam tan-to do homem barbudo, ele é mesmo engraçado. Antes, para mim, São Paulo era só uma cidade que nunca parava e as pessoas só pensavam em traba-lho. Confesso que eu era assim até conhecer esse grupo. Eles viviam a vida sem pensar no amanhã, sem rotinas e, sempre que dava, eles se juntavam para se divertir. Era disso que eu precisava, era o que John Lennon dizia: “Se você não sabe o que é felici-dade, então você não sabe o que é viver a vida!”.

Meia-noite na Avenida Paulista

Isabella Matsumoto da Cruz Oliveira

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Atualmente, a chegada da noite passou de significar hora de dormir para hora da di-versão. Foi exatamente o que aconteceu

com Joe. Ele era acostumado a acordar cedo, ir para o trabalho, voltar para casa, comer e dormir. Para ele, a chegada da noite significava o fim de mais um dia cansativo. Nascido e morador de São Paulo, em pleno sé-culo XXI, vivia uma vida pacata e sem grandes emoções. Até que em uma certa sexta-feira, por volta das dez horas da noite, foi obrigado a sair para jantar. Joe an-dava pela Avenida Paulista, bastante movimentada, e foi surpreendido ao encontrar um colega de trabalho em meio a um grupo de pessoas descoladas que não paravam de rir. Ao ser convidado para se juntar a eles e ouvir que a noite era uma criança, resolveu tentar aquela experiência. Joe era um cara extrovertido, gostava de rir e tudo mais, só não tinha ainda experimenta-do as aventuras da noite e, diante daquele grupo que parecia superanimado, identificou-se e foi des-cobrir o maior prazer de sua vida, a noite paulistana.Junto do grupo, ele fez mais coisas naquela noite do que era acostumado a fazer em um ano. Para começar, foram comer num shopping, onde se viam pessoas de todos os tipos.

Descobrindo a noite

João Victor de Carvalho

Depois, foram sentar num café, viram um concerto, seguiram para um bar, depois para uma balada, e sempre arranjavam um jeito de dar uma esticadinha. Tudo com muita alegria, bate-papo, garga-lhadas e muita diversão. Joe fez novos amigos, paque-rou, passeou, enfim, descobriu o que faltava na sua vida. Agora, para Joe, aquela vida pacata e sem emo-ções fora deixada de lado, dando espaço para uma nova vida na qual as aventuras e a diversão eram cons-tantes. Seu semblante mudou também, era mais atra-ente, estava sorridente, e até seu trabalho lhe propi-ciava prazer. Dessa forma, tudo se devia ao fato de ter achado um grupo que sabia aproveitar cada momento.

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Era uma manhã ensolarada de sexta-feira, como qualquer outra na cidade de São Paulo. Nina, como todo dia, acordava e se arrumava para ir à escola.

Era uma menina bastante tímida, quieta, sem muitos ami-gos. Pode até parecer normal, mas o que ela mais queria era ser diferente. Ser mais autêntica, extrovertida, cheia de amigos, assim como muitas meninas de sua escola.Ao final do dia, ao abrir seu armário, viu cair dele um convite para a festa naquela sexta. Nina fi-cou com uma vontade bastante forte de ir, mas sua mãe, com sua péssima mania de tratá-la feito crian-ça, nunca a deixaria ir, por isso acabou largando mão. Chegando em casa, por volta das oito da noi-te, deparou-se com seus pais discutindo, e feio, por sua causa. Algo sobre o fato da mãe achá-la uma criança ainda. Farta daquilo tudo, que já durava há al-guns meses, Nina foi até seu armário, pegou sua me-lhor roupa, maquiagem, sapatos e foi à tal festa.Chegando à “Esbórnia”, como os meninos gostavam de se referir a essas tais festas, Nina se sentiu meio deslocada, mas não deixou que isso a afetasse, pe-gou uma bebida e esperou para ver o que acontecia. Não demorou muito para que duas meninas ex-cessivamente maquiadas e com roupas bastante curtas se aproximassem dela e começassem a conversar. Co-meçaram oferecendo um coquetel a Nina e um cigarro, que de início recusou. As meninas continuaram ofere-cendo, e Nina, aos poucos, foi cedendo. Começou com coquetéis, e quando viu já estava ingerindo vodca pura. Já alterada pelo efeito de tanto álcool, Nina, sem noção nenhuma de seus atos, estava se sentindo o má-ximo. Estava amando aquela sensação de poder, alegria, coragem... que ela antes nunca teve. Não demorou muito para se atracar com garotos que nem conhecia em esca-darias, banheiros e lugares escuros, ou subir em cima das mesas ou balcões, ou até experimentar drogas pesadas.Nina descobriu como eram essas tão famosas fes-tas, descobriu o mundo das drogas, bebidas e sexo. Ela estava totalmente fora de si. O pouco que ela se lembra era de dançar as músicas como louca, sair na rua com suas

Todos Sabem o que você fez na noite passada

Marcella Ormastroni Maretti

amigas dando vexame e rindo alto, acordando os vizinhos e chamando a atenção de caras que por ali passavam. De repente tudo ficou escuro. Nina acordou num apartamento que ela nunca tinha visto, deitada ao lado de um garoto desconhecido. Estava só com rou-pas íntimas e seu celular com vinte ligações perdidas de sua mãe. Assustada, com uma dor de cabeça absur-da, ela tratou de pegar suas coisas e sumir logo dali.Passando na frente de sua escola, para ir para sua casa, um pessoal da sua escola se aproximou e co-meçou a chamá-la de nomes de baixíssimo calão. Os meninos se sentiam no direito de lhe pas-sarem a mão, e foi aí que Nina percebeu a burrada que havia feito. Ao chegar em casa, suas fotos vergonho-sas tiradas na noite passada estavam espalhadas pelas redes sociais. Nina desolada não sabia o que pensar, nunca imaginaria que detestaria ser tão independente. A partir da quele momento, a cidade da vida noturna, da agitação total , passou a ter um significa do nunca antes imaginado.

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Era uma sexta-feira normal. Já era tarde e Nick con-tinuava a trabalhar arduamente. Estava estressado, apenas havia acabado de começar o primeiro dia

e já estava abarrotado de trabalho. Decidiu ir embora quando não se ouvia mais o som dos carros de Nova Ior-que, o que o fez imaginar que já deveriam ser 23 horas.Saiu do edifício e começou a caminhar até sua re-sidência, passando ao lado do Central Park. Começou a ouvir barulhos vindos do famoso par-que e decidiu ir ver. Pensava ele que era mais um grupo de jovens fazendo o que, na cidade, era de costume se ver: fumar, beber e destruir, mas não foi isso que encontrou.Ele via vultos se mexendo e quase voando. Perguntava-se se estava louco, devido ao estresse da cidade, mas não estava. Chegando perto, viu jovens se divertindo. Eram nove, ou talvez dez, e corriam, pulavam, caíam e se le-vantavam. Apesar de estarem na casa de 25 anos, sor-riam como se fossem crianças de cinco anos que pen-savam em um mundo calmo, um mundo perfeito.Nick ficou curioso e foi ao encontro daque-le que parecia ser o líder do grupo, que ensina-va as técnicas aos seus companheiros. O homem foi ao encontro de Nick com os braços abertos. Este estranhou, pois nunca havia sido recebido as-sim, e logo perguntou o que estavam fazendo. O homem, alto e forte, respondeu-lhe com uma simples

Pulo da noiteJuan Davi Ruiz Perez

palavra: “Le parkour”, e em seguida explicou tudo a Nick. Tratava-se de um grupo de amigos que haviam encontrado a paz. Eles tentavam trazer uma arte anti-ga para o mundo moderno, utilizando rampas, casas e parques para macaquear de um lado para o outro.Nick simpatizou com o grupo logo de cara e perguntou se podia participar. O homem, intitulado Jumper, acenou-lhe e foi correndo até uma estátua e gritou a Nick para que fos-se com ele. Nick, então, lembrou-se de como fazia quando era criança e subiu a linda escultura. E foi assim a noite toda. Nos dias seguintes, Nick continuou a se encontrar com o grupo, com o qual ele ia se familiarizando. Come-çava já a pular de rampas, e até andar pela parede estava conseguindo. E, todas as noites, encontrava a tranquilidade em frente às obras de arte que estavam por toda a cidade. E foi assim por muito tempo, trabalhava até tar-de e ia para algum parque ou construção encontrar os seus colegas e, então, encontrar a criança interna, que até então estava perdida,e via como a cidade, antes con-siderada um inferno, ia se tornando um espaço de cria-ção, de convivência e, acima de tudo, de paz e cultura, pois bastava abrir os olhos para o que estava a sua volta.

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Após a longa viagem, enfim cheguei a São Paulo. Des-ci vagarosamente do ônibus, com meu ritmo de mi-neira, ou melhor, tentei, já que as pessoas atrás de

mim reclamavam que tinham hora e não podiam mais esperar. Então, fui andando pela rodoviária e observando as platafor-mas, cheguei a uma escada que se movia para o andar de baixo e temi pisar nela, mas as pessoas daquele lugar eram mesmo afobadas! Ao terminar de descer, tropecei na escada, a minha malinha de couro se abriu e voaram roupas para todos os lados. Comecei a pegá-las, e, olhando para o chão, vi uma mão que me ajudava. Levantei a cabeça e com um sorriso estonteante, a mulher disse: “Ora menina, só podia ser você! Atrapalhada como sempre!”. Era minha tia, abracei-a e entrei em seu carro. No caminho, rimos do ocorrido da rodoviária e ela me contou que aquilo era uma escada rolante e que ela também demorara a se acostumar. Minha tia também vie-ra da cidadezinha que vim, no interior de Minas Gerais. Ela veio a São Paulo conseguir melhores oportunidades de emprego e, agora, eu vim estudar, afinal ter aula em casa com meus dez irmãos não estava mais me agradando. Chegando à casa de minha tia, encontrei minha prima, Rebeca, que duvidei no princípio ser minha pri-ma, já que parecia mais um porco-espinho de tão fura-da (mais tarde descobri que ela tinha piercings), a orelha com um buraco gigante e o cabelo de mil cores diferentes. Por esses motivos, estranhei e gritei: “Quem te machucou? O que fizeram com você?”. Minha tia, Rebeca e os amigos dela que ali estavam riram. Observei os amigos de Rebe-ca depois. Todos com o estilo da minha prima, sentados no sofá. Eram oito horas da noite. Ela me disse que iria sair com os amigos para grafitar no balcão deles e que só me esperava para eu ir junto. Apesar de não entender, fui.

Ao anoitecerLetícia Helena Paulino de Assis

No caminho, ela me contou que todas as noites faziam isso. Tinham um balcão alugado, onde faziam desenhos com grafite. Lá no balcão, fiquei sentada só admirando as gravuras na parede, quando jogaram uma lata de spray para mim. Eu dis-se que não sabia pintar, mas, quando comecei a desenhar, tomei gosto pela coisa. De repente, pararam e decidiram ir a uma festa de rock. Antes de chegar à festa, passamos no shopping e com-pramos acessórios de rock para mim, pois estava com um vesti-do florido. Lá alarguei minha orelha, não tanto quanto minha prima, mas um pouco. Fomos à festa. O som era muito alto e a música era mais gritada do que cantada. Todos estavam mexen-do o corpo de um jeito que não sabia se podia chamar de dança. O grupo de minha prima também começou a se mo-ver. Me chamaram e de repente eu estava curtindo o mo-mento. Comecei a ficar com um pouco de sono e, quando olhei no relógio era mais de meia-noite. Eles nem pensa-vam em ir embora. Só saíram do lugar quando resolveram ir aos túneis fechados para andar de skate, que é tipo uma tábua com rodas. Então voltamos ao balcão para pegar os skates. Havia um a mais que me deram. Fomos ao túnel. Caí várias vezes, mas depois “peguei o jeito”. Cansamos. Voltamos ao balcão. Havia violões e aí percebi que havia alguma semelhança entre a cidade e o interior. Cantamos até o sol nas-cer. Aí então voltamos para casa ao som de buzinas de carros.Atualmente, também tenho uns poucos piercings e faço parte desse grupo. Dou prioridade aos estudos, mas no fim de semana repito o programa, já que “a noi-te é uma criança”, expressão que aprendi aqui na cidade.

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Acordou assustado. O despertador não havia to-cado e já eram sete horas da manhã. Para uma pessoa que mora em uma megalópole como São

Paulo e precisa estar no serviço em trinta minutos, isso é mais que atrasado, poderia ser classificado como um pecado ca-pital. Levantou, arrumou-se rapidamente (colocando a gra-vata, o terno e a camisa, como de costume) e saiu de casa. A pressa era tamanha que o café foi esquecido na cafeteira. Seu destino era o centro paulistano, mais pre-cisamente o prédio do Banespa. Trabalhava como ge-rente administrativo naquela estrutura colossal há cinco anos. Não tinha muitos amigos e nem se es-forçava para consegui-los, o movimento acelerado da capital acelerava também o cotidiano de Sam-pa. Não prestava atenção nas pessoas, na paisagem.Certo dia, 25 de novembro, a reunião da empresa atra-sou e Samuel acabou saindo às dez horas da noite. O cansaço o obrigou a diminuir a passada em direção ao metrô. As ruas estavam diferentes, era algo novo. Avistou um grupo de pessoas de uma idade média de trinta anos conversando, pintando uma parede, fotografando... Gostou da imagem que viu, mas a ânsia de descansar era tanta que apenas entrou no metrô em direção à sua cama.Amanheceu, era outro dia na cidade que não para, naquele corrido ano das Olimpíadas de Pequim. Trabalhou o dia inteiro e no final do expediente resolveu quebrar a rotina. Esperou pelo grupo da noite anterior e quando se aproximou deles foi bem recebido e se misturou logo, já que a idade era compatível. Já no seu primeiro dia o avisaram que fariam algo diferente: iriam “invadir” o prédio do Banespa, porém não para roubar ou danificá-lo, apenas queriam apreciar a vista do últi-mo andar. Samuel entrou em desespero.

A segunda face da cidadeLucio Schiavon Yamamoto

Não poderia invadir o próprio local de trabalho. Seria um desastre. Recusou a ideia, mas se rendeu depois, em razão daquela vontade de experimentar algo novo. O grupo entrou no prédio em completo silêncio. Respirar era praticamente proibido. Alcançaram as esca-das sem problemas. Começaram a subir em ritmo acele-rado aqueles andares intermináveis. Para o novato, isso foi uma missão quase impossível, mas com um esforço incrível chegaram ao topo do Empire State paulistano. Indescritível. Essa era a descrição do que eles viram. Uma São Paulo ilu-minada não pelo Sol, mas pelas luzes artificiais de prédios, casas e ruas. Aquilo mudou a maneira de todos enxergarem a vida, porém eles precisavam descer. Já no último degrau da vitória o alarme soou. Desesperados, começaram a cor-rer do próprio medo e se espalharam pelo centro da cidade. No dia seguinte, foi chamado por seu chefe. Suas pernas trêmulas denunciavam seu medo e ele se confirmou. Samuel foi demitido. Foi pego pelas câmeras na noite da in-vasão. Não seria processado, mas a demissão foi imediata. Essa notícia o abalou muito, se afastou do grupo noturno e, desesperado, saiu à procura de outro emprego. Nada achou. Trancou-se em sua casa por semanas, muito abalado. Após um tempo, o dinheiro acabou e resolveu voltar ao grupo. Percebeu novas coisas, prestou atenção na cidade e criou o gosto pela fotografia. Esse gosto se desen-volveu tanto que não saía apenas à noite para fo-tografar, acordava bem cedo para gravar imagens. Percebeu seu novo dom e decidiu se dedicar inteiramente a ele, seria fotógrafo. Estava no ambiente externo na maior parte do tempo, mas não vivia na rua, Samuel vivia a rua.

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Eu coloquei a placa de “vende-se” na por-ta da floricultura logo que a tranquei. As lu-zes da noite não salvavam a lojinha da escu-

ridão desabitada que ela irradiava. Por isso, eu a venderia e iria trabalhar no campo o mais rápido que pu-desse, sempre odiei a cidade mesmo, desde menininha.Saí de lá e mergulhei no longo e estreito beco que ser-via de passagem à rua do metrô. De repente um fa-cho de luz azul-claro atravessou a cena e iluminou um rude vaso de flor que enfeitava uma daquelas portas de fundo de casas, tão parcas quanto a minha. Sob o efeito artístico, a flor murcha até parecia...bonita. Segui o facho com os olhos, mirando o topo da casinha térrea! Cambaleei, esbarrando nas paredes de ti-jolos, quando vi um rapaz sorrindo com uma serenidade irreal. A camisa que ele usava cintilou toda quando ele sal-tou para outro telhado e desapareceu. Tentei acompanhar com o olhar, mas, com outro salto, uma mulher surgiu no mesmo telhado fazendo dezenas de fachos de luz multi-coloridos pintarem o beco. Ela se ajoelhou e me seques-trou com os olhos, estendendo uma margarida branca. Demorei a decidir que aceitaria, e, quando o fiz, ela se levantou num pulo, fazendo correr todas as luzes que irradiavam de sua roupa, assim como a do outro rapaz. Fez um gesto com a mão para alguém distan-te e desceu ao beco também, fazendo sumir os feixes.Mas logo vieram outros, até que cerca de umas dez pessoas surgiram nos telhados com suas roupas brilhantes. A moça foi ao começo do beco de onde eu vim e me estendeu a mão. Devia ser um sonho, pensei. O que custa seguir? E fui atrás dela, assim como os outros vieram atrás de nós.

LuzMarina Nogueira

Quando a luz da rua bem mais aberta ba-teu naquelas pessoas, elas pareceram faróis. Mi-nha mente já girava até que um deles tocou meu ombro e indicou a própria roupa. E era incrível! Ha-via vários pedacinhos de espelhos e cristais cola-dos no pano, o que fazia a luz da cidade se refletir.Outro rapaz veio e apontava a margarida tosca em minha mão. Ele levantou o indicador de forma a me fazer esperar e tirou do bolso um saquinho com vá-rios outros cristais e espelhos quebrados. Pegou três e colocou no miolo da flor. A mulher fez um gesto e to-dos eles formaram um grande círculo ao meu redor. Então, um sorriso estremeceu meus lábios. Toda a flor refletia luz como se fosse ela o próprio cristal. Eles deixavam que deliciosos segundos estendessem meu encanto, até que a mulher se aproximou novamente, com o saco de espelhos em suas mãos e um papel: “A luz não vir de você não significa que você não possa brilhar”. A frase dita em silêncio naquelas letras roubou minha atenção por um segundo, e, quando ergui os olhos, eles saíram correndo e brilhando por cima dos telhados, que brilhavam junto, iluminados pelos fachos de luz. Sorrindo, perdida, nem notei as pessoas ao redor, encarando tudo entretidas. Olhei minha floricultura escurecida e os cristais que brilhavam na flor. E toda a cidade queimava em luzes noturnas. Imaginei como ficaria minha loja coberta daquelas pedras, como aque-las pessoas. Atrairia muita gente! Então, decidi, ali, que eu voltaria a vender flores e retirei a placa de “vende-se”.

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Já passava da meia-noite quando Henrique voltava para casa. Dirigia seu carro, mesmo tendo ingerido um drinque na comemoração do aniversário de dez anos

da empresa. Em meio à escuridão do caminho, pequenas lu-zes iluminavam a rua deserta, porém nunca completamen-te parada, nem mesmo para um instante sequer de sono. O homem vinha refletindo sobre os negó-cios. O que faria de projetos para o futuro? Era pre-ciso trabalhar exaustivamente para que a empre-sa comemorasse muito mais anos de existência. Descanso? Nunca. Empenho era a palavra de ordem. E as estatísticas, os números, as reuniões e os relatórios se alternavam em uma ciranda de pensamentos capitalistas.

A face oculta da cidade

Tamara Alba dos Santos

Repentinamente, Henrique avistou um grupo de pessoas carregando sacos de lixo. Pensou que estivesse louco, ou levemente embriagado. Mas para que sacos de lixo no meio da noite? Talvez fossem sequestradores. E ele pensou em acelerar o veículo ao máximo. Porém, um ins-tinto de coragem e também de curiosidade chamou sua atenção para parar o carro e ver o que realmente acon-tecia. Se alguém precisasse de ajuda, ele seria o herói.Assim que saiu do automóvel, o bando se dispersou rapida-mente, correndo em direção a um beco. O homem notou algo ainda mais estranho, havia algo completamente coberto com os sacos de lixo. E o enigma o despertou: decifra-me! Foi em um surto repentino que ele rasgou a escuri-dão diante de si e vislumbrou a estátua gélida e pálida à luz do luar, no centro da pequena praça no meio do cruzamento. Havia passado por aquela praça centenas, até mes-mo milhares de vezes, e nunca tinha reparado nos contornos e na imponência daquela obra de arte. Como pudera? O di-nheiro e o lucro o consumiam. A ânsia desenfreada pelo su-cesso havia tirado a graça de admirar o quão bela era a cidade. Após aquele momento, as luzes e a arte pene-traram na alma do homem de negócios, já não mais alienado pela realidade do capital. Assim passou a noi-te admirando o espaço ao seu redor, em busca de ou-tros tesouros ocultos no breu. Encontrou muito mais, achou sua satisfação genuína. O grupo misterioso foi o herói que salvou o homem do abismo da ganância.

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Carlos Romão era um homem rico e bem-suce-dido, vivia na zona norte de São Paulo, nos ar-redores do Horto Florestal. Naquela casa, num

residencial, que Romão julgava seguro, morava ape-nas ele, pois este dizia não ter felicidade alguma senão o seu merecido dinheiro, fruto de seu próprio negó-cio, sua empresa transnacional, na zona sul da cidade.Sua rotina era, então, marcada por reuniões e mais reu-niões de negócios, entrevistas de emprego, demissões de funcionários, uma correria só, na qual Romão acu-mulava cada vez mais capital, trabalhava por si mes-mo e pelo seu próprio sucesso, sua “alegria material”. Em uma noite, como de costume, Romão saiu do trabalho, contava umas sete horas e, sem ao menos olhar na cara de seu motorista, entrou no carro, achando que partira para a zona norte. Bebeu um gole de vinho tinto que sempre deixava em seu carro e, morto de can-saço, caiu num sono profundo. Poucos momentos de-pois sonhara que havia perdido a casa, seu dinheiro, sua empresa, estava jogado ao chão de um terreno baldio. Quando olhou, desesperado, em seu relógio, contava duas horas e meia da madrugada. Meio ton-to, Romão levantou-se e começou a procurar a saída, não conseguia parar de pensar que seu sono poderia estar se tornando a mais pura realidade, então, todos os fatos retornaram à sua cabeça: “Como pude ser tão burro, não sei, não vi a cara dele! Fui roubado, meu su-cesso está acabado!!!” – era só no que Romão pensava. No desespero de encontrar uma saída, o homem encontrou, ao atravessar uma escura floresta, casinhas pequeninas, todas amontoadas, feitas de uma mistu-ra de diversos materiais. O conjunto de casinhas cobria um grande morro e se estendia por uma grande área.Uma mulher que lavava suas roupas em baldes do lado de fora de sua casa viu um homem, que aparentemente esta-va bastante aflito. Deixou o trabalho pra trás e foi ajudá-lo.

Noite maldormida

Victória Marchetti Pinto

O homem lhe contou toda a história e, en-tão, a moça o acolheu, levou-o para sua pequena moradia, onde moravam mais cinco crianças e seu marido, que estava voltando do trabalho pesado. A moça deu-lhe um prato de arroz e feijão, dei-xando de se alimentar para dar sua ajuda ao homem.Romão observou, deslumbrado, como a família era feliz e, mesmo naquelas condições, era capaz de ter compaixão por alguém tão rude e esnobe como ele. A mulher lhe explicou a saída da comunida-de no dia seguinte, depois de ter lhe dado cama, co-mida e acolhimento para que o homem se acalmasse e, como se não bastasse, pegou num armário uma cai-xinha com economias da família e lhe deu para que Romão pudesse voltar para casa, o que exigiria trens.Romão naquele dia vira que a felicidade estava no amor, na compaixão e na alegria de fazer a felicida-de dos outros. Coisa que a cidade precisaria aprender.

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Certo dia cheguei atrasada no trabalho e, por não haver vagas, parei o meu carro em uma esquina um tanto quanto longe. Na saída do meu expe-

diente, durante o meu percurso até ele, comecei a achar que havia algo de errado com a cidade. Quero dizer, já passava das onze horas e tudo estava agitado demais. Finalmente avistei o meu carro, e, então, acelerei o passo para alcançá-lo mais rapidamente. E foi aí que me deparei com algo completamente fora do normal. Havia cerca de trinta pessoas pulando enquanto atra-vessavam a rua, que estava bem movimentada por sinal. Aquela atração não durou muito, e eu, indignada com a situação, fui perguntar o que estava acontecendo. “É um flash mob”, disse uma mu-lher que não aparentava ser muito jovem.Após me explicar que o flash mob consiste em reu-nir o maior número de pessoas no menor tempo possível para fazer alguma coisa estranha simulta-neamente, ela me chamou para acompanhar o seu caminho e o do seu grupo de amigos aquela noite.Sinceramente, nunca havia visto nada igual. E não estou me referindo somen-te ao grupo noturno que tinha acabado de fa-zer o seu primeiro flash mob, e sim à cidade inteira.

Cidade com insôniaVictoria Santoro

Tive a impressão de que estava vivendo entre vampiros e que ninguém precisava dormir. Era tudo muito insano, e eu não conseguia me conformar com a anima-ção daquele grupo passeando pelas ruas naquele horário.A verdade é que, mesmo morando em São Pau-lo há 17 anos, não fazia ideia da existência des-se lado noturno da cidade. Vergonhoso talvez. Depois de horas acompanhando o grupo e admi-rando tudo a minha volta com eles, tive um longo cami-nho até o meu carro novamente. Estava exausta. Mas, de qualquer maneira, naquela noite eu dormi sabendo que a cidade jamais faria o mesmo que eu naquele momento.

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